patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

20
COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS XXX SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS FOZ DO IGUAÇU PR, 12 A 14 DE MAIO DE 2015 PATOLOGIA EM GRANDES ESTRUTURAS: ESTUDO DA PERCOLAÇÃO DE ÁGUA NA BARRAGEM DO MARRECAS CAXIAS DO SUL/RS Douglas Francescatto BERNARDI Mestre em Engenharia Civil Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Professor na Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) Juliana Gonçalves ONZI Graduanda em Engenharia Civil Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) Germano Piroli MASCARELLO Graduando em Engenharia Civil Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) Paulo Fantin BUENO Graduando em Engenharia Civil Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) RESUMO O presente trabalho teve como objetivo estudar de forma acadêmica, os possíveis facilitadores para as infiltrações de água na estrutura da barragem do Marrecas. Para isso, tomou-se conhecimento das propriedades dos materiais encontrados no solo da região, os mecanismos de construção, o concreto utilizado e as medidas tomadas para evitar ou amenizar a percolação. Possível mau uso do solo, falta de cautela na execução, monitoramento e técnicas impermeabilizantes na barragem, são condições básicas que interferem nos efeitos das forças de percolação. Em virtude disso, concebendo a dimensão da construção, pode-se considerar que a barragem em questão teve seu projeto e execução em uma área não ideal. Entretanto, devido à inexistência de solo com as características ótimas e ao relevo acentuado da região, considera-se que as soluções adotadas são aceitáveis. ABSTRACT The presente study has the purpose to academically study, the possible facilitators for water infiltration in the structure of the Marrecas embankment. For this it has been known the properties of the materials foundin the region soil, the constructions mechanisms, the concrete that was used and the attitudes that were taken to avoid or soften the percolation. The possible missaplication of the soil, lack of caution in the execution, monitoring and waterproofing techniques of the embankment, are basic conditions that interfere in the percolation forces. By vitue of this, conceiving the dimension of the construction, it could be considered that the embankmentn has its project and execution into na inappropriate area. Nevertheless, due to the inexistence of soil with great charactheristics and the high relief of the region, the solutions that were applied are considered acceptable.

Upload: doanngoc

Post on 08-Jan-2017

229 views

Category:

Documents


6 download

TRANSCRIPT

Page 1: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS XXX – SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS FOZ DO IGUAÇU – PR, 12 A 14 DE MAIO DE 2015

PATOLOGIA EM GRANDES ESTRUTURAS: ESTUDO DA PERCOLAÇÃO DE ÁGUA NA BARRAGEM DO MARRECAS – CAXIAS DO SUL/RS

Douglas Francescatto BERNARDI

Mestre em Engenharia Civil – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Professor na Faculdade da Serra Gaúcha (FSG)

Juliana Gonçalves ONZI

Graduanda em Engenharia Civil – Faculdade da Serra Gaúcha (FSG)

Germano Piroli MASCARELLO Graduando em Engenharia Civil – Faculdade da Serra Gaúcha (FSG)

Paulo Fantin BUENO

Graduando em Engenharia Civil – Faculdade da Serra Gaúcha (FSG)

RESUMO O presente trabalho teve como objetivo estudar de forma acadêmica, os possíveis facilitadores para as infiltrações de água na estrutura da barragem do Marrecas. Para isso, tomou-se conhecimento das propriedades dos materiais encontrados no solo da região, os mecanismos de construção, o concreto utilizado e as medidas tomadas para evitar ou amenizar a percolação. Possível mau uso do solo, falta de cautela na execução, monitoramento e técnicas impermeabilizantes na barragem, são condições básicas que interferem nos efeitos das forças de percolação. Em virtude disso, concebendo a dimensão da construção, pode-se considerar que a barragem em questão teve seu projeto e execução em uma área não ideal. Entretanto, devido à inexistência de solo com as características ótimas e ao relevo acentuado da região, considera-se que as soluções adotadas são aceitáveis.

ABSTRACT

The presente study has the purpose to academically study, the possible facilitators for water infiltration in the structure of the Marrecas embankment. For this it has been known the properties of the materials foundin the region soil, the constructions mechanisms, the concrete that was used and the attitudes that were taken to avoid or soften the percolation. The possible missaplication of the soil, lack of caution in the execution, monitoring and waterproofing techniques of the embankment, are basic conditions that interfere in the percolation forces. By vitue of this, conceiving the dimension of the construction, it could be considered that the embankmentn has its project and execution into na inappropriate area. Nevertheless, due to the inexistence of soil with great charactheristics and the high relief of the region, the solutions that were applied are considered acceptable.

Page 2: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens 2

1. INTRODUÇÃO

A Barragem do Marrecas (Figura 1) está localizada em Nossa Senhora Aparecida, Vila Seca, Caxias do Sul/RS e tem como finalidade a criação de um reservatório com volume útil da ordem de 33 milhões de metros cúbicos de água (Figura 2), para o abastecimento do município de Caxias do Sul. Esta barragem faz parte do Sistema Marrecas, que conta ainda com uma Estação de Bombeamento de Água Bruta (EBAB), uma Estação de Tratamento de Água (ETA), um reservatório e adutoras de água bruta e tratada. Seu barramento foi construído de forma mista. Assim, tem-se uma barragem em concreto compactado com rolo (CCR) e outro barramento com núcleo de argila. O CCR é uma técnica construtiva de maior velocidade, com baixo teor de cimento e baixos custos, tornando-se uma opção bastante viável para grandes projetos de concreto massivo e que normalmente exigem cronogramas reduzidos. Trata-se, portanto, de uma alternativa interessante e eficiente. Entretanto, deve-se ter um cuidado maior com a impermeabilização em construções como barragens devido à alta permeabilidade deste concreto. Uma das maiores preocupações em construções deste tipo é a estanqueidade. As perdas de água, significativas ou não, podem ocorrer por camadas de solos e rochas ou por estruturas geológicas (falhas, fraturas ou descontinuidades diversas) com direções que favoreçam a passagem d’água pelo eixo da barragem, pelas estruturas hidráulicas e pelo reservatório. Assim, devem ser considerados todos os tipos de análises e procedimentos para o controle dos fluxos subterrâneos e forças de percolação, com sistemas de vedação e drenagens internas (filtros e drenos). As formas de perdas d’água são as mais diversas e dependentes de características geológicas (litológicas, estruturais, geomorfológicas), topográficas, entre outras (INFANTI JR. e FORNASARI FILHO, 1998). Algumas técnicas de impermeabilização são: a vedação à montante da barragem com uma fina camada de concreto convencional ou o emprego de uma geomembrana sintética (de PEAD ou PVC) aderida, também, na face de montante do barramento.

Figura 1 – Jusante da Barragem do Marrecas

Page 3: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens 3

Figura 2 – Reservatório da Barragem do Marrecas

2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 SONDAGEM

Na Barragem do Marrecas foram executados 17 furos de sondagem mista (à percussão juntamente com a rotativa) no barramento, atingindo o total de 17,15 metros em solo e 265,46 metros em rocha, bem como 26 unidades de ensaios de perda d’água e 6 unidades de ensaios de infiltração. Na pedreira, foram executados dois furos em sondagem mista perfazendo um total de 59,42 metros em rocha e, finalmente, na jazida com quatro furos à percussão, dando um total de 28,66 metros em solo. Nos perfis de sondagens foram assinalados também os níveis d’água do subsolo ou lâmina d’água. Nos dados principais do resultado de um furo de sondagem, encontram-se o perfil geológico e a descrição das características desse material. Na coluna denominada “Resistência a Penetração” apresenta-se a qualidade do material encontrado naquele ponto. Quanto maior o preenchimento da coluna, melhor será o aproveitamento do material. Tem-se ainda, o nível do lençol freático e os dados de perda d’água sob pressão. Na Figura 3, a amostragem por testemunho foi retirada através da sondagem rotativa. Nela observam-se fragmentos do material, resultado de uma região com solo de baixa qualidade e muito quebradiço. Nos cilindros inteiros, a qualidade é melhor, porém ainda percebem-se sulcos, significando que o material da área é muito visiculado. A primeira parte da caixa onde não está preenchida por amostra, representa um material sem possibilidades de aproveitamento.

Page 4: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens 4

Figura 3 – Testemunho do solo

2.2 PERDA D’ÁGUA SOB PRESSÃO Dependendo da importância e densidade de fissuração da rocha, são comuns de acontecerem perdas de água parciais ou totais durante a execução de sondagens rotativas. Desse modo, os ensaios de perda d’água destinam-se à determinação da permeabilidade e do comportamento dos maciços rochosos frente à percolação d’água através de suas fissuras, sendo executados em furos de sondagens e com água sob pressão. Na Barragem do Marrecas, definiu-se que os ensaios seriam executados em trechos de 3 metros de comprimento, a partir do início da perfuração. Definiu-se como a pressão manométrica máxima igual a 0,25 kgf/cm² por metro de profundidade na vertical; pressão intermediária igual à metade da pressão máxima e pressão mínima igual a 0,1 kgf/cm². No cálculo das pressões efetivas, além das pressões manométricas aplicadas em cada ensaio, considerou-se a posição do nível da água do maciço, a pressão hidrostática devido à coluna de água do ensaio e as respectivas perdas de carga na composição. 2.3 INJEÇÕES DE CALDA DE CIMENTO

Os trechos com necessidade de injeções de calda de cimento, como método de impermeabilização, foram estabelecidos tomando por base a inspeção do nível de fraturamento da rocha e os resultados dos ensaios de perda d’água. Como regra, na Barragem do Marrecas definiu-se que em todos os trechos em que as perdas d’água absolutas fossem superiores a 0,5 l/min/m/atm (Critério de Redlich e Terzagui) seria executada uma cortina de vedação longitudinal, ou seja, injeções de calda de cimento. Inicialmente executaram-se furos na rocha, espaçados entre si em 6,00 metros. Os furos foram localizados em linha paralela, e 2,00 metros a montante do eixo dos

Page 5: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens 5

barramentos com núcleo de argila. Observa-se que em todos os furos “primários” foram efetuados ensaios de perda d’água. Nos trechos das cortinas de vedação onde houve admissão de calda de cimento superior a 25 kg/m, executaram-se furos “secundários”, reduzindo-se o espaçamento entre eles para 3,00 metros. Os furos secundários alcançaram cota de 2,00 metros abaixo daquela onde houve admissão de calda de cimento em pelo menos um dos furos primários vizinhos. Onde houve ainda admissão de calda de cimento nestes furos, repetiram-se novamente as operações, reduzindo-se o espaçamento entre eles para 1,50 metros, com os furos “terciários”, em duas linhas paralelas, 1,00 metro à montante e à jusante da linha de injeção inicial. Observa-se que a água de lavagem dos furos para injeção de calda de cimento deve circular por ele, praticamente sem pressão, de modo a evitar o carreamento de material das paredes. A partir de 200 kg/m³ de consumo de cimento, definiu-se que o material a injetar seria constituído de argamassa de cimento (mistura de água, cimento e areia). Nas fundações dos núcleos argilosos do barramento, a execução das injeções (Figura 4) foi feita após o preparo da superfície e antes da vedação das fraturas, falhas ou fendas. O preparo da superfície das fundações consistiu em preencher com calda de cimento as fissuras abertas, tomando-se o cuidado de evitar acúmulo da calda nas superfícies de rocha não fraturada. Ainda, preencheram-se as fendas com argamassa de cimento e areia e, as depressões de maiores dimensões, com concreto. Infiltrações e nascentes na área de fundação foram isoladas e drenadas, de modo que não interferissem nas operações de preparo da fundação de áreas vizinhas e no lançamento dos aterros. Também se localizaram os furos de antigas sondagens que eventualmente não foram obturados, e furos de desmonte que se prolongavam abaixo da cota da fundação. Tais orifícios foram limpos e preenchidos com argamassa de cimento.

Figura 4 – Injeção de calda de cimento na rocha

2.4 ESTRUTURAS DE CONCRETO

O concreto convencional (CCV) utilizado na barragem foi composto basicamente de cimento de alto forno (CPIII) e pozolânico (CPIV), água, agregados graúdos e miúdos. As faces rochosas sobre as quais foi aplicado o concreto estavam em estado saturado com superfície seca.

Page 6: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens 6

Na retomada de juntas frias, quando o lançamento reiniciasse antes do início da pega do concreto não foi necessário nenhum tratamento. Em caso contrário, tratou-se a junta fria como uma junta de construção comum. A junta fria, sempre que possível, situou-se em locais de pequena solicitação estrutural e pouca densidade de armadura e embutidos. Utilizou-se barbacãs na drenagem dos taludes em que se aplicou concreto projetado. As vedações, realizadas com dispositivos internos à massa de concreto, foram realizadas com perfis conhecidos como Fugenband, perfilados em termoplástico PVC (cloreto de polivinil), como mostra a Figura 5. O concreto compactado com rolo (CCR) foi composto por alto teor de finos e aditivos redutores de água e retardadores de pega inicial do concreto. Os agregados foram obtidos através da britagem do diabásio, selecionado do material removido durante as escavações. Nas fundações de rocha foi lançado concreto de regularização ou dental do tipo convencional, com espessuras variáveis. Todas as depressões e sulcos da rocha foram limpos e preenchidos com concreto de regularização. Nos locais onde havia contato com os taludes de rocha e nas superfícies inclinadas das rochas de fundação, foi lançada previamente uma camada base de concreto convencional com altura igual à camada de CCR. Na Figura 6 observa-se exemplo de taludes trabalhados. Inicialmente a espessura compactada, ou seja, a espessura da camada de CCR adotada foi de 0,30 metros, com número de passadas do rolo compactador entre 8 e 12 (Figuras 7 e 8). O número de passadas foi determinado de acordo com as características do rolo vibratório, através dos testes na pista experimental. Este número deve ser suficiente para que o CCR atinja uma massa especifica úmida mínima de 98% da massa específica úmida teórica (soma do peso de todos os materiais utilizados, em um determinado traço, para produzir um metro cúbico de concreto). A massa específica do CCR utilizado nessa obra ficou em 2,25 kg/dm³. É importante observar que nos intervalos de concretagem superiores há 6 horas, foram necessários o lançamento de argamassa de ligação, numa espessura máxima de 1,5 cm, com a finalidade de que a primeira camada, após este intervalo, aderisse com mais eficiência à última camada lançada. Além disso, na última camada compactada anterior à interrupção, executou-se o acabamento nas extremidades com um desnível de 2% em relação ao centro da camada (Figura 9), afim de que a água não acumulasse na superfície do CCR, o que acarretaria problemas com a cura do concreto. No paramento de montante foi lançado concreto convencional juntamente com o CCR enriquecido com calda de cimento, numa largura de no mínimo 0,35 metros (Figura 10).

Page 7: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens 7

Figura 5 – Vedação com perfil termoplástico PVC, inserido à massa de concreto

Figura 6 – Taludes de Rocha

Figura 7 – Compactação do CCR

Page 8: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens 8

Figura 8 – Compactação do CCR

Figura 9 – Acabamento da camada de CCR

Figura 10 – Lançamento de concreto convencional (CCV) no paramento de montante

Page 9: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens 9

2.5 DRENAGEM A drenagem superficial da crista e talude de jusante dos barramentos e áreas contínuas realizou-se por um sistema constituído de: a) Meios fios com finalidade de proteger a borda da estrada de coroamento dos barramentos, conduzindo águas pluviais a pontos de descarga, de forma a evitar erosões nos revestimentos dos maciços; b) Canaletas de drenagem com a finalidade de coletar as águas superficiais do talude de jusante dos barramentos, conduzindo-as aos dispositivos situados nos pés dos barramentos através de canais rápidos, evitando erosões das áreas revestidas; c) Canais rápidos com a finalidade de conduzir águas pluviais coletadas pelas canaletas de drenagem até os dispositivos de dissipação de energia situados nos pés dos taludes de jusante dos barramentos; d) Tubos de concreto para encaminhamento das águas coletadas; e e) Caixas de alvenaria com tampas de concreto com a finalidade de coletar as águas conduzidas pelas canaletas de drenagem e canais rápidos, dissipando sua energia e servindo como ponto de derivação.

2.6 IMPERMEABILIZAÇÃO

A vedação, ou o sistema de vedação de barragens, são indispensáveis e baseiam-se na utilização de um ou mais materiais ou estruturas que impedem ou dificultam a percolação de água pela barragem e sua fundação. As estruturas ou soluções de vedação são, prioritariamente, aplicadas ao longo do eixo e nas porções de montante do corpo do barramento (GERALDO, 2005). Como dito anteriormente, na fundação em rocha da obra em questão, o método de impermeabilização adotado foi uma cortina de vedação longitudinal de calda de cimento no eixo do barramento, com a intenção de interromper o fluxo de água no corpo da barragem. Entretanto, é importante ressaltar que uma cortina de injeção não é totalmente estanque, pois é praticamente impossível se conseguir preencher todos os vazios ou descontinuidades presentes em um maciço de fundação. Na execução do barramento de CCR foram utilizadas, a cada 20 metros, juntas de contração transversais do tipo induzida, com veda junta tipo perfilado e indutores em madeira seguidos de manta plástica enrolada em compensados, para verticalizar o perfil (Figura 11). Optou-se por esse mecanismo de trabalho devido ao excelente desempenho do material em relação aos esforços de trabalho à tração, cisalhamento e compressão. A intenção de garantir a vedação da junta com durabilidade e flexibilidade foram os motivos que levaram ao uso desse material. Além disso, na porção à montante do barramento utilizou-se uma camada de aproximadamente 0,35 metros de concreto convencional (CCV) de resistência igual a 15 MPa, como impermeabilizante, à medida que as camadas de CCR iam sendo compactadas (Figura 12). Essa parede de concreto convencional a montante do barramento é comum em execuções de barragens deste tipo, e junto com as injeções de calda de cimento nas fundações, é o elemento principal do sistema de impermeabilização. Ao final da obra, devido à presença de pontos de vazamento, executaram-se injeções de poliuretano (Figura 13) na galeria de drenagem, na galeria de desvio e ao longo dos degraus do paramento de jusante. Este material tem a finalidade de estancar infiltrações provenientes de fissuras e ninhos de concretagem. Por ser um

Page 10: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens

10

material hidroativo, uma vez que em contato com a água sofre um processo de expansão no interior das cavidades, selando os vazamentos.

Figura 11 – Junta de contração transversal

Figura 12 – Uso de CCV no paramento de montante

Figura 13 – Injeção de poliuretano na galeria de drenagem

Page 11: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens

11

2.7 INSTRUMENTAÇÃO

Uma vez que nenhum sistema de vedação é capaz de impedir a passagem de água ou de reduzir de forma eficiente ou suficiente as pressões neutras, então, faz-se necessário o controle dos fluxos internos da barragem e de sua fundação com sistemas de drenagem interna. Os sistemas de drenagem interna são compostos por estruturas ou camadas de materiais granulares ou dispositivos que interceptam os fluxos e conduzem, sob controle e de forma rápida, as águas percoladas para fora da barragem. Ainda devem ser capazes de impedir o carreamento de partículas sólidas do maciço e fundação da barragem. As drenagens internas são utilizadas normalmente na porção de jusante das barragens de terra ou à jusante dos sistemas de vedação nas barragens de concreto e enrocamento. Têm como finalidades básicas reduzir as forças de percolação e as pressões neutras (subpressões), rebaixar a linha freática, evitar a ocorrência de erosão interna (piping) e melhorar as condições gerais de estabilidade (GERALDO, 2005). Para o monitoramento da fundação e do barramento de CCR da Barragem do Marrecas, previu-se instrumentação tipo piezômetro, drenos de fundação, medidores triortogonais de juntas e extensômetros múltiplo de haste, para verificar os critérios de subpressão e de deformação. Através das calhas tipo Parshall foi prevista a medição das vazões de infiltração no interior da galeria de drenagem projetada. Além disso, controlou-se a vazão de água percolada nas ombreiras da barragem.

3. RESULTADOS

Com a análise dos ensaios de sondagem, perda d’água e alguns dados complementares, chegou-se a conclusão de que o solo onde foi construída a Barragem do Marrecas possui duas interfaces, ou seja, dois tipos de materiais. Isso explica a ocorrência, após uma considerável camada de rocha, de solo novamente. O material encontrado são fragmentos rochosos colados uns aos outros por material vulcânico; este último, muito heterogêneo. A primeira interface se caracteriza por fraturas horizontalizadas e verticalizadas. Diante dos dados, aproximadamente na cota 725 metros, inicia-se uma interface mais delicada. Constata-se que há uma situação crítica logo abaixo da cota 720, onde o material encontrado é muito quebradiço, de baixa qualidade, apresentando alta porosidade no seu interior e, consequentemente, baixa resistência. Orientando-se pela seção geoelétrica do solo (figura 14), que caracteriza a geologia de uma determinada área, e pelo perfil geológico esquemático (figura 15), observa-se que o trecho que apresenta uma situação crítica corresponde exatamente à calha do arroio Marrecas (aproximadamente na cota 715 metros), ou seja, a unidade mais profunda do maciço de CCR. Nesse trecho, apresenta-se uma zona de fraqueza, devido às fissuras internas do material, tendo sua resistividade muito baixa pelo fato do solo estar saturado. Nessa região, a coluna de água é maior, dessa forma os resultados do ensaio sob pressão apresentaram praticamente 100% de perda d’água, consequência da rocha muito fraturada e da sua grande porosidade. Na execução do barramento, na calha do arroio Marrecas, foi necessário retirar esse material crítico. Sua recomposição foi feita através da aplicação de CCR como material de enchimento. Haja vista todas estas considerações, é necessário se analisar também a execução da cortina de vedação com injeção de calda de cimento. Como observado

Page 12: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens

12

anteriormente, em projeto avaliou-se que os furos, depois dos terciários, passariam aos “complementares”, com espaçamento inferior a 1,50 metros, se ainda houvesse necessidade. Entretanto, na execução da obra, devido à grande admissão de calda de cimento, houve a necessidade de acrescentar furos “quaternários”, distantes em 1,50 metros e então, os furos “complementares”, distando 0,75 metros. Também por esse motivo, avaliou-se que a profundidade máxima dos furos não foi suficiente. Em projeto, previa-se que os furos teriam profundidade variável até 15 metros, entretanto na execução alguns furos chegaram a uma profundidade de 38 metros. Mais uma vez, as características do solo interferiram no comportamento do barramento, com implicação de mudanças nas condições já pré-estabelecidas antes da execução da obra. Na figura 16 tem-se o perfil de injeções de calda de cimento, destacando mais uma vez que a área da calha do arroio Marrecas é a mais crítica, havendo concentração maior de injeções. Além da percolação de água pelo maciço de CCR (figura 17), conforme ocorria o enchimento do reservatório, destaca-se também a ocorrência da percolação de água nas ombreiras, no contato entre a barragem de concreto e a barragem de argila (figura 18). Previa e monitorava-se essa vazão através de instrumentação. Devido ao aumento do fluxo da água, em um período curto de tempo, o controle ficou prejudicado, adaptando-se um cano com diâmetro bem maior ao original como forma de instrumentação, como mostra a figura 19. Tal adversidade talvez seja a mais preocupante, pois a água que está percolando entre as ombreiras, possivelmente esteja fluindo pelo interior da rocha. Sabendo-se que o material nessa região é muito fragmentado e de baixa qualidade, o impacto desse movimento da água desagrega o solo em partículas ainda mais finas. O que se teme em barragens é que esse fluxo de água promova uma erosão interna, isto é, o arraste ou carreamento de partículas sólidas ou materiais em solução. Este fato, além das predisposições do solo e um controle de fluxo de água não efetivo, pode estar ligado a problemas de concretagem na execução da obra, provenientes de uma possível má adesão do maciço de CCR nos taludes.

Page 13: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens

13

Figura 14 - Seção geoelétrica do solo da região da Barragem do Marrecas

Page 14: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens

14

Figura 15 - Perfil geológico esquemático da região da Barragem do Marrecas

Page 15: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens

15

Figura 16 - Perfil da injeções de calda de cimento

Page 16: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens

16

Figura 17 - Infiltração no barramento de CCR

Figura 18 - Percolação de água pelas ombreiras da barragem

Figura 19 - Comparação do aumento do fluxo da água nas ombreiras

Page 17: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens

17

Diante das análises feitas, apresentam-se algumas considerações que possivelmente tenham facilitado e agilizado a percolação de água na estrutura da Barragem do Marrecas: a) A região onde foi construída a Barragem não é um solo apropriado para esse tipo de construção. Devido à dimensão da obra, seria mais seguro e adequado ter se optado por outra locação. O material da região é extremamente irregular, possui muitas fissuras e fragmentação, é de má qualidade e resistência, como comprovado na figura 20. Chama-se atenção para o vazio, onde não há amostragem de testemunho, indicando que foi impossível o aproveitamento naquele ponto. Fato que se observa na maior parte dos resultados de sondagem feita na obra; b) O material da zona crítica foi retirado da calha do arroio Marrecas com foco somente na execução do barramento de CCR no local. Possivelmente nos extremos da calha ainda tenha permanecido esse tipo solo. Haja vista que nas laterais do maciço de CCR tenha permanecido material de baixa resistência, poroso, muito fragmentado e com as outras demais características já citadas, a água pode estar escolhendo este caminho preferencial para se infiltrar; c) Optou-se por aproveitar esse material nas áreas vizinhas. Conhecendo suas características e se optando por não retirá-lo seria de fundamental importância que houvesse um tratamento adequado a ele. Aponta-se se esse material teve seu interior bem vedado, prevendo que a água do próprio reservatório poderia percolar por ele, chegando até a prejudicar o enchimento deste; d) Na análise de todos os materiais disponíveis, fica-se evidente o quão delicado é a região da parte mais funda do barramento. Principalmente no ensaio de perda d’água sob pressão o local é caracterizado com perca de água total (figura 21), mostrando que a água não estava sendo contida pelo maciço, ainda na época do ensaio. Questiona-se a aplicação de providências mais efetivas diante desse problema; e) O início do enchimento do reservatório de uma barragem deve ser um procedimento feito com cautela e monitoramento. Dessa forma, se ocorrerem problemas de percolação ou vazamento seria possível, em tempo hábil, aplicar medidas de correção; f) Análise da eficiência da cortina de vedação com calda de cimento: As cortinas de injeções conseguem reduzir substancialmente as vazões de percolação, mas são, muitas vezes, pouco eficientes na redução das subpressões. Casagrandre (1961) demonstra que as injeções realizadas em várias barragens de concreto não conseguiram reduzir substancialmente tais subpressões, chamando a atenção dos técnicos sobre a importância da drenagem em fundações de barragens, e alertando-os contra uma confiança demasiada nas cortinas de injeção. Portanto, é indispensável lembrar que as injeções e a drenagem estão intimamente associadas quando se estuda o tratamento da fundação de uma barragem. A adoção de um tipo (injeções) ou de outro (drenagem) ou de ambas, exige amplos conhecimentos teóricos e experiências práticas da equipe encarregada de estudos, bem como requer um domínio profundo do condicionamento geomecânico e geohidráulico do maciço a ser tratado e, principalmente, uma percepção intuitiva das eventuais descontinuidades e anomalias presentes, as quais geralmente comandam toda a tratabilidade do maciço. Tendo em vista que a percolação em maciços rochosos ocorre através de fissuras e juntas, a eficiência de uma cortina de injeção dependerá da natureza do sistema de juntas (abertura, espaçamento, preenchimento) bem como das caldas utilizadas, dos tipos de equipamentos escolhidos e dos processos tecnológicos adotados;

Page 18: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens

18

g) Quanto às injeções de poliuretano, executadas logo após a obra pronta, tem-se a dúvida se elas estão sendo eficazes. Uma vez que aplicadas as injeções nos pontos de vazamento, a água estancada nesse ponto encontrará outro caminho para fluir, formando-se em outro local um vazamento não existente anteriormente. Assim, não se sabe a quantidade de aplicações que deverão ser feitas, já que o processo está em andamento atualmente na barragem.

Figura 20 – Amostragem por testemunho

Figura 21 – Ensaio de perda d’água total

4. PALAVRAS – CHAVE

Barragem do Marrecas; Percolação; Concreto Compactado com Rolo.

Page 19: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens

19

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Análise do comportamento de juntas de CCR com alto teor de finos. 260 p. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/14710>. Acesso em: 25 maio 2014. [2] BRAJA, M. DAS; Fundamentos de Engenharia Geotécnica. São Paulo: Cengage Learning, 2013. [3] Comitê brasileiro de barragens. XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens. Segurança de barragens: o que fazer para convergir teoria e prática? 13 p. Disponível em: <http://www.cbdb.org.br/13-44/XXVI%20%20%20SEMIN%C3%81RIO%20NACIONAL%20DE%20GRANDES%20BARRAGENS%20%20GOI%C3%82NIA%20%20%20GO%20%20%20%2011%20a%2015%20de%20Abril%20de%202005/63>. Acesso em: 25 maio 2014. [4] Comitê brasileiro de barragens. XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens. Por que geomembranas no tema 96? 14 p. Disponível em: <http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCUQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.cbdb.org.br%2Fdocumentos%2Fsite%2F96%2FA02.doc&ei=XNSRU8vpEezisASC2gI&usg=AFQjCNEjPw7ork4vHpIypROcH1PJRrw3oA&bvm=bv.68445247,d.cWc>. Acesso em: 02 junho 2014. [5] Concreto e Construções. Tecnologia do concreto no projeto e construção de usinas hidrelétricas brasileiras. Revista Ibracon, 2011. 124 p. Disponível em <http://www.ibracon.org.br/publicacoes/revistas_ibracon/rev_construcao/pdf/revista_concreto_63.pdf>. Acesso em: 25 junho 2014. [6] Investigações geológico-geotécnicas: Relatório de sondagens. Consórcio Fidens-Sanenco/PROGEO ENGENHARIA LTDA. 15 p. [7] Levantamento geofísico por meio de imageamento elétrico 2-D e sondagem elétrica vertical (SEV) no eixo da futura barragem no Arroio Marrecas. SAMAE/HIDROSERV. 23 p. [8] Notas de Aula Mecânica dos Solos. Unidade 6: Permeabilidade dos Solos. 20 p. Disponível em: <http://www.google.com.br/urlsa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCUQFjAA&url=ftp%3A%2F%2Fftp.cefetes.br%2Fcursos%2Ftransportes%2FCelioDavilla%2FSolos%2FLiteratura%2520complementar%2FNotas%2520de%2520aula%2Funidade_6.pdf&ei=PM-RU6ysFuLJsQTz4YKADw&usg=AFQjCNGfiGuEKw_b7Z9H6QUzcAgdsGTneA&bvm=bv.68445247,d.cWc>. Acesso em: 01 junho 2014. [9] O uso do concreto compactado com rolo em barragens: tendências futuras. 106 pág. Disponível em: http://juno.unifei.edu.br/bim/0031048.pdf. Acesso em: 25/05/2014 [10] Programa de investigação da Barragem Arroio Marrecas: Execução de sondagens mistas (Percussão/Rotativa). SAMAE/EPT. 113 p.

Page 20: patologia em grandes estruturas estudo da percolação de água na

XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens

20

[11] Projeto Executivo da Barragem do Sistema Marrecas. SAMAE. 182 p. [12] SILVEIRA, G. L.; CRUZ, J. C. Seleção Ambiental de Barragens: Análise de Favorabilidades Ambientais em Escala de Bacia Hidrográfica. Santa Maria: UFSM, 2005. [13] SILVEIRA, J.F.A.; Instrumentação e Comportamento de Fundações de Barragens de Concreto. São Paulo: Oficina de Textos, 2003. [14] II Seminário Nacional de Concreto Compactado com Rolo. Barragens em CCR – Especificações técnicas: Pontos de interesse, conflito e discussões. 9 p. Disponível em: <http://www.intertechne.com.br/eng/images/FILES/pchCOPEL.pdf>. Acesso em: 25 maio 2014.