patologia - apoptose (robbins)

11
Apoptose Robbins – Patologia geral A apoptose é a via de morte celular que é induzida por um programa intra-celular altamente regulado, no qual as células destinadas a morrer ativam enzimas que degradam seu DNA nuclear e as proteínas citoplasmáticas. A membrana plasmática da célula permanece intacta, mas sua estrutura é alterada de forma que a célula apoptótica se torna alvo primário da fagocitose. A célula morta é eliminada rapidamente, antes que seu conteúdo possa extravasar e, desse forma, esse tipo de morte celular não desencadeia uma reação inflamatória pelo hospedeiro. Consequentemente, a apoptose é fundamentalmente diferente da necrose, que é caracterizada pela perda de integridade das membranas, digestão enzimática das células e onde frequentemente ocorre reação do hospedeiro. Entretanto, algumas vezes a apoptose e a necrose coexistem, podendo ter algumas características e mecanismos em comum. Causas de apoptose A apoptose foi inicialmente reconhecida em 1972 por sua morfologia distinta e nomeada pela designação grega para “decadência”. Ela ocorre normalmente em várias situações graves e serve para eliminar células indesejáveis ou potencialmente danosas e células que já não mais úteis. Também é um evento patológico quando as células são danificadas e não podem mais ser recuperadas, especialmente quando a lesão afeta seu DNA; nessas situações, a célula irremediavelmente danificada é eliminada. A apoptose é responsável por numerosos eventos fisiológicos, de adaptação a patológicos, listados a seguir. Apoptose em situações fisiológicas A morte por apoptose é um fenômeno normal que elimina células que já não são necessárias como, e.g., durante o desenvolvimento, e para manter um número estável de várias populações celulares nos tecidos. Ela é importante nas seguintes fisiológicas: A destruição programada de células durante a embriogênese, incluindo a implantação, organogênese, involução inerente ao

Upload: denise-oliveira

Post on 07-Apr-2016

70 views

Category:

Documents


40 download

DESCRIPTION

Patologia - Apoptose (Robbins)

TRANSCRIPT

Page 1: Patologia - Apoptose (Robbins)

ApoptoseRobbins – Patologia geral

A apoptose é a via de morte celular que é induzida por um programa intra-celular altamente regulado, no qual as células destinadas a morrer ativam enzimas que degradam seu DNA nuclear e as proteínas citoplasmáticas. A membrana plasmática da célula permanece intacta, mas sua estrutura é alterada de forma que a célula apoptótica se torna alvo primário da fagocitose. A célula morta é eliminada rapidamente, antes que seu conteúdo possa extravasar e, desse forma, esse tipo de morte celular não desencadeia uma reação inflamatória pelo hospedeiro. Consequentemente, a apoptose é fundamentalmente diferente da necrose, que é caracterizada pela perda de integridade das membranas, digestão enzimática das células e onde frequentemente ocorre reação do hospedeiro. Entretanto, algumas vezes a apoptose e a necrose coexistem, podendo ter algumas características e mecanismos em comum.

Causas de apoptose

A apoptose foi inicialmente reconhecida em 1972 por sua morfologia distinta e nomeada pela designação grega para “decadência”. Ela ocorre normalmente em várias situações graves e serve para eliminar células indesejáveis ou potencialmente danosas e células que já não mais úteis. Também é um evento patológico quando as células são danificadas e não podem mais ser recuperadas, especialmente quando a lesão afeta seu DNA; nessas situações, a célula irremediavelmente danificada é eliminada. A apoptose é responsável por numerosos eventos fisiológicos, de adaptação a patológicos, listados a seguir.

Apoptose em situações fisiológicas

A morte por apoptose é um fenômeno normal que elimina células que já não são necessárias como, e.g., durante o desenvolvimento, e para manter um número estável de várias populações celulares nos tecidos. Ela é importante nas seguintes fisiológicas:

A destruição programada de células durante a embriogênese, incluindo a implantação, organogênese, involução inerente ao desenvolvimento e metamorfose. A expressão “morte celular programada” foi cunhada originalmente para descrever a morte de determinados tipos celulares durante o desenvolvimento. A apoptose é um termo genérico para esse padrão de morte celular, independente do contexto, mas é também usado alternadamente com o conceito de “morte celular programada”.

A involução dependente de hormônios nos adultos, tal como o colapso endometrial durante o ciclo menstrual, a atresia folicular ovariana na menopausa, a regressão da mama lactante após o desmame e a atrofia prostática após a castração.

A eliminação celular em populações celulares em proliferação, tal como o epitélio da crista intestinal, para manter um número celular constante.

Morte das células do hospedeiro que já cumpriram seu propósito, tais como os neutrófilos, na resposta inflamatória aguda, e os linfócitos ao final da resposta imunológica. Nessas situações, as células sofrem apoptose, pois são privadas dos sinais necessários para sobreviver, tais como os fatores de crescimento.

Eliminação de linfócitos auto-reativos potencialmente danosos, antes ou depois de terem completado seu amadurecimento (capítulo 6).

A morte celular induzida pelas células T citotóxicas, um mecanismo de defesa contra vírus e tumores que serve para eliminar células infectadas com vírus ou células neoplásicas. O

Page 2: Patologia - Apoptose (Robbins)

mesmo mecanismo é responsável pela rejeição celular dos transplantes (capítulo 6).

Apoptose em condições patológicas

A morte por apoptose também é responsável pela perda de células em uma variedade de estados patológicos:

Morte celular produzida por vários estímulos nocivos. Por exemplo, na lesão do DNA pela radiação e drogas citotóxicas anti-cancerosas, se os mecanismos de reparo não puderem lidar com a lesão, a célula ativa a via de apoptose. Nessas situações, a eliminação da célula pode ser uma alternativa melhor do que arriscar o desenvolvimento de mutações e translocações no DNA danificado, que podem resultar em transformação maligna. Esse estímulos prejudiciais, assim como o calor e a hipóxia, podem induzir a apoptose se a lesão for moderada, mas doses maiores dos mesmos estímulos podem resultar em necrose. O estresse do retículo endoplasmático, que pode ser induzido pelo acúmulo de proteínas não-dobradas, também estimula a morte celular por apoptose.

A lesão celular em certas doenças viróticas, como a hepatite viral, na qual a perda das células infectadas ocorre principalmente por apoptose.

A atrofia patológica dos órgãos parenquimatosos após obstrução ductal, como ocorre no pâncreas, na parótida e nos rins.

A morte celular nos tumores, frequentemente durante a regressão, mas que também ocorre em tumores em crescimento.

Como mencionado anteriormente, mesmo em situações na qual a morte celular se dá principalmente por necrose, a via da apoptose também pode ocorrer. Por exemplo, estímulo nocivos que causam aumento da permeabilidade mitocondrial desencadeiam a apoptose.

Antes de discutirmos os mecanismos da apoptose, descreveremos as características morfológicas e bioquímicas desse processo.

Morfologia: Apoptose

As seguintes características morfológicas, algumas mais visíveis com o microscópio eletrônico, definem as células em apoptose:

Encolhimento celular. O tamanho da célula está diminuído; o citoplasma denso; e as organelas, apesar de aparentemente normais, estão mais agrupadas.

Condensação da cromatina. Este é o aspecto mais característico da apoptose. A cromatina se agrega na periferia, sob a membrana celular, em massas densas de várias formas e tamanhos. O próprio núcleo pode se romper, produzindo dois ou mais fragmentos.

Formação de bolhas citoplasmáticas e corpos apoptóticos. A célula apoptótica primeiro apresenta uma extensa formação de bolhas na sua superfície que depois sofrem fragmentação, formando corpos apoptóticos ligados á membrana, compostos de citoplasma e organelas bem compactadas, com ou sem a presença de fragmentos nucleares.

Fagocitose das células apoptóticas ou corpos celulares, geralmente pelos macrófagos. Os corpos apoptóticos são rapidamente degradados nos lisossomos e as células saudáveis adjacentes migram e proliferam para substituir o espaço ocupado pela célula apoptótica eliminada.

Imagina-se que as membranas plasmáticas permaneçam intactas até os últimos estágios da apoptose, quando se tornam permeáveis a solutos que são normalmente retidos. Essa descrição clássica é acurada em relação á apoptose em condições fisiológicas, como a embriogênese e a

Page 3: Patologia - Apoptose (Robbins)

eliminação de células imunológicas. Entretanto, formas de morte celular com características de necrose e de apoptose não são incomuns após estímulos nocivos. Sob tais condições, a severidade, e não a especificidade, do estímulo determina a forma pela qual a morte se expressa. Se as características necróticas predominam, ocorre lesão inicial da membrana plasmática e edema celular ao invés de redução no tamanho da célula.

Histologicamente, nos tecidos corados pela hematoxilina e eosina a apoptose envolve células isoladas ou pequenos aglomerados de células. A célula apoptótica se apresenta como uma massa arredondada ou ovalada com citoplasma intensamente eosinofílico e densos fragmentos de cromatina nuclear. Como o encolhimento celular e a formação de corpos apoptóticos ocorre rapidamente e os fragmentos são rapidamente fagocitados, a apoptose em um tecido pode ser considerável antes de se tornar aparente nas seções histológicas. Além disso, a apoptose – em contraste com a necrose – não estimula a inflamação, tornando sua detecção histológica mais difícil.

Características bioquímicas da apoptose

As células apoptóticas geralmente exibem uma constelação distinta de modificações bioquímicas que são as bases das alterações estruturais descritas anteriormente. Algumas dessas características também podem ser vistas nas células necróticas, mas outras alterações são mais específicas.

Degradação de proteínas. Um aspecto característico da apoptose é a hidrólise das proteínas envolvendo a ativação de vários membros de uma família de cisteíno-proteases chamadas de caspases. Várias caspases estão presentes nas células normais como pré-enzimas inativas e precisam ser ativadas para induzir a apoptose. As caspases clivam muitas proteínas celulares vitais, tais como as lamininas, destruindo a estrutura nuclear e o cito-esqueleto; além disso, as caspases ativam as DNAases, que degradam o DNA nuclear. Essas mudanças são as bases das alterações estruturais vistas no núcleo e no citoplasma das células apoptóticas.

Decomposição do DNA. As células apoptóticas exibem uma decomposição característica do DNA em grandes pedaços de 50 a 300 quilobases. Subsequentemente, ocorre clivagem internucleossomal do DNA em oligonucleossomos, em múltiplos de 180 a 200 pares de bases, por endonucleases dependentes de Ca2+ e Mg2+. Os fragmentos podem ser visualizados pela eletroforese em gel de agarose com a formação característica de bandas de DNA. A atividade de endonucleases também forma a base para detectar a morte celular através de técnicas citoquímicas que reconhecem rupturas na dupla hélice do DNA. Entretanto, a clivagem internucleossomal do DNA não é específica para a apoptose. Um padrão “manchado” de fragmentação do DNA é considerado indicativo de necrose, mas pode ser um fenômeno autolítico tardia e as bandas típicas de DNA também podem ser vistas em células necróticas.

Reconhecimento fagocitário. As células apoptóticas expressam fosfatidilserina nas camadas mais externas de suas membranas plasmáticas, pois os fosfolipídios “pularam” da camada interna da membrana (devido a essas alterações, as células apoptóticas podem ser identificadas, pois se ligam a corantes especiais, como a Anexina V). Em alguns tipos de apoptose, a trombospondina, uma glicoproteína adesiva, também se expressa na superfície dos corpos apoptóticos, e outras proteínas secretadas pelas células fagocitárias podem se ligar ás células apoptóticas e opsonizá-las para que sejam fagocitadas. Essas alterações permitem o reconhecimento precoce das células mortas pelos macrófagos, resultando na fagocitose sem a liberação de componentes celulares que induz a inflamação. Dessa maneira, a reposta apoptótica elimina as células praticamente sem afetar o tecido circundante.

Mecanismos da apoptose

Page 4: Patologia - Apoptose (Robbins)

A apoptose é induzida por uma cascata de eventos moleculares que podem ser iniciados de modos distintos, culminando na ativação de caspases. Como considera-se que muita ou pouca apoptose representa a base de várias doenças, tais como as doenças degenerativas e o câncer, existe um grande interesse em se elucidar os mecanismos desse tipo de morte celular. Já progredimos muito em relação à sua compreensão. Um dos fatos mais impressionantes que emergiram é que os mecanismos básicos da apoptose estão conservados em todos os metazoários. De fato, algumas das principais descobertas vieram de estudos envolvendo o nematódeo Caenorhabditis elegans, cujo desenvolvimento ocorre através de um padrão programado altamente reproduzível de crescimento celular seguido de morte. Os estudos envolvendo vermes mutantes permitiram a identificação de genes específicos (chamados de genes ced, do inglês para cell death abnormal) que iniciam ou inibem a apoptose e para o qual já foram identificados homólogos nos mamíferos.

O processo de apoptose pode ser dividido em uma fase de ativação, na qual as caspases se tornam cataliticamente ativas, e uma fase de execução, na qual essas enzimas atuam provocando a morte celular. O início da apoptose ocorre principalmente através dos sinais de duas vias distintas, porém convergentes – a via extrínseca, iniciada por receptores, e a via intrínseca, ou mitocondrial. Ambas as vias convergem para ativar as caspases. Vamos descrever as duas vias separadamente porque elas envolvem interações moleculares distintas, mas é importante lembrar que elas podem se conectar em várias etapas.

A via extrínseca (Morte Iniciada por Receptor). Essa via é iniciada pela ativação de receptores de morte celular em várias células. Os receptores de morte são membros de família de receptores do fator de necrose tumoral que contêm um domínio citoplasmático envolvido nas interações proteína-proteína, chamado de domínio de morte, pois é essencial para a transferência dos sinais apoptóticos (alguns membros da família de receptores TNF não contêm domínio citoplasmáticos de morte; seu papel no início da apoptose ainda não está bem determinado). Os receptores de morte mais conhecidos são os receptores TNF do tipo 1 (TNFR1) e uma proteína semelhante chamada de Fas (CD95), mas outros já foram descritos. Os mecanismos da apoptose induzida por esses receptores está bem ilustrado pela Fas. Quando a Fas sofre uma reação cruzada com seu ligante, o ligante da Fas ligado à membrana (FasL), três ou quatro moléculas de Fas se unem e seus domínios citoplasmáticos de morte formam um local de ligação para uma proteína adaptadora, que também contém um domínio de morte, chamado de FADD (do inglês Fas-associated death domain). Por outro lado, a FADD que se liga aos receptores de morte liga uma forma inativa da caspase-8 (e, nos seres humanos, a caspase-10), também através de um domínio de morte. Várias moléculas pré-caspases 8 são, assim, aproximadas e clivam umas ás outras para gerar a forma ativa da caspase-8. A enzima, então, desencadeia uma cascata de ativação de caspases, clivando e ativando outras pré-caspases, e as enzimas ativas são mediadoras da fase efetora da apoptose. Essa via da apoptose pode ser inibida por uma proteína chamada FLIP, que liga à pré-caspase-8 mas não consegue clivar e ativar a enzima, pois não possui atividade enzimática. Alguns vírus e células normais produzem FLIP e usam esse inibidor para proteger células normais e infectadas da apoptose mediada pela Fas. O esfingolipídio ceramida foi implicado como intermediário entre os receptores de morte e a ativação das caspases, mas a importância dessa via não foi esclarecida e permanece controversa.

A via intrínseca (mitocondrial). Ela resulta do aumento da permeabilidade mitocondrial e da liberação de moléculas pró-apoptóticas no citoplasma, sem a participação dos receptores de morte. Fatores de crescimento e outros sinais de sobrevivência estimulam a produção de proteínas anti-apoptóticas da família Bcl-2. Essa família recebeu o nome da proteína Bcl-2, que foi identificada como um oncogênio em um linfoma de células B, e é homóloga à proteína Ced-9 do C. elegans. Essa família é constituído por mais de 20 proteínas, cuja função é regular a apoptose; as duas principais proteínas anti-apoptóticas são a Bcl-2 e Bcl-x. Essas proteínas anti-apoptóticas normalmente residem nas membranas mitocondriais e no citoplasma. Quando as células são privadas dos sinais de sobrevivência ou expostas a estresse, elas perdem a Bcl-2 e/ou Blc-x da membrana mitocondrial e são substituídas por membros pró-apoptóticos da família, com a Bak, Bax e Bim. Quando os níveis de Bcl-2/Blc-x diminuem, a permeabilidade da membrana mitocondrial

Page 5: Patologia - Apoptose (Robbins)

aumenta, e várias proteínas que podem ativar a cascata de caspases extravasam. Uma dessas proteínas é o citocromo c, bem conhecido pelo seu papel na respiração mitocondrial. No citosol, a citocromo c se liga a uma proteína chamada Apaf-1 (do inglês Apoptosis activating factor-1, homóloga à Ced-4 do C. elegans), e esse complexo ativa a caspase-9 (a Bcl-2 e a Bcl-x também podem inibir a ativação da Apaf-1 diretamente e a diminuição da concentração celular dessas proteínas permite que essa ativação ocorra). Outras proteínas mitocondriais, tais como o fator de indução da apoptose (AIF), entram no citoplasma, onde se ligam e neutralizam vários inibidores da apoptose, cuja função normal é bloquear a ativação das caspases. O resultado final é o início da cascata das caspases. Assim, a essência da via intrínseca é o equilíbrio entre as moléculas pró-apoptóticas e protetoras que regulam a permeabilidade mitocondrial e a liberação de indutores da morte que normalmente estão presos dentro das mitocôndrias.

Existe evidência suficiente de que a via intrínseca da apoptose pode ser desencadeada sem a participação mitocondrial. A apoptose pode ser iniciada pela ativação das caspases a montante das mitocôndrias, e o consequente aumento da permeabilidade mitocondrial e liberação de moléculas pró-apoptóticas amplificam os sinais de morte. Entretanto, essas vias de desencadeamento da apoptose independentes das mitocôndrias não estão bem definidas. Nós descrevemos as vias extrínseca e intrínseca como duas vias distintas, mas elas podem se sobrepor. Por exemplo, nos hepatócitos, a sinalização da Fas ativa um membro pró-apoptótico da família Bcl, chamado de Bid, que por sua vez ativa a via mitocondrial. Não sabemos se tais interações de cooperação entre as diferentes vias de apoptose ocorrem na maioria dos tipos celulares.

A fase efetora. A fase final da apoptose é mediada por uma cascata proteolítica para a qual convergem os vários mecanismos iniciais. As proteases que participam da fase efetora são altamente conservadas entre as diferentes espécies e pertencem à família das caspases, como mencionado anteriormente. Elas são homólogas, nos mamíferos, do gene ced-4 do Caenorhabditis elegans. O nome caspase é baseado em duas propriedades dessa família de enzimas: o “c” se refere à cisteíno-protease (isto é, uma enzima que possui uma cisteína em seu sítio ativo) e “aspase” se refere à habilidade dessas enzimas de clivar as moléculas de proteínas logo após o ácido aspártico. A família das caspases, que atualmente inclui mais de 10 membros, pode ser dividia funcionalmente em dois grupos básicos – iniciadores e efetoras -, dependendo da ordem em que são ativadas durante a apoptose. As caspases iniciadoras, como já vimos, incluem a caspase-8 e a caspase-9. Várias caspases, incluindo a caspase-3 e a caspase-6, são efetoras.

Assim como várias proteases, as caspases existem como pró-enzimas inativas, ou zimogênios, e devem sofrer uma clivagem para serem ativadas e iniciar a apoptose. As caspases possuem seus próprios sítios de clivagem, que tanto podem ser hidrolisados por outras caspases quanto autocataliticamente. Depois que uma caspase iniciadora é clivada para dar origem a sua forma ativa, o programa de morte enzimática é iniciado pela ativação rápida e sequencial das outras caspases. As caspases efetoras atuam em vários componentes celulares. Elas clivam proteínas do cito-esqueleto e da matriz nuclear rompendo, assim, o cito-esqueleto, e levando à destruição do núcleo. No núcleo, os alvos da ativação das caspases incluem as proteínas envolvidas na transcrição, replicação e reparação do DNA. Em especial, a ativação da caspase-3 ativa uma DNAase citoplasmática clivando um inibidor da enzima; essa DNAase induz a clivagem internucleossomal característica do DNA, descrita anteriormente.

Remoção das células mortas. Nos estágios iniciais da apoptose, as células agonizantes secretam fatores solúveis que recrutam células fagocitárias. Isso facilita a retirada imediata das células apoptóticas antes que sofram necrose secundária e liberem seus componentes celulares (que podem causar inflamação). Como já foi mencionado, as células apoptóticas e seus fragmentos possuem marcadores de superfície que facilitam seu reconhecimento imediato pelas células adjacentes ou pelas células fagocitárias para serem eliminadas. Já foi demonstrado que vários receptores dos macrófagos estão envolvidos na ligação e captura das células apoptóticas. Além disso, os macrófagos também podem secretar substâncias que se ligam especificamente ás ce´lulas apoptóticas, mas não ás células vivas, e as opsonizam para serem fagocitadas. Em contraste com os marcadores das células apoptóticas, as células viáveis parecem prevenir sua própria captura pelos

Page 6: Patologia - Apoptose (Robbins)

macrófagos através da expressão de determinadas moléculas de superfície (como o CD31). Esse processo de fagocitose de células apoptóticas é tão eficiente que as células mortas desaparecem sei deixar vestígios e a inflamação está virtualmente ausente.

Exemplos de apoptose

Os sinais que induzem a apoptose incluem a ausência de fatores de crescimento ou de hormônios, a ação específica dos receptores de morte e determinados agentes nocivos. Apesar de o clássico exemplo de apoptose ser a morte programada de células durante a embriogênese, ainda não sabemos o que desencadeia a apoptose nessa situação. Entretanto, são conhecidos muitos exemplos bem definidos de apoptose.

Apoptose após privação de fatores de crescimento. As células sensíveis a hormônios, quando privadas daquele hormônio em particular, linfócitos que não são estimulados por antígenos e citocinas, e neurônios privados de fator de crescimento de nervos morrem por apoptose. Em todas essas situações a apoptose é desencadeada pela via intrínseca (mitocondrial) e é atribuída a um excesso de membros pró-apoptóticos da família Bcl em relação aos membros anti-apoptóticos.

Apoptose mediada por dano ao DNA. A exposição de células à radiação ou a agente quimioterápicos induz a apoptose por um mecanismo iniciado pelo dano ao DNA (estresse genotóxico), pois envolve o gene supressor de tumor p53. Há acúmulo do p53 quando o DNA é danificado e causa a suspensão do ciclo celular (na fase G1) para dar tempo para que a célula se restabeleça (capítulo 7). Entretanto, se o processo de reparo do DNA falhar, o p53 desencadeia a apoptose. Quando ocorre mutação do p53 ou ele está ausente (como ocorre em determinados tipos de câncer), ele é incapaz de induzir a apoptose, favorecendo a sobrevivência da célula. Assim, o p53 parece funcionar como um interruptor de “vida ou morte”, crítico no caso de estresse genotóxico. O modo pélo qual o p53 desencadeia o mecanismo efetor distal de morte – as caspases – é complexo, mas parece envolver sua bem caracterizada função na ativação de transcrição. Entre as proteínas cuja produção é estimulada pelo p53 se encontram vários membros pró-apoptóticos da família Bcl, especialmente a Bax e a Bak, assim como Apaf-1, mencionada anteriormente. Essas proteínas ativam as caspases e causam apoptose.

Apoptose induzida pela família de receptores do fator Fator de Necrose Tumoral . Como mencionado anteriormente, o receptor de superfície Fas (CD95) induz a apoptose quando é conjugado com o ligante do Fas (FasL ou CD95L), que é produzido pelas células do sistema imunológico. Esse sistema é importante na eliminação de linfócitos que reconhecem auto-antígenos, e mutações no Fas ou no FasL resultam em doenças auto-imunes nos seres humanos e em camundongos (Capítulo 6).

O TNF, uma citocina, é um mediador importante da reação inflamatória (capítulo 2), mas também é capaz de induzir a apoptose (o nome “fator de necrose tumoral” não se deve ao fato de a citocina matar células tumorais diretamente, mas porque ela causa trombose dos vasos sanguíneos tumorais, causando a morte do tumor por isquemia). A ligação do TNF ao TNFR1 associa o receptor à proteína adaptadora TRADD (do inglês TNF receptor-associated death domain containing protein). Por sua vez, o TRADD se liga à FADD e leva à apoptose através da ativaçaõ das caspases, assim como ocorre com as interações Fas-FasL. Entretanto, as principais funções do TNF não se dão através da indução da apoptose, mas da ativação do importante fator de transcrição nuclar kappaB (NF-kappaB). Os sinais mediados pelo TNF atingem esse objetivo estimulando a degradação do inibidor do NF-kappaB (Ikappa-B). O sistema de regulação da transcrição NF-kappaB/Ikappa-B é importante para a sobrevivência celular e, como veremos no capítulo 2, para vários respostas inflamatórias. Já que o TNF pode induzir a morte celular e promover a sobrevivência da célula, o que determina o componente yin e yang de suas ações? A resposta não está clara, mas provavelmente depende do tipo de proteína adaptadora que se liga ao receptor TNF após a ligação da citocina. TRADD e FADD facilitam a apoptose, enquanto outras proteínas adaptadoras, chamadas TRAFs (do inglês TNF receptor associated factors) favorecem a ativaçaõ do

Page 7: Patologia - Apoptose (Robbins)

NF-kappaB e a sobrevivência. Apoptose mediada pelo linfócito T citotóxico. Os linfócitos T citotóxicos (CTLs)

reconhecem antígenos estranhos presentes na superfície das células infectadas por hospedeiros (capítulo 6). Ao serem reconhecidos, os CTLs secretam a perforina, uma molécula que forma um poro trans-membrânico que permite a entrado do grânulo serino-protease do CTL chamado granzima B. A granzima B possui a habilidade de clivar proteínas nos locais em que encontram os aspartatos e é capaz de ativar várias caspases celulares. Dessa forma, o CTL destrói as células-alvo evitando os sinais a montante e induz diretamente a fase efetora da apoptose. O CTL também expressa FasL em sua superfície e destrói célula-alvo ligando os receptores de Fas, como descrito anteriormente.

Foi postulado que a apoptose desregulado (“muito ou pouco” possa explicar os componentes de várias doenças. Em essência, dois grupos de desordens podem resultar de tal desregulação:

Desordens associadas com a apoptose defeituosa e aumento do tempo de sobrevida da célula. Neste caso, uma taxa extremamente baixa de apoptose pode prolongar a sobrevivência ou reduzir a substituição de células anormais. Esse acúmulo de células pode originar: (1) cânceres, especialmente tumores com uma mutação do p53 ou tumores dependentes de hormônios, tais como cânceres de mama, próstata e ovários (capítulo 7); e (2) doenças auto-imunes, que poderiam surgir caso linfócitos auto-reativos não fossem eliminados após encontrarem seu auto-antígeno (capítulo 6).

Desordens associadas com um aumento da apoptose e excesso de morte celular. Essas doenças são caracterizadas por uma redução acentuada de células normais e protetoras e incluem (1) doenças neurodegenerativas, manifestadas pela perda de conjuntos específicos de neurônios, como nas atrofias musculares medulares (capítulo 27); (2) lesão isquêmica, como ocorre no infarto do miocárdio (capítulo 12) e no derrame cerebral (capítulo 28); e (3) destruição de células infectadas por vírus, em várias infecções virais (capítulo 28).