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PARTIDOS POLÍTICOS E REDEMOCRATIZAÇÃO BRASILEIRA

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Partidos Políticos e redemocratização Brasileira

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Partidos Políticos e redemocratização Brasileira

RÔMULO GUILHERME LEITÃODoutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR

(realizou estudos de pós-doutorado no Departamento de Ciência Política da Universidade de Boston - USA)

Procurador do Município de FortalezaProfessor dos cursos de graduação e mestrado profissional

da Universidade de Fortaleza - UNIFOR

Belo Horizonte2015

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324.281 Leitão, Rômulo Guilherme L533 Partidos políticos e redemocratização brasileira. 2015 Rômulo Guilherme Leitão. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2015. p.223

ISBN: 978-85-8238-123-6

1. Partidos políticos – Brasil. 2. Pluripartidarismo – Brasil. 3. Bipartidarismo – Brasil. 4. Democracia. I. Título.

CDD – 324.281 CDU – 329(81)

Belo Horizonte2015

CONSELHO EDITORIAL

Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-nº700

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.

Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2015.

Coordenação Editorial: Produção Editorial e Capa:

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matriz

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Álvaro Ricardo de Souza CruzAndré Cordeiro Leal

André Lipp Pinto Basto LupiAntônio Márcio da Cunha Guimarães

Bernardo G. B. NogueiraCarlos Augusto Canedo G. da Silva

Carlos Bruno Ferreira da SilvaCarlos Henrique SoaresClaudia Rosane Roesler

Clèmerson Merlin ClèveDavid França Ribeiro de Carvalho

Dhenis Cruz MadeiraDircêo Torrecillas Ramos

Emerson GarciaFelipe Chiarello de Souza Pinto

Florisbal de Souza Del’OlmoFrederico Barbosa Gomes

Gilberto BercoviciGregório Assagra de Almeida

Gustavo CorgosinhoJamile Bergamaschine Mata Diz

Janaína Rigo SantinJean Carlos Fernandes

Jorge Bacelar Gouveia – PortugalJorge M. LasmarJose Antonio Moreno Molina – EspanhaJosé Luiz Quadros de MagalhãesKiwonghi BizawuLeandro Eustáquio de Matos MonteiroLuciano Stoller de FariaLuiz Manoel Gomes JúniorLuiz MoreiraMárcio Luís de OliveiraMaria de Fátima Freire SáMário Lúcio Quintão SoaresMartonio Mont’Alverne Barreto LimaNelson RosenvaldRenato CaramRoberto Correia da Silva Gomes CaldasRodolfo Viana PereiraRodrigo Almeida MagalhãesRogério Filippetto de OliveiraRubens BeçakVladmir Oliveira da SilveiraWagner MenezesWilliam Eduardo Freire

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V

À Renata, Rômulo Filho e Clara.Aos meus pais e irmãos.

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VI

agradecimentos

Aos professores José Filomeno de Moraes Filho e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, pela fundamental orientação acadêmica no trabalho de doutora-mento que originou este livro.

Ao professor Taylor Boas, da Universidade de Boston, pelo acolhimento e amizade durante a temporada de dois anos naquela instituição.

À Procuradoria Geral do Município de Fortaleza, pelo apoio material ao projeto de estudos que originou este livro, por intermédio do fundo de aperfei-çoamento da PGM.

À Universidade de Fortaleza – UNIFOR, instituição onde leciono desde 1999.A todos que contribuíram de forma direta ou indireta para a publicação

deste livro.

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sumário

PREFÁCIO ................................................................................................................. IX

APRESENTAÇÃO .................................................................................................... XIII

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

CAPíTulO 1PARTIDOS POLÍTICOS BRASILEIROS: TRADIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DE AMBIGUIDADES ......................................................... 61.1. Por uma teoria dos partidos políticos ............................................................ 61.2. Os partidos políticos da elite imperial brasileira ......................................... 131.3. Oligarquia e Primeira República: política dos governadores e caráter nacional dos partidos políticos ...................................................................... 231.4. Vargas e a reestruturação dos partidos políticos: União Democrática Nacional (UDN), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido Social Democrático (PSD) ............................................................................... 341.5. O bipartidarismo “revolucionário” da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB) .......................... 49

CAPíTulO 2A REDEMOCRATIZAÇÃO E OS REARRANJOS PARTIDÁRIOS DO BRASIL ................................................................................................................ 622.1. O início da transição democrática (1974-1979)............................................ 622.2. Do pluripartidarismo em 1979 às eleições de 1985 ..................................... 682.3. O governo de transição de José Sarney e a reforma partidária de 1985: multipartidarismo acentuado ......................................................................... 752.4. Eleições presidenciais de 1989: direita e esquerda no espectro político-partidário brasileiro ........................................................................... 82

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CAPíTulO 3PARTIDOS POLÍTICOS E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA ......... 913.1. Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988) .......................................... 933.2. O impeachment de Fernando Collor de Melo e o novo governo de transição de Itamar Franco .............................................................................. 1043.3. Presidencialismo de “coalizão” no sistema político brasileiro .................. 115

CAPíTulO 4PARTIDOS POLÍTICOS E A DEMOCRACIA BRASILEIRA ........................ 1374.1. Regularidade das eleições .................................................................................. 1394.2. Fidelidade e migrações partidárias .................................................................. 1564.3. Financiamento de partidos políticos e campanha eleitoral ....................... 1684.4. Partidos políticos e o Poder Judiciário .......................................................... 1734.5. Partidos Políticos: perspectivas ........................................................................ 185

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 190

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 199

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PreFácio

Convidado a prefaciar este Partidos políticos e redemocratização brasi-leira, da autoria de Rômulo Guilherme Leitão, confesso a minha gratificação, nomeadamente pela certeza de que, no desincumbir-me da tarefa, passam ao longe quaisquer riscos do elogio fácil e da manifestação generosa. Pelo contrá-rio, é trabalho de fôlego, proclamo desde já, que traz felicidade ao prefaciador.

O texto que agora vem à estampa foi originalmente tese de doutorado apre-sentada – e devidamente defendida e aprovada – ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional/Mestrado e Doutorado da Universidade de Fortale-za (PPGD/UNIFOR), tese que tive a oportunidade de, formalmente, orientar. Digo formalmente, dado o alto nível intelectual do seu autor, o qual navega com muito descortino nos mares procelosos do Direito Constitucional e da Ciência Política, razão por que o processo de orientação fugiu da verticalização e foi muito mais de aprendizado recíproco.

O livro em tela, em seus quatro capítulos, aborda os partidos políticos brasileiros, dividindo a matéria em quatro escaninhos, a saber, tradição e conso-lidação de ambiguidades; a redemocratização e os rearranjos partidários; parti-dos políticos e consolidação da democracia; e partidos políticos e a democracia brasileira. A preocupação básica concentra-se na seguinte questão: os partidos políticos contribuíram para a consolidação da democracia brasileira, a partir do surgimento da Constituição Federal de 1988? A resposta é positiva, convencen-do-nos o autor de que os partidos políticos contribuíram decisivamente para a consolidação da democracia brasileira, ao garantir a estabilidade durante os pri-meiros anos da Nova República e durante a elaboração constituinte. Ademais, foram atores relevantes no processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello e nas coalizões governamentais que se têm verificado, desde o governo de Fernando Cardoso até muito recentemente.

Saliento que o autor foge da crítica rasteira aos partidos políticos, en-contradiça em certo discurso político, mostrando que, “em que pese esse des-crédito dos partidos, do ponto de vista da representação política, em outra perspectiva, a do funcionamento parlamentar e das relações entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, os partidos políticos tem se apresentado cada

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vez mais vigorosos e organizados”. Destarte, o pluripartidarismo, que ressur-ge na década de 1980, foi capaz de criar um arco de forças que atuaram em momentos críticos de um processo amplo de implantação e consolidação da democracia, em uma sociedade plural e complexa.

Por sua vez, Leitão também ressalta que o papel dos partidos políticos con-trasta com a indiferença e, mais recentemente, com a rejeição da sociedade a tudo que for relacionado com a representação política tradicional, o que se con-substancia em tendência grave a expor a perigo a conquista da democracia. De fato, uma contradição marca o experimento democrático brasileiro mais recente, conforme já observado por Bolívar Lamounier,1 segundo o qual se desenvolveu no país uma descrença em relação aos mecanismos de representação política, a saber, eleições, partidos e legislativo. Ocorreu, assim, o desenvolvimento de um “discurso pirrônico”, ubíquo, constante, tanto na linguagem intelectual quanto na popular. Por outro lado, uma série de acontecimentos recentes, “levou parte da elite brasileira para o extremo oposto, um otimismo por vez panglossiano, à luz do qual nossa história política se transfigurou em notável desfile de sabedoria e virtude cívica”, o que provocaria a disjunção, com evidente travo pejorativo, nas categorias “neopanglossianismo politológico” ou no “neooliquarquismo”. A primeira categoria classificaria os que estão satisfeitos com o processo político; a outra, os que querem reformar o sistema político, para deixá-lo à imagem e se-melhança de suas parcialidades. É escusado dizer que Leitão foge a tais figurinos, nenhum deles suficientemente analítico da realidade.

Em suma, o trabalho em discussão mostra que, apesar de tudo, os partidos políticos constituem mecanismo fundamental no que diz respeito ao ensaio de democracia representativa que o Brasil vivencia. A qual, apesar dos impasses por que passa,2 é o paradigma da “constituição política” de 1988. Pelo que, acho por bem, a propósito da democracia brasileira e da tensão entre representação e participação, recorrer a Wanderley Guilherme dos Santos, quando considera que a democracia direta é uma ideia sedutora e generosa, todavia, “o parlamento vem a ser precisamente o lugar em que são expostos argumentos contraditórios, em que se processa a persuasão de uns, a reconsideração de outros e a delibera-ção que, afinal, raramente corresponde imaculadamente a alguma das opiniões originárias”. E quanto às grandes expectativas a propósito dos mecanismos complementares de democracia direta, conclui que “são, essencialmente, omni-funcionais, tantos servem à democracia como podem beneficiar tiranias”.3 Por tudo, ressai a importância dos partidos políticos, os quais, se tem problemas na

1 LAMOUNIER, Bolívar. Da Independência a Lula: dois séculos de política brasileira. São Paulo: Augurium, 2005, p.14 e 15.2 Cf. BERCOVICI, Gilberto. O impasse da democracia representativa. In: ROCHA, Fernando L. X.; MORAES, Filomeno

(Org.). Direito Constitucional contemporâneo: estudos em homenagem ao professor Paulo Bonavides. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.281-303.

3 SANTOS, Wanderley G. dos. O paradoxo de Rousseau: uma interpretação democrática da vontade geral. Rio de Janeiro: Rocco, 2007, p. 8 e 10.

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perspectiva eleitoral, destacam-se como condutos parlamentares notáveis, como bem demonstra Leitão.

De outra parte, o livro se insere na discussão do “presidencialismo de coalizão”. Como sabido, o experimento político-constitucional pós-ditadura provocou o fenômeno - assim batizado em 1988 pelo cientista político Sérgio Abranches e desenvolvido em substancial literatura — do “presidencialismo de coalizão”.4 De fato, tal padrão de governança tem o seu principal eixo nas rela-ções entre os Poderes Executivo e Legislativo. E, por definição, exige da presidên-cia da República, entre outros aspectos, os seguintes: papel de equilíbrio, gestão e estabilização da coalizão; necessidade de apoio popular para a implementação das políticas públicas; popularidade para pressionar a própria coalizão; posse de agenda para mobilizar atenção da maioria parlamentar e evitar a sua dispersão; exercício de atitude proativa na coordenação política dessa maioria, para dar--lhe direção e comando. Operacionalmente, o modelo institucional, construído a partir da Nova República e com variações de presidente para presidente, faz que o presidente monte a sua base de apoio concedendo ministérios a membros dos partidos com representação no Congresso Nacional. Em contrapartida, os parlamentares proporcionam os votos necessários para a aprovação da agenda do Executivo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Por diversas razões, observa-se na conjuntura a crise do “presidencialismo de coalizão”, quando parece esgarçar-se aquele estabilidade que levou Fabiano Santos a ressaltar que “o sistema político brasileiro, apesar das aparências, fun-ciona de maneira satisfatória”, pois se tem “um sistema partidário estabilizado, com taxas de volatilidade cadentes, girando em torno de quatro a cinco parti-dos em equilíbrio de condições, e que expressa a pluralidade social radicada na sociedade”, além de “uma disputa presidencial mais estabilizada ainda, baseada em torno de dois blocos, um de centro-esquerda e outro de centro-direita, que se revezam e continuarão a se revezar no poder, principalmente e à medida que a radicalização dê espaço ao bom senso e à disputa em torno de uma agenda para o país”.5

A crise do presidencialismo de coalizão, todavia, não infirma o papel dos partidos políticos em tornar eficaz o pluralismo como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil,6 acrescido do fato de que a constitucionalização dos partidos políticos pelo texto de 1988 “veio ao encontro das expectativas de uma experiência democrático-pluralista no país”.7

4 Cf. ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, Rio de Janeiro, v. 31, nº 1, 1988, p.5-34.

5 SANTOS, Fabiano. Agenda oculta da reforma política. Plenarium, Brasília, n. 4, 2007, p.61.6 Cf. MORAES, Filomeno. Participación y representación como instrumentos de los derechos políticos en el orden constitucio-

nal brasileño. In: BAEZ, Narciso Leandro Xavier et al. (Org.). Problemática de los derechos humanos fundamentales en América Latina y Europa: desafíos materiales y de eficacia. Madrid: Marcial Pons, 2012, p.241-258.

7 MEZZAROBA, Orides. Introdução ao direito partidário brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p.286.

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No Brasil, os sistemas partidários, ciclicamente, têm sido objeto de inter-venções violentas, que os retiram da sua normal evolução, cassam a soberania do eleitorado em referência ao mercado político e provocam rupturas no desenvol-vimento institucional. Entre outras interferências, em 1965, o Ato Institucional nº 2 acabou por sepultar a bem-sucedida experiência partidária nascida vinte anos antes. No final dos anos 1970, embora já combalido, o regime militar ainda foi capaz de promover reforma que, entre os seus propósitos menos nobres, conse-guiu fender o partido de oposição, que mais e mais ganhava eleições. Mais recen-temente, em pleno processo democrático, há fator a causar preocupação no que concerne à institucionalização dos partidos políticos e do sistema partidário, qual seja o ativismo judicial que alcança os partidos e o sistema partidário, advindo do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. Afinal, como observa Eneida Desiree Salgado,8 pela atuação do Tribunal Superior Eleitoral sus-tentado no Supremo Tribunal Federal, “parece persistir uma prática jurisdicional de construção da regra pelo Poder Judiciário, sem respeito aos precedentes, sem coerência, sem consistência e sem unidade”. E que tal “[...] comportamento, de absoluto desrespeito às regras jurídicas e aos princípios constitucionais, se revela, paradigmaticamente, na questão da fidelidade partidária”.

Na verdade, a própria inserção constitucional que, no Brasil, vem desde o texto constitucional de 1946 e que foi muito bem explicitada no de 1988, é um atestado da importância do partido político como mecanismo para a ca-racterização do princípio constitucional estruturante da democracia política.9 O que tem de ser observado é que partidos políticos vivenciam crises, aqui e alhures, em boa medida pela perda de monopólio para agências que acabam por competir com eles na função de representar interesses. Todavia, mais e mais, sobretudo no plano legislativo, são agentes imprescindíveis na formação de vontades governantes e de seus contrapostos oposicionistas. Talvez, possa dizer--se que, mais do que crise, no Brasil os partidos políticos vivem um processo de transformação, que, afinal, poderá, quem sabe, resultar em algum de tipo de satisfação social. Com certeza, este livro de Rômulo Leitão tem o condão de ajudar substantivamente em tal debate.

Fortaleza-Ceará, agosto de 2015

FILOMENO MORAES

8 SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.17. Cf., também, MORAES, Filomeno; LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. Partidos políticos y elecciones: la Justicia Electoral em la construcción de la democracia brasileña. In: EMMERICH, Gustavo Ernesto (Coord.). Democracia y representación en el mundo actual. México-DF, DEMOS, 2006, p.213-230.

9 Cf. MORAES, Filomeno. Os partidos e a evolução político-constitucional brasileira. In: SALGADO, Eneida Desiree; DAN-TAS, Ivo. (Org.). Partidos políticos e seu regime jurídico. Curitiba: Juruá, 2013, p.61-78.

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XIII

aPresentação

Honrado, aceitei o convite para escrever esta breve apresentação da obra Partidos Políticos e Redemocratização Brasileira, de autoria de Rômulo Gui-lherme Leitão. Registro, inicialmente, minha satisfação em virtude dos laços de amizade que mantenho com o Autor, bem como o acompanhamento de sua carreira intelectual: no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Fortaleza trabalhamos juntos, quando participei de sua orientação de mes-trado. O presente trabalho é fruto de esforços para a elaboração de sua tese de doutorado, pela mesma Universidade de Fortaleza, com estada de pesquisa na Universidade de Boston. Assim, ainda correndo o risco de parcialidade (após a leitura desta obra, o leitor haverá de dar-me razão!), consolidou-se a trajetória acadêmica e de pesquisa de Rômulo Guilherme Leitão que, com esta publica-ção, contribui de forma importante para a discussão sobre partidos políticos e a democracia brasileira.

O primeiro ponto que destaco é a acertada escolha do Autor em distanciar--se do mero descritivismo que tanto caracteriza a reflexão da ciência política nos Brasil; influenciada pela diretriz norte-americana e que hoje domina quase toda a ciência política mundial. Não creio que a descrição dos acontecimentos políticos de uma dada sociedade, por si só, sejam suficiente para que se entenda tudo, tampouco para que se possa compreender tais realidades. Na verdade, a descrição dos acontecimentos, de seus atores etc., consiste apenas no passo inicial. A digressão teórica, a insistente busca em ir-se mais além, em enxergar o que não salta aos olhos...eis no que consiste o desafio do verdadeiro cientista. No Brasil, há forte corrente do pensamento político e sociológico a optar pelo caminho do costume fácil. De acordo com esta corrente, por exemplo, o golpe militar de 1964 seria “a queda do regime populista”, a qual teria causado “sur-presa a vencedores e vencidos” pela facilidade com que fora derrubado aquele

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governo populista, e pela natureza e extensão do regime militar que se instala-ria1. Um olhar menos desatento afirmaria rapidamente que desde 1954 também os militares brasileiros, a exemplo do que se dava em quase toda a América Latina, planejavam tomar o poder a qualquer custo, não para entregarem-no a civis, mas para assumirem o comando do destino do Estado brasileiro. Se adi-cionarmos este fato às complexas digressões sobre violação ao Estado de Direito que um golpe contra o mandato de um Presidente constitucionalmente eleito significa, dilui-se a potencialidade de observações apenas descritivas. Refiro-me a esta mecânica de pesquisa para reforçar que esta não foi a escolha, felizmente, seguida por Rômulo Guilherme Leitão.

Um segundo aspecto mais geral da obra merece ser lembrado. O Autor passa longe do simplista exercício a respeito das imagens estereotipadas dos partidos e da política brasileira. Para o Autor, a observação sobre partidos políticos e a polí-tica brasileira consiste em aproveitar-se das sábias e sempre atuais lições dos clássi-cos como Maquiavel e Hobbes, como bem se menciona na p. 92, a qual reproduzo por sua importância para toda a obra: “A análise procura se fundamentar em fatos concretos e definidos em uma linha que privilegia a tradição de pensadores políticos realistas como Maquiavel e Hobbes, se afastando da busca de soluções ou preceitos que uma perspectiva normativista”. Não fosse este importante recorte, o Autor enveredaria pelo caminho do que “poderia ter sido”, do suspiro doente daqueles que não fizeram escolhas, e perderam-se na melancolia do desejo não rea-lizado, ao invés de escolherem o que objetivamente querem para o futuro, como tão bem previu Ernst Bloch na sua “filosofia da esperança”.

Feitos tais esclarecimentos iniciais, digo que o trabalho divide-se numa feliz organização interna. Seu cerne é precedido de dois capítulos históricos, com abordagens centradas desde a velha elite imperial até a Era Vargas (capítulo 1), e a realidade partidária do País durante a transição para a democracia no Brasil (capítulo 2). A leitura destes tópicos iniciais convence do protagonismo dos partidos brasileiros, ainda que o lugar comum – e descritivo – insista em desqualificá-los, com o reles discurso de que partidos no Brasil não passam de conglomerados de interesses individuais. O Autor sugere, e com toda razão, que os partidos brasileiros fizeram o que todos os partidos da tradição ocidental judaico-cristã também realizaram: mobilizaram-se em torno de seus propósitos, “conforme sua vontade de favorecer-nos ou destruir-nos”, como também afir-mou o mais lúcido dos Cavaleiros Andantes que a estória mundial conhece.

Preparado anteriormente, o leitor verá nos capítulos subsequentes a na-tureza de nosso processo de redemocratização, suas marchas e contramachas, como em qualquer outra sociedade. Rômulo Guilherme Leitão ratifica sua visão

1 Cardoso, Fernando Henrique. Associated Theoretical Development: Theoretical and Practical Implications. In: Authoritarian Brazil – Origins, Policies and Future. Alfred Stepan, Editor. Yale University Press: New Haven/London, 1973, p. 142.

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metodológica ao abandonar o viés idealista e mostra o quanto se conquistou na democracia brasileira por força da atuação de seus partidos (capítulos 3 e 4). Parece-me, então, evidente que entre as conclusões do Autor figurem os mo-mentos seguintes, demonstrados de forma clara e incisiva (p. 198): “Um aspecto relevante para a discussão é que a troca indiscriminada de partidos políticos não era prática comum à maioria dos parlamentares (...). Esse papel relevante dos partidos políticos contrasta com a indiferença e mais recentemente rejeição da sociedade em relação a tudo que for relacionado com a representação política tradicional, o que não é característica somente do caso brasileiro, mas que con-substancia uma tendência grave que põe em risco a democracia como conquista da geração passada e valor para a geração futura”.

O que se pode extrair de tão racional conclusão? Que há uma visão ge-neralizada sobre nossos partidos políticos e nossa política a não corresponder à objetividade da história, e que os partidos ainda são capazes de dar conta da tarefa da realização democrática. Extrai-se ainda, a meu ver, que a construção de uma concepção enviesada sobre nossos partidos e nossa política democrática não é uma atitude ingênua, tampouco sincera quanto às suas reais intenções. Repetir cotidianamente sobre o quanto seriam imprestáveis nossos partidos e nossa políti-ca nada mais é do que fazer política negando a própria política, para apoderar-se desta mesma política democrática, roubando-lhe o debate, o conflito e a capaci-dade reativa de superação de crises que qualquer democracia consolidada deve ter.

Noutros momentos, sempre ressaltei o balanço positivo da democracia bra-sileira, o que não quer dizer o desconhecimento de suas deficiências. Nesta linha de pensamento, destaquei em diversas ocasiões a consolidação de nossa demo-cracia. No instante em que escrevo esta apresentação – julho de 2015 – vejo-me obrigado a renovar a importância da obra de Rômulo Guilherme Leitão para chamar a atenção sobre o risco da democracia brasileira. Como o livro que ora apresento é baseado no critério do realismo, penso que se pode imaginar o risco que a democracia brasileira enfrenta: propostas de soluções fora da instituciona-lidade, como intervenção militar; miseráveis apelos de multidões consideráveis contra partidos e contra políticos; discursos de ódio a recorreram à irracionali-dade do mais rasteiro moralismo bem traduzem um panorama que pode, sim, ameaçar o que se conquistou nos últimos trinta anos. Mais que nunca, partidos políticos e política democrática são necessários. Mais que nunca, a leitura desta obra também é necessária.

Fortaleza, julho de 2015.

PROF. DR. MARTONIO MONT’ALVERNE BARRETO LIMA

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