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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA – NÍVEL DOUTORADO Participação e ação política dos psicólogos frente à Política de Saúde Mental no Piauí João Paulo Sales Macedo Natal-RN 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA – NÍVEL DOUTORADO

Participação e ação política dos psicólogos frente à Política de

Saúde Mental no Piauí

João Paulo Sales Macedo

Natal-RN 2011

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JOÃO PAULO SALES MACEDO

Participação e ação política dos psicólogos frente à Política de

Saúde Mental no Piauí

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia, da Universidade Federal de Rio Grande do Norte, sob a orientação da Profª. Doutora Magda Diniz Bezerra Dimenstein, como requisito parcial à obtesão do título de “Doutor em Psicologia”.

Natal-RN 2011

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Seção de Informação e Referência Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede

Macedo, João Paulo Sales. Participação e ação política dos psicólogos frente à política de saúde mental no

Piauí. / João Paulo Sales Macedo. – Natal, RN, 2011.

271 f.

Orientadora: Magda Diniz Bezerra Dimenstein.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Psicologia.

1. Reforma psiquiátrica – Tese. 2. Saúde Mental. – Tese. 3. Formação do psicólogo – Tese. 4. Ação política – Tese. 5. Compromisso – Tese. I. Dimenstein, Magda Diniz Bezerra. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/BCZM CDU 159.922.27

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA – NÍVEL DOUTORADO

A tese intitulada “Participação e ação política dos psicólogos frente à Política de

Saúde Mental no Piauí”, elaborado por João Paulo Sales Macedo, foi considerada

aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de

Pós-Graduação em Psicologia, como requesito parcial à obtenção do título de

“Doutor em Psicologia”.

Natal, RN, 20 de junho de 2011.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof. Dr. Arthur Arruda Leal Ferreira

Universidade Federal do Rio de Janeiro

__________________________________________________ Prof. Dr. Jefferson de Souza Bernardes

Universidade Federal de Alagoas

__________________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Kimati Dias

Universidade Potiguar

__________________________________________________ Prof. Dr. Oswaldo Hajime Yamamoto

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________________ Profa. Dra. Magda Diniz B. Dimenstein (Orientadora)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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Fazer do conhecimento o mais potente dos afetos. F. Nietzsche. Carta a Franz Overbeck, 1881

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Ao pequeno Heitor, que trará a mim e a Sariny a alegria de devirmos criança e principiarmos com ele a aposta de novos aprendizados e realização de novos sabores

na vida.

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AGRADECIMENTOS

À amiga e orientadora deste trabalho, Profª. Drª. Magda Dimenstein, com quem aprendi

a ver, compreender e me movimentar em um mundo de muitas possibilidades. A sua

importância na minha formação acadêmica e na vida em geral foi central. Aprender a

conviver com a distância que nos separa hoje, isso tem sido o mais difícil. No entanto,

fechamos com este trabalho uma porta que certamente abrirão outras, para continuarmos a

trabalhar juntos com um campo de ação bem maior, e termos mais e mais motivos de nos

encontrarmos na vida. Este trabalho é um brinde a nossa amizade!

Ao professor Arthur Arruda Leal Ferreira, amigo de muitas histórias e encontros dentro

e fora da História da Psicologia. Expresso aqui o meu obrigado pela gentileza de ter aceitado

o convite para a participação da banca de avaliação da tese.

Aos professores Jefferson de Souza Bernardes e Marcelo Kimati Dias, que gentilmente

aceitaram participar da banca de avaliação da tese. Não poderia deixar de referir sobre o

trabalho de consultoria de Marcelo Kimati, pelo Ministério da Saúde, frente às contribuições

dadas para a efetivação da Política de Saúde Mental no Piauí.

Ao professor Oswaldo Yamamoto, pela disponibilidade de acompanhar este trabalho

desde o início. Primeiro na apreciação do projeto para a seleção do doutorado, quando não

tínhamos definido muito bem por quais caminhos iríamos enveredar nesse trabalho de

pesquisa. Segundo na leitura do projeto no Seminário de Tese e pelas valorosas contribuições

dadas para seguirmos focado no nosso problema de pesquisa. E agora com a gentileza de ter

aceitado o convite para a participação da banca de avaliação da tese.

Ao Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFRN, pela oportunidade para que

pudesse realizar esta pesquisa e pelo auxílio para divulgá-la em congressos. Em especial a

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Cilene pelo cuidado de sempre sobre tudo aquilo que precisamos para a condução deste

trabalho.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela

concessão de bolsa de estudos de doutorado para a realização desta pesquisa.

Aos professores Luis Antonio Baptista, Roberta Romagnoli e Cláudia Abbês Baêta

Neves, pelas sugestões na banca de qualificação de tese realizada na Universidade Federal

Fluminense, durante o Seminário “Interlocuções sobre a Ética na Pesquisa: que políticas

apostamos?”, organizado pelo Grupo de Trabalho “Políticas de Subjetivação, Invenção do

Cotidiano e Clínica da Resistência”, vinculado a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-

Graduação em Psicologia (ANPEPP).

Aos psicólogos que atuam na Saúde Mental em Teresina, que prontamente aceitaram

contribuir com a realização deste estudo e experimentarmos reflexões sobre o que podemos

mais na Reforma Psiquiátrica do Piauí.

À Lúcia Rosa, Marta Evelim e Gisele Martins, mulheres guerreiras que apostam num

mundo e numa vida melhor do que aquelas encerradas nos muros e demais formas de clausura

da loucura. Meu muito obrigado pelo o apoio e incentivo para a realização deste estudo.

A todos os colegas e amigos da base de pesquisa, em especial Kalliny, Rafael, Vanessa,

André, Fred e Mariana.

À Ana Karenina, amiga de sorriso grande e acolhedor, uma interlocutora para a vida.

Ao Jader, amigo desde o começo e sempre, que sinto muita falta depois da minha saída

de Natal. Ainda bem que temos um TIM-infinity para falarmo-nos toda semana e

gargalharmos sobre as pequenas coisas da vida no cotidiano, enquanto não nos encontramos.

Ao Alex, amigo com quem dividi muitas incertezas e sonhos, e por quem eu torci

sempre.

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Ao Danilo, Wladimir e Cândida, pela amizade e torcida para a concretização deste

trabalho.

À Eugênia, companheira de trabalho (e de angústias) na UFPI, com quem divido o

sonho de uma formação implicada com a realidade local e brasileira. E aos alunos da UFPI,

especialmente da ênfase Saúde Coletiva, que aqui ainda destaco Millayne, Julianna, Dania,

Karla e Nayra, que têm acompanhado minhas preocupações de pesquisa e os momentos finais

de elaboração deste trabalho de tese.

Aos companheiros da ABRASME-RN, com quem vivenciei na prática as lutas políticas

frente às ações da Luta Antimanicomial em Natal.

Ao blog “Amigo no Ninho – Rede de Apoio e Suporte em Saúde Mental no Piauí”,

importante ferramenta de informação sobre a Saúde Mental no Piauí.

Aos meus pais (Etevaldo e Fátima), irmãos (Maurícia e Vinícius) e sobrinhas (Giulia e

Giuliana), pelo o apoio, palavras de incentivo e por serem um norte na minha vida. A vitória é

nossa!

As tias e aos tios, maternos e paternos, bem como aos primos, que sempre torceram por

mim.

Ao tio “Jotinha” (in memoriam), que não pude estar presente na sua despedida,

prestando as últimas homenagens, quando estava nos momentos finais da escrita deste

trabalho. Dedico-te essa vitória em retribuição ao carinho que tinha por mim.

Ao Tio Luizinho, pelo reencontro depois de anos e pelo retorno à amizade, um

entusiasta do meu crescimento pessoal e profissional.

Ao Francisco Leão (in memorian), um incentivador desde o começo para que eu

conquistasse essa vitória quando decidi pós-graduar-me em Natal.

À Sariny, minha esposa, que me encorajou e incentivou em todos os sentidos para

alcançar esse sonho, sendo compreensiva nos momentos em que tive que estar ausente, ou

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concentrado nos estudos e completamente envolvido noites e noites com a escrita deste

trabalho. Meu muito obrigado e agora teremos todo o tempo para curtir nossa gravidez!

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SUMÁRIO

Lista de Figuras Lista de Abreviações

Lista de Tabelas

Resumo

Abstract

Notas iniciais. Reforma Psiquiátrica: desafios que enredam novas ações e enfrentamentos profissionais

Capítulo 1. Das linhas geradoras do campo problemático e dos objetivos da pesquisa

1.1. Apresentação do campo problemático em que se ancoram nossas questões de pesquisa

Capítulo 2. Das linhas teórico-metodológicas que construímos para tecer os caminhos da pesquisa

2.1. Ferramentas de primeira ordem: alguns norteadores político-ontológicos de pesquisa

2.2. Burilando as ferramentas teórico-metodológicas que embasaram nossa proposta de pesquisa

2.3. Sob que princípios queremos nos produzir pesquisador?

2.4. Delineando os caminhos da pesquisa Capítulo 3. Do plano de análise para a realização da pesquisa

3.1. Aproximando os elementos necessários para a composição do plano de análise

Capítulo 4. Modos de inserção profissional dos psicólogos na Política de Saúde Mental de Teresina-PI

4.1. A expansão da profissão nas políticas públicas no Brasil e as formas de inserção profissional dos psicólogos na realidade local

4.1.1. Modos de inserção profissional dos psicólogos na Política de Saúde Mental em Teresina-PI

4.2. Os efeitos das formas de inserção profissional dos psicólogos

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teresinenses nos modos como organizam suas práticas nos serviços. Capítulo 5. Saberes e práticas profissionais para atuar na Saúde Mental de Teresina-PI

5.1. A Formação dos psicólogos que atuam na Saúde Mental em Teresina

5.2. Os saberes e as práticas operados pelos psicólogos que atuam na Saúde Mental em Teresina

5.3. Os efeitos das “escolhas” teóricas e práticas no desenvolvimento das ações profissionais dos psicólogos que atuam na Saúde Mental em Teresina

Capítulo 6. Movimentações político-profissionais meio ao processo de implantação da Política de Saúde Mental no Estado

6.1. A estrutura da rede de atenção psicossocial implantada em todo o Estado e na capital.

6.2. As ações e movimentações político-profissionais que caracterizaram o processo reformista local e efetivação da Política de Saúde Mental no Piauí.

6.2.1. Implantação do Programa de Saúde Mental Comunitária/PSMC-PI

6.2.2. Implantação do Primeiro Plano de Saúde Mental de Teresina

6.2.3. Propostas dos projetos de Lei Estadual e municipal de Saúde Mental

6.2.4. Estruturação da rede psicossocial em Teresina

6.2.5. As movimentações sociopolíticas locais e as etapas municipal e estadual da IV CNSM

6.2.6. Fechamento do Sanatório Meduna Capítulo 7. Os psicólogos piauienses e os rumos da Política de Saúde Mental no Estado do Piauí

7.1. Caracterização e interfaces quanto aos desafios da Saúde Mental no plano local e nacional.

7.2. Modos de enfrentamento dos psicólogos em relação aos desafios atuais da Política de Saúde Mental

7.3. Problematizando os modos como psicólogos configuram seu campo de ação político-profissional na Saúde Mental

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Considerações finais - Reforma Psiquiátrica: palco de compromisso dos psicólogos ou de comprometimento da Política de Saúde Mental? Referências Bibliográficas

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Lista de Figuras

Figura 1 Instituições formadoras dos psicólogos piauienses que atuam na saúde mental em Teresina.

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Figura 2 Estados em que os psicólogos piauienses que atuam na saúde mental em Teresina foram formados

130

Figura 3 Ano de conclusão do curso dos psicólogos piauienses que atuam na saúde mental em Teresina

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Figura 4 Cobertura CAPS no Estado do Piauí 166

Figura 5 Rede de atenção psicossocial da cidade de Teresina 167

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Lista de Abreviações

ABP Associação Brasileira de Psiquiatras

AIH Autorização de Internação Hospitalar

ÂNCORA Associação dos Portadores de Transtorno Mental, Familiares e Pessoas interessadas na Saúde Mental do Piauí

APP Associação Psiquiátrica do Piauí

ASMC-PI Associação de Saúde Mental Comunitária do Piauí

CAD Centro de Atenção à Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CAT Casa de Acolhimento Transitório

CEDECA Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente

CFP Conselho Federal de Psicologia

CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde

CNSM Conferência Nacional de Saúde Mental

CONEN Conselho Estadual Antidrogas do Piauí

CONPSI Congresso Norte-Nordeste de Psicologia

CRAS Centro de Referência da Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializado da Assistência Social

CREPOP Centro de Referência em Psicologia e Políticas Públicas

CFP Conselho Federal de Psicologia

CRP Conselho Regional de Psicologia

ESF Estratégia Saúde da Família

FACID Faculdade Integral Diferencial

FAP Faculdade Piauiense

FATECI Faculdade de Tecnologia Intensiva

FMS Fundação Municipal de Saúde

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FSA Faculdade Santo Agostinho

FUNASA Fundação Nacional de Saúde

HAA Hospital Areolino de Abreu

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IES Instituição de Ensino Superior

ILPI Instituição de Longa Permanência para o Idoso

INPS Instituto Nacional de Previdência Social

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

MEC Ministério da Educação

MNLA Movimento Nacional da Luta antimanicomial

MPE Ministério Público Estadual

MTSM Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental

NAD Núcleos de Atenção à Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência

NAPS Núcleo de Atenção Psicossocial

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

NDC Novas Diretrizes Curriculares

NOB-RH/SUAS Norma Operacional de Recursos Humanos do SUAS

ONG Organização Não-Governamental

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PISAM Plano Integrado de Saúde Mental

PNPIC Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS

PSB Partido Socialista Brasileiro

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PSF Programa Saúde da Família

PSMC Programa de Saúde Mental Comunitária

RENILA Rede Nacional Inter-núcleos de Luta Antimanicomial

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SEMTCAS Secretaria Municipal do Trabalho Cidadania e de Assistência Social

SESAPI Secretaria Estadual de Saúde

SHR-AD Serviços Hospitalares de Referência para Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas

SIH-SUS Sistema de Informação Hospitalar do SUS

SM Sanatório Meduna

SRT Serviço Residencial Terapêutico

SUAS Sistema Único da Assistência Social

SUS Sistema Único de Saúde

TAC Termo de Ajuste de Conduta

UBS Unidade Básica de Saúde

UESPI Universidade Estadual do Piauí

UFMA Universidade Federal do Maranhão

UFPI Universidade Federal do Piauí

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Número de Psicólogos que atuam na Rede de Saúde e Saúde Mental em Teresina.

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Tabela 2 Principais acontecimentos em Saúde Mental no Piauí

78

Tabela 3 Dados gerais sobre as formas de inserção profissional dos psicólogos no campo da saúde mental em Teresina

87

Tabela 4 Dados gerais sobre a formação dos psicólogos piauienses que atuam na saúde mental em Teresina

127

Tabela 5 Situação da implantação dos CAPS no Estado do Piauí

165

Tabela 6 Analisadores gerais sobre os principais desafios quanto aos rumos da Política de Saúde Mental no Estado e as ações político-profissionais dos psicólogos piauienses.

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RESUMO

Macedo, J. P. S. (2011). Participação e ação política dos psicólogos frente à Política de Saúde Mental no Piauí. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN. Esse estudo objetivou problematizar as formas de participação e ação política dos psicólogos frente à Política de Saúde Mental no Piauí. Foi motivado pelos desafios postos ao processo de Reforma Psiquiátrica local e nacional, a qual necessita de sustentação técnico-assistencial e sociopolítica para garantir as conquistas e seguir na reversão do modelo manicomial para o psicossocial. Metodologicamente trabalhou-se na perspectiva da análise institucional. A pesquisa de campo foi estruturada em três momentos visando: a) identificar os eventos históricos e políticos que configuraram a Reforma Psiquiátrica local (pesquisa documental/memória oral) e identificar os psicólogos que atuam na Saúde Mental; b) realizar observação participante e entrevista semi-estruturada com 33 psicólogos que atuam na Saúde Mental em Teresina; c) acompanhar os contextos/eventos sociopolíticos do processo de Reforma Psiquiátrica local (observação participante e rodas de conversa). Os dados foram analisados considerando quatro eixos de discussão, alcançados a partir da categorização do material coletado: 1) modos de inserção profissional dos psicólogos na saúde mental; 2) saberes e práticas profissionais utilizados para atuar nesse contexto de trabalho; 3) movimentações político-profissionais dos trabalhadores do processo reformista local; 4) ação política dos psicólogos frente aos rumos da política de saúde mental piauiense. Identificou-se que a participação dos psicólogos na saúde mental piauiense pode ser caracterizada nos níveis macro e micropolítico. O primeiro segue orientado pelo lema do compromisso social, apesar desse movimento não ter equivalência na transformação das práticas e posturas político-profissionais dos psicólogos nos serviços. O segundo constitui-se na micropolítica cotidiana do trabalho, cuja ação política se apresenta implicada com a preservação do modus operandi clássico de ser psicólogo. Portanto, trata-se de ações que dão pouca sustentabilidade técnica-assistencial e sociopolítica à Reforma Psiquiátrica e à luta antimanicomial.

Palavras-chaves: reforma psiquiátrica, saúde mental, formação do psicólogo, ação política, compromisso social.

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ABSTRACT

Macedo, J. P. S. (2011). Participation and political action of psychologists toward mental health policy in Piauí. Unpublished doctoral thesis, graduate studies program in psychology, University of Rio Grande do Norte, Natal-RN. It is intended to problematize forms of participation and political action of psychologists toward mental health policy in Piauí. The study was motivated through challenges faced by the local Psychiatric Reform movement, and the one underway in the country, which needs support technical-assistence and sociopolitical to guarantee accomplishments and to move on with the complete reversion of the asylum to psychosocial model. The method was based on institutional analysis and counted with three insertion moments for the field research: a) to identify historical and political events that configure the local Psychiatric Reform (documental research/oral memory) and to identify psychologists that act in Mental Health; b) to realize participant observation and semi-structured interview with 33 psychologists which act in Mental Health in Teresina; c) to follow the sociopolitical contexts/events of the local Psychiatric Reform (participant observation and conversation circles). The data were analyzed considering four discussion axes, achieved through categorization of the collected material: 1) ways of professional insertion of psychologists in mental health; 2) knowledge and practices used to act in this work context of the profession; 3) political professional movements of workers of the reformist local process; 4) political action of psychologists toward the course of Piauí mental health policy. We concluded identifying that the participation of psychologists in Piauí mental health finds strength by the conduction of its macro and micropolitical professional action. The first one follows oriented by the lemma of social commitment, despite this movement doesn’t have equivalence in the transformation of practices and political-professional postures of psychologists in the daily of services. The second is constituted in the every day of work, standing to the political action of the profession implicated with the preservation of the classic modus operandi of being psychologist. Therefore, it is about the actions that give little sustainability technical-assistance to the Psychiatric Reform underway in the State, and why not say in the country. Keywords: psychiatric reform, mental health, psychologist formation, political action, social commitment.

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Preparamos a invasão Cheios de felicidade

Entramos na cidade amada (...)

Tudo ainda é tal e qual E no entanto nada igual

Nós cantamos de verdade E é sempre outra cidade velha

(...)

Os mais doces bárbaros (Caetano Veloso)

Àqueles que fazem a Saúde Mental piauiense...

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NNOOTTAASS II NNII CCII AAII SS

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A década que se inicia, talvez esteja configurada como aquela em que encontraremos os

maiores desafios para efetivar a Política de Saúde Mental em toda a sua radicalidade no país.

Isso significa, por um lado, revertermos por completo o parque manicomial de atenção para

uma rede psicossocial integrada em termos de serviços e equipamentos, inclusive com

articulações intersetoriais; por outro, sustentarmos tal horizonte com práticas pautadas pelo

paradigma psicossocial no cotidiano dos serviços e ações político-profissionais articulando

ações macro e micropolíticas em conjunto com os movimentos sociais para defendermos as

mudanças que se quer implantar no país. Não por menos, acabamos de comemorar os 10 anos

da Lei 10.216/2001 em meio às diversas manifestações culturais ocorridas em muitas

localidades do território brasileiro. A esperança é que possamos reafirmar os avanços

conquistados e seguir efetivando o modelo psicossocial como uma utopia ativa, como diria

Lancetti (1990), de um processo que se pretende muito mais cultural do que somente

assistencial.

No entanto, não podemos esquecer, invertendo a célebre frase de Franco Basaglia1 que

o pessimismo da razão não tolera o otimismo da prática. Neste caso, a alegria e otimismo dos

avanços conquistados junto ao movimento reformista são considerados ofensivos para ala

mais conservadora do movimento, bem como para os anti-reformistas mais radicais. É o que

podemos perceber nos eventos ocorridos no final da década passada, que contribuíram para o

acirramento dos ânimos em torno do processo de Reforma Psiquiátrica.

Se antes, o confronto de idéias, interesses e opiniões na defesa de modelos de Reforma2

estava praticamente restrito ao campo da saúde mental, notadamente entre os trabalhadores e

1 Ver Basaglia, F. (1979). A psiquiatria democrática: contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática. São Paulo: Editora Brasil Debates. 2 O primeiro representado pelo paradigma asilar, com centralidade de ações nos serviços especializados, no poder médico-centrado, sem qualquer ação coordenada de cuidados ou articulação territorial (hospital, ambulatório, e por que não incluir aqui aqueles CAPS que funcionam por este modelo). O segundo, o paradigma psicossocial, oposto do primeiro, se quer centrado nas necessidades de saúde e sociais dos usuários e familiares, articulando tais necessidades com os recursos existentes no território e a rede de serviços, com ações que também visão uma mudança cultural do modo como se percebe e relaciona com a loucura na sociedade (Costa-Rosa, 2000).

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grupos de usuários e familiares, organizados em associações pró-reforma (MNLA3 e

RENILA4) e anti-reforma (como os psiquiatras com a ABP5 e algumas associações de

familiares6), nos últimos anos, parece que o debate ganhou outros espaços da sociedade,

especialmente na mídia. Declarações de pessoas importantes da sociedade brasileira junto à

opinião pública, como a do poeta Ferreira Gullar7, endossaram ainda mais as críticas ao atual

modelo, gerando, inclusive, campanhas publicitárias em rede nacional que valorizam a

centralidade do hospital e do especialista nas ações de tratamento de transtornos mentais.

Além disso, alguns eventos trágicos ocorridos no cotidiano das grandes cidades, crimes

que comoveram a sociedade brasileira, como a recente tragédia do atirador de Realengo8 são

bastante explorados pela mídia, com inúmeras participações de especialistas, dentre eles

psiquiatras, que além de traçarem o perfil dos assassinos, reforçam o argumento do paradigma

psiquiátrico e da cultura manicomial na sociedade. Nos últimos anos foram também

veiculadas algumas reportagens em jornais impressos e eletrônicos sobre as más condições de

funcionamento de hospitais e clínicas psiquiátricas, privadas e públicas, em várias localidades

3 Trata-se do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial. Foi iniciado com o MTSM, na década de 1970, e constituído nacionalmente como movimento social em 1993, sob a máxima Por uma sociedade sem manicômios. Conta com ampla participação de usuários e familiares de todo o país, estruturado por núcleos locais e com assento na Comissão Nacional de Reforma Psiquiátrica (Lobosque, 2003). 4 Movimento encabeçado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e seus Conselhos Regionais (CRPs), que dividiu o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial em 2001 em MNLA e RENILA (Lobosque, 2003; Vasconcelos 2008). 5 Associação Brasileira de Psiquiatria e suas coirmãs estaduais, que têm sistematicamente empunhado duras críticas à Política Nacional de Saúde Mental por centrar o modelo assistencial nos CAPS e demais dispositivos substitutivos da Reforma, cujos efeitos tem sido a diminuição de leitos, a reversão do financiamento dos serviços hospitalares para os serviços territoriais, consequentemente o fechamento de hospitais (Vasconcelos, 2010). 6 A ABP também conta com o apoio de associações de familiares defensores da Política com base na centralidade do hospital psiquiátrico na efetivação do modelo assistencial (Vasconcelos, 2010). 7 O Jornal Folha de São Paulo e a Revista Época publicaram em 2009 uma entrevista com o poeta Ferreira Gullar em que realiza severas críticas a Lei 10.216 e ao modelo assistencial em saúde mental adotado pelo MS. O título de uma das entrevistas foi: “Uma lei errada: campanha contra a internação de doentes mentais é uma forma de demagogia” (Folha de São Paulo, 12/04/2009). 8 No dia 07 de abril, um jovem, na zona oeste do Rio de Janeiro, adentra a escola onde estudou, e dispara diversos tiros contra os alunos enquanto estes assistiam à aula. O episódio violento resultou na morte de pelo menos 12 adolescentes e 18 ficaram feridos.

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do país, inclusive algumas denunciadas no Ministério Público e Ministério da Saúde, como

responsáveis por maus-tratos, abandono, negligência e morte de pacientes.

Entretanto, novos espaços foram conquistados nesses últimos dois anos. Em 2009

ocorreu a Marcha dos Usuários à Brasília, que reuniu cerca de 2.300 pessoas na Esplanada

dos Ministérios. Essa ação política composta por usuários, familiares, trabalhadores e demais

simpatizantes do movimento forçou a realização da IV Conferência Nacional de Saúde

Mental. Na marcha, usuários e familiares falaram abertamente com os representantes da

presidência da república e do congresso nacional sobre as condições de tratamento, da

necessidade de melhorias e avanços na política nacional, a reafirmação da proposta da

Reforma Psiquiátrica, bem como da luta em defesa dos direitos sociais.

Aquele ato político culminou na realização da IV Conferência Nacional de Saúde

Mental, que ocorreu em 2010, atravessada pelo debate intersetorial, colocando o tema da

Saúde Mental para além do campo sanitário. Conforme o relatório final da Conferência

Nacional registrou-se a realização de 359 conferências municipais e 205 regionais, com

participação direta de 1.200 municípios, estimando-se ainda que 46.000 pessoas tenham

participado deste processo (CNS, 2010).

Paralelo aos eventos sociopolíticos anteriormente relatados houve uma mobilização do

Ministério da Saúde (MS) em conjunto com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas,

intermediado diretamente pelo Ministro Chefe do Gabinete Institucional da Presidência da

República, na conformação de ações em conjunto das Políticas de Saúde, Assistência Social,

Direitos Humanos e Segurança Pública, no combate e enfretamento das drogas e epidemia do

Crack. Nesse sentido, foram abertos novos serviços da rede psicossocial em todo o país e

organização de políticas de qualificação profissional para o enfrentamento do Crack como um

novo problema de saúde pública e social. Naturalmente, este também é um debate que tem

ganhado repercussão na mídia.

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Não podemos esquecer que todo esse contexto é atravessado: 1) pelos efeitos do avanço

das políticas neoliberais que “acentua a crise do Estado e o desinvestimento nas políticas

sociais (particularmente na saúde pública)”; 2) pelo corporativismo médico com a luta para a

aprovação do Projeto de Lei do Ato Médico (PL 7.703/06), proposta esta completamente

contrária ao SUS e aos ideários da Reforma Sanitária e Psiquiátrica; e 3) pelo lobby das

empresas médicas e da indústria farmacêutica que pressiona os poderes legislativo e executivo

para operarem ações de desregulamentação das políticas sociais universais, conformando-as

sobre a lógica dos interesses privados e de mercado (Vasconcelos, 2010, p.10).

Com a mudança de gestão nos níveis estadual e federal de governo ocorridas em 2011,9

a ala conservadora da psiquiatria retomou suas investidas na “mídia, no Congresso, no

Ministério Público, e particularmente nas esferas do executivo municipal, estadual, e sem

dúvida alguma no governo federal” (Vasconcelos, 2010, p.18). Tão logo o médico sanitarista

Alexandre Padilha assumiu o Ministério da Saúde, a ABP enviou-lhe comunicação formal,

como também aos governadores e seus secretários de saúde, solicitando audiências com o

interesse de contribuir com a condução da Política de Saúde Mental (ABP, 2011).

Portanto, esta nova década se inicia para a Saúde Mental em meio aos embates e

enfrentamentos deste processo complexo e contraditório que é a Reforma Psiquiátrica

brasileira. Se anteriormente as lutas eram localizadas em determinados setores, agora ganham

proporções maiores, especialmente com o surgimento de novos atores que fazem aquecer o

plano político da Reforma. Com base nesse cenário, Vasconcelos (2010) e outros autores com

os quais dialogaremos ao longo deste trabalho, entendem que, apesar do campo da saúde

mental se encontrar em franco processo de reversão da rede asilar para a psicossocial, os

riscos quanto à sua sustentação são prementes. O maior deles é, talvez, a pouca capacidade

dos atores envolvidos de dar sustentação por meio da participação e ação política no

9 Referimo-nos à mudança de governo fruto do processo eleitoral ocorrido no ano passado, em que no plano federal houve a eleição da Presidente Dilma Rousseff (2011-14), apesar da reconfiguração político-partidária na esfera dos Estados brasileiros.

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movimento de Reforma.

O presente trabalho trata, portanto, deste cenário, num contexto localizado: o Estado do

Piauí. Os desafios da Política de Saúde Mental local não diferem daqueles retratados

anteriormente em âmbito nacional. A maior diferença é pelo fato de ser um dos Estados de

menor capacidade financeira da federação, que enfrenta dificuldades quanto à captação de

recursos, tem baixa capacidade gerencial e níveis incipientes de desempenho institucional.

Isto sem dúvida faz os desafios ganharem proporções elevadas quando se trata de uma

realidade que sofre com a fragilidade da rede de serviços primários em saúde, educação e

proteção de direitos. Não é por acaso que as movimentações político-profissionais quanto à

reversão da rede manicomial para a psicossocial no Estado tiveram início apenas em 2004.

Nesse aspecto, dado o caráter contraditório e complexo da Reforma Psiquiátrica em

curso no país, bem como a realidade vivida em terras piauienses, entendemos que é

imprescindível operarmos com trabalhadores orientados teórica-tecnicamente e ética-

politicamente segundo os princípios da luta antimanicomial para dar sustentabilidade a esse

processo. Daí o interesse em investigar sobre as formas de participação e ação política dos

psicólogos piauienses na Saúde Mental no Estado.

Pretendemos com este trabalho de doutoramento problematizar as formas de

movimentação e enfrentamento dos psicólogos frente à Política de Saúde Mental no Piauí, as

quais têm se dado em dois níveis. No plano macropolítico, orientada pelo lema do

compromisso social da profissão, sendo que tal movimento não tem equivalência em termos

da transformação das práticas e posturas político-profissionais no cotidiano dos serviços. No

plano micropolítico, ou seja, das relações de força tecidas no cotidiano do trabalho, a ação

política da profissão está implicada com preservação do modus operandi clássico de ser

psicólogo, e mais ainda, vem tornando tímida a sua capacidade crítica, problematizadora do

cenário e dos desafios atuais nesse campo. Portanto, trata-se de ações que, pelo menos em

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termos da categoria dos psicólogos, dão pouca sustentabilidade ao processo de reforma

psiquiátrica em curso no Estado, e por que não dizer no país.

Como forma de desenvolvermos tal argumento, problematizações e reflexões sobre as

movimentações técnico-profissionais e a participação e ação política dos psicólogos frente aos

rumos da Política de Saúde Mental no Estado do Piauí, estruturamos o presente trabalho com

base nos seguintes capítulos:

Capítulo 1. Das linhas geradoras do campo problemático e dos objetivos da pesquisa.

Trata-se da apresentação geral dos motivos e das principais questões teóricas e práticas que

suscitaram a realização deste trabalho de doutoramento, articulando o contexto da inserção

dos psicólogos no campo das políticas de bem-estar social, o processo de expansão e

interiorização da profissão no Brasil, o movimento de redefinição do compromisso social dos

psicólogos e o próprio contexto da Reforma Psiquiátrica no país. Portanto, o campo

problemático em que se ancoram nossas questões de pesquisa.

Capítulo 2. Das linhas teórico-metodológicas que construímos para tecer os caminhos

da pesquisa. Trata-se do debate metodológico que deu sustentação teórica para a elaboração e

realização do método do estudo. Para tanto, apoiamos nas metodologias participativas, de

base interventiva, com inspiração na Análise Institucional, com reflexões sobre as ferramentas

teórico-metodológicas envolvidas, sem esquecer os norteadores político-ontológicos que

orientaram o estudo, o debate sobre o papel do pesquisador nesse processo, e os

delineamentos práticos com a realização da pesquisa de campo.

Capítulo 3. Do plano de análise para a realização da pesquisa. Refere sobre a

proposição de um campo de análise que permitisse o trabalho de problematização dos dados

levantados na pesquisa de campo, organizados em quatro grandes eixos de análise, que deram

os nomes dos capítulos seguintes.

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Capítulo 4. Modos de inserção profissional dos psicólogos na Política de Saúde Mental

de Teresina-PI. Trata-se do primeiro capítulo de dados, em que foram debatidas as formas de

inserção profissional dos psicólogos nos serviços em Teresina, além de acompanhado os

efeitos dos modos de inserção dos psicólogos na maneira como organizam seus processos de

trabalho e se posicionam meio ao processo reformista local.

Capítulo 5. Saberes e práticas profissionais para atuar na Saúde Mental de Teresina-

PI. Trata-se do segundo capítulo de dados, em que foram identificados os saberes e as práticas

que embasam as compreensões e as estratégias de ação dos psicólogos na Política de Saúde

Mental no Estado. Além disso, ainda foram considerados os efeitos que as escolhas teóricas e

práticas implicaram sobre o modo como psicólogos piauienses se posicionam, comparecem e

participam do processo de reforma psiquiátrica local.

Capítulo 6. Movimentações político-profissionais meio ao processo de implantação da

Política de Saúde Mental no Estado. Trata-se do terceiro capítulo de dados, de modo que nele

apresenta-se o cenário local da Reforma Psiquiátrica e da efetivação da Política de Saúde

Mental. Para tanto, percorreu-se as dimensões técnico-assistencial, político-jurídico e

sociocultural do processo reformista local, evidenciando os principais desafios e as

movimentações político-profissionais dos atores envolvidos na Política de Saúde Mental do

Piauí.

Capítulo 7. Os psicólogos piauienses e os rumos da Política de Saúde Mental no

Estado do Piauí. Trata-se do último capítulo de dados, no qual nos debruçamos sobre como

os psicólogos configuram seu campo de ação político-profissional para atuar na Saúde

Mental; percebem a organização e participação do Conselho Profissional de Psicologia frente

aos rumos da Política de Saúde Mental; e contribuem para a ampliação do debate sobre a

categoria “Político” como um elemento constituinte do cotidiano profissional.

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Considerações finais. Finalizamos o trabalho retomando algumas questões e ampliando

a reflexão do caso piauiense como um analisador da profissão no plano nacional. Além disso,

destacamos algumas problematizações sobre a formação de psicólogos como uma estratégia,

ou uma aposta, para nos pensarmos de maneira diferente na Saúde Mental daquilo que

estamos a fazer de nós mesmos na atualidade (Foucault, 2004).

Sigamos na Tese!

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CCAAPPÍÍ TTUULL OO 11

[[ddaass ll iinnhhaass ggeerraaddoorraass ddoo ccaammppoo pprroobblleemmááttiiccoo ee ddooss oobbjjeettiivvooss ddaa ppeessqquuiissaa]]

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O objeto de estudo deste trabalho de doutoramento tem como foco o processo de

Reforma Psiquiátrica em curso no Estado do Piauí. Entretanto, nosso interesse está centrado

em um aspecto específico desse processo que é complexo, multifacetado e em constante

movimento. Trata-se da participação e ação política dos psicólogos frente à Política de Saúde

Mental no Estado. Em outras palavras, nos interessa investigar e analisar as formas de

participação dos psicólogos nesse processo de luta, as ações políticas investidas, bem como os

movimentos empreendidos por nossa categoria profissional (e seus efeitos) visando à

construção de um novo lugar social para a loucura na cidade de Teresina-PI.

A ideia, portanto, é indagarmos sobre as maneiras como os psicólogos piauienses têm se

colocado, participado e constituído estratégias, no sentido de se organizarem e agirem em

torno da construção desse novo lugar social para a loucura; que, como bem caracterizou

Amarante (1999): “não seja o da doença, anormalidade, periculosidade, irresponsabilidade,

insensatez, incompetência, incapacidade, defeito, erro, enfim, ausência de obra” (p. 49).

A escolha por essa temática partiu de um conjunto de questões amadurecidas ao longo

do meu percurso acadêmico e profissional, bem como em torno das transformações que passa

a profissão, o trabalho e a formação do psicólogo no Brasil, especialmente inserido e

envolvido no campo do bem-estar social10 sob a égide do debate da construção de um novo

compromisso social da profissão. E, para melhor situar as inquietações mobilizadoras para a

realização deste trabalho, retomarei rapidamente alguns pontos do meu percurso acadêmico e

profissional trilhado até o momento e os desdobramentos responsáveis pelas principais

questões geradoras deste trabalho de doutoramento.

10 Sobre o campo do bem-estar social, consideramos as políticas sociais legalmente asseguradas pela Constituição de 1988, como dever do Estado e de direito da população, e devidamente regulamentada por leis: no caso da saúde, temos a Lei 8.080/1990 que dá vigência ao SUS; na assistência social, a Lei 8.742/1993 que dá vigência ao SUAS. Além disso, também estamos considerando os diversos projetos sociais, fruto de políticas públicas específicas ou como políticas de governo, coordenado por órgãos do executivo ou por organizações conhecidas como sendo do “terceiro setor”.

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Ainda na graduação11 me inseri no debate sobre o psicólogo brasileiro, passando pelos

estudos clássicos sobre a profissão a partir dos trabalhos de Mello (1975), Botomé (1979) e

Campos (1983), bem como as publicações sobre o psicólogo brasileiro, organizadas pelo

Conselho Federal de Psicologia (CFP): “Quem é o psicólogo brasileiro?” (1988) e o

“Psicólogo brasileiro: práticas emergentes e desafios para a formação” (1994). Foi através

desses estudos que fui introduzido nas discussões críticas acerca dos rumos da profissão, que

nos anos 1970 esteve notadamente voltada para as elites brasileira e seus interesses, sendo

pouco acessível à maioria da população devido a sua forte marca clínico-liberal. Agregado a

isso, registrava-se ainda o alto custo dos honorários profissionais e o uso de teorias

importadas, que aplicadas de forma descontextualizada da realidade brasileira, tornava o

trabalho dos psicólogos ainda menos acessível à maioria da população (Mello, 1975; Botomé,

1979).

Com a falência do modelo profissional liberal nos anos de 1980 ante a crise econômica

vivida naquela década, os psicólogos buscaram novos espaços de atuação, migrando para

postos de trabalho mais próximos às classes populares, anteriormente, sem acesso aos

serviços desses profissionais (Campos, 2003). O surgimento dos primeiros Programas de

Saúde Mental implantados no país no início da década de 1980, conforme ocorrido em Minas

Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul – e também no Piauí (denominado de

Programa de Saúde Mental Comunitária - 1983), – fez com que os psicólogos fossem

incorporados nas equipes profissionais dos centros municipais de saúde, recém-abertos,

também naquela mesma época, bem como nos primeiros serviços de saúde mental de base

comunitária (Ferreira Neto, 2008). O efeito disso, na opinião de Campos (1983) [e

posteriormente endossado por Yamamoto (2007)], foi que o referido movimento de migração

da profissão em busca de novos postos de trabalho, acabou por expor “as insuficiências

11 Graduei-me em Psicologia pela Faculdade Santo Agostinho/PI entre os anos de 1998 e 2003.

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teórico-técnicas da Psicologia ‘tradicional” (Yamamoto, 2007, p. 30), praticadas no país até

então, quando do seu encontro com uma nova realidade: as classes populares e a população

que vive em condições de existência abaixo da linha da pobreza12 incluindo suas necessidades

e urgências sociais.

Por outro lado, no entendimento de Vasconcelos (1999), a inserção dos psicólogos no

serviço público, por meio da saúde pública, consequentemente nos serviços de saúde mental,

também trouxe efeitos interessantes para a profissão que não foi apenas o de publicizar as

fragilidades e desafios de sua categoria profissional nas políticas públicas. Para o autor, o fato

das entidades-profissionais de Psicologia terem respondido ao chamado de participação dos

movimentos de reforma sanitária e psiquiátrica, com o envolvimento direto dos seus

profissionais nas diversas iniciativas do Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental

(MTSM)13, bem como nas Coordenações Estaduais e Municipais de Saúde Mental,

principalmente nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, aponta para um processo de

amadurecimento político da profissão, em termos do engajamento da categoria ante as novas

políticas e serviços, além da “implicação dos profissionais com os processos históricos,

econômicos, políticos e sociais em curso (...), e com as lutas históricas da maioria da

população” (Vasconcelos, 2009, p. 13). Outro aspecto ressaltado pelo o autor foi o próprio

envolvimento dos Conselhos Regionais e Sindicatos dos Psicólogos na direção de sistematizar

e divulgar novas abordagens e experiências profissionais, como forma de reverter as

insuficiências teórico-técnicas e aperfeiçoar o desempenho das intervenções em saúde mental

12 O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) considera o rendimento familiar per capita de 1/2 do salário mínimo como Linha de Pobreza, e o rendimento per capita de 1/4 do salário mínimo vigente como Linha e Indigência. Nos últimos 40 anos, por exemplo, os níveis de pobreza no país variaram de aproximadamente 40% em 1977 para 34% da população brasileira em 1999. Entretanto, em decorrência do processo de crescimento populacional, o quantitativo de pobres no país passou de aproximadamente 41 milhões em 1977 para 53 milhões em 1999 (Barros, Henriques & Mendonça, 2000). 13 Ator e sujeito político fundamental no projeto de reforma psiquiátrica brasileira, surgido em 1978, em denúncia das péssimas condições de trabalho e assistência oferecida nos hospitais psiquiátricos dos estados do Rio de janeiro e Minas Gerais. É com o MTSM que se politiza a luta em torno da reforma, através de reivindicações que extrapolam a questão da mudança na assistência psiquiátrica do país, pois seu foco se amplia para a proposição de uma radical mudança na nossa cultura em relação à loucura (Amarante, 1995).

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de maneira mais consoante com o ideário da Reforma Psiquiátrica (Vasconcelos, 1999).

Entretanto, apesar dos esforços e das mobilizações propostas no âmbito da militância

pelo MTSM e na corrida pela ocupação dos aparelhos do Estado com o processo de

redemocratização do país, os avanços quanto ao incremento do aparato teórico-prático dos

psicólogos para materializar as ações reformistas e de luta antimanicomial no cotidiano dos

serviços foram tímidos (Vasconcelos, 1999; Ferreira Neto, 2008a, 2008c). Até meados de

1990 não sabíamos o que fazer quanto à questão social, especialmente em termos do sentido

político de nossas práticas; sob qual regime de verdades nossos saberes e práticas se filiavam;

e de que forma conduzíamos os avanços e os desafios tecnocientíficos que

constituíam/legitimavam nosso saber-poder profissional no campo social (Coimbra, 1995;

Freitas, 2008). Parafraseando Arendt (1995) e Duarte (2010), essa “incapacidade” dos

psicólogos para compreenderem sobre quais teias de poderes seus saberes e práticas estão

enredados sócio-historicamente, isso demonstra um “sério comprometimento para nossas

capacidades genuinamente políticas” (p. 51.) de pensarmos sobre o nosso fazer e ponderarmos

sobre e para além da nossa expertise técnica, bem como sobre os desafios que a realidade nos

coloca.

Concordamos com Ferreira Neto (2004, 2008a, 2008c) quando refere que o não

acompanhamento do aparato teórico-prático dos psicólogos a nova realidade que se

configurava para nossa categoria na saúde, bem como frente à estratégia de ocupação dos

aparelhos do Estado na década de 1980, desencadeou na profissão situações de cisão da

militância do âmbito técnico. Por outro lado, não podemos esquecer dos incansáveis alertas

dados por Coimbra (2002) quando refere que a Psicologia, desde a sua gênese, enquanto

campo de saber e prática, esteve construída e vivida em oposição e exclusão ao campo da

Política; ou, nas palavras de Bobbio (1997): “desinteressada das paixões da cidade” (p.21-22).

Sendo assim, enquanto a primeira (a psicologia) foi ordenada sob a necessidade de se afirmar

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como “científica”, “neutra” e “objetiva”; a segunda (a política) foi caracterizada como

fazendo parte do território da militância, portanto, lócus do qual o psicólogo, enquanto

profissional, está excluído (Coimbra & Nascimento, 2001). Neste caso, “a Psicologia, então,

em sua pureza, não pode ser conspurcada pelo Político” (Coimbra & Leitão, 2003, p.11).

Ainda na década de 1980, a militância foi investida como campo de ação para fora dos

espaços prático-profissionais. Tal estratégia buscou dar uma maior visibilidade a causa da

reforma da assistência psiquiátrica no Brasil e a procura de novos parceiros de luta para

pressionar os gestores para o início das primeiras iniciativas de desinstitucionalização14 no

país (Amarante, 1996). Foi a partir daí que se produziu uma corrida para realização de fóruns

e a construção de estratégias com pautas reivindicatórias que pressionassem o Estado

brasileiro na estruturação de uma Política Nacional de Saúde Mental de base territorial,

comunitária e desinstitucionalizante.

No entanto, com o espaço para ações militantes esvaziados no interior dos serviços (até

mesmo por que inúmeros articuladores estavam envolvidos em ações políticas no plano

macropolítico, ocupando cargos de gestão nos primeiros governos estaduais do período de

redemocratização do país), as movimentações nos espaços prático-profissionais acabaram se

despolitizando, perdendo, portanto, o seu caráter crítico-criativo e evidenciando as 14 Sobre o conceito de desinstitucionalização, Amarante (1996) adverte que podemos encontrar, ao longo do processo histórico de efetivação dos Projetos de Reforma Psiquiátrica no mundo, três sentidos diferentes para o termo: a) desinstitucionalização como desospitalização; b) desinstitucionalização como desassistência; e c) desinstitucionalização como desconstrução/invenção. Isso por que cada Projeto configurou de maneira diferente em suas bases epistemológicas e ético-política a “forma do lidar prático e teórico da desinstitucionalização” (Amarante, 1996, p.15). No Brasil, por exemplo, houve um mix entre as experiências ocorridas no mundo. Desde a década de 1980, quando o movimento de desinstitucionalização foi iniciado com a abertura de serviços comunitários em saúde mental, assistimos o curso de experiências de desospitalização e de desassistência. Entretanto, a partir da experiência da Psiquiatria Democrática italiana, o processo de Reforma Psiquiátrica que vem sendo construído no Brasil como movimento social denominado “Por uma sociedade sem manicômios”, adotou o conceito de “desinstitucionalização” como desconstrução/invenção (Amarante, 1996; Vasconcelos, 2008). Sua proposta é operar uma crítica radical à realidade manicomial, tendo como alvo não apenas a estrutura hospitalar e sua mecânica institucional, mas os saberes e práticas profissionais e suas relações com a organização social produtores e reforçadores da cultura manicomial (Desviat, 1999). Para tanto, propõe renunciar a busca pela cura dos indivíduos no sentido de inseri-los na vida produtiva. Seu foco passa a ser, por um lado, a desconstrução das amarras das redes saber-poder-subjetividades que configuram tais indivíduos como objetos, portadores de uma negatividade e sem qualquer poder contratual ou relacional (Kinoshita, 2010); e por outro, a aposta no reconhecimento de uma existência-sofrimento a partir da produção (invenção) de sua saúde em espaços coletivos e dispersos, porém, articulados, no território em busca de sua cidadania (Rotelli, Leonardis & Mauri, 2001).

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insuficiências quanto ao modo de trabalho dos psicólogos nesse novo cenário profissional. O

efeito disso não foi outro senão o surgimento, a posteriori, de uma série de críticas que

acabaram por frutificar a realização de debates, estudos e investigações sobre os principais

obstáculos, desafios e possíveis avanços da inserção da Psicologia e dos psicólogos nesses

novos contextos, completamente envolvidos por questões políticas e fragilidades

institucionais em torno da questão social e do campo do bem-estar.

Nesse aspecto, três questões de base alimentaram as discussões e os estudos em torno

do quadro que expressava um novo espaço de atuação do psicólogo brasileiro a partir da

década de 1990: a) a institucionalização da profissão através das políticas públicas, bem como

seus efeitos na atuação; b) a insuficiência da formação e a necessidade de redirecionar os

saberes e práticas frente à chamada “área social”; e c) o questionamento sobre a “função

social do psicólogo”, posteriormente ampliado para o debate sobre o compromisso social da

profissão (Bandeira, 1992; CFP, 1994; Boarini, 1996, 1997; Dimenstein, 1998a, 2001; Lima,

2005; Jesus & Nunes, 2006; Bock, 1999, 2003; Vasconcelos 1999; Yamamoto, Oliveira &

Campos, 2002; Oliveira, Dantas, Costa, Gadelha, Campos & Yamamoto, 2005; Yamamoto,

2007; Yamamoto & Oliveira, 2010; Spink, 2003; Spink, Bernardes, Santos & Gambá, 2007;

dentre outros).

Quando da realização do mestrado15 e imbuído por uma demanda profissional e

acadêmica em relação à atuação dos psicólogos na saúde pública e assistência social, tive

oportunidade de envolver-me mais ainda com as discussões que referimos anteriormente.

Dessa maneira, entrei em contato com diversos estudos sobre a inserção dos psicólogos na

esfera das políticas públicas (Barros, 2005; Romagnoli, 2006; CFP, 2006; Yamamoto, 2007;

Spink, 2003; Spink, et. al., 2007; Freitas, 2008; Dimenstein, 2009), os quais registravam

como principais desafios a serem superados por nossa categoria:

15 Conclui o Mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 2007 com a dissertação: “O psicólogo no campo do bem-estar: cartografias de práticas na saúde e assistência social”

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1. A manutenção da lógica ambulatorial e o foco no modelo clínico tradicional como

principal atividade realizada pelos psicólogos. Trata-se, portanto, de uma prática que se

coloca completamente alheia aos demais processos de trabalho que acontecem nos serviços,

como, por exemplo, na saúde e assistência social: prática do acolhimento, construção de

projetos terapêuticos, realização de atividades de sala de espera, atendimento em grupo,

visitas domiciliares, oficinas terapêuticas, matriciamento das equipes e ações de

fortalecimento do controle social, etc.

2. A supervalorização do caráter técnico e especialista, que considera muito pouco o

trabalho interdisciplinar e em equipe, e menos ainda a necessidade de articulação com as

redes de serviços ou bases de apoio comunitário. Ou seja, são práticas com pouca abertura

para operar ações compartilhadas de planejamento e gestão do trabalho, seja no interior das

equipes, do próprio serviço ou mesmo na esfera da gestão central, quiçá quanto ao

desenvolvimento de ações intersetoriais com outras políticas públicas ou equipamentos

sociais voltados para o fortalecimento das fragilidades e potencialidades dos territórios.

Com o apoio daqueles estudos (e outros mais), finalizamos a pesquisa de mestrado com

uma série de discussões que ajudaram no debate e no entendimento de que nossa atuação no

campo das políticas sociais públicas no Brasil exige bem mais do que apenas qualificação

técnica. Na verdade, é preciso ter clareza, implicação e disposição afetiva, pois operar modos

de trabalho sob os pressupostos da integralidade, da ação territorial, em rede e intersetorial,

exige dos profissionais: a) um permanente enfrentamento do modo clássico de organização

dos processos de trabalho (e também do funcionamento dos serviços); b) um desabituar-se do

entendimento tradicional e cotidiano sobre o saber técnico que define nossas práticas e

identidade profissional; c) habilidade para inserir-se no trabalho em equipe e transitar por

conhecimentos interdisciplinares; d) habilidade para contagiar e conquistar novos parceiros de

luta dentro e fora dos serviços; e) além de disposição para circular nas comunidades e

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permitir-se encontrar com o cotidiano das pessoas (ou seja, com os modos como as

populações percebem, sentem, agem e produzem sentido sobre sua própria realidade, bem

como sobre suas vidas). Dessa maneira, concluímos o nosso estudo de mestrado

compreendendo que trabalhar no campo das políticas sociais requer dos psicólogos um

esforço constante de operar processos de desinstitucionalização de práticas/posturas pouco

permeáveis à complexidade da vida das pessoas, das condições de trabalho e dos cenários

onde profissionais e usuários interagem (Macedo, 2007; Macedo & Dimenstein, 2009).

Posteriormente, comecei a amadurecer a idéia de que as alternativas para fortalecer a

presença dos psicólogos no campo das políticas sociais não poderiam ser outra senão ampliar

suas concepções profissionais sobre sua ação técnica, dotando-a não apenas de

saberes/práticas gerais e específicos, mas de habilidades pautadas por componentes éticos e

políticos. Ou seja, de habilidades crítico-criativas que acionam forças possíveis de rivalizar

com aquelas que tentam manter a repetição dos modelos tradicionais, que tentam cooptar

ações e estratégias capazes de lutar contra a precarização das políticas públicas e das

condições de trabalho no campo das políticas sociais tais como a falta de estrutura para

realização das ações, a baixa resolutividade da rede de serviços, a flexibilização do trabalho,

através da precarização dos vínculos, baixa remuneração e pouca segurança quanto às

garantias e os direitos trabalhistas.

Por isso a urgência de investirmos em uma formação acadêmica que prepare nossos

profissionais para a construção desse novo lugar social que nos fala Amarante (1999). Mas

como? Não eram poucos os autores que indicavam a necessidade dos cursos de psicologia

participarem de discussões que envolvessem a invenção de novas estratégias de intervenção

no campo das políticas públicas, dos direitos humanos e de afirmação da cidadania, de

maneira outra que não fosse como instrumento de controle político (Bock, 1999, 2003; Silva,

2002, 2007; Yamamoto & Oliveira, 2010).

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A partir desse ponto me interessei pela idéia de aproximar militância da ação técnica, na

perspectiva de fazermos dialogar esses dois mundos, constituídos, historicamente, em

oposição um ao outro, especialmente no interior das zonas de domínio da Psicologia e da

Política, conforme referimos anteriormente. Assim, compartilho da mesma opinião de

Coimbra (2002), quando diz que

Tem sido natural para todos nós a afirmação de que Psicologia e Política são dois mundos separados: “ou somos “psi” ou somos militantes”; “se somos isto, não podemos ser aquilo”, sob pena de contaminarmos com as impurezas que circulam neste segundo mundo - o dos “leigos” – a “ciência” psicológica que, necessariamente, deve ser “pura”, “verdadeira” e, mais do que nunca, “neutra” (p. 8).

Deste modo, fiquei mais sensível à ideia de que para aproximar Psicologia e Política,

era preciso um esforço por parte de nossa ciência e profissão para que fossem criados

dispositivos que aumentassem o grau comunicacional e o poder de intervenção (Passos &

Barros, 2009) entre esses dois mundos. Tais dispositivos teriam, por um lado, a função de

fazer com que a militância pudesse re-oxigenar e levar a ação técnica ao seu limite, inclusive

operando aí a análise de suas implicações (Lourau, 2004), no objetivo de produzir críticas e a

reinvenção de práticas. Por outro lado, a militância, ao aproximar-se da ação técnica, do

cotidiano dos serviços e do amplo campo de necessidades dos usuários da saúde mental, ela

própria poderia também reinventar-se, fazendo, quem sabe, variar as linhas identitárias mais

rígidas, duras e pouco flexíveis, que ativam

“uma concepção de sujeito político e militante totalizado por determinismos ou categorias de pertencimento a classe social, ancorado em projetos utópicos de longa duração no tempo da história, evoluindo de uma subjetivação alienada a uma subjetivação revolucionária, como que acumulando ganhos históricos e uma nova consciência, como o querem seus teóricos (Leite & Dimenstein, 2010, p. 277).

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Nessa direção, é necessário que os territórios entre ação profissional e militância

possam ser ativados por novos regimes de afetabilidade e inteligibilidade; que nessa relação

nem se constituam como opostos um ao outro, ficando reduzidos por uma unilateralidade

extremada, nem percam sua unidade, ficando um reduzido ao outro (Bobbio, 1997). A

intenção é diversa. Ou seja, que a ação técnica e ação política transversalizem e se constituam

um no outro a partir de uma “integração recíproca” (Bobbio, 1997, p. 2), mantendo relações

sempre múltiplas e provisórias (Coimbra & Leitão, 2003), formando novos sujeitos políticos e

militantes que promovam novos coletivos e novas estratégias de luta, para além dos limites do

campo sanitário, a exemplo, da corrida pela cidadanização dos usuários e seus familiares.

A necessidade da produção desses novos sujeitos políticos e militantes entre os

trabalhadores da saúde mental torna-se ainda mais urgente quando observamos seu pouco

ativismo e engajamento político frente os rumos do processo de Reforma Psiquiátrica no

Brasil (ou mesmo em defesa do SUS e da reforma sanitária). Com o objetivo de aprofundar

essas reflexões surgidas ao longo do meu percurso acadêmico e profissional, interessa-nos,

neste estudo, investigar as formas com que os psicólogos têm configurado a “participação” e a

“ação política” como um elemento constituinte do seu cotidiano profissional e do seu campo

de preocupações teórico-práticas. No entanto, vamos inicialmente situar de qual campo

problemático falamos para que a apresentação do nosso problema de pesquisa neste trabalho

encontre sustentação tanto em termos prático-profissional, quanto ético-político.

1.1 Apresentação do campo problemático em que se ancoram nossas questões de

pesquisa

O campo problemático que sustenta as idéias que originaram esse trabalho de tese

encontra corpo em quatro amplas questões que conjugam os principais elementos com os

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quais temos nos debatido na perspectiva de problematizarmos sobre a participação e ação

política dos psicólogos na atualidade:

1. A inserção dos psicólogos no campo das políticas de bem-estar social;

2. O processo de expansão e interiorização da profissão no Brasil;

3. O movimento de redefinição do compromisso social da Psicologia;

4. A Reforma Psiquiátrica como historicamente o campo que mais tem engajado os

psicólogos brasileiros em termos de lutas e conquistas sociais, e que constitui um

movimento social em que há o embate entre diferentes forças, atores e interesses.

Em resumo, entendemos que essas quatro questões constituem um importante campo

problemático para refletirmos sobre as estratégias com que os psicólogos têm atuado e se

movimentado politicamente no campo social. O próprio processo de inserção da profissão no

campo do bem-estar social, que referimos na seção anterior, foi um importante dispositivo

gerador de problematizações sobre os modos de atuação da categoria, bem como sobre o

movimento de redefinição do seu compromisso social. Os campos que mais têm contribuído

para essas discussões são sem dúvida a saúde pública, a saúde mental e, mais recentemente, a

assistência social, pois se configuram como espaços de atuação que pedem um permanente

reinventar das fronteiras de nossa identidade profissional, principalmente em relação à

maneira com que escutamos, percebemos, acolhemos e intervimos, organizamos nossos

processos de trabalho e nos posicionamos político-profissionalmente sobre as realidades em

que os serviços, programas e ações dessas políticas se efetivam.

Ademais, é importante ressaltar que esses mesmos espaços, sejam da saúde pública,

sejam da saúde mental ou na assistência social, também têm contribuído para o processo de

expansão e interiorização da profissão, pois dos 236.100 psicólogos em exercício profissional

em todo o país, 48% deles atuam em cidades do interior (Bastos, et. al., 2010a), sendo que

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muitos desses profissionais atuam nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Unidades

Básicas de Saúde (UBS), Núcleos de Apoio de Saúde da Família (NASF) e Centros de

Referência da Assistência Social (CRAS) (Macedo & Dimenstein, 2011a).

Entre os serviços e campos supracitados, ressaltamos a importância histórica que tem a

saúde mental para a nossa profissão no Brasil. Trata-se, portanto, de um campo que não só

ampliou os espaços de atuação dos psicólogos pelo país, mas que constituiu importantes

palcos para o debate sobre a formação e a atuação da profissão no campo das políticas

públicas (Vasconcelos, 1999; 2008; 2010). Além disso, trata-se de um campo que tem

problematizado a relação da Psicologia e dos psicólogos com a esfera pública e o campo dos

direitos humanos, bem como tem promovido o exercício político dos diversos atores sociais aí

envolvidos.

Nesse aspecto, não podemos esquecer que a saúde mental no Brasil sendo constituída

pelo processo de Reforma Psiquiátrica e de Luta Antimanicomial está configurada por

espaços com permanente embate de forças. De um lado estão aqueles que fazem avançar

ações na ampliação da rede substitutiva ao modelo asilar e demais dispositivos

desinstitucionalizantes, de modo a alavancar debates e intervenções para a constituição de um

novo aparato teórico-conceitual, técnico-interventivo e jurídico-legal para a loucura em nossa

sociedade (Amarante, 1999; Bezerra Jr, 2007). Do outro lado, reúnem-se as forças que

também se dizem reformistas, mas que na verdade se escondem por detrás de um discurso

preocupado com a manutenção do poder psiquiátrico (ou médico). Portanto, forças

responsáveis por conduzir formas asilares de tratamento, com autoridade para organizar

processos de trabalhos que reforçam a ação de tutela, isolamento e controle da vida, agregado

à revalorização do aparato teórico-conceitual definidor da loucura enquanto doença, um mal

passível de ser tratado, passível de ser curado (Costa-Rosa, 2000; Vasconcelos, 2010).

O fato da Reforma Psiquiátrica no Brasil ter se constituído como um campo com alto

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quantum de lutas e disputas políticas (envolvendo os psicólogos e demais categorias

profissionais e setores da sociedade), bem como dada sua potencialidade reivindicatória, faz

da saúde mental um analisador16 da nossa profissão em termos de como temos desenvolvido

nossa “vontade política” nesse campo (Foucault, 2010b, p. 214). Ou seja, de como os

psicólogos têm dado forma às relações consigo próprio, em termos de “se elaborar a si

mesmo”, ou em sua relação com os outros (Foucault, 2010b, p. 221), e conseqüentemente

com a categoria. As movimentações do Conselho Federal de Psicologia (CFP) quando elegeu

exatamente a saúde mental como campo, por excelência, de atuação e luta política de nossa

categoria profissional serve como exemplo. A criação da Rede Nacional Inter-núcleos de Luta

Antimanicomial (RENILA)17 e o seu fortalecimento na última década, fizeram com que os

Conselhos de Psicologia desempenhassem ações com maior visibilidade no campo da

Reforma, através de posturas mais políticas e incisivas em termos de uma agenda de

reivindicações e contestações frente aos gestores federal, estadual e municipal (Vasconcelos,

2009, 2010). As ações do RENILA, que conta com o apoio e a estrutura do CFP, tem se

pautado em denúncias de irregularidades e o não cumprimento da agenda de ações do campo

da Reforma e da defesa dos direitos humanos no campo da saúde mental (Vasconcelos, 2007).

O último e maior exemplo de mobilização política dos psicólogos no setor nos últimos anos

foi a realização da Marcha dos Usuários à Brasília em 2009, que resultou na realização da IV

Conferência Nacional de Saúde Mental em 2010.

Essas, portanto, são as razões que nos fazem entender a Saúde Mental, como um

importante analisador da participação e ação política da nossa profissão. O fato dos serviços

de saúde mental estarem envolvidos com situações, problemáticas, demandas e urgências 16 Conforme Baremblitt (2002), a noção de analisador foi inicialmente elaborada por F.Guattari e tem como ideia central o fato de ser um conceito-ação, que “medeia, facilita a apropriação e a popularização da análise” (Merhy-Silva, 2008, p. 24. Grifo nosso). Ou seja, ao mesmo tempo em que tem a função de exprimir, manifestar ou revelar algo, ele é sempre analítico em si mesmo, pois catalisa novos sentidos; portanto, tanto produz a análise como é um produto que pode analisar-se. 17 Movimento encabeçado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e seus Conselhos Regionais (CRPs), que dividiu o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial em 2001 em MNLA e RENILA.

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complexas, isso, por si só, deveria constituir o exercício profissional nestes espaços num fazer

que implica, quase que cotidianamente, o planejamento de ações e participações políticas

frente aos inúmeros jogos de interesses e poder que permeiam essas políticas, seja no

cotidiano dos serviços, através do trabalho e organização das equipes ou no trabalho em rede;

seja nas ações de cuidado e atenção psicossocial junto aos usuários e familiares; seja ainda nas

discussões dos processos de gestão, implementação e controle social das políticas de saúde

mental no território. Mas na prática, tem sido assim?

Em função do próprio caráter contraditório e conflituoso e da necessidade permanente

de construção de interesses comuns (mesmo que temporários) entre os diversos segmentos e

interesses que estruturam e remontam esse campo de forças do processo de Reforma

Psiquiátrica brasileira, insistimos em afirmar que para atuar e militar neste segmento, isso

exige de nós, profissionais, ações fundadas não só no âmbito teórico-técnico dos nossos

saberes, mas também ético-político de nossas posturas profissionais. Ou seja, isso requer o

empreendimento de atuações (ou a realização de um trabalho) mais implicado em sua

potência política.

Nesse aspecto, apoiamo-nos na inconteste afirmação de vários autores do campo da

Reforma Psiquiátrica brasileira e do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial

(Amarante, 1999; Lobosque, 2003, 2010; Barros, 2003, 2005; Rodrigues, 2009; Goulart,

2007; Vasconcelos, 2008, 2010), em especial de Ramminger (2006), quando refere que o

trabalhador de saúde mental se constrói e se produz sujeito na tensão dos discursos oriundos

do embate e das arenas de ação e luta constituintes do processo reformista em curso no país. E

que, dependendo de como este trabalhador participa do jogo de forças e dos regimes de

verdades em questão, ele pode ou não dar forma a sua vontade política de modo a assumir

posições de defesa quanto a promover deslocamentos em relação à centralidade do saber

médico-psiquiátrico (ou do poder do especialista) para a interdisciplinaridade de saberes; do

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entendimento em relação à noção de doença para a de produção da saúde; da idéia de

isolamento como tratamento nos hospitais psiquiátricos para a circulação pela cidade; do

conceito de doente mental para portador de uma existência-sofrimento; do julgamento de

incapaz e tutelado para o de cidadão.

Mas, para agir no descolamento dessas convicções e dessas práticas anteriormente

citadas, isso requer dos profissionais não apenas atitude e posição; requer ainda habilidade

para saber (e/ou aprender a) articular, dialogar, e suscitar o engajamento, ou a adesão à ação

política nesse campo, além de mover-se sob as mais diferentes opiniões, concepções,

estratégias e interesses que configuram a arena política da Reforma Psiquiátrica brasileira. Tal

argumento reforça ainda mais a premissa de que o “trabalho em saúde mental deveria incluir

não apenas o conhecimento técnico-científico, mas também a implicação política e afetiva

com a construção de outro modo de cuidar e entender a loucura” (Ramminger, 2006, p. 38).

Nesse sentido, indagamos: os psicólogos sabem mover-se politicamente? Os psicólogos

conseguem atuar no espaço político, na esfera pública e no debate sobre a questão pública, em

torno dos principais problemas que enfrentamos em nosso país, como, por exemplo a questão

da saúde mental na forma como assistimos e reconstruímos a cidadania de muitos,

historicamente excluídos de garantias e direitos civis, sociais e políticos no Brasil? Os

psicólogos conseguem suscitar o engajamento ou a adesão à ação política dos demais

trabalhadores, usuários e familiares, ou de sua própria categoria profissional no movimento de

luta antimanicomial e em defesa da Reforma Psiquiátrica brasileira?

Paralelo ao debate sobre a Reforma Psiquiátrica e seus desdobramentos para a

Psicologia e os psicólogos, também percebemos que em função do processo de inserção da

nossa categoria profissional no campo do bem-estar social e o próprio processo de expansão e

interiorização que passa a profissão, isso fez com que a categoria tenha ampliado discussões

sobre a necessidade de redefinição do seu compromisso, principalmente em relação à

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realidade social do país, através da promoção de atuações mais implicadas com amplas

parcelas da população. Ademais este tem sido um debate que também tem apontado para a

necessidade de auto-organização da profissão em torno da problematização sobre o tipo de

articulação e rede que a Psicologia tem construído com as diferentes políticas públicas

vigentes no país (Freitas, 2008).

No entanto, não podemos esquecer que, para além da ampliação do espectro de

preocupações, debates, responsabilizações e engajamentos da categoria, foram as articulações

junto aos movimentos sociais e demais setores da sociedade civil organizada, bem como as

negociações com o Estado brasileiro, que fortaleceram a presença da Psicologia no campo das

políticas públicas, garantindo assim a sustentabilidade da profissão através da ampliação de

suas possibilidades de inserção no mercado profissional (Yamamoto & Oliveira, 2010).

Nesse aspecto, o movimento de redefinição do compromisso social dos psicólogos tem

se constituído como um espaço de participação e ação política importante dentro da profissão.

Afinal, uma das prerrogativas da ação de um novo projeto de compromisso social para a

Psicologia em nosso país é o de problematizarmos que identidade política nossa categoria tem

construído para a profissão na atualidade (Bock, 1999, 2003; Silva, 2002, 2007). Para

posterior reflexão, perguntamos:

1) De que forma o discurso do compromisso social proposto pela categoria tem

norteado os psicólogos no seu cotidiano de trabalho a agir politicamente em relação a

“questão social”, em especial, em relação ao problema de como a loucura é tratada na nossa

sociedade?

2) Por quais fundamentos, implicações e direção, o discurso sobre o compromisso social

da profissão tem feito os psicólogos avançarem com atuações mais participativas e engajadas

no campo social e no enfrentamento do preconceito social contra a loucura?

3) Como os psicólogos têm articulado em suas práticas profissionais, atuações que

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conjugam ação técnica e ação política?

Foi partindo dessas ponderações que surgiu o interesse de produzir um trabalho de tese

sobre as dimensões políticas que sustentam nossas ações profissionais, seja no cotidiano dos

nossos espaços prático-profissionais, seja nas mais diversas ações que investimos no mundo.

Não podemos deixar de considerar que a profissão se encontra em um momento, tanto no

cenário nacional quanto local, em que temos nos colocado não só como um ator importante na

luta em defesa dos direitos humanos (e demais frentes de luta na efetivação de um Estado de

direito)18, como também temos nos constituído como uma profissão cada vez mais parte do

Estado brasileiro.

Tal realidade é resultante da ampla inserção dos psicólogos no campo do bem-estar

social, através, tanto do acesso mais ampliado e gratuito dos nossos serviços à população,

quanto da promoção de ações mais propositivas na formulação e execução de políticas

públicas (Vasconcelos, 2009). Não que isso, por si só, constitua-se num problema. Pelo

contrário, é indicativo do avanço da profissão em termos do discurso do compromisso social.

Mas, nessas horas, não podemos nos eximir do ensinamento foucaultiano de que precisamos

fazer sempre um esforço para “ouvir o ronco surdo das batalhas” (Foucault, 2002, p. 254).

Deste modo, nosso interesse se ancora no desejo de “sobrevoar” as batalhas silenciosas

ou alianças que têm se efetivado na parceria (ou nos cruzamentos e jogos de forças) entre os

psicólogos e o Estado brasileiro. Aliás, que interferências, intercessões se produziram entre

um e outro? De que forma essa parceria contribuiu para a participação da profissão na luta

pelos direitos das minorias sociais desse país, em especial, daqueles sujeitos marcados pelo

estigma da loucura? Como as filiações psicólogos/Estado têm repercutido na luta pelo

18 Trata-se das diversas campanhas, eventos e mobilizações promovidos pelo Conselho Federal e o Sistema Conselhos em relação à saúde pública, luta antimanicomial, educação, assistência social, sistema prisional, medidas sócio-educativas, violência contra mulher, violência no trânsito, a questão do idoso, a questão da terra, situações de desastres, a questão da mídia, dentre outros. Tais ações valeram ao CFP o Prêmio Nacional de Direitos Humanos em 2005, concedido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Esse prêmio refere ao reconhecimento pelo o histórico de luta da profissão em prol dos Direitos Humanos.

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movimento de reforma psiquiátrica em nosso país, consequentemente, na luta para construir

um novo lugar social para a loucura em nossa sociedade? Por fim, como essas questões se

apresentam na realidade piauiense, em relação à participação e a ação política dos psicólogos

frente aos rumos da Política de Saúde Mental em nosso Estado?

Com esses questionamentos em mãos, percebi a abertura de um novo campo de

preocupação neste trabalho de doutoramento que, paralelo à proposta de discutir como os

psicólogos têm aproximado/distanciado a ação política da ação técnica em seu cotidiano

profissional, bem como os efeitos que isso produz em suas práticas, caberia também

problematizar sobre como se deu o processo de incorporação dos psicólogos (e de sua ciência)

pelo Estado, resultando no surpreendente avanço da nossa profissão nos programas, projetos e

serviços vinculados as políticas públicas na última década. Nesse aspecto, investigaremos se

esses avanços no plano macropolítico têm equivalência em termos da transformação de nossas

ações profissionais no cotidiano dos serviços (plano micropolítico), inclusive

aproximando/distanciando militância e ação política da ação técnica.

Afinal, temos conseguido avançar no plano da redefinição e reinvenção de atuações

mais consonantes tanto com o ideário das políticas públicas a qual estamos vinculados, quanto

com o desejo de transformação da realidade material em que vivem os usuários e a população

que assistimos? Ou ainda, temos conseguido produzir a nós próprios outros modos de ser

trabalhador, no sentido de colocarmo-nos menos sensíveis às capturas produzidas no

cotidiano dos serviços, ou por outro lado, mais sintonizados com o projeto político do SUS e

da reforma psiquiátrica?

Foi considerando todas essas questões que direcionamos essa investigação para

pensarmos como os psicólogos têm vivenciado no seu cotidiano profissional, os movimentos

de defesa e efetivação do SUS e das políticas de saúde mental no Brasil, na perspectiva da

desinstitucionalização psiquiátrica e ação de cuidados territoriais. Para Dimenstein (2006),

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atuar na concretização e defesa do SUS requer de seus atores (trabalhadores e gestores, em

específico) a afirmação de um compromisso que implica necessariamente uma tomada de

posição e o empreendimento de ações

Capazes de investir na produção de modos heterogêneos de cuidado, bem como na singularização da atenção, respeitando a diversidade cultural e subjetiva dos usuários, criando vínculos e responsabilidade para com a saúde do público. Trata-se, pois, de um profissional não escravizado pela técnica, pelo saber totalizante dos experts, por rituais profissionais, mas norteado por modelos de explicação ampliados acerca do complexo “promoção-saúde-doença-cuidado” (Paim & Almeida Filho, 2000, p.75),19 e formas de intervenção flexíveis que levam em conta as necessidades e prioridades de saúde da clientela, e que possui efetiva capacidade para lidar com uma realidade desafiadora e complexa, que não se encontra enclausurada nos modelos teóricos aprendidos na academia (Dimenstein, 2001, p. 59).

Por isso que entendemos que o debate sobre a participação e ação política dos

psicólogos em relação ao campo das políticas sociais (de uma maneira geral) configura-se em

um importante espaço de investigação para Psicologia na atualidade. Principalmente, se

considerarmos que é cada vez mais urgente a necessidade de avançarmos na constituição de

um coletivo de profissionais que se coloque comprometido tanto com a chamada “cultura

democrática e cidadã” quanto com o processo político de consolidação do SUS e das

chamadas políticas de cuidado e de proteção de direitos.

Daí a aposta de termos escolhido aquelas quatro amplas questões como um importante

analisador sobre a maneira com que os psicólogos têm atuado e se organizado, deixando

inclusive envolver-se politicamente com o processo de Reforma Psiquiátrica e Luta

Antimanicomial. É pelo fato dos psicólogos terem sido convocados a atuar nesse processo

como atores sociais importantes, que surgiu o interesse em investigar de que forma isso vem

19 Paim, J. S. & Filho, N. A (2000). A Crise da saúde pública e a utopia da saúde coletiva. Salvador: Casa da Qualidade.

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acontecendo, no sentido de acompanhar o modo como nossa profissão tem se posicionado e se

movimentado, e elaborado sua vontade política, meio ao complexo jogo de relações de força

peculiar a esse campo, numa realidade particular, que é o Estado do Piauí.

Com isso queremos saber se o campo da Reforma Psiquiátrica e a própria Saúde

Pública, incluindo a Saúde Mental, tem se constituído em espaço para o exercício político

para os psicólogos piauienses. De que forma os psicólogos piauienses têm comparecido e se

movimentado politicamente frente ao processo reformista local? Como os psicólogos

piauienses têm se colocado frente aos impasses, os desafios e obstáculos do processo

reformista na capital do Estado? Por fim, como os psicólogos piauienses têm se colocado

como parceiros dessa luta de modo a efetivar ações que façam avançar o movimento de

reforma psiquiátrica local?

Sintetizando, este estudo objetiva conhecer as formas de participação e ação política dos

psicólogos frente aos rumos da Política de Saúde Mental no Piauí. Como específicos,

definimos:

1. Conhecer as formas de inserção profissional dos psicólogos nos serviços de Saúde

Mental da capital do Estado.

2. Identificar os saberes e as práticas que embasam as

compreensões e as estratégias de ação dos psicólogos meio ao jogo de forças no campo de

efetivação da Política de Saúde Mental no Estado.

3. Conhecer as formas de envolvimento técnico e as ações empreendidas pelos

psicólogos piauienses frente os rumos da Política de Saúde Mental no Estado.

4. Acompanhar os efeitos dos processos de participação e ação política nos modos de

organização do trabalho dos psicólogos que atuam na Saúde Mental em Teresina.

5. Analisar as formas de organização e participação dos psicólogos enquanto categoria

profissional frente aos rumos da Política de Saúde Mental no Piauí.

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Acreditamos na possibilidade de contribuirmos e fazer avançar alguns aspectos

fundamentais no campo da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial concernentes à

sua dimensão sociopolítica. Pretendemos ampliar discussão sobre o fortalecimento do político

e do espaço público nos debates e ações em torno do ideário e práticas reformistas nas

políticas de saúde mental no Brasil, afirmando assim os princípios do SUS e da Estratégia de

Atenção Psicossocial. Além disso, esperamos interferir no debate em torno do compromisso

social da Psicologia e da sua redefinição política na atualidade.

Por fim, pretendemos contribuir, com especial atenção, com o processo reformista e as

ações de efetivação da Política de Saúde Mental no Piauí. Entendemos que a realidade local

tem encontrado e enfrentado inúmeros obstáculos, acarretando ao longo desses anos poucos

avanços no movimento de luta antimanicomial e na realização das políticas do setor. Além

disso, suspeita-se que os psicólogos piauienses têm protagonizado participações pouco

expressivas em relação ao empreendimento de ações que contribuam com o processo

reformista local.

No capítulo seguinte discorreremos sobre as principais linhas teórico-metodológicas

utilizadas para fundamentar nossos procedimentos de pesquisa.

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CCAAPPÍÍ TTUULL OO 22

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Considerando a natureza do objeto de estudo, o campo problemático e as questões e

objetivos propostos no primeiro capítulo deste trabalho de doutoramento, tomamos as

metodologias participativas, mais precisamente as de base interventiva, pautada na Análise

Institucional20 como fonte de inspiração para esboçarmos nossa estratégia metodológica.

A referida escola institucionalista tem como objetivo, além de investigar

sistematicamente uma determinada situação problemática, com foco na proposição de ações

práticas em termos de maior compreensão e intervenção sobre uma determinada realidade,

pretende ainda criar planos de análise que problematizem as relações existentes entre o

pesquisador, o ato de pesquisar e as práticas sociais que se coengendram nesse processo. Sua

intenção é produzir novos sentidos e possibilidades de ação para a vida cotidiana, na qual tais

práticas de pesquisa estão inseridas, bem como suscitar novas significações para o próprio

pesquisador e o seu ato de pesquisar, especialmente quando este se realiza.

Assim, a ideia não é outra senão criar agenciamentos possíveis, que ponham em

conexão elementos (ideias, sentidos, análises, afetos, ações...) sob uma determinada realidade

para, em seguida, acompanhar como esses elementos podem se expressar de maneira diferente

e de forma variada. Neste caso, o principal objetivo é fazer com que os vários elementos que

participam desse processo de investigação produzam tensões um no outro de maneira a liberar

novos sentidos, reflexões e estratégias de ação, valorizando assim “o primado das misturas,

das hibridades” em suas composições e relações, evidenciando o caráter instituinte21 das

mesmas (Dosse, 2010, p.196).

Com a perspectiva de ampliar o olhar sobre os vários fatores que participam do processo

20 Trata-se de uma corrente do movimento institucionalista francês, tendo como principais referências George Lapassade e René Lourau, além das influências de F. Guattari, dentre outros. Tem como objetivo propiciar, deflagrar junto às comunidades organizativas, das mais diversas naturezas, processos auto-analíticos e autogestivos. Considera a prática de seus agentes como uma militância, e propõe para eles o perfil de um intelectual implicado, diferente do intelectual orgânico (partidário) ou engajado (comprometido) (Baremblitt, 2002). 21 Para Baremblitt (2002), o instituinte refere a tudo aquilo que instaura o novo, ou que aciona o devir no instituído, inventando novos instituídos; tem como principal propósito fundar novas institucionalizações, ou provocar transformações nas instituições já existentes.

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de realização de uma pesquisa, esta proposta investigativa propõe muito mais do que

simplesmente reunir os clássicos elementos de um determinado plano de pesquisa: sujeito,

local, ferramentas de coleta e análise de dados, etc. Propõe, na verdade, que sejam construídos

campos de análise que tanto considere as condições de sua ação e produção de conhecimento

ao longo do processo de investigação, quanto analise as demandas22 envolvidas e surgidas ao

longo de todo esse processo investigativo; e mais, que ponham em análise as implicações23

dos sujeitos aí envolvidos. Por outro lado, temos a preocupação de não cairmos na tradicional

prática dos modos de pesquisar e intervir baseados nos modelos do realismo euro-americano,

que entendem as coisas e o mundo como sendo anteriores e independentes do sujeito do

conhecimento e suas ações (Moraes, 2010). É por isto que pretendemos “fazer diferença”

neste trabalho de investigação (Moraes, 2010, p. 33).

Nesse aspecto, o presente capítulo pretende apresentar por quais linhas teórico-

metodológicas e político-ontológicas construímos os caminhos para a realização do presente

estudo. O que segue está divido em quatro seções, denominados cada um como “ferramentas”

ou “instrumentos de orientação” que nos foram úteis para nossa entrada no campo de

investigação. Na primeira seção apresentamos, rapidamente, o debate político-ontológico que

nos orientou sobre os múltiplos modos de se compreender a realidade e as formas de “acessá-

la” a partir das possibilidades de pesquisa e intervenção. Na segunda, apresentamos os

22 O movimento institucionalista entende as demandas como algo construído sócio-historicamente, portanto, encadeada numa teia de muitas outras demandas e necessidades. Nesse sentido, tal análise deve levar em conta uma depuração sobre como estas demandas se inter-relacionam uma com a outra produzindo os sujeitos e seus coletivos. Como exemplo, podem ser analisadas: a) as demandas advindas do momento da construção do plano de pesquisa, ou as anteriores a isso e que também influenciaram o interesse e as escolhas de pesquisa; b) as demandas que poderão surgir ao longo da realização da pesquisa de campo, propriamente dita; c) e aquelas outras demandas que ainda poderão surgir no momento da análise, etc. (Lourau, 1993). 23 Demanda e implicação configuram, ambas, um mesmo plano de análise, pois “o que nos é solicitado (ou o que oferecemos) está implicado com o que nossa presença suscita, quer pela nossa atitude, quer pelo que representa nossa profissão” (Rocha, 2006, p. 170. Grifos nosso). Por esse aspecto, é importante analisarmos: a) as implicações que estabelecemos “com o nosso objeto de pesquisa, com a instituição de pesquisa ou outra instituição qualquer presente em nossa equipe de trabalho”; b) as implicações “referentes às demandas sociais que nos chegam”; c) as implicações “relativas aos nossos próprios pertencimentos sociais, políticos, econômicos, profissionais, libidinais e históricos”; e d) as implicações “que têm haver com nossas próprias produções acadêmicas, entre outras” (Coimbra e Nascimento, 2007, p. 29).

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principais norteadores teórico-metodológicos que orientaram nossa proposta de pesquisa. Na

terceira, focamos na reflexão sobre como nos pensamos pesquisadores neste debate. Por fim,

na quarta, discorremos sobre os caminhos propostos (o método) para a realização desse

estudo.

2.1 Ferramentas de primeira ordem: alguns norteadores político-ontológicos de

pesquisa

Finalizamos a seção anterior afirmando que queríamos produzir diferença quanto às

formas de investigar e intervir sobre uma determinada realidade. Mas por que isso? Porque,

tradicionalmente, a atividade de pesquisa esteve baseada no exercício de determinada

racionalidade que dissocia a atividade de conhecer da realidade onde esta se realiza; que

separa sujeito e objeto do conhecimento; que nega a complexidade e tudo àquilo que refere

sobre um campo das incertezas, do contraditório, do múltiplo; e que prioriza muito mais os

produtos acadêmicos do que a (produção da) realidade pesquisada (Paulon & Romagnoli,

2010). Tais pressupostos se sustentam no paradigma moderno de vontade da verdade, e da

manutenção de certa neutralidade, que encontra no método científico o “instrumento por

excelência para a explicitação das verdades do mundo” (Paulon & Romagnoli, 2010, p. 87).

Foi a partir da modernidade que as abordagens empíricas, amparadas pela pesquisa

experimental, passaram a ser o parâmetro científico para as formas de conhecer e pesquisar.

Entretanto, após a segunda grande guerra, ocorreram algumas rupturas no campo da ciência

em termos da verdade sobre o método, a exemplo da crítica ao cientificismo positivista; este

fato resultou em outras possibilidades teórico-metodológicas como: a fenomenologia, o

existencialismo e as abordagens de base materialista-dialética (Paulon & Romagnoli, 2010;

Aguiar & Rocha, 2007).

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Neste caso, além da realidade objetiva e passível de generalização – foco da pesquisa

experimental – outros modos de conhecer e intervir sobre a realidade foram possíveis. Isso

porque houve a ampliação do entendimento de que, apesar da realidade se apresentar como

“uma só, única”, ela é “passível de ser conhecida de muitas perspectivas” (Moraes, 2010, p.

32). Assim, sob esta forma de realismo, abre-se o entendimento de que se poderia haver

outras formas ou meios de apreensão e explicação da realidade. É por essa lógica que surgem

outros objetos e métodos de pesquisa, como, por exemplo, a consciência que passa a ser

objeto de investigação com as pesquisas fenomenológicas, e o conhecimento das

multideterminações sociais que passa a ser objeto da pesquisa-ação (Paulon & Romagnoli,

2010; Aguiar & Rocha, 2007).

No entanto, apesar das diferenças entre as formas de compreender e explicar o mundo, a

natureza das coisas e a maneira como fazê-lo, existia algo que colocava aquelas abordagens

teórico-metodológicas num mesmo plano. E o que seria? A resposta não poderia ser outra

senão o fato de existirem alguns “dispositivos conectores” entre a pesquisa experimental, a

fenomenologia e a pesquisa-ação. E que dispositivos seriam estes? O realismo, a busca pela

representação e a vontade de verdade, que tais modelos buscavam em seus programas de

pesquisa e intervenção sobre a realidade (Rocha & Aguiar, 2003; Paulon, 2005; Aguiar &

Rocha, 2007; Moraes, 2010; Paulon & Romagnoli, 2010).

Por isso a justificativa de Moraes (2010) de que os métodos de pesquisa estão, senão no

geral, pelo menos em parte, comprometidos com o realismo euro-americano. Corroborando

com este argumento, vários são os autores (Santos, 2005, Veiga-Neto, 2002; Rocha & Aguiar,

2003; Paulon, 2005; Rocha, 2006; Aguiar & Rocha, 2007; Passos, et. al., 2009; Moraes &

Kastrup, 2010, dentre outros) com afirmações de que, mesmo salvaguardado as diferenças

epistemológicas e a maneira com que operam seus recortes sobre a realidade, a

fenomenologia e a pesquisa-ação, por exemplo, ainda assim se sustentam no paradigma

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moderno de evidenciar as verdades sobre seu objeto de estudo, “seja pela consciência que

persegue certa essência; seja pelo conhecimento das multideterminações sociais para se

chegar à desalienação” (Paulon & Romagnoli, 2010, p. 88).

E o que seria este realismo? Seria um modo de afirmar o mundo e sua forma de acessá-

lo em que “o real é preciso, delimitado e definido”, bem como poderia ser “plenamente

conhecido por um sujeito do conhecimento” (Moraes, 2010, p. 33). Entretanto, este sujeito

precisa seguir alguns parâmetros para executar tal tarefa. Primeiro que é preciso que ele se

coloque como neutro, comedido e experiente, portanto, competente o suficiente para “abordar

o real sem nele se misturar”, pois só assim ele conseguirá que “o resultado do seu

conhecimento seja preciso” (Moraes, 2010, p. 33). Segundo que o modo de intervir é algo que

se faz sobre o outro, pois além de ser o pesquisador aquele “quem melhor sabe quais são os

fins daquela intervenção”, sua ação sobre o outro tem o sentido de tornar uma dada realidade

normalizável, ajustável, eficiente (Moraes, 2010, p.30. Grifo nosso).

Porém, na busca de operarmos campos de diferença sobre as bases do realismo euro-

americano, produzimos alguns desvios e seguimos os passos de um conjunto de autores

preocupados em explorar outras verdades, ou melhor, outras versões sobre a realidade, sobre

o sujeito do conhecimento e sobre seus modos de pesquisar e intervir (Stengers, 2002;

Prigogine, 1996; Vasconcelos, 2002; Rocha & Aguiar, 2003; Paulon, 2005; Rocha, 2006;

Aguiar & Rocha, 2007; Passos, et. al., 2009; Moraes & Kastrup, 2010).

Primeiro considerar que não existe apenas uma única e somente uma realidade, ainda

mais sendo esta anterior e independente do sujeito do conhecimento. Amparado sobre os

autores anteriormente referidos, partimos de uma compreensão de que as realidades são

múltiplas, heterogêneas, complexas, portanto, são construídas pelas práticas com que nos

relacionamos com o mundo. É nesse sentido que Moraes (2010) é categórica quando refere

que “as práticas são performáticas, isto é, fazem existir realidades que não estavam dadas

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antes e que não existem em nenhum outro lugar senão nestas e por estas práticas” (p.35).

Para essa mesma autora, que acompanha atenta as discussões propostas por Isabelle

Stengers, Bruno Latour e Gilles Deleuze, refere que assim como houve uma virada (ou giro)

cultural e linguístico que abriu novas “versões” para as possibilidades do conhecer, estamos

vivendo na atualidade uma “virada da prática” (Moraes, 2010). Nesse aspecto, a prática –

diferente dos marcos do realismo euro-americano que referimos anteriormente – aqui é

colocada em primeiro plano, e não em segundo como outrora: primeiro a teoria, o conceito, e

depois a prática, lócus de aplicação do conceito.

Pelo contrário, para Gilles Deleuze, como lembra a autora, o pensamento, o

conhecimento, advém do “atrito, do embate com o mundo, com os outros e com o campo de

pesquisa” (Moraes, 2010, p. 26. Grifo nosso). Ou seja, é a partir das práticas cotidianas com

que conduzimos nossas formas e possibilidades de conhecimento; isto é o que faz com que a

realidade seja delimitada e definida desta ou daquela forma. Desse modo, “a realidade é

construída e performada nas e pelas práticas” (Moraes, 2010, p. 35), como, por exemplo,

pelas relações que se tecem entre o sujeito do conhecimento e o seu campo de investigação.

Portanto, não há realidade dada a priori. Sendo o que importa é como a realidade é produzida,

é feita (Moraes, 2010).

Com esse embasamento, advogamos que não há sujeito e muito menos práticas neutras,

já que estas “são vetores que produzem realidades” (Moraes, 2010, p. 37). Assim,

pesquisamos não sobre o outro, no sentido de tomá-lo apenas como objeto ou ser respondente

de nossas questões de pesquisa; pesquisamos sobre os efeitos, sobre as possibilidades que se

abrem e que fazem variar as certezas, as verdades, as versões criadoras de realidades tanto

para o pesquisador, quanto para os participantes da pesquisa, como para as práticas sociais

que se coengendram nesse processo.

Nesse aspecto, a intervenção aqui não é apenas sobre o outro, mas com o outro. Tal

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proposta metodológica propõe outra “distribuição da capacidade de agir (intervir), isto é,

aquele que é interpelado tornar-se ativo no sentido de participar ativamente do dispositivo de

intervenção” (Moraes, 2010, p.30). Portanto, como bem definiu essa autora, trata-se de um

dispositivo que possibilita que a intervenção possa levar a transformação não apenas para o

interrogado ou respondente da pesquisa, mas também para aquele que interroga (Moraes,

2010).

Por isso que afirmamos no início deste capítulo que na perspectiva de ampliar o olhar

sobre os vários fatores que participam do processo de realização de uma pesquisa, propomos

muito mais do que reunir os clássicos elementos de um determinado plano de pesquisa. O

objetivo é sempre fazer conectar tais elementos um no outro e perscrutar seus efeitos de

diferenciação e variação nos participantes da pesquisa; efeitos estes que também se processam

sobre a figura do pesquisador quando realiza o seu plano de pesquisa, ou nas relações que se

constroem e se movimentam entre ambos, pesquisador e os sujeitos da pesquisa, frente a um

determinado campo problemático.

Assim, entendemos os planos de pesquisa muito mais do que meros procedimentos de

investigação. Na verdade, trata-se de uma postura frente ao trabalho de pesquisa, ou frente aos

muitos outros elementos com os quais nos encontramos no ato de pesquisar, bem como à vida

(Rocha, 2006; Paulon, 2005). Portanto, uma atitude que refere a um caráter sempre ativo

(político) de modelação das ontologias definidora de realidades e das condições de

possibilidade com que encontramos e conhecemos o mundo (Mol, 2007).

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2.2 Burilando as ferramentas teórico-metodológicas que embasaram nossa proposta de

pesquisa

Para avançarmos na proposição das linhas teórico-metodológicas que construímos para

tecer os caminhos para a realização desse estudo, faz-se necessário demarcarmos alguns

princípios e diretrizes que balizaram os meios com os quais operacionalizamos nossa proposta

de pesquisa. Primeiro, que apesar das pesquisas participativas apresentarem “pressupostos

gerais de investigação, é necessário observar a diversidade de tendências evidenciadas nos

diferentes modos de ação, procedimentos e priorização de objetivos” em que esta se realiza

(Rocha, 2006, p.170).24

No caso da pesquisa-intervenção, esta se caracteriza por uma “intervenção

psicossociológica (ou sócio-analítica) em nível de transformação institucional” tanto no

âmbito macro quanto micropolítico (Rocha, 2006, p.170. Grifos nosso). Portanto, essa é uma

forma de pesquisar cuja finalidade é produzir, ou fazer articular, dispositivos analíticos que

produzam novas configurações de sentido e ação para aqueles que estão envolvidos no

processo de investigação. Por outro lado, entendemos por “transformação institucional” o

movimento de mudança de práticas, concepções, valores, tradições que, ao longo do tempo,

ganharam lugar de verdade, inclusive, naturalizando-se no imaginário social, cultural e nos

espaços cotidianos/subjetivos que habitamos, trabalhamos e nos produzimos sujeitos

(Baremblitt, 2002; Passos e Barros, 2009).

Neste aspecto, a intervenção deve ser produzida como uma máquina de decomposição

de sentidos sobre a maneira como nos relacionamos com o mundo que nos circunda

(processos de problematização e desindividualização) para, em seguida, passarmos a perceber

e agir sobre ele a partir da construção de novos referentes (processos de experimentação)

24 Através dos trabalhos de Paulon (2005), Rocha e Aguiar (2003), Rocha (2006) e Aguiar e Rocha (2007) podemos acompanhar com precisão o debate sobre as diferentes modalidades das pesquisas com desenho participativo: pesquisa participante, pesquisa-ação, pesquisa ação-participante e pesquisa intervenção.

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(Barros, 2009).

Outro princípio ou diretriz que deve ser considerado ao se operar os dispositivos

analíticos que configuram uma pesquisa-intervenção, refere-se à necessidade de levarmos em

conta as relações de grupo e de coletivização já existentes entre determinados indivíduos e

coletivos que estão sob um determinado contexto ou campo problemático. Quanto ao

“trabalho com grupos” é importante esclarecer que não necessariamente estamos nos

referindo a ideia de grupo como sendo uma reunião de pessoas, demarcada por certas

características, modos de funcionamento (ou componentes identitários) que lhe dão sentido de

unidade (Barros, 2009). Grupo é aqui entendido como dispositivo de análise e de intervenção

sobre certos processos; portanto, refere-se às demandas, implicações, tensões ou movimentos

geradores de transformações/manutenção de relações, sentidos, identidades e posições ético-

políticas frente a um determinado contexto, ou a um problema, ou a um conjunto de

problemas (Passos, 2009).

Ou seja, quando referimos sobre a necessidade de levarmos em conta as relações de

grupo e de coletivização já existentes, trata-se, na verdade, de consideramos os processos que

comumente envolvem e circulam por entre pessoas e coletivos não na perspectiva de reuni-los

em termos espaço-temporal, produzindo uma unidade; mas para implicá-los na ação crítica e

questionadora de certos contextos ou campos problemáticos, coletivizando assim o modo

como eles próprios, sujeitos e grupos, percebem, organizam e agem em sua vida cotidiana

(Rocha e Aguiar, 2003; Paulon 2005, Aguiar e Rocha, 2007; Barros, 2009).

Expostas tais questões, interessa-nos então indagar se é possível procedermos em um

exercício gerador de implicações e problematizações daqueles sujeitos e/ou coletivos

participantes desse estudo; esta é a ética que queremos afirmar neste estudo. Deste modo,

nosso objetivo é o de provocar (ou criar) intercessores entre este pesquisador, os conceitos e

os interesses ético-políticos intrínsecos a esse estudo, e as práticas ou realidades que

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ganharam/perderam visibilidade, bem como se alterizaram (tornaram-se outras) nessa

investigação (Moraes, 2010).

Neste caso, pretendemos empenhar ações para que os participantes (pesquisador e

respondentes) da pesquisa possam entrar em contato com os novos elementos, ideias,

sentidos, afetos e ações advindos dos processos de crítica, problematização e

desindividualização do seu cotidiano (acadêmico e) profissional. Ou seja, que através disso,

possamos todos nós realizar algumas aproximações quanto o fato de passarmos a

experimentar novas possibilidades de participação e ação ante a realidade dos serviços e os

desafios que a Política de Saúde Mental impõe ao Estado e a sociedade teresinense.

A ideia é que a partir desse tipo de exercício possam ser criados planos de análise e

crítica, desdobrados em outras ações que podem, inclusive, circunscrever as variações dos

inúmeros valores, tradições e referências em questão, que se expressam na vida cotidiana e

configuram nosso saber-fazer profissional (Rocha e Aguiar, 2003; Rocha, 2006). Por isso o

interesse para que caso esses valores e referências apresentem-se de maneira naturalizada, o

propósito da construção desses planos de análise e ação é sempre pelo seu desmonte, ou seja,

pela desconstrução permanente dos comportamentos, ideias e “hábitos cristalizados num

processo permanente de aprendizagem e desaprendizagem” com o campo das práticas e com

as novas realidades que pretendemos construir (Rocha, 2006, p.170).

Do mesmo modo, é interesse nosso percorrermos esse processo investigativo por

campos de análises que deem

“visibilidade às ações, aos rituais, às práticas que instituem um objeto, uma individualidade (uma ideia, um pensamento, uma posição) como algo em si mesmo. Os discursos e as normas produzidos em uma coletividade são práticas constitutivas da realidade e é isso o que nos cabe investigar, ou seja, os movimentos permanentes dos processos de subjetivação.” (Rocha, 2006, p. 171. Grifos nosso).

Tal proposição coloca o qualitativo nas pesquisas participativas, especialmente nas

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interventivas, como um dispositivo que tem a potência de liberar sentidos (ou de produzir

outros sentidos) no embate e tensão entre os discursos e práticas socio-historicamente

determinados. O objetivo, portanto, é o de desconstruir certos “determinismos” ou “formas

constituídas” que ganharam lugar de verdade ao longo do tempo,

“evidenciando assim seu caráter fluido, polêmico, que flexibiliza divisões tradicionais, cujas práticas sociais, as experiências, são pontos de criação de sentido e nos movem a analisar, a dialogar, a buscar entender o que vivemos” (Rocha, 2006, p. 171).

E não só isso, também é interesse nosso percorrer esses fluxos de análises que do

mesmo modo podem evidenciar, ou ajudar a entendermos como constituímo-nos sujeitos, ou

então, como configuramos nossas práticas profissionais no campo da Reforma Psiquiátrica.

É justamente com base nesses princípios e perspectivas teóricas e metodológicas que

buscamos inspiração na pesquisa-intervenção para a realização desse estudo. Intencionamos

disparar dispositivos analíticos para que os próprios participantes da pesquisa possam gerar

novas configurações de sentido e ação sobre a forma com que atuam, constroem suas práticas

e se envolvem ou se organizam no cenário técnico-assistencial e sociopolítico da Reforma

Psiquiátrica em Teresina. Como referimos antes, este é o princípio ético-político que rege o

nosso fazer enquanto pesquisador e as intenções desse trabalho de doutoramento.

2.3 Sob que princípios queremos nos produzir pesquisador?

Rocha e Aguiar (2003) defendem um modo de ser pesquisador como alguém implicado

com as questões práticas e os impasses presentes no cotidiano dos serviços, das comunidades

e dos grupos pesquisados; isto inclui, certamente, o fato de também estar implicado com as

situações de embate e lutas as quais se inserem (ou se tecem) suas questões de pesquisa.

Nesse aspecto, o pesquisador não se coloca de fora do processo de análise e intervenção.

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Pelo contrário, ele também põe em análises as demandas e implicações que o atravessam no

seu ato de pesquisar. Deste modo, o objetivo não é outro senão o exercício ético de

desnaturalização de seus próprios mundos, concepções e práticas, além do questionamento

permanente sobre a maneira como se relaciona e aborda os campos problemáticos que

provocam seus interesses de investigação. Assim, é preciso que o pesquisador fique atento às

interpelações do “Fora”25 no deslocamento de suas próprias verdades e certezas de dentro

mesmo dos dispositivos de análise e intervenção construídos para dar cabo aos objetivos do

seu estudo.

Na opinião de Rodrigues e Souza (1987), tal postura se efetiva quando o pesquisador

em vez de ficar procurando por uma “metodologia com justificativas epistemológicas”, se

reserva a construir “um dispositivo de intervenção no qual se afirme o ato político que toda

investigação constitui” (p. 31). Portanto, uma pesquisa que se coloca sempre como

interventiva por que “tem como mote o questionamento do ‘sentido’ da ação” (Barros &

Passos, 2000, p. 73). Ou seja, o questionamento do ato fundante da análise das implicações

que envolvem toda e qualquer ação empreendida nesse processo, inclusive as do pesquisador.

É por essa via que Rocha (2006) refere sobre a importância do mapeamento e

problematização das diferentes forças presentes no nosso campo de atuação, que “tem como

alvo o movimento e as rupturas que as ações individuais e coletivas imprimem no cotidiano”

(p. 171).

Tomando essas reflexões sobre a pesquisa-intervenção como inspiração, suscita-nos

retomar o debate sobre Psicologia e Política, iniciado no capítulo anterior, para colocarmos

novas indagações, que expressem esses dois territórios imbricados um no outro. Quando

indagamos no título dessa seção sobre quais princípios queremos nos produzir pesquisador, o

fizemos sob a reflexão colocada por Santos (2005) quando pergunta de que modo a ciência

25 O “fora” é aqui entendido, conforme reflexões realizadas por Blanchot, Foucault e Deleuze, como aquilo ou acontecimento que impõe ao pensamento (ou a experiência do pensamento) o encontro com o seu estrangeiro, ou seja, com o devir-outro – espaço de virtualidades, portanto, espaço de singularidades (Levy, 2003).

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tem contribuído para promover práticas reais que ampliem as possibilidades de vida dos

indivíduos e seus coletivos. Deste modo, precisamos em nossa ciência e profissão de

indivíduos e coletivos que questionem, cada vez mais, sobre as relações que nossa ciência

instaurou com o mundo, bem como sobre as posições que, nós psicólogos, afirmamos diante

da vida e em relação aos desafios e impasses que enfrentamos.

Ou seja, com o quê da vida e com o mundo, nós psicólogos (ou pesquisadores), nos

implicamos quando exercermos nossas práticas, afirmamos nossos discursos, nos

posicionamos (ou não) frente a esse ou aquele determinado problema, produzimos nossas e

outras verdades? Desdobrando tal pergunta para o propósito de colocarmos nossa própria ação

de pesquisa também em análise, cabe outra indagação: qual o sentido em querermos

investigar sobre a participação e ação política da psicologia nos campos da reforma e da luta

antimanicomial?

Pensar sobre essas e outras questões requer, de fato, do pesquisador uma atitude ético-

política. Trata-se, pois, sem dúvida, de uma ação problematizadora da nossa realidade

acadêmico-profissional e da nossa posição enquanto agentes produtores de verdades. Logo,

não podemos esquecer que são justamente essas verdades produzidas por nós mesmos que,

muitas vezes, sustentam certos lugares que ocupamos no mundo e na vida das pessoas.

Daí a importância de investigarmos as diferentes forças que organizam nossos campos

de atuação e as formas de pesquisar e intervir a partir de uma determinada realidade,

consequentemente, o “sentido” da ação política que empreendemos nesses espaços. Em outras

palavras interessa-nos pesquisar sobre: a) as forças que nos fazem querer, desejar, permanecer

ou não atuando no campo da saúde mental; b) as forças que nos fazem deixar envolver ou não

com a realidade dos serviços, dos trabalhadores, dos pacientes e seus familiares; c) as forças

que conformam o nosso campo de conhecimento (saberes/práticas) para atuarmos nesse

cenário; e, d) as muitas outras forças que emergem dos jogos de poder e interesse dos mais

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diversos atravessamentos institucionais, os quais conformam os lugares que ocupamos no

campo social na atualidade.

2.4 Delineando os caminhos da pesquisa

Com a intenção de atender os objetivos e questões anteriormente definidos,

estruturamos em três momentos nossa estratégia de inserção no campo de investigação,

realizado em Teresina-PI.

A) No primeiro momento, organizamos nossa ida ao campo de pesquisa no período de

dezembro de 2008 a janeiro de 2009. O objetivo dessa inserção inicial foi: 1) levantar os

principais espaços de debate/discussão e espaços de luta política em torno do processo de

reforma psiquiátrica local e do movimento de luta antimanicomial no Piauí; 2) identificar os

locais de inserção dos psicólogos nos serviços de saúde da capital piauiense.

Como procedimentos para atender a estratégia de levantar os principais

eventos/acontecimentos, encontros, fóruns de discussão e demais contextos de mobilização

política que envolveu a temática da saúde mental e da reforma psiquiátrica em Teresina,

detivemo-nos sob os registros documentais e orais (memória oral) dos atores institucionais

que tradicionalmente promovem esse tipo de realização na cidade. Tomamos como análise os

relatórios de gestão, atas de reunião, projetos, folders, relatórios e anais da realização de

eventos, além do depoimento (pontual) de alguns atores institucionais, através dos seus

representantes: Gerência Estadual de Saúde Mental do Piauí – com o testemunho de cinco

Gerentes de diferentes gestões, sendo três deles psicólogos; 11º Conselho Regional de

Psicologia - Seção Piauí – com o testemunho de três Conselheiros em diferentes gestões;

Associação Psiquiátrica do Piauí (APP) e a extinta Associação de Saúde Mental Comunitária

do Piauí (ASMC-PI) – com o testemunho de dois representantes; e Associação dos Portadores

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de Transtorno Mental, Familiares e Pessoas interessadas na Saúde Mental do Piauí (Âncora) –

com o testemunho de dois representantes.

Como ferramenta de registro, estruturamos um protocolo de coleta de dados para

organizar as informações levantadas (documental e oral), descrevendo cada evento por: 1)

data de realização; 2) pontos de tensão; 3) encaminhamentos; 4) atores envolvidos.

A escolha dessa estratégia justifica-se pelo entendimento de que para garantir a

realização de certos “eventos”, normalmente, se faz necessário empreender uma série de

articulações de ordem pessoal, profissional, associativa e institucional. Seguido disto, ainda

tem o fato de que tanto nos momentos preparatórios, quanto da realização dos eventos

propriamente ditos, esses espaços se constituem em verdadeiras “arenas” de debate,

confrontação de opiniões e embates teóricos e políticos entre os grupos que compõem esse

coletivo social em torno de movimento de reforma psiquiátrica. Tais movimentações fazem

desse cenário, portanto, um interessante palco de confluência de forças, jogos de interesses,

filiações, acordos, e reavaliação de posturas e estratégias dos atores envolvidos neste

contexto. Sendo comum, após a realização de cada evento, a emergência de novos atores, que,

muitas vezes, produzem novas ações e novas estratégias frente à causa da reforma e da luta

antimanicomial no Piauí.

Por meio dessa estratégia tivemos a oportunidade de identificar os processos políticos

(avanços e recuos, focos de ação e tensão) que têm configurado o campo da Reforma

Psiquiátrica no Piauí, bem como identificar os principais atores sociais, inclusive psicólogos,

surgidos nas arenas de luta da Saúde Mental na capital piauiense, considerando suas

mobilizações e participações no setor.

Por outro lado, também procedemos no mapeamento dos locais de inserção e

identificação dos psicólogos que atuam na saúde mental na cidade de Teresina, independente

se vinculados à gestão estadual ou municipal. De acordo com as buscas realizadas junto ao

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CRP11-PI, a Secretaria Estadual de Saúde/SESAPI e a Fundação Municipal de Saúde (FMS),

identificamos a presença de 82 psicólogos atuando na rede pública de saúde da capital,

conforme demonstra tabela 1.

Tabela 1 Número de Psicólogos que atuam na Rede de Saúde e Saúde Mental em Teresina.

Rede de Saúde

Hospitais Estaduais

Hospital Getúlio Vargas (6) Hospital Infantil Lucídio Portella (7) Instituto de Doenças Tropicais Natan Portella (6) Hospital da Policia Militar Dirceu Arcoverde (12) Maternidade Dona Evangelina Rosa (4)

Hospital Municipal Hospital de Urgência de Teresina Prof. Zenon Rocha (3) Ambulatório Centro Integrado de Saúde Lineu Araújo (4)

Atenção Básica

Centro de Saúde Cecy Fortes (1) Unidade Integrada de Saúde Monte Castelo (1) Unidade Mista de Saúde do Dirceu Arcoverde (1) Unidade Mista de Saúde do Buenos Aires (2) Unidade Mista de Saúde do Matadouro (1) Unidade Mista de Saúde da Primavera (1)

Rede Psicossocial

Estadual Hospital Areolino de Abreu (11) Privado Sanatório Meduna (3)*

Municipal

CAPS II Leste (2) CAPS II Norte (3) CAPSad Dr. Clidenor Freitas Santos (3) CAPS II Sul (1) CAPS II Sudeste (2) CAPS III (4)

Estadual CAPSi Dr. Martinelli Cavalca (1) Gestão Central Estadual Gerencia Estadual de Saúde Mental/SESAPI (3)

* Estabelecimento conveniado ao SUS até 2010, ano em que houve o seu descredenciamento e fechamento; consequentemente, houve a abertura do CAPS II Sul e Sudeste, bem como do CAPSIII, no mesmo ano.

Destacando apenas a rede de saúde mental (Centros de Atenção Psicossocial - CAPS e

Hospitais Psiquiátricos), incluindo a atenção básica e o setor ambulatorial do município,26

identificamos 44 psicólogos atuando em 17 serviços do setor.

Entre os profissionais identificados, é importante ressaltar que nos hospitais

psiquiátricos registramos a presença de 14 psicólogos atuando neste segmento. A maioria

deles (86%) ingressou no serviço ainda na década de 1980, dado que caracteriza o segmento

dos hospitais psiquiátricos como o setor que aglutina os profissionais com maior tempo de

26 No início da década de 1990, atendendo o Plano de Saúde Mental de Teresina foram implantadas equipes de saúde, com funcionamento ambulatorial, para dar suporte ao programa de saúde mental na atenção básica.

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serviço na saúde mental do Estado. Quanto aos psicólogos que atuam nos serviços da atenção

básica/ambulatório, registramos um total de 11 profissionais, os quais, em sua maioria (72%),

ingressaram na rede extra-hospitalar ainda na década de 1990, configurando, portanto, a

segunda geração de profissionais que integraram a saúde mental do município. Quanto aos

psicólogos que atuam nos CAPS, contabilizamos o total de 15 psicólogos, sendo a maioria

(87%) constituída por profissionais com menor tempo de serviço no campo da saúde mental,

pois ingressaram no setor a partir de 2004. Portanto, trata-se de profissionais que configuram

a terceira geração de trabalhadores que integraram a saúde mental do município.

Outro dado relevante é que entre os profissionais entrevistados da rede de saúde mental

do município, há três psicólogos com assento em Conselhos Gestores de Políticas Públicas ou

de Direitos (Controle Social): um representante do segmento dos prestadores de serviços no

Conselho Municipal de Saúde de Teresina; e dois representantes do CRP11/PI no Conselho

Estadual Antidrogas do Piauí (CONEN). Esse é um fato que demarca, sem dúvida, a inserção

dos psicólogos em instâncias formais de participação política e implementação de políticas

públicas no Piauí.

B) Após a identificação dos locais e dos profissionais envolvidos com o campo da saúde

mental que atuam em Teresina, realizamos nossa segunda entrada no campo de pesquisa no

período de maio a agosto de 2009, com o objetivo de visitar cada serviço e entrevistar os

psicólogos que compunha as equipes.

Dos 44 profissionais identificados, entrevistamos 27 psicólogos pertencentes à rede

municipal, estadual e/ou privada, localizada em Teresina. Ressaltamos que não foi possível

realizar as entrevistas com todos os demais pelo fato de que sete deles, na época da realização

deste estudo, ainda não tinham sido contratados; e dentre os outros 10, pelo menos três

estavam de férias ou cumprindo licença prêmio, sendo que o restante, simplesmente, não se

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dispôs a contribuir com a pesquisa, sendo inclusive muito pouco acessíveis (para não dizer

indelicados e ríspidos) quando foram procurados para a realização deste estudo.

Como procedimentos nesse segundo momento de inserção no campo de investigação,

realizamos primeiramente contato com a Gestão Estadual e Municipal, bem como com a

coordenação ou a equipe técnica-responsável de cada serviço, para solicitarmos a autorização

para a realização desse estudo. É importante ressaltar que aproveitamos esse momento com a

gestão para conhecermos a realidade e os desafios enfrentados pela Política de Saúde Mental

do Estado e do município, bem como identificarmos a realidade da rede e de cada serviço com

o seu respectivo território. Fizemos uso do recurso de conversas informais e observação

participante, com foco sobre os seguintes pontos ou aspectos a serem identificados no diálogo

com os gestores e/ou coordenadores dos serviços:

1) instalação física e equipes de trabalho;

2) modo de funcionamento e organização de cada serviço;

3) atividades desenvolvidas;

4) dificuldades e impasses (bem como as estratégias de enfrentamento) em relação à

organização dos processos de trabalho, das ações no território e do trabalho em rede;

5) os obstáculos e os enfrentamentos em torno da efetivação da Política de Saúde

Mental no município.

Após a autorização quanto ao nosso acesso aos locais de investigação pela FMS e pela

SESAPI, procedemos na realização de entrevistas com os psicólogos de cada serviço, através

de um roteiro semiestruturado, norteado pelas seguintes dimensões ou questões: a)

identificação; b) vínculos profissionais; c) formação profissional; d) forma de inserção

profissional e interesses/motivos para permanecer na saúde mental; e) as ferramentas teórico-

metodológicas utilizadas para instrumentalizar as ações político-profissionais nesse campo; f)

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atividades desenvolvidas; g) principais demandas atendidas; h) como esses profissionais

envolvem-se com o cotidiano e com as necessidades da clientela e dos serviços; i) como esses

profissionais se posicionam frente ao debate da reforma e da luta antimanicomial realizado em

Teresina; j) que ações políticas esse campo tem demandado; l) quais têm sido as contribuições

dos psicólogos para avançar os embates e os desafios que esse campo impõe; m) que espaços

a categoria têm construído para afirmar o debate sobre outro lugar social para a loucura na

cidade de Teresina; n) de que forma esses profissionais têm se apresentado como

agentes/sujeitos de ações políticas nesse campo; o) em que situações os psicólogos se colocam

como protagonistas desse campo de luta; p) como os entrevistados avaliam a mobilização e o

investimento da categoria no debate sobre a política de saúde mental do município.

Outra ação alcançada nesse mesmo período foi o contato e realização de entrevistas com

a equipe-gestora da Gerência Estadual de Saúde Mental do Piauí/SESAPI, composta, entre

outros profissionais, por três psicólogas. Porém, somente duas psicólogas concederam

entrevista. Além disso, também contatamos a equipe-gestora do Conselho Regional de

Psicologia/CRP11, Seção PI, na qual quatro profissionais concederam entrevista, dentre eles:

a psicóloga responsável pelo CRP-11/PI; a psicóloga responsável pela Comissão de Direitos

Humanos do CRP-11/PI e que tem assento no Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do

Adolescente do Estado do Piauí – CEDECA/PI; o psicólogo com assento no Conselho

Municipal de Saúde de Teresina; e outra psicóloga com assento no Conselho Estadual de

Saúde do Piauí.

O objetivo em entrevistar a equipe de psicólogos que compunha a Gerencia Estadual de

Saúde Mental e o CRP11/PI foi conhecermos a maneira com que esses profissionais

percebem, acompanham e propõem ações políticas e profissionais junto às estratégias de

implantação e efetivação da Política de Saúde Mental, e as instâncias do Controle Social. Em

termos do instrumento utilizado, retomamos o roteiro de entrevista outrora utilizado com foco

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nas questões finais daquele roteiro, pois centraliza nossas perguntas sobre a participação e o

envolvimento de nossa categoria profissional nesses espaços de luta.

Nesse aspecto, perfilamos um total de 33 psicólogos entrevistados nesse segundo

momento de inserção no campo de investigação, sendo 27 oriundos da rede de serviços,

quatro do CRP11/PI e dois da Gerência Estadual de Saúde Mental/SESAPI).

C) No terceiro momento, organizamos as ações para uma nova inserção no campo de

investigação com o acompanhamento direto de situações ou contextos de mobilização política

(debates, fóruns de discussão e/ou de proposição) frente o processo de Reforma Psiquiátrica e

efetivação da Política de Saúde Mental no Estado do Piauí, ocorrido em 2009 e 2010.

Nesse aspecto, demos destaque a dois eventos comemorativos ocorridos em 2009: “18

de Maio” - Dia Nacional de Luta Antimanicomial e o “10 de Outubro” - Dia Mundial da

Saúde Mental. O primeiro tratou-se de um evento organizado pela Âncora, com três dias de

atividades com rodas de discussão, em que participei na condição de convidado e debatedor

de uma mesa redonda tratando sobre questões relacionadas ao tema deste trabalho de

doutoramento. Quanto ao segundo evento foi uma importantíssima atividade de sensibilização

da população teresinense em geral, com ações artístico-culturais e educativas sobre saúde

mental, organizada pela SESAPI através da Gerência de Saúde Mental do Piauí, ocorrido

numa das principais praças da cidade. Neste último participamos na condição de

“observador”.

Em relação ao ano de 2010, ano histórico da saúde mental no país com a realização da

IV Conferência Nacional de Saúde Mental, acompanhamos de forma direta dois eventos: as

etapas municipal e estadual da IV Conferência, e as atividades comemorativas do “10 de

Outubro”.

Quanto às etapas municipal e estadual da IV Conferência, ambas ocorreram em

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Teresina, sendo que participei na condição de observador da Conferência Municipal (vale

ressaltar que foi a primeira conferência realizada pelo município), e da Conferência Estadual

como delegado eleito pela Conferência de Saúde Mental do Município de Parnaíba-PI. Além

disso, no mesmo ano, participei das comemorações do dia “10 de Outubro”, também ocorrido

em Teresina, com a realização do “I Encontro de Formação Política para Usuários e

Familiares de Saúde Mental”, organizado pela Âncora.27 Nesse encontro de formação política,

minha participação esteve novamente voltada para a realização de debates, em conjunto com

os usuários e familiares (e alguns poucos técnicos dos serviços que compareceram ao evento),

sobre as questões relacionadas ao tema deste trabalho de doutoramento.

Ademais, acompanhamos ao longo de todo o ano de 2010, de forma indireta, as ações

do Grupo de Trabalho em Saúde Mental do Piauí coordenada por dois consultores do MS e

composta por outros membros, a saber: Promotoria da Saúde do Ministério Público Estadual

do Piauí; Representantes da Equipe-gestora da Gerência Estadual de Saúde Mental/SESAPI;

Representantes da FMS de Teresina; Representantes do Hospital Areolino de Abreu; e

Representantes da Universidade Federal do Piauí. Esse grupo tinha o objetivo de estruturar

estratégias que pudessem garantir o processo de implantação e efetivação da Política de Saúde

Mental no Estado, especialmente com a situação do fechamento do Sanatório Meduna.

Os procedimentos e ferramentas utilizados ao longo de todo esse terceiro momento de

inserção no campo de investigação foram a observação participante e o registro de diário de

campo. Além disso, participamos de rodas de discussão e de conversa junto com os usuários

sobre as movimentações, debates e ações frente aos avanços e desafios da Política de Saúde

Mental no Estado. Esses foram os momentos na qual pudemos acompanhar de perto as formas

de participação e ação político-profissional dos psicólogos fora do contexto dos serviços em

27 Este evento contou com três dias de intensa programação, distribuída em rodas de discussão e de conversas, e demais atividades como oficinas temáticas (artísticas, culturais e de expressão corporal, etc.). O objetivo do evento era potencializar e fortalecer os usuários e familiares no engajamento do movimento luta antimanicomial e no esclarecimento dos seus direitos enquanto cidadãos.

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que atuam.

De uma maneira geral, percorremos esses caminhos teórico-metodológicos para

chegarmos às informações e reflexões necessárias para o desenvolvimento desta investigação.

É importante ressaltar que a escolha da estratégia de mapear os locais de inserção e

movimentação dos psicólogos que atuam na Saúde Mental em Teresina, seja na rede de

serviços, ou na esfera da gestão e do controle social, bem como nos demais espaços de debate,

mobilização e militância, foi uma tentativa de tentar cobrir o maior número de espaços

possíveis e esperados de participação e ação política dos psicólogos ante ao processo

reformista local. Além, é claro, de também tentar explorar por meio das entrevistas, visitas e

rodas de conversas realizadas que outros espaços ou movimentos têm se constituído como

campos ou frentes de luta e ação política da categoria.

A seguir, apresentaremos o plano de análise desenvolvido para procedermos nas

problematizações necessárias e sustentação dos argumentos deste trabalho de tese.

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CCAAPPÍÍ TTUULL OO 33

[[ddoo ppllaannoo ddee aannááll iissee ppaarraa aa rreeaall iizzaaççããoo ddaa ppeessqquuiissaa]]

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Diferente do capítulo anterior em que indicamos a maneira como se daria a realização

da pesquisa de campo, neste capítulo centramo-nos nas estratégias necessárias para compor

um plano de análise, que provocasse determinados encontros entre o material coletado,

oportunizando certos diálogos, em termos de como poderíamos analisar e problematizar esses

dados.

Para tanto, organizamos os dados de pesquisa, estruturado por uma determinada grade

de análise, que possibilitasse estabelecer certas conexões entre as reflexões sobre a realidade

por nós pesquisada e, por ventura, com aquelas advindas das problematizações dos próprios

entrevistados sobre o trabalho que realizam. Ou seja, propomos a elaboração de um campo e

um plano de análise, que possibilitasse o estabelecimento de um modus de pesquisar pautado

sobre a ideia de realizá-lo “com” o outro e não apenas “sobre” o outro. Portanto, um plano

que se pretende constituir como um plano “coletivo” de análise. Mas, antes disso, era preciso

estruturar alguns passos de como iríamos operacionalizar essa estratégia de elaboração do

nosso plano de análise, principalmente por que se fazia necessário delinear melhor como se

daria o segundo e o terceiro momento de pesquisa.

3.1 Aproximando os elementos necessários para a composição do plano de análise

Para reunirmos os elementos necessários para a composição do nosso plano de análise,

decidimos que depois de mapeado os locais de inserção dos psicólogos e identificado os

principais espaços de debate e luta política em torno do movimento de Reforma e efetivação

da Política de Saúde Mental local, atividade que caracterizou o nosso primeiro momento de

inserção no campo de investigação, organizaríamos esses dados de modo a suscitar questões-

geradoras, nas etapas seguintes, na realização das entrevistas e participação nas rodas de

conversas (informais) nos eventos que participamos.

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Posto isso, organizamos o material concernente ao acompanhamento das relações e

confluência de forças, jogos de interesses, filiações, acordos, reavaliação de posturas e

estratégias dos atores envolvidos, com a intenção de identificar os “conhecimentos históricos,

políticos e conjunturais” (Rocha, 2006, p. 171), e destacar os principais analisadores do

processo reformista local. No segundo momento, introduzimos aqueles analisadores nas

entrevistas como questões-geradoras aos participantes do estudo, no intuito de dialogar

realidades e provocar problematizações em suas narrativas sobre como a profissão tem se

organizado e participado dos rumos da Política de Saúde Mental no Estado.

A ideia, portanto, não era apenas coletar os dados na pesquisa de campo, mas construir

com os participantes do estudo, quem sabe, novos analisadores para problematizarmos, a

partir de processos de coletivização, as formas de participação e ação dos psicólogos no

movimento reformista local. E, além disso, nossa intenção maior era acionar novas

experimentações e reflexões nos entrevistados, fazendo com que eles próprios conectassem,

um a um (e também entre o coletivo de profissionais que atuam em cada segmento), novas

zonas de sentido, afetos/sensibilização e ação frente aos rumos da Política de Saúde Mental no

Estado. Para exemplificar melhor a construção desse campo de análise, apresentaremos de

forma mais pormenorizada como procedemos na operacionalização dessa tarefa.

Na tabela 2, temos um resumo dos principais eventos/acontecimentos, outrora

identificados, a partir do levantamento documental e oral dos atores institucionais, com os

quais colhemos os referidos depoimentos no primeiro momento de inserção no campo de

pesquisa.

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Tabela 2 Principais acontecimentos em Saúde Mental no Piauí

Acontecimentos Ano 1. Criação da Associação de Saúde Mental Comunitária (ASMC-PI) 1980 2. I Jornada Piauiense de Saúde Mental Comunitária 1982 3. I Plano de Saúde Mental do Estado 1983 4. Mudança do Governo do Estado – Freitas Neto (PFL) e mudança na

Coordenação Estadual de Saúde Mental 1991

5. Mudança do Governo do Estado – “Mão Santa” (PMDB) e mudança na Coordenação Estadual de Saúde Mental

1995

6. Proposição do Projeto de Lei Estadual em Saúde Mental (Dep. Estadual Olavo Rebelo – PT)

1997

7. 2º Mandato do Governador “Mão Santa” (PMDB) e mudança na Coordenação Estadual de Saúde Mental

1999

8. Proposição do Projeto de Lei Municipal em Saúde Mental (Vereadora Flora Izabel – PT)

1999

9. Surgimento da Âncora - Associação de Portadores de Transtorno Mental, Familiares e Pessoas interessadas em Saúde Mental do Piauí.

2000

10. Aprovação da Lei Municipal de Saúde Mental da cidade de Teresina 2001 11. I Conferência Estadual de Saúde Mental 2001 12. Realização em conjunto da VI Jornada Nordestina de Psiquiatria e Saúde

Mental, IV Jornada de Psiquiatria do Piauí e III Jornada de Saúde Mental Comunitária do Piauí

2002

13. Mudança do Governo do Estado - Wellington Dias (PT) e mudança na Coordenação Estadual de Saúde Mental

2003

14. 1ª Comemoração do 18 de Maio - Dia Nacional da Luta Antimanicomial 2003 15. II Fórum Nordestino do MNLA 2003 16. Mudança na Coordenação Estadual de Saúde Mental 17. 2ª Comemoração do 18 de Maio - Dia Nacional da Luta Antimanicomial 2004 18. Realização da V Jornada de Psiquiatria do Piauí 2004 19. I Encontro de Usuários e Familiares 2004 20. Ação do Ministério Público Estadual – Termo de Ajuste de Conduta (TAC)

entre MS/FMS-HAA 2004

21. Mudança na Coordenação Estadual de Saúde Mental 2005 22. Ação do Ministério Público Estadual - Pacto entre 12 municípios para

expansão da rede psicossocial do Piauí 2005

23. Realização em conjunto da VI Jornada de Psiquiatria do Piauí 2006 24. I Encontro Nordestino do MNLA 2006 25. II Encontro Piauiense da Luta Antimanicomial 2008 26. Ação do Ministério Público Estadual – TAC com FMS em descumprimento

do Pacto de 2005 para implantar 2 CAPS II (até 31/12/2009) e 1 CAPS III (até 31/8/2010)

2008

27. Mudança na Gerência Estadual de Saúde Mental 2009 28. Ação do Ministério Público Estadual para pressionar o Estado a cumprir as

ações de saúde penitenciária 2009

29. III Encontro Piauiense da Luta Antimanicomial 2009 30. I Encontro entre Atenção Básica e Saúde Mental 2009 31. Ação do Ministério Público Estadual – TAC entre FMS/SESAPI para

preparar a rede de saúde do estado para o fechamento do Sanatório Meduna 2009

32. Realização de capacitações em Saúde Mental, promovido pela SESAPI, para os profissionais da rede CAPS de todo o estado

2009

33. Comemoração do “10 de Outubro” – Dia Mundial da Saúde Mental 2009 34. Ação do Ministério Público Estadual – TAC entre FMS/SESAPI para

ampliar a rede do município frente o fechamento do Sanatório Meduna 2009

35. Redução de leitos, descredenciamento e fechamento do Sanatório Meduna 2010 36. Em cumprimento do TAC/MPE, foi ampliada a rede psicossocial de Teresina

com abertura de 2 CAPS II (Sul e Sudeste), 1 CAPS III e leitos em hospital 2010

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geral nas Unidades Mistas de Saúde Santa Maria da Codipe, Mocambinho e Primavera

37. Implantação do Serviço Especial de Atenção à Crise Psiquiátrica no Hospital Areolino de Abreu

2010

38. Em cumprimento do TAC/MPE, foi criada uma comissão de saúde mental do município de Teresina, apesar do frágil funcionamento

2010

39. Realização em conjunto da XIV Jornada Nordestina de Psiquiatria e da VII Jornada de Psiquiatria do Piauí.

2010

40. Realização das etapas municipal e estadual da IV Conferência Nacional de Saúde Mental

2010

41. Realização de Audiência Pública na Câmara dos Vereadores de Teresina para tratar da Assistência à Saúde Mental no município, em função do fechamento do Sanatório Meduna

2010

42. Realização de Audiência Pública, no Ministério Público Estadual, para tratar da abertura do CAPS III ad no prédio do Hospital-Dia (a ser desativado) e que funciona dentro do Hospital Areolino de Abreu

2010

43. Iniciado o processo de implantação do CAPS ad de Floriano e CAPSIII ad em Teresina

2010

44. I Encontro de Formação Política para Usuários e Familiares de Saúde Mental 2010 45. Implantação do serviço de Consultório de Rua em Teresina 2010

É importante alertar que cada evento acima indicado (ou determinado grupo de eventos)

é resultante ou disparador de jogos de força, pontos de tensão, fortalecimento ou

enfraquecimento de determinados grupos, e surgimento de novos atores.

A finalidade da identificação desses eventos (e os processos que os constituem) não foi

o de fazer um retorno ao passado para reconstruirmos os principais eventos/acontecimentos,

cenários e demais contextos de mobilização política que envolveu a temática da saúde mental

e da reforma psiquiátrica em Teresina. Ou seja, realizar um exercício “historiográfico” sobre o

tema. Mas tomar esses marcadores históricos como analisadores das movimentações do

processo reformista local para problematizarmos o nosso presente, no objetivo de

interrogarmo-nos sobre a atualidade em que vivemos; tarefa a qual delineou Foucault (2004)

como constituição de uma ontologia histórica da atualidade.

Para o referido filósofo, tal exercício exige uma reflexão crítica e uma imersão teórica e

prática sobre o presente que nos constitui e que ajudamos a constituir. Portanto, são reflexões

que indagam e nos lançam no campo das experimentações sobre o que temos feito de nós

mesmos em nossa atualidade em relação o campo da saúde mental e da reforma psiquiátrica

em Teresina, como também sobre as experiências que têm nos constituído enquanto sujeitos-

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profissionais dessa realidade (Foucault, 2005).

Neste caso, apostamos que para refletirmos sobre as formas de participação e ação dos

psicólogos diante dos rumos da Política de Saúde Mental no Piauí fosse preciso muito mais

do que descrever as formas de atuação e inserção dos profissionais nesse campo; na verdade,

era preciso ir um pouco mais além, como, por exemplo, problematizar juntamente com esses

técnicos sobre a época que vivemos e a forma como estes têm pensado e agido, inclusive se

implicado com o atual momento que passa a profissão meio ao cenário das políticas públicas e

do movimento de reforma psiquiátrica.

Essas problematizações tinham como principal objetivo convidar os entrevistados a se

interrogarem sobre seus próprios modos de trabalho (saberes, práticas e organização dos

processos de trabalho) e demais ações político-profissionais que realizam no cotidiano dos

serviços e/ou demais espaços relativos à saúde mental no município.

Neste caso, nosso propósito não era outro senão produzir intercessores meio às

narrativas dos entrevistados para que eles próprios pudessem deslocar suas certezas, verdades,

explorando sempre a maneira como compreendiam o que era possível ser feito (ou que era

possível fazer diferente) nesse campo. Atitude, que para Foucault (2005) se traduz na

necessidade de produzirmos uma postura de “crítica e criação permanente de nós mesmos em

nossa autonomia” (p. 346), como também de avançarmos em problematizações que possam

reinventar nossas relações com o presente, mesmo que isso nos encaminhe para uma atitude-

limite frente ao pensamento, as nossas identidades (profissionais) e a vida. Ou, de outra

maneira, trata-se de uma postura, que nos remete a operarmos deslocamentos sobre a fronteira

de nós mesmos no objetivo de transpor os “limites que cada um de nós fixa voluntariamente

para aquilo que é e que quer ser” (Sardinha, 2006, p. 247).

Para a Análise Institucional, a pesquisa-intervenção só se materializa quando se tem

início o movimento gerador de dispositivos mobilizadores de questões, pensamentos, ideias,

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indagações e ações sobre as instituições que conformam e constituem a nós mesmos,

enquanto sujeitos, e às nossas realidades (Rocha, 2006; Paulon, 2005). Daí o objetivo de, ao

longo de todo o processo de investigação proposto, buscarmos reconectar os processos de

coletivização, implicados na “análise da micropolítica ali produzida, explicitada nos seus

movimentos, problemáticas, formas de ação e processos sociais” (Rocha, 2006, p. 170) que

circulam no cotidiano dos serviços, do trabalho em equipe e em rede.

Ou seja, o intuito de partilhar tais análises e compor outras, a partir de certos

movimentos de produção coletiva, trata-se, na verdade, de um exercício permanente de

desindividualização, no sentido de abrir novas zonas de percepção e comunicação frente os

atores envolvidos num determinado contexto ou campo problemático em que nos fazemos

profissionais e sujeitos de transformação (Barros, 2009).

Nas palavras de Rocha (2006),

O campo de intervenção só se constitui como tal no momento em que as experiências locais podem entrar em análise à luz da contextualização socio-histórico-política. Isso significa que os efeitos das práticas são tomados na sua complexidade, desconstruindo dualidades, determinismos, individualizações psicologizantes, e o que ganha consistência é uma analítica dos modos de produção da existência na comunidade (p. 170).

Analisando por esse prisma, que nos situa a autora na citação acima, tentamos conduzir

a produção desse plano de análise, em certa medida, incluindo as observações e possíveis

problematizações dos profissionais entrevistados, provocadas pelas questões-geradoras

introduzidas no momento de realização das entrevistas, e depois nas rodas de conversas.

Assim, mais do que buscar representar como os psicólogos atuam, participam e empreendem

ações junto ao movimento reformista, estávamos interessados em acompanhar como os

entrevistados também compreendiam a profissão e a organização da nossa categoria naquele

processo.

Mas aonde queremos chegar com este plano de análise? Compor uma grade de análise

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de modo a estabelecer pontos de conexão e diálogo de forma a produzir encontros

(aproximações, distanciamentos e tensões) entre as percepções, análises e reflexões,

disparando, se possível, processos de coletivização de ideias entre as preocupações e

posicionamentos dos entrevistados sobre os rumos da Política de Saúde Mental em âmbito

local. Para tanto, reunimos o material de campo levantado a partir de quatro grandes eixos ou

gradientes de análise e discussão, tomando como referência:

a) os modos como os psicólogos piauienses se inseriram e têm atuado no campo da

Saúde Mental em Teresina;

b) os saberes e as práticas, consequentemente as posturas profissionais, que embasam e

norteiam o campo de ação técnica e ação política dos entrevistados na Saúde Mental em

Teresina;

c) as configurações e o cenário assistencial e sociopolítico do processo de Reforma

Psiquiátrica local, incluindo as movimentações político-profissionais no contexto mapeado.

d) o movimento e o envolvimento político-profissional dos psicólogos sobre os rumos

da Política de Saúde Mental no Estado.

Para além da apresentação do conjunto de dados de cada eixo de discussão, a construção

deste plano de análise pretendeu evidenciar, ilustrar, as diferentes forças e os inúmeros jogos

de interesses e poder que permeiam o campo investigado; campo este que, sem dúvida, tanto

organiza a forma como atuamos, participamos e nos envolvemos político-profissionalmente

meio ao complexo jogo de relações de força, peculiares a esse palco de luta, quanto estabelece

o “sentido” da ação política que encarna às práticas e às movimentações da profissão que

empreendemos nesses espaços.

Neste aspecto, realizamos um considerável esforço para sustentar um campo

interrogativo e implicativo sobre os efeitos das escolhas teóricas-práticas e os

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posicionamentos políticos-profissionais dos entrevistados frente o processo reformista local,

bem como com as relações que temos construído com o Estado, incluindo, evidentemente, as

formas de governo aí existentes que reforçamos ou rivalizamos.

Por outro lado, admitimos que a construção e a operacionalização dessa estratégia

metodológica, consequentemente deste plano de análise, não foi uma tarefa simples; tão

pouco foi simples a pretensão de sustentar um campo interrogativo e implicativo que pudesse

evidenciar nossos próprios limites e abrir novas fissuras sobre aquilo que há de instituído em

nós, gerando assim novos sentidos sobre: a) a maneira como temos atuado no cenário da

Saúde Mental no Piauí; b) o que nos faz querer, desejar ou mesmo permanecer atuando dessa

ou daquela maneira nesses espaços (aliás, que efeitos isso produz?); c) a forma com que

temos nos envolvido com a realidade dos serviços, dos demais trabalhadores, dos pacientes e

seus familiares; d) que outras posturas temos tornado possível nesses espaços; e) como temos

nos colocado frente aos jogos de interesse e aos mais diversos atravessamentos institucionais,

os quais nos fazem sujeitos desse cenário. Questões já afirmadas anteriormente, mas que

queremos endossar para este momento da análise.

Diante de tudo isso não poderia esquecer também de incluir este próprio pesquisador

neste plano de análise. A finalidade dessa operação foi também colocar em análise as

demandas e implicações sobrescritas nos interesses para a realização do referido estudo, nos

objetivos de investigação outrora delimitados, e nas principais questões e reflexões tecidas ao

longo desta pesquisa; inclusive, gerando novos sentidos sobre a forma como circunscrevemos

nosso objeto, o caminho e as estratégias teórico-metodológicas escolhidas e o nosso lugar de

pesquisador ao longo do trabalho em foco.

Para finalizarmos, apresentamos, a seguir, os eixos de discussão que darão nome e

corpo teórico-analítico aos nossos quatro capítulos de resultados deste trabalho de

doutoramento:

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a) EIXO 1 - Modos de inserção profissional dos psicólogos na Política de Saúde Mental

de Teresina-PI

b) EIXO 2 - Saberes e práticas profissionais para atuar na Saúde Mental de Teresina-PI

c) EIXO 3 – Movimentações político-profissionais meio ao processo de implantação da

Política de Saúde Mental no Estado

d) EIXO 4 – Os psicólogos piauienses e os rumos da Política de Saúde Mental no Estado

do Piauí.

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CCAAPPÍÍ TTUULL OO 44

[[mmooddooss ddee iinnsseerrççããoo pprrooff iissssiioonnaall ddooss ppssiiccóóllooggooss nnaa PPooll ííttiiccaa ddee SSaaúúddee MMeennttaall ddee

TTeerreessiinnaa--PPII ]]

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Nesse capítulo faz-se uma tentativa de cumprir os seguintes objetivos:

1. Apresentar as formas de inserção profissional dos psicólogos nos serviços de Saúde

Mental localizados em Teresina.

2. Acompanhar os efeitos dos modos de inserção dos psicólogos teresinenses tanto na

maneira com que organizam seus processos de trabalho quanto na maneira como se

posicionam frente ao processo reformista local.

3. Contribuir para uma análise crítica sobre a forma de inserção profissional dos

psicólogos nas Políticas de Saúde Mental, e fornecer subsídios para atuações mais

qualificadas nesse campo.

Para tanto, tomaremos os dados da tabela 3 como um resumo-disparador de questões

(que também estarão em conexão com outras) sobre as formas de inserção dos psicólogos na

Saúde Mental em Teresina. No entanto, é importante ressaltar que nesse primeiro capítulo de

análise de dados, trabalhamos apenas com as entrevistas realizadas com os profissionais

lotados na rede de serviços de Teresina e integrantes da Equipe-gestora da Gerência Estadual

de Saúde Mental.

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Tabela 3 Dados gerais sobre as formas de inserção profissional dos psicólogos no campo da saúde mental em Teresina

Entrevistado Instituição de Saúde

Dependência Administrativa

Tempo de Trabalho na

Saúde Mental

Situação Funcional

Regime de Trabalho

Rede CAPS

E1* CAPS ad FMS 2 anos Concurso Estatutário

20h

E2* CAPS ad FUNASA

(a disposição do município)

3 anos Estabilidade do

Cargo Estatutário

20h

E3* ** CAPS ad FMS 24 anos Estabilidade do

Cargo Estatutário

20h

E4 CAPS II

Norte FMS 2 anos Concurso

Estatutário 20h

E5 CAPS II

Norte FMS 2 anos Concurso

Estatutário 20h

E6 CAPS II

Norte FMS 2 anos Concurso

Estatutário 20h

E7 CAPS II

Leste FMS 1 mês Concurso

Estatutário 20h

E8 CAPS II

Leste FMS 1 mês

Prestador de Serviços

Contratado 20h

E9 CAPS II

Leste FMS 10 meses

Prestador de Serviços

Contratado 20h

E10 CAPS II

Leste FMS 2 anos Concurso

Estatutário 20h

E11** CAPS II

Leste

FUNASA (a disposição do

município) 25 anos Concurso

Estatutário 20h

E12 CAPS i SESAPI 1 ano Prestador de

Serviços Contratado

20h

E13 CAPS i SESAPI 2 anos Concurso Estatutário

20h

Atenção Básica

e Setor

Ambulatorial

E14 Unid. Mista Matadouro

FMS 1 mês Concurso Estatutário

30h

E15 Unid. Mista

Buenos Aires

SESAPI 1 mês Concurso Estatutário

30h

E16* Unid. Mista

Dirceu Arcoverde

FMS 13 anos Concurso Estatutário

30h

E17 Unid. Mista Primavera

FMS 14 anos Concurso Estatutário

30h

E18 UBS Monte

Castelo FMS 23 anos

Estabilidade do Cargo

Estatutário 30h

E19 Centro de

Saúde Lineu Araújo

SESAPI 26 anos Estabilidade do

Cargo Estatutário

30h

E20 Centro de

Saúde Cecy Fortes

FMS 29 anos Estabilidade do

Cargo Estatutário

30h

Hospital Psiquiátrico

E21 SM Privado 15 anos Prestador de

Serviços Contratado

30h

E22 SM Privado 23 anos Prestador de

Serviços Contratado

30h

E23 HAA SESAPI 3 anos Concurso Estatutário

30h

E24 HAA SESAPI 15 anos Estabilidade do

Cargo Estatutário

30h E25* HAA SESAPI 24 anos Estabilidade do Estatutário

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Cargo 30h

E26* HAA SESAPI 27 anos Estabilidade do

Cargo Estatutário

30h

E27 HAA SESAPI 29 anos Estabilidade do

Cargo Estatutário

30h

Gestão

E28

Gerência Estadual de

Saúde Mental

SESAPI 6 meses Função

Gratificada

Cargo de Confiança

30h

E29

Gerência Estadual de

Saúde Mental

SESAPI 6 meses Função

Gratificada

Cargo de Confiança

30h

* Profissionais do sexo masculino. ** Profissionais que apesar de terem ingressado nos serviços tipo CAPS a partir de 2004 são, na verdade, oriundos do Hospital Psiquiátrico, pois foram lotados nessa instituição em 1984 e 1985, tendo depois trabalhado nos ambulatórios da cidade, e posteriormente realocados nos CAPS do município de Teresina.

De acordo com os dados apresentados na tabela 3, focalizamos nossa atenção somente

para os 29 psicólogos entrevistados que atuam na rede de saúde mental da capital; entre eles,

27 estão lotados na rede de serviços e dois na Gerência Estadual de Saúde Mental. Dentre os

profissionais lotados nos serviços, registramos a presença de 13 psicólogos atuando em

CAPS, sete em Centros/Unidades de Saúde e sete lotados em dois hospitais psiquiátricos da

cidade.

De maneira geral, os entrevistados estão quase que completamente vinculados ao setor

público (93,1%). Registramos: 7,4% pertencem aos quadros da FUNASA (federal), 40,74%

da SESAPI (estadual) e 51,85% da FMS (municipal). Quanto ao tipo de vínculo empregatício,

75,86% foram contratos sob o regime estatutário e 24,13% como temporários (prestadores de

serviços). Entre os estatutários, 40,9% ingressaram no serviço público como prestadores de

serviços e conquistaram a estabilidade do cargo,28 enquanto 59,1% ingressaram somente por

concurso público. Em termos da carga-horária de trabalho, nove profissionais trabalham 20h,

e 20 profissionais trabalham 30horas. E quanto ao tempo de trabalho na saúde mental, 55,17%

dos entrevistados atuam nesse campo há menos de três anos, 13,8% atuam no setor entre 10 a

15 anos, e 31% atuam no setor há mais de 20 anos.

28 Profissionais que ingressaram no serviço público sem concurso público antes de 1988, e que conquistaram a estabilidade do cargo, conforme previsto em lei.

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Comparando os dados entre os tipos de serviços pesquisados, os CAPS constam como o

setor que concentrou o maior número de psicólogos entrevistados (n=13), inclusive que

concentra o maior número de profissionais sob o regime de estatutário (n=10), sendo a

maioria dos profissionais vinculados (direta ou indiretamente) à FMS (n=11) e trabalham

somente 20h semanais (n=11). Além disso, os psicólogos dos CAPS são em sua maioria

adulto-jovens (n=7), formados há menos de 10 anos (n=9) e ingressaram na Saúde Mental

ainda na condição de recém-formados (n=10).29 Enfim, para muitos, o CAPS foi o primeiro

emprego desses profissionais (n=11).

Diferentemente dos CAPS, no caso dos profissionais lotados na atenção básica e no

setor ambulatorial, todos são estatutários e trabalham 30h semanais (n=7). Tal carga horária

de trabalho é a mesma inclusive para aqueles profissionais vinculados a FMS (n=5), que

constituíram como o maior grupo entre os entrevistos desse setor. Além disso, esses mesmos

profissionais têm em média maior tempo de serviço (15 anos) do que aqueles dos CAPS

(cinco anos). Entretanto, apesar das diferenças, ambos ingressaram na saúde mental sem

qualquer experiência na área, exceto um dos entrevistados, que ingressou mais recentemente

na atenção básica e já tinha experiência prévia na saúde pública, por ser preceptor de um

curso de Residência Profissional em Saúde da Família.

Quanto aos entrevistados dos hospitais psiquiátricos, constam como os profissionais de

maior tempo de serviço na Saúde Mental piauiense (n=6), em média 20 anos, com exceção de

um dos entrevistados, que semelhante aos profissionais dos CAPS, ingressou recentemente no

setor. Apesar disso, todos os entrevistados dos hospitais trabalham 30h. E especificamente em

relação aos entrevistados do HAA, todos são estatutários e vinculados à SESAPI, sendo

apenas um que ingressou no setor por meio de concurso público. Quanto aos profissionais da

Gerência Estadual, historicamente esse foi um local que sempre contou com psicólogos

29 Alguns entrevistados foram aprovados no concurso para atuar no setor quando ainda estavam concluindo o curso de psicologia.

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compondo a equipe-gestora.

Após essa rápida caracterização, aprofundaremos os dados sobre as formas de ingresso

dos psicólogos na Saúde Mental piauiense a partir das informações recuperadas pelas

entrevistas realizadas. Contudo, dialogaremos tal material com a pesquisa documental

realizada no primeiro momento de nossa estratégia metodológica. E, antes disso, retrataremos

sobre qual contexto os psicólogos piauienses ingressaram nas políticas públicas e na saúde

mental no Estado.

4.1 A expansão da profissão nas políticas públicas no Brasil e as formas de inserção

profissional dos psicólogos na realidade local

A categoria dos psicólogos registrou nas duas últimas décadas um rápido e versátil

processo de expansão da profissão em direção aos mais diversos locais, regiões e campos de

atuação do país. Desde sua regulamentação em 1962, a partir da Lei 4.119, a Psicologia vem

se apresentando como uma profissão que tem conquistado vários espaços de atuação e

articulação junto aos mais diversos setores da sociedade brasileira, especialmente junto ao

Estado, os movimentos sociais e demais setores da sociedade civil organizada.

Pode-se registrar, dentre as principais bandeiras de luta levantadas ao longo desses 30

anos de consolidação da Psicologia no Brasil, enquanto profissão: a) o movimento sanitário e

ações em defesa do SUS, como também o movimento de luta antimanicomial e de defesa da

reforma psiquiátrica, além de outros desdobramentos como a campanha contra o projeto de lei

do ato médico; b) a questão dos direitos humanos e proteção contra a violência e tortura no

sistema carcerário/sistema de medidas sócio-educativas; a defesa do ECA e a questão da

redução da maioridade penal; o combate a violência contra o idoso, a mulher e a criança; c) a

luta por uma educação para todos e o fortalecimento da educação inclusiva; d) a luta pela

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democratização das comunicações e demais ações contra a baixaria na TV; e) o debate sobre a

violência no trânsito e a questão da mobilidade; f) o debate sobre a questão da terra no Brasil

e a elaboração de ações frente a situações de emergências e desastres, dentre outras.

Na verdade, tais bandeiras se constituíram como importantes vias de movimentação e

articulação política em que os psicólogos passaram a se envolver desde a década de 1980,

com a participação nos movimentos de luta social, política e ações de afirmação de direitos no

país. Por outro lado, trataram de espaços que tanto viabilizou a ampliação do espectro de

preocupações, debates, responsabilizações e engajamentos da profissão em relação aos mais

diversos problemas e dificuldades que a população do nosso país enfrenta, quanto ampliou as

possibilidades de inserção dos psicólogos no mercado profissional brasileiro. O maior

exemplo disso é a diversidade de lugares e espaços profissionais conquistados pelos

psicólogos na atualidade. De acordo com Vasconcelos (2009), isso só foi possível por causa

do “longo e gradual processo de consolidação de uma abertura, pluralização e compromisso

social crescente da psicologia como profissão no Brasil, tendo em vista a ampliação do

mercado de trabalho, particularmente no campo das políticas públicas” (p. 11).

As maiores articulações para a ampliação dos espaços de atuação profissional de nossa

categoria nos anos de 1980 foram justamente a Saúde, através do movimento de reforma

psiquiátrica e reforma sanitária, como também os grupos de discussão voltados para a

proteção da criança e do adolescente, além do movimento sindical. Mas as lutas não pararam

por aí, logo os movimentos sociais em conjunto com diversos outros setores da sociedade

começaram a reivindicar da esfera governamental e legislativa a regulamentação dos direitos

previstos na Constituição recém-aprovada. Nesse sentido, ainda em 1990 foram aprovados o

“Estatuto da Criança e do Adolescente” e a “Lei do Sistema Único de Saúde”, além da “Lei

Orgânica da Assistência Social/LOAS” em 1993, o que ampliou significativamente (e de

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forma mais sistemática) o ingresso de psicólogos no campo das políticas públicas no Brasil

(Oliveira, 2005).

Foram as articulações junto aos movimentos sociais e demais setores da sociedade civil

organizada, bem como as negociações vinculadas ao Estado brasileiro, que fortaleceram a

presença dos psicólogos no campo das políticas públicas, garantindo assim a sustentabilidade

da profissão através da ampliação de suas possibilidades de inserção no mercado profissional,

a partir de 1990. Mas antes disso, não podemos esquecer que o momento de crise econômica e

social ocorrida nos anos 1980 desencadeou o enxugamento do mercado profissional dos

psicólogos no Brasil, consequentemente deflagrou o movimento de redefinição da categoria

frente à busca de novos espaços de atuação profissional (Dimenstein, 1998b).

As investidas dos psicólogos junto ao Estado brasileiro30 valeram à categoria a

conquista legal, por meio de portarias ministeriais, resoluções e decretos federais, a garantia

da inserção do profissional da psicologia nas equipes de trabalho de diversos programas e

serviços ligados às políticas públicas no Brasil.

São eles, na Saúde, conforme referencia Böing (2009):

1) Na atenção básica à saúde dos usuários do Sistema Penitenciário;

2) No nível secundário da saúde, através de: Núcleos/Centros de Atenção Psicossocial

(NAPS/CAPS); Equipes de Apoio Matricial em Saúde Mental; Núcleos de Apoio a Saúde da

Família (NASF); Núcleos/Centros de Atenção à Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência

(NAD/CAD); Serviços de Atenção à Saúde Auditiva na Média Complexidade; Serviços de

Reabilitação Física; e Ambulatórios Multidisciplinares Especializados (Serviços de

Referência em Triagem Neonatal/Acompanhamento e Tratamento de Doenças Congênitas);

30 Destacamos pelo menos duas ações encampadas na última década pelo o Sistema Conselhos de Psicologia junto ao Estado brasileiro: I Mostra Nacional de Práticas Profissionais, Psicologia e Compromisso Social e o Banco Social de Serviços. O primeiro tratou-se de um evento realizado em 2000, cujo principal objetivo foi suscitar o interesse de investimento do Estado em ações, projetos e experiências inovadoras da Psicologia no campo social; o segundo foi realizado entre 2003 e 2005, com regime de trabalhos voluntários na área das políticas públicas e com parcerias com ações de extensão universitária, como forma de dar visibilidade ao Estado sobre a necessidade de inclusão da profissão nos serviços públicos (Silva, 2003, 2005; Bock, 2005, 2007).

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3) No nível terciário da saúde, através de: Hospitais para tratamento de pessoas

portadoras de transtorno mental; Equipes para realização de transplante de medula óssea e de

outros precursores hematopoéticos; Hospital-dia nas Unidades de Transplante de Medula

Óssea; Hospitais (SIH-SUS) para um conjunto de até 15 leitos; Equipes que analisam decisão

quanto ao tipo de prótese a ser confeccionada para um paciente amputado de membros;

Serviços de Referência em Medicina Física e Reabilitação; Hospital Geral e/ou Especializado

para cobertura assistencial em cada conjunto de até 20 leitos de Reabilitação; Serviço de

Atenção à Saúde Auditiva de Alta Complexidade; e Serviços Hospitalares de Referência para

Atenção Integral aos usuários de Álcool e outras Drogas (SHR-ad);

4) Em Unidades de Urgência Não-Hospitalares ou Serviços de suporte,

acompanhamento clínico e reabilitação na atenção à urgência;

5) Em Serviços de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS;

6) Em ações/programas para atenção de crianças, adolescentes e jovens vítimas de

quaisquer tipos de violências e acidentes

São eles, na Assistência Social, conforme referência do documento da NOB-RH/SUAS

(Brasil, 2006):

7) Em Entidades que desenvolvem Programas de Internação para Adolescentes em

Situação de Privação de Liberdade, no objetivo de garantir o atendimento psicológico ao autor

do ato infracional, bem como pais ou responsável;

8) Na proteção social básica do SUAS, através dos Centros de Referência da Assistência

Social (CRAS);

9) Na proteção social especializada de média complexidade do SUAS, a partir dos

Centros de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) e Serviços de

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Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e suas

Famílias (Programa SENTINELA);

10) Na proteção social especializada de alta complexidade do SUAS, através da

assistência psicossocial para crianças, adolescentes, mulheres, idosos e demais grupos de risco

social em Abrigos Institucionais, Casas-lar, Casas de Passagem, Família Acolhedora,

Repúblicas e Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPIs;

Por fim, conta-se ainda com a presença do psicólogo no meio jurídico e demais políticas

de proteção de direitos, em termos de realização de atividades de apoio, suporte e avaliação

psicológica nas Varas da Criança e do Adolescente, Núcleos de Defesa da Mulher, Defensoria

Pública, Sistema de Medidas Sócio-Educativas, Delegacias Especializadas e Varas de

Família, etc.

Tais conquistas diversificaram, sobremaneira, tanto os domínios clássicos de atuação

dos psicólogos, conforme referimos no primeiro capítulo, inclusive com maior participação

desse profissional no setor público; quanto expandiu às localidades de atuação de nossa

profissão, de forma a não mais concentrar os psicólogos apenas nas capitais e grandes centros

urbanos, conforme referido nos estudos da década de 1980 (Campos, 1983; Rosa, Rosa &

Xavier, 1988). Nesse aspecto, os psicólogos estariam agora a enveredar-se por entre as

cidades de médio e pequeno porte por todo o país em função da municipalização das políticas

públicas (Macedo & Dimenstein, 2011a). É o que podemos constatar com os dados da recente

pesquisa nacional sobre o Psicólogo Brasileiro, que registra o quantitativo de 236.100

psicólogos em exercício profissional em todo o país, sendo o setor público o seu maior

empregador (40,3%) (Macêdo, Heloani & Cassiolato, 2010). Além disso, ainda há o fato de

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que nos últimos quatro anos a proporção de psicólogos no interior (48%) superou a das

capitais (32%) (Bastos, et. al., 2010).

Entre os segmentos de maior responsabilidade pela absorção do crescente número de

psicólogos lançados ano a ano no mercado profissional estão as políticas públicas,

especialmente a saúde pública, a saúde mental e a assistência social. No caso da Saúde, de

acordo com os registros constantes do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde

(CNES) em 2006 contou-se 14.407 psicólogos atuando nos serviços de saúde de todo o Brasil

(Spink, et. al., 2007). Tal quantitativo refletia na época que somente 10,08% do total de

profissionais registrados no Sistema Conselhos de Psicologia tinham vínculo com o SUS.

Entretanto, apesar de este aparentar um percentual “pouco significativo” para a profissão, é

importe dizer que somente no período de 1991 a 1999, “o número de psicólogos trabalhando

em instituições públicas de saúde mais que quintuplicou”, ou seja, “perdeu em crescimento

apenas para os médicos sanitaristas” (Oliveira, 2005, p. 24). Antes disso, Dimenstein (1998b)

já sinalizava que entre os anos “de 1976 e 1984, os empregos em Psicologia no setor saúde

experimentaram uma taxa de crescimento muito acima da média das outras categorias

profissionais, chegando a atingir 21,47%, perdendo novamente apenas para os sanitaristas

(21,65%)” (p. 56. Grifos nosso).

Atualmente, verificamos o registro de 43.984 psicólogos atuando no SUS, conforme

dados do CNES;31 sendo que este número quase que quadriplicou ao longo de cinco anos se

comparado aos dados da época da realização da pesquisa de Oliveira (2005), quando

registrávamos o total de 12.676 psicólogos atuando na saúde pública no Brasil. Esse avanço

na contratação de pessoal no SUS é fruto do movimento de “inversão do parque sanitário

brasileiro” (Machado, 2006, p. 12) ocorrido, principalmente, nos anos 1980, quando se

31 Dado recuperado pelo CNES em abril de 2011. Maiores informações consultar: http://cnes.datasus.gov.br/Mod_Ind_Profissional_com_CBO.asp?VEstado=00&VMun=

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chegou à marca de 18.489 estabelecimentos, e no final dos anos 2000, quando se alcançou o

patamar de 94.070 estabelecimentos vinculados ao SUS (IBGE, 2009).

Tal inversão na lógica sanitária no país, sem dúvida, foi fruto do processo de

municipalização do setor, pois das 52 mil unidades assistenciais públicas em atividade, 95,6%

são municipais (IBGE, 2009). Ademais, dos 2.566.694 empregos presentes na Saúde, 56,4%

deles estão centrados no setor público e 43,6% no setor privado (Brasil, 2007a). Portanto, um

cenário que demarca uma forte expansão das políticas setoriais, bem como das ações, serviços

e programas do SUS, por meio: a) da ampliação e fortalecimento da rede e das ações na

atenção básica, através da Estratégia Saúde da Família (ESF), que articula equipes do

Programa Saúde da Família (PSF) em conjunto com o Núcleo de Apoio à Saúde da Família

(NASF), além das equipes de Apoio Matricial e Unidades Básicas/Centros de Saúde e

Unidades Mistas; e b) do crescimento das equipes multiprofissionais nos serviços

especializados, notadamente nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), hospitais geral e

especializado, serviços de referência em medicina física e reabilitação, e ambulatórios

multidisciplinares especializados. A consolidação de todos esses serviços por todo o país tem

contribuído, sem sombra de dúvida, para o fortalecimento da presença do psicólogo no SUS

(Böing, 2009).

Além disso, é importante ressaltar que apesar de legalmente o psicólogo ser reconhecido

muito mais como um profissional do nível secundário e terciário de atenção à saúde, os

gestores desse setor estão mais sensíveis à presença dos psicólogos na atenção básica e no

desenvolvimento de cuidados primários em saúde, como: vigilância sanitária, clínica

ampliada, matriciamento de equipes da saúde da família e ações de promoção e prevenção de

agravos à saúde. Isto sem referir que com o avanço do processo de municipalização do SUS

em grande parte das cidades brasileiras, a atenção básica constitui hoje num importante

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dispositivo que capilariza as ações dos psicólogos nas cidades de médio e pequeno porte do

país.

Outro setor do campo do bem-estar que tem contribuído para a absorção, expansão e

interiorização da força de trabalho dos psicólogos no país é a Política Nacional de Assistência

Social, que conta com um total de 8.069 psicólogos atuando no SUAS, distribuídos em 6.312

Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e 1.223 Centros de Referência

Especializados da Assistência Social (CREAS).32 Além disso, registra-se a presença de outros

mais 5.428 psicólogos que também atuam no campo da Assistência Social por meio de

entidades não governamentais e sem fins lucrativos (Associações, Fundações, ONGs, etc.)

que prestam serviços ao Estado (IBGE, 2006). Desse modo, a Assistência Social constitui ao

lado da Saúde num novo e crescente campo de atuação de psicólogos no campo social e das

políticas públicas, conformando assim o fortalecimento da presença do psicólogo no Sistema

de Proteção Social brasileiro.

Sobre a interiorização do psicólogo brasileiro por meio da municipalização das políticas

públicas, é importante ressaltar que desde a aprovação da Lei 10.216/01 (Brasil, 2004a) que

reorienta o modelo da assistência psiquiátrica no Brasil, e com a regulamentação da portaria

MS336/02 (Brasil, 2004b) que versa sobre a abertura dos Centros de Atenção Psicossocial

para a oferta de cuidados extra-hospitalares e de base territorial em saúde mental, foram

criados um total de 1.650 CAPS em todo o país; sendo que, dentre eles, a maioria dos serviços

ou é do tipo CAPS I, localizado em municípios de 20.000 a 70.000 habitantes e concentram

47,04% do total dos CAPS implantados no país; ou é do tipo CAPS II, localizado em

municípios de 70.000 a 200.000 habitantes e concentram 26,34% do total dos CAPS

implantados (Brasil, 2011). Portanto, os CAPS constam hoje como os serviços localizados,

32 Dado recuperado com a pesquisa “O psicólogo no Sistema Único da Assistência Social: mapeando redes de serviços no Brasil”, por mim coordenada, no Programa de Iniciação Científica Voluntária – UFPI, no período 2010-2011.

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fundamentalmente, em cidades de pequeno e médio porte; ou seja, dado que coloca o setor

como um importante dispositivo de expansão e interiorização dos psicólogos pelo o Brasil.

Outro dispositivo que tem avançado na ampliação e interiorização da profissão em todo

o território nacional são os NASF, que trata de uma estratégia recente da Política Nacional de

Saúde, implantado através das portarias MS 154/08 e MS 2.843/10 (Brasil, 2008, 2010b) para

dar suporte ao PSF a partir dos territórios sob a responsabilidade da Estratégia Saúde da

Família. De acordo com essas portarias, onde houver equipes de PSF atuando no Brasil

deverá ser implantada ao menos uma equipe NASF como forma de ampliar as ações de

cuidado à população-usuária, inclusive inserindo a saúde mental na atenção básica e

fortalecendo os princípios da integralidade, intersetorialidade, educação permanente em

saúde, promoção da saúde, humanização e controle social. Atualmente, contamos com

somente 1.393 equipes NASF com a presença de mais de 1.000 psicólogos atuando nesse

programa em todo o país (Brasil, 2010a), sendo que 90,2% das equipes estão instaladas nos

municípios do interior do país33.

Ao lado das políticas de saúde e saúde mental, a assistência social, através da

implantação dos CRAS em todo o território nacional, também tem se evidenciado como outro

importante dispositivo de ampliação e interiorização do psicólogo no país. A estruturação da

rede assistencial de base territorial do SUAS segue a lógica de qualificação do porte dos

municípios, com 85,17% dos CRAS instalados em cidades de médio e pequeno porte em todo

o país34.

Nesse aspecto, pensar sobre o processo de interiorização e capilarização da profissão

por todo o território brasileiro requer algumas indagações e, ao mesmo tempo, alguns

33 Dado recuperado pelo CNES em abril de 2011. Maiores informações consultar: http://cnes.datasus.gov.br/Mod_Ind_Equipes.asp?VEstado=00&VMun=00&VComp=201103- 34 Dado recuperado com a pesquisa “O psicólogo no Sistema Único da Assistência Social: mapeando redes de serviços no Brasil”, por mim coordenada, no Programa de Iniciação Científica Voluntária – UFPI, no período 2010-2011.

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desafios, especialmente relacionados se a presença dos psicólogos nesses novos espaços e

realidades tem viabilizado ações mais engajadas, comprometidas e implicadas com as

necessidades da população em termos de lutas e conquistas sociais. Nossa questão mais uma

vez é perscrutar se o campo de debate e discussão sobre o compromisso social tem subsidiado

atuações que viabilizem ações transformadoras e mais implicadas com a potência política da

profissão, sendo, inclusive, geradoras de novos conhecimentos e posturas que combatam as

situações de desigualdades e iniquidades que sofre a população.

Tais perguntas se ancoram no desafio de que, ao atuarem no campo do bem-estar, os

psicólogos concentram-se em municípios com: a) alto índice de população rural (44,93%),

cuja atividade produtiva é centrada no extrativismo ou atividade agrícola, pecuarista e do

pescado, com fins para a comercialização local desses produtos; b) frágil dinamismo

econômico por causa dos níveis incipientes de desempenho institucional, o que leva a

precarização das condições de vida da população e a completa dependência dessas localidades

em relação ao governo federal; c) situação de rivalidade política local e as corriqueiras

práticas de centralismo, autoritarismo, clientelismo e descompromisso social de certos

gestores frente às necessidades da população; d) falta de profissionais e serviços

especializados, além da fragilidade da rede de serviços básicos de saúde, educação e proteção

de direitos; e) e o fato dessas localidades contarem com uma significativa parcela da

população que vive com renda per capita abaixo da linha de indigência (27,39%) ou de

pobreza (49,86%), com 6,87% de suas crianças de sete a 14 anos fora da escola, com 9,09%

das mulheres de 15 a 17 anos com filhos, com 6.55% da população em idade de 65 anos ou

mais, e com 14,48% da população sendo portadora de algum tipo de deficiência (Brasil,

2004c). Ademais, não precisamos salientar que a realidade desses municípios e de suas

populações foge completamente do contexto em que o campo de saberes e práticas da

psicologia foram tradicionalmente engendrados, mas este será um debate para o capítulo

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seguinte.

O caso piauiense não é muito diferente da realidade brasileira anteriormente retratada. E

para comentar sobre o grau de expansão dos psicólogos piauienses, especialmente na Saúde,

daremos destaque ao ano de 1998: ano de abertura dos primeiros cursos de psicologia no

Estado.

De acordo com Dimenstein (1998a), em 1998, havia 119 psicólogos registrados na 11ª

Regional do Conselho de Psicologia - Seção PI. Destes, apenas 38 psicólogos (31,93%)

atuavam em instituições públicas e/ou privadas conveniadas ao SUS em todo o Estado.

Transcorrido um pouco mais de 10 anos, contamos atualmente com 1.516 profissionais

registrados na mesma seccional,35 sendo 305 (20,11%) o quantitativo de psicólogos que atuam

no SUS;36 e 286 (18,86%) aqueles que estão lotados nos serviços públicos de proteção social

do SUAS (CRAS e CREAS),37 afora outros 67 profissionais inseridos em entidades não

governamentais (Associações, Fundações, ONGs, etc.), que também compõem a rede SUAS

de proteção social (IBGE, 2006). Tais índices conferem um percentual de 43,4% da profissão

institucionalizados nos aparelhos do Estado, somente na seguridade social, na realidade

piauiense. Dado, portanto, compatível com aquele nacional em que o setor público é o maior

empregador da profissão (Macêdo, et. al., 2010).

Dialogando a realidade atual com aquela de 13 anos atrás, época em que foi realizado o

estudo de doutoramento de Dimenstein (1998b) sobre o psicólogo na saúde pública na capital

piauiense38 é possível demarcar diferenças e também verificar a manutenção de algumas

características. Enquanto em seu estudo, a autora identificou na época o total de 24 psicólogos

35 Informação concedida pelo CRP11, Seção PI, em maio de 2011. 36 Informação recuperada pelo DataSUS em fevereiro de 2010. 37 Dado recuperado com a pesquisa “O psicólogo no Sistema Único da Assistência Social: mapeando redes de serviços no Brasil”, por mim coordenada no Programa de Iniciação Científica Voluntária - UFPI. 38 Estudo que ampliou sobremaneira e desdobrou inúmeros outros que versam sobre o psicólogo no SUS, a partir do estabelecimento do debate sobre os efeitos da cultura profissional do psicólogo para sua formação e atuação na saúde pública.

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na saúde pública em Teresina, sendo que, destes, apenas 11 psicólogos estavam vinculados

aos serviços da atenção básica à saúde (foco do seu estudo), com cinco profissionais lotados

em centros e/ou unidades básicas de saúde e os demais estando vinculados aos serviços

ambulatoriais com suporte à atenção básica (Dimenstein, 1998b), atualmente, registramos 82

profissionais atuando no setor, com expressivo crescimento de psicólogos na Saúde Mental.

Os setores da saúde pública da capital que contam com psicólogos são: rede pública

hospitalar do Estado e do município (38); setor ambulatorial e de atenção básica do município

(11); hospital psiquiátrico (14);39 serviços tipo CAPS (16); e Gerência Estadual de Saúde

Mental/SESAPI (3).

Dentre os profissionais identificados na Saúde Mental da capital piauiense, registramos

que 87,8% destes são do sexo feminino. Esse, portanto, é um dado compatível com os estudos

sobre o psicólogo no SUS, ou mesmo da profissão nas políticas públicas (Dimenstein, 2001;

2009; Ferreira Neto, 2010b, Oliveira et. al., 2005; Martins, Matos & Maciel, 2009; Spink et.

al., 2007); e ainda corrobora com a última caracterização geral da profissão que evidenciou

que 83,3% dos psicólogos no país são do sexo feminino (Bastos, et. al., 2010).

O fato do serviço público configurar-se como o principal empregador dos psicólogos no

Estado do Piauí, especialmente no campo das políticas de seguridade social (saúde e

assistência social), já era um aspecto identificado outrora pelo estudo de Dimenstein (1998b),

nos anos 1990, antes mesmo de ser uma realidade nacional, conforme indicado na última

caracterização sobre a profissão (Bastos, et. al., 2010). A questão é que o ingresso de

psicólogos no serviço público piauiense ganhou maior densidade nos últimos anos. E para

corroborar com essa afirmação apresentaremos na seção seguinte um resgate dos mecanismos

de ingresso dos psicólogos piauienses na Saúde Mental na capital do Estado.

39 Para efeito de nossa pesquisa, incluímos os dados do Sanatório Meduna, apesar do seu fechamento em 2010.

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4.1.1 Modos de inserção profissional dos psicólogos na Política de Saúde Mental em

Teresina-PI

De acordo com a pesquisa documental realizada, identificou-se que as primeiras

inserções dos psicólogos no serviço público do Piauí aconteceram exatamente no campo da

Saúde Mental. Ainda no final da década de 1970, dois psicólogos ingressaram no quadro

técnico do Hospital Areolino de Abreu (HAA), o principal hospital psiquiátrico do Estado40

(apenas um deles (E27) participou de nossa pesquisa, pois o outro já tinha falecido). Em

seguida, a partir de 1983, em decorrência da implantação do Programa de Saúde Mental

Comunitária do Piauí (PSMC-PI)41 houve uma significativa ampliação da presença dos

psicólogos na Saúde Mental no Estado. Nessa época foram contratados pelo menos 15

psicólogos pela SESAPI42. Também registramos na mesma época, a presença do único

psicólogo concursado da Saúde Mental no Estado, na verdade, oriundo da FUNASA, mas que

esteve à disposição do Governo do Estado por muitos anos, quando esteve lotado no HAA

entre as décadas de 1980 e 1990 (E11)43.

Sobre os profissionais contratados pela SESAPI, é importante ressaltar que todos eles

ingressaram no Estado sem concurso público, e pelo fato de sua admissão ter sido anterior a

Constituição de 1988, quase todos (n=14) obtiveram a estabilidade do cargo, mantendo-se

40 Registra-se que em 1980 houve a contratação de um psicólogo no quadro técnico do Sanatório Meduna (SM). 41 Trata-se do primeiro Plano de Saúde Mental do Estado cuja proposta era regionalizar e ambulatorizar a assistência psiquiátrica no Piauí, fortalecendo o HAA com a contratação de pessoal para a ampliação das equipes profissionais, e estruturação dos núcleos de saúde mental na capital e cidades-polo do interior (PSMC, 1983) 42 No final da década de 1980, registrava-se o quantitativo de sete psicólogos no HAA, um no Hospital Getúlio Vargas, dois na Unidade de Saúde do Parque Piauí, um na Unidade de Saúde do Dirceu Arcoverde. Além disso, havia outros psicólogos no interior do Estado: um psicólogo no Hospital Regional Tibério Nunes (Floriano); um psicólogo no Hospital Regional Justino Luz (Picos); dois psicólogos na Santa Casa de Misericórdia (Parnaíba); e um psicólogo no Hospital São Vicente de Paula (Campo Maior). Ou seja, contávamos com o total de 17 psicólogos exercendo funções em serviços de saúde mental ligados a SESAPI. 43 O entrevistado E11, apesar de vinculado ao CAPS II Leste desde 2007, logo que ingressou na FUNASA foi lotado no Piauí no HAA em 1984, ficando à disposição da FMS no final dos anos 1990 para, em seguida, ser lotado no CAPS II em 2007.

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efetivo naquela Secretaria até hoje. Para Dimenstein (1998b), que identificou em seu estudo

pelo menos sete psicólogos sob a mesma condição, ou seja, contratados sem concurso

público, entende que essa era uma prática comum em que se ingressava no serviço público

piauiense por meio de favorecimento pessoal através de relações pessoais e/ou familiares com

a classe política.

Entre aqueles profissionais que participaram do nosso estudo, entrevistamos 09

psicólogos (quatro vinculados ao HAA - E24, E25, E26 e E27; três vinculados aos

Centros/Unidades de Saúde - E18, E19, E20; e 02 vinculados aos CAPS - E244 e E3) que

ingressaram na saúde mental sem concurso nos anos 1980, e posteriormente, conquistaram a

estabilidade do cargo. Inclusive, alguns desses profissionais que entrevistamos estiveram

entre aqueles que foram contratados pela SESAPI na década de 1980 para compor as equipes

do PSMC-PI.

Para contextualizar a força da cultura clientelista que pairava no serviço público

piauiense naquele período, um dos nossos entrevistados trouxe o testemunho de que era

comum ocorrer situações em que, antes mesmo de concluírem o curso, não raro suas famílias

já tinham realizado as investidas necessárias, ou as devidas “negociações” junto aos políticos

locais, para assegurar os locais de trabalho quando tais profissionais retornassem para o

Estado. E assim, muitos psicólogos que chegaram ao Piauí nos anos 1980 ingressaram no

serviço público, sendo lotados na saúde mental, especificamente no Hospital Areolino de

Abreu, dada a pouca oportunidade de empregos para esta profissão no Estado naquela época.

O curioso é que tal associação entre psicólogo/hospital psiquiátrico/loucura ficou tão

fortemente marcada no Estado, que só com o funcionamento dos primeiros cursos de

psicologia na capital, no final dos anos 1990, é que se passou a desestigmatizar a profissão em

relação à maioria da população; representação esta, que, inclusive, foi por muito tempo

44 O entrevistado E2 é funcionário da FUNASA com a função de técnico administrativo. Entretanto, em 2005, o mesmo foi reenquadrado como psicólogo naquele órgão depois de se graduado naquela profissão, sendo transferido do Centro Integrado Lineu Araújo, seu local de origem, para o CAPS ad.

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limitante do acesso dos psicólogos a outros campos de atuação da profissão no Estado.

Os primeiros concursos para psicólogos realizados no Piauí para o ingresso no serviço

público ocorreram em 1988 pela FMS e em 1990 pela SESAPI. Dimenstein (1998b)

identificou somente quatro concursados entre os participantes do seu estudo, que não atuavam

diretamente nos setores da saúde mental: pelo menos dois pela FMS, e outros dois pela

SESAPI.

É bem verdade que, depois da implantação do PSMC-PI na década de 1980, a admissão

de novos profissionais nos serviços de saúde mental só ocorreu a partir de 1991, por meio da

FMS com a estruturação do Plano Municipal de Saúde Mental de Teresina45. Nesse aspecto,

foi ampliado o número de psicólogos no serviço público da capital, seja inicialmente como

prestadores de serviços e, posteriormente, como concursados. O município, por exemplo,

realocou os psicólogos e psiquiatras existentes na rede de Saúde, e realizou em seguida dois

concursos (com a oferta de uma única vaga em cada), a fim de estruturar 09 serviços

ambulatoriais em Saúde Mental na cidade46. O saldo dessa ação foi que o município passou a

contar ainda na década de 1990 com 11 psiquiatras, cinco psicólogos (sendo E3,47 E18 e E20

como contratados; e E16 e E17 como concursados) e um assistente social para realizar as

ações do Plano de Saúde Mental de Teresina. Quanto a SESAPI, esta não realizou nenhum

concurso para a contratação de novos psicólogos para o Estado. Pelo contrário, no setor da

Saúde Mental manteve a prática de contratação de pessoal temporário para suprir as demandas

dos setores do HAA, realizando concurso somente a partir dos anos 2000.

Sobre esse aspecto, vale salientar que a falta de concurso e demais dificuldades do setor

45 Trata-se do primeiro Plano de Saúde Mental do município, com proposta semelhante ao PSMC-PI, cujo objetivo era estruturar serviços ambulatoriais em saúde mental nos Centros e Unidades de saúde da periferia de Teresina, através de equipes compostas basicamente por psiquiatras e psicólogos. 46 Os respectivos serviços foram: Centro Integrado Lineu Araújo, Centro de Saúde Cecy Fortes e as Unidades de Saúde do Monte Castelo, Dirceu Arcoverde, Buenos Aires, Satélite, Parque Piauí, Promorar e Matadouro. 47 O entrevistado E3, apesar de vinculado ao CAPS ad desde 2004, era lotado na Policlínica do Município de Teresina.

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também alcançou outras áreas da Saúde no mesmo período devido aos ajustes da política

neoliberal fortemente implementada nos anos 1990. O resultado disso foi a precarização das

políticas sociais, consequentemente, a oferta de serviços públicos de baixa qualidade

(sucateados) e ações focalizadas para parcelas específicas da população (Behring & Boschetti,

2007).

Somente a partir de 2004, sob o signo de novas ações frente à possibilidade de avanço

das políticas sociais no país (apesar da manutenção dos problemas macroestruturais vividos

no período anterior)48 tem início a realização de novas negociações para a ampliação e

consolidação da rede de Saúde Mental em todo o território nacional (Vasconcelos, 2010). No

Piauí, por exemplo, mesmo com viabilidade financeira para a implementação do Programa de

Saúde Mental do Piauí, na perspectiva da desinstitucionalização e da abertura de novos

serviços com foco na atenção psicossocial, foi necessário a entrada do Ministério Público

Estadual (MPE-PI) “em cena” para pressionar o processo reformista local, sobretudo na

capital, com a abertura de serviços substitutivos e a retomada de contratação de pessoal para a

Saúde Mental.

Nesse aspecto, tanto a SESAPI quanto a FMS realizaram concursos públicos, resultando

no ingresso de mais psicólogos para a Saúde Mental, especialmente para os CAPS (E1, E4,

E5, E6, E7, E10), serviços de atenção básica (E14 e E15,) e hospital psiquiátrico (E23).

Entre os participantes do nosso estudo (n=29), contabilizamos 22 psicólogos do quadro

efetivo (estatutários), 05 do quadro temporário, e 02 prestadores de serviço no setor privado

(SM) atuando especificamente na saúde mental em Teresina. Nesse sentido, o percentual de

48 Para Yamamoto e Oliveira (2010), apesar do reconhecimento de avanço do “Governo Lula” em várias dimensões, a exemplo: de uma política externa menos dependente; do tratamento diferenciado quanto à dívida externa; da não criminalização dos movimentos sociais e abertura para o diálogo; do incentivo da política agrária com foco na agricultura familiar, apesar do maior incentivo para o agronegócio; e os ganhos reais do salário mínimo; os autores entendem (embasados por outros), que a população e o país vivem à duras penas sob o mesmo padrão tributário do período FHC, que configura a macropolítica econômica voltada para o grande capital financeiro. Como consequência, recai-se em políticas sociais, que se pretendem universais e redistributivas, mas que na prática mantêm-se focalistas e compensatórios, como é o caso do SUS e o seu subfinanciamento.

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psicólogos contratados sob o regime estatutário (75,86%) somente em Teresina,

especificamente na área da Saúde Mental, é inclusive maior que a média nacional (59,8%)

entre os psicólogos que atuam no setor público de uma maneira geral (Macêdo, et. al., 2010).

Aprofundando tal questão, dentre os estatutários entrevistados 13 são concursados (09

FMS, 01 FUNASA e 03 SESAPI) e nove ingressaram no serviço público como contratados

(que, posteriormente, conquistaram a estabilidade do cargo, conforme referimos

anteriormente). Quanto àqueles profissionais do quadro temporário, três foram contratados

pelo município ou pelo Estado; e os outros dois exercem função gratificada na Gerência

Estadual de Saúde Mental, apesar de não serem do quadro técnico efetivo do Estado ou do

município.

Observa-se, portanto, que mesmo havendo uma supremacia do número de profissionais

concursados no setor, a prática da admissão no serviço público por meio de favorecimento

pessoal foi muito mais ampla do que aquela identificada no estudo de Dimenstein (1998b),

tendo inclusive continuado até tempos mais recentes. Posto que, ainda se mantém as

contratações de forma temporária em alguns serviços de Teresina (e em muitas localidades do

interior do Estado), inclusive mais recentemente com a contratação de psicólogos (e parte dos

demais profissionais das equipes) dos três CAPS que foram recentemente abertos na capital

em função do fechamento do Sanatório Meduna: CAPS II Sul, CAPS II Sudeste e CAPS III.49

Neste caso, se tivéssemos contabilizado os profissionais (n=7) que se inseriram nos novos

serviços após a realização da pesquisa de campo, registraríamos o total de 33,4% de

psicólogos sob o vínculo temporário que ingressaram no serviço público; média esta,

inclusive, maior que aquela registrada na pesquisa nacional sobre o quantitativo de

profissionais indicados e convidados a trabalhar no setor público (29,5%) (Macêdo, et. al.,

2010).

49 Apesar do projeto do CAPSIII ad de Teresina encontrar-se pronto e aguardando incentivo e liberação junto ao MS, não houve ainda a abertura do serviço e contratação da equipe, que funcionará no local que era o Hospital-Dia “Wilson Freitas”.

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Aprofundado o debate sobre os efeitos da precarização das políticas sociais no Brasil,

reconhecemos que a Saúde, apesar de todas as dificuldades do setor, é hoje uma das Políticas

que mais avançou no país em termos de uma política de recursos humanos e de qualificação

profissional, bem como em relação à ampliação de sua rede de serviços, apesar de todas as

dificuldades aí colocadas (Onocko-Campos, 2003; Brasil, 2007b; Santos-Filho & Barros,

2007). Os gestores, por exemplo, têm conseguido realizar um maior número de concursos e

reparar alguns pontos de estrangulamento do setor, especialmente relacionados à gestão e o

incremento de equipamentos estatais (Mori & Oliveira, 2009). Entretanto, as dificuldades

maiores, apesar de muitas, são quanto aos salários defasados, com larga diferença salarial

entre as categorias profissionais e quanto ao regime de trabalho, acompanhado ainda de

péssimas condições de trabalho, além da falta de pessoal, material, equipamentos e insumos,

bem como a fragilidade da rede assistencial. Ou seja, problemáticas que refletem diretamente

nos meios de trabalho e nas formas de organização das equipes nos serviços. O resultado

disso, na prática, são serviços cheios, com filas e pouco resolutivos às necessidades da

população.

Sobre esse aspecto, entende-se que a precarização no setor da Saúde é fruto tanto do

financiamento da política, quanto pelos graves problemas de gestão que enfrenta. Fora as

questões acima referidas, não podemos esquecer que a própria precarização dos vínculos

trabalhistas e a falta de garantias legais, em função de encontrarem-se na condição de

prestadores de serviços, isso traz implicações diretas sobre o modo como esses profissionais

aderem ou não à luta em defesa do SUS (Feuerwerker, 2005).

Quanto à realidade local, especificamente na Saúde Mental, percebemos o agravamento

dessa situação quando visualizamos um contexto em que a grande maioria dos trabalhadores é

do quadro permanente (no caso dos psicólogos, 75,86% deles são estatutários conforme

referimos antes), e assistimos a pouca mobilização entre os mesmos no sentido de fazerem

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força junto às estruturas do Estado para a melhoria do SUS e da Saúde Mental no Piauí. Na

verdade, não raro, o que constatamos diante das entrevistas realizadas é que os profissionais

buscaram no ingresso no serviço público à conquista de certa estabilidade financeira e

profissional, especialmente em termos da segurança que o emprego público proporciona, bem

como a possibilidade de complementar a renda com outras atividades, seja ela autônoma ou

com outros contratos de trabalho no setor privado.

Sobre o número de vínculos de trabalho, observou-se entre os entrevistados que apenas

cinco deles têm a saúde mental como único vínculo profissional, sendo três pertencentes aos

quadros dos CAPS e dois do HAA. Quanto aos demais, todos contam com dois ou três

vínculos profissionais; este é o caso daqueles que conjugam atividades no serviço público e

no consultório privado (n=17); ou no serviço público e docência superior (n=2); ou ainda no

serviço público e em outra atividade exercida fora da psicologia (n=2). Mas também há

aqueles que conjugam vínculos de trabalho no serviço público, no consultório privado e uma

terceira atividade, como por exemplo: a docência superior (n=1) ou a psicologia escolar

(n=1); ou que conjugam o serviço público, a psicologia escolar e a docência superior (n=1).

Essa realidade de termos profissionais que contam com mais de um vínculo

profissional, isso não difere muito daquela identificada no contexto nacional, pois muitos

psicólogos brasileiros vinculados ao serviço público combinam duas (28,9%) ou três

inserções (24,8%) profissionais (Heloani, Macêdo & Cassiolato, 2010). Sendo que, em

Teresina, o percentual de profissionais na saúde mental com duas inserções profissionais é de

72,41%, e o percentual com três inserções é de 10,34%. Portanto, trata-se de um quadro que

denota a fragilidade do mercado profissional piauiense para os psicólogos, realidade

compatível com a realidade brasileira, fato que pressiona esses profissionais a situação de

multiempregos e a sobrecarga ocupacional, inclusive com algumas inserções fora do campo

da Psicologia.

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Pormenorizando esse quadro de multiempregos que vivem os psicólogos piauienses que

atuam na Saúde Mental, percebe-se a hegemonia da clínica privada (58,62%) como a segunda

atividade profissional entre aqueles que combinam mais de uma inserção, como forma de

complementar sua renda, com o trabalho autônomo. Trata-se de um índice bem maior que o

registrado na realidade nacional, em que, entre os psicólogos que combinam mais de um

emprego (sendo pelo menos um deles no setor público), somente 17,6% se refugiam nos

consultórios clínicos privados (Macêdo, et. al., 2010). Tal comparativo denota a importância

da clínica entre as preferências de atuação dos psicólogos piauienses, mesmo entre aqueles

inseridos em serviços de Saúde Mental; campo este, que exige novas formas de atuação, e não

apenas aquele ancorado no fazer do psicodiagnóstico e psicoterápico. Quanto à existência de

profissionais com um único vínculo de trabalho (17,24%) é pelo fato de terem uma retaguarda

financeira familiar, que faz com que não seja necessário complementar a renda com outra

atividade profissional, permitindo assim a dedicação exclusiva à Saúde Mental, campo que já

tinham certa inclinação quando da época de sua formação acadêmica.

Quando indagados sobre a escolha pela Saúde Mental, os entrevistados indicaram a

oportunidade de emprego e a própria condição de atuarem no serviço público, campo este que

lhes daria estabilidade profissional, independente de qual área fosse. Isso ficou evidente entre

os profissionais que ingressaram nos serviços na década 1980, pois a saúde mental era um dos

poucos campos que oportunizava empregos para psicólogos no Estado naquela época; e

também entre os profissionais que ingressaram nos serviços de saúde mental na década de

1990 e nos anos 2000, considerando as oportunidades de concurso nesse campo. Além da

estabilidade financeira e profissional que o serviço público representava, outro aspecto

relatado nas entrevistas era que a Saúde poderia aproximar esses profissionais de suas

aspirações de atuarem na perspectiva da clínica psicológica.

Essa imagem social dos psicólogos de que a Saúde seria o lócus, por excelência, para o

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exercício da Clínica vinha tanto de suas formações profissionais (debate que aprofundaremos

no próximo capítulo) quanto da própria concepção dos órgãos contratadores (SESAPI e FMS)

que entendiam o fazer do psicólogo ligado às práticas tradicionais de atuação: atendimento

clínico individual ou em grupos com pacientes e familiares; psicodiagnóstico; e preparação

para a alta hospitalar.

Entretanto, depois que ingressaram na Saúde, muitos profissionais (69%) não

imaginavam que seriam lotados nos serviços de Saúde Mental, de modo a atuarem direta ou

indiretamente com pacientes psiquiátricos. Este foi o caso de boa parte dos profissionais que

ficaram lotados no setor ambulatorial e atenção básica (n=6), bem como nos CAPS (n=11).

Apesar de pouco satisfeitos, a oportunidade de atuar na Saúde Mental produziu certa simpatia

entre alguns profissionais devido às experiências com as disciplinas: Psicopatologia, Clínica

Psicológica e Teorias e Técnicas Psicoterápicas. No caso dos entrevistados dos hospitais

psiquiátricos, na verdade, ocorreu o inverso, pois quatro deles não só tinham experiência

profissional prévia na área, como também eram bastante identificados com esse campo. Entre

os profissionais dos CAPS, três deles tiveram experiências anteriores no campo, pois

estagiaram nesse tipo de serviço na época de suas graduações; e no setor ambulatorial,

somente dois profissionais relataram possuir experiência prévia na saúde pública. Quanto aos

demais entrevistados (69%), estes relataram alguns rápidos contatos com o campo através de

visitas técnicas em hospitais psiquiátricos quando da época de suas formações profissionais.

O curioso da realidade piauiense é que, diferentemente de outros Estados como Rio

Grande do Sul, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e o Ceará, por exemplo, em que os

primeiros psicólogos vinculados à Saúde Mental ingressaram no serviço público inicialmente

por meio da Educação, Segurança Pública, Assistência Social ou mesmo por outros setores da

Secretaria de Saúde, sendo depois deslocados para a Saúde Mental (Andrade & Simon, 2009;

Figueiredo & Rodrigues, 2004; Oliveira et. al., 2005; Carvalho, Bosi & Freire, 2009; Sales &

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Dimenstein, 2009b; dentre inúmeros outros), os piauienses já ingressaram no serviço público

pela via da Saúde Mental.

Nesse aspecto, passados anos de experiência, o esperado era que os psicólogos

piauienses tivessem maior proximidade com a Saúde Mental. Mas, na prática, mesmos

aqueles que ingressaram nos serviços mais recentemente, por concurso, queixam-se das

mesmas dificuldades e sensações de surpresa, de incerteza e de despreparo relatado pelos

profissionais dos outros Estados que não foram contratados diretamente para Saúde Mental.

Isso reflete o quanto que precisamos qualificar e reverter os modos clássicos de formação,

bem como a maneira como os profissionais ingressam, atuam e realizam suas intervenções na

Saúde Mental em todo o país.

Nesse sentido, entendemos que a realidade de muitos municípios brasileiros em relação

ao campo da saúde mental, sobretudo os de médio e pequeno porte (ou até mesmo aqueles de

maior porte), não divirjam tanto do cenário teresinense ora relatado, especialmente em termos

dos modos de inserção, das condições de trabalho e dos motivos de escolha dos psicólogos

pela Saúde Mental como campo de atuação profissional.

Tais considerações ganham maior força quando entendemos que, semelhante à realidade

local, o processo reformista efetivado na maioria dos municípios brasileiros seja recente e

tenha ocorrido meio ao processo de expansão e interiorização dos serviços de saúde mental na

última década (Luzio & L’Abbate, 2009; Fagundes, 2010). Diante deste quadro, estima-se que

muitos dos profissionais que atuam no setor em todo o Brasil, da mesma forma que os

piauienses, são jovens, cuja formação se deu há poucos anos, o que evidencia pouca

experiência no setor. Além disso, o CAPS, nesse contexto de expansão e interiorização dos

serviços de Saúde Mental na última década, tem se configurado como local de primeiro

emprego de muitos profissionais, especialmente dos psicólogos, que se desdobram em mais

de uma inserção profissional (multiempregos) como forma de garantir sua sobrevivência.

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Outro aspecto, também relevante e bastante presente neste contexto, é o fato dos profissionais

que atuam nesse campo terem que lidar constantemente com o “fantasma” do despreparo

profissional para atuar na Saúde Mental (Ramminger, 2006; Honorato & Pinheiro, 2008;

Romagnoli, 2006; Oliveira, 2008; Ferreira Neto, 2008; Sales & Dimenstein, 2009a;

Lobosque, 2010).

Nesse aspecto, entendemos que todas as questões acima referidas são, ao mesmo tempo,

efeitos tanto dos modos como os psicólogos vêm se inserindo na Saúde Mental, quanto do

próprio processo de incorporação dos psicólogos pelo Estado brasileiro, em termos da

institucionalização da profissão especialmente no setor das políticas públicas. Daí a

necessidade que sejam desenvolvidos estudos que possam aprofundar esse debate, de forma a

problematizar as intercessões que vêm se produzindo entre os psicólogos e as políticas

públicas, principalmente em termos das filiações que têm se efetivado na parceria (ou nos

cruzamentos e jogos de forças) entre um e outro. Na seção seguinte, centraremos,

rapidamente, algumas observações quanto a este tema, com foco sobre os efeitos na maneira

como os psicólogos teresinenses operam seu fazer na Saúde Mental.

4.2 Os efeitos das formas de inserção profissional dos psicólogos teresinenses nos

modos como organizam suas práticas nos serviços.

Antes de apresentar aquilo que objetivamos nesta seção, em termos de

problematizarmos sobre os efeitos quanto às formas de inserção dos psicólogos em relação

aos modos como organizam suas práticas nos serviços, precisamos contextualizar,

rapidamente, tal debate em relação aos jogos de força estabelecidos entre nossa categoria

profissional e o Estado, principalmente em meio ao processo de institucionalização da

profissão nas políticas públicas. Para tanto, é necessário recorrermos a uma poderosa

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ferramenta analítico-conceitual, construída por Michel Foucault, em suas analíticas sobre o

poder, chamada de biopolítica.

O termo em questão surge pela primeira vez nos “ditos e escritos” do filósofo, numa

série de conferências proferidas no Brasil, em 1974, sobre a medicina social. Para Michel

Foucault, tal conceito surge de suas análises sobre os cruzamentos entre política e medicina

ocorridos na Alemanha, França e Inglaterra, quando da organização das ações de Saúde junto

à população destes países. O mesmo, ao observar como as ações médicas foram

historicamente constituídas, organizadas e efetivadas por um conjunto de instituições e

práticas políticas que formam o aparelho de Estado de cada país, passou a compreender como

as funções médicas foram incorporadas pela mecânica estatal para aplicá-las ao conjunto da

população; ou nas cidades, tornando-as menos insalubres; ou ainda junto ao próprio corpo e

estrutura administrativa do Estado, ação constituinte de uma ciência deste aparelho político,

como forma de aperfeiçoar o seu funcionamento geral (Foucault, 2005).

Além disso, entre as preocupações expressas pelo filósofo acerca da temática, estavam

aquelas que versam sobre como a “autoridade medical” foi delineando-se e sedimentando-se

sobreposta ao tecido social de forma a constituir o médico como figura de destaque e

possuidor de certa autoridade política, meio ao processo de institucionalização da medicina

(Farhi Neto, 2010, p. 23).

Dito isto, fora o domínio do poder econômico, político e ideológico-partidário, o Estado

começa a preocupar-se com outro estrato de investimento de poder: o corpo social. Neste

aspecto, o próprio Estado ordena-se enquanto corpo normalizado, científico para, em seguida,

investir seus artifícios ou tecnologias “saber-poder” diretamente no corpo dos indivíduos, seja

em termos individual, seja coletivo, protegendo-o de doenças, mas também aumentando sua

capacidade e aptidões para o sistema de produção e consumo. O objetivo desta investidura

pretende, a um só tempo, tanto modelar, disciplinar e gerenciar tais corpos e populações,

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quanto fazer deles o seu suporte de exercício político (Foucault, 2005).

Ao considerar tais questões é que o filósofo abre novas problematizações sobre as

confluências entre medicina e política, de modo a ressaltar o quanto o poder político faz dos

corpos o lócus, por excelência, do seu exercício; e por outro lado, a medicina passa a exercer

a influência e autoridade de “determinação das formas e as normas pelas quais o corpo

humano politizado será constituído” (Farhi Neto, 2010, p.26).

Foi, exatamente, por meio da sedimentação da autoridade medical e da estatização da

medicina que se produziu uma nova tecnologia de poder e um novo domínio de operação,

denominada pelo o filósofo de biopoder. Nesta, a ação não se dá apenas sobre os corpos

individuais, a partir da disciplina, mas toma a vida como um todo, ou seja, a espécie humana

como objeto. Daí a observação do filósofo de que a vida (em sua dimensão individual e

coletiva), bem como a subjetividade tornaram-se, na atualidade, os campos de maior

investimento de relações de força e poderes (Foucault, 1999).

Nesse aspecto, a doença, a própria saúde, mas especialmente, o próprio sujeito (seja o

da saúde, o do trabalho ou o da doença), tornou-se passível de intervenções pelo o poder

medical; e através dele, foi possível que se conduzisse com o máximo de regularidade

possível o equilíbrio entre a população e os seus diversos grupos, minimizando seus conflitos.

A finalidade aqui não é outra senão fazer com que fossem articuladas ações de prevenção e

cura, a partir da autoridade medical, de modo, inclusive, a organizar e controlar as pessoas nos

espaços em que vivem e por onde circulam, registrando e classificando condutas por um lado;

e por outro, modelando e fabricando suas vidas a partir do seu cotidiano (Foucault, 2008).

Ou seja, sobre o julgo do poder medical e das funções médicas operadas pelo o Estado,

este institui uma série de práticas e ações de vigilância e controle especiais sobre o meio em

que vivem determinadas populações, como forma de condicionar determinados padrões de

comportamento e conduta que forma o indivíduo e a sociedade (Foucault, 1999, 2008).

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Por esse prisma, o filósofo finaliza sua análise dizendo que, se a biopolítica surge na era

moderna como prática política de apreensão social dos corpos; a medicina se constituirá, neste

caso, como uma das principais ferramentas de controle, portanto, como instrumento (ou como

estratégia) biopolítica para tal. Deste modo, a medicina surge, na modernidade, como

estratégia de controle político, por excelência, da população (Foucault, 2005).

Mas afinal, o que o filósofo chama de poder medical?

Conforme expõe Farhi Neto (2010), o poder medical não necessariamente pertence ou é

representado pelo médico; dele participam outros atores, instituições e saberes... Trata-se, na

verdade, de um dispositivo de poder produtor de enunciados, discursos e práticas, que ocupa

posição importante na teia de relações de poder da atualidade, agenciando em termos macro,

determinada configuração sociopolítica; e, em termos micropolíticos, determinado modo

como os indivíduos se relacionam consigo próprios, com o seu corpo, com a sua saúde, ou

com sua forma de compreender e agir no mundo, e na condução de suas vidas.

Neste caso, Farhi Neto (2010) nos lembra de que, no entendimento foucaultiano, além

do médico, dos seus pacientes e toda a estrutura de equipamentos, programas e ações de

saúde, também participa dessa teia de relações de poder outros profissionais que representam

outras instituições e saberes que se coengendram e operam de maneira difusa o poder medical

para instituir uma sociedade da norma, são eles: psicólogos, pedagogos, assistentes sociais,

etc. Ou seja, assim como o médico foi institucionalizado na mecânica estatal, posteriormente,

outros profissionais também o foram, ou incorporaram determinadas funções médicas, com a

perspectiva de que fossem realizadas intervenções junto a grupos, indivíduos e populações,

tornando a vida e o seu meio menos insalubre, menos suscetível a doenças e outros agravos à

saúde, ou demais conflitos e problemas sociais que “corrompem” ou “degeneram” indivíduos

e famílias.

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Para tanto, se fez necessário criar uma série de estratégias, planificações ou políticas de

Estado, que intervissem sobre o meio pelo qual determinadas famílias e grupos populacionais

viviam, trabalhavam ou organizavam suas vidas. Mas como? A partir da proposição, pelo

próprio Estado, de modificações no plano urbanístico das cidades, em termos de condições de

moradia, trabalho e circulação de pessoas ou mercadorias, ou até mesmo em relação aos

lugares de acúmulo de dejetos e resíduos; ou ainda, com o investimento de Políticas que

normalizem a saúde e as condições de vida de indivíduos e populações, inclusive de maneira

compulsória, se necessário for, com políticas de alimentos e segurança alimentar, política de

natalidade e controle de morbidades, vacinação, ações preventivas e ações de seguridade e

assistência social. Tudo isso, sendo feito, é claro, no sentido de melhorar as condições de vida

da população, aumentando seu poder de produção e consumo, consequentemente gerando

mais lucros; e por outro lado, gerando novos saberes, práticas e tecnologias que aumentasse a

duração e a condição de vida dos indivíduos, a saúde das populações e sua disposição para o

trabalho, distanciando-os dos vícios, dos desatinos e das condições de risco e vulnerabilidade

social (Foucault, 2008; Farhi Neto, 2010).

Deslocando o foco do debate para o modo como ocorreram os cruzamentos entre

política e psicologia, no sentido de como este campo profissional têm se constituído,

organizado e efetivado no conjunto de instituições e práticas políticas que conformam o

Estado brasileiro, podemos, quem sabe, levantar algumas pistas sobre o processo de

institucionalização de nossa profissão, no sentido de evidenciar quais funções dos psicólogos

têm sido incorporadas pela mecânica estatal ao poder medical para aplicá-las ao conjunto da

população.

Deste modo, como primeiro campo de análise, precisamos considerar que as políticas

públicas são hoje muito mais do que somente os “novos espaços” de atuação para a profissão;

trata-se, na verdade, de espaços que têm exposto os psicólogos, cada vez mais, meio ao

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processo de politização da vida. Neste caso, é urgente considerarmos que dependendo da

forma como nos inserimos, com o quê nos implicamos e como atuamos no “setor social”, tal

dimensão do biopoder que tratamos anteriormente pode ser facilmente colocada em jogo por

nós, a partir de nossas práticas, num território bastante profícuo de investimento de práticas

governamentais que são aqueles voltados para famílias e grupos populacionais margeados de

direitos. É o que podemos acompanhar, por exemplo, a partir de certos modelos de práticas

psicológicas realizadas nos programas/serviços da saúde (PSF/NASF), saúde mental (CAPS)

e assistência social (PAIF/CRAS), quando balizam suas ações de intervenção através de

mecanismos de regulação e controle das populações, sem perder o foco nos indivíduos e suas

famílias. Ou seja, trata-se de modelos de atuação que acabam respondendo as ações de gestão

e governo de condutas e subjetividades, no objetivo de fundar ou redimensionar tais vidas

simplesmente à ordem social vigente.

Tal condição se agrava ainda mais quando relacionamos tal contexto com o fato de que

nesse processo do avanço da profissão em direção às políticas públicas, não conseguimos: 1)

superar o movimento de “supervalorização de nossa (clássica) cultural profissional” pautada,

exclusivamente, no indivíduo e no fenômeno psicológico, que encerrados em compreensões a-

históricas e sem qualquer relação com o contexto social, acabam fadados em leituras

psicologizantes em suas múltiplas formas de intervenção (Dimenstein, 1998, p. 70); 2)

tampouco conseguimos avançar na produção de conhecimentos teórico-técnico capazes de

ampliar o grau de compreensão e intervenção “que marca historicamente a atuação dos

psicólogos” no campo social, especialmente em relação às “novas” demandas que têm

chegado à profissão (Yamamoto & Oliveira, 2010, p.21); 3) e muito menos, conseguimos

alterar ou sequer tencionar os motivos ou padrões hegemônicos de escolha dos psicólogos,

especialmente em relação às áreas ou os modos de atuar da profissão (Gondim, et. al., 2010).

Sobre o último aspecto citado, Gondim, Magalhães e Bastos (2010) são categóricos

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quanto ao fato dos psicólogos se constituírem como profissionais com forte vinculo afetivo

com o trabalho. Entretanto, este vínculo está muito mais relacionado com o “elevado

comprometimento afetivo” dos psicólogos “com a natureza do seu trabalho” (Gondim,

Magalhães & Bastos, 2010, p.73), do que voltado efetivamente para enfrentar as contradições

e os desafios dos contextos políticos-profissionais em que se dão suas práticas, muitas vezes,

reforçadoras do enfraquecimento das políticas públicas e da construção da cidadania, devido à

predominância do enfoque individual e centrado nos aspectos intrapsíquicos (Dimenstein,

2001).

Por “natureza do trabalho dos psicólogos”, podemos compreender, rapidamente, tal

concepção a partir de dois aspectos definidores da identidade da profissão: um interno e outro

externo. O primeiro está relacionado por um conjunto de características internas da profissão,

construídas histórico-culturalmente, e diz respeito a um modo de ser psicólogo fundado em

valores e no envolvimento pessoal-profissional dos seus agentes. Suas características

principais estão marcadas pela compreensão das ações humanas e seus mecanismos psíquicos,

conectados ou não com o seu contexto social, por meio de uma atitude acolhedora,

compreensiva e não diretiva, que visa à possibilidade de autoconhecimento, expressão de

vocações, privacidade das informações e sensação de suporte/apoio ao pedido de ajuda

(Bastos, Magalhães & Carvalho, 2010b; Godim et. al., 2010). O segundo, diz respeito ao

modo como a profissão foi reconhecida oficialmente pelo o Estado Brasileiro em 1962, com a

Lei 4.119, quando definiu a natureza da profissão como estando voltada para “contribuir com

avaliações diversas sobre a pessoa e com intervenções para o ajustamento e o

desenvolvimento dos indivíduos frente aos mais diversos grupos sociais” (Malvezzi, 2010, p.

21). Tais funções de avaliação e ajustamento foram desenvolvidas pela “padronização de

soluções técnicas” para responder as demandas de uma sociedade cada vez mais envolvida

pelo processo de industrialização e desenvolvimento, territorializados, inicialmente, pela

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experiência da profissão nas fábricas/indústrias e demais setores da educação e saúde

(Malvezzi, 2010, p. 22).

Deste modo, enquanto os psicólogos foram, posteriormente, institucionalizados de

forma paulatina junto às políticas públicas, de um lado assistimos ao processo de ampliação e

interiorização dos locais de atuação, consequentemente a ampliação dos espaços para o

exercício daquele rol de ações que caracteriza a natureza do seu trabalho, e que tanto eleva o

comprometimento e o vínculo afetivo destes profissionais com o seu trabalho; do outro,

percebemos o quanto que estes “novos espaços” se traduziam numa forma de capitanear, no

sentido de agenciar, aquele modo de ser psicólogo com as práticas governamentais de gestão

da vida. Logo, o aparato estatal passou a incorporar uma das principais funções que define a

psicologia enquanto profissão (saber avaliar e solucionar problemas de “ajustamento”),

associando-a ao poder medical para aplicá-la ao conjunto da população. E, como um dos

efeitos desse modo de inserção dos psicólogos nas políticas públicas, percebemos certa

ampliação do escopo de intervenção do poder medical em direção a novos lugares e

atividades, de maneira a conformar determinados padrões de comportamento, subjetividades e

condutas que formam o indivíduo na sociedade.

É sob este aspecto que nos apoiamos em Arendt (1995) e Duarte (2010), quando

problematizam o fato de determinadas profissões (ou práticas disciplinares) avaliarem pouco

sobre por quais teias de poderes seus saberes e práticas (ou melhor, aquilo que define a

natureza do seu trabalho) se agencia com a mecânica biopolítica50. Tal questão evidencia o

quanto estas profissões têm dificuldades de pensar o seu fazer e ponderar sobre e para além da

sua expertise técnica, bem como sobre os desafios que a realidade as coloca.

Tal situação evidencia, de fato, certo “distanciamento” ou “comprometimento de nossas

capacidades políticas”, como bem coloca Duarte (2010, p.51) quanto ao tipo de vinculação

50 É importante ressalvar que H. Arendt (1995) não trabalha com o conceito foucaultiano de Biopolítica, e sim sobre a pouca capacidade na atualidade de lidarmos criticamente com os nossos aparatos tecnológicos.

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(implicação) pessoal-profissional que os entrevistados da nossa pesquisa tiveram (e ainda

têm) com a Saúde Mental quando ingressaram nos serviços.

No entanto, o que mais chama atenção é o fato de um quadro semelhante ao referido

acima ter sido identificado nos anos 1990 pelo estudo de Dimenstein (1998a, 1998b, 2001), e

mesmo assim, a categoria local pouco tenha se mobilizado junto às agências formadoras e o

poder público para aprofundar o debate sobre o perfil profissional, no sentido de qualificar e

rever as formas tradicionais dos psicólogos se inserirem e atuarem na saúde pública e/ou na

Saúde Mental do Estado do Piauí. Até por que, conforme constatamos a partir dos dados

levantados nesta pesquisa, os modos de inserção profissional dos psicólogos entrevistados

ainda continuam a acarretar aquilo que Dimenstein (1998b) denominou de

Pacto perverso entre o serviço público e os profissionais, na medida em que o Estado proporciona uma certa estabilidade financeira diante da instabilidade da clínica privada, ou seja, uma remuneração fixa e garantida, ainda que modesta; a carga horária de trabalho é reduzida e flexível permitindo a realização de outras atividades; além de ser uma fonte privilegiada de encaminhamentos de pessoas para o mercado dos atendimentos privados (p.208).

Apesar de termos avançado no tempo em mais de 10 anos sobre a realidade descrita por

Dimenstein (1998b), a justificativa dos nossos entrevistados para o fato de continuarem a

prática deste “pacto perverso” até hoje é em função: a) do baixo patamar salarial pago pelo

serviço público; consequentemente, b) da necessidade de complementar a renda com outra

atividade na psicologia, preferencialmente no consultório privado, ou na docência superior, ou

ainda com a oferta de cursos de capacitação ou qualificação profissional – talvez o campo

mais rentável da profissão hoje no Estado.

A própria situação dos entrevistados terem mais de um vínculo profissional só é

possível em função da flexibilização dos seus horários de trabalho. Portanto, aquela prática

identificada por Dimenstein (1998b) na década de 1990 ainda se mantém, especialmente pelos

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profissionais que atuam no HAA, bem como nos ambulatórios e os serviços da atenção

básica, que em vez de trabalharem 30h acabam comparecendo em média 12h no serviço,

distribuídos no máximo em dois ou três dias na semana. Nesse aspecto, os profissionais dos

CAPS são bem mais comprometidos com as suas funções no serviço em termos de

trabalharem todos os dias da semana, apesar de que depois de terminada sua agenda de

atendimento clínico nos serviços, dar-se como decretado o fim daquele dia de trabalho.

Percebe-se, portanto, que os perfis profissionais selecionados para atuarem no setor

acabam por reproduzir a clássica situação de inadequação quanto aos modos de inserção

profissional neste campo, consequentemente quanto às expectativas e o modo como os

entrevistados organizam seus processos de trabalho e desempenham suas ações na perspectiva

de um trabalho voltado para o modelo da desinstitucionalização e da atenção psicossocial.

Em resumo, foram observados os seguintes aspectos em relação às formas de inserção

dos psicólogos na Política de Saúde Mental local e os efeitos dessa inserção na maneira como

esses profissionais atuam e participam do processo reformista piauiense:

� São mulheres, jovens, formadas há menos de 10 anos, e com pouca experiência na

área, na sua maioria;

� Ingressaram no serviço público (Saúde Mental) por falta de oportunidade no mercado

de trabalho local, tanto por meio de concursos quanto pela famigerada prática do

favorecimento pessoal com contratos temporários;

� Para muitos, o serviço público representava a estabilidade financeira e profissional

necessária para se firmar na profissão, tendo a Saúde o setor que se equivaleria ao

local mais próximo para o exercício da clínica psicológica, campo para o qual estes

profissionais foram treinados em suas formações;

� A situação funcional da maioria é estatutária com concurso público (44,82%) ou com

conquista da estabilidade do cargo (31,03%), os demais são terceirizados;

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� Lidam com um quadro de multiemprego, em que, além do vínculo com os serviços da

saúde mental, ainda combinam mais de uma inserção profissional, seja no setor

privado, seja como autônomos, com supremacia da atividade clínica (consultório

privado) como área complementar de suas atividades profissionais; ou com empregos

fora do campo da psicologia;

� Muitos tiveram os serviços para o qual foram contratados, sobretudo os profissionais

do CAPS, como seu primeiro emprego;

� Muitos não escolheram estar especificamente na Saúde Mental quando ingressaram no

serviço público; destes, poucos profissionais (24,13%) relataram simpatia com a área

devido às experiências com as disciplinas: Psicopatologia, Clínica Psicológica e

Teorias e Técnicas Psicoterápicas;

� Poucos relataram possuir alguma trajetória profissional na saúde mental e/ou saúde

pública antes de ingressarem no setor. Tal fato produz uma série de dificuldades e

incertezas entre os técnicos, além de evidenciar certo despreparo para atuar neste

campo profissional;

� Entre outras dificuldades relatadas no setor, citou-se ainda a questão salarial e as

fragilidades quanto às condições de trabalho, como, por exemplo, a falta de material e

estrutura (testes psicológicos, material lúdico e sala de atendimento adequada, dentre

outros), além dos serviços não serem suficientes para atendimento da demanda

ocasionando filas;

� Ademais, poucos profissionais cumprem a carga horária para a qual foram

contratados, priorizando suas atividades no serviço de acordo com práticas que

aumentam o seu vínculo ou comprometimento afetivo com o modo clássico de serem

psicólogos.

Nesse aspecto, concluímos este capítulo observando que a Saúde Mental surge como

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um dos campos profissionais que mais tem oportunizado empregos e concursos públicos para

os psicólogos piauienses. Sendo que os motivos de ingresso destes profissionais neste campo

foram muito mais pela abertura e oportunidade no mercado de trabalho (ou seja, por fatores

externos à profissão), do que pelo o interesse, vínculo afetivo ou

valorização/comprometimento com a Saúde Mental; e muito menos, pela realização pessoal

ou vocacional, ou ainda pela compatibilidade do campo em questão com as habilidades

técnicas e qualificação profissional dos entrevistados que aí se inseriram.

Tal configuração traduz, sem sombra de dúvida, certo distanciamento do perfil

profissional, bem como do tipo de vinculação (implicação) pessoal-profissional encontrado

entre os entrevistados em relação ao modo de ser profissional nos serviços de Saúde Mental

na atualidade. Na verdade, observou-se, entre os entrevistados, a presença maior de

profissionais, bem mais vinculados e comprometidos com a natureza do trabalho do

psicólogo, que traduz um modo tradicional de atuar e é portador do mandato social para o

qual a profissão foi criada, do que com as novas práticas e com a cultura profissional

antimanicomial organizada sob o paradigma da desinstitucionalização e da atenção

psicossocial.

Estas, portanto, são questões que entendemos como cruciais para o modo como nos

conformamos profissionais da Saúde Mental, pois produzem efeitos diretos na organização

dos processos de trabalho e nos modos de funcionamento das equipes, com ações que

reafirmam as formas clássicas de atuar dos psicólogos, afastando-o do trabalho na perspectiva

psicossocial. Além disso, trata-se de questões que apontam diretamente para as insuficiências

da formação profissional neste segmento, com efeitos para o modo como esses profissionais

se posicionam frente a esse campo. Daí o fato que, não raro, ocorrer pedidos de

remanejamento interno dos profissionais para outros serviços de saúde.

Nos próximos capítulos aprofundaremos tais questões, iniciando pela discussão sobre os

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saberes e práticas profissionais dos psicólogos para atuar na saúde mental.

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CCAAPPÍÍ TTUULL OO 55

[[ssaabbeerreess ee pprrááttiiccaass pprrooff iissssiioonnaaiiss ppaarraa aattuuaarr nnaa SSaaúúddee MMeennttaall ddee TTeerreessiinnaa--PPII ]]

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126

Procura-se neste capítulo alcançar os seguintes objetivos:

1. Identificar os saberes e as práticas que embasam as

compreensões e as estratégias de ação dos psicólogos meio ao jogo de forças no

campo de efetivação da Política de Saúde Mental em Teresina.

2. Analisar os efeitos que essas “escolhas” teóricas e práticas implicam sobre o modo

como psicólogos piauienses se posicionam, comparecem e participam do processo

de reforma psiquiátrica local, bem como sobre os rumos da Política de Saúde

Mental em Teresina.

3. Contribuir para uma análise crítica sobre os recursos teórico-técnicos e prático-

profissionais utilizados pelos psicólogos piauienses para atuar na saúde mental em

Teresina, e fornecer subsídios para atuações mais qualificadas neste campo.

Como forma de alcançar tais objetivos, tomamos os dados da tabela 4 como um resumo-

disparador de questões sobre a formação, e em seguida discutiremos sobre os saberes e as

práticas que embasam a atuação dos psicólogos piauienses no âmbito da Saúde Mental em

Teresina.

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Tabela 4 Dados gerais sobre a formação dos psicólogos piauienses que atuam na saúde mental em Teresina

Entrevistado Serviço a que

pertence Instituição Formadora

Ano de Conclusão Pós-Graduação

Rede CAPS

E1* CAPS ad UFC 2001 Especialização em Psicologia Clínica

E2* CAPS ad FSA (PI) 2005 ---

E3* ** CAPS ad Centro Universitário Celso Lisboa (RJ)

1983 Especialização em Saúde

Mental (UFRJ)

E4 CAPS II

Norte FSA (PI) 2003

Especialização em Atenção Psicossocial (UFPI)

E5 CAPS II

Norte FSA (PI) 2005

Especialização em Atenção Psicossocial (UFPI)

E6 CAPS II

Norte UESPI 2004

Especialização em Psicologia Clínica

E7 CAPS II Leste UESPI 2004 Especialização em Psicologia Clínica

(FAESPI)

E8 CAPS II Leste FSA (PI) 2008 Especialização em

Psicologia Clínica (FSA)

E9 CAPS II Leste FSA (PI) 2008 Especialização em

Psicologia Clínica (FSA)

E10 CAPS II Leste FSA (PI) 2005 Especialização em Atenção

Psicossocial (UFPI)

E11** CAPS II Leste Universidade Mogi

das Cruzes 1983

Especialização em Saúde Mental (UFRJ)

E12 CAPS i FACID (PI) 2008 Especialização em Saúde

Mental (IPBEX)

E13 CAPS i UFMA 2003 Especialização em Saúde

Mental (UFPI)

Atenção Básica

e Setor

Ambulatorial

E14 Unid. Mista Matadouro

UESPI 2008 Especialização em Psicologia Clínica

E15 Unid. Mista

Buenos Aires UESPI 2005

Especialização em Saúde Pública (IPBEX)

Especialização em Saúde da Família (IPBEX)

E16* Unid. Mista

Dirceu Arcoverde

UNIFOR 1991 Especialização em Saúde

Mental (UFPI)

E17 Unid. Mista Primavera

UEPB 1987 Especialização em Saúde

Mental (UFPI)

E18 UBS Monte

Castelo

Universidade Metodista (Campus São Caetano do Sul)

1985 Especialização em Saúde

Mental (UFPI)

E19 Centro de

Saúde Lineu Araújo

Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)

1983

Especialização em Saúde Mental (UFRJ)

Mestrado em Saúde Coletiva (UNIFOR)

E20 Centro de

Saúde Cecy Fortes

Faculdade de Filosofia do Recife

(FAFIRE) 1980 ---

Hospital Psiquiátrico

E21 SM

Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)

1990 Especialização em Saúde

Mental (UFPI)

E22 SM Universidade

Metodista (Campus São Caetano do Sul)

1985 Especialização em Saúde

Mental (UFPI)

E23 HAA FSA (PI) 2003 Especialização em Atenção

Psicossocial (UFPI) E24 HAA Universidade 1990 Especialização em Saúde

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Católica de Pernambuco (UNICAP)

Mental (UFPI)

E25* HAA Centro Universitário Celso Lisboa (RJ)

1983 Especialização em Saúde

Mental (UFRJ)

E26* HAA UFPB 1981 ---

E27 HAA UEPB 1978 Residência em Saúde Mental (ENSP-RJ)

Gestão

E28 Gerência

Estadual de Saúde Mental

FSA (PI) 2004 Especialização em Saúde

Mental (UFRJ)

E29 Gerência

Estadual de Saúde Mental

UESPI 2007 ---

* Profissionais do sexo masculino. ** Profissionais que ingressaram no Hospital Psiquiátrico em 1984 e 1985, depois remanejados para o trabalhado nos ambulatórios da cidade na década de 1990, e posteriormente realocados, nos anos 2000, no CAPS.

5.1 A Formação dos psicólogos que atuam na Saúde Mental em Teresina

Em geral observa-se uma realidade bastante diversificada em termos das agências

formadoras, na qual os psicólogos que atuam na Saúde Mental em Teresina são oriundos. Tal

quadro refere-se ao próprio contexto de que para ser psicólogo no Piauí antes de 1998, ano de

funcionamento dos primeiros cursos de psicologia no Estado, era preciso buscar o ingresso

em Instituições de Ensino Superior (IES) em outras localidades do país. Daí o fato de que boa

parte dos psicólogos que chegaram ao Piauí antes de 2003 é originária, em sua maioria, dos

cursos de psicologia localizados nos Estados da Paraíba, Pernambuco, Distrito Federal, Ceará,

Rio de Janeiro e São Paulo, dentre outros.51 Entre eles, haviam profissionais naturais do Piauí,

que considerando a falta de agências formadoras no Estado, buscaram sua formação em outras

localidades, retornando a sua terra natal tão logo que concluíam seu curso; também havia

casos em que profissionais naturais de outros Estados acabavam fixando residência no Piauí,

em função de terem que acompanhar seu/sua cônjuge no retorno para sua terra natal; ou então

casos em que profissionais naturais de outros Estados fixavam residência no Piauí na busca de

oportunidades de empregos.

51 Informação recuperada no CRP11/PI em janeiro de 2009.

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A busca de empregos em terras piauienses por psicólogos de outros Estados foi

intensificada depois da abertura dos cursos locais. Sendo este, um importante fator de

ampliação do mercado profissional para a categoria, considerando que os próprios psicólogos,

e especialmente aqueles em formação, são consumidores importantes dos serviços ofertados

na profissão.

Por outro lado, somente a partir de 2003 foi que surgiram os primeiros psicólogos

formados propriamente no Piauí, em função da abertura dos três cursos localizados em

Teresina, são eles: a) Universidade Estadual do Piauí/UESPI, com o curso fundado em 1997

(mas o funcionamento em 1998), com disponibilidade de 25 vagas/ano; b) Faculdade Santo

Agostinho/FSA, com o curso fundado em 1998 e disponibilidade de 200 vagas/ano; e c)

Faculdade Integral Diferencial/FACID, com o curso fundado em 2002 e disponibilidade de

200 vagas/ano. Os três cursos oferecem um total de 425 vagas/ano somente em Teresina.

No interior do Estado, registra-se o funcionamento de mais três cursos de psicologia,

reflexo de um processo que vem se dando em todo o país na última década, fato que

integraliza outras 175 vagas/ano àquelas anteriormente citadas, são elas: 25 ofertadas pela

UESPI, através do Campus Floriano; 100 vagas ofertadas pela Universidade Federal do Piauí,

Campus Parnaíba; e 50 vagas ofertadas pela Faculdade Piauiense - FAP, Campus Parnaíba.

Portanto, atualmente oferta-se o total de 600 vagas/ano em seis cursos de psicologia existentes

no Estado do Piauí.52

Quanto aos psicólogos que atuam na Saúde Mental em Teresina, podemos acompanhar

de forma mais específica, a partir das figuras 1 e 2, as instituições e os Estados em que esses

profissionais foram formados.

52 Existe ainda a proposição de outros três cursos de psicologia em tramitação no MEC, que no momento aguardam autorização para a sua abertura em nosso Estado. As IES proponentes são: Faculdade R.Sá – localizada na cidade de Picos (polo centro-sul de desenvolvimento do Estado); Faculdade Christus – localizada na cidade de Piripiri, região norte do Estado; e Faculdade de Tecnologia Intensiva (FATECI), oriunda do estado do Ceará e instalada na cidade de Parnaíba. Neste caso, alertamos que somente em Parnaíba-PI, contaremos futuramente com três cursos de psicologia.

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Figura 1: Instituições formadoras dos psicólogos piauienses que atuam na saúde mental em Teresina

Figura 2: Estados em que os psicólogos piauienses que atuam na saúde mental em Teresina foram formados

Da mesma forma, podemos acompanhar, a partir da figura 3, o ano em que esses

profissionais foram formados.

Figura 3: Ano de conclusão do curso dos psicólogos piauienses que atuam na saúde mental em Teresina

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Em relação aos dados reunidos acima expostos, percebe-se que a diversidade de locais,

instituição e períodos de formação dos psicólogos entrevistados está intimamente relacionada

com a maneira com que eles se inseriram nos três segmentos de atuação na Saúde Mental em

Teresina: 1) Centros de atenção psicossocial (CAPS); 2) Atenção básica e setor ambulatorial;

e 3) Hospitais psiquiátricos.

Particularmente, os profissionais que atuam nos CAPS (n=13) foram formados em sua

maioria (77%) a partir do ano de 2003, sendo que muitos são procedentes dos cursos locais,

especialmente na FSA (n= 6) e UESPI (n=2). Em termos gerais, percebe-se que boa parte dos

profissionais dos CAPS (84,61%) teve suas formações oriundas na própria região do meio-

norte brasileiro: Piauí (n=9) e Maranhão (n=1); além do caso que é do Estado do Ceará (n=1).

Quanto aos profissionais que atuam na atenção básica e rede ambulatorial, verifica-se

outra configuração em relação aos seus locais de formação. Conforme se observa na tabela 4,

trata-se de formações que foram realizadas em sua maioria (71,42%) na década de 1980 e

início dos anos 1990, sendo o número de psicólogos formados fora do Piauí (n=5) maior do

que aqueles formados no próprio Estado (n=2). Paraíba e Pernambuco, por exemplo,

figuraram como os Estados de maior interesse para realizarem suas formações. A justificativa

era devido à própria tradição das famílias mais abastadas do Estado de enviarem seus filhos

para estudarem em outras regiões.

Com relação aos profissionais que atuam nos hospitais psiquiátricos, evidencia-se uma

diferença bem maior entre os psicólogos formados fora do Piauí (n=6) e aqueles formados no

próprio Estado (n=1). Outro aspecto é quanto uma maior diversificação dentre as localidades

de formação, se comparado com os demais entrevistados. Deste modo, entende-se que na

medida em que retroagimos no tempo de formação dos entrevistados, diversificam-se bem

mais os locais em que estes foram formados.

Além disso, a partir da figura 3 foi possível acompanhar os anos em que os

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entrevistados foram formados. Mas antes de passarmos as análises dos dados organizados

naquela figura, é importante reafirmar a ocorrência de uma prática comum que envolvia os

profissionais recém-formados quando chegavam ao Piauí antes de 1998, na qual eram

prontamente inseridos nos serviços de Saúde Mental em Teresina, por meio de indicação

política, conforme referimos no capítulo anterior. Desse modo, notam-se alguns períodos, a

partir da figura 3, que aglutinaram um aumento significativo de profissionais formados e que

ingressaram nos serviços de saúde mental em Teresina. O primeiro desses períodos foi o ano

de 1983, ocasião que coincidiu com o momento de estruturação do PSMC-PI no âmbito

estadual, ampliando assim o quantitativo de psicólogos no setor (n=7), notadamente nos

hospitais psiquiátricos, localizados na capital, e também nos núcleos de saúde mental,

localizados tanto na capital quanto no interior do Estado. O segundo período, apesar de mais

tímido, pois absorveu apenas três novos profissionais, foi quando da estruturação do 1º Plano

de Saúde Mental de Teresina implantado em 1991, com abertura de serviços ambulatoriais em

saúde mental no município. Quanto ao terceiro período, ocorreu concomitante a formação dos

primeiros egressos de psicologia em Teresina no ano de 2003, ocasião que também coincidiu

com a estruturação e ampliação dos serviços extra-hospitalares em Saúde Mental (CAPS e

SRT) em todo o Estado. Tal fato contribuiu para a contratação de cerca de 10 profissionais

para o setor somente na capital.

No geral, cabe o registro de que a maioria dos profissionais entrevistados (70,37%) é

oriunda de instituições privadas. Realidade completamente condizente com o perfil dos

profissionais identificados pelo estudo de Dimenstein (1998b), guardando as devidas

proporções para efeito comparativo, que identificou um percentual de 87,5% dos psicólogos

oriundos de instituições privadas na época da sua pesquisa.53 Portanto, trata-se de um quadro

que reforça o perfil do psicólogo brasileiro recentemente atualizado pela nova versão do

53 Vale ressaltar que este é o único estudo realizado até o momento sobre a realidade dos psicólogos piauienses na saúde pública – atenção e básica e setor ambulatorial – em Teresina.

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estudo “Quem é o psicólogo brasileiro?” (Bastos & Gondim, 2010) e pelo estudo que

realizamos sobre o movimento de expansão e interiorização da atuação e formação dos

psicólogos no Brasil (Macedo & Dimenstein, 2011a); neste, observamos que 85% dos cursos

de psicologia do país são de instituições privadas de ensino superior.

Quanto ao percurso de suas graduações na preparação profissional para a Saúde Mental,

os entrevistados foram unânimes em referir que seus cursos preparam pouco para atuarem na

área. Tal reclame reforça uma problemática já bastante recorrente nos inúmeros estudos que

debatem sobre a formação, em que evidenciam o pouco preparo dos psicólogos para

ingressarem nas políticas públicas de uma forma geral, mesmo considerando as graduações

realizadas mais recentemente (Spink, 2003; Campos & Guarido, 2007; Dimenstein, 1998a,

1998b, 2001, 2009; Sales & Dimenstein, 2009a, 2009b; Macedo & Dimenstein, 2009, 2011a,

2011b; Oliveira et. al., 2004; Oliveira, Silva & Yamamoto, 2007; Yamamoto, 2007; Paiva &

Yamamoto, 2008; Ferreira Neto, 2004, 2008, 2010a, 2010b, Romagnoli, 2006, 2007;

Guareschi et. al., 2009; Andrade & Simon, 2009; Guareschi & Reis, 2010; dentre muitos

outros).

Entre os entrevistados do nosso estudo vale ressaltar algumas diferenças e semelhanças

sobre sua formação profissional. Aqueles formados (n=13) antes de 1998 criticaram

fortemente a grade curricular em que foram graduados, pois foram formações que não

contemplaram disciplinas relacionadas à saúde coletiva, saúde pública, políticas públicas,

políticas de saúde e políticas de saúde mental, ou mesmo sobre as práticas psicológicas em

contextos institucionais e comunitário, direitos humanos, dentre outras. Além disso, trata-se

de formações que também não contemplaram experiências de estágio na área de saúde mental

e/ou saúde pública. Não obstante, os mesmos treze entrevistados ressaltaram ainda o caráter

predominantemente clínico de suas formações, com foco: a) somente no plano individual e

intrapsicológico; b) fundamentado única e exclusivamente pelos saberes psicológicos, sendo a

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maioria embasada por abordagens psicológicas clínicas; c) centrado na ação profissional

isolada, através da realização da psicoterapia individual, implicada com o caráter curativo ou

remediativo do problema em questão. Portanto, trata-se de um tipo de formação

completamente similar ao identificado por Dimenstein (1998b), quando verificou uma

defasagem tanto teórica quanto prática dos profissionais que atuavam na atenção básica e

setor ambulatorial de Teresina.

Graduação que não oferece qualificação para que atue na saúde pública, nem mesmo estágios no serviço público de saúde de forma a possibilitar um contato do aluno com a realidade das Unidades básicas de saúde, com o tipo de trabalho aí desenvolvido e com o perfil profissional adequado a esse contexto (Dimenstein, 1998b, p. 222).

Por outro lado, entre estes mesmos entrevistados que ingressaram nos serviços antes de

1998, pelo menos cinco deles (três lotados no hospital, e os outros dois no ambulatório e no

CAPS) referiram terem participado de estágios extracurriculares, quando da época de suas

graduações, em serviços de saúde mental. Tais estágios foram realizados em hospitais

psiquiátricos em cujas localidades aqueles entrevistados concluíram sua formação. No

entanto, as práticas desenvolvidas nestes estágios tinham como foco identificar processos

psicopatológicos e o fortalecimento da adesão dos pacientes ao tratamento

psicofarmacológico por meio da psicoterapia individual e grupal. Apesar disto, foi a partir

dessas experiências e do contato com as condições da assistência psiquiátrica oferecidas nos

serviços em que estavam vinculados, que esses mesmos cinco profissionais se vincularam

ideologicamente ao movimento da Reforma Psiquiátrica ainda no final da década de 1970 e

meados dos anos 1980. Muito embora, no plano teórico-técnico, os mesmos entrevistados

acabavam reafirmando, categoricamente, as bases epistemológicas, conceituais e jurídicas

definidoras da loucura enquanto doença, portanto, um mal passível de ser tratado e curado.

Desse modo, o campo de ações técnicas desses cinco profissionais, bem como dos

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demais que ingressaram na Saúde Mental antes de 1998, não poderia ser outro senão o

comprometimento profissional com as tradicionais práticas de: a) identificação dos processos

psicopatológicos; b) prevenção e o controle dos fatores desencadeadores da crise psiquiátrica;

c) busca de estratégias para a remissão dos sintomas; e d) diminuição dos níveis de

periculosidade do paciente. Apesar de que, em função da estrutura e das condições de

atendimento, seja nos hospitais psiquiátricos, seja nos serviços da atenção básica e

ambulatórios, restava àqueles profissionais reduzir seu campo de intervenção na identificação

dos processos psicopatológicos e no fortalecimento do vínculo do paciente com o tratamento

farmacológico.

A “escolha” por essa linha de trabalho descrita acima não poderia ser outra se

considerarmos que a formação dos entrevistados que ingressaram nos serviços antes de 1998

foi fundamentada somente por disciplinas como: psicopatologia geral e específica, técnicas de

exame psicológico, técnicas psicoterápicas, desenvolvimento atípico e fundamentos da clínica

psicológica. E, mesmo os profissionais formados mais recentemente (n=14), a partir dos anos

2000, especialmente aqueles oriundos dos cursos de Teresina (n=12), percebemos mais

semelhanças do que diferenças entre suas práticas e aquelas identificadas junto aos

profissionais formados antes de 1998. Sendo que o esperado era que minimamente os cursos

instalados nos Piauí apresentassem outro perfil de formação profissional para o psicólogo,

considerando o debate sobre os modelos de formação do psicólogo brasileiro em curso nesse

período em todo o Brasil.

Neste aspecto, todos os 14 entrevistados com formações a partir dos anos 2000 também

criticaram fortemente a grade curricular em que foram graduados. Suas reclamações

centraram-se no fato de que mesmo com os currículos apresentando uma maior variação de

concepções teóricas e técnicas psicológicas, bem como áreas e possibilidades de atuação

(clínica, organizacional, escolar e social), inclusive considerando o debate sobre a atuação do

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psicólogo em espaços institucionais e comunitários com práticas voltadas para as ações

preventivas e de promoção de saúde (qualidade de vida), ainda sobressaia-se em seus

currículos, sim, com grande peso, disciplinas voltadas para a manutenção do foco na

identificação dos aspectos psicológicos (diagnóstico) e intervenções voltadas para a resolução

de problemas de ajustamento em termos comportamentais e efetivos e/ou de personalidade.

Não de outra forma, identificamos na realidade atual questões semelhantes àquelas

apresentadas por Dimenstein (1998a, 1998b, 2000 e 2001) em seus estudos sobre o contexto

teresinense há pouco mais de 10 anos. Naquele estudo, a autora debateu sobre a não

incorporação de uma “nova concepção de prática profissional” associada à produção do

cuidado, de direitos, da cidadania e do processo de “construção de sujeitos (e subjetividades)

com capacidade de ação e de proposição”, bem como o rompimento com o “corporativismo”,

com as “práticas isoladas” e com “a identidade profissional hegemônica vinculada

(restritamente) à do psicoterapeuta” (Dimenstein, 2001, p. 62. Grifos nosso.). E, mesmo

reconhecendo alguns avanços sobre a realidade pesquisada a partir do presente estudo, como

por exemplo, maior variação de concepções teóricas, técnicas e locais de atuação, ainda assim

persiste o quadro local de formações que pouco prepara os profissionais para atuar na saúde

pública, e em especial na saúde mental; este é o caso dos relatos daqueles profissionais

formados mais recentemente.

Porém, não foram apenas as semelhanças que nos chamou atenção na justaposição

dessas duas realidades. Entre os profissionais formados mais recentemente, seis deles

(egressos dos cursos da UESPI e UFMA) referiram que suas graduações garantiram

disciplinas voltadas para a área da Saúde, com discussões em torno da saúde pública e da

reforma sanitária e psiquiátrica. No entanto, os mesmos ressalvaram que no âmbito prático e

nas experiências de estágios não tiveram qualquer subsídio teórico-técnico para que pudessem

desenvolver ações que expressassem o entendimento da Saúde como um campo

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multideterminado e pautado pela cultura interprofissional e interdisciplinar, inclusive

desenvolvendo experiências inter e multiprofissionais, que valorizassem o trabalho em equipe

e ações de cuidado na perspectiva psicossocial e da saúde coletiva (Oliveira, 2008).

Ou seja, não muito diferente dos outros oitos profissionais formados a partir dos anos

2000, as formações dos seis egressos que referimos a pouco (UESPI e UFMA) acabaram

valorizando somente o fazer técnico clássico da psicologia, ou quando muito, práticas

preventivistas vinculadas a “estratégia de patologização e normalização social com a

inscrição do sofrimento psíquico e do mal-estar social no rol das patologias” e do binômio

doença-cura (Amarante, 1996, p. 17. Grifos nosso.).

Neste caso, observou-se que as graduações dos profissionais formados antes de 1998,

sobretudo na década de 1980 e início dos anos 1990, e aqueles formados a partir dos anos

2000, revelaram muita proximidade quanto aos saberes e experiências práticas desenvolvido

em suas formações. Daí a importância de pensar uma política de formação efetiva que supere

tais imprecisões, pois entendemos que tal realidade não é localizada, ou seja, exclusiva da

formação dos psicólogos piauienses, especialmente se considerarmos os inúmeros estudos já

referidos que problematizam sobre o pouco preparo dos psicólogos brasileiros para

ingressarem na saúde pública, consequentemente na saúde mental.

Depois dessa caracterização inicial sobre a formação básica dos entrevistados, passamos

em seguida para os campos dos saberes e das práticas que fundamentam as compreensões e as

estratégias de ação técnica e sociopolítica dos psicólogos piauienses frente à efetivação da

Política de Saúde Mental em Teresina.

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5.2 Os saberes e as práticas operados pelos psicólogos que atuam na Saúde Mental em

Teresina

A maioria dos profissionais entrevistados orienta o seu trabalho na Saúde Mental a

partir das abordagens psicológicas no âmbito da clínica (82,75%). Entre elas, destacam-se

aquelas com base nas perspectivas humanistas e fenomenológicas (45%), psicanalíticas

(28%), abordagens cognitivas e comportamentais (18%) e abordagens corporais (4%).

Ademais, alguns destes entrevistados afirmaram combinar mais de uma abordagem

psicológica, ou então dialogar o conhecimento clínico com outros campos de saber, como

forma de subsidiar suas práticas na Saúde Mental, são elas: psicanálise e técnicas

comportamentais; terapia cognitivo-comportamental e psicodrama; abordagem centrada na

pessoa e terapia comunitária; abordagem centrada na pessoa, psicanálise e psicologia

jungiana; abordagens psicodinâmicas, corporais, humanistas, arte-terapia, biodança e

psicodrama.

Por outro lado, o restante dos profissionais entrevistados (n=5) referiu fundamentar o

seu trabalho inteiramente com base nos aportes da atenção psicossocial e saúde coletiva54. Foi

nesse sentido que esses profissionais reforçaram a ideia quanto à necessidade de dar outra

dimensão para o trabalho clínico-terapêutico, na perspectiva da construção de projetos de vida

e ampliação dos níveis de troca e produção de vínculos entre os usuários e as realidades por

onde circulam, seja no contexto sócio-institucional, seja no âmbito comunitário em que

vivem.

Mas para tanto, isto requer a articulação de subsídios teóricos e práticos que consideram

os fatores políticos, culturais, ambientais e biopsicossociais multideterminantes do sofrimento

psíquico; consequentemente, das condições de vida produtora de existências-sofrimento de

54 Entre eles, dois foram formados antes de 1998 e os demais foram formados pós 1998. O que fez com que esses profissionais trabalhassem com a perspectiva psicossocial foram os cursos de pós-graduação que realizaram e o modo como se vincularam com a defesa do projeto da Reforma Psiquiátrica.

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indivíduos e famílias. A aposta então encontra força quando se avança para a organização de

ações que envolva os meios básicos55 de vida, tomando-os como dispositivos de reinserção

social, de modo a articular o cuidado médico-medicamentoso e/ou psicoterápico com as

demais estratégias de cuidado em saúde, não mais importantes que as estratégias culturais,

sociais e políticas de produção de vidas e subjetividades (Amarante, 1996; Desviat, 1999).

Daí a aposta daqueles cinco entrevistados em orientar suas práticas com base no

paradigma da complexidade, na perspectiva da desinstitucionalização e na clínica ampliada. O

foco de suas ações, conforme relataram nas entrevistas, está voltado, muito mais, para a

construção de redes sociais de cuidado e o envolvimento técnico e político dos profissionais

da saúde mental, na experimentação de novas possibilidades de vida e sociabilidades para os

pacientes (Yasui & Costa, 2008).

Neste caso, dois aspectos chamam atenção quanto os saberes que orientam o trabalho

dos psicólogos na Saúde Mental em Teresina. O primeiro é que apesar das dificuldades da

formação básica dos entrevistados, percebe-se algum trânsito entre eles no tocante a atuações

pautadas pela perspectiva da desinstitucionalização e da atenção psicossocial. O segundo é

que apesar do avanço, existe uma presença maior de profissionais (n=24) que pautam o seu

olhar unicamente com base nos saberes psicológicos, sendo poucos os casos daqueles

profissionais interessados nas abordagens psicossociais (n=5). E, não por menos, é

estarrecedor perceber que nenhum destes cinco profissionais encontre-se lotado nos CAPS da

cidade, mas tão somente nos setores ambulatorial (n=2) e hospitalar (n=2), e na Gerência

Estadual de Saúde Mental (n=1). Por isso o interesse em investigarmos sobre os efeitos que

essas “escolhas” teóricas, consequentemente práticas, implicam sobre o modo como

psicólogos participam do processo de reforma psiquiátrica local.

55 Tratam-se novos equipamentos assistenciais, como centros de saúde mental territoriais, ou demais recursos presentes na própria comunidade, como grupos organizados de apoio e ajuda, ou relações de vizinhança, amizade e cuidado mútuo, que têm a capacidade de assumir as funções básicas de um serviço psiquiátrico (moradia, alimentação, trabalho, lazer, etc.) e dar respostas ao paciente e sua família sem a necessidade de recair na prática do isolamento, da tutela e da anulação dos sujeitos e sua subjetividade (Amarante, 1996).

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Pormenorizando a questão dos saberes que orientam o trabalho dos psicólogos na Saúde

Mental em cada tipo de serviços, é interessante referir que todos os psicólogos que atuam nos

CAPS em Teresina (n=13) relataram fundamentar suas ações profissionais preferencialmente

com base nas abordagens psicológicas. Tais saberes centram-se notadamente em estudos

psicopatológicos e clínicos, para realizar um entendimento diagnóstico mais preciso e que

melhor qualifiquem o manejo técnico para a escolha de estratégias terapêuticas necessárias

que atue sobre: a) a remissão dos sintomas; b) a busca da estabilidade emocional e afetiva do

paciente; c) bem como a sua estruturação psíquica.

Por outro lado, somente quando da referência do trabalho com grupos, notadamente

terapêuticos ou psicoeducativos, organizados por grupos de patologias, é que os entrevistados

dos CAPS declararam recorrer a alguns fundamentos da reabilitação psicossocial; entre eles,

referiram à realização de ações de empoderamento e autonomia dos usuários. Apesar de que,

quando aprofundamos, a partir das entrevistas, como aqueles profissionais operavam as ações

de empoderamento no cotidiano dos serviços, percebemos que a concepção utilizada encontra

fundamento na responsabilização individual do cuidado e monitoramento das condições de

saúde dos usuários, por eles mesmos e seus familiares. Ação mais conhecida como

empoderamento psicológico, que trata sobre o desenvolvimento de ações educativas sobre

hábitos e comportamentos dos usuários visando certa “transferência de responsabilidades”

para que o mesmo desenvolva maior controle sobre sua própria vida, em termos de: tomar o

remédio no horário/dia corretos; preocupar-se com o seu cuidado pessoal; procurar não sair

sem avisar ou estar sempre acompanhado por um responsável; e estar atento e confiante para

buscar ajuda, sempre que perceber qualquer alteração física ou afetivo-comportamental.

Em termos práticos, o uso destas concepções de empoderamento e autonomia recaem

em ações que acabam por produzir usuários mais adaptáveis e capazes, tornando-os sujeitos

mais “comedidos, independentes e autoconfiantes” (Carvalho & Gastaldo, 2008, p. 2031).

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Portanto, indivíduos que possam gerar o mínimo de preocupação ou problemas para suas

famílias, bem como para a sociedade e para a equipe técnica e o serviço que o acompanha.

Neste sentido, em nenhum momento visualizamos, a partir das entrevistas com os

profissionais dos CAPS, a sinalização de que suas práticas estão embasadas pela perspectiva

da reinserção social e do empoderamento sob o viés comunitário. Por tanto a pergunta: não

estaríamos a agenciar aqui a mecânica biopolítica, que comentamos no capítulo anterior, no

sentido de responder as ações de gestão e governo de condutas e subjetividades, no objetivo

de fundar ou redimensionar tais vidas simplesmente à ordem social vigente?

Diferente das concepções de responsabilização individual e produtoras de indivíduos

capazes e adaptáveis, o trabalho pautado no paradigma psicossocial toma como fundamento

ético o “aumento da capacidade de eleição e ação” de usuários e familiares frente às

dificuldades e condições concretas de suas vidas (Almeida, Dimenstein & Severo, 2010, p.

579). A finalidade deste trabalho é fazer com que os usuários possam transitar da posição de

grupo-assujeitado para a de grupo-sujeito, no sentido de desenvolver o seu poder contratual e

alimentar novas trocas sociais (Saraceno, 2010).

Na mesma direção, Kinoshita (2010) refere que para operar a partir da perspectiva da

reinserção social, precisamos romper, cotidianamente, com determinados dispositivos que,

mesmo nos serviços extra-hospitalares, reproduzem desvalores típicos que caracterizam

qualquer manifestação do paciente como “negatividade pura do sintoma” (p. 56); ou então, de

forma sorrateira, conformam tanto o paciente quanto o serviço como portadores de relações

de troca zero em termos de intercâmbios sociais. Por este aspecto, o mesmo autor

complementa que, autonomia e empoderamento constituem-se como campos de ação cujo

propósito é fortalecer a capacidade de indivíduos e grupos a elaborar projetos e gerar novos

ordenamentos e contratualidades para as suas vidas; consequentemente, faz com que as

subjetividades, as relações e experiências dos envolvidos possam enriquecer-se e renovarem-

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se frente ao passado de mortificação, cronicidades e tutela (Kinoshita, 2010).

Somente com o aumento do coeficiente de autonomia (no sentido de criar campos de

interdependência) entre usuários, familiares, trabalhadores, serviços e comunidade, é que os

indivíduos aí envolvidos podem exercer a função de “coprodutores de políticas, por meio da

corresponsabilização com diversos atores a partir de diferentes instâncias sociais” (Almeida,

Dimenstein & Severo, 2010, p. 579. Grifo nosso.). É neste sentido que Kinoshita (2010) alerta

sobre

Não confundir autonomia com autossuficiência nem com independência. Dependentes somos todos; a questão dos usuários é antes uma questão quantitativa: dependem excessivamente de apenas poucas relações/coisas. Esta situação de dependência restrita/restritiva é que diminui a sua autonomia. Somos mais autônomos quanto mais dependentes de tantas mais coisas pudermos ser, pois isto amplia as nossas possibilidades de estabelecer novas normas, novos ordenamentos para a vida (p.57).

Dito isto, estranhamos como os serviços, por nós visitados, assim denominados como

“substitutivos” ao manicômio, conseguem movimentar poucas ações “capazes de maximizar

oportunidades de recuperação”, ao mesmo tempo em que reduz “os efeitos desabilitantes da

cronificação através do desenvolvimento de insumos individuais, familiares e comunitários”

(Pitta, 2010, p.21).

Assim, estranhamos como os CAPS teresinenses organizam suas práticas simplesmente

por saberes e compreensões somente pautadas pela clínica psiquiátrica e psicológica, muito

embora bem mais comprometida com a doença, incluindo seus sinais e sintomas, com pouca

atenção e cuidado com o sujeito em existência-sofrimento e a re-complexificação do caso; ou

então, comprometida com a identificação da história pregressa ou história natural da doença, e

não com a biografia do paciente, com o caráter histórico de pessoas e coletivos e suas

necessidades; ou ainda comprometida com um prognóstico, e não com os projetos de vida dos

usuários e familiares (Amarante, 1996).

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Em relação aos entrevistados que atuam na atenção básica e setor ambulatorial, cinco

deles também apoiam o seu trabalho nas abordagens psicológicas de base clínica e no campo

da psicopatologia, semelhante aos profissionais dos CAPS. Entretanto, dois dos entrevistados

fundamentam-se prioritariamente pelos aportes da atenção psicossocial e saúde coletiva,

conforme referimos anteriormente. Entendimento este embasado no protagonismo e

empoderamento dos usuários e da comunidade na efetivação do cuidado e participação social

nos processos decisórios com ações de cidadanização (Yasui & Costa-Rosa, 2008).

Quanto aos entrevistados que atuam nos hospitais psiquiátricos, cinco deles estruturam

o seu trabalho a partir das abordagens psicológicas de base clínica e avaliações do quadro

psicopatológico quando realizam os atendimentos individuais, apesar de recorrerem a alguns

elementos da reabilitação psicossocial na condução de trabalhos com grupos. Contexto não

muito diferente daqueles entrevistados que atuam nos CAPS quando referem a respeito dos

saberes que dão sustentação aos atendimentos individuais e grupais que realizam no setor

hospitalar.

Por outro lado, dois profissionais entre aqueles entrevistados nos hospitais psiquiátricos

referiram se aproximar dos aportes da atenção psicossocial e saúde coletiva, tentando com

muitas dificuldades realizar ações com foco na desinstitucionalização, no protagonismo dos

usuários/familiares e na construção de redes sociais de cuidado para ambos. O problema é que

as ações desses profissionais são facilmente desmobilizadas em função dos sucessivos

obstáculos quanto às condições físicas, de recursos humanos e gerenciais que os mesmos têm

que enfrentar cotidianamente nesses hospitais em seus setores de trabalho.

Nesse caso, percebe-se que a grande maioria dos entrevistados (n=24) maneja campos

de saberes bastante homogêneo, fundamentalmente ancorados no campo da psicologia e

psiquiatria tradicionais. Ou seja, saberes pautados no princípio doença-cura, com

compreensão predominantemente orgânica e/ou intrapsíquica do processo saúde-doença.

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Além disso, são saberes com ações voltadas para a descrição nosográfica-comportamental do

quadro psiquiátrico, e elaboração de estratégias terapêuticas centradas, quase que

exclusivamente, na reversão sintomatológica a partir da ação medicamentosa e psicoterápica

(Yasui & Costa-Rosa, 2008). Por isso a referência entre os entrevistados sobre a importância

do domínio de conhecimentos em torno de disciplinas como: psicopatologia, técnicas

diagnósticas e de exame psicológico e psicopatológico, técnicas psicoterápicas,

desenvolvimento atípico e manejo clínico.

Observou-se ainda, entre os entrevistados, o pouco diálogo dos conhecimentos

utilizados com outras áreas de saber no cotidiano dos serviços, especialmente com saberes

que valorizam a historicidade humana, como antropologia, ou que amplie o entendimento dos

contextos e do perfil sócio-epidemiológico das clientelas com que trabalham, como, por

exemplo, a sociologia, a ciência política, a epidemiologia e a saúde pública (Bastos & Achcar,

1994). A exceção apenas se dá, quando se faz necessário compreender melhor um caso clínico

em termos diagnósticos, ou alguma questão em torno da esfera familiar ou social. Nestes

casos, percebe-se o movimento dos psicólogos em procura pelos psiquiatras ou assistentes

sociais para elucidar tais dúvidas. Contexto que deixa bastante evidente a manutenção dos

campos dos especialismos presentes nos serviços (Passos & Barros, 2000), pois o

fundamental é operar conhecimentos que qualifiquem as ações profissionais frente à precisão

diagnóstica, extraindo o melhor conhecimento sobre o quadro clínico do paciente,

consequentemente realizar escolhas terapêuticas mais precisas com foco na remissão dos

sintomas e minimização do sofrimento psíquico, além de instaurar ações educativas para que

os pacientes fiquem o menos dependente e o mais autoconfiante possível, inclusive sabendo

identificar os momentos de crise psiquiátrica.

Percebe-se, portanto, que os saberes utilizados pelos profissionais entrevistados para

este estudo são, em sua maioria, fundados por fontes de conhecimentos de perspectiva

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unidisciplinar, ou quando muito, organizados por algumas poucas disciplinas e especialidades

com rara ou nenhuma integração com outros campos de saber. O efeito disso não poderia ser

outro senão derivar práticas centradas na manutenção dos especialismos, no fazer clássico de

cada profissional e fundamentadas em olhares fragmentados sobre a realidade (Amarante,

1996).

A descrição deste quadro de saberes que embasam as ações profissionais dos psicólogos

inseridos no campo da saúde mental em Teresina reforça ainda mais a ideia de que nossas

formações profissionais têm avançado pouco quanto à mudança de concepções, disposições e

manejos teóricos e técnicos que afirme o compromisso com a responsabilidade sanitária e faça

operar em cada um dos entrevistados um reexame de suas posturas éticas profissionais

(Oliveira, 2008).

Nesse sentido, percebeu-se dentre os entrevistados, que enquanto aqueles de formações

mais antigas (antes de 1998) atentavam muito pouco para as concepções mais ampliadas de

saúde (Campos, 2003), inclusive com poucas possibilidades de atuações para além do modelo

médico-psiquiátrico, portanto, guardião do paradigma asilar (Oliveira, 2008); aqueles com

formações mais recentes (a partir dos anos 2000), apesar de reconheceram a necessidade do

trabalho ancorado pela perspectiva psicossocial, na prática demonstraram muitas dificuldades

em operacionalizar tais entendimentos, conceitos e posturas profissionais no cotidiano dos

serviços. Para Oliveira (2008), este é um dos grandes limites dos atuais currículos para formar

profissionais para atuar na Saúde Mental em todo o país. Pois quando os currículos não

negam a saúde mental, simplesmente despotencializam seu campo reivindicatório e de ação

política desconsiderando temas relacionados às Políticas de Saúde Mental e os movimentos de

Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial. Ou seja, reduz a saúde mental à psicopatologia

tradicional sob o crivo de procedimentos clínicos, medicalizadores da vida cotidiana e de

manutenção e aperfeiçoamento das formas de tutela.

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Tal quadro torna-se ainda mais preocupante quando justapomos ao campo de saberes até

o momento descrito com o perfil da formação pós-graduada dos profissionais entrevistados

neste estudo. Dos 29 entrevistados, contamos 24 profissionais com pós-graduação. Sendo a

maioria (65,5%) com Especialização em Saúde Mental/Atenção Psicossocial (n=17), Saúde

Pública (n=1), Saúde da Família (n=1), Residência em Saúde Mental (n=1) ou Mestrado em

Saúde Coletiva (n=1), e a menor parcela (20,68%) com Especialização em Psicologia Clínica.

Neste caso, percebe-se uma mudança no perfil dos profissionais com formação pós-

graduada trabalhando na saúde pública em Teresina em relação àquele identificado por

Dimenstein (1998b). Entre os profissionais identificados no estudo da referida autora,

registrou-se somente três com cursos de especialização que atuavam na atenção básica e setor

ambulatorial naquela época, sendo apenas um relacionado com o campo da saúde mental, e

nenhum com mestrado ou doutorado.

Entretanto, nota-se que o fato dos profissionais terem buscado se aprimorar com cursos

de pós-graduação em saúde mental ou saúde pública (e correlatos), isso na prática, não se

materializa em aportes teórico-metodológicos e ferramentas técnicas-práticas que

fundamentem as compreensões e as formas de atuar da maioria dos entrevistados em

consonância aos ideários da reforma psiquiátrica, da luta antimanicomial e do paradigma

psicossocial.

Preocupa o fato em que cinco entre aqueles psicólogos que atuam nos CAPS da cidade

têm preferido se qualificar com formações pós-graduadas em psicologia clínica. E preocupa

mais ainda que entre os 24 profissionais que realizaram cursos de especialização em saúde

mental/atenção psicossocial (e correlatos), somente cinco deles fundamentarem de fato seu

olhar e seu fazer nos serviços pelos aportes das propostas da reforma psiquiátrica, da luta

antimanicomial e do paradigma psicossocial. Tal questão pode ser mais bem visualizada

quando nos deparamos com as práticas profissionais realizadas nos serviços visitados.

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Quanto às práticas, os profissionais dos CAPS referiram participar e desenvolver ações

de triagem, na qual denominam como acolhimento; atendimento individual (ambulatório

interno), com base no modelo psicoterápico breve/focal; e realização de grupos de usuários e

familiares, tanto sob a perspectiva informativa e educativa, quanto terapêutica:

a) por diagnóstico;

b) para fortalecer a adesão ao tratamento medicamentoso; e

c) para esclarecer os direitos dos usuários e familiares (benefícios sociais e uso de

demais serviços da rede).

Também foi relatado por estes profissionais, que outras atividades são realizadas dentro

e fora dos CAPS para envolver usuários e familiares frente às ações de socialização e

treinamento de habilidades sociais, como: oficinas terapêuticas, oficinas de atividades

laborais, atividades físicas, atividades recreativas, passeios, caminhadas, festas

comemorativas, confraternizações, torneios esportivos e atividades de comemoração da luta

antimanicomial, dentre outros. Dentre essas atividades, os psicólogos entrevistados referiram

participar de maneira indireta das mesmas, especialmente daquelas com caráter recreativo

(passeios e confraternizações), apenas na função de “acompanhamento” dos usuários, como

um dos profissionais responsável daquela atividade naquele dia.

Somente uma das entrevistadas mencionou participar de maneira mais próxima das

oficinas terapêuticas realizadas no serviço onde está lotada, quando do dia da realização da

rádio CAPS; tal rádio é um projeto idealizado e conduzido por aquela psicóloga. O

funcionamento ocorre uma vez ao mês, com a programação e apresentação executadas pelos

usuários no próprio serviço, ou em atividades externas como numa Faculdade de Psicologia

da cidade, por exemplo.

Nos centros de saúde e unidades mistas do município, os entrevistados referiram

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desenvolver basicamente ações de atendimento individual, com base no modelo psicoterápico,

com raríssimas situações em que atua em equipe sobre algum caso em específico. Além disso,

referiram não desenvolver atividades em grupo de nenhuma espécie, por falta de espaço

adequado no serviço; ou mesmo desenvolver ações de planejamento ou promoção em saúde; e

muito menos realizar trabalhos de suporte ou integrados ao Programa de Saúde da Família ou

demais ações voltadas para o território e população adstrita de cada unidade.

No caso de usuários com demandas em saúde mental, os entrevistados do setor

ambulatorial e atenção básica referiram que muito raramente atendem esse tipo de caso,

especialmente usuários dos serviços tipo CAPS ou mesmo de hospital psiquiátrico. Mas que

quando surge esse tipo de demanda, preferem fazer um atendimento de triagem e orientar o

paciente a procurar os serviços especializados, como o ambulatório do HAA e o Sanatório

Meduna. Entretanto, nos casos de transtorno mental leve, relataram acompanhar esses casos

sem maiores questões, apesar da pouca ocorrência.

Somente aquelas duas entrevistadas que se apoiam nos aportes da atenção psicossocial e

saúde coletiva que citamos antes, se colocaram na posição de tentar sair um pouco da rotina

clássica do modo de fazer psicologia no setor ambulatorial e atenção básica. As mesmas

expuseram que entre uma situação e outra tentam articular junto com a assistente social da

unidade e/ou com a equipe do PSF alguma visita domiciliar ou à escola; realizar atividades de

orientação em grupos de promoção de saúde; ou mesmo trabalhar os aportes da perspectiva

psicossocial no plano individual. Dizem se frustrar com essa situação, pois não conseguem

materializar uma atuação na perspectiva da saúde coletiva com a estrutura que o serviço e a

rede estão ordenados. Desse modo, acabam tendo que responder a demanda do serviço, da

equipe e da comunidade na realização do psicodiagnóstico e da psicoterapia de forma

clássica.

Quanto aos profissionais entrevistados nos dois hospitais psiquiátricos da cidade,

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referiram desenvolver:

a) No serviço ambulatorial do HAA (n=3) – fundamentalmente atendimentos

individuais, com base no modelo psicoterápico, além de trabalhos com grupos (basicamente

realizado por apenas um dos entrevistados), seja na perspectiva da terapia de grupos, seja com

foco em ações educativas e de promoção de saúde mental.

b) No serviço do Hospital-dia “Wilson Freitas” ligado ao HAA (n=1) – basicamente

atendimentos individuais, com base no modelo psicoterápico. Esta entrevistada relatou

cansaço e que, apesar da longa jornada de realização de práticas na busca da reabilitação

psicossocial e autonomia/protagonismo dos pacientes, através de trabalhos com grupos,

teatros, psicodrama e especialmente em arte-terapia, esteve envolvida em muitos

desentendimentos em relação à condução da assistência psiquiátrica no Estado. E que,

atualmente encontra-se isolada e sem parcerias na instituição, aguardando apenas a aprovação

do seu pedido de remoção pela SESAPI para outro serviço de saúde na região norte do

Estado.

c) No setor das enfermarias (pavilhões) do HAA (n=4)56 – fundamentalmente

desenvolvem atendimento individual e evolução do quadro clínico-psiquiátrico, que trata de

uma atividade obrigatória exigida pela diretoria do HAA para todos os profissionais lotados

nos pavilhões. Apenas uma das entrevistadas disse tentar organizar grupos de suporte e ajuda

mútua dentro dos pavilhões, com vistas ao trabalho de cuidado pessoal a construção de redes

sociais de cuidado entre os próprios pacientes internados. Essa ação tem acontecido de

maneira muito rudimentar, considerando os obstáculos que a estrutura institucional do

hospital impõe.

d) No Sanatório Meduna (n=2) – basicamente desenvolvem atendimento individual e

atividades em grupo com os pacientes para fortalecer a adesão ao tratamento medicamentoso,

56 Dos cinco profissionais entrevistados do HAA, três deles têm que cumprir escalas alternadas para desenvolver ações tanto no ambulatório do hospital quanto nas enfermarias. Sendo que apenas dois deles ficam fixos no setor do Hospital-dia e Pavilhões.

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além da evolução do quadro clínico-psiquiátrico, semelhante ao que acontece no HAA.

Para finalizarmos esta seção, cabe sinalizar dois aspectos que consideramos relevante

para o debate. Primeiro que independente do local, da época e da IES onde os entrevistados

realizaram seus cursos de graduação e pós-graduação, observou-se certa semelhança entre a

formação realizada, incluindo o rol de saberes e práticas envolvidos, no seu preparo

profissional para atuar em serviços de saúde mental. Segundo que, independente do local de

atuação, inclusive considerando os diferentes níveis de complexidade da rede de Saúde

Mental (Centros/Unidades de Saúde, CAPS e Hospital Psiquiátrico), não visualizamos tantas

diferenças entre os entrevistados em termos dos saberes e práticas que eles operam nestes

serviços. Isso denota não só que a formação dos psicólogos parece ser atemporal, mas a forma

como atuam, as ferramentas teóricas e práticas que priorizam, e os modos de intervir que

escolhem são os mesmos, independente do local, da população, das necessidades e da

organização dos serviços em que este profissional está inserido.

Diante desse quadro, desdobraremos na seção seguinte algumas reflexões sobre os

efeitos desse modo de atuarmos de maneira atemporal e descontextualizada para os serviços.

Nossa intenção, portanto, é problematizarmos sobre os efeitos desse modus operandi dos

psicólogos piauienses para o campo de ação e potencialidades que se abrem (ou não) para a

profissão na Saúde Mental no Estado.

5.3 Os efeitos das “escolhas” teóricas e práticas no desenvolvimento das ações

profissionais dos psicólogos que atuam na Saúde Mental em Teresina

Antes de apresentar aquilo que objetivamos nesta seção, em termos de

problematizarmos sobre os efeitos das “escolhas” teóricas e práticas que fundamentam o

modo como os psicólogos organizam suas linhas de ação nos serviços, entendemos como

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importante retomar dois aspectos sobre a formação dos psicólogos que atuam na Saúde

Mental em Teresina. O primeiro é quanto à formação graduada. Chama-nos atenção

determinadas falas dos entrevistados, que são recorrentes, quando afirmam sobre o pouco, ou

quase nenhum suporte das suas graduações, quanto a prepará-los para atuar nos serviços de

saúde mental e/ou saúde pública em geral. Ademais, sobre a formação pós-graduada, ficamos

ainda mais surpresos com o fato de que mesmo tendo cursado especializações em saúde

mental ou atenção psicossocial, os entrevistados investiram (ou incorporaram) quase nada

quanto aos saberes e/ou práticas pertinentes às abordagens psicossociais no seu campo de

ação técnico-profissional. Talvez este seja um dos motivos para que os profissionais se sintam

despreparados, receosos e, algumas vezes, temerosos para lidar com pacientes psiquiátricos e

com as mais variadas demandas dos serviços de saúde mental, simplesmente, por não

possuírem habilidades ou manejo técnico-profissional para tanto. Por conseguinte, constituir-

se como prática comum entre os entrevistados preferirem conduzir suas ações com indivíduos

com menor comprometimento afetivo e social, portanto, de fácil adesão ao modus operandi da

sua profissão; ou seja, adequam-se melhor aos casos que requer poucas alterações na linha de

ação daquilo que representa o seu repertório técnico-profissional clássico.

Porém, como segundo aspecto, o que mais nos chamou atenção enquanto descrevíamos

os saberes e as práticas dos profissionais entrevistados foi o fato dos mesmos estarem bem

mais vinculados ou comprometidos com a natureza da sua profissão, em termos dos saberes e

práticas que os legitimam socialmente enquanto profissionais psi (mandato social da

profissão) do que, efetivamente, com as novas práticas e com a cultura antimanicomial

organizada sob o paradigma da desinstitucionalização e da atenção psicossocial. Este,

portanto, é o principal motivo de querermos ponderar sobre uma determinada formação

profissional ou modo de ser psicólogo, em que dependendo das “escolhas” teórico-

metodológicas e prático-profissionais envolvidas, ou então pela forma como os entrevistados

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conduzem suas intervenções nos serviços, cada uma dessas possibilidades produz

determinados efeitos na maneira como estes profissionais organizam seus processos de

trabalho e se implicam com a realidade em que estão inseridos. Efeitos, que sem dúvida,

também reflete sobre as linhas de ação produtora de cuidado daqueles técnicos no serviço.

Nos CAPS ou nos demais serviços, como nos centros ou unidades básicas de saúde, ou

ainda nos hospitais psiquiátricos, ficou evidente, a partir das descrições apresentadas na seção

anterior, o quanto aqueles serviços reproduzem modos de funcionamento estritamente

disciplinar, com raríssimas exceções, seja para os usuários, seja para os técnicos que

conduzem suas atividades naqueles espaços. Ademais, grande parte das atividades e o

funcionamento dos serviços se dão centralmente a partir do diagnóstico, especialmente nos

CAPS e nos hospitais psiquiátricos. Fator que só reforça o paradigma asilar como ordenador

dos saberes e das práticas realizadas nos serviços, bem como constituinte das subjetividades

dos profissionais que lá atuam, ao se constituírem trabalhadores daquele campo.

No caso dos psicólogos, percebeu-se que suas “escolhas” teóricas e práticas acarretam o

seguinte modo de funcionamento da sua categoria profissional nos serviços:

a) Cada profissional, inclusive aquele de outras áreas, encontra-se entrincheirado em sua

disciplina ou campo de saber que lhe é próprio; consequentemente, fica restrito à atividade,

função ou setor que é responsável;

b) Não raro, o campo de ação dos psicólogos e de outros profissionais tende a

reproduzir a noção de indivíduo doente, tendo a figura do paciente reduzida a noção de objeto,

com foco no sintoma, e pouca preocupação em relação a “sua história, sua cultura, seus

projetos de futuro, sua vida cotidiana, elementos que constituem precisamente o campo de

inerência dos sintomas” (Goldberg, 2010, p. 35. Grifos nosso). No máximo, no caso dos

psicólogos, busca-se sobre a história da doença, focando-se nos aspectos intrapsíquicos,

afetivos e comportamentais envolvidos; elementos, portanto, que os interessa investigar e

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intervir, pois referem sobre a especificidade da profissão neste campo;

c) Baixa capacidade em elegerem ou investirem novas atividades/práticas, ou ainda de

introduzirem algumas variações no seu repertório técnico-profissional de modo a evitar que as

mesmas se fixem em rotinas tanto para os usuários quanto para os entrevistados (cronificação

das práticas). Daí o motivo de alguns profissionais demonstrarem cansaço frente a um

trabalho que é ao mesmo tempo tenso e intensivo, e por vezes, ainda torna-se repetitivo;

d) Os CAPS evidenciam resultados pouco satisfatórios frente aos casos ditos difíceis ou

quando o paciente entra em crise, pois a própria rotina do serviço e o modelo de trabalho dos

técnicos em geral não comportam o vínculo do serviço com esse tipo de paciente. Nestas

circunstâncias ou o paciente é quase que exclusivo da esfera médica, ou de preferência

encaminhado diretamente para o hospital psiquiátrico para a devida atenção à crise. Sendo

que nossos entrevistados pouco se envolvem com esse tipo de caso;

e) Os profissionais pouco se reúnem em equipe, seja para realizarem reuniões técnicas

para discutir os casos dos pacientes, e compor ou revisar seu projeto terapêutico; seja para

discutir sobre a organização dos processos de trabalho no serviço, ou sobre o funcionamento

da Política de Saúde Mental; seja ainda para propor supervisões dos profissionais de apoio

(artesãos, educadores físicos, educadores sociais, arte-terapeutas, etc.) para que suas ações

possam contribuir para o processo terapêutico dos pacientes. Quando muito ocorrem, as

reuniões são somente para tratar de questões administrativas dos serviços.

f) Nos ambulatórios e centros/unidades de saúde, bem como nos dois hospitais

psiquiátricos, não se realiza qualquer ação interdisciplinar e interprofissional para a produção

do cuidado dos pacientes, incluindo articulação com a rede de serviços e/ou ação junto à

comunidade. Cabe retratar uma situação quando realizamos uma das entrevistas dentro de

uma das enfermarias femininas do HAA em que visualizamos in vivo o modo de

funcionamento das consultas realizadas pelos psiquiatras e psicólogos daquele serviço.

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Formavam-se duas filas de mulheres internas, visivelmente dopadas de medicamentos, mal

cuidadas, que se dirigiam sempre aos profissionais pedindo para voltar para as suas casas.

Primeiro falavam com um, depois com o outro. E ambos, psiquiatra e psicólogo, sentados um

ao lado do outro, consultavam as internas, cada qual em sua fila, com perguntas sobre “—

qual o seu nome”, “— em que localidade mora”, “— que dia é hoje”, “— como está se

sentindo em relação aos sintomas”; isso sem haver qualquer troca de diálogo entre os

profissionais sobre as pacientes. Ao final de cada consulta, que não durava cinco minutos

cada, eles evoluíam os casos nos respectivos prontuários.

Como “efeito-dominó” em decorrência da organização dos processos de trabalho acima

referidos, acarreta-se os seguintes efeitos nas linhas de atenção e cuidado com os usuários:

a) No caso dos CAPS e ações do hospital-dia pertencente ao HAA, os pacientes

acabavam “aprisionados” nas “grades” das inúmeras atividades e rotinas desenvolvidas no

serviço: consultas com psiquiatra e psicólogo; atendimento com assistente social, se

necessário; administração de medicamentos pela enfermagem; atividades de grupo com

finalidade educativa e terapêutica, por segmento profissional; oficinas com terapeuta

ocupacional e artesãos/educadores. No caso dos ambulatórios e centros/unidades de saúde, os

pacientes têm acesso apenas a consultas profissionais individuais. E nos hospitais

psiquiátricos, pelo menos no HAA, os pacientes ficam literalmente aprisionados nas

enfermarias, sendo periodicamente avaliados por psiquiatras e psicólogos quanto ao seu

quadro psicopatológico, até ocorrer, somente por meio da ação medicamentosa, a remissão

dos sintomas ou compensação do quadro clínico;

b) Quanto às oficinas, principalmente aquelas realizadas nos CAPS, seu lema, conforme

nos reportou alguns dos entrevistados, era “— quase nunca deixar o usuário ocioso no

serviço”. Por isso que essa atividade acaba tendo um caráter somente ocupacional, dotada de

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atividades resumidas à serialização e repetição de ações manuais, do que de fato terapêuticas

no sentido de operar a produção e expressão de desejo, novos sentidos, sensibilidades,

habilidades, enfim, de produção de vida, projetos de futuro e de diferença para o usuário;

c) Especialmente nos CAPS e hospitais (seja no setor do hospital-dia, seja nas

enfermarias/pavilhões), não se percebe qualquer abertura ou disposição dos técnicos para a

instituição de assembleias ou reuniões com a participação dos pacientes e membros da equipe.

Tais reuniões seriam para discutir problemas rotineiros, sugestões, reclamações e dificuldades

do serviço, além de programar a rotina do mesmo, contribuindo assim para o processo de

participação e autonomia do usuário neste processo de organização/gestão democrática do

serviço;

d) Nos CAPS, uma vez inserido no serviço, o paciente tem, como profissional de

referência, aquele que realizou sua triagem, independente se se estabeleceu ou não um bom

vínculo com ele. Em seguida, participa de todas as atividades oferecidas dia-a-dia no serviço

sem qualquer avaliação ou monitoramento se a mesma contribui ou não para o seu processo

terapêutico e reinserção social.

e) Nos CAPS, é comum o uso de instrumentos de testagem psicológica (psicometria)

quando do momento da triagem de pacientes para o ingresso no serviço. Tal recurso objetiva

o enquadramento de “hipóteses” diagnósticas mais precisas, inclusive legitimando as

ferramentas e práticas dos psicólogos no serviço entre os psiquiatras;

f) No caso das UBS e CAPS, são desenvolvidas poucas ações que envolvem os recursos

comunitários, bem como a família, de modo a integrá-los em ações de continuidade das linhas

de cuidado do usuário na sua localidade de moradia;

g) Percebe-se ainda o pouco envolvimento dos profissionais que atuam nas UBS com os

casos dos chamados “mentais”;

h) Não há qualquer articulação entre os serviços nos três níveis de complexidade: UBS,

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CAPS e hospital psiquiátrico, em termos da consecução de linhas de cuidado; salvaguardo os

casos de algum paciente entrar em crise, especialmente nos CAPS, estes são encaminhados,

imediatamente, para internação no HAA.

Diante disso, e com base na maneira como nossa profissão tem se inserido e contribuído

com este campo, seria leviano não pensarmos sobre o quanto os psicólogos piauienses têm se

mostrado muito mais vinculados ou comprometidos com os saberes e as práticas que os

legitimam socialmente enquanto profissionais psi (diagnosticar e resolver problemas de

adaptação e ajustamento) do que de fato implicado com o múltiplo campo de necessidades

que enfrentam usuários e familiares em torno do processo de adoecimento ou sofrimento

psíquico; ou ainda implicado com a defesa do processo de reforma psiquiátrica que se quer

efetivar no Estado. Nesse aspecto, entendemos que este modo como os psicólogos vêm

atuando e intervindo na Saúde Mental em Teresina, recai no lamentável fato de que nossa

profissão não venha se constituindo tanto assim, pelo menos em termos local, como um

agente provocador de ações que contribua no cotidiano dos serviços com o processo de

cuidado, reinserção social e cidadanização de usuários e familiares.

E afinal, temos de fato avançado a partir dos nossos cotidianos de trabalho, com ações

profissionais que consolidem o compromisso social da profissão frente à “questão social” e

luta pelos direitos das minorias sociais desse país, em especial, daqueles sujeitos marcados

pelo estigma da loucura, da pobreza, da violência, etc.? Bem, considerando as preferências

como temos selecionado os saberes e as práticas para atuarmos, pelo menos, nos serviços de

Saúde Mental ora pesquisados, nossa resposta para a aquela pergunta é: não!

Primeiro por que é nítida a dificuldade dos profissionais entrevistados empreenderem,

pelo menos no campo técnico, ações capazes de estabelecer relações mais democráticas,

portanto, menos produtora de subjetividades anuladas e empobrecidas entre os usuários, e

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entre estes e seus familiares, ou então entre os próprios trabalhadores do setor. Neste caso,

precisamos avançar sobre o modo como atuamos nos serviços com a eleição de norteadores

teórico-técnicos, que tornem capazes as ações da profissão para que se rompa com as linhas

de trabalho que conformam os pacientes em sujeitos passivos e tutelados, especialmente em

termos da potência que estes indivíduos têm de: a) estabelecer relações e projetos futuros; b)

aumentar sua capacidade de escolha, participação e gerenciamento de sua vida; como

também, c) percorrer caminhos para a conquista de autonomia, cidadania e poder de

contratualidade, interferindo, inclusive no funcionamento dos serviços, da Política de Saúde

Mental e na sociedade em geral.

Por sua vez, estudos de outra natureza também têm questionado o papel dos psicólogos

como um protagonista do processo de reforma psiquiátrica no Brasil. E outros, de forma mais

ampla, tem questionado sobre a contribuição da profissão quanto ao avanço das políticas

públicas no país. De maneira geral, as críticas desses estudos reportam quase sempre para as

imprecisões da profissão quanto aos modos de conhecer e intervir associadas às práticas que

deem sustentação ao papel universal/redistributivo das políticas públicas e com a garantia real

de respostas para as necessidades da população (Spink, 2003; Spink, et. al., 2007; Lazzarotto,

2004; Oliveira et. al., 2005; Barros, 2005; Romagnoli, 2006; Ribeiro & Luzio, 2008;

Rodrigues, 2009; Boarini & Borges, 2009; Sales & Dimenstein, 2009a, 2009b; Paiva &

Yamamoto, 2007; Ferreira Neto, 2008a, 2008b, 2008c, 2010a, 2010b; Guareschi & Reis,

2010; dentre outros). Ou então críticas da profissão em torno de práticas que possam

constituir, de fato, as políticas públicas como dispositivos indutores de cidadania (Bastos &

Achcar, 1994; Carrara, 2006, Reverbel, 1996; Mancebo, 1997; Barros, 2005; Yamamoto,

2007; Mendonça, 2007; Freitas, 2008; Souza & Cury, 2009; Paiva & Yamamoto, 2008, 2010;

Yamamoto & Oliveira, 2010; dentre outros).

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Em resumo, podemos relacionar os principais aspectos apresentados neste capítulo

quanto ao contexto que tem definido a formação dos psicólogos que atuam no Estado, bem

como os saberes e as práticas que estes profissionais se ancoram para orientar seu fazer na

Saúde Mental em Teresina:

� Quanto às agências formadoras locais, observou-se um processo tardio de implantação

dos cursos de psicologia no Piauí, que ocorreu, mais precisamente, a partir de 1998;

� Apesar de tardio, tem sido crescente o surgimento de novos cursos de psicologia no

Estado, inclusive com forte inclinação para a sua interiorização, especialmente para as

cidades polos de desenvolvimento regional;

� Especificamente sobre os profissionais entrevistados, observa-se certa diversidade em

termos dos locais, do período e das agências de formação em termos de graduação e

pós-graduação;

� Em termos da formação pós-graduada, observou-se que a maioria dos entrevistados

(66,7%) tem especialização em saúde mental, saúde pública e áreas correlatas; por

serviços, registram-se os seguintes índices: CAPS - 53,84%, atenção básica e setor

ambulatorial - 71,42% e hospital psiquiátrico - 85,71%;

� Entretanto, apesar da formação pós-graduada na perspectiva psicossocial, observa-se

que a maioria dos entrevistados orienta, preferencialmente, suas práticas com base nas

abordagens psicológicas (82,75%), tendo uma minoria que embasa suas práticas na

atenção psicossocial e saúde coletiva (17,24%);

� Como efeito das escolhas teóricas que orientam as práticas dos psicólogos nos

serviços, observa-se maior ênfase para uma abordagem centrada na doença, apoiada

pelo paradigma biomédico ou asilar, com foco no diagnóstico e remissão dos sintomas

a partir da ação farmacológica, psicoterápica e psicoeducativa.

� Quanto às práticas desenvolvidas nos serviços, registra-se a manutenção da clássica

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organização dos processos de trabalho dos psicólogos, basicamente: a) com atuações

individuais; b) busca de nexos causais para a compreensão do quadro clínico e

psicossocial do paciente baseado nas definições de normal/patológico que coloca a

psiquiátrica tradicional; c) busca de nexos causais entre as queixa clínicas e os

procedimentos mais efetivos para a remissão dos sintomas e normalização do paciente;

c) realização de ações isoladas, justificadas pelo respeito da ética profissional, em

termos de garantia do sigilo referente aos conteúdos do paciente em situações de

atendimento, por isso a esquiva da atuação em equipe; d) trabalho técnico dissociado

das ações de gestão, seja no próprio serviço, seja em termos da organização municipal

e estadual da execução da política de saúde mental.

� Ademais, observa-se que as práticas descritas no item anterior revelam-se basicamente

as mesmas nos mais diversos setores, independente: a) do tipo de instituição, local e

época em que o entrevistado se graduou ou pós-graduou; b) do local de atuação, da

população atendida, das necessidades e demandas requeridas, e do nível de assistência

da qual o serviço que o profissional está inserido presta atendimento (atenção básica,

setor ambulatorial, CAPS e hospital psiquiátrico).

� Por fim, é notório o quanto que os psicólogos piauienses não acompanharam o

desenvolvimento de novas práticas em saúde e saúde mental. Por isso que as atuais

escolhas teórico-metodológicas dos psicólogos para atuar no âmbito da saúde mental

têm produzido efeitos bastante limitantes na organização dos processos de trabalho na

perspectiva da atenção psicossocial.

Daí o argumento de que, apesar de ter havido algumas mudanças no perfil da formação

dos psicólogos nos últimos anos, não tivemos alterações significativas com relação ao forte

comprometimento afetivo da profissão com aquilo que a vincula à natureza do seu trabalho

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(Gondim, et. al., 2010). E mesmo com o fortalecimento de uma produção acadêmica e

profissional mais crítica sobre a profissão nas duas últimas décadas, ainda sim percebemos

que a Psicologia, além de ter se fortalecido e se projetado como um saber legítimo e

“cientificamente” adequado, tem se conformado como um campo de práticas essencial à

sociedade, portanto, “intrinsecamente bom, competente, produtor de verdade e libertário, em

qualquer situação que seja utilizado” (Figueira, 1985, p. 10-11).

É nesse sentido que entendemos que não conseguimos ampliar o repertório teórico-

prático que performatizou, ao longo de décadas, o modo de sermos psicólogos que tanto nos

identifica como profissionais bastante comprometidos:

1) Com o manejo fiel e preciso do arsenal teórico-técnico próprio da psicologia (e

demais extratos dos saberes psi: psicanálise e psiquiatria), que tanto qualifica nossa ciência

como um saber autônomo e que se basta na tarefa de alcançar a verdade do/no indivíduo

(Figueira,1978; Duarte, 1980; Dimenstein, 2000);

2) Com a manutenção de determinadas características pessoal-profissional para que se

qualifique o manejo profissional em qualquer espaço de atuação. São elas: atitude acolhedora

e produtora de vínculo, porém reguardada, discreta, com escuta qualificada e capacidade

analítica e compreensiva, respeito quanto à capacidade/desejo/interesse do paciente na direção

que este quer dar ao trabalho, garantir a privacidade das informações e assegurar o sigilo

profissional, etc. (Gondim, et. al., 2010);

3) Com a manutenção de settings predefinidos de trabalho, que propicia as condições

ideais para operarmos nosso instrumental teórico-técnico e explorarmos as características

pessoal-profissional necessárias para conduzimos com competência aquilo que representa a

especificidade e a natureza daquilo que configura o nosso trabalho.

O efeito desse tipo de comprometimento para a profissão e para o serviço, conforme

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observamos por meio das entrevistas realizadas, indica que precisamos avançar com

formações:

1) Que capacitem os psicólogos a realizarem leituras e análises conjunturais a respeito

das necessidades sociais e de saúde da população, bem como sobre a capacidade e os recursos

que as redes de serviços dispõe para operar práticas de cuidado integradas em saúde. Desse

modo as intervenções dos profissionais poderiam ganhar o caráter mais ampliado e

contextualizado, inclusive articulando os recursos disponíveis pelos próprios usuários e

comunidades para o enfrentamento de suas dificuldades. Assim, não se recorre apenas às

estratégias focalizadas no indivíduo e sua vida interna, de forma a psicologizar os problemas

da vida cotidiana, reduzindo-os a “uma especificidade interna particular – de caráter,

personalidade, psiquismo, etc.” (Velho, 1985, p. 171); ou quando não, porém ainda muito

restrita aos problemas de saúde (riscos, doenças, etc.) que passa indivíduos e coletivos (Spink,

2003; Campos & Guarido, 2007).

2) Que confiem aos psicólogos o entendimento que eles podem gozar de determinada

liberdade para operar suas práticas profissionais para além do plano de mero aplicadores de

técnicas e reprodução de modelos prontos de trabalho. Pois, do contrário, nossos profissionais

continuarão a restringir seus recursos teóricos e técnicos, pelo menos na Saúde, somente a

partir da realização da prática psicoterápica, psicodiagnóstica e psicoeducativa. E o pior,

fazendo uso daquelas práticas independentemente da demanda, público, local e condições de

atuação, bem como do nível de assistência (primário, secundário e terciário), sem qualquer

preocupação em gerar conhecimentos e tecnologias à realidade que atuam (Bastos & Achcar,

1994; Dimenstein, 1998, 2000);

3) Que os psicólogos complexifiquem a natureza do seu trabalho e também o seu modo

de ser profissional na Saúde Mental, aumentando assim as possibilidades de intervenção a

partir do paradigma e estratégia de atenção psicossocial (Yasui & Costa-Rosa, 2008).

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Nossa aposta com isso é para que nossa profissão possa ampliar o seu repertório

teórico-prático e o poder de ação profissional no cotidiano dos serviços. E assim, posamos

requalificar o compromisso e o vínculo afetivo-profissional dos psicólogos, ampliando os

elementos constituintes da natureza do nosso trabalho na saúde pública e saúde mental. Isso

sem dúvida poderá contribuir para avançarmos com atuações mais qualificadas no SUS.

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CCAAPPÍÍ TTUULL OO 66

[[mmoovviimmeennttaaççõõeess ppooll ííttiiccoo--pprrooff iissssiioonnaaiiss mmeeiioo aaoo pprroocceessssoo ddee iimmppllaannttaaççããoo ddaa PPooll ííttiiccaa ddee SSaaúúddee

MMeennttaall nnoo EEssttaaddoo]]

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Nesse capítulo pretendemos alcançar os seguintes objetivos:

1. Apresentar os principais aspectos que configuraram as ações da Reforma

Psiquiátrica e efetivação da Política de Saúde Mental no Piauí.

2. Analisar o processo de reforma psiquiátrica local a partir das dimensões técnico-

assistencial, político-jurídico e sociocultural, evidenciando os principais desafios aí

constituídos.

3. Identificar as principais movimentações político-profissionais que integraram as

arenas de luta e constituíram a Política de Saúde Mental no Piauí.

Como forma de alcançar tais objetivos, tomamos a tabela 5 e as figuras 4 e 5 como

ilustrativo da estruturação da rede psicossocial em todo o Estado, e em seguida

apresentaremos as principais questões que envolvem o processo reformista local.

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Tabela 5 Situação da implantação dos CAPS no Estado do Piauí

CAPS I (28) CAPS II (9) CAPS III (1) CAPS ad (4) CAPSi (1)

CADASTRADOSUS (43)

Água Branca (1)

Altos (1) Amarante (1)

Angical do Piauí (1) Barras (1) Batalha (1)

Bom Jesus (1) Buriti dos Lopes (1)

Campo Maior (1) Canto do Buriti (1)

Cocal (1) Guadalupe (1)

José de Freitas (1) Luiz Correia (1) Luzilândia (1)

Miguel Alves (1) Oeiras (1)

Paulistana (1) Pedro II (1) Pio IX (1)

Piracuruca (1) São João do Piauí (1)

São Miguel do Tapuio (1) São Pedro do Piauí (1) Simplício Mendes (1)

União (1) Uruçuí (1)

Valença do Piauí (1)

Teresina (4) Floriano (1) Parnaíba (1) Piripiri (1)

S.R. Nonato (1)

Teresina (1)

Teresina (1) Parnaíba (1)

Picos (1) Piripiri (1)

Teresina (1)

CAPS I (13) CAPS ad (1) CAPS III ad (2)

ELABORAÇÃO DO PROJETO OU ESPERA

DO INCENTIVO

(16)

Anísio de Abreu (1)

Cajazeiras do Piauí (1) Corrente (1)

Elesbão Veloso (1) Esperantina (1)

Francisco Santos (1) Joaquim Pires (1)*

Pimenteiras (1) Porto (1)*

Regeneração (1)* Rio Grande do Piauí (1)

Santa Cruz dos Milagres (1) Simões (1)*

Castelo

do Piauí (1)

Teresina (1)* Parnaíba (1)*

Fonte dos dados: Gerência Estadual de Saúde Mental/SESAPI em dezembro 2010 * CAPS com projetos enviados ao Ministério da Saúde e em espera da liberação do incentivo.

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Figura 4: Cobertura CAPS no Estado do Piauí

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Figura 5. Rede de atenção psicossocial da cidade de Teresina

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6.1 A estrutura da rede de atenção psicossocial implantada em todo o Estado e na

capital.

Conforme visualizado nos mapas do Piauí e de Teresina que abriram esse capítulo,

atualmente contamos com uma rede de atenção psicossocial considerada boa frente a muitos

Estados brasileiros. Somos o 8º Estado em termos de maior população coberta em serviços de

saúde mental, alcançando o patamar de 82% de cobertura CAPS57 (Brasil, 2011). Quadro que

surpreende, considerando que em 2002 estávamos entre os Estados de pior cobertura CAPS

do país, atingindo apenas 3% da população; ou seja, índice maior do que somente aquele

registrado pelos Estados da região norte que não contavam com cobertura CAPS (Brasil,

2003).

O fato de termos nos encontrado dentre os Estados que detinham a pior cobertura CAPS

do país em 2002, foi fruto da força e do poder psiquiátrico que operava (e ainda se faz

presente de certa forma) na condução da Política de Saúde Mental no Piauí. Na verdade,

qualquer ação, estratégia ou plano de saúde mental que se tentava implantar em nosso Estado

até bem pouco tempo, era capturado força psiquiátrica local.

Nesse aspecto, o resultado não poderia ser outro senão a inexistência de serviços extra-

hospitalares no Piauí até o início dos anos 2000 e o pouco interesse dos setores envolvidos na

estruturação de uma rede psicossocial e de base territorial até o ano de 2004. A principal

prova de tudo isso é o fato de que na contramão dos outros Estados que avançaram no

processo de estruturação de sua rede de atenção psicossocial58 o Piauí manteve a valorização

do seu parque manicomial com a oferta de 832 leitos sem qualquer ação territorial até 2003. O

57 O indicador do MS é 01CAPS para cada 100.000 Habitantes. 58 Em 2004, o Brasil contava com 605 CAPS implantados em todo o país, e os gastos com ações extra-hospitalares alcançavam o patamar de 36,16%, enquanto que em 1997 era somente de 6,86%; além disso, houve a redução do parque manicomial de 71.041 leitos em 1997 para 45.814 em 2004, consequentemente a diminuição na taxa de permanência de internação e de reinternação (Brasil, 2005).

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que impressiona é que este fato ocorreu mesmo sob a forte pressão do Ministério da Saúde

(MS) para a diminuição de leitos e a reversão de recursos para as ações de cunho extra-

hospitalar em território piauiense. Contudo, apesar dos inúmeros obstáculos e desafios, logo

foram estruturados os primeiros serviços. Em seguida, caminhou-se a passos rápidos para a

ampliação da cobertura CAPS no Piauí, conforme indica a tabela 5.

Esses esforços resultaram no funcionamento de 43 serviços na rede de atenção

psicossocial de todo o Estado, sendo: 27 CAPS I, 9 CAPS II, 1 CAPS III, 4 CAPS ad, e 1

CAPS i. Teresina, por sua vez, concentra 16,27% dos CAPS anteriormente referidos, e conta

com a rede psicossocial de maior complexidade: 4 CAPS II, 1 CAPS III, 1 CAPS ad, e 1

CAPS i, conforme pode ser visualidade na tabela 5 e na figura 5. Ademais, registramos o

trabalho da Gerência Estadual de Saúde Mental em conjunto com alguns municípios na

elaboração de novos projetos para a criação de outros 14 CAPS (13 CAPSI e 1 CAPSIII ad),

que estão ou em fase de preparação ou em fase do envio de seus projetos para o MS (Piauí,

2010).

Assim, em termos de cobertura CAPS, temos um cenário bastante promissor com a

perspectiva futura de contarmos com o total de 59 serviços e a consolidação da rede

psicossocial no interior do Estado. Isso aponta para um importante movimento de reversão da

rede de serviços que imperava no Piauí até o ano de 2004, em que quase 100% dos serviços

de Saúde Mental do Estado concentravam-se na capital.

Entretanto, não avançamos apenas na cobertura CAPS, mas também na implantação de

outros tipos de serviços, como por exemplo, dois importantes dispositivos da rede de atenção

substitutiva em saúde mental: as Residenciais Terapêuticas, que estão voltadas para a

desinstitucionalização de pacientes psiquiátricos de longa permanência; e, mais recentemente,

os Consultórios de Rua, que são ações de promoção, prevenção e cuidados primários em

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saúde e demais necessidades de pessoas que vivem em situação de rua (crianças, adolescentes

e moradores de rua em geral).

Sobre os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), estes são uma realidade no Piauí,

pois contamos com 04 residências, sendo 03 localizadas em Teresina, e outra na cidade de

União (Piauí, 2010). A Gerência Estadual de Saúde Mental/SESAPI tem como proposta

futura abrir outros dois SRTs, pois no último levantamento realizado no HAA foram

contabilizados 18 pacientes na condição de moradores do hospital (Piauí, 2009).

Sobre o funcionamento dos SRTs no Estado, cada serviço conta atualmente com 06

moradores, totalizando 24. Entre eles, 21 foram contemplados com o Programa de Volta para

Casa (PVC) e os outros são beneficiários do Programa de Benefício de Prestação Continuada

(BPC), garantia da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) (Piauí, 2009). Em termos de

recursos humanos, os SRTs contam com o coordenador do serviço e os cuidadores. Entre os

coordenadores, dois são psicólogos e dois são assistentes sociais. É função dos coordenadores

a supervisão da casa, a orientação técnica dos cuidadores e a realização de ações de suporte

psicossocial ao usuário-morador quando necessário. Sobre os cuidadores, estes são técnicos

de nível médio, sendo cinco profissionais para cada casa que se revezam em duas equipes

com plantões de 12h. Diferente dos perfis dos psicólogos selecionados para atuar nos CAPS

da capital, conforme discutimos no capítulo 4, o critério de seleção desses cuidadores foi pela

sua experiência de vida e disponibilidade no cuidado domiciliar com pessoas vulneráveis. Na

função de cuidadores, esses técnicos têm que diariamente: acompanhar os moradores nos

cuidados pessoais e da casa; atuar na promoção do retorno desses ao convívio social; e

investir no resgate da autonomia e cidadania dos mesmos (Costa, 2008).

Quanto aos Consultórios de Rua, contamos com apenas um serviço implantado na

capital do Estado, voltado para ação afirmativa de cuidado de pessoas em situação de rua,

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especialmente quanto ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Participam da equipe:

assistente social, enfermeiro e redutores de danos (Piauí, 2010).

Sobre a rede hospitalar e/ou de “atenção” à crise em saúde mental do Estado,

identificamos dois hospitais psiquiátricos de grande porte na época da realização desse estudo,

que eram referência para todo o Piauí, e também para algumas cidades do Tocantins,

Maranhão e Pará. Ambos estavam localizados em Teresina, sendo um público – Hospital

Areolino de Abreu (HAA), e outro privado – Sanatório Meduna (SM), que atualmente está

fechado. Entretanto, em 2009, os dois hospitais ofereciam à população 360 leitos

psiquiátricos, sendo 200 pelo SM e 160 pelo HAA (Brasil, 2010).

Sobre o complexo psiquiátrico do HAA, é importante ressaltar que dentro dos muros

desse manicômio ainda funciona um hospital-dia e um ambulatório em psiquiatria. Sendo que

no final de 2010 havia um entendimento de que Hospital-dia “Wilson Freitas” seria fechado,

passando a funcionar naquele local o CAPSIII ad. Mas em função das indefinições quanto à

nova equipe que irá coordenar a Gerência Estadual de Saúde Mental59 este projeto não está

claro, ou perdeu força, sendo que o hospital-dia está sendo revitalizado, pela nova diretoria do

HAA, coordenada pelo presidente da APP, para o pleno funcionamento.

Além disso, contamos com o Hospital-dia da cidade de Picos, com capacidade para 30

leitos; e em Parnaíba (segunda cidade mais importante do Estado), a rede de saúde mental

conta com serviços no setor privado que são financiados pelo SUS, são eles: a) Santa Casa de

Misericórdia de Parnaíba, com 14 leitos de psiquiatria reservados numa ala psiquiátrica que

mais parece com uma enfermaria psiquiátrica em condições muito degradantes; b) Clínica de

Repouso de Parnaíba, com 35 leitos-dia (trata-se de uma clínica estruturada sob os moldes de

um hospital-dia) (Rosa, 2006, 2008).

59 Tivemos conhecimento que no dia 28/04/2011 foi nomeada a nova Gerente de Saúde Mental/SESAPI. Trata-se da psicóloga Alba Valeria Barbosa Leal.

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No tocante aos leitos psiquiátricos em hospital geral, de acordo com informações da

própria Gerência Estadual de Saúde Mental, dispomos atualmente de 30 leitos na capital,

localizados nas Unidades Mistas da Primavera (10), do Buenos Aires (10) e da Santa Maria da

Codipi (10); além de outros 21 leitos distribuídos no interior do Estado: Paulistana (01), Altos

(02), Guadalupe (01), Barras (02), Miguel Alves (04), Angical do Piauí (01), São Pedro do

Piauí (04) e Campo Maior (06). A Gerência Estadual ainda está negociando a implantação de

mais 05 leitos em Batalha (02), Valença (02) e Guadalupe (1) (Piauí, 2010).

Quanto aos ambulatórios de saúde mental, a informação que obtivemos da Gerência

Estadual é que foram mantidos aqueles 14 serviços, referidos anteriormente no capítulo 4,

além de contarmos com uma estrutura para a realização de ações de saúde mental na atenção

básica, que nas cidades do interior pretende-se que sejam incrementadas pelas 59 equipes

NASF60 que atuam em todo o Estado juntamente com os CAPS dessas regiões. Quanto à

capital, as ações da Saúde Mental na atenção básica, que deveriam ser realizadas pelos

centros/unidades de saúde, implantados na década de 1990, com a estruturação de equipes em

saúde mental, estas não acontecem pela forma como esses serviços e suas equipes estão

organizadas; e também por que não contam com qualquer cobertura em termos de ações de

matriciamento dos CAPS de Teresina. Talvez se tivéssemos as equipes NASF implantadas na

capital, poderíamos ter algum reforço quanto à tentativa de se efetivar as ações da saúde

mental na atenção básica.

Na descrição da estrutura da rede de Saúde Mental do Estado, chama atenção dois

aspectos em relação à dimensão assistencial do processo reformista local. Primeiro, trata-se

sobre o processo tardio de implantação da rede de atenção psicossocial do Piauí,

consequentemente de Teresina. A abertura dos primeiros serviços extra-hospitalares e de base

territorial ocorreu somente a partir de 2004. Ou seja, 17 anos depois de implantado o primeiro

60 Informação recuperada no CNES, em maio de 2011.

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Centro de Atenção Psicossocial do Brasil, o CAPS Luís da Rocha Cerqueira (1987) (Rosa,

2006). Além disso, enquanto não avançávamos em nosso processo reformista, o Nordeste

despontava no cenário nacional como a 2ª região do país em número de CAPS implantados.

Logo, entendemos que houve um descompasso entre o processo reformista piauiense e os

avanços da Reforma no âmbito nacional e regional. Pois, apesar da luta antimanicomial ter

despontado na região nordeste na década de 1990, com a realização de eventos, encontros,

congressos, fóruns, e demais atividades de mobilização frente à causa, o Piauí pouco se

movimentou nesse sentido no mesmo período (Rosa, 2006).

Segundo que, logo após a abertura dos primeiros serviços em 2004 mesmo contando

com o significativo atraso na implantação de sua rede de serviços extra-hospitalares, o Piauí

presenciou uma rápida expansão de CAPS nos anos de 2005 e 2006; em contrapartida, houve

um refreamento na implantação de novos serviços nos anos de 2007 e 2008; e não por menos,

a retomada da abertura de novos serviços nos anos de 2009 e 2010, consolidando a rede

psicossocial atual do Estado.

Essa situação instigou-nos a perscrutar sobre os fatores e as forças que estiveram em

jogo para que tivéssemos, até certo período, um processo reformista cheio de protelações e

obstáculos; e noutro, tenhamos avançado de maneira tão dinâmica em termos de abertura de

novos serviços. Aliás, interessa-nos evidenciar os novos percalços, problemas e desafios

surgidos de um processo reformista recente, dinâmico e pouco maduro, mesmo considerando

“certa” solidez de uma rede psicossocial que conta com 82% da população coberta.

Depois de conhecido de que forma a dimensão assistencial do nosso processo de

reforma local está configurada, desdobraremos na seção seguinte na análise das principais

movimentações político-profissionais que integraram as arenas de luta e constituíram a

Política de Saúde Mental no Piauí.

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6.2 As ações e movimentações político-profissionais que caracterizaram o processo

reformista local e efetivação da Política de Saúde Mental no Piauí.

O salto que teve o movimento reformista no Piauí em curto espaço de tempo, ou seja, de

2004 para 2011, não foi um processo simples. Pelo contrário, sua efetivação ocorreu meio a

intensas (e tensas) negociações entre a Gerência Estadual de Saúde Mental/SESAPI e os

gestores municipais. Sendo que esse foi um processo, quase que completamente intermediado

pelo Ministério Público Estadual (MPE-PI), através de sucessivos Termos de Ajustes de

Conduta (TAC) entre o município e o Estado, incluindo responsáveis pelos serviços de Saúde

Mental na capital. Deste processo também participou demais interessados da sociedade civil

organizada (trabalhadores, associações de classe), inclusive usuários, por meio das

associações que os representam.

Nesse aspecto, semelhante ao ocorrido em outras realidades, o movimento de reforma

psiquiátrica no Piauí foi entremeado por posições, embates, conflitos, obstáculos e ações, que

ora facilitou e ora (muito mais) dificultou a mudança do modelo assistencial em saúde mental

no Estado. Apesar de todas as discussões em âmbito nacional e os avanços em relação ao

processo reformista em curso no país, encontramos no Piauí inúmeras limitações que só

começaram a serem transpostas quando o poder psiquiátrico passou a ser confrontado pelo

poder jurídico, representado pelo MPE-PI, a partir de 2004. Se no passado a psiquiatria e o

direito foram cúmplices para garantir o enclausuramento da loucura (Castel, 1979, Foucault,

2002), no presente assistimos, pelo menos em algumas localidades do Brasil, certos

tensionamentos entre essas duas instâncias agregadoras de relações de poder sobre a forma

como o Estado e a sociedade podem conduzir ações de cuidado e garantia de direitos nesse

campo.

No Piauí, por exemplo, a reversão do modelo assistencial em Saúde Mental, pelo menos

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em termos de abertura de serviços, só foi possível com o questionamento frontal, apesar de

muito político, entre os poderes psiquiátrico e jurídico61. A partir daí as ações do MS em

direção ao processo de implantação da rede psicossocial do Estado tiveram maior força,

consequentemente a Gerência Estadual de Saúde Mental mais legitimidade para efetivar as

negociações junto aos municípios para abertura de novos serviços.

A questão é que as primeiras investidas da Gerência Estadual de Saúde Mental, mesmo

respaldada pelo MPE-PI, foram pouco exitosas na capital e bem mais produtivas nos

municípios do interior. Como resultados em Teresina, tivemos apenas a abertura do CAPS ad

em 2004 pelo município, e o credenciamento do CAPS i no SUS em 2005, de

responsabilidade do Estado; enquanto que no interior, tivemos a abertura de sete serviços nos

mesmo período. Tal fato justifica-se por a cultura manicomial62 ter mais força nos locais em

que grandes hospitais psiquiátricos imperaram na região (Dias, Ferigato & Biegas, 2010b).

Por esse aspecto, entendemos o porquê da pouca obstacularização do poder psiquiátrico

na implantação de CAPS no interior do Estado a partir de 2004. Em contrapartida, foi notório

o fortalecimento do poder psiquiátrico na capital, especialmente em torno da manutenção da

centralidade do poder do HAA, que é histórica quanto à tomada de decisão sobre os rumos da

Política de Saúde Mental local e a aplicação dos recursos do setor.

Sobre o avanço da implantação da rede de atenção psicossocial no interior do Estado, é

importante ponderar, rapidamente, alguns fatores que possibilitaram tal empreitada. Primeiro,

61 Nota-se que o questionamento não foi técnico, mas em relação a estruturação da mecânica institucional, que é organizada pelo poder psiquiátrico e que não reconhece os pacientes como sujeitos de direito. Desse modo, a ação do MPE-PI preservou o ato médico dos psiquiatras para não polemizar o processo. 62 Franco Basaglia em seus escritos, bem lembra-nos que mais do que humanizar hospitais, abrir novos serviços de saúde mental investiam em ações extra-hospital, portanto, com foco comunitário, é preciso desconstruir a lógica manicomial encarnada na cultura, na sociedade e nos profissionais inclusive, onde se naturaliza o estigma, a discriminação, a segregação e a violência contra os diferentes (Basaglia, 1979, 1985, 2005). No Brasil, mesmo depois da aprovação da Lei 10.216/2001 e dos avanços do nosso processo de reforma psiquiátrica, ainda se ver o desrespeito do Estado e de determinados gestores, ou mesmo de certos trabalhadores e até da sociedade, algumas vezes, no desprezo das políticas de saúde mental até então estruturadas, fazendo com que portarias e resoluções ministeriais, leis e pactuações de ações em saúde mental nos Estados e municípios retrocedem, ou desvirtuem-se daquilo que objetivam.

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tivemos o próprio contexto histórico de desassistência que os municípios enfrentaram em

relação à necessidade de cuidados e apoio em saúde mental. A única política que foi

implantada no Piauí no campo da Saúde Mental visando à estruturação de uma rede de

cobertura com abrangência por todo o Estado, inclusive de forma regionalizada e

hierarquizada, foi o então PSMC-PI criado em 1983, conforme referimos em capítulos

anteriores. É importante relembrar que a base do trabalho proposto pelas equipes implantadas

do PSMC-PI era muito mais de caráter ambulatorial do que, de fato, de atenção às situações

de crise e urgência psiquiatras, ou mesmo de atendimento aos casos mais graves ou crônicos.

Nestes casos, a saída dos municípios não era outra senão recorrer às tradicionais viagens de

ambulância para a internação dos pacientes nos hospitais psiquiátricos da capital. Evidente

que tal situação ficou ainda mais precária com a desativação do PSMC-PI. Em 1990, as

iniciativas que surgiram foram a implantação de dois hospitais-dia (Picos e Parnaíba), que

deram respostas localizadas a área de abrangência daqueles municípios, ficando os demais

desassistidos.

Em função desse histórico de desassistência regional que imperou no Estado, causado

pela centralização das ações em Saúde Mental na capital, os municípios do interior estiveram

mais abertos ao diálogo com a Gerência Estadual de Saúde Mental para a estruturação da rede

psicossocial.

Como segundo fator havia o próprio fato de que a implantação de CAPS para os

municípios era algo bastante convidativo em termos financeiros, bem como em termos da

visibilidade política que isto poderia suscitar para os gestores municipais. Isso por que residia

aí a possibilidade de entrada de recursos para as prefeituras quando do incentivo para a

abertura e o funcionamento dos serviços pelo MS. Esse foi um argumento bastante utilizado

pela equipe da Gerência Estadual de Saúde Mental da época, como forma de persuasão do

gestor municipal para a implantação dos serviços.

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O terceiro fator refere-se sobre a consolidação da implantação dos CAPS no interior do

Estado, ocorrido com a pactuação realizada em 2005 entre o MPE-PI (juntamente com a

Gerência Estadual de Saúde Mental) e 12 municípios (Teresina, Piripiri, União, Floriano,

Oeiras, Parnaíba, São Raimundo Nonato, Batalha, Altos, Miguel Alves, Uruçuí e Bom Jesus)

para que fosse expandida a rede extra-hospitalar de cuidados em saúde mental. O pacto

também visava o desafio da resolutividade dos serviços que já se encontravam em

funcionamento para que os municípios evitassem o envio de pacientes por ambulâncias para

as longas internações na capital. Realidade que não é vivida só no Piauí, mas em outros

Estados brasileiros, conforme indicam diversos estudos (Fagundes, 2010, Guerra et. al. 2010,

Mondini & Costa-Rosa, 2010; Alvarenga & Garcia, 2009; Luzio & L'Abbate, 2009).

Por fim, é importante ressaltar que aquele trabalho de investida da Gerência Estadual

junto aos municípios foi contemporâneo à saída dos primeiros egressos dos cursos de

psicologia localizados na capital para o mercado profissional. Logo esses profissionais

visualizaram a abertura dos CAPS no interior do Estado como uma oportunidade de emprego.

E, conforme informações da Gerência Estadual de Saúde Mental, muitos psicólogos foram

autores dos projetos dos CAPS do interior do Piauí submetidos à avaliação do MS para sua

posterior implantação.

Esses, portanto, foram os fatores que favoreceram os avanços nas negociações para a

implantação da rede de atenção psicossocial do interior do Estado, resultando assim, pelo

menos, na abertura de 35 CAPS e 01 SRT, conforme registrado na tabela 5, ou então

visualizado na figura 4.

Em relação a Teresina, as investidas quanto à mudança do modelo assistencial e

implantação da rede psicossocial do município contaram com outros fatores, que certamente

sofreram influências do processo de Reforma Psiquiátrica brasileira periodizada por Amarante

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(1995) e Vasconcelos (1999, 2008a, 2008b, 2010)63. Para retratar o processo teresinense,

precisamos explorar as conformações da Política de Saúde Mental tanto na capital quanto no

interior do Estado, ancoradas pelos principais acontecimentos do setor, identificado na

pesquisa documental e memória oral realizada no primeiro momento de entrada no campo.

Entre os muitos acontecimentos registrados, centraremos tal discussão em torno de seis

importantes eventos deflagradores de movimentações político-profissionais em torno dos

aspectos assistencial, jurídico-político e sociopolítico do processo reformista local. São eles:

a) a implantação do Programa de Saúde Mental Comunitária/PSMC-PI, na década de 1980; b)

a implantação do Primeiro Plano de Saúde Mental de Teresina, na década de 1990; c) as

propostas dos projetos de lei Estadual e municipal de Saúde Mental; d) a estruturação da rede

psicossocial em Teresina; e) as movimentações sociopolíticas locais e as etapas municipal e

estadual da IV CNSM; f) o fechamento do Sanatório Meduna.

Nossa intenção em explorar os eventos anteriormente relacionados, mesmo aqueles

referidos em capítulos anteriores, é para dar visibilidade às movimentações político-

profissionais dos atores aí envolvidos, bem como os efeitos disso sobre a dimensão técnico-

assistencial e determinadas participações de nossa categoria profissional na conformação da

Política de Saúde Mental no Estado.

63 Considerando que tal periodização é bastante conhecida na literatura especializada, situaremos apenas suas fases: a) Primeira Grande Fase (1978-1992) – mobilização social e primeiras ações de controle e humanização do sistema hospitalar e asilar; entrada no aparelho de Estado; realização da I Conferência Nacional de Saúde Mental; surgimento do movimento antimanicomial; e primeiras experiências inspiradoras de novas estratégias e serviços; b) Segunda Grande Fase (1992-2001) – II Conferência Nacional de Saúde Mental; implementação da estratégia de desinstitucionalização; implantação dos serviços substitutivos; consolidação do movimento de luta antimanicomial; e impacto do avanço neoliberal; c) Terceira Grande Fase (2001-2010) – III Conferência Nacional de Saúde Mental; aprovação da Lei 2.216; consolidação da hegemonia reformista e da rede de atenção psicossocial; ampliação da agenda política para novos problemas e demandas em saúde mental; d) Fase atual – IV Conferência Nacional de Saúde Mental; articulação com projetos do Ministério da Cultura e demais ações intersetoriais; implantação dos serviços de Consultório de Rua e demais dispositivos de qualificação de equipes e redes de serviços para o enfrentamento do uso abusivo de drogas e do crack, por meio da criação da Escola de Supervisores com atuação em conjunta com os projetos de Supervisão Clínico-Institucional.

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6.2.1 Implantação do Programa de Saúde Mental Comunitária/PSMC-PI

O processo de implantação do Programa de Saúde Mental Comunitário do Piauí foi um

evento que perdurou toda a década de 1980 no Estado e que, portanto, foi concêntrico de

várias mobilizações político-profissionais, notadamente dos psiquiatras. Como já sinalizamos

sobre este programa em capítulos anteriores, inclusive sobre seu objetivo e como se deu,

vamos direto as questões que objetivamos nessa seção.

Primeiro afirmar que ao longo da década de 1980, e mesmo antes disso, ou seja, desde o

início da década de 1940, os psiquiatras piauienses conquistaram paulatinamente seu espaço

junto à classe política e a sociedade piauiense em geral, com ações que resultaram na

estruturação do parque manicomial do Estado. Tais conquistas consolidaram o poder

psiquiátrico e a força dos psiquiatras no Estado ao atenderem de uma só vez tanto ao mandato

social que lhes fora conferido (agentes da ordem e do controle social), quanto à legitimidade

para dizer a verdade sobre a loucura e operar sua terapêutica (Basaglia, 1979; Caponi, 2009).

O crescimento da força dos psiquiatras piauienses ao longo dos anos reforçou de

tamanha ordem o seu poder e a cultura manicomial local, que com o domínio que passaram a

ter sobre a opinião pública em relação às questões relacionadas à loucura e a saúde mental,

bem como assuntos da agenda política local, conquistaram cargos políticos e de gestão em

espaços institucionais. Além de autoridade médica, agora de posse da autoridade política, logo

os psiquiatras trataram não só de fortalecer a estrutura e o parque manicomial do Estado, com

a implantação do PSMC-PI, mas interferir sobre a opinião pública (trabalhadores, familiares e

sociedade em geral), resfriando no âmbito local, todo o debate crítico-político vivido no plano

nacional em relação ao modelo assistencial da época64.

Foi sob este contexto que foi implantado o PSMC-PI, a primeira Política de Saúde

64 Refiro-me aos debates e movimentações políticas do MTSM que configuraram a Primeira Grande Fase da Reforma Psiquiátrica brasileira (Amarante, 1995; Vasconcelos 2008).

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Mental do Estado. Apesar de uma política que se pretendia ampliar os espaços de assistência

psiquiátrica piauiense para além dos muros dos hospitais, portanto, afinada com os interesses

do MTSM no tocante a questão assistencial. Por outro lado, os médicos piauienses

priorizaram o processo ambulatorial em vez de Centros Comunitários de Assistência

Psiquiátrica, como ocorria em muitas localidades do país.

Como efeito, desde o seu nascedouro, aquilo que se denomina de “reforma da

assistência psiquiátrica piauiense” coordenada pela Primeira Política de Saúde Mental do

Estado, ao longo das décadas de 1980 e início de 1990, trata-se de um movimento que

envolveu notadamente os psiquiatras, como também alguns poucos psicólogos, enfermeiros e

assistentes sociais, e ocorreu desimplicada de qualquer questionamento sobre como os

saberes, práticas e posturas profissionais podem operar pela via da normatização e controle

das populações. Ademais, aqueles mesmos trabalhadores estavam por demais implicados

neste processo de efetivação do PSMC-PI com a viabilização e manutenção de estrutura

adequada para a realização competente e autônoma das práticas profissionais, respeitando o

modo como cada saber profissional participava do processo terapêutico dos pacientes.

Ou seja, a partir de uma astuta ação política investida em direção ao Estado, à sociedade

e aos demais trabalhadores da saúde mental piauiense, os psiquiatras utilizaram do recurso do

seu poder e autoridade tanto para proteger o PSMC-PI de qualquer crítica advinda dos

acontecimentos ocorridos no plano nacional, quanto para ganhar legitimidade junto à

sociedade para o exercício do seu poder medical. Daí o motivo dos trabalhadores do setor,

inclusive alguns entrevistados deste estudo, terem dado todo o crédito aos psiquiatras como os

grandes baluartes da Saúde Mental piauiense.

Em resumo, estes foram os entendimentos que tivemos sobre as movimentações

político-profissionais daqueles que atuaram nos hospitais psiquiátricos na década de 1980 e

início da década de 1990. Ao longo das entrevistas e pesquisa documental realizada,

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identificamos que, em função da ação política dos psiquiatras, os demais trabalhadores da

Saúde Mental dessa época viram-se “amputados” de qualquer debate sobre a

desinstitucionalização e luta “Por uma Sociedade sem Manicômios”. Aliás, tais profissionais

tinham o movimento de Reforma como o melhoramento da estrutura hospitalar para o melhor

exercício de seus atos profissionais.

Frases dos profissionais dos hospitais, com exceção daquela que ingressou mais

recentemente no setor por concurso público, retratam como percebem a Reforma: “— nos

fizeram acreditar em uma reforma psiquiatra falida que não deu certo na Itália e nos EUA, e

por que daria aqui?” (E26). Ou do tipo: “— no que os CAPS de hoje diferem do hospital-dia

da década de 1980. Lá também tínhamos equipe multidisciplinar. Não entendo por que

querem mudar o nome e dizer que isso é novo!” (E22). Ou ainda: “— foi com o pessoal da

associação dos psiquiatras que garantimos pelo menos um espaço mais digno, até mesmo

para trabalharmos conforme prevê o exercício ético da profissão: preservar a privacidade do

paciente, né?! Garantir um atendimento continuado, pelo menos até ele aceitar mais o

tratamento?” (E21)

6.2.2 Implantação do Primeiro Plano de Saúde Mental de Teresina

O processo de implantação do Primeiro Plano de Saúde Mental de Teresina foi um

evento que perdurou toda a década de 1990 na capital do Estado. Trata-se de um evento que

também foi concêntrico de várias mobilizações político-profissionais. No entanto, mais uma

vez os psiquiatras foram os grandes articulistas desse período. Como já tratamos deste plano

em capítulos anteriores, vamos direto as questões que objetivamos nessa seção.

A implantação do Plano Municipal ocorreu meio ao processo de “desospitalização

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saneadora” do MS65. Dois grupos políticos locais, aparentemente de lados opostos, mas com

finalidades semelhantes conduziram as movimentações político-profissionais na primeira

metade da década de 1990. O primeiro ligado ao governo do Estado saiu em defesa do

fortalecimento do HAA, inclusive com a ampliação do seu parque manicomial a qualquer

custo. O segundo, sobre influência do grupo que liderou o PSMC-PI no período anterior,

refugiou-se na gestão municipal; este também defendia o HAA, mas queria ampliar os raios

de ação da categoria com a ambulatorização da psiquiatria na capital e interior.

Portanto, é nesse contexto que se implanta a Política Municipal de Saúde Mental na

capital, basicamente com a estruturação dos serviços ambulatoriais, a partir da contratação de

psiquiatras e psicólogos para compor as equipes multiprofissionais66. Além disso, foi

implantado em 1994, sob bastante esforço, um NAPS dirigido para os funcionários do

município com problemas de inadaptação ao trabalho e dependentes de álcool/drogas, mas

logo foi desativado por falta de incentivos, além da baixa procura de atendimentos (Lemos,

Silva, Gesser & Nascimento, 2004).

Em resumo, as ações no âmbito municipal fortaleceram a estratégia de priorizar, além

do setor hospitalar, o nível secundário de atenção (ambulatorial), ratificando as ideias do

PSMC-PI apresentadas na década de 1980. Situação que colocou a Saúde Mental do Piauí na

contramão das ações ocorridas no âmbito nacional nesse período, que era a implantação de

serviços abertos e territoriais tipo CAPS/NAPS por todo o país, além da redução de leitos e

abertura de leitos psiquiátricos em hospitais gerais.

65 A proposta era avançar na redução de leitos com poucos subsídios por parte da União em financiar o avanço na assistência extra-hospitalar; isso ficaria a cargo dos Estados e municípios. Lembramos que trata do período da implantação da política neoliberal no Brasil (Vasconcelos, 2008). 66 Foram estruturadas “equipes” ambulatoriais em saúde mental, composta somente por psiquiatras e psicólogos. Em alguns casos se conseguiu manter a estrutura dos dois profissionais no mesmo serviço (Centro Integrado Lineu Araújo e as Unidades de Saúde do Monte Castelo, Dirceu Arcoverde, Cecy Fortes e Buenos Aires), noutros, permaneceu apenas um médico psiquiatra (Satélite, Parque Piauí, Promorar e Matadouro), conforme referimos no capítulo anterior.

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Por meio dos relatos das entrevistas com os profissionais que ingressaram nesse período

e atuam no setor ambulatório e atenção básica, novamente identificamos a participação dos

psicólogos de maneira reservada e somente interessada em questões relacionadas ao

melhoramento da estrutura dos serviços, hospital ou centros/unidades de saúde, para que

pudessem funcionar de forma a garantir o melhor exercício de seus atos profissionais.

6.2.3 . Propostas dos projetos de Lei Estadual e municipal de Saúde Mental

A Saúde Mental do Piauí é marcada por dois eventos no plano legislativo (um estadual,

outro municipal) no final dos anos de 1990. Portanto, acontecimentos que concentraram

várias mobilizações político-profissionais naquela época. Desta vez, novos atores surgem

meio ao processo, apesar da plasticidade e astúcia que tiveram os profissionais defensores do

hospital psiquiátrico no Estado, notadamente os psiquiatras.

É importante situar que o movimento de “desospitalização saneadora” imposto pelo MS

nesse período põe em exercício a portaria de reclassificação dos hospitais psiquiátricos nos

dois hospitais psiquiátricos, reduzindo os seus leitos: HAA passa de 315 para 280; e o SM de

517 para 300. Esse foi, sem dúvida, um corte financeiro e assistencial drástico para o Estado,

considerando a centralidade hospitalar no modelo vigente. Como tentativa de resolver a crise

no setor, diferente do plano nacional que se investia na abertura de serviços extra-hospitalares

e de base territorial, especialmente CAPS, no Piauí houve o fortalecimento das ações

hospitalares com serviços de semi-internação, através da instalação do Instituto de Psiquiatria

Infanto-Juvenil Dr. Matinelli Cavalca (1997) dentro dos muros do HAA, e a abertura dos

Hospitais-dia de Picos e Parnaíba, cada um com 30 leitos (Rosa, 2000; Passamani, 2005).

No plano jurídico-político, acompanhando as discussões de vários Estados e municípios

que aprovaram leis inspiradas no projeto de Lei Paulo Delgado, no Piauí tenta-se o mesmo

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caminho com a apresentação de um projeto de Lei à Assembleia Legislativa do Estado em

199767. Entretanto, seu relator68 fez com que a discussão do mesmo fosse postergada para ano

legislativo seguinte. Que, novamente postergado, possibilitou o tempo necessário para se

elaborar um substituto, de autoria do médico psiquiatra Alexandre Nogueira69 apresentado à

Casa Legislativa do Estado pelo o Dep. Wilson Martins (PSDB)70 também médico

(Guimarães, Rosa & Carvalho, 2008). A partir desse evento, o plano legislativo passa a ser o

novo espaço de investimento político dos psiquiatras piauienses.

Com esses dois projetos de lei no cenário reformista local, abrem-se novos tempos de

embates e disputas com a realização de eventos no ano 1998 ora proposto pelo Dep. Olavo

Rebelo, ora pelos psiquiatras do HAA ao lado do Dep. Wilson Martins (Guimarães, Rosa &

Carvalho, 2008). Os debates ocorriam em torno dos temas do fechamento/manutenção do

hospital psiquiátrico. A discussão alcançou a participação em massa dos psiquiatras da cidade,

sendo tímida a participação de outros profissionais desse segmento (Rosa, 2004).

Ao final, o debate realizado mostrou a força do poder psiquiátrico que sinalizava para a

manutenção do hospital e ampliação de serviços ambulatoriais e em hospitais gerais. No

entanto, em função da polêmica e dos embates e configuração de forças da ala manicomial

contra os partidários do Dep. Olavo Rebelo, o projeto não mais foi discutido e acabou

esquecido na Assembleia Legislativa do Estado (Guimarães, Rosa & Carvalho, 2008).

No ano de 1999, surge uma nova cena no plano legislativo local, porém sendo no

âmbito municipal. O vereador Anselmo Dias (PCdoB), propõe um projeto de Lei para

Teresina, também sob os moldes do projeto do Dep. Paulo Delgado, em que postula a

67 O projeto foi encaminhado pelo Dep. Estadual Olavo Rebelo (PT). 68 O relator do projeto era o médico e Dep. Kleber Eulálio (PMDB). 69 Psiquiatra e Professor da UFPI, importante articulista em defesa de um processo de reforma psiquiatra com base nas ideias da Associação Psiquiátrica do Piauí, filiada da ABP. Foi autor do PCSM-PI e coordenou sua implantação na década de 1980 e foi coordenador estadual de saúde mental por vários anos, como também diretor do HAA. 70 Wilson Martins/PSB é o atual governador do Estado (2011-2014).

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expansão dos serviços ambulatoriais, bem como a abertura de serviços substitutivos ao

hospital no município (Guimarães, Rosa & Carvalho, 2008). Pela primeira vez, no meio legal,

normativo ou mesmo sociopolítico, a palavra “serviços substitutivos” é pronunciada no Piauí

como alternativa de mudança de modelo da assistência psiquiátrica oferecido na cidade.

Rapidamente os psiquiatras se organizaram e realizaram fortes investidas entre os

profissionais do HAA, propalando que caso o projeto de lei na Câmara fosse aprovado, isso

geraria o fechamento do hospital e comprometeria os empregos de todos os técnicos (Rosa,

2004).

Naturalmente o plenário daquela Casa legislativa ficou cheio de profissionais, apesar da

participação de poucos psicólogos, conforme relato de um dos entrevistados que esteve

naquele momento (E25). Os debates travados circularam em torno dos termos: alternativo

versos complementar versos substitutivo, quanto à função da implantação de serviços extra-

hospitalares que a matéria previa. Além disso, o debate fez ouvir os profissionais de Saúde

Mental presentes no plenário que optaram pela proposta de serviços complementares em

detrimento de serviços substitutivos, por medo da perda dos seus postos de trabalho. Dado a

discussões quase que intermináveis, a vereadora Flora Izabel (PT) alia-se a Anselmo Dias e,

juntos, propõem uma matéria substitutiva, que nos fóruns de discussão ocorridos no ano 2000,

o texto final aprovado (Lei Municipal N°. 2.987 de 17.05.2001) denominou os CAPS de

serviços complementares, como forma de manutenção do hospital e sua hegemonia nas

decisões sobre o rumo da Política de Saúde Mental do Estado (Guimarães, Rosa & Carvalho,

2008).

Esses dois eventos no plano legislativo do Estado e do município chamam atenção pela

plasticidade e astúcia que tiveram os profissionais defensores do hospital psiquiátrico do

Piauí, especialmente os psiquiatras que se anteciparam meio aos acontecimentos,

configurando o processo reformista em curso de acordo com seus interesses. Foi assim no

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início da década de 1980, com as primeiras reivindicações para a implantação do PSMC-PI, e

também por toda a década de 1990 com as movimentações para implantar um tipo de reforma

(que aqui ficou conhecida como reforma da assistência psiquiatra do Estado), a partir da

manutenção do hospital, logo da hegemonia do poder médico.

Quanto aos psicólogos (os poucos que se envolveram), estes assim como os demais

trabalhadores participaram do debate nas Casas Legislativas sem qualquer exposição no

plenário e sem qualquer trânsito sobre o processo reformista que ocorria no plano nacional.

Portanto, desconheciam os debates de base sobre o tema, e logo foram facilmente cooptados

mais uma vez pelos psiquiatras quando a discussão apontou para a possibilidade de perderem

os seus empregos.

6.2.4 Estruturação da rede psicossocial em Teresina

Em função da hegemonia da força e poder psiquiátrico na determinação da Política de

Saúde Mental no Piauí, compreendemos os motivos do significativo atraso da implantação da

rede de atenção psicossocial em todo o Estado. Por outro lado, a hegemonia dos psiquiatras

frente à condução dos debates sobre a Reforma local, provocou o descompasso entre o

movimento local e o nacional, bem como o debate pouco qualificado sobre o tema no Estado.

A maior prova disso foi o entendimento de que o CAPS não é um serviço substitutivo ao

hospital, mas somente complementar. Além disso, chama atenção o fato dos trabalhadores ou

gestores, inclusive os psicólogos, passarem a defender apenas a melhoria das estruturas já

existentes ao invés da abertura de novos serviços.

Nesse sentido, as primeiras experiências reformistas no Estado partiram de dentro do

próprio HAA, mas não no sentido de transformá-lo e sim de fortalecê-lo. Tanto o foi que as

experiências embrionárias de criação dos primeiros serviços “complementares” ocorreram

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dentro do próprio espaço físico do HAA:

a) O CAPS ad funcionou inicialmente no Pavilhão Carlos Araújo (Alcoolismo), após ser

reformado em 2002, mas o serviço não chegou a ser aprovado no MS e cadastrado no SUS

(Nogueira, 2003). Somente em 2004 é que a FMS decide implantar esse serviço no município,

instalando-o no bairro Monte Castelo, como um serviço aberto e de base comunitária.

Entretanto, a lógica manicomial acompanhou este serviço desde o seu nascimento. Com a

implantação da Política de Redução de Danos71 pelo MS, como norteador das ações dos

serviços ADs, por exemplo, houve um tensionamento da equipe do CAPS ad, em função da

“sobreposição de ações contraditórias” ora baseadas na abstinência como princípio de

tratamento, ora na redução de danos como princípio de cuidado (Oliveira, 2011, p. 97). Em

nossas entrevistas com os psicólogos do serviço ficou claro sua posição pela abstinência,

apesar de respeitar as recaídas dos usuários, fazendo com que isso não prejudique sua

participação no serviço.

b) O CAPS i não apenas nasceu de dentro do HAA como funciona no seu mesmo

espaço. O serviço foi aberto inicialmente como Instituto de Psiquiatria Infanto-Juvenil Dr.

Martinelli Cavalca em 1997 e depois transformado em Centro de Atenção Psicossocial - Dr.

Martinelli Cavalca – CAPSi no ano de 2002. Apesar da mudança do nome e de alguns outros

elementos como o seu projeto terapêutico (pelo menos no papel), seu credenciamento no SUS

ocorreu em 2004 (Rosa, Bastos & Costa, 2008). Conforme informações da Gerência Estadual

e dos entrevistados este serviço nunca foi municipalizado, e ainda continua sob a

responsabilidade do Estado. Sendo o HAA responsável por manter o serviço em termos do

provimento da alimentação dos usuários, material administrativo e de consumo, insumos

médicos e recursos humanos. Em suma, um serviço que acaba por reafirmar toda a cultura e

funcionamento da lógica manicomial (Oliveira, 2011).

71 Política pública oficial do MS para lidar com indivíduos dependentes de álcool e outras drogas. O objetivo das ações de proteção, cuidado e auto-cuidado não é abstinência, mas é diminuir os danos relacionados ao consumo dessas substâncias. Consultar sitio do MS para maiores informações.

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c) A Residência Terapêutica também teve início no HAA. Sua implantação foi realizada

no Pavilhão Carlos Araújo (Alcoolismo), funcionou por 08 meses, caracterizando-se como um

laboratório de experiências para selecionar quais pacientes se adaptavam melhor a rotina de

uma casa em situações cotidianas (relacionamento interpessoal, tarefas diárias, rotina

medicamentosa, autocuidado, autonomia, retorno dos passeios, não ingestão de bebidas

alcoólicas) (Moura, 2008). Conforme informações da Gerência Estadual, após a instalação

dos serviços nas localidades em que hoje se encontram, o Estado acabou tendo que assumir a

responsabilidade financeira do provimento do serviço, com exceção da responsabilidade pelos

técnicos que estavam vinculados ao HAA. Em resumo, as respectivas AIHs dos internos não

os acompanharam até o novo serviço, passando a financiar as SRTs, conforme prevê o

normativo ministerial; pelo contrário, continuaram a financiar o HAA, como que

compensando a perda obrigatória de 40 leitos pela saída dos 20 pacientes para as SRTs.

(Oliveira, 2011).

Resumindo, foi assim que estes e os demais serviços “substitutivos” (que na prática são

complementares) foram criados no município. Na verdade, ocorreu depois de várias

negociações entre o MPE-PI e a FMS, por meio do Pacto/2005, para que fossem abertos, fora

o CAPS ad, CAPS i, quatro CAPSII. Em função do descumprimento do Pacto/2005, foram

abertos somente 02CAPSII (Norte e Leste), houve nova negociação entre o MPE-PI e a FMS,

por meio do TAC/2008, para que os outros dois CAPS fossem abertos. Fato que só aconteceu

com o TAC/2009, com a iminência de fechamento do Sanatório Meduna, que, mesmo assim,

foram abertos somente em 2010: 02 CAPSII (Sul e Sudeste) e 01 CAPSIII.

Pelo menos três aspectos chamam atenção em relação ao difícil processo de implantação

da rede psicossocial de Teresina. Primeiro que, mesmo com o surgimento do MPE-PI no

cenário do processo reformista local, não podemos desconsiderar a força do poder psiquiátrico

em torno da manutenção da centralidade do poder do HAA, inclusive quanto à tomada de

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decisão sobre os rumos da Política de Saúde Mental local.

Segundo, chama-nos atenção a habilidade dos psiquiatras piauienses, pois não só

conhecem como também sabem se movimentar com desenvoltura no campo político da

cidade, seja em relação à influência e participação que exercem nos processos decisórios do

setor, seja para ocupar cargos eletivos como vereadores, deputados estaduais e federais. Nessa

mesma linha, chama-nos mais atenção a plasticidade que têm os profissionais defensores do

hospital psiquiátrico do Piauí, em tomarem “a dianteira” dos acontecimentos para modelarem

por qual discurso/concepções/práticas se quer caracterizar o processo reformista em curso no

Estado.

Terceiro, que as ações reformistas no Piauí, diferente de outras experiências no Brasil e

em outros países, não partiram dos tradicionais atores envolvidos com essa causa:

trabalhadores, usuários e familiares (Desviat, 1999; Amarante, 1995). Na verdade, não houve

força política alguma dos trabalhadores e sociedade civil, e muito menos retaguarda política e

institucional no âmbito local para se fazer avançar o nosso processo reformista. Portanto, caso

não fosse o surgimento do MPE-PI como o mais importante ator da reforma psiquiátrica no

Piauí, não teríamos efetivamente avançado na abertura da rede psicossocial no Estado e na

capital.

Entendido, portanto, as questões de fundo que fizeram com que o nosso processo

reformista tenha se constituído como moroso e cheio de obstáculos até meados dos anos 2000

e depois tenha se dinamizado com a estruturação da rede psicossocial do Estado, não podemos

deixar de interrogar sobre os efeitos disso para a própria Política de Saúde Mental local. Neste

caso, quais novos desafios surgiram meio a um processo reformista recente, dinâmico e pouco

maduro, em que grande parte dele foi efetivado por força do MPE-PI e com pouca

participação profissional que fornecesse sustentação técnica, organizativa e política para o

funcionamento dos serviços na perspectiva da atenção psicossocial?

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Ao retornar as entrevistas com os profissionais que participaram do nosso estudo, e com

as conversas que tivemos com os gestores dos serviços e com a Gerência Estadual de Saúde

Mental, observa-se que tanto a “rede” de serviços estruturada na capital quanto no interior do

Estado enfrenta sérios problemas de ordem estrutural para se configurar de fato como

psicossocial.

Primeiro, não conseguimos avançar frente a um modelo de atenção que de fato

substituíssem o hospital. Na prática, os CAPS e as unidades ambulatoriais em saúde mental

e/ou básicas de saúde constituíram-se apenas como serviços complementares ao hospital,

sendo este último representado como referência para a população, demais serviços, inclusive

para os CAPS.

Os entrevistados dos CAPS, por exemplo, foram categóricos quando referiram que a

maioria dos pacientes procura o serviço de forma espontânea, indicado por vizinhos, e relatam

pouca frequência de encaminhamentos de pacientes dos hospitais psiquiátricos para a

continuidade do cuidado pós-crise ou internação. Este fato faz com que a maioria dos usuários

dos CAPS não tenha história de internação, portanto, se estão cronificados é da própria rotina

destes serviços. Por outro lado, os mesmos entrevistados afirmaram que se o paciente entrar

em crise, estes são encaminhados para o HAA, e que algumas vezes, depois da alta, o paciente

acaba não retornando ao CAPS; por outro lado, os profissionais não realizam visitas para

acompanhar esse tipo de caso, considerando apenas a fila de espera do serviço para novos

casos.

Naquela mesma direção dos profissionais dos CAPS, os entrevistados dos hospitais

referiram que depois da alta, os psiquiatras não referenciavam os pacientes aos CAPS, mas ao

ambulatório do próprio hospital. Além disso, os entrevistados dos hospitais relataram como

comum os casos de sucessivas reinternações, exatamente pela falta de continuidade e gestão

de rede de cuidado no território. Quanto à realidade dos ambulatórios e unidades básicas de

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saúde, os entrevistados referiram não receber pacientes dos hospitais ou dos CAPS, mas

somente casos leves, que envolvem inabilidade afetivo-comportamental frente aos momentos

difíceis relacionados a situações de saúde, do trabalho, família, escola, e questões relacionais

ou conjugais, etc.

Neste caso, em vez de uma rede integrada, observam-se três sistemas

(ambulatórios/unidades de saúde, CAPS, hospital) independentes e que não dialogam entre si,

com exceção do internamento de pacientes em crise. Portanto, os serviços não constituem

uma rede de atenção que opera de forma articulada e na perspectiva da continuidade do

cuidado, ou seja, cada serviço realiza suas atividades autonomamente, com pouca articulação

entre os equipamentos urbanos e sociais do município.

Aliás, são serviços que segmentam a demanda, constituindo os ambulatórios e unidades

de saúde como espaços para casos que não apresentam queixas de transtorno mental; os

CAPS com casos considerados graves e moderados, porém compensados; e os hospitais para

os pacientes graves em crise. Neste sentido, observa-se que são serviços sem qualquer

procedimento de regulação da porta de entrada, na finalidade de avaliar queixas e o campo de

necessidades dos pacientes e familiares, para se instituir parâmetros clínicos e institucionais

para ações de cuidado e/ou encaminhamentos a partir de abordagens interdisciplinares e

interprofissionais. Muito menos são ações pactuadas entre os serviços quanto aos fluxos de

atenção e cuidado que estão sendo operadas com os usuários pela rede psicossocial da capital

e/ou do interior (Dias, Araújo, Freitas & Biegas, 2010a).

A questão é completamente outra, na verdade os serviços partem da concepção de que

cada profissional organiza e oferta suas atividades de trabalho de maneira autônoma. Desta

forma os serviços acabam operando com clara tendência a ambulatorização; com resistência

de alguns profissionais (psiquiatras e psicólogos, por exemplo) ao trabalho em grupo e

participação em oficinas terapêuticas; e com extrema dificuldade dos profissionais em geral

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desenvolverem ações no território, portanto, é praticamente inexistente a aproximação com a

Atenção Básica, inclusive com possibilidades de matriciamento da saúde mental junto às

equipes de PSF. Além disso, não se organiza os serviços a partir dos dados epidemiológicos

que ele produz, e muito menos se programa ou se revisa os projetos terapêuticos para operar

ações de cuidado com os pacientes. E menos ainda se realiza assembleias ou outras ações que

possam buscar a autonomia e reinserção social do usuário. Neste caso, trata-se de um modelo

de atenção não muito distante do clássico modelo asilar, para não dizer idêntico, em termos

das concepções, práticas e posturas profissionais aí desenvolvidas.

Em resumo, sobre o processo de implantação da Política de Saúde Mental em Teresina,

percebe-se uma centralidade do HAA nas ações de saúde mental na capital e no Estado, seja

em termos assistencial seja participando dos espaços de decisão da Política local. Se antes a

dificuldade era para implantar a rede psicossocial, hoje fazê-la funcionar a partir do

paradigma e estratégia de atenção psicossocial, como também operá-la para além do campo

sanitário é o grande desafio. E, entre todos, talvez o maior deles refere-se quanto à

conformação da “solidez” do atual processo reformista local, que também é uma realidade

nacional, especialmente por que boa parte dos novos trabalhadores e gestores deste processo

não tiveram contato com a “história e a experiência política e profissional que marcou o

período de mobilização” vivido no plano nacional ou regional, ou mesmo por que

simplesmente não são simpatizantes do processo reformista (Vasconcelos, 2010, p.21). Isso

sem falar da astúcia e movimento que quase sempre tiveram os defensores do hospital

psiquiátrico no Piauí, em tomarem “a dianteira” dos acontecimentos para modelarem por qual

campo discursivo e prático, se quis caracterizar o processo reformista em curso no Estado.

São estes, portanto, os efeitos de um processo reformista recente, dinâmico e pouco

maduro, sem sustentação profissional, organizativa e política para efetivar no âmbito dos

serviços (e em outros espaços da cidade em geral) a perspectiva da desinstitucionalização e

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atenção psicossocial, logo a construção de um novo lugar social para a loucura em Teresina.

Na seção seguinte, discutiremos sobre as movimentações político-profissionais do âmbito

sociopolítico, especificamente sobre a realização da I Conferência de Saúde Mental de

Teresina e a II Conferência Estadual de Saúde Mental.

6.2.5 As movimentações sociopolíticas locais e as etapas municipal e estadual da

IV CNSM

Na literatura especializada sobre o tema, não são poucos os autores que referem que

entre as dimensões epistemológica, técnico-assistencial, jurídico-política e sociocultural da

Reforma Psiquiátrica brasileira, aquela em que menos se avançou foi a última (Bezerra Jr.,

2007; Dimenstein & Liberato, 2008; Vasconcelos, 2010; etc.). E se avançou desde o MTSM

na década de 1980 até a ampliação da agenda política em Saúde Mental na última década

(Vasconcelos, 2010), no plano local as ações ou movimentações político-profissionais em

respeito à dimensão sociopolítica do nosso processo reformista foi bem tímido.

Como já comentamos na seção passada, ao longo de toda a década de 1980 e 1990,

quem comandou qualquer movimentação sociopolítica no campo do processo de Reforma

local foram os psiquiatras. A partir dos anos 2000, surge um novo ator político e que tensiona

um novo arranjo de forças para que se iniciasse de fato o nosso processo reformista na

perspectiva antimanicomial e da afirmação da cidadania dos usuários e familiares. Este ator

foi a Associação de Portadores de Transtorno Mental, Familiares e Pessoas interessadas em

Saúde Mental do Piauí – Âncora72 (Carvalho, 2008).

Após a fundação da Âncora é que se passa a comemorar o “18 de Maio” no Piauí,

72 Além da Âncora, contamos com outras três associações de usuários, localizadas nas cidades de União, Água Branca e Parnaíba, e a entidade “Amigo no Ninho – Rede de Apoio e Suporte em Saúde Mental no Piauí”, localizada em Teresina.

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aflorando assim o ideário da Luta Antimanicomial em 2003, pela primeira vez no Estado

(2003). A partir daí, dá-se início ao movimento de provocar tensionamentos contra a lógica

psiquiátrica de produzir falseamentos e cooptações dos discursos pró-reforma com base na

cultura antimanicomial. Entretanto, mesmo com o surgimento deste importante ator que foi a

Âncora, as reivindicações pautadas não conseguiram agregar aliados, meio a forte cultura

manicomial que impera na capital, para fazer avançar o processo. Isso ficou evidente na

própria realização das etapas municipais e estaduais da III CNSM realizada em 2001. Em

Teresina, por exemplo, apesar das pressões, o gestor municipal, em conjunto com o presidente

da FMS,73 não convocou a etapa da Conferência, apesar de ter havido em Picos e Parnaíba. A

etapa Estadual foi realizada em Teresina, entretanto, as propostas aprovadas na plenária não

saíram do papel até o ano de 2004 quando foi iniciado o processo de implantação da rede

psicossocial do Estado, conforme referimos nas seções anteriores.

Chama-nos atenção, conforme relatos dos entrevistados e demais atores do processo

reformista local, é que os psicólogos e demais profissionais tiveram uma participação

diminuta seja nos serviços, nas mobilizações culturais ou sociopolíticas organizados pela

Âncora. Ocorreu o mesmo na comemoração do “18 de Maio” em 2009 e no evento “Festival

Encontros e Loucuras”, organizado pela Gerência Estadual, em comemoração ao Dia Mundial

da Saúde Mental em 2009, ou seja, presenciamos a pouca participação de profissionais,

especialmente dos psicólogos.

Por outro lado, registra-se a participação sempre crescente de vários estudantes de

diversas áreas nos eventos organizados pela Âncora. Em um levantamento realizado pela

Associação, por meio do estudo de Carvalho (2008), identificou-se uma diminuição da

participação de profissionais e um aumento da participação de estudantes, com destaque para

alunos dos cursos de Psicologia, em maior número (83%), seguidos pelos estudantes de

73 Trata-se do Médico Silvio Mendes, presidente da FMS de Teresina no período de 1993-2004; e Prefeito da cidade, pelo PSDB, no período de 2004-2010, quando perdeu as eleições para o governo do Estado para o candidato do PSB, o também médico Wilson Martins.

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Serviço Social (14,5%) e Enfermagem (5%). Impressiona que essa diminuição da participação

dos profissionais nos eventos da Luta Antimanicomial tenha ocorrido na medida em que

houve o avanço na implantação dos serviços substitutivos no Estado. Dialogando tais

impressões com as movimentações trazidas neste capítulo, percebemos que na medida em que

houve maior politização dos debates, ou seja, avançou-se na discussão sobre o que seriam os

serviços substitutivos e os novos dispositivos em saúde mental, sobre a busca da

cidadanização, participação e controle social, afirmação de direitos, e apropriação de

conceitos e ferramentas de trabalho psicossocial, houve um completo esvaziamento da

participação de profissionais nesses tipos de eventos. Foi exatamente assim que percebemos a

participação dos profissionais da rede de serviços no último evento organizado pela Âncora,

em comemoração ao Dia Mundial da Saúde Mental em 2010, com o “I Encontro de Formação

Política para Usuários e Familiares de Saúde Mental”.

No tocante as movimentações político-profissionais em relação às etapas municipal e

Estadual da IV CNSM realizadas em 2010, vale ressaltar que os serviços da rede psicossocial

da capital não realizaram qualquer mobilização interna com suas equipes, usuários e/ou

familiares, para preparar e qualificar o debate para a participação dos trabalhadores e usuários

em cada etapa. Na prática, o que se observou nas duas etapas, foi de um lado, a participação

tímida dos usuários, fazendo denúncias legítimas, devido aos anos de desrespeito, violência

institucional, tutela e silenciamentos74, de outro, uma participação mais propositiva de certos

trabalhadores historicamente envolvidos com o processo reformista, sendo que os técnicos

dos serviços entrevistados participaram pouquíssimo desse momento.

Na etapa municipal registramos dois psicólogos, vinculadas aos CAPS, que

participaram como mediadores da mesa-redonda, sem trazer qualquer contribuição para o

debate. Além disso, visualizamos outros setes psicólogos, apesar de que apenas dois eram da

74 Tais reclames e denúncias culminaram na etapa municipal da Conferência com uma moção de repúdio direcionada aos profissionais do CAPS ad que tratam mal os usuários daquele serviço.

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rede de serviços (CAPS). Quanto à etapa estadual, um maior número de psicólogos se fez

presente, contamos pelo menos 21 deles, sendo a maioria oriunda dos municípios do interior;

entretanto, quatro deles eram dos serviços da capital.

Ao término do processo, quatro psicólogos saíram delegados para a etapa estadual (dois

como trabalhadores, outro como gestor, outro do segmento intersetorial), e depois, nenhum

deles saiu delegado para a etapa nacional, mas somente dois alunos de psicologia, que vieram

da etapa municipal em Teresina, representando o segmento intersetorial.

Observações importantes: a) não muito diferente da seção anterior, quando da

participação de nossa categoria profissional em ações que naturalmente pedem algum nível de

exposição pessoal-político-profissional na esfera pública e política, nossos colegas psicólogos

não se mostram, não expõem seus posicionamentos; b) não notamos a presença de qualquer

representante do CRP11, ou manifestação do mesmo, por meio de faixas, panfletos ou

cartazes, no apoio para a realização da Conferência, inclusive fazendo menção sobre o fato de

que este processo democrático de afirmação de participação e controle social só foi possível

em resposta do Estado brasileiro ao Movimento da Marcha dos Usuários à Brasília,

organizado pelo Conselho Federal de Psicologia (RENILA); c) também não registramos

qualquer manifestação formal dos cursos de Psicologia da capital no apoio para a realização

da Conferência. Retomamos então as perguntas: os psicólogos sabem se movimentar

politicamente no campo da Reforma? Os psicólogos conseguem atuar no espaço político, na

esfera pública e no debate sobre a questão pública?

6.2.6 Fechamento do Sanatório Meduna

Desde o início dos anos 2000, o Meduna passava por dificuldades na manutenção

financeira de sua capacidade física, administrativa, gerencial, consequentemente na oferta

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mínima de assistência psiquiátrica de qualidade à população. Certamente o impacto da

Política de redução de leitos psiquiátricos do MS, vivido desde meados da década de 1990

naquele hospital obrigou a instituição reduzir seus 517 leitos para 200. Isso foi suficiente para

gerar um colapso na capacidade de funcionamento daquele símbolo da modernidade tanto

estrutural quanto científico da capital do Piauí (Oliveira, 2011). Ademais, os herdeiros do

Psiquiatra Clidenor Santos, idealizador daquela obra, visualizavam os 3.356 metros quadrados

de área construída meio aos 20 hectares arborizados, a possibilidade de venda parcial ou total

daquela grande área para custear dívidas e a partilha para os filhos.

No entanto, em função da insustentabilidade financeira do Meduna, a direção do

hospital decide pelo fechamento ainda no ano de 2009. E, conforme obriga a lei, os

responsáveis por aquele estabelecimento comunicam ao MPE-PI de sua decisão. Ao tomar

conhecimento, o MPE-PI imediatamente toma como providências a realização de inspeções

sanitárias para constar as condições de funcionamento do SM confirmando a precariedade do

funcionamento. Oliveira (2011), por exemplo, que integrou o Grupo de Trabalho75

responsável para conduzir o processo de fechamento do Meduna, descreve o hospital com:

estrutura física deteriorada, aspecto de abandono, camas sem colchões, cheiro de amônia,

banheiros com vazamento, infiltrando para as enfermarias, refeitórios às moscas, enfim,

pacientes abandonados.

Além disso, foram realizadas reuniões e audiências no sentido de mobilizar os gestores

para a garantia da assistência dos 200 internos que ali restavam. Mas a grande questão era em

relação à rede psicossocial da capital que não tinha como dar o suporte necessário àqueles

pacientes. A saída encontrada no primeiro momento foi firmar o primeiro TAC em

75 Coordenada por dois consultores do MS e composta por outros membros, a saber: Promotoria da Saúde do MPE-PI; Representantes da Equipe-gestora da Gerência Estadual de Saúde Mental/SESAPI; Representantes da FMS de Teresina; Representantes do Hospital Areolino de Abreu; Representantes da Comissão Estadual de Direitos Humanos, dentre outros. Esse grupo tinha o objetivo de estruturar estratégias que pudessem garantir o processo de implantação e efetivação da Política de Saúde Mental no Estado, especialmente com a situação do fechamento do Sanatório Meduna.

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23/10/2009 entre Estado e município para: a) garantir o fornecimento de gêneros alimentícios,

medicamentos, materiais médico-hospitalar e de limpeza, colchões, roupas de cama e para os

pacientes; b) realizar uma avaliação situacional e diagnóstica dos pacientes, mais

pormenorizada, para por meio de sua história, identificar as necessidades e os recursos a

serem utilizados em cada caso; c) e no caso com a Direção do Meduna foi firmado o

compromisso do não fechamento até o prazo de 120 dias, conforme previa em lei, além de

garantir ações diárias para manutenção dos cuidados necessários aos pacientes.

Imediatamente foram organizadas audiências públicas ora no MPE-PI, ora na Câmara

dos Vereadores, com a participação do Grupo de Trabalho em Saúde Mental, os proprietários

do hospital, diretores do HAA, representantes da APP, trabalhadores da saúde mental,

representantes da associação de usuários, imprensa, etc.

A partir deste acontecimento “Fechamento do Meduna”, logo a ala dos psiquiatras foi

reanimada, há tempo adormecida, porém muito guarnecida de críticas em relação às tentativas

de mudança para o novo modelo de atenção com estruturação da rede psicossocial do Estado e

da capital. Por meio da APP, os psiquiatras logo mobilizaram outros profissionais sob o

discurso de que estes perderiam seus empregos. E assim, conquistado o apoio dos técnicos,

saíram em defesa do argumento perante a sociedade de que, se houvesse o fechamento do

Meduna, haveria desassistência aos pacientes, portanto, se conviveria com pacientes

abandonados nas ruas, entregues à sorte em seu adoecimento podendo fazer algum mal a si,

ou aos outros.

Apesar do argumento forte e apelativo, apoiado inclusive na força da sua autoridade

medical, a questão é que os proprietários do Meduna não queriam mais mantê-lo funcionando,

mesmo com a proposta de redução de leitos para tentar equalizar alguns dos problemas

colocados anteriormente (Oliveira, 2011). Este, sem dúvida foi um golpe para APP, pois os

psiquiatras não tinham como intervir sobre este âmbito para reverter aquela decisão; como

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também o foi para o gestor municipal, que há duas décadas tratava a saúde mental com

completa revelia quando o assunto era a abertura de novos serviços, mesmo sobre pressão do

MPE-PI.

Enquanto que para o Grupo de Trabalho em Saúde Mental foi uma grande oportunidade

para ampliar a rede psicossocial da capital, pois com argumento semelhante ao dos

psiquiatras, ou seja, da preocupação em não gerar desassistência, porém sobre outros

princípios éticos e políticos, fez uso disso, inclusive meio a opinião daqueles que

acompanhavam o processo, para garantir a abertura de mais serviços substitutivos.

Esgotado os primeiros 60 dias do prazo de 120, foi firmado o segundo TAC

(15/01/2010) entre o Estado, o município e o hospital, após o resultado da avaliação

situacional e diagnóstica dos pacientes. O quadro de necessidades dos pacientes do Meduna

era em sua maioria por história de dependência de álcool e drogas, com intercorrências

clínicas e inabilidades sociais. Ademais era necessário encontrar formas de regular as

internações a partir do próprio HAA, agora o único hospital de grande porte e de referência

em psiquiatria no Estado. A ideia não era evitar as internações e gerar mais desgastes com os

psiquiatras e o seu ato médico, mesmo sabendo que muitas delas eram desnecessárias,

conforme verificou o Grupo de Trabalho. Mas dar o suporte necessário com leitos 72h para

atuar no momento mais crítico da crise, caso a caso, em seguida, garantir a continuidade às

ações de cuidado no território com os serviços substitutivos e leitos integrais em hospital

gerais, evitando assim a prática de longas internações (Oliveira, 2003).

Posto isso, foram firmados os seguintes compromissos entre as partes: manutenção dos

subsídios ao Meduna pelo Estado e município; implantação de um CAPS ad, um CAPS i, um

CAPS III e da Gerência de Saúde Mental da FMS, pelo município; abertura de mais dois

SRT, pelo município, sem descredenciar leitos no HAA; colocar em funcionamento o serviço

de referência álcool e drogas no Hospital do Mocambinho (bairro de Teresina) com 10 leitos

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disponíveis, pelo Estado; abertura de outros 20 leitos em hospitais gerais localizados nos

bairros periféricos do município para pacientes com dependência química, pelo Estado;

instituir enfermaria de atenção à crise no HAA (regulação das internações), pelo Estado; por

fim, abertura de um CAPS ad na cidade de Floriano também pelo Estado.

E os avanços, de fato, ocorreram. A rede psicossocial da capital passou a contar, a partir

de 2009, com mais: dois CAPS II (Sul e Sudeste), desafogando a realidade anterior dos dois

outros CAPSII (Norte e Leste), únicos da cidade até então; um CAPSIII, com funcionamento

dia como CAPSII, e noite e finais de semana com atenção a alguma intercorrência dos

usuários já assistidos pelos CAPSII da cidade; 30 leitos psicossociais em hospitais gerais;

enfermaria 72h de atenção à crise no HAA, composta por psiquiatra, enfermeiro, assistência

social e psicólogo; restando abrir o CAPS i, CAPS ad, duas SRTs, bem como o CAPS ad em

Floriano.

Para Oliveira (2011), isso tudo aconteceu sem qualquer desassistência de usuários e

familiares, e sem que o Sanatório Meduna fizesse falta alguma à construção da rede

psicossocial da capital e do Estado. Como efeitos desse processo, a Gerência Estadual de

Saúde Mental relatou que o Sanatório Meduna ficou restrito a 20 leitos, e em meados de 2010

foi descredenciado do SUS, sendo cancelado o seu cadastro no CNES como hospital

psiquiátrico.

Em resumo, diferente das ações anteriores na efetivação da Política de Saúde Mental no

Piauí, o acontecimento “Fechamento do Meduna” deu visibilidade a novos elementos e

possibilidades claras de avanço meio ao processo reformista local, especialmente no aspecto

assistencial:

a) Primeiro demonstrou que mais do que abrir serviços, o avanço na Reforma

Psiquiátrica brasileira depende centralmente de ações fortalecidas de Gestão da Política.

Nesse aspecto, precisamos junto com o processo de reversão do parque manicomial para o

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psicossocial, reverter também a lógica tradicional de operar os modos de Gestão da Política.

Explico-me: no caso piauiense, os modos de realizar a Gestão da Política de Saúde Mental

não se deram a partir de mesas de pactuações entre os serviços e os órgãos das Secretarias de

Saúde do Estado (SESAPI) e município (FMS); e muito menos de maneira participativa e

compartilhada a partir dos espaços instituintes da micropolítica do cotidiano do trabalho, no

sentido do trabalhador de saúde mental organizar o seu processo produtivo a partir das

necessidades da população e do serviço, bem como em equipe, a produção do cuidado.

Em função do arranjo de forças historicamente instituídas nesse campo no Piauí, apesar

de haver uma Gerência Estadual de Saúde Mental, era de dentro do HAA, a partir do modo de

funcionamento deste serviço e da força que ele tem na capital, que o mesmo acabava

direcionando, a contragosto da Gerência, o modo como a Política se efetiva no Estado. Daí a

estratégia da Gerência, por um lado, partir de forma ativa para a estruturação da “rede”

psicossocial no interior; e por outro, proceder de forma reativa na rede da capital, inclusive,

intercedida completamente pela força do MPE-PI. Mas para, além disso, o acontecimento

“Fechamento do Meduna” demonstrou que é preciso desinstitucionalizar esses espaços

“privatizantes” de gestão e seus modos de proceder em proveito do interesse de alguns

poucos, em vez do bem comum. Portanto, abre-se aí um entendimento de que a gestão se

reinventa no espaço público a partir da negociação, afirmando a diferença, o tateio, a

experimentação, e não o experimento de modelos prontos e concêntricos de relações de poder.

Nesse aspecto, precisamos pactuar ações a partir de “um espaço institucionalizado de

avaliação e reavaliação” (Dias, Araujo, Freitas & Biegas, 2010a, p. 85) permanente sobre os

efeitos e resultados alcançados pari passu, para que seja garantida a noção de rede, focando

não apenas nos seus nós e centros, mas acompanhando, monitorando e regulando seus fluxos

para garantir a gestão do cuidado em saúde mental. Daí a necessidade deste espaço, que no

primeiro momento reclamamos institucionalizado, inclusive para legitimar e garantir que as

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pactuações sejam efetivadas, também permita confrontar-se com o instituinte, produzindo

novas institucionalizações para avançarmos bem mais nesse processo, com a abertura de

novos serviços e dispositivos, a partir do que o campo e cada realidade sinalizam.

b) Segundo, ainda na linha da Gestão, o quanto que se faz necessário também no

processo local implantar redes integradas de atenção e com dispositivos claros de regulação e

corresponsabilização do cuidado, especialmente nos municípios do interior para fortalecer os

rumos da Política de Saúde Mental do Estado (Dias, et. al., 2010a; Fagundes, 2010). A

implantação de um dispositivo como a Enfermaria 72h, com uma equipe implicada com a

proposta, consegue regular o fluxo de internações de tal modo, inclusive com parceiros no

território para dar continuidade às ações de cuidado, que desafogou o HAA com cerca de 50

leitos vagos/mês, redimensionando assim a fatídica e histórica realidade expressa por frases

como “— sem vaga”, ou por situações como os casos do “leito-chão”76 e o fenômeno da

“porta-giratória”77 frequente naquele hospital, conforme os relatos das entrevistas. Além

disso, que se avance na instalação de coletivos gestores e mesas de negociação permanente

com dispositivos de pactuação regionalizada, integrando municípios de pequeno porte aos

polos regionais, com redes mais complexas de atenção psicossocial. E assim, por meio do

acompanhamento supervisionado dos serviços, inclusive com dispositivos de supervisão

clínico-institucional, possa ser incentivado a realização de ações no território de origem e

acesso a uma atenção de maior complexidade, caso seja necessário, num município-polo

próximo dali.

Por outro lado, e já nos encaminhando para a finalização desse capítulo, o

acontecimento “Fechamento do Meduna” e todas as demais arenas de luta que tratamos no

76 Internações acima da capacidade do hospital, cujos efeitos são a falta de vagas nas enfermarias e os internos tendo que dormir ao chão, dividir as refeições e roupas com os demais pacientes, etc. 77 Caracteriza-se pela ausência de continuidade do cuidado de pacientes pós-internação no território, fazendo que retorne ao hospital para sucessivas internações.

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presente capítulo, deram visibilidade a algumas fraturas, algumas já expostas, outras não, no

tocante a conformação da Política de Saúde Mental no Piauí, são elas:

� De fato, é notória a centralidade a força e o poder psiquiátricos na conformação da

Política de Saúde Mental no Estado, apesar das interferências do MPE-PI e do MS no

processo de reforma local. E se antes o desafio era estruturar uma rede de atenção

psicossocial, hoje é fazê-la operar sob tal perspectiva e intersetorialmente.

� Colocar o embate no plano de forças composto pelo poder psiquiátrico (APP), o poder

jurídico (MPE-PI) e o MS, apesar de necessário, considerando a realidade local,

aprofundou a condição da pouca força que a Gerência Estadual já tinha frente à

condução do processo reformista local, exatamente por que encontramo-nos num

movimento sem sustentação político-profissional e participação ativa dos movimentos

sociais. E, apesar do interesse em avançar sobre os principais impasses e desafios

notadamente em termos de organização da rede, seus fluxos e regulação das ações de

cuidado, quando o assunto é a capital, a Gerência Estadual só consegue se movimentar

neste campo sob a sombra da espada do MPE-PI para ter alguma legitimidade meio a

esse processo;

� O completo desinteresse da gestão municipal de Teresina quando o assunto é saúde

mental, que chama atenção o desrespeito da FMS aos Pactos e TACs acordados com o

MPE-PI. A FMS não vem dando nenhum indicativo sobre abertura dos demais

serviços (SRTs, CAPS ad, CAPS i); além disso, não demonstra qualquer interesse em

municipalizar o atual CAPS i, bem como há registros de que a Gerência Municipal de

Saúde Mental, criada por força da TAC/2010, funciona só no papel.

� A retomada das ações da APP, apoiada pelo movimento da ABP no plano nacional,

com investimentos claros para ocupar cargos de gestão e espaço meio aos processos

decisórios sobre os rumos da Política de Saúde Mental do Estado. E é tão verdade que

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ainda em abril de 2010 não havia qualquer indicativo sobre quem iria coordenar a

Gerência Estadual de Saúde Mental.78 No entanto a direção do HAA foi prontamente

composta pelo grupo da APP, desde o início do Governo Wilson Martins em 2011.

� O quanto que os Conselheiros de Saúde não têm qualquer implicação com o ideário da

Reforma Psiquiátrica. Tanto nas plenárias sobre o fechamento do Meduna quanto nas

etapas da IV CNSM, os conselheiros partiram na defesa de propostas vinculadas ao

modelo manicomial, demonstrando que não são parceiros da Luta e estão totalmente

desapropriados sobre o tema e agenda política do processo de Reforma.

� Apesar das dificuldades, a Âncora continua, mesmo que sozinha, no trabalho de

formação política e desenvolvimento cultural dos usuários, a partir do Projeto “Ponto

de Cultura”. Além disso, realiza o trabalho de fundar outras Associações pelo o Estado

(União, Água Branca e Parnaíba) para fortalecer o segmento. No entanto, é preciso

avançar de maneira mais firme interferindo nos espaços decisórios da conformação da

Política local, incluindo as questões pautadas especificamente pelos usuários.

� Clara desarticulação e pouca participação/compreensão dos profissionais piauienses

em relação ao processo de Reforma Psiquiátrica e o movimento de Luta

antimanicomial;

Sobre este último ponto, chama atenção a pouca participação dos psicólogos ao longo

de todo o processo de conformação da Política de Saúde Mental local. É notório o quanto que

a movimentação dos psicólogos nesse campo foi, ou na busca de garantir empregos com

abertura de novos postos de trabalho, quando rapidamente mobilizaram-se para escrever os

projetos dos CAPS do interior do Estado, ou na busca pela manutenção dos seus empregos,

como foi o caso dos embates políticos sobre o processo reformista em Teresina, ou então na

78 Conforme referimos anteriormente, somente no dia 28/04/2011 foi nomeada a nova Gerente de Saúde Mental/SESAPI. Trata-se da psicóloga Alba Valeria Barbosa Leal.

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movimentação por espaços adequados junto aos serviços para o melhor exercício de seus atos

profissionais. Afinal é assim que temos constituído, conforme se propaga no plano nacional, a

Reforma Psiquiátrica como um espaço de participação e compromisso social da profissão?

No próximo capítulo, aprofundaremos esse debate a partir das análises sobre o

movimento e o envolvimento político-profissional dos psicólogos frente aos rumos da Política

de Saúde Mental no Estado, e o diálogo da nossa realidade com os demais contextos no

Brasil.

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CCAAPPÍÍ TTUULL OO 77

[[ooss ppssiiccóóllooggooss ppiiaauuiieennsseess ee ooss rruummooss ddaa PPooll ííttiiccaa ddee SSaaúúddee MMeennttaall nnoo EEssttaaddoo ddoo PPiiaauuíí]]

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Nesse capítulo pretendemos alcançar os seguintes objetivos:

1. Apresentar os principais aspectos que configuram o campo de ação político-

profissional dos psicólogos sobre os rumos da Política de Saúde Mental no

Piauí.

2. Identificar as formas e os efeitos quanto à organização e participação do

Conselho Profissional de Psicologia frente aos rumos da Política de Saúde

Mental.

3. Contribuir para a ampliação do debate sobre a categoria “Político” como um

elemento constituinte do cotidiano profissional e performático do campo de

preocupações teórico-prático e modos de intervir da profissão.

Como forma de alcançar tais objetivos, tomamos os dados da tabela 6 que refere sobre

um mapa-síntese dos principais desafios postos na atualidade sobre os rumos da Política de

Saúde Mental no Estado, e também de como os psicólogos piauienses têm se movimentado

político-profissionalmente nesse campo.

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Tabela 6 Analisadores gerais sobre os principais desafios quanto aos rumos da Política de Saúde Mental no Estado e as ações político-profissionais dos psicólogos piauienses.

Desafios para os rumos da Política Ações político-profissionais dos psicólogos

Dimensão assistencial

1. Apesar da boa cobertura psicossocial

no Estado (82%), percebe-se uma fragilidade técnico-assistencial da Política local. As maiores dificuldades são para estabelecer que: a) os serviços – organizem suas práticas a partir do paradigma e estratégia de atenção psicossocial; b) a rede – organize/regule fluxos de cuidado que garanta a continuidade de ações no território de maneira corresponsabilizada; e c) se avance nas ações intersetoriais pelos serviços, fazendo com que aumente a capacidade de interdependência dos mesmos na coordenação de ações de reinserção social e poder de contratualidade dos usuários/familiares.

2. Efetivar ações de formação

permanente em saúde e saúde mental com direcionamento claro para a transformação das práticas profissionais e da organização do trabalho, tomando como referência as necessidades de saúde no território, da cogestão e do controle social. Trata-se de uma formação que se dá no próprio serviço a partir do trabalho vivo e gestão da micropolítica do trabalho. Fomentar, implementar e fortalecer a Escola de Supervisores e Projetos de Supervisão Clínica-Institucional.

3. O completo desinteresse da FMS com

a Saúde Mental da capital. Apesar do compromisso assumido com o MPE-PI, a FMS não demonstrou qualquer movimentação para abrir mais dois SRTs, um CAPS ad e um CAPS i. Além disso, não demonstra qualquer interesse em municipalizar o atual CAPS i, bem fazer com que a Gerência Municipal de Saúde Mental saia do papel.

4. Outro aspecto é quanto o CAPSIII ad

que seria implantado no lugar do Hospital-dia “Wilson Freitas”. E pela morosidade com que a FMS tem conduzido tal processo, a nova Direção do HAA, sob o comando do presidente da APP, colocou o hospital-dia para

� Nas décadas de 1980 e 1990 as

movimentações político-profissionais dos psicólogos que atuavam na Saúde Mental estiveram implicadas com melhorias para a reforma da estrutura asilar, consequentemente melhoria das condições para o exercício de seus atos profissionais (psicoterapia e psicodiagnóstico).

� No início dos anos 2000, muitos psicólogos recém-formados foram autores dos projetos dos CAPS dos municípios do interior, submetidos à avaliação do MS para sua posterior implantação. Foi a partir dessa estratégia político-profissional que os psicólogos galgaram e conseguiram novos espaços de atuação profissional.

� O modo como os profissionais organizam

suas práticas, manejam saberes e produzem atos de cuidado nos serviços indica que estão ancorados por modelos tradicionais de atuação (ambulatorização do atendimento). Além do mais, os psicólogos organizam e ofertam suas atividades de trabalho de maneira completamente autônoma, ou seja, independente da população, lugar, contexto e tipo de serviço, nível de complexidade do SUS em que está atuando.

� Como os psicólogos ofertam quase sempre

as mesmas atividades nos serviços (psicodiagnóstico e psicoterapia), isso para qualquer campo de necessidade da população-usuária, independente do contexto, os pacientes e os próprios profissionais que os encaminham, já indicam o acompanhamento psicoterápico como recurso de intervenção do psicólogo nesse campo. Fato que reforça ainda mais a cultura profissional dos psicólogos e contribui para que os mesmos não visualizem ou ampliem o poder/capacidade normativa, portanto, sua governabilidade, para se permitir buscar/construir outros campos de saber e possibilidades interventivas que qualifiquem seu campo de ação profissional na Saúde Mental.

� Os psicólogos não atuam na perspectiva de

afirmar o propósito da Política, no sentido de orientarem suas ações sob a atenção psicossocial. Na verdade, eles mantém sua ação profissional ancorada no modo

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funcionar normalmente.

tradicional de ser psicólogo. Como efeitos, os psicólogos piauienses não trabalham com a perspectiva da abstinência, ou redução de danos; atuam somente no plano individual e privado, com pouco espaço para atuações em equipe e com ações interdisciplinares; resistem em desenvolver/participar de oficinas terapêuticas; apresentam dificuldade em ofertar qualquer ação de suporte à crise; e apresentam dificuldade para desenvolver ações no território ou de perspectiva intersetorial; não realizam qualquer ação de produção de participação política dos usuários para lutarem pelos seus direitos e garantias sociais, efetuando assim ações de cidadanização, etc.

Dimensão sociopolítica

1. Sustentar no campo político e

profissional os avanços que foram alcançados com a efetivação da Política de Saúde Mental no Piauí.

2. Resistir à centralidade do poder do

HAA, que é histórica quanto à tomada de decisão sobre os rumos da Política de Saúde Mental local.

3. Resistir à gestão municipal de Teresina

quando o assunto é saúde mental. 4. Dar sustentação política as gestões ou

a quaisquer ações que indiquem empenho em fazer avançar o processo reformista local, e resistir àquelas que tentam paralisar, atravancar ou mesmo desmobilizar os avanços na assistência psicossocial em todo o Estado.

5. Aproximar-se do Conselho de Saúde

para construir pontos de diálogo e apoio na defesa do processo reformista local e sua agenda política.

6. Retomar as articulações com os

trabalhadores do SUS em geral e com os movimentos sociais para fomentar linhas de ação que deem sustentabilidade ao processo reformista local.

7. Fortalecer as ações da Âncora e

demais Associações no Estado na formação política dos usuários e familiares para que avancemos na Luta Antimanicomial no Piauí, logo na

� Nas décadas de 1980 e 1990, observa-se

entre os psicólogos a prática de se posicionar a respeito da Política de Saúde Mental local sem qualquer trânsito sobre o debate Reformista que ocorre no plano nacional. Portanto, demonstraram que não só desconhecem os debates de base sobre o tema, como foram facilmente cooptados mais uma vez pelos psiquiatras quando a discussão apontou para a possibilidade de perderem os seus empregos.

� Quanto ao investimento em ações no plano jurídico-político, os psicólogos participaram, apesar de poucos, do debate nas Casas Legislativas no final dos anos 1990, mas sem qualquer exposição no plenário sobre o que pensam e avaliam sobre esse contexto. Apenas no final da sessão legislativa, os psicólogos endossaram o coro dos profissionais que optaram pela proposta de serviços complementares em detrimento de serviços substitutivos, por medo da perda dos seus postos de trabalho. Não houve qualquer participação do representante local ou regional, da categoria dos psicólogos (CRP11) nesse processo.

� Nos embates ao longo dos anos 2000, os

psicólogos entrevistados e sua categoria em geral, inclusive o CRP11, ficaram alheios a qualquer manifestação pública na defesa do processo reformista local,79 sejam relacionados a dificuldades de abrir os serviços substitutivos em Teresina, seja em dar sustentação política-profissional para Gerência Estadual de Saúde Mental, mesmo nas gestões que foram dirigidas por

79 Ressalva-se apenas uma mobilização realizada em 2003, organizada pela Âncora, quando da manifestação ocorrida na Assembleia Legislativa, com participação de usuários, profissionais e especialmente estudantes de psicologia, no entanto, pouquíssimos psicólogos.

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capacidade de indivíduos e grupos agirem e interferirem nos espaços decisórios, pautando temas específicos dos usuários.

8. Fomentar que as ações de reinserção

social que acontecem nos serviços, especialmente CAPS, incluam o trabalho de formação política dos usuários quanto aos seus direitos tanto individuais quanto sociais e políticos, etc.

9. Fortalecer a presença dos

trabalhadores dos serviços para que além de sujeitos técnicos, também incorporem a função política no seu fazer profissional, aumentando a “solidez” do atual processo reformista local.

10. Resistir às pressões neoliberais na

conformação do SUS, especialmente com ações de privatização e terceirização de serviços e formas de gestão proveniente do setor privado.

psicólogos, na efetivação da Política de Saúde Mental no Estado, seja ainda nos desdobramentos do acontecimento “Fechamento do Meduna”.

� Em suma, os psicólogos estiveram pouco

presente nos eventos e acontecimentos locais de Luta Antimanicomial, além da pouca participação nos debates que lá circularam, com exceção de alguns professores de disciplinas da área.

� Da mesma maneira, poucos psicólogos

estiveram presentes, participaram e se posicionaram nos debates das etapas municipal e estadual da IV CNSM. Sendo que nenhum deles saiu como delegado para a etapa Nacional.

� O CRP11-PI não marcou presença nas

Conferências.

� A categoria dos psicólogos não se coloca como um ator importante que interfere ou que confronta no cenário local do processo de RP.

Para deixar claro como chegamos às questões que foram incluídas no mapa acima, é

preciso retomar os capítulos 2 e 3 sobre o método que orientou a realização deste estudo.

Nesse sentido, expressamos ali a intenção de realizar um estudo não sobre o outro, no caso os

psicólogos, ou sobre algo que os representassem. Mas que se incluísse no nosso campo de

análise tanto os dados “recolhidos” na pesquisa de campo, quanto, minimamente, aquelas

questões que pretendíamos que fossem levantadas pelos próprios entrevistados quando da

ação crítica e problematizadora do seu fazer ao se depararem com o modo como participam os

psicólogos do processo reformista local.

Por esse aspecto, pretendíamos compor um determinado campo de análise que

explorasse além dos elementos que configuram a forma como os psicólogos piauienses se

encontram frente ao processo reformista local, que também fosse incluído o registro sobre os

efeitos do exercício de problematização realizado pelos próprios participantes sobre os modos

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de se perceber, envolver e agir neste campo ao pensarem sobre as questões-geradoras que

apresentamos ao longo das entrevistas.

Nesse sentido, organizamos um mapa-síntese outrora apresentado constituído por uma

dupla-função: a primeira estava relacionada com a identificação dos principais analisadores

históricos, políticos e conjunturais sobre os rumos da Política e os desafios que surgem para

nossa profissão nesse campo na atualidade; a segunda cumpriria a função de fornecer

subsídios para que fosse retirado daí elementos que facultassem seu uso como questões-

geradoras para serem inseridas nas entrevistas e rodas de conversas (informais) realizadas ao

longo da nossa pesquisa de campo.

Decerto que quando realizamos as entrevistas com os participantes não tínhamos

configurado nosso mapa-síntese de forma tão “definida” como a que apresentamos na tabela

6. Somente após termos alcançados os analisadores levantados nos capítulos anteriores é que

constituímos tal mapa daquela forma. Entretanto, na medida em que realizávamos as

entrevistas, introduzíamos alguns elementos problematizadores dos principais acontecimentos

relacionados com a Saúde Mental no Estado (ver tabela 2), ou mesmo de outras entrevistas já

realizadas, para que destacássemos os efeitos que essas perguntas-geradoras provocavam na

forma como os profissionais percebiam as formas de participação de sua categoria nesse

campo.

Assim sendo, é disso então que trata o presente capítulo para que possamos debater

sobre os principais aspectos que configuram o campo de ação político-profissional dos

psicólogos nos espaços da Reforma; isto sem esquecermos-nos de debater sobre a categoria

“Político” em nossa atuação para qualificarmos nossa formação e atuação profissional na

Saúde Mental.

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7.1 Caracterização e interfaces quanto aos desafios da Saúde Mental no plano local e

nacional.

De acordo com os analisadores reunidos no quadro em questão, é fato que a Reforma

Psiquiátrica encontra-se em um estágio que não mais se configura como uma mera proposta

alternativa ao modelo asilar. Isso por que o nível de cobertura da rede psicossocial no Piauí e,

por que não dizer em todo país, avançou de forma significativa na última década80.

No entanto, apesar dos avanços, os desafios são enormes conforme se atesta pelo campo

de necessidades listado nas dimensões assistencial e sociopolítica constantes no mapa-síntese

apresentado no início do capítulo. Além disso, é importante referir que a realidade ali descrita

sobre o processo reformista local não é algo específico do Piauí.

Sobre tais questões apresentadas no mapa-síntese, são muitas as análises que foram

produzidas nas últimas duas décadas, sejam por especialistas, sejam por trabalhadores em

diversas localidades do país que apresentam realidades próximas quanto aos desafios que

enfrentamos da Reforma em nível local. Apesar de estarmos centrados numa realidade

específica, que é a piauiense, estamos engendrados por uma lógica que se expressa pelo

histórico jogo de forças entre os movimentos de defesa do modelo manicomial, garantidor da

força e poder psiquiátrico e os movimentos de resistência em implantar e efetivar um modelo

psicossocial e antimanicomial por todo o país. Daí a necessidade de avançarmos não só na

crítica, mas na proposição de práticas sustentadas pelo paradigma psicossocial e sua estratégia

de atenção psicossocial, principalmente no tocante ao modo de se compreender

conceitualmente, assistir e construir aparatos jurídico-legais necessários nesse campo

(Amarante, 1996; Bezerra, Jr., 2008).

80 No último boletim de saúde mental do MS, registra-se uma cobertura de 66% em saúde mental, com avanços na implantação da rede psicossocial do país e fechamento de leitos psiquiátricos com baixa qualidade assistencial. Fato, por exemplo, comprovado com a inversão do financiamento em ações e programas extra-hospitalares (67,71%), se comparado com os hospitalares (32,29%) (Brasil, 2011).

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Tal quadro impõe ao processo reformista brasileiro, de fato, a característica de

movimento complexo, composto por múltiplos atores, ações, espaços (e também opositores),

que ora se interpenetram, ora se complementam, configurando a Reforma Psiquiátrica como

uma Política de Estado que pretendem imprimir mudanças não apenas de modelo assistencial,

mas paradigmáticos do modo como pensamos o lugar da loucura em nossa sociedade (Yasui,

2010).

Essa realidade torna-se ainda mais crítica quando a “solidez” do movimento reformista

local, que também é uma realidade nacional, pode ser colocada em risco, exatamente, por esse

processo carecer de maior sustentação política-profissional, e da sociedade como um todo, na

luta pela reversão da cultura manicomial que movimenta os mais diversos espaços e

localidades do nosso país.

Se no plano nacional, advoga-se que os psicólogos surgem na última década como uma

categoria que evidencia forte ativismo, articulação, engajamento e compromisso profissional

com a luta pelos direitos humanos e por uma Reforma Psiquiátrica efetivamente

Antimanicomial, o que percebemos no Estado do Piauí foi um movimento em que a profissão

tem se colocado alheia a esse debate, seja na dimensão assistencial, seja sociopolítica, como

consta em nosso mapa-síntese.

Sobre os psicólogos piauienses na Saúde Mental, chama-nos atenção o distanciamento

histórico dos psicólogos piauienses sobre a Reforma e Luta Antimanicomial. Sendo que nas

décadas de 1980 e 1990 os profissionais que se encontravam no Estado estiveram muito mais

preocupados com os seus postos de trabalho e emprego. Além do mais, qualquer debate sobre

o processo reformista local era rapidamente entendido pelos profissionais em geral como

melhoria da estrutura física do hospital para a oferta de uma melhor assistência psiquiátrica.

Nesse aspecto, as movimentações político-profissionais dos psicólogos nesse período foram

em prol da melhoria das condições práticas de trabalho (salas, material psicológico, etc.), com

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vistas ao exercício pleno de seus atos profissionais (psicoterapia e o psicodiagnóstico). No

entanto, seria injusto de nossa parte não referir que nesse meio havia um ou outro profissional

que tentava desenvolver algo na perspectiva do trabalho de grupos com os internos,

realizando ações na perspectiva da produção da autonomia, apesar das dificuldades de

conduzir esse tipo de atividades numa estrutura asilar.

Nos anos 2000, contexto de abertura dos serviços substitutivos e ingresso dos

psicólogos formados no próprio Estado na rede psicossocial de atenção, percebemos que

apesar dos profissionais não desconheceram sobre o debate da reforma psiquiátrica, luta

antimanicomial, legislação e políticas de saúde mental no Brasil, isso não garantiu que os

mesmos organizassem suas práticas, saberes e produzissem atos de cuidado a partir do

paradigma e estratégia de atenção psicossocial. Ou seja, enquanto que no campo discursivo os

psicólogos saiam em defesa do movimento de Reforma Psiquiátrica, no repúdio à violência

institucional e no enfrentamento do estigma, por outro lado, no cotidiano dos serviços, os

mesmo profissionais operavam modelos tradicionais de ambulatorização do atendimento,

deixando de lado: 1) atuações em equipe, como estudos de caso, planejamento de ações e

realização de atividades interdisciplinares com foco no acolhimento81 construção e

monitoramento de projetos terapêuticos; 2) participação em atividades como oficinas

terapêuticas, ou mesmo de geração de renda para potencializar ações de autonomia não só

individual, mas comunitária; 3) dificuldades para desenvolver ações de matriciamento das

equipes da atenção básica e realizar ações no território ou na perspectiva intersetorial; 4) ou

mesmo propor ações de cidadanização na luta e defesa dos direitos dos usuários, etc.

Lembrando que essa dificuldade da profissão em operar sobre a lógica da perspectiva

psicossocial não é um problema apenas localizado da realidade piauiense, é oportuno sinalizar

81 Entendimento não como triagem, ou qualquer outro procedimento que remeta a ideia moral do atender bem, acolher com respeito, com cordialidade; isto é básico naquilo que o serviço obrigatoriamente deve fazer. Acolhimento é entendido como uma postura realizada por todo e qualquer profissional em toda e qualquer situação dentro do serviço que esteja implicada com a ação de acolher as necessidades dos usuários/familiares e produzir múltiplas formas de assisti-la (Rodrigues, 2003).

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que, apesar de algumas reservas, são inúmeros os estudos que problematizam no campo da

Reforma realidades semelhantes ao do Piauí, como no Rio Grande do Sul e do Norte, Minas

Gerais, São Paulo, Paraná, Bahia, etc. Estes estudos retratam que nossa profissão tem

acompanhado com pouca profundidade o debate conceitual e técnico assistencial no campo da

Reforma. Ou seja, são estudos que caracterizam que os psicólogos ou não conseguem avançar

no questionamento radical dos pressupostos teórico e conceituais do campo psiquiátrico-

psicológico e social da loucura, a partir de movimentos de desconstrução/reconstrução de

conceitos fundantes do campo da saúde mental para a definição de novas ferramentas e

estratégias de intervenção mais próximas com a realidade dos novos serviços e necessidades

dos usuários/familiares; ou quando muito fazem conviver os dois modelos asilar e

psicossocial nos modos como atuam e se organizam nos serviços (Alverga & Dimenstein,

2006; Ramminger, 2006; Romagnoli, 2006; Carvalho, et. al., 2009; Honorato & Pinheiro,

2008; Oliveira, 2008; Andrade & Simon, 2009; Sales & Dimenstein, 2009; Ferreira Neto,

2008, 2010a, 2010b; Almeida, Severo & Dimenstein, 2010; Lobosque, 2010).

Portanto, guardado os devidos cuidados com generalizações, entendemos que as

realidades acima descritas não divergem tanto da piauiense, inclusive fazendo jus aqueles

profissionais entrevistados que referiram atuar na perspectiva psicossocial. Contudo, mesmos

aqueles que orientam suas ações a partir da perspectiva psicossocial, que são poucos, ainda o

fazem implicados com a produção de reinserção e autonomia individual.

Neste aspecto, não negamos os avanços dos psicólogos e sua categoria, representada

pelo CFP e RENILA, no campo político-profissional em relação à Reforma Psiquiátrica

brasileira. Porém, com base na realidade que investigamos, bem como dialogando os desafios

do processo reformista local com aqueles que estão postos em outras realidades e no plano

nacional, percebe-se poucas diferenças entre eles. Por isso que entendemos que o forte

ativismo e compromisso profissional evidenciado pelos psicólogos em torno da Reforma e do

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Movimento de Luta Antimanicomial, trata-se de um campo de ação e movimentação político-

profissional que produz avanços no plano macropolítico, mas que não têm equivalência em

termos da transformação de nossas ações profissionais no cotidiano dos serviços, ou seja, na

micropolítica do cotidiano do trabalho.

Esse, portanto, é o primeiro argumento que queremos afirmar na Tese que desejamos

sustentar com este trabalho de doutoramento. Para sustentá-lo, precisamos discorrer sobre

alguns aspectos relacionados ao quarto eixo do nosso plano analítico que trata sobre o modo

como os psicólogos se colocam sobre os rumos da Política de Saúde Mental.

7.2 Modos de enfrentamento dos psicólogos em relação aos desafios atuais da Política

de Saúde Mental

Os desafios colocados na atualidade (tabela 6) em relação à Reforma Psiquiátrica

brasileira, consequentemente, quanto aos rumos da Política de Saúde Mental no Estado, não

são pequenos. Os analisadores levantados ao longo dos capítulos anteriores e indicados no

mapa-síntese do nosso estudo apontam necessidades de avanços tanto na dimensão

assistencial quanto sociopolítica da Reforma. Por outro lado, o modo como os psicólogos e

sua categoria têm considerado tais questões, logo a forma como esses profissionais atuam,

movimentam-se, ou agem político-profissionalmente nesse campo, em ambas as dimensões,

isso, por si só, demonstra que nós psicólogos precisamos operar nessa área para além da

estratégia de apenas afirmarmos no plano macropolítico o novo compromisso social da

profissão.

Nesse caso, entendemos que além de engajarmo-nos no Movimento de Luta

Antimanicomial sob a bandeira de que precisamos avançar para uma rede completamente

psicossocial, pondo fim à história de exclusão e de clausura (e não à memória, pois “lembrar é

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resistir”) dos manicômios no Brasil, precisamos avançar os debates igualmente sobre a

micropolítica do cotidiano do trabalho, especialmente por quais práticas e posturas político-

profissionais temos sustentado, a partir dos serviços, o nosso processo Reformista.

Considerando, portanto, os desafios atuais que enfrentamos no campo, especialmente

quanto à fragilidade técnica e assistencial dos serviços e do funcionamento da rede

psicossocial local para sustentar, na prática, a reversão do modelo em nosso Estado, o nosso

entendimento é que precisamos avançar em outros estratos da luta. Ou seja, além das ações e

mobilizações em conjunto com outros parceiros, lutas e movimentos sociais que buscam o

Estado brasileiro, como também os gestores locais, por mais e mais avanços no setor por meio

da abertura de serviços e novos dispositivos desinstitucionalizantes, é preciso lutar para

garantir mudanças com adoção de práticas e modos de gestão que implementem o paradigma

e a estratégia psicossocial no cotidiano dos serviços.

Nesse aspecto, a crítica posta pelo o primeiro argumento da Tese que queremos afirmar

com a realização deste estudo, é que não dá para operarmos ações político-profissionais no

campo da Reforma e da Luta Antimanicomial somente com investidas no plano

macropolítico, assim como tem realizado o CFP e o RENILA; não dá para operarmos apenas

nesta direção por que precisamos ampliar o entendimento sobre o que estamos a configurar

como “político” no nosso campo profissional. Sendo que esta necessidade ancora-se no fato

de que a Reforma Psiquiátrica brasileira tornou-se característica de movimento complexo,

composto por múltiplas demandas e espaços de ação. Por isso a necessidade para que seja

repensada a categoria “político” entre os psicólogos, especialmente em termos de como a

profissão tem conjugado sua ação política no terreno da Reforma.

Entre as várias concepções sobre o Político presente no campo da Teoria ou da Filosofia

Política, ou mesmo antes de ambas a partir da tradição política, como refere Arendt (2007,

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2008), destacaremos duas delas, a perspectiva Hobbesiana e a Espinosana, para auxiliarmo-

nos no desafio que é pensar Psicologia e Política.

Thomas Hobbes (1588-1679), nas obras De cive e Leviatã, funda sua teoria política a

partir de duas funções para se garantir a ordem e a igualdade entre os indivíduos e nações. São

elas o contrato (consenso originário de todos e de cada um dos indivíduos a ele submetidos) e

a representação (renúncia ao direito/potência que por natureza cada um possui de agir,

transferindo-os para uma única pessoa). Com estas duas operações a perspectiva hobbesiana

advoga em prol de um deus ex machina, ou seja, a partir de alguém que transcende o campo

do conflito, e tem a soberania (potência transferida pelas partes) de oferecer um veredito sobre

o caso. Neste caso, esse grande outro/neutro seria, dependendo do regime político vigente, o

responsável para tal veredito: o soberano, nas monarquias; ou as instâncias/fóruns de decisão

e poder político, constituídos para tal, no caso do Estado democrático de direito. Daí as

instâncias de luta política, no caso do regime democrático, configurarem fundamentalmente o

Estado como palco de ação (Hardt & Negri, 2005).

Baruch de Espinosa (1632-1677), na obra Tratado Político, coloca-se radicalmente

contrário a perspectiva hobbesiana. Para Espinosa (2010), considerado o filósofo maldito, a

solução encontrada por Hobbes para a organização política cria um obstáculo no campo das

liberdades (direito e potência) sejam elas individuais e/ou conjugadas por coletivos, em

termos daquilo que cada um pode, ou não, dizer e fazer sobre algo. Daí a recusa do nosso

filósofo maldito em pensar o direito/potência de alguém sendo negada ou mesmo transferida

para outrem. O fato de, por alguma instância, precisarmos diretamente do outro para oferecer-

nos auxílio ou uma decisão sobre algo conflituoso, ainda assim isto não anula os direitos e as

potências, individuais ou coletivas, colocadas em jogo.

Para Espinosa (2010), uma coisa é certa: independente da relação posta, sempre

participamos. Aqui reside o cerne do seu entendimento sobre o Político tratado a partir da sua

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filosofia da imanência. Daí o mesmo encarar o Político como algo relacional, ou seja, como

esfera em que os direitos/potências, que também são relacionais, portanto interdependentes,

são sempre geradores de configurações.

Neste caso, o próprio Estado também é uma configuração e não pode ser entendido

como algo essencializado como queria Thomas Hobbes, no entendimento espinosano

(Espinosa, 2010). E enquanto tal, em vez de reservar ao outro o direito/potência de dizer e

fazer algo, é preciso compreender qual o jogo das relações postas, que inclusive configuram o

Estado e suas decisões, para entendemos como participamos/constituímos e nos posicionamos

neste cenário, seja para reafirmá-lo ou resistir nos múltiplos espaços de luta aí possíveis, seja

ainda para provocar outros espaços de ação e luta.

Se acompanharmos as duas perspectivas, hobbesiana e a espinosana, apesar de

contrárias uma a outra em seus fundamentos e princípios, ambos os filósofos tratam a Política

como relação, mas com lógicas e efeitos completamente diferentes.

Foi justamente a partir do entendimento da Política como relação, mas por F. Nietzsche

do que por B. Espinosa, que M. Foucault em sua genealogia compreendeu que a Política foi

engendrada na modernidade por dois modos de ação. O primeiro, majoritário, como “conjunto

de instituições e práticas que formam o aparelho de Estado – aparelho que encerra as funções

e os cargos de execução de políticas públicas”, cujo principal efeito é revelar gradientes de

forças que configuram o “político” como um espaço de ação que se realiza no (e a partir do)

Estado e seus aparelhos (Fahri Neto, 2010, p.23). Além disso, a partir do entendimento do

“político” como pertencente ao Estado, também se associou “poder” ao Estado, conformando

qualquer possibilidade de ação política apenas a conquista da “divisão de poder na própria

unidade do Estado” (Fahri Neto, 2010, p.23).

O segundo modo de ação seria o entendimento, que se expressa entre poucos, do

“político” como operação que ocorre em “toda relação de força presente entre grupos sociais e

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entre indivíduos e toda a sociedade” (Fahri Neto, 2010, p. 24). Portanto, uma operação que

percorre gradientes mais microfísico de forças que não se restringem apenas ao Estado como

palco de ação. Ademais, apesar de um operar mais no polo macropolítico e o outro no

micropolítico, ambos estão engendrados por relações de forças, portanto, subsumidas por

poderes e resistências.

Nesse aspecto, tomamos como entendimento para este estudo que o Político é, antes de

tudo, operativo de ações macro e micropolíticas. No entanto, o que se tem demonstrado a

partir das movimentações político-profissionais dos psicólogos frente aos desafios da Saúde

Mental colocados na atualidade, trata-se da priorização de um (a macropolítica) em

detrimento do outro.

Para visualizarmos o entendimento da afirmação acima, convidamos o leitor a

acompanhar duas cenas que representam bem o quanto as movimentações político-

profissionais dos psicólogos no tocante as formas de enfrentamento em meio aos desafios do

processo reformista têm se dado mais significativamente no campo da macropolítica.

Cena 1 – O debate da redefinição do compromisso social da profissão

Ainda na década de 1990 surgiu um movimento entre os psicólogos82 que logo se

capilarizou para toda a categoria, sob o lema de romper com a posição de tradição em nossa

profissão e construir um novo lugar, portanto, um novo espaço para a Psicologia na

sociedade; ou melhor, uma nova relação da Psicologia para com a sociedade83. O referido

82 Trata-se do Movimento “Para cuidar da Profissão”, nascido em 1996 que tem criado linhas de ação para fortalecer a presença do psicólogo na sociedade, por meio do Sistema Conselhos de Psicologia e demais entidades da categoria como, por exemplo, na Associação Brasileira de Ensino de Psicologia - ABEP, União Latino-Americana de Psicologia - ULAPSI, dentre outros. 83 Para cumprir com esse objetivo, o CFP e as demais entidades da profissão realizaram na última década uma série de eventos como: “I Mostra Nacional de Práticas em Psicologia: Profissão e Compromisso Social” (ano 2000) e os “Seminários Nacional de Psicologia e Políticas Públicas” (na sua 7ª versão, que ocorre em conjunto com a programação do CONPSI), como um dos mais importantes fóruns de discussão sobre o compromisso

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movimento tratou de sinalizar por toda a categoria a necessidade dos psicólogos se colocarem

como protagonistas sociais, além de protagonizarem na própria profissão o estreitamento das

parcerias entre Psicologia e o Estado brasileiro. Todo o debate de fundo dessa ação política do

Sistema Conselhos fez crer o quanto os psicólogos são necessários no campo das políticas

públicas, sendo este “um amplo projeto que abarca uma nova relação da psicologia com a

sociedade brasileira” (Bock, 2007, p. 26). No entanto, para que a profissão pudesse avançar

no campo social, era preciso proceder na revisão do seu arcabouço teórico-prático e na

ampliação do campo de ação político-profissional da categoria. Assim o CREPOP vem

tentando cumprir tal função elaborando sistematicamente documentos de referência técnica e

resultados de pesquisas em diversos segmentos de políticas públicas para que se possa tanto

nortear melhor o conjunto dos psicólogos nesses novos cenários de atuação, quanto legitimar

esse profissional ainda mais nesses espaços junto ao Estado.

A questão é que ao direcionarmos o olhar para os problemas e desafios que os

psicólogos enfrentam em relação aos rumos da Política de Saúde Mental no Estado e no país,

com os quais nos defrontamos com este estudo, percebemos que a estratégia ou o debate do

compromisso social do psicólogo usado como um operador político de redefinição da

profissão, apesar de ter passado “de tema a lema” entre os psicólogos na última década, na

opinião de Yamamoto (2007, p. 30), entendemos que não avançou da teoria à prática.

Isso por que apesar das orientações do material técnico produzido pelo CREPOP e

mesmo com os diversos estudos mais críticos-reflexivos e propositivos que têm circulado

sobre a formação do psicólogo, incluindo o debate sobre o manejo de saberes e práticas na

área da saúde mental em diálogo com a desinstitucionalização e atenção e reinserção social,

social da profissão. Foram com esses fóruns que surgiram ideias como o “Banco Social de Serviços em Psicologia” (2003-2005) e, mais recentemente, o Centro de Referência em Psicologia e Políticas Públicas/CREPOP (2006) com a formulação de referências técnicas e político-profissional para os psicólogos no campo das políticas públicas.

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convivemos com uma permanente ação reatualizadora do clássico modelo de atuar e ser

psicólogo, pelo menos na saúde mental, e por que não dizer nas políticas sociais.

Além disso, surpreende perceber que os psicólogos piauienses conhecedores do discurso

sobre a Reforma, relatam não operar com os princípios e bases teórico-prático que sustentam

o movimento da Luta Antimanicomial no cotidiano de suas ações profissionais; ou quando

muito, nos poucos casos que identificamos, evidenciam que operaram por práticas que fazem

conviver paradigmas antagônicos (asilar e psicossocial) a partir do modo como constituem

seus modelos profissionais nos serviços, por exemplo: modelo tradicional nos atendimentos

individuais; práticas referidas como psicossociais nas atividades grupais.

Cena 2 – A inserção do CFP como ator político importante no Movimento da Luta

Antimanicomial

O outro aspecto é em relação ao campo sociopolítico. Em 2001 o CFP cindiu o MNLA

criando uma divisão do Movimento em dois grupos de tendências internas específicas,

gerando dificuldades para articular propostos em comum: RENILA (encabeçada pelo CFP) e

o Movimento da Luta (MNLA).

Contando com a estrutura do Sistema Conselhos, que logo ganhou visibilidade no

campo da Reforma, o movimento liderado pelo RENILA passou a concentrar mais membros,

realizar denúncias de irregularidades no setor, bem como questionar o não cumprimento da

agenda de ações do campo da Reforma (Lobosque, 2001; Vasconcelos, 2007).

A grande questão aí posta é que esse contexto de cisão entre RENILA e MNLA, com a

direcionalidade e força do primeiro ator na condução do Movimento, estremeceu ainda mais o

plano político da Luta Antimanicomial pelo o país. Como saída, a Rede Internúcleos passou

quase toda a década a fortalecer muito mais a participação de trabalhadores na Luta,

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especialmente os psicólogos, em detrimento das organizações de base e associações de

usuários e familiares (Vasconcelos, 2007, 2008).

Somente em 2009, depois de duras críticas direcionadas ao RENILA por esse tipo de

condução da Luta, é que o mesmo direciona suas ações de forma massiva para os usuários, e

organiza, com todo o suporte necessário, a Marcha dos Usuários a Brasília, pressionando o

Estado brasileiro para a realização da IV Conferência (Vasconcelos, 2010). Ação, portanto,

mais que legítima e necessária, e nisso a mobilização em questão tem todos os méritos,

considerando os noves anos da realização da última Conferência de Saúde Mental.

Porém, a questão de base permanece. Ou seja, mesmo o RENILA ampliando o foco de

ação dos profissionais para os usuários, por meio da defesa da participação social no processo

de Reforma em todo o país, percebe-se que a linha de ação política da nossa categoria

continua orientada apenas para a esfera macropolítica.

Nesse aspecto, advogamos que além do Estado como palco de ação, se considerarmos

os desafios que inauguram a década que ora se inicia, torna-se urgente também nos

movimentarmos no campo da micropolítica do cotidiano do trabalho para inclusive

desinstitucionalizarmos práticas e posturas tradicionais que asseguramos muito vivamente em

nossa profissão. Assim, quem sabe, possamos também desinstitucionalizar os clássicos modos

de ser psicólogo nesse campo, que dão, na prática, pouca sustentação técnica-assistencial e

sociopolítica ao processo Reformista, bem como aos desafios aí postos que estarão sempre

por vir nesse campo de luta.

Após a descrição das duas cenas acima referidas, é notório o quanto o projeto de

redefinição do compromisso social da profissão, apesar da força que tem no plano

macropolítico, não consegue avançar com profissionais mais comprometidos, engajados,

implicados com participações político-profissionais no/para os serviços. Na prática, apesar

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dos discursos do Sistema Conselhos que somos uma profissão mais politizada e

compromissada socialmente, percebe-se, portanto, uma reedição da cisão Psicologia e

Política, que tanto reclama Cecília Coimbra (2002) e muitos outros.

Se antes éramos uma profissão que não nos engajávamos de maneira alguma na

dimensão pública (estatal ou não) para reivindicar, reclamar insatisfações, sendo comum os

mais aguerridos, logo serem reconhecidos como militantes e não como psicólogos, hoje

somos uma profissão que já exerce de alguma maneira uma determinada ação política, no

entanto, isso ocorre fora do âmbito técnico quando exercemos nossos atos profissionais nos

serviços.

Mas afinal, como os participantes do nosso estudo perceberam ao longo das entrevistas

e rodas de conversas realizadas tais questões levantadas pelo o nosso mapa-síntese?

7.3 Problematizando os modos como psicólogos configuram seu campo de ação

político-profissional na Saúde Mental

Fora a identificação dos principais analisadores sobre os rumos da Política de Saúde

Mental e os desafios que surgem para nossa profissão apresentados na seção anterior,

produzimos aquele mapa-síntese (tabela 6) na perspectiva que funcionasse também como um

dispositivo de questões-geradoras meio aos momentos de entrevistas e rodas de conversa

(informais), realizadas ao longo da nossa pesquisa de campo.

É fato que quando realizamos as entrevistas com os participantes não tínhamos

configurado ainda nosso mapa-síntese de forma tão “definida”, tampouco tínhamos

constituído as problematizações que apresentamos na seção anterior de mais elaborada.

Entretanto, na medida em que realizávamos as entrevistas/rodas de conversa, incluíamos

diretamente no roteiro de entrevistas ou apresentávamos aos participantes do estudo, alguma

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outra pergunta associada a um determinado evento entre aqueles identificados na tabela 2

(analisadores históricos agregador/resultante de jogos de força e pontos de tensão).

Assim, mais do que buscar representar como os psicólogos atuam e empreendem ações

junto ao campo investigado, estávamos interessados em acompanhar as reflexões que os

participantes pudessem destacar sobre o processo reformista local, incluindo as

movimentações profissionais nesse contexto. Daí o interesse em disparar entre uma entrevista

e outra, aquilo que poderia funcionar como “diálogos” entre os conteúdos das entrevistas, ou

mesmo das colocações dos participantes nas rodas de conversas, a partir das questões-

geradoras ora apresentadas. A ideia era gerar aproximações possíveis entre as percepções e

reflexões, portanto, disparar processos de coletivização de ideias entre as preocupações e

posicionamentos dos mesmos sobre os rumos da Política de Saúde Mental no Estado.

De maneira geral os entrevistados pontuaram como “positivo o ingresso da profissão na

saúde mental, especialmente nos CAPS” (E9). Relataram ser “histórica a luta por melhores

condições de tratamento dos pacientes portadores de transtorno mental” (E3). E que o “Piauí

tinha avançado bastante nesse sentido com os serviços da rede municipal e estadual de

saúde” (E24), pois hoje a “população conta além dos hospitais psiquiátricos, também com

CAPS, com casas para a moradia de pacientes” (E20) e outros serviços mais.

Quanto aos desafios que enfrenta o processo reformista local, os entrevistados referiram

que “apesar dos avanços quanto à abertura dos serviços, os CAPS, por exemplo, trabalham

com áreas muito extensas” (E4), consequentemente, “são responsáveis por uma população

bem acima do esperado para um serviço com finalidades territoriais” (E10)84. Além disso,

identificam como desafio a questão da “falta de integração dos serviços do município e a

84 Na época que realizamos as entrevistas, os outros dois CAPS II (Sudeste e Sul) não tinham sido inaugurados.

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parceria com demais serviços no atendimento de casos psiquiátricos”85. Entretanto, quando o

assunto é a organização da Política de Saúde Mental, ou da rede de serviços, ou mesmo da

organização do próprio serviço, grande parte dos entrevistados relatou que compreende que

isso tudo é de “responsabilidade dos gestores e coordenadores dos serviços”. Sendo que

muitos visualizam que “realizando bem suas atividades nos serviços: atendimentos

individuais e atividades com os grupos psicoeducativos”, assim contribuem para que a

Política avance no Estado em termos de melhor assistir os pacientes.

Sobre a centralidade do HAA na condução histórica do processo reformista local, ou

mesmo da morosidade da FMS quanto à implementação dos serviços no município, os

entrevistados reafirmaram este ser “um problema da gestão e não têm como interferir”. E o

que podem fazer sobre o caso é “realizar com sucesso o acompanhamento dos pacientes nos

serviços para que os pacientes não necessitem buscar o HAA” (E1). Agora, sobre realizar

algo a mais que vá além das ações que já realizam nos serviços, grande parte dos

entrevistados referiu que “isso extrapola sua competência profissional” e “sua capacidade de

trabalho”. Ainda se queixaram da “falta de capacitação para saber lidar com as novidades

que a Saúde Mental impõe para os profissionais no dia-a-dia” (E23), especialmente no

“manejo clínico e terapêutico com pacientes com maior comprometimento psíquico” (E17).

Em relação à participação da categoria dos psicólogos no processo Reformista local ou

quanto à retaguarda do CRP11 para os profissionais que atuam na Saúde Mental, os

entrevistados rechaçam completamente a figura do Conselho Profissional local. Os

entrevistados com maior tempo de serviço na Saúde Mental, ou seja, aqueles que ingressaram

antes do funcionamento dos primeiros cursos de psicologia no Estado, relataram que “estão

completamente desassistidos e abandonados, e que o Conselho só serve para a ‘rapaziada’

nova”, que ficam a “fazer eventos sobre políticas públicas e apresentam poucas propostas”.

85 A partir deste diálogo em diante não identificaremos algumas falas no intuito de preservar suas identidades. Tal medida refere ao fato de que pelas informações constantes nos quadros-síntese dos capítulos anteriores, talvez seja possível algum tipo de identificação.

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Quanto aos profissionais formados mais recentemente, inclusive no próprio Estado, também

reclamaram do CRP quanto a sua “baixa capacidade de articular os psicólogos em torno das

dificuldades e dúvidas na saúde mental”. Depois de muito tempo, tinha havido “uma única

reunião, mas que aconteceu somente uma única vez, em função de uma atividade de

entrevista do CREPOP”.

Por outro lado, na entrevista com os responsáveis pela Seccional local do CRP11, eles

relataram sobre “a dificuldade que têm para atender as diversas demandas hoje da profissão

no Estado”, principalmente por que “são obrigados a atender a agenda anual de eventos e

atividades do calendário do nacional (CFP), restando pouco tempo para atenderem às

necessidades e demandas locais”. Além disso, mencionaram “o pouco conhecimento que tem

sobre o tema, sendo que a primeira atividade que o Conselho oficialmente participou da luta

antimanicomial foi em 2003”, e ainda destacaram uma atividade realizada em conjunto com a

OAB-PI sobre “uma inspeção nos dois hospitais psiquiátricos do Estado em 2004”. Depois

disso o Conselho participou de forma pontual, entre algum evento e outro em relação à Saúde

Mental. A dificuldade de inserir-se nessa discussão foi em função “do perfil das pessoas

vinculadas à Equipe Gestora da Seccional, pois nenhum é ligado ao campo da Saúde Mental,

daí faltou competência, além da própria agenda do nacional ser, às vezes, bastante

sufocante”. Quanto à entrevista com aqueles psicólogos que tem participação nos Conselhos

de Direitos, referiram que “as pautas da Saúde Mental são praticamente inexistentes”, pois a

prioridade é debater a pauta apresentada pela gestão, “e quando surge algo em relação ao

tema, trata-se somente para se aprovar o pedido da gestão para abertura de serviços na

área”.

Da parte da Equipe da Gerência Estadual, ambas entrevistadas relataram “que a luta

para se efetivar o modelo local é intensa e que a medida de forças com os psiquiatras e o

HAA é constante” (E28 e E29). Sobre como percebem a participação da categoria nesse

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processo, disseram que “os psicólogos pouco participam de qualquer discussão sobre a

Saúde Mental no Estado, e vê isso com preocupação”. Expuseram ainda, que “não tem

qualquer retaguarda/apoio dos colegas e/ou do CRP11”. Isso tanto em termos dos

“momentos mais difíceis quando assumiu a coordenação da Gerência e sofreu retaliações e

difamações da ala antirreformista, ou mesmo quando para tentar pactuar mudanças nos

processos de trabalho nos serviços, com algumas pequenas exceções”.

Por fim, sobre como os psicólogos entendem sua participação frente aos desafios e aos

caminhos futuros do processo reformista local, bem como sobre a realidade retratada acima,

os entrevistados relataram que de fato “se trata de uma realidade bem complexa, para não

dizer difícil” (E4 e E15),86 mas que veem “no desenvolvimento no trabalho que já realizam

talvez um avanço, pois garantem que os pacientes possam ser escutados e acompanhados em

suas necessidades quanto ao seu adoecimento”. Talvez a melhor saída fosse “ampliar as

equipes”, “capacitá-las” e “aumentar o número de serviços, por que cada dia aumenta mais

o número de pessoas com problemas psiquiátricos” (E5, E6, E14, e outros). E outro

entrevistado colocou que “precisamos de melhores condições para desenvolver melhor o que

fazemos” (E1).

Não satisfeitos, ainda indagamos, como a profissão iria avançar no campo da Saúde

Mental se a própria profissão refere que trabalha muito pouco com os princípios da Reforma e

da atenção psicossocial no Estado. Alguns poucos responderam demonstrando preocupação

com tal situação, e colocaram que, muitas vezes, “ficava difícil ter posturas diferentes de uma

mesma profissão no mesmo serviço, tipo: uma realiza somente atendimento individual e a

outra realiza isso e trabalho com grupos”. Nessa perspectiva, “era preciso avançar com

capacitações para qualificar o atendimento e a organização dos processos de trabalho da

profissão em cada tipo de serviço” (E15 e E23). Outros, que não foram poucos, num primeiro

86 A partir deste diálogo as respostas que virão a seguir são representativas de várias colocações dos entrevistados que endossaram tal opinião.

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momento simplesmente calaram com a pergunta... Depois expuseram que era “difícil utilizar

outros referenciais quando se estava bastante satisfeito com o seu”. E ainda

complementaram: “— apesar dessa proposta apresentar coisas interessantes e algumas

novidades, não vejo com interesse referenciais em que nos reconhecemos muito pouco como

psicólogos” . Ou respostas do tipo: “ — tenho certa preocupação com referenciais que deixa

em segundo plano a questão do sigilo e a autonomia profissional do psicólogo, pois com tal

proposta de trabalho tenho que fazer tudo em conjunto com outros profissionais”. Houve

também aqueles que responderam com nítida demonstração de incômodo. As respostas mais

representativas foram: “— pouca coisa, pois em termos técnicos estavam fazendo o que

estava ao alcance do que poderia ser feito”. Fora isso, “competiria ao CRP representar a

profissão e abrir uma agenda de reivindicações, junto com outras profissões e também com a

Gestão, para avançar no setor”. E que caso “extrapolassem qualquer ação para além da sua

responsabilidade técnica, deixariam de ser técnicos e passariam a fazer qualquer outra coisa

que não fosse praticar a psicologia”.

Quanto ao fato de terem participado pouco, bem como de maneira propositiva meio aos

espaços de mobilização sociopolítica do processo reformista, alguns entrevistados já irritados

referiram o seguinte: “— para quê? E o que me acrescentaria no desenvolvimento do meu

trabalho?”. Referiram ainda que o importante “é como fazemos para que os pacientes lidem

com o seu sofrimento, com suas famílias e com a sociedade em geral”. E “quanto a

participar desses movimentos, deixo para aqueles que gostam de participar disso”.

Entre as diversas questões que podem ser levantadas pelas falas apresentadas acima,

podemos reuni-las de uma determinada forma para corroborar com as problematizações sobre

os desafios colocados na atualidade em relação aos rumos da Política de Saúde Mental no

Estado, ou de outra, para ampliar a discussão sobre os modos de enfrentamento dos

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psicólogos quanto aos desafios aí propostos. No entanto, não nos prenderemos numa ou

noutra linha de questões. Mas, apenas, destacaremos aspectos mais gerais que podem nos

ajudar a pensar tanto sobre como os psicólogos configuram seu campo de ação político-

profissional na Saúde Mental, quanto situar sobre a maneira que eles percebem sua

participação no processo reformista local.

Sobre o primeiro aspecto, chama atenção que os conteúdos das falas mostram uma

completa fragmentação ou dispersão de olhares/posturas que fundamentam o campo de ação

profissional dos entrevistados sobre o contexto em que se situam. Por isso, talvez, não esteja

claro nem mesmo para os entrevistados quais seriam os desafios postos na atualidade quanto

aos rumos da Política de Saúde Mental no Estado. Adicionado a isso, ainda há, de um lado, o

discurso da queixa, da responsabilização do outro e da desresponsabilização de si pelos

problemas enfrentados na Saúde Mental. Do outro lado, constata-se que existe um olhar

pouco problematizador quanto àquilo que os profissionais consideram (ou apercebem-se) que

podem ou não fazer nesse campo, no sentido de encontrar saídas, ou desenvolver outras

formas de enfrentamento para a sustentação do processo reformista local.

Sobre o segundo aspecto, apesar das referências de compromisso e de sua ética com a

Saúde Mental, é nítido o quanto a maioria dos entrevistados está bem mais comprometida

com o campo tradicional de ação profissional da psicologia, do que com modos de atuação

que dê sustentação a Política e os seus desafios. E o que isso significa? Que são profissionais

comprometidos e éticos, inclusive com fortes vínculos afetivo-profissionais com o que fazem,

porém, implicados com um fazer que o identifique com um modo de ser psicólogo,

determinado por campo de especialismo de tal especificidade dentro do seu campo de

competência (e por que não dizer potência em termos do que é capaz de fazer/propor), que

pouco permite ser ampliado ou colocado sobre outras bases e princípios éticos-políticos.

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Além do mais, qualquer ação desempenhada pelos entrevistados em termos de suas

movimentações profissionais nos serviços, que minimamente poderíamos chamar de

“política”, ela apenas ocorreria se fosse para garantir as condições necessárias para facilitar e

transpor as barreiras que dificultam a realização dos atos que definem os modos de atuar e ser

profissional na forma como aqueles técnicos têm definido para si o que é ser psicólogo.

Talvez aqui residam duas questões de fundo importantíssimas para ajudar a

respondermos ou recolocarmos nossas indagações/compreensões de pesquisa, inclusive em

relação àquilo que estaríamos a chamar de ação política na profissão. Tomaremos tais

questões como o segundo e o terceiro argumento da Tese que queremos afirmar neste trabalho

de doutoramento.

A primeira, diz respeito, com o que, de fato, os psicólogos estão comprometidos e

implicados em seu fazer profissional ao atuarem na Saúde Mental. Pela gama de dados

trabalhados na pesquisa de campo ora realizada, percebe-se que os entrevistados estão

comprometidos muito mais com o funcionamento do modus operandi clássico da profissão,

do que com o campo de necessidades dos usuários (sendo este pensado para além do seu

adoecimento ou situação de sofrimento psíquico), ou mesmo com os desafios da Política.

Tal levantamento, porém, não se trata de nenhuma novidade entre os pesquisadores

sobre o tema, pois refere sobre uma realidade já discutida por Dimenstein (2001) no estudo

realizado há exatos dez anos quando comparou as práticas e concepções profissionais entre os

psicólogos piauienses e norte-rio-grandenses no contexto da saúde coletiva. Ali, a autora já

identificava que os psicólogos de ambas as localidades estavam bem mais implicados com sua

“especificidade profissional”, ou seja, com aquilo que os diferenciava e evidenciava relativo

poder profissional sobre outras categorias, como: total autonomia (leia-se independência) para

organizar e exercer suas atividades nos serviços; constituir sua agenda de trabalho; delimitar o

público e a quantidade de pacientes atendidos; acumular empregos; e exercer os atendimentos

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individualizados/psicoterápicos sem qualquer interferência de outrem no seu fazer

profissional, etc (Dimenstein, 2001, p. 61)87.

Porém, a principal questão não é o fato de termos identificado a mesma realidade do

estudo de Dimenstein (2001). Não que esta sobreposição de realidades não seja importante;

pelo contrário, no mínimo, indica questões a serem consideradas sobre uma formação que não

se renovou, portanto, trata-se de uma semelhança que perfila como um importante analisador

da formação dos psicólogos piauienses (e de todo o país) para a saúde mental e saúde coletiva

na atualidade.

O que de fato chamou-nos atenção nessa coincidência de realidades, é que ao longo

desses dez anos, mesmo meio ao forte e tão propalado discurso de redefinição do

compromisso social da profissão, é significativa a distância que existe entre discurso e prática

profissional. Sendo que isso fica mais evidente ainda quando migramos do polo da

macropolítica, em que ocorrem os investimentos de ações da categoria sobre o Estado

brasileiro, para o da micropolítica do cotidiano do trabalho. Ou seja, o forte ativismo,

protagonismo e compromisso profissional com a luta pelos direitos humanos e por uma

Reforma Psiquiátrica efetivamente Antimanicomial de que falávamos na seção anterior, trata-

se de um campo de ação e movimentação político-profissional que, apesar de produzir

avanços no plano macropolítico com a conquista de mais espaços para os psicólogos atuarem

nos aparelhos do Estado, tal estratégia acaba tendo pouca efetividade quanto à transformação

de nossas ações profissionais no cotidiano dos serviços.

Não há dúvida que o resultado desse tipo de investimento no plano macropolítico

fortalece a profissão, que avança de forma impressionante nas diversas políticas públicas que

conformam o Estado brasileiro. Na Saúde Mental, por exemplo, além dos CAPS e suas

diversas modalidades de serviços (tipo I, II e III, Álcool e Drogas, Infantil), SRT e NASF

87 Depois desse estudo, outros realizados em outras localidades no Brasil também identificaram tal operação.

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(tipo I e II), os psicólogos contam ainda com a possibilidade efetiva de atuar nos novos

serviços que foram criados no final do ano passado em função da política de enfrentamento do

uso abusivo de drogas e do crack: CAPS III ad, NASF III, Consultórios de Rua e Casas de

Acolhimento Transitório (CAT) I, II e Infanto-Juvenil 88. Por outro lado, apesar do progresso

quanto à estruturação da rede psicossocial em todo o país com a abertura de diversos serviços,

que avanços no campo das práticas estão sendo realizados pela profissão para sustentar uma

atuação qualificada e comprometida com os objetivos, os princípios e os desafios da Política

de Saúde Mental?

Recorrendo à realidade descrita no mapa-síntese apresentado pela tabela 6 e as falas

constantes no início desta seção, é nítido o descompasso entre os desafios propostos pela

Política de Saúde Mental e os modos de atuar dos psicólogos para dar a devida sustentação

técnica e política para o referido processo. Com base nisso, perguntamo-nos: como podemos

avançar com a ideia de compromisso social da profissão se no plano micropolítico a questão

que se coloca é o total comprometimento e implicação dos profissionais com o modo

tradicional de ser psicólogo?

Neste caso, a questão de fundo a que queríamos chegar não era simplesmente contrapor

o campo discursivo do compromisso social com o campo prático do comprometimento

profissional, apesar de ser importante. Mas dar visibilidade ao fato de que a ação política dos

psicólogos tem sido constituída muito mais pela ideia do comprometer-se profissionalmente, e

isso inclui a manutenção/atualização do forte vínculo afetivo-profissional com um

determinado modo de ser psicólogo na profissão.

88 São dispositivos que permitem abrigamento temporário, acolhimento e proteção social, com o desenvolvimento de projetos terapêuticos individualizados, porém articulados em rede com os CAPS e os serviços da atenção básica em saúde, além de parceiros intersetoriais. Constituem-se em três modalidades: CAT I (até 10 leitos), CAT II (até 20 leitos) e CAT infanto-juvenil (para crianças e adolescentes; até 12 leitos) (Brasil, 2010). Em Teresina, no início do corrente ano, foi inaugurado o CAT infanto-juvenil e o Consultório de Rua de responsabilidade da Secretaria Municipal do Trabalho Cidadania e de Assistência Social (SEMTCAS), pois a FMS não se interessou em viabilizar a abertura do serviço.

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Dito isso, a segunda questão de fundo para ajudar a respondermos ou recolocarmos

nossas indagações/compreensões de pesquisa, provocou, na verdade, um giro no

entendimento do que estaríamos a chamar de ação política na profissão. Da maneira como

tratamos o tema na seção anterior, conformávamos a ideia de que, como os entrevistados se

colocavam que alheios aos desafios da Política de Saúde Mental, tanto em sua dimensão

assistencial quanto sociopolítica. Além disso, identificarmos que estavam muito mais

preocupados e comprometidos com a manutenção dos seus postos de trabalho, empregos ou

com as condições para o exercício pleno de suas práticas e atos profissionais, mesmo

conhecendo todo o debate da Reforma Psiquiátrica, o entendimento seria que esses

profissionais não participam ou não realizam ações político-profissionais frente aos rumos da

Política local.

Assim estaríamos a reproduzir a ideia de que a Política seria uma operação apenas

orientada para o Estado como palco de ação, e não como uma operação que percorre

gradientes mais microfísico de forças, também subsumidas por poderes e resistências. Neste

caso, encontrávamo-nos igualmente presos em nossas análises sobre o entendimento

hegemônico de que a ação política requer sempre participação coletiva, ou seja, idéia de

unidade, e enquanto tal precisa ser dirigida a alguém, normalmente ao Estado, no sentido de

atender a uma, ou a um conjunto de reivindicações determinadas (Farhi Neto, 2010).

Pela perspectiva acima, de fato, não identificamos qualquer movimentação ou

participação política dos entrevistados, seja por meio dos serviços, seja orientado pelos

movimentos sociais, seja ainda articulado pelo seu Conselho Profissional, no sentido de

realizar ações, minimamente, coletivas, com ideia de unidade, que refletissem em queixas,

descontentamentos, ou mesmo reivindicações para o setor.

Aliás, sob tal viés, é possível afirmar que ao longo da história de efetivação da Política

de Saúde Mental no Estado, os psicólogos piauienses, diferentes dos psiquiatras, por exemplo,

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nunca realizaram qualquer ação coletiva que caracterizasse uma ação política para lutar e

reivindicar melhorias para o setor ou mesmo para os interesses específicos da sua categoria.

Todas as participações dos psicólogos piauienses, ou foram na carona de outras

movimentações, como por exemplo, dos psiquiatras ao longo das décadas de 1980 e 1990, ou

com ações individuais, em decorrência da época em que muitos colegas foram autores de

projetos dos CAPS implantados no interior do Piauí.

Entretanto, ao acompanharmos as repostas dos entrevistados no início desta seção sobre

o modo como compreendem sua participação no processo Reformista local, bem como se

colocam frente aos desafios e aos rumos da Política de Saúde Mental no Estado, entendemos

aquelas práticas e posturas, outrora relatadas, como também uma forma dos psicólogos

participarem ou fazerem-se presentes neste campo de luta. Portanto, participar não se

envolvendo diretamente com os problemas e desafios aí postos, porém, atuar comprometido e

completamente vinculado afetivo-profissionalmente com o modus operandi clássico da

profissão e com aquilo que é definidor do modo de sermos psicólogos, isto, por certo, também

se caracteriza como uma forma de participar e agir politicamente da categoria.

Nesse sentido, surpreende perceber que nem mesmo quando os psicólogos precisam

agir, eles conseguem (ou se permitem) sair do plano privado. O contrário só acontece quando

sua lógica privatista referente ao modo como conformam seu fazer profissional, logo, a forma

de ser psicólogos, encontra-se ameaçada. Mas ainda assim, a forma de ação da nossa

profissão, de modo algum segue a mesma linha das clássicas estratégias da militância e dos

movimentos sociais que pedem, indubitavelmente, a exposição, a ação e o posicionamento

público de ideias, pensamentos e posturas, ocupação de espaços políticos e intervenção sobre

a opinião pública.

Os psicólogos, pelo menos os piauienses, são dados a outras estratégias para agirem ou

movimentarem-se politicamente. Preferem o cotidiano dos serviços, pois ali podem operar

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num terreno conhecido. E mesmo nos serviços, meio as inúmeras atividades que podem

desenvolver por meio do seu campo/competência profissional, ainda preferem aquelas que

eles mesmos definem para si como pertencentes especificamente a sua profissão, portanto,

podem/devem ser realizadas naqueles espaços que lhes são próprios: atendimento individual e

grupos. Dessa forma, são profissionais que não se expõem em atividades que os coloca para

operarem suas práticas a partir da dimensão pública, por isso a pouca participação no trabalho

coletivo e na dimensão sociopolítica da Reforma.

Como também são profissionais que se envolvem muito pouco com a realização de

ações que não evidencie a especificidade do que fazem os psicólogos, portanto, que não os

identifique como tal. Daí o motivo de que, apesar de possuírem especialização em Saúde

Mental e Atenção Psicossocial,89 referem não operar com esse referencial do paradigma e

estratégia de atenção psicossocial no seu campo de práticas.

Da mesma forma foi observado que além da forte vinculação e o comprometimento

afetivo-profissional dos entrevistados com a natureza de um determinado modo de ser

psicólogo, é patente o quanto a maneira de atuar ou participar circunscrita a este modelo

profissional evidencia, pelo menos na Saúde Mental, o assujeitamento ou o baixo poder de

governabilidade sobre aquilo que os entrevistados normatizam90 como campo de ação

político-profissional na profissão (Benevides & Passos, 2005).

Os efeitos desse movimento para a profissão são, por um lado, o empobrecimento da

crítica e o investimento de poucos questionamentos sobre a “produtividade (ou a

reprodução) avassaladora do fazer tecnocientífico” do nosso fazer profissional (Duarte,

89 É importante ressaltar que as especializações realizadas pela UFPI, coordenada pela Profa. Lucia Rosa, com a especialização realizada pela UFRJ, contaram com a participação de referências da Saúde Mental no Brasil, bem como técnicos do MS. 90 Klautau, Winograd e Benilton Jr. (2009) interpretam o conceito de normatividade de Georges Canguilhem a partir de uma dupla compreensão em que o organismo, por um lado, pode de maneira imperativa e consentida sofrer um efeito da ação de uma determinada norma e reproduzir um determinado valor ou modelo; por outro, de maneira deliberativa, pode realizar a ação construir/produzir novas normatizações, a partir do uso crítico da noção de norma.

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2010, p.123. Grifos nosso.); e por outro, o fato de que continuamente nossos profissionais são

apenas “demandados pela própria técnica, em vez de pensar a si mesmos como seu agente e

controlador” (Duarte, 2010, p. 149. Grifos nosso.).

Daí o fato de pensarmos o que está em questão aqui é como ampliamos o nosso campo

de ação político-profissional na Saúde Mental, consequentemente, como nos constituímos por

outro modo de ser psicólogo nesta área. Para tanto, precisamos recorrer à nossa capacidade

normativa, ou seja, a capacidade de produzir novas normatizações sobre o que fazemos, como

fazemos, para quem fazemos, além é claro, como nos vinculamos afetivo-profissionalmente a

estas questões sem deixar de problematizar os efeitos disso no nosso fazer profissional.

A aposta que fazemos em recobrarmos tal conceito bastante operativo de normatividade

de G. Canguilhem para a problematização do modo como nos conformamos psicólogos,

serve, portanto, para produzir novas normatizações sobre nossa capacidade ou sobre aquilo

que podemos (ou nos permitimos) fazer na Saúde Mental, sem, contudo, tomar tal potência

como algo que descaracterize ou transponha os limites das fronteiras da nossa profissão.

Nesse aspecto, advogamos que as barreiras/amarras que precisam ser transportas são aquelas

que foram, historicamente, instituídas de modo a conformar o modo de ser profissional apenas

fechado/fadado ao plano privado, por isso, com o uso de operações teórico-conceituais que

põem em funcionamento o modelo clínico tradicional em nossa profissão.

Nesse sentido, defendemos que a Psicologia pode bem mais no seu campo de expertise

profissional do que simplesmente reduzir-se a uma ou duas práticas, ancoradas num modo de

ser profissional específico, que não permite discutir sobre o que faz; ou mesmo pouco aberto

para operar a crítica e a problematização sobre como faz; ou ainda debater os efeitos daquilo

que se produz a partir do seu trabalho (e os modos como opera seus saberes e práticas) seja

para os usuários, para as equipes e para os serviços, seja ainda para a política pública da qual

está inserido.

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Talvez, se avançássemos por aí, quem sabe, não poderíamos contribuir mais e mais para

maior sustentação político-profissional quanto ao processo reformista em curso e os avanços

da Política de Saúde Mental local e em todo o país. Para tanto, torna-se necessário realizar um

conjunto de relações de força, bem como coordená-las e finalizá-las de tal modo entre os

psicólogos e demais trabalhadores do setor, para que os mesmos possam reorientar sua

capacidade de ação de modo a não transferir, conforme a concepção hobbesiana de política,

sua potência para outrem. Isso significa, por exemplo, não mais caracterizar a profissão

somente com estratégias de enfrentamento com relação à “questão social” e as políticas

públicas, apenas com movimentações político-profissionais no plano macropolítico. Mas que

se inclua aí, entre as possibilidades de ação dos psicólogos, também o campo de ação

micropolítico configurado por operadores conceituais e práticos, que não estejam ancorados

por uma dada normatividade, que na verdade só reproduz/atualiza nossos modos tradicionais

de agir e ser psicólogo na profissão.

Por esse aspecto, depois de percorrido os três argumentos que organizamos sobre como

os psicólogos configuram seu campo de ação político-profissional na Saúde Mental, é

importante retomá-los, agora em conjunto e a partir das correlações possíveis entre eles, para

em seguida sustentarmos a Tese que pretendemos afirmar nesse trabalho de doutoramento.

Primeiro pensar que a participação e ação política dos psicólogos frente ao processo de

Reforma e os rumos da Política de Saúde Mental no Estado dar-se sobre dois planos:

macropolítico e micropolítico. No plano macro, identificou-se que os psicólogos movimentam

ações políticas a partir do forte ativismo e compromisso profissional em torno da Reforma

Psiquiátrica e do Movimento de Luta Antimanicomial. Porém, apesar de garantir a suficiência

profissional dos psicólogos com a abertura de novos espaços de atuação, trata-se de ações que

não têm equivalência em termos da transformação das práticas e posturas político-

profissionais no cotidiano dos serviços. Por outro lado, no plano micropolítico, por estarem

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vinculados/comprometidos, afetivo-profissionalmente, com a natureza daquilo que foi

culturalmente definido/normatizado como sendo o modo de ser do psicólogo na profissão, os

profissionais acabam por reproduzir/atualizar práticas hegemônicas conformando

participações e ações políticas que garantem reafirmar sua identidade profissional e o modus

operandi clássico de atuar na profissão. E quando questionados sobre a possibilidade de

ampliar seu campo de ação político-profissional aumentando seu poder/potência de

governabilidade, portanto, sua capacidade normativa para redefinir o que podem mais na

profissão, os profissionais relatam que para alcançar isso, tal operação lhes custaria à perda

daquilo que tinham como de maior importância na sua profissão: a liberdade e autonomia de

exercerem seus atos profissionais sem qualquer amarra de critérios outros que não aqueles em

que eles próprios se autodeterminam a partir do modo como conduzem o seu trabalho.

Talvez aí, na defesa de sua liberdade e autonomia profissional, resida um dos motivos

pelos quais os entrevistados se colocam tão fortemente vinculados e comprometidos com um

determinado modo de ser do psicólogo, ao ponto, inclusive, de tentarem manter e atualizar seu

modus operandi clássico, independente da população, lugar, tipo de serviço e nível de

complexidade que o SUS se organiza. Por isso o pretexto dos psicólogos procurarem

movimentar-se e agir politicamente no solo micropolítico muito mais para preservar tal ideia

de liberdade e autonomia anteriormente referida.

Dialogando todo esse quadro apresentado no corrente capítulo, afirmamos como a Tese

deste trabalho de doutoramento, que a participação e ação política dos psicólogos frente aos

rumos da Política de Saúde Mental no Estado tem se realizado, portanto, em dois níveis

distintos. No plano macropolítico se expressa permeado pelo discurso do compromisso social

da profissão, com vistas a garantir a suficiência profissional dos psicólogos com a abertura de

novos espaços de atuação, sendo que tal movimento não tem equivalência em termos da

transformação das práticas e posturas político-profissionais no cotidiano dos serviços. No

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plano micropolítico, ou seja, a partir das relações de força tecidas no cotidiano do seu

trabalho, a ação política aí referida está implicada com preservação de um ideal de liberdade e

autonomia profissional, que ao mesmo tempo em que reproduz/atualiza a maneira tradicional

de atuar da profissão no (e a partir do) plano privado, ainda conforma as subjetividades desses

profissionais de modo a comprometer sua capacidade crítica, problematizadora, bem como

política, para ponderar sobre e para além da sua expertise técnica, bem como sobre os desafios

que a realidade os coloca.

A partir da tese exposta acima, preocupa-nos perceber que a depender da maneira como

os profissionais têm se vinculado e empregado o seu aparato técnico-profissional no cotidiano

dos serviços, o seu uso pode ou não performatizar as subjetividades dos usuários e

trabalhadores cada vez menos potente e incapaz de produzir resistências sobre aquele modo

hegemônico de constituirmo-nos psicólogos, como também de rivalizarmo-nos com a

realidade com a qual nos encontramos no mundo (Duarte, 2010). É o caso, por exemplo,

daqueles entrevistados que por estarem implicados com uma determinada ideia de liberdade e

autonomia oriundas da esfera privada, acabam se prendendo e se limitando pelo o uso da

técnica a operar uma falsa liberdade, sem qualquer atitude política de produzir resistências, ou

sequer provocar novas normatizações sobre o modo como se define psicólogo.

Nesse sentido, não podemos simplesmente ficar às cegas com a nossa capacidade

técnica, normatizada de uma determinada forma e uso, sem ao menos tentarmos produzir/criar

novas normas, portanto, ampliar o poder ou a capacidade normativa que comporta nossa

profissão. A liberdade e autonomia que tanto reclamamos não podem ser usadas para nos

aprisionar na profissão e reduzir a potência que temos como profissionais, aliados a outros

coletivos, para em conjunto promovermos mudanças na Saúde Mental. Talvez assim,

possamos configurar sobre nós mesmos outras bases daquilo que define o modo de sermos

psicólogos ou que define a natureza do nosso trabalho no SUS de modo geral.

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Precisamos encontrar caminhos para operarmos tais mudanças, respondendo,

minimamente, aquilo que há de mais caro para os psicólogos, que é o que reforça seu vínculo

afetivo-profissional e o compromete com o seu trabalho na saúde: a liberdade e autonomia

profissional, além da ideia de ajuda e apoio/suporte psicológico ao outro. E o caminho que

advogamos para tal é o de trabalhar, a partir das formações profissionais e meio as instâncias

de educação permanente (operações de gestão do trabalho nos serviços), ações em conjunto

com os psicólogos sobre a compreensão de que a liberdade e a autonomia pretendida, ou a

imagem de psicólogos que eles normatizam para si, isso seja agenciado com a potência que

têm para experimentar ações que aumentem sua capacidade de fazer variar suas práticas,

estilos e modos profissionais, aumentando assim o poder de governabilidade sobre seus atos

profissionais. Desse modo, recolocarmos junto aos profissionais frases do tipo: “— isso não é

da minha competência” ou “— aquilo não me cabe como psicólogo”, referidas pelos nossos

entrevistados quanto a realizar práticas ancoradas pelo paradigma e estratégia de atenção

psicossocial.

A intenção é mesmo conformar meio aos psicólogos, investidas como aquelas referidas

acima, para que eles possam compreender aquilo que eles podem realizar além do que já

fazem nos serviços (atendimento individual e em grupo), como fazendo parte do campo de

ação político-profissional da sua profissão. Atividades como: trabalhos em grupos e

participação em oficinas terapêuticas; ações no território com possibilidades de matriciamento

da saúde mental junto às equipes de PSF e fortalecimento do controle social; organização e

gestão dos processos de trabalho a partir dos dados epidemiológicos; realizar projetos

terapêuticos para operar ações de cuidado com os pacientes; promover assembleias ou outras

ações que possam buscar a autonomia e reinserção social do usuário; são ações possíveis

dentre outras na Saúde Mental que só acrescem nossa liberdade e autonomia de trabalho, pois

aumentam a potência e fortalecem a presença da nossa profissão no SUS.

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As formações graduadas e pós-graduadas dos psicólogos precisam se implicar com esse

entendimento, para em vez de operar a supervalorização da técnica e do enquadre da cena ou

setting dos nossos atos profissionais, valorize o poder de governabilidade sobre o seu uso,

manejo, emprego e limites. Se, entre uma atividade ou outra, percebermos que esta não tem

diretamente a ver com o campo de especificidade do psicólogo? Precisamos encontrar meios

para ampliar o campo de ação da profissão, no sentido de pensarmos como podemos

contribuir a partir da nossa especificidade profissional, com práticas que são de campos

interprofissionais e interdisciplinares, em conjunto com a equipe. Ou seja, ação que reafirma o

espaço público e político do trabalho em equipe no cotidiano dos serviços.

Por isso que não é possível operar com tal lógica, estando isolado e entrincheirado em

nossos atos profissionais. Para tanto é preciso apostar em estratégias que decomponham

sentidos sobre a maneira como tais profissionais atuam se relacionam com o mundo que os

circunda, avaliando os efeitos que cada modelo de práticas produz para a população assistida,

para os serviços, para a política pública que se está vinculado, como também para o seu

campo de satisfação profissional. Ou seja, imprimindo no dia-a-dia profissional um conjunto

de relações de força, bem como as coordenando e finalizando-as de forma coletiva entre os

próprios psicólogos e demais trabalhadores do setor, portanto, operando a função do espaço

público (debate de ideias e proposições) no cotidiano do trabalho, para que realizando ações

de problematização, possamos partir para a construção de novos referentes para ampliar o

poder de ação das profissões, de maneira geral, na Saúde Mental.

Por isso que advogamos que, se queremos de fato avançar sobre os desafios indicados

no mapa-síntese apresentados no início do capítulo, contribuindo para maior sustentação

político-profissional do processo reformista local e brasileiro, precisamos ampliar os modos

de enfrentamento da profissão, incluindo entre suas possibilidades, o campo de ação

micropolítico não como refúgio, mas como potência coletiva para também avançarmos o

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plano macropolítico dos desafios da Política de Saúde Mental. Quem sabe assim, nesta

direção, possamos fazer frente ao discurso da ala anti-reformista (ABP e suas co-irmãs

estaduais, além de associações de familiares) que usa de maneira ardilosa a crítica ao modelo

atual (problemas quanto à organização dos serviços ou da própria rede de atenção, seja em

termos técnico-profissionais, sejam de insumos para prestar uma atenção de qualidade,

especialmente aos casos graves e pacientes em condição de crise psiquiátrica) como forma de

desqualificar a Política Nacional (e seus desdobramentos nos Estados e municípios

brasileiros) meio à opinião pública em geral.

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CCOONNSSII DDEERRAAÇÇÕÕEESS FFII NNAAII SS

[[RReeffoorrmmaa PPssiiqquuiiááttrriiccaa:: ppaallccoo ddee ccoommpprroommiissssoo ddooss ppssiiccóóllooggooss oouu ddee ccoommpprroommeettiimmeennttoo ddaa

PPooll ííttiiccaa ddee SSaaúúddee MMeennttaall??]]

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Iniciamos este trabalho de tese afirmando que a década que se inicia com o ano de 2011

talvez seja a que encontraremos os maiores desafios para a Saúde Mental, pois é preciso

garantir os avanços conquistados e seguir com a reversão completa do modelo anterior para o

psicossocial. No entanto, a questão colocada é que o movimento de Reforma precisa de

sustentabilidade técnico-assistencial e sociopolítica para avançar.

No caso piauiense, avançamos bem quanto à abertura de serviços. Mas em relação ao

seu funcionamento, a organização das práticas e os modos gestão, tal configuração tem

constituído sérios entraves no plano técnico-assistencial para sustentarmos o modelo

conquistado. Além disso, não podemos esquecer que as tímidas ações na esfera sociopolítica,

aprofundam ainda mais as dificuldades e os desafios, pelo menos no plano local, para

efetivarmos o processo de Reforma Psiquiátrica no Estado.

Pela forma como conduzimos nossas análises e reflexões ao longo deste estudo, talvez

possamos ser acusados de pessimistas, contrários aos avanços conquistados, de não termos

valorizado nossa profissão, expondo suas fraturas no cenário da Saúde Mental, ou que

valorizamos pouco os profissionais entrevistados que tentam, com muita dificuldade, se

colocar de forma diferente neste campo, ou ainda que estamos a responsabilizar os psicólogos

por todos os obstáculos e entraves que podem não nos deixar avançar frente aos desafios dos

rumos da Política de Saúde Mental no Estado91. Mas não se trata disso!

Eis os nossos argumentos:

1) Se quisermos de fato dar sustentação ao modelo em curso, precisamos bem mais do

que avançar na abertura de serviços e reversão do parque manicomial para o

psicossocial.

2) Precisamos de fato discutir as questões de fundo que obstaculizam a sustentação do

processo reformista piauiense, mesmo que para isso seja necessário lidarmos com as

91 Fizemos questão de afirmar isso por que quando realizamos as entrevistas/rodas de conversa, fomos interpelados com algumas dessas questões ao focarmos o tema sobre como a profissão vem se posicionando meio aos desafios para a sustentação do processo reformista em curso.

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fraturas e com as feridas do modo como nos organizamos profissionalmente e

materializamos ou performamos micro e macropolíticamente a Saúde Mental no

Piauí.

3) Não é propósito nosso responsabilizar os psicólogos pelo quadro atual da Saúde

Mental no Estado, mas seria leviano não pensar a organização político-profissional e

técnico-prática da nossa categoria como um analisador de como o Trabalho na

Saúde Mental tem se conformado no geral, seja no território piauiense, seja em

outras localidades do país.

4) Se nos detemos sobre as fraturas e as feridas abertas em função das ambiguidades e

contradições em que se tem realizado a Saúde Mental piauiense, e tomamos o modo

como os psicólogos operam nesse campo, os efeitos que aí se produzem e que

aprofundam tais fraturas, mas também produzem algumas resistências (mesmo que

desconectas, sem força de conjunto), foi na perspectiva de diagnosticar as forças

vitais em jogo para retraçar as estratégias e táticas para tentarmos avançar frente aos

rumos e os desafios da Política na atualidade.

5) E se conduzimos toda a discussão dos dados em cada capítulo, ao dialogar com os

estudos realizados em outras localidades do país, com o propósito de tecer as

reflexões necessárias para sustentar o caso teresinense como um analisador da

profissão no âmbito nacional, especialmente, no tocante a participação, organização

e o envolvimento da categoria dos psicólogos no cenário técnico-assistencial e

sociopolítico da Reforma Psiquiátrica brasileira foi para desdobrarmos novas

problematizações com repercussões para a formação dos psicólogos e o debate sobre

o compromisso social da profissão. Daí o motivo de endossar os argumentos de

sustentação da Tese deste trabalho, que chamou atenção sobre as formas de

movimentação e enfrentamento dos psicólogos meio aos rumos da Política de Saúde

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Mental no Estado, em dois níveis: no plano macropolítico se expressa orientada pelo

lema do compromisso social da profissão, mas que tal movimento na prática tem

pouca equivalência na transformação das práticas e posturas político-profissionais

dos psicólogos no cotidiano dos serviços; na micropolítica do cotidiano do trabalho,

a ação política da profissão está implicada com preservação do modus operandi

clássico de ser psicólogo, fator que dá pouca sustentação no enfrentamento dos

desafios atuais da Reforma.

6) Ainda sobre o argumento anterior, é importante ressaltar que aquela operação não

visou o estabelecimento de uma função indutora de generalizações em termos do

entendimento de que a realidade teresinense sirva de parâmetro, ou mesmo que

represente a forma com que a profissão está organizada no contexto brasileiro. Mas

tão somente explorar as semelhanças e diferenças, as aproximações e os

distanciamentos, ou demais relações analíticas possíveis entre as realidades postas

em diálogo sobre a formação e atuação na saúde pública em geral, e assim

evidenciarmos o caso piauiense não apenas como mera problemática local ou como

um simples caso isolado, mas expresso por um modo de funcionamento que permeia

a profissão na atualidade.

7) Portanto, é baseado na reflexão acima que pretendemos que este estudo possa

contribuir com os aspectos fundamentais do campo da Reforma Psiquiátrica e da

Luta Antimanicomial, fortalecendo a dimensão técnico-assistencial e sociopolítica

do movimento como estratégia para efetivação da Política de Saúde Mental no

Piauí; é nisto que reside o nosso otimismo, como também a nossa aposta!

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Para afirmamos o nosso otimismo, a proposta não é outra senão irmos para o “centro do

furacão”, ou seja, tomar a desinstitucionalização como um operador de transformação do

modo de sermos e nos constituirmos psicólogos.

Tal operador conceitual, a desinstitucionalização, quando foi pensada pelo o grupo de

Gorizia e Trieste (e diversos mais), trouxe como potência uma radicalidade que foi afirmar

como horizonte da intervenção a transformação sociocultural do modo como lidamos com a

loucura e com a diferença. Nesse aspecto, a abertura de serviços como defendem os

psicólogos (e muitos outros) não pode ser fim, mas sim o meio, entre vários, para avançarmos

no processo de Reforma. No entanto, os serviços, não podem ter como horizonte o

acolhimento das pessoas em situação de existência-sofrimento entre nós para homogeneizá-la

socialmente e inseri-las em linhas de ação que alcancem o igualitarismo liberal, como já

alertava o Lancetti (1990) há mais de 20 anos. O horizonte do campo de ação técnico-

assistencial não pode ser a produção de sujeitos comedidos e independentes, portanto,

“capazes” e com “aptidões” para a vida, reconhecendo-se como sujeitos portadores de

direitos92. Reconhecemos que é importante saber lidar com as situações do dia-a-dia, mas o

horizonte da Luta deve ser aquilo acompanhado das ações de transformação de uma cultura

manicomial.

A desinstitucionalização trouxe como radicalidade também a transformação de nosso

aparato técnico, ou seja, a desinstitucionalização de nossas próprias práticas e posturas

profissionais (Basaglia, 1979). A situação agrava-se quando identificamos profissionais bem

mais vinculados, afetivo-profissionalmente, com aquilo que define a natureza do seu trabalho,

como também com o que o identifica, no nosso caso, como psicólogo. Talvez este seja um

dos motivos dos entrevistados se envolverem pouco com as questões e os desafios cruciais

92 Nesse sentido, é importante fazer referência que a política neoliberal trata-se de um ordenamento que não apenas conforma o Estado e a economia, mas nossas subjetividades no propósito de nos produzir sujeitos de direitos de maneira a nos colocarmos menos como indivíduos políticos e mais como agentes de consumo. Portanto, o campo dos direitos tem sido convulsionado pelo Capital para constituir-se como um dispositivo disparador para o consumo (Carvalho, 2009).

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enfrentados na Saúde Mental, considerando um maior comprometimento com um

determinado modo de ser psicólogo. Por isso o fato de que mesmo os psicólogos piauienses

estejam inseridos na rede de serviços, na esfera da gestão e do controle social, isso não resulta

numa maior participação da categoria como um ator importante que interfere ou que consegue

produções desvios que avancem no processo reformista local.

Tomar a desinstitucionalização como um operador de transformação de nós mesmos

naquilo que nos definimos e impomos limites frente à potência do nosso campo de ação

prático-político-profissional. Esta é a radicalidade da proposta. Daí a necessidade de

investirmos mais e mais na formação profissional qualificada com ações técnicas e políticas

que, de fato, contribuam com mudanças não apenas no modelo assistencial, mas

paradigmáticos do modo como nos constituímos profissionais nesse campo, tendo como base

os princípios e os operadores prático-conceituais da estratégia de atenção psicossocial (Costa-

Rosa, 2000).

Neste caso, precisamos de formações que amplie as concepções dos profissionais sobre

sua ação técnica, compreendendo que esta não só tem efeitos políticos, mas que também é

demandada por eles; precisamos de formações que retomem a capacidade dos psicólogos para

compreenderem sobre quais teias de poderes nossos saberes e práticas estão sócio-

historicamente enredados; e não por menos, precisamos de formações que também

qualifiquem os psicólogos com referentes ético-políticos para movimentarem-se no espaço e

no debate sobre a questão pública, em torno dos principais problemas que enfrentamos no

nosso país.

E se, ainda assim, não se consiga o engajamento ou a adesão de amplas parcelas da

profissão para operarem ações no campo macropolítico, como tem priorizado o CFP e

RENILA, em função mesmo de termos profissionais com pouca disposição e

comprometimento afetivo com este tipo de estratégia de ação, pelo menos que se possa

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avançar meio as conquistas e seguir com a reversão completa do modelo anterior para o

psicossocial em sua radicalidade, operando os compromissos acima referidos na micropolítica

do cotidiano do trabalho. Senão, estaremos a continuar a operar nosso clássico campo de ação

político-profissional em que nos colocamos compromissados no campo das idéias com a

Reforma Psiquiátrica e demais bandeiras da profissão, assim sendo politicamente corretos,

mas no cotidiano dos serviços continuaremos comprometidos com a natureza daquilo que

definimos ser o psicólogo e o que ele pode fazer.

Daí o motivo da pergunta-título desse capítulo de “Considerações Finais” ter abordado a

seguinte questão: os psicólogos têm constituído a Reforma Psiquiátrica como um palco de

realização do compromisso social da profissão ou, em função do seu comprometimento com

um clássico modo de ser profissional, eles têm se comprometido, em alguma medida, os

rumos da Política de Saúde Mental?

Retomando então o debate sobre a formação, precisamos ir um pouco além da

constatação/diagnóstico de que apesar de termos avançado para “novos espaços” da profissão

ainda reproduzimos a lógica clínica hegemônica. Precisamos, de fato, ir para o “centro do

furacão”, ou seja, problematizar nas graduações a forte vinculação e comprometimento

afetivo-profissional dos psicólogos com a natureza do fazer clínico da profissão,

conseqüentemente, com determinado modo de sermos psicólogo. Trata-se de deixar claras as

operações teórico-técnicas; as posturas, os compromissos e as implicações profissionais em

jogo; e, especialmente, os efeitos de cada linha de trabalho e campo de ação profissional em

relação ao funcionamento dos serviços e o poder de respostas que somos capazes de dar com

as nossas práticas para a população.

Talvez assim, possamos gerar problematizações nas graduações sobre o quanto nos

sujeitamos àquilo que está normatizado na profissão sem qualquer espaço para reflexão dessas

normas/valores (Benevides & Passos, 2005); e o quanto somos desfavoráveis na profissão a

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movimentos “que impedem que se seja sempre o mesmo, ou de ter-se com as coisas, com os

outros, o mesmo tipo de relação que se tinha antes” (Foucault, 2010a, p.296). Lancetti (1990),

já alertava que o modo de funcionamento que a “psiquiatria, psicologia e psicanálise têm

favorecido suas existências institucionais, suas validações científicas, isso também tem

constituído o seu limite intransponível, no muro onde esbarram as tentativas de reforma” (p.

140. Grifo nosso).

As formações, nesse aspecto, precisam fortalecer atitudes profissionais que apostem na

produção/criação de novas normas, portanto, que ampliem nosso poder/capacidade normativa

ou o grau de normatividade que comporta nossa profissão em termos da eleição de estratégias

de trabalho, conformação de práticas e, certamente, do modo como nos constituímos

psicólogos, no sentido de reconfigurar os limites daquilo que define a natureza do nosso

trabalho na saúde mental e na saúde pública.

Precisamos, portanto, discutir sobre as bases ontológicas definidoras daquilo que temos

feito de nós mesmos, enquanto profissão (e profissionais), na atualidade. Quem sabe tenha

chegado o momento de debatermos sobre o ser psicólogo na profissão, não na perspectiva de

encontrar sua verdade, aquilo que a define, mas no sentido de problematizar por quais

verdades nos produzimos psicólogos, e se podemos pensar, agir e conduzirmo-nos de maneira

diferente no segmento da Saúde Mental (Foucault, 2010b).

Em se tratando de que esta não é uma questão específica da realidade piauiense, mas

que tem atravessado amplamente a profissão em todo o país, torna-se urgente repensarmos

novas estratégias para qualificarmos a formação dos psicólogos nas políticas públicas, para

que se possa reverter, em alguma medida, as imprecisões da profissão relatadas no capítulo

anterior em termos dos efeitos que elas produzem para dar sustentação aos avanços da Política

Saúde Mental.

Sobre a necessidade de qualificar a formação do psicólogo brasileiro para estas novas

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realidades da profissão, surgem no ano de 2004 as Novas Diretrizes Curriculares para os

Cursos de Psicologia sob a aposta de se tentar implantar algumas mudanças. No caso dos

cursos piauienses, somente a partir de 200793 houve a re-atualização dos projetos pedagógicos

dos três cursos de Teresina, na perspectiva das NDC. As mudanças propostas evidenciaram a

tentativa das IES incorporarem vários debates do campo da saúde coletiva e saúde mental,

formando profissionais que não mais desconhecessem o SUS, bem como as políticas públicas

de saúde e saúde mental e seus serviços e programas. Entretanto, apesar dos esforços, a

maneira como tais conteúdos estão organizados pelas matrizes curriculares dos três cursos (e

do próprio curso de psicologia da UFPI, da qual faço parte desde 2010), contribuem muito

pouco quanto à proposição de novas práticas e novos saberes necessários para consolidar as

propostas da reforma psiquiátrica, bem como para construir, no cotidiano dos serviços, o

modelo da atenção psicossocial (Macedo & Dimenstein, 2011b).

Além disso, ainda tem o fato de que mesmo garantido alguns debates ou temas do

campo da saúde coletiva e saúde mental nos currículos, há aquelas situações em que tais

discussões ficam restritas as disciplinas que tratam sobre essas temáticas, ou a um e outro

professor mais sensível e envolvido com o tema. Por esse aspecto, não são discussões que

atravessam todo o curso, inclusive produzindo novas problematizações e conhecimentos sobre

a maneira com que os psicólogos têm se vinculado ao campo da saúde mental, bem como os

compromissos e implicações que derivam desse encontro.

O maior exemplo disso, é que os próprios estudos realizados por Dimenstein (1998a,

1998b, 2000, 2001), que tratam exatamente sobre a formação e atuação dos psicólogos na

realidade teresinense (isso sem esquecer outros que tratam sobre a realidade brasileira),

passaram completamente despercebidos da grande maioria dos alunos de psicologia de

Teresina até bem pouco tempo. As poucas exceções foram por ocasião do movimento

93 Desde o ano de 2004, os referidos cursos tentam realinhar tais currículos às novas diretrizes do MEC para os cursos de psicologia.

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individual de alguns alunos, hoje já profissionais, que buscaram por contra própria algum

aprofundamento nesse campo94.

Não obstante, em relação à formação pós-graduada, temos compreensão semelhante

quando observamos que mesmo os profissionais com especializações em saúde mental, estes

se envolvem de maneira tímida com os preceitos/propósitos da atenção psicossocial. Dentre

outros motivos, preocupa o fato desses cursos restringirem-se muito mais a linha do

conhecimento informacional, sem levar em consideração as demandas, as implicações,

sobreimplicações e disposições éticas e políticas envolvidas no processo de aprendizagem.

Por isso que da mesma forma que a graduação, a formação pós-graduada também

contribuiu pouco, especialmente com práticas efetivas para consolidar as propostas da

reforma psiquiátrica no Estado. O principal efeito disso é o fato dos profissionais

entrevistados se envolverem também de maneira tímida frente aos rumos e aos desafios que a

Política de Saúde Mental enfrenta no plano local, conseqüentemente no plano nacional.

Para corroborar com esse argumento, não raro escutamos dos entrevistados que os

conhecimentos adquiridos em relação aos cursos de especialização em saúde mental e áreas

correlatas foram muito úteis para ficarem informados quanto à legislação vigente e os tipos de

serviços/modelos de atendimentos, além do funcionamento da rede para saber de quem é a

responsabilidade para fazer o que, e em qual situação clínica. A maior prova disso é que,

mesmo com algum trânsito no campo psicossocial, os entrevistados acabavam recorrendo aos

saberes e práticas psicológicas para atuarem nos serviços de saúde mental.

Fato que nos faz pensar que, apesar de todos os discursos críticos frente à formação do

psicólogo brasileiro, quando nos deparamos com a realidade dos profissionais no cotidiano

dos serviços, mesmo formados, meio a esse discurso de crítica, convivemos com uma

permanente ação re-atualizadora do clássico modelo individualizante/privatizante que deu

94 Eu próprio enquanto aluno de um dos cursos de formação de psicólogos do Estado, tive contato com algum material por iniciativa pessoal.

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visibilidade à psicologia como profissão e disseminou profundamente nossa identidade e

cultura profissional para vários estratos da sociedade em geral (Dimenstein, 1998a, 2001). E

assim, faz conviver o modelo tradicional de atuação da psicologia centrado na doença a partir

de ações diagnósticas e terapêuticas com os discursos do movimento da reforma psiquiátrica e

da perspectiva psicossocial. Encontro que na verdade só despotencializa o campo da atenção

psicossocial, cujo fundamento é a ação geradora de cuidado, autonomia e reinserção social.

Neste caso perguntamos se não estaríamos aí a funcionar na profissão meio a dois

sistemas simbólico-conceituais na saúde mental: modelo tradicional de atuação e estratégia de

atenção psicossocial. É importante ressaltar que os dois sistemas estão implicados com

recursos teórico-paradigmáticos e prático-profissionais diferenciados e oferecem explicações

e modos de intervenção variados no campo da Saúde Mental A questão é que o segundo,

firmado mais recentemente, portanto, menos organizado e consolidado na cultura profissional

do psicólogo, tem encontrado menos adeptos em nossa categoria que o primeiro. Ademais, é

importante ressaltar que tanto o paradigma psicossocial quanto sua estratégia de atenção, são

conformados por modos/formas de conhecer e intervir (eidos), bem como por posturas (ethos)

profissional que “distancia” os psicólogos daquilo que lhes é mais caro para a profissão: a

natureza do seu trabalho e o modo como é reconhecido pelo o que faz, que tanto debatemos

nos capítulos anteriores.

Daí o argumento de que precisamos avançar na formação de recursos humanos melhor

qualificados em termos técnicos e também a partir de uma disposição afetiva e ético-política,

capazes de ampliar nossa governabilidade sobre as posturas e ferramentas de trabalho da

nossa profissão. Nosso propósito, portanto, não é negarmos o que somos, ou a maneira

clássica que nos constituímos profissionais, mas ampliá-los dentro da potência que temos de

agir bem mais na profissão do que somente ficar reduzidos ao uso de dois ou três campos

práticos de intervenção: psicoterapia individual/grupal e psicodiagnóstico.

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Neste caso, saber movimentar-se politicamente na profissão, não se trata apenas de

realizar ações coletivas e dirigidas ao Estado para que sejam atendidas determinadas

reivindicações, mas avaliar em qual situação, ou conjunto de situações devemos escolher

dentre um conjunto de ferramentas e posturas profissionais que temos em mãos; quais delas

poderiam produzir os efeitos que desejamos, ou o que aquela situação, minimamente,

“insinua”, requer/necessita. E se caso for, podemos sim, operar modelos tradicionais, mas não

para ficarmos presos a eles definindo-os como aquilo que somos na profissão.

Por esse caminho, acreditamos que é possível propor atualizações curriculares e

experiências, incluindo a atenção e gestão junto à realidade dos serviços e necessidades dos

usuários para que tenhamos uma formação baseada na “inseparabilidade entre formar e

intervir” com foco no “aprender-fazendo” (Paulon & Carneiro, 2009, p. 749). O intuito é

rompermos com a lógica do especialismo e da “solidez identitária” que apenas “acumula

energia” naquilo que é definidor da natureza do modo de ser psicólogo (Baptista, Zwarg &

Moraes, 2003, p.226). E, mais do que incorporar debates que acabam apenas informando ou

fazendo conhecer o que seja o SUS, a reforma psiquiátrica e sanitária, ou o debate crítico

sobre as inadequações das atuações nesse campo, é preciso incorporar/manejar

saberes/práticas do paradigma da desinstitucionalização e da estratégia de atenção

psicossocial que, inclusive, interfira nos modos de subjetivação dos novos profissionais,

produzindo, com isso, novas formas de ação.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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