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III Semana de Ciência Política
Universidade Federal de São Carlos
27 a 29 de abril de 2015
PARTICIPAÇÃO NO BRASIL:
A SOCIEDADE CIVIL NA COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO
PARTICIPATIVA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Paula Vivacqua de Souza Galvão Boarin1
Vanessa Aparecida da Silva2
RESUMO: No Brasil, a Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos
Deputados, criada em 2001, é voltada para o estímulo à participação da sociedade civil
organizada no processo de elaboração legislativa. O objetivo do trabalho é realizar uma
análise da participação das entidades da sociedade civil organizada, a fim de conhecer
quais grupos atuam mais assertivamente na Comissão como meio de acesso institucional
à conquista de seus interesses. A análise permitirá a realização de apontamentos sobre a
institucionalização da participação cidadã, sendo o Poder Legislativo sua esfera
privilegiada, temas caros à Ciência Política.
Palavras-chave: Participação; Poder Legislativo; Sociedade Civil.
INTRODUÇÃO
A década de 1980 no Brasil foi marcada por um processo de redemocratização em
meio a uma conjuntura de crise internacional, transição política e intenso debate
institucional. A Constituição de 1988 representou uma ruptura com os mecanismos
institucionais autoritários instituídos durante o regime militar, trazendo significativas
transformações nas relações entre Estado e sociedade no país. Indo além, a nova Carta
trouxe garantias legais naquilo que se refere aos direitos sociais universais. O novo
arranjo constitucional conferiu maior autonomia às entidades da sociedade civil, exigindo
1 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora;
[email protected]. 2 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora;
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também a redefinição de seu papel político (FIGUEIREDO, LIMONGI, 1995). A
sociedade civil é composta de movimentos, organizações e associações que traduzem os
problemas da esfera privada para a esfera pública. Nesse sentido, a participação se
configura como um dos princípios do processo de deliberação democrática, o que
condiciona a existência de redes participativas que visem representar a pluralidade de
interesses da sociedade (HABERMAS, 1997).
Segundo Figueiredo e Limongi (1995), muitos dos poderes legislativos
permaneceram circunscritos à ação do Executivo, havendo, em dada medida, a
manutenção legal das limitações do Legislativo. Contudo, a nova Carta permitiu ao
Congresso Nacional contribuir de maneira efetiva para a inserção nos dispositivos
normativos legais de políticas públicas. A partir de 1988, deu-se o condicionamento à
maioria absoluta para a derrubada do veto presidencial, e não mais de dois terços, e o
Legislativo passou a ter o poder de sustar atos normativos providos pelo Executivo, além
de competência exclusiva em algumas matérias (FIGUEIREDO, LIMONGI, 1995;
LIMA, 2011).
Na configuração eleitoral brasileira, a votação para os membros do Congresso
Nacional se dá de forma direta, enquanto o Executivo é composto por membros não
eleitos cujo poder de decisão é significativo. O corpo parlamentar é mais responsivo a
interesses locais e suscetível às pressões particularistas, enquanto o Executivo pode se
manter relativamente insulado e independente. Sendo assim, tendo em vista o sistema
privado de contribuição de campanha e as relações entre Estado e capital, faz-se evidente
a capacidade de influência do de setores organizados, cujas pressões e interesses pautam
as políticas legislativas (LIMA, 2011).
Os primeiros anos pós-redemocratização demandaram, portanto, a ampliação dos
espaços de debate entre o Estado e a sociedade nas diversas esferas do poder. Assim,
foram criados os conselhos partidários, os conselhos tutelares, o Conselho Nacional de
Saúde, o Conselho Nacional de Educação, entre outros (BURGOS, 2007). É a partir desse
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contexto que surge, em 2001, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos
Deputados3(CLP-CD)4.
A despeito da considerável literatura concernente à Ciência Política que vem se
formando acerca do tema da participação da sociedade civil no âmbito do Poder
Legislativo no Brasil, são poucos os trabalhos que têm a CLP como principal objeto de
pesquisa. Se, por um lado, este quadro representa um desafio para aqueles que desejam
compreender o funcionamento e os efeitos da Comissão, por outro, ela surge como
interessante tema de pesquisa, sugerindo a necessidade de integrá-lo à agenda de
estudiosos. Vale ressaltar que o escopo desta literatura se refere, sobretudo, ao processo
de transformação nas relações entre Estado e sociedade provocado pela promulgação da
Constituição de 1988 e do consequente arranjo legal que ali nascia.
O presente trabalho tem como objetivo analisar a participação da sociedade civil
organizada na CLP-CD. Para tanto, serão expostas as considerações realizadas pela
literatura a respeito da participação política da sociedade civil, sobretudo na construção
de políticas públicas, tendo como marco o arranjo legal instaurado pela Constituição
Federal de 1988. Buscaremos, ainda, explorar o Poder Legislativo como arena
privilegiada na interação entre Estado e Sociedade Civil. Em seguida, apresentaremos a
CLP-CD a partir do contexto de sua criação, seus objetivos centrais, entre outros aspectos.
Os dados que analisaremos serão extraídos do Selo de Participação Legislativa 2013, uma
vez que esta fonte nos permite verificar a assertividade da atuação das organizações junto
à Comissão. Por fim, avaliaremos em que medida a CLP cumpre o papel de canal
institucional por meio do qual as organizações possam expressar seus interesses e
participar do processo político.
3A Câmara dos Deputados que, ao lado do Senado, compõe o Congresso Nacional e, portanto, o Poder
Legislativo, é responsável pela representação, legislação e fiscalização da aplicação dos recursos públicos
(BRASIL, 2015). 4Seu documento constitutivo é a Resolução 21 de 2001 (BURGOS, 2007).
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ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL NO PERÍODO PRÉ-
CONSTITUINTE
Na maior parte dos Estados Democráticos de Direito foi necessário algum nível
de institucionalização para que as demandas da sociedade civil se transformem em ação
governamental. Geralmente, os interesses de grupos situados em estratos de poder na
sociedade (empresários, grandes produtores e industriais, etc) estão presentes no
Legislativo de um modo mais direto, elegendo representantes – via financiamento de
campanhas, mais corriqueiramente – para que seus interesses sejam resguardados
independente das pautas trabalhadas pelos deputados. Faz parte da constituição do Estado
brasileiro a formação oligárquica de suas bases, utilizando as eleições como mecanismo
de legitimação positiva de poder, cuja vontade nacional é suprimida em favor de arranjos
políticos e favorecimentos em que o patrimonialismo se expande de tal forma “a converter
o agente público num cliente” (FAORO, 1976:637).
Os extratos da sociedade compostos por grupos que ainda lutam para assegurar
seus direitos básicos, precisaram se mobilizar e se organizar em torno de pautas comuns
para que constituíssem como um ente capaz de exercer alguma pressão sobre o Estado.
Hoje, as demandas desses grupos – que costumam estar subdivididos em grupos de
minorias – quando normatizadas, o são por duas vias: transformando-se em leis
específicas ou em políticas públicas. Independente da via pela qual a normatização foi
efetivada, ela passará pelo legislativo federal5 e, portanto, cabe a essa parcela da
sociedade civil fazer com que suas demandas entrem na agenda do governo. Apontamos
a seguir um breve histórico das mobilizações da chamada sociedade civil organizada até
constituir-se como ator político reconhecido pelo Estado brasileiro.
Sociedade civil organizada é a alcunha que convencionou-se dar à toda forma de
5 Embora os entes federativos possuam certa autonomia para legislar em favor de demandas locais, o
desenho federativo no Brasil limita a ação de estados e municípios por não prever constitucionalmente
problemas fiscais que tornam desproporcionais a conta entre arrecadação e gastos públicos (SOUZA, 2006).
Nesse sentido, a esfera federal é a mais capaz de efetivar a entrada de uma determinada demanda na agenda
pública por ser dotada dos recursos necessários para a aplicação prática das políticas e direitos desses
grupos.
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reunião de atores e instituições em oposição ao que é governamental. Não se faz distinção,
a partir deste olhar mais usual, entre os modelos de gestão cujas instituições são
organizadas: com ou sem fins lucrativos, legalmente constituídas ou informais,
organizações associativas ou empresariais, a sociedade civil organizada tem seus
contornos traçados a partir de seu fim: a constituição de uma força política capaz de se
configurar como alternativa à rígida verticalização que o modelo representativo costuma
impor como barreira à participação de cidadãos nas decisões do Estado. Fernandes (2002)
destaca que essa é uma forma de participação política com características muito
peculiares na América Latina, indicando o fenômeno crescente da participação de
cidadãos na arena de decisões governamentais. Hoje, alguns autores6 substituem o termo
“sociedade civil organizada” por “organizações da sociedade civil” para referir-se aos
atores organizados coletivamente em torno das mais diversas pautas. Preferimos manter
neste trabalho o termo sociedade civil organizada, exatamente pelo termo carregar o peso
de oposição ao que é governamental. Antes de
prosseguir na análise das relações da sociedade civil organizada e o Poder Legislativo,
cabe destacar que o Brasil se diferenciou dos casos de ditaduras ibéricas, africanas e
latino-americanas por ter apenas duas interrupções institucionais de curta duração nas
mais de duas décadas de governo autoritário (SANTOS, 2007). No limite, isso significa
que, mesmo com restrições dos direitos civis, o sistema representativo esteve vigente,
uma vez que a competição eleitoral-partidária para a Câmara dos Deputados e
assembleias estaduais nunca foi interrompida. Não é possível
dissociar atendimentos de demandas e participação política da competição eleitoral. No
Brasil, o desenvolvimento de programas governamentais tem relação direta com a
reforma do Estado, participação setorial e a competição eleitoral. A agenda pública
interfere no modo como os governantes eleitos vão priorizar uma determinada pauta; uma
vez que as pautas são levadas pelos grupos de interesse ao governo, a agenda de demandas
a ser atendida também demonstra quais grupos tem maior importância e proximidade com
o poder, assim como externam como o próprio poder se estrutura na manutenção ou
6 Fernandes (2002); Landim (1998).
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ruptura com determinados grupos ou de determinados privilégios. Aprofundando a
questão, é no âmbito do Legislativo que as coalizões políticas se estabelecem e, voltar o
foco para estas coalizões é de suma importância, haja vista que, segundo Celina Souza
(2006), na maioria dos países ainda não foram formadas coalisões políticas capazes de
estabelecer políticas públicas que impulsionem o desenvolvimento econômico e
promovam inclusão social. No Brasil, a sociedade civil começa a
se organizar como um ato de resistência ao governo autoritário. Em geral, na década de
80, diversos setores da sociedade se organizavam em torno das iniciativas da Igreja
Católica e das Organizações Não-Governamentais (ONG’s), iniciativa incipiente à época,
mas que viria a ser um dos principais modelos de articulação e gestão social no país após
a redemocratização (LANDIM, 1998; FERNANDES, 2002;).
As estratégias políticas desenvolvidas pelas OSC e pelos movimentos sociais, ao
longo da fase final do autoritarismo militar (1977-1985), marcadas por novas
práticas de envolvimento cívico, foram criadas para promover
encontros/reuniões abertas, deliberações públicas e processos de implementação
transparentes no intuito de superar esses legados políticos. Novas formas de
associativismo voluntário e novas práticas públicas, fomentando, assim, novas
formas de engajamento cívico. De forma relevante, esses esforços são parte de
uma campanha mais ampla para o aprofundamento e expansão do campo das
práticas democráticas (AVRITZER, WAMPLER, 2004:212).
Em tempos de autoritarismo, a principal pauta dessas organizações dizia respeito
à garantia de direitos básicos e de participação política livre, os quais o Estado não se via
obrigado legalmente a assegurar. Mais tarde, os efeitos desse tipo de manifestação de
setores cada vez mais organizados e atuantes se tornaram clausulas constitucionais, cujos
direitos básicos – saúde, educação, liberdade de expressão, de associação, alimentação e
moradia – foram assegurados, pelo menos, no sistema legal.
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PÓS-88: A SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E O PODER LEGISLATIVO
A partir da redemocratização da década de 1980, foram permitidas coalizões entre
organizações da sociedade civil (OSC) e atores políticos, gerando novos formatos
institucionais. As estratégias políticas de tais organizações são movimentadas, de um
modo geral, “pela necessidade de encontrar soluções imediatas para problemas sociais,
assim como pelo interesse mais geral de ampliar o acesso dos cidadãos comuns aos
processos de tomada de decisão pública” (AVRITZER, WAMPLER, 2004:211).
Organizações da sociedade civil têm promovido reformulações institucionais
como meio para desafiar o legado de relações sociais hierárquicas, que gerou
uma arena pública confinada e o controle patrimonial do Estado, os quais têm
caracterizado o processo histórico de construção da nação (nation building) e
modernização (no Brasil). Os baixos níveis de organização cívica e participação,
que marcaram a maior parte do século XX, impregnaram as sociedades civil e
política no Brasil, contribuindo para o fortalecimento das políticas de
clientelismo e patrimonialismo. O clientelismo, baseado na cultura do favor e
nas trocas pessoais entre indivíduos de diferentes classes sociais e políticas,
permanece como característica predominante na maior parte do país
(AVRITZER, WAMPLER, 2004:212).
Desde os anos 1980, o desafio de redefinir o papel do Estado começava por
instituir uma credibilidade, ferida à ocasião pelas décadas de dilapidação feitas pelas elites
e pelos planos econômicos fracassados. Numa esfera micro, grupos se articulavam na
sociedade para que suas demandas entrassem nas pautas, exigindo do Estado que este não
fosse “mínimo”, dado a autonomia que diferentes setores sociais conquistaram à época
(FAUSTO, 1995). Por mais que as demandas dependam da interação entre os atores
envolvidos, entender como o governo se estrutura é fundamental, uma vez que ele se
constitui como lócus onde ocorre o debate de ideias e interesses, em que se estabelecem
os conflitos que limitam as decisões governamentais e se manifestam as possibilidades
de cooperação entre governos, instituições e grupos sociais (SOUZA, 2006).
Ao falar das
relações e dos conflitos gerados pela diversidade de interesses e ideias que tangem a
esfera pública, é importante esclarecer os impactos trazidos pela Constituição de 1988. O
desenho federativo elaborado pela Constituinte, à ocasião, descentralizou os poderes ao
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prover a possibilidade de estados e municípios tomarem algumas decisões
governamentais locais, além de prever a participação da sociedade civil nas mesmas,
independentemente do nível dessas decisões. Contudo, subordinou os entes federativos à
União e suas decisões regulatórias, especialmente por não lidar com as diferenças
econômicas entre estes entes, em virtude da dependência fiscal da União (SOUZA, 2005).
Dessa forma, é difícil que o legislativo estadual e municipal tome grandes passos
rumo à mudanças na agenda estabelecida pela esfera federal, dificultando também a
regulamentação dos mecanismos de participação da sociedade civil para o atendimento
de demandas locais. Outro entrave ao exercício da soberania popular é a ausência de uma
lei orgânica específica para a regulamentação da atuação da sociedade civil como um dos
entes habilitados para propor, votar e vetar políticas públicas, limite imposto pelo não
estabelecimento nos dispositivos constitucionais às normas para o exercício do poder
direto do povo (SOUZA, 2003). Soma-se a este processo a cidadania tutelada pelo
assistencialismo e a crescente litigiosidade das relações entre setores sociais pós-
Constituição de 1988.
Note-se que a questão econômica é importante, não para lidar com uma análise
dos gastos com políticas públicas, mas para conhecer os mecanismos que determinam o
destino dos recursos governamentais para o atendimento das demandas. É na arena
política que o fenômeno da interação entre agentes civis e públicos ocorre: as demandas
nascidas na sociedade são levadas ao governo por meio de suas instituições mediadoras
– movimentos sociais, ONG’s, grupos de interesses – deslocando o eixo da ação coletiva
da sociedade civil para a sociedade política. Os múltiplos sujeitos que compõem o tecido
social não têm recursos para se constituírem - por si só - como uma força coletiva, gerando
a necessidade de convergência em torno de uma arena comum, ou seja, o Estado (GOHN,
2010). É na normatização em forma de leis e regras que a arena de conflito insuflada pelas
diferentes demandas são demarcadas e limitadas. O Estado brasileiro vem repensando
a forma de se posicionar diante das questões sociais oriundas das desigualdades históricas
presentes no tecido social. Enquanto o governo pensa em mecanismos de gestão das
demandas sociais, a população, por sua vez, demonstra interesse em participar tanto das
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decisões governamentais quanto dos mecanismos que amortizem as questões sociais.
Fernandes (2002) aponta que uma dessas vias de participação é o estabelecimento do
terceiro setor no Brasil – um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam a
produção de bens e serviços públicos, ou seja, aqueles que não geram lucros e que
correspondem às demandas coletivas. Este é um viés democrático da participação civil
porque ampliam as possibilidades do exercício da cidadania, resguardado o fato de que
suas funções não são substitutivas às funções do Estado. Sobre a participação da
sociedade civil nas questões sociais, Gohn (2010) afirma que as ações coletivas tiveram
o foco transferido dos agentes para as demandas sociais: o eixo deixa de ser a sociedade
civil para ser a sociedade política articulada pelas normativas do Estado que convergem
estes movimentos para o poder estatal, especialmente no plano federal. Deste modo, as
demandas sociais são identificadas e atendidas de forma holística, permitindo, ao mesmo
tempo, que o Estado tenha maior controle sobre a esfera social.
LIMITES E POSSIBILIDADES DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
NO LEGISLATIVO
Se há algum consenso, tanto entre os estudiosos quanto no senso comum, este se
refere à insuficiência do sistema representativo como sistema de expressão da vontade
popular. A participação ativa da população no processo legislativo pode despontar como
uma via para um exercício democrático mais direto ou, pelo menos, mais intenso do que
o estabelecido pelo calendário eleitoral. A admissão constitucional da iniciativa popular
é um modo eficaz de corrigir as distorções no entendimento dos termos “todo poder
emana do povo” e “soberania popular”, cuja presunção de plenitude ainda carrega como
expressão a participação do processo eleitoral (SOUZA, 2003).
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Como alternativa, Souza (2003) propõe a atividade dos lobbies7organizados pelos
grupos que defendem seus direitos de forma mais sistemática, tornando cada vez mais
assertiva a participação cidadã, uma vez que a Constituição de 1988 coloca o povo como
centro das ações governamentais, indicando um rompimento com o ordenamento jurídico
anterior8. Contudo, o autor afirma que, para que essa norma se torne efetiva, é preciso que
os princípios constitucionalmente resguardados sejam incorporados à rotina da
população. Se a manutenção dos direitos sociais já está arraigada como prática discursiva
da maior parte dos cidadãos, agora se faz necessário o exercício em plenitude dos direitos
políticos para que, assim, seja possível afirmar que o Brasil atingiu alguma maturidade
democrática.
A CLP pode se apresentar como um campo privilegiado para o exercício de
participação política, enquanto a inciativa popular ainda não ganha contorno normativo
em forma de uma lei específica sobre a matéria. Considerando as colocações acima, temos
que um dos limites para a efetivação da CLP, enquanto mecanismo pelo qual a sociedade
possa participar das decisões políticas, é o desconhecimento técnico-legal da maior parte
da população, afastada em demasia das normas que regem esse dispositivo. O esforço de
mobilização – portanto, da transformação de agentes da sociedade em uma organização
da sociedade – é comprometido pelo sistema desacreditado pelo clientelismo, já apontado
na literatura política clássica, mas também pelo desconhecimento dos mecanismos que já
estão disponíveis como canais mais diretos entre os governantes e a população.
A COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA
7Grupos de interesse organizados produzem lobby por meio do uso de informações, ação coletiva etc., a
fim de influenciar decisões governamentais. Embora a tradição pluralista da Ciência Política veja como
positiva a produção do lobby, por considerá-lo necessário ao equilíbrio das escolhas no escopo do processo
decisório, de modo geral, o lobby é tido como um problema para a democracia, tendo em vista a corrupção
no âmbito do sistema representativo e a concentração de poder de influência nas mãos dos grupos detentores
de recursos (SANTOS, 2011). 8 A Constituição de 1988 ficou conhecida como a Constituição Cidadã.
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Criada no ano de 2011, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos
Deputados objetiva a promoção da participação da sociedade civil no processo de
elaboração legislativa. A participação na CLP se dá por meio de entidades civis
organizadas, Organizações Não Governamentais (ONGs), sindicatos, associações ou
órgãos de classe. Tais associações apresentam suas sugestões legislativas junto à
Comissão. Para tanto, a CLP disponibiliza, ainda, um Banco de Ideias em sua página na
internet destinado às propostas individuais (BRASIL, 2015). Além de avaliar as sugestões
de iniciativa legislativa, a CLP trata de estudos e pareceres técnicos apresentados pela
diversidade de organizações acima citada, com exceção dos partidos políticos,
organismos internacionais e órgãos e entidades da administração pública direta e indireta
de qualquer dos Poderes da União (ANASTASIA, NUNES, 2006; LORDÊLO, 2009).
Sendo uma das comissões permanentes, sua criação surge como parte das
propostas de aproximação entre o Legislativo e a sociedade, processo iniciado no contexto
da redemocratização da década de 1980. A CLP foi uma iniciativa do então Presidente da
Casa, o deputado federal Aécio Neves (ano de 2001). Além deste, outro ator pode ser
identificado como central no momento da criação da Comissão, qual seja, a também
deputada federal Luiza Erundina, primeira presidente da CLP e importante formuladora
e articuladora da criação da Comissão (SILVA, 2009).É importante ressaltar que a
proposta de criação da Comissão foi aprovada com o apoio de todos os partidos políticos
que à época se faziam representados na Câmara dos Deputados (BARBOSA, 2013).
A Constituição de 1988 ficou conhecida como Constituição Cidadã, devido ao
espaço nela concedido à participação da sociedade na formulação de políticas públicas –
elemento fundamental para a democracia -, através da criação de modelos participativos
capazes de conferir ao cidadão protagonismo na esfera pública (BARBOSA, 2013).
Anastasia e Nunes (2006), em artigo sobre a reforma da representação política,
apontam para as demandas atuais da representação política, enfatizando a necessidade da
consolidação de um Poder Legislativo que seja expressivo em relação à pluralidade
presente na sociedade e capaz de fomentar o debate público. Os autores definem
“representação política” como:
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O conjunto das relações estabelecidas entre os cidadãos e os governantes eleitos.
Os primeiros são, nas democracias, os sujeitos detentores de soberania política e
a utilizam para autorizar outros, os governantes, a agirem em seu nome e no
nome de seus melhores interesses. Os cidadãos são os mandantes, os governantes
são os mandatários, estejam eles no Poder Executivo – presidente, governador,
prefeito – ou no Poder Legislativo – senadores, deputados federais, deputados
estaduais ou vereadores (ANASTASIA, NUNES, 2006:17).
Para Barbosa (2013):
Na sociedade moderna a representação constitui elemento fundamental para a
Democracia. No entanto, ela, por si só, não é suficiente. É necessário
mecanismos institucionais capazes de incluir a participação da sociedade civil
no processo de produção de novas leis. Por conseguinte, o governo
representativo se torna mais democrático quando se aproxima de forma dinâmica
do cidadão (BARBOSA, 2013:24).
Anastasia e Nunes (2006) também chamam atenção para a necessidade da
existência de “canais permanentes, institucionalizados e deliberativos de interação entre
as instâncias de representação e de participação política” (ANASTASIA, NUNES,
2006:26). A experiência proporcionada pela criação da Comissão aproxima as
organizações da sociedade civil dos congressistas, ou ainda, a participação da
representação, fomentando a representação política formal, dado que amplia os canais
institucionalizados de vocalização de interesses (BARBOSA, 2013).
Para Barbosa (2013), a CLP-CD confere aos cidadãos três funções, estando estas
interligadas: aprendizado (acerca da relação entre interesse público e privado e do
processo legislativo), aproximação da sociedade civil com as definições que afetam suas
vidas e maior legitimidade do poder público junto à sociedade civil, uma vez que as
sugestões aprovadas estão assentadas na participação política.
O exercício da soberania popular é garantido por alguns dos dispositivos presentes
na Constituição de 1988. São eles: plebiscito, referendo e iniciativa popular. A CLP surge
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como uma forma de reconhecimento das limitações de aplicação destes mecanismos9.
Para tanto, a Comissão recebe e administra as propostas legislativas encaminhadas à
Câmara por entidades da sociedade civil (AVRITZER, 2006; MIOLA, 2009).
Algumas experiências
serviram de inspiração para a criação da CLP. A principal referência foi a Comissão de
Petições do Parlamento Europeu, bem como outras experiências nas formas de
participação desenvolvidas, em geral, nas democracias mais consolidadas (SILVA, 2009;
LORDÊLO, 2009).
Nesse sentido, a CLP-DP vem, portanto tentar desfazer as limitações que se
interpuseram ao avanço de uma participação mais efetiva da sociedade no âmbito
do legislativo. Participação esta, calcada na efetivação dos mecanismos de
exercício direto do poder inscritos na Constituição Federal (SILVA, 2009:51).
Os temas contemplados pelas sugestões legislativas encaminhadas à CLP são
diversos, tais como habitação, meio-ambiente, administração pública, criação de
universidade federal, alterações em leis, entre outros (LORDÊLO, 2009). Em geral, os
deputados das Comissões Permanentes se especializam nos assuntos referentes à sua área,
mas a situação diferenciada da CLP não comporta esse perfil de especialização, uma vez
que, enquanto as Comissões temáticas podem fazer suas consultas à Consultoria
Legislativa - sempre no campo correspondente à sua atuação -, as sugestões encaminhadas
à Comissão em questão são, como já dissemos, diversas. Desta forma, ao realizar uma
consulta, o relator pode buscar informações em qualquer uma das vinte áreas de
conhecimento em que se divide a Consultoria, de acordo com o tema da proposta recebida
(LORDÊLO, 2009).
9Segundo Souza (2003), desde a previsão em Constituição do plebiscito ainda nos anos 1960, esse
dispositivo foi acionado em questões de interesse nacional apenas três vezes. Além disso, a iniciativa
popular ainda carece de regulamentação em lei específica, como exposto acima.
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A sociedade civil organizada pode emitir toda e qualquer sugestão que seja da
competência das comissões permanentes, estando vedada a apresentação das seguintes
sugestões legislativas: Proposta de Emenda à Constituição (PEC), Requerimento para a
Criação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) e Sugestão de Proposta de
Fiscalização e Controle (PFC). Estão vetadas, ainda, proposições que sejam de iniciativa
do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do
Ministério Público, bem como aquelas da competência dos estados e municípios. A tabela
abaixo, baseada no trabalho de Burgos (2007), apresenta os tipos de propostas que podem
ser apresentadas pela sociedade à CLP.
TABELA 1
TIPO DE SUGESTÃO DESCRIÇÃO
Projeto de lei complementar Sugere a regulamentação de matéria para a
qual a Constituição faz exigência expressa.
Projeto de Lei Sugere disciplinar assuntos próximos à
legislação ordinária ou comum.
Projeto de Resolução Sugere a alteração do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados.
Requerimento solicitando Audiência
Pública
Sugere a realização de audiência pública
com entidades da sociedade civil que
contribuam para o debate das proposições.
Requerimento solicitando
depoimento de cidadão ou autoridade
Solicita o depoimento de autoridade ou
cidadãos para debaterem proposições na
Comissão.
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Requerimento de convocação de
Ministro de Estado
Sugestão para convocar Ministros de Estado
para prestar informações sobre assuntos
previamente determinados, no documento da
convocação.
Requerimento de informação a
Ministro de Estado
Requerimento encaminhado pela Mesa da
Câmara dos Deputados para solicitar
informações aos Ministros de Estado, aos
representantes de órgãos hierárquicos ou
entidades vinculadas ao Ministério, sempre
direcionado ao titular da Pasta.
Projeto de Decreto Legislativo Espécie de veto legislativo que suspende a
aplicação de regulamentos e normas
originadas do Poder Executivo nos quais
possam ter existido excessos no uso do poder
de regulamentar por parte da administração
federal.
Projeto de código ou de consolidação Sugere alterações diversas a textos legais
relativos a um mesmo assunto. Exemplos:
Código de Defesa do Consumidor,
Consolidação das Leis do Trabalho, Códigos
Pena, Civil, etc.
Proposta de emenda à Lei
Orçamentária e a seu Parecer
Preliminar
Sugestões que permitem sugerir despesas e
investimentos por parte da União a serem
inclusos no Orçamento Geral da União.
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Proposta de emenda ao Plano
Plurianual
Propõe alterações ao Plano plurianual –
PPA.
Fonte: Adaptado de Lordêlo (2009).
O Selo de Participação Legislativa tem o objetivo de divulgar o trabalho da
Comissão e homenagear as organizações que dela participam. O quadro a seguir é
referente ao Selo do ano de 2014 e traz as categorias, com suas respectivas descrições, e
as organizações homenageadas. O selo 2014 conferiu prêmios às organizações que
participaram junto à CLP-CD entre os anos de 2001 e 2014 em quatro categorias:
TABELA 2
CATEGORIAS ORGANIZAÇÕES VENCEDORAS
Categoria I: Entidades que
apresentaram o maior
número de sugestões na
CLP desde 2001
Associação Comunitária do Chonin de Cima – ACOCCI;
Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA;
Conselho Social de Estrela do Sul – CONDESESUL
Categoria II: Entidades
que tiveram o maior
número de sugestões
aprovadas na CLP desde
2001
Associação Comunitária do Chonin de Cima – ACOCCI;
Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA;
Conselho Social de Estrela do Sul – CONDESESUL;
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Categoria III: Entidades
cujos eventos
apresentaram o maior
número de participantes
desde 2001
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais – ABLGT;
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde –
CNTS;
ONG SOS Segurança dá Vida
Categoria IV: Entidades
indicadas por trabalhos
relevantes para o País:
Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE;
Movimento Xingu Vivo para Sempre;
SOS Mata Atlântica.
Fonte: Adaptado BRASIL (2015)
Com base nos dados saídos do Selo de Participação Legislativa 2014, podemos
perceber que os grupos de minorias – geralmente classificados junto aos grupos de
direitos humanos (LORDÊLO, 2009) – são aqueles que participam de forma mais
assertiva junto à Comissão. São eles: Centro Feminista de Estudos e Assessoria
(CFEMEA), Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (ABLGT) e Movimento Xingu Vivo para Sempre. Também figuram a
premiação a Associação Comunitária do Chonin de Cima (ACOCCI), Associação dos
Juízes Federais do Brasil (AJUFE), Conselho Social de Estrela do Sul (CONDESESUL)
e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS). Entre as ONGs, estão
a SOS Segurança dá Vida e a SOS Mata Atlântica.
As entidades que apresentaram o maior número de sugestões (Categoria I) entre
2001 e 2014 também foram aquelas que tiveram o maior número de sugestões aprovadas
(Categoria II) na Comissão – ACOCCI, CFEMEA e CONDESESUL -, sugerindo uma
relação entre participação e efetivação, naquilo que se refere ao atendimento de
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demandas. Chamamos a atenção, contudo, para a necessidade de se observar os aspectos
particulares de cada uma dessas organizações, uma vez que os resultados podem estar
influenciados por outros fatores, tais como recursos relativos, acesso à informação, aos
parlamentares, corresponderem à causas sensíveis à opinião pública, manutenção de
agentes para acompanhamento diário no Parlamento, entre outros.
No mesmo sentido, é possível afirmar que, entre as organizações da sociedade
civil, há algumas que, por possuírem relações diretas com parlamentares, membros do
Poder Executivo e estruturas mais formalizadas naquilo que se refere às suas relações
com o Estado, podem atuar diretamente nas Comissões temáticas e no plenário, tornando
a CLP um mecanismo pouco útil para a consecução de seus interesses. Isso significa dizer
que as organizações mais bem estruturadas não precisam canalizar suas demandas por
meio da CLP, uma vez que conseguem fazê-lo de forma direta – junto aos parlamentares
e às Comissões temáticas. A Categoria
III se refere às entidades cujos eventos apresentam o maior número de participantes e nela
foram premiadas a ABLGT, a CNTS e a SOS Segurança da Vida. Essas entidades ainda
carecem de maior análise; Contudo, o alto número de participantes engajados
politicamente nos leva a crer que estes são movimentos oriundos de setores que, embora
ainda lutem pelo reconhecimento de seus direitos sociais, já contam com reconhecimento
social, o que leva a uma maior legitimação de suas pautas como sendo de interesse
público. O mesmo ocorre com a Categoria IV – entidades indicadas por trabalhos
relevantes para o país –, que premiou a AJUFE, o Movimento Xingu Vivo para Sempre
e a ONG SOS Mata Atlântica. É possível inferir que estas últimas duas organizações
possuem um trabalho que vem sendo desenvolvido há anos e que, por esta razão,
mobilizam diversos agentes, organizam e estruturam sua ação. Já a AJUFE se refere à
uma categoria profissional de forte expressão, qual seja, a dos juízes federais, no sentido
de recursos. Podemos verificar que esta última instituição nos aparece como exceção ao
perfil das organizações que procuram a CLP para legitimar publicamente suas demandas.
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CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como objetivo lançar uma luz sobre a Comissão de
Legislação Participativa da Câmara dos Deputados enquanto objeto de pesquisa na área
de Ciência Política. Buscamos apresentar seus aspectos gerais e algumas das formas de
se pensar sua existência frente às alterações nas relações entre Estado e sociedade civil
ocorridas a partir do período de redemocratização da década de 1980 e da instauração da
nova Carta.
Consideramos os dados oriundos do Selo de Participação Legislativa 2014
insuficientes naquilo que se refere às conclusões mais amplas e à análise mais detalhada
do funcionamento e dos resultados concernentes à CLP. Contudo, tendo em vista que este
trabalho se inscreve em uma pesquisa mais ampla – sendo, portanto, um primeiro
subproduto – sobre a participação da sociedade civil organizada na arena legislativa via
CLP-CD- e dos segmentos que através dela canalizam suas demandas de forma mais
assertiva -, sua análise nos permite traçar algumas considerações e avaliar, a seguir, os
componentes presentes no campo.
Em primeiro lugar, nos parece insuficiente analisar a participação das
organizações na CLP sem que, antes, sejam averiguadas suas trajetórias – em termos de
sua formação, organização e, principalmente, de suas relações junto ao poder público - ea
recepção de sua área temática – minorias, meio ambiente ou religião, por exemplo –junto
à opinião pública, uma vez que temas sensíveis e correntes no debate popular, de um
modo geral, podem receber tratamento diferenciado nas arenas estatais. Além
disso, é de enorme importância analisar de que maneira os recursos relativos de uma
determinada organização são capazes de influenciar na sua atuação junto à Comissão. Se
grupos organizados de empresários, agricultores e médicos, por exemplo, não figuram
entre aqueles que mais participam da Comissão, podemos sugerir que possuem outros
canais de vocalização de seus interesses, mais diretos, tais como nas Comissões temáticas
e com os parlamentares. As organizações que representam os interesses de minorias, por
outro lado, figuram entre aquelas que mais participam da CLP-CD, sugerindo que são
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mais estreitos os acessos a canais de expressão mais diretos. O mesmo pode ser pensado
para associações de moradores e organizações que se referem ao meio ambiente.
A CLP, assim, constitui-se em um esforço no sentido de atender o anseio da
sociedade por uma participação política com aspectos mais diretos que o sistema
representativo pode oferecer. Coexistem com ela alguns mecanismos de poder político
por parte da sociedade civil organizada, como o Orçamento Participativo e outras parcas
iniciativas de consulta popular, a exemplo do plebiscito. Contudo, tais dispositivos estão
condicionados à disposição do Legislativo – independente do ente federativo – para a
realização da consulta popular. Ambos, ainda, dizem respeito às pautas já estabelecidas
pelo Estado, algumas vezes em condições que se quer passaram por algum tipo de
mobilização popular. Destacamos assim, a necessidade de alargar a CLP como um campo
de estudo: são poucas as produções que dão destaque a este mecanismo de participação
política e a própria Câmara dos Deputados não tem disponibiliza dados de forma ampla,
de modo a auxiliar na mensuração da eficiência da apresentação de demandas e,
sobretudo, do atendimento das mesmas.
Sendo assim, não é possível ainda afirmar sua eficiência prática, ou seja, o nível
de satisfação das entidades que buscaram a CLP para incorporar suas demandas à uma
agenda política privilegiada. Afirmamos, com base nas suas disposições institucionais,
que este mecanismo não garante que os interesses da sociedade sejam atendidos, sendo,
antes, uma espécie de filtro submetido à ação governamental, limitada pela
competitividade eleitoral e aos agentes que possuem mais recursos relativos. Mas seus
efeitos, ainda restritos à pedagogia política, indicam que o caminho da normatização tem
sido privilegiado pela sociedade civil organizada por apresentar maior proximidade às
esferas de decisão governamental e, uma vez na agenda, que o tema ganhe respaldo
institucional.
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