parque nacional de brasilia

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66 PLANO BRASÍLIA Mancha verde ameaçada Parque Nacional de Brasilia sobrevive ao longo de cinco décadas, sempre ameaçado pela especulação imobiliária Meio Ambiente S ão 42 mil hectares de cerrado preservado por lei há 50 anos. Chegar ao coração do Parque Na- cional de Brasília e olhar a imensidão verde que abriga centenas de espécies de animais e plantas,traz a sensação de quietude. No dito popular: é chão que não acaba mais, mas acaba. A imensa mancha verde está ilhada e ameaçada pelo avanço desenfreado das cidades do Distrito Federal e por todos os problemas gerados pelo adensamento populacional. O que muita gente pensa ser apenas o clube Água Mineral, não sabe que naquele “mato torto” nascem águas que abastecem parte do DF, aju- dam a regular o clima e servem de base a dezenas de estudos científicos. A equipe de reportagem da Plano Brasília acompanhou os agentes am- bientais federais Valdivino Bernardes de Moraes e Otaciano Matos, subchefe da fiscalização em uma expedição que começou a partir da Administração que fica ao lado do clube Água Mineral, o único espaço aberto à visitação pública que tem acesso pela via EPIA. Os caminhos pelo Parque começa- ram pela via Epia e depois pela via EPCT, que dá acesso ao chamado Lago Oeste para que os agentes pudessem abrir um dos portões a um grupo de pesquisado- res da Universidade de Brasília (UnB). Ainda no asfalto, Otaviano apontou para algumas construções. “São áreas invadidas. Essas pessoas se dizem donas, mas não possuem documentos para comprovar posse.” Os processos estão à espera de uma decisão na justiça, cuja lentidão é motivo de crítica por parte do agente. O Lago Oeste é separado do Parque pela estreita Epct, onde consta- tamos a existência de áreas invadidas e abastecidas por poços artesianos que, além de impactar negativamente o meio ambiente, também não estão regulariza- das e passíveis de constantes autuações por parte do poder público. Outro esforço é desocupar áreas que foram anexadas ao DF para abrir espaços até o estado de Goiás na tenta- tiva de se formar um corredor natural para que os animais tenham por onde sair para regiões próximas. Na estrada de chão que margeia os limites da área, mais invasões.É possível encontrar car- caças de carros e de gado pelo caminho. “Muitos ladrões ateiam fogo nos carros aqui. Eles tiram pneus, rádio, algumas peças e queimam o resto só por causa das digitais”, explicou o agente. MONTANHA DE DEJETOS À medida que se avança na estrada, os sinais da cidade Estrutural e do lixão começam aparecer. Moscas, urubus e sujeira – literalmente uma montanha de sujeira –, tomam conta da paisa- gem. Grandes tubos são visíveis no alto da montanha de dejetos. Eles são fundamentais para a liberação do gás metano, mas podem provocar o efeito estufa. A inalação da substância tam- bém causa asfixia e paradas cardíacas. Outro produto do lixo é o chorume, a substância líquida resultante da de- composição da matéria orgânica. Este material é extremamente poluente e os danos à saúde são imprevisíveis. No lixão de Brasília, o chorume é depositado num enorme tanque isolado por lonas. Existe o temor de que o material contamine o solo e os lençóis freáticos. É possível ver tocos de plástico e metal ao longo da pista próxima à montanha de sujeira. São tubos por onde a Companhia de Saneamento do DF (Caesb) retira amostras de água dos lençóis freáticos que passam por ali para analisar os índices de contaminação. Outro alvo de constante análise é a nascente do córrego Peito de Moça. A água brota da terra há poucos metros de casa construída ilegalmente e de uma carcaça de carro incendiado. “Antiga- mente a água jorrava como se fosse um cano quebrado”, lembrou o agente Val- divino. “Mas daí construíram essa casa e furaram um poço. Agora a nascente Por: Djenane Arraes | Fotos: Victor Hugo Bonfim

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Parque nacional é ameaçado pela urbanização - revista Plano Brasilia

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Page 1: Parque Nacional de Brasilia

66 PLANO BRASÍLIA

Mancha verdeameaçada

Parque Nacional de Brasilia sobrevive ao longo de cinco décadas, sempre ameaçado pela especulação imobiliária

Meio Ambiente

São 42 mil hectares de cerrado preservado por lei há 50 anos. Chegar ao coração do Parque Na-

cional de Brasília e olhar a imensidão verde que abriga centenas de espécies de animais e plantas,traz a sensação de quietude. No dito popular: é chão que não acaba mais, mas acaba. A imensa mancha verde está ilhada e ameaçada pelo avanço desenfreado das cidades do Distrito Federal e por todos os problemas gerados pelo adensamento populacional. O que muita gente pensa ser apenas o clube Água Mineral, não sabe que naquele “mato torto” nascem águas que abastecem parte do DF, aju-dam a regular o clima e servem de base a dezenas de estudos científicos.

A equipe de reportagem da Plano Brasília acompanhou os agentes am-bientais federais Valdivino Bernardes de Moraes e Otaciano Matos, subchefe da fiscalização em uma expedição que começou a partir da Administração que fica ao lado do clube Água Mineral, o único espaço aberto à visitação pública que tem acesso pela via EPIA.

Os caminhos pelo Parque começa-ram pela via Epia e depois pela via EPCT, que dá acesso ao chamado Lago Oeste para que os agentes pudessem abrir um dos portões a um grupo de pesquisado-res da Universidade de Brasília (UnB).

Ainda no asfalto, Otaviano apontou para algumas construções. “São áreas invadidas. Essas pessoas se dizem donas, mas não possuem documentos para comprovar posse.” Os processos estão à espera de uma decisão na justiça, cuja lentidão é motivo de crítica por parte do agente. O Lago Oeste é separado do Parque pela estreita Epct, onde consta-tamos a existência de áreas invadidas e abastecidas por poços artesianos que, além de impactar negativamente o meio ambiente, também não estão regulariza-das e passíveis de constantes autuações por parte do poder público.

Outro esforço é desocupar áreas que foram anexadas ao DF para abrir espaços até o estado de Goiás na tenta-tiva de se formar um corredor natural para que os animais tenham por onde sair para regiões próximas. Na estrada de chão que margeia os limites da área, mais invasões.É possível encontrar car-caças de carros e de gado pelo caminho. “Muitos ladrões ateiam fogo nos carros aqui. Eles tiram pneus, rádio, algumas peças e queimam o resto só por causa das digitais”, explicou o agente.

Montanha de dejetosÀ medida que se avança na estrada,

os sinais da cidade Estrutural e do lixão começam aparecer. Moscas, urubus e

sujeira – literalmente uma montanha de sujeira –, tomam conta da paisa-gem. Grandes tubos são visíveis no alto da montanha de dejetos. Eles são fundamentais para a liberação do gás metano, mas podem provocar o efeito estufa. A inalação da substância tam-bém causa asfixia e paradas cardíacas. Outro produto do lixo é o chorume, a substância líquida resultante da de-composição da matéria orgânica. Este material é extremamente poluente e os danos à saúde são imprevisíveis.

No lixão de Brasília, o chorume é depositado num enorme tanque isolado por lonas. Existe o temor de que o material contamine o solo e os lençóis freáticos. É possível ver tocos de plástico e metal ao longo da pista próxima à montanha de sujeira. São tubos por onde a Companhia de Saneamento do DF (Caesb) retira amostras de água dos lençóis freáticos que passam por ali para analisar os índices de contaminação.

Outro alvo de constante análise é a nascente do córrego Peito de Moça. A água brota da terra há poucos metros de casa construída ilegalmente e de uma carcaça de carro incendiado. “Antiga-mente a água jorrava como se fosse um cano quebrado”, lembrou o agente Val-divino. “Mas daí construíram essa casa e furaram um poço. Agora a nascente

Por: Djenane Arraes | Fotos: Victor Hugo Bonfim

Page 2: Parque Nacional de Brasilia

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está minguando”. A população que vive abaixo da linha da pobreza também in-vade o Parque para pescar na barragem de Santa Maria. Caçadores também atuam clandestinamente lá dentro.

O bicho homem também é res-ponsável pela entrada de cachorros e gatos. No meio natural, explica o biólogo Guth Berger, os animais do-mésticos tornam-se selvagens e caçam animais menores, provocando dese-quilíbrio na frágil cadeia do Parque. “Os felinos, por exemplo, são animais que costumam caçar apenas para matar. Faz parte do instinto deles. Já ouvi algumas histórias sobre matilhas de cachorros lá dentro”, explicou.

Esses problemas não estão con-centrados apenas nos limites da área de preservação. No interior, próximo à barragem de Santa Maria, existem algumas clareiras de terra vermelha e solo duro. “Isso está aí desde a época da construção de Brasília”, disse Ota-ciano. “Extraíram tantos minerais que nem grama conseguiu nascer de novo. Mas há projetos para tentar recuperar essas clareiras.”

CiênCia beM-vinda“Vou mostrar a você o lado feio e o

bonito do Parque”, prometeu Otaciano antes de embarcarmos na caminhonete para a ronda. O lado bonito é a própria exuberância do cerrado. Podemos encontrar campos sujos, limpos e até pinturas rupestres. Há cerrado denso e galerias – que se assemelham muito com o aspecto da mata Atlântica. O lado feio é todo o tipo de mal que as pessoas causam àquele ambiente. Mas existe a ação humana que é desejável: a científica. Existem dezenas de grupos de pesquisadores que atuam dentro do Parque Nacional de Brasília.

Depois de liberar a entrada para os pesquisadores da UnB a caminho do interior, a equipe de reportagem cruzou com alguns desses pesquisado-res. O primeiro deles, um grupo de analistas ambientais, fazia mapeamen-tos de espécies de pássaros. Naquele ambiente também são encontrados

animais ameaçados de extinção como o Lobo-Guará e a Sussuarana, além de capivaras, antas, tamanduás e diversas espécies de répteis e anfíbios.

Ao longo da estrada de chão, onde não raras às vezes minas d’água surgiam por ali, existem laços de panos de cores fortes, recurso que pesquisadores utili-zam para demarcar áreas. Algumas delas estão cercadas com linhas e barbantes. “Tem muito estudos sobre plantas medicinais por aqui”, disse Otaciano. “A estrela do momento dos pesquisadores é a ‘Canela de Ema’, uma planta medi-cinal e que também pode ser combus-tível”. Estima-se que 10% das espécies de árvores e arbustos sejam medicinais, como a popular arnica-brasileira que é muito usada pela população como anti--inflamatório e analgésico.

treMores registradosEm alguns pontos do Parque é

possível ver instrumentos redondos de metal que lembram grandes teias de aranha fincadas ao chão. Perto delas existem outros aparelhos fixados em bases de cimento. São as estações sismográficas de alta sensibilidade, ad-ministradas e usadas pelo Observatório Sismológico da UnB. Algumas delas estão em atividade desde 1968, quando a Unesco recomendou a instalação do equipamento no Parque Nacional de Brasília. “O Parque foi escolhido para se instalar os arranjos por sua localização, pela geologia favorável, e por ser um ambiente de quietude sísmica. Ou seja, não havia trafego de carros e de pessoas”, explicou Lucas Vieira Barros, chefe do Observatório Sismológico. No parque estão também instalados apa-relhos de alta sensibilidade capazes de registrar explosões nucleares realizadas no subsolo e na atmosfera. “Se um país fizer um disparo clandestino, isso será registrado em nossos sistemas”, explicou Barros. É que o Centro Sismológico de Brasília faz parte de uma rede mundial de monitoramento de abalos e o tra-balho dos geólogos da UnB tem papel fundamental neste processo por ser uma das principais bases da América do Sul.