parecer sobre poder do procon em aplicar multas

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 1 Processo nº 080.11.003784-7/00000 Anulatória de Débito Fiscal SIG nº 08.2011.413818-0 Parte principal: Navajo Veículos Ltda Meritíssima Juíza, A empresa Navajo Veículos Ltda. requer a anulação do ato administrativo do Procon de Xanxerê que lhe aplicou multa por infringência ao Código de Defesa do Consumidor. Afirma ter o Procon reconhecido, em processo administrativo, que um consumidor foi lesado em negócio jurídico entabulado com a autora. Todavia, em seu entender, a decisão do Procon lhe retira o direito de acesso à Justiça. Argumenta que compete privativamente ao Poder Judiciário tutelar o direito de uma das partes em detrimento de outra. Alega ter sido negada a realização de perícia no veículo objeto da infração administrativa e que "a tanto não se pode permitir alcance o órgão de defesa do consumidor poder" (fl. 8). Em sua contestação, o Município de Xanxerê requer preliminarmente a suspensão do feito enquanto tramita apelação em ação semelhante. Alega, no mérito, que negar ao Procon o direito de aplicar multas

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Manifestação do MP sobre a possibilidade de o Procon aplicar multas por infração ao direito do consumidor.

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Page 1: Parecer sobre poder do Procon em aplicar multas

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

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Processo nº 080.11.003784-7/00000 Anulatória de Débito Fiscal SIG nº 08.2011.413818-0 Parte principal: Navajo Veículos Ltda

Meritíssima Juíza,

A empresa Navajo Veículos Ltda. requer a anulação do ato

administrativo do Procon de Xanxerê que lhe aplicou multa por infringência ao

Código de Defesa do Consumidor.

Afirma ter o Procon reconhecido, em processo administrativo,

que um consumidor foi lesado em negócio jurídico entabulado com a autora.

Todavia, em seu entender, a decisão do Procon lhe retira o direito de acesso à

Justiça. Argumenta que compete privativamente ao Poder Judiciário tutelar o

direito de uma das partes em detrimento de outra.

Alega ter sido negada a realização de perícia no veículo objeto

da infração administrativa e que "a tanto não se pode permitir alcance o órgão

de defesa do consumidor poder" (fl. 8).

Em sua contestação, o Município de Xanxerê requer

preliminarmente a suspensão do feito enquanto tramita apelação em ação

semelhante. Alega, no mérito, que negar ao Procon o direito de aplicar multas

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quando constatado descumprimento de regras do direito do consumidor

equivale a negar-lhe existência, rebatendo, no mais os argumentos da autora.

É a síntese necessária.

1) Entende o Ministério Público que a preliminar não possa ser

acolhida. Se, de fato, as ações são semelhantes, não é por outro lado possível,

diante das regras de direito processual civil em vigor, a união das ações.

É que, no caso dos autos, já houve sentença na ação com a

qual se alega conexão. Logo, não é possível reunirem-se as ações, já que uma

tramitará no tribunal de justiça e outra no juízo de primeiro grau.

2) No mérito, o Ministério Público acompanha os argumentos

do Município de Xanxerê.

2.1) Inicialmente, diga-se que todo o sistema de proteção e

defesa do consumidor, no Brasil, como de resto em diversos países organizados

do mundo, está centrado, prioritamente, na Administração Pública.

De fato, não parece razoável exigir que toda e qualquer

demanda consumerista seja apenas resolvida no Judiciário. Esta prática, que

postula a autora, tem a gravíssima consequência de assoberbar os juízes com

ações de diminuta importância, como as que se vêem rotineiramente nos

Juizados Especiais Cíveis. Nestas causas, como vem sendo evidenciado, no

mais das vezes o juiz não passa de órgão de proteção dos direitos dos

consumidores, justamente porque, ao contrário do que exige o Código de

Defesa do Consumidor, retira-se da Administração o poder/dever de intervir

nestas relações de consumo.

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Basta ler o Código de Defesa do Consumidor e o Decreto nº

2.181/97, considerado o primeiro uma das leis mais avançadas do país, para se

ter clara ideia do que se pretende demonstrar aqui: no Sistema Nacional de

Defesa do Consumidor os órgãos a que se deve deferir maior poder são,

indubitavelmente, os Procons.

Isso porque, em tema de direito do consumidor, vigem

princípios que conferem maior equilíbrio nas relações contratuais de consumo à

parte fragilizada, ou seja, justamente ao consumidor. Ora, se é assim, é

evidente que, em tema de direito do consumidor, as demandas devem ser

resolvidas da forma mais célere e menos burocrática possível, sempre

causando o mínimo de custos ao consumidor (art. 6º, VIII, do CDC).

Logo, exigir do consumidor lesado por ação do fornecedor que

só tenha acesso à proteção contratual no Judiciário (que exige o pagamento de

custas, a contratação de advogado, o pagamento de perícias) é evidentemente

negar "a facilitação da defesa de seus direitos", direito básico previsto no art.

6º do Código.

Fragilizar o Procon, portanto, é a um só tempo fragilizar o

consumidor e fragilizar o próprio Judiciário. Com milhares de demandas que

poderiam e teriam sido resolvidas pelos Procons, o Judiciário se fragiliza porque

dispenderá seus recursos justamente numa função que não é (e não deve ser)

sua: proteger o consumidor.

Tão certo é o argumento que, veja Excelência!, os princípios

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consumeristas que vigem no Brasil certamente conferirão razão à pretensão do

consumidor. Por que motivos, então, exigir que seu direito seja satisfeito

apenas através da custosa máquina judiciária, quando poderia e deveria ser

imediata e integralmente satisfeito pelo próprio fornecedor?

Quem conheça a experiência de países estrangeiros sabe do

que se está falando. Onde se preza pelos direitos dos consumidores, como, por

exemplo, nos Estados Unidos da América, no Canadá ou na Alemanha, não há

ações judiciais para que um fornecedor respeite o direito de seu consumidor.

Basta, em geral, que o consumidor dirija sua pretensão diretamente ao

fornecedor para receber o que lhe é de direito: a devolução do dinheiro ou um

produto em perfeito estado.

Por que isso ocorre lá e não ocorre aqui? Porque lá, caso não

reconheça o fornecedor o direito do consumidor, os órgãos de proteção e

defesa do consumidor farão o que fez o Procon de Xanxerê: aplicarão

multas que dissuadirão o fornecedor de novas violações.

O que se vê aqui não é diferente. Pela simples leitura das

peças que acompanharam a inicial já se percebe que o consumidor está com

toda a razão. Comprou um Vectra zero quilômetro que começou a apresentar

falhas mecânicas constantes e – ao contrário do que exige o art. 18 do CDC –

não teve o produto substituído pelo fornecedor.

Ora, se está com toda a razão, não é demais concluir que esta

ação só visa a procrastinar o reconhecimento do direito do consumidor: receber

o dinheiro de volta ou ter o produto substituído por outro da mesma espécie,

em perfeitas condições de uso.

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2.2) Bem por isso não se pode afirmar, como o faz a autora,

que a atuação do Procon lhe retirou o acesso à Justiça.

São coisas completamente distintas: a aplicação de multa por

descumprimento de norma consumerista e a obrigação civil de substituição do

produto por outro.

O Procon em momento algum determina à autora que devolva

o dinheiro ou que substitua o produto por outro. Aliás, à fl. 31 consta

expressamente que o Procon orientou o consumidor "para que procure a

Justiça para buscar o ressarcimento de seus valores".

O Procon, como órgão administrativo que é, simplesmente

aplicou sanção administrativa pelo descumprimento de uma norma

administrativa de direito do consumidor (art. 13, XXIV, do Decreto nº

2.181/97).

A levar o raciocínio da autora adiante, a Vigilância Sanitária,

por exemplo, órgão administrativo, jamais poderia aplicar multa para

estabelecimento que operasse sem alvará sanitário em prejuízo de vizinhos.

Deveria provocar o Judiciário para que o estabelecimento realizasse as

adequações, sob pena de ser acusada de "obrigar uma das partes a se

submeter á decisão que atende o reclamo da outra" (fl. 8)

Noutro exemplo, a Polícia Militar não poderia remover ou

multa veículo estacionado defronte a garagem. Alegaria a autora que tal

conduta equivaleria a obrigar uma das partes a se submeter à decisão que

atende o reclamo da outra" (fl. 8).

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Na verdade, Excelência, basta substituir hipoteticamente a

multa aplicada pelo Procon por qualquer outra multa por infração

administrativa rotineiramente aplicada no país para verificar que é, na verdade,

absurdo o entendimento da autora. A aplicação de multa por infração

administrativa sempre prescinde de atuação judicial, justamente porque a

Administração goza da prerrogativa da auto-executoriedade dos atos

administrativos1.

Logo, confundir a obrigação de fazer (substituir o veículo) com

a obrigação de pagar multa por infração administrativa é forçar o raciocínio

para levar ao esvaziamento do principal órgão de proteção do

consumidor: o Procon.

2.3) A alegada negativa de perícia também não convence.

Empresa com o poder econômico que tem a autora,

certamente poderia ter instruído sua defesa administrativa com a perícia que

quisesse. Não era necessário ao Procon nomear perito.

Além disso, conforme ficou claro da absurdamente desidiosa

contranotificação extrajudicial que apresentou ao consumidor (fl. 78), que

serviu de substrato para a defesa administrativa (fl. 95), a empresa em

momento algum requereu a realização de perícia. Aliás, não requereu a

1 Recorde-se a velha lição de Hely Lopes Meirelles: "o poder de polícia seria inane e ineficiente se não fosse coercitivo e não estivesse aparelhado de sanções para os casos de desobediência à ordem legal da autoridade competente". "Estas sanções, em virtude do princípio da autoexecutoriedade do ato de polícia, são impostas e executadas pela própria Administração em procedimentos administrativos compatíveis com as exigências do interesse público." (Direito administrativo brasileiro, 10 ed. atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 100-1).

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realização de perícia e sequer apresentou proposta mais adequada ao

consumidor, coisa que podia e devia ter feito. Disse laconicamente que estava

à disposição para "verificar eventuais ocorrências".

Logo, o processo administrativo respeitou integralmente o

contraditório e a ampla defesa, não havendo qualquer nulidade a ser declarada.

3) Sabe-se que, em outros casos da Comarca de Xanxerê, o

Tribunal de Justiça de Santa Catarina vem adotando o entendimento da autora.

Não pode, todavia, o Ministério Público concordar.

Veja-se que toda a tradicional jurisprudência do Tribunal de

Justiça de Santa Catarina é no sentido de que "existindo reclamação do

particular ao PROCON e tendo sido observado o devido processo

administrativo, é lícita a imposição de multa à instituição financeira que efetua

cobrança de tarifa de emissão de boleto bancário" (Apelação Cível em Mandado

de Segurança n. 2009.030845-3, de Caçador).

Outro caso ficou assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA. CONSUMIDOR

QUE CONTRATOU PLANO DE TELEFONIA COM DESCONTO PROMOCIONAL POR 24 (VINTE E QUATRO) MESES. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO ESTABELECIDO NO CONTRATO PELA OPERADORA DE TELEFONIA. RECLAMAÇÃO REALIZADA JUNTO AO PROCON. ÓRGÃO QUE, APÓS INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO, APLICOU PENALIDADE. MULTA DEVIDA. VALOR ARBITRADO EM CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. FIXAÇÃO MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA

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FIXADA ADEQUADAMENTE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDIQUEM A NECESSIDADE DE MINORAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.

Conquanto bastante delicada a discussão em torno do tom confiscatório das penalidades administrativas, é insofismável que sua aplicação deve pautar-se por um mínimo de razoabilidade. No caso, a imposição de pena pecuniária, tem por base os parâmetros adotados pelo CDC, que varia entre 200 UFIRs e 3.000.000 UFIRs. Tendo a decisão aplicado valor adequado, a manutenção da multa é medida que se impõe (Apelação Cível n. 2010.073859-5, de Balneário Camboriú).

Todavia, ao julgar outros casos da Comarca de Xanxerê, o

Tribunal de Justiça de Santa Catarina abandonou esta jurisprudência e decidiu

que "O PROCON não tem legitimidade para impor, sob ameaça de aplicação de

multa, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter partes. A

solução de litígio com a obrigatoriedade de submissão de um dos litigantes à

decisão que favorece a outra parte é prerrogativa da jurisdição, cujo exercício

incumbe exclusivamente ao Poder Judiciário. A não observância deste

postulado implica obstáculo ao acesso à Justiça (CF, art. 35, inc. XXXV) e

configura o exercício da autotutela fora dos casos autorizados em lei" (Apelação

Cível n. 2007.030212-5, de Xanxerê).

Na verdade, como se observa claramente da decisão

administrativa de fl. 26 a 31, em momento algum o Procon impõe, sob a

ameaça de multa, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter

partes. O Procon simplesmente aplica multa por infringência a norma de

proteção do consumidor.

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O fato de esta norma de proteção do consumidor ter, como

efeito reflexo, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter partes

não desfigura o poder administrativo do Procon em aplicar a multa.

Os exemplos já citados são clara prova disso. Um morador

prejudicado pelo lixo constante do prédio vizinho, que ameace ruir, poderia

propor ação demolitória (art. 888, VIII, do Código de Processo Civil).

Se, todavia, a Vigilância Sanitária (órgão administrativo, tal

qual o Procon) notificasse o vizinho a proceder à limpeza do prédio e o

secretário de obras (órgão também administrativo, tal qual o Procon)

determinasse a demolição da obra irregular, jamais se alegaria serem partes

ilegítimas para imporem uma obrigação (que é também individual e também é

inter partes), de uma parte em favor da outra. E estas notificações, bem se

sabe, são diárias e rotineiras em qualquer município organizado.

Por que motivos, então, se pretende proibir o Procon de fazer

o mesmo, ou seja, de simplesmente exercer suas atribuições administrativas?

Evidentemente, com o devido respeito, a decisão acima citada parece destoar

do sistema de direito administrativo brasileiro. E o pior: em detrimento do já

altamente fragilizado consumidor brasileiro.

Agora talvez se compreenda melhor a argumentação trazida

no item 2.1 desta manifestação. Imagine-se se, como declarou o acórdão

transcrito, que um órgão administrativo como a Vigilância Sanitária não tenha

"legitimidade para impor, sob ameaça de aplicação de multa, o cumprimento de

obrigação de natureza individual inter partes". Imagine-se se, como declarou o

acórdão, a Polícia Militar não tenha "legitimidade para impor, sob ameaça de

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aplicação de multa, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter

partes". Imagine-se se a Cidasc não tenha "legitimidade para impor, sob

ameaça de aplicação de multa, o cumprimento de obrigação de natureza

individual inter partes".

Nesta situação, qualquer remoção de entulho ou limpeza de

terreno baldio seria objeto de ação judicial. Qualquer remoção de veículo que

prejudicasse a circulação de outro veículo seria objeto de ação judicial.

Qualquer ação de proteção sanitária relativa a animais, em proteção de uma

outra propriedade, seria objeto de ação judicial. E, como é óbvio, a vingar o

entendimento da autora, o Judiciário se transformará em Administração,

deixando sem atendimento as verdadeiras demandas para as quais foi

incumbido pela Constituição.

4) No Rio Grande do Sul a jurisprudência vem abonando a

posição aqui adotada pelo Ministério Público:

APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. PROCON. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APLICAÇÃO DE MULTA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. COBRANÇA DE TARIFAS. AUSÊNCIA DE PROVA DO PACTO. CDA. PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQUIDEZ. MULTA APLICADA. REQUISITOS DO ARTIGO 57, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. OBSERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E LEGALIDADE. (AC nº 70034281642).

ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. PROCON. VÍCIO

DE QUALIDADE DO PRODUTO. ART. 18, CDC. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ART. 3º, CDC, E CONCEITO DE FORNECEDOR.

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Em se tratando de vício do próprio produto, quem comercializa o bem é responsável solidariamente, na forma do art. 18, CDC, inaplicáveis à hipótese previsão dos artigos 12 e 13 do referido diploma legal, já que estes tratam de danos causados pelo produto ou serviço, o que é inteiramente distinto à hipótese dos autos.

MULTA. ARTIGOS 56 E 57, CDC. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. GRADUAÇÃO.

Afigura-se razoável e proporcional, não fosse seu estofo legal, a imposição de multa que considera a dimensão da fornecedora e a gravidade da sua conduta, só superada com intervenção judicial, não se podendo falar, ainda, em qualquer anomalia na legislação municipal (AC nº 70040892929)

Do corpo deste acórdão se colhe:

"E não há como excluir o comerciante que faz a venda do produto, notadamente, como no caso da apelante, pela sua dimensão e volume de vendas – fato notório, art. 334, I, CPC – dispõe de evidentes condições para interferir junto ao fabricante, não sendo episódico o seu relacionamento com este último.

Aliás, nada mais significativo do que ter a ré trocado o

bem. Por certo, mediante intervenção judicial. Mas, de qualquer sorte, demonstrando que poderia ter realizado a substituição do produto defeituoso.

Cumpre, neste tema, por fim, dizer que outra não é a

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se pode ver do REsp nº 547.794-PR, MARIA ISABEL GALLOTTI:

RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR. VEÍCULO NOVO. AQUISIÇÃO. DEFEITOS NÃO SOLUCIONADOS DURANTE O PERÍODO DE GARANTIA. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DEFICIENTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO FORNECEDOR. INCIDÊNCIA DO ART. 18 DO CDC.

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DECADÊNCIA. AFASTAMENTO. FLUÊNCIA DO PRAZO A PARTIR DO TÉRMINO DA GARANTIA CONTRATUAL.

1. Diversos precedentes desta Corte, diante de questões relativas a defeitos apresentados em veículos automotores novos, firmaram a incidência do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor para reconhecer a responsabilidade solidária entre o fabricante e o fornecedor.

2. O prazo de decadência para a reclamação de vícios do produto (art. 26 do CDC) não corre durante o período de garantia contratual, em cujo curso o veículo foi, desde o primeiro mês da compra, reiteradamente apresentado à concessionária com defeitos. Precedentes.

3. Recurso especial provido para anular o acórdão recorrido.

E do REsp nº 912.772-RS, ALDIR PASSARINHO: CIVIL E PROCESSUAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO

CPC. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. REPARO DE VEÍCULO NOVO. DEFEITOS DE FÁBRICA. EXECUÇÕES INADEQUADAS. SUCESSIVAS TENTATIVAS PELA CONCESSIONÁRIA. ILEGITIMIDADE AFASTADA. ART. 18 DO CDC. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO FORNECEDOR. SUBSTITUIÇÃO POR VEÍCULO NOVO. ART. 18. § 1º, I, DO CDC. OPÇÃO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL CONCEDIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RECURSOS ESPECIAIS QUE DISCUTEM O INCABIMENTO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS ENSEJADORES DO DANO MORAL. EXCLUSÃO.

I. Não há violação ao art. 535 do CPC quando a matéria impugnada é devidamente enfrentada pelo Colegiado de origem, que dirimiu a controvérsia de modo claro e completo, apenas de forma contrária aos interesses da parte.

II. "Comprado veículo novo com defeito, aplica-se o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor e não os artigos 12 e 13 do mesmo Código, na linha de precedentes

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da Corte. Em tal cenário, não há falar em ilegitimidade passiva do fornecedor" (REsp nº 554.876/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes, DJU de 17/02/2004).

III. Devida a indenização por dano moral, porém em valor inferior ao fixado, de modo a evitar enriquecimento sem causa.

IV. Cabe ao consumidor a escolha entre a substituição, a restituição do preço, ou o seu abatimento proporcional em tais hipóteses - art. 18, § 1º, I a III, da Lei n. 8.078/1990. Precedente.

V. Recursos especiais conhecidos em parte e, nessa extensão, parcialmente providos.

[...] O descaso com o consumidor, ao não ser efetuada a

troca do refrigerador defeituoso, resta incontroversa nos autos. Demais disso, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, incido VIII, ressalva a facilitação da defesa dos direitos do consumidor por meio da inversão do ônus da prova, quando hipossuficiente. Ou seja, cabia à demandante comprovar que as alegações do consumidor não condiziam com a verdade.

Gize-se que os atos da Administração Pública possuem

presunção de veracidade, elidível por contraprova, que não aportou aos autos. Quanto aos atos administrativos, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro2:

A presunção de legitimidade afirma que o ato está em

observância, de acordo com a lei, até que se prove o contrário. Já a de veracidade se relaciona com os fatos. Em decorrência dele, presumem-se verdadeiros todos os fatos alegados pela Administração Pública. Assim, os documentos fornecidos pela Administração são dotados de fé pública.”

Com efeito, inexiste qualquer arbitrariedade,

2 Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.187

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encontrando-se nos autos a memória de cálculo e sua justificativa (fls. 55 e 137), devidamente autorizada a imposição pela Administração Municipal, com base em legislação que nada apresenta de estranho ou anormal (fl. 133), assegurada a ora apelante oportunidade para sua impugnação (fls. 130 a 132), o que não fez.

No mais, há de se considerar, na forma do art. 57,

CDC, a envergadura empresarial da apelante, sendo extremamente parcimoniosa a receita mensal de R$ 500.000,00, assim como a gravidade da infração, valendo lembrar que o adquirente teve de entrar em juízo para conseguir a troca do bem (fls. 161 a 167).

Com o que não se justifica qualquer abrandamento do

apenamento".

E, por fim, cite-se um último precedente do TJRS:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ordinária. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DA MULTA APLICADA PELO PROCON MUNICIPAL. TUTELA ANTECIPADA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 273 DO cpc.

Tratando-se de multa aplicada pelo PROCON municipal, por infringência ao artigo 18, § 1°, I e II, do CDC, com a devida fundamentação, amparada em vários fatos, deve prevalecer a presunção de legalidade e veracidade do ato administrativo, sendo indevida a pretensão de suspensão da exigibilidade da multa, porque não teria a agravante violado qualquer dispositivo do CDC, uma vez que ausente prova inequívoca da verossimilhança da alegação, bem como a prova do dano irreparável ou de difícil reparação, devendo ser mantida a decisão que indeferiu a tutela antecipada.

Inteligência do art. 273 do CPC. Precedentes do TJRGS.

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Para não torna enfadonha esta manifestação, cite-se, por fim,

posição semelhante do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. APLICAÇÃO DE

MULTA PELO PROCON À EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. POSSIBILIDADE.

1. A proteção da relação de consumo pode e deve ser feita pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC - conforme dispõem os arts. 4º e 5º do CDC, e é de competência do Procon a fiscalização das operações, inclusive financeiras, no tocante às relações de consumo com seus clientes, por incidir o referido diploma legal (REsp 1103826 / RN).

5) Assim, em conclusão, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO

ESTADO DE SANTA CATARINA entende que deva-se rever a jurisprudência

da Comarca de Xanxerê, com respeito à jurisprudência mais tradicional do

Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul, para julgar-se improcedentes os pedidos formulados na inicial.

Xanxerê, 06 de outubro de 2011

Eduardo Sens dos Santos Promotor de Justiça