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1 Parecer sobre contratação em moeda estrangeira - 2001. Consultam-nos sobre a legalidade de estipulação, em cláusula contratual, de preço de serviço em moeda estrangeira, especificamente, em dólar norte- americano. Para tanto, enviam-nos minuta de Contrato de Locação de Equipamentos, solicitando nosso parecer, sobre as cláusulas 4.2. e 4.8., cujos textos reproduzimos: "4.2. O preço por cada hora trabalhada é de R$ 135,29 (cento e trinta e cinco reais e vinte e nove centavos), equivalentes a US$ 72,73 (setenta e dois dólares e setenta e três cents americanos), cotação nesta data, a ser paga mensalmente, conforme medição prevista na cláusula 6, na mesma equivalência, em moeda nacional." (sic) "4.8. Todas as referências em moeda estrangeira consignadas nas demais cláusulas do presente contrato não comprometem o meio de pagamento em moeda nacional, pois servem apenas para equivalência à moeda corrente no país, em que pese, ficar à critério das partes, caso venha a interessar, mediante registro prévio do contrato no Banco Central do Brasil, utilizar a permissão prevista no item V do Artigo 2º do Decreto-Lei 857/69 em face do presente contrato transferir encargos obrigacionais assumidos pela CONTRATADA decorrentes de contrato de operação financeira, firmado em moeda estrangeira, entre ela e instituição financeira domiciliada no exterior, de cujo lastro, foi possível a operação objeto do presente contrato." (sic) Exposta a questão fulcral da consulta, passamos a tecer nossos comentários a respeito. I - NOÇÕES PRELIMINARES Sem adentrar profundamente na história e evolução da moeda, entretanto, por estarem ligadas aos entendimentos defendidos por doutrinadores e decisões judiciais neste trabalho mencionadas, julgamos oportuno tecer algumas considerações preliminares sobre a matéria. Basicamente, a moeda possui dois valores: o valor intrínseco e o valor extrínseco.

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Parecer sobre contratação em moeda estrangeira - 2001. Consultam-nos sobre a legalidade de estipulação, em cláusula contratual, de preço de serviço em moeda estrangeira, especificamente, em dólar norte-americano. Para tanto, enviam-nos minuta de Contrato de Locação de Equipamentos, solicitando nosso parecer, sobre as cláusulas 4.2. e 4.8., cujos textos reproduzimos:

"4.2. O preço por cada hora trabalhada é de R$ 135,29 (cento e trinta e cinco reais e vinte e nove centavos), equivalentes a US$ 72,73 (setenta e dois dólares e setenta e três cents americanos), cotação nesta data, a ser paga mensalmente, conforme medição prevista na cláusula 6, na mesma equivalência, em moeda nacional." (sic) "4.8. Todas as referências em moeda estrangeira consignadas nas demais cláusulas do presente contrato não comprometem o meio de pagamento em moeda nacional, pois servem apenas para equivalência à moeda corrente no país, em que pese, ficar à critério das partes, caso venha a interessar, mediante registro prévio do contrato no Banco Central do Brasil, utilizar a permissão prevista no item V do Artigo 2º do Decreto-Lei 857/69 em face do presente contrato transferir encargos obrigacionais assumidos pela CONTRATADA decorrentes de contrato de operação financeira, firmado em moeda estrangeira, entre ela e instituição financeira domiciliada no exterior, de cujo lastro, foi possível a operação objeto do presente contrato." (sic)

Exposta a questão fulcral da consulta, passamos a tecer nossos comentários a respeito. I - NOÇÕES PRELIMINARES Sem adentrar profundamente na história e evolução da moeda, entretanto, por estarem ligadas aos entendimentos defendidos por doutrinadores e decisões judiciais neste trabalho mencionadas, julgamos oportuno tecer algumas considerações preliminares sobre a matéria. Basicamente, a moeda possui dois valores: o valor intrínseco e o valor extrínseco.

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O valor intrínseco está ligado à concepção metalista (metalismo) pela qual a moeda tem o valor da matéria que a constitui. Desta feita, seu valor pode oscilar em função do valor do metal no qual foi cunhada. De outro lado, o valor extrínseco se relaciona ao valor nominal (nominalismo) da moeda, ou seja, possui o valor que lhe foi imposto ou determinado pelo Estado, também dito valor legal, independentemente do metal na qual foi cunhada, enfim, vale a soma numérica inscrita. Na verdade, até a eclosão das duas grandes guerras e as conseqüências econômicas daí advindas, com o surgimento do processo inflacionário na economia de inúmeros países, a moeda só tinha o valor nominal que representava. Assim, o devedor de uma quantia em dinheiro se liberava da obrigação pela entrega da mesma quantidade de moeda (mesmo valor nominal), independentemente de qualquer alteração no poder aquisitivo desta. Havia uma ficção legal de que a moeda possuía um valor fixo, imutável, medida de valor. Se o seu poder aquisitivo diminuía ou aumentava, considerava-se que foram os bens que mudaram de valor, e que a unidade econômica não se modificara. Por tal razão, o valor nominal da moeda podia ser estipulado em moeda nacional ou estrangeira, ou em ouro, como era muito comum. Em períodos de desvalorização da moeda nacional, recorria-se ao ouro ou à moeda estrangeira como meio de pagamento. Porém, com o intervencionismo estatal, a moeda deixou de ser instrumento de interesse exclusivamente privado, passando a importante instrumento de controle da soberania nacional, motivo pelo qual o Estado podia intervir na economia. O pagamento de qualquer obrigação, em moeda estrangeira ou em ouro, passou a ser visto como uma forte ameaça à estabilidade da moeda nacional e um risco à soberania nacional. Contudo, somada às restrições impostas à contratação em moeda estrangeira, aos problemas econômicos de após guerra, tornou-se necessária a criação de um meio de corrigir as desvalorizações da moeda no cumprimento das obrigações pecuniárias, de modo a, senão neutralizar, pelo menos reduzir a perda de seu poder aquisitivo. Assim, para combater a desvalorização da moeda, surgiu o instrumento da sua correção, por índices ou indexadores que permitiam a recuperação do seu poder aquisitivo.

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Utilizou-se, também, como meio de proteção contratual, a possibilidade de revisão dos contratos, se, por supervenientes condições extraordinárias, viesse a ocorrer desequilíbrio econômico entre as partes, tornando impossível ao devedor efetuar o pagamento. Esta solução era vista com reservas por colocar em risco a segurança dos negócios jurídicos, atentando contra o princípio pacta sunt servanda, segundo o qual as partes devem se submeter rigorosamente às cláusulas do contrato. Para superar estes problemas, passou-se a utilização de cláusulas de reajuste, ou seja, através de determinado índice ou fator variável ao longo do tempo, pré-convencionado pelas partes, ou decorrente da lei, para determinação do valor da prestação pecuniária do devedor. Têm por objetivo manter o valor econômico da prestação ou preço do produto ou do serviço. São cláusulas, antes de tudo, de proteção econômica. O preço é estabelecido em função das condições existentes no momento da negociação que variará em função de parâmetros que refletem as variações dos valores dos diferentes elementos que compõe o produto ou a prestação. Cumpre ainda ser mencionado a diferença entre a "moeda de pagamento" e a "moeda de conta". Diante curso forçado da moeda nacional, ou seja, imposto por Lei, as obrigações constituídas no Brasil devem ser liquidadas em reais, que é a nossa moeda de pagamento. A moeda estrangeira serve apenas de medida de conta, mesmo na hipótese de reajuste com base na variação da moeda estrangeira. Em outras palavras, a "moeda de pagamento" é a moeda pela qual a obrigação (dívida) deve ser efetivamente quitada (paga) e a "moeda de conta" é moeda pela qual se apura o quantum suficiente e necessário para se obter a moeda de pagamento. A doutrina distingue, ainda, as dívidas de valor e as dívidas de dinheiro, tendo as primeiras, por escopo, a satisfação de uma situação patrimonial determinada e não um certo número ou quantidade de unidades monetárias, e, nas dívidas de dinheiro, é o dinheiro em si mesmo que se constitui em objeto da prestação. Por fim, ainda há que se referir ao curso legal ou forçado da moeda. O primeiro diz respeito à irrecusabilidade da moeda, que tem efeito liberatório de obrigações. Equivale a dizer, ninguém pode recusar o recebimento da moeda nacional, em pagamento ou quitação de qualquer obrigação, cujo aceite, tem poder liberatório frente ao devedor. Já o curso forçado corresponde ao caráter de inconversibilidade da moeda, ou seja, o Poder Público impede a conversão da moeda em outro ativo.

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II - DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA INDEXAÇÃO - REAJUSTES DE PREÇOS No Brasil, a partir da década de 60, mais precisamente a partir de 1964, passou-se a adotar medidas que pudessem fazer frente à desvalorização da moeda, utilizando-se, então, de meios de indexação e correção monetária que permitissem manter o valor de compra da moeda. É princípio nacionalmente aceito que a correção monetária não é uma pena imposta ao devedor, nem um plus acrescido à pretensão do credor, mas uma simples atualização da moeda, corroída pela inflação. Ela nada mais é do que a aplicação da cláusula da escala móvel, que surgiu como reação ao princípio do nominalismo, segundo o qual a moeda tinha sempre seu valor nominal, inalterável ao longo do tempo, independentemente das condições e situações econômicas. Iniciou-se com a Lei nº 4.357 de 10/07/64, seguida de várias outras, dentre as quais, - a Lei 4.506/64 que tratava da correção monetária do ativo imobilizado; - a Lei 4.728/65 (Lei do Mercado de Capitais) que tratava da correção dos títulos em geral e das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN); - o Decreto-Lei 73/66 que permitiu a correção das indenizações resultantes de seguros; - a Lei 4.886/65 que permitiu a correção do valor da indenização nas desapropriações; - a Lei nº 4.380/64 que instituiu a correção monetária nos contratos imobiliários; - a Lei nº 4.494/64 que regulava as locações urbanas; - a Lei nº 4.591/64 que trata dos condomínios em edifícios; - o Decreto-Lei nº 858/69 que dispõe sobre a cobrança de correção monetária dos débitos fiscais nos casos de falência; - a Lei nº 6.515/77 que determinava a correção monetária das pensões alimentícias etc. Enfim, foi a correção monetária institucionalizada pela via legislativa. Embora já se pacificara a validade das cláusulas de correção monetária, a Lei 6.205/75 vedou a utilização do salário mínimo como indexador.

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Por sua vez, a Lei 6.423/77 determinou que "a correção, em virtude de disposição legal ou estipulação de negócio jurídico, da expressão monetária de obrigação pecuniária, somente poderá ter por base a variação nominal da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional ORTN." As exceções ficavam por conta dos reajustamentos salariais (Lei 6.147/74) e dos benefícios da Previdência Social (Lei 6.205/75). Nesta oportunidade, havia entendimentos de que a correção pela variação cambial era vedada, pois a Lei nº 6.423/77 só admitia como único indexador a ORTN. Na realidade, também já havia entendimentos de que o Decreto-Lei nº 857/69 só proibia o pacto de pagamento em moeda estrangeira, mas não o de variação cambial. Dentre as principais Leis tratando de reajustes, indexações e correção monetária, até os dias atuais, destacamos: - o Decreto-Lei nº 2.284/86 (Plano Cruzado) mudou o nome de ORTN para OTN mantendo-o como indexador de contratos. - o Decreto-Lei nº 2.290/86 (Plano Cruzado II) revogou a regra da correção pela OTN e facultou o emprego de índices setoriais, proibindo a variação cambial. - o Decreto-Lei nº 2.322/87 restabeleceu a indexação pela OTN, facultou índices setoriais para contratos para entrega futura e vedou a reajuste de preços pela variação cambial. - a Lei nº 7.730/89 (Plano Verão) extinguiu a OTN mantendo a possibilidade de indexadores em contratos. - a Lei nº 7.738/89 disciplinou as cláusulas de reajuste de preços, vedando a variação cambial. - a Lei nº 7.777/89 criou o Bônus do Tesouro Nacional - BTN e a Lei nº 7.799/89 permitiu a correção pelo BTNF. - a Lei nº 7.801/89 facultou o BTN para reajuste de preços proibindo a variação cambial, exceção feita para os casos de insumos importados. - a Lei nº 8.030/90 não modificou os indexadores, embora previsse exceções, restringia-se apenas os reajustes pela variação cambial. - a Lei nº 8.137/90 (Plano Collor I) qualificou como crime a aplicação de fórmula de reajustamento de preços ou indexação de contratos ou diversa daquela que for legalmente estabelecida ou fixada por autoridade competente.

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- as Leis nº 8.177/91 e 8.178/91 (Plano Collor II) extinguiram o BTN e criou-se a Taxa Referencial - TR, permitindo a correção por índices de preços, livremente escolhidos, desde que a operação tivesse prazo igual ou superior a um ano, facultando, ainda, a utilização da TR ou TRD, se o prazo não fosse inferior a 90 dias. - a Lei nº 8.383/91 criou um novo indexador, a UFIR e proibiu a sua utilização como referencial de correção monetária do preço de bens ou serviços e de salários, aluguéis ou royalties. - a Lei nº 8.880 de 27/05/1994, precursora do Real, dispunha sobre o Programa de Estabilização Econômica e institui a Unidade Real de Valor (URV), estabelecia em seu artigos 6º. Os artigos 11 e 12 da referida Lei proibia cláusulas de reajustes e de revisão de preços por índices de preços ou por índices que refletiam a variação de custos de insumos utilizados em prazo inferior a um ano. - a Lei nº 9.069/95 (29/06/1995) que dispõe sobre o Real, trata da correção monetária e reajustes de preços nos artigos 24, 27 e 28. - atualmente, disciplina a matéria a Medida Provisória nº 1.950-71, de 14/12/2000 que dispõe sobre as medidas complementares ao Plano Real (íntegra adiante). Segundo referida Medida Provisória, ao mesmo tempo em que determina que as estipulações de pagamentos de obrigações pecuniárias exeqüíveis no Brasil devam ser feitas em Real, pelo seu valor nominal, ressalva o disposto nos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 857/69 e na parte final do artigo 6º da Lei nº 8.880/94. Vale dizer, a parte final do artigo 6º da Lei nº 8.880/94, excetua da vedação de utilização da variação cambial, o arrendamento mercantil com base em recursos captados no exterior. III - DA UTILIZAÇÃO DE MOEDA ESTRANGEIRA Pode-se afirmar que a utilização de moeda estrangeira como "moeda de conta", na expressão utilizada por Carlos Alberto Bittar (RT 685/15), situa-se em três fases distintas, a saber: a) anterior ao Decreto nº 23.501/33, de livre estipulação, quando até então permitia-se às partes total liberdade na estipulação da moeda a ser utilizada nas negociações; b) com a promulgação do Decreto nº 23.501/33, de vedação total, baseada numa interpretação restrita deste diploma legal;

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c) com o advento do Decreto-Lei 857/69, que implantou o regime atual, impondo a proibição à utilização de moeda estrangeira, como moeda de pagamento, só a permitindo em obrigações internacionais. a) Livre Estipulação Até o início do nosso século, era dada às partes, sem quaisquer restrições, estipular a qualidade da moeda em que se daria o pagamento da obrigação, dentre as nacionais e as estrangeiras; ou dentre moedas metálicas de ouro ou prata, ou em papel-moeda. O Direito brasileiro colonial e imperial não proibia as dívidas em moeda estrangeira. Na verdade, o Código Comercial de 1850 muito se inspirou na codificação portuguesa, razão pela qual, a começar pelo artigo 132 praticamente reprodução do artigo 263 do Código de Comércio Português de 1833, estabelecia:

"Art. 132. Se para designar a moeda, peso ou medida, se usar no contrato de termos genéricos que convenham a valores ou quantidades diversas, entender-se-á feita a obrigação na moeda, peso ou medida em uso nos contratos de igual natureza."

Destarte, pode-se afirmar que os contratantes podiam escolher a moeda de pagamento em suas negociações. Por sua vez, o artigo 195 do Código Comercial dispõe:

"Art. 195. Não se tendo estipulado no contrato a qualidade da moeda em que deve fazer-se o pagamento, entende-se ser a corrente no lugar onde o mesmo pagamento há de efetuar-se, sem ágio ou desconto."

Por fim, ainda o artigo 431 do Código Comercial previa a conversão da moeda estrangeira em moeda nacional, tratando também da data e lugar do câmbio.

"Art. 431. Se a dívida for em moeda metálica, na falta desta o pagamento pode ser efetuado na moeda corrente do país, ao câmbio que correr no lugar e dia do vencimento; e se, havendo mora, o câmbio descer, ao curso que tiver no dia em que o pagamento se efetuar; salvo tendo-se estipulado expressamente que este deverá ser feito em certa e determinada espécie, e a câmbio fixo."

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O Decreto nº 2.475 de 13/03/1827 admitia o princípio da livre estipulação de moedas para contratações. De outro lado, o artigo 947 do Código Civil, tratando do pagamento em dinheiro dispunha:

"Art. 947. O pagamento em dinheiro, sem determinação da espécie, far-se-á em moeda corrente no lugar do cumprimento da obrigação. § 1º. É, porém, lícito às partes estipular que se efetue em certa e determinada espécie de moeda, nacional ou estrangeira. § 2º. O devedor, no caso do parágrafo antecedente, pode, entretanto, optar entre o pagamento na espécie designada no título e o seu equivalente em moeda corrente no lugar da prestação, ao câmbio do dia do vencimento. Não havendo cotação nesse dia, prevalecerá a imediatamente anterior. § 3º. Quando o devedor incorrer em mora e o ágio tiver variado entre a data do vencimento e a do pagamento, o credor pode optar por um deles, não de havendo estipulado câmbio fixo. § 4º. Se a cotação variou no mesmo dia, tomar-se-á por base a média do mercado nessa data."

O parágrafo primeiro tem sua vigência suspensa pelo Decreto-Lei nº 857/69. Dessa forma, o Código Civil consagrou o princípio individualista da autonomia da vontade, admitindo, por conseguinte, a liberdade de se pactuar a moeda de pagamento, com faculdade, porém, para o devedor, de efetuar o pagamento na moeda corrente, com variação cambial. A fim de assegurar a manutenção do valor pecuniário da obrigação frente à depreciação ou oscilação do valor real da moeda, era comum também a aposição aos contratos de cláusulas de pagamento em ouro (cláusula-ouro), ou em moeda estrangeira (cláusula moeda estrangeira). É uma técnica necessária nos contratos a prazo, ou de trato sucessivo, em que há interferência do tempo e conseqüente forte perda do poder aquisitivo da moeda até o total adimplemento da prestação. Porém, o devedor tinha plena liberdade para optar pelo pagamento nos respectivos equivalentes na moeda nacional, é o que se infere do mesmo art. 947, §§ 1º e 2º, do Código Civil

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O artigo 1.258 do Código Civil tinha o mesmo sentido, ao permitir o pagamento do mútuo com qualquer espécie monetária.

"Art. 1.258. No mútuo em moedas de ouro e prata pode convencionar-se que o pagamento se efetue nas mesmas espécies e quantidades, qualquer que seja ulteriormente a oscilação dos seus valores."

b) Vedação Total Todavia, os primeiros sinais de restrição ao princípio da livre estipulação da moeda vieram com a Lei nº 4.182 de 13/11/1920, regulamentada pelo Decreto 14.728 de 16/03/1921, fazendo restrições à remessa de fundos ao exterior ou de títulos de crédito destinados a exportações. Com o advento do Decreto nº 21.316 de 25/04/1932, ficou proibida a conta corrente em moeda estrangeira nos bancos brasileiros. Depois, foi editado o Decreto nº 23.501 de 27/11/1933, cujos artigos dispunham:

"Art. 1º. É nula qualquer estipulação de pagamento em ouro, ou em determinada espécie de moeda, ou por qualquer meio tendente a recusar ou restringir nos seus efeitos, o curso forçado do mil réis papel. Art. 2º. A partir da publicação deste decreto, é vedada sob pena de nulidade, nos contratos exeqüíveis no Brasil, a estipulação de pagamento em moeda que não seja a corrente, pelo seu valor legal. Art. 3º. O presente decreto entrará em vigor na data de sua publicação."

Esta norma é claramente de ordem pública, cogente, ou seja, não admite estipulação contratual em contrário. No mesmo sentido, os Decretos-Leis nº 236 de 02/02/1938 e nº 1.079 de 27/01/1939. Note-se que o dispositivo refere-se à nulidade das estipulações, e não de toda a obrigação. Esta permanece válida, sendo apenas o pagamento definido em outros termos.

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Após a promulgação deste Decreto, surgiram entendimentos contraditórios, ora admitindo a permissão da estipulação de moeda estrangeira como moeda de pagamento, ora admitindo sua vedação total. Entretanto, outro não era o sentido do artigo 2º do referido diploma, que proibia "a estipulação de pagamento em moeda que não seja a corrente". Aliás, esta foi a interpretação que prevaleceu, tanto assim que a Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41) foi enfático ao cominar pena à "recusa em receber, pelo seu valor, a moeda de curso legal no País" (art. 43) Apesar disso, a jurisprudência tentou amenizar a rigidez do sistema, declarando a sua inaplicabilidade aos contratos internacionais. Na esteira desse posicionamento foram editadas a Lei nº 28 de 15/02/1935 estabelecendo que "Os contratos para importação de mercadorias do estrangeiro, inclusive os celebrados pela administração pública, não se incluem nos dispositivos do Decreto nº 23.501 de 27 de novembro de 1933, extensiva aos contratos realizados a partir de 16 de julho de 1934." E os Decretos-Leis nº 6.650 de 29/06/1944 e nº 6.882 de 20/09/1944 reconheceram a plena validade das dívidas em moeda estrangeira. Enfim, o legislador brasileiro, pela Lei nº 28 de 15/02/1935 e pelo Decreto-Lei nº 6.650 de 29/06/1944, subtraiu da vedação dos pactos de moeda estrangeira as importações de mercadorias e os contratos celebrados no exterior para serem executados no Brasil. Contudo, foi editado o Decreto-Lei nº 238 de 28/02/1967 que revogou expressamente o Decreto nº 23.501/33, porém, menos de um mês depois o Decreto-Lei nº 316 de 13/03/1967 foi editado restringindo o alcance do preceito mencionado, rezando que a revogação do Decreto nº 23.501/33 aplicava-se somente "aos empréstimos e quaisquer obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente ou domiciliada no exterior e aos negócios jurídicos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no País." Finalmente, em 11/09/1969 foi editado o Decreto-Lei nº 857 reformulando toda a legislação anterior sobre moeda de pagamento e revogando expressamente o Decreto nº 23.501/33. c) Regime Atual O Decreto-Lei nº 857 de 11/09/1969 estabelece:

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"Art. 1º. São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que, exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro. Art. 2º. Não se aplicam as disposições do artigo anterior: I - aos contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias; II - aos contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação de bens de produção nacional, vendidos a crédito para o exterior; III - aos contratos de compra e venda de câmbio em geral; IV - aos contratos de mútuo e quaisquer outros contratos cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território nacional; V - aos contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação assunção ou modificação das obrigações referidas no item anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no país. Parágrafo único. Os contratos de locação de bens móveis que estipulem pagamento em moeda estrangeira ficam sujeitos, para sua validade a registro prévio no Banco Central do Brasil. Art. 3º. No caso de rescisão judicial ou extrajudicial de contratos a que se refere o item I do artigo 2º deste Decreto-Lei, os pagamentos decorrentes do acerto entre as partes, ou de execução de sentença judicial, subordinam-se aos postulados da legislação de câmbio vigente. Art. 4º. O presente Decreto-Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogados o Decreto nº 23.501, de 27 de novembro de 1933, a Lei nº 28, de 15 de fevereiro de 1936 o Decreto-Lei nº 236, de 2 de fevereiro de 1938, o Decreto-Lei nº 1.079, de 27 de janeiro de 1939, o Decreto-Lei nº 6.650, de 29 de junho de 1944, o Decreto-Lei nº 316, de 13 de março de 1967 e demais disposições em contrário mantida a suspensão do § 1º do Artigo 947 do Código Civil."

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Referido Decreto-Lei foi ratificado pela Medida Provisória nº 1.950-71 de 14/12/2000, acima referida Apesar do artigo 1º do Decreto-Lei nº 857/69 mencionar serem "nulos os contratos, títulos e quaisquer documentos", entende-se que a nulidade só atinge a cláusula viciada e não o contrato, título ou documento como um todo, aplicando-se a interpretação restritiva, nesses casos, a exemplo do que ocorria com o Decreto nº 23.501/33. O segundo artigo compila as exceções - as obrigações internacionais -, cuja regulamentação no regime anterior se encontrava dispersa em diversos diplomas legais. O parágrafo único do artigo 2º menciona que a locação de bens móveis com pagamento em moeda estrangeira depende de prévio registro no Banco Central. IV - DO ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO O ilustre jurista Biasi Ruggiero, em artigo veiculado no Jornal "O Estado de São Paulo", de 29/06/93, comentando julgado do Tribunal do Distrito Federal, exarado no Agravo de Instrumento nº 3.766, de 05/08/92, fez as seguintes observações:

"A lei deve ser representativa da vontade do povo. Quando não, costuma-se vulgarmente dizer que "não pegou". A proibição do jogo do bicho, por exemplo, é norma desmoralizada. Visando a preservar e dar curso forçado à moeda nacional, o Decreto-Lei nº 857, de 11/9/69, eiva de nulo de pleno direito o contrato, título e qualquer documento, bem como obrigação que exeqüível no Brasil, estipule pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou por alguma forma restrinja ou recuse, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro. Esta regra não se aplica na hipótese de um dos contratantes residir no Exterior. ..... Recentemente, o Boletim 1.795, da Associação dos Advogados de São Paulo, transcreveu julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, do qual destaco:

"Se as partes ajustaram livremente e mediante consentimento recíproco as obrigações do contrato, a recusa em solvê-las, por qualquer uma delas, equivale a transgredir o pacto. Ora, se o agravante aderiu livremente a cláusula contratual, não pode ele posteriormente invocar a sua ilegalidade para

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se beneficiar da própria torpeza e de enriquecimento sem causa. Por outro lado, a menção à moeda estrangeira serviu apenas de parâmetro, já que as dívidas foram efetivamente pagas em cruzeiro."

Conclui-se, assim, que a tendência é a de convalidar os negócios combinados para cumprimento em cruzeiros, moeda de pagamento, e podem adotar como moeda de conta a estrangeira, excetuando-se os de locação."

O renomado jurista Carlos Alberto Bittar, em brilhante parecer publicado na Revista dos Tribunais nº 685/15, analisando contrato, contendo cláusulas de indexação com base em variação cambial, conclui pela validade do ajuste, à luz do Decreto-Lei nº 857/69. Vale a pena transcrever trechos do entendimento manifestado:

"1. Discute-se a respeito da possibilidade de utilização, em contrato, de indexador baseado na oscilação de moeda estrangeira, diante da legislação vigente. Permitiu-nos a hipótese longa investigação sobre a higidez jurídica de cláusula de indexação fundada na variação do "dólar-turismo", expressamente acordada pelas partes, que, depois, vieram a dissentir. Cuidava o debate em torno da legitimidade de indexação de débito, oriundo de câmbio de posições acionárias em empresas comerciais, por via de índice extraído da variação de cotação do denominado "dólar-turismo", diante da conhecida proibição legal de estipulação de pagamento em moeda estrangeira para obrigação exigível no país. Concluímos, no entanto, pela validade da cláusula. 2. Com efeito, afigura-se-nos, de início, de fácil alcance a distinção entre estipulação em moeda estrangeira, que pode recusar o curso legal do cruzeiro, e indexação de débito com base em oscilações de cotações do dólar norte-americano, que em nada atinge o fluxo natural da moeda nacional. É que a vedação legal, que se inclui na linha da proibição de cláusula-ouro em contrato, está relacionada com a necessidade de garantir-se a fluência da moeda do país. Trata-se, assim, de norma assecuratória de exclusividade à moeda nacional, na defesa da respectiva economia. Diverso é o sentido da cláusula de indexação, que procura preservar o poder de troca da moeda diante da constante inflação que tem atingido nossa economia. Ora, nesse passo, a cotação da moeda estrangeira funciona como mero indicador na atualização do valor-base previsto no contrato. Não constitui, pois, estipulação em

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moeda estrangeira, mas sim simples mecanismo de determinação do valor real da obrigação de pagamento, como qualquer outro índice, diante do extenso elenco ora existente, face à complexidade alcançada no mundo negocial. 3. Entendemos, assim, desde logo, perfeitamente legítima a sua adoção em ajuste firmado para execução no país, pois em nada se contrapõe à legislação mencionada, dentro da autonomia reconhecida às partes na definição do conteúdo de contratos de seu interesse. Ademais, como nenhuma outra norma legal conflita essa disposição, permitindo, ao revés, dentro do universo dos esquemas de proteção do poder aquisitivo da moeda, a adequação do valor aos efeitos negativos decorrentes da inflação.

Traz a lume, o insigne jurista, ensinamentos de outros tantos expoentes do direito brasileiro e alienígena, dentre eles, Orlando Gomes, Washington de Barros Monteiro, Maria Helena Diniz, Arnoldo Wald, Caio Mário da Silva Pereira, Mauro Brandão Lopes, Luiz Diez-Picazo todos defendendo as cláusulas de reajustes e correção monetária em contratos, incluindo, pela variação cambial. Importante destacar, ainda, seu entendimento quanto a contratação de cláusula de correção monetária.

"24. Configura-se, assim, na espécie, correção monetária contratada, exatamente, para a preservação da real expressão da moeda e, não, contratação em moeda estrangeira, esta, sim, vedada pela lei. A comparação entre os dois extremos previstos pelas partes, ou seja, o do valor do BTNF e o do dólar norte-americano, constitui pois, simples fórmula de atualização do débito e resultante do acordo a que chegaram, de modo espontâneo e livre."

Segundo Mauro Brandão Lopes (Cambial em Moeda Estrangeira, RT, 1978) ao fazer referência a curso legal do cruzeiro, entende que o Decreto-Lei nº 857/69, só alcança a utilização de moeda estrangeira como "moeda de pagamento", não como "moeda de conta". Alberto Xavier (Validade das Cláusulas em Moeda Estrangeira nos Contratos Internos e Internacionais, in RF 265/29) discordando afirma que "não temos dúvida em afirmar que a estipulação de "moeda de conta" estrangeira se integra na previsão normativa do art. 1º do Dec.-lei 857/69, por se tratar de cláusulas que, por alguma forma restringem ou recusam, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro". (Apud Maria Elisa Mendes Gualani, Indexação - Obrigações em Moeda Estrangeira, Revista de Direito Civil, 64/128).

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Armando Alvares Garcia Júnior, (in Contratos Indexados no Direito Brasileiro e Variação Cambial, Aduaneiras, 2000), depois de colacionar substanciosa pesquisa doutrinária e jurisprudencial entende não haver proibição de ordem legal vedando a adoção de cláusula contratual estipulando moeda estrangeira como fator de indexação, correção ou reajuste.

"Ademais, inexiste em nosso ordenamento jurídico proibição geral a obstacularizar adoção de semelhante cláusula para toda e qualquer hipótese, de modo que, diante da ausência de vedação legal, existente apenas em hipóteses específicas, como por exemplo, convenção de alugueres, podem as partes, na regulação de seus interesses, de comum acordo, livres, e com reciprocidade, adotá-la, visto encontrar-se tal possibilidade inserta na esfera de sua liberdade contratual. Nunca é demais recordar que a dívida será paga em moeda nacional, de sorte que sua designação em moeda estrangeira não tem o condão de recusar ou restringir o curso legal do REAL, que continua, pois, dotada por lei de pleno poder liberatório. Todavia, há quem vislumbre na hipótese, fraude à lei, vez que se procuraria ilidir-lhe a incidência, para obtenção, por via oblíqua, daquilo que ela veda se obtenha de modo direito. Por derradeiro, recordemos que a Medida Provisória nº 1875-57, de 23 de novembro de 1999 dispõe serem vedadas, sob pena de nulidade, quaisquer estipulações de pagamento expressas em, ou vinculadas a ouro ou moeda estrangeira, ressalvado o disposto nos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 857, de 11 de setembro de 1969 (e na parte final do artigo 6º da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994), bem como o reajuste ou correção monetária expressas em, ou vinculadas a unidade monetária de conta de qualquer natureza."

Maria Elisa Mendes Gualani (in "Indexação - Obrigações em Moeda Estrangeira", Revista de Direito Civil, 64/128) conclui:

"Ainda reina em nosso País a determinação de curso forçado de nossa moeda - no entanto, de forma coerente, o Dec.-lei 857/69 que ora regula a matéria, dá margem a exceções a esta corrente, frente a realidade do comércio internacional, permitindo não só a assunção de obrigações em moeda estrangeira, como a indexação destas também nesta modalidade".

No mesmo sentido, Luiz Gastão Paes de Barros Leães ("Validade da Cláusula de Correção Cambial nas Obrigações Pecuniárias Internas", RT 693/102):

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"Quero dizer, desde já, que sou do parecer de que é perfeitamente válida a cláusula, a ser estipulada em contratos celebrados no Brasil, entre pessoas físicas ou jurídicas de Direito Privado, domiciliadas no País, prevendo a correção monetária de prestações pecuniárias, aqui exeqüíveis, adotando-se como índice a variação da taxa de conversão em cruzeiros de uma determinada moeda estrangeira."

Enfim, em nosso país, é tranqüilo e pacífico o entendimento da doutrina quanto a adoção de cláusula de reajuste e correção monetária de modo a evitar-se o aviltamento ou a desvalorização da moeda, respeitadas as normas de ordem pública. (Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, Saraiva, 1977; Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil, Teoria das Obrigações, Saraiva, 1987; Carlos Alberto Bittar, Curso de Direito Civil, Forense, 1990; Orlando Gomes, Direito das Obrigações, RT, 1968; Caio Mário da Silva Pereira, Lições de Direito Civil, Forense, 1988; Arnoldo Wald, Cláusula de Escala Móvel, Max Limonad, apud Carlos Alberto Bittar; Armando Alvares Garcia Júnior, Contratos Indexados, Aduaneiras, 2000;). Aliás, deve ser considerado a oportunidade e situações cujos entendimentos foram externados, em defesa dessa tese, pois, uns foram emitidos quando, efetivamente, não havia impedimento de ordem legal tanto para o uso da moeda estrangeira como moeda de pagamento, bem assim como índice a ser adotado e prazo estabelecido para reajustes e aplicação de correção monetária. Ainda, segundo alguns juristas, o Decreto-Lei nº 857/69, trata apenas da proibição de utilização de moeda estrangeira como moeda de pagamento, não vedando seu uso como moeda de conta. Outros porque o Decreto-Lei nº 857/69 não veda, expressamente, cláusulas de reajuste, indexação e correção monetária pela variação cambial, além da moeda estrangeira nada mais representar do que um índice escolhido pelas partes, dentre tantos outros permitidos. Por fim, há entendimentos de que o Decreto-Lei nº 857/69 visa, apenas, proteger o curso legal da moeda nacional e sua utilização como índice, fator de cálculo ou moeda de conta, não traz nenhum risco àquela proteção, porquanto a moeda de pagamento, nestes casos, será sempre a moeda estrangeira, V - DO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS Nossos Tribunais, de uma maneira geral, têm se manifestado em sentido favorável com relação à possibilidade de utilização de moeda estrangeira como moeda de conta, não de pagamento.

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Decisões neste sentido encontramos em RJTJSP 81/42 e 98/71; JTA 92/13 e 112/64; RT 571/105, 614/49, 637/115 e 460/160; RTJ 49/89, 53/378, 59/848, 61/104, 69/736, 101/765, e 120/451. O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, na Apelação Cível nº 96006359-5, em julgamento de 16/06/1999, assim se manifestou:

"Execução - Embargos - Escritura de confissão de dívida garantida por hipoteca. Celebração em moeda estrangeira. Conversão na moeda nacional. Preliminares de cerceamento de prova, nulidade da sentença e do título afastadas. Compensação. Inocorrência. Mora. Citação. Recurso desprovido. É legítimo o contrato celebrado em moeda estrangeira desde que não se exija, no vencimento, o pagamento da dívida em dólares norte-americanos, mas que haja referência ao reembolso pelos devedores no correspondente à moeda nacional."

No mesmo sentido, decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no Agravo de Instrumento nº 3.766, em julgamento de 05/08/92:

"Agravo de Instrumento - Contrato estipulado em moeda estrangeira como parâmetro - Possibilidade jurídica do pedido - Sub-rogação - Legitimidade ativa - Se a estipulação em moeda estrangeira serviu apenas como parâmetro, tem-se que o contrato é válido, máxime se resultante do consentimento recíproco e livre das partes. Quem paga dívida de outrem, sub-roga-se nos direitos e ações dos credores satisfeitos, podendo legitimamente executar o devedor primitivo para reaver o que despendeu."

Importante consignar que o Supremo Tribunal Federal, na vigência da anterior Lei que regulava a matéria (Decreto nº 23.501/33) também já se manifestava no mesmo sentido. No Recurso Extraordinário nº 80.172, julgado em 08/09/1976 (DOU 05/04/1977), assim entendeu o Plenário daquela Suprema Corte:

"Ementa - Mútuo, em moeda estrangeira, contraído e exeqüível no Brasil. Inteligência do art. 2º do Decreto 23.501, de 27 de novembro de 1933. Aplicação do princípio de que é vedado o enriquecimento sem causa. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. A conversão da moeda estrangeira em moeda nacional se faz pelo câmbio da data em que foi contraída a obrigação, e não do seu pagamento, pois, com base no enriquecimento sem causa, apenas se restituem as partes ao status quo ante. Recurso Extraordinário conhecido e provido."

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Vale a pena a transcrição de partes do voto condutor da decisão, proferido pelo Ilustre Ministro Moreira Alves, porquanto, embora aplicando a legislação então em vigor (Decreto nº 23.501/33) , faz referência ao vigente Decreto-Lei nº 857/69:

"No caso, trata-se de mútuo de quantia em moeda estrangeira (6.000 dólares) celebrado em território nacional para ser cumprido dentro dele. Contrato dessa espécie e nessas condições - é indiferente que a dívida em moeda estrangeira seja real ou simulada - implica estipulação de pagamento em moeda na mesma quantidade e da mesma espécie que a mutuada, estipulação essa vedada, sob pena de nulidade, pelo artigo 2º do Dec. 23.501, de 27 de novembro de 1933, então vigente na época do presente mútuo, e cujo teor é este:

"Art. 2º - A partir da publicação deste decreto, é vedada sob pena de nulidade, nos contratos exeqüíveis no Brasil a estipulação de pagamento em moeda que não seja a corrente, pelo seu valor legal".

A interpretação desse dispositivo deu margem a grande controvérsia sobre a validade de dívidas em moeda estrangeira resultante do comércio internacional, não, porém, quanto às contraídas e a ser pagas em moeda alienígena, em território brasileira. Já no final de década de 30, RUBEM ROSA, em declaração de voto no Tribunal de Contas, no sentido de que o Decreto 23.501 não proibia as operações, em moeda estrangeira, decorrentes da importação de mercadorias estrangeiras, acentuava que o limite da proibição era o seguinte:

"... desde a sua publicação, o decreto n.º 23.501, de 27-11-33, proíbe que se façam dentro do país (em operações se iniciam ou consumam dentro das nossas fronteiras) "ajustes" em moeda outra que não a nacional".

Daí dizer HAROLDO VALADÃO (Estudos de Direito Internacional Privado, pág. 259, Rio de Janeiro, 1947), que Rubem Rosa, nessa passagem, "esclarece assim que o art. 2º não exclui os ajustes em moeda estrangeira nas operações que não se iniciam ou não se consumam dentro de nossas fronteiras".

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Essa distinção foi explicitada na legislação posterior. Assim, o artigo 1º do Decreto-lei 316/67, ao esclarecer o sentido da derrogação do Decreto 23.501/33, feita pelo Decreto-lei 238/67, acentua que ela só se aplica:

"I - Aos empréstimos e quaisquer obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente ou domiciliada no exterior; e II - Aos negócios jurídicos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações referidas no n.º I anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no país".

O que implica dizer que empréstimos, em moeda estrangeira efetivamente mutuada, em que credor e devedor sejam residentes ou domiciliados no Brasil, continuam sob a incidência da vedação do Decreto 23.501/33. No mesmo sentido, o Decreto-lei 857, de 11 de setembro de 1969, que consolidou e alterou a legislação sobre moeda de pagamento de obrigações exeqüíveis no Brasil, no qual se lê:

"Art. 1º. São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro.

Por conseguinte, na hipótese sob julgamento, sendo nula a estipulação de pagamento em moeda estrangeira, por força do artigo 2º do Decreto 23.501, sob cuja vigência se contraiu o mútuo, este não era nulo em si mesmo, nula apenas a estipulação do pagamento em moeda alienígena. Do que resulta que, aplicando-se o princípio que veda o enriquecimento sem causa (caso contrário, o devedor, que recebeu a quantia mutuada, ficaria desobrigado de contra-prestação, o que implicaria enriquecimento sem causa), deve-se converter a quantia em dólares no seu equivalente em moeda nacional, ao câmbio da data do mútuo, para que as partes sejam restituídas ao status quo ante, conseqüência a que conduz o princípio proibitivo do enriquecimento sem causa.

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Ainda no Recurso Extraordinário nº 73.635, de 12/04/1973, o Supremo Tribunal Federal entendeu válida a cláusula ou o pacto adjeto que determine o valor da obrigação conforme a estimação do dólar à época do pagamento (RDM 11/74). No Superior Tribunal de Justiça, para o qual deverão ser direcionados todos processos e ações judiciais tratando da matéria, o entendimento majoritário desta Corte é no sentido de admitir as estipulações em moeda estrangeira, desde que o pagamento seja em moeda nacional. Todavia, há uma decisão contrária, datada de 22/06/1993 (DOU 02/08/1993) contido no Recurso Especial nº 23.707-MG, relatado pelo Ministro Athos Carneiro, da 4ª Turma, cuja ementa está vazada nos seguintes termos:

"CONTRATO DE COMPRA E VENDA, COM PREÇO FIXADO E INDEXADO EM DÓLARES, PARA PAGAMENTO EM CRUZEIROS, NULIDADE DA CLÁUSULA. DECRETO-LEI 857/69. É taxativamente vedada a estipulação, em contratos exeqüíveis no Brasil, de pagamento em moeda estrangeira, a tanto equivalendo calcular a dívida com indexação ao dólar norte-americano, e não índice oficial ou oficioso de correção monetária, lícito segundo as leis nacionais. Ação de cobrança da variação cambial, proposta pela vendedora. Nulidade de pleno direito da cláusula ofensiva a norma imperativa e de ordem pública. Recurso Especial conhecido e provido."

Vale ressaltar da íntegra do voto condutor do Acórdão, primeiramente, que o ilustre Ministro Relator transcreveu as parcelas de pagamento fixadas em dólares norte-americanos e os respectivos vencimentos. Todavia, ao final da cláusula as partes contratantes fizeram consignar nota com o seguinte teor:

"NOTA - A menção dos valores em dólares americanos é meramente informativa para fins de cálculos, devendo os pagamentos serem efetuados obrigatoriamente em moeda corrente nacional, ao preço vigente de venda do dólar, ao câmbio oficial, na data do pagamento da prestação."

Contudo, o ilustre Ministro Relator entendeu nula a forma de "reajuste e indexação em dólar norte-americano" ao declarar ao final do seu voto:

"Pelo exposto, conheço do recurso e ao mesmo tempo dou provimento, para, aplicando o direito à espécie, declarar nula a cláusula de reajuste do débito

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conforme a variação do dólar norte-americano ...." (destaques não no original)

Porém, em vários outros Acórdãos e decisões o Colendo Superior Tribunal de Justiça se manifestou em sentido contrário, admitindo a estipulação da obrigação em moeda estrangeira, desde que o pagamento seja feito em moeda nacional. Passou a ser este, o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça, cujas decisões, dentre inúmeras, destacamos algumas mais recentes. Recurso Especial nº 259.738, da Terceira Turma, em decisão de 05/09/2000 (DOU 09/10/2000), Relator Ministro Ari Pargendler:

"A teor do artigo 1º do Decreto-Lei nº 857, de 1969, "são nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que, exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro". Decidindo que essa norma legal é "inaplicável ao caso sob exame, eis que as partes contrataram obrigação em moeda nacional, a ser paga em moeda nacional, tendo apenas como referencial de correção o dólar americano" (fls. 248), o Tribunal a quo deu-lhe entendimento correto."

Recurso Especial nº 239.238, decisão datada de 16/05/2000 (DOU 22/05/2000), Relator Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma:

"CIVIL, OBRIGAÇÕES. INDEXAÇÃO EM MOEDA ESTRANGEIRA. A moeda estrangeira não pode ser adotada como meio de pagamento, mas serve como indexador." (destacamos)

Recurso Especial nº 194.629, decisão datada de 11/04/2000 (DOU 22/05/2000), Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma:

"Contrato em Moeda Estrangeira. Reajuste. Precedentes. 1. Esta Corte já assentou a melhor interpretação do art. 1º do Decreto-Lei nº 857/69, admitindo a contratação em moeda estrangeira, desde que o pagamento seja realizado pela conversão em moeda nacional. 2. É certo que a Lei nº 8.880/94, art. 6º, comanda a nulidade de pleno direito da contratação de reajuste vinculado à variação cambial, salvo quando expressamente autorizado por lei federal e no arrendamento mercantil celebrado entre pessoas residentes e domiciliadas no país, com base em captação de recursos provenientes do exterior. Todavia, nem o

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Acórdão recorrido nem o especial cuidaram dessa disciplina legal. 3. Recurso especial não conhecido."

Recurso Especial nº 57.581, decisão datada de 05/08/1999 (DOU 18/10/1999), Relator Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma:

"Legítimo é o pacto celebrado em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional. Precedentes do STJ. Obrigação do devedor de restituir, em moeda nacional, o equivalente em dólares norte-americanos emprestados. Variação cambial que não constitui, a rigor, correção monetária, mas a expressão do principal devido." (destaque não tem no original)

Recurso Especial nº 119.773, decisão datada de 23/11/1998 (DOU 15/03/1999), Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma:

"Processo Civil. Cláusula Contratual que Atrela a Correção Monetária à Variação Cambial de Moeda Estrangeira. Pagamento efetuado em moeda nacional, com base na cotação de Câmbio. Legalidade. Decreto-Lei nº 857/69. Art. 1º. Precedentes. Recurso Desacolhido. I - Distinguem-se, por sua natureza, o pagamento efetuado em moeda estrangeira e a utilização dessa moeda como fator de atualização monetária. II - O artigo 1º do Decreto-Lei nº 857/69 veda o curso legal de moeda estrangeira no território nacional, o que significa que o pagamento não pode ser efetuado nessa moeda"."

O que é importante ressaltar na decisão contida neste Recurso Especial, é a distinção feita pelo Ministro Relator, Sálvio de Figueiredo Teixeira, um dos mais proeminentes e cultos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, entre o pagamento em moeda estrangeira e a sua utilização como fator de atualização monetária. Neste passo, merece transcrição de parte de seu voto.

"De início, oportuno transcrever o que dispõe a norma tida como violada (art. 1º do Decreto-Lei n. 857/69):

"São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que, exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro".

Extrai-se do texto normativo que a estipulação da correção monetária em moeda estrangeira se distingue do

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pagamento nessa mesma moeda, ou seja, é nula qualquer cláusula que obrigue a circulação, por ocasião do pagamento, de moeda outra que não a nacional. Em verdade, a finalidade do dispositivo consiste em inibir a restrição ou a recusa do "curso legal do cruzeiro", impondo, a contrario sensu, o seu curso forçado. A tanto, enumera, a exemplo, o pagamento de obrigações em moeda estrangeira. ..... O Decreto-Lei nº 857/69 consolidou, por seu artigo 1º, o curso forçado da moeda nacional, o que significa, em metáfrase ao mestre Caio Mário da Silva Pereira, que o real deve ser obrigatoriamente aceito pelo credor, não se podendo convencionar pagamento que impeça seu uso ou que cerceie o seu poder liberatório. Na hipótese em exame, o dólar americano foi tomado como parâmetro de mera atualização monetária, não havendo imposição contratual de que a liquidação devesse ocorrer em dólar. A consignação, por parte da autora, deu-se em moeda nacional, na correspondência que entendeu devida com a moeda estrangeira. ..... É certo que não há dissonância entre o entendimento que considera nula a cláusula que estipula pagamento em moeda estrangeira e o que estabelece distinção entre o pacto e a forma de liquidação da obrigação. Não se pode convencionar que o pagamento deve ser feito em dólar, sob pena de burla ao curso forçado instituído pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 857/69. Nada impede, todavia, que o dólar seja utilizado como indexador, como mero fator de atualização monetária, devendo haver a conversão em real no momento do pagamento conforme cotação avençada. .... Distinguem-se, por natureza, a previsão contratual de um índice ou um fator que resguarde as partes da desvalorização da moeda - para que se permite o uso de cotação de uma moeda estrangeira - e o uso dessa moeda para o pagamento. O que veda a norma inserida no artigo 1º é o curso legal de outra moeda para obrigações a serem solvidas no território nacional; não toca o dispositivo na utilização de cotação cambial para atualizar valores contratuais. Aliás, guardam mesmo entre si natureza diversa: um diz respeito à preservação do valor obrigado e o outro à forma de liquidação do vínculo obrigacional. .... No caso, houve consignação do valor em reais, com base na conversão do dólar que entendeu cabível a autora.

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Não houve pagamento em dólar nem se estipulou que se devesse pagar em dólar."

Recurso Especial nº 79.362, decisão datada de 10/06/1997 (DOU 04/08/1997), Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma:

"Assentou a Corte ser legítimo pacto celebrado em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional."

Recurso Especial nº 78.838, decisão datada de 05/03/1996 (DOU 15/04/1996), Relator Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma:

"I - Legítimo é o pacto celebrado em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão na moeda nacional. II - O legislador visou evitar não a celebração de pactos ou obrigações em moedas estrangeiras, mas sim, aqueles que estipulassem o seu pagamento em outro valor que não o cruzeiro - moeda nacional - recusando seus efeitos ou restringindo seu curso legal, inteligência do art. 1., do Decreto-Lei n. 857/69. III - Na execução do título extra judicial, com valor expresso em moeda estrangeira, a conversão desta há de efetivar-se na data do ajuizamento da ação, e a partir daí incidirá a correção monetária do débito, de acordo com as regras estabelecidas pelo nosso sistema econômico financeiro."

Contudo, importante frisar que, nenhum processo ou ação judicial, tratando de contratações com indexação em moeda estrangeira, posterior à implementação do Plano Real, principalmente, foi levado a um tribunal superior, em especial, ao Superior Tribunal de Justiça. VI - CONCLUSÕES a) Vedação de Cláusulas de Reajustes - Correção Monetária - Indexação A política econômica elaborada a partir de 1993 previa a eliminação / redução da inflação em duas etapas. No começo, com a eliminação da inflação inercial e em seguida, com o equilíbrio das contas públicas. Por outro lado, a eliminação da inflação inercial foi feita em dois estágios, primeiramente, com a criação de um padrão de valor monetário, a Unidade Real de Valor - URV que por ser dotada de curso legal, serviu de indexador de preços. A fixação de valores em URV permitiu uma tendência de estabilidade.

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Posteriormente, a URV adquire poder liberatório, transformando-se em nova moeda nacional, o REAL, emitido a partir de 01/06/1994. Finda a inflação inercial ainda que para alguns, teórica e aparentemente, restou a ser enfrentado a outra causa da inflação, o deficit nas contas públicas, problema de complexidade imensurável e de nenhuma ligação com o presente trabalho. Para alcançar tal finalidade o Governo fez constar nas legislações, vedações e proibições de mecanismos que se não impediam, no mínimo, contribuíam para com aquela inflação inercial e crônica, procedimentos estes consistentes de reajustes de preços, cláusulas de correção monetária, indexação de obrigações etc. Para tanto, as legislações que se seguiram vedam, expressamente, quaisquer tipos de reajustes, correção e monetária, principalmente, vinculados à variação cambial. Confira-se: Lei nº 8.880 de 27/05/1994

"Artigo 6º É nula de pleno direito a contratação de reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior. Artigo 11. Nos contratos celebrados em URV, a partir de 1º de março de 1994, inclusive, é permitido estipular cláusula de reajuste de valor por índice de preços ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, desde que a aplicação da mesma fique suspensa pelo prazo de um ano. Artigo 12. É nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito a estipulação de cláusula de revisão ou de reajuste de preços, nos contratos a que se refere o artigo anterior, que contrarie o disposto nesta Lei."

Lei nº 9.069 de 29/06/1995

"Art. 24. Nas obrigações convertidas em REAL na forma dos artigos 20 e 21, o cálculo da correção monetária, a partir de 1º de julho de 1994, somente é válido quando baseado em índice de preços calculado na forma do artigo 38 da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994.

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§ 5º É nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito a aplicação de índice, para fins de correção monetária, calculado de forma diferente da estabelecida neste artigo." Art. 27. A correção, em virtude de disposição legal ou estipulação de negócio jurídico, da expressão monetária de obrigação pecuniária contraída a partir de 1º de julho de 1994, inclusive, somente poderá dar-se pela variação acumulada do Índice de Preços ao Consumidor - série r - IPC-r. § 1º O disposto neste artigo não se aplica: I - às operações e contratos de que tratam o Decreto-Lei nº 857 de 11 de setembro de 1969, e o art. 6º da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994; II - aos contratos pelos quais a empresa se obrigue a vender bens para entrega futura, prestar ou fornecer serviços a serem produzidos, cujo preço poderá ser reajustado em função do custo de produção ou da variação de índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados; III - às hipóteses tratadas em lei especial. § 2º Considerar-se-á de nenhum efeito a estipulação, a partir de 1º de julho de 1994, de correção monetária em desacordo com o estabelecido neste artigo." "Art. 28 Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual. § 1º É nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito cláusula de correção monetária cuja periodicidade seja inferior a um ano. § 2º O disposto neste artigo aplica-se às obrigações convertidas ou contratadas em URV até 27 de maio de 1994 e às convertidas em REAL."

Medida Provisória nº 1.950-71 de 14/12/2000

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"Art. 1º As estipulações de pagamento de obrigações pecuniárias exeqüíveis no território nacional deverão ser feitas em Real, pelo seu valor nominal. Parágrafo único. São vedadas, sob pena de nulidade, quaisquer estipulações de: I - pagamento expressas em, ou vinculadas a ouro ou moeda estrangeira, ressalvado o disposto nos arts. 2º e 3º do Decreto-Lei nº 857, de 11 de setembro de 1969, e na parte final do art. 6º da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994. II - reajuste ou correção monetária expressas em, ou vinculadas a unidade monetária de conta de qualquer natureza; III - correção monetária ou de reajuste por índices de preço gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados, ressalvado o disposto no artigo seguinte. Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano. § 1º É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano. § 2º Em caso de revisão contratual, o termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, ou de nova revisão, será a data em que a anterior revisão tiver ocorrido. § 3º Ressalvado o disposto no § 7º do art. 28 da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995, e no parágrafo seguinte, são nulos de pleno direito quaisquer expedientes que, na apuração do índice de reajuste, produzam efeitos financeiros equivalentes aos de reajuste de periodicidade inferior à anual. § 4º Nos contratos de prazo de duração igual ou superior a três anos, cujo objeto seja a produção de bens para entrega futura ou a aquisição de bens ou direitos a eles relativos, às partes poderão pactuar a atualização das obrigações, a cada período de um ano contado a partir da

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contratação, e no seu vencimento final, considerada a periodicidade de pagamento das prestações, e abatidos os pagamentos, atualizados da mesma forma efetuados. § 5º O disposto no parágrafo anterior aplica-se aos contratos celebrados a partir de 28 de outubro de 1995 até 11 de outubro de 1997. § 6º O prazo a que alude o parágrafo anterior poderá ser prorrogado mediante ato do Poder Executivo."

Concluindo, à vista da legislação em vigor, é taxativamente vedado reajuste, correção monetária ou indexação fora dos permissivos legais acima apontados. Sem dúvida, a utilização de moeda estrangeira, como moeda de conta, representa forma de indexação, de reajuste ou de aplicação de correção monetária, portanto, expressamente vedada pela legislação em vigor. b) Aplicação do Decreto-Lei nº 857/69 Inquestionavelmente, o artigo 1º, do Decreto-Lei nº 857/69 trata apenas e tão somente da VEDAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE MOEDA ESTRANGEIRA COMO MOEDA DE PAGAMENTO, ressalvadas as exceções nele contidas.

"Art. 1º. São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que, exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro. (grifamos)

Com evidência, referido Decreto-Lei não proíbe a utilização de moeda estrangeira como moeda de conta, bem assim também não veda sua utilização como indexador ou índice de reajuste de preços ou de quaisquer obrigações. Dentre outras razões, a primeira consiste em que tal Decreto-Lei tem por objetivo apenas assegurar o curso forçado da moeda nacional, vedando, por conseguinte, qualquer pagamento em moeda estrangeira. A segunda, diz respeito ao fato de que referido Decreto-Lei não trata da permissão ou vedação de reajustes, indexações e correção monetária, cuja matéria é tratada em outros dispositivos legais, e vem sendo assim ao longo dos anos, conforme foi demonstrado no início deste trabalho ao serem mencionadas diversas leis regulando a matéria. Atualmente, a vedação está explícita nas Leis 8.880/94, 9.069/95 e Medida Provisória 1.950-71/2000.

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Ainda que se admita que a moeda estrangeira é utilizada apenas como moeda de conta e não de pagamento, sua utilização está vedada pela Media Provisória 1.950-71/2000 (inciso II, do § único, do art. 1º).

"II - reajuste ou correção monetária expressas em, ou vinculadas a unidade monetária de conta de qualquer natureza;"

Ademais, o que o legislador pretendeu com a perpetração do plano econômico foi o de obter uma estabilização e reequilibro nos preços de modo a extinguir com a inflação ou com o que se denominou "costume com a inflação", gerado pelo círculo vicioso "aumento de preços correção". c) Decisões Judiciais Com relação às decisões colacionadas e todas aquelas citadas em estudos, pareceres e trabalhos doutrinários, há dois aspectos de capital importância a serem abordados. Primeiro, em sua grande maioria, tais decisões foram proferidas anteriormente aos planos de estabilização econômica desencadeados pelo Governo Federal, quando então as normas baixadas vedavam qualquer reajuste, indexação e correção monetária, principalmente no plano que deu origem ao REAL. Segundo, em nenhuma das decisões proferidas foram ventiladas as leis que tratavam da vedação de utilização de moeda estrangeira como indexador ou reajuste com base na variação cambial, especialmente as proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, tribunal este criado com a atual Constituição Federal de 1988 e última instância de julgamento de matéria desta natureza. De fato, é cediço que o Juiz e o Tribunal julgam o que lhes são postos para serem julgados. No caso do Superior Tribunal de Justiça, toda matéria não prequestionada nos Tribunais inferiores, sequer chega a ser apreciada por aquele sodalício. Cita-se como exemplo a decisão já acima mencionada.

Recurso Especial nº 194.629, decisão datada de 11/04/2000 (DOU 22/05/2000), Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma: "Contrato em Moeda Estrangeira. Reajuste. Precedentes. 1. Esta Corte já assentou a melhor interpretação do art. 1º do Decreto-Lei nº 857/69, admitindo a contratação em

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moeda estrangeira, desde que o pagamento seja realizado pela conversão em moeda nacional. 2. É certo que a Lei nº 8.880/94, art. 6º, comanda a nulidade de pleno direito da contratação de reajuste vinculado à variação cambial, salvo quando expressamente autorizado por lei federal e no arrendamento mercantil celebrado entre pessoas residentes e domiciliadas no país, com base em captação de recursos provenientes do exterior. Todavia, nem o Acórdão recorrido nem o especial cuidaram dessa disciplina legal. (grifamos) 3. Recurso especial não conhecido."

Data venia, utilizando-se de outras palavras, o Ministro Relator pretendeu dizer: "pelo Decreto-Lei nº 857/69 pode, mas a Lei nº 8.880/94 veda, porém não foi objeto de apreciação" pelo judiciário. Ora, desta feita, se a questão da utilização de moeda estrangeira como indexador é posta a julgamento para o Tribunal, apenas sob a luz e ótica do Decreto-Lei nº 857/69, com evidência, a decisão não poderia ser outra que não a negativa, pois referido Decreto-Lei trata apenas da sua vedação como "moeda de pagamento" Provavelmente se a questão for posta à luz das Leis nº 8.880/94, nº 9.069/95 e Medida Provisória nº 1.950-71/2000, a decisão possivelmente poderá ser outra, pois, tais normas vedam, expressamente, quaisquer reajustes, correção monetária e indexações por índices e prazos diferentes daqueles previstos em seus contextos. Não se pode afirmar, por conseguinte, com segurança absoluta, ser a atual posição do Superior Tribunal de Justiça o entendimento definitivo sobre a questão. VII - RESPOSTA À CONSULTA Ante tudo o que foi exposto, do ponto de vista estritamente legal, entendemos, levando em consideração as partes (empresas) envolvidas e o objeto do contrato, salvo melhor juízo, a cláusula 4.2. contida na minuta do contrato a nós enviada, é nula de pleno direito, pelas seguintes razões: 1º) Está implícito na referida cláusula reajuste de preços e correção monetária em prazo inferior a um ano o que é vedado pela legislação em vigor; 2º) Também, frente a legislação em vigor, não é permitida a inserção de cláusula em contrato admitindo o reajuste de preços pela variação cambial, sob pena de nulidade;

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3º) Ao contrato, pelo menos na forma em que está redigido, não se aplica o Decreto-Lei nº 857/69, mesmo porque os pagamentos estão estipulados em moeda nacional e não contem indicações ou demonstra, inequivocamente, estar incluído nas exceções previstas no artigo 2º do Decreto-Lei nº 857/69. Por outro lado, levando em conta a cláusula 4.8., entendemos viável a adequação do contrato às exigências do Decreto-Lei nº 857/69, de modo a permitir que os preços possam ser estipulados em dólar norte-americano ou até mesmo que os pagamentos sejam feitos nesta moeda. Para tanto, entendemos de fundamental importância que fique patenteado no contrato que as obrigações assumidas decorreram de contratações ou negociações com empresa estrangeira, cujos direitos e obrigações foram cedidos, transferidos ou assumidos pela empresa contratada (inciso V, do artigo 2º do Decreto-Lei nº 857/69), se é que efetivamente ocorreram. Nessas circunstâncias, demonstrada e comprovada que a aquisição / arrendamento dos veículos decorreu de captação de recursos no exterior, cujas obrigações foram cedidas, transferidas ou assumidas pela contratada, entendemos adequada a estipulação do preço da locação em dólar norte-americano, na forma pretendida. Por fim, há que se considerar alguns princípios aplicáveis aos contratos em geral, quais seja, o da boa-fé, da autonomia da vontade e o da obrigatoriedade do contrato. Ora, em toda avença parte-se do princípio que as partes estão agindo de boa-fé, em que a lealdade com a outra parte é o elemento nuclear, impelindo os contratantes a respeitar as respectivas posições e a atuar no sentido da satisfação plena dos interesses postos na contratação. Já o princípio da autonomia da vontade, no dizer de Orlando Gomes, "significa o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica. No exercício desse poder, toda pessoa capaz tem aptidão para provocar o nascimento de um direito ou para obrigar-se. Outros conceituam a autonomia da vontade como um aspecto da liberdade de contratar, no qual o poder atribuído aos particulares é o de se traçar determinada conduta para o futuro, relativamente às relações disciplinares da lei." E o princípio da força obrigatória ou da obrigatoriedade do contrato consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com a observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais. Na lição de Orlando Gomes, ainda que a parte tenha aceitado condições desvantajosas "a presunção de que foram estipuladas livremente, impede se socorra da autoridade judicial para obter suavização, ou a libertação. Pacta sunt servanda."

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A rigor, se a parte firma o contrato, aceita cláusulas, assume direitos e contrai obrigações e a posteriori vai aos Tribunais pleitear sua nulidade, está a alegar a própria torpeza, situação esta patente em todas as ações judiciais e processos nos quais se questionam a validade ou não de cláusula adotando a variação cambial no reajuste ou indexação de preços. Neste contexto, entendemos perfeitamente válidas as cláusulas inseridas no contrato. JOÃO BATISTA CHIACHIO Advogado Graduado pela USP – SÃO FRANCISCO – 1973 Advogado Especializado em Direito Empresarial e Contratual www.jobachi.com.br - [email protected] Telefone: 11 – 5589-0847 – Celular: 11 8224-6809