parecer josé afonso da silva sobre a contribuição dos inativos

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Parecer José Afonso Da Silva sobre a contribuição dos inativos

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PARECER

13

PARECER

A CONSULTA

A ASSOCIAO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTRIO PBLICO-CONAMP, por seu Presidente, Dr. MARFAN MARTINS VIEIRA, e A ASSOCIAO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS-AMB, por seu Presidente, Dr. Cludio Baldino Maciel, pretendendo um parecer jurdico, narram que a PEC-67/2003, chamada Reforma da Previdncia, introduz diversas modificaes no texto da Constituio de 1988, que importam na alterao de direitos dos agentes polticos que representam, parecendo-lhes que algumas dessas alteraes padecem do vcio de inconstitucionalidade. Diante dessas suspeitas, desejando preordenar a defesa da categoria funcional que representam, caso efetivamente tais inconstitucionalidades se verifiquem, fazem a presente consulta, mediante a apresentao dos seguintes quesitos:

1) Pode emenda constitucional, em face do princpio da irredutibilidade (artigos 128, 5, I c, 95, III, e 37, XV, da Constituio Federal) provocar diminuio ou corte de remunerao, subsdios, proventos, penses ou vencimentos (art. 1 da PEC 40, na parte em que d nova redao ao inciso XI do art. 37, e artigos 8 e 9)?

2) Pode emenda constitucional (art. 9 da PEC 40) atribuir eficcia a norma de efeitos instantneos, imediatos e exauridos, veiculadora de restries ao direito adquirido, ao ato jurdico perfeito e coisa julgada, editada pelo Poder Constituinte Originrio?

3) Pode emenda Constituio agravar requisitos de aquisio de direitos inatividade remunerada, desconsiderando os efeitos jurdicos atribudos ao tempo de servio pblico pelas normas constitucionais at ento vigentes (art. 1 da PEC na parte em que d nova redao aos 1, 3, 8 e 17 do art. 40 da CF integralidade e paridade dos proventos e penses; arts. 2 e 11 da PEC que revogam o art. 8 da EC-20/1998)?

4) Pode emenda Constituio suprimir direito assegurado em norma constitucional, a quem no momento de sua edio preenchia o requisito fundamental de ter ingressado regular e anteriormente em cargos efetivos da administrao pblica art. 2 e 11 da PEC que revogam o art. 8 da Emenda Constitucional n 20/98?

5) Ganhos cumulados oriundos do exerccio lcito de cargos, funes ou empregos pblicos submetem-se reduo ou corte determinado pela norma fixadora de teto constitucional?

6) constitucional a incidncia de contribuio previdenciria sobre proventos de aposentadoria e penses? E sobre proventos e penses que j estejam sendo percebidos na data da promulgao da PEC 40?

7) Em face do princpio da separao dos poderes (art. 2 da CF) e da clusula ptrea do art. 60, 4], III, da Constituio Federal: constitucional a norma do 15 do art. 40, com a redao dada pelo art. 1 da PEC 40, na parte em que nega a iniciativa de lei aos demais Poderes e a atribui exclusivamente ao Poder Executivo?

8) Viola o princpio federativo (art. 1 e 60, 4, I, da DF) e tambm o carter atuarial do custeio da previdncia (art. 40 caput da CF) a imposio, por emenda constitucional, de alquota no inferior da contribuio dos servidores titulares de cargos efetivos da Unio (art. 1 da PEC 40 na parte em que d nova redao ao 1 do art. 149)?

9) Em face do disposto no artigo 3 e seus pargrafos da PEC 67/2003 (novo nmero da PEC 40, no Senado), est assegurado o direito percepo de proventos integrais e paritrios com os estipndios do pessoal da ativa aos servidores que tenham preenchido os requisitos para aposentadoria at a data da publicao da Emenda Constitucional e que, no entanto, optem por permanecer em atividade?

10) Em face do disposto no art. 7 da PEC 67/2003 lcito concluir que os dependentes do servidor aposentado ou daquele que, tendo preenchido os requisitos continue em atividade, e a vem a falecer, faro jus s penses revistas na mesma proporo e na mesma data, sempre que se modificar a remunerao dos servidores em atividade, estendendo-se-lhes quaisquer benefcios ou vantagens posteriormente concedidos ao pessoal da ativa, inclusive quando decorrente da transformao ou reclassificao do cargo ou funo em que se deu a aposentadoria do beneficirio, ou que serviu de referncia para a concesso da penso?A resposta sinttica, ao final, a esses quesitos exige consideraes prvias sobre situaes jurdicas subjetivas, especialmente sobre direitos subjetivos e direito adquirido, assim como sobre a natureza jurdica das contribuies sociais, para o perfeito enquadramento das questes suscitadas.

A PEC 40/2003, apresentada Cmara dos Deputados, se transformou em PEC 67/2003 no Senado Federal. Neste parecer, s se falar em PEC, pura e simplesmente, expresso que abranger tanto a PEC 67/2003, como a Emenda Constitucional dela proveniente.

1 Emenda constitucional e direito adquirido

1. Pode-se chegar noo essencial de direito adquirido de modo muito simples, a partir dos conceitos de direito objetivo e direito subjetivo, sem necessidade de entrar aqui em discusso mais aprofundada sobre as situaes jurdicas subjetivas. O direito objetivo constitudo do conjunto sistemtico de normas (constitucionais, civis, penais etc.) destinadas a disciplinar a conduta humana na convivncia social. Essas normas so de direito objetivo porque vivem e sobrevivem fora e independentes das pessoas, a que conferem faculdades de agir (facultas agendi). A faculdade de agir que se manifesta como direito subjetivo, ou seja, direito subjetivo uma situao jurdica subjetiva de vantagem a que o direito objetivo confere proteo direta, plena e especfica, cujas caractersticas so: a) possibilidade de ser exercido imediatamente; b) exigibilidade, se necessrio na via jurisdicional; c) ser direito j incorporado ao patrimnio do titular. Quer dizer, o direito subjetivo um direito que existe em favor de algum e que pode ser exercido por esse algum, segundo a sua vontade, e exigvel na via jurisdicional quando seu exerccio obstado pelo sujeito obrigado prestao correspondente. Exemplo, a norma de direito objetivo do art. 40, 1, III, da Constituio confere direito subjetivo a quem cumpre os requisitos ali indicados para se aposentar voluntariamente.

2. Vale dizer, em face do direito subjetivo o titular pode tomar uma de duas atitudes: exerc-lo imediatamente ou deixar para exerc-lo mais tarde, segundo sua convenincia. Nesta ltima hiptese, ou seja, no sendo exercido imediatamente, que, vindo lei nova, o direito subjetivo se transforma em direito adquirido, porque era direito exercitvel e exigvel vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimnio, para ser exercido quando lhe conviesse. A lei nova no pode prejudic-lo s pelo fato de o titular no o ter exercido antes. Direito adquirido , pois, o direito j incorporado no patrimnio do titular no momento da entrada em vigor de lei nova, que no pode prejudic-lo, porque ele recebe proteo direta e plena do art. 5, XXXVI, da Constituio Federal, quando estatui: a lei no prejudicar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada.3. Antes da promulgao da Constituio de 1988 entendia-se que no havia direito adquirido contra norma constitucional, fosse ela originria ou derivada. Hoje, no entanto, necessrio distinguir entre as normas constitucionais provenientes da atuao do poder constituinte originrio normas constitucionais originrias e as normas constitucionais provenientes de emendas constitucionais normas constitucionais derivadas. Quanto s primeiras, dvida alguma resta de que no se submetem ao direito anterior e, por isso, no esto sujeitas a respeitar o direito adquirido. Nesse aspecto, basta lembrar Pontes de Miranda:

A Constituio rasoura que desbasta o direito anterior, para que s subsista o que for compatvel com a nova estrutura e as novas regras jurdicas constitucionais, mas a Constituio pode ressalvar como fizeram as Constituies de 1946 e 1967.

4. Quanto s normas constitucionais derivadas, a questo tomou novo rumo com a Constituio de 1988, de sorte que se pode dizer que pacfico, na doutrina de hoje, que emendas Constituio no podem ofender o direito adquirido. No sequer necessrio descer a consideraes tal como a de saber se no termo lei do inc. XXXVI do art. 5 da Constituio Federal se inclui tambm as emendas constitucionais, porque os fundamentos da intocabilidade do direito adquirido por elas se encontram na vedao constante do art. 60, 4, IV. De fato, o poder de emenda constitucional poder regrado, condicionado e sujeito a limitaes formais e materiais, configurados na Constituio, e, entre as limitaes materiais, se encontra a vedao de proposta de emendas tendentes a abolir os direitos e garantias individuais, mencionado no citado inc. IV do 4 do art. 60. E ningum duvida de que se configura como uma tpica garantia individual a regra constante do inc. XXXVI do art. 5 da Constituio de 1988, segundo o qual a lei no pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada. O argumento irretorquvel, como um entimema: emenda constitucional no pode abolir direito adquirido porque se trata de uma garantia individual. Ou se quiser em forma de um silogismo: emenda constitucional no pode abolir direitos e garantias individuais; o direito adquirido uma garantia individual expressa no art. 5, XXXVI; logo, emenda constitucional no pode abolir o direito adquirido. Ou ainda, por outra forma: os direitos e garantias individuais so imodificveis por emenda constitucional; o direito adquirido uma garantia constitucional; logo, o direito adquirido imodificvel por emenda constitucional.

5. Logo, incide em inconstitucionalidade a PEC, e assim pode ser declarada por qualquer juiz ou tribunal segundo o mtodo difuso, ou pelo Supremo Tribunal Federal em ao direita de inconstitucionalidade, naquilo em que ofender direitos adquiridos.

2 Direito realizado e direito adquirido

6. Vimos que, se o direito subjetivo no for exercido imediatamente, e sobrevier lei nova, ele se transforma em direito adquirido. Se, porm, o direito subjetivo foi exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situao jurdica definitivamente constituda (direito satisfeito, direito realizado, extinguiu-se a relao jurdica que o fundamentava). Exemplo, quem tinha o direito de aposentar-se, aposentou-se, seu direito foi exercido, consumou-se; lei nova no tem o poder de desfazer o direito assim exercido; no pode desaposentar o aposentado nem os efeitos jurdicos dela, s porque estabeleceu regras diferentes para a aposentadoria. Aqui o direito subjetivo recebeu consagrao definitiva por meio de um ato do Poder Pblico, gerando uma situao jurdica mais forte do que o direito adquirido, porque se d o encontro entre o direito subjetivo, direito j incorporado no patrimnio do titular, e um ato jurdico do Poder Pblico que o consagra em definitivo, ato jurdico esse que, expedido regularmente, consolida definitivamente a situao jurdica subjetiva de vantagem no patrimnio do titular com a fora inderrogvel do ato jurdico perfeito e acabado.

7. Vale dizer, o direito subjetivo j exercido no direito meramente adquirido, porque passa a ser uma situao jurdica subjetiva definitivamente constituda, em que se conjugam o direito adquirido com o ato jurdico perfeito, transmudando-se, portanto, em novo tipo de relao jurdica, que no pode desfazer-se nem ser simplesmente modificada em qualquer de seus elementos. Em princpio, at mesmo o poder constituinte originrio, que pode afastar a incidncia do direito adquirido em caso determinado, no pode atingir os direitos j exercidos, consolidados, consumandos, definitivamente constitudos, porque seria uma violncia. Assim, por exemplo, se se tem o direito subjetivo de casar-se, casou-se, exerceu-se o direito, consumou-se a situao jurdica subjetiva; no se colocar mais essa situao vista da supevenincia de nova lei sobre o casamento, como certamente se colocaria no caso de o casamento j estar marcado, com proclamas lavrados, afixados e devidamente publicado etc. O mesmo se d com a aposentadoria, como foi exemplificado acima.

3 Ressalva de direito e direito adquirido

8. O direito adquirido no precisa ser ressalvado pelas leis novas ou pelas emendas constitucionais para prevalecer. Sua intocabilidade decorre da regra constante do art. 5, XXXVI. Portanto, ele prevalece, haja ou no ressalva a seu respeito. A ressalva, contudo, tem a vantagem de explicitar o seu reconhecimento pelas normas supervenientes. Mas a lei nova, incluindo as emendas constitucionais, pode ressalvar direitos que ainda no tenham sido adquiridos, ou seja, pode proteger situaes jurdicas subjetivas de vantagem que ainda sequer tenham alcanado a configurao de direito subjetivo. Nesse caso, a ressalva de direito gera, em favor de seus titulares, um direito adquirido, porque a expectativa do direito integra o patrimnio de todos aqueles que se encontrem nas condies configuradas na regra de ressalva.

9. A PEC utilizou essa metodologia em ambos os casos. Assim que o direito adquirido est assegurado pelo seu art. 3, in verbis:

Art. 3 assegurada a concesso, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores pblicos, bem como penso aos seus dependentes, que, at a data de publicao desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obteno desses benefcios, com base nos critrios da legislao ento vigente.

1 O servidor de que trata este artigo que opte por permanecer em atividade tendo completado as exigncias para aposentadoria voluntria e que conte com, no mnimo, vinte e cinco anos de contribuio, se mulher, ou trinta anos de contribuio, se homem, far jus a um abono de permanncia equivalente ao valor de sua contribuies previdenciria at completar as exigncias para aposentadoria compulsria contidas no art. 40, 1, II, da Constituio Federal.

2 Os proventos da aposentadoria a ser concedida aos servidores pblicos referidos no caput, em termos integrais ou proporcionais ao tempo de contribuio j exercido at a data de publicao desta Emenda, bem como as penses de seus dependentes, sero calculados de acordo com a legislao em vigor poca em que foram atendidos os requisitos nela estabelecidos para a concesso desses benefcios ou nas condies da legislao vigente.

O texto se refere aposentadoria voluntria (art. 40, 1, III), no s aposentadorias por invalidez ou compulsria. Ora, se o servidor j tinha cumprido todos os requisitos para obteno daqueles benefcios, ento, a seu favor, j militava o direito adquirido a eles, tal como estabelecido nas normas constitucionais e legais ento vigentes, de tal sorte que o dispositivo nada mais faz do que explicit-lo, e claro que, no direito adquirido, se incluem o direito a proventos integrais ou proporcionais na forma prevista no art. 40, 1, III, e 3, da Constituio Federal antes da emenda proveniente da PEC. As alneas do inc. III disciplina as hipteses de aposentadoria com proventos integrais (alnea a) e proporcionais (alnea b); o citado 3 do art. 40 da CF define os proventos integrais, quando estatui que os proventos de aposentadoria, por ocasio da sua concesso, sero calculados com base na remunerao do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, correspondero totalidade da remunerao. Esses dispositivos que do o contedo do direito adquirido, assegurado em primeiro lugar no art. 5, XXXVI, da Constituio Federal e confirmado pelo caput do art. 3 da PEC, de sorte que o 2 desse artigo tem que ser interpretado em harmonia com eles. Esse 2, a rigor, nem precisava existir porque seu contedo j se contm no direito adquirido assegurado no caput, mas no faz mal que tenha sido explcito, inclusive porque o fez tambm em relao penso.

O 1 do art. 3 supratranscrito apenas confere aos titulares dos direitos assegurados no caput do artigo, o abono de permanncia queles que aceitarem continuar no exerccio de suas funes at aposentadoria compulsria, ao setenta anos de idade (art. 40, , 1, II).

10. Hiptese diferente a que se contm no art. 6 da PEC. A h uma ressalva que outorga direito novo a seus destinatrios, pois, de certo modo, reconhece direito adquiridos ao regime jurdico anterior. In verbis:

Art. 6 Ressalvado o direito de opo aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituio Federal ou pelas regras estabelecidas pelo art. 2 desta Emenda, o servidor da Unio, dos Estados, do Distrito federal e dos Municpios, includas suas autarquias e fundaes, que tenha ingressado no servio pblico at a data de publicao desta Emenda poder aposentar-se com proventos integrais, que correspondero totalidade da remunerao do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, desde que, observadas as redues de idade e tempo de contribuio contidas no 5 do art. 40 da Constituio Federal, preencha, cumulativamente, as seguintes condies:

I sessenta anos de idade, se homem, cinqenta e cinco anos de idade, se mulher;

II trinta e cinco anos de contribuio, se homem, e trinta anos de contribuio, se mulher;

III vinte anos de efetivo exerccio no servio pblico; e

IV dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exerccio no cargo em que se der a aposentadoria.

Pargrafo nico. Os proventos das aposentadorias concedidas conforme este artigo sero revistos na mesma proporo e na mesma data, sempre que se modificar a remunerao dos servidores em atividade, na forma da lei, observado o disposto no art. 37, XI, da Constituio.

Ressalvadas as opes que aqui no interessam, v-se que o dispositivo projeta, para o futuro, direitos previstos no regime constitucional anterior PEC, especialmente garante, aos servidores pblicos em geral, o princpio da integralidade dos proventos, concebida como um valor correspondente totalidade da remunerao do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, desde que preencham as condies enumeradas nos incisos do artigo. Esses incisos, contudo, no trazem inovao de monta. Mantm os mesmos requisitos constantes do art. 40, III, a, da Constituio, que a PEC tambm no altera, ou seja, a idade de sessenta anos para o homem e cinqenta e cinco para a mulher, assim como trinta e cinco anos de contribuio para o homem e trinta para a mulher. A inovao diz respeito ao tempo de servio pblico que passa de dez para vinte anos e a exigncia de dez anos de carreira que no consta do art. 40, 1. V-se, pois, que faz uma ressalva de direito para ser exercido na vigncia da Emenda, sem maiores exigncias. Assim, em verdade, o texto transforma expectativa de direitos em direito subjetivo. Em certo sentido, portanto, o texto est conferindo um tipo de direito adquirido ao regime de aposentadoria, na medida em que preserva o direito de aposentar-se basicamente nas mesmas condies previstas no momento em que o servidor ingressou no servio pblico. Mas no lhe imps esse regime, pois lhe ressalva o direito de opo pela aposentadoria segundo os critrios que a prpria Emenda estatui, e no est previsto o momento em que o servidor deve exercer o direito de opo, que ficou questo aberta, de tal modo que se pode entender que ele pode exercer esse direito a qualquer tempo.

11. Essas consideraes pe um problema ao intrprete, qual seja o de saber se outra emenda constitucional pode eliminar esse direito assegurado. Ora, a natureza da norma, como se disse, a de converter expectativa de direito em direito subjetivo para ser exercido no futuro sob a condio do preenchimento dos requisitos indicados, o que significa que, vindo novas normas, esse direito no pode ser desfeito, porque, sendo direito subjetivo, passa a ser direito adquirido em face da supervenincia daquelas novas normas. Se no for assim, estar-se- diante de uma verdadeira fraude constitucional, numa brincadeira de dar e retirar incessante, ao sabor dos detentores do Poder. Normas constitucionais, mesmo provenientes de Emendas Constituio, no podem ser manobradas assim como um boneco de cera, ao sabor dos donos do Poder, em prejuzo dos direitos constitudos.

12. Essas consideraes so feitas tambm vista do que dispe o art. 2 da PEC que d nova formulao ao art. 8 da Emenda Constitucional n 20, de 15 de dezembro de 1998, com efeito retroativo a situaes funcionais a ela anteriores. Ora, o art. 8 da eC-20, tal como o art. 6 acima transcrito, ressalvou direitos para o futuro, criando, pois, direitos subjetivos em favor daqueles que tivessem ingressado no servio pblico antes de sua publicao e desde que viessem a satisfazer os requisitos enumerados nos seus incisos. In verbis:

Art. 8 Observado o disposto no art. 4 desta Emenda e ressalvado o direito de opo a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas, assegurado o direito aposentadoria voluntria com proventos calculados de acordo com o art. 40, 3, da Constituio Federal, quele que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administrao Pblica, direta, autrquica e fundacional, at a data de publicao desta Emenda, quando o servidor, cumulativamente:

I tiver 53 (cinqenta e trs) anos de efetivo exerccio no cargo em que se dar a aposentadoria;

II tiver 5 (cinco) anos de efetivo exerccio no cargo em que se dar a aposentadoria;

III contar tempo de contribuio igual, no mnimo, soma de:

a) 35 (trinta e cinco) anos, se homem, e 30 (trinta) anos, se mulher; e

b) um perodo adicional de contribuio equivalente a 20% (vinte por cento) do tempo que, na data da publicao desta Emenda, falaria para atingir o limite de tempo constante da alnea anterior.

1 O servidor de que trata este artigo, desde que atendido o disposto em seus incisos I e II, e observado o disposto no art. 4 desta Emenda, pode aposentar-se com proventos proporcionais ao tempo de contribuio, quando atendidas as seguintes condies:

I contar tempo de contribuio igual, no mnimo, soma de:

a) 30 (trinta) anos, se homem, e 25 (vinte e cinco) anos, se mulher; e

b) um perodo adicional de contribuio equivalente a 40% (quarenta por cento) do tempo que, na data da publicao desta Emenda, faltaria para tingir o limite de tempo constante da alnea anterior;

II os proventos da aposentadoria proporcional sero equivalente a 70% (setenta por cento) do valor mximo que o servidor poderia obter de acordo com o caput, acrescido de 5% (cinco por cento) por ano de contribuio que supere a soma a que se refere o inciso anterior, at o limite de 100% (cem por cento).

2 Aplica-se ao magistrado e ao membro do Ministrio Pblico e de Tribunal de Contas o disposto neste artigo.

3 Na aplicao do disposto no pargrafo anterior, o magistrado ou o membro do Ministrio Pblico ou de Tribunal de Contas, se homem, ter o tempo de servio exercido at a publicao desta Emenda contado com o acrscimo de 17% (dezessete por cento).

4 O professor, servidor da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, includas suas autarquias e fundaes, que, at a data da publicao desta Emenda, tenha ingressado, regularmente, em cargo efetivo de magistrio e que opte por aposentar-se na forma do disposto no caput, ter o tempo de servio exercido at a publicao desta Emenda contado com o acrscimo de 17% (dezessete por cento), se homem, e de 20%, se mulher, desde que se aposente, exclusivamente, com tempo de efetivo exerccio das funes de magistrio.

5 O servidor de que trata este artigo, que, aps completar as exigncias para aposentadoria estabelecidas no caput, permanecer em atividade, far jus iseno da contribuio previdenciria at completar as exigncias para aposentadoria compulsria contida no art. 40, 1, III, a, da Constituio Federal.

A remisso ao art. 4 da EC-20/1998 apenas para determinar que seria contado, como tempo de contribuio, o tempo de servio que servia de base para a aposentadoria no sistema anterior.

Observe-se que o dispositivo tem o mesmo sentido do art. 6 da PEC: assegura o direito de aposentadoria com proventos integrais aos servidores que tenham ingressado no servio pblico at a data da publicao desta Emenda. A garantia de proventos integrais, ou seja, correspondentes remunerao do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, decorre, no art. 8 da EC-20/1998, da remisso ao art. 40, 3, da Constituio, enquanto, no art. 6 da PEC, expresso diretamente. Pois bem, esse art. 8, tal como o art. 6 da PEC, assegura o direito de auferir, no futuro, o benefcio nas condies previstas no momento de transio de um sistema para outro. Como dissemos acima em referncia ao art. 6, o texto confere um tipo de direito subjetivo ao regime de aposentadoria, na medida em que preserva o direito de aposentar-se basicamente nas mesmas condies previstas no momento em que o servidor ingressou no servio pblico. Se a norma constitucional d garantia de gozo de um direito, no futuro, cumpridos os requisitos especficos que ela indica, isso significa criar direito subjetivo estabilidade dessa situao jurdica subjetiva, no sentido de que ela no pode ser desfeita nem modificada em prejuzo de seu titular. Esse direito subjetivo, como da natureza dessa situao jurdica subjetiva, se transforma em direito adquirindo no momento da entrada em vigor de eventual norma nova que modifique as base sob as quais ele se incorporou no patrimnio do titular. Significa isso que a emenda constitucional, que decorrer da PEC, no pode prejudicar aquele direito, que, como todo direito adquirido, encontra proteo direta, plena e especfica no art. 5, XXXVI, da Constituio Federal.

13. Pois bem, essas consideraes sobre o art. 8 da EC-20/1998 vm a propsito do disposto no art. 2 da PEC-67/2003 que, apesar da redao em boa parte idntica, modifica substancialmente o contedo do direito nele assegurado. A diferena comea pela remisso ao art. 40, 3, da Constituio Federal. A remisso do art. 8 da EC-20/1998 se referia ao 3 que essa Emenda introduziu no referido art. 40, com a seguinte redao:

Os proventos de aposentadoria, por ocasio da sua concesso, sero calculados com base na remunerao do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, correspondero totalidade da remunerao.

Ou seja, a remisso a esse 3 significava assegurar, no futuro, o princpio da integralidade da aposentadoria aos servidores que tivessem ingressado em cargo efetivo at a data da publicao da Emenda.

O art. 2 da PEC remete tambm ao 3 do art. 40 da Constituio Federal, mas com a redao que ela prpria lhe deu, que suprime o princpio da integralidade, in verbis:

Para o clculo dos proventos de aposentadoria, por ocasio da sua concesso, sero consideradas as remuneraes utilizadas como base para as contribuies do servidor aos regimes de previdncia de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei.[ou seja, R$2.400,00].

Alm disso, o art. 2 da PEC traz redutores que no se continham do art. 8 da EC-20/1998. De fato, o seu 1 declara que o servidor de que trata este artigo que cumprir as exigncias para aposentadoria na forma do caput ter os seus proventos de inatividade reduzidos para cada ano antecipado em relao aos limites de idade estabelecidos pelo art. 40, 1, III, a, e 5 da Constituio, nas propores de trs inteiros e cinco dcimos por cento e de cinco por cento, respectivamente, para quem completar as exigncias at 31.12.2005 e a partir de 1.1.2006.

14. Essas modificaes so inconstitucionais porque infringem direito adquirido assegurado pelo art. 8 da EC-20/1998, conforme demonstrado acima.

4. Natureza do art. 17 do ADCT

15. Como vimos, o art. 3 da PEC ressalva o direito adquirido dos servidores que tenham cumprido todos os requisitos para obteno do benefcio nos termos da legislao vigente. No obstante isso, seu art. 9 manda aplicar o art. 17 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias a situaes que ela cria. O art. 17, caputl, estatua:

Os vencimentos, a remunerao, s vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituio sero imediatamente reduzidos aos limites dela decorretnes, no se admitindo, neste caso, a invocao de direito adquirido ou a percepo de excesso a qualquer ttulo.

A expresso neste caso um signo normativo de realce para a compreenso do texto, at porque est em plena harmonia com a natureza das disposies constitucionais transitrias, que tm por funo regular e resolver problemas e situaes de carter transitrio, ligados passagem de uma ordem constitucional outra. So produzidas pelo legislador constituinte por ocasio de uma mutao formal do regime constitucional com o objetivo de disciplinar situaes jurdicas pendentes no momento da transio do regime velho. Por isso, tm sua eficcia circunscrita pela eficcia das disposies permanentes; por isso no so normas de indefinida aplicao, mas de aplicao limitada s situaes jurdicas existentes naquele momento de transio com regra distinta, quer daquela posta pela norma ab-rogada, quer daquela posta pela norma ab-rogante. Essa contemporaneidade, no caso, est na clusula proventos... que estejam sendo percebidos. Por isso, tm efeitos concretos, porque disciplinam situaes determinadas e concretas. No so disposies autnomas, mas destinadas a vincular-se ou com a velha ou com a nova, ou trocar elementos de uma ou de outra. No introduzem novidade, seno no seriam transitrias, mas introduzem particularidades [neste caso do art. 17 exprime isso] na disciplina disposta por outras normas. Disso decorre as seguintes conseqncias: a) as disposies transitrias so necessariamente temporrias, no porque tenham um termo, mas porque destinadas a exaurir-se com o exaurimento, progressivo ou instantneo, da situao concreta por ela contemplada; essa instantaneidade, na hiptese do art. 17, se manifesta claramente nas clusulas proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos e sero imediatamente reduzidos; b) por essa razo, no admitem interpretao extensiva nem integrao analgica, porque as situaes concretas, exatamente por serem concretas, so nicas e exclusivas e, nessa qualidade, no admitem analogias e porque situaes anlogas so situaes diferentes, conquanto semelhantes, e, assim, admitir-se a extenso de uma disposio transitria a uma situao anloga que ela disciplina seria dar vida a outra disposio transitria; c) disposies transitrias s disciplinam situaes de transio a respeito das normas velhas, pois a respeito das novas normas no podem ocorrer questes transitrias; d) a eficcia exaurida de disposio transitria no se restabelece.

16. As disposies transitrias fazem parte integrante da Constituio. Mas seu carter transitrio indica que regulam situaes individuais e especficas, de sorte que, uma vez aplicadas e esgotados os interesses regulados, exauremse, perdendo a razo de ser pelo desaparecimento do objeto cogitado, no tendo, pois, mais aplicao no futuro.

17. O caput do art. 17 do ADCT, que o que est em questo aqui, estava vinculado especialmente aos incisos XI e XIV do art. 37, que estabeleceram limites a vencimentos e vantagens pecunirias dos servidores pblicos. Ora, tais limites no existiam no regime constitucional anterior, por isso muitos servidores auferiam remunerao ou vantagens pecunirias que estavam acima dos limites definidos nesses textos. Foi nesse contexto que se inseriu o art. 17 do ADCT, para afastar a incidncia, neste caso, s neste caso, da norma protetora do direito adquirido (art. 5, XXXVI). No fosse esse art. 17, aqueles que auferiam vencimentos, remunerao, proventos e vantagens pecunirias para alm dos limites estabelecidos na Constituio tinham o direito adquirido de permanecer gozando dessas vantagens que a lei no poderia prejudicar. Por essa razo que a disposio transitria em exame cortou essa garantia no caso especfico, estatuindo que no seria permitida a invocao de direito adquirido no caso (neste caso, diz o dispositivo). Ela afastou, assim, o postulado do direito adquirido. Note-se que ela s se refere ao direito adquirido, portanto prevalecem o ato jurdico perfeito e a coisa julgada. O afastamento da incidncia do direito adquirido, no caso, se deu por disposio transitria criada pelo prprio poder constituinte originrio, que licitamente poderia faz-lo, mas poder constituinte derivado no o pode fazer porque esbarra com a vedao constante do art. 60, 4, IV, da Constituio Federal.

18. As disposies constitucionais transitrias, como se viu, tem por objeto disciplinar situaes jurdicas pendentes no momento da transio do regime velho para o novo. O texto o diz; proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos..., ou seja, percebidos naquele momento. Por isso, esto destinadas a exaurir-se com o exaurimento da situao concreta por ela contemplada. Esgotam-se com sua aplicao. O art. 17 em causa foi aplicado, especialmente no que tange ao inc. XIV do art. 37, porque o Poder Pblico, em todas as esferas de governo, cortou os excessos decorrentes da acumulao de vantagens pecunirias. Por outro lado, as disposies constitucionais transitrias esto vinculadas ao contedo das normas novas a que abrem excees ou limitaes. Se estas forem revogadas ou se forem modificado o seu contedo, as disposies transitrias inerentes perdem eficcia. Os dispositivos a que se ligavam a disposio transitria em anlise foram substancialmente modificados. De fato, a EC-19/1998 alterou completamente o texto do inc. XI. Portanto, no que se refere proibio de invocar o direito adquirido, perdeu eficcia, em conseqncia da transformao do contedo daquele inciso, eficcia que no pode ser restabelecida por emenda constitucional, porque isso valeria como criar, de novo, a restrio, e emenda constitucional no pode afastar a incidncia do direito adquirido nem criar-lhe restries, porque isso esbarra na vedao do art. 60, 4, IV, da Constituio Federal, repita-se.

19. Detenhamos um pouco mais nessa ltima questo, em face do art. 9 da PEC, que assim dispe:

Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias aos vencimentos, remuneraes e subsdios dos ocupantes de cargos, funes e empregos pblicos da administrao direta, autrquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes polticos e os proventos, penses ou outra espcie remuneratria percebidos cumulativamente ou no, includas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.

Temos diante de ns uma nova disposio transitria, diversa do art. 17 originrio. Este estava vinculado s normas permanentes originrias, ou seja, quelas formuladas pelo poder constituinte originrio e visava ordenar situao jurdica surgida em face da transio do regime constitucional de 1969 para o regime institudo pela Constituio de 1988. Diferente o objeto da nova disposio transitria contida no transcrito art. 9, porque este visa resolver problema surgido com a prpria PEC. Isso quer dizer o seguinte. O art. 17 originrio no tinha mais eficcia para ser aplicado nova situao criada com a PEC, da por que se teve que aparelhar uma disposio especfica mandando que ele seja aplicado a essa nova situao. A necessidade dessa nova disposio remissiva mostra que o art. 17 originrio j estava exaurido, porque, se no o estivesse, no seria necessrio uma norma especial determinando sua aplicao. Mas disso provm algumas indagaes inquietantes: que significado tem essa nova disposio? Tem ela o efeito de afastar a incidncia do postulado do direito adquirido s modificaes introduzidas pela PEC? Se assim , tem validade?

20. A disposio do art. 9, em causa, significa a absoro do contedo do caput do art. 17 originrio com ampliao, porque incluiu situaes que aquele no abrangia. Mas o essencial que a nova disposio quis compreender est no final do art. 17, ou seja, a excluso da incidncia do direito adquirido e a percepo de excesso a qualquer ttulo. Em vez de dizer, por si: os vencimentos, remuneraes e subsdios dos ocupantes de cargos, funes e empregos pblicos da administrao direta, autrquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes polticos e os proventos, penses ou outra espcie remuneratria percebidos cumulativamente ou no, includas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, que estejam sendo percebidos em desacordo com esta PEC sero imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, no se admitindo, neste caso, invocao de direito adquirido ou percepo de excesso a qualquer ttulo, o art. 9 manda que se aplique o art. 17, na suposio de que, assim, escaparia pecha de inconstitucionalidade. Mera suposio, porque, em realidade, se trata de um novo artigo que, por si, pretende excluir a incidncia do direito adquirido s situaes que a PEC cria.

5. Contribuio previdenciria sobre proventos de aposentadoria: tributo sem causa

21. A PEC, sob nossas vistas, determina a incidncia de contribuio previdenciria sobre os proventos de aposentadoria dos servidores que se aposentarem depois da publicao da Emenda dela proveniente, como sobre os proventos dos servidores aposentados antes de suas publicao. No tpico subseqente examinarei as regras especficas para cada uma dessas situaes. Nesta oportunidade, permito-me fazer consideraes que se aplicam sem distino a ambas as situaes, porque se centram na questo da fundamentao e das razes dessa forma especfica de tributao. A discusso do tema deve partir da definio da natureza jurdica das contribuies sociais, especialmente das contribuies previdencirias.

22. No resta a menor dvida de que as contribuies sociais so prestaes compulsrias impostas pelo poder pblico s empresas e empregadores ou equiparados (inc. I) e aos segurados que so os trabalhadores (inc. II), que assim so definidos como contribuintes da seguridade social. O nome contribuio aplicado s exaes que incidem sobre determinada faixa da populao, sobre determinado grupo, em razo de interesse a ele vinculado, direta ou indiretamente, ainda quando ela possa ter a natureza de imposto ou de taxa. Ora, as contribuies sociais, aqui consideradas, so formas de arrecadao compulsria para atender interesses diretos dos trabalhadores, mas so tambm ligadas a interesses dos empregadores. Sua natureza tributria decorre da compulsoriedade de sua cobrana. Essa natureza lhe d o conceito de tributo, mas que tributo? O art. 145 s reconhece como espcies de tributos: os impostos, as taxas e a contribuio de melhoria. Ento, se as contribuies tm natureza tributria tm que ser enquadradas numa dessas espcies. Exclua-se, desde logo, a contribuio de melhoria cujo fato gerador a distancia muito das contribuies sociais. H alguns anos, rebatendo a natureza salarial dessas contribuies, adotei a tese tributarista, mas tributo vinculado a determinado tipo de prestao; tributo que se destina a alimentar um fundo, o fundo da seguridade social, vinculado a satisfazer as prestaes previdencirias; por isso, sua arrecadao compulsria s por si no suficiente para legitim-la, porque ainda necessrio que os recursos delas provenientes sejam destinados a satisfazer as prestaes da seguridade social, porquanto s para tal destino a Constituio Federal fundamenta sua cobrana, e precisamente da, tambm, que se verifica o direito subjetivo do trabalhador s prestaes, sempre que ocorrerem os pressupostos que justifiquem receber a vantagem previdenciria. No interessa aqui a natureza da contribuio do empregador, pelo que s me deterei na contribuio do trabalhador, com a observao de que a contribuio previdenciria do servidor pblico tem a mesma natureza jurdica da contribuio do trabalhador sujeito ao regime geral da previdncia social, a que se reconhece a natureza tributria das taxas, com suas peculiaridades, porque uma contribuio compulsria vinculada a uma atividade estatal em relao ao contribuinte, qual seja a atividade previdenciria prestada ao contribuinte segurado ou, pelo menos, posta sua disposio. Assim tambm entende o Supremo Tribunal Federal, conforme se v da Ementa do RE 146.733/SP, a respeito da contribuio social sobre o lucro das pessoas jurdicas, embora numa referncia rpida, assim: No inconstitucional a instituio da contribuio social sobre o lucro das pessoas jurdicas, cuja natureza tributria... (grifei). Contudo, o voto do Relator, Min. Moreira Alves, acolhido por unanimidade, foi suficientemente explcito sobre a natureza tributria das contribuies sociais, in verbis:

De feito, a par das trs modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuies de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que so competentes para institu-los a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributrias, para cuja instituio s a Unio competente: o emprstimo compulsrio e as contribuies sociais, inclusive as de interveno no domnio econmico e de interesse das categorias profissionais e econmicas. No tocante s contribuies sociais que dessas duas modalidades tributrias a que interessa para este julgamento - , no s as referidas no art. 149 que se subordina ao captulo concernente ao sistema tributrio nacional tm natureza tributria, como resulta, igualmente, da observncia que devem ao disposto nos artigos 146, III e 150, I e III; mas tambm as relativas seguridade social previstas no artigo 195, que pertence ao ttulo da Ordem Social.

23. No fundamental, porm, essa caracterizao especfica da contribuio previdenciria, para os fins deste parecer, porque, qualquer que seja a concepo que se tenha dela, o resultado a que se chegar ser o mesmo, no que tange s concluses que por ele se buscam, qual seja a de que a contribuio previdenciria sobre os proventos de aposentadoria se caracteriza como um tributo sem causa, sendo por essa razo ilegtima, porque as contribuies da seguridade social, como as previdencirias, so formas tributrias necessariamente causais. Quer isso dizer que sua razo de ser, sua fundamentao constitucional, assenta na causa em funo da qual so institudas, ou seja, tais contribuies tm sua justificao apenas na medida em que atendam a causa em razo da qual so criadas. Por isso nem necessrio que se adote a teoria tributarista, porque, mesmo quem no a dote claramente, reconhece que elemento essencial para a configurao das contribuies no regime constitucional de 1988 a finalidade a que se destinam. Neste ponto, a CF-88 adotou um critrio de validao finalstica deste tipo de exigncia, dando realce aos objetivos a serem atingidos, mais do que aos fatos geradores da sua exigncia.

No est expresso, mas essa doutrina confirma que tais contribuies so causais. Repita-se o que deixei expresso antes: sua arrecadao compulsria s por si no suficiente para legitim-la, porque ainda necessrio que os recursos delas proveniente sejam destinados a satisfazer as prestaes da seguridade social, porquanto s para tal destino a Constituio Federal fundamenta sua cobrana, e precisamente da, tambm, que se verifica o direito subjetivo do trabalhador s prestaes, sempre que ocorrerem os pressupostos que justifiquem receber a vantagem previdenciria.24. Contudo, aprofundemos um pouco mais a doutrina relativa aos tributos causais. Para nos situarmos, comecemos pelo seguinte texto de Baleeiro:

Parece ter sido Ranelletti, em 1898, ao estudar a natureza jurdica do imposto, o primeiro a utilizar a noo de causa, situando-a na transformao dos tributos em servios e bens adequados satisfao das necessidades pblicas ou, por outras palavras, nas vantagens que disso auferem os contribuintes vinculados direta ou indiretamente a uma coletividade politicamente organizada.

Baleeiro cita ainda uma passagem do constitucionalista argentino, Linares Quintana, que busca na Constituio a noo de causa do tributo sem a qual este, de nobre e democrtica contribuio de todos e de cada um manuteno do Estado, degenera, como disse, num acrdo memorvel, a Corte Suprema da Nao, em exao e despojo.

25. No cabe aqui entrar nas discusses mais aprofundadas sobre a questo. Mas o magistrio de Bevenuto Griziotti, que um dos mais eminentes doutrinadores da causa como fator justificante da arrecadao dos recursos pblicos, deve ser lembrado na seguinte passagem que d o fundamento da doutrina:

La tutela de los ciudadanos contra las posibles arbitrariedades (del gobierno o de la magistratura) exige el reconocimiento de um nexo jurdico causal entre la funcin (o fin concreto) de la ley y la funcin del acto de recaudacin de los recursos sobre un contribuyente degerminado.

Al considerar este nexo causal se obtiene la certeza y la proporcionalidad de la justicia financiera, la cual, por lo tanto, est fundada sobre la correspondencia (concreta o presunta) entre el inters privado (o colectivo) em el cumplimiento de los gastos pblicos (como ya se dijo em p. 7) com el dinero de los contribuyentes. De este modo, el inters de los contribuyentes es protegido contra cualquier acto, ilegtimo o arbitrario, de disposicin de sus patrimonios.

26. H quem identifica a causa com a capacidade contributiva. O certo que, no que tange s taxas e contribuies, o nexo causal constitui o elemento justificador da arrecadao. Blumenstein preciso sobre isso. Sua lio pode ser sintetizada do seguinte modo: segundo a concepo do Estado de Direito, um tributo deve ser arrecada se e enquanto repousa sobre uma disposio legal (fundamento jurdico); a lei que define o fundamento de seu nascimento em considerao a acontecimentos exteriores vinculados com a pessoa do contribuinte e que, portanto, justificam uma prestao de sua parte. Aqui se encontra um fundamento pessoal da obrigao (causa) e, por isso, se fala em tributos causais, que constituem uma contraprestao pelas prestaes ou pelas despesas que o Ente pblico deve cumprir em relao pessoa do contribuinte. Segundo ele, so causais os tributos de monoplio e as taxas, assim como os tributos especiais, aqueles que o contribuinte tem que pagar quando recebe uma vantagem especial das instituies pblicas. Em suma, so causais todas as formas de arrecadao de recursos que se fundamentam no princpio da equivalncia presente ou futura, porque tm como causa jurdica e fato gerador a prestao efetiva ou potencial de um servio especfico ao contribuinte.. Quer dizer, o que fundamenta a sua cobrana sempre a busca de uma prestao estatal em favor do contribuinte. Ora, como ficou j indicado antes, o que legitima a imposio da contribuio previdenciria dos trabalhadores que os recursos dela proveniente sejam destinados a satisfazer os benefcios previdencirios, porquanto s para tal destino a Constituio Federal fundamenta sua cobrana.

27. Recorra-se s normas constitucionais e confirme-se essa afirmativa. O art. 40 da Constituio assegura aos servidores titulares de cargos efetivos o regime de previdncia de carter contributivo. A o fundamento constitucional para a cobrana da contribuio previdenciria. Para que fim? O 1 do mesmo art. 40 responde a indagao, ao dizer que os servidores abrangidos pelo regime de previdncia de que trata este artigo sero aposentados e calculados os seus proventos etc. Disso decorre o vnculo da contribuio com a sua finalidade que a de constituir meios para o pagamento dos proventos da aposentadoria. Vale dizer, a contribuio a contraprestao pelas prestaes sociais (benefcios previdencirios) que o poder pblico arrecadador tem que outorgar, oportunamente, ao contribuinte. Assim, nos encontramos outra vez com Marco Aurlio Greco, para confirmar que a finalidade da contribuio, ou seja, a busca da prestao do benefcio previdencirio, que se caracteriza como a causa que fundamenta e legitima a sua cobrana. Mas a finalidade h de ser real e concreta em favor do contribuinte, uma vez cumpridos os requisitos constitucionais para o gozo do benefcio. Marco Aurlio Greco bem o diz:

Entendo que no se pode confundir a finalidade como objetivo real e concreto a ser buscado, com a utilizao da finalidade como pretexto para criao da contribuio. A simples meno de uma finalidade no satisfaz a exigncia constitucional para fins de dar validade respectiva lei.

28. A chegamos ao ponto. Os servidores, nos termos do art. 40, contribuem para que venham a perceber proventos na aposentadoria. Quando eles alcanam essa prestao, ocorre como que um acerto de contas entre o contribuinte e o Ente pblico. Se o servidor j est recebendo o benefcio a que fez jus, mesmo que no tenha contribudo antes, porque no estava obrigado a isso, porque o sistema constitucional no dava ao Ente pblico o direito de cobrar-lhe contribuio, pelo que o Ente arcava com os benefcios como uma forma de salrio futuro. Tanto verdade que o art. 4 da EC-20/1998 converteu o tempo de servio pblico em tempo de contribuio.Logo, o servidor aposentado no pode ficar sujeito a pagar uma contribuio em razo de fatos passados, que no se pode imputar a ele. Vale dizer, a tese do dficit da previdncia ou a tese de que os atuais aposentados no contriburam ou contriburam pouco para a previdncia no so causas legtimas para a imposio a eles de contribuio. Nem se h de argumentar que, alm desses benefcios da aposentadoria, o inativo ainda recebe servios, como assistncia mdica, para qual deve contribuir. Acontece que os servios assistenciais, como o de sade, so prestaes estatais sujeitas ao princpio da universalidade, porque todos tm o direito a eles e o Estado tem o dever de prest-los (CF, art. 196), independentemente de contribuio, porque so prestaes da seguridade social e no prestaes previdencirios.

Vejamos as justificativas do Governo para a imposio de contribuio previdenciria aos servidores inativos. Essas justificativas esto expressas na Exposio de Motivos que acompanhou a PEC 40:

66. Inmeras so as razes que determinam a adoo de tal medida, cabendo destacar o fato de a Previdncia Social ter, essencialmente, um carter solidrio, exigindo, em razo desta especificidade, que todos aqueles que fazem parte do sistema sejam chamados a contribuir para a cobertura do vultoso desequilbrio financeiro hoje existente, principalmente pelo fato de muitos dos atuais inativos no terem contribudo para o recebimento dos seus benefcios ou terem contribudo, durante muito tempo, com alquotas mdicas, incidentes sobre o vencimento e no sobre a totalidade da remunerao, e apenas para as penses, e, em muitos casos, tambm para o custeio da assistncia mdica (que um benefcio da seguridade social e no previdencirio).

A se tem a utilizao de uma finalidade como mero pretexto para a criao da contribuio. Recorde-se o texto de Marco Aurlio Greco, citado supra: A simples meno de uma finalidade no satisfaz a exigncia constitucional para fins de dar validade respectiva lei. A ltima frase do texto confirma que os servios de sade no so benefcios previdencirio, portanto, seu gozo no depende de contribuio.

29. Uma das causas (razes) dada pela Exposio de Motivos o carter solidrio, essencial ao sistema de previdncia social. verdade. A solidariedade est na base do sistema previdencirio de carter contributivo. Em conferncia que fiz no longnquo 1978, no usei a expresso, mas dei uma idia correspondente, ao sustentar o carter tributrio da contribuio previdenciria dos trabalhadores, mostrando que se trata de um tributo vinculado a determinado tipo de prestao; tributo que se destina a alimentar um fundo, o fundo de previdncia social, vinculado a satisfazer as prestaes previdencirias (na idia de fundo est a de solidariedade). Mas preciso declarar que no a solidariedade a causa da contribuio. Ningum contribui para a previdncia social por simples solidariedade. Todos trabalhadores que participam dessa solidariedade o fazem com a finalidade de auferir os benefcios que a previdncia confere aos participantes. No legtimo, portanto, cobrar contribuio de previdncia por razes de solidariedade, at porque o fundamento da contribuio dos trabalhadores, entre eles, os servidores, est na referibilidade direta a uma atuao concreta-atual ou potencial o Estado: a previdncia social, organismo e atividade. Muito menos quando essa solidariedade invocada para justificar sejam chamados a contribuir para a cobertura do vultoso desequilbrio financeiro hoje existente os aposentados que no tm nenhuma responsabilidade por esse desequilbrio, que se deve a outros fatores. Recorde-se de outra passagem do magistrio de Griziotti, que, falando do limite da solidariedade nas finanas, observa que no possvel onerar o contribuinte por razes de solidariedade.

30. De tudo isso se conclui que as razes (causas) dadas pela Exposio de Motivos para a criao da contribuio de previdncia sobre os proventos de aposentadoria no tm uma conexo lgica com as finalidades que do fundamento de legitimidade sua exao. Portanto, no so causas reais, vinculadas. So utilizadas como simples pretexto para a sua criao, mas, como se viu acima, a simples meno da finalidade (causa) no satisfaz os princpios constitucionais da tributao. No caso, ter-se- uma contribuio sem causa, um tributo sem causa, incidente sobre certa categoria de pessoas, o que lhe d caracterizao de tributo de capitao. Como tal se conceitua toda forma de tributao sobre a pessoa, sem relao de causa com um fato gerador material. Veja-se sua conceituao em Tixier e Gest:

Limpt de capitation est d raison mme de lexistence de la personne. Cest la forme dimposition la plus simples, la plus facile calculer et la plus commode percevoir. Mais elle est aussi la plus injuste, car elle ne tient nul compte des facults contributives du contribuable. Elle est conforme um stade de dveloppement peu avanc o les diffrences de fortune sont peu marques. On la rencontrait dans la Rome antique (tributum capitis, capitatio humana). Elle est encore pratique dans les pays africains (Niger, Mali, Hautae-Vola, Tchad) sous le nom de taxe civique, impt du minimum fiscal, impt personnel...

A justificativa da Exposio de Motivos aproxima a contribuio sobre os servidores inativos a essa taxa cvique, porque os inativos so chamados a contribuir para a cobertura de vultoso desequilbrio financeiro, a ttulo de solidariedade. Assim surge uma contribuio de solidariedade. Tributam-se aposentados, por ser aposentados. Isso capitao.

31. Dir-se- que no se est tributando a pessoa do aposentado; por isso, a exao no seria capitao. Qual , ento, a causa ou o fato gerador da contribuio dos inativos? A contribuio previdenciria dos trabalhadores tem como causa a referibilidade direta a uma atuao concreta-atual ou potencial do Estado. Por isso, a Constituio vincula os proventos de aposentadoria a um certo nmero de contribuies. Nenhum servidor adquirir direito aposentadoria se no tiver alcanado a quantidade de contribuies em conexo com determinada quantidade de anos de servios. Cumpridos esses requisitos, o servidor adquire o direito a aposentadoria com os proventos constitucionalmente previstos. Ento, qualquer outra incidncia sobre ele dali por diante no tem mais vinculao com a finalidade previdenciria. preciso reafirmar que, no sistema previdencirio de participao, a solidariedade dos trabalhadores est vinculada com a vantagem pessoal que ele auferir no futuro. Se ele j aufere a vantagem, no h mais finalidade em sua participao. Dir-se- que a tributao no sobre o aposentado, mas sobre os proventos, e, assim, a causa e fato gerador da contribuio do inativo a percepo dos proventos. Se assim, ento temos, no uma contribuio previdenciria, mas uma tributao de rendimentos, um bis in indem de carter discriminatrio. Bis in idem, porque os proventos de aposentadoria esto sujeitos ao imposto geral sobre a renda e proventos de qualquer natureza, logo outra incidncia com igual natureza constituir uma duplicao ilegtima. Discriminatria, porque no atende aos princpios da generalidade e da universalidade (art. 155, 2, I), j que recai s sobre uma categoria de pessoas.

32. Em concluso, de duas uma, a contribuio dos inativos uma forma de tributo sem causa, um tipo de capitao, ou se caracteriza como uma tributao da renda (proventos de qualquer natureza). No primeiro caso, tem-se uma apropriao de recursos de uma categoria de pessoas, que no se enquadra em nenhuma forma legtima de tributao constitucionalmente prevista. Em tal situao a exao padece de inconstitucionalidade, porque retira parte do patrimnio de um grupo de pessoas, sem causa. No segundo caso, a inconstitucionalidade ainda mais brutal, porque faz incidir uma espcie de tributao da renda apenas sobre uma categoria de pessoas, num bis in idem ilegtimo, que caracteriza um tratamento desigual em relao a quem no pertence mesma categoria.6. Contribuio previdenciria sobre proventos de aposentadoria: discriminaes inconstitucionais

33. Um dos pontos centrais da PEC a instituio de contribuio previdenciria dos inativos sob o argumento de que a previdncia social deve ter carter solidrio, exigindo, em razo desta especificidade, que todos aqueles que fazem parte do sistema sejam chamados a contribuir para a cobertura do vultoso desequilbrio financeiro hoje existente (Exposio de Motivos, n. 66). Essa tese ser examinada mais adiante. Agora de ressaltar que h duas previses para a tributao dos inativos. Uma no art. 40, 18, que se aplica aos futuros aposentados, que assim dispe:

Incidir contribuio sobre os proventos de aposentadoria e penses concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite mximo estabelecido para os benefcios do regime geral de previdncia social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

E outra previso de incidncia da contribuio sobre os j inativos (aposentados e reformados) e os j pensionistas, nos termos do art. 4 da PEC, assim redigido:

Os servidores inativos e os pensionistas da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, includas suas autarquias e fundaes, em gozo de benefcios na data de publicao desta Emenda, bem como os alcanados pelo disposto no seu art. 3, contribuiro para o custeio do regime de que trata o art. 40 da Constituio Federal com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

Pargrafo nico. A contribuio previdenciria a que se refere o caput incidir apenas sobre a parcela dos proventos e das penses que supere:

I cinqenta por cento do limite mximo estabelecido para os benefcios do regime geral de previdncia social de que trata o art. 201 da Constituio Federal, para os servidores inativos e os pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios;

II sessenta por cento do limite mximo estabelecido para os benefcios do regime geral de previdncia social de que trata o art. 201 da Constituiro Federal, para os servidores inativos e os pensionistas da Unio.

34. Anotemos o tratamento diferenciado entre os dois grupos. A contribuio dos servidores que se aposentarem depois da publicao da emenda resultante da PEC, nos termos no art. 40, 18, incidir penas sobre o valor dos proventos que superem o limite de R$2.400,00, que o limite mximo estabelecido para o benefcio do regime geral de previdncia social de que trata o art. 201 da Constituio com a redao dada pelo art. 5 da PEC. Quer dizer, o servidor que se aposentar, no futuro, com proventos iguais ou inferiores a R$2.400,00, no sofrer a incidncia da contribuio previdenciria. Se ele se aposentar, p. ex., com R$5.000,00, sofrer a incidncia da contribuio sobre a parcela excedente, ou seja, sobre R$2.600,00 (5.000,00-2.400,00=2.600,00). Suponha-se uma contribuio de 11%, pagar R$286,00.

Os atuais inativos tero nus mais elevado e ainda com diferena de tratamento conforme se trate de servidores estaduais, distritais ou municipais, ou de servidores federais. O servidores da Unio pagaro contribuio sobre a parcela que exceder o limite de sessenta por cento de R$2.400,00, ou seja, o que superar R$1.440,00. Se o provendo do servidor federal for igual ou inferior a R$1.440,00, no sofrer a incidncia da contribuio; se, no entanto, ele perceber proventos acima disso, pagar contribuio sobre o excedente. Por exemplo, se o inativo federal tiver proventos da ordem de R$5.000,00, vai pagar contribuio sobre R$3.560,00 (5.000,00-1.440,00=3.560,00). Se a alquota for de 11%, vai pagar R$391,60. Vale dizer, pagar R$105,60 a mais do que o seu colega que se aposentou aps a promulgao da Emenda. Mas, como se ver em seguida, pagar menos R$26,40 do que os atuais inativos estaduais, distritais e municipais.

De fato, como se v do inc. I, do art. 4 da PEC, os servidores inativos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios pagaro contribuio sobre a parcela que supere cinqenta por cento de R$2.400,00, ou seja, o excedente de R$1.200,00. Quer dizer, os proventos at esse limite no sofrero a incidncia da contribuio; se, no entanto, o aposentado receber proventos acima de R$1.200,00, pagar uma contribuio sobre o excedente. Por exemplo, se ele tem proventos no valor de C$5.000,00, vai pagar a contribuio sobre R$3.800,00 (5.000,00-1.200,00=3.800,00). Supondo uma alquota de 11%, pagar R$418,00, ou seja, R$132,00 a mais do que seu colega que se aposentou depois de promulgada a Emenda, e R$26,40 a mais do que o inativo federal.

35. Temos a, sem dvida, uma questo constitucional a examinar, qual seja, a PEC faz discriminaes inconstitucionais, porque contrrias ao que dispe o art. 5, caput, da Constituio que assegura a igualdade perante a lei, sem distines de qualquer natureza. O princpio significa [consoante observa Seabra Fagundes], para o legislador, que, ao elaborar a lei [isso vale tambm para emendas constitucionais], deve reger com iguais disposies os mesmos nus e as mesmas vantagens situaes idnticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartio de encargos e benefcios, as situaes que sejam entre si distintas, de sorte a aquinho-las ou grav-las em proporo s suas diversidades. Esclarea-se, contudo, que, quando se diz que a lei no pode distinguir, isso no significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois o tratamento igual [lembra Petzold] se dirige quelas pessoas que so iguais sob certos aspectos tomados em considerao pela norma. O legislador confere vantagens ou impe nus a pessoas em razo das circunstncias ou situaes em que elas se encontram e funda sobre esses aspectos ou elementos as categorias estabelecidas pelas normas jurdicas; por conseqncia, as pessoas que apresentam os aspectos essenciais previstos por essas normas so consideradas encontrar-se nas situaes idnticas, ainda que possam diferir por outros aspectos ignorados ou irrelevantes. No caso em exame, o aspecto essencial, tomado pelo legislador constituinte derivado, so os proventos da aposentadoria de servidores pblicos. As pessoas (servidores pblicos) so consideradas em situao idnticas, em razo de serem titulares de proventos de aposentadoria.

36. Todos esses tratamentos discriminatrios ofendem a regra de igualdade constante do art. 5, caput, da Constituio, que, como visto, assegura a igualdade perante a lei e veda distino de qualquer natureza. Lembre-se, alm disso, do princpio insculpido no art. 150, II, que tambm se impe s emendas constitucionais, mormente quando de iniciativa do Presidente da Repblica (Unio), segundo o qual vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situao equivalente, proibida qualquer distino em razo de ocupao profissional ou funo por eles exercida, independentemente da denominao jurdica do rendimento, ttulo ou direitos. Se essas discriminaes viessem do poder constituinte originrio, seriam legtimas, porque a Constituio garante a igualdade de tratamento de situaes iguais, sem distino de qualquer natureza que suas normas originrias mesmas no estabeleam. Mas o poder constituinte derivado est limitado a obedecer ao princpio em sua inteireza, sendo-lhe vedado desrespeit-lo. Quer dizer, normas constitucionais derivadas no podem discriminar legitimamente, porque, segundo o art. 60, 4, inc. IV, no se admite emenda constitucional tendente a abolir direitos e garantias individuais, como, certamente, o o princpio da isonomia. E, quando isso feito, a norma constitucional resultante padece do vcio de inconstitucionalidade, como o caso.

7. Agresso a direitos definitivamente constitudos e ao princpio da irredutibilidade

37. Detenhamos agora somente na incidncia da contribuio incidente sobre os proventos dos servidores que se aposentaram antes da publicao da emenda proveniente da PEC. Como foi visto no captulo 3 supra, o art. 4 dessa Emenda prev que os servidores inativos da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, includas suas autarquias e fundaes, em gozo de benefcios na data de sua publicao, contribuiro para o custeio do regime de previdncia de que trata o art. 40 da Constituio Federal com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

38. Recorde-se do que ficou dito nos ns 6 e 7 e se ver que aqui se tem uma hiptese no de desrespeito ao direito adquirido, estritamente considerado, mas um desrespeito a situao jurdica subjetiva definitivamente constituda. Aquele que tinha o direito subjetivo de se aposentar com determinados proventos, porque cumpriu todos os requisitos para tanto, requereu a aposentadoria e a obteve, passou a ser titular um direito subjetivo j exercido, que, ento, no mero direito adquirido, mais do que isso, porque uma situao jurdica consumada, uma situao jurdica definitivamente constituda.. A lei nova no tem o poder de desfazer a situao jurdica consumada. A lei nova, incluindo emenda constitucional, no pode mexer nessa aposentadoria e, por conseqncia, nem nos proventos dela decorrentes.

39. Por outro lado, retirar parte dos proventos significa reduzi-los com infringncia do princpio da irredutibilidade da remunerao. As autoridades previdencirias tm argumentado que, sendo a contribuio um imposto, sua incidncia nos proventos no caracterizaria infrao ao princpio da irredutibilidade. Isso seria correto em face de uma tributao geral e causal, mas, no caso, como visto, tem-se um forma de tributo sem causa e, alm disso, com incidncia apenas sobre determinada categoria de pessoas. Logo, o que se tem mesmo a apropriao de uma parte do patrimnio dos integrantes desse grupo com infringncia do direito de propriedade. Assim, por esse lado, tambm se tem que a taxao dos inativos se manifesta inconstitucional.

8. Incidncia de contribuio sobre pensionistas

40. Tudo que foi dito sobre ilegitimidade das contribuies dos inativos se aplica, com maior razo, incidncia de contribuio sobre pensionistas. A estes sequer se aplica o argumento da Exposio de Motivos quando apela para a solidariedade e o dever de contribuir para a cobertura do desequilbrio financeiro do sistema, porque pensionista no participante, porque ele, como tal, no contribui para a previdncia. No est sujeito contribuio, porque no se caracteriza como trabalhador ou servidor obrigatoriamente vinculado previdncia social ou previdncia prpria das entidades pblicas. A penso adquirida em conseqncia da contribuio de terceiro, de que o pensionista ou a pensionista depende. O agente gerador da penso contribuiu efetivamente ou teve seu tempo de servio considerado como contribuio, quando esta no era exigida, para que, com a sua morte, seu cnjuge ou herdeiro tivesse direito penso.

41. Aqui a caracterizao de tributo sem causa, de apropriao patrimonial indevida, ou de forma de tributao de rendimento ilcita, ainda mais acachapante, contra todos os princpios constitucionais.

9 Preservao das acumulaes remuneradas

42. A acumulao remunerada de cargos pblicos , por princpio, vetada, mas a Constituio de 1988, como as anteriores, abriu excees a essa vedao, para dois cargos de professores, um cargo de professor com outro tcnico ou cientfico e dois cargos privativos de medico (art. 37, XVI), assim como um cargo de magistrado com um cargo ou uma funo de magistrio (art. 95, pargrafo nico, I) e, igualmente, um cargo de membro do Ministrio Pblico com um cargo ou uma funo de magistrio (art. 128, 5, II, d), alm das hipteses previstas no art. 17 do ADCT. Essas excees, que foram estabelecidas pelo poder constituinte originrio, constituem direito subjetivo dos respectivos titulares, cujo exerccio depende exclusivamente dos seus destinatrios. E, sendo direito subjetivo, transformam-se em direito adquirido que no pode ser prejudicado por lei nova nem, como visto, por emenda constitucional.

43. certo que a PEC no est proibindo essas acumulaes diretamente. Contudo, o prejuzo a elas pode decorrer da aplicao do inc. XI do art. 37 segundo a redao dela proveniente. H situaes limites em que o titular da acumulao ficar indiretamente impossibilitado de exercer o seu direito de acumulao remunerada, se no se der ao texto uma interpretao conforme a Constituio originariamente promulgada.

44. Antes de prosseguir, convm observar que o inc. XI do art. 37, na sua redao originria, no inclua expressamente as acumulaes nos limites da remunerao nele previstas, at porque ele remetia lei a fixao desses limites. E a lei, claro, no poderia eliminar direitos originariamente conferidos. Dir-se- que o art. 17 do ADCT permitiu afastar a incidncia do direito adquirido em relao a remunerao e outras vantagens pecunirias percebidos em desacordo com a Constituio. A isso se responde: primeiro, se o inc. XI do art. 37, no inclua a acumulao nos seus limites, ento a percepo de remunerao dela proveniente no estava em desacordo com a Constituio; segundo, o prprio art. 17 no mencionou as hipteses de remuneraes acumuladas. Pelo contrrio, a interpretao dele com seus pargrafos indica outro entendimento. De fato, os 1 e 2 do art. 17 criam, validando, dois casos de acumulaes em forma que no consta do art. 37, XVI, assegurando: a) o exerccio cumulativo de dois cargos e empregos privativos de mdico que estejam sendo exercidos por mdico militar na administrao direta e indireta; b) o exerccio cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de sade que estejam sendo exercidos na administrao pblica direta ou indireta. Esta ltima hiptese passou a integrar o inc. XVI com a redao dada pela EC-34/2001.

45. Posta assim a questo, podemos verificar em que situao a aplicao do novo texto do inc. XI do art. 37 pode prejudicar o direito acumulao, se no se lhe der interpretao conforme Constituio originria. que esse novo texto inclui a remunerao e o subsdio dos ocupantes de cargos, funes ou empregos pblicos percebidos cumulativamente nos limites dos diversos tetos nele contemplados. Se essa acumulao no atingir o teto previsto para o agente pblico, no h problema algum. Mas h situaes limites em que a remunerao percebida cumulativamente pode ultrapassar o teto, de tal sorte que, nos termos do novo texto, o titular pode perder toda a remunerao da cumulao ou parte dela. Isso significa que se tm duas normas, uma que confere o direito e outra que impede o exerccio do direito conferido. Verifica-se um conflito de normas: uma que outorga o direito e outra que o elimina total ou parcialmente. Num sentido especial, tem-se aqui o clssico problema da ponderao de direitos ou de valores constitucionais, em que o aplicador da normas pondera sobre qual delas deve prevalecer. Mas aqui h uma particularidade, porque o conflito se d entre uma norma constitucional originria e uma norma constitucional derivada. Aquela confere o direito; esta, em situaes limites, o tolhe. No se trata de aplicar o princpio norma posterior derrogat anterior, porque a norma superveniente no revoga nem derroga a anterior, tanto que direito acumulao, nos casos expressamente estabelecidos, continua vlido e aplicvel. Mas h casos em que, se aplicado o novo texto do inc. XI do art. 37, esse direito fica prejudicado. Suponha-se um agente poltico cujo subsdio (CF, art. 39, 4) esteja no limite do teto previsto, mas, alm desse subsdio, ele percebe vencimentos de um cargo de professor que ele acumula com aquele cargo. Nessa situao, os vencimentos de professor estaria para alm do teto, logo, aplicado o inciso, o agente no poderia perceb-lo, o que significa, em ltima anlise, que esse agente, embora autorizado pela Constituio, no poderia exercer a acumulao remunerada. O mesmo proibi-lo de acumular. Que norma deve prevalecer a originria ou a derivada? A ponderao h de pender para a aplicao da normas proveniente do poder constituinte originrio contra a norma proveniente do poder constituinte derivado, at porque, no caso, como j se disse, o titular da faculdade de acumular detm um direito subjetivo que no pode ser afastado por norma de emenda constitucional.

46. Imagine-se a situao dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e mesmo a de Desembargadores, cujos subsdios constituem o teto para a remunerao na forma prevista no inc. XI do art. 37 da PEC. Como eles j percebem subsdio no nvel do teto, pergunta-se: ficam eles impedidos de exercer acumulaes remuneradas, apesar de autorizados pelo art. 95, pargrafo nico, I, da Constituio Federal? Mas cabe ainda outra indagao: esto eles sujeitos ao teto? O titular do subsdio-teto est limitado a ele? No me parece que o titular do subsdio-teto esteja sujeito a ele. Assim, nem os Governadores, nem os Prefeitos, nem os Ministros do Supremo Tribunal Federal, nem os Desembargadores dos Tribunais de Justia esto limitados ao teto de que seus subsdios sejam referncia. Isso parece to lgico que qualquer argumentao mais ampla seria despicienda. Quer dizer, podem ter vantagens pecunirias para alm do prprio teto. Quanto ao Governador e Prefeito, isso evidente, porque sabido que, alm dos subsdios, tm eles muitas outras vantagens pecunirias ou no. Quanto aos demais, se eles esto autorizados a exercer seu cargo e outro de magistrio, se o magistrio for pblico significa que eles esto no regime de acumulaes remuneradas, e logo, pelo que se expressou acima, podem eles perceber, licitamente, o subsdio do cargo de magistrado e a remunerao do cargo de professor.

47. Os servidores aposentados que auferem proventos provenientes de acumulao de cargos e funes autorizada pela Constituio tm, alm do mais, a garantia da situao jurdica subjetiva definitivamente constituda que no pode ser modificada nem por lei nem por emenda constitucional. Ou seja, direito realizado, direito exercido, direito consumado, situao jurdica definitivamente constituda, qualquer que seja o nome que se lhe d, como se disse antes, tem fora mais forte do que o prprio direito adquirido, porque este ainda pende de exerccio, enquanto aquele j foi exercido. Por isso, o direito j exerccio, consumado por uma execuo mediante ato do Poder Pblico, rene em si a fora do direito adquirido, direito incorporado definitivamente no patrimnio do titular, e do ato jurdico perfeito, ato que o consagrou inderrogavelmente.

10. Resposta aos quesitos

48. vista de todo o exposto, passo agora a responder sinteticamente aos quesitos da consulta.

Ao 1 quesito

No. Emenda constitucional no pode desrespeitar o princpio da irredutibilidade de subsidio ou de remunerao. Pois, trata-se de um princpio constitucional geral que protege todas as formas de estipndios da relao de trabalho, tanto os das relaes de trabalho privados como os das relaes de trabalho pblico, sejam salrios, vencimentos, remuneraes ou subsdios (exceto os subsdios de mandato eletivo que no constituem estipndios de relao de trabalho). Esse princpio hoje imanta todas as normas constitucionais relativas aos estipndios da relao de trabalho (CF, arts. 7, VI; 37, XVI, 42, 1 c/142, 3.VIII; 95,III: 128, 5, I, c, e 142, 3, VIII). Com relao magistratura, o princpio j secular, pois j constava do art. 57, 1, da Constituio de 1891. Ora, diminuir ou cortar remunerao, subsdios e vencimentos, com incidncia apenas sobre alguns agentes pblicos, por emenda constitucional no infringe apenas o princpio da irredutibilidade, mas tambm o princpio da igualdade de tratamento. A diminuio de proventos e penses esbarra com uma situao jurdica subjetiva definitivamente constituda, e, como nos demais casos, inconstitucional.

Ao 2 quesito

No. Emenda constitucional, como demonstrado amplamente, no pode atribuir eficcia a norma de efeitos instantneos, imediatos e exauridos, em hiptese alguma, e menos ainda a norma veiculadora de restries ao direito adquirido, ao ato jurdico perfeito e coisa julgada. Portanto, o art. 9 da PEC inconstitucional na medida em que determina a aplicao do art. 17 do ADCT a situaes que ela cria. Esse art. 17, que veio da atuao do poder constituinte originrio, estava vinculado a situaes que decorria da passagem do sistema constitucional anterior para o sistema constitucional superveniente. Enfim, vinculava-se ao disposto nos incs. XI e XIV do texto originrio da Constituio. Esses incisos foram completamente modificados pela EC-19/1998. S isso bastava para o exaurimento da eficcia do art. 17. Mas este foi aplicado nos limites daqueles incisos, com o que sua eficcia se esgotara. Logo, o que o art. 9 da PEC pretende criar, por vias transversas, um dispositivo novo que restrinja ou afaste a incidncia do direito adquirido, mas isso esbarra com o art. 60, 4, IV, da Constituio Federal, porque, como demonstrado, emenda constitucional no pode abolir o direito adquirido, e se o faz incide em inconstitucionalidade, como o caso.

Ao 3 quesito

No. Mas no de pode dar uma resposta genrica ao quesito. pertinente dizer emenda constitucional no pode agravar requisitos de aquisio de direitos inatividade remunerada, quando a aquisio dos requisitos, em si, foi assegurada como forma de gozo futuro do direito correspondente, como o caso do art. 8 da EC-20/1998, a que se reporta a indagao. Nesse caso, de fato, emenda constitucional no pode desconsiderar efeitos jurdicos atribudos ao tempo de servio pblico conferido pela norma ento vigente. Quer dizer, como se v da resposta ao quesito seguinte, o art. 8 transformou em direito subjetivo a expectativa de direito dos servidores nas situaes indicadas, ou seja, conferiu efeitos jurdicos as regras de transio nele estabelecidas em favor de todos aqueles que tivessem ingressado em cargo efetivo antes da data de publicao daquela Emenda, que lhes asseguravam o direito de aposentar-se segundo os critrios vigentes, a qualquer tempo, desde que cumprissem os requisitos ali configurados. Vale dizer, a aquisio dos requisitos, na forma indicada, passou a ser um direito subjetivo dos titulares daquelas situaes, porque a norma garantiu a aposentadoria a qualquer tempo com tais requisitos. Ora, significa isso que nem lei nem emenda constitucional poder retirar esse direito nem agravar os requisitos para sua aquisio, porquanto, diante de novas normas prejudiciais, aquele direitos subjetivo se transforma em direito adquirido, protegido pelo art. 5, XXXVI.Ao 4 quesito

No. A indagao se prende ao contedo do art. 8 da EC-20/1998. Esse artigo como o art. 6 da PEC, fez uma ressalva de direito para ser exercido na vigncia da Emenda, sem maiores exigncias. Assim, em verdade, o texto transformou expectativa de direitos em direito subjetivo. O texto do art. 8, em tela, conferiu um tipo de direito adquirido ao regime de aposentadoria, na medida em que preservou o direito de aposentar-se nas mesmas condies vigentes antes de sua promulgao. A natureza da norma, como disse no curso do parecer, a de converter expectativa de direito em direito subjetivo para ser exercido no futuro sob a condio do preenchimento dos requisitos indicados, o que significa que, vindo novas normas, esse direito no pode ser desfeito, porque, sendo direito subjetivo, passa a ser direito adquirido em face da supervenincia daquelas novas normas. Se no for assim, estar-se- diante de uma verdadeira fraude constitucional, numa brincadeira de dar e retirar incessante, ao sabor dos detentores do Poder. Normas constitucionais, mesmo provenientes de Emendas Constituio, no podem ser manobradas assim como um boneco de cera, ao sabor dos donos do Poder, em prejuzo dos direitos constitudos.

Ao 5 quesito

No. As acumulaes remuneradas so, por princpio, vetadas, mas a Constituio abre excees (art. 37, XVI; 95, pargrafo nico, I; 128, 5, II, d). Como demonstrei nos itens 44-49 supra, essas excees, que foram estabelecidas pelo poder constituinte originrio, constituem direito subjetivo dos respectivos titulares, cujo exerccio depende exclusivamente dos seus destinatrios. E, sendo direitos subjetivos, transformam-se em direito adquirido que no pode ser prejudicado por lei nova nem, como visto, por emenda constitucional. certo que a PEC no est proibindo essas acumulaes diretamente. Contudo, o prejuzo a elas pode decorrer da aplicao do inc. XI do art. 37 segundo a redao dela proveniente. H situaes limites em que o titular da acumulao ficar indiretamente impossibilitado de exercer o seu direito de acumulao remunerada, se no se der ao texto uma interpretao conforme a Constituio originariamente promulgada. No limite, tem-se um conflito de normas: uma que outorga o direito e outra que o elimina total ou parcialmente. Mas aqui h uma particularidade, porque o conflito se d entre uma norma constitucional originria e uma norma constitucional derivada. Aquela confere o direito; esta, em situaes limites, o tolhe. Que norma deve prevalecer: a originria ou a derivada? A ponderao h de pender para a aplicao da norma proveniente do poder constituinte originrio contra a norma proveniente do poder constituinte derivado, at porque, no caso, como j se disse, o titular da faculdade de acumular detm um direito subjetivo que no pode ser afastado por norma de emenda constitucional. Os servidores aposentados que auferem proventos provenientes de acumulao de cargos e funes autorizada pela Constituio tm, alm do mais, a garantia da situao jurdica subjetiva definitivamente constituda, mais forte do que o simples direito adquirido, que, com mais razo, no pode ser modificada nem por lei nem por emenda constitucional, que mais forte do que o simples direito adquirido. Pois, o direito j exerccio, consumado por uma execuo mediante ato do Poder Pblico, rene em si a fora do direito adquirido, direito incorporado definitivamente no patrimnio do titular, e do ato jurdico perfeito, ato que o consagrou, inderrogavelmente.

Ao 6 quesito

No. A incidncia de contribuio previdenciria sobre proventos de aposentadoria e penses no constitucional. Pois, como demonstrado no curso deste parecer, a contribuio sobre os proventos da inatividade e sobre as penses se revelam com a natureza de tributo sem causa, o que contraria o princpio constitucional (art. 40, 1), segundo o qual as contribuies previdencirias s so legtimas enquanto sejam causais, ou seja, enquanto vinculadas a uma contraprestao futura, pelos benefcios previdencirios: aposentadoria remunerada e penses aos dependentes do contribuinte. Ora, se tais benefcios j se incorporaram no patrimnio do segurado ou de seu dependente, no haver mais por que pagar algo, at porque isso j foi feito, precisamente para a aquisio dos benefcios de que se est gozando. Nem cabe alegar que os servidores atuais no contriburam ou contriburam pouco. No contriburam porque no estavam obrigados a faz-lo, nem o Poder Pblico estava autorizado a aplicar-lhes contribuio. Demais o art. 4 da EC-20/1998 converteu o tempo de servio em tempo de contribuio, reconhecendo, pois, a equivalncia entre ambos, de sorte que a questo no comporta mais discusso. As autoridades previdencirias tm argumentado que a contribuio sobre os inativos um imposto. Se assim, ento no contribuio, porque esta um tributo vinculado a uma atividade do Poder Pblico em relao ao contribuinte, e nisso que est a sua natureza causal. O imposto no tem essa natureza. Mas, se imposto, qual o seu fato gerador: a percepo dos proventos? Ento, tem natureza de imposto sobre a renda e, no caso, se d um bis in idem, ou seja, uma dupla tributao da renda sobre o mesmo fato gerador, o que inconstitucional. tambm inconstitucional, porque s atinge determinadas pessoas, infringindo assim os princpios da generalidade e da universalidade (CF, art. 153, 2, I), o mesmo dizer, infringindo o princpio da isonomia. Para uma ampla discusso sobre as inconstitucionalidade em que incide a aplicao de contribuio previdenciria sobre os proventos da inatividade e sobre as penses, confira o texto dos ns. 21 a 46. A tambm mostrei outras hipteses de inconstitucionalidade por desrespeito ao princpio da igualdade, mediante tratamento desequiparador entre aposentados antes da publicao da emenda decorrente da PEC e aposentados posteriores.

Ao 7 quesito

No. No constitucional. A iniciativa legislativa exclusiva tem carter excepcional, porque o princpio o da competncia concorrente para a iniciativa das leis, conforme consta do caput do art. 61. Por isso, que as hipteses de iniciativa legislativo exclusiva (ou privativa) do Poder Executivo (Presidente da Repblica) vm expressamente enumeradas no 1 do art. 61; do Poder Legislativo, nos arts. 51, IV, e 52, XIII; dos Tribunais, no art. 96, II. Essa enumerao taxativa. E assim em respeito ao princpio da diviso de Poderes (CF, art. 2), que no admite que alguns dos Poderes usurpem funes de outro. A usurpao aqui basicamente de prerrogativa do Poder Legislativo. Ora, emenda constitucional no pode, validamente, agredir o princpio da diviso de Poderes, porque a isso se ope o art. 60, 4, III.

Ao 8 quesito

Sim. Viola o princpio federativo (arts. 1, 18, e 60, 4, I, da CF), assim como o carter atuarial do custeio da previdncia (art. 40, caput, da CF) a imposio, por emenda constitucional, aos Estados, Distrito Federal e Municpios, de alquota no inferior da contribuio dos servidores titulares de cargos efetivos da Unio. Primeiro, porque essa fixao se insere na competncia autnoma daqueles entes da Federao, autonomia essa que no pode ser diminuda por via de emenda constitucional, porque isso significa tendncia a abolir o princpio federativo, contra a vedao constante do art. 60, 4, I, da CF. Segundo, porque pode ser que o equilbrio financeiro e atuarial (art. 40 da CF) aconselhe alquotas menores, pois o carter atuarial significa que a arrecadao das contribuies dos segurados sejam justas e compatveis com os custos e despesas. Se a arrecadao for excessiva, haver um enriquecimento sem causa, que a Constituio no tolera.

Ao 9 quesito

Sim, Sem nenhuma dvida. Como deixei expresso no tpico 3, sobre direito adquirido e ressalva de direito, o direito adquirido no precisa ser ressalvado pelas leis novas ou pelas emendas constitucionais para prevalecer. Sua intocabilidade decorre da regra constante do art. 5, XXXVI. Portanto, ele prevalece, haja ou no ressalva a seu respeito. A ressalva, contudo, tem a vantagem de explicitar o seu reconhecimento pelas normas supervenientes. E acrescentei que o art. 3 da PEC usou essa metodologia, assegurando o direito adquirido, ou seja, assegurando a concesso, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores pblicos, bem como penso aos seus dependentes, que, at a data de publicao desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obteno desses benefcios, com base nos critrios da legislao ento vigente, e claro que, no direito adquirido assim assegurado explicitamente, se inclui o direito a proventos integrais e paritrios com os estipndios do pessoal da ativa, o que, alis, est expressamente consignado no 2 daquele art. 3 da PEC.Ao 10 quesito

Sim. Pois, o art. 7 da PEC assegura aos dependentes do servidor aposentado ou daquele que, tendo preenchido os requisitos, continue em atividade e a vem a falecer, o direito s penses revistas na mesma proporo e na mesma data, sempre que se modificar a remunerao dos servidores em atividade, estendendo-se-lhes quaisquer benefcios ou vantagens posteriormente concedidos ao pessoal da ativa, inclusive quando decorrente da transformao ou reclassificao do cargo ou funo em que se deu a aposentadoria do beneficirio, ou que serviu de referncia para a concesso da penso.

meu parecer, s. m. j.

So Paulo, 28 de novembro de 2003-11-27

OAB/SP 13.417

RG 1.410.813-6

CPF 032 588 748-91 Situaes jurdicas subjetivas revelam a posio que os sujeitos ocupam nas relaes jurdicas que lhes possibilitam realizar interesse juridicamente protegidos ou os constrange a subordinar-se a interesse de outrem. Da as duas classes de situaes jurdicas subjetivas: as de vantagem ou ativas que conferem a possibilidade de realizar o interesse pretendido; as de desvantagem ou passivas que consiste na subordinao do prprio interesse ao interesse de outrem. O direito subjetivo como o direito adquirido so situaes jurdicas de vantagem.

Cf. Vicente Rao, O direito e a vida dos direitos, vol. I, t. II, So Paulo, Editora Resenha Universitria, 1976, p. 157

Cf. Jos Afonso da Silva, Reforma constitucional e direito adquirido, em Poder constituinte e poder popular, So Paulo, Malheiros, 2002, p. 223.

Cf. Comentrios Constituio de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, t. VI, So Paulo, Revista dos Tribunais, 1972, p. 381.

Cf. Manoel Gonalves Ferreira Filho, Poder constituinte e direito adquirido, RDA 210/1 e ss.; Carlos Ayres Britto e Valmir Pontes Filho, Direito adquirido contra as emendas constitucionais, RDA 202/75 e ss.; Jos Afonso da Silva, Reforma constitucional e direito adquirido, RDA 213/121 e ss., reproduzido no livro do autor Poder constituinte e poder popular, So Paulo, Malheiros, 2002, pp. 221 e ss.; Hugo Nigro Mazzilli, Revista AP/MP 17/5 e ss., 1998; Elival da Silva Ramos, Proteo aos direitos adquiridos no direito constitucional brasileiro, So Paulo, Saraiva, 2003, p. 238.

. Cf. Jos Afonso da Silva, Poder constituinte e poder popular, pp. 231 e 232. Essa a doutrina corrente hoje, cf. alm dos artigos j citados do Prof. Manoel Gonalves Ferreira Filho, RDA 210/1 e ss e de Hugo Nigro Mazzilli, RAP/PM 17/5 e ss., 1998, tambm Carlos Ayres Britto e Valmir Pontes Filho, "Direito adquirido contra as emendas constitucionais", RDA 202/75 e ss.

Cf. Jos Afonso da Silva, Direito urbans