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PARECER CÍVEL N. 2/9.586/2014 MANDADO DE INJUNÇÃO N. 243705-53.2014.8.09.0000 (201492437050) IMPETRANTES AIRA SANTANA LIMA e OUTROS IMPETRADO GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIÁS ÓRGÃO JULGADOR CORTE ESPECIAL RELATOR DES. GERALDO GONÇALVES DA COSTA SUBPROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS SPIRIDON N. ANYFANTIS MANDADO DE INJUNÇÃO. REVISÃO GERAL ANUAL. ART. 37, X, CR/88. SERVIDORES ESTADUAIS. I. A simples comprovação de mora legislativa atinente a revisão geral anual dos vencimentos dos servidores estaduais afasta a alegação de inexistência de liquidez e certeza do direito pleiteado. II. Repelida a alegação de falta de interesse de agir em decorrência da inadequação da via eleita consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. III. Impossibilidade de sobrestamento dos autos nos termos do art. 543-B, § 1º, do CPC, que se refere somente a recursos extraordinários representativos de determinada controvérsia. IV. Litisconsórcio Passivo Necessário: necessidade de presença de todos os órgãos que intervêm no processo formativo da espécie normativa faltante para ter-se plenamente conformado o polo passivo da relação processual. Impositiva intimação para emenda da inicial e promoção de citação da Assembleia Legislativa Goiana. V. Parecer pela concessão da injunção, 1

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PARECER CÍVEL N. 2/9.586/2014

MANDADO DE INJUNÇÃO N. 243705-53.2014.8.09.0000 (201492437050)

IMPETRANTESAIRA SANTANA LIMA e OUTROS

IMPETRADO GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIÁS

ÓRGÃO JULGADOR CORTE ESPECIAL

RELATOR DES. GERALDO GONÇALVES DA COSTA

SUBPROCURADOR-GERAL DE

JUSTIÇA PARA ASSUNTOS

JURÍDICOS

SPIRIDON N. ANYFANTIS

MANDADO DE INJUNÇÃO. REVISÃO GERAL ANUAL.

ART. 37, X, CR/88. SERVIDORES ESTADUAIS. I. A

simples comprovação de mora legislativa atinente a revisão

geral anual dos vencimentos dos servidores estaduais afasta a

alegação de inexistência de liquidez e certeza do direito

pleiteado. II. Repelida a alegação de falta de interesse de agir

em decorrência da inadequação da via eleita consoante a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. III.

Impossibilidade de sobrestamento dos autos nos termos do art.

543-B, § 1º, do CPC, que se refere somente a recursos

extraordinários representativos de determinada controvérsia. IV.

Litisconsórcio Passivo Necessário: necessidade de presença de

todos os órgãos que intervêm no processo formativo da espécie

normativa faltante para ter-se plenamente conformado o polo

passivo da relação processual. Impositiva intimação para

emenda da inicial e promoção de citação da Assembleia

Legislativa Goiana. V. Parecer pela concessão da injunção,

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alusiva à revisão anual de vencimentos, de 2007 a 2010,

considerando-se o INPC respectivo.

Colenda Corte Especial,

Eminente Desembargador Relator,

AIRA SANTANA LIMA e OUTROS impetraram mandado de

injunção, em face do Senhor GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIÁS, com o

objetivo de suprir a omissão deste quanto à iniciativa legislativa para conceder a revisão

geral anual prevista no art. 37, X, da Constituição da República, em relação aos anos de

2007 a 2010 (fls. 2/21).

Pleiteou-se a declaração da omissão do Chefe do Poder Executivo

quanto à iniciativa de projeto de lei atinente à revisão geral anual da remuneração dos

servidores efetivos, ora postulantes, no que tange à perda inflacionária verificada no

período de 2007 a 2010, bem como a supressão da referida omissão legislativa por meio

de decisão deste Egrégio Tribunal, de forma a possibilitar a revisão da remuneração dos

impetrantes, no montante de 5,15 %, 6,48 %, 4,11 % e 6,47 %, respectivamente a cada

ano declinado, tomando como base a inflação apurada pelo INPC fornecido pelo IBGE.

A decisão de fls. 249/252 indeferiu o pedido dos impetrantes quanto à

inclusão da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás no polo passivo da demanda.

Determinou-se, à fl. 254, a notificação do Senhor Governador do

Estado de Goiás e a intimação do Procurador-Geral do Estado de Goiás, para fins do

disposto no art. 7º, incisos I e II, da Lei Federal n. 12.016/2009.

O Estado de Goiás, por meio da Procuradoria-Geral do Estado,

apresentou a contestação de fls. 257/289, requerendo, preliminarmente, a suspensão do

processo, em virtude da alegada existência de prejudicialidade externa, decorrente da

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decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 565.089-8/SP, que teria

reconhecido a existência de repercussão geral da matéria em debate, e alegando, ainda, a

carência de ação em virtude da ausência de prova pré-constituída e da falta de interesse

de agir, decorrente da inadequação da via eleita, pugnando pela extinção do processo

sem resolução do mérito.

No mérito, asseverou que o aumento da remuneração de servidor

público pelo Poder Judiciário afrontaria o princípio da separação dos poderes e o

Enunciado n. 339 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

Argumentou, ademais, que não cabe ao Poder Judiciário obrigar o

Chefe do Poder Executivo a apresentar projeto de lei que trate de revisão prevista no art.

37, X, da Constituição Federal, devendo cingir-se à dar ciência àquele a quem incumbe

a iniciativa do projeto de lei em questão, dada a natureza declaratória da decisão emitida

no mandado de injunção.

Aduziu que o pedido injuncional violaria o art. 169, § 1º, incisos I e II,

da Constituição da República, eis que a previsão de qualquer aumento ou vantagem

remuneratória exigiria lei orçamentária específica.

Constatou, ainda, em sede de contestação, a inexistência de

pressuposto fático para a revisão pleiteada, de modo que a concessão do direito aduzido

desencadearia aumento do salário dos servidores em número superior à simples

reposição inflacionária.

O Senhor Governador do Estado de Goiás prestou informações, às fls.

312/344, iterando as matérias de defesa apresentadas pelo Estado de Goiás.

Autos remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça.

É o relatório.

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I

1. De início, impõe-se o exame das questões preliminares, de índole

processual, invocadas pela Procuradoria-Geral do Estado e pelo Governador do Estado

de Goiás, a começar da alegada necessidade de suspensão do trâmite do presente feito.

2. Improcede, na espécie, o requerimento de suspensão do processo,

que deveria, na ótica do Estado de Goiás, impor-se até o pronunciamento do Supremo

Tribunal Federal no Recurso Extraordinário paradigma, dotado de repercussão geral.

3. De fato, na notícia extraída do sítio mantido pelo Supremo Tribunal

Federal na rede mundial de computadores,1 é possível constatar a existência de Recurso

Extraordinário, a cuja temática se reconheceu dotada de repercussão geral, em que se

discute pretensão de direito material essencialmente idêntica à que se põe nos presentes

autos:

“Por maioria de votos, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal

(STF) reconheceu a existência de repercussão geral da matéria

discutida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 701511,

interposto pelo município de Leme (SP) contra decisão do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que reconheceu a mora do

Executivo municipal e determinou ao prefeito o envio, no prazo de 30

dias, de projeto de lei que vise a dar cumprimento ao direito

constitucional dos servidores à revisão anual de salários ou subsídios.

Em sua decisão, tomada no julgamento de mandado de injunção

impetrado pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de

Leme, o TJ-SP apoiou-se no artigo 37, inciso X, da Constituição

Federal (CF), que assegura a revisão geral anual, por lei específica,

sempre na mesma data e sem distinção de índices, aos servidores

públicos. Como a prefeitura não tomou iniciativa de encaminhar ao

legislativo municipal projeto de lei nesse sentido, a entidade dos

servidores recorreu à Justiça, alegando omissão”.

1http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=228227

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4. No entanto, quanto ao sobrestamento típico do regime de

repercussão geral, não apanha ele senão os processos com recurso extraordinário

aviado, consoante prescreve a normativa do art. 543-B, § 1º, do Código de Processo

Civil, não se aplicando, pois, aos casos em que nem mesmo se inaugurou a eventual fase

recursal extrema, litteris:

“Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com

fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral

será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei

nº 11.418, de 2006).

§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos

representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal

Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da

Corte. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).” (ênfase acrescentada)

5. Não obstante, afasta-se, de regra, a possibilidade de sobrestamento

dos autos por mera conveniência, com base no art. 265, IV, a, do Código de Processo

Civil, preceito que, a toda evidência, restringe-se ao fenômeno processual da

prejudicialidade externa (BUENO, Cassio Scarpinella, Curso Sistematizado de

Direito Processual Civil, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, v. 1/418, v. g.), de tal sorte

que somente se autoriza a suspensão da marcha processual “quando o exame da

questão prejudicial não possa ser feito, primariamente, pelo próprio juiz da causa”

(MARINONI, Luiz Guilherme, e ARENHART, Sérgio Cruz, Processo de Conhecimento,

11ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 193, v. g.).

6. No caso, o que há, a rigor, não passa de identidade fundamental de

questão jurídica debatida, o que, fosse de se aplicar o raciocínio da douta Procuradoria-

Geral do Estado de Goiás, levaria ao absurdo de empreender-se sempre, mesmo quando

o juiz da causa a pudesse legitimamente equacionar, a suspensão de todo e qualquer

processo no qual a res in iudicio deducta guardasse correspondência com a de feito sob

exame do Supremo Tribunal Federal ou de qualquer outro órgão jurisdicional de

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superposição nacional: a consequência, bem se vê, seria desastrosa não somente ao

sistema da Justiça como um todo, mais, sobretudo, aos jurisdicionados.

7. São, portanto, os casos regidos pelo art. 265, IV, a, do Código de

Processo Civil hipóteses de suspensão própria e necessária (DINAMARCO, Cândido

Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, v.

II/647, v. g.) do curso procedimental.

8. Certo, a doutrina e a jurisprudência, tendo em conta o impacto

direto das decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle

normativo abstrato de constitucionalidade, no plano das decisões a serem tomadas no

contexto de ações naturalmente vocacionadas ao exercício do controle concreto de

constitucionalidade, têm fragilizado a nota de compulsoriedade da suspensão prescrita

no preceito sob comento, invocando-o, do mesmo modo, em casos nos quais, a todas as

luzes, não se transpõe o domínio do juízo de mera conveniência.

9. Assim, dentre outros, o Ministro Teori Albino Zavascki (Eficácia

das Sentenças na Jurisdição Constitucional, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,

2012, p. 84-85, v. g.), está entre aqueles que, mesmo em situação na qual o juiz da causa

poderia enfrentar o tema constitucional, sinaliza, em determinados momentos, com a

conveniência da suspensão da marcha processual, invocando, para tal mister, a norma

do art. 265, IV, a, do Código de Processo Civil, conforme se observa no trecho abaixo

transcrito, verbis:

“O provimento antecipatório na ação de controle concentrado não constitui,

portanto, causa de extinção do processo sem exame do mérito no caso

concreto nem impede, salvo determinação do STF, que o juiz dê curso

regular às demandas em que se controverte a respeito da incidência do

preceito questionado. Não obstante, em vista das consequências que poderão

advir da eventual revogação da medida, conforme adiante se verá, pode o

juiz ou o tribunal determinar a suspensão do julgamento, aguardando o

desfecho da ação de controle concentrado em que foi proferida a liminar,

para o que tem apoio no art. 265, IV, a, do CPC. Optando por dar curso à

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demanda, terá de obedecer, nas suas decisões, ao comando emergente da

medida antecipatória deferida no âmbito do controle concentrado. O

descumprimento ensejará, conforme o caso, pedido de reclamação ou a

reforma da decisão pela via recursal ordinária (art. 102, II, da CF/1988) ou

extraordinária (art. 102, III, da CF/1988).” (ênfase acrescentada)

10. Inclusive em casos nos quais sequer se deparava com medida de

tutela de urgência emanada do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência da Corte

Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça já aplicou o disposto no art. 265, IV, a, do

Código de Processo Civil.

11. Dentre outros, essa foi a intelecção, exempli gratia, nos casos

envolvendo discussão a respeito da inconstitucionalidade da Tabela da Medida

Provisória n. 451/2008, convertida na Lei n. 11.945/2009, do DPVAT.

12. Antes, até, que o Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal,

determinasse, em decisão datada de 22.8.2012, e publicada no DJe n. 173/2012, p. 25-

26, de 31.8.2012, com circulação em 3.9.2012, na ADI 4627, a suspensão dos “[...]

incidentes de inconstitucionalidade, que tramitam nos Tribunais de Justiça estaduais, em

que são questionados os mesmo (sic) dispositivos legais impugnados na Ação Direta de

Inconstitucionalidade n. 4.350 e 4.627 (sic), até julgamento final das citadas ações no

Plenário desta Corte”, a Corte Especial do Egrégio Tribunal de Justiça local já o fizera.

13. Para documentação, leia-se, em textual, a ementa do acórdão,

julgamento datado de 14.3.2012, nos autos da AIL 222883-48.2011.8.09.0000, Rel. Des.

Carlos Alberto França, litteris:

“Arguição Incidente de Inconstitucionalidade de Lei. Tabela constante

do Anexo I da Lei 11.945/2009. Seguro DPVAT.

Pendência de julgamento no STF da ADI 4627. Sobrestamento do

incidente até pronunciamento da Corte Superior.

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Estando em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal a ADI 4627,

versando sobre a mesma lei cuja constitucionalidade é discutida na presente

arguição, impõe-se a suspensão deste incidente até o julgamento do mérito

da ADI, em atenção ao art. 265, inciso IV, alínea “a”, do Código de

Processo Civil, de modo a evitar julgamentos contraditórios.

Arguição Incidental de Inconstitucionalidade de Lei suspensa.” (ênfase

acrescentada)

14. Enquanto, porém, na hipótese da tabela do DPVAT, se tomou

como paradigma ação de controle abstrato em curso, cuja decisão possui, ex vi do

disposto no art. 102, § 2º, da Constituição da República, eficácia erga omnes e efeito

vinculante, não se revestem, todavia, os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal,

em sede recursal extraordinária – salvo quando se cuide de apelo extremo aviado de

decisão de mérito em ADI estadual, onde haverá, então, essa “peculiaridade”

(MENDES, Gilmar Ferreira, e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Curso de Direito

Constitucional, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1329-1330, v. g.) –, de idênticas

qualidades eficaciais.

15. Na sistemática do instituto da repercussão geral, porém, não se há

de cogitar, pelo que se extrai da leitura sistemática dos parágrafos 3º e 4º do art. 543-B

do Código de Processo Civil, de regra, de vinculação, sequer do tribunal de origem do

feito cuja decisão foi recorrida (JUNIOR, Nelson Nery, e NERY, Rosa Maria de

Andrade, Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 12ª ed.,

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 1121; BARBOSA MOREIRA, José Carlos,

Comentários ao Código de Processo Civil, 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2012, v.

V/619, v. g.).

16. Não passa, pois, de isolada a opinião que, em sentido contrário, e

para todos os casos de repercussão geral, esboçam eminentes mestres (ZAVASCKI, Teori

Albino, ob. cit., p. 118-121; MARINONI, Luiz Guilherme, e MITIDIERO, Daniel,

Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo, 2ª ed., São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, p. 577; v. g.), levando além da marca as ideias de “força normativa

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da Constituição” e “objetivação do recurso extraordinário” para chegar-se à redução da

atividade judicante das instâncias inferiores e a uma maior restrição ao exercício do

controle difuso de constitucionalidade por elas desempenhado: chegam Suas

Excelências à demasia de asseverar que “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”

seria “de há muito nesse sentido” (MARINONI, Luiz Guilherme, Precedentes

Obrigatórios, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 474-475; MARINONI,

Luiz Guilherme, e MITIDIERO, Daniel, Repercussão Geral no Recurso

Extraordinário, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 74, v. g.).

17. A tanto, contudo, não foi o próprio Supremo Tribunal Federal:

prova disso é que, quando geralmente reconhecida a repercussão geral e julgado o

mérito do apelo extremo, o Plenário da Suprema Corte vem expedindo súmulas

vinculantes sobre a matéria, numa inequívoca junção de “filtros recursais” (BUENO,

Cassio Scarpinella, Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, 4ª ed., São

Paulo: Saraiva, 2013, v. 5/264, v. g.).

18. Nenhum relevo, portanto, ostenta a preocupação do Estado de

Goiás, enunciada à fl. 237, de se “resguardar a competência do STF para decidir sobre

interpretação constitucional”, o que implicaria o “sobrestamento desde já desta causa até

que se” ultimasse “o julgamento da matéria na Corte Suprema (art. 265, IV, 'a', do

Código de Processo Civil)”: o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás tem, no feito,

plena jurisdição, inclusive de índole constitucional, presente sua indisputável

competência para processar e julgar o writ injuncional sob escrutínio.

19. Impõe-se, ante as razões declinadas, rejeitar a preliminar alusiva à

suspensão do mandado de injunção de que cuida a espécie.

II

20. Ainda preliminarmente, saliente-se, desde já, que, na linha do que

deliberado quando do exame, em 23.11.1989, do MI 107 (QO), Rel. Min. Moreira Alves,

RTJ 133, t. 1/16, o procedimento do writ injuncional seria, no que coubesse e enquanto

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não regulamentado especificamente seu rito, o do mandado de segurança: a esta

intelecção se conformou a Lei 8.038, de 28.5.1990, ao determinar no texto do parágrafo

único de seu art. 24 que, também no mandado de injunção, seriam observadas, havendo

compatibilidade lógico-jurídica, as normas do mandado de segurança.

21. Deste modo, enquanto não houver regulamentação de

procedimento próprio estabelecendo o contrário, no rito do mandado de injunção, da

mesma forma que ocorre no mandado de segurança, não caberá reserva de espaço para

instrução probatória ulterior (BUENO, Cassio Scarpinella, Curso Sistematizado de

Direito Processual Civil, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, v. 2, t. III/107-108, v. g.),

litteris:

“Não há, por mais paradoxal que possa parecer, nenhuma lei que

regulamente o procedimento do 'mandado de injunção'.

O que existe é o disposto no parágrafo único do art. 24 da Lei n. 8.038/1990,

que impõe a observância relativa ao 'mandado de segurança' para a hipótese.

É a solução que, também para o habeas data, prevaleceu até o advento da

Lei n. 9.507/1997, como expõe o n. 1 do Capítulo 2. Mesmo antes do

advento daquela lei, contudo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no

julgamento da já mencionada Questão de Ordem no MI 107/DF, já havia

decidido pela aplicação analógica do procedimento do 'mandado de

segurança' ao 'mandado de injunção'.

A incidência da disciplina do procedimento reservado ao 'mandado de

segurança' dá ensejo aos seguintes destaques:

O mandado de injunção pressupõe a apresentação de 'direito líquido e certo',

isto é, a comprovação, já com a petição inicial, de documentação que dê

fundamento à sua pretensão. Se o documento que se considere indispensável

à impetração estiver em mãos da 'autoridade coatora', é de aplicar o disposto

no § 1º do art. 6º da Lei n. 12.016/2009, determinando que, no mesmo

processo, os documentos sejam exibidos ao impetrante (v. n. 7 do Capítulo

1).”

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22. Não obstante, registre-se que a alegada ausência de prova pré-

constituída, sustentada por Sua Excelência o Senhor Governador do Estado, não tem a

consequência visada de causar a extinção do processo sem resolução de mérito, pois, ao

contrário do que afirmado na peça de defesa, não incide, em sede injuncional, o ônus de

comprovar a existência, no plano político, de negociações para a efetivação da revisão

geral anual no período de 2007 a 2010, tampouco calha a exigência de demonstração

documental da ocorrência de efetiva depreciação de seus vencimentos.

23. Com efeito, excede todas as raias ignorar que pressuposto, no

ponto, da concessão de pleito formulável em mandado de injunção é a mora legislativa,

ou seja, a omissão legislativa inconstitucional, cuja realidade a invocada presença de

negociações extrajudiciais, travadas na ambiência do processo político e ou legislativo,

não é de molde a elidir.

24. Valem, no passo, as doutas observações do então Ministro Cezar

Peluso, quando do julgamento plenário, em 25.10.2007, no Supremo Tribunal Federal,

do leading case em que se converteu o MI 670, RTJ 207, t. 1/85, verbis:

“No entanto, devo dizer e deixar claro que é tão velho quanto esta

Constituição o meu entendimento de a função do mandado de injunção ser a

de tornar viável o exercício de direito e de liberdade constitucionais, ou de

prerrogativas ligadas à soberania, cidadania e nacionalidade, que não

possam ser exercidos por falta de norma regulamentadora. Ou seja, a mim

me parece não se tratar de instituto destinado a fazer com que uma decisão

judicial estimule o Poder Legislativo a desempenhar a função de legislar.

Por isso, a mim não me importam as razões reais por que se dê omissão do

Legislativo, seja por dificuldades políticas de obtenção de um projeto de

comum acordo, seja por deliberada opção do legislador em não

regulamentar, ou seja por esquecimento. São dados absolutamente

irrelevantes, porque não concebo o mandado de injunção como expediente

tendente a estimular o exercício da competência legislativa.

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O mandado de injunção tem, no texto constitucional, a meu sentir, a função

jurídico-processual de garantia de direito subjetivo, de liberdade

constitucional, ou de prerrogativa, no sentido de tornar viável, no caso

concreto, o exercício desse direito, liberdade, ou prerrogativa,

independentemente do comportamento futuro do legislador.” (ênfase

acrescentada)

25. Pressupondo o status de mora legislativa, ao writ injuncional são,

portanto, alheias discussões, quaisquer que sejam elas, sobre as razões políticas da

ausência de plena ultimação do processo nomogenético destinado à confecção da regra

alegadamente faltante, razão pela qual não se há de exigir, por óbvio, no contexto da

prova documental trazida com a impetração, elementos de instrução alusivos a suposto

processo de negociação em curso ou ainda não instaurado nas instâncias políticas pré-

legislativas ou legislativas competentes.

26. Gratuita, de seu turno, a alegação de ausência de demonstração

documental da ocorrência de efetiva depreciação de seus vencimentos, a qual, dada a

evidente inflição de seus nefastos efeitos, é de todos ressabida, ingressando, por isso

mesmo, na categoria taxionômica dos fatos notórios, que tornam, dada essa qualidade,

dispensável a prova de sua ocorrência ou constatação fática, ex vi do disposto no art.

334, I, do Código de Processo Civil (MARINONI, Luiz Guilherme, e ARENHART,

Sérgio Cruz, Processo de Conhecimento, 11ª, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,

p. 276-277, v. g.).

27. Na espécie, cumpre observar que é a perda do poder aquisitivo da

moeda, conquanto limitado em relação a quadro estarrecedor já observado no cenário

nacional, dado de fato conhecido dos próprios magistrados integrantes da Colenda Corte

Especial, servidores públicos que igualmente o são, e, antes disso, cidadãos e

consumidores.

28. De se rejeitar, assim, também no ponto, a alegada suposta ausência

de prova documental pré-constituída.

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III

29. No que tange à alegada falta de interesse de agir em decorrência

da inadequação da via eleita, impõe-se observar, in status assertionis, presente os

elementos objetivos e subjetivos tal como declinados na exordial, que a pretensão

deduzida é de suprimento de lacuna normativa, imputável a omissão inconstitucional,

que estaria a inviabilizar o gozo de direito funcional de berço constitucional: cabível,

portanto, em tese, em face do pleito formulado, o writ injuncional, sendo esta, sublinhe-

se, sua inequívoca destinação constitucional, consoante a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal, a que, adiante, se fará alusão.

30. Forçosa, do mesmo modo, a rejeição da preliminar que se vem de

convelir.

IV

31. Ressente-se, porém, no caso, com a ausência, no polo passivo, da

Assembleia Legislativa, a quem, por curial, igualmente se há de reputar legitimada, pois

que a lei faltante é, no sistema constitucional brasileiro, resultante de processo

nomogenético em que este órgão estatal eminente – malgrado intensamente

condicionado aos termos de prévia iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo

(CLÈVE, Clèmerson Merlin, Atividade Legislativa do Poder Executivo, 3ª ed., São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 102, v. g.) – desempenha função sabidamente

central.

32. Compulsando-se, porém, os autos, não se depara com pleito

formulado em face, também, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, o que se

explica, quiçá, pelo fato de que, na matéria, incidindo a reserva de iniciativa do Chefe

do Poder Executivo Goiano, se tenha supervalorizado a ausência de deflagração do

processo legislativo por Sua Excelência.

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33. Não é, todavia, a ausência de envio de projeto de lei por parte do

Chefe do Poder Executivo circunstância apta a dispensar, em caso de omissão

constitucional apontada em sede de mandado de injunção, a citação da Casa de Leis

respectiva, pois, como acima averbado, o ponto nodal da definição da legitimação

passiva é o da participação nas fases constitucionalmente típicas do processo

nomogenético, cumprindo atentar, na espécie, para a necessária conformação de nítido

fenômeno processual consistente na figura do litisconsórcio passivo necessário.

V

34. Tem se dividido a doutrina – com olhos postos, de um lado, para

os que a negam, na mais plena liberdade de agir do autor (DINAMARCO, Cândido

Rangel, Litisconsórcio, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 290-291, v. g.), e, de

noutro, para os que a entendem devida, na necessidade de o juiz atuar em prol da correta

formação do processo (BUENO, Cassio Scarpinella, Curso Sistematizado de Direito

Processual Civil, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, v. 2, t. 1/443-445, v. g.) – no tocante

à possibilidade ou não de integração oficiosa, por parte do órgão jurisdicional, do polo

passivo da relação processual.

35. Cumpre, porém, reconhecer, como mais adequada à liberdade

constitucional ínsita no direito fundamental de ação, a impossibilidade – conforme

assentado em boa doutrina – da 'intervenção forçada no processo, determinada por obra

do juiz (iussu iudicis)' (JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade Nery,

Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 12ª ed., São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2012, p. 319, v. g.).

36. Como não houve, na espécie, a indicação, na exordial, da

Assembleia Legislativa do Estado de Goiás – órgão de participação capital no processo

de formação das leis em sentido formal sustentadamente inexistentes, e que, por isso

mesmo, deveria integrar, como litisconsorte necessário, o polo passivo da relação

processual –, cumpre, de antemão, determinar o Tribunal que os impetrantes procedam à

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emenda da inicial, sob pena de extinção do feito, sem resolução de mérito, ex vi da

norma-regra do parágrafo único do art. 47 do Código de Processo Civil.

VI

37. No mérito, ressalte-se que pleiteiam os litisconsortes a

implementação judicial, em colmatação de lacuna normativa enquadrável na categoria

da inconstitucionalidade por omissão, da revisão geral anual de sua remuneração, como

servidores públicos do Estado de Goiás, no período compreendido entre os anos de

2007 a 2010, conforme garantido no art. 37, X, da Constituição da República.

38. Não obstante, para a concessão do pleito identificador do presente

mandamus, revela-se imprescindível, ex vi do disposto no art. 5º, LXXI, c/c o art. 37, X,

da Constituição da República, que à falta de norma regulamentadora se possa atribuir o

óbice ao exercício do direito constitucional dos servidores impetrantes à revisão geral

anual de vencimentos.

39. Ressabido, nesse diapasão, que o Estado de Goiás não vinha

procedendo à revisão geral anual de vencimentos de seus servidores, até a edição da Lei

Estadual n. 17.597, de 26.4.2012, que, por sua vez, é textualmente direcionada apenas

aos exercícios de 2011 e 2012, como resulta evidente de singela leitura do que disposto

no art. 1º, caput (“referente aos exercícios de 2011 e 2012, nos termos desta Lei”).

40. Fosse improcedente o que articulado na causa petendi quanto à

inexistência de lei concedendo a revisão geral anual aos servidores estaduais

impetrantes, durante o período de 2007 a 2010, bastaria à sua ilisão a simples juntada,

no caderno processual, das leis que a teriam conferido no período em questão.

41. Translúcida, porém, a omissão do Estado de Goiás quanto à

revisão geral anual da remuneração de seus servidores, nos moldes do art. 37, X, da

Constituição da República, cumpre ao Poder Judiciário, na via processual do mandado

de injunção, suprir-lhe a inertia deliberandi, relativa aos exercícios de 2007, 2008, 2009

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e 2010, e, para tanto, patenteia-se legítimo o emprego do Índice Nacional de Preços ao

Consumidor, de cada ano apontado, conforme já estabelecido, em relação aos anos de

2011 e 2012, pela Lei Estadual n. 17.597, de 26.4.2012.

42. Como é consabido, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do

julgamento plenário do MI 670, Rel. p/ o acórdão o Min. Gilmar Mendes, j. de

25.10.2007, RTJ 207, t. 1/11-109, e, na mesma data, do MI 712, Rel. Min. Eros Grau, e

do MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, RTJ 207, t. 2/471, abandonou a tese de que o

mandado de injunção se convolaria em simples comunicação da mora às entidades

produtoras da lei.

43. Com isso, não merece guarida a alegação de que a natureza do

pedido injuncional seria meramente “mandamental” (ou meramente declaratória ou

exortativa?), ou que a aplicação da corrente concretista do mandado de injunção

representaria ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os poderes da

República, móvel maior da jurisprudência reacionária primeira que, em 23.11.1989,

então se formava, nos albores da produção jurisprudencial, sob a nova ordem

constitucional, no MI 107 (QO), Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 133, t. 1/16, na Suprema

Corte.

44. Vale consignar, a propósito, trecho elucidativo do voto proferido

pelo então Ministro Carlos Ayres Britto, no Mandado Injunção 788, julgado em

15.4.2009, RT v. 98, n. 886, p. 117-119, verbis:

“Muito bem. No julgamento do MI 721, da relatoria da ministro Marco

Aurélio, o Supremo Tribunal Federal projetou um novo olhar interpretativo

sobre os dispositivos transcritos, dando-lhes maior concretude. Tal

aconteceu na sessão do dia 30.08.2007, quando se analisava um caso similar

ao presente, cujo desfecho se resume na ementa abaixo transcrita:

'MANDADO DE INJUNÇÃO – NATUREZA. Conforme disposto no inciso

LXXX do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de

injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades

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constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à

cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de

omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da

ordem a ser formalizada.

MANDADO DE INJUNÇÃO – DECISÃO. BALIZAS. Tratando-se de

processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica

nele revelada.

APOSENTADORIA – TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS –

PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR – INEXISTÊNCIA DE LEI

COMPLEMENTAR – ARTIGO 40, §4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL,

Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor,

impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos

trabalhadores em geral – artigo 57, §1º, da Lei n. 8.213/91'.

Naquela ocasião, acompanhei, confortavelmente, o voto do eminente relator.

E o fiz com as seguintes palavras:

'Senhora Presidente, acompanho, lembrando que, nas discussões anteriores,

observei que somente cabe mandado de injunção perante uma norma

constitucional de eficácia limitada. Sendo assim, não faz sentido proferir

uma decisão judicial também de eficácia limitada. É uma contradição nos

termos, A decisão judicial há de ser plenoperante, marcada pela sua carga de

concretude, ou seja, tem de ser mandamental, como é da natureza da ação

constitucional agora sob julgamento.'” (ênfase acrescentada)

45. Anota-se, ao final, que este Egrégio Tribunal de Justiça, na esteira

da nova conformação que o Supremo Tribunal Federal culminou por dar ao writ

injuncional, recentemente, posicionou-se sobre o tema no julgamento do Mandado de

Injunção n. 118393-09.2010.8.09.0000, Relator o eminente Desembargador Alan

Sebastião de Sena Conceição, cuja ementa segue transcrita abaixo, litteris:

“MANDADO DE INJUNÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL.

PODER EXECUTIVO. REVISÃO GERAL ANUAL. GARANTIA

CONSTITUCIONAL. OMISSÃO LEGISLATIVA OBSTATIVA DO

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EXERCÍCIO DO DIREITO. ORDEM CONCEDIDA. I - Inexistente a

disciplina específica para o exercício da garantia constitucional insculpida

no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal, impõe-se o reconhecimento

da mora da autoridade impetrada, com determinação de providência

destinada a supri-la no prazo consignado e mais, em caso de persistência, a

fixação de diretriz para garantir o efetivo exercício do direito constitucional

em voga, conforme hodierna orientação do Supremo Tribunal Federal. II -

Ordem concedida para que a autoridade impetrada supra a omissão em 180

(cento e oitenta) dias, todavia, persistindo a mora legislativa, assegura-se aos

impetrantes a revisão geral anual pretendida (anos de 2007 a 2009), com

base no INPC, índice igualmente eleito pelo próprio Executivo para os anos

de 2011 e 2012, cujo projeto de lei tramita na Assembleia Legislativa do

Estado de Goiás. MANDADO DE INJUNÇÃO PROCEDENTE.” (TJGO,

MANDADO DE INJUNCAO 118393-09.2010.8.09.0000, Rel. Des. Alan S.

de Sena Conceição, CORTE ESPECIAL, julgado em 27.6.2012, DJe 1114

de 1.8.2012)

46. Por isso mesmo, inoportuna, na espécie, a invocação, pelo Estado

de Goiás, do verbete n. 339 da Súmula de Jurisprudência Predominante do Supremo

Tribunal Federal, a teor da qual descabe ao Poder Judiciário, por não possuir

competência legislativa, “aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento

de isonomia”.

47. No ponto, imperioso, por antecipação, o registro de que não se lê

verbete sumular, inclusive os de natureza vinculante, em inteira desconsideração do teor

dos precedentes em que se fundamentou sua edição e, mesmo, com indevida abstração

do pano de fundo da jurisprudência pertinente do órgão judiciário responsável por sua

edição, que, no caso, é o Supremo Tribunal Federal.

48. Cumpre, pois, atentar-se a um aspecto teórico de relevo, atinente à

colocação dos enunciados sumulares na taxionomia das categorias normativas, nos

quadrantes da teoria geral dos atos de direito público: eles – segundo resenhado com

exatidão e propriedade, no verdadeiro leading case em que se consubstanciou o

julgamento plenário, no Supremo Tribunal Federal, da Questão de Ordem na ADI (MC)

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n. 594, Rel. Min. Carlos Velloso, j. de 19.2.1992, RTJ 151, t. 1/20 – nada mais são do

que a estratificação do entendimento concordante do tribunal que os edita, já revelado

em precedentes anteriores.

49. Daí que, como dissertado pelo então Ministro Sepúlveda Pertence,

em lição contida no voto que proferira no julgamento da ação retromencionada, e que,

mais tarde, reeditou no julgamento de Questão de Ordem no Inq n. 881/MT (RTJ 179, t.

2/450), litteris:

“A súmula não é uma norma livremente criada pelo Tribunal quando a

aprova: a súmula é uma proposição descritiva da orientação jurisprudencial

documentada nos acórdãos que refere”.

50. Cumpre, portanto, proceder, à luz dos precedentes de base, sobre

o alcance do verbete n. 339 da súmula da Suprema Corte, e, após, responder à

indagação sobre se, inclusive no campo legítimo de sua aplicação – malgrado

subsistente, na substância, a higidez da intelecção jurisprudencial nele revelada,

consoante proclamado no Plenário, por exemplo, no julgamento do RE n. 173.252, Rel.

Min. Moreira Alves, em 5.11.1998, RTJ 177, t. 2/952-959 – resultaria, da novidadeira

conformação constitucional do mandado de injunção, ablação necessária de sua esfera –

quiçá, outrora, de diâmetro mais alargado – de incidência.

51. Desde logo, nenhum dos arestos que alicerçam o verbete referido

(RE 40.914, 1ª Turma, j. de 17.12.1959, Rel. Min. Candido Motta, RTJ 13/48; RE

42.186, 1ª Turma, 1.8.1960, Rel. Min. Nelson Hungria, RTJ 14/200; RE 41.794 –

Embargos, Plenário, j. de 2.6.1961, Rel. Min. Ribeiro da Costa; RMS 9.122, Plenário, j.

de 27.9.1961, Rel. Min. Victor Nunes Leal; RE 47.340, 2ª Turma, j. de 19.9.1961, Rel.

Min. Ribeiro da Costa; RE 46.948, 2ª Turma, j. de 10.4.1962, Rel. Min. Victor Nunes

Leal; RMS 9.611, Plenário, j. de 10.6.1963, Rel. Min. Victor Nunes Leal), arrolados na

Súmula (RTJ 200, t. 1/466, v. g.) se refere à questão atualíssima da revisão

remuneratória, mas são todos eles, em comum, ditados em casos nos quais se buscava

alguma vantagem remuneratória, que concedida legalmente a outros servidores, seria,

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em razão da isonomia, extensível, na ótica dos requerentes, à sua própria condição

funcional.

52. Para hipóteses como as referidas nos julgados de origem do

verbete sumular invocado, entendeu e continua a entender o Supremo, nos termos do

verbete, não haver como cogitar-se de substituição do Poder Legislativo pelo Judiciário.

53. Certo: quanto à revisão geral anual, assim como no que concerne à

fixação e alteração, o que inclui, sabidamente, o aumento, o texto constitucional exige,

como espécie legislativa utilizável, a lei em sentido formal (art. 37, X, da Constituição

da República).

54. Enquanto, contudo, o texto constitucional não assegura o aumento,

em relação à revisão geral anual, além de fazê-lo, subordina-a à identidade de data e de

índice, dando-lhe contornos de autêntico direito constitucional social do servidor

público.

55. Logo, a situação concreta é daquelas em que, sobre não se

reclamar aumento, tampouco isonomia – pois a generalidade dos servidores públicos

estaduais sofre os efeitos da mesma perda de poder aquisitivo de sua remuneração –,

não há pretensão a vantagem cuja transformação em direito fique subordinada à

liberdade política dos poderes participantes do processo legislativo, mas sim de direito

de envergadura constitucional, cujo gozo periódico a própria norma constitucional se

precatou de estabelecer: vale sublinhar, a revisão.

56. Fora, por conseguinte, de toda dúvida razoável que, nesse

contexto, ante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é o writ injuncional o

remédio apto à correção da crise de inadimplemento inconstitucional do direito

reclamado, o que torna ociosa a invocação de verbete sumular que, a par de, por si

mesmo, alheio à questão debatida na causa, deveria, se tivesse pertinência com o thema

decidendum, ceder passo diante das novas virtualidades da ação constitucional aviada.

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57. Nem se argumente, em sentido contrário, para o fim de desacolher-

se a pretensão dos litisconsortes ativos, com o teor do art. 169, § 1º, I e II, da

Constituição da República.

58. Afora seu natural direcionamento, como cediço, à atividade

administrativa, aos gestores, e não ao domínio da solução jurisdicional das

controvérsias, e, pois, dos magistrados no exercício de sua magna função de

composição de litígios, não se depara, no tocante a reajuste, com concessão de

“vantagem ou aumento”: ao invés, tem-se simples reposição do poder de compra da

remuneração do servidor público.

59. Por isso mesmo, no domínio do direito penal, o administrador não

incide na prática do crime de ordenação de despesa não autorizada, previsto no art. 359-

D, do Código Penal, por força de inserção operada pela Lei n. 10.028/2000, quando,

embora deixe de instruir o ato de aumento de despesa com a estimativa do impacto

orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois

subsequentes, e de demonstrar a origem dos recursos para seu custeio, se circunscreva

“ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da

Constituição” (art. 17, § 6º, da Lei Complementar n. 101/2000).

60. Todavia, no plano subalterno da legislação infraconstitucional,

nem a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar n. 101, de 4.5.2000, no que

impõe limites de despesa total com pessoal (art. 19), se poderia legitimamente

colacionar para o fim de obstar-se a concessão do pleito injuncional formulado na

espécie.

61. Segundo o notável Regis Fernandes de Oliveira (Curso de

Direito Financeiro, 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 506), a “revisão

geral anual” seria, por sua natureza mesma, excetiva dos limites delineados no

mencionado ato normativo primário de caráter nacional, litteris:

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“Ademais disso, há que se cumprir o inciso X do art. 37 da CF, que assegura

'revisão geral anual'. Como compatibilizar os dispositivos? Evidente que a

norma constitucional está acima do dispositivo em lei, ainda que

complementar. Esta é submissa àquela. A obrigatoriedade da revisão geral

anual impõe, eventual e provisoriamente, o descumprimento da norma legal,

até futura adequação. É que a norma legal não pode limitar o cumprimento

do preceito constitucional, nem impedir sua aplicação.”

62. Seria pertinente, na ótica do subscritor do presente parecer, dessa

forma, se se tivesse em mira a atividade legislativa, para o fim de preservar o direito

constitucional à revisão geral anual, a outorga de interpretação restritiva ao texto da Lei

Complementar n. 101/2000, que a conformasse à Constituição.

63. Como não houve, entretanto, ação legislativa estadual na

matéria, cumpre ao Poder Judiciário, no bojo do mandado de injunção, concretizar

direito constitucional inadimplido: o que virá à baila, na hipótese de que se acolha a

pretensão dos litisconsortes, é – permita-se o óbvio – um pronunciamento judicial

reconhecedor de direito concernente aos anos de 2007 a 2010.

64. Esse o quadro, o pleito deduzido no presente mandamus é de ser

acolhido, com o suprimento da lacuna inconstitucional, nos termos em que traduzido na

exordial.

VII

65. ANTE TODO O EXPOSTO, o Ministério Público, por sua

Procuradoria-Geral de Justiça, manifesta-se:

preliminarmente,

(a) pela rejeição das preliminares suscitadas pelo Estado de Goiás e pela

autoridade impetrada;

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(b) pela patente necessidade de se proceder a prévia intimação do impetrante

para que, querendo, implemente a emenda da peça de começo, no sentido de

promover a inclusão, no polo passivo do presente mandado de injunção, da

Assembleia Legislativa do Estado de Goiás e, por conseguinte, requerer a

notificação desta para prestar as informações que entender necessárias;

no mérito,

(c) pela concessão da injunção, aos litisconsortes ativos, relativa à revisão

anual de seus vencimentos, nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, com a

aplicação dos índices de revisão inflacionária adotados pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, considerando-se o Índice

Nacional de Preços ao Consumidor respectivo a cada ano, conforme já foi

estabelecido pela Lei Estadual n. 17.597, de 26.4.2012, para os anos de 2011

e 2012.

Goiânia, 5 (cinco) de novembro de 2014.

Spiridon N. Anyfantis

Subprocurador - Geral de Justiça

para Assuntos Jurídicos

Port. Nº1.492/2014 – DOMP 1224ª ed.

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