parecer cÍvel n. 2/9.586/2014 · tribunal federal no recurso extraordinário paradigma, ... em...
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PARECER CÍVEL N. 2/9.586/2014
MANDADO DE INJUNÇÃO N. 243705-53.2014.8.09.0000 (201492437050)
IMPETRANTESAIRA SANTANA LIMA e OUTROS
IMPETRADO GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIÁS
ÓRGÃO JULGADOR CORTE ESPECIAL
RELATOR DES. GERALDO GONÇALVES DA COSTA
SUBPROCURADOR-GERAL DE
JUSTIÇA PARA ASSUNTOS
JURÍDICOS
SPIRIDON N. ANYFANTIS
MANDADO DE INJUNÇÃO. REVISÃO GERAL ANUAL.
ART. 37, X, CR/88. SERVIDORES ESTADUAIS. I. A
simples comprovação de mora legislativa atinente a revisão
geral anual dos vencimentos dos servidores estaduais afasta a
alegação de inexistência de liquidez e certeza do direito
pleiteado. II. Repelida a alegação de falta de interesse de agir
em decorrência da inadequação da via eleita consoante a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. III.
Impossibilidade de sobrestamento dos autos nos termos do art.
543-B, § 1º, do CPC, que se refere somente a recursos
extraordinários representativos de determinada controvérsia. IV.
Litisconsórcio Passivo Necessário: necessidade de presença de
todos os órgãos que intervêm no processo formativo da espécie
normativa faltante para ter-se plenamente conformado o polo
passivo da relação processual. Impositiva intimação para
emenda da inicial e promoção de citação da Assembleia
Legislativa Goiana. V. Parecer pela concessão da injunção,
1
alusiva à revisão anual de vencimentos, de 2007 a 2010,
considerando-se o INPC respectivo.
Colenda Corte Especial,
Eminente Desembargador Relator,
AIRA SANTANA LIMA e OUTROS impetraram mandado de
injunção, em face do Senhor GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIÁS, com o
objetivo de suprir a omissão deste quanto à iniciativa legislativa para conceder a revisão
geral anual prevista no art. 37, X, da Constituição da República, em relação aos anos de
2007 a 2010 (fls. 2/21).
Pleiteou-se a declaração da omissão do Chefe do Poder Executivo
quanto à iniciativa de projeto de lei atinente à revisão geral anual da remuneração dos
servidores efetivos, ora postulantes, no que tange à perda inflacionária verificada no
período de 2007 a 2010, bem como a supressão da referida omissão legislativa por meio
de decisão deste Egrégio Tribunal, de forma a possibilitar a revisão da remuneração dos
impetrantes, no montante de 5,15 %, 6,48 %, 4,11 % e 6,47 %, respectivamente a cada
ano declinado, tomando como base a inflação apurada pelo INPC fornecido pelo IBGE.
A decisão de fls. 249/252 indeferiu o pedido dos impetrantes quanto à
inclusão da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás no polo passivo da demanda.
Determinou-se, à fl. 254, a notificação do Senhor Governador do
Estado de Goiás e a intimação do Procurador-Geral do Estado de Goiás, para fins do
disposto no art. 7º, incisos I e II, da Lei Federal n. 12.016/2009.
O Estado de Goiás, por meio da Procuradoria-Geral do Estado,
apresentou a contestação de fls. 257/289, requerendo, preliminarmente, a suspensão do
processo, em virtude da alegada existência de prejudicialidade externa, decorrente da
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decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 565.089-8/SP, que teria
reconhecido a existência de repercussão geral da matéria em debate, e alegando, ainda, a
carência de ação em virtude da ausência de prova pré-constituída e da falta de interesse
de agir, decorrente da inadequação da via eleita, pugnando pela extinção do processo
sem resolução do mérito.
No mérito, asseverou que o aumento da remuneração de servidor
público pelo Poder Judiciário afrontaria o princípio da separação dos poderes e o
Enunciado n. 339 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Argumentou, ademais, que não cabe ao Poder Judiciário obrigar o
Chefe do Poder Executivo a apresentar projeto de lei que trate de revisão prevista no art.
37, X, da Constituição Federal, devendo cingir-se à dar ciência àquele a quem incumbe
a iniciativa do projeto de lei em questão, dada a natureza declaratória da decisão emitida
no mandado de injunção.
Aduziu que o pedido injuncional violaria o art. 169, § 1º, incisos I e II,
da Constituição da República, eis que a previsão de qualquer aumento ou vantagem
remuneratória exigiria lei orçamentária específica.
Constatou, ainda, em sede de contestação, a inexistência de
pressuposto fático para a revisão pleiteada, de modo que a concessão do direito aduzido
desencadearia aumento do salário dos servidores em número superior à simples
reposição inflacionária.
O Senhor Governador do Estado de Goiás prestou informações, às fls.
312/344, iterando as matérias de defesa apresentadas pelo Estado de Goiás.
Autos remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça.
É o relatório.
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I
1. De início, impõe-se o exame das questões preliminares, de índole
processual, invocadas pela Procuradoria-Geral do Estado e pelo Governador do Estado
de Goiás, a começar da alegada necessidade de suspensão do trâmite do presente feito.
2. Improcede, na espécie, o requerimento de suspensão do processo,
que deveria, na ótica do Estado de Goiás, impor-se até o pronunciamento do Supremo
Tribunal Federal no Recurso Extraordinário paradigma, dotado de repercussão geral.
3. De fato, na notícia extraída do sítio mantido pelo Supremo Tribunal
Federal na rede mundial de computadores,1 é possível constatar a existência de Recurso
Extraordinário, a cuja temática se reconheceu dotada de repercussão geral, em que se
discute pretensão de direito material essencialmente idêntica à que se põe nos presentes
autos:
“Por maioria de votos, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal
(STF) reconheceu a existência de repercussão geral da matéria
discutida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 701511,
interposto pelo município de Leme (SP) contra decisão do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que reconheceu a mora do
Executivo municipal e determinou ao prefeito o envio, no prazo de 30
dias, de projeto de lei que vise a dar cumprimento ao direito
constitucional dos servidores à revisão anual de salários ou subsídios.
Em sua decisão, tomada no julgamento de mandado de injunção
impetrado pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de
Leme, o TJ-SP apoiou-se no artigo 37, inciso X, da Constituição
Federal (CF), que assegura a revisão geral anual, por lei específica,
sempre na mesma data e sem distinção de índices, aos servidores
públicos. Como a prefeitura não tomou iniciativa de encaminhar ao
legislativo municipal projeto de lei nesse sentido, a entidade dos
servidores recorreu à Justiça, alegando omissão”.
1http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=228227
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4. No entanto, quanto ao sobrestamento típico do regime de
repercussão geral, não apanha ele senão os processos com recurso extraordinário
aviado, consoante prescreve a normativa do art. 543-B, § 1º, do Código de Processo
Civil, não se aplicando, pois, aos casos em que nem mesmo se inaugurou a eventual fase
recursal extrema, litteris:
“Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com
fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral
será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei
nº 11.418, de 2006).
§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos
representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal
Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da
Corte. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).” (ênfase acrescentada)
5. Não obstante, afasta-se, de regra, a possibilidade de sobrestamento
dos autos por mera conveniência, com base no art. 265, IV, a, do Código de Processo
Civil, preceito que, a toda evidência, restringe-se ao fenômeno processual da
prejudicialidade externa (BUENO, Cassio Scarpinella, Curso Sistematizado de
Direito Processual Civil, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, v. 1/418, v. g.), de tal sorte
que somente se autoriza a suspensão da marcha processual “quando o exame da
questão prejudicial não possa ser feito, primariamente, pelo próprio juiz da causa”
(MARINONI, Luiz Guilherme, e ARENHART, Sérgio Cruz, Processo de Conhecimento,
11ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 193, v. g.).
6. No caso, o que há, a rigor, não passa de identidade fundamental de
questão jurídica debatida, o que, fosse de se aplicar o raciocínio da douta Procuradoria-
Geral do Estado de Goiás, levaria ao absurdo de empreender-se sempre, mesmo quando
o juiz da causa a pudesse legitimamente equacionar, a suspensão de todo e qualquer
processo no qual a res in iudicio deducta guardasse correspondência com a de feito sob
exame do Supremo Tribunal Federal ou de qualquer outro órgão jurisdicional de
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superposição nacional: a consequência, bem se vê, seria desastrosa não somente ao
sistema da Justiça como um todo, mais, sobretudo, aos jurisdicionados.
7. São, portanto, os casos regidos pelo art. 265, IV, a, do Código de
Processo Civil hipóteses de suspensão própria e necessária (DINAMARCO, Cândido
Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, v.
II/647, v. g.) do curso procedimental.
8. Certo, a doutrina e a jurisprudência, tendo em conta o impacto
direto das decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle
normativo abstrato de constitucionalidade, no plano das decisões a serem tomadas no
contexto de ações naturalmente vocacionadas ao exercício do controle concreto de
constitucionalidade, têm fragilizado a nota de compulsoriedade da suspensão prescrita
no preceito sob comento, invocando-o, do mesmo modo, em casos nos quais, a todas as
luzes, não se transpõe o domínio do juízo de mera conveniência.
9. Assim, dentre outros, o Ministro Teori Albino Zavascki (Eficácia
das Sentenças na Jurisdição Constitucional, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, p. 84-85, v. g.), está entre aqueles que, mesmo em situação na qual o juiz da causa
poderia enfrentar o tema constitucional, sinaliza, em determinados momentos, com a
conveniência da suspensão da marcha processual, invocando, para tal mister, a norma
do art. 265, IV, a, do Código de Processo Civil, conforme se observa no trecho abaixo
transcrito, verbis:
“O provimento antecipatório na ação de controle concentrado não constitui,
portanto, causa de extinção do processo sem exame do mérito no caso
concreto nem impede, salvo determinação do STF, que o juiz dê curso
regular às demandas em que se controverte a respeito da incidência do
preceito questionado. Não obstante, em vista das consequências que poderão
advir da eventual revogação da medida, conforme adiante se verá, pode o
juiz ou o tribunal determinar a suspensão do julgamento, aguardando o
desfecho da ação de controle concentrado em que foi proferida a liminar,
para o que tem apoio no art. 265, IV, a, do CPC. Optando por dar curso à
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demanda, terá de obedecer, nas suas decisões, ao comando emergente da
medida antecipatória deferida no âmbito do controle concentrado. O
descumprimento ensejará, conforme o caso, pedido de reclamação ou a
reforma da decisão pela via recursal ordinária (art. 102, II, da CF/1988) ou
extraordinária (art. 102, III, da CF/1988).” (ênfase acrescentada)
10. Inclusive em casos nos quais sequer se deparava com medida de
tutela de urgência emanada do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência da Corte
Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça já aplicou o disposto no art. 265, IV, a, do
Código de Processo Civil.
11. Dentre outros, essa foi a intelecção, exempli gratia, nos casos
envolvendo discussão a respeito da inconstitucionalidade da Tabela da Medida
Provisória n. 451/2008, convertida na Lei n. 11.945/2009, do DPVAT.
12. Antes, até, que o Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal,
determinasse, em decisão datada de 22.8.2012, e publicada no DJe n. 173/2012, p. 25-
26, de 31.8.2012, com circulação em 3.9.2012, na ADI 4627, a suspensão dos “[...]
incidentes de inconstitucionalidade, que tramitam nos Tribunais de Justiça estaduais, em
que são questionados os mesmo (sic) dispositivos legais impugnados na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 4.350 e 4.627 (sic), até julgamento final das citadas ações no
Plenário desta Corte”, a Corte Especial do Egrégio Tribunal de Justiça local já o fizera.
13. Para documentação, leia-se, em textual, a ementa do acórdão,
julgamento datado de 14.3.2012, nos autos da AIL 222883-48.2011.8.09.0000, Rel. Des.
Carlos Alberto França, litteris:
“Arguição Incidente de Inconstitucionalidade de Lei. Tabela constante
do Anexo I da Lei 11.945/2009. Seguro DPVAT.
Pendência de julgamento no STF da ADI 4627. Sobrestamento do
incidente até pronunciamento da Corte Superior.
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Estando em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal a ADI 4627,
versando sobre a mesma lei cuja constitucionalidade é discutida na presente
arguição, impõe-se a suspensão deste incidente até o julgamento do mérito
da ADI, em atenção ao art. 265, inciso IV, alínea “a”, do Código de
Processo Civil, de modo a evitar julgamentos contraditórios.
Arguição Incidental de Inconstitucionalidade de Lei suspensa.” (ênfase
acrescentada)
14. Enquanto, porém, na hipótese da tabela do DPVAT, se tomou
como paradigma ação de controle abstrato em curso, cuja decisão possui, ex vi do
disposto no art. 102, § 2º, da Constituição da República, eficácia erga omnes e efeito
vinculante, não se revestem, todavia, os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal,
em sede recursal extraordinária – salvo quando se cuide de apelo extremo aviado de
decisão de mérito em ADI estadual, onde haverá, então, essa “peculiaridade”
(MENDES, Gilmar Ferreira, e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Curso de Direito
Constitucional, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1329-1330, v. g.) –, de idênticas
qualidades eficaciais.
15. Na sistemática do instituto da repercussão geral, porém, não se há
de cogitar, pelo que se extrai da leitura sistemática dos parágrafos 3º e 4º do art. 543-B
do Código de Processo Civil, de regra, de vinculação, sequer do tribunal de origem do
feito cuja decisão foi recorrida (JUNIOR, Nelson Nery, e NERY, Rosa Maria de
Andrade, Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 12ª ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 1121; BARBOSA MOREIRA, José Carlos,
Comentários ao Código de Processo Civil, 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2012, v.
V/619, v. g.).
16. Não passa, pois, de isolada a opinião que, em sentido contrário, e
para todos os casos de repercussão geral, esboçam eminentes mestres (ZAVASCKI, Teori
Albino, ob. cit., p. 118-121; MARINONI, Luiz Guilherme, e MITIDIERO, Daniel,
Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo, 2ª ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010, p. 577; v. g.), levando além da marca as ideias de “força normativa
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da Constituição” e “objetivação do recurso extraordinário” para chegar-se à redução da
atividade judicante das instâncias inferiores e a uma maior restrição ao exercício do
controle difuso de constitucionalidade por elas desempenhado: chegam Suas
Excelências à demasia de asseverar que “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”
seria “de há muito nesse sentido” (MARINONI, Luiz Guilherme, Precedentes
Obrigatórios, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 474-475; MARINONI,
Luiz Guilherme, e MITIDIERO, Daniel, Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 74, v. g.).
17. A tanto, contudo, não foi o próprio Supremo Tribunal Federal:
prova disso é que, quando geralmente reconhecida a repercussão geral e julgado o
mérito do apelo extremo, o Plenário da Suprema Corte vem expedindo súmulas
vinculantes sobre a matéria, numa inequívoca junção de “filtros recursais” (BUENO,
Cassio Scarpinella, Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, 4ª ed., São
Paulo: Saraiva, 2013, v. 5/264, v. g.).
18. Nenhum relevo, portanto, ostenta a preocupação do Estado de
Goiás, enunciada à fl. 237, de se “resguardar a competência do STF para decidir sobre
interpretação constitucional”, o que implicaria o “sobrestamento desde já desta causa até
que se” ultimasse “o julgamento da matéria na Corte Suprema (art. 265, IV, 'a', do
Código de Processo Civil)”: o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás tem, no feito,
plena jurisdição, inclusive de índole constitucional, presente sua indisputável
competência para processar e julgar o writ injuncional sob escrutínio.
19. Impõe-se, ante as razões declinadas, rejeitar a preliminar alusiva à
suspensão do mandado de injunção de que cuida a espécie.
II
20. Ainda preliminarmente, saliente-se, desde já, que, na linha do que
deliberado quando do exame, em 23.11.1989, do MI 107 (QO), Rel. Min. Moreira Alves,
RTJ 133, t. 1/16, o procedimento do writ injuncional seria, no que coubesse e enquanto
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não regulamentado especificamente seu rito, o do mandado de segurança: a esta
intelecção se conformou a Lei 8.038, de 28.5.1990, ao determinar no texto do parágrafo
único de seu art. 24 que, também no mandado de injunção, seriam observadas, havendo
compatibilidade lógico-jurídica, as normas do mandado de segurança.
21. Deste modo, enquanto não houver regulamentação de
procedimento próprio estabelecendo o contrário, no rito do mandado de injunção, da
mesma forma que ocorre no mandado de segurança, não caberá reserva de espaço para
instrução probatória ulterior (BUENO, Cassio Scarpinella, Curso Sistematizado de
Direito Processual Civil, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, v. 2, t. III/107-108, v. g.),
litteris:
“Não há, por mais paradoxal que possa parecer, nenhuma lei que
regulamente o procedimento do 'mandado de injunção'.
O que existe é o disposto no parágrafo único do art. 24 da Lei n. 8.038/1990,
que impõe a observância relativa ao 'mandado de segurança' para a hipótese.
É a solução que, também para o habeas data, prevaleceu até o advento da
Lei n. 9.507/1997, como expõe o n. 1 do Capítulo 2. Mesmo antes do
advento daquela lei, contudo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da já mencionada Questão de Ordem no MI 107/DF, já havia
decidido pela aplicação analógica do procedimento do 'mandado de
segurança' ao 'mandado de injunção'.
A incidência da disciplina do procedimento reservado ao 'mandado de
segurança' dá ensejo aos seguintes destaques:
O mandado de injunção pressupõe a apresentação de 'direito líquido e certo',
isto é, a comprovação, já com a petição inicial, de documentação que dê
fundamento à sua pretensão. Se o documento que se considere indispensável
à impetração estiver em mãos da 'autoridade coatora', é de aplicar o disposto
no § 1º do art. 6º da Lei n. 12.016/2009, determinando que, no mesmo
processo, os documentos sejam exibidos ao impetrante (v. n. 7 do Capítulo
1).”
10
22. Não obstante, registre-se que a alegada ausência de prova pré-
constituída, sustentada por Sua Excelência o Senhor Governador do Estado, não tem a
consequência visada de causar a extinção do processo sem resolução de mérito, pois, ao
contrário do que afirmado na peça de defesa, não incide, em sede injuncional, o ônus de
comprovar a existência, no plano político, de negociações para a efetivação da revisão
geral anual no período de 2007 a 2010, tampouco calha a exigência de demonstração
documental da ocorrência de efetiva depreciação de seus vencimentos.
23. Com efeito, excede todas as raias ignorar que pressuposto, no
ponto, da concessão de pleito formulável em mandado de injunção é a mora legislativa,
ou seja, a omissão legislativa inconstitucional, cuja realidade a invocada presença de
negociações extrajudiciais, travadas na ambiência do processo político e ou legislativo,
não é de molde a elidir.
24. Valem, no passo, as doutas observações do então Ministro Cezar
Peluso, quando do julgamento plenário, em 25.10.2007, no Supremo Tribunal Federal,
do leading case em que se converteu o MI 670, RTJ 207, t. 1/85, verbis:
“No entanto, devo dizer e deixar claro que é tão velho quanto esta
Constituição o meu entendimento de a função do mandado de injunção ser a
de tornar viável o exercício de direito e de liberdade constitucionais, ou de
prerrogativas ligadas à soberania, cidadania e nacionalidade, que não
possam ser exercidos por falta de norma regulamentadora. Ou seja, a mim
me parece não se tratar de instituto destinado a fazer com que uma decisão
judicial estimule o Poder Legislativo a desempenhar a função de legislar.
Por isso, a mim não me importam as razões reais por que se dê omissão do
Legislativo, seja por dificuldades políticas de obtenção de um projeto de
comum acordo, seja por deliberada opção do legislador em não
regulamentar, ou seja por esquecimento. São dados absolutamente
irrelevantes, porque não concebo o mandado de injunção como expediente
tendente a estimular o exercício da competência legislativa.
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O mandado de injunção tem, no texto constitucional, a meu sentir, a função
jurídico-processual de garantia de direito subjetivo, de liberdade
constitucional, ou de prerrogativa, no sentido de tornar viável, no caso
concreto, o exercício desse direito, liberdade, ou prerrogativa,
independentemente do comportamento futuro do legislador.” (ênfase
acrescentada)
25. Pressupondo o status de mora legislativa, ao writ injuncional são,
portanto, alheias discussões, quaisquer que sejam elas, sobre as razões políticas da
ausência de plena ultimação do processo nomogenético destinado à confecção da regra
alegadamente faltante, razão pela qual não se há de exigir, por óbvio, no contexto da
prova documental trazida com a impetração, elementos de instrução alusivos a suposto
processo de negociação em curso ou ainda não instaurado nas instâncias políticas pré-
legislativas ou legislativas competentes.
26. Gratuita, de seu turno, a alegação de ausência de demonstração
documental da ocorrência de efetiva depreciação de seus vencimentos, a qual, dada a
evidente inflição de seus nefastos efeitos, é de todos ressabida, ingressando, por isso
mesmo, na categoria taxionômica dos fatos notórios, que tornam, dada essa qualidade,
dispensável a prova de sua ocorrência ou constatação fática, ex vi do disposto no art.
334, I, do Código de Processo Civil (MARINONI, Luiz Guilherme, e ARENHART,
Sérgio Cruz, Processo de Conhecimento, 11ª, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,
p. 276-277, v. g.).
27. Na espécie, cumpre observar que é a perda do poder aquisitivo da
moeda, conquanto limitado em relação a quadro estarrecedor já observado no cenário
nacional, dado de fato conhecido dos próprios magistrados integrantes da Colenda Corte
Especial, servidores públicos que igualmente o são, e, antes disso, cidadãos e
consumidores.
28. De se rejeitar, assim, também no ponto, a alegada suposta ausência
de prova documental pré-constituída.
12
III
29. No que tange à alegada falta de interesse de agir em decorrência
da inadequação da via eleita, impõe-se observar, in status assertionis, presente os
elementos objetivos e subjetivos tal como declinados na exordial, que a pretensão
deduzida é de suprimento de lacuna normativa, imputável a omissão inconstitucional,
que estaria a inviabilizar o gozo de direito funcional de berço constitucional: cabível,
portanto, em tese, em face do pleito formulado, o writ injuncional, sendo esta, sublinhe-
se, sua inequívoca destinação constitucional, consoante a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, a que, adiante, se fará alusão.
30. Forçosa, do mesmo modo, a rejeição da preliminar que se vem de
convelir.
IV
31. Ressente-se, porém, no caso, com a ausência, no polo passivo, da
Assembleia Legislativa, a quem, por curial, igualmente se há de reputar legitimada, pois
que a lei faltante é, no sistema constitucional brasileiro, resultante de processo
nomogenético em que este órgão estatal eminente – malgrado intensamente
condicionado aos termos de prévia iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo
(CLÈVE, Clèmerson Merlin, Atividade Legislativa do Poder Executivo, 3ª ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 102, v. g.) – desempenha função sabidamente
central.
32. Compulsando-se, porém, os autos, não se depara com pleito
formulado em face, também, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, o que se
explica, quiçá, pelo fato de que, na matéria, incidindo a reserva de iniciativa do Chefe
do Poder Executivo Goiano, se tenha supervalorizado a ausência de deflagração do
processo legislativo por Sua Excelência.
13
33. Não é, todavia, a ausência de envio de projeto de lei por parte do
Chefe do Poder Executivo circunstância apta a dispensar, em caso de omissão
constitucional apontada em sede de mandado de injunção, a citação da Casa de Leis
respectiva, pois, como acima averbado, o ponto nodal da definição da legitimação
passiva é o da participação nas fases constitucionalmente típicas do processo
nomogenético, cumprindo atentar, na espécie, para a necessária conformação de nítido
fenômeno processual consistente na figura do litisconsórcio passivo necessário.
V
34. Tem se dividido a doutrina – com olhos postos, de um lado, para
os que a negam, na mais plena liberdade de agir do autor (DINAMARCO, Cândido
Rangel, Litisconsórcio, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 290-291, v. g.), e, de
noutro, para os que a entendem devida, na necessidade de o juiz atuar em prol da correta
formação do processo (BUENO, Cassio Scarpinella, Curso Sistematizado de Direito
Processual Civil, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, v. 2, t. 1/443-445, v. g.) – no tocante
à possibilidade ou não de integração oficiosa, por parte do órgão jurisdicional, do polo
passivo da relação processual.
35. Cumpre, porém, reconhecer, como mais adequada à liberdade
constitucional ínsita no direito fundamental de ação, a impossibilidade – conforme
assentado em boa doutrina – da 'intervenção forçada no processo, determinada por obra
do juiz (iussu iudicis)' (JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade Nery,
Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 12ª ed., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012, p. 319, v. g.).
36. Como não houve, na espécie, a indicação, na exordial, da
Assembleia Legislativa do Estado de Goiás – órgão de participação capital no processo
de formação das leis em sentido formal sustentadamente inexistentes, e que, por isso
mesmo, deveria integrar, como litisconsorte necessário, o polo passivo da relação
processual –, cumpre, de antemão, determinar o Tribunal que os impetrantes procedam à
14
emenda da inicial, sob pena de extinção do feito, sem resolução de mérito, ex vi da
norma-regra do parágrafo único do art. 47 do Código de Processo Civil.
VI
37. No mérito, ressalte-se que pleiteiam os litisconsortes a
implementação judicial, em colmatação de lacuna normativa enquadrável na categoria
da inconstitucionalidade por omissão, da revisão geral anual de sua remuneração, como
servidores públicos do Estado de Goiás, no período compreendido entre os anos de
2007 a 2010, conforme garantido no art. 37, X, da Constituição da República.
38. Não obstante, para a concessão do pleito identificador do presente
mandamus, revela-se imprescindível, ex vi do disposto no art. 5º, LXXI, c/c o art. 37, X,
da Constituição da República, que à falta de norma regulamentadora se possa atribuir o
óbice ao exercício do direito constitucional dos servidores impetrantes à revisão geral
anual de vencimentos.
39. Ressabido, nesse diapasão, que o Estado de Goiás não vinha
procedendo à revisão geral anual de vencimentos de seus servidores, até a edição da Lei
Estadual n. 17.597, de 26.4.2012, que, por sua vez, é textualmente direcionada apenas
aos exercícios de 2011 e 2012, como resulta evidente de singela leitura do que disposto
no art. 1º, caput (“referente aos exercícios de 2011 e 2012, nos termos desta Lei”).
40. Fosse improcedente o que articulado na causa petendi quanto à
inexistência de lei concedendo a revisão geral anual aos servidores estaduais
impetrantes, durante o período de 2007 a 2010, bastaria à sua ilisão a simples juntada,
no caderno processual, das leis que a teriam conferido no período em questão.
41. Translúcida, porém, a omissão do Estado de Goiás quanto à
revisão geral anual da remuneração de seus servidores, nos moldes do art. 37, X, da
Constituição da República, cumpre ao Poder Judiciário, na via processual do mandado
de injunção, suprir-lhe a inertia deliberandi, relativa aos exercícios de 2007, 2008, 2009
15
e 2010, e, para tanto, patenteia-se legítimo o emprego do Índice Nacional de Preços ao
Consumidor, de cada ano apontado, conforme já estabelecido, em relação aos anos de
2011 e 2012, pela Lei Estadual n. 17.597, de 26.4.2012.
42. Como é consabido, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do
julgamento plenário do MI 670, Rel. p/ o acórdão o Min. Gilmar Mendes, j. de
25.10.2007, RTJ 207, t. 1/11-109, e, na mesma data, do MI 712, Rel. Min. Eros Grau, e
do MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, RTJ 207, t. 2/471, abandonou a tese de que o
mandado de injunção se convolaria em simples comunicação da mora às entidades
produtoras da lei.
43. Com isso, não merece guarida a alegação de que a natureza do
pedido injuncional seria meramente “mandamental” (ou meramente declaratória ou
exortativa?), ou que a aplicação da corrente concretista do mandado de injunção
representaria ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os poderes da
República, móvel maior da jurisprudência reacionária primeira que, em 23.11.1989,
então se formava, nos albores da produção jurisprudencial, sob a nova ordem
constitucional, no MI 107 (QO), Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 133, t. 1/16, na Suprema
Corte.
44. Vale consignar, a propósito, trecho elucidativo do voto proferido
pelo então Ministro Carlos Ayres Britto, no Mandado Injunção 788, julgado em
15.4.2009, RT v. 98, n. 886, p. 117-119, verbis:
“Muito bem. No julgamento do MI 721, da relatoria da ministro Marco
Aurélio, o Supremo Tribunal Federal projetou um novo olhar interpretativo
sobre os dispositivos transcritos, dando-lhes maior concretude. Tal
aconteceu na sessão do dia 30.08.2007, quando se analisava um caso similar
ao presente, cujo desfecho se resume na ementa abaixo transcrita:
'MANDADO DE INJUNÇÃO – NATUREZA. Conforme disposto no inciso
LXXX do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de
injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades
16
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de
omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da
ordem a ser formalizada.
MANDADO DE INJUNÇÃO – DECISÃO. BALIZAS. Tratando-se de
processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica
nele revelada.
APOSENTADORIA – TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS –
PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR – INEXISTÊNCIA DE LEI
COMPLEMENTAR – ARTIGO 40, §4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor,
impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos
trabalhadores em geral – artigo 57, §1º, da Lei n. 8.213/91'.
Naquela ocasião, acompanhei, confortavelmente, o voto do eminente relator.
E o fiz com as seguintes palavras:
'Senhora Presidente, acompanho, lembrando que, nas discussões anteriores,
observei que somente cabe mandado de injunção perante uma norma
constitucional de eficácia limitada. Sendo assim, não faz sentido proferir
uma decisão judicial também de eficácia limitada. É uma contradição nos
termos, A decisão judicial há de ser plenoperante, marcada pela sua carga de
concretude, ou seja, tem de ser mandamental, como é da natureza da ação
constitucional agora sob julgamento.'” (ênfase acrescentada)
45. Anota-se, ao final, que este Egrégio Tribunal de Justiça, na esteira
da nova conformação que o Supremo Tribunal Federal culminou por dar ao writ
injuncional, recentemente, posicionou-se sobre o tema no julgamento do Mandado de
Injunção n. 118393-09.2010.8.09.0000, Relator o eminente Desembargador Alan
Sebastião de Sena Conceição, cuja ementa segue transcrita abaixo, litteris:
“MANDADO DE INJUNÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL.
PODER EXECUTIVO. REVISÃO GERAL ANUAL. GARANTIA
CONSTITUCIONAL. OMISSÃO LEGISLATIVA OBSTATIVA DO
17
EXERCÍCIO DO DIREITO. ORDEM CONCEDIDA. I - Inexistente a
disciplina específica para o exercício da garantia constitucional insculpida
no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal, impõe-se o reconhecimento
da mora da autoridade impetrada, com determinação de providência
destinada a supri-la no prazo consignado e mais, em caso de persistência, a
fixação de diretriz para garantir o efetivo exercício do direito constitucional
em voga, conforme hodierna orientação do Supremo Tribunal Federal. II -
Ordem concedida para que a autoridade impetrada supra a omissão em 180
(cento e oitenta) dias, todavia, persistindo a mora legislativa, assegura-se aos
impetrantes a revisão geral anual pretendida (anos de 2007 a 2009), com
base no INPC, índice igualmente eleito pelo próprio Executivo para os anos
de 2011 e 2012, cujo projeto de lei tramita na Assembleia Legislativa do
Estado de Goiás. MANDADO DE INJUNÇÃO PROCEDENTE.” (TJGO,
MANDADO DE INJUNCAO 118393-09.2010.8.09.0000, Rel. Des. Alan S.
de Sena Conceição, CORTE ESPECIAL, julgado em 27.6.2012, DJe 1114
de 1.8.2012)
46. Por isso mesmo, inoportuna, na espécie, a invocação, pelo Estado
de Goiás, do verbete n. 339 da Súmula de Jurisprudência Predominante do Supremo
Tribunal Federal, a teor da qual descabe ao Poder Judiciário, por não possuir
competência legislativa, “aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento
de isonomia”.
47. No ponto, imperioso, por antecipação, o registro de que não se lê
verbete sumular, inclusive os de natureza vinculante, em inteira desconsideração do teor
dos precedentes em que se fundamentou sua edição e, mesmo, com indevida abstração
do pano de fundo da jurisprudência pertinente do órgão judiciário responsável por sua
edição, que, no caso, é o Supremo Tribunal Federal.
48. Cumpre, pois, atentar-se a um aspecto teórico de relevo, atinente à
colocação dos enunciados sumulares na taxionomia das categorias normativas, nos
quadrantes da teoria geral dos atos de direito público: eles – segundo resenhado com
exatidão e propriedade, no verdadeiro leading case em que se consubstanciou o
julgamento plenário, no Supremo Tribunal Federal, da Questão de Ordem na ADI (MC)
18
n. 594, Rel. Min. Carlos Velloso, j. de 19.2.1992, RTJ 151, t. 1/20 – nada mais são do
que a estratificação do entendimento concordante do tribunal que os edita, já revelado
em precedentes anteriores.
49. Daí que, como dissertado pelo então Ministro Sepúlveda Pertence,
em lição contida no voto que proferira no julgamento da ação retromencionada, e que,
mais tarde, reeditou no julgamento de Questão de Ordem no Inq n. 881/MT (RTJ 179, t.
2/450), litteris:
“A súmula não é uma norma livremente criada pelo Tribunal quando a
aprova: a súmula é uma proposição descritiva da orientação jurisprudencial
documentada nos acórdãos que refere”.
50. Cumpre, portanto, proceder, à luz dos precedentes de base, sobre
o alcance do verbete n. 339 da súmula da Suprema Corte, e, após, responder à
indagação sobre se, inclusive no campo legítimo de sua aplicação – malgrado
subsistente, na substância, a higidez da intelecção jurisprudencial nele revelada,
consoante proclamado no Plenário, por exemplo, no julgamento do RE n. 173.252, Rel.
Min. Moreira Alves, em 5.11.1998, RTJ 177, t. 2/952-959 – resultaria, da novidadeira
conformação constitucional do mandado de injunção, ablação necessária de sua esfera –
quiçá, outrora, de diâmetro mais alargado – de incidência.
51. Desde logo, nenhum dos arestos que alicerçam o verbete referido
(RE 40.914, 1ª Turma, j. de 17.12.1959, Rel. Min. Candido Motta, RTJ 13/48; RE
42.186, 1ª Turma, 1.8.1960, Rel. Min. Nelson Hungria, RTJ 14/200; RE 41.794 –
Embargos, Plenário, j. de 2.6.1961, Rel. Min. Ribeiro da Costa; RMS 9.122, Plenário, j.
de 27.9.1961, Rel. Min. Victor Nunes Leal; RE 47.340, 2ª Turma, j. de 19.9.1961, Rel.
Min. Ribeiro da Costa; RE 46.948, 2ª Turma, j. de 10.4.1962, Rel. Min. Victor Nunes
Leal; RMS 9.611, Plenário, j. de 10.6.1963, Rel. Min. Victor Nunes Leal), arrolados na
Súmula (RTJ 200, t. 1/466, v. g.) se refere à questão atualíssima da revisão
remuneratória, mas são todos eles, em comum, ditados em casos nos quais se buscava
alguma vantagem remuneratória, que concedida legalmente a outros servidores, seria,
19
em razão da isonomia, extensível, na ótica dos requerentes, à sua própria condição
funcional.
52. Para hipóteses como as referidas nos julgados de origem do
verbete sumular invocado, entendeu e continua a entender o Supremo, nos termos do
verbete, não haver como cogitar-se de substituição do Poder Legislativo pelo Judiciário.
53. Certo: quanto à revisão geral anual, assim como no que concerne à
fixação e alteração, o que inclui, sabidamente, o aumento, o texto constitucional exige,
como espécie legislativa utilizável, a lei em sentido formal (art. 37, X, da Constituição
da República).
54. Enquanto, contudo, o texto constitucional não assegura o aumento,
em relação à revisão geral anual, além de fazê-lo, subordina-a à identidade de data e de
índice, dando-lhe contornos de autêntico direito constitucional social do servidor
público.
55. Logo, a situação concreta é daquelas em que, sobre não se
reclamar aumento, tampouco isonomia – pois a generalidade dos servidores públicos
estaduais sofre os efeitos da mesma perda de poder aquisitivo de sua remuneração –,
não há pretensão a vantagem cuja transformação em direito fique subordinada à
liberdade política dos poderes participantes do processo legislativo, mas sim de direito
de envergadura constitucional, cujo gozo periódico a própria norma constitucional se
precatou de estabelecer: vale sublinhar, a revisão.
56. Fora, por conseguinte, de toda dúvida razoável que, nesse
contexto, ante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é o writ injuncional o
remédio apto à correção da crise de inadimplemento inconstitucional do direito
reclamado, o que torna ociosa a invocação de verbete sumular que, a par de, por si
mesmo, alheio à questão debatida na causa, deveria, se tivesse pertinência com o thema
decidendum, ceder passo diante das novas virtualidades da ação constitucional aviada.
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57. Nem se argumente, em sentido contrário, para o fim de desacolher-
se a pretensão dos litisconsortes ativos, com o teor do art. 169, § 1º, I e II, da
Constituição da República.
58. Afora seu natural direcionamento, como cediço, à atividade
administrativa, aos gestores, e não ao domínio da solução jurisdicional das
controvérsias, e, pois, dos magistrados no exercício de sua magna função de
composição de litígios, não se depara, no tocante a reajuste, com concessão de
“vantagem ou aumento”: ao invés, tem-se simples reposição do poder de compra da
remuneração do servidor público.
59. Por isso mesmo, no domínio do direito penal, o administrador não
incide na prática do crime de ordenação de despesa não autorizada, previsto no art. 359-
D, do Código Penal, por força de inserção operada pela Lei n. 10.028/2000, quando,
embora deixe de instruir o ato de aumento de despesa com a estimativa do impacto
orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois
subsequentes, e de demonstrar a origem dos recursos para seu custeio, se circunscreva
“ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da
Constituição” (art. 17, § 6º, da Lei Complementar n. 101/2000).
60. Todavia, no plano subalterno da legislação infraconstitucional,
nem a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar n. 101, de 4.5.2000, no que
impõe limites de despesa total com pessoal (art. 19), se poderia legitimamente
colacionar para o fim de obstar-se a concessão do pleito injuncional formulado na
espécie.
61. Segundo o notável Regis Fernandes de Oliveira (Curso de
Direito Financeiro, 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 506), a “revisão
geral anual” seria, por sua natureza mesma, excetiva dos limites delineados no
mencionado ato normativo primário de caráter nacional, litteris:
21
“Ademais disso, há que se cumprir o inciso X do art. 37 da CF, que assegura
'revisão geral anual'. Como compatibilizar os dispositivos? Evidente que a
norma constitucional está acima do dispositivo em lei, ainda que
complementar. Esta é submissa àquela. A obrigatoriedade da revisão geral
anual impõe, eventual e provisoriamente, o descumprimento da norma legal,
até futura adequação. É que a norma legal não pode limitar o cumprimento
do preceito constitucional, nem impedir sua aplicação.”
62. Seria pertinente, na ótica do subscritor do presente parecer, dessa
forma, se se tivesse em mira a atividade legislativa, para o fim de preservar o direito
constitucional à revisão geral anual, a outorga de interpretação restritiva ao texto da Lei
Complementar n. 101/2000, que a conformasse à Constituição.
63. Como não houve, entretanto, ação legislativa estadual na
matéria, cumpre ao Poder Judiciário, no bojo do mandado de injunção, concretizar
direito constitucional inadimplido: o que virá à baila, na hipótese de que se acolha a
pretensão dos litisconsortes, é – permita-se o óbvio – um pronunciamento judicial
reconhecedor de direito concernente aos anos de 2007 a 2010.
64. Esse o quadro, o pleito deduzido no presente mandamus é de ser
acolhido, com o suprimento da lacuna inconstitucional, nos termos em que traduzido na
exordial.
VII
65. ANTE TODO O EXPOSTO, o Ministério Público, por sua
Procuradoria-Geral de Justiça, manifesta-se:
preliminarmente,
(a) pela rejeição das preliminares suscitadas pelo Estado de Goiás e pela
autoridade impetrada;
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(b) pela patente necessidade de se proceder a prévia intimação do impetrante
para que, querendo, implemente a emenda da peça de começo, no sentido de
promover a inclusão, no polo passivo do presente mandado de injunção, da
Assembleia Legislativa do Estado de Goiás e, por conseguinte, requerer a
notificação desta para prestar as informações que entender necessárias;
no mérito,
(c) pela concessão da injunção, aos litisconsortes ativos, relativa à revisão
anual de seus vencimentos, nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, com a
aplicação dos índices de revisão inflacionária adotados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, considerando-se o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor respectivo a cada ano, conforme já foi
estabelecido pela Lei Estadual n. 17.597, de 26.4.2012, para os anos de 2011
e 2012.
Goiânia, 5 (cinco) de novembro de 2014.
Spiridon N. Anyfantis
Subprocurador - Geral de Justiça
para Assuntos Jurídicos
Port. Nº1.492/2014 – DOMP 1224ª ed.
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