parcelamento do solo na cidade do rio de janeiro

186
PARCELAMENTO DO SOLO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: UM ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO INFORMAL DA DÉCADA DE 40 AOS ANOS 90

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Veríssimo Antônio Augusto

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Page 1: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

PARCELAMENTO DO SOLO NA CIDADE DO RIO DE

JANEIRO: UM ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO INFORMAL

DA DÉCADA DE 40 AOS ANOS 90

Page 2: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Antônio Augusto Veríssimo

PARCELAMENTO DO SOLO NA CIDADE DO RIO DE

JANEIRO: UM ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO INFORMAL

DA DÉCADA DE 40 AOS ANOS 90

Dissertação apresentada ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte do requisito necessário à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.

Orientador: Prof. Dr. Pedro Abramo

Rio de Janeiro

2005

ii

Page 3: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

V517p Veríssimo, Antônio Augusto. Parcelamento do solo na cidade do Rio de Janeiro : um

estudo sobre a produção informal da década de 40 aos anos 90 / Antônio Augusto Veríssimo. – 2005. xviii, 168, [6] f. : il. color., mapas ; 30 cm.

Orientador: Pedro Abramo. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional)–Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. Bibliografia: f. 140-146. 1. Solo urbano – Uso – Rio de Janeiro (RJ). 2. Uso do solo – Rio de Janeiro (RJ). 3. Loteamentos – Rio de Janeiro (RJ). 4. Direito urbanístico – Brasil. 5. Economia urbana – Teses. I. Abramo, Pedro. II.Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. III. Título. CDD: 333.77

iii

Page 4: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Antônio Augusto Veríssimo

PARCELAMENTO DO SOLO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: UM ESTUDO

SOBRE A PRODUÇÃO INFORMAL DA DÉCADA DE 40 AOS ANOS 90

Dissertação apresentada ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte do requisito necessário à obtenção do

grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.

Banca Examinadora

_____________________________________________ Profº Doutor Pedro Abramo _____________________________________________ Profª Doutora Rosângela Lunardelli Cavallazzi _____________________________________________ Profª Doutora Fania Fridman

iv

Page 5: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

A Claudia e Augusto

pela paciência e solidariedade.

v

Page 6: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Pedro Abramo pelo apoio, incentivo e orientação,

Aos Professores do IPPUR Luciana Corrêa do Lago e Adauto Lúcio Cardoso que

muito contribuíram com suas sugestões e opiniões quando do exame de qualificação;

A Professora do PROURB Rosângela Lunardelli Cavallazzi pela orientação nos

aspectos jurídicos desta dissertação;

Ao Professor Martim Smolka pelo grande incentivo,

À Maria José Gomes Saraiva pelo incentivo e pelo apoio fundamental,

À Claudia, minha esposa, pela leitura atenta e crítica e pelo auxílio na revisão dos

textos,

Aos amigos Fernando Cavallieri, Ana Lúcia, Rose Compans, Alberto Ribeiro da

Silva, Sônia Pereira e Ângela Regina, Pedro Teixeira, Tália e Adriana Vial, pelas

informações, críticas e sugestões,

À professora Natércia Rossi pela revisão final da redação,

Aos integrantes das equipes do Núcleo de Regularização de Loteamentos e do

Programa Morar Legal pela amistosa colaboração.

vi

Page 7: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

RESUMO

O objetivo desta dissertação é identificar e analisar criticamente os fatores

condicionantes da produção de parcelamentos não-regulares do solo (loteamentos e vilas

irregulares e clandestinos) disseminados no território do município do Rio de Janeiro,

especialmente entre os anos de 1940 e 2000. Esta pesquisa enfatiza a análise da expansão

territorial nos seus aspectos econômicos, sociais e fundiários, bem como o desenvolvimento

do quadro normativo - federal e municipal - relativo ao parcelamento do solo, no sentido de

buscar explicações para a forma e modo de operação deste mercado de terras e para as

distintas características que os parcelamentos assumem de acordo com a sua localização no

tempo e no espaço. Outro objetivo é identificar a ‘lógica’ maior que conduz a distribuição dos

distintos segmentos sociais no território, que faz, de aparentes disfunções, das normas e do

mercado, efetivos instrumentos não convencionais de ‘solução’ da crise habitacional.

vii

Page 8: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

ABSTRACT

The object of this dissertation is to identify and analyse, in a critical way, the factors of

the ‘production’ of ilegal land subdivision (loteamentos e vilas irregulares e clandetinos) that

spread in the City of Rio de Janeiro, especially from 1940 to 2000. This research emphasizes

on the analysis of the territorial expansion, economic and social aspects, property rights as

well as the development of the legal frame – federal and municipal- related to the division of

the land in order to search for explanations for de appearance and operation or this real estate

market and for the distinctive characteristics that those subdivision adopt according to their

localization in time and space. Another objective is to identify the appearance and operation

of this market, with a ‘major logic’ that conducts the distribution of the distinctive segments

of the society in the territory and that makes, with apparent ‘dysfunction’, of the norm and

the market, effectives instruments of a non-conventional ‘solution’ of the habitation crisis.

viii

Page 9: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 01

I. O PROBLEMA 01

I.1. A questão do parcelamento não-regular no Brasil 01

I.2. Parcelamentos não-regulares no município do Rio de Janeiro 03

I.3. O quadro atual 04

II. O CONTEXTO 05

II.1. A urbanização da industria e a ‘crise’ da cidade 05

II.2. Urbanização e crise habitacional 07

III. REFERÊNCIAS TEÓRICAS 08

III.1. As lógicas do mercado fundiário urbano 08

IV. REVISÃO DA LITERATURA 10

IV.1. Algumas concepções vigentes 12

IV.2. Ruptura com as concepções vigentes 13

V. ALGUMAS PROPOSIÇÕES 14

VI. METODOLOGIA 15

CAPÍTULO 1 EXPANSÃO URBANA E PARCELAMENTO DO SOLO: DA LEI DE TERRAS À REVOLUÇÃO DE 1930

18

1.1. Introdução 18

1.1.1. O Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX 18

1.2. Origens da Legislação do parcelamento do solo 19

1.2.1. Das posturas municipais 19

1.3. A legislação do parcelamento do solo no Rio de Janeiro 22

1.3.1. Capital do Império – Segundo Reinado (1831-1889) 22

1.3.1.1. A Lei de Terras 23

ix

Page 10: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

1.3.2. Distrito Federal – República Velha (1889-1930) 31

1.3.2.1. Decreto 3.549 de 1931 35

CAPÍTULO 2 DO ESTADO NOVO AOS ANOS 90

42

2.1. Introdução 42

2.2. Distrito Federal – sob as lógicas do capital industrial e do patrimonialismo

42

2.2.1. A Metrópole Industrial 42

2.2.2. O papel do Estado (Novo): a imposição da lógica patrimonialista aos pobres 45

2.2.3. A Legislação 46

2.2.3.1. O Decreto Municipal 6000/37 47

2.2.3.2. O Decreto-Lei Federal 58/37 50

2.3. Estado Da Guanabara (1960 a 1975) 59

2.3.1. O Esforço Regulador 60

2.3.1.1. O Decreto 3800/70 63

2.3.1.2. O Decreto-Lei Federal nº 271/67 64

2.4. Município (1975/2004) 67

2.4.1. Lei Federal 6766/79 68

2.4.1.1. A Lei como marco de transição 73

2.4.1.2. A Lei como bandeira de luta popular 74

2.4.1.3. A Lei como instrumento de incorporação à cidadania pela via da informalidade

77

2.4.1.4. A revisão de 1999 78

2.4.1.5. A Lei de “Responsabilidade Territorial” 79

CAPÍTULO 3 ANÁLISE DOS DADOS AGREGADOS DA AMOSTRA

81

3.1. Introdução 81

3.2. Características da amostra utilizada 81

x

Page 11: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

3.3. Distribuição dos parcelamentos, nº de lotes e áreas parceladas por década 81

3.4. Distribuição dos parcelamentos, nº de lotes e áreas parceladas por áreas de planejamento – APS

87

3.5. Distribuição dos parcelamentos entre irregulares e clandestinos 88

3.6. Classificação dos parcelamentos da amostra segundo as categorias definidas na Legislação Municipal

89

3.7. Breve caracterização dos parceladores 92

3.8. Análise dos dados da amostra por década 96

3.8.1. Anos 40 96

3.8.2. Anos 50 97

3.8.3. Anos 60 100

3.8.4. Anos 70 101

3.8.5. Anos 80 102

3.8.6. Anos 90 103

3.9. Algumas Considerações 105

CAPÍTULO 4 TERRITÓRIOS

112

4.1. Introdução 112

4.2. A expansão para as Zonas Suburbana, Oeste e Baixada de Jacarepaguá 113

4.2.1. Zona Suburbana 113

4.2.1.1. Pavuna e Anchieta 115

4.2.2. Zona Oeste 118

4.2.2.1. Realengo 118

4.2.2.2. Bangu 121

4.2.2.3. Campo Grande e Guaratiba 124

4.2.2.4. Santa Cruz 127

4.2.3. Baixada de Jacarepaguá 132

xi

Page 12: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

CONCLUSÕES 135

REFERÊNCIAS 140

ANEXO I – FONTES DE DADOS E INFORMAÇÕES 148

ANEXO II – TABELAS 160

ANEXO III – MAPAS 162

xii

Page 13: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Classificação dos lotes segundo testada e áreas mínimas (categorias) no Decreto 6000/37

49

Tabela 2 Número e porcentagem de parcelamentos, número de lotes e área parcelada da amostra lançados no mercado por década

82

Tabela 3 Quadro síntese das características dos parcelamentos da amostra agrupados por década

86

Tabela 4 Distribuição do número de parcelamentos e percentuais por Áreas de Planejamento por década

87

Tabela 5 Distribuição do número de lotes ofertados e percentuais por Áreas de Planejamento por década

88

Tabela 6 Testadas e áreas mínimas segundo as categorias do Decreto 3.800/70 90

Tabela 7 Distribuição dos parcelamentos da amostra segundo as categorias definidas pelos decretos 6.000/37 e 3.800/70

91

Tabela 8 Características dos parcelamentos da XXII RA – Anchieta 117

Tabela 9 Características dos parcelamentos da XXV RA – Pavuna 117

Tabela 10 Características dos parcelamentos da XXXIII RA – Realengo 120

Tabela 11 Características dos parcelamentos da XVII RA - Bangu 123

Tabela 12 Características dos parcelamentos da XVIII RA – Campo Grande 125

Tabela 13 Características dos parcelamentos da XXVI RA – Guaratiba 126

Tabela 14 Características dos parcelamentos da XIX RA – Santa Cruz 131

Tabela 15 Características dos parcelamentos da XVI RA – Jacarepaguá 134

xiii

Page 14: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Tabela 16 Distribuição dos loteamentos cadastrados no SABREN e no INRL por AP 158

Tabela 17 População residente, segundo as APs e RAs com maior incidência de parcelamentos não regulares de baixa-renda

160

Tabela 18 Taxa de urbanização por AP e RA por década 161

Tabela 19 Incremento populacional por AP e RA por década 161

xiv

Page 15: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Logradouros do Rio de Janeiro colonial 21

Figura 2 Logradouros, quadras e lotes no Rio de Janeiro colonial 21

Figura 3 O Rio de Janeiro do Segundo Império 27

Figura 4 Parcelamento do solo no bairro de Vila Isabel 29

Figura 5 Parcelamento do solo na Villa Formosa 30

Figura 6 Sistema viário e ferroviário no Rio de Janeiro e arredores em 1906 31

Figura 7 Parcelamento de gleba no bairro de Bonsucesso 34

Figura 8 Jardim Higienópolis – Plano Geral 36

Figura 9 Jardim Higienópolis – projeto de canalizações e águas pluviais 37

Figura 10 Estradas de ferro do Rio de Janeiro – município e região metropolitana 44

Figura 11 Exemplo de parcelamento aprovado segundo as regras do Decreto 6.000/37 48

Figura 12 Folheto de venda de lotes com referência ao Decreto-Lei 58/37 52

Figura 13 Planta Cadastral do Jardim Maravilha 55

Figura 14 Foto aérea panorâmica do Jardim Maravilha 55

Figura 15 Planta Cadastral do Vilar Carioca 60

Figura 16 Foto aérea do Vilar Carioca 61

xv

Page 16: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Figura 17 Imagens de loteamentos clandestinos implantados na década de 90 71

Figura 18 Assembléia dos bairros da Zona Oeste em 25/05/80 75

Figura 19 Manifestação de moradores de loteamentos na Câmara de Vereadores em 1985 75

Figura 20 Capa da cartilha criada em 1986 pela Prefeitura do Rio de Janeiro 76

Figura 21 Página interna do cartilha criada em 1986 pela Prefeitura do Rio de Janeiro 77

Figura 22 Matéria jornalística sobre loteamentos clandestinos no início da década de 90 95

Figura 23 Trajeto das linhas de bonde de Campo Grande e Guaratiba 99

Figura 24 Títulos de matérias jornalísticas relativas aos loteamentos irregulares e clandestinos no início da década de 90

104

Figura 25 Levantamento topográfico de um loteamento clandestino 106

Figura 26 Mapa do bairro de Realengo em 1899 119

Figura 27 Publicidade de venda de lotes pela Fábrica Bangu na década de 50 122

Figura 28 Projeto de parcelamento na RA de Guaratiba nos anos 20 125

Figura 29 Planta atual da Fazenda Nacional (antiga dos Jesuítas) 129

Figura 30 Limites originais das regiões de Jacarepaguá e Barra da Tijuca 132

xvi

Page 17: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Número de Parcelamentos por década

83

Gráfico 2 Número de lotes produzidos por década

84

Gráfico 3 Área parcelada por década ou m2

84

Gráfico 4 Lotes irregulares e clandestinos por década

89

Gráfico 5 Taxas anuais de inflação no período 1941 a 2001

109

Gráfico 6 Produção de lotes irregulares e habitação oficial

111

Gráfico 7 Distribuição de loteamentos da AP3 por RA

117

Gráfico 8 Loteamentos implantados por década – SABREN e INRL

159

xvii

Page 18: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Áreas de Planejamento e Regiões Administrativas 2004

163

Mapa 2 Loteamentos Irregulares ou Clandestinos 2004

164

Mapa 3 Parcelamentos por Década de Implantação – AP3 e AP1

165

Mapa 4 Parcelamentos por Décadas de Implantação – AP5.1

166

Mapa 5 Parcelamentos por Décadas de Implantação – AP5.2 e AP5.3

167

Mapa 6 Parcelamentos por Década de Implantação – AP4

168

xviii

Page 19: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

INTRODUÇÃO

I. O PROBLEMA

I.1. A questão do parcelamento não-regular do solo no Brasil

A Pesquisa de Informações Básicas Municipais, realizada pelo IBGE em 2001,

informa que, dos 5.560 municípios existentes no Brasil naquele ano, 24,3% afirmaram conter

no seu território áreas urbanas informais do tipo “loteamentos clandestinos”, 22,4% favelas e

8,9% cortiços.

O município de São Paulo é o local onde parcelamentos não-regulares1 ocorrem com

maior intensidade, habitando neste tipo de assentamento mais de dois milhões de paulistanos,

o que equivale a aproximadamente 20% da população. (BOLDARINE, 2003)

Em Porto Alegre, segundo levantamento recente realizado pela Secretaria de

Planejamento Municipal, foram identificadas 736 ‘áreas irregulares’, sendo 35,2%

parcelamentos não-regulares e 64,8% ‘ocupações espontâneas’. Na falta de informações

quanto ao número de habitantes que vivem nessas ‘áreas irregulares’ pode-se avaliar a

relevância do problema pelo empenho demonstrado pela Corregedoria Geral de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul, que, desde 1995, já editou três provimentos2, denominados

More Legal 1, 2 e 3, destinados a regulamentar e orientar os processos de regularização de

parcelamentos não-regulares existentes nos municípios riograndenses. Tal fato demonstra a

importância que o tema tem para as cidades daquele estado do sul do Brasil.

1 Para efeito deste trabalho, utilizaremos, sempre que possível, a denominação genérica de parcelamento não-regular para denominar a unidade elementar de nosso objeto de estudo, uma vez que esta denominação também abrange as categorias loteamentos, condomínios e vilas e desmembramentos, todas presentes na população e na amostra desta pesquisa. Em algumas ocasiões, utilizar-se-á a denominação loteamentos irregulares ou clandestinos, para se manter fiel à denominação utilizada nas fontes de informação. 2 Provimento de Corregedoria Geral de Justiça: ato regimental contendo determinações para juizes e servidores do juízo. (ACQUAVIVA, 2001)

Page 20: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Providência semelhante foi tomada por iniciativa da Corregedoria Geral de Justiça do

Estado de Santa Catarina que, em 1999, instituiu, através do Provimento 37/99, o Projeto Lar

Legal, com o objetivo de regularizar parcelamentos do solo urbano executados ilegalmente

nos municípios daquele estado.

No município do Rio de Janeiro, onde já há mais de vinte anos se desenvolve um

programa de regularização de parcelamentos3, estima-se que vivam nessas comunidades mais

de 600 mil habitantes, o que corresponde a aproximadamente 10% da população,

praticamente a metade da população residente em suas favelas.

Os dados anteriormente apresentados dão uma idéia da importância do tema para as

cidades brasileiras, não só para os grandes municípios com mais de 500.000 hab, onde os

parcelamentos não-regulares ocorrem em mais de 87%, bem como para as cidades médias e

pequenas.

Um grande percentual de moradores vivendo em parcelamentos não-regulares não é,

no entanto, um fenômeno característico apenas das cidades brasileiras, esta é a realidade de

muitas cidades da América Latina, do Leste Europeu, da África e da Ásia (PAYNE, 2001).

O parcelamento e venda ilegal de terras nas periferias, tem sido a forma mais freqüente

de expansão das grandes e médias cidades dos países do terceiro mundo. Neste processo, a

‘urbanização’ avança sobre áreas do entorno das cidades anteriormente destinadas ao uso

agrícola ou pastoril ou ainda sobre áreas virgens não exploradas. Este processo se diferencia,

de certo modo, do de favelização, que tem como característica mais freqüente a ocupação de

áreas, geralmente intra-urbanas, consideradas impróprias para a ocupação ou que não são de

interesse do mercado imobiliário e fundiário (aí incluídas as suas vertentes formal e informal).

2

3 Em abril de 1984 foi formalmente criado, na Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, o Núcleo de Regularização que reunia representantes do estado, do município e dos adquirentes de lotes em parcelamentos não-regulares do município do Rio de Janeiro.

Page 21: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

I.2. Parcelamentos não-regulares no município do Rio de Janeiro

As transformações ocorridas na economia brasileira ao longo do séc. XIX,

transformaram a cidade do Rio de Janeiro no centro urbano de maior importância econômica

do Império, especialmente a partir do desenvolvimento da cultura do café no vale do Rio

Paraíba. A concentração de capitais na cidade, em função do seu papel estratégico como

principal porto de escoamento e base para a realização dos negócios do café, dão ensejo a um

processo de transformação e crescimento urbano sem precedentes na história das cidades

brasileiras até então.

A cidade, que por quase três séculos havia contido o seu desenvolvimento urbano no

quadrilátero compreendido pelo entorno dos morros do Castelo, Santo Antônio, Conceição e

São Bento, viu seus limites se estenderem pelas praias do litoral sul da baía de Guanabara e ao

norte rumo ao interior do município. (ver figura 1 do Cap. 1, p. 21)

Esta expansão se deu através do ‘consumo’ de áreas anteriormente utilizadas para o

abastecimento da cidade, promovendo o parcelamento das chácaras e fazendas e a venda de

lotes para edificações.

Embora nessa época já existissem regras para a abertura de logradouros e a Câmara

(governo municipal) já contasse com profissionais ‘arruadores’ para a definição e implantação

dos traçados, muitos dos novos logradouros foram implantados e os lotes comercializados

sem que as posturas municipais fossem obedecidas, sendo esta uma prática recorrente que

marcou o processo de expansão e consolidação da malha urbana da cidade, especialmente nos

bairros populares.

A questão da abertura de novos logradouros e do comércio irregular de lotes ganhou

contornos mais expressivos a partir da segunda década do século XX. Nessa época, a cidade

iniciou um novo processo de desenvolvimento, motivado pela busca da sua adaptação aos

novos tempos do desenvolvimento capitalista-industrial e passou a exigir novos equipamentos

e serviços públicos que deveriam ser incorporados ao seu processo de urbanização e

expansão. Até aquele período, o poder público suportava os custos da urbanização nos bairros

nobres da cidade e ‘fechava os olhos’ à situação precária da urbanização dos bairros dos

subúrbios. A ocupação destes pelas indústrias, e pelas moradias de seus operários, passou

3

Page 22: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

também a colocar em pauta a necessidade de ali também se implantar ‘os meios de consumo

coletivos’ necessários para a reprodução do capital de sua força de trabalho.

Incapacitado de assumir nestas áreas o papel de provedor das infra-estruturas, o

município buscou transferir para os parceladores a responsabilidade pela provisão destes bens

de uso coletivo, através da edição de legislações mais exigentes e explícitas neste sentido.

Este processo de imposição de novas regras, como se verá, não foi pacífico, sendo objeto de

disputas entre o poder público municipal e as empresas loteadoras. Somente a partir da

emergência do Estado Novo, é que a legislação de parcelamento do solo deixou clara a

divisão de responsabilidades entre o poder público e a iniciativa privada com relação à

produção de novos logradouros e comercialização de lotes. Portanto, foi a partir da definição

de regras explícitas nas legislações municipal e federal, editadas em 1937, que se pôde definir,

enfim, os limites entre a produção regular e a produção irregular de logradouros e lotes no

município.

I.3.O quadro atual

A cidade do Rio de Janeiro chegou ao século XXI com uma população

predominantemente urbana composta por 5.857.904 habitantes. Estima-se que cerca de 27%

deste total vivendo em assentamentos informais de baixa renda, aí incluídas as favelas e os

parcelamentos não-regulares, cabendo a estes últimos abrigar algo em torno de 10% da

população residente no município.

Os parcelamentos acima citados estão assim distribuídos no território do município4:

cerca de 85% estão concentrados nos bairros que compõem a zona oeste (AP5); 8% na zona

4 As divisões territoriais utilizadas nesta pesquisa se baseia naquelas utilizadas pelo município do Rio de Janeiro e que estão definidas no Anuário Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro. Oficialmente o município é dividido em 5 grandes regiões denominadas Áreas de Planejamento (AP1, AP2, AP3, AP4 e AP5) compostas respectivamente pelas seguintes Regiões Administrativas: AP1 = Portuária, Centro, Rio Comprido, São Cristóvão, Paquetá e Santa Teresa; AP2 = Botafogo, Copacabana, Lagoa, Tijuca, Vila Isabel e Rocinha; AP3 = Ramos, Penha, Inhaúma, Méier, Irajá, Madureira, Ilha do Governador, Anchieta, Pavuna, Jacarezinho, Complexo do Alemão e Maré; AP4 = Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Cidade de Deus;

4AP5 = Realengo, Bangu, Campo Grande, Santa Cruz, Guaratiba.

Page 23: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

suburbana (AP3) e 7% na baixada de Jacarepaguá (AP4). Caracterizam-se, portanto, como um

fenômeno típico dos bairros da periferia em fase de expansão ou consolidação. (ver mapa 1, p.

163).

II. O CONTEXTO

II.1. A urbanização da indústria e a ‘crise’ das cidades

Ao promover a separação do trabalhador dos seus meios de produção, reduzindo-o à

condição de proprietário unicamente da sua força de trabalho, o capital industrial deveria,

idealmente, assumir a responsabilidade pela satisfação de todas as necessidades relativas à

reprodução do trabalhador e de sua família.

Não foi esse, no entanto, o caminho seguido pelo capitalismo na sua trajetória de

acumulação e fortalecimento. Nos primórdios do processo de industrialização, em função de

condicionantes locacionais vinculadas ao estágio de desenvolvimento tecnológico, o capital

ainda era obrigado a internalizar os custos relativos à produção autônoma de elementos não

rentáveis necessários à produção e à circulação das mercadorias (captação e distribuição de

água, esgotamento de efluentes industriais e sanitários, estradas e pontes, oficinas de reparos,

serviços de apoio à atividade industrial, etc) e à reprodução da força de trabalho (construção

de habitações e alojamentos, armazéns de víveres, escolas, equipamentos de saúde, assistência

religiosa, etc).

O advento da máquina a vapor, e posteriormente da energia elétrica, deu aos

industriais maior liberdade de localização, que antes era limitada pela necessidade da

proximidade de fontes naturais de energia (quedas d’água) e de matérias primas. As novas

tecnologias permitiram a localização das indústrias em áreas urbanas centrais ou próximas aos

centros urbanos. Esta maior liberdade de localização, e a conseqüente concentração espacial

Fonte: Anuário Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro

5

Page 24: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

de plantas industriais possibilitou, que, gradativamente, parte dos custos acima referidos,

(anteriormente internalizados), fossem transferidos à cidade num processo contínuo e

crescente de ‘socialização do processo de acumulação capitalista’ que Francisco de Oliveira

denominou de ‘financiamento público da economia capitalista’ (OLIVEIRA, 1988, p. 19).

Esse processo ocorreu, e ainda ocorre, basicamente, através do ‘financiamento da

acumulação do capital’ que se expressa no custeio, pelo Estado (fundo público), dos

‘elementos não rentáveis’ necessários ao que Topalov vai denominar de ‘valor de uso

complexo urbano’, composto, por um lado, pela ‘infra-estruturas produtivas’ (sistema de vias

urbanas, transportes coletivos, abastecimento d’água, energia, esgotos, drenagem, contenções,

etc) e, por outro, pelos ‘equipamentos de consumo coletivos’ (ensino, saúde, formação

profissional, habitação, cultura, lazer, etc) (TOPALOV, 1978, p. 27).

Este é o padrão de financiamento que Francisco de Oliveira identifica nos países que

adotaram o modelo de ‘estado de bem estar social’ (Welfare State)5 com a pretensão de atingir

o conjunto da população por meio de gastos sociais (OLIVEIRA, 1998, p. 19, 20).

No Brasil, a instituição do ‘estado de bem estar social’6 teve abrangência parcial

(fragmentado) e limitada (seletiva), não atendendo globalmente ao conjunto da sociedade

(DRAIBE, 1988). Aqui, o que se observou foi um desequilíbrio entre as vertentes de

financiamento acima discriminadas, tendendo o ‘fundo público’ a favorecer o custeio da

‘acumulação do capital’ em detrimento da ‘reprodução da força de trabalho’. Nesse contexto,

um dos itens da ‘cesta de reprodução da força de trabalho’ que receberam menor atenção foi o

da habitação popular7, o que resultou na necessidade de se criar, com já visto, ‘alternativas’

5 Por Welfare State, entende-se, no âmbito do Estado capitalista, uma particular forma de regulação social eu se expressa pela transformação das relações entre o Estado e a Economia, entre o Estado e a Sociedade, a um dado momento do desenvolvimento econômico. Tais transformações se manifestam na emergência de sistemas nacionais, públicos ou estatalmente regulados de educação, saúde, integração e substituição de renda, assistência social e habitação que, a par das políticas de salário, emprego, regulam direta ou indiretamente o volume, as taxas e os comportamentos do emprego e salário da economia, afetando portanto, o nível de vida da população trabalhadora (DRAIBE, 1988, p. 18). 6 Ao pensar a periodização e constituição de Welfare State no Brasil, somente pode-se ter como ponto de partida a década de 30. Considerando o conjunto de transformações do Estado brasileiro e as formas de regulação social que aí têm início. Entre os anos 30 e 70 construiu-se e consolidou-se institucionalmente no Brasil. Periodização do Estado de Bem Estar Brasileiro: 1930/1943 – introdução: legislação previdenciária e trabalhista; 1943/1964 - expansão fragmentada e seletiva; 1964/1985 – consolidação institucional e reestruturação conservadora (educação, saúde, habitação, etc); 1985/1988 – reestruturação progressista (DRAIBE, 1988, p. 20, 21).

6

7 Embora no período 1964/1983 tenham sido desenvolvidas políticas e investimentos em habitação através do BNH e do SFH, estes ficaram submetidos a critérios econômicos e financeiros de rentabilidade privada para a

Page 25: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

para o suprimento de terra e habitação para os trabalhadores imigrantes que afluíam para as

cidades, entre estas, a oferta de lotes sem urbanização e situação fundiária precária nas

periferias urbanas.

II.2. Urbanização e crise habitacional

Na ausência ou insuficiência dos investimentos públicos e de condições para o

desenvolvimento de um mercado habitacional formal que desse conta da demanda, o que se

viu foi o surgimento de ‘soluções habitacionais’ para as camadas populares que se baseavam

na super ocupação dos imóveis existentes deteriorados (cortiços, casas de cômodos, cabeça de

porco), e na auto-construção nas favelas e nos parcelamentos irregulares e clandestinos da

periferia. Essas ‘soluções’ como bem observa Smolka, contribuíram para a intensificação do

processo de acumulação capitalista, muito embora a custo do sacrifício da qualidade de vida

dos seus ‘beneficiários’.

[...] através destas soluções parcela considerável do custo de reprodução da força de trabalho, na forma de trabalho dispendido na autoconstrução e mesmo na extensificação do período de aproveitamento de imóveis existentes (econômica e moralmente já depreciados) não são transferidos para os salários. Trata-se assim de mecanismos através do qual a força de trabalho é super explorada, [...](SMOLKA, 1983, p. 87).

A formação de um contingente de trabalhadores nas cidades, que não se conformam

como uma ‘demanda solvável’ para o mercado imobiliário formal, vai estimular o

desenvolvimento de um determinado ‘sub-mercado imobiliário’ informal que visará a atender

a demanda por terra para a produção de unidades habitacionais para setores da força de

trabalho de baixa renda, através da oferta, no mercado, de lotes resultantes do parcelamento

do solo sem o atendimento total ou parcial da legislação urbana. Este mercado, embora

alocação de recursos. Exemplo disso foram as prioridades do BNH que privilegiou a habitação para a classe média em detrimento da habitação popular (DRAIBE, 1988, p. 25)

7

Page 26: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

informal, estará também submetido a um conjunto de regras e princípios que, segundo

Abramo, compõem a ‘lógica moderna de coordenação social das ações sociais e econômicas’

que marca a estrutura sócio-espacial das cidades brasileiras (ABRAMO, 2003, p. 1, 2).

III. REFERÊNCIAS TEÓRICAS

III.1. As lógicas mediadoras do mercado fundiário urbano

Para explicar a formação da estrutura das grandes cidades brasileiras, Pedro Abramo

identifica “duas grandes lógicas do mundo moderno de coordenação das ações individuais e

coletivas que se consolidaram a partir da construção dos Estados Nacionais”. A primeira

atribui ao Estado o papel de coordenador social das relações entre o indivíduos e os grupos

sociais, funcionando como mediador social definidor da forma e da magnitude do acesso à

riqueza da sociedade. A segunda, atribui ao mercado, pelas relações de trocas, a mediação do

acesso à riqueza social.

Tratando especificamente do acesso ao solo urbano, Abramo define que a partir da

lógica de Estado, exige-se dos indivíduos ou grupos sociais algum acúmulo de capital, que

pode ser político, institucional, simbólico ou de outra natureza; este capital o habilita a

participar do jogo de distribuição das riquezas sociais. A lógica de mercado, por outro lado,

somente admite a possibilidade de se ter acesso à terra urbana através do acúmulo de capital

monetário.

Para esse autor, a lógica de mercado pode adquirir duas diferentes formas

institucionais. Uma, denominada de ‘mercado formal’, é condicionada pelos marcos

normativos do Estado que estabelecem o campo das relações econômicas legais. E outra

denominada ‘mercado informal’ caracterizado pelas relações que se estabelecem à margem do

sistema legal.

8

Assim, a lógica de mercado de coordenação social de acesso à terra urbana se manifesta através de relações legais ou ilegais. No primeiro caso, a

Page 27: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

coordenação é exercida pelo mercado formal, enquanto no segundo caso o processo de acesso ao solo urbano é mediado por um mercado informal (ABRAMO, 2003, p. 2).

Existe ainda uma terceira lógica de acesso à terra urbana que Abramo denomina de

“lógica da necessidade”, que seria “simultaneamente a motivação e a instrumentalização

social que permite a coordenação das ações individuais ou coletivas de dos processos de

ocupação do solo urbano”. Esta lógica não exigiria o acúmulo de nenhum dos ‘capitais’

identificados para as lógicas de Estado e mercado, em princípio, apenas a absoluta

necessidade de dispor de um local de moradia seria o elemento acionador dessa lógica de

acesso à terra urbana8.

Ver-se-á ao longo deste estudo, que embora este tipo de ‘sub-mercado’ esteja

submetido primordialmente à ‘lógica de mercado’, na sua forma institucional de mercado

informal, estará submetida simultaneamente também às determinações das lógicas de Estado

e de necessidade.

Identifica-se a subordinação à lógica de Estado, no momento em que se constata serem

os parcelamentos não-regulares resultado, também, da atuação do Estado, quando este define

normas urbanísticas e distribui recursos e investimentos públicos no território (definição de

forma de acesso à riqueza social) que servem de instrumento para a criação ou o

aprofundamento da segregação sócio-espacial, segregação esta que atua em benefício da

reprodução maximizada do capital imobiliário.

Identifica-se a subordinação à lógica da necessidade quando se constata que apenas

por estarem em situação de necessidade e ausência de alternativas, se submetem os

adquirentes de lotes em parcelamento não-regulares às precárias condições de infra-estrutura,

acesso e serviços que estes oferecem.

Para entender o fenômeno da ‘produção’ de parcelamento não-regulares é necessário

ter em conta, que o mercado imobiliário informal (no qual esta ‘produção’ está inserida),

embora esteja estabelecido à margem do sistema legal, está, em termos econômicos, integrado

8 Analisando o quadro mais recente dos processos de acesso ao solo urbano nas grandes cidades brasileiras, pode-se concluir que as lógicas de mercado e de necessidade se articulam para viabilizar este acesso. Já não são freqüentes nas grandes cidades, os processos de ocupação onde não se exigem dos ocupantes algum aporte, prévio ou posterior, de capital monetário ou político.

9

Page 28: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

ao circuito de valorização e acumulação do capital, ao ‘oferecer’ solo, a preços acessíveis,

para a produção habitacional auto-construída por setores de baixa renda da força de trabalho.

A possibilidade da existência desta oferta desobriga o capital de incluir no valor dos salários

pagos aos trabalhadores o montante necessário para suprir as despesas com habitação (um dos

componentes mais importantes da cesta básica de reprodução da força de trabalho) ao custo

em que esta é oferecida no mercado imobiliário formal. Por outro lado, desonera também,

pelo menos no curto prazo, o Estado, que só posteriormente será cobrado a suprir a demanda

por infra-estrutura e serviços nesses locais de moradia.

IV. REVISÃO DA LITERATURA

O interesse pelo tema parcelamento ilegal do solo urbano é antigo em cidades como

São Paulo e Rio de Janeiro, nesta última, referências ao tema já faziam parte de relatórios

oficiais da municipalidade desde a segunda metade do século XIX. No Plano Agache,

elaborado na segunda metade dos anos 20, também há referência ao tema, sendo inclusive

objeto de proposta de legislação específica. Ao longo do século XX, o assunto foi objeto de

estudos e reflexões por parte de juristas (RESENDE, 1964; ROMITA, 1968; CASEIRO,

1979; WALCACER, 1981; FREITAS, 2000) e funcionários públicos municipais (GODOY,

1932; MOLLICA, 1959).

Segundo Licia do Prado Valladares, a produção acadêmica sobre tema “periferia:

loteamento e autoconstrução”, no entanto, teve início somente nos anos 70 em São Paulo,

sendo citados como relevantes os trabalhos dos arquitetos Ermínia Maricato (1976); Maria

Ruth Sampaio e Carlos A. C. Lemos (1978); Nabil Bonduki e Raquel Rolnik (1979). No Rio

de Janeiro são registrados, numa primeira fase, os trabalhos de Marta Bebiano Costa (1979);

Verônica Robalinho Cavalcanti (1980); Filippina Chinelli (1980); Maria Helena Beozzo

Lima, 1980; Carlos Nelson F. dos Santos (1980) e Edith Maria Gama Beloch (1980). A partir

da segunda metade da década de 80, os estudo no Rio de Janeiro são retomados tendo como

10

Page 29: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

referência o Núcleo de Regularização de Loteamentos9. Neste período, destacam-se os

trabalhos de Luis Antônio Machado, Ademir Figueiredo e Grazia de Grazia Veras (1986);

Miguel L. Baldez (1986); Márcia Coutinho (1986); Luciana Correa do Lago e Eduardo

Guimarães Carvalho (1987 e 1990); Rosangela Sebastiana da Silva (1988). No final da década

de 90, novos pesquisadores cariocas vão se interessar pelo tema, destacando-se os trabalhos

de Antônio de Pádua Fernandes Bueno (1996), Carlos Fernando de Souza Andrade, 1998 e

Sandra Siaines de Castro (2000).

Nos estudos realizados na primeira fase (anos 70) é praticamente imediata a

associação loteamento-autoconstrução-periferização. A maioria dos trabalhos produzidos com

referência ao parcelamento e uso do solo se centrou na análise dos “agentes” (proprietário

fundiário; loteador; corretor; poder local; e morador) e suas estratégias. A produção

intelectual desse período foi fortemente influenciada pela obra de Francisco de Oliveira

(1972), cuja tese acerca da integração dos setores atrasados no processo de acumulação do

capital no Brasil considerou a moradia auto-construída como “um dos principais itens da

reprodução e da dilapidação da força de trabalho” (VALLADARES, 1982).

Os trabalhos produzidos no Rio de Janeiro nos anos 80 tiveram como marco

referencial a criação do Núcleo de Regularização de Loteamentos. Machado, Figueiredo,

Veras, Baldez, e Lago dissertaram sobre a trajetória do movimento popular, organizado em

torno da luta pelo direito de moradia e pela urbanização e regularização dos loteamentos, que

se constituiu na zona oeste da cidade em função dos conflitos fundiários ocorridos naquela

região no final da década de 70; seu processo de tomada de consciência política e a conquista,

por esse movimento, de um espaço institucional para o encaminhamento das demandas

relativas à urbanização e regularização dos loteamentos – o Núcleo de Regularização.

Coutinho e Silva discorreram sobre as primeiras experiências e resultados das ações

governamentais desenvolvidas em função dos trabalhos dos órgãos integrantes daquele

Núcleo.

Os estudos mais recentes, produzidos no final dos anos 90, tiveram como foco a

análise da legislação urbana e sua adequação ao processo real de demanda e oferta por solo

urbano destinada à produção habitacional para a população de baixa renda. Bueno trabalha a

11

9 O Núcleo de Regularização de Loteamentos foi criado na Procuradoria Geral do Estado, em 1984, com o objetivo de coordenar as ações de regularização urbanística e fundiária de loteamentos irregulares e clandestinos. Em 1987 foi transferido para a Prefeitura de Cidade do Rio de Janeiro, onde funciona até hoje.

Page 30: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

hipótese de ser a irregularidade também resultado da aplicação da norma. Segundo este autor,

este efeito seria o resultado de uma certa ‘efetividade paradoxal’ da norma. Castro e Andrade

discutiram, sob distintos pontos de vista, a hipótese de “flexibilização” da legislação como

elemento de “estímulo” à produção formal de lotes urbanizados e Jesus (2003), o processo de

agravamento da ilegalidade e precariedade que apresentam os parcelamentos mais recentes

classificados como clandestinos.

IV.1. Algumas concepções vigentes

Pôde-se identificar na literatura consultada, algumas hipóteses para explicar o

surgimento, desenvolvimento e variações de intensidade verificados no mercado informal de

lotes urbanos na cidade do Rio de Janeiro.

As primeiras manifestações a este respeito, datadas ainda do século XIX, denunciavam

a ‘incapacidade’ do poder público local de exercer um efetivo controle sobre o crescimento da

cidade, sendo constatado que “a única lei que presidia a direção dos alinhamentos”, eram “o

capricho e a conveniência dos proprietários dos terrenos em que se [abriam] as ruas” (ver

citação à pág 30, do capítulo 1) Este comportamento, no entanto, não era atitude contraditória

com a pratica do urbanismo português. Segundo Luis Silveira, citado por Paulo Santos

(SANTOS, 2001), “a relutância do urbanismo ultramarino português em adotar estes sistemas

geométricos regulares, não [parecia] [...] simples arcaísmos, mas o resultado de longa e

metódica experiência de criação natural de cidades [...]”. Dessa forma, verifica-se que nos

fins do século XIX, ocorria a expansão da cidade sem controle rígido das autoridades, ainda,

portanto, à maneira do urbanismo colonial.

Na virada do século, a cidade começou a experimentar uma profunda transformação

no seu cenário urbano, que foi fruto do projeto ‘modernizador’ definido pelas elites que

buscavam integrar a cidade ao contexto capitalista internacional. Diversas iniciativas foram

levadas a termos para dotar a cidade de planos urbanísticos, e legislação urbana, adequados a

estes novos tempos. Até que se consolidasse efetivamente um corpo de normas articulado

para o tratamento das questões urbanas decorreram, no entanto, mais de 30 anos (da gestão de

Pereira Passos à edição dos decretos 6000 e 58 de 1937).

12

Page 31: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Para este período, os autores identificam dois ‘modelos’ do projeto modernizador, um

submetido aos planos e normas urbanas que vigoram nas áreas de interesse do capital

imobiliário e/ou industrial (via de regra fortemente subsidiado com recursos de origem

pública), e outro nas demais áreas, destinadas às camadas mais pobres da população, onde os

bairros eram ‘produzidos’ ao sabor dos ‘caprichos e conveniências’ bem ao gosto do

urbanismo colonial. A omissão do Estado no controle deste tipo de produção nada tem a ver

com ‘incapacidade’ ou ‘ineficiência’ já que este mesmo Estado exercia um efetivo controle

nas áreas nobres da cidade.

À produção de parcelamentos não-regulares, realizada ao longo da década de 40 a 70,

sobre a égide das legislações produzidas pelo Estado Novo, será atribuída a ‘ineficácia’ das

leis, ‘ineficiência’ dos órgãos de fiscalização e ‘falta de ‘escrúpulos’ dos parceladores. Um

argumento, no entanto, parece tocar numa questão fundamental, que é o fato de se admitir a

comercialização e registro da venda dos lotes preliminarmente à execução das obras. Isso vai

gerar grande incidência de parcelamentos regulares, sob o ponto de vista fundiário, porém

irregulares sob o ponto de vista urbanístico.

A edição da Lei 6766 em 1979 será, no entanto, para a maioria dos autores

pesquisados, o grande evento que, para o bem e para o mal, marcará o funcionamento do

mercado de lotes, formal ou informal, daí em diante.

Sobre a influência desta lei no funcionamento do mercado informal, há praticamente

unanimidade quanto ao fato de que esta teria causado um efeito devastador sobre a produção

irregular característica do período anterior, ao criar exigências urbanísticas consideradas por

muitos como ‘elitistas’ inviabilizando a produção e venda a prazo de lotes populares. Alguns

autores argumentam ter sido este um fator de incentivo à produção de parcelamentos

clandestinos e ao crescimento do número de favelas (ver Cap.2, item 2.4.1, p. 69).

IV.2. Ruptura com as concepções vigentes

Ao se colocar como objetivo do presente trabalho, a identificação e análise dos fatores

que contribuíram, ou ainda contribuem, para a produção e oferta de lotes não-regulares no

município do Rio de Janeiro, pretende-se abordar os aspectos econômicos, legais e sociais que

13

Page 32: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

condicionam esta produção aos marcos da estruturação urbana capitalista. Por este motivo, as

análises efetuadas têm por base os suportes teóricos fornecidos pelos trabalhos de Francisco

de Oliveira (1972 e 1998); Chistian Topalov (1978); Pedro Abramo (2003); Martim Smolka

(1982) e Clauss Offe (1984), autores que abordam a cidade não como uma realidade dada,

mas como resultado do processo de urbanização capitalista (TOPALOV, 1978, p. 18). No

campo jurídico, a pesquisa alinha-se à visão de Antônio de Pádua Fernandes Bueno (1996),

que afirma:

As normas jurídicas, ao disciplinarem o regime jurídico do parcelamento do solo, podem propiciar o surgimento de ocupações irregulares; nesse caso, tornam-se um “instrumento de desordem calculada” (HOLSTON, 1993), onde a desordem corresponde ao não atendimento das necessidades vinculadas à moradia e o cálculo, a uma estratégia de dominação.

Neste sentido, refutam-se os argumentos que atribuem, de forma simplista, os fatores

condicionantes dessa produção informal a atuação de “loteadores inescrupulosos”

(MOLLICA, 1959. p. 73) ou a “impotência” ou “ineficiência da máquina administrativa”

(CASTRO, 2000) ou ainda a “incapacidade” do poder público no exercício do seu poder

fiscalizador (ANDRADE,1998). Se refutará também as argumentações que identificam na

explicitação de regras de urbanismo na legislação federal (MARICATO, 1987) ou o

incremento da taxa de inflação (LAGO, 1990), como os fatores determinantes da deterioração

do padrão dos parcelamentos oferecidos no mercado clandestino.

V. ALGUMAS PROPOSIÇÕES

Assim posto, pode-se afirmar que este trabalho pretenderá demonstrar que:

i) a produção e distribuição, no território do Município, dos parcelamentos do solo

não-regulares é fortemente condicionada pelo quadro normativo produzido pelo Estado, pelas

suas decisões de investimento e pelas peculiaridades do desenvolvimento econômico e

fundiário dos bairros onde ocorrem;

ii) as mudanças nos padrões de produção e comercialização verificadas nos

parcelamentos produzidos a partir da década de 40 e posteriormente a partir da década de 80, 14

Page 33: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

estão vinculadas basicamente às mudanças efetivadas na legislação, que articularam aspectos

do direito privado (civil) e do direito público (urbanístico) e da introdução de elementos de

sanção penal;

iii) que se verifica a tendência à consolidação de uma estratégia de ‘inclusão’ dos

pobres urbanos, através da incorporação gradativa à cidade, pela urbanização e regularização

dos assentamentos precários (favelas, loteamentos irregulares e clandestinos), implantados ao

longo dos anos sob a “complacência” dos órgãos públicos.

VI. METODOLOGIA

Esta contribuição ao debate estabelecido em torno de um aspecto do processo de

estruturação sócio-espacial da cidade do Rio de Janeiro dar-se-á através da análise de

determinadas características dos parcelamentos não-regulares ‘produzidos’ no município, no

período compreendido entre as décadas de 40 e 90.

Pretende-se, com este trabalho, estabelecer um quadro geral da evolução dos

parcelamentos não-regulares no território municipal, no tempo e no espaço, identificando-se,

em linhas gerais, as suas distintas características em cada época e em cada região da cidade,

determinando a importância deste processo de produção para a estruturação urbana das

regiões onde o fenômeno ocorre com maior freqüência, enquanto processo de geração de

espaços de segregação social.

A avaliação crítica desse “processo evolutivo” será marcado pela verificação dos

contextos sociais e econômicos em que o mesmo se desenvolve e se condiciona em cada

período. Será dado destaque ao papel desempenhado pelo Estado, especialmente nos aspectos

relacionados às decisões normativas e de investimentos que beneficiaram determinadas áreas

da cidade, favorecendo processos de acumulação pela valorização fundiária, em detrimento de

outras, onde este processo se desenvolve, em princípio, à margem da lei e do controle do

Poder Público.

Os dois primeiros capítulos buscam situar historicamente as normas e procedimentos

utilizados, do Segundo Império até a atualidade, para o controle do parcelamento e uso do

15

Page 34: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

solo no município. O fio condutor destes capítulos será a análise da produção normativa

relativa ao parcelamento do solo, buscando-se identificar sua relação com os processos

concretos de crescimento e desenvolvimento urbano e a sua relação com processos de ruptura

que marcam as transformações nas relações econômicas, sociais e políticas por que passa o

Brasil e a Cidade do Rio de Janeiro ao longo do período analisado.

Busca-se, com esta pesquisa, avaliar em que medida a legislação foi também um

elemento indutor da produção informal, além de conferir o seu papel como elemento definidor

da localização das classes sociais no território ao determinar algumas regiões da cidade como

local de moradia das classes populares.

No primeiro capítulo, pretende-se analisar o período em que ocorrem as

transformações na estrutura econômica e social do país, sobretudo da cidade do Rio de

Janeiro, que vão lançar as bases da futura estrutura urbana, fundiária e de distribuição no

território municipal das distintas classes sociais. Para efeito de análise, o período examinado

foi dividido em duas fases, a primeira relativa à parte do Segundo Reinado, que vai do final da

primeira metade do séc. XIX até a Proclamação da República, e a segunda, do início do

período republicano até meados da década de 30.

No segundo capítulo, dá-se continuidade à análise da produção normativa e de sua

articulação com o processo de expansão da cidade real, via incorporação de novas áreas à

malha urbana, pelo processo de parcelamento do solo, com destaque para os parcelamentos

não-regulares. Aqui se pôde identificar três grandes fases: a primeira relativa ao período

Vargas, com início nos anos 30, especialmente a partir da implantação do Estado Novo, a

segunda abrangendo o período de vigência do estado da Guanabara e a terceira iniciando-se

após a fusão, com a instituição do município do Rio de Janeiro.

O terceiro capítulo tem como objetivo a análise quantitativa e qualitativa da produção

não-regular de parcelamentos do solo no município do Rio de Janeiro. Esta análise é baseada

num rol de informações relativas a um determinado número de parcelamentos não-regulares,

ocupados por população de baixa-renda, localizados em diversos bairros e implantados no

período compreendido entre as décadas de 40 a 90. Este conjunto de dados permitirá uma

visão de como estes parcelamentos se distribuíram no tempo e no espaço, fornecendo

informações relevantes sobre as características que assumiram sob as diferentes condições,

proporcionadas pelas épocas e localidades em que foram implantados.

16

Page 35: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

No último capítulo, busca-se uma revisão dos processos históricos de ocupação das

regiões onde se localizam majoritariamente os parcelamentos irregulares ou clandestinos da

amostra utilizada.

Através da análise dos elementos constitutivos destes quatro capítulos, busca-se

compreender os fatores ou conjunto de fatores que determinaram as condições de ‘produção’

bem como as características e a localização destes parcelamentos não-regulares no território

municipal.

17

Page 36: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

CAPÍTULO 1

EXPANSÃO URBANA E PARCELAMENTO DO SOLO: DA LEI DE TERRAS À REVOLUÇÃO DE 1930 1.1. Introdução

Neste primeiro capítulo pretende-se, analisar o período em que ocorrem as

transformações na estrutura econômica e social do país, sobretudo da cidade do Rio de

Janeiro, que vão lançar as bases da futura estrutura urbana, fundiária e de distribuição no

território dos distintos estratos sociais.

O fio condutor deste capítulo será a análise da produção normativa relativa ao

parcelamento do solo no município, buscando-se identificar sua relação com os processos

concretos de crescimento e desenvolvimento urbano da cidade.

Pra efeito de análise, o período foi dividido em duas fases, a primeira relativa a parte

do Segundo Reinado, que vai do final da primeira metade do séc. XIX até a Proclamação da

República, e a segunda daquela até meados da década de 30.

1.1.1. O Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX

A cidade do Rio de Janeiro foi a maior beneficiária do que Caio Prado Junior

denominou como “a verdadeira revolução” que se operou na distribuição das atividades

econômicas do Brasil no séc. XIX. Tal revolução se deu a partir do deslocamento do

protagonismo econômico das antigas áreas agrícolas do nordeste para o centro sul (Rio de

Janeiro e Minas) e da decadência das culturas tradicionais e a ascensão do Café, que acabará

por se tornar, o principal produto de exportação brasileiro (PRADO JR., 1969, p. 155).

Com o início do ciclo cafeeiro no Vale do Paraíba, em 1840, o porto e a estrutura

urbana da cidade do Rio de Janeiro tornaram-se as bases de intermediação e realização de

negócios fundados no comércio do café, o que facilitou acumulação de riqueza na região.

18

Page 37: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Para se ter uma idéia do valor deste comércio, vale observar que o porto do Rio de

Janeiro nessa época concentrava quase a metade do valor total das exportações. Há

informação de que o café, sozinho, foi o responsável por 94% deste valor no período 1875-

1876. Isto estimulou o governo imperial a investir em melhoramentos no porto da cidade

(BENCHIMOL, 1990, p. 50, 51).

Com base nessa acumulação e na concentração dos interesses econômicos dos barões

do café na cidade do Rio de Janeiro, ocorreu um intenso processo de desenvolvimento urbano

e crescimento populacional. Os residentes na cidade, que em 1838 eram de 137.078 hab.,

passaram para 235. 291 em 1870. Um novo incremento se verificou entre 1972 e 1890,

passando a população de 274.972 para 522.651 hab (ABREU, 1987, p. 39, 54). Para se ter

uma idéia do crescimento populacional e a conseqüente expansão urbana neste segundo

período, vale lembrar que o número de logradouros da cidade saltou de 503 para 1.981 em 20

anos (LOBO, 1989, p. 156).

1.2. Origens da legislação do parcelamento do solo

Para se compreender os processos da informalidade no parcelamento e

comercialização do solo no município, é necessário que se conheça um pouco sobre a

evolução das normas legais que definiram, em cada período, as condições para esse

parcelamento.

1.2.1. Das posturas municipais

No período colonial os municípios eram autônomos, não havia código de obras para as

edificações nem leis de zoneamento. Regiam para os municípios as Posturas Municipais, que

se diversificavam de acordo com os assuntos ou atividades. Assim, havia posturas para venda

de carne, para o comércio de mercadorias, etc, etc... (FLEUSS, 1923, p. 36 apud REIS, 1986,

p. 25).

As Câmaras exerciam o controle sobre o desenvolvimento espacial das vilas pela

edição de posturas e também utilizavam o serviço de profissionais especializados na partição

das terras e na definição dos arruamentos. Existem registros de que nos meados do séc. XVI

19

Page 38: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

já estavam em vigor posturas que definiam a obrigatoriedade de obtenção de licença para a

execução de obras, instalações comerciais e arruamentos em áreas urbanas, bem como a

contratação de profissionais para o exercício do controle do crescimento e da expansão urbana

(REIS FILHO, 1968, p. 118).

Os instrumentos utilizados para a definição do alinhamento das ruas eram,

basicamente, os mesmos utilizados na navegação. Profissionais da navegação “homem do mar

que entendia do rumo de agulha”, assim como agrimensores, eram contratados pelas câmaras

para a definição dos arruamentos e para a demarcação dos lotes (REIS FILHO, 1968, p. 119).

As posturas definidas pela Câmara tratavam, além das regras para arruamento e

edificações, dos procedimentos para desapropriações e outros que incluíam medidas de

incentivo à ocupação do solo urbano, pois era uma política da Coroa a promoção da atração

da população dispersa para os aglomerados urbanos.

Apesar de todos os esforços, na maioria das vezes as posturas ficavam somente no

papel, uma vez que a capacidade das câmaras para o exercício dos controles necessários eram

limitadas. “Cada qual construía sua casa e corria sua cerca à feição de suas comodidades e

interesses” (REIS FILHO, 1968, p.119). Não obstante, periodicamente novos esforços eram

realizados para o estabelecimento do controle da organização espacial urbana, com a edição

de novas posturas que eram emitidas pelas Câmaras.

20

Page 39: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Figur

Detalhe do projeto da Avenida Central (Rio BranFonte: Marc Ferrez. O Álbum da Avenida CentraRio de Janeiro, João Fortes, Ex-Libris, 1982

Figura 2 – Logradouros, quadras e lot

Fonte: Atlas Fundiário do Rio de Janeiro, SEAF, 1991

a 1 - Logradouros do Rio de Janeiro colonial

co) l,

es no Rio de Janeiro colonial

21

Page 40: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

1.3. A legislação do Parcelamento do solo no Rio de Janeiro

1.3.1. Capital do Império - O Segundo Reinado (1831/1889)

A Constituição de 1824, promulgada após a proclamação da independência, atribuiu às

Câmaras municipais competências para “o governo econômico e municipal das cidades e

vilas”. As funções, a forma e o funcionamento das Câmaras no Império foram regulamentados

pela Lei editada em 1º de outubro de 1828. Esta lei, não obstante, manteve a subordinação das

decisões das Câmaras às Assembléias Provinciais. O Município do Rio de Janeiro, no entanto,

ganhou mais autonomia ao ser declarado Município da Coroa ou Município Neutro pelo Ato

Adicional de 12 de agosto de 1834, que o destacou da Província do Rio de Janeiro.

No Plano Nacional, os períodos do Primeiro Reinado (1822-1831) e Regência (1831-

1840) foram marcados por conflitos políticos que se estenderam por diversas partes do país.

Segundo Oliveira Reis, estes fatos contribuíram para que pouca atenção fosse dada ao

desenvolvimento das cidades nesse período. Não obstante, na Regência, foram promulgadas

posturas municipais que visavam ordenar o espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro (REIS,

1992, p. 9).

Com base nas atribuições que lhe foram concedidas, o Município editou um Código de

Posturas em 1838 que, a propósito do parcelamento do solo, determinava que “a Câmara

[faria] levantar planos, segundo os quais [seriam] formadas as ruas, praças, edifícios, na

cidade e no seu termo”. Este código fixava, ainda, as atribuições dos “arruadores” que,

nomeados pela câmara, tinham por competência “alinhar e perfilar os edifícios e regular sua

frente, conforme plano adotado pela Câmara”. O mesmo código definia “as larguras que

[deveriam] ter as ruas, estradas, travessas que se [abrissem] na cidade e seu termo, bem assim

a forma dos rocios, praças e largos”. Há referência ainda à necessidade de licença da Câmara

para “toda obra na frente dos prédios e arruamento, quando [fosse] necessário”.

(Consolidação das Posturas Municipais - Boletim Municipal de 1905).

Este código dispunha ainda que:

[...] enquanto por outro modo não for providenciado, serão os proprietários obrigados a consertar e trazer sempre limpas as suas testadas, nas estradas e caminhos, dando esgoto às águas e desassombrando os caminho onde

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Page 41: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

preciso for. Quando não for cumprido esse dever, poderá o fiscal fazer o conserto ou limpeza, e haver a despesa dos que não concorrerem, ou representar à Câmara, quando a obra for de grande custo. (ib. idem).

Estes foram os procedimentos seguidos para a expansão e abertura de logradouros na

cidade até a segunda metade do século XIX, quando novos regulamentos e procedimentos

foram introduzidos, em parte em função do acelerado processo de crescimento da malha

urbana da cidade - facilitada pela introdução de novos meios de transporte que vão permitir a

rápida expansão das aglomerações urbanas para além dos limites da cidade colonial - e, de

outra, pela entrada em vigor do regime de propriedade privada do solo a partir da edição da

Lei de Terras em 1850.

1.3.1.1.A Lei de Terras

O Segundo Reinado é a ocasião em que se gestam as mais importantes transformações

na estrutura política, econômica e social do país no séc. XIX, que vão marcar, de forma

definitiva, o processo de estruturação da sociedade e das cidades brasileiras. Este período da

história é marcado por mudanças que vão conduzir a economia brasileira para uma adaptação

às condições geradas pelo advento do imperialismo. A mais importante dessas

transformações, na opinião de Nelson Werneck Sodré, é a que se dá no campo do trabalho, em

função da pressão exercida pela Inglaterra para a extinção do escravismo no Brasil (SODRÉ,

1976, p. 155).

Para os ingleses, combater o escravismo atendia a dois objetivos. O primeiro era o de

eliminar a concorrência dos países escravistas que ofereciam produtos com preços inferiores

aos produzidos na Inglaterra, onde vigorava o regime assalariado. O segundo era o de ampliar

os mercados consumidores para seus produtos industrializados (ALENCAR, 1980, p. 152).

A liquidação do escravismo pressupunha a introdução de trabalhadores livres europeus

sob o regime assalariado que deveriam ocupar o lugar dos escravos. Para obter a adesão dos

grandes fazendeiros ao fim do tráfico de escravos, o governo ofereceu os instrumentos legais

que lhes assegurava um controle quase completo sobre a expansão agrícola e a mão de obra

imigrante. O primeiro e fundamental instrumento foi a edição da Lei de Terras de 1850, feita

para garantir o monopólio dos grandes fazendeiros sobre as vastas extensões vazias do

território. Pela Nova Lei, a posse não dava mais o direito de propriedade a quem

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Page 42: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

simplesmente a ocupasse, o que limitava o acesso à terra aos escravos que seriam futuramente

libertos e aos imigrantes europeus que chegariam para substituí-los. No artigo primeiro desta

lei estava expresso que a partir da sua edição ficavam “proibidas as aquisições de terras

devolutas por um outro tipo que não seja o de compra...”

Vale lembrar que o regime jurídico da propriedade de terras no Brasil teve como

fundamento, até se tornar independente de Portugal em 1822, a sesmaria, forma de

propriedade instituída pelo estado absolutista português em 1375. A partir de 1530, tal sistema

foi introduzido no território recém descoberto por Martin Afonso de Souza, quando este foi

nomeado por D. João III e recebeu, deste, poderes extraordinários e a incumbência de “reger a

colônia do Brasil de conceder terras de sesmaria, nomear oficiais de justiça e tomar todas as

providências necessárias para o desenvolvimento da mesma colônia” (consolidação da

legislação de 1905). Com a independência, este sistema foi extinto,1 passando a vigorar um

período de amplo apossamento de terras, contido com a edição da Lei e Terras de 1850

(ROLNIK, 1997, p. 22).

Para Sodré “a abolição não resultou de uma luta, a luta em que se resolveria a

contradição entre senhores e escravos, a mais antiga [contradição] que a sociedade brasileira

apresentava. Resultou da introdução de relações feudais, de um lado, e de relações capitalistas

de outro lado” (SODRÉ, 1976, p. 159).

É, portanto, sobre esta base que se vai implantar o capitalismo no Brasil, por um lado

apoiado na manutenção de arcaicas formas de poder e controle da propriedade, e de outro, na

inserção subordinada aos interesses do imperialismo inglês no cenário mundial.

A forma como se deu a entrada do Brasil no regime de propriedade privada do solo

implicou profundas transformações no uso e conformação do espaço urbano, como nos fala

Fridman.

A promulgação da Lei de Terras em 1850 consolidou legalmente a propriedade privada da terra, o que implicou modificações no uso e no desenho do espaço urbano. O acesso a terra, que até então ocorria através de doações de terras devolutas, a partir desta lei passou a ser dar unicamente através da compra e venda da propriedade plena. Esta ampliação do mercado fundiário e do caráter da propriedade privada significou a transformação da terra em mercadoria na então nascente economia capitalista brasileira (FRIDMAN, 1999, p. 237, 238).

24

1 O sistema de sesmarias foi extinto oficialmente por meio da resolução de 17 de julho de 1822 (CAVALLAZZI, 2003, p. 33).

Page 43: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Para entender as transformações que vão ocorrer a partir de então, é importante

conhecer como era a cidade do Rio de Janeiro nos idos de 1850.

Na primeira fase do governo de Pedro II, [...], a Cidade do Rio de Janeiro, não sofreu qualquer impacto substancial. Sua expansão, até aproximadamente 1850, continuou lenta e sem maiores acontecimentos. Inexistiam os esgotos sanitários e assim como na colônia, os dejetos domiciliares, carregados em barricas pelos ‘tigres’ , eram despejados no mar. A limpeza da via pública era precária. O calçamento era o de pé-de-moleque, ou seja, pedras irregulares assentadas nos logradouros. Os passeios, onde existiam, eram constituídos de lajões, em geral de ‘gneiss’ retirados de pedreiras próximas. A iluminação das ruas continuava escassa e se fazia por meio de lampiões [de óleo de baleia] colocados em pontos estratégicos, normalmente nas esquinas [...] Quanto ao abastecimento d’água, continuavam a as antigas captações [...] Muitas das condições da cidade luso-brasileira ainda se mantinham, portanto, no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX (REIS, 1992, p.10).

Sobre a situação dos transportes também nos informa Reis.

A precariedade dos meios de transporte para a população nesta fase da vida da cidade foi fator que limitou a sua expansão. As carruagens, coches, etc. eram de uso individual. Somente gôndolas e as diligências prestavam serviços à população. Esses veículos eram todos de tração animal. Sua velocidade era reduzida; igualmente sua capacidade de transporte de passageiros. As classes mais ricas, nobreza, nababos, etc., possuíam seus meios individuais de transporte. Podiam, desse modo, morar mais longe dos centros, nos arrebaldes. O centro da cidade era habitado pelas classes mais pobres, artesãos, comerciantes, operários, etc., que não precisavam se deslocar a grandes distâncias para chegar ao local de trabalho. As diligências eram empregadas para as grandes distâncias, para os pontos afastados como Santa Cruz, Jacarepaguá e outros tantos da Província do Rio de Janeiro, afora as ligações com São Paulo ou Minas (REIS, 1992 p. 10).

A transformação da terra em mercadoria; a introdução de novas e modernas formas de

transporte, e ainda, a necessidade de se promover a renovação e modernização da infra-

estrutura da cidade para a sua inserção no mercado capitalista mundial, vai resultar numa

profunda transformação do espaço urbano e suburbano, dando início a um processo de

intensas mudanças na aparência, na estrutura da cidade e na sua expansão para os subúrbios.

A partir de 1850, uma série de melhoramentos e serviços são implantados na cidade,

tais como: iluminação pública a gás; abertura do Canal do Mangue, (contratados com o Barão

de Mauá); a instalação dos serviços de esgotamento sanitário, (confiados à empresa inglesa

City Improvments); a transferência do matadouro público, da praia de Santa Luzia para o

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Page 44: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

local onde hoje é a Praça da Bandeira; a implantação do serviço postal e a criação dos

serviços de corpo de bombeiros e da polícia militar.

Foi nos transportes, no entanto, que ocorreram as mudanças mais significativas para o

processo que se seguiu, de expansão urbana e distribuição hierarquizada das classes sociais no

território municipal.

Foi notável a evolução dos transportes em suas diferentes modalidades. Por volta de 1850 já havia diligências ou ônibus, com tração de 2 e 4 muares, fazendo o serviço de transporte coletivo entre o Largo de São Francisco e os arrebaldes. Em 1862, foi estabelecido, na Baía de Guanabara, um sistema regular de barcas entre o Rio de Janeiro e Niterói. No dia 9 de outubro de 1868 começaram a funcionar os bondes da Companhia Ferro Carril de Jardim Botânico, de tração animal, os quais partindo da Rua Gonçalves Dias, esquina com a Rua do Ouvidor, iam até o Largo do Machado (REIS,1992, p. 22).

Por iniciativa de Cristiano Benedito Ottoni, foi construída a Estrada de Ferro D. Pedro

II (Central do Brasil) que teve seu primeiro trecho inaugurado em 1858 e que permitiu a

ocupação acelerada das freguesias suburbanas a partir de 1861. Em 1883 foi aberta ao tráfego

a Estrada de Ferro Rio D’ouro, em 1886 foi inaugurado a primeira linha da Leopoldina

Railway e em 1893 a Melhoramentos do Brasil, posteriormente incorporada à Central do

Brasil com o nome de Linha Auxiliar. (A estrada de ferro implantada por Benedito Ottoni foi

incorporada pelo governo imperial em 1865) (REIS, 1992, p. 22).

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Page 45: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Atlas Fundiário do Rio de Janeiro, SEAF, 1991. Figura 3 - O Rio de Janeiro do Segundo Império

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Page 46: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

O processo de expansão e conquista territorial proporcionados pelos novos meios de

transporte vai se dar de forma distinta no espaço, no que se refere à localização das classes

sociais e, por conseqüência também, dos investimentos públicos na cidade. Os bondes serão

os responsáveis pela expansão da cidade para os bairros nobres da zona sul e norte. Nestes

bairros, os interesses dos proprietários de terras, companhias de bondes e imobiliárias se

associam para viabilizar a produção de bairros nobres.

Um exemplo dessa associação, citada por Maurício Abreu, foi a criação do Bairro de

Vila Isabel, em 1873, pela Cia. Arquitetônica, empresa de propriedade do Barão de

Drummond que também possuía a permissão governamental para a instalação de linhas de

bonde entre o Centro da Cidade e os bairros do Andaraí, Vila Isabel, Grajaú e Maracanã, São

Francisco Xavier e Engenho Novo (ABREU, 1987, p. 44). (Ver figura 4, pg. 27) Os custos da

urbanização destes bairros, ainda sem ocupação, via de regra, eram absorvidos pela

municipalidade (ABREU, 1997, p. 48).

A expansão para os subúrbios na sua primeira fase, se dá, todavia, de outra forma. O

processo de parcelamento de grandes glebas inicia-se entre os anos de 1870 e 1890, quando a

população da cidade quase dobra. Grandes loteamentos são realizados em terras das zonas

rurais no entorno das linhas férreas. Estes empreendimentos são, via de regra, realizados pelos

próprios proprietários, sem a intervenção do Estado ou das concessionárias de serviços

públicos (FRIDMAN, 1999, p. 238). Há referência, no entanto, ao fato de que a Câmara, pelo

menos no início, ainda exercia algum tipo de controle sobre a produção destes parcelamentos.

A expansão natural da população da cidade e a facilidade de transporte que oferecem a estrada de ferro D. Pedro II e os trilhos urbanos têm feito de dia a dia alargar a os limites da cidade, fazendo-a recuar de todos os lados, criando assim novos bairros onde a irregularidade das edificações é igualmente muito sensível. Nesses a única regra observada é a de dar às ruas a largura mínima de 60 palmos marcada pela câmara municipal (grifo nosso) sem respeito a tantas outras condições, que cumpria fossem observadas (Segundo Relatório da Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro – 1876, in REIS, 1992, p. 51).

Vigorava nesse período, a Resolução da Câmara de 20 de novembro de 1860,

determinando que as arruações deveriam ser feitas na presença de fiscais, o que demonstra a

constante preocupação com a forma de expansão que se fazia de maneira desordenada. Para se

ter uma idéia do crescimento da Cidade do Rio de Janeiro no período, vale verificar que a

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Page 47: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

população residente do Rio de Janeiro era de 112.695 em 1821, 137.078 em 1838 e 235.381

em 1870.

Fonte: Atlas Fundiário do Rio de Janeiro, SEAF, 1991.

Figura 4 - Parcelamento do solo implantado em 1873 pela Companhia Arquitetônica que deu origem ao Bairro de Vila Isabel

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Page 48: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Sobre o traçado das ruas no período do Segundo Reinado, encontramos a seguinte

passagem no Segundo Relatório da Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro

datado de 29 de fevereiro de 1876.

No maior número dos casos, os alinhamentos têm seguido a sinuosidade dos vales, acompanhando as fraldas dos morros. Em outros, e estes são os mais recentes, a única lei que preside a direção dos alinhamentos são o capricho e a conveniência dos proprietários dos terrenos em que se abrem as ruas. Não citaremos exemplos, eles aí estão espalhados por diversos bairros da cidade, onde quase todas as semanas se fazem leilões de terrenos para edificação (grifo nosso) em novas ruas alinhadas e abertas por qualquer agrimensor, sem sujeição alguma aos preceitos que deveriam ser impostos nestes casos (REIS,1992, p. 49).

A situação descrita neste relato, pode ser exemplificada pela figura 5.

Fonte: Fania Fridman. Donos do Rio em nome do Rei. Jorge Zahar Ed.

Figura 5 – Terrenos oferecidos em leilão em 20 de janeiro de 1875

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Page 49: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

1.3.2. Distrito Federal - República Velha (1889/1930)

No período que vai de 1890 a 1906, consolidam-se as freguesias centrais como áreas

de comércio e finanças. Esta especialização, somada às obras de renovação urbana que vão

destruir parte significativa dos imóveis utilizados para a habitação popular provoca uma crise

habitacional que resultará em alta do custo de moradia. Estes fatores, somados, vão estimular

o crescimento suburbano, fazendo surgir milhares de lotes urbanos, fruto do parcelamento de

áreas rurais, especialmente nas freguesias rurais de Inhaúma e Irajá. Verifica-se também o

contínuo deslocamento das classes de melhor renda para os bairros do Jardim Botânico e

Gávea, praias oceânicas de Copacabana, Ipanema e Leblon (SEAF, 1991, p. 44).

Fonte: Centro Cultural da LIGHT

Figura 6 - Sistema viário e ferroviário do Rio de Janeiro e arredores em 1906

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Page 50: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

O Decreto legislativo n.º 43 de 02 de agosto de 1893 determinava novas regras para a

abertura de novas ruas e prolongamento das já existentes no Distrito Federal, definindo pela

primeira vez, especificações para a execução de meios-fios (descritos no texto da lei como

banquetas), sarjetas, interceptações dos alinhamentos (esquinas) e o estabelecimento das

distâncias mínimas entre os logradouros (o que definia, na prática, o dimensionamento das

quadras). Pela primeira vez também, há referência à transferência da área do particular para o

município, em função do processo de parcelamento. O decreto define que, para terrenos com

mais de três hectares, “o proprietário perderá, e ficará pertencendo à municipalidade 1/20 (um

vigésimo) da área total para uma praça, que será situada no centro; se o terreno for regular e

proximamente a este, se não for”.

O decreto também inova ao exigir a apresentação prévia de planta da qual devem

constar graficamente todas as determinações estabelecidas no decreto. Não há referência,

contudo, à necessidade de execução de obras de infra-estrutura por parte do loteador.

É relevante destacar o aspecto de intervenção pública no direito de propriedade ao se

determinar a transferência ao município da área destinada à praça, que é “perdida” (assim está

explícito na norma) pelo proprietário. Observe-se, no entanto, que não há qualquer referência

à situação de domínio sobre as áreas destinadas às vias públicas.

Decreto legislativo n.º 489 de 20 de dezembro de 1898 “determina que nas concessões

e contratos que versarem sobre viação só serão aceitos traçados em planta que procederem da

Carta Cadastral”. (a carta cadastral da cidade foi iniciada em 1892, no governo de Barata

Ribeiro e foi concluída por volta de 1900).

Decreto n.º 480 de 18 de abril de 1904, aprovado na gestão do prefeito Pereira Passos

(1902 a 1906), dava regulamento para a abertura de ruas, praças e outras vias destinadas ao

trânsito público, determinava que não seria permitida a divisão de terrenos em praças, ruas e

travessas sem que fossem previamente apresentadas à Prefeitura os projetos técnicos -

devidamente compatíveis com o plano geral da cidade. Este decreto acrescenta à exigência, já

existente na legislação anterior, da apresentação de plantas com o traçado das ruas praças, a

obrigação de também serem apresentados os documentos gráficos contendo os perfis

longitudinais e transversais dos logradouros projetados.

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Neste decreto, já era feita referência à necessidade de execução prévia das obras de

calçamento, construção de obras de arte e assentamento das canalizações de água, gás e

esgoto, sendo essas condições prévias para a aceitação dos logradouros pela Prefeitura. O

Page 51: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

decreto estabelece, ainda, que todas as obras deveriam ser fiscalizadas pela Diretoria Geral de

Obras e Viação, não havendo qualquer referência à assunção dos custos de execução pela

municipalidade.

Esta legislação se coadunava com o espírito das administrações municipal e federal da

época, que tinha como meta promover a transformação da cidade colonial em uma cidade

moderna, nos moldes das maiores cidades européias, adequando a forma urbana às

necessidades do processo de criação, concentração e acumulação do capital.

Com efeito, o rápido crescimento da economia brasileira, a intensificação das atividades exportadoras e, conseqüentemente, a integração cada vez maior do país no contexto capitalista internacional, exigia uma nova organização do espaço (aí incluindo o espaço urbano de sua capital), condizente com esse novo momento de organização social (ABREU, 1997, p.59).

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Page 52: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Atlas Fundiário do Rio de Janeiro. SEAF, 1991.

Figura 7 – Parcelamento de gleba do bairro de Bonsucesso (AP3) – 1918

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Page 53: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Em 31 de outubro de 1917 foi aprovado o Decreto nº 1.165 que reconheceu como

públicos todos os logradouros da cidade, estabelecendo uma nomenclatura oficial. Nessa

época, o município possuía 2.407 logradouros. Nos considerandos deste decreto, há referência

ao fato de que, até aquele momento, não havia uma relação oficial dos logradouros públicos

na cidade com a respectiva nomenclatura oficial aceita. Também é feita referência à

existência de vias públicas com e sem aceitação ou com aceitações parciais. Outras, ainda,

dependendo de execução de obrigações contraídas por termos, e outras, enfim, abertas em

desacordo com a legislação municipal.

Um decreto aprovado em 1918 autorizava o Prefeito a aceitar na Zona Rural as ruas

praças e logradouros “já edificados e em gozo público abertas até 30 de setembro de 1917,

pagando os proprietários os respectivos impostos”, tal providência representava, na prática,

uma forma de regularização dos logradouros abertos sem atenção aos preceitos da legislação,

e que, provavelmente, não haviam sido abrangidos pelo decreto anterior.

1.3.2.1. Decreto 3.549 de 1931

Inspirado na proposta de legislação do parcelamento do solo constante do Plano

Agache,2 (ver item VII do Plano de Remodelação do Rio de Janeiro entregue ao governo

municipal em 1930), Armando de Godoy3 elaborou o Regulamento para a Abertura de Ruas e

Divisão em Lotes, aprovado pelo Decreto 3.549 de 15 de junho de 1931.

Alguns aspectos inovadores devem ser ressaltados neste decreto:

Pela primeira vez, há referência a critérios relativos ao dimensionamento e

comercialização dos lotes. As legislações anteriores só tratavam dos aspectos relativos à

2 Alfred Hubert-Donat Agache – Arquiteto francês , formado pela Escola de Belas Artes de Paris foi autor do Plano de Remodelação da Cidade do Rio de Janeiro encomendado pelo Prefeito Prado Junior em 1927 e entregue em 1930. (Para uma análise dos aspectos ideológicos do Plano Agache ver RESENDE, 1982, p. 33-43) 3 Armando Augusto de Godoy, Engenheiro, formado pela Politécnica em 1903, entrou para a Diretoria de Obras e Viação da Prefeitura do Distrito Federal em 1908. Fundou a Revista Brasileira de Engenharia em 1920. Foi presidente da Comissão do Plano da Cidade durante a gestão do Prefeito Alaor Prata (1922-1926) e Adolfo Bergamini (1930-1931). Foi o autor do Código de Arruamento e Loteamento (Dec. 3549 de 15 de junho de 1931). Procurou colocar em prática as idéias do urbanista Alfred Agache de quem foi grande amigo (Silva, 2003, p. 158).

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Page 54: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

abertura dos logradouros e praças, tratando indiretamente do dimensionamento das quadras,

ao definir uma distância mínima entre os logradouros projetados.

Este regulamento determinava, ainda, a obrigatoriedade de depósito prévio, na

Prefeitura, das plantas com as informações gráficas, do traçado dos logradouros, lotes , curvas

de nível, redes de infra-estrutura, arborização e iluminação (estas últimas não eram exigidas

nas legislações anteriores). Tal obrigação era condição para que o parcelador iniciasse a

venda, locação ou a publicidade da venda, ou locação, dos lotes.

Fonte: Revista da Diretoria de Engenharia do Distrito Federal. 1932. Figuras 8 - Jardim Higienópolis - exemplo de projeto elaborado de acordo com as normas do Decreto 3.549 de 1931 – Plano Geral

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Page 55: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Revista Municipal de Engenharia do Distrito Federal, 1932.

Figuras 9 - Jardim Higienópolis - exemplo de projeto elaborado de acordo com as normas do Decreto 3.549 de 1931 – Projeto das canalizações Pluviais

Há de se destacar, também, a existência nesta norma da exigência de reserva de, no

mínimo, vinte e seis por cento da superfície total para os espaços livres públicos e

logradouros, para os terrenos com área superior a trinta mil metros quadrados, podendo a

Prefeitura exigir, além deste percentual, mais quatro por cento, destinados à localização de

edifícios públicos e parques. Deve-se salientar, ainda, que o regulamento aprovado no seu § 5º

do art. 1º veda a comercialização dos lotes antes da aprovação dos projetos e a execução

completa das obras de infra-estrutura.

Tais medidas provocaram a reação das companhias que exploravam o negócio de

venda de terrenos em lotes que propuseram a revogação do decreto. O debate se fez público

por longo período, encontrando-se manifestações sobre este assunto na imprensa

especializadas nos anos de 1932 e 1934 (R.D.E, 1932).

Ainda em 1934, texto de autoria de Washington Azevedo, publicado na Revista da

Diretoria de Engenharia, faz referência ao fato de o decreto estabelecer que a venda ou a

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Page 56: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

locação dos terrenos de um loteamento só poderia ser efetuada após a aprovação dos projetos

e “depois de terem sido feitos os calçamentos e as canalizações de água e esgotos”. Azevedo

questiona o fato de não haver na citada lei indicação sobre quem deverá pagar pelas

canalizações de águas e esgotos e pelo calçamento, informa que “a Prefeitura não se nega a

realizá-los, porém, quando isso lhe for permitido dentro das possibilidades orçamentárias”.

Reclama que “isso na prática vem obrigar o proprietário a tomar a si toda as despesas de

calçamento e canalização”.

Em outra passagem, ele informa que, no Rio de Janeiro, a Prefeitura limitava-se a

exigir, caso o proprietário quisesse proceder a venda de lotes, a instalação de galerias pluviais

e calçamentos das ruas. “Mas a inspetoria só se encarrega de instalar as galerias, caso lhe seja

fornecido todo o material e isso mesmo é muito caro”. “E o proprietário se vê assim

prejudicado na venda dos lotes”.

Como se pode depreender deste texto, a Prefeitura ainda nesse período, costumava

arcar com os custos da urbanização dos logradouros.

Para o autor, apesar de suas críticas,

[...] o decreto 3.549 veio melhorar consideravelmente a disposição de ruas e lotes no Distrito Federal, dar uma oportunidade aos compradores para adquirirem um lote razoavelmente disposto e veio ainda aumentar as possibilidades de lucro das companhias que exploram a venda de terrenos. Em resumo, o decreto veio proteger diretamente o vendedor e o comprador de lotes, e a população em geral(AZEVEDO, 1934).

Pela reação das empresas loteadoras e do autor do artigo - que era projetista de planos

de loteamentos - percebe-se que o citado decreto representava uma etapa de redefinição da

relação existente entre a Prefeitura e o capital imobiliário, pelo menos com aquele segmento

representado pelos empreendedores que começavam a retalhar as terras dos subúrbios para a

venda de lotes para os trabalhadores de baixa renda. Cabe lembrar que os subúrbios, servidos

pelo transporte ferroviário, cresciam significativamente, tendo o número de passageiros deste

meio de transporte saltado de 44.500 no ano de 1920 para 106.000 em 1930.

Com relação à pressão exercida pelas companhias loteadoras para a revogação do

decreto, assim se manifestou Armando de Godoy, autor do decreto, em artigo publicado em

1932 no primeiro número da Revista da Diretoria de Engenharia.

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Page 57: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Alguns interessados na revogação do decreto 3.549 dizem que a Prefeitura não tem o direito de impedir a venda de lotes de terrenos destinados a edificação, antes da aprovação da respectiva fragmentação. Devo, entretanto, chamar a atenção das autoridades para o fato de se haver vendido um grande número de lotes nesta cidade não obstante não preencherem eles os requisitos mais elementares para serem edificados. Em lugar de ruas, através dos respectivos terrenos, foram abertos caminhos por onde se não pode fazer o transporte dos materiais pesados para a construção. Um grande número de lotes encontra-se em encostas íngremes, de acesso dificílimo. Em alguns morros acidentados, foram traçadas ruas segundo linhas de máximo declive, onde a edificação e o calçamento são quase irrealizáveis e o tráfego impossível. Entre Realengo e Bangu, há uma grande superfície de área loteada cujos terrenos não podem ser edificados por se acharem em nível inferior ao das ruas, não havendo possibilidade de aterrá-los, visto ser dificílimo obter-se empréstimos nos arredores. Há, pois, necessidade de se evitar que tal regime, que só aproveita aos vendedores e tem sido sobremodo nocivo aos compradores, continue a prejudicar os que se deixam [iludir] pelas plantas que se exibem nas vitrines e nos anúncios dos jornais, as quais, em alguns casos, não exprimem a verdade e mais servem para iludir que para orientar.

A propósito ainda da reação dos loteadores ao Decreto 3.549, vale conhecer o que diz

o Sub-Diretor de Viação e Saneamento Carlos Barbosa Gonçalves Penna em parecer também

publicado na revista anteriormente citada.

A nossa legislação anterior ao Decreto 3.549 era omissa na parte relativa à fixação da testada mínima. O Decreto 2.087 de 1º de janeiro de 1925 declara apenas que a planta da divisão em lotes deverá ser submetida à aprovação prévia da Prefeitura. Isto não significa que a dimensão das testadas dos lotes poderia ser sempre de 8 metros, como pensam em geral os negociantes de terrenos. A fixação em cada caso, ficava a critério da administração a qual fosse submetida a planta de divisão. O Decreto 3.549 fixou definitivamente o mínimo em 12 metros.

Neste mesmo parecer, o autor demonstra não haver segurança quanto ao fato de a lei

municipal poder abordar aspectos relativos à comercialização de terrenos.

Deixando de lado o caso da venda que envolve assunto jurídico, qual o de saber se pode uma lei municipal dispor sobre a venda de terrenos, resta considerar o caso das edificações cuja regulamentação é da alçada exclusiva da Prefeitura.

Em outra passagem do mesmo artigo, o autor faz referência à situação anterior à

publicação do decreto.

39

Apenas aprovados os projetos, os particulares, na grande maioria, só cogitavam da venda dos lotes os quais logo após recebiam construções licenciadas pela Prefeitura, ficando o melhoramento das ruas, salvo raras exceções, relegado ao esquecimento.

Page 58: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Tal situação, segundo ainda Gonçalves Penna, era resultado da inexistência, na

legislação anterior, de dispositivo que condicionasse a licença para a construção das

edificações à execução prévia das infra-estruturas dos logradouros.

Há ainda, referência à situação de precariedade da oferta dos serviços de coleta de

esgotos.

Dizem os memorialistas [os que desejavam a revogação do decreto] que a rede de esgotos da City está em geral muito longe das áreas a retalhar. Esta é uma razão em favor da lei, porque se a área a dividir está fora da zona da City, deverão ser construídas fossas domiciliares e será necessário que existam nas ruas canalizações como a lei exige para receber as águas dessas fossas. Do contrário teremos o espetáculo vergonhoso de ver: as águas residuais dessas fossas encaminhadas para as valetas em terra, contaminando o solo e a atmosfera, como se vê freqüentemente nas zonas suburbanas.

Como se vê, enquanto a Prefeitura assumia para si os custos da urbanização nos

bairros nobres da zona sul e norte, exigia dos loteadores que começavam a atuar nos

subúrbios, a execução de todas a obras de infra-estrutura e urbanização. Tal situação era

agravada pelo fato de a empresa responsável pelo esgotamento sanitário da cidade, também

privilegiar a implantação das redes nas áreas nobres,4 o que trazia custos adicionais para os

adquirentes de lotes nos subúrbios, que tinham que assumir também o custo da construção das

fossas sanitárias.

Vale lembrar, que à época que estava sendo gestado o Decreto 3.549/31 a

administração Prado Junior (1926 a 1930) executava a implantação de infra-estrutura e

urbanização dos bairros nobres da zona sul da cidade. José de Oliveira Reis informa que

“Ipanema, Leblon e Gávea tiveram uma área de 15.000 m² beneficiadas com calçamento de

macadame betuminoso de várias ruas, e respectivas galerias de águas pluviais”. Ainda na zona

sul, “obras de pavimentação em Copacabana, (...) abrangeram ruas como Barata Ribeiro,

Toneleros, Pompeu Loureiro, Barão de Ipanema, Gustavo Sampaio e muitas outras, podendo

afirmar que quase todos os bairros , como Ipanema, foram nessa época beneficiados com

esses melhoramentos.” São citados ainda outros logradouros da área central beneficiados com

4 Segundo Smolka, o Estado brasileiro, motivado pela carência de recursos e por sua vinculação a interesses externos, entrega a concessionárias privadas, notadamente a capitais ingleses e americanos, a exploração dos serviços públicos da cidade. Essas empresas priorizavam as novas ocupações em áreas nobres, com vistas à especulação “na forma de demanda antecipatória”, provocando marcante elitização dos serviços com a conseqüente exclusão das áreas menos rentáveis (SMOLKA, 1987, p. 41, 42).

40

Page 59: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

“calçamentos nobres”, alcançando também, embora em menor escada, logradouros da “área

suburbana”.

A Prefeitura cumpria seus compromissos com o mercado imobiliário nas áreas nobres

e valorizadas da cidade, ao mesmo tempo que elaborava uma legislação que tinha por objetivo

controlar, nas palavras de Godoy, o “crescimento irregular e a fragmentação mal orientada

dos terrenos”. Utilizou para isso, entre outros, o argumento de que “diferentes abastecimentos,

sobretudo os de água e gás, os relativos aos esgotos sanitários e pluviais, ao calçamento, a

iluminação, etc., não estão ao alcance das possibilidades financeiras [da] capital.”5

De fato, observava-se na cidade um intenso processo de abertura de novos

logradouros, sendo que estes eram 2.407 em 1917, saltando para 5.171 em 1933. Este

crescimento estava ocorrendo nos subúrbios, uma vez que, segundo dados de estatística

predial do período 1920 – 1933, eram os distritos de Inhaúma e Irajá que apresentavam os

maiores incrementos absolutos de unidades construídas na cidade. A expansção se fazia de

forma bastante irregular e, por este motivo, Alfred Agache fez constar de seu Plano uma

proposta de instituição de um “programa” de “transformação dos loteamentos defeituosos”,

que na prática representava a definição de procedimentos a serem seguidos pelos moradores,

loteadores e poderes públicos para a “regularização” e adaptação dos parcelamentos e

arruamentos “defeituosos” à condição de um parcelamento “normal”, assim entendidos

aqueles dotados dos serviços de saneamento, densidade adequada, sistema viário e espaços

livres.

Pela proposta de Agache, que não foi implementada, caberia aos loteadores e/ou

moradores assumir a maior parte dos custos por esta regularização. Ele previu, no entanto, a

formação de um fundo público municipal para empréstimo dos recursos necessários à

execução da obras e a instituição de um subsídio de 25 por cento quando o empréstimo fosse

tomado por uma associação de moradores. Como veremos adiante, nas décadas seguintes

novas tentativas de transferir os custos de urbanização e regularização dos loteamentos para

os moradores serão levadas a efeito, ainda que sem sucesso, deixando claro o caráter

‘seletivo’ com que o Estado lida com os interesses das distintas classes sociais (OFFE,1984).

5 Smolka chama a atenção para o fato de que muitos investimentos públicos se subordinavam à lógica das concessionárias de serviços que, como já visto, atuavam visando à especulação com a terra, investindo na complementação das obras realizadas por aquelas. Tal procedimento, aliado à limitação dos recursos, impedia uma atuação extensiva sobre a área urbana, causando grandes desequilíbrios intra-urbanos (SMOLKA, 1983).

41

Page 60: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

CAPÍTULO 2 DO ESTADO NOVO AOS ANOS 90 2.1. Introdução

O que se pretende neste capítulo é dar continuidade à análise da produção normativa

sobre o parcelamento do solo, agora relativamente ao período que vai do início do Estado

Novo ao final do século XX, identificando, na legislação produzida, os fatores indutores ou

propiciadores da segregação social e espacial, da criação de assentamentos precários sob o

ponto de vista urbanístico e ambiental, e da produção e comercialização ilegal de lotes.

Este capítulo será subdividido em três fases, a primeira, abrangendo o final dos anos

30 até o início dos anos 60, a segunda, cobrindo deste período ate a aprovação da Lei 676679,

e a terceira, daí em diante.

2.2. Distrito Federal - sob as lógicas do capital industrial e do patrimonialismo

2.2.1. A Metrópole Industrial

Ao final da década de 30 e início da de 40, as zonas central e sul (AP 1 e 2) já estavam

consolidadas como áreas urbanas e concentravam 47% da população do município. Cerca de

80% da população economicamente ativa (PEA) dessas áreas, estava ocupada em atividades

laborativas tipicamente urbanas, sendo que o maior contingente (20%) estava empregado no

comércio. A zona suburbana (AP 3) também se encontrava em avançado processo de

urbanização abrigando 40% da população do município. Cerca de 75% da sua PEA laborava

em atividades econômicas de características urbanas, estando o maior contingente (25%)

empregado em atividades industriais. Os bairros de Jacarepaguá (AP4), Realengo e Bangu

(AP5), também já haviam iniciado o processo de transição de uso do solo rural para urbano,

embora ainda fosse relevante o número de estabelecimentos e trabalhadores empregados nas

atividades agrícolas e extrativas. No conjunto, esses bairros reuniam cerca de 9% da

população. Por esta ocasião o bairro de Jacarepaguá já contava com cerca de 27% da PEA

ocupada em atividades industriais e de administração pública. No caso de Realengo, este

42

Page 61: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

percentual chegava a 42%. Embora não se tenham dados sobre o bairro de Bangu, sabe-se que

este já era palco de importante atividade industrial que, simultaneamente, acarretava uma

intensa atividade de parcelamento do solo. Os bairros de Campo Grande, Guaratiba e Santa

Cruz é que, efetivamente, mantinham-se como essencialmente agrícolas, embora já contassem

com importantes núcleos populacionais. Esses bairros reunidos abrigavam, em 1940, por volta

de 4% da população municipal, concentrando mais de 28% em atividades agrícolas e

extrativas.

Ao iniciar a década de 40 já estavam bem definidos os vetores de expansão da cidade

bem como o seu padrão de estratificação social. A construção de vias férreas nas direções

noroeste e oeste havia definido os espaços para a implantação das indústrias e

conseqüentemente das habitações operárias. Os investimentos públicos realizados nos bairros

nobres das zonas sul e norte nas décadas anteriores já haviam também traçado o caminho para

a expansão dos espaços residenciais para as classes de mais alta renda.

43

Page 62: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Atlas Fundiário do Rio de Janeiro. SEAF, 1991.

Figura 10 – Estradas de ferro do Rio de Janeiro – Município e Região Metropolitana

44

Page 63: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

De 1940 a 1960, a população do município cresceu a uma taxa média geométrica de

3,15% a.a, o que resultou num incremento populacional de 1.517.767 novos habitantes. Este

crescimento populacional, motivado especialmente pelo aumento do fluxo migratório, teve

como resultado o adensamento - através da verticalização - dos tradicionais bairros das zonas

sul (incremento de 27%); a intensificação da ocupação dos subúrbios (incremento de 50%); e

a expansão da ocupação para a zona oeste, antiga zona rural do município (incremento de

18%).

Na zona suburbana (AP3) observou-se a proliferação das favelas1 que ocuparam as

áreas remanescentes dos processos de urbanização anteriores próximas aos núcleos

industriais, e a implantação de grandes e numerosos conjuntos habitacionais (FINEP-

GAP,1985).

Os bairros que compunham a ‘zona rural’, e parte de Jacarepaguá, foram alvo de um

progressivo processo de parcelamento do solo, com a conversão gradativa, das áreas

utilizadas para o uso agrícola para o uso urbano, majoritariamente voltado para atender ao

consumo de espaço pelos trabalhadores de baixa renda,2 processo este, como se verá, induzido

pela legislação urbanística produzida pelo Estado Novo.

2.2.2. O papel do Estado (Novo): A imposição da lógica patrimonialista aos pobres

A revolução de 1930 representou a emergência e afirmação das classes urbanas,

(burguesa, média e operária), no cenário político brasileiro. É também a partir desse evento

que o Estado se afirma de forma mais efetiva como condutor do processo de desenvolvimento

do capitalismo no Brasil, assumindo, sobretudo, responsabilidades quanto “às condições e

limites básicos do funcionamento do mercado de força de trabalho” (IANNI, 1986, p. 26).

A conquista de direitos pelos trabalhadores urbanos (jornada de 8 horas, férias,

sindicalização) foi mais um atrativo para que levas de imigrantes rurais procurassem as

1 Entre os anos 1950 e 1960 a população favelada do município saltou de 169.305 para 335.063 habitantes, sendo que foi na zona suburbana (AP3) que se verificou o maior crescimento (ABREU, 1997, p. 126). 2 A intensa atividade de parcelamento do solo que se verificou na década de 50 bloqueou o crescimento da atividade agrícola de abastecimento que se verificava na zona oeste desde o início dos anos 20 (PECHMAN, 1987).

45

Page 64: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

cidades em busca de melhores condições de vida, gerando uma enorme demanda por

habitação. Diversas iniciativas foram implementadas na tentativa de minorar o problema,3

dentre as quais, um conjunto de normas que visavam ao controle da ocupação do solo urbano

e que, ao mesmo tempo, promoviam a liberação de áreas agrícolas dos subúrbios mais

distantes para o assentamento de trabalhadores de baixa renda.

2.2.3. A legislação

Se a legislação relativa ao parcelamento do solo elaborada no município no final dos

anos 20 (Dec. 3.549/31) tinha por objetivo, nas palavras do seu autor disciplinar “a expansão

excessiva, irregular, anti-econômica e anti-higiênica” de que era vítima a metrópole

(GODOY, 1932), e assim atender ao projeto de transformação da capital em símbolo do poder

oligárquico e agente do ‘processo civilizador’ (SILVA, 2003, p. 32), a que vai ser editada em

1937 será um instrumento para o desenvolvimento de uma cidade adequada às necessidades

impostas pelo novo modelo de desenvolvimento urbano baseado no capitalismo industrial.

No município, os trabalhos de revisão do antigo regulamento de construções (Dec.

2.087/25) tiveram início em 1934 e resultaram na edição do Dec. 5.595/35, que instituiu um

novo regulamento para obras no Distrito Federal e autorizou a organização de um novo

Código de Obras. Projeto neste sentido foi então submetido à Câmara para apreciação,

permanecendo em discussão legislativa até o final de 1936, sem que se lograsse a aprovação

da redação final.

Decretada a intervenção federal em fevereiro de 1937, a administração municipal

assumiu a tarefa de elaborar o novo código, ampliando a sua abrangência, “modificando e

atualizando toda a legislação desarticulada que existia relativamente aos assuntos ligados ao

interesse da população e sujeitos à fiscalização ou a ação da engenharia municipal”. Para esta

tarefa contou com a participação de renomados profissionais das áreas de engenharia,

arquitetura e urbanismo da cidade, e ainda com a colaboração das instituições representativas

dos engenheiros e arquitetos (R.M.E4, 1937).

3 Em 1933 foram criados os Institutos de Aposentadorias os IAPS que tinham entre as suas atribuições a produção de habitação para os integrantes de suas respectivas categorias profissionais (FINEP-GAP, 1985).

464 Revista Municipal de Engenharia.

Page 65: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Em 01 de Julho de 1937 foi então decretado pelo Interventor Federal no Distrito

Federal, o Cônego Olímpio de Mello, o Decreto 6000, que estabeleceu o Código de Obras do

Distrito Federal. Este código vigorou até o dia 20 de abril de 1970, quando foi substituído

pelo Decreto “E” n.º 3.800.

A leitura do editorial da Revista Municipal de Engenharia de novembro de 1937 deixa

clara a visão de que a revisão, modificação e complementação de tão vasta legislação, em tão

curto espaço de tempo, só foi possível em função da vigência de um regime de exceção em

que ficava dispensada a intervenção da Câmara Municipal. Para o editorialista, a participação

de renomados técnicos e sua instituições, era suficiente para a legitimação social da nova

legislação.

A este respeito, cabe observar que a maior e mais importante parte da legislação

analisada nesse trabalho foi produzida sob regimes autoritários: Estado Novo e Ditadura

Militar5.

2.2.3.1. O Decreto Municipal 6000/37

O Decreto 6000 estabeleceu um zoneamento6 para o então Distrito Federal, dividindo-

o nas seguintes zonas: comercial (ZC 1 e 2), portuária (ZP), industrial (ZI), residencial (ZR 1,

2 e 3 ) e a rural e agrícola (ZA), que foram delimitadas nos artigos 4º a 8º. A zona rural e

agrícola não possuía delimitação específica sendo “constituída por toda a área não

compreendida nas demais zonas”. Os “núcleos populosos” desta zona eram classificados

como ZR3 sendo caracterizados como “trecho de logradouro onde, em cem metros de

extensão, existirem pelo menos seis prédios”.

Este mesmo decreto estabeleceu a obrigatoriedade de obtenção de prévia licença da

Prefeitura para a execução de arruamento ou abertura de logradouro, em qualquer das zonas

do Distrito Federal. Constavam, entre as exigências formuladas ao empreendedor, as relativas

à observância da relação obrigatória entre os espaços livres destinados ao público; localização

5 A história recente demonstra, quando se tem em conta o tempo gasto na tramitação do Estatuto da Cidade (mais de 11 anos), a dificuldade de se produzir legislação urbana em períodos de normalidade democrática.

6 O decreto 6000/37 não foi, no entanto, a primeira legislação a definir um zoneamento para a cidade. Ele foi precedido, nesta tarefa, pelos decretos n.º 1.185 de 1918 e 2.087 de 1925.

47

Page 66: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

adequada destes espaços; dimensionamento e a regularidade dos lotes; critérios para a

localização das edificações nos lotes e destinação de espaços para equipamentos públicos,

entre outras.

Fonte: Folheto de venda do loteamento – arquivo do autor.

Figura 11 – Exemplo de projeto de parcelamento aprovado segundo as regras do Decreto 6000/37

Segundo, ainda, o Decreto 6000, o ‘interessado’ na execução do parcelamento deveria

assumir o compromisso de só efetuar a venda dos lotes e a construção de prédios nos mesmos

após o reconhecimento dos logradouros pela Prefeitura, o que implicava - além da aprovação

do projeto de parcelamento - a obtenção da aceitação, pelo órgão competente da Prefeitura, de

todas as obras de urbanização, que consistiam na execução dos serviços de “escoamento das

águas pluviais e residuais”; “abastecimento de água potável” e “calçamentos” cujas

especificações constavam do código. Estas exigências eram sensivelmente abrandadas quando

os empreendimentos se localizavam em ZA. Nesses casos dispensavam-se a pavimentação

dos logradouros, sendo admitida a substituição pela “compressão e o ensaibramento em uma

faixa de pelo menos seis metros ao longo do eixo; e a construção “de galeria para coletar o

afluente das fossas” (procedimento que era considerado indispensável nas outras zonas não

esgotadas), admitindo-se a abertura de valas ou sarjetas laterais.

48

Page 67: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

A obrigatoriedade da execução prévia da infra-estrutura como condição para a venda

dos lotes teve, no entanto, na prática, curta duração, uma vez que foi tacitamente revogada

com a entrada em vigor do Decreto-Lei 58/37 em 10/12/37, que permitia que as vendas

fossem realizadas apenas com o depósito no Cartório de Registro Imobiliário de uma série de

documentos, dentre os quais, os projetos aprovados pela Prefeitura e um termo de

compromisso relativo à execução das obras. Ademais, tal legislação isentava também os

empreendedores da aprovação de projetos na Prefeitura, quando as áreas a serem parceladas

estivessem fora da zona urbana.

O Decreto 6000 também definiu critérios para o dimensionamento dos lotes a serem

implantados de acordo com a zona em que estiverem localizados e o uso atribuído, residencial

ou comercial. A tabela abaixo apresenta os tipos de lotes definidos no código.

Tabela 1

Classificação dos lotes segundo testadas e áreas mínimas

Tipo Testada Mínima Área Mínima

A* - Lotes resultantes de novos arruamentos ou

localizados nos logradouros públicos existentes

12.00 m 360,00 m²

B* -Lotes situados em Zona Rural e Agrícola (ZA) 15.00 m 525,00 m²

Lotes integrantes de núcleos de comércio local,

aprovados nos projetos de loteamentos

8.00 m 240,00 m²

C*- Lotes proletários* – apenas em Zona Residencial

3 – ZR3 e ZA 9.00 m 225,00 m²

Lotes comerciais em loteamentos proletários –

ZR3 e ZA 8.00 m² 200,00 m²

* Apenas para efeito de análise neste trabalho, foram classificados os tipos de lote não comerciais como A, B e C, não existindo este tipo de classificação no Dec. 6.000.

**Para ”a construção de pequenas casas destinadas à habitação para as classes proletárias, localizadas em ZR3 e ZA, constituídas de um único pavimento, de área não superior à 60.00 m². (Art. 346)

49

Page 68: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Como pode ser observado, aqui também se verifica a admissão da redução de

parâmetros para os empreendimentos executados em ZA. Contraditoriamente, embora nesta

zona fosse exigida a produção do lote com as maiores dimensões previstas no código, também

aí se admitiam lotes de dimensões inferiores às exigidas para as demais zonas do município,

desde que estes tivessem por finalidade “ a construção de pequenas casas destinadas à

habitação para as classes proletárias”.

Constata-se, portanto, que as legislações Federal e Municipal produzidas no início do

Estado Novo, buscavam viabilizar a oferta de terra barata para o consumo das classes de

menor renda, através da redução do nível de exigências urbanísticas para o parcelamento de

terrenos situados na Zona Rural, contribuindo assim para o estabelecimento naquela região de

um standart inferior em termos urbanísticos e ambientais, se comparada às demais zonas da

cidade.

2.2.3.2. O Decreto-Lei Federal 58/37

O Decretos-Lei n.º 58 de 10/12/377 (regulamentado pelo Decreto n.º 3079/38) foi o

primeiro diploma legal brasileiro a disciplinar, no nível federal, a matéria de loteamentos.

Tinha por objetivo disciplinar a atividade de venda a prazo de terrenos, tratando assim de

desenvolver tema que a legislação municipal já buscava elucidar, porém, sujeita à crítica,

como já visto, de estar invadindo área de competência federal.8

O principal objetivo declarado desse decreto-lei foi o de excepcionar a aplicação do

artigo 1088 do Código Civil pelos loteadores em prejuízo dos adquirentes de lotes. Tal

dispositivo do C.C. permitia que, antes da assinatura do contrato de compra e venda, qualquer

das partes pudesse arrepender-se, cabendo, nesse caso, a indenização da outra parte por perdas

e danos. Tal artifício podia ser muito vantajoso aos loteadores, que vendo suas terras

valorizadas pelo processo de ocupação, e por eventuais investimentos públicos ou privados,

7 O projeto de lei que deu origem ao decreto 58/37 foi apresentado ao Congresso Nacional em 1935 pelo deputado Waldemar Ferreira. 8 Desde a proclamação da República, cabe ao município a competência de regular a forma e a intensidade de construção no território municipal e à União as questões relativas à propriedade do solo urbano.

50

Page 69: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

podia “arrepender-se” da venda, indenizar o comprador e revender o lote a um terceiro como

substancial lucro9 (WALCACER, 1981, p.151).

Por este decreto obrigava-se os loteadores que pretendessem vender lotes a prazo, o

depósito nos cartórios de registro de imóveis de um memorial contendo: identificação e

descrição do imóvel a ser loteado; relação cronológica dos títulos, projeto do loteamento

aprovado pela Prefeitura, cópia do contrato padrão, e as certidões negativas de impostos e

ônus reais10. Determinava também que, caso no imóvel urbano, o projeto do loteamento

deveria ser submetido à aprovação prévia da prefeitura, e dependendo do caso, a outras

instâncias governamentais. Não fazia parte do Decreto-Lei, no entanto, com já visto, a

exigência de execução prévia das obras de infra-estrutura, que já constava da legislação

municipal da época.11 Não obstante, fazia o texto legal referência à apresentação de um ‘plano

de loteamento’ acompanhado de um ‘programa de desenvolvimento urbano’, o que na prática

pode ser entendido como um termo público de compromisso de atendimento às exigências

urbanísticas emitidas pelo poder local (art. 1º, item I, alínea C, e item II).

A exigência da averbação, à margem do registro, de todos os compromissos de compra

e venda de lotes, bem como de todas a suas transferências e rescisões,(atribuindo essa

averbação direito sui generis oponível a terceiros, quanto a alienação ou oneração posterior)

veio defender, também, o direito do promitente-comprador contra as vendas posteriores que o

loteador viesse efetuar.

9 A partir da edição do Decreto-Lei 58/37, em caso de cancelamento do contrato, além da devolução das prestações recebidas, com os juros convencionados ou legais, cabia também o direito à indenização por perdas e danos, desde que comprovada a má fé do vendedor (art. 12, § 1º). 10 Consta dos considerandos do Decreto-Lei que o parcelamento e venda de terrenos urbanos e rurais se operava freqüentemente sem que os compradores pudessem verificar os títulos de propriedade dos vendedores. 11 Neste aspecto, o decreto era contrário ao que dispunha a legislação municipal, ao permitir a venda dos lotes sem a execução prévia das obras de urbanização, representando assim uma vitória daqueles que propunham a revogação da legislação local aprovada em 1931. Um outro aspecto de conflito com a legislação municipal é a dispensa de aprovação dos projetos na Prefeitura para áreas parceladas fora da zona urbana.

51

Page 70: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Folheto de venda – acervo do autor

Figura 12 – Folheto de venda de lotes em loteamento regular implantado em Campo Grande no final da década de 50, executado segundo as normas do Decreto 6000/37 e do Decreto-Lei n.º 58/37. Observar que é feita referência ao cumprimento deste último quanto ao registro no Ofício do Registro de Imóveis

52

Page 71: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Um outro aspecto importante da norma, era a determinação de que a inscrição do

loteamento no registro de imóveis tornava inalienáveis os espaços públicos constantes do

memorial e do projeto do loteamento, não fazendo, no entanto, referência à transferência da

titularidade destas áreas para a Prefeitura, o que só veio ocorrer quase trinta anos depois com

a promulgação do Decreto-Lei n.º 271 de fevereiro de 1967.

Um aspecto do Decreto-Lei 58/37, destacado por Fernando Walcacer, é o fato de este

não estabelecer qualquer tipo de restrição urbanística ou diretriz a ser seguida pelos governos

locais nos processos de exame e aprovação dos projetos de parcelamento do solo, deixando

aos municípios tais atribuições (WALCACER, 1981, p. 154). Tal preocupação, com efeito, só

seria incorporada à legislação federal muito posteriormente, com a edição da Lei 6766/79.

Segundo o mesmo autor, apesar de oferecer garantias aos adquirentes (a proteção

contra o ‘arrependimento’, alienações futuras ou oneração dos lotes já comprometidos), e

impor uma série de exigências ao loteador (o depósito em cartório dos títulos de domínio,

apresentação de plano de loteamento aprovado pela prefeitura), o citado decreto-lei não previu

qualquer tipo de sanção ao vendedor que a descumprisse, o que fez com que não se lograsse,

efetivamente, o controle esperado sobre a atividade de venda de lotes a prazo.

É bem verdade que o texto legal instituiu nos artigos 15 e 16 a possibilidade da

adjudicação compulsória dos lotes aos adquirentes que, após terem cumprido suas obrigações

contratuais, e quitadas as prestações devidas, não conseguissem obter dos parceladores as

escrituras definitivas. Esta providência, no entanto, parece configurar uma ‘obrigação de

dar’12 e não uma sanção, no seu sentido jurídico de pena.

Cabe salientar que, embora não estabelecesse diretrizes para a elaboração de projetos

ou obras, esta lei teve um impacto significativo no padrão de desenvolvimento das periferias

das cidades.

Como se pode perceber da análise da legislação produzida no período, o intuito não

era garantir condições urbanísticas adequadas aos assentamentos de baixa renda, e sim

viabilizar um mercado de terras a baixo custo para esta mesma população. Acertadamente,

Bueno afirma que o Decreto-Lei n.º 58/37 não teria sido elaborado “visando ao interesse da

53

12 Consiste na obrigação (entendida como a relação transitória de direito que constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa economicamente apreciável em proveito de alguém) da entrega de uma coisa móvel ou imóvel para a constituição de um direito real (venda, doação, etc) (NAÚFEL,1984, p. 718)

Page 72: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

ordenação da cidade” mas “teria surgido com o fim oposto: o de permitir o acesso à

propriedade dos lotes periféricos destinados à população de baixa renda” (BUENO, 2004).

Ao impor como condição para a venda de lotes a aprovação de projetos urbanísticos

pela Prefeitura, o decreto-lei conjugou, pela primeira vez no corpo de uma legislação federal,

elementos do campo disciplinar do Direito Civil (direito privado) e do Direito

Administrativo/Urbanístico (direito público). Pode-se dizer mesmo, que este dispositivo foi o

que definiu os limites do que seria, a partir de então, as modalidades de parcelamento não-

regular em termos urbanísticos e fundiários.

Até a edição do Decreto-Lei 58, a venda de terras não estava condicionada à

aprovação prévia de projetos pela Prefeitura. Determinação neste sentido já constava da

legislação municipal, porém era questionada, como já visto, quanto à sua constitucionalidade.

Isto quer dizer que era possível ter um parcelamento não-regular sob o ponto de vista

urbanístico, porém regular sob o ponto de vista fundiário. Tal situação implicava que a

eliminação da situação de irregularidade poderia ser alcançada através do suprimento dos

serviços de infra-estrutura e por atos administrativos de aceitação e reconhecimento de

logradouros, instrumentos que foram largamente utilizados para a incorporação à cidade

formal dos logradouros irregularmente executados especialmente nos anos de 1917 e 1918.

Ao condicionar o parcelamento e venda da terra urbana à aprovação de projetos pela

municipalidade, o decreto condicionou uma operação comercial a uma exigência de ordem

urbanística; vinculou uma atividade até então somente regulada pelo direito civil (federal) a

condicionantes oriundas do direito urbanístico (municipal). A partir de então, o parcelamento

e venda de terras urbanas, sem a aprovação prévia dos projetos pelo poder municipal, seria

irremediavelmente não-regular, ou melhor denominado “clandestino”. Neste sentido, a

incorporação de infra-estruturas e a edição de atos administrativos de aceitação e

reconhecimento de logradouros não implicaria mais a ‘regularização’ dos assentamentos.

A lei deu ensejo também ao surgimento da figura do loteamento ‘irregular’ que era

aquele que atendia a lei federal no sentido de ter o projeto de parcelamento previamente

aprovado, porém não atendia a legislação municipal no que dizia respeito ao cumprimento das

obrigações assumidas com relação à execução das obras de infra-estrutura. Este portanto,

apresentava-se como regular, sob o ponto de vista fundiário / registrário (legislação federal) e

irregular sob o ponto de vista urbanístico (legislação municipal).

54

Page 73: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Como se verá adiante, esta modalidade ‘irregular’ de parcelamento do solo se

disseminará pelos bairros da periferia do município a partir dos anos 40, tornando-se uma da

mais importantes alternativas de acesso à terra e à habitação para os trabalhadores imigrantes

que afluíam à cidade. Este crescimento irregular será facilitado pela demonstrada

incapacidade da administração municipal na imposição do cumprimento das obrigações

assumidas pelos parceladores. São frutos dessas legislações os grandes loteamentos

irregulares lançados na Zona Oeste, especialmente na região de Guaratiba (Ver mapa da

pág.164)

55

Page 74: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Programa Morar Legal, SMH.

Figura 13 – Jardim Maravilha planta cadastral: indicação dos limites da área loteada e a indicação dos logradouros efetivamente implantados

Fonte: Programa Morar Legal, SMH.

Figura 14 - Foto aérea panorâmica do loteamento com a serra da Capoeira Grande ao fundo, onde se podem observar áreas ocupadas e não ocupadas do loteamento

56

Page 75: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Sob o ponto de vista da gestão local do desenvolvimento urbano e também na

perspectiva da tutela do direito de propriedade, esta modalidade de parcelamento irregular

tinha aspectos ‘favoráveis’ em comparação ao clandestino, pois com a execução de obras de

infra-estrutura e a aceitação administrativa dos logradouros, alçava-se o parcelamento à

condição de regular, não sendo necessário atuar na regularização registraria e fundiária.

Neste sentido, o Decreto-Lei 58/37 parecia cumprir o seu papel não explicitado, que

era o de ampliar o número de proprietários entre os trabalhadores, reproduzindo assim a

lógica patrimonialista do Código Civil, mesmo que a custa da baixa qualidade do meio

ambiente urbano produzido.

Um fato que exemplifica bem a ineficácia da legislação e da ineficiência da

administração pública no controle da atividade do parcelamento do solo no período foi a

edição, em outubro de 1948, da Lei N.º 148.

Após constatar o estado precário em que se encontravam os logradouros dos

subúrbios, a Prefeitura do Distrito Federal buscou dar solução para o problema da cobertura

dos custos da pavimentação das ruas, dispondo, através da lei citada, da possibilidade da

execução das obras pelo poder público, desde que os custos desta execução fossem assumidos

pelos proprietários dos imóveis situados no logradouro. Assim, o governo municipal buscava

transferir aos moradores desses logradouros a responsabilidade de parte dos custos de

urbanização não executados pelo loteador ou pelo município. Tal medida, que não vingou na

prática, de certa forma tentava por em prática, embora de forma muito pouco elaborada, a

proposta de Alfred Agache que propunha a instituição do programa de “transformação dos

loteamentos defeituosos” onde recairiam, também sobre os moradores os custos da

urbanização e regularização dos loteamentos.

Passados mais de vinte anos da aprovação dos decretos 58/37 e 6000/37, verificava-se

que ainda estava longe a solução do problema da venda a prazo de terrenos no Distrito

Federal. A aparente ineficácia da legislação e a incapacidade dos poderes públicos de exercer

um efetivo controle sobre a atividade do parcelamento e comercialização do solo fica explícita

no artigo publicado na Revista Municipal de Engenharia no ano de 1954 pelo funcionário

municipal Eng. Antônio Mollica, do qual destaca-se o seguinte trecho.

57

Firmas especializadas na exploração do negócio de vendas de lotes à prestação se criam, adquirem , de início, uma determinada área e se lançam a especulação..Providenciam a organização de uma planta de acordo com os

Page 76: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Decretos-Lei 58/37, o 3.079/38 e o Decreto 6000/37.... após longo e penoso encaminhamento pelos canais administrativos [esta] é aprovada pela Prefeitura do Distrito Federal. Para isso, assinam com a Prefeitura um termo publico de doação13 e de obrigação. De posse da planta aprovada de loteamento, e satisfeita toda a documentação, obtém o loteador do Registro de Imóveis da Circunscrição respectiva a inscrição do loteamento a qual confere ao imóvel o estado de propriedade loteada, que é completada pela averbação da inscrição no livro de transcrições à margem do registro de propriedade loteada. Efetuada esta inscrição, inicia a propaganda da venda dos lotes à prestação por meio, da imprensa escrita e falada, fornecimento de condução, para o local dos lotes, churrascos, etc.

Constata-se aqui, portanto, que a aprovação do projeto e a sua averbação no Registro

de Imóveis já constituía o lote como unidade autônoma, passível de ser comercializado

legalmente sob o ponto de vista da legislação civil, mesmo que o local não apresentasse as

condições necessárias para a sua utilização.

Milhares de pessoas, de boa fé, entre às quais se incluem operários, marinheiros, marítimos, militares, pequenos funcionários são atraídos por essa propaganda revestida de todas as formalidades legais, que tendo em mira a construção de sua casa, tornam-se promitentes compradores dos lotes anunciados. Após essa formalidade, averbam a caderneta de compromisso de compra e venda e, mensalmente, com sacrifício até das necessidades essenciais e mínimas de alimentação satisfazem ou cumprem o compromisso assumido.

Dessa forma, os trabalhadores se tornavam ‘proprietários’, atendendo, portanto, aos

objetivos implícitos na legislação, muito embora esta ‘propriedade’ não cumprisse

adequadamente a sua finalidade primordial que era a de prover local de moradia para os

trabalhadores.

Resulta que os loteadores inescrupulosos, já tendo prometido vender, como lhes faculta a inscrição do loteamento, todos os lotes ou a sua maior parte, pelo sistema de prestações, vão prolongando as obras a que estão obrigados por tempo indefinido ou, até, abandonando-as, havendo mesmo quem nunca

58

13 A doação citada, refere-se às áreas destinadas ao uso público, sendo um expediente utilizado pela Prefeitura para adquirir o domínio sobre as áreas destinadas ao sistema viário, praças e aqueles destinados a outros usos públicos, já que a legislação federal limitava-se a torná-las apenas inalienáveis. O termo de obrigações era relativo às obras de urbanização exigidas pela legislação municipal ao loteador. (Obras não exigidas na legislação federal.)

Page 77: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

as inicie, deixando, impunemente, os compradores em situação aflita e ilegal perante a municipalidade (MOLLICA, 1959, p. 73).

O engenheiro do município discorre ainda sobre as diversas iniciativas legais que

tentavam assegurar garantias reais à municipalidade quanto à execução das obras de

urbanização e infra-estrutura pelos parceladores. O mesmo autor, no entanto, reconhece a

ineficácia dessas medidas que dependem, via de regra, para sua implementação, de demorados

e incertos trâmites judiciais. Para ele, o cerne do problema está no fato de a legislação federal

permitir o registro imobiliário e a venda dos lotes sem exigir a prévia execução das obras de

urbanização.

A solução apresentada por Mollica era, em essência, a incorporação à legislação

federal (Decreto-Lei 58/37) do dispositivo já existente na legislação municipal, que deveria

impedir a venda dos lotes antes da execução e aceitação da obras de urbanização. Embora este

procedimento não tenha sido adotado, deve-se registrar a tentativa de introdução na legislação

municipal de um novo instrumento legal que visava garantir a execução das obras de

urbanização pelo parcelador. Em 1957 foi introduzida na legislação a ‘caução de lotes’, sendo

exigido o caucionamento de uma quantidade de lotes equivalentes ao valor das obras de

urbanização. Pelo que dispunha a Lei 899/57, caso o loteador não executasse as obras devidas

no prazo determinado, ‘perderia’ os lotes caucionados a favor do município, que poderia

utilizá-los para a implantação de conjuntos residenciais para funcionários municipais.

Este instrumento de caução, no entanto, foi considerado ilegítimo nas palavras do

Procurador do Estado, Rocha Lagoa, que assim se manifestou em parecer emitido em 1961.

Saliente-se, ademais, ser duvidosa a fórmula jurídica encontrada pelo legislador municipal para obter a garantia de a execução dos melhoramentos planejados, tendo em vista o fato da legislação federal reguladora do instituto caução [...] o haver caracterizado como modalidade do penhor [...] e este, por sua vez, só pode efetuar-se sobre bens móveis, tal como dispõe o art. 768 do [Código Civil] (LAGOA, 1964ª).

A despeito do parecer do eminente jurista, o dispositivo se manteve na legislação

municipal, embora com alterações, até os dias de hoje. A sua ineficácia, no entanto, continua

a ser objeto de manifestação pelos profissionais da área jurídica da administração municipal.

A esse respeito, cabe conhecer o manifestado na Promoção n.º 59/99 da Procuradoria Geral do

Município do Rio de Janeiro.

59

Page 78: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Cumpre destacar, todavia, que a garantia consubstanciada na caução de lotes, como determina a norma municipal, não constitui, a toda a evidência, modalidade de direito real, tal como a hipoteca, materializando, ao contrário, uma simples obrigação de não fazer, desprovida, portanto, de efeitos reais (LOURENÇO, 1999).

Pode-se concluir que as iniciativas legais e administrativas empreendidas no sentido

de tentar disciplinar a produção e venda de lotes no período tiveram distintos efeitos: por um

lado, efetivamente, disciplinaram a venda de lotes a prazo no que diz respeito ao

aprimoramento dos mecanismos para a garantia da transmissão de propriedade aos

adquirentes. Por outro, pouco ou nada garantiram quanto ao cumprimento das obrigações

assumidas pelo loteador com relação aos aspectos urbanísticos dos parcelamentos.

2.3. Estado da Guanabara (1960 A 1975)

A perda pela Cidade do Rio de Janeiro do status de Distrito Federal, foi compensada

pela sua transformação em Estado da federação em 21 de abril de 1960. Esta situação vigorou,

no entanto, apenas pelo período de 15 anos, retornando novamente à condição de município

em 1975.

No inicio dos anos 60 o Rio de Janeiro já havia perdido a condição de cidade mais

populosa do país para São Paulo. Nas duas décadas que se seguiram observou-se uma gradual

queda da taxa geométrica de crescimento anual, embora fosse ainda significativo o

incremento populacional verificado no período, que foi de 1.808.882 habitantes. Esta

população adicional se distribuiu no território municipal da seguinte maneira: 44% localizou-

se na AP3, 32% na AP5, 15% na AP2 e 9% na AP4. Observou-se no período uma

intensificação da ocupação da AP5, antiga ‘zona rural’, verificando-se um acelerado processo

de conversão das antigas áreas agrícolas em loteamentos populares. O mercado imobiliário

voltado à produção de habitação para as faixas de média e alta renda, iniciou seu

deslocamento para os bairros de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, como sempre, no rastro dos

investimentos públicos que facilitaram o acesso à área (FERREIRA, 1997, p. 22).

Durante a maior parte destes vinte anos, o estado/município, viveu sob o regime de

exceção, fruto do golpe militar de 31 de março de 1964, que perdurou até 1985, quando se

60

Page 79: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

deu início à chamada Nova República. Durante este período foram produzidas novas

legislações relativas ao parcelamento do solo, tanto no nível estadual como federal (Decreto-

Lei 271/67 e Lei 6766/79). Foi também neste período que se criou o Sistema Financeiro da

Habitação e o Banco Nacional da Habitação.

2.3.1. O esforço regulador

Os governos do período ‘estadual’ foram pródigos na produção de normas legais que

dispunham sobre o parcelamento do solo. No período 1960/75 foram produzidas 22 normas

diversas que dispunham sobre aspectos de regulação da atividade de parcelamento, imposição

de sanções e/ou encargos aos parceladores, além da definição de procedimentos para a

legalização dos parcelamentos não-regulares e de normas para a produção de

empreendimentos de interesse social. (Cabe ressaltar que 11 dessas normas (52%) foram

produzidas no período do governo Carlos Lacerda).

A primeira iniciativa dessa administração procurou estabelecer condições para a

abertura de ‘ruas de vila’ e para a construção e transmissão dos seus lotes internos. Através

de Decreto 619/61 se regulamentou a venda em separado, como unidades imobiliárias

autônomas, de lotes situados em ruas de vilas, definindo as obrigações a serem seguidas pelos

vendedores no que diz respeito à prévia execução das obras de infra-estrutura. Tal norma

facilitava a produção e oferta no mercado de lotes com dimensões reduzidas em relação à

legislação de loteamentos, pois desvinculava a produção do lote de vila da necessidade da

construção simultânea das edificações como nas vilas tradicionais.14

14 O Decreto 6000/37 já fazia referência a ‘vilas’ em seu art. 140. Estas, porém, eram definidas como construção de grupos de habitação não caracterizando parcelamento do solo.

61

Page 80: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Programa Morar Legal, Secretaria Municipal de Habitação.

Figura 15 – Vilar Carioca – Planta cadastral com a indicação dos limites do parcelamento e logradouros implantados.

Fonte: Programa Morar Legal, Secretaria Municipal de Habitação. Figura 16 – Vila Carioca – foto aérea

O Vilar Carioca, implantado em 1964, é um exemplo de utilização, em um mesmo parcelamento, de parâmetros do Decreto 6.000/37 e da legislação de vilas da década de 60. O projeto de parcelamento original era composto de 66 lotes comerciais, 57 lotes proletários, 7 lotes destinados a vilas (que em seu total somavam 3.173 lotes de vila) , 8 logradouros públicos, 5 áreas destinadas a praças e 4 a serviços públicos. Embora o parcelador tenha efetivado a doação das áreas, aprovado e registrado o PAL 25160 junto ao 4º Ofício do Registro de Imóveis e contratado a execução das obras de urbanização, não logrou dar continuidade às obras, o que acarretou interrupção de pagamento por parte dos adquirentes, ocupação irregular de muitos lotes e descaracterização significativa do projeto aprovado (Morar Legal, 2002).

62

Page 81: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Um outro decreto que marca as preocupações do novo governo com o crescimento

desordenado da cidade foi o de n.º 966/62. Pela exposição de motivos introdutória deste

decreto, pode-se verificar que o problema dos loteamentos irregulares era motivo de

preocupação para o governo do estado, admitindo-se, logo no princípio, que:

O problema do arruamento e loteamento atinge, neste Estado, aspectos alarmantes e prejudiciais à economia popular. Pessoas físicas ou jurídicas, nem sempre idôneas, após obterem a aprovação de seus projetos de arruamento e loteamento não executam as respectivas obras de urbanização e se locupletam com os lucros advindos da venda de lotes, não só deixando os compromissários compradores sem amparo,[...], como ainda transferindo para o Estado os encargos dessas obras que eram de sua exclusiva responsabilidade, segundo os termos assinados.

Esse decreto acrescenta novos elementos à legislação existente e abre a possibilidade

de se ‘permitir’ aos ‘compromissários compradores’ a realização, às suas custas, das obras

mínimas necessárias ao reconhecimento dos logradouros abertos sem licença ou licenciados,

porém, com obras incompletas.

Através do decreto n.º 1.642/63, que visava regulamentar a Lei n.º 148 de 1948, foi

feita uma nova tentativa de repassar os custos da urbanização dos logradouros para os

moradores. Fazia parte dos fundamentos da norma do citado decreto, o fato de que “ficou

evidenciada a impossibilidade de se urbanizar todos os logradouros públicos inacabados ou

apenas delineados na cidade, mormente porque deve o Governo se empenhar em realizar as

obras de base, isto é, as de saneamento, adiando por falta de recursos, as de acabamento”.

Por este decreto, ficavam “os proprietários, locatários ou ocupantes de imóveis,

autorizados a contratar e fazer executar a pavimentação dos logradouros que lhes interessem”.

Previa, ainda, a possibilidade da inclusão nas obras a serem realizadas “[..] a instalação de

rede de águas e a canalização de águas pluviais”. Como contrapartida receberiam 50% do

valor desembolsado em títulos do Tesouro.

No mesmo ano, foi publicado o decreto n.º 1657/63 que adotou medidas para

regularizar a situação dos loteamentos no Estado, a partir da constatação explicitada nos seus

fundamentos de que “grande número de loteamentos no Estado, principalmente na Zona

Rural, permanece em situação de impasse com referência aos arruamentos existentes,

abandonados que foram, ficando os compromissários compradores sem amparo,

63

Page 82: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

impossibilitados de obter a legalização de seus imóveis”. Tais medidas, no entanto, não iam

além do simples reconhecimento dos logradouros desde que “[...] apresentem condições

mínimas para acesso aos lotes que estejam com os serviços de terraplenagem executados...”.

Ainda nesse ano, foi publicado o decreto n.º 1.742/63 que tinha por objetivo estimular

a iniciativa privada ao ‘parcelamento de terrenos’ e a construção de habitações de interesse

social. Por este decreto, mais uma vez, ficava dispensada a exigência de pavimentação dos

logradouros além de uma série de outras “facilidades”. Pelo mesmo decreto se estendeu a todo

o território do Estado de Guanabara a possibilidade da implantação de ruas de vila, antes

limitada ao aproveitamento de lote de fundos. A administração estadual que se seguiu

considerou esta legislação “suscetível de ocasionar abusos e impropriedades” e fez publicar

outra legislação em substituição: o decreto n.º 721/66 que definiu, entre outras medidas, as

dimensões do “lote popular” que deveria, a partir de então, ter a testada mínima de 8 m e área

mínima de 120,00m². Este decreto foi a base do que seria posteriormente o regulamento de

parcelamento do solo incorporado ao decreto 3.800/70.

Não obstante os incentivos e facilidades oferecidas, proliferaram os loteamentos

irregulares na década de 60. Esta situação levou o governo estadual, para compelir o

parcelador a executar as obras de urbanização, a publicar o Decreto-Lei n.º 222/69 instituindo

procedimentos de cobrança judicial contra os parceladores inadimplentes.

Este conjunto de normas legais demonstra a forma encontrada pelos governos do

Estado da Guanabara para lidar com o problema da expansão dos loteamentos irregulares e

clandestinos. Por um lado buscava incentivar a produção de novos loteamentos a partir da

redução das exigências legais e, por outro, tentava repassar aos moradores e adquirentes o

custo da execução das obras não executadas pelos loteadores.

É dispensável listar aqui todas as obras públicas que estavam sendo realizadas neste

mesmo período nas áreas mais nobres da cidade, com especial destaque para as obras viárias

que privilegiavam o transporte rodoviário e individual, a construção de túneis e viadutos que

viabilizariam melhor acesso para os bairros da Zona Sul e Barra da Tijuca, além do Aterro do

Flamengo, entre outras realizações15 (REIS, 1977). Não há notícia, no entanto, de que

qualquer contrapartida tenha sido exigida dos moradores, locatários, ou proprietários

fundiários dos bairros nobres mais beneficiados por esses investimentos. 15 Para conhecer os investimentos públicos realizados no Estado da Guanabara no período Carlos Lacerda ver “A Guanabara e seus Governadores”. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro de José de Oliveira Reis.

64

Page 83: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

2.3.1.1 O Decreto 3.800/70

No âmbito local, a legislação do parcelamento do solo foi sendo alterada, como já

visto, por leis e decretos pontuais que foram sendo incorporados ao decreto 6000/37 até a

publicação do decreto 3800 em 1970, que é, até hoje, a legislação de parcelamento de solo e

edificações vigente no município.16 Este decreto, inspirado nas diretrizes do Plano

Doxiadis,17 foi alterado por legislação municipal em 1976, e não apresenta, pelo menos no

que diz respeito ao seu ‘Regulamento do Parcelamento do Solo’, inovações substanciais em

relação à legislação anterior, cabendo destaque ao fato de não mais se prever a possibilidade

da implantação de vilas e de propor um novo quadro de dimensionamento de lotes,

incorporando o lote mínimo de 120 m²,18 sem o adjetivo e ‘popular’. Deve-se destacar

também o fato de esta norma definir a exigência de pavimentação asfáltica apenas para os

novos parcelamentos produzidos nas A.P.s 1 e 2, além da Ilha do Govenador, aceitando a

pavimentação a saibro para os bairros das demais A.P.s.

2. 3.1.2. O Decreto-Lei Federal n.º 271/67

A legislação federal sobre parcelamento do solo não se alterou por cerca de 30 anos,

até que foi expedido o Decreto-Lei n.º 271/67. Este decreto estendeu aos loteamentos a

aplicação da Lei n.º 4.591/64 (Lei de condomínios), equiparando o loteador ao incorporador

imobiliário, os compradores aos condôminos, e as obras de infra-estrutura à construção da

edificação.

Dois aspectos podem ser destacados como mais importantes desse diploma legal: o

primeiro foi o fato de definir, no seu artigo quarto, que desde a data da inscrição do

16 Esta legislação deveria ter sido alterada, ou pelo menos adaptada à vigência da Lei-Federal 6766/79, porém isso não aconteceu, sendo o exame dos projetos realizados simultaneamente sob a égide das duas legislações, predominando a Federal nos casos de conflito entre as normas. 17 Considerado o segundo Plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro (então Estado da Guanabara) foi encomendado pelo Governo do Estado ao escritório grego Doxiadis Associates, entregue em 1965. 18 A Lei Federal 6766/79 definiu a área do lote mínimo para todo território nacional em 125 m², sendo tal parâmetro assumido também pelo município do Rio de Janeiro. Observa-se, no entanto, que na prática o que ficou de certa forma como “padrão” para a produção informal foi a área de 120m² definida pela legislação municipal.

65

Page 84: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

loteamento no registro de imóveis as vias, praças e as áreas destinadas a edifícios públicos e

outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, passavam a

integrar o domínio público do município.19 Neste ponto este decreto inovou em relação ao

Decreto 58/37, que previa, no seu artigo 3º, apenas a inalienabilidade das vias de

comunicação e dos espaços livres, sem transferi-los ao município. O outro aspecto relevante,

foi a instituição, no seu artigo sétimo, da concessão do direito real de uso que viria a ser um

importante instrumentos para a regularização da posse da terra, especialmente no atendimento

de situações que envolvem ocupação de terras públicas.

Vale destacar também que estava previsto na lei o estabelecimento “normas gerais de

diretrizes” que seriam baixadas pelo BNH “em 90 dias” (o que nunca foi feito). Constava do §

1º do art. 3º do Decreto-Lei 271/67 que o poder executivo deveria em 180 dias regulamentá-

lo promovendo as adaptações necessárias à aplicação da lei de condomínios aos loteamentos.

Tal regulamentação não foi realizada, limitando a eficácia da sua aplicação.

Um outro aspecto relevante, foi o fato de a norma definir como crime contra a

economia popular a promoção da incorporação feita através de proposta, contratos, prospectos

ou comunicação ao público ou aos interessados e a afirmação falsa sobre a constituição do

condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações.

Como pena, previa a reclusão de um a quatro anos e multa de cinco a cinqüenta vezes o

maior salário mínimo legal vigente no País. A sua aplicação às situações típicas de

loteamentos irregulares e clandestinos demonstrou, no entanto, ser de pouca eficácia.

Ao tomar de empréstimo da Lei 4.591/64 o artigo 65 que definia como crime o ato de

fazer afirmação falsa sobre a constituição de condomínio, alienação de frações, etc., e não ao

ato de vender ou ‘comprometer a venda’, a norma reduziu sua possibilidade de aplicação, pois

não se poderia imputar a prática de crime ao vendedor de lote clandestino - mesmo que

estivessem presentes os elementos comprovantes da venda irregular - se antes não ficasse

demonstrada a “propaganda em prospectos, contratos, propostas ou comunicação ao público”

a respeito das referidas vendas ou compromissos (CASEIRO, 1979).

19 A transferência das áreas de logradouros e praças para o patrimônio municipal através do ato de inscrição no registro de imóveis foi proposta pela primeira vez pelo Deputado Lauro Cruz em novembro de 1951 pelo projeto de lei n.º 1457/51. Este projeto de lei, embora aprovado pelo Senado Federal, foi vetado pelo Presidente da República em 1955 (MOLLICA, 1959, p. 74).

66

Page 85: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Nesse aspecto, o art. 66 da mesma lei era um pouco mais efetivo, pois definia com

contravenções os atos de “negociar’ [...] sem satisfazer às exigências da lei; “omitir”

informações sobre o imóvel; “deixar de celebrar contratos”, etc. Sua eficácia, no entanto, era

limitada, pois previa apenas aplicação de multas de pouca monta, se comparadas ao valores

praticados no mercado fundiário.

Como pode ser observado, tal legislação não cumpria efetivamente a função

socialmente espera e deixava margem para atuação impune dos parceladores, desde que

fossem tomados alguns cuidados quanto aos procedimentos de divulgação e comercialização.

Tal situação favorecia, ainda, a produção de loteamentos irregulares, não apresentando

impacto relevante sobre o controle desta forma de produção, muito embora já sinalizasse para

o mercado a disposição do Estado em impor sanções de cunho penal contra os loteadores.

Não há também no decreto, nenhuma cláusula que possa ser tomada como de proteção

efetiva aos interesses dos adquirentes de lotes irregulares. Pelo contrário, o artigo quinto, ao

determinar que não serão indenizadas as benfeitorias ou construções realizadas em lotes de

loteamentos irregulares, na verdade; os penaliza.

2.4. Município (1975-2004)

Ao iniciar-se os anos 80, a população do município já era superior a 5 milhões de

habitantes. Nas duas décadas seguintes a cidade recebeu um incremento populacional de mais

767.114 habitantes, menos da metade, no entanto, da população acrescida nos 20 anos

anteriores. De 1980 a 2000 verificou-se uma taxa média geométrica de crescimento anual de

0,70% bem inferior também à verificada no período 1960/80.

Os bairros da AP 1 e AP 2 vão sofrer no período, um processo de redução

populacional. A população da AP3 se estabiliza, crescendo a taxas inferiores à da cidade

como um todo. O maior crescimento na taxa de urbanização será verificado na AP4, e será,

também nesta região, que se verificará o maior crescimento da população favelada (100%

entre 1991 e 2000). Em termos absolutos, porém, será a AP5 que absorverá a maior parte

deste incremento populacional (55% do total), verificando-se também ali o segundo maior

crescimento da população favelada do município, tanto em termos relativos como absolutos.

67

Page 86: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

No inicio dos anos 80, o Brasil retomou o caminho democrático, sendo restabelecidas

as eleições para governadores, prefeitos e, por fim, para presidente da república. O retorno à

normalidade democrática coincidiu, no entanto, com o esgotamento do modelo do Sistema

Financeiro da Habitação que redundou na extinção do Banco Nacional da Habitação em 1986.

Entre 1980 e 2000 a crise habitacional se agravou. Muito embora tenha se verificado uma

queda na taxa de crescimento populacional do município em relação ao período anterior,

observou-se, por outro lado, o crescimento da população das favelas20 e a retomada da oferta

de lotes em parcelamentos não-regulares (ver pág. 109).

Durante os anos 80 e 90 continuou a vigorar no município o Regulamento do

Parcelamento da Terra do Decreto 3.800/70, com a incorporação, em parte, das determinações

da Lei Federal 6766/79. A entrada em vigor do Plano Diretor Decenal da Cidade em 1992

pouco impacto teve sobre as regras para a produção do parcelamento do solo, tendo em vista

que, até o momento, não houve a regulamentação dos artigos 83 a 92 que tratam das diretrizes

para a nova lei de parcelamento do solo urbano.

Nessas duas décadas, observou-se uma mudança radical na produção das normas

municipais vinculadas ao tema do parcelamento do solo. Um levantamento das 23 normas

municipais (ou estaduais aplicáveis ao município) relativas ao tema, produzidas no período,

indicou que 19 (83%) dizem respeito a procedimentos de regularização de parcelamento não-

regulares. Tal constatação demonstra que a Lei 6766/79 teve um efetivo impacto no re-

direcionamento da política municipal, ensejando iniciativas voltadas para a regularização

urbanística e fundiária dos parcelamentos. Se por um lado tal constatação pode ser vista como

um aspecto positivo, especialmente tendo em vista os interesses dos moradores desses

assentamentos, por outro, deixa claro a consolidação da opção do Estado pelo atendimento à

demanda por terra e habitação dos trabalhadores, pela via informal. Tal afirmação tem por

base o fato de não terem sido desenvolvidos na mesma intensidade, pelo poder municipal e

estadual, os outros aspectos da legislação, que visavam ao controle do parcelamento e

comercialização do solo e o incentivo à produção de empreendimentos de interesse social.

68

20 No último período intercensitário, a taxa de crescimento das favelas foi de 2,4% a.a. enquanto a do resto da cidade foi de 0,38% a.a.

Page 87: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

2.4.1. Lei Federal 6766/79

A legislação federal hoje em vigor para regulação do parcelamento do solo em todo

território nacional é a Lei Federal 6766/79, também conhecida com Lei Lehmann em

homenagem ao seu autor, Senador Otto Cyrillo Lehmann.

Conhecida também como Lei de Parcelamento do Solo Urbano, a Lei Federal 6766/79

é considerada um dos três pilares que compõem o tripé das principais leis urbanísticas do País

juntamente com o capítulo constitucional da política urbana e o Estatuto da Cidade.

Esta lei foi apresentada ao Senado Federal em 11 de março de 1977, com o objetivo de

disciplinar o regime jurídico dos loteamentos urbanos em substituição ao Decreto-Lei n.º

58/37 que, segundo o Senador, já havia perdido a sua eficácia. Em essência, a nova lei

deveria: definir procedimentos urbanísticos mínimos que ordenassem os loteamentos,

resguardar com eficiência os direitos dos compradores de lotes e estabelecer

responsabilidades e punição aos loteadores ilegais. Posto dessa maneira, a lei vinha atender às

reivindicações dos urbanistas e dos movimentos de luta dos moradores dos loteamentos

irregulares e clandestinos que proliferavam na cidade de São Paulo, Rio de Janeiro, e demais

cidades grandes e médias do Brasil.

Segundo ainda o Senador Otto Lehmann, esta lei viria,

[...] finalmente resolver um dos mais graves problemas sociais do país, estimando que, mais de 10 milhões de pessoas em todo o território nacional sejam vítimas de loteamentos clandestinos, por terem comprado imóveis em loteamento irregular, e que por isso, não têm condições de passar escritura e regularizar os lotes (LEHMANN, 1977 apud BELOCH, 1980, p. 84).

Decorridos, no entanto, mais de 25 anos da aprovação da lei, pode-se verificar que os

resultados esperados pelo Senador não foram alcançados, e que a sua iniciativa resultou numa

das leis mais polêmicas da história legislativa brasileira, sobre a qual recorrentemente se

debruçam juristas e urbanistas que produzem as mais diversas interpretações sobre seus

princípios, objetivos e resultados.

Para muitos autores, a lei teria tido o efeito de ‘paralisar’ o mercado informal de lotes

que se desenvolvia na época da sua publicação, provocando o re-direcionamento desta

demanda para o ‘mercado’ das favelas e das invasões. Na opinião de Maricato, por exemplo, a

69

Page 88: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Lei “acarretou significativa restrição à oferta de moradia para a população trabalhadora, tendo

como efeito o crescimento das favelas e à ocorrência de invasões” (MARICATO, 1987, p.

74). É sua hipótese, ainda, que a lei “contribuiu para o fortalecimento do mercado capitalista

formal e para a segregação ambiental ao evitar que a terra urbana,[...],fosse parcelada

irregularmente por causa de exigências urbanísticas e burocráticas” (MARICATO, 1996, p.

48). Para Santos um grande colapso se anunciava, uma vez que a lei havia “entravado” o

mercado de lotes irregulares, restando apenas as insuficientes alternativas oficiais ou as

favelas, agora “distantes dos núcleos dos grandes aglomerados". (SANTOS, 1986, apud

MARICATO, 1996, p. 48). Para Raquel Rolnik a 6766/79 teria sido um dos fatores

determinantes para o esgotamento do modelo de padrão periférico do crescimento urbano, ao

impor padrões mais restritivos à produção de loteamentos populares (ROLNIK, 1997). Na

visão de Martins, devido às restrições da Lei 6766/79 e da ausência de outras alternativas de

habitação popular, a população de baixa renda “acabou sendo empurrada para as áreas

ambientalmente mais frágeis, desprezada pelo mercado formal” (MARTINS, 2003, p. 2). Para

outros autores, no entanto, a lei foi uma ‘importante contribuição para a mobilização popular

e politização do direito de ação” dos moradores em parcelamentos não-regulares

(BALDEZ,1986).

No município do Rio de Janeiro o que se constatou, após a entrada em vigor da lei, foi

a redução da oferta de parcelamentos do tipo ‘irregular’ e, em substituição, o aumento da

oferta de lotes ‘clandestinos’ integrantes de loteamentos cada vez mais precários em termos

de infra-estrutura e mais distantes dos padrões determinados pela legislação urbanística

(JESUS, 2003, p. 427-456). Não foi verificada, no caso deste município, uma relação direta

entre incremento das favelas e a entrada em vigência da 6766/79. Pelo contrário, na década de

80 o que se verificou foi uma brutal queda na taxa média geométrica de crescimento anual da

população residente em favelas, caindo de 5,37% na década de 70 para 2,48% na década

seguinte. O que se constatou, sem dúvida, foi uma mudança considerável na forma da

comercialização e na qualidade do parcelamento não-regular (agora predominantemente

clandestino) oferecido no mercado, como poderá ser verificado quando se abordar o tema do

impacto da Lei 6766/79 na produção informal de lotes no Rio de Janeiro no capítulo 3 desta

dissertação.

70

Page 89: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Figura 17 – Imagens de loteamentos clandestinos produzidos após a vigência da Lei 6766/79 – Fotos: Paula Bersch

71

Page 90: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

É interessante observar que os autores citados, que estudaram basicamente o fenômeno

dos parcelamentos não-regulares nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, não fazem

referência ao impacto da lei sobre o mercado formal de lotes (grifo nosso) (à exceção de

Maricato, que identificou a lei 6766/79 como contribuição ao fortalecimento do mercado

formal), e sim sobre o mercado informal (grifo nosso). Ao que parece, o mercado formal,

voltado para o atendimento da ‘demanda solvável’ nessas grandes cidades, não se abalou com

a entrada em vigor da nova legislação federal, pois, de fato, como pôde ser verificado neste

trabalho e em outras publicações (MARICATO, 1996, p. 48), a lei 6766/79 não estipulou

maiores exigências urbanísticas que aquelas previstas nas legislações municipais já existentes.

Tal fato não ocorreu da mesma forma com relação àquelas cidades de menor porte, a exemplo

dos municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, que não possuíam uma legislação

específica para o parcelamento do solo antes da edição da lei 6766/79. Nestes municípios,

pelo que se pode concluir da leitura de Chinelli, é que a edição da lei teve repercussões mais

abrangentes sobre o funcionamento do mercado de terras como um todo (CHINELLI, 1981).

Embora Maricato e outros autores atribuam à 6766/79 o aumento do processo de

favelização, e por este trabalho se constate a precarização dos parcelamentos não-regulares

ofertados no mercado do Rio de Janeiro nas duas últimas décadas, deve-se reconhecer que a

Lei Lehmann trouxe inovações importantes. Em primeiro lugar, deve-se destacar o

estabelecimento de normas e diretrizes de abrangência nacional relativas às questões

urbanísticas e ambientais e o fortalecimento do papel do município, dando-lhe as condições

para o exercício amplo de suas atribuições21 em todas as fases de aprovação e execução das

obras de urbanização (inclusive com a possibilidade de substituir o loteador na execução das

obras quando esse não as executar) (WALCACER, 1981.p.157). Em segundo lugar, atendeu

à reivindicação popular que defendia a criminalização do ato do parcelamento ilegal do solo e

a possibilidade da suspensão dos pagamentos ao parcelador. Por fim, atribuiu ao município e

ao Ministério Público a representação das comunidades, enquadrando-se, portanto, o direito à

regularização dos parcelamentos como um direito difuso (BALDEZ, 1986, p. 30).

21 O artigo 182 da Constituição Federal atribui ao poder público municipal a responsabilidade pela execução da política de desenvolvimento urbano, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.

72

Page 91: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Com relação à possibilidade criada pela lei para o município assumir a regularização

dos loteamentos, cabe observar, no entanto, que esta hipótese ficou bastante limitada pelo fato

de a lei não vir acompanhada do estabelecimento de parâmetros e instrumentos urbanísticos

especiais para esta regularização. Este fato restringiu as ações de regularização apenas àqueles

loteamentos considerados irregulares, cuja implantação tivesse obedecido integralmente os

projetos aprovados pela municipalidade, o que restringiu sobremaneira a atuação municipal.

No caso do município do Rio de Janeiro, só após revisão da Lei Orgânica Municipal, com

base na Constituição de 1988, e da aprovação do Plano Diretor Decenal em 1992, com a

criação das AEIS, foi possível ampliar o número de loteamentos beneficiados.

2.4.1.1. A lei como marco da transição

Cabe observar que, ao se proceder a análise desta lei, deve-se ter em conta também o

contexto de sua formulação, aprovação e publicação. Segundo Bueno, a lei foi aprovada sob

um regime constitucional na qual não havia previsão de competência para a União legislar

sobre direito urbanístico, o que causou dúvida sobre a sua constitucionalidade. Para aquele

autor, a despeito deste aspecto, “a lei permaneceu e realizou a transição do loteamento como

simples instituto de direito civil – lotear nada mais seria do que uma decorrência do direito de

propriedade - para o que o que no direito francês se caracteriza como uma operação de

urbanismo” (BUENO, 2004, p. 13).

Segundo ainda Bueno,

O que antes envolvia apenas um negócio jurídico de compra e venda [Direito Civil], hoje corresponde a uma atividade diretamente relacionada com a ordenação da cidade [Direito Urbanístico], àl implantação da infra-estrutura urbana e o meio ambiente. Portanto, o que estava relacionado somente com os interesses dos particulares, passou a estar diretamente relacionado ao interesse público (BUENO, 2004).

Neste sentido é inegável a importância da lei 6766/79 como marco do estabelecimento

de regras de direito urbanístico na legislação federal.Cabe lembrar que, como já visto no

início deste capítulo tal transição já havia iniciado embora de forma indireta com a entrada

em vigor do Decreto-Lei n.º 58/37 quando vinculou a venda de terras a prazo à aprovação de

projetos pelas prefeituras.

73

Page 92: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

2.4.1.2. A lei como bandeira de luta popular

Deve-se destacar que, nesta lei, os aspectos mais positivos para os moradores dos

loteamentos foram: em primeiro lugar o fato de ter reconhecido os seus direitos como

adquirentes, sendo-lhe facultada a possibilidade de promover a suspensão dos pagamentos

devidos aos loteadores inadimplentes. Em segundo, também em função deste reconhecimento,

foi a atribuição à municipalidade da possibilidade de substituir o loteador e promover a

regularização do loteamento após sua notificação. Esta última medida permitiu uma mudança

qualitativa na luta dos moradores pela urbanização dos loteamentos, como bem expõe Lago a

propósito da trajetória do Movimento de Loteamentos,22

A gênese do Movimento de Loteamentos, portanto, se processa através do confronto morador x loteador. Trata-se, neste caso, de um conflito na esfera privada, onde estão em jogo interesses particulares regulados pelo contrato de compra e venda do lote (LAGO, 1990, p. 6).

Este comportamento era efetivamente condicionado pelo quadro normativo anterior

marcado pelas regras do decreto-lei 58/37 e pela Lei 271/67, quando cabia aos oficiais de

registro imobiliário a mediação dos interesses dos adquirentes e vendedores. A Lei 6766/79

veio dar ao município um papel mais ativo atribuindo-lhe também um papel relevante na

defesa dos adquirentes de lotes. Tal possibilidade permitiu maior politização do conflito com

a transferência desse confronto da ‘esfera privada’ para a ‘esfera pública’, contribuindo assim

para maior mobilização popular em torno da luta pela urbanização e regularização dos

loteamentos.

A politização do conflito foi acompanhada pelo deslocamento do alvo das reivindicações, cabendo então ao poder público municipal executar as obras de urbanização não concluídas e garantir a regularização dos lotes. A partir daí, os moradores , enquanto movimento social, entram na disputa com outros segmentos sociais pela apropriação dos investimentos públicos (LAGO, 1990, p. 8).

22 O Movimento de Loteamentos surgiu na zona oeste do Rio de Janeiro a partir de 1978 em função da mobilização de moradores de loteamentos em torno das atividades do Grupo Terra e Habitação (GTH) criado por advogados ligados à Pastoral da Terra e contava também com a participação de representantes da FASE e IAB. Em agosto de 1980 foi criado o CUB, Conselho de União de Bairros. Atualmente o Movimento é representado pelo CML Conselho de Moradores de Loteamentos.

74

Page 93: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Proposta n.º 29 – FASE.

Figura 18 – Assembléia dos bairros da Zona Oeste realizada em 25/05/1980

Fonte: Proposta n.º 29 - FASE.

Figura 19 – Manifestação de moradores de loteamentos irregulares e clandestinos na Câmara de Vereadores em 1985

De fato, a partir da edição desta norma e também em resposta à mobilização popular

que se verificou em diversas cidades do Brasil em torno deste tema, muitas cidades passaram

a implementar programas de regularização de loteamentos com destaque para o Rio de

Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, cidades que se instrumentaram institucionalmente para esta

tarefa. Em contrapartida, no entanto, não se verificou o aparelhamento, nessas mesmas

cidades, dos demais setores administrativos incumbidos de fazer cumprir os outros 75

Page 94: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

dispositivos da lei, que prevêem a fiscalização e a punição rigorosa dos loteadores irregulares

e clandestinos. Tal crítica pode ser estendida também a outras esferas de governo,

principalmente o corpo jurídico estadual, tanto aos integrantes do Ministério Público, como

aos juízes, delegados de polícia e oficiais de cartórios, e até mesmo procuradores municipais,

que desconhecem ou resistem, até os dias de hoje, à aplicação dos dispositivos penais da Lei

6766/79.

Fonte: Núcleo de Regularização de Loteamentos.

Figura 20 – Capa do folheto criado em 1986 pela Prefeitura do Rio de Janeiro

76

Page 95: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Núcleo de Regularização de Loteamentos.

Figura 21 – Página interna da cartilha com referência à Lei 6766/79

2.4.1.3. A Lei como instrumento de incorporação à cidadania pela via da informalidade

Não obstante se considerar de suma importância o reconhecimento do direito dos

adquirentes de lotes a terem os seus lotes urbanizados e regularizados, deve-se reconhecer

que, ao facultar ao município a possibilidade de substituir o loteador e assumir a

responsabilidade pela regularização do loteamento, a lei consolidou e institucionalizou a

prática, já antiga, da incorporação dos pobres à cidade pela via da formalização gradativa dos

assentamentos produzidos pelo mercado informal.23 A formalização dos assentamentos

populares, que antes ocorria por ‘anistias’ periódicas ou ‘parcerias compulsórias’ frutos das

iniciativas discricionárias das administrações municipais ou estaduais, passou a ser ‘direito’

23 Em “Regularização da ocupação do solo urbano: a solução que é parte do problema, o problema que é parte da solução”, Martim Smolka elenca uma série de argumentos e dados que demonstram que a promoção de programas de regularização urbanística de assentamentos populares, sem a aplicação de outros instrumentos que democratizem o acesso ao solo e a habitação, não alteram as ‘regras do jogo’ do mercado imobiliário que estão na origem da formação dos assentamentos informais. Tais ações governamentais acabam por ‘sinalizar’ para a população que estes são a única forma de acessar a terra e a habitação e, futuramente, os serviços urbanos.

77

Page 96: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

reivindicável por parte dos moradores desses assentamentos. O que se pode observar é que se

fez uma aplicação seletiva da lei. Onde a pressão popular pela regularização se exerceu, o

Estado respondeu, criando, mesmo que precariamente, os instrumentos para a efetivação dos

processos de regularização, não tendo o mesmo empenho, no entanto, para promover o

controle da atividade do parcelamento do solo. Não é difícil entender o porquê. Como

sobejamente explicitado na literatura sobre o tema, e facilmente verificável na dinâmica da

cidade real, caso as normas de fiscalização e controle do parcelamento e da ocupação do solo

fossem cumpridas à risca, efetivamente se verificaria o ‘colapso’ vaticinado por Santos, pois,

com efeito, a produção informal de parcelamentos não-regulares e a expansão das favelas

continuam a atender à ‘demanda não solvável’ por terra e habitação que não tem lugar no

mercado formal (SANTOS, 1986, apud MARICATO, 1996, p. 48).

2.4.1.4. A revisão de 1999

Na esperança de reduzir os aspectos da lei que eram identificados como “restritivos

para a implementação de empreendimentos habitacionais voltados às famílias de baixa renda”

o governo federal promoveu uma série de alterações na lei em 1999, com o objetivo declarado

de estimular a produção de novos parcelamentos populares (MARQUES, 1999, p. 2). Através

dessas alterações pontuais implementadas pela Lei Federal n.º 9.785, modificaram-se

exigências urbanísticas para a aprovação de novos parcelamentos. Definiram-se critérios

específicos para a produção de lotes em zonas de especial interesse social e transferiu-se ao

município a integral responsabilidade pela definição de índices urbanísticos e percentuais de

áreas públicas, além de se facilitar o registro dos projetos de regularização de parcelamentos.

Não há indícios, no entanto, de que tais modificações tenham sido fator de estímulo efetivo à

produção de novos loteamentos populares. A propósito, cabe lembrar que um diagnóstico

encomendado pelo Governo Federal citado por Marques, evidenciava a “inadequação da

legislação municipal para a produção habitacional de interesse social, fruto de uma

interpretação restritiva da lei federal” (MARQUES, 1999, p.1).

78

Page 97: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

2.4.1.5. A Lei de ‘Responsabilidade Territorial’

Encontra-se atualmente em discussão no Congresso Nacional o projeto de Lei n.º

3.057/00 denominado provisoriamente de ‘Lei de Responsabilidade Territorial’ que se propõe

a substituir a Lei 6766/79.

Este projeto de lei dispõe sobre três temas principais: a definição de critérios e

procedimentos para a aprovação de novos parcelamentos, condomínios urbanísticos e a

regularização de parcelamentos irregulares consolidados.

O projeto traz medidas inovadoras, dentre as quais duas em especial: a) Abre a

possibilidade de se atribuir competências diferenciadas aos municípios, segundo sua

capacitação para a gestão urbana, em função da vigência de plano diretor atualizado com base

nos dispositivos do Estatuto da Cidade, da prática da gestão participativa e a existência de

órgãos municipais de gestão urbana e ambiental. b) Introduz o conceito e os instrumentos para

que os municípios possam ‘arrecadar’ e ‘legitimar’ a posse de áreas sem identificação do

proprietário ou abandonadas por estes. Este item, se aprovado, possibilitará a regularização de

inúmeros parcelamentos não-regulares que estão, hoje, impossibilitados de regularização

pelos instrumentos vigentes na versão atual da Lei.

Não obstante os aspectos positivos que o projeto de lei apresenta, observa-se que o

mesmo reproduz e aprofunda a contradição que já faz parte da Lei 6766/79, que é a de constar

na lei que pretende regulamentar a produção de lotes urbanizados nas cidades, a sua própria

negação, ou seja, admissão da hipótese de, não atendida pelo loteador, vir então o município,

a substituí-lo para promover a regularização. No caso da lei em vigor, o número de artigos

que tratam da hipótese da regularização corresponde a 3% do total da lei. (2 em 54). No caso

do projeto de lei em exame no Congresso Nacional, esta relação se altera drasticamente,

passando o número de artigos que tratam da hipótese de regularização corresponder a 52% do

total de artigos do projeto de lei. (68 em 132 na versão de julho de 2004).

Tal inversão faz pensar que talvez se devesse propugnar a divisão deste projeto em

duas leis distintas, uma que trataria dos regulamentos para a produção, por agentes públicos

ou privados, de novos lotes urbanizados nas cidades; incorporando nesta lei todos os

dispositivos que pudessem favorecer uma produção adequada aos diversos segmentos de

renda da sociedade, tendo como exemplo as experiências do tipo “Urbanizador Social”

desenvolvidas pelas cidades de Porto Alegre e Joinville (VERÍSSIMO, 2004).

79

Page 98: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

A existência de duas leis específicas poderia tornar mais fácil o exame das matérias

pelos poderes legislativo e judiciário, facilitar as alterações futuras e as negociações com os

diversos grupos de interesse envolvidos.

80

Page 99: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

CAPÍTULO 3

ANÁLISE DOS DADOS AGREGADOS DA AMOSTRA

3.1. Introdução

Neste capítulo pretende-se efetuar uma análise dos dados agregados da amostra

selecionada com o objetivo de estudar a evolução dos parcelamentos não-regulares no tempo

e no território do município do Rio de Janeiro. Serão verificadas as possíveis variações de

suas características em função do período de implantação e da sua localização no território ao

longo das décadas de 40 a 90.

3.2. Características da amostra utilizada

O universo observado e analisado nesta pesquisa é aquele composto pelos

parcelamentos irregulares e clandestinos de baixa renda, inscritos ou pré-inscritos no Núcleo

de Regularização de Loteamentos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Os dados sobre

os quais são efetuadas as análises neste momento são relativos a 400 parcelamentos, que

totalizam 82.962 lotes.1

3.3. Distribuição dos parcelamentos, n.º de lotes e áreas parceladas por década

Como se pôde observar no capítulo 1, o parcelamento informal do solo urbano é um

fenômeno que já era percebido como um problema para a cidade em épocas muito anteriores a

década de 40, tendo sido objeto de formulação de um ‘programa de regularização’ por Alfred

1 Para uma verificação da amostra utilizada do universo pesquisado deverá ser consultado o Anexo I dessa dissertação, onde é feita uma descrição detalhada da metodologia amostral utilizada, das fontes de informação e dos bancos de dados disponíveis.

81

Page 100: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Agache2 ainda nos anos 20.

Estes parcelamentos informais mais antigos, como já visto no capítulo anterior, foram

‘absorvidos’ e integrados à cidade com a gradual mitigação ou eliminação dos fatores de

ordem urbanística que os diferenciavam da cidade formal. Os parcelamentos que chegaram à

segunda metade do séc. XX ainda como um problema urbano relevante, foram, na sua

maioria, aqueles implantados a partir do final dos anos 30,3 período em que ocorreram

profundas mudanças na legislação federal que redefiniram a forma de funcionamento dos

mercados de venda a prazo de terras no Brasil. Por este motivo é que se vai trabalhar nesta

pesquisa com os dados relativos ao universo dos parcelamentos não-regulares produzidos a

partir dos anos 40 até o final dos anos 90.

Na tabela 2, temos a distribuição destes parcelamentos não-regulares por décadas. Esta

tabela fornece informações quanto ao número de parcelamentos e de lotes, áreas de glebas

parceladas, e respectivos percentuais, por cada período analisado.

Tabela 2

Número e porcentagem de parcelamentos, número de lotes e área parcelada da amostra

lançados no mercado por década

N. de parcelamentos N. de lotes Área parcelada Década

Un. % Un. % M² %

40 (1941 a 1950) 10 3 7.096 9 3.218.589 9

50 (1951 a 1960) 58 15 35.084 42 16.098.702 45

60 (1961 a 1970) 105 26 18.249 22 9.596.069 27

70 (1971 a 1980) 49 12 5.560 7 1.906.010 6

80 (1981 a 1990) 65 16 5.850 7 1.467.438 4

90 (1991 a 2000) 113 28 11.123 13 3.263.493 9

Totais 400 100 82.962 100 35.550.301 100

Fonte: Núcleo de Regularização de Loteamentos / SMH.

2 Este programa foi denominado por Agache como de “transformação dos loteamentos defeituosos”. 3 No cadastro do Núcleo de Regularização encontram-se inscritos 1 parcelamento implantado na década de 20 e 5 parcelamentos implantados na década de 30.

82

Page 101: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Observando o quadro acima, pode-se perceber como se deram as alterações nos

padrões dos parcelamentos não-regulares no período analisado.

Para que se possa ter melhor visualização dos dados apresentados, elaboraram-se

gráficos a partir das colunas nº de parcelamentos e nº. de lotes e área de terras parceladas por

década. Para melhor compreensão dos gráficos, cabe observar que os totais ‘produzidos’ ou

implantados em cada década são apurados no último ano de cada uma delas, por isso o total

relativo à década de 40 está indicado no ano de 1950 (último ano da década de 40), e assim

por diante.

Gráfico 1

N.º de parcelamentos por década

113

49

105

58

10

65

0

20

40

60

80

100

120

1950 1960 1970 1980 1990 2000

Anos

Parc

elam

ento

s

83

Page 102: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Gráfico 2

Lotes produzidos por décadas

7.096 5.5605.850

18.249

35.084

11.123

05.00010.00015.00020.00025.00030.00035.00040.000

1950 1960 1970 1980 1990 2000

Anos

Lote

s

Gráfico 3

Área parcelada por década em m²

3.218.5893.263.493

1.467.438

1.906.010

9.596.069

16.098.702

02.000.0004.000.0006.000.0008.000.00010.000.00012.000.00014.000.00016.000.00018.000.000

1950 1960 1970 1980 1990 2000

Anos

Áre

a em

Uma rápida visualização dos gráficos chama a atenção:

1. para a extrema variação que se pode observar na produção dos parcelamentos

não-regulares ao longo dos anos;

2. para a diferença marcante entre o traçado da curva relativa ao número de

parcelamentos não-regulares de baixa renda implantados na década de 50

(indicado no ano 1960), em relação à curva relativa ao número de lotes

84

Page 103: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

oferecidos. Aqui se pode observar que foi um período de lançamento de

parcelamentos de grande porte que resultou na oferta de um número

expressivo de lotes no mercado;

3. Também chama a atenção as inflexões nas curvas que se verificam nas

décadas de 60 (queda na tendência de expansão dos parcelamentos) e 80

(retomada da expansão).

Na tabela 3, tem-se um ‘quadro síntese’ com as principais características dos

parcelamentos não-regulares da amostra com base em três variáveis: área da gleba (terreno)

parcelada, número de lotes por parcelamento e área do lote predominante oferecido no

parcelamento.

85

Page 104: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Tabela 3

QUADRO SÍNTESE DAS CARACTERÍSTICAS DOS PARCELAMENTOS DA AMOSTRA AGRUPADOS POR DÉCADA

DÈCADA Unidade Itens 40 50 60 70 80 90 TOTAIS

Número de parcelamentos da 10 58 105 49 65 113 400 Soma das áreas das glebas (m2) 3.218.589,00 16.098.702,00 9.596.069,00 1.906.010,00 1.467.438,00 3.263.493,25 35.550.301,25

Desvio padrão 599.420,21 924.011,72 390.852,13 90.903,31 38.324,97 43.094,54 Área média das glebas (m2) 321.858,90 277.563,83 91.391,13 40.553,40 22.575,97 28.880,47

Mediana 166.312,00 54.040,50 17.361,00 20.747,00 8.332,00 14.390,00

Moda - - 2.997,00 4.392,00 - - Maior gleba da amostra (m2) 1.999.483,00 5.777.012,00 3.610.075,00 626.440,00 275.172,00 322.750,00 5.777.012,00

Gle

ba

Menor gleba da amostra (m2) 8.381,00 3.875,00 1.558,00 1.996,00 800,00 954,00 800,00 Número total de lotes da amostra

7.096 35.084,00 18.249 5.560 5.850 11.123,00 82.962

Desvio padrão 1.369,35 2.137,33 408,83 263,25 189,32 110,39

Área média dos lotes 325,91 290,73 194,73 202,81 165,85 143,95

Mediana 300,00 250,00 144,00 160,00 135,00 128,00

Moda 300,00 250,00 120,00 120,00 120,00 120,00 Maior lote da amostra (m2) 500,00 1.500 600,00 540,00 360,00 470,00 1.500,00 Menor lote da amostra (m2)

220,00 84 70,00 60,00 24,00 30,00 30,00

Lote

s

Desvio padrão 92,00 200,91 111,54 109,68 74,08 59,07

Numero médio de lotes por loteamento 710 605 174 113 90 98

Número de lotes do maior parcelamento da

t4.583 11.754 3.301 1.851 1.516 600 11.754

Parc

ela-

m

ento

Número de lotes do menor parcelamento da amostra

46 20 11 10 9 10 9

86

Page 105: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

3.4. Distribuição dos parcelamentos, n.º de lotes e áreas parceladas por Área de

Planejamento – AP e por década

A tabela 4 apresenta a distribuição dos parcelamentos não-regulares da amostra

distribuídos por AP e por década de implantação e informa, também, a participação

proporcional de cada AP em cada década.

Tabela 4

Distribuição do nº de parcelamentos e percentuais por Áreas de Planejamento por década

Área de Planejamento AP1 AP3 AP4 AP5 Total

Décadas* N. % N. % N. % N. % N. 40 1 10 1 10 8 80 10 50 1 2 7 12 7 12 43 74 58 60 33 31 22 21 50 48 105 70 13 27 6 12 30 61 49 80 18 28 11 17 36 55 65 90 22 19 19 17 72 63 113

TOTAL 1 0 94 24 66 16 239 60 400

Fonte: Núcleo de Regularização de Loteamentos / SMH.

Conforme pode ser observado na tabela 2, os parcelamentos não-regulares da amostra

se distribuem de maneira razoavelmente uniforme ao longo do tempo no que diz respeito à

proporção do número de parcelamentos por AP. Independentemente do período observado,

tem-se quase sempre4 a predominância do número de parcelamentos na AP5, seguida da AP3

e por fim a AP4. (A participação da AP1 é irrisória com apenas um parcelamento não-regular

de baixa renda registrado na amostra). Quando o objeto de observação é o número de lotes

ofertados no mercado por década, o peso da AP5 é ainda mais relevante; concentrando essa

região, no total, oitenta e cinco por cento de todos os lotes não regulares da amostra, como

pode ser visto na tabela 5.

874 Apenas na década de 80 as APs 3 e 4 invertem suas posições.

Page 106: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Tabela 5

Distribuição do n.º de lotes ofertados e percentuais por Áreas de Planejamento por década

Área de Planejamento AP1 AP3 AP4 AP5 Total

Décadas* N. % N. % N. % N. % N. 40 69 1 46 1 6.981 98 7.096 50 27 0 910 3 615 2 33.532 95 35.084 60 2.920 16 2.396 13 12.933 71 18.249 70 526 9 369 7 4.665 84 5.560 80 850 15 1.072 18 3.928 67 5.850 90 1.375 12 1.132 10 8.616 78 11.123

TOTAL 1 0 6.650 8 5.630 7 70.655 85 82.962

Fonte: Núcleo de Regularização de Loteamentos / SMH.

3.5. Distribuição dos parcelamentos entre irregulares e clandestinos

Como já visto anteriormente, os parcelamentos da amostra utilizada para esta pesquisa

distribuem-se em parcelamentos irregulares e clandestinos. A distribuição desses

parcelamentos no tempo e no espaço sofre variações que valem a pena ser observadas pois

podem fornecer importantes informações sobre os fatores que influenciam a prática dos

agentes5 e o funcionamento deste sub-mercado informal.

O gráfico 4 mostra a distribuição dos lotes ofertados no período segundo a sua

classificação quanto ao grau de informalidade, além da soma das duas categorias por década.

Como pode ser observado, verificou-se uma gradual redução da participação dos ‘irregulares’

na produção geral até o domínio quase completo dos ‘clandestinos’ no mercado a partir dos

anos 80.

885 Agentes aqui entendidos como o Estado, parceladores e adquirentes.

Page 107: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Gráfico 4

Lotes irregulares e clandestinos por década

05.00010.00015.00020.00025.00030.00035.00040.000

1950 1960 1970 1980 1990 2000

Décadas

Lote

s

Irregulares Clandestinos Total

Verifica-se que as duas modalidades de ‘produção’ informal de lotes coexistem no

tempo e no espaço, uma vez que constatou-se a existência de parcelamentos irregulares e

clandestinos em todas as regiões e décadas pesquisadas.

3.6. Classificação dos parcelamentos da amostra segundo as categorias definidas na

legislação municipal

Considerando os limites materiais e de tempo que caracterizam uma pesquisa de

dissertação de mestrado, limitou-se como parâmetro de análise apenas o dado genérico

relativo à área do lote ofertado, sendo os parcelamentos distribuídos segundo seu

enquadramento nesse parâmetro definido pela legislação em cada período analisado.6

Como os dados da amostra utilizada cobrem o período relativo às décadas de 40 a 90,

tomou-se por base para esta análise as legislações municipais e federais que regulamentaram o

parcelamento do solo neste período: da legislação municipal destacou-se o Decreto 6000 que

vigorou de 01 de julho de 1937 a 20 de abril de 1970, e o Decreto “E” 3.800, que vigora até

89

6 Não foi considerado o fato de que podem ser exigidas diferentes categorias de lotes segundo os distintos zoneamentos.

Page 108: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

os dias de hoje, bem como as suas respectivas alterações. Da legislação federal tomou-se a

Lei 6766/79 que impôs regra relativa à dimensão mínima do lote.

A partir da edição do Decreto 6.000 de 01 de julho de 1937, que substituiu o Decreto

3.549/31, passaram a vigorar novas regras para a produção de lotes no município do Rio de

Janeiro, sendo definidos parâmetros mínimos para a testada e a área dos lotes segundo o

zoneamento. (Ver Tabela 1 na pág. 48 do Capítulo 2)

Em 1966 o governo do então Estado da Guanabara, através do decreto n.º 721/66,

instituiu o “lote popular” definindo a testada mínima de 8 m e a área mínima de 120,00 m².

A partir da edição do Decreto “E” Nº. 3800 em 20 de abril de 1970 (modificado pelo

Dec. N.º 323 de 3/3/1976), os lotes produzidos no município do Rio de Janeiro passaram a ser

classificados segundo as seguintes categorias:

Tabela 6

Testadas e áreas mínimas segundo as categorias

Categoria Testada mínima Área mínima

I 100 m 50.000 m²

II 50 m 10.000 m²

III 20 m 1.000 m²

IV 15 m 600 m²

V 12 m 360 m²

VI 9 m 225 m²

VII 8 m 120 m²

Com a edição da lei 6766/70 o lote mínimo para todo o território nacional passou a ser

definido pelos seguintes parâmetros: testada mínima de 5 m e área mínima de 125 m². No

município, no entanto, continuou a vigorar oficialmente a testada mínima de 8 m, sendo

adotada a área mínima de 125 m².

Tomando-se as informações das tabelas 5 e 6, foram classificados os loteamentos da

amostra, por década, para análise da adequação dos mesmos aos ditames da legislação de cada

90

Page 109: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

período, sendo consideradas apenas as informações relativas às áreas do lotes, uma vez que

não consta do banco de dados analisado as informações relativas às testadas.

Cabe observar ainda que dificilmente encontra-se na amostra um parcelamento em que

todos os lotes apresentem as mesmas dimensões e, conseqüentemente, as mesmas áreas. A

maioria, via de regra, apresenta lotes com tamanhos variados, porém próximos a um valor

médio, ou modal, que o caracteriza. Foi com base neste valor que se efetuou esta

classificação. Nos casos em que encontrou-se uma grande variação nas áreas dos lotes, optou-

se sempre pela moda e não a média.

Tabela 7

Distribuição dos parcelamentos da amostra segundo as categorias definidas pelos Decretos 6.000/37 e

3.800/70 por década em percentuais.

Décadas

Decreto 6.000/37 Decreto 3.800/70 Categoria 40 50 60 70 80 90

A 40% 13% 5%

B - 7% 3%

C 50% 45% 17%

I

II

III

IV

V 11% 3% 2% VI 28% 17% 7%

VII (120)¹ 24% 46% 1% VII (125)² 43% 48%

Vila³ 15% 24% 13% - - Inferior4 10% 20% 27% 2% 37% 42%

Total 10,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% Notas:

1. A área mínima de 120 m² foi instituída pelo decreto estadual n.º 721/66. 2. A área mínima de 125 m² foi instituída pela Lei Federal 6776/79. 3. Foram classificados como lotes de vila apenas aqueles que apresentam plano de vila aprovado. 4. Foram classificados como ‘inferiores’ aqueles parcelamentos clandestinos cujo lote médio ou modal não atende ao padrão mínimo exigido para cada período.

91

Page 110: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Durante o período de vigência do decreto 6000/37, observou-se uma tendência a

redução da área dos lotes com o aumento da participação das vilas (onde não havia a fixação

de parâmetro relativo a área mínima dos lotes) e uma incidência maior daqueles

parcelamentos que não atendiam ao padrão mínimo exigido.

Na década de 60, 75% dos lotes produzidos possuíam área igual ou inferior àquela

definida para o ‘lote proletário’ que era de 225 m², sendo que 27% eram inferiores mesmo ao

mínimo definido para o ‘lote popular’ em 1966, que era de 120 m².

Em 1970 foi editado o Decreto 3.800/70 que propôs nova classificação para os lotes,

incorporando-os à dimensão de 120 m², não mais como situação excepcional (‘proletário’ ou

‘popular’), porém como parâmetro para a maioria dos bairros dos subúrbios da cidade (salvo

as exceções previstas no código de zoneamento). Nessa década assiste-se a uma redução

drástica do número de parcelamentos com lotes inferiores ao mínimo determinado pela

legislação (apenas 2% da amostra), com 74% dos lotes situando-se entre 120 e 360 m², onde

se pode perceber que houve uma adaptação da legislação à tendência de oferta de lotes de

menores dimensões que era praticada pelo mercado informal. Nas décadas seguintes, no

entanto, volta-se a observar um crescimento da oferta de lotes com dimensões inferiores ao

mínimo legal. E, ao que parece, uma nova adequação aos padrões informais está em curso,

tendo em vista a sensível redução que está sendo proposta para o tamanho do lote mínimo a

vigorar com a aprovação do projeto de lei de alteração da lei 6766 que está em curso no

Congresso Nacional.7

3.7. Breve caracterização dos parceladores

Não é objeto desta pesquisa uma analise do papel e da atuação do agente responsável

pelo parcelamento do solo (parcelador ou loteador), porém, julgou-se relevante para os

objetivos da mesma, apresentar alguns dados coletados na pesquisa que podem lançar luz

sobre o funcionamento deste sub-mercado fundiário informal.

927 O substitutivo ao P.L. nº 3.057/00 admite lotes com a área mínima de 80m2 (inciso I do art. 7o).

Page 111: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Constatou-se nesta pesquisa, que os 400 loteamentos da amostra foram ‘produzidos’

por 307 parceladores (individuais ou grupos, pessoas físicas ou jurídicas). Estes números

resultam em uma relação média de 1.3 parcelamentos/parcelador, que corresponde também a

uma média de 268 lotes/parcelador.

Neste sub-mercado atuam pessoas jurídicas e físicas, sendo que estas se distribuem,

aproximadamente, na seguinte proporção: 40% são pessoas jurídicas (empresas loteadoras,

imobiliárias, construtoras, associações, etc.) e 60% pessoas físicas. Os parceladores ‘pessoas

jurídicas’ respondem por cerca de 70% dos lotes produzidos; têm uma relação de 1,57

parcelamentos/parcelador e são responsáveis, cada um, em média, por 591 lotes. Os

parceladores “pessoas físicas’ respondem por cerca de 30 % dos lotes produzidos, possuem

uma relação de 1,12 parcelamentos/parcelador e são responsáveis cada um, em média, por

115 lotes.

Com relação à classificação dos parcelamentos entre irregulares e clandestinos,

observa-se ainda que os parceladores ‘pessoas jurídicas’ são responsáveis por cerca de 80%

dos lotes irregulares produzidos e 54% dos clandestinos.

Somente 11, dentre os 96 parceladores ‘pessoas jurídicas’ identificados na amostra,

atuaram oferecendo lotes nos dois segmentos deste sub-mercado. Dentre estes, apenas 4

continuaram ativos após os anos 80, e mesmo assim, atuando apenas na oferta de lotes

clandestinos.

Dos 307 parceladores identificados, apenas 39 (12,7%) são responsáveis por mais de

um parcelamento assim distribuído: 21 são responsáveis por dois, 5 por três, 6 por quatro, 3

por cinco, 1 por seis, 1 por oito, 1 por onze e 1 por doze parcelamentos. 268 parceladores

foram responsáveis por apenas um parcelamento não-regular.

Tomando-se os parceladores da amostra que ‘produziram’ 5 ou mais parcelamentos,

verifica-se que, individualmente, nenhum deles alcançou durante todo o período de atividade

a produção, sequer, de mil lotes.

A maioria dos parceladores atua de forma segmentada espacialmente, concentrando

sua atuação numa mesma região administrativa ou área de planejamento. Quando atua em

mais de uma R.A. ou AP, atua, via de regra, em bairros limítrofes dessas regiões.

93

Page 112: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Considerando os dados expostos, pode-se constatar que:

este não é um sub-mercado de estrutura oligopólica, e sim concorrencial, que é marcado

por uma extrema pulverização e falta de articulação entre os parceladores;

parceladores ‘pessoas físicas’ e ‘jurídicas’ atuam indistintamente nos dois segmentos do

sub-mercado;

a partir dos anos 80, há uma mudança no perfil dos parceladores, com a retirada quase

completa do mercado daqueles que atuavam no segmento de produção de lotes irregulares.

94

Page 113: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Figura 22 – Matéria sobre loteamentos clandestinos no início da década de 90

OBS: A página do Jornal de Bairros Zona Oeste de O GLOBO é um exemplo eloqüente da sensação de impunidade experimentada pelos loteadores irregulares. Observe-se que no rodapé da matéria sobre a venda de lotes clandestinos na Zona Oeste, publicada em 12 de abril de 1992, está estampado um anúncio da empresa J. Batista Imóveis, citada na própria matéria publicada como uma das ‘empresas’ produtoras de loteamentos clandestinos mais atuantes na região.

95

Page 114: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

3.8. Análise dos dados da amostra por década

Nesta parte do capítulo procura-se efetuar uma análise dos dados apresentados

anteriormente, buscando-se avaliar as características peculiares dos parcelamentos não-

regulares de baixa renda, por década de implantação (articulando estas peculiaridades aos

fatores identificados como condicionadores desta produção ao longo dos anos). Sob alguns

aspectos efetua-se uma análise mais detalhada para os dados relativos a AP 5, área de

planejamento que abrange as regiões administrativas de Realengo, Bangu, Campo Grande,

Santa Cruz e Guaratiba, regiões estas onde se concentram cerca de 85% dos lotes não-

regulares do município, segundo os dados constantes da amostra.

3.8.1. Anos 40

A análise das características dos parcelamentos não-regulares que compõem a

amostra, implantados na década de 40, demonstra que esses são, na sua maioria, de grande

extensão (área média de 321.858,90 m²), com grande número de lotes (710 lotes por

parcelamento em média), com lotes grandes (área média de 325,91 m²), variando entre 220 m²

e 500 m² (desvio padrão de 92,00). Oito dos 10 loteamentos observados estão localizados na

AP5, um na AP3 e outro na AP4. Noventa por cento dos lotes ‘produzidos’ enquadram-se nos

padrões definidos pela legislação, no que diz respeito à área mínima dos lotes. Cerca de 85%

dos lotes da amostra neste período são classificados como irregulares e os demais 15% como

clandestinos. Dos oito parceladores identificados na amostra, apenas 3 (37,5%) eram pessoas

jurídicas.

A década de 40 foi um período de alta taxa de urbanização no município do Rio de

Janeiro, quando se verificou um crescimento populacional de 34,77%. A AP5 apresentou

nesse mesmo período a maior taxa de crescimento populacional da cidade, 63,84%, saltando a

sua população de 161.222 habitantes em 1940 para 262.544 habitantes em 1950. Observou-se

então na região uma intensa atividade de parcelamento do solo, com a conversão das terras

antes utilizadas no uso agrícola para o uso habitacional ‘urbano’. A localização desses

parcelamentos era condicionada, via de regra, pela situação em relação ao leito da estrada de

ferro e das linhas de bondes. (Ver Figura 2)

96

Page 115: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Segundo estudo realizado por Lago e Cavalho, neste período ainda se observava ampla

predominância da produção regular (89,1% do total produzido) na região. Mais da metade

desta produção era de responsabilidade de ‘pessoas jurídicas’ (empresas imobiliárias e

outros), sendo, no entanto, também intensa a participação de ‘pessoas físicas’ (particulares) na

produção. (os autores estimaram esta participação em 49,7% na década de 40) (LAGO e

CARVALHO, 1987, p. 215-217).

Os parcelamentos produzidos nessa década já estavam submetidos às regras do

Decreto 6000/37, que exigia licença prévia da Prefeitura para a “execução de arruamentos ou

abertura de logradouros em qualquer das zonas do Distrito Federal”, sendo exigido também

do interessado na abertura de novos logradouros a realização “à sua custa, sem qualquer ônus

para a Prefeitura, todas as obras de terraplenagem, pavimentação e meios fios, pontes,

pontilhões, bueiros, galerias, muralhas, etc.”. Como já visto no primeiro capítulo, há na

legislação municipal e também na federal, um forte incentivo à ocupação das zonas agrícolas

– Z.A.s.

3.8.2. Anos 50

Os loteamentos da amostra implantados na década de 50 caracterizam-se por

ocuparem, em média, glebas um pouco menores que os da década anterior (média de

277.563,83 m²), sendo também inferior o número médio de lotes por loteamentos (605 lotes).

(embora sejam deste período os maiores loteamentos da amostra - o Jardim Maravilha, com

11.754 lotes e o Vila Mar de Guaratiba, com 11.399 lotes – implantados no bairro de

Guraratiba, XXIV RA, em 1951 e 1953 respectivamente). A área média dos lotes também

sofreu uma redução, caindo para 290,73 m², variando entre 84 e 1500 m² (o maior desvio

padrão da amostra, 200,91). Quarenta e três dos 58 parcelamentos da amostra estão

localizados na AP5, sete na AP4, sete na AP3 e apenas um na AP1, a quase totalidade dos

lotes ‘produzidos’ (83,68%) enquadra-se nos padrões definidos pela legislação no que diz

respeito à área mínima dos lotes. Cerca de 93,39% dos lotes da amostra neste período são

classificados como irregulares e os demais 6,60% clandestinos. Dos 58 parcelamentos

identificados na amostra, apenas 22 (37,9%) eram de responsabilidade de parceladores

‘pessoas jurídicas’.

97

Page 116: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

A década de 50 foi o período de mais alta taxa de urbanização no município do Rio de

Janeiro dentre os períodos analisados neste trabalho. Foi quando se verificou um crescimento

populacional de 38,04%. A AP5 teve neste mesmo período a segunda maior taxa de

crescimento populacional da cidade, 69,84%, saltando a sua população de 262.544 habitantes

em 1950 para 445.077 habitantes em 1960. (Jacarepaguá é a região que apresentou a maior

taxa de crescimento do período com 80,95%, passando de 107.093 em 1950 para 193.792 em

1960). Observou-se então nesta região uma intensa atividade de parcelamento do solo, com a

continuação da conversão das terras antes utilizadas para a agricultura para o uso habitacional

‘urbano’.

Lago e Carvalho registram uma drástica redução da produção regular que respondeu

por apenas 38,30% do total de lotes produzidos na região. Essa informação, no entanto, deve

ser ponderada, uma vez que o estudo citado não levou em consideração - como informam os

autores - os dados relativos à produção de lotes clandestinos (LAGO e CARVALHO, 1987,

p.224). Sendo assim, como essa ‘produção’ clandestina foi relevante neste período, pode-se

estimar que a participação do setor formal sofreu aí uma redução ainda mais significativa em

relação à década anterior, participando apenas com 34,73% da produção total. Segundo os

mesmos autores, ampliou-se um pouco mais a participação dos agentes parceladores ‘pessoas

jurídicas’ (empresas imobiliária e outros), sendo, no entanto, ainda relevante a participação de

‘pessoas físicas’ (particulares) na produção.(os autores citados estimaram essa participação

em 46,70% na década de 50).

Como já visto, este foi o período de lançamento dos grandes loteamentos da região de

Guaratiba. São desta época, os loteamentos Vila Mar de Guaratiba com 11.699 lotes e área

total de 5.777.012 m², Jardim Maravilha com 11.754 lotes e área total de 4.000.000 m², o Vila

Mar de Guaratiba, com 11.399 lotes e o Jardim Garrido com 1.497 lotes e área total de

1.566.848 m². Em Cosmos se implantou o Bairro Santa Margarida com 4.583 lotes em uma

área de 1.999.483 m². Com relação aos três primeiros parcelamentos, cabe observar que estes

foram, também, implantados às margens da linha de bonde que ligava o centro de Campo

Grande à Pedra de Guaratiba. Há registro de que, pelo menos o Jardim Maravilha foi

implantado em terras pertencentes à Cia de Carris Urbanos que foi concessionária dos

98

Page 117: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

serviços de bondes naquela região entre 1894 e 1937. Um outro aspecto a ser observado é o

fato de esses parcelamentos terem sido ocupados de forma muito rarefeita até os dias atuais.8

A legislação vigente no período ainda era o Decreto Municipal 6000 e o Decreto-Lei

Federal 58, ambos editados em 1937, que, como já visto, trazia grandes incentivos à ocupação

de terras em zonas rurais.

Pedra de Guaratiba

Fonte: Traçado elaborado pelo autor sobre base cartográfica do IPP/SMH.

Figura 23 - Trajeto das linhas de bonde das regiões de Campo Grande e Guaratiba

99

8 Segundo os dados do Núcleo de Regularização em 1998 apenas 14,63% dos lotes do Jardim Maravilha e 9,49% do Vila Vila Mar de Guraratiba estavam edificados.

Page 118: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

3.8.3. Anos 60

Os parcelamentos da amostra implantados nessa década apresentam grande redução na

área da gleba parcelada, possuindo, em média, 91.391,13 m² por parcelamento. Verifica-se

também, em conseqüência, uma drástica redução também no número médio de lotes,

passando para 174 lotes/parcelamento. Reduziu-se mais a área media do lote (194,73 m²)

variando entre 70 e 600 m² (desvio padrão de 111,54). Neste período aumentou muito o

número dos parcelamentos não-regulares, que agora são menores, porém mais bem situados

na malha urbana e com melhor acessibilidade, observa-se, contudo, uma maior participação

do segmento ‘clandestino’, que respondeu por 48,00% desse sub-mercado. Não é de se

estranhar, portanto, que se tenha verificado neste período um acréscimo na taxa de

inadequação aos parâmetro legal, com 27,00% dos parcelamentos apresentando área inferior

ao mínimo legal exigido.

Verifica-se também que 36,00% dos parcelamentos implantados na década foram

‘produzidos’ por pessoas jurídicas, mantendo, em termos proporcionais, uma impressionante

regularidade na proporção em que o sub-mercado se distribui entre agentes ‘pessoas físicas’ e

‘pessoas jurídicas’ nas três primeiras décadas analisadas. Nos bairros da zona oeste (AP5)

vamos perceber um início de deslocamento deste tipo de ocupação rumo às margens da Av.

Brasil recém implantada na região.

Destaca-se, neste período, um sensível incremento dos parcelamentos não-regulares

nas regiões da AP3 e AP4, reduzindo proporcionalmente a participação da AP5 no total. Para

a AP3 a amostra registra 33 ocorrências; para a AP4 22 e 50 para a AP5.

A década de 60 foi ainda um período de alta taxa de crescimento populacional

(37,78%), embora tenha sido um pouco inferior à taxa da década anterior. A AP5 volta a ser a

área de planejamento com mais alta taxa de urbanização (55,91%), muito embora esta seja

também menor que a verificada no período anterior.

Lago e Carvalho registram uma retomada do mercado formal na AP5, que, segundo

estes autores, respondeu, no período, por 52,10% do total de lotes ofertados. Feitas as devidas

ponderações, pelos motivos já explicitados, podemos considerar que a participação do setor

formal obteve um pequeno aumento em relação à década anterior, participando com cerca de

36,17% da produção total. Tal recuperação do setor formal pode ter sido conseqüência das

100

Page 119: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

alterações implementadas na legislação estadual (estado da Guanabara) com o intuito de

incentivo à produção de lotes de interesse social ou “populares” como já visto no Cap. 2.

3.8.4. Anos 70

Nos anos 70, constata-se simultaneamente uma tendência de redução do número de

parcelamentos não-regulares, do número de lotes e da área total parcelada (a área média da

gleba parcelada cai para 40.553,40 m²). O mesmo sentido segue o número de

lotes/parcelamento, que se reduz para 113; surpreendentemente verifica-se um aumento na

área média do lote resultante destes parcelamentos que passa para 202,81 m², variando entre

60 e 540 m² (desvio padrão de 109,68). A AP5, mantém a liderança na ‘produção’ de lotes

não regulares, sendo muito reduzida a participação das AP3 e 4 no período. A maior parte da

produção enquadra-se, no que se refere à área mínima do lote produzido, no parâmetro da

legislação, provavelmente em função da redução da área mínima legal do lote que passou para

120 m². Os parceladores irregulares respondem por 74,11% da produção informal.

A taxa de crescimento populacional sofre uma redução drástica, passando de 37,78%

nos anos 60 para apenas 12,58% nos anos 70. A AP4 volta a ostentar a maior taxa de

urbanização sendo seguida pela AP5. Cabe ressaltar que este é um período em que são

construídos grandes conjuntos habitacionais na zona oeste e em Jacarepaguá em função das

políticas vigentes de remoção de favelas.

Ponderando os dados apresentados por Lago e Carvalho, que registraram na AP5 um

índice de 75% para a produção formal, verifica-se que este segmento teve uma participação

efetiva na produção de 68,98% dos lotes ofertados na década, observando-se, portanto, uma

sensível redução da atividade não-regular na região.

Os parcelamentos implantados neste período já estavam submetidos às regras do

Decreto E 3.800/70 e ao Decreto-Lei Federal n.º 271/67 que já admitia, embora de forma

considerada juridicamente ineficaz, a possibilidade de sanções penais contra os parceladores

não-reguares (CASEIRO, 1979).

101

Page 120: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

3.8.5. Anos 80

Os dados da amostra relativos à década de 80, apresentam um incremento no número

de parcelamentos não-regulares de baixa renda, 32% superior ao número dos implantados na

década anterior. O número de lotes produzidos, no entanto, foi superior em apenas 5,2% e a

área parcelada, por outro lado, sofreu uma redução de 23%. O número médio de

lotes/parcelamento caiu para 90, e a área média dos lotes voltou a reduzir-se passando para

165,85 m², variando entre 24 e 360 m² (desvio padrão de 74,08). Dos 65 parcelamentos

identificados 36 estão na AP5, 11 na AP4 e 18 na AP3. Cinqüenta e oito dos parcelamentos

integrantes da amostra no período são clandestinos, o que representa 89,23% do total. Esta

predominância dos parcelamentos clandestinos sobre os irregulares, provavelmente, é o que

explica o aumento do número de lotes ofertados simultaneamente à redução da área parcelada,

uma vez que não existe, por parte do parcelador clandestino, a preocupação em atender às

normas legais que definem a reserva de percentuais mínimos de áreas para uso público

(logradouros, equipamentos, praças, etc.). Como já visto, nessa década volta a ocorrer uma

redução na área média dos lotes, situando-se 37% dos parcelamentos em níveis inferiores ao

mínimo legal. Quando se observa também a localização destes parcelamentos no território,

verifica-se que esses, predominantemente, ocupam ‘vazios urbanos’ inseridos na área já

urbanizada e não terrenos da periferia. Do total, apenas 15 (23%) foram ‘produzidos’ por

parceladores ‘pessoas jurídicas’.

A década de 80 assistiu a uma nova redução drástica na taxa de crescimento

populacional (7,66%) do município e mais uma vez foi a AP4 que registrou a maior taxa de

urbanização (47,69%), seguida pela AP5, com taxa de 27,23%. No entanto, foi a AP5 que

teve o maior incremento populacional, superando pela primeira vez a AP3. No período,

destaca-se o crescimento da RA de Santa Cruz (72,39%).

102

Page 121: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

3.8.6. Anos 90

A década de 90 dá segmento à retomada da ‘produção’ de lotes não-regulares,

retomada esta que já havia sido iniciada no final dos anos 80. Observando-se os dados da

tabela 2, verifica-se que nessa década é bem maior o número de lotes produzidos quando

comparado com a década anterior (incremento de 90%). O aumento da área parcelada é ainda

mais relevante, sendo superior em 122% à área parcelada da amostra nos anos 80. Os

parcelamentos da amostra nesse período ocupam, em média, áreas superiores aos do anterior,

sendo também maior o número médio de lotes. É mantida, no entanto, a tendência à redução

da área média dos lotes (143,95 m²), variando entre 30 e 470 m² (desvio padrão de 59,07 – o

menor entre todos os períodos). Dos 113 parcelamentos observados, 72 estão na AP5 (63%),

19 na AP4 (17%) e 22 AP3 (20%). Cinqüenta e oito por cento dos parcelamentos apresentam

lotes com áreas mínimas que atendem aos padrões da legislação, o que é o mais baixo índice

verificado em toda a amostra. Tal situação pode ser explicada também pelo fato de 99% dos

parcelamentos estarem classificados como produção clandestina. Observa-se, portanto, um

aumento da distância entre a norma e a produção informal.

Nos anos 90 observa-se, também, a tendência ao retorno da ocupação de áreas

periféricas dos bairros. Quanto ao perfil dos parceladores, neste período 41% são classificados

como ‘pessoas jurídicas’.

Observa-se também na década 90, além do aumento no ritmo da produção de lotes

não-regulares de baixa renda, o aumento do incremento populacional das favelas que foi

1,64% superior ao da década anterior.

Dentre as áreas de planejamento (Aps), a que mais cresceu em população, em termos

proporcionais, foi a AP4 (29,59%), seguido pela AP5 (20,30%) que registrou o maior

crescimento em termos absolutos. Dentre as regiões administrativas da AP5, a que mais

cresceu foi a XXVI – Guaratiba (66,53%).

103

Page 122: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Jornal do Brasil – edição de 8 de agosto de 1991.

Fonte: Jornal o Globo – edição de 28 de setembro de 1992.

Fonte: Notícias do Rio – 1992.

Fonte: Notícias do Rio – 1992.

Figura 24 – Matérias jornalísticas sobre a questão dos loteam

104

Fonte: Jornal de bairros O Globo Zona Oeste do dia 12 de abril de 1992.

entos clandestinos no início da década de 90

Page 123: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

3.9. Algumas considerações

Retomando-se a observação dos gráficos 1, 2 e 3 do presente capítulo, chama a

atenção o fato de todas as curvas apresentarem a retomada do crescimento da oferta de lotes

não-regulares nas décadas de 80 e 90, revertendo uma tendência que se verificava ao longo

dos anos 60 e 70.

Considerando que um dos objetivos deste trabalho é levantar hipóteses sobre o

comportamento deste sub-mercado ao longo do período analisado, e tendo em vista que não

há, na literatura carioca pesquisada, trabalho acadêmico que possa servir de referência

específica sobre este assunto, optou-se por utilizar como guia para esta discussão, o livro “A

Cidade e a Lei: legislação, política urbana e territórios na Cidade de São Paulo, de autoria de

Raquel Rolnik (ROLNIK, 1997).

Observando a situação da cidade de São Paulo, Raquel Rolnik vai registrar a tendência

de redução da oferta de lotes populares resultante da diminuição dos parcelamentos

clandestinos. A autora identifica o final da década de 70 como o período em que se manifesta

o “esgotamento do padrão periférico de crescimento”. Na sua opinião, esse esgotamento se dá

motivado pelos seguintes fatores: a) edição da Lei 6766/79, mais restritiva que as legislações

anteriores; b) falta de elasticidade da oferta, na medida em que aumentam as distâncias entre

as periferias e as zonas concentradoras de emprego; c) diminuição do poder de compra numa

conjuntura inflacionária, “o que reduziu a capacidade de comprometimento do trabalhador

com a poupança inicial e as prestações do lote” (Rolnik, 1997, p. 207).

Na cidade do Rio de Janeiro, no entanto, o que vai se observar na década de 80 é uma

retomada da produção deste tipo de parcelamento, porém com características distintas do

padrão anterior. Cresce o número de parcelamentos e de lotes, mas a área parcelada é inferior

a da década anterior.

105

Page 124: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Programa Morar Legal – SMH. Figura 25 – Levantamento topográfico de um loteamento clandestino Obs.: Pode-se observar que à forma de aproveitamento do terreno restringe-se a delimitação de ruas e lotes, sem a previsão de áreas para equipamentos públicos ou espaços de lazer.

Na década de 90, esta tendência de crescimento da atividade de parcelamento informal

do solo se manifesta em todas as regiões pesquisadas. Esta retomada da oferta irregular de

lotes será caracterizada por dois movimentos: por um lado verifica-se uma ocupação intensa

de vazios urbanos que vai resultar num padrão de ocupação tipo “vila” ou "condomínio” com

a implantação de um número pequeno de lotes de pequenas dimensões; por outro, observa-se

também a retomada do processo de ocupação de áreas mais periféricas aos centros urbanos da

zona oeste e Jacarepaguá, com a implantação de loteamentos com maiores dimensões e maior

número de lotes que aqueles implantados nas duas décadas anteriores, embora estes também

apresentem lotes de pequenas dimensões (ver mapa).

Para se entender melhor este processo, vale retomar as observações de ROLNIK com

referência ao fenômeno verificado em São Paulo nos anos 70 que levou aquela autora a

concluir pelo “esgotamento do padrão periférico de crescimento” daquela cidade.

106

Page 125: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

De fato, um exame dos dados relativos aos parcelamentos irregulares e clandestinos

existentes no Rio de Janeiro que fosse realizado no início da década de 80, tenderia a chegar

aos mesmos resultados. Passados mais de 20 anos, no entanto, pode-se hoje ter uma outra

visão deste fenômeno e se verificar que, para o caso do Rio de Janeiro, uma conclusão deste

tipo seria precipitada.

Feita esta constatação, busca-se agora avançar no sentido de se tentar levantar

hipóteses que expliquem a mudança do ritmo da expansão e das características dos

parcelamentos ‘produzidos’ a partir da década de 80. Para tanto, deve-se voltar aos fatores

elencados por Rolnik que teriam motivado o “esgotamento do padrão periférico de

crescimento” na cidade de São Paulo, e examinar se os mesmos elementos servem como

parâmetros para a analise do fenômeno registrado na cidade do Rio de Janeiro.

O primeiro fator apresentado foi a edição da Lei Federal 6766/79 que, segundo a

autora, seria mais restritiva que a legislação anterior. O segundo, o aumento das distâncias

entre o centro e a periferia e o terceiro, a conjuntura inflacionária.

Com relação ao primeiro fator apresentado cabem algumas considerações: de fato, a

Lei 6766/79 teve profundas implicações nos padrões dos parcelamentos oferecidos e no

funcionamento do mercado informal da cidade do Rio de Janeiro. A propósito, vale observar

o gráfico da pág.12, relativo ao número de lotes irregulares e clandestinos produzidos por

década.

Como pode ser observado nos anos 80, verifica-se uma radical modificação na relação

existente entre o número de parcelamentos irregulares e o de clandestinos na cidade. Como se

sabe, um parcelamento irregular (loteamento ou vila) era produzido por parceladores

individuais (pessoa física) ou empresa legalmente estabelecida (pessoa jurídica) que dava

início a um parcelamento que, porém, por motivos diversos, era abandonado e caía na

irregularidade. Seu traçado, no entanto, via de regra, seguia um projeto aprovado pela

prefeitura. Os clandestinos, por outro lado, eram ‘produzidos’ por parceladores, também

pessoas físicas ou jurídicas, que atuavam totalmente à margem da lei, não respeitando as

regras relativas a dimensionamento de lotes, logradouros e, especialmente, à destinação de

áreas de uso público; além de não implantarem as infra-estruturas necessárias. A

sobrevivência e crescimento destes últimos em relação aos primeiros parece indicar, como

uma das hipótese, que um dos fatores determinantes para esta mudança foi o fato de a Lei

Federal no seu art. 50 definir, de forma efetiva, o ato de parcelar o solo sem o atendimento à

107

Page 126: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

legislação como crime contra a Administração Pública com previsão de detenção por até 4

anos.9

Tal medida, ao que parece, retirou do mercado os loteadores “aventureiros”, porém

inseridos no mercado formal e manteve em atividade aqueles que já atuavam na

clandestinidade, mais difíceis de serem alcançados pela lei. Esta hipótese é útil também para

explicar o fato de se observar um aumento do número de parcelamentos e lotes lançados nos

anos 80, ao mesmo tempo em que se reduzia a área total parcelada. Por não terem a

preocupação com a aprovação dos projetos na Prefeitura, os loteadores clandestinos ocupam

ao máximo a área disponível com lotes de pequenas dimensões, reduzindo ao mínimo

necessário as áreas para circulação, sendo raro, nesses casos, a reserva de áreas para outros

usos públicos.

Não parece ter tido maior influência nesta mudança, pelo menos no caso do Rio de

Janeiro, o fato de a Lei Federal estabelecer exigências quanto à dotação de infra-estrutura e a

reserva de terras para o uso público, o que é o ‘senso comum’ sobre a matéria. Cabe lembrar,

como já visto, que a legislação municipal já impunha exigências equivalentes, ou mesmo

superiores, às impostas pela Lei Federal ao loteador, inclusive a da reserva de terras, que

pouco foi acrescida pela Lei 6766/79.

Com relação ao segundo argumento, o aumento das distâncias centro-periferia, talvez

se possa trabalhar a hipótese de tais distâncias terem sido, de certa forma, reduzidas, no caso

do Rio de Janeiro, com a expansão do sistema viário e o surgimento de novos pólos geradores

de emprego, tais como a expansão da cidade para a Barra da Tijuca (FERREIRA, 1997).

Para se avaliar o terceiro argumento é necessário que se conheça a variação das taxas

anuais de inflação pelos períodos analisados. A tabela 5 mostra que foi na década de 80 e

parte dos anos 90 que vigoraram as mais altas taxas de inflação, considerando o período

analisado neste trabalho.

108

9 Cabe lembrar que a possibilidade de detenção já estava prevista na legislação federal desde a edição do Decreto-Lei n.º 271/67, embora o dispositivo fosse considerado ineficaz (CASEIRO, 1979).

Page 127: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Grafico 5 - Taxas anuais de inflação no período 1941 a 2001

Inflação (%)

1%

10%

100%

1000%

10000%

ano1

941

ano1

951

ano1

961

ano1

971

ano1

981

ano1

991

ano2

001

Inflação (%)

Fonte: Guia Financeiro Dinheiro VIVO / Revistas Suma Econômica e Conjuntura Econômica FGV. Coletânea Prof. Paulo Cezar R. da Silva – Vitória (ES) – Site dos índices.

Verificou-se com base na análise de documentos de compra e venda realizadas no

período, que os parceladores adaptaram-se às épocas de alta inflacionária, aumentando o valor

da “entrada” e reduzindo o número de prestações a vencer. É que, tendo em vista a ausência

de qualquer investimento em urbanização, via de regra o valor dessa entrada era suficiente

para cobrir os gastos com a aquisição do terreno e auferir algum lucro. Registre-se também,

que a partir da aprovação da Lei 6766, facultou-se ao adquirente de lotes não-regulares, a

possibilidade de suspensão dos pagamentos, mediante procedimentos relativamente simples

de notificação que começaram a ser postos em prática pela Defensoria Pública do Estado.10 A

mudança de estratégia na comercialização, visou, portanto, a atingir dois objetivos: fugir dos

efeitos da inflação e dos efeitos da lei, tendo sido mantidos tais procedimentos mesmo após a

vigência do Plano Real.

Ao que parece, nenhum dos argumentos apresentados parece dar conta do fenômeno

observado de redução da produção de lotes irregulares e clandestinos na cidade na década de

70 e a sua retomada nos anos 80. Neste trabalho, entretanto, pretende-se acrescentar um novo

fator a este debate, que é o impacto da produção habitacional do Sistema Financeiro da

Habitação e do BNH sobre o mercado informal de terras. Para tanto, realizou-se um

levantamento de toda a produção habitacional realizada por entidades públicas na cidade do

109

10 Segundo Miguel Baldez, a suspensão dos pagamentos porventura ainda devidos pelos compradores de lotes é uma das principais medidas de coerção sobre o loteador faltoso (BALDEZ, 1986, p. 30).

Page 128: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, no período estudado, sendo esta comparada ano a ano com a oferta no

mercado de lotes irregulares e clandestinos. Os dados recolhidos deram origem ao gráfico 5.

Pelo que se pode observar neste gráfico, há uma correlação evidente entre os picos de

produção habitacional forma oficial e a redução da oferta de lotes irregulares e clandestinos.

Momentos de alta oferta de unidades habitacionais se refletem em períodos de redução na

atividade informal e vice-versa. Dessa forma, tende-se à conclusão de que a retomada dos

parcelamentos irregulares, e também o crescimento da população favelada no período, é

também conseqüência da débâcle do Sistema Financeiro da Habitação e do fim do BNH que,

bem ou mal, dava conta do atendimento de parte da clientela potencial do mercado fundiário

informal.

110

Page 129: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Gráfico 6 – Produção de lotes irregulares e habitação oficial

Gráfico - Produção lotes irregulares e habitação oficial

-5.000

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

Anos

Uni

dade

s

u. habit. Lot. Irreg.

111

Page 130: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

CAPÍTULO 4

TERRITÓRIOS

4.1. Introdução

Ao se estudar o mercado de lotes não-regulares no município do Rio de Janeiro,

chama a atenção o fato de este desenvolver-se ao longo de mais de 6 décadas de forma mais

ou menos uniforme no que diz respeito à sua distribuição no território municipal.

Quando os parcelamentos que formam o conjunto em análise nesta pesquisa são

distribuídos por ano de implantação e pelas Áreas de Planejamento (AP), constata-se que na

década de 40, 80% dos parcelamentos não-regulares estavam situados na AP5; 10% na AP3; e

10% na AP4. Nos anos 90, manteve-se a AP5 na dianteira, com 63% dos parcelamentos; a

AP3 com 19%; e a AP4 com 17% (tabela 3 do Cap. 3). Com exceção da década de 80, quando

se observou uma troca de posições entre a AP 3 e a AP 4, o ranking entre as áreas de

planejamento manteve-se razoavelmente estável. Durante esses 60 anos, a Zona Oeste, aqui

compreendida como a região que abrange as Regiões Administrativas integrantes da AP5

(Realengo, Bangu, Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz), aparece com a área que abriga a

maior quantidade de parcelamentos não-regulares da cidade. Quando a unidade de análise é o

n.º de lotes, constata-se que esta AP concentra mais de 85% do total de lotes da amostra.

Ao observar-se especificamente a AP 5 ver-se-á que - com exceção da década de 50 -

a região da XVIII RA (Campo Grande) se manteve como a região onde ocorreu a maior oferta

de lotes não-regulares.

A constatação desta regularidade, embora sejam observadas algumas variações nessa

distribuição ao longo dos anos, leva ao questionamento das condições históricas objetivas que

definiram o modelo de desenvolvimento fundiário dessas regiões que, ainda hoje, marcam um

tipo de ocupação caracterizado pela intensa informalidade do parcelamento, comércio e uso

do solo.

Nesta etapa do estudo, pretende-se efetuar uma breve descrição do processo histórico

de ocupação das regiões do município do Rio de Janeiro onde se apresentam com maior

freqüência os parcelamentos não-regulares, quais sejam os territórios definidos pela Prefeitura

como áreas de planejamentos (APs) 3, 4 e 5. Não se pretende, no entanto, discorrer 112

Page 131: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

exaustivamente neste trabalho sobre o processo de formação do território brasileiro, nem

mesmo o do município do Rio de Janeiro no seu âmbito geral, uma vez que se considera este

tema já suficientemente desenvolvido, para os objetivos desta dissertação, nos excelentes

trabalhos de Abreu, Fridman e Pechman, entre outros aqui citados. Este trabalho, portanto,

deter-se-á nos aspectos específicos da ocupação e formação do território das áreas onde serão

recorrentes ao longo das décadas de 40 a 90, as formas de parcelamento e comercialização

informal do solo.

Para efeito desta dissertação tomam-se as seguintes definições: Zona Oeste é a região

abrangida pelas Regiões Administrativas (R.A.s) e seus respectivos bairros que compõem a

Área de Planejamento 5 ( AP5); Zona Suburbana é a região abrangida pelas R.A.s e bairros

que compõem a AP3; e a Baixada de Jacarepaguá a região abrangida pelas R.A.s e bairros que

compõem a AP 4 (ver nota 4 da Introdução, p.4).

4.2. A expansão para a Zona Suburbana, Oeste e Baixada de Jacarepaguá

Como já visto no início deste capítulo, busca-se estudar a formação de determinados

espaços da cidade onde ocorre de forma histórica e significativa o parcelamento do solo

irregular ou clandestino. Sendo assim, este trabalho se concentrará em 8 Regiões

Administrativas assim distribuídas: Na AP5 serão examinados os processos de evolução

urbana das R.A.s XXXIII (Realengo), XVII (Bangu), XVIII (Campo Grande), XIX (Santa

Cruz) e XXVI (Guaratiba). Na AP 4 se concentrará no exame da XVI (Jacarepaguá) e na AP

3 na XXII (Anchieta) e na XXV (Pavuna).

4. 2. 1. Zona suburbana

No final do século XIX, os principais núcleos suburbanos cariocas já estavam

formados e em franca expansão. Cascadura, Engenho Novo, S. Cristóvão, Sapopemba (atual

Deodoro), São Francisco Xavier, Riachuelo e Todos os Santos foram as primeiras estações da

Central do Brasil, todas elas inauguradas no período 1850-1870. Na década de 80, foram

113

Page 132: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

inauguradas as estações Derby Club, Sampaio, Quintino, Méier, Mangueira, Encantado e, em

1890, Madureira” (O Rio de Janeiro de Lima Barreto – pg 29).

Este crescimento, ao contrário daquele verificado nas áreas nobres da cidade, deu-se

sem qualquer apoio do Estado, ou das concessionárias de serviços públicos, o que resultou em

uma ocupação do território marcada pela ausência de infra-estrutura e serviços públicos.

As facilidades de transporte ferroviário, a difusão da energia elétrica, o baixo preço

dos terrenos (motivado pelo declínio das culturas de exportação de cana de açúcar e café na

região que induziu a divisão em lotes das antigas fazendas) e a aglomeração de uma mão-de-

obra barata e abundante, levaram muitas grandes fábricas a se instalarem nos subúrbios,

sobretudo durante e depois da I Guerra Mundial. Em 1920, Inhaúma já era o primeiro distrito

de população industrial com 18.887 pessoas ocupadas nessa atividade (LOBO, 1989, p. 127).

Entre 1906 e 1920, a taxa de crescimento populacional das freguesias suburbanas foi

bem maior do que a das freguesias urbanas, destacando-se as de Irajá e Inhaúma com os

índices de 263% e 92% respectivamente. A população das freguesias de centrais, na maioria

dos casos, diminuiu.

Assim, já em 1917, no primeiro fluxo do grande capital industrial em direção aos subúrbios, instalou-se em Maria da Graça a CISPER, produtora de vidros por processo mecânico. Logo a seguir, em 1921, a General Electric instalou aí a sua fábrica de lâmpadas em uma fazenda que havia sido comprada em 1919 seguida da Marvin (parafusos e pregos) e por outras indústrias [o autor cita mais a frente a Companhia Nacional de Tecidos Nova América em Del Castilho, em 1924] (ABREU,1997, p. 81).

Abreu destaca que a implantação destas indústrias nesta região, sendo uma importante

fonte de empregos, atraiu um grande número de trabalhadores, que, sem ter onde morar,

começaram a ocupar terrenos vazios próximos a estas unidades fabris, dando início à favela

do Jacarezinho. Segundo o autor, as indústrias aí se instalaram de forma pioneira, sem contar

com “qualquer ajuda do Estado”.

Após 1930, no entanto, ocorreu um novo surto de ocupação industrial, com a

implantação da Gillete e da Silva Pedrosa (fabricante de rolhas metálicas) em Benfica e a Cia

Nacional de Papel no Jacarezinho. Nesse período, no entanto, a expansão se deu com o apoio

do Estado que promoveu o saneamento da região, liberando novas áreas tanto para a atividade

industrial quanto para a ocupação residencial.

114

Page 133: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Ao iniciar a década de 40, a região abrangida pelos bairros das zonas norte e

suburbana já estava quase toda consolidada urbanisticamente e ocupada por uma população

que concentrava o maior número de trabalhadores empregados nas atividades de indústria e

comércio. Sendo o local de maior concentração de moradores em favelas e, também, onde se

iria edificar a maioria dos conjuntos produzidos pelos Institutos de Previdência e Fundação

da Casa Popular no município.

Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, acelerou-se mais ainda o processo de

ocupação industrial da região, tendo em vista a necessidade de se fomentar a produção de

artigos anteriormente importados dos países em guerra. O prolongamento da Av. Brasil até a

estação de Coelho Neto da E.F. Rio D’Ouro em 1949 e até Barros Filho em 1954 favoreceu

também a ocupação do extremo norte da região suburbana, composto pelos bairros de

Anchieta e Pavuna e dos municípios da Baixada Fluminense atendidos pelas estradas de ferro

Rio D’Ouro e Linha Auxiliar.

4.2.1.1.Pavuna e Anchieta

Tendo em vista serem estas regiões administrativas da área suburbana onde se vai

concentrar a maioria dos parcelamentos não-regulares da região, cabe verificar algumas

peculiaridades do histórico da ocupação e do crescimento populacional destas áreas. (Ver

Mapa 3, p. 165)

Segundo Maurício Abreu, a extensão da Av. das Bandeiras (atual Av. Brasil)1 a

Coelho Neto em 1949 e Deodoro em 1954, associada à execução de obras de saneamento na

1 AV. Brasil e Av. das Bandeiras - É freqüente a referência a estas duas vias na literatura especializada no processo de desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro. Nos textos pesquisados para esta dissertação encontram-se referências a estes logradouros nos trabalhos de Maurício Abreu e Maria Lais Pereira da Silva. As citações encontradas, no entanto, não informam que a antiga avenida das Bandeiras foi incorporada ao traçado da avenida Brasil em 22/06/61, consolidando o traçado desta que hoje se estende da Rua São Cristóvão, logradouro do Bairro de mesmo nome à av. João XXIII, no Bairro de Santa Cruz. Tendo em vista a importância destes logradouros para a expansão e estruturação da cidade, cabe a recuperação da história destas duas importantes vias.

115

O primeiro trecho da Av. Brasil teve como origem o leito da estrada conhecida como “Variante Rio - Petrópolis”, começando na Rua São Cristóvão, 50 metros antes da av. Francisco Bicalho e indo até a rua Bulhões Marcial, junto e depois da parada de Lucas. Este trecho foi oficialmente reconhecido em 10/12/46. Consta que no mesmo ano do reconhecimento deste trecho da Av. Brasil, foram editados os decretos de desapropriação para a implantação da av. das Bandeiras, que teve o primeiro trecho implantado entre a Parada de Lucas e a estação de Coelho Neto da Estrada de Ferro Rio D’Ouro, trecho este reconhecido em 31/12/49. (Prolongamento portanto

Page 134: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

região, “deu origem a um intenso processo de retalhamento de terras” nos bairros de Pavuna e

Anchieta. Na mesma época, no entanto, intensificou-se também a ocupação dos municípios de

Nova Iguaçu, Belford Roxo, Nilópolis, São João de Meriti e Mesquita na Baixada Fluminense

que, ou são limítrofes a estes bairros ou servidos pelas mesmas vias de penetração ferroviárias

ou rodoviárias.

Com a abertura da rodovia Presidente Dutra nos anos 50, novas áreas foram

incorporadas ao processo de expansão da malha urbana, atraindo indústrias que se instalaram

às suas margens motivadas pelo baixo custo do solo e também por conta dos incentivos fiscais

oferecidos pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro. Em terras mais afastadas da rodovia

surgiram loteamentos populares que ocuparam as terras anteriormente utilizadas para o

plantio da laranja, atividade econômica já em franca decadência desde o início da Segunda

Guerra (ABREU, 1997, p. 121).

Para se ter uma idéia do crescimento populacional dos municípios da Baixada em

relação aos bairros da Pavuna e Anchieta, vale citar que em 1940 a população destes dois

bairros juntos era de 92.064 habitantes, superior, portanto à soma da população dos atuais

municípios de Nova Iguaçu, Belford Roxo, Mesquita e São João de Meriti que era de 84.678

hab. Em 1950 esta relação já estava completamente invertida, sendo a população dos bairros

citados de 171.194 e dos municípios de 203.337 hab. Em 1970, se tomarmos apenas a

população do município de São João de Meriti, esta já será superior à dos bairros citados em

cerca de 100.000 habitantes.

Pode-se dizer que o processo de ocupação dos subúrbios, que se deu ao longo dos

leitos da vias férreas e das estradas de rodagem, a partir da década de 40 dá um salto sobre os

bairros da Pavuna e Anchieta, indo ocupar as terras mais distantes dos municípios da Baixada. da Av. Brasil). Posteriormente, a Av. das Bandeiras foi prolongada até Barros Filho na altura da Estrada do Camboatá, passando a incorporar também, na outra extremidade, o trecho entre Parada de Lucas e a av. das Missões, anteriormente parte integrante da av. Brasil. Trecho reconhecido em 14/07/54. Na segunda metade da década de 50, a av. das Bandeiras foi ainda prolongada até o Bairro de Bangu (ponte sobre o Rio Sarapuí), trecho reconhecido em 25/08/58, e posteriormente até Campo Grande, ao alcançar a estrada do Mendanha (trecho reconhecido em 15/09/59. No início da década de 60, a avenida se estende até encontrar a antiga estrada Rio São Paulo, (trecho reconhecido em 15/06/61), ainda no mesmo ano será feita a extensão até Santa Cruz, até encontrar a estrada Rio Santos. Em 22/06/61 a av. das Bandeiras deixa de existir, sendo todo o seu percurso incorporado à av. Brasil. No início da década de 70 mais um trecho é incorporado no seu traçado, ligando a conexão com a BR 101 à av. João XXIII, também em Santa Cruz. Conforma-se assim o traçado atual do mais importante trecho viário do município. Pelo visto acima, podemos concluir que só podemos atribuir importância a Av. Brasil no processo de crescimento da Zona Oeste, a partir da segunda metade da década de 50, uma vez que esta só vai atingir o bairro de Bangu em 1958, Campo Grande em 1959 e Santa Cruz em 1961.

116

Page 135: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Esta, provavelmente, é a explicação para um certo “atraso” na ocupação destes bairros, o que

resultou na manutenção de um estoque de áreas vazias que foram sendo gradualmente

ocupadas por loteamentos e vilas regulares, irregulares e clandestinos a partir dos anos 60.

Gráfico 7

Distribuição dos loteamentos da AP3 por RA

2 5 5 110

1

4030

01020304050

Penh

a

Inha

úma

Mei

er

Irajá

Mad

urei

ra

Ilha

Anc

hiet

a

Pavu

na

Regiões Administrativas

N. d

e Lo

team

ento

s

Fonte: Núcleo de Regularização de Loteamentos – SMH.

Tabela 8

Características dos parcelamentos da XXII RA – Anchieta

Décadas N. de parcelamentos

N. médio de lotes

Área média dos lotes

Área média das glebas

50 2 36 133 7.736 60 9 90 184 28.995 70 4 68 185 21.106 80 12 51 160 12.196 90 13 73 121 15.120

Total 40 - - - Fonte: Núcleo de Regularização de Loteamentos – SMH/PCRJ.

Tabela 9

Características dos parcelamentos da XXV RA – Pavuna

Décadas N. de parcelamentos

N. médio de lotes

Área média dos lotes

Área média das glebas

50 3 124 145 38.328 60 19 60 127 10.804 70 6 37 184 9.359 80 0 0 0 0 90 2 118 110 21.861

Total 30 - - - Fonte: Núcleo de Regularização de Loteamentos – SMH/PCRJ. 117

Page 136: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Observando as características dos parcelamentos não-regulares das R.As de Anchieta e

Pavuna, apresentadas nos quadros acima, pode-se concluir que estas revelam um processo de

ocupação de vazios urbanos resultantes de um processo anterior de divisão do solo. Verifica-

se também que a década de 60 foi o período de maior oferta, provavelmente em função das

obras de saneamento e ampliação do sistema viário realizadas nas décadas anteriores.

4.2.2. Zona Oeste

Para se conhecer o histórico da propriedade da terra na zona oeste, recorreu-se ao

excelente trabalho desenvolvido pelo historiador Robert Moses Pechman, que com sua

pesquisa (PECHMAN,1987) veio preencher uma lacuna existente na historiografia da cidade

do Rio de Janeiro, que pouca atenção vinha dedicando aos bairros dos subúrbios,

especialmente aqueles da antiga zona rural. (Salvo Santa Cruz que já tinha sido objeto de

vários estudos).

Pechman dividiu a zona oeste em quatro áreas, que hoje corresponderiam às regiões

administrativas de Realengo, Bangu, Campo Grande (englobando também a RA de Guaratiba)

e Santa Cruz. A divisão adotada, segundo o autor, corresponde também às diferentes formas

de propriedade da terra historicamente estabelecidas.

4.2.2.1. Realengo

A primeira área da AP 5 estudada é a região correspondente hoje à XXXIII RA, que

abrange os bairros de Deodoro, Vila Militar, Campo dos Afonsos, Jardim Sulacap, Magalhães

Bastos e Realengo. Originalmente conhecida como realengo do Campo Grande, esta área já

pertencia à Câmara da cidade desde o ano de 1660, sendo área de rocio, ou logradouro

público, portanto inalienável. (Ver Mapa, p. 166)

118

Pechman nos informa que, a despeito desta condição, a região foi objeto de diversas

ocupações e concessões irregulares, o que gerou conflito entre a Câmara e seus ocupantes e

entre esses próprios. Após uma longa luta judicial, a Câmara retomou, em 1814, o domínio

sobre a área, sendo nessa ocasião, reafirmada por decisão real, a sua condição de área pública,

para ser usada como “depósito, descanso, e pastagem dos gados” (PECHMAN, 1987, p. 25)

Page 137: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

“sem delas se poder aforar, arrendar, vender ou por qualquer maneira alienar, debaixo de pena

de nulidade” (HADOCCK LOBO, apud PECHMAN, 1987, p. 25). A determinação real não

impediu, contudo, que novas ocupações tivessem lugar na região. Essas motivaram diversas

tentativas da Câmara para a regularização da situação dos posseiros nos anos de 1825, 1835,

1845 e 1853.

Fonte: Donos do Rio em nome do Rei. Fania Fridman, Jorge Zahar/Garamond, 1999.

Figura 26 – Mapa do Bairro de Realengo em 1899

119

Page 138: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Em 1857, por fim, foi constituída uma comissão encarregada de regularizar a

propriedade naquela região. Naquele ano Realengo já era um importante núcleo populacional,

já contando mais de 50 ocupantes ilegais na área. Foi então feita uma nova planta e

introduzidos vários melhoramentos para a regularização do local. A todos os foreiros e

intrusos foi exigido que providenciassem novas cartas de aforamento. Na mesma época o

Governo Imperial adquiriu posses na região para ali estabelecer um aquartelamento militar.

Com vistas ao aumento das rendas municipais, foi então o realengo dividido em quadras

regulares para novos aforamentos.

Segundo Pechman,

[...] o controle da propriedade da terra pela Câmara ao longo dos anos, o retalhamento precoce (1857) do local, que já se configurava como povoado e a existência de várias áreas pertencentes ao Exército, foram a base do processo de urbanização de Realengo que iria se acentuar depois da inauguração da estação Realengo da Central do Brasil, em 1878. A peculiaridade da situação – uma certa definição da propriedade da terra – terá como conseqüência um nível baixo de conflito de terras. Igualmente, devido à ocupação antiga e mais ou menos ordenada, a presença de loteamentos é pequena na região, como a querer revelar que não havia muitas possibilidades para a especulação com a terra (PECHMAN, 1987, p. 29).

A despeito desta constatação, verificamos em nossa pesquisa que a especulação com a

terra e o parcelamento irregular e clandestino ocorreu e ainda ocorre em Realengo, embora,

sem dúvida, condicionado pela estrutura fundiária e urbana pré-existente.

O quadro abaixo revela algumas das características apresentadas pelos parcelamentos

da amostra situados no bairro de Realengo.

Tabela 10

Características dos parcelamentos irregulares e clandestinos da amostra situados na XXXIII RA – Realengo

Década de implantação

N.º de parcelamentos.

N.º médio de lotes por parcelamentos

Área média dos lotes por

parcelamento

Área média das glebas ou lotes

parcelados 50 5 128 153 27.547 60 10 95 122 27.467 70 2 83 172 39.254 80 10 29 119 6.453 90 7 50 113 10.721

Total 34 - - -

120

Page 139: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

O primeiro aspecto a ser o observado é a concentração quase absoluta dos

parcelamentos verificados no bairro de Realengo. Dos 34 parcelamentos em análise, 33 se

situam naquele bairro e apenas um está situado em Marechal Hermes. Não foram

identificadas, na amostra, ocorrências nos bairros de Jardim Sulacap, Vila Militar, Campo dos

Afonsos e Deodoro que são áreas predominantemente ocupadas por instalações militares. O

bairro de Realengo, corresponde hoje, como já visto, à área pertencente à Câmara e que foi

parcelada e aforada para a geração de renda, o que possibilitou, ali, desenvolver-se um

mercado de terras, tanto formal como informal.

As características apresentadas pelos parcelamentos constantes do quadro acima, nos

mostra que esta região não apresenta um processo de transformação do uso do solo com a

incorporação de novas áreas periféricas aos limite urbanos, e sim, predominantemente, um

processo de re-parcelamento e adensamento de lotes já inseridos em malha urbana

conformada por processos anteriores de ocupação e urbanização, conforme pode ser visto no

mapa da AP5.1 (p. 166).

4.2.2.2. Bangu

A ocupação da região de Bangu, data de 1673, quando Manuel Barcelos Domingues

ali se instalou fundando a Fazenda Bangu, dedicada ao plantio e exploração da cana-de-

açúcar. A citada fazenda passou por diversos proprietários até ser adquirida, em 1889, pela

Cia Progresso Industrial do Brasil. Até hoje, a grande proprietária de terras na região. Esta

companhia ampliou os limites da Fazenda Bangu através da aquisição de outras propriedades

existentes na região.

A Cia construiu em terras da Fazenda Bangu uma fábrica de tecidos e iniciou,

concomitantemente, a atividade industrial e a atividade imobiliária, promovendo a venda de

um grande número de lotes pertencentes ao seu estoque de terras.

Dados de uma pesquisa realizada por Carvalho e Correa do Lago, informa que aquela

companhia colocou no mercado 6.236 lotes à venda entre os anos 1936 e 1959,

correspondentes aos parcelamentos de 25 áreas, sendo responsável pela oferta de cerca de

121

Page 140: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

25% dos lotes comercializados naquela região no período. Segundo Pechman, a Cia Progresso

Industrial pode ser considerada a grande responsável pela urbanização do bairro de Bangu.

Segundo ainda o autor, o quadro fundiário de Bangu, a exemplo de Realengo, já estava

bastante definido antes do processo de parcelamento do solo experimentado a partir da

segunda metade da década de 30.

Fonte: Robert Moses Pechman, 1987

Fonte: Robert Moses Pechman, 1987

Figuras 27 - Exemplos de publicidade dos parcelamentos de iniciativa da Fábrica Bangú

122

Page 141: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

O quadro seguinte nos permite verificar que, assim como em Realengo, também em

Bangu vão surgir parcelamentos do solo irregulares e clandestinos com as seguintes

características.

Tabela 11

Características dos parcelamentos da amostra na XVII RA - Bangu

Décadas N.º de parcelamentos

N.º médio de lotes por

parcelamento

Área média dos lotes por

parcelamento

Área média das glebas

parceladas 30 1 85 S/inf. 15.326 40 1 199 225 48.657 50 2 145 218 66.065 60 7 85 152 37.388 70 4 90 159 27.149 80 3 38 143 5.912 90 10 196 112 33.298

Total 28 - - -

Os loteamentos da amostra identificados na XVII RA Bangu estão assim distribuídos:

20 no bairro de Bangu, 4 em Padre Miguel e 4 em Senador Camará, cabendo observar que

estes dois últimos são áreas de grande concentração de conjuntos habitacionais construídos

pela CEHAB (ver Mapa p. 166).

Na maioria dos casos, os parcelamentos correspondem a glebas com área superior a

30.000 m², exceto na década de 80, quando se verificaram apenas a ocorrência do

parcelamento de lotes urbanos com área inferior a 6.000 m². Um outro aspecto a ser destacado

é o substancial crescimento do número de parcelamentos, lotes e área de gleba parcelada

verificados na década de 90, o que demonstra uma retomada do processo de ocupação de

áreas periféricas naquela região.

123

Page 142: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

4.2.2.3. Campo Grande e Guaratiba

Estas regiões serão estudadas conjuntamente, tendo em vista que são áreas que

partilham o mesmo modelo de evolução fundiária e do parcelamento da terra, embora Campo

Grande tenha experimentado um processo de urbanização mais dinâmico pelo fato de contar

com melhor acessibilidade oferecida, inicialmente pela antiga Estrada Real de Santa Cruz,

posteriormente pela Estrada de Ferro e, na primeira metade do séc. XX, pela Av. Brasil (ver

Mapa 5, p. 167).

A origem da ocupação da região de Campo Grande e Guaratiba remonta ao primeiro

século de colonização da cidade, dando-se através da doação de sesmarias que conformaram

grandes latifúndios (PECHMAN, 1987, p. 58).

A exploração da cana-de-açúcar foi a primeira atividade econômica ali desenvolvida.

Apoiada na exploração do trabalho escravo e da grande propriedade, esta prevaleceu na região

até o final do séc. XVIII, quando a economia canavieira entrou em crise.

A partir de então, os proprietários das grandes fazendas iniciaram um processo de

subdivisão2 de suas terras em chácaras e sítios para aforamento a pequenos agricultores, sendo

esta a estratégia encontrada para evitar a desvalorização das mesmas e garantir renda através

dos foros. Pechman informa, que em 1854 registrava-se na região a existência de 38 fazendas

e mais 88 pequenas propriedades. (Registros feitos em função da Lei de Terras de 1850).

A estratégia dos proprietários de repartir suas terras para aforamento gerou, ainda na

primeira metade do século XIX, um dinâmico mercado de terras para aforamento que tinha

como característica a disseminação da posse da terra, porém, com a manutenção da

propriedade sob o controle de poucos.

Na medida que a cana decaiu e o café não pegou, não havia mais necessidade de se encontrarem indivisas as grandes propriedades. Nessa conjuntura a fragmentação da terra foi a solução que evitou a derrocada econômica dos grandes proprietários. A intensa transação realizada com terras durante todo o século XIX na Zona Oeste transformaria a área numa vasta zona de agricultura de subsistência, em parte para o abastecimento da cidade, em parte para o consumo familiar. A antiga paisagem das fazendas começava a transfigurar-se numa paisagem pontilhada de pequenos sítios e chácaras. (PECHMAN, 1987. p.70)

124

2 A presença incontestável da pequena propriedade na zona oeste será uma característica dessa região e é fundamental para se entender com se dará o processo de urbanização local (PECHMAN,1987, p. 120).

Page 143: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Fonte: Secretaria Municipal de Fazenda

Figura 28 – Um exemplo de projeto de parcelamento do solo elaborado para área da região de Guaratiba com base na legislação anterior ao Decreto 3.549/31. Pode-se observar elementos da legislação de 1893, como a exigência de uma praça central. ( parcelamento não implantado)

Na década de 30, a região inicia um novo processo de re-parcelamento da terra, agora

com a transformação de sítios e chácaras em loteamentos urbanos. Este processo de

transformação será, no entanto, contido pela emergência na região de uma nova cultura

agrícola, a da laranja, que se manterá como a atividade econômica mais importante da região

ao longo das décadas de 30, 40 e 50.

A tendência de transformação do uso do solo de agrícola em urbano, só se consolidará

de fato, na década de 60, uma vez que o lançamento de grandes loteamentos na década de 50,

especialmente na região de Guaratiba, não passou em grande parte, de um processo

especulativo, sem resultar efetivamente na ocupação efetiva do território que, na maioria dos

casos, continuou a abrigar atividades agrícolas de subsistência.

125

Page 144: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

O fenômeno dos loteamentos e a estocagem de terrenos para fins especulativos colocam por fim, durante os anos 60, em cheque a Zona Oeste como Zona Rural do Rio, fazendo eclipsar o seu papel como abastecedora da cidade (PECHMAN, 1987, p. 79).

Tabela 12

Características dos parcelamentos da amostra na XVIII RA – Campo Grande

Década N. de parcelamentos

N. médio de lotes por

parcelamento

Área média dos lotes

Ares média da gleba parcelada

20 1 181 400 79.754 30 2 398 1.127 580.684 40 5 1.211 264 490.577 50 24 203 271 85.237 60 23 331 212 241.742 70 18 180 194 63.499 80 15 172 160 38.768 90 34 108 159 36.936

Total 122 - - -

Verificamos no quadro acima que os dados relativos à amostra dos parcelamentos

existentes no bairro de Campo Grande, por suas características, confirmam a descrição do

processo histórico de ocupação da região, retratando o gradual processo de transformação do

uso do solo de rural para urbano e também a intensidade do fenômeno da produção irregular,

que neste bairro será marcadamente superior às demais regiões do município.

Tabela 13

Características dos parcelamentos da amostra da XXVI RA - Guaratiba

Década N. de parcelamentos

N. médio de lotes por

parcelamento

Área média dos lotes

Ares média da gleba parcelada

50 5 5.238 348 2.380.601 60 0 0 0 0 70 1 61 S/inf. 64.853 80 1 63 176 26.190 90 9 120 245 53.273

Total 16 - - -

126

Page 145: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Os dados relativos ao bairro de Guaratiba também são eloqüentes quando comparamos

os números das décadas de 50 e as posteriores. Estes dados confirmam o fato de que os

“lançamentos” realizados nos anos 50 não correspondiam a um efetivo processo de ocupação

urbana da região, não passando de especulação e aventura de alguns poucos especuladores.

Nesta região sobreviveu ainda por bom tempo o uso agrícola tendo sido retomado o processo

de parcelamento e ocupação do solo de forma mais intensa e majoritariamente clandestina, na

década de 90. Vale ressaltar que a população de Guaratiba era em 1950 de 20. 516 habitantes

e em 1960 de 27.120. Ou seja, em dez anos houve um acréscimo de cerca de 1.651 famílias,

considerando-se uma unidade familiar com quatro integrantes. Ocorre que neste mesmo

período foram lançados na região, segundo os dados da amostra, 26.190 lotes, ou seja, cerca

de dezesseis vezes o que poderia ser considerado a demanda efetiva para a região.

Um outro dado a corroborar esta afirmação é o de que na década de 60 foram

aprovados pela Prefeitura 62 projetos de novos loteamentos para Campo Grande, e apenas um

para Guaratiba.

4.2.2.4. Santa Cruz

A maior parte do território que hoje conforma a XIX RA – Santa Cruz, teve origem

em sesmaria doada em 1567 a Cristóvão Monteiro, primeiro Ouvidor-Mor do Rio de Janeiro.

A ocupação efetiva da região iniciou-se com a doação de uma parte desta sesmaria, com duas

léguas de extensão, feita pela viúva de Cristóvão Monteiro aos padres jesuítas em 1589. Os

padres, através de várias aquisições posteriores, lograram ampliar os limites desta área -

denominada de Fazenda de Santa Cruz - até alcançar uma área de 4 léguas de largura por 10

léguas de extensão. Com a expulsão dos jesuítas da Colônia em 1759, o território da Fazenda

de Santa Cruz passou a compor o patrimônio da Fazenda Real, ou Erário Público, sendo, por

força da Carta Régia de 7 de novembro de 1803, desmembradas da parte maior as áreas

correspondentes aos engenhos de Itaguaí (parte do atual município de Itaguaí) e do Piaí,

correspondente hoje a parte dos bairros de Sepetiba3 e Paciência4 (FRIDMAN, 1999).

3 A bairro de Sepetiba é majoritariamente composto por terrenos que compunham o antigo Engenho do Piai, que fazia parte da Fazenda Nacional, mas foi desmembrado e vendido a particulares, sendo suas terras posteriormente divididas e loteadas.

127

4 O bairro de Paciência também faz parte da R.A de Santa Cruz, porém não integra o território da Fazenda Nacional.

Page 146: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Com a proclamação da República, a área remanescente passou a ser denominada

Fazenda Nacional, e foi incorporada ao patrimônio do Estado brasileiro. Em 1938 o Decreto-

Lei 893 regulamentou o aforamento, a desapropriação e a exploração agrícola naquele

território. Com base neste decreto, foi criada a Primeira Comissão Especial Revisora de

Títulos de Terras – PCERTT, que tinha por tarefa analisar todos o títulos de terras

apresentados pelos ocupantes nas áreas sob jurisdição da Fazenda Nacional. Esta comissão

atuou de 1939 até 1945, dando pareceres sobre diversas propriedades que a compunham e

considerando-as desvinculadas do Patrimônio da União. A exigência de apresentação de

títulos legitimadores da posse por parte dos ocupantes gerou reações daqueles que não tinham

como cumprir esta obrigação. Nas décadas de 40 e 50 diversas matérias publicadas pela

imprensa local defenderam a extinção do sistema de aforamento, sendo sua manutenção

entendida como um dos entraves ao desenvolvimento da região (PECHMAN, 1987).

Em 1965 o patrimônio da Fazenda Nacional foi transferido do Serviço do Patrimônio

da União (SPU) para o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e, posteriormente, ao

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), autarquia criada em 1970.

Em 1971 foi instituído, pelo novo órgão o Projeto Fundiário da Fazenda Nacional de Santa

Cruz com a finalidade de ultimar a regularização dos processos existentes e proceder à

transferência das áreas remanescentes, aforadas ou não, para outros órgãos do Poder Público.

Os entraves burocráticos e legais encontrados no processo de regularização,

associados ao entendimento de que a regularização de ocupações já consolidadas como áreas

urbanas fugia à atribuição da autarquia, (que se dedica primordialmente a projetos de reforma

agrária), levou o Instituto a propor a devolução das terras da Fazenda Nacional ao Serviço do

Patrimônio da União. À União, no entanto, foram transferidas apenas as áreas de marinha e

acrescidos, restando ao INCRA, mais uma vez, a incumbência de regularizar as áreas urbanas

e rurais da Fazenda.

O INCRA efetivamente não assumiu esta tarefa, sendo o Projeto Fundiário Fazenda

Nacional de Santa Cruz desativado em 1998 e seu acervo transferido do escritório de Santa

Cruz para a Superintendência Regional, onde ficou abandonado em uma garagem até o ano de

2000 quando começou a ser restaurado e organizado pelo novo administrador que assumiu a

superintendência do Rio de Janeiro naquele ano.

Atualmente a Fazenda Nacional de Santa Cruz abrange os bairros de Santa Cruz e

Sepetiba, localizados no Município do Rio de Janeiro, e os municípios de Seropédica,

128

Page 147: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Paracambi, Paulo de Frontin, Mendes, Piraí, Pinheiral e Rio Claro, totalizando

aproximadamente 83.000 (oitenta e três mil) hectares de terras a serem regularizadas.

Fonte: Superintendência Regional do INCRA do Rio de Janeiro.

Figura 29 – Planta atual da Fazenda Nacional (antiga Fazenda dos Jesuítas)

129

Page 148: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

A Superintendência do INCRA no Rio de Janeiro tem dado prosseguimento à

regularização dos imóveis urbanos localizados nos bairros de Santa Cruz e Sepetiba. Este

trabalho, no entanto, tem ocorrido de forma assistemática, atendendo apenas às demandas

pontuais de ocupantes interessados na regularização, sem fazer parte de um programa

institucional.

Segundo informações colhidas na Superintendência Regional do INCRA no Rio de

Janeiro, são estas as situações de irregularidade mais freqüentes:5

Terrenos cedidos por aforamento e por ocupação, mediante cobrança de foro e

taxa, respectivamente, que beneficiam somente o usuário, acarretando ao

proprietário da terra, no caso o INCRA ou a União, prejuízos sem conta, pelo

pequeno valor desses tributos, mesmo assim sonegados por inúmeros foreiros e

ocupantes;

Desmembramento de áreas foreiras e de ocupação, sem anuência do INCRA, tanto

na área urbana como na rural, e venda dos lotes desmembrados, quase todos com

benfeitorias do comprador;

Ocupação indevida de áreas por ocupantes sem título, porém com benfeitorias;

Áreas inscritas em nome de um ocupante e na posse de outros;

Áreas cujos aforamentos foram transferidos de titulares sem o devido registro no

INCRA;

Terrenos foreiros transferidos mediante procuração em causa própria;

Imóvel único pleiteado por mais de um interessado, configurando conflito;

Terreno foreiro arrematado em leilão judicial com conseqüente autorização do juiz

para transferência do domínio útil;

Terrenos cujos foreiros ou ocupantes faleceram e os herdeiros não fizeram prova

de sucessão, mas continuam pagando foro ou taxa em nome do falecido;

Terrenos aforados com caducidade do aforamento declarado administrativamente,

porém com registros no RGI, sem caducidade judicial declarada;

130

5 Informações retiradas do Relatório do projeto fundiário Fazenda Nacional de Santa Cruz , elaborado por Josemar Costa de Oliveira, ex- Superintendente do INCRA no Rio de Janeiro: mimeografado, 2004.

Page 149: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Terrenos aforados, com os respectivos cânones em atraso por mais de três anos,

sem a devida caducidade declarada;

Imóveis objetos de ação de usucapião do domínio pleno, mas que pertencem ao

patrimônio da União, portando não podendo ser usucapidos.

Como pode ser observado, existem na XIX RA situações nas quais a irregularidade do

parcelamento do uso do solo se superpõe à irregularidade na relação entre os ocupantes da

terra e o INCRA.

Tabela 14

Características dos parcelamentos da amostra da XIX RA – Santa Cruz

Década N. de parcelamentos

N. médio de lotes por

parcelamento

Área média dos lotes

Ares média da gleba parcelada

40 2 363 450 264.104 50 7 219 318 166.159 60 9 345 234 225.955 70 4 201 292 66.011 80 7 126 242 47.003 90 4 208 146 92.374

Total 33 - - -

Os dados relativos aos parcelamentos da amostra em de Santa Cruz guardam

coerência com o histórico do seu processo de ocupação. Ali, os parcelamentos não-regulares

são em menor número que os verificados em Campo Grande. (Ver Mapa 5, p. 167)

Nos anos 60, a acessibilidade ao bairro foi favorecida pela chegada da Av. Brasil a

Santa Cruz e também pela implantação do trecho carioca da estrada Rio Santos que ligou o

bairro à Barra da Tijuca e Jacarepaguá, o que certamente contribuiu para fazer da década de

60 a de maior índice de aumento populacional do período e também o de maior incidência de

parcelamentos não-regulares.

131

Page 150: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

4.2.3. Baixada de Jacarepaguá

A ocupação da área hoje abrangida pela região administrativa de Jacarepaguá tem

origem em sesmarias concedidas pelo Governador Geral da capitania Salvador Corrêa da Sá

aos seus filhos Martin de Sá e Gonçalo Correa de Sá em 1594.6

Com a morte dos irmãos Sá por volta de 1632, as terras foram vendidas a Salvador

Corrêa de Sá e Benevides , o 1º Visconde de Asseca.7

Este, empossado governador em 1637,

fez medir de demarcar suas terras que nesta época iam desce a descida do Joá até a Tapera de Sapopemba (Deodoro). Esta linha de aproximadamente 20 km constituía a testada da sesmaria[. ..]. De Sapopemba, a medição lançou-se no rumo sudoeste, para o sertão, e chegou até o maciço da Pedra Branca. A oeste, as terras de Salvador Benevides, se estendiam até o Grumari, onde tinha seu limite (PECHMAN, 1987, p.178).

Figura 30 – Limites originais dos Bairros de Jacarepaguá e Barra da Tijuca

6 A carta de sesmaria foi passada no dia 09 de setembro de 1954 pelo tabelião da cidade e confirmada pelo Rei Felipe II em 26 de maio de 1597 (COSTA, 1995, p. 5).

132

7 Segundo Peckman, é a partir da consolidação do domínio das propriedades do 1º Visconde de Asseca que se começa a contar a história da propriedade nesta região.

Page 151: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

A condição favorável para o plantio da cana-de-açúcar e para a criação de gado

motivou a ocupação da região, com a implantação de diversos engenhos de açúcar, e será, em

torno da história desses engenhos, que se estruturará a organização fundiária da região.

Com o passar do tempo, as terras do 1º Visconde de Asseca foram sendo vendidas a

terceiros, transferindo-se gradativamente a maior parte delas para os descendentes do Capitão

Diogo Lobo Teles. Em fins do século XIX, grande parte das terras, que compunham a

sesmaria do 1º Visconde de Asseca estavam novamente unificadas na Fazenda da Taquara

que reunia - agora sob o domínio de Francisco Pinto da Fonseca Teles, o Barão da Taquara -

as terras que antes compunham os engenhos D’Água, De Fora, da Fome, União e Novo da

Taquara. E desta fazenda serão “aos poucos desmembradas várias glebas, que revendidas a

terceiros, tornaram-se núcleos de desenvolvimento e urbanização de toda a área de

Jacarepaguá”.(RUDGE, Raul Telles apud PECHMAN, 1987.p. 187)

Como se pode observar, a estrutura fundiária e o modelo de exploração econômica

pouco se alteraram na região desde o início da sua ocupação no século XVI até o início do

século XX, caracterizando-se por grandes propriedades rurais mantidas sobre o domínio de

um pequeno número de famílias.

Durante todo este período, a economia da região baseou-se na exploração do açúcar e,

posteriormente, no cultivo do café, que prosperou nas encostas dos morros da região. Este

modelo de exploração agrícola vigorou até as primeiras décadas do século XX, quando aí se

iniciou a implantação de grandes equipamentos públicos de saúde8 e o parcelamento e venda

das terras das antigas fazendas e engenhos para empresas imobiliárias, que iniciaram a

produção de loteamentos na região a partir da década de 30.9 Desde então, a região vive um

processo de crescimento populacional constante, porém não espetacular, que será garantido

pelos investimentos públicos realizados em obras de melhoria da acessibilidade tais como a da

Estrada Grajaú-Jacarepaguá , que iniciada na Administração Henrique Dodswort foi concluída

no inicio da década de 50 e a Linha Amarela no final da década de 90.

8 As obras de construção da Colônia Juliano Moreira tiveram início n década de 20; O Instituto Estadual Curupaiti foi inaugurado em 15 de outubro de 1928 e o Hospital Santa Maria, considerado na época o maior da América Latina, foi inaugurado em 1943. 9 Sobre o histórico de parcelamento da terra na região de Jacarepaguá, vale a pena conhecer o relatado no texto “Resumo Histórico de Jacarepaguá” de autoria de Waldemar Costa que consta do opúsculo “Imagens de Jacarepaguá” publicado em 1995 pelo próprio autor.

133

Page 152: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Tabela 15

Características dos parcelamentos da amostra da XVI RA - Jacarepaguá

Década N. de parcelamentos

N. médio de lotes por

parcelamento

Área média dos lotes

Ares média das gleba parceladas.

40 1 46 380 13.320 50 7 88 438 49.243 60 21 113 159 31.144 70 6 62 180 13.563 80 10 102 148 24.838 90 19 60 135 16.347

Total 64 - - -

A região administrativa de Jacarepaguá apresenta 6,70% dos parcelamentos não-

regulares da amostra em estudo. Quando se compara este percentual com os das demais

regiões, verifica-se que esta possui uma incidência relativamente baixa deste tipo de

assentamento, especialmente quanto se constata o fato de Jacarepaguá ser a R.A. com a

segunda maior população residente dentre as estudadas.

As características desses parcelamentos diferem daquelas verificadas nas amostras das

regiões administrativas de Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba, e se assemelham às dos

parcelamentos das amostras de Realengo, Pavuna e Anchieta, o que caracteriza um tipo de

ocupação irregular de vazios urbanos remanescentes das divisões do solo realizadas

anteriormente (ver Mapa 6, p. 168).

134

Page 153: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

CONCLUSÕES

Como visto no início deste trabalho,a intenção do autor era a de compreender, ou pelo

menos lançar luzes sobre os fatores condicionantes da produção de parcelamentos do solo

não-regulares de baixa renda no município do Rio de Janeiro, tendo como base uma amostra

de quatrocentos parcelamentos com estas características, distribuídos espacialmente nas APs

3, 4 e 5, produzidos ao longo das décadas de 40 a 90.

As análises realizadas levaram em consideração, para as diversas regiões e períodos

estudados, os seguintes aspectos:

a) Evolução urbana e conformação da estrutura fundiária;

b) Processo de desenvolvimento econômico e seu reflexo na evolução urbana;

c) Produção normativa e seus reflexos no funcionamento do mercado fundiário e,

conseqüentemente, no processo de alocação dos trabalhadores de mais baixa renda no

território.

Como fruto destas análises, podem-se alcançar algumas conclusões e apontar algumas

hipóteses explicativas para a forma como se desenvolveu – e ainda se desenvolve – o mercado

de informal de lotes urbanos destinado aos trabalhadores de baixa renda no município do Rio

de Janeiro.

A informalidade e a irregularidade têm sido a regra, e não a exceção, no processo de

produção e reprodução do espaço urbano na Cidade do Rio de Janeiro, sob o ponto de vista do

parcelamento e infraestruturação do solo, especialmente aquele destinado aos mais pobres. As

diversas iniciativas de controle do crescimento urbano efetuadas pelo Estado, via de regra,

não alcançaram os resultados desejados, pelo menos não os declarados, não obstante as

legislações tenham sido reformuladas de tempos em tempos.

Verificou-se que a implantação e comercialização de lotes sem obediência às normas

estabelecidas, locais ou nacionais, foi prática recorrente que marcou o processo de expansão e

consolidação da malha urbana, especialmente nas áreas ocupadas pela população de baixa

renda.

135

Page 154: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

O que se observou, ainda, foi que a cidade só tomou a forma prescrita nas normas

urbanísticas e nos planos oficiais naquelas áreas onde o Poder Público assumiu diretamente a

execução dos planos e os investimentos em infra-estrutura e urbanização (áreas centrais), ou

quando se associou aos interesses do capital imobiliário, ou industrial, viabilizando as infra-

estruturas, a acessibilidade e até mesmo a urbanização dos novos espaços residenciais nas

zonas sul e norte da cidade, e na Barra da Tijuca.

Quando a cidade se expandiu para os subúrbios, que se formaram ao longo das

estradas de ferro, foi para esta região que se deslocaram as massas populares, atrás dos

empregos gerados pela indústria, que para lá também já havia se deslocado. O Estado

reconheceu então a sua incapacidade de prover a infra-estrutura e os serviços necessários

exigidos pela imposição dos novos padrões determinados pela ‘modernização capitalista’ e

transferiu tais encargos à iniciativa privada (e conseqüentemente para o adquirente final)

utilizando-se de legislação mais exigentes e explícitas nesse sentido.

Nas áreas suburbanas onde se concentrou uma população com capacidade para arcar

com os custos desta transferência, ou onde o capital industrial assumiu parte dos custos da

urbanização, também se viabilizaram empreendimentos que se enquadraram nas normas

legais.

Nos bairros suburbanos e periféricos, onde se assentaram as populações de mais baixa

renda, este custo de urbanização, no entanto, não foi assumido nem pelos parceladores nem

pelo Estado, o que resultou na produção de espaços habitacionais irregulares, carentes de

infra-estrutura, sem urbanização e serviços públicos.

Esta forma de produção do espaço urbano, marcada pelo desequilíbrio ambiental e

pela segregação sócio-espacial é, no entanto, o “resultado lógico e sistêmico de uma certa

forma de existência e de operação da economia capitalista” (BELLUZZO, 2005) que

privilegia os investimentos públicos na reprodução e valorização do capital em detrimento dos

investimentos na reprodução da força de trabalho que, caso fossem realizados de forma

eqüitativa, redundariam em melhoria das condições de infra-estrutura, equipamentos e

serviços dessas comunidades.

136

Foi esta, portanto, a ‘lógica’ que conduziu a distribuição, no espaço e no tempo, dos

distintos segmentos sociais. Esta distribuição foi marcada por um processo de diferenciação e

valorização do espaço urbano submetido aos interesses do capital e das elites a ele associadas

que promoveu um processo e segregação sócio-espacial, utilizando-se das aparentes

Page 155: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

‘disfunções’ das normas e do mercado para dar ‘solução’ às recorrentes crises habitacionais

decorrentes da operação do modelo econômico adotado.

Verificou-se ao longo da pesquisa que a produção normativa relativa ao parcelamento

do solo sofreu ‘rupturas’ ou ‘inflexões’ que tiveram profundos reflexos no funcionamento do

mercado de terras, tanto na sua vertente formal quanto informal.

Num primeiro momento o que pôde ser identificado como marco de uma efetiva

ruptura foi a entrada em vigor da Lei de Terras de 1850. Esta lei efetivamente extinguiu o

sistema de sesmarias e introduziu o instituto da propriedade privada do solo no Brasil,

inaugurando o modo de aquisição e criando as condições para o surgimento de um mercado

privado de terras. Nesta fase os controles do Estado sobre o parcelamento do solo ainda eram

frágeis e incipientes e o crescimento da cidade se dá ainda de forma desordenada ou orgânica,

como preferem outros autores.1

O advento da República não representou propriamente um processo de ruptura, porém

a Cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, passou a sofrer uma série de

intervenções urbanas pelos governos da União e do Distrito Federal, que transformaram-na,

em busca de uma modernidade urbana aos moldes europeus. Nesta fase, as normas urbanas se

sofisticam, ampliando-se os mecanismos de controle sobre o parcelamento do solo urbano,

instituindo-se a necessidade de aprovação prévia dos projetos. Pôde-se identificar, nesta fase,

o início de um processo de forte especulação imobiliária, em que empresários e poder público

se unem para a valorização de áreas que serão utilizadas para a implantação de bairros

burgueses, dotados da infra-estrutura de serviços e transportes que será negada ao resto da

cidade.

O segundo momento importante pôde-se identificar no ano de 1937 quando são

editados os decretos 6000 (municipal) e 58 (federal). Este último pode ser considerado a

primeira norma federal brasileira a conjugar aspectos da legislação civil (direito privado) ao

direito administrativo ou urbanístico (direito público).

A aplicação do Decreto-Lei 58, associado ao Decreto 6000, de caráter local, fez surgir

as categorias ‘clandestino’ e ‘irregular’ relativamente a parcelamento do solo que, em

distintas medidas, não obedeciam aos ditames das normas citadas. A ocorrência dos

1 Para Gilson Nazareth “A cidade, até o despertar do século XX, conhecera crescimento orgânico. As propostas urbanísticas, oficiais ou oficiosas, eram ditadas pela experiência portuguesa nos trópicos” (NAZARETH, 2005).

137

Page 156: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

irregulares, atendia, no entanto, ao objetivo não declarado da lei, que era o de disseminar a

propriedade habitacional entre as classes trabalhadoras, mesmo que à custa da qualidade

ambiental deste habitat.

O terceiro momento foi a edição da Lei Federal 6766/79. Recebida inicialmente como

uma resposta aos anseios de juristas, urbanistas e dos movimentos populares, logo passou a

ser identificada, por muitos autores, como causa da restrição à oferta de lotes populares, aqui

incluídos a produção irregular.

De fato, esta lei teve um impacto significativo no mercado, praticamente eliminando a

produção ‘irregular’, e ou aquela considerada como regular em municípios onde não se

faziam maiores exigências para a implantação de loteamentos, como era o caso da maioria dos

integrantes da região metropolitana do Rio de Janeiro. Tal impacto, no entanto, não parece ter

ocorrido, pelo menos no caso estudado do município do Rio de Janeiro, fundamentalmente

pela imposição de parâmetros urbanísticos mais exigentes, mas, também, ou, principalmente,

pelo fato de a legislação prever sanção penal e a possibilidade de suspensão dos pagamentos

ao parcelador.2

Por outro lado, há de se reconhecer que essa lei trouxe inovações relevantes sob o

ponto de vista do fortalecimento do papel do município e da defesa dos direitos dos

adquirentes: i) estabeleceu normas e diretrizes urbanísticas e ambientais de abrangência

nacional; ii) deu condições aos municípios de controlar todas as fases de aprovação dos

projetos a execução das obras e urbanização; iii) facultou-lhe a possibilidade de substituir o

loteador nos processos de regularização urbanística e fundiária dos parcelamentos não-

regulares; iv) configurou o direito à regularização como um direito difuso, atribuindo ao

município e ao ministério público a faculdade de representação das comunidades.

Foi interessante verificar como muitos urbanistas se colocaram de forma crítica à nova

lei, utilizando argumentos que, na prática, sancionavam o sistema anterior, concebido no

Estado Novo, que viu, na produção irregular (porém com a possibilidade do título de

2 Considerando o histórico de pouca eficácia das legislações que tentaram impor sanções aos parceladores, poder-se-ia minimizar o impacto destes instrumentos presentes na nova legislação federal. Mas o fato é que em 1985, um ano portanto após a criação do Núcleo de Regularização, já havia 20 loteamentos com processos em trâmite de suspensão de pagamentos e ações criminais contra os parceladores. Em levantamento recente feito junto ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, verificou-se que entre os anos 1999 e 2003, foram abertos processos criminais relativos a parceladores responsáveis por 31 loteamentos, contabilizando-se, também, em milhares o número de ações de suspensão de pagamentos movidas pela Defensoria Pública Estadual desde o ano de 1987, quando começou a vigorar o convênio entre esta e a Prefeitura do Rio.

138

Page 157: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

propriedade), uma forma viável de se prover acesso à terra e habitação (auto-construída) para

as classes de menor renda.

Quando se olha para as perspectivas do futuro, materializada no projeto de lei

apresentada como alternativa à atual lei federal do parcelamento do solo, observa-se que esta

ainda está submetida às lógicas que vêm presidindo a produção normativa neste campo. Por

um lado, volta a buscar, na sua porção reguladora da produção de novos parcelamento, uma

adaptação dos seus padrões àqueles impostos pelo mercado, especialmente em sua vertente

informal, o que se consubstancia na aceitação dos ‘loteamentos fechados’ e na redução

drástica da área do lote mínimo, e, por outro, no reforço dos instrumentos voltados para a

regularização dos assentamentos não-regulares.

Tal estratégia vem reforçar a idéia de que a lei, de fato, vem sendo um instrumento de

adaptações sucessivas, e tardias, à dinâmica do mercado, com predominância da sua vertente

informal, funcionando, também, como instrumento de ‘inclusão’ dos pobres urbanos, através

da incorporação gradativa à cidade pela urbanização e regularização dos assentamentos

precários (favelas e parcelamento não-regulares) implantados ao longo dos anos sob a

‘complacência’ dos órgãos públicos e da sociedade.

139

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Rio de Janeiro, v. 41, p. 3-29, 1990.

------. HISTÓRIA urbanística do Rio de Janeiro – 3ª parte. Revista Municipal de Engenharia,

Rio de Janeiro, v. p. 9-108.

------. HISTÓRIA urbanística do Rio de Janeiro – 4ª parte. Revista Municipal de Engenharia,

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145

Page 164: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

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146

Page 165: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

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direito do urbanismo. Rio de Janeiro: IBAM: Livros técnicos e científicos, 1981. p. 149-

166.

147

Page 166: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

ANEXO I

FONTES DE DADOS E INFORMAÇÃO

Do método utilizado para definição da amostra

Entende-se como população um conjunto de unidades elementares com determinadas

características em comum, sobre as quaes se desejam informações, cujas propriedades e

características podem ser estimadas a partir da análise de um subconjunto desta mesma

população que se denomina amostra.1

Pode-se dizer que a população cujas características e propriedades se deseja estimar

neste estudo é formada pelo conjunto de todos os parcelamentos irregulares ou clandestinos

de baixa renda localizados no município do Rio de Janeiro, sendo cada um destes

parcelamentos uma unidade elementar desta população.

Como visto anteriormente, um dos componentes que estruturam esta pesquisa é um rol

de informações relativas a um determinado número de parcelamentos irregulares ou

clandestinos de baixa renda localizados na cidade do Rio de Janeiro. Esta quantidade de

parcelamentos forma o que será denominado como subconjunto ou amostra da população em

estudo.

O método amostral escolhido para a definição deste subconjunto foi o intencional,

tendo em vista a impossibilidade de se aplicar métodos probabilísticos ou aleatórios a esta

população, em função das características das informações disponíveis nas fontes e nos bancos

de dados existentes. Esta opção será melhor compreendida e justificada, posteriormente,

quando da descrição caracterização destas fontes e bancos de dados.

Quanto às unidades elementares que compõem esta amostra, tendo em vista as suas

características específicas, foram objeto da aplicação de um processo de análise

multidimensional, tendo sido escolhidas para estudo as seguintes variáveis: localização do

1 As definições de população, unidade elementar e amostra, apresentadas, são uma síntese de definições encontradas em BUSSAB, 1986; LAPPONI, 2000 e MARTINS, 2001.

148

Page 167: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

parcelamento; ano de implantação; área da gleba parcelada; número de lotes por parcelamento

e área média dos lotes por parcelamento.

Fontes de informações e bancos de dados

Para a realização de uma pesquisa sobre parcelamentos irregulares e clandestinos de

baixa renda no município do Rio de Janeiro pode-se contar com as seguintes fontes de

informação e bancos de dados:

a). FONTES DE INFORMAÇÃO

Secretaria Municipal de Habitação - SMH

• Núcleo de Regularização de Loteamentos2

O Núcleo de Regularização de Loteamentos - NRL, é um organismo institucional

criado em 1984, na Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de

coordenar as ações de regularização urbanística e fundiária de parcelamentos irregulares e

clandestinos de baixa renda, existentes no território do Município do Rio de Janeiro. Em 1987

a coordenação do Núcleo passou a ser exercida pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

Desde 1994 cabe à Secretaria Municipal de Habitação, por delegação do Prefeito, o exercício

efetivo dessa coordenação. O Núcleo, desde a sua origem, é um órgão colegiado que reúne

representantes de instituições municipais, estaduais e concessionárias de serviços públicos que

possuem interface com a produção, controle e regularização de parcelamentos, além de

representantes dos moradores e adquirentes de lotes.3

Para ser incluído no programa de urbanização e regularização de loteamentos

desenvolvido pela Prefeitura (Programa Morar Legal), um loteamento necessita ser

previamente inscrito no Núcleo de Regularização. Tal inscrição é precedida de uma série de

2 Sobre o processo de criação e institucionalização do Núcleo de Regularização de Loteamentos, ver Luciana Correa do Lago, in. O Movimento de Loteamentos do Rio de Janeiro, Tese de mestrado submetida ao IPPUR em 1990.

149

3 O Decreto N.º 14.328 de 01 de novembro de 1995 dispõe sobre a composição e competências do Núcleo de Regularização de Loteamentos, define critérios, institui normas para a inscrição de novos loteamentos e vilas e altera o Decreto N.º 10.962 de 1992.

Page 168: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

procedimentos que visam a avaliar a conformidade do parcelamento às condições

estabelecidas em normas específicas definidas para esta inscrição.4 Estes procedimentos

visam a atingir especialmente os seguintes objetivos: garantir que os loteamentos inscritos

estejam efetivamente em condições de serem regularizados. Não podem, portanto, estar

situados em áreas de risco, non aedificandi, de proteção ambiental e outras impróprias ao uso

habitacional; não deve também haver obstáculo intransponível à sua regularização fundiária,

(para tanto, é feita uma pesquisa preliminar nos cartórios dos ofícios imobiliários); fomentar a

participação dos moradores e adquirentes no processo de regularização, devendo a solicitação

de inscrição ser uma iniciativa destes, e não uma imposição do poder público.5

No anexo II há um fluxo com a indicação de todos os procedimentos que são seguidos

para a inscrição de um loteamento no Núcleo.

• Programa Morar Legal.

A Gerência do Programa de Regularização de Loteamentos Irregulares e Clandestinos

(Morar Legal) foi criada em 1994, no bojo da estrutura da Secretaria Municipal de Habitação

- SMH, com o objetivo de gerir os processos relativos às obras de urbanização e à

regularização fundiária dos loteamentos, funcionando, a partir de então, como um braço

operacional do Núcleo. No desempenho de suas atividades, essa gerência produz uma série

de informações relevantes sobre a situação urbanística e fundiária dos parcelamentos em

processo de regularização que são armazenadas num sistema de informações denominado

SIHAB.

4 A Resolução Conjunta SMH/SMU/PGM N.º 1 de 05 de agosto de 1997 disciplinou a aplicação do Decreto N.º 14.328/95. “definindo os critérios para a aceitação de novas inscrições de loteamentos e vilas no Núcleo de Regularização”. 5 Ver Art. 1º da Resolução Conjunta SMH/SMU/PGM N.1 de 05 de agosto de 1997 que define a inscrição no Núcleo como ato voluntário dos moradores e suas organizações.

150

Page 169: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Secretaria Municipal de Urbanismo – SMU

• Superintendência de Parcelamento e Edificações

Esta superintendência da Secretaria Municipal de Urbanismo é a responsável pelos

procedimentos de aprovação e fiscalização de projetos de parcelamento do solo e edificações

no Município, além de ser a responsável pelo arquivamento e manutenção de todos os

projetos de alinhamento de logradouros e parcelamentos do solo aprovados pela Prefeitura, q

à disposição do público para consulta ou cópia. Através de seus órgãos descentralizados, ela

efetua também as ações de fiscalização e repressão ao parcelamento irregular ou clandestino

do solo, sendo importante fonte de dados sobre este tipo de parcelamento. Não existe, no

entanto, por parte da Secretaria de Urbanismo, uma preocupação com a coleta e

sistematização desses dados. Para se ter uma idéia de como os assuntos vinculados ao controle

do parcelamento do solo – formal ou informal – é negligenciado pela SMU, sequer há um

controle estatístico sobre o número de projetos de parcelamentos do solo (loteamentos ou

desmembramentos) aprovados por ano. O mesmo se aplica à total inexistência de informações

sistematizadas e disponíveis sobre o número de embargos de parcelamentos irregulares ou

clandestinos.

• Instituto Pereira Passos - IPP

O IPP, órgão vinculado à SMU, é o sucessor do IPLANRIO, instituição que, como

veremos, foi a responsável no início da década de 80, pela implantação dos cadastros de

favelas e loteamentos da Prefeitura. Até a criação do Programa Morar Legal, na Secretaria

Municipal de Habitação, em 1994, esse órgão era a principal fonte de informações sobre

parcelamentos irregulares e clandestinos de baixa-renda do município, sendo também o

principal ponto de apoio para as atividades do Núcleo de Regularização. Atualmente o IPP

ainda desenvolve atividades relevantes para este trabalho, com a manutenção do Sistema de

Informações Sobre Assentamentos de Baixa Renda – SABREN, que reúne os dados e

informações relativos aos cadastros de favelas e loteamentos de baixa renda.

151

Page 170: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Instituições acadêmicas

Diversos trabalhos acadêmicos (dissertações de mestrado e pesquisas) realizados por

estudantes de pós-graduação dissertam sobre este tema, e cópias desses trabalhos encontram-

se disponíveis nas bibliotecas do IPPUR, PROURB da UFRJ e do Programa de Pós-

Graduação em Direito da Cidade da UERJ.

b) BANCO DE DADOS

Existem dois importantes sistemas de informação que contêm banco de dados sobre

parcelamentos irregulares e clandestinos existentes no Município do Rio de Janeiro. O

primeiro, e mais amplo, é o Cadastro de Loteamentos Irregulares do Sistema de Informações

Sobre Assentamentos de Baixa Renda – SABREN - administrado pelo Instituto Pereira Passos

- IPP, órgão vinculado à Secretaria Municipal de Urbanismo. O segundo, e mais recente, é o

Cadastro de Loteamentos do Sistema de Informações Habitacionais – SIHAB, da Secretaria

Municipal de Habitação, elaborado com características mais próximas de uma ferramenta

gerencial.

O QUE É O SABREN?

O Sistema de Informações Sobre Assentamentos de Baixa Renda – SABREN é um

sistema de informações georeferenciado que reúne os dados relativos aos cadastros de favelas

e loteamentos irregulares implementados na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro no início

e meados da década de 80, respectivamente. Atualmente este sistema é administrado pela

Diretoria de Informações Geográficas do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos.

O SABREN teve sua origem no esforço de sistematização das informações contidas no Cadastro de Favelas, no início dos anos 80. O objetivo era responder à necessidade de se conhecer o panorama das ocupações irregulares na Cidade do Rio de Janeiro, para orientar políticas públicas nessas áreas. A essa iniciativa, veio se somar o Cadastro de Loteamentos Irregulares, resultado do acompanhamento das atividades do Núcleo de Regularização de Loteamentos, a partir de meados da década de 1980. (SABREN – Manual do Usuário, 2003)

152

Page 171: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

O Cadastro de Favelas, segundo um de seus criadores, foi implantado no início dos

anos 80, de certa forma como uma resposta municipal às demandas que eram encaminhadas à

Prefeitura pelas comunidades faveladas, tendo sido um primeiro passo na direção de uma

atuação mais efetiva por parte da Prefeitura nas favelas. Como não havia naquele momento

nenhuma atuação concreta, partiu-se do zero, iniciando-se um completo levantamento de

todas as favelas existentes no município.

O Cadastro dos Loteamentos, no entanto, foi criado em função da atuação

embrionária de regularização que se iniciou em 1984, no governo do estado, com a instituição

do Núcleo de Regularização de Loteamentos. Ao invés de partir de um levantamento de todos

os loteamentos irregulares e clandestinos do município, o cadastro foi sendo montado a partir

das informações necessárias ao processo de regularização dos loteamentos que se filiavam ao

Núcleo de Regularização.

No caso do Cadastro de Favelas, a coleta e avaliação das informações sempre

estiveram a cargo de um único órgão, sendo obtidas basicamente através de levantamentos

locais ou dos dados dos Censos do IBGE. O Cadastro de Loteamentos, ao contrário, era

composto por informações oriundas de fontes diversas (uma vez que os loteamentos

irregulares e clandestinos não são tratados como “setor especial” pelo Censo do IBGE),

embora a maioria tivesse como origem a Secretaria Municipal de Urbanismo. Isto levou a

que o Cadastro de Loteamentos do SABREN nunca tivesse logrado obter a mesma atenção e

qualidade de execução e manutenção que o Cadastro de Favelas, que sempre mereceu mais

cuidados e investimentos por parte da administração municipal.

De fato, o cadastro de loteamentos só foi criado e mantido, em função do empenho

dos funcionários daquele órgão envolvidos com as atividades do Núcleo de Regularização de

Loteamentos, especialmente quando a Coordenação do Núcleo esteve a cargo do IPP (na

época IPLANRIO) no final dos anos 80.

Outros fatores contribuíram para dificultar a adequada manutenção deste cadastro,

especialmente o fato de grande parte das informações sobre o tema terem origem na

Secretaria Municipal de Urbanismo que não demonstrava grande interesse pelo assunto nem

os instrumentos adequados para esta manutenção.

153

Com a criação da Secretaria Municipal de Habitação, a transferência para esta da

Coordenação do Núcleo de Regularização de Loteamentos e a criação de uma gerência

específica para a condução dos processos de regularização de loteamentos, retirou-se do IPP a

Page 172: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

centralidade da condução das atividades do Núcleo, reduzindo seu interesse e empenho na

manutenção do Cadastro de Loteamentos, ficando este incompleto e defasado. A partir de

1994, a Secretaria Municipal de Habitação, em função das reestruturações efetuadas no

Núcleo e da criação do Programa Morar Legal, passou a ser a linha de frente da atuação da

Prefeitura nos Loteamentos.

Tal fato, coincidiu também com o “desmonte”, em 1995, da Divisão de Fiscalização

Urbanística do Parcelamento do Solo – CPA.5, órgão especializado na fiscalização de

loteamentos irregulares e clandestinos que funcionou, desde o ano de 1990, na Secretaria

Municipal de Urbanismo e foi, no período de sua existência, uma importante fonte de

informações sobre esses tipos de parcelamento.

A partir de 1994, no entanto, foram feitas diversas tentativas para se criar um

mecanismo de atualização dos dados do Cadastro de Loteamentos do SABREN que

permitisse a alimentação de dados no sistema a partir da SMH. Dificuldades de integração

entre os dois órgãos, além da prioridade absoluta de ambos, à tramitação dos processos

vinculados ao Programa Favela Bairro, dificultaram a implementação deste sistema de

atualização e manutenção do Cadastro de Loteamentos do SABREN.

O QUE É O SIHAB?

A não adequação in totun do SABREN como ferramenta gerencial para utilização da

SMH, levou esta Secretaria a optar pela criação de um sistema próprio de informações

gerenciais denominado SIHAB, iniciando os seus trabalhos especificamente pelos

loteamentos, uma vez que o SABREN atende razoavelmente os programas de favelas com as

informações contidas no seu Cadastro de Favelas que é permanentemente atualizado.

O SIHAB é um cadastro informatizado criado como ferramenta gerencial de

acompanhamento e monitoramento integrado das diversas ações desenvolvidas em

comunidades de baixa renda pela Secretaria Municipal de Habitação. Neste cadastro, são

lançadas as informações relativas às comunidades, bem como aquelas relativas às ações

desenvolvidas pela SMH.

154

Como foi criado inicialmente para atender às necessidades do programa de

regularização de loteamentos da Secretaria Municipal de Habitação, e conseqüentemente ao

Núcleo de Regularização de Loteamentos, este sistema se restringe, por enquanto, a manter

Page 173: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

em seu banco de dados as informações relativas aos loteamentos inscritos ou em processo de

inscrição no Núcleo. Sendo assim, este cadastro é permanentemente alimentado e atualizado

com as informações geradas pelas atividades do Núcleo e do Programa Morar Legal.

Por estas características, o SIHAB tornou-se uma fonte de informações bastante

confiável, quanto à exatidão e atualidade de suas informações, embora tenha limitações por

ser restrito aos loteamentos objeto de atuação do Núcleo. Considerando este fato, volta-se

novamente a tentar, agora sob novas bases tecnológicas, a se buscar uma forma de

intercâmbio de informações entre os bancos de dados do SIHAB e do SABREN, além de

esforços pela sua atualização, também em relação ao universo dos loteamentos não inscritos.

Deve-se agregar ao exposto que a pesquisa com loteamentos apresenta uma

dificuldade adicional em relação às favelas, que é o fato de este tipo de assentamento não ser

tratado como setor censitário pólo IBGE. Sendo assim, ficam de fora dos dados coletados

informações censitárias relevantes como: composição familiar, padrão de consumo, renda,

etc.

Definição da amostra

Como já visto, o método amostral utilizado para esta pesquisa foi o de amostragem

intencional, uma vez que se optou por proceder a analise sobre uma amostra composta por

parcelamentos inscritos, ou em processo de inscrição junto ao Núcleo de Regularização, pois

para esses parcelamentos, já se contava com informações confiáveis relacionadas às variáveis

quantitativas escolhidas para análise.

A opção por um método probabilístico ou aleatório, embora pudesse produzir,

teoricamente, resultados mais confiáveis, resultaria impraticável tendo em vista os limites de

tempo e recursos impostos a uma pesquisa relacionada a uma dissertação de mestrado, pois

implicaria exaustivos trabalhos de levantamento de campo, caso as unidades elementares

escolhidas não coincidissem com aquelas para as quais já se possuíssem as informações

necessárias relativas às variáveis eleitas.

155

Com base nessa premissa, o autor desta pesquisa optou por utilizar como fonte

primária de informações os dados constantes do SABREN e do SIHAB relacionados aos

parcelamentos inscritos, ou em processo de inscrição no Núcleo de Regularização. Cabe

informar ainda que, além dos dados fornecidos pelos bancos de dados oficiais, foram também

Page 174: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

agregados a esta pesquisa dados e informações coletados e armazenados pelo autor ao longo

de sua trajetória profissional, majoritariamente dedicada ao tema da regularização dos

parcelamentos irregulares e clandestinos deste município.6

Um outro aspecto relevante que norteou esta escolha foi o fato de a maioria dos

parcelamentos componentes da amostra ter sido submetido aos critérios de elegibilidade

definidos pelo Núcleo de Regularização. Se por um lado tal opção pode conduzir a um “viés

de seleção”, o que poderia comprometer a confiabilidade das inferências extraídas da amostra

(hipótese que se pretende refutar com a análise comparativa desenvolvida mais a frente), por

outro, torna-a mais adequada ao objeto deste estudo, uma vez que os parcelamentos

submetidos às regras do Núcleo têm características relativamente equivalentes aos do

mercado formal, o que não se poderia garantir a um exemplo refutado pelo Núcleo ou que não

tivesse sido submetido aos seus procedimentos de filtro.

ANÁLISE COMPARATIVA DOS BANCOS DE DADOS DO SABREN E DA AMOSTRA

Para que se possa avaliar a representatividade dos dados constantes da amostra em

relação ao SABREN, elaborar-se-á uma breve análise comparativa entre os dois bancos de

dados, com referência aos aspectos relativos à distribuição dos parcelamentos das amostras no

tempo e no espaço.

O Cadastro de Loteamentos do SABREN reúne hoje informações relativas a 907

loteamentos irregulares clandestinos de baixa renda, incluídos neste universo a quase

totalidade dos loteamentos inscritos ou pré-inscritos no Núcleo de Regularização de

Loteamentos constante do SIHAB (o SIHAB é, portanto um subconjunto do SABREN).

Tendo em vista que o SABREN incorporou ao seu Cadastro de Loteamentos

informações de levantamentos realizados para a identificação de novos assentamentos de

baixa renda no município em meados de 2003, considera-se que o número de parcelamentos

irregulares e clandestinos efetivamente existentes não se distancia muito do total cadastrado

neste sistema, sendo este cadastro uma quase imagem da população em análise. Sendo assim, 6 O autor desta dissertação exerceu a direção da Divisão de Fiscalização Urbanística do Parcelamento do Solo na Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de 1990 a 1993. Coordenou a Coordenação de Habitação e Assuntos Fundiários da Secretaria Municipal de Urbanismo de 1993 a 1994. A partir desse ano, assumiu a Coordenação do Núcleo de Regularização de Loteamentos, função que exerceu até o mês de março de 2005.

156

Page 175: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

foi utilizado como parâmetro para verificação da adequação ou confiabilidade da amostra

utilizada nesta pesquisa.

A essa altura, um leitor atendo se perguntará: se o SABREN é um banco de dados

mais amplo, que abrange um número maior unidades elementares, por que não foi escolhido

como fonte primária principal? A resposta para esta indagação tem a ver com a escolha das

variáveis qualitativas e quantitativas definidas para a análise multidimensional desejadas.

Para que se pudesse avaliar as mudanças de características dos parcelamentos em análise - ao

longo do tempo e no território - elegeu-se, como já visto anteriormente, as seguintes variáveis:

localização do parcelamento; ano de implantação; área da gleba parcelada; n.º de lotes por

parcelamento e área média do lote por parcelamento. Partiu-se do pressuposto de que estas

eram as variáveis mínimas essenciais a serem analisadas para que delas se pudessem extrair

informações e reunir a quantidade de evidências necessárias para responder às questões

colocadas pelo autor em relação ao seu objeto de estudo.

Pelos diversos motivos já expostos, sabe-se que o Cadastro de Loteamentos do

SABREN sofreu com a falta de prioridade dada ao seu processo de coleta de dados e

atualização. Daí resultou que, para muitos parcelamentos cadastrados, faltam informações

relacionadas às variáveis eleitas para esta pesquisa. Para se ter uma idéia desta defasagem,

vale lembrar que, do total dos 907 parcelamentos cadastrados, só se tem informação quanto à

localização e delimitação para 742, e quanto ao ano de implantação para 387.

Por isso, foram selecionados para compor a amostra aqueles parcelamentos

cadastrados no SABREN, inscritos ou pré-inscritos no Núcleo de Regularização de

Loteamentos, e, conseqüentemente, também integrantes do SIHAB, para os quais estavam

disponíveis as informações relativas às variáveis em análise.

Dado este esclarecimento, volta-se à comparação entre os bancos de dados.

157

Page 176: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Quanto à distribuição no território:

O quadro abaixo apresenta uma comparação entre a distribuição dos parcelamentos

utilizados como amostra para esta pesquisa e o total dos parcelamentos cadastrados no

SABREN por AP.7

Tabela 16

Distribuição dos loteamentos cadastrados no SABREN e no NRL por AP

AP Zonas SABREN NRL NRL/SABREN AP5 Oeste 551 239 43,37% AP4 Barra/Jacarepaguá 133 66 49,62% AP3 Leopoldina 205 94 45,85% AP2 Norte e Sul 1 0 0,00% AP1 Centro 1 1 100,00%

Ignorado 16 0 0,00% Total 907 400 44,10%

Fonte: IPP/NRL

Como pode ser observado no quadro acima, a amostra utilizada nesta pesquisa

apresenta um percentual superior a 40% de representatividade para todas as áreas de

planejamento em relação ao total cadastrado no SABREN, universo que pode ser considerado

representativo da população objeto do estudo. Uma visualização desta distribuição no espaço

está disponível no mapa de n.º 2 da página 164 do anexo III desta dissertação.

7 As divisões territoriais utilizadas nesta pesquisa baseia-se naquelas utilizadas pelo município do Rio de Janeiro e que estão definidas no Anuário Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro. Oficialmente, o município é dividido em 5 grandes regiões denominadas Áreas de Planejamento (AP1, AP2, AP3, AP4 e AP5) compostas respectivamente pelas seguintes Regiões Administrativas (ver mapa 1 da p.163) : AP1 = Portuária, Centro, Rio Comprido, São Cristóvão, Paquetá e Santa Teresa; AP2 = Botafogo, Copacabana, Lagoa, Tijuca, Vila Isabel e Rocinha; AP3 = Ramos, Penha, Inhaúma, Méier, Irajá, Madureira, Ilha do Governador, Anchieta, Pavuna, Jacarezinho, Complexo do Alemão e Maré; AP4 = Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Cidade de Deus; AP5 = Realengo, Bangu, Campo Grande, Santa Cruz, Guaratiba.

158Fonte: Anuário Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro

Page 177: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

Quanto à distribuição no Tempo:

Como já visto, dentre os parcelamentos cadastrados no SABREN que abrangem o

período analisado, apenas 382 apresentam informação quanto ao ano da sua implantação ou

lançamento no mercado. Todos os 400 integrantes da amostra, no entanto, possuem esta

informação. Com base nestes dados, é possível fazer uma comparação da adequação dos

dados da amostra aos dados do SABREN, segundo o demonstrado no quadro seguinte.

Gráfico 8

Loteamentos implantados por década. Dados SABREN e INRL

050

100150200250300350400450

Anos

N. L

otea

men

tos

N.º Loteamentos SABREN N.º Loteamentos INRL

N.º Loteamentos SABREN 14 73 104 68 66 57 382

N.º Loteamentos INRL 10 58 105 49 65 113 400

41 a 50 51 a 60 61 a 70 71 a 80 81 a 90 91 a 00 Total

159

Page 178: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

ANEXO II

TABELA 17

População residente, segundo as Áreas de Planejamento e Regiões Administrativas com maior incidência de parcelamentos não-regulares de baixa renda

População Residente Area de planejamento e Regiões

Administrativas 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 AP1

Total da AP 383.322 378.693 367.538 364.153 367.470 338.531 306.867 268.280 AP2

Total da AP 308.522 444.406 597.593 848.070 1.021.165 1.130.135 1.033.595 997.478 AP3

Total da AP 343.484 703.531 1.036.512 1.449.339 1.928.354 2.250.180 2.321.828 2.353.590

XXII - Anchieta - 35.891 75.600 139.800 111.858 142.540 141.587 154.608 XXV - Pavuna - 56.173 98.594 183.027 121.179 152.721 180.273 197.068

AP4

Total da AP 19.751 71.425 107.093 193.792 241.017 356.349 526.302 682.051

XVI - Jacarepaguá 19.751 71.425 107.093 193.792 235.238 282.127 389.302 469.682

AP5 Total da AP 92.520 161.222 262.544 445.077 693.912 1.015.595 1.292.176 1.554.505

XVII - Bangu - - - - 372.433 ³ 374.983 371.172 420.503

XVIII - Campo Grande 52405 ¹ 35.035 59.752 126.982 199.230 292.715 380.942 482.362 XIX - Santa Cruz 16.506 21.146 31.564 49.377 92.927 147.630 254.500 311.289 XXVI - Guaratiba 23.609 14.644 20.516 27.120 29322 45.817 60.774 101.205

XXXIII - Realengo 90.397² 150.712² 241.598² - 154.450 224.788 239.146

Fontes: 1920/1940/1950/1960 - Abreu. 1970/1980/1991/2000 - IPP. (¹) inclui Realengo e Bangu (²) Inclui Bangu. (³) inclui Realengo.

160

Page 179: Parcelamento Do Solo Na Cidade Do Rio de Janeiro

TABELA 18

Taxa de urbanização por AP e por RA por década Taxa de urbanização Area de planejamento e Regiões

Administrativas 1920-40 1940-50 1950-60 1960-70 1970-80 1980-91 1991-00AP3

Total da AP 104,82% 47,33% 39,83% 33,05% 16,69% 3,18% 1,37% XXII - Anchieta 110,64% 84,92% -19,99% 27,43% -0,67% 9,20%XXV - Pavuna 75,52% 85,64% -33,79% 26,03% 18,04% 9,32%

AP4 Total da AP 261,63% 49,94% 80,96% 24,37% 47,85% 47,69% 29,59% XVI - Jacarepaguá 261,63% 49,94% 80,96% 21,39% 19,93% 37,99% 20,65%

AP5 Total da AP 74,26% 62,85% 69,52% 55,91% 46,36% 27,23% 20,30% XVII - Bangu - - - - -1% 13%XVIII - Campo Grande 70,55% 112,52% 56,90% 46,92% 30,14% 26,62%XIX - Santa Cruz 28,11% 49,27% 56,43% 88,20% 58,87% 72,39% 22,31%XXVI - Guaratiba -37,97% 40,10% 32,19% 8,12% 56,25% 32,65% 66,53%XXXIII - Realengo 66,72% 60,30% - - 45,54% 6,39%

TABELA 19

Incremento populacional por AP e por RA por década Incremento populacional Area de planejamento e Regiões

Administrativas 1920-40 1940-50 1950-60 1960-70 1970-80 1980-91 1991-00AP3

Total da AP 360.047 332.981 412.827 479.015 321.826 71.648 31.762 XXII - Anchieta 39.709 64.200 -27.942 30.682 -953 13.021XXV - Pavuna 42.421 84.433 -61.848 31.542 27.552 16.795

AP4 Total da AP 51.674 35.668 86.699 47.225 115.332 169.953 155.749 XVI - Jacarepaguá 51.674 35.668 86.699 41.446 46.889 107.175 80.380

AP5 Total da AP 68.702 101.322 182.533 248.835 321.683 276.581 262.329 XVII - Bangu 130853(2) 2.550 -3.811 49.331XVIII - Campo Grande -17.370 24.717 67.230 72.248 93.485 88.227 101.420XIX - Santa Cruz 4.640 10.418 17.813 43.550 54.703 106.870 56.789XXVI - Guaratiba -8.965 5.872 6.604 2.202 16.495 14.957 40.431XXXIII - Realengo 903971(1) 60315(1) 90886 (1) 154.450 70.338 14.358 -21.695 41.007 91.647 118.000 321.683 276.581 262.329 (1) Inclui Realengo; (2) Inclui a RA de Bangu.

161

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ANEXO III

MAPAS

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