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Para onde foi o “jornalismo turístico”? Análise de capas da revista Viagem & Turismo em 2007 Autor: Marcelo Carmo Rodrigues Titulação: Professor efetivo do Departamento de Turismo da UFJF; Mestrando em Comunicação pela FACOM-UFJF (Linha de pesquisa: Comunicação e Identidades); Especialista em Gestão de Negócios e Empreendedorismo pela FEA – UFJF; Graduado em Turismo pela FACTUR (Santos Dumont /MG). Instituição: Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF Estado: Minas Gerais Endereço digital: [email protected] Grupo temático: História do jornalismo Palavras-chave: comunicação; turismo; jornalismo turístico. Resumo: A prática do jornalismo remete ao século XVI. O turismo, quando relacionado ao Brasil, passa a ter seus primeiros registros impressos a partir dos “Relatos de viagem”. No século XXI, a revista Viagem & Turismo, aqui tomada como objeto empírico, pode ser considerada importante representante do “jornalismo turístico”, uma publicação da Editora Abril que chega à sua 149ª edição em março/2008 (ISSN 0104- 978X). O trabalho objetiva refletir o processo de desenvolvimento dessas duas ciências, discutindo o “jornalismo turístico” produzido pela revista, ao analisar as capas das 12 edições publicadas em 2007 e propor uma categorização a partir dos critérios de noticiabilidade utilizados por Nelson Traquina. Nesse artigo, que se pretende interdisciplinar, busca-se ainda apresentar reflexões quanto à existência (ou não) do jornalismo turístico. Introdução O desenvolvimento do turismo acabou por integrar-se ao processo de desenvolvimento da comunicação, particularmente a partir da invenção da escrita e, mais especificamente, com o estabelecimento da sociedade capitalista. As coincidências se dão a partir do advento da imprensa e se mantém até os dias de hoje. Dos “relatos de viagem” às novas tecnologias da comunicação, turismo e jornalismo sempre caminharam lado a lado. Os primeiros textos jornalísticos foram publicados na Inglaterra no início do século XVII. O mesmo não pode ser dito em relação ao turismo. Se o jornalismo tem quatro séculos de desenvolvimento, o turismo tem, a partir do século XX, seu período

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Para onde foi o “jornalismo turístico”?Análise de capas da revista Viagem & Turismo em 2007

Autor: Marcelo Carmo RodriguesTitulação: Professor efetivo do Departamento de Turismo da UFJF; Mestrando em Comunicação pela FACOM-UFJF (Linha de pesquisa: Comunicação e Identidades); Especialista em Gestão de Negócios e Empreendedorismo pela FEA – UFJF; Graduado em Turismo pela FACTUR (Santos Dumont /MG).Instituição: Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJFEstado: Minas GeraisEndereço digital: [email protected] temático: História do jornalismoPalavras-chave: comunicação; turismo; jornalismo turístico.

Resumo: A prática do jornalismo remete ao século XVI. O turismo, quando relacionado ao Brasil, passa a ter seus primeiros registros impressos a partir dos “Relatos de viagem”. No século XXI, a revista Viagem & Turismo, aqui tomada como objeto empírico, pode ser considerada importante representante do “jornalismo turístico”, uma publicação da Editora Abril que chega à sua 149ª edição em março/2008 (ISSN 0104-978X). O trabalho objetiva refletir o processo de desenvolvimento dessas duas ciências, discutindo o “jornalismo turístico” produzido pela revista, ao analisar as capas das 12 edições publicadas em 2007 e propor uma categorização a partir dos critérios de noticiabilidade utilizados por Nelson Traquina. Nesse artigo, que se pretende interdisciplinar, busca-se ainda apresentar reflexões quanto à existência (ou não) do jornalismo turístico.

Introdução

O desenvolvimento do turismo acabou por integrar-se ao processo de

desenvolvimento da comunicação, particularmente a partir da invenção da escrita e,

mais especificamente, com o estabelecimento da sociedade capitalista. As coincidências

se dão a partir do advento da imprensa e se mantém até os dias de hoje. Dos “relatos de

viagem” às novas tecnologias da comunicação, turismo e jornalismo sempre

caminharam lado a lado.

Os primeiros textos jornalísticos foram publicados na Inglaterra no início do

século XVII. O mesmo não pode ser dito em relação ao turismo. Se o jornalismo tem

quatro séculos de desenvolvimento, o turismo tem, a partir do século XX, seu período

de maior desenvolvimento. É no século XX que o turismo ganha maior expansão,

entrando em sua fase chamada de “turismo de massa” ou “turismo capitalista”. O

importante é ressaltar que, a partir do momento em que o turismo entra na sua fase

capitalista (passando a ser importante componente do PIB de diversos países e regiões)

começa a ser desenvolvido um jornalismo – que talvez possa ser chamado de

“jornalismo turístico” – especializado na construção de textos que revelam (e também

por isso encobrem) destinos turísticos ao redor do mundo.

A proposta é refletir sobre os destinos que a revista Viagem & Turismo (a partir

de agora abreviada para VT) apresentou durante as 12 edições mensais de 2007, sendo

analisadas as capas dessas edições. Somente título, destino (praia, sol, montanha,

urbano, cultural, nacional, internacional – por exemplo) ou serviço (hotelaria –

out/2007) turístico apresentados. Serão utilizados os critérios estabelecidos por Nelson

Traquina, para tentar descobrir quais são os valores-notícia utilizados pelos jornalistas e

editores da VT em sua edição mensal.

Pesquisar é ampliar os horizontes do conhecimento humano, incitando novas

discussões e descobertas. Ao trabalhar novos temas, os profissionais de turismo, bem

como de outras ciências, ampliam e revelam a importância do conhecimento adquirido

na elaboração de novos rumos a serem seguidos para a profissão de turismólogo. Mais

que um “estudo de caso”, o presente trabalho objetiva fazer uma reflexão sobre o

desenvolvimento das relações entre turismo e jornalismo.

1. A informação como alavanca para o desenvolvimento do turismo

O desenvolvimento do turismo coincide com o estabelecimento e o

desenvolvimento da indústria da comunicação. Desde a chegada dos portugueses ao

Brasil são inúmeros os exemplos - tanto da população local como dos estrangeiros - em

representar a realidade brasileira, através de textos ou iconografias. Nos séculos da

colonização brasileira pelos europeus, sempre houve a preocupação com os relatos

histórico-sociais da época.

Os séculos XV e XVI foram marcados pelas navegações, pelas grandes

descobertas e avanços tecnológicos. Gutenberg, no final do século XV, inventa a

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tipografia, que gera a possibilidade de ter textos reproduzidos em larga escala. Nos anos

que se sucedem, começam a surgir os primeiros livros e os primeiros jornais.

Concomitante ao desenvolvimento da imprensa, a Europa começa a preparar-se

para a Revolução Industrial. As cidades se proliferam e as indústrias se multiplicam. A

classe trabalhadora que está nascendo começa a lutar por seus direitos. Há êxodo rural,

melhora nas condições de trabalho da população urbana e o surgimento de uma

preocupação com o tempo livre dos empregados. Ao amplo processo de

desenvolvimento industrial, alia-se um amplo processo de desenvolvimento das

comunicações e do turismo, conforme descrito no livro “Fundamentos do Turismo”

(DIAS, 2002, pag.44):

No século XVII começou a haver o incremento do número de pessoas que visitavam os centros culturais e as grandes cidades... Estes grupos atingiram tal importância, sobretudo na França, que foi publicado por Saint Maurice em 1672 o ‘Guia Fiel nas Viagens pela França’.

O escritor Reinaldo Dias, no texto acima, refere-se ao primeiro guia turístico

impresso. Logo estava se referindo à primeira peça gráfica a respeito de um destino ou

turístico, com cunho informativo. Pode-se atribuir a esse fato o início do estreitamento

das relações entre turismo e comunicação. Nos anos seguintes, começa a haver também

a impressão de outros guias turísticos na Inglaterra.

A “Terra Brazilis” durante quatro séculos esteve mantida à margem da sociedade

letrada, tido como terra de natureza exuberante, porém habitada por selvagens – de

acordo com documentos da época. Segundo relatos da historiografia oficial, apesar de

ser uma ótima fonte de recursos e riquezas naturais, seu povo se mostra indolente e de

difícil “domesticação”. Durante o descobrimento, bem como nos séculos subseqüentes

e, principalmente no século XIX, há a publicação de inúmeros “livros de viagem” que

se constituem na versão europeizada e/ou estrangeira do Brasil – que encontrava-se em

colonização. Em seu “Relatos de viajantes como fontes da história social da população

brasileira”, a escritora Miriam L. Moreira Leite (1997, p. 10) revela:

Antes de mais nada, convém constatar a extensão desse campo de literatura. Ela aparece em livros muito extensos (com cinco ou mais volumes), em livros curtos (de cem ou duzentas páginas), em artigos de revistas e em manuscritos, guardados em diferentes arquivos e museus do mundo. Existe sob a forma de literatura para adultos e para

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crianças, como romance de aventuras, como literatura fantástica ou romance epistolar, havendo, na segunda metade do século XIX, reportagens jornalísticas e guias turísticos.

Nesses relatos há uma grande preocupação em descrever as características do

Brasil, bem como uma curiosidade em relação às condições de vida da sociedade

brasileira. Os “livros de viagem” são os primeiros guias turísticos produzidos no Brasil.

Eles são o relato das viagens e pesquisas de inúmeros escritores, pintores, intelectuais,

botânicos, militares, excêntricos, educadores, padres e estudiosos das mais diversas

áreas. Entretanto, eles mostram o Brasil visto sob o olhar do estrangeiro, conforme

afirma a escritora Ana Maria de Moraes Beluzzo:

Uma grande motivação para estudar o legado iconográfico e a literatura de viagem dos cronistas europeus está na possibilidade que oferecem de rever o Brasil. Mas, como estigma, essas obras só podem dar a conhecer o Brasil visto por outros. O olhar dos viajantes espelha também a condição de nos vermos pelos olhos deles. 2

A segunda metade do século XIX traz para o Brasil os primeiros indícios da

Revolução Industrial. Em meio à efervescência política e econômica da época, surgem

os primeiros jornais brasileiros. São daquele período o “Correio Braziliense” (1811),

“Gazeta da Tarde”, “25 de março”, “Gazeta de Notícias”, “A República”, “Revista

Ilustrada” (1881), “Jornal do Commercio” e uma infinitude de outros periódicos.

No início, os jornais se prestam mais à publicação de obras literárias e fatos

curiosos. Em muitos desses jornais a escrita possui muito mais características de

literatura e crônica do que características de texto jornalístico, como o concebemos na

atualidade. Inclusive com espaço reservado para a comercialização de escravos e

gêneros alimentícios. Sobre as características do texto jornalístico da época, afirma o

texto “Entre a História e o Jornalismo”:

O termo crônica foi retomado no século XVIII para textos que resgatavam sua forma primitiva, ou seja, ostentando características literárias. Foi quando as crônicas começaram a ser publicadas em

2Entrevista concedida ao jornalista Helvécio Carlos (Estado de Minas, caderno Espetáculo, 19/03/00), por Ana Maria de Moraes Beluzzo, Doutora em História da Arte e autora do livro “O Brasil dos viajantes” (Metalivros/Objetiva).

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jornais, confundindo – ou fundindo – o seu tempo histórico ao tempo jornalístico. E até ganharem imortalidade, sendo publicadas em livros, permanecerão presas ao tempo jornalístico, nascendo hoje e morrendo amanhã.1

Os primeiros anos do século XX são marcados pelo aprimoramento dos meios

de transporte. O automóvel começa a ser utilizado em maior escala pelas classes

abastadas. A aviação começa a ganhar destaque, sendo que, em 1919, a KLM

(Companhia aérea holandesa) realiza o primeiro vôo transatlântico. As estradas de ferro

são cada vez mais utilizadas por unir pontos longínquos e devido ao seu baixo custo.

Nessa época, há uma mudança na percepção do turismo, que pode ser notada

através da fundação em Paris, em 1911, do Office National de Tourisme. Há também a

fundação, em 1925, das Organizações Oficiais da propaganda Turística (UIOOPT), em

Haia. Essa fundação é antecessora à Organização Mundial de Turismo (OMT), e tem

como objetivo promover o turismo em todas as nações para “seu progresso econômico,

social e cultural” (DIAS, 2002).

A segunda metade do século XX é marcada por dois fatos importantes: o

desenvolvimento do “turismo de massas” e a chegada da televisão no Brasil. O mundo

assiste ao desenvolvimento da atividade turística como nunca visto antes: o lançamento

do avião a jato; a expansão da indústria automobilística; construção, modernização e

diversificação dos estabelecimentos de hospedagem; incremento da infra-estrutura,

como: portos marítimos, marinas, vias expressas, aeroportos, instalações de energia

elétrica, água potável e centros respectivos; estabelecimento de itinerários fixos, rápidos

e seguros; criação de “pacotes turísticos” abertos ao crédito; efetivação de numerosas

disposições em leis que passam a regulamentar as atividades turísticas e trabalhistas;

profissionalização das atividades turísticas, em face da criação de inúmeros organismos

de turismo – oficiais e privados; e, por último, disponibilização para a população de

sistemas de crédito, para implementar o lado social do turismo. Para revelar a

importância que o turismo estava assumindo, no ano de 1967 é comemorado o “Ano do

Turismo Mundial”. No caso do Brasil, todos os benefícios citados acima fazem parte

também da nossa realidade.

O jornalismo e o turismo no início do século XXI, e suas inter-relações,

representam o desenvolvimento de duas poderosas estruturas do mundo moderno.

1 site TRÍALOGOS, texto “Entre a História e o Jornalismo” de Priscilla Fernandes.

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Enquanto o turismo solidifica-se como a terceira economia do planeta que mais gera

empregos (diretos e indiretos), o jornalismo apresenta-se como o quarto poder.

Ao longo do tempo, o homem também se viu obrigado a criar “pautas” para a

sua comunicação. Entre os temas que sempre foram pauta, em todo processo histórico

da civilização atual, são os temas relacionados às diferentes culturas, seus deuses, sobre

o que é novo, diferente e até mesmo igual. Dessas discussões sobre o “novo”, sobre o

“sacro”, sobre o que é diferente. Se há séculos atrás, os primeiros relatos turísticos

saíram das canetas bico de pena dos mais diferentes escritores e estudiosos,

provenientes dos mais diferentes países, hoje esses mesmos relatos históricos são os

precursores de uma ampla rede de informação – via mídia de massa – que procura

mostrar os mais diversificados pontos turísticos da Terra.

Sobre o papel do jornalismo no desenvolvimento do turismo, Nielsen afirma que

“a criação de publicações especializadas em turismo, a partir de 1950, fornece uma

visão interessante dos avanços dos estudos em turismo como ciência social” (2002, p.

33).

Apesar de o “turismo de massa” ter se desenvolvido posteriormente ao

jornalismo, são muitas as similaridades que envolvem as duas ciências, conforme

explica a escritora Sabáh Auon (2001, p. 15) em “À procura do paraíso no universo do

turismo”. O livro aborda principalmente as publicações em mídia impressa (revistas),

mas mostra-se como parâmetro no estudo das relações entre turismo e jornalismo:

Distanciando-se gradativamente dos discursos vigentes até o final da década de 1970, proferidos pelos teóricos da área – que apreciavam definí-lo nas profusões dos slogans como ‘indústria da paz, ou indústria sem chaminés, limpa por excelência’, como ‘portador de uma missão salvadora’, ou ‘difusor de conhecimento e cultura’ (Barreto 1995, pp. 93-97) -, o turismo tem sido compreendido dentro de uma nova ordem econômica em que valores e padrões se globalizam, agilizados pelos avanços das tecnologias da comunicação.

Curiosamente, as duas entidades que mais discutem o papel da comunicação no

desenvolvimento do turismo são o Vaticano e a OMT (Organização Mundial do

Turismo). Como indício dessa preocupação, dentre as comemorações do Dia Mundial

do Turismo - sempre comemorado em 27 de setembro – em 1991, o tema discutido pela

OMT foi: Comunicação, informação e educação: elementos motores do

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desenvolvimento do turismo. A norma estabelecida, na data dessa comemoração, manda

que as instituições promovam amplos debates sobre o tema abordado, preparando em

seguida documentos que regulem e registrem as discussões. Para corroborar essa

preocupação da OMT com as relações que unem turismo e imprensa, o artigo 06 do

Código Mundial de Ética do Turismo declara (apud DIAS, 2002, p. 236):

6.6. A imprensa, sobretudo a imprensa especializada em turismo, e os outros meios de comunicação, incluindo os modernos meios de comunicação eletrônica, devem fornecer uma informação honesta e equilibrada sobre os acontecimentos e situações suscetíveis de influência na freqüência turística. Igualmente, devem ter por missão o fornecimento de indicações precisas e fiáveis aos consumidores de serviços turísticos. As novas tecnologias de comunicação e comércio eletrônico devem ser desenvolvidos e utilizados para esse fim, não devendo, de forma alguma, assim como a imprensa e os outros meios de comunicação, incentivar o turismo sexual.

No Brasil também já começam a ser desenvolvidas discussões para nortear o

desenvolvimento do turismo em suas relações com o jornalismo. No ano de 2001, foi

realizado pela Universidade Metodista de São Paulo, na Faculdade Cátedra Unesco o I

Congresso Internacional de Comunicação e Turismo. Em 2002, é lançado o livro

“Turismo e Mídia”, pela editora Contexto, do escritor Christian Nielsen. No livro são

apresentadas regras básicas para os profissionais de turismo que objetivam trabalhar

com jornalismo turístico e/ou pretendam desenvolver uma boa comunicação e redação

para turismo.

2. A revista VT e os valores-notícia de Nelson Traquina

A revista VT em janeiro de 2008 chegou à sua 147ª edição, é uma publicação da

editora Abril, está no mercado há mais de 12 anos e é líder em tiragem. A categorização

se dará a partir de critérios de classificação do conteúdo e imagem da capa das edições

mensais publicadas durante o ano de 2007, conforme tabela abaixo:

MÊS/2007 MATÉRIA DE CAPA NAC/INTER REGIÕES GEO.

JANEIRO Os segredos do litoral norte de São Paulo NAC BRASIL

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FEVEREIRO O barato do Caribe INTER AMÉRICA CENTRAL

MARÇO Buenos Aires em dose dupla INTER AMÉRICA DO SUL

ABRIL Sul da Bahia: oito dias perfeitos de sol, praia, boa comida e muito axé NAC BRASIL

MAIO Orlando: as incríveis aventuras da VT em Orlando INTER EUA

JUNHO Esqui para econômicos e gastadores INTER AMÉRICA DO SUL

JULHO Portugal de carro INTER EUROPAAGOSTO Espanha em transe INTER EUROPA

SETEMBRO Taiti: você pode. A gente ensina INTER POLINÉSIA FRANCESA

OUTUBRO As 33 pousadas mais charmosas e baratas do Brasil NAC BRASIL

NOVEMBRO 12 motivos para amar Santa Catarina NAC BRASIL

DEZEMBRO

12 dias nas praias mais bonitas do sul da Bahia (entretanto no site oficial da revista o título postado é “Verão do dólar: com o real valorizado este fim de ano no exterior é dos brasileiros”)

NAC BRASIL

Tabela 01: Matérias de capa da revista VT no ano de 2007. Fonte: Revista VT

Dentro do total de 12 publicações, cinco matérias de capa (41,6%) referem-se ao

Brasil. Sobre a América do Sul há duas matérias (16,6%) que apresentem Buenos Aires

e regiões de esqui na Cordilheira dos Andes. A Europa está presente em duas matérias

(16,6%), através capas sobre Portugal e Espanha. Com uma matéria cada (8,4%) são

apresentados os Estados Unidos (Orlando), América Central (praias do Caribe) e

Polinésia Francesa (Taiti, Ilhas Galápagos, Ilhas Maurício). Pode-se concluir, que em

quase metade das matérias (cinco edições) um destino brasileiro foi capa da revista:

quatro dessas matérias referem-se ao “turismo de sol e mar” e uma faz análise pousadas

e hotéis “charmosos e baratos”.

Para avançar na pesquisa foram observados os valores-notícia propostos e

discutidos por Nelson Traquina, em seu livro “Teoria do jornalismo”. Segundo o autor,

os valores-notícia de seleção dividem-se em contextuais (dia noticioso, disponibilidade,

equilíbrio, visualidade, concorrência) e substantivos (proximidade, relevância, tempo,

novidade, notabilidade, inesperado, conflito, infração e escândalo). Já os valores-notícia

de construção podem ser categorizados assim: personalização, simplificação,

amplificação, relevância, dramatização, consonância. É baseado nesses valores-notícia

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que serão analisadas as matérias de capa das edições mensais da revista VT durante o

ano de 2007. Textos soltos, grande utilização de fotos (se for analisado minuciosamente

poder-se-á chegar à conclusão que as fotos ocupam mais espaço que o texto redigido),

aparente falta de preocupação com o texto jornalístico (às vezes podendo chegar a

textos quase literários), título sem preocupação com o tamanho e/ou número de letras,

utilização de gírias e jargões populares no corpo do texto – esses itens compõem a capa

e o corpo das matérias em análise.

Numa tentativa de criar um campo de interseção entre o está publicado das capas

da revista VT e as categorias propostas por Traquina foram construídas três tabelas. A

primeira, apresentada abaixo refere-se ao valores-notícia de seleção, pelos critérios

substantivos que, de acordo com Traquina, “dizem respeito à avaliação direta do

acontecimento em termos da sua importância ou interesse como notícia” (Traquina,

2004, p. 78).

Valor-notícia de Seleção - substantivos Descrição Presente/Ausente

Notoriedade Do ator principalO ator é o destino. A pergunta é se há outros “atores” que poderiam ter sido escolhidos e os motivos que levaram à escolha.

Proximidade Geográfica ou cultural

Geográfica: tanto há destinos próximos como distantes.Cultural: há cultural que são mais conhecidas dos leitores, mas há outras sem vínculos estreitos (Polinésia Francesa).Econômico-financeira: para qual percentual da população brasileira esses destinos estão próximos?

Relevância

Capacidade do acontecimento incidir ou ter impacto sobre as pessoas

Em uma primeira análise, não se percebe a presença desse valor-notícia. Até pelo fato de as matérias não informarem sobre as mazelas dos destinos apresentados, como se essas não existissem.

Novidade O que há de novo

Um dos valores mais presentes. Sempre há a preocupação de mostrar uma angulação nova, novos equipamentos. Mas, pode-se perceber ao longo dos anos, que os mesmos destinos são reapresentados. Ou seja, a pauta não varia muito ano a ano.

Tempo Forma de atualidadeAs matérias são escritas de maneira a serem – independente do tempo – atuais, guias de bolso para o viajante

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tranformando-o em algo tangível. A maneira como o texto é redigido já é um simulacro: pretende-se, através da leitura, levar o cliente até o destino (como se turismo pode ser aprendido, e não somente experimentado).

Inesperado Aquilo que irrompe e surpreende

Há uma preocupação em apresentar destinos consolidados turisticamente, mas com novas angulações.

Conflito/ControvérsiaViolência física ou verbal, disputas políticas

Normalmente destinos em que há conflitos não são pauta de matérias da revista.

InfraçãoEscândalo, crimes, violação, transgressão de regras

As “infrações” são sempre a favor do belo ou bom serviço.

Tabela 02: Valores-notícia de seleção: substantivos. Fonte: Revista VT

Já os valores-notícia de seleção, pelos critérios contextuais, dizem respeito ao

contexto da produção da notícia (Traquina, 2004, p. 78) e estão descritos e seguir:

Valor-notícia de Seleção:

ContextuaisDescrição Presente/Ausente

DisponibilidadeFacilidade com que é possível fazer a cobertura

A revista, após decidida a matéria de capa, tem condições financeiras de mandar seus jornalistas/articulistas para qualquer destino. O importante é procurar saber o porquê da escolha, do “gatekeeper”.

EquilíbrioQuantas vezes o acontecimento foi noticiado

Se forem observados, todos os continentes da Terra, percebe-se que não há equilíbrio. O equilíbrio se dá de outra forma:

Visualidade Elementos visuais – fotografias e filmes

Talvez seja o valor-notícia que mais se aplica. Pode-se depreender que as fotos, algumas vezes, são mais importantes que o texto. Há leitores que “vêem” a revista, ao invés de lê-la.

Concorrência Concorrência entre empresas

Sim, há em número e condições bastante mercadológicas. Há outros títulos nacionais que abordam turismo e há concorrência bastante acirrada entre eles.

Dia noticioso

Os acontecimentos em concorrência com outros acontecimentos

O “dia noticioso” de uma publicação mensal tem, no mínimo, 30 dias (definição de pauta, realização de matérias, editoração, impressão, publicação, distribuição, chegada à casa do assinante). As matérias de capa sempre apresentam destinos/serviços que estão muito relacionados com a estação climática que está se iniciando.

Tabela 03: Valores-notícia de seleção: contextuais. Fonte: Revista VT

Por último, os valores-notícia de construção são definidos por Traquina como os

“critérios de seleção dos elementos dentro do acontecimento dignos de serem incluídos

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na elaboração da notícia” (Traquina, 2004, p. 91). Para esse estudo, pode-se acenar que

esses (apresentados abaixo) são determinantes da elaboração da pauta da revista VT:

Valor-notícia de construção Descrição Presente

Simplificação

Acontecimento desprovido de complexidade, ambigüidade

Os destinos são apresentados por jornalistas/articulistas que o apresentam de maneira bastante coloquial, com um olhar – e um texto – bastante livres. Os destinos somente têm apresentados sob o ponto de vista do “que há ser explorado”. Não são apresentados os problemas do lugar, o ponto de vista da população, as dificuldades pelas quais passa o início/desenvolvimento das atividades turísticas da região, com seus problemas sociais.

AmplificaçãoCapacidade de o acontecimento ser notado

Os textos procuram construir o “paraíso perfeito”. Independente do lugar, continente, região ou estação do ano os melhores destinos para se fazer turismo são os publicados nas capas da revista VT.

Relevância Notícia cheia de sentidos

Os sentidos que uma matéria da revista VT tenta aguçar são outros se relacionados ao jornalismo diário. Os critérios de relevância são, portanto, outros. Pode-se perceber uma preocupação dos jornalistas/articulistas em “rechear” as matérias de pontos relevantes. Há também a preocupação com mapas e guias – para tornar mais fácil o acesso do leitor/viajante aos lugares indicados.

PersonalizaçãoValorização das pessoas envolvidas no acontecimento

O texto sempre procura ser o mais informal, o mais próximo possível. Tanto do leitor, quanto do destino apresentado. O texto não objetiva construir uma imagem “negativa” do destino e sim, sempre, “positiva”.

DramatizaçãoO reforço do lado emocional, a natureza conflitual

O lado emocional é um dos mais ressaltados na construção das matérias e dos destinos

Consonância “Estórias” que os leitores já conhecem

Estórias e histórias sobre turismo são uma constante no jornalismo mundial em todos os formatos (rádio, jornalismo impresso, televisão, internet etc). Como representa um importante “bem de consumo” na atualidade há destinos turísticos da moda, exóticos e tradicionais que sempre estão (e retornam) à mídia. E outros novos destinos que a mídia faz questão de apresentar periodicamente.

Tabela 04: Valores-notícia de construção. Fonte: SIM

3. Considerações finais

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Pode-se observar que as capas por vezes apresentam “matéria frias”, em outras

fait divers, por conterem um grande percentual de atemporalidade, com um texto que

beira a literatura e ao mesmo tempo procura estar “falando ao pé do ouvido”, como se o

leitor estivesse fazendo junto com o jornalista/articulista a viagem apresentada. Na

edição de dezembro de 2007, o jornalista Ricardo Freire se aventura a percorrer a pé as

praias mais bonitas (e desertas) do sul da Bahia. Ao descrever suas caminhadas ele é

muito coloquial em seu texto, falando das dificuldades das pedras escorregadias, do

sobe e desce das marés. Uma clara tentativa de – como se isso fosse possível – levar o

leitor a refazer com ele o percurso. Como se o turismo não fosse uma atividade só

possível através da experimentação. Que por melhor que seja a revista, o meio ou a

mídia eles jamais conseguirão reproduzir a experiência única – e presencial – que é

fazer turismo.

E por se tratarem de fait divers as matérias da revista VT tenham que se munir

de muitos dos valores-notícia. Complementando o que já foi dito acima, o “dia

noticioso” de uma revista de turismo é diferente do “dia noticioso” de um jornal diário.

O tempo, os atores (destinos e/ou serviços turísticos), o objeto – muda bastante de um

meio para o outro. E se a necessidade de fotografia ou imagem é cada vez mais

fundamental para que uma notícia seja percebida pelo público destinos/serviços

turísticos sempre despertam interesse.

Mas, o turismo está representado nas capas da VT? Por que foram escolhidos

aqueles destinos? Essa é a pergunta-chave da questão: como se monta a pauta de uma

revista de turismo. Como são escolhidos os lugares, os bares, restaurantes, hotéis e

muitos outros destinos/serviços turísticos.

A pesquisa a respeito da existência da categoria “jornalismo turístico” ainda

permite espaço para novas discussões: se existe, se é bem feito, como poderia ser feito.

Os estudos de Traquina auxiliam na elaboração desse raciocínio. Pelas tabelas pode-se

perceber que a maior parte dos valores-notícia (independente da categoria) encontra-se

também nos textos da revista VT. Entretanto, pelo fato de “o ator” ser outro (destino

e/ou serviços turísticos) também são outros os gatekeepers, os interesses, os olhares.

Talvez, o leitor de matérias de turismo talvez esteja procurando novos “atores”.

4. Anexos:

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Ilustração 1 - janeiro/07 Ilustração 2 - fevereiro/07 Ilustração 3 - março/07

Ilustração 4 - abril/07 Ilustração 5 - maio/07 Ilustração 6 - junho/07

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Ilustração 7 - julho/07 Ilustração 8 - agosto/07 Ilustração 9 - setembro/07

Ilustração 10 - outrubro/07 Ilustração 11 - novembro/07 Ilustração 12 - dezembro/07

5. Referências bibliográficas:

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