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Para citar esse documento:
PIZARRO, Diego. Anatomia poética e(m) composições: dançando o universo musical de Elis Regina em um quarto expandido. Anais do V Encontro Científico Nacional de Pesquisadores em Dança. Natal: ANDA, 2017. p. 708-720.
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ANATOMIA POÉTICA E(M) COMPOSIÇÕES:
DANÇANDO O UNIVERSO MUSICAL DE ELIS REGINA EM UM QUARTO EXPANDIDO
Diego Pizarro (IFB / UFBA)i
RESUMO: Este trabalhopretende convidaro(a) leitor(a) a vivenciarparcialmente como sedeu o processo de composição da obra coreográfica Élice, que estreou em novembro de2016 em Brasília/DF e é inspirada no universo musical da cantora Elis Regina. A obraconfigura-se como um primeiro experimento dos procedimentos artísticos desenvolvidospeloautoremsuapesquisadeDoutoradoemandamentonoPPGAC/UFBA.Profundamenteinspiradospelaprática somáticadoBody-MindCentering® (BMC), algunsprincípiosdessesprocedimentos são enfatizados e compreendidos como uma forma de corporalizar oaprendizadomotoreexpressivo.Assim,pormeiodeumaescritaperformativa,emqueoscincodiafragmascorporaissugeridospeloBMC:pélvico,torácico,peitoral,vocalecranianosão vivenciados, sugere-se que as reflexões sobre o processo de composição sejamcompartilhadas pela prática e não somente pela observação. Metodologicamente, estapesquisaseafinacomaspropostasdapráticacomopesquisa,forjandoformasmaleáveisdedesenvolverpesquisaacadêmicaemarte.
PALAVRAS-CHAVE: Body-Mind Centering®. Composição coreográfica. Prática como pesquisa. Anatomia experiencial. Elis Regina. ABSTRACT: This article invites the reader to partially experience the composition process of dance performance Élice, which premiered in November 2016 in Brasilia/DF, and is inspired by the musical universe of Brazilian singer Elis Regina. Such work figures itself as a first experiment of the artistic procedures developed by the author in his doctoral research in progress in PPGAC / UFBA. Deeply inspired by the somatic practice of Body-Mind Centering® (BMC), some principles of these procedures are emphasized and understood as a way to embody expressive and motor learning. Thus, through performative writing, in which are experienced the five body diaphragms suggested by BMC (pelvic, thoracic, pectoral, vocal, and cranial), it is suggested that the reflections on the composition process may be shared through practice and not only through static observation. Methodologically, this research
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tunes itself with the proposals of Practice as Research, forging malleable ways to develop academic research in/with art. KEYWORDS: Body-Mind Centering®. Dance composition. Practice as research. Experiential anatomy. Elis Regina.
Somatizando os diafragmas corporais
Figura 1 – Cena imersão morte-vida
Fonte: acervo pessoal. Foto: Tom Lima.
●Observecomovocêestáagora;comoestásuapostura?Quaispartesdoseucorpo
estãomaissoltasequaispartesestãomaisesmagadas?Comoestásuarespiração?Elaflui
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confortavelmentepor todasaspartesdoseuser? (nomomentoemquevocêse fazessas
perguntas,mudançasprovavelmentejácomeçamaocorreremseucamposomático);
●Sente-se em uma posição tranquila (o intuito é deixar o seu tronco na posição
vertical);
●Fecheumadesuasmãosemformadepunhoecoloque-anapalmadaoutramãoà
frentedo seucorpo.Assim,umamãoempunhoseencaixanaoutramãoem formatode
concha, formando um acoplamento côncavo-convexo. Evite pressionar, busque um
equilíbriotensional.Sintaasuavidadedessecontatodemãos“macho-fêmea”;
●Inspire profundamente pelas narinas e expire suavemente pela boca em diálogo
comesteposicionamentodetronco(vertical),mãos(acopladas)ebraçosorganizadosàsua
frente,maisoumenosnaalturadoplexosolar;
●Observe um movimento sutil de condensação e expansão que talvez já tenha
surgidoemsuasmãos.Estemovimentoéprópriodenossascélulas,enquantorealizamas
trocas de diversas categorias entre meio interno e externo imersas em seus fluidos
característicos.
●Assimquevocêcomeçaraperceberessarespostacondensação/expansãoemsuas
mãos,percebaquaisoutraspartesdoseucorposãoafetadasporestemovimento;
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●Vocêpercebeumaconexãopulsanteonde?Nasoladospés?Emseutórax?Emseus
ombros?Emseuassoalhopélvico?Emseupescoço?Emsuacabeça?Onde?
●Levesuaatençãoparaestenovolocal(sejaelequalfor)epossibiliteaampliaçãodo
movimentodecondensaçãoeexpansão;
●Vámudandosuaatençãodeumapartecorporalparaoutra,afetando-seporeste
movimentorespiratório;
●Independente das partes corporais escolhidas por você, tome um tempo para
passar em algum momento pelas solas dos pés, assoalho pélvico, diafragma torácico,
ombros,pescoçoecabeça(nãonecessariamentenessaordem);
●Comoestáasensaçãoemsuasmãosnestemomento?
●Solteasmãos, fiqueempé, sequiser, eperceba seu corpo comoum todonesse
movimentodecondensaçãoeexpansão,deformageraleespecífica(partesetodo);
●Como seria direcionar a sensação de condensação e expansão para dentro de
algumasarticulações?Comojoelhos,quadris,tornozelos,cotovelos,punhos?
●Quaisreverberaçõesvocêsenteapartirdessaexperiência?
●Qualoseudesejoagora?Acalmar-se?Movimentar-se?Dançar?Caminhar?
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●Em termos de movimento, invista um tempinho em uma rápida (ou demorada)
pesquisademovimentosapartirdessasensaçãoquevocêtemagora,nestemomento;
●Quando achar que deve, encontre uma pausa, volte à calma, respire
tranquilamente;
●Encontre uma boa posição para você neste momento, talvez deitado, talvez
sentado,talvezempé...
●Percebaadiferençadeseuestadoagoraeantesdessaexperiência.Oquemudou?
Oqueresistiu?Oqueseabriu?Oquesefechou?
●Setivervontade,façaumdesenhosobresuassensações,ouescrevaumaspalavras,
ouumtexto,ougraveumdepoimento;
●Compartilheaexperiênciacomoutrapessoa.Podesercomigo,sedesejar(olhare-
maildecontatonasnotasdefim);
●Agradeço-lhe por sua disponibilidade em experimentar esta prática antes de
adentrarnasreflexõesdoprocessocomposicionalquedesenvolvereinestetrabalho
Apropostaacimaéumexercíciodesomatizaçãoseguidodeimprovisaçãoemdança
para exploração demovimentos inspirado nos princípios doBody-Mind Centering® (BMC)
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(COHEN, 2015) sobre os cinco diafragmas corporais: pélvico, torácico, peitoral, vocal e
cranial.Acrescenteiaspalmasdasmãos,as solasdospéseasarticulações sinoviais como
possibilidades de expandir a ideia de diafragmas corporais (em conexão com práticas
marciaisorientais).
A prática do BMC foi desenvolvida pela norte-americana Bonnie Bainbridge
Cohen e colaboradores a partir dos anos 1970. Sua prática envolve profundas
experiências sobre o desenvolvimento infantil e os sistemas corporais como
fundamentos para cartografias dos tecidos corporais e repadronização através do
toque, do movimento e da voz. A didática do método envolve basicamente três
aspectos fundamentais: visualização, somatização e corporalização. Nesse escopo,
a anatomia e a fisiologia são abordadas de forma experiencial, resignificando nossa
existência em relação ao meio-ambiente. Segundo Bonnie Bainbridge Cohen (2015),
a fonte desse processo é o amor.
Para compreendermos o que Cohen compreende como o primeiro aspecto
fundamental da didática do método, obervamos que:
Somatização é o processo pelo qual os sistemas sensoriais da cinestesia (movimento), propriocepção (posição) e táctil (toque) informam o corpo que ele existe. Nesse processo, há uma testemunha, uma consciência interna do processo. (COHEN, 2015, p. 6, tradução minha)1.
Diafragmas são estruturas que demarcam os limites entre nossas cavidades
corporais,emdiferentesníveis,dospésàcabeça.Alémdisso,elesgarantemaconexãoda
1Somatization is the process by which the kinesthetic (movement), proprioceptive (position), and tactile (touch) sensory systems inform the body that it (the body) exists. In this process, there is a witness, an inner awareness of the process.
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parteanteriordocorpocomsuaparteposterior(frente-trás/trás-frente),alémdelado-lado
ecima-baixo,integrandoarealidadedomovimentotridimensionalàposturaeàmobilidade
(COHEN,2014).Regularosprocessos fisiológicosda respiraçãopormeioda reorganização
rítmicadosdiafragmascorporaiséumconviteparaquelidemoscomapulsãodenossavida
no espaço-tempo. A mim, esta atividade proporciona estados específicos de impulsos
criativos em arte. Mas, antes de tudo, traz uma presença contemplativa de estados
meditativos (DILLEY, 2015). Os princípios da referida experiência somática em processos
exploratóriosdesomatizaçãoinformaramespecialmenteacomposiçãodaprimeiracenada
obracoreográficadiscutidaaqui.
Princípiosdemovimentoeprocedimentoscriativos
“Apoioprecedemovimento”e“apoioorgânicoprecedea iniciaçãodarespiração,a
qual precede movimento” são princípios básicos do BMC que permeiam todas as
possibilidadesdeexploraçãodemovimentosqueestapráticasomáticaproporcionaaseus
praticantes.Alémdisso:
Utilizamos o princípio de movimento contrário. Isto é, segundos antes de escolhermos qual apoio ancora o movimento almejado, ocorre um contraimpulso, possibilitando mais base e ao mesmo tempo fazendo oposição ao gesto. Esse movimento contrário não é rígido, mas trabalha em sintonia entre a mobilidade/estabilidade. (PEES, 2016, p. 42).
Quando Adriana Almeida Pees descreve o princípio do movimento contrário
como importante para a mobilidade corporal segundo o BMC, ela sugere a
necessidade que nossas estruturas anatômicas possuem de ancorar-se entre si de
forma dialógica entre opostos em equilíbrio dinâmico, pois as mesmas estruturas de
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ancoragem e apoio estão também em movimento. Ao explorar e vivenciar estes e
uma ampliada gama de princípios fundamentados na anatomia experiencial para a
composição performativa, sugiro o termo Anatomia Poética, em uma prática
composicional fundada na somática como vocação primeira.
Em uma das sessões guiadas por Ciane Fernandes na disciplina Laboratório
de Performance, do Curso de Doutorado em Artes Cênicas da UFBA, eu descobri,
pela prática, a partir de sua abordagem somático-performativa, um eixo norteador
para a minha pesquisa a partir de três procedimentos específicos que identifico
atualmente como: 1 – a autorregulação organísmica, por meio dos fluidos corporais
e das organelas celulares; 2 – a organização da postura e do gesto funcional na
construção da verticalidade; 3 – exploração criativa de movimentos. Esses três
procedimentos reguladores dos processos artísticos e investigativos que tenho
desenvolvido se dão em qualquer ordem e em qualquer conexão, dadas as
particularidades de cada sessão.
Ainda, dançar o solo Élice (2016), transformou minha presença e interesses
enquanto professor, pesquisador e artista. Esta prática artística possibilitou que eu
observasse o que eu não quero fazer, ou seja, do que eu quero me distanciar
progressivamente e do que eu desejo me aproximar. Assim, o termo “imersão”,
usado por Ciane Fernandes (2017) a fim de evitar proceder com a separação teoria
e prática, começa a fazer cada vez mais sentido nesse processo.
Em nossas atividades, experimentamos gradações entre imersão e diferenciação, identificando-nos afetivamente com a alteridade e separando-nos, redescobrindo nossas particularidades, como ocorre nos processos de desenvolvimento humano. (FERNANDES, 2017, p. 3).
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Aspectos metodológicos da pesquisa
Metodologicamente, esta pesquisa se afina com as propostas da prática como
pesquisa, forjando formas maleáveis de desenvolver pesquisa acadêmica em arte,
como sugerem Fernandes (2014), Midgelow e Bacon (2015) e Haseman (2015).
Pelo viés dessa abordagem metodológica, um dos desafios é encontrar caminhos
específicos da pesquisa com arte e da escrita performativa. Este texto é mais uma
tentativa nesse sentido.
Figura 2 – Cena final de Élice (2016)
Fonte: acervo pessoal. Foto: Tom Lima.
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De fato, a pesquisa com arte exige outros posicionamentos e procedimentos
diferentes dos modelos vigentes na pesquisa acadêmica, pois o pesquisador é, ao
mesmo tempo, sujeito e objeto, ou ainda, sempre sujeito em sua atuação do devir
pesquisador. Assim, a própria obra de arte concebida em processo tende a
encontrar outros paradigmas de funcionamento. No caso da obra Élice, em sua
primeira versão discutida aqui, o formato do processo e da cena ainda parece
bastante próximo de uma forma um tanto quanto tradicional de se apresentar
publicamente com dança.
Nesse sentido, refletir dançando / escrever performando sobre o processo de
composiçãodareferidaobraesuaprimeiratemporadadeapresentaçãopública,pareceser
umexercícioperformativo,emque jáapontamnohorizontenovas formasde lidar coma
AnatomiaPoéticacompartilhadaevivenciadaentredançarino-público-ambiente.
Consideraçõesfinais
Ao aproximar-me do repertório musical da cantora Elis Regina, remeto-me à
experiência arrebatadora que tive aos 14 anos de idade quandoouvi uma coletânea com
músicas escolhidas e vivi um processo de imersão dentro de um quarto fechado, sendo
transportadoparaoutrocampopormeiodesuavoze interpretação.Dessemodo,aobra
Éliceémesmoumaexpansãodessequarto, tomandootermoemprestadodoconceitode
campoexpandido(KRAUSS,1979;QUILICI,2014;MONTEIRO,2016).
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Finalmente, longe de querer girar em torno de processos autobiográficos ou
ensimesmados,estapesquisabuscaregistrareinvestigarprocedimentosdecomposiçãoem
dançaapoiadosnosaspectosperformativosdaanatomiaexperiencialdaEducaçãoSomática.
Nocaso,aobraartísticadereferênciadiscutidacalhoudeser,pelaoportunidade,umsolo
dançadoeconcebidopormim.
Figura 3 – Cena da Macumba
Fonte: acervo pessoal. Foto: Tom Lima.
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Figura 4 – Cena Arrastão: ascensão e queda
Fonte: acervo pessoal. Foto: Tom Lima. Referências COHEN, Bonnie Bainbridge. Breathing & Vocalization Manual. Textos escritos de 1988 a2006.EUA:TheSchoolofBody-MindCentering,2014.
_______. Sentir, perceber e agir: educação somática pelo método Body-Mind Centering®. Tradução de Denise Maria Bolanho. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2015.
DILLEY,Barbara.This VeryMoment: teaching, thinking,dancing.Boulder/CO/USA:NaropaUniversityPress,2015.
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FERNANDES, Ciane. Pesquisa Somático-Performativa: sintonia, sensibilidade, integração. ARJ, Vol. 1/2, p. 76-95, jul-dez 2014. ______. Performo, logo pesquiso: princípios constitutivos e composicionais do Coletivo A-FETO de Dança-Teatro. In: FERREIRA, Carlos Alberto e MORAIS, Danielle. Processos Criativos em Arte/Educação. Viçosa, 2017. No prelo. HASEMAN, Brad. Manifesto pela pesquisa performativa. In: Silva CR, Felix D, Silveira D, Sueyoshi HI, Boito S, Amalfi M, et al. Resumos do Seminário de Pesquisas em Andamento PPGAC/USP. São Paulo: PPGAC, Escola de Comunicação e Artes/USP, p. 41-53, 2015. KRAUSS, Rosalind. Sculpture in the expanded Field. October, vol. 8, spring, p. 30-44, 1979. MIDGELOW, Vida L.; BACON, Jane M. Processos de Articulações Criativas (PAC). In: SILVA, Charles R. et al. Resumos do Seminário de Pesquisas em Andamento PPGAC/USP. São Paulo: PPGAC, Escola de Comunicação e Artes/USP, 2015. MONTEIRO, Gabriela Lírio Gurgel Monteiro. A Cena Expandida: alguns pressupostos para o teatro do século XXI. Art Researh Journal, Rio Grande do Norte, V. 3, n. 1, p. 37-49, jan./jun. 2016 PEES, Adriana Almeida. Body-Mind Centering®: a dança e a poética nas linhas dançantes de Paul Klee. Rio de Janeiro: Livros Ilimitados, 2016. QUILICI, Cassiano. O campo expandido: arte como ato filosófico. Sala Preta, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 12-21, 2014.
i Docente do Curso de Licenciatura em Dança do Instituto Federal de Brasília – IFB. Doutorando em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, orientado por Maria Albertina Grebler. Mestre em Arte Contemporânea pela Universidade de Brasília. É dançarino, coreógrafo, educador somático e coordena o grupo de pesquisa e extensão CEDA-SI – Coletivo de Estudos em Dança, Educação Somática e Improvisação. Contato: [email protected]