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Esta edição da Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável traz uma rica entrevista com o extensionista rural, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), José Antônio Costabeber, que, a partir de sua trajetória profissional, faz uma análise do contexto histórico de surgimento da Associação e sobre o seu papel, da importância de processos de sistematização de experiências, sobre o significado de sustentabilidade e qual a contribuição da Agroecologia na construção de políticas públicas que incorporem o enfoque agroecológico. O uso do sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV) na produção de leite em propriedades familiares é o relato de experiência apresentado, nesta edição, pelos extensionistas Ricardo Lopes Machado e Tatiana Aparecida Balem. Uma análise crítica dos serviços públicos de Ater no Estado de Pernambuco é feita por Maira Boeckmann Silva e outros autores. Os sentidos da recepção radiofônica em assentamentos de Reforma Agrária, a partir de uma pesquisa participante no município de Abelardo Luz, são analisados, desde uma perspectiva

sociológica, por Joel Guindani. No artigo “Ater indígena: etnografia da ambientalização de uma prática conflituosa de desenvolvimento”, Mariana de Andrade Soares parte do conceito de “ambientalização dos conflitos sociais” para problematizar as lógicas desenvolvimentistas na atuação da Ater indígena, e propõe uma “etnografia das ações e discursividades da Ater, responsável por essas políticas”, a partir da experiência vivenciada pela autora junto aos povos guaranis. No artigo “A questão agrária atual: especificidades e agricultura camponesa”, o autor discute um tema histórico, mas que permanece contemporâneo, contextualizando as concepções teóricas sobre o destino do campesinato e a modernização tecnológica na agricultura, e situa alguns desdobramentos atuais desse debate, inclusive na formulação de políticas públicas.

Esta edição de Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável traz, ainda, como de praxe, dicas agroecológicas (neste número, sobre o controle biológico da lagarta-do-cartucho do milho), ecolinks e resenhas de publicações pertinentes ao enfoque temático da Revista. Boa leitura e bom proveito!

Para avançar em direção à sustentabilidade

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, set./dez., 2012.

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Sumário

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• Entrevista .................................................................................................................................. 5José Antônio Costabeber: “A sustentabilidade é a medida da longevidade. Por isso ela não pode ser reduzida a uma dimensão econômica, financeira”

• Relato de Experiência ............................................................................................................ 17Transição Agroecológica de Sistemas de Produção de Leite: Uso do Pastoreio Racional Voisin (PRV) em Santa Maria/RS/Brasil Machado, Ricardo Lopes et al.

• Dica Agroecológica ................................................................................................................ 28O Uso do Trichogramma Sp. no Controle Biológico da Lagarta-do-Cartucho do Milho (Spodoptera Frugiperda). O Controle Biológico como Prática na Agricultura de Base EcológicaUriartt, Ari

• Artigo ...................................................................................................................................... 30Extensão Rural Agroecológica (ERA): perspectivas para um desenvolvimento mais sustentável da agricultura do estado de Pernambuco-Brasil Boeckmann, M.S. et al.

• Artigo ...................................................................................................................................... 38A recepção radiofônica em assentamentos rurais Guindani, Joel Felipe.

• Econotas .................................................................................................................................. 46

• Artigo ...................................................................................................................................... 48Ater indígena: etnografia da ambientalização de uma prática conflituosa de desenvolvimento Soares, Mariana de Andrade

• Ecolinks ................................................................................................................................... 58

• Artigo ...................................................................................................................................... 60A questão agrária atual: especificidades e agricultura camponesa Paulus, Gervásio

• Resenha ................................................................................................................................... 71

• Normas para publicação ....................................................................................................... 72

• Expediente .............................................................................................................................. 74

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, set./dez., 2012.

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7Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 5-16, set./dez., 2012.

Por Marta H. Tejera Kiefer

Este é o ano em que o Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA-Agroecologia) retorna à Porto Alegre, propondo como discussão central o tema a saúde do planeta, a partir do debate de assuntos como a Agroecologia enquanto condi-ção para a educação, a reinvenção da economia, a diversidade como uma condição fundamental da saúde do planeta e a saúde do agroecossis-tema. As discussões propostas nesta edição do CBA-Agroecologia são resultado de uma trajetó-ria de debates e proposições relativas ao assun-to principal do congresso: a Agroecologia. Entre os atores à frente desta mobilização relativa ao

tema está, há décadas, o engenheiro agrônomo e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) José Antônio Costabeber, que tem feito da “ciência agroecológica” a razão do seu trabalho, como demonstra na entrevista a seguir, onde relembramos sua trajetória de ex-tensionista, o ingresso na vida acadêmica, o des-pertar para a Agroecologia.

José Antonio Costabeber formou-se engenhei-ro agrônomo em julho de 1978 na UFSM, é mes-tre em Extensão Rural pela mesma universi-dade e doutor em Agronomia pelo Programa de Agroecologia, Campesinato e História da Uni-versidade de Córdoba, Espanha. Foi extensio-nista rural da Emater/RS-Ascar por mais de 30 anos. Atualmente é professor adjunto do Depar-tamento de Educação Agrícola e Extensão Rural e do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da UFSM, onde também foi coordenador do curso de Agronomia. Desde 2006, é professor convidado da Universidade Internacional de An-dalucía, na Espanha, no Mestrado Oficial Inte-runiversitário em Agroecologia. Colaborou como professor e facilitador nos Cursos de Aperfeiço-amento em Agroecologia à distância, realizados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, Redcapa e Universidade da Califórnia (EUA). Nos últimos anos, foi palestrante em diversos eventos promovidos por Instituições de Ensino, Pesquisa e Extensão Rural da esfera pública nacional. De 1999 a 2009 participou das equi-pes de coordenação e como Secretário Executivo dos seminários internacionais e estaduais sobre Agroecologia (Porto Alegre), tendo sido ainda um dos idealizadores e Secretário Executivo do I e do II Congresso Brasileiro de Agroecologia. Participou da criação da Associação Brasileira de Agroecologia, da qual é o atual presidente.

Agroecologia - Como foi a tua trajetória de extensionista e em que momento surgiu o interesse pela Agroecologia?

José Antônio Costabeber: “A sustentabilidade é a medida da longevidade. Por isso ela não pode ser

reduzida a uma dimensão econômica, financeira”

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8Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 5-16, set./dez., 2012.

Eu acho que fui um privilegiado porque ini-ciei o trabalho na extensão rural na Emater/RS, justamente em uma região, para mim, muito es-tranha, desconhecida, e que lá tive que aprender muito. Eu fui mandado para Três Passos, desig-nado para ser chefe do escritório municipal, no final de 1978, que foi quando entrei. Eu era bem jovem, tinha muito que aprender, e lá era um município rico, no sentido da sua diversidade cultural e, ao mesmo tempo, com muitas limita-ções porque ali é uma região de encosta de rio, do Rio Uruguai, com uma topografia bastante acidentada, com uma estrutura fundiária per-versa – na época, a média era de dez hectares por propriedade. Então, nós tínhamos que exer-citar o trabalho de extensionista, de difusor de tecnologias, em um período que ficou marcado pela conhecida Revolução Verde, de divulgação de novas técnicas, das sementes híbridas de milho, dos adubos químicos, do uso da ureia e de uma série de outras orientações técnicas de estímulo à produtividade, que é uma coisa ne-cessária, evidentemente, e que nós havíamos estudado para isso. Mas nós fomos notando, aos poucos, a dificuldade de fazer uma transferência de tecnologia, de uma tecnologia desconhecida, em uma área de agricultores pobres de recursos, embora muito ricos na sua cultura, porém com limitações sérias do ponto de vista econômico, de terras pouco favoráveis para a mecanização extensiva, o que já acontecia em municípios ao redor de onde eu estava. Então, eu já me sentia diferente no trabalho em relação a alguns cole-gas que estavam em áreas mais favoráveis para a expansão, por exemplo, da monocultura da soja. Em Três Passos havia sistemas produtivos bem diferenciados, algumas condições também eram quase novidade para nós, como o cultivo consorciado de milho e soja, era uma coisa di-ferente... Naquela época, também a erosão era um problema muito discutido em todo o Estado, com o envolvimento e manifestação da própria Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul, tinha levantamentos e movimentos da UFRGS. Então, também havia problemas ambientais e muito fortemente marcados, especialmente na-quelas áreas conhecidas como terras “mais do-bradas”. E nós fomos começando a vincular o

que era questão tecnológica, o que era questão econômica, o que era questão social. Por exem-plo, acho que foi neste momento que eu pude ir percebendo que é diferente, alguém ter que so-breviver com uma família extensa, uma família mais numerosa, em uma área pequena, do que uma outra família menor, ou simplesmente em área maior e mais favorável para a prática da agricultura. Isso hoje se traduz no conceito eco-lógico de “capacidade de carga”. Qual é a capa-cidade de carga de um agroecossistema ou em uma área de campo, em uma área de potreiro? Quantos animais eu posso botar ali, de modo que eles possam se desenvolver em bom estado? É o limite. Hoje, se fala em capacidade de car-ga em termos planetários, em pegada ecológica, que é uma medida do impacto antrópico sobre os ecossistemas. Serve para verificar se estamos consumindo mais ou menos do que a biocapaci-dade do planeta. É evidente que estamos consu-mindo mais do que a capacidade do planeta. En-tão, tudo isso foi me fazendo refletir. Havia uma questão tecnológica que passava pela dificulda-de de difundir técnicas em uma área como a que eu atuava e, ao mesmo tempo, era perceptível o problema fundiário, de limitação de recursos em áreas pequenas, além dos problemas ambien-tais, que eram grandes, pelos excrementos de su-ínos que iam para as sangas, rios, riachos. Havia necessidade de buscar soluções, inclusive para o problema da conservação dos solos. Eu aprendi muito com aqueles agricultores, que eram sim-

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ples, mas muito criativos. Nossos trabalhos na área ambiental já começaram por aí, no fim dos anos setenta, início dos anos oitenta: verificar e apoiar os agricultores para usarem sua criati-vidade no uso dos recursos locais. Se não tinha dinheiro para construir uma estrumeira de tijo-los, eles usavam coqueiros, pedras,... No traba-lho nas áreas mais dobradas, usavam-se pedras para fazer os contornos, fazendo taipas de pe-dras. Para mim, o importante, como extensionis-ta, é reconhecer que esses agricultores tinham grande capacidade de participar da construção tecnológica. E é evidente que eu acompanhei agricultores em áreas mais favoráveis. Teve um agricultor, o senhor Max Erno Dockhorn, que criou o terraço de base larga em nível, que se-ria um terraço de retenção, mas que não eram os ditos murundus, que na época também ficaram famosos, importados que foram, na sua gênese, na sua tecnologia, do Estado do Paraná. Hoje, se fala em Agroecologia e do conhecimento local, do saber popular. Naquela época, sem termos essas referências teóricas, nós estávamos valorizando estes saberes também. Porque é impossível al-guém não notar quando um agricultor tem na sua capacidade essa potencialidade de partici-par, quer dizer, existe uma grande importância da pesquisa científica agronômica, isso eu não tenho dúvida, e seguiremos assim dependentes e ao mesmo tempo tendo essa necessidade, mas isso não nos impede de reconhecer a grande ca-pacidade que têm os agricultores de contribuir. Então, naquele período que eu fiquei lá como agente municipal em Três Passos, foram quase oito anos, isso eu acho que eu aprendi bastan-te. Eu saí pronto, porque dali tive um passo se-

guinte, que foi quando fui convidado a fazer o Mestrado em Extensão Rural na Universidade Federal de Santa Maria. Eu fui o primeiro ex-tensionista da Emater/RS a fazer o Mestrado em Extensão Rural na UFSM. Eu soube depois, pela gerência regional de Santa Rosa, que eu es-tava indo quase como um reconhecimento pelo trabalho feito, porque houve um leque grande de trabalhos que fizemos lá. Em termos de asso-ciativismo, porque eram pequenos agricultores, então, eram necessárias associações para com-pra de máquinas coletivas, grupos para trocas de experiências, trabalhos de mutirão para fazer conservação de solo em áreas de taipa de pedra, etc., a ênfase na produtividade, evidentemente que nós fizemos muito, fazia parte de todas as políticas da empresa, especialmente no milho, que era uma necessidade porque era um municí-pio que produzia muitos suínos - era o maior pro-dutor de suínos no Rio Grande do Sul. Também trabalhamos com alimentação alternativa, como mandioca, cana-de-açúcar, para reduzir custos em produtos mais caros na época, como o próprio milho. Trabalhos na área de proteção ambiental, de reflorestamento, e mais todo esse trabalho, já conhecido amplamente, na área de bem-estar social. Eu tinha uma equipe muito competente e comprometida com o trabalho e isso foi uma forma de dar uma visibilidade ao trabalho. Evi-dentemente que, até aquele momento, não tinha nenhuma vinculação maior com o enfoque agro-ecológico porque nós atuávamos muito ainda sob o prisma tecnológico, embora já reconhecendo que tinha uma dimensão social muito presente e também ambiental, mas ainda assim tínhamos uma perspectiva mais tecnológica.

Como extensionista, Costabeber começou suas atividades no escritório municipal da Emater de Três Passos

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Agroecologia - Quando tu fizeste o Mes-trado, no final dos anos 1980, tu pesquisas-te qual tema?

Eu vim para fazer um estudo em extensão ru-ral, e fiz. Só que, com essa base que eu tinha, com essa perspectiva, embora até inconscientemente, eu cheguei a Santa Maria e conheci o professor Gustavo Martin Quesada, que já naquela época tinha uma leitura e estava estudando a questão energética na agricultura, dentro do tema meio ambiente e aí, nos primeiros dias, nas primeiras semanas de trabalho, nós já definimos um pro-jeto. Hoje eu classifico a minha dissertação de Mestrado como uma dissertação que foi essen-cialmente em Agroecologia e Economia Ecológi-ca, dois termos que eu nem conhecia na época e que praticamente nem havia publicação aqui ainda sobre isso. O tema da minha dissertação foi eficiência energética e processos de produção em pequenas propriedades rurais. Então, eu vin-culei o tema das pequenas unidades de produção e a preocupação foi encontrar outra medida para avaliar os resultados da modernização da agri-cultura. E essa medida eu optei pela caloria, que é uma moeda da Ecologia. Eu não optei pela me-dida monetária econômica clássica. E tentei veri-ficar como era o comportamento energético, das transformações energéticas dentro da proprie-dade rural em função dos processos de produção utilizados. Só para dar um exemplo, é comparar os fluxos energéticos de uma propriedade quando ela tem monocultura e quando ela tem diversi-ficação de cultura. Ou quando ela tem uma ra-cionalidade tipicamente capitalista ou se ela res-gata, mantém ou incorpora alguns elementos da racionalidade camponesa, como hoje está presen-te no enfoque agroecológico. Eu associei isso à os-cilação ou à sazonalidade da mão de obra familiar ocupada, ou na monocultura ou na diversificação, ou em uma propriedade mais tecnificada ou em uma menos tecnificada. Por isso que eu classifico a dissertação dentro da extensão rural, mas com enfoque agroecológico e com os preceitos que hoje se conhecem, da Economia Ecológica, que diz que alguns valores ou bens da natureza têm valor, mas não têm preço. A agrobiodiversidade mes-mo, qual é o preço da agrobiodiversidade? Ela

tem um valor porque ela representa opções de fu-turo para a humanidade. Então, foi isso, minha trajetória como extensionista, com uma particu-laridade que eu aprendi a reconhecer certas coi-sas para ir ao Mestrado, foi um achado. E isso me favorece, porque acho que tenho mais facilidade para compreender o conceito de sustentabilidade que veio logo em seguida, em 1987, quando sur-giu o conceito de desenvolvimento sustentável a partir do Relatório Brundtland.

Agroecologia - E dez anos depois foste fa-zer o Doutorado na Espanha.

Na verdade, foi logo após o Mestrado, que foi longo, já que na época as poucas opções de Douto-rado faziam com que as universidades mantives-sem os alunos por mais tempo. Na minha época, o Mestrado era para três anos ou mais. Eu ter-minei o Mestrado em 1989 e entrei no Doutora-do cinco anos depois. Nesses cinco anos, eu fiquei aqui na região de Santa Maria, trabalhando como supervisor no escritório regional da Emater/RS e, na época, eu tive a felicidade de seguir sendo um assessor de equipes, um supervisor, indepen-dentemente da denominação que a função sofreu, mas eu segui em áreas de agricultura familiar, de pequeno porte, na região da Quarta Colônia. Eu segui com aquela preocupação, segui com aquela leitura, próximo da UFSM, onde eu podia manter o intercâmbio de colaborar também nos debates. Outros colegas depois seguiram na UFSM fazen-do esse trabalho da energética em agroecossis-temas, que foi o que eu estudei. Em 1994, para ingressar no Doutorado, depois da seleção inter-na, fui procurar vaga naquelas áreas onde eu me sentia mais à vontade: estudar extensão rural, desenvolvimento rural, mas em uma perspectiva que incorporasse, além da dimensão econômica clássica, aquelas dimensões que fazem parte da interpretação ou da abordagem do desenvolvi-mento sustentável ou da sustentabilidade. Então, eu busquei cursos que tivessem uma preocupação com o enfoque social e, também, ambiental, por-que na época já não tinha mais como negar que os nossos processos de produção têm um impacto muito forte no meio ambiente e já não é possível seguir definindo como românticas aquelas pesso-

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as que têm essa sensibilidade. Nós sabemos que qualquer impacto ambiental tem repercussões econômicas, isso é inerente, não há como desvin-cular desenvolvimento de proteção ambiental. A rigor, não são incompatíveis porque, se o desen-volvimento não levar em conta as questões am-bientais, ele já não é desenvolvimento.

Agroecologia - Foram quantos anos dedi-cados à extensão rural?

Desde que eu entrei na Emater/RS e saí, fo-ram 31 anos. E aí eu saí para a universidade. Foi uma opção minha. Faltavam quatro anos para completar os 35 anos de serviço. Eu optei pela UFSM, sem haver ou criar nenhum problema com a Emater/RS ... foi uma decisão livre de pen-sar que eu queria experimentar fazer uma coisa diferente, fazer o que eu já fazia, mas em um ou-tro contexto. Foi uma vontade que tive de contri-buir em outro espaço, mas sem perder a minha história, sem perder essa experiência e aquela orientação teórica, metodológica e prática que foi construída nestes 31 anos em um ambiente de muito aprendizado.

Agroecologia - Como tu avalias a con-tribuição dos estudos acadêmicos para a Agroecologia?

Eu acho que ainda temos que manter a expec-tativa de que nós vamos ter uma contribuição muito maior, mas também nós temos que reco-nhecer que existe toda uma dinâmica na qual as pesquisas, os grupos consolidados e as fontes de financiamento seguem dando uma valoriza-

ção especial àquilo que a gente chama de mode-lo hegemônico de agricultura. Mas eu até seria contraditório se não reconhecesse um papel im-portante da universidade, da pesquisa acadêmi-ca para o avanço do enfoque agroecológico. Em todas as ocasiões em que eu pude aprender, hou-ve a associação com a observação prática daquilo que os agricultores sabem fazer, reconhecendo a importância do saber dos agricultores, da sua base de conhecimento prático, e isso é funda-mental e foi abandonado em grande medida no processo de divulgação, de difusão da agricultu-ra moderna. Eu reconheço isso, mas reconheço também a importância da universidade, dos centros de pesquisa. Nas ocasiões em que eu saí do trabalho para me reciclar, seja no Mestrado ou no Doutorado, foi na universidade que eu fui buscar conhecimentos. Eu sigo ainda estimulan-do as pessoas que querem fazer cursos de pós--graduação que procurem bons programas. Eu duvido que não exista algum centro universitá-rio que não tenha boas pessoas trabalhando com o enfoque agroecológico, cada um dentro da sua área. Não posso esperar agora que cada um vista uma camiseta onde está escrito “Agroecologia”. Tem o pessoal dos solos, da fitotecnia, das ciên-cias florestais, nos diversos campos tem gente trabalhando com o enfoque agroecológico, dentro da sua área, porque essa é uma área transdisci-plinar, onde mantemos uma expectativa de uma grande contribuição.

Agroecologia - Em uma revisão biblio-gráfica na área da Agroecologia, quais são os nomes que não podem ser esquecidos por um pesquisador da área?

O trabalho na extensão rural incluía as capacitações técnicas e o trabalho com armadilhas luminosas na lavoura de soja

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Essa é uma questão complicada porque são muitos os nomes, e aí há uma tendência de a gente identificar aqueles que reconhecemos como agroecólogos, porque escreveram sobre Agroe-cologia, tem um livro com o título Agroecologia. Mas têm outros muitos. Entre aqueles que têm trabalhos específicos na Agroecologia, contri-buindo para a ciência agroecológica, eu me lem-bro assim entre os que contribuíram bastante e foram pioneiros, com coragem de se manifestar em um período anterior. Partindo da Espanha, eu cito o Eduardo Sevilla Guzmán, mais no cam-po da Sociologia, também o Stephen Gliessman e o Miguel Altieri, ambos da Universidade da Ca-lifórnia, o Manuel Gonzalez de Molina, também da Espanha, o Enrique Leff, da área de Educação Ambiental do Programa das Nações Unidas, o Victor Toledo, do México. Ou seja, aquelas pes-soas que usam a Agroecologia, o nome Agroecolo-gia em seus trabalhos. E existem aqueles outros que dão uma contribuição fundamental, embora na sua área não utilizem a palavra. Um exemplo é o Joan Martínez Alier, que trata a respeito da Economia Ecológica, em Barcelona. É Economia Ecológica a sua área, mas a Agroecologia traz esta disciplina para dentro do seu marco teórico porque, do ponto de vista da análise da sustenta-bilidade, temos que fazer a medição energética, dos fluxos energéticos, para ver se estamos indo para uma direção contrária à sustentabilidade ou se estamos favorecendo a sustentabilidade. Os autores que trabalharam com as metodolo-gias participativas, não necessariamente com a palavra Agroecologia metida aí no meio, mas com o enfoque agroecológico, na sua gênese, na sua essência, dizem que uma agricultura sustentável parte de um diálogo, de uma relação horizontal de técnicos, de pesquisadores com os agricultores, então também temos que ter uma presunção de que o diálogo parte de uma outra forma de rela-ção do extensionista com o agricultor. Pelo estudo das metodologias participativas, podemos buscar isso lá no Paulo Freire e dizer que tem uma enor-me contribuição. Em cada área, vamos encon-trar pessoas, que eu não vou ter agora na minha mente o nome da pessoa, vinculadas ao enfoque agroecológico, da palavra Agroecologia, mas que a sua contribuição a fortalece. Isso acontece nos

estudos camponeses, nos estudos sobre as racio-nalidades ecológicas dos camponeses, e isso tudo foi criando um caldo de cultura em que, hoje, em muitos países, aqui no Brasil mesmo, tem muita gente que não poderia ser desconsiderada da con-tribuição ao enfoque agroecológico e que foram tendo uma formação porque beberam de muitas fontes, porque aprenderam com muita gente, porque foram recriando a sua base de conheci-mento, ou readequando, reordenando, a partir de algumas evidências que vamos tendo de que o ca-minho para a sustentabilidade, para os processos de desenvolvimento sustentável deverão ser di-ferentes daqueles que estão sendo tomados hoje, dado que os processos de produção, não todos, mas muitos, se baseiam em energias não reno-váveis e no consumo de recursos finitos além dos seus limites, da perda da agrobiodiversidade, da perda da cultura das comunidades, do aumento da escala de produção que acaba excluindo muita gente. E para encerrar, cito dois autores brasilei-ros importantes, que são Ana Maria Primavesi e José Lutzenberger, tanto pela profundidade de suas contribuições ao enfoque agroecológico como pela precocidade de suas ideias.

Agroecologia - A ação extensionista pode se perder muitas vezes devido à ausência da sistematização de experiências, seja em Agroecologia ou em outras áreas? Qual a importância desse registro?

Pois a Emater/RS teve essa experiência muito rica também. Isso é coisa de dez anos para cá, ou mais. A ideia de fazer o registro das experiências. Porque não há dúvida de que se perde muito da história e isso é lamentável. Quem está traba-lhando no campo tem a preocupação de produzir no sentido de realizar o seu trabalho e segue re-alizando e sempre tem alguma coisa a mais para fazer no dia de amanhã. E nós também somos cobrados nessa dinâmica. E é uma pena porque muita coisa do que se faz acaba se esquecendo. Ou o extensionista também se aposenta, sai de cena e leva na sua memória muitas coisas que foram feitas e evidentemente tem um sentido histórico nessas coisas, que é bom fazer, e tem muito um sentido prático, funcional, se quere-

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mos acompanhar, registrar uma experiência porque ela é positiva, porque ela pode ser uma referência, me facilita eu replicar uma experiên-cia dessas em outro local, ou com outro público, ou estudá-la, ou adaptá-la em outra circunstân-cia. A sistematização de experiências, do meu ponto de vista, se justifica justamente por isso: primeiro, por uma intenção histórica do registro e, segundo, pela sua facilidade de colocar essa experiência para apreciação dos demais e para ela também ser criticada. No momento em que fazemos, escrevemos, registramos, fotografamos ou filmamos, nós também estamos colocando à disposição dos outros que façam a sua crítica, no sentido de melhorá-la ou até de condená-la, se ela não foi tão adequada assim. Isso teria que se in-corporar em alguma medida, sabemos que isso é difícil, já que as pessoas trabalham sempre além do seu limite muitas vezes, mas dar esse tempo para uma avaliação, para uma análise do que fazemos, olhar para aquilo que estamos fazendo e nós mesmos termos espírito crítico, uma visão crítica de olhar os defeitos daquilo que estamos fazendo. Porque há uma tendência de valorizar aquilo que nós fazemos, pelo próprio esforço des-pendido. Nós não gostamos de ser criticados por isso porque, quando fazemos, fazemos com boa vontade, então, às vezes, não aceitamos a críti-ca. O exercício de olhar para aquilo que fazemos é positivo nesse sentido, de nós mesmos poder-mos participar da crítica. Isso quando se faz a sistematização, se bem orientada, nós temos essa condição de fazer. Então, isso é perigoso... escrever sobre o trabalho que fizemos. Por isso, se nós tivermos uma formação de só realçar as bondades, as coisas boas, nós ficamos cegos para

aquilo que não andou bem. Essa é uma tendên-cia. Por isso que a sistematização é importante quando mais gente participa da sua elaboração, chamando gente de fora, inclusive, para ver com outros olhos. Hoje, sim, existem algumas iniciativas da própria Associação Brasileira de Agroecologia, junto com a Articulação Nacio-nal de Agroecologia, que tem o Agroecologia em Rede, onde se registram experiências em Agro-ecologia, pesquisas em Agroecologia. Registrar, colocar à disposição para que seja uma fonte de consumo, porque uma pergunta que sempre se faz: onde estão as experiências boas? Elas estão espalhadas. Não podemos imaginar que em um único Estado ou em um único município estarão representadas todas as boas experiências... elas vão acontecendo. Existem alguns autores, como o Altieri, que falam dos “faróis agroecológicos”. É importante registrar os faróis agroecológicos. Onde tem uma experiência relevante, que está mostrando resultado, vamos observá-la, vamos estudá-la. Não é só colocá-la como uma grande referência, como a melhor ou como a experiência perfeita. Temos que estudá-la para ver em que pontos que ela pode ser melhorada.

Agroecologia - A Associação Brasileira de Agroecologia tem trabalhado de que forma? Como uma instância de discussões técnicas e também para discutir políticas públicas relacionadas à Agroecologia?

Na verdade, a Associação Brasileira de Agroe-cologia (ABA-Agroecologia) tem uma história lon-ga que talvez não dê para contar toda ela agora. A ABA-Agroecologia surge em fins de 2004, du-

Terras pouco favoráveis para a meca Terras pouco favoráveis para a meca Terras pouco favoráveis para a Terras pouco favoráveis pgmeca Do trabalho na Emater/RS, Costabeber rumou para os cursos de Mestrado e Doutorado na Universidade Federal de Santa Maria e na Universidade de Córdoba, na Espanha

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rante a realização de uma assembleia específica para sua criação, se não me engano, foi no dia 23 de novembro de 2004, e isso foi durante o segundo Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizado em Porto Alegre. A discussão sobre a criação de uma associação de caráter técnico-científico e cul-tural no campo da Agroecologia já vinha fazendo parte dos nossos debates, tanto pelos colegas do Rio Grande do Sul como de outros Estados do Brasil, desde 1999, quando se realizou o primeiro seminário estadual sobre Agroecologia em uma promoção capitaneada pela Emater/RS e diver-sas instituições, tanto nos campos governamental como não governamental, institutos de pesquisa, universidades, organizações de agricultores. Em 2000, além do segundo seminário estadual, tam-bém tivemos o primeiro seminário internacional sobre Agroecologia. Então já existia essa preocu-pação discutida em todos esses eventos de termos uma associação. E a ABA-Agroecologia tem uma preocupação que vai além da técnica. Costuma-mos dizer que o enfoque tecnológico, do ponto de vista da Agroecologia, leva em conta não apenas os elementos biofísicos presentes na natureza. Elementos culturais, de clima, circunstâncias

econômicas dos agricultores e restrições ambien-tais também são levados em conta. A tecnologia tem a ver também com os processos políticos, com a base cultural das comunidades. A tecno-logia teria que responder às opções éticas que fa-zem uma sociedade. Hoje, quando se fala em so-berania alimentar, o que isso significa? O direito a todas as pessoas a uma alimentação saudável com quantidade, qualidade e por todo o tempo. Então, a tecnologia é muito presente no enfoque agroecológico, mas se reconhece que algumas tec-nologias, hoje em uso, atacam a sustentabilida-de, elas não permitem que possamos visualizar uma agricultura que perdure através do tempo se seguirmos usando cada vez mais agrotóxicos, que são substâncias que afetam o meio ambiente como um todo e a saúde das pessoas. A tecnologia está dentro desse contexto social, econômico, cul-tural, ambiental. Ela tem que ter essa adaptação quanto às questões socioeconômicas, elementos biofísicos, geográficos. O desenvolvimento não se alcança apenas mediante mudanças técnicas. Hoje reconhecemos que, do ponto de vista técni-co, a agricultura avançou muito. São grandes e crescentes os aumentos de produtividade verifi-cados e isso não está em questionamento. O que está em questionamento é por quanto tempo isso pode ser mantido. Se a nossa base tecnológica está alicerçada em recursos energéticos não re-nováveis, se nós seguirmos depredando a agro-biodiversidade de uma maneira geral, se a nossa escala de produção está cada vez maior, cada vez mais dispendiosa de capital - o que exclui muitos agricultores -, então, essa é a discussão também. E aí, voltando à pergunta, digo que dentro da As-sociação temos o objetivo, além de aproximar os profissionais que trabalham com Agroecologia, de dar uma maior interação, de potencializar essa velocidade da produção do conhecimento agroecológico, de discutir grandes temas presen-tes na agricultura, como o tema dos agrotóxicos. Nós queremos incluir a discussão da produção de políticas públicas adequadas, porque sabemos que os avanços esperados dependem de políticas. Nós não podemos deixar apenas que os agriculto-res por si só assumam os riscos, as dificuldades e os entraves para fazer uma transição agroecoló-gica. É preciso que existam incentivos também:

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15Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 5-16, set./dez., 2012.

do Estado, do governo. Por isso, sim, a Associa-ção Brasileira de Agroecologia tem assento em vários ambientes para discutir a construção de políticas. A Associação Brasileira de Agroecolo-gia está presente, hoje, no Fórum Permanente de Agroecologia da Embrapa, nós fazemos parte da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, nós temos uma parceria forte com a Articulação Nacional de Agroecologia, os sócios da Associação Brasileira de Agroecologia são, automaticamente, mediante convênio, associa-dos da Sociedade Científica Latino Americana de Agroecologia, então, nós estamos presentes em vários espaços, mantendo uma interação com ou-tras entidades, conselhos nacionais que têm uma perspectiva similar, que sem usar muitas vezes a expressão Agroecologia estão trabalhando em uma linha que conduz a resultados similares, nessa busca do grande primeiro princípio que é o da soberania alimentar e nutricional sustentá-vel. A palavra sustentável, ela é quase mágica, porque remete a uma perspectiva de futuro, e é disso que estamos falando. Não vamos falar em curto prazo, sempre temos que ter a perspectiva de médio e longo prazo porque, do contrário, nós perdemos no primeiro debate.

Agroecologia - Nessa medida, os congres-sos e os seminários são diálogos entre pa-res? De que maneira esses espaços estão atuando para contribuir nos avanços da Agroecologia?

A Associação Brasileira de Agroecologia, além de ter sido criada em um momento em que os profissionais que se reuniam muito durante

seminários e congressos em Porto Alegre, per-ceberam a necessidade de ter uma associação para aproximá-los e dar força nessa tarefa, ela também surgiu de uma decisão importante de fazer o congresso circular pelo Brasil, porque o Congresso Brasileiro de Agroecologia surgiu no Rio Grande do Sul, tendo duas instituições de referência na sua realização, a Emater/RS e a Embrapa Clima Temperado. E é evidente que se associaram outras instituições do Rio Grande do Sul, e com um leque grande de entidades e ins-tituições que promoviam o evento, ficou decidi-do que, a partir de 2005, o congresso sairia, mas para isso precisava de uma associação, como é a Associação Brasileira de Agroecologia, que lhe desse a mão e que lhe desse a orientação teórico--metodológica. Seria um risco largar o congresso de qualquer jeito, sem ter essa orientação. Então, a Associação Brasileira de Agroecologia foi cria-da e, por delegação da plenária na época e com a anuência dos dirigentes da Emater/RS e da Embrapa, a partir daquele momento, ficou res-ponsável para promover o congresso em outros Estados do país. Essa foi uma justificativa muito importante para a criação da Associação Brasi-leira de Agroecologia. Eu digo até hoje, de brin-cadeira, que a Copa do Mundo de Futebol está para a Fifa assim como o Congresso Brasileiro de Agroecologia está para a Associação Brasileira de Agroecologia. É evidente que hoje se expandi-ram os eventos, o congresso hoje é o maior even-to científico do campo da Agroecologia no Brasil. Eu não sei qual é o outro evento em Agricultura e Desenvolvimento Rural que reúne 4 mil pesso-as durante três dias. Os avanços foram enormes. No primeiro congresso, recebemos pouco menos

Terras pouco favoráveis para a meca Terras pouco favoráveis para a meca Terras pouco favoráveis para a Terras pouco favoráveis pgmeca Em Porto Alegre, durante a realização dos Seminários Internacional e Estadual de Agroecologia

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de 400 resumos expandidos, trabalhos científicos submetidos para apresentação. No último con-gresso, em 2011, em Fortaleza, foram quase 1,6 mil trabalhos científicos submetidos. Nós não te-mos uma avaliação precisa, mas percebemos que está havendo uma qualificação dos trabalhos apresentados. Cada vez mais nós estamos aper-feiçoando o foco no enfoque agroecológico. Além disso, são muitos os Estados, hoje, que realizam os seus seminários estaduais de Agroecologia e também os seus congressos estaduais. O ideal é que tudo isso passasse por uma maior base de di-álogo, de interação, mas, por outro lado, também é positivo porque cada Estado, cada região do país, adapta os seus eventos, os seus enfoques, às suas necessidades. A Associação Brasileira também tem, dentro do seu leque de opções de apoiar a divulgação do conhecimento científico agroecológico, dois grandes veículos: a Revista Brasileira de Agroecologia, criada em 2006 para facilitar que pessoas do Brasil e do mundo todo possam baixar os artigos, e também os Cadernos de Agroecologia, porque os resumos expandidos dos congressos foram primeiramente colocados em CD ou na revista, mas, para não misturar, deixamos a revista só para artigos completos e os cadernos para os trabalhos aceitos e apresenta-dos nos congressos. Além disso, alguns Estados pediram para publicar os resumos dos seus se-minários nos cadernos, o que nos interessa, des-de que a Associação Brasileira de Agroecologia tenha estado presente como articuladora, como promotora ou apoiadora daquele evento que pede o registro de seus trabalhos nos nossos cadernos. A Associação, portanto, não está dissociada do congresso e vamos agora para a oitava edição. Isso não é suficiente para a socialização, para o compartilhamento das inovações técnicas, me-todológicas, conceituais, tudo isso nos requereu estabelecer mecanismos de divulgação, no caso dos periódicos, e também, nessa dimensão mais social, de se associar com a Articulação Nacional de Agroecologia para consolidar o Agroecologia em Rede para registrar experiências, pesquisas.

Agroecologia - Falando um pouco mais sobre políticas públicas e Agroecologia, po-demos lembrar, por exemplo, que o Brasil é

agora o primeiro colocado no uso de agro-tóxicos. Ao mesmo tempo, se tem um gover-no federal com um ministério específico para o Desenvolvimento Rural, com pro-gramas de fomento à agricultura familiar e também à Agroecologia. Como tu analisas esse cenário nacional da atualidade?

É uma coisa complicada e bem contraditória, mas que é compreensível e não surpreende nada. Do ponto de vista agroecológico, têm sido muito boas as conquistas nos últimos anos. A socieda-de está cada vez mais inserida nos debates dos temas sociais e ambientais. Não tem como fugir disso, tanto em nível dos países europeus, dos Estados Unidos, aqui do Brasil também. Às ve-zes, nos colocamos por último, mas nós estamos avançando nessa comparação. Isso é uma coisa boa. Tudo o que já falamos aqui da Agroecolo-gia, dos seus avanços, da Associação Brasileira de Agroecologia, dos congressos, dos eventos, da participação dos Estados. Pouca gente sabe que já temos, segundo um levantamento preliminar de associados da ABA-Agroecologia, mais de cem cursos técnicos, superiores ou de programas de pós-graduação com o nome Agroecologia ou, pelo menos, que adotam o enfoque agroecológico. Isso é significante. Só cursos de nível médio profis-sionalizante em Agroecologia são 30 ou mais. Muitas organizações de agricultores estão sendo criadas para oferecer produtos com melhor qua-lidade para os consumidores, o que chamamos de “os circuitos curtos de mercadoria”: feiras, produção de alimentos para merenda escolar, cooperativas. Isso é inegável. É inegável que existem muitos outros tipos de associações, como a ABA-Agroecologia, com especificidades na sua dinâmica, movimentos sociais que estão empe-nhados em fazer a defesa do enfoque agroecoló-gico. Nós estamos indo bem, nós não temos do que duvidar de que é o resultado de uma série de iniciativas de muitos anos, de muita gente, não dá para encontrar alguém e dizer: esse aqui é o protagonista. Tudo é fruto de uma constru-ção coletiva. Por outro lado, talvez seja um dos momentos em que a dita agricultura do modelo hegemônico nunca esteve tão forte. Pode-se di-zer que a Revolução Verde nunca foi tão verde

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como agora. Toda uma pressão, inclusive sobre o Código Florestal, para reduzir as áreas com co-bertura, quer dizer, é uma pressão grande para a produção de mercadoria, de uma agricultura produtora de mercadoria, monocultura de gran-des extensões. Então, nós vivemos esse processo contraditório. Por um lado, a compreensão dos elementos sociais, das dinâmicas sociais, das limitações ambientais e, ao mesmo tempo, nós vemos crescer um lado que vai contra isso. Eu não tenho a mínima condição de dizer até quan-do isso permanecerá. Por isso é que o enfoque agroecológico e aqueles que estudam e defendem a bandeira da Agroecologia têm como referên-cia de futuro o conceito de sustentabilidade. Aí de novo nos metemos em outro emaranhado. O conceito de sustentabilidade surge para mostrar que não podemos seguir medindo ou avaliando os nossos sucessos e fracassos de uma maneira unidimensional. Sustentabilidade não se mede e não se aborda apenas na perspectiva econômica. Tem que levar em conta, pelo menos, o tripé: so-ciedade, ambiente e economia. Além desses três elementos, a sustentabilidade contempla as di-mensões cultural e política e uma dimensão ética que está sobre todas as demais. Mas nós teima-mos e, hoje, está se falando em sustentabilidade, desgastando um conceito bonito, um conceito de futuro, uma referência, e de novo se trata a sus-tentabilidade no sentido unidimensional. Então, aquilo que parece vantajoso financeiramente ou que rende lucro passa a ser sustentável, sem le-var em conta outros elementos. Eu acho que aí está o grande desafio: definirmos que rumo to-mar. Não será possível manter essa dinâmica. Existem alguns autores que falam claramente

isso, que não é possível compatibilizar desenvol-vimento com expansão do consumo. A expansão do consumo de uma maneira indefinida atenta contra a sustentabilidade, portanto, atenta con-tra o desenvolvimento. É uma equação que, em algum momento da História, a humanidade vai ter que enfrentar. Talvez esse período não esteja tão longe porque os cálculos da pegada ecológi-ca, que é uma ferramenta de medida do impacto ecológico humano, mostram que nós já estamos consumindo, anualmente, o que seria 1,5 vezes a capacidade planetária. Isso significa que esta-mos consumindo cinquenta por cento a mais do que aquilo que o planeta poderia nos fornecer. Teríamos que esperar um tempo para recupera-ção. E isso é uma tendência crescente. Então, é evidente que nós estamos caminhando para um mundo insustentável nessa perspectiva.

Agroecologia - Qual a tua recomendação para os extensionistas que estão começan-do, quando o assunto é Agroecologia?

Primeiro, os extensionistas têm um senti-mento e uma formação técnica sempre muito presentes, e isso é importante. O enfoque agro-ecológico não abre mão do progresso técnico, do avanço do conhecimento científico, da produção e do conhecimento válido que consiga articular as dimensões econômica, social e ambiental. Nós, na nossa natureza, ficamos sempre maravilha-dos com os avanços da produtividade, avanços que continuarão sendo necessários por conta de que a população também segue aumentando. É comum, às vezes, alguém condenar o enfoque agroecológico como se o enfoque agroecológico

Com agroecólogos: Stephen Gliessman, Miguel Altieri, Eduardo Sevilla Guzmán, Francisco Roberto Caporal e Clara Nicholls, entre outros. Na foto da direita com Ana Maria Primavesi

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estivesse contra os aumentos de produtividade, o que não é verdade. De imediato, nós temos aí duas palavras que são fundamentais nesse de-bate, e o extensionista pode superar isso tendo sempre aquela disposição de estudar, ele é um agente de mudança, portanto, ele tem que es-tar atento para que não fique pensando que a mudança é só para os outros, mas para ele tam-bém, do contrário, ele não terá capacidade de ser agente de mudança, se não faz ele próprio uma autocrítica da sua forma de conceber o mundo e de superar os seus desafios. Então, temos duas palavras de início. Produtividade: sim, vamos se-guir perseguindo os aumentos de produtividade, aquela que nos interessa, mais na perspectiva da otimização, uma produtividade em que consiga-mos manter através do tempo. Seria quase uma corrida, falo isso mais como analogia, comparar alguém que tem que fazer uma corrida de 100 metros ou uma maratona de 42 quilômetros. As estratégias são diferentes. Fazemos uma explo-são energética para correr os 100 metros, nem que depois tenhamos que cair desmaiados, mas a meta é percorrer os 100 metros em grande ve-locidade. É diferente de ter que percorrer 42 qui-lômetros. Nem precisamos andar na frente, mas podemos chegar primeiro. Nessa comparação o que importa não é quem vai chegar primeiro, mas quem vai poder ir mais longe. A produtivi-dade tem que ser rica na perspectiva da otimi-zação, de ser produtivo, mas algo que possa ser mantido, continuado. Não nos interessa ter uma elevada produtividade hoje e um colapso ama-nhã. E aí está o conceito de sustentabilidade. A produtividade vem em primeiro, que é para o extensionista ter claro que não está dispensado

o esforço de melhorar os índices de rendimento. A segunda palavra é a sustentabilidade, que é a nossa referência de futuro, no sentido da lon-gevidade, o quanto longe podemos ir. O mundo não acaba na nossa geração, como não acabou na geração anterior. A produção de alimentos, a qualidade de vida, a dignidade das pessoas e a prosperidade econômica são para todos que vêm pela frente. A sustentabilidade é a medida da longevidade. Por isso ela não pode ser reduzida a uma dimensão econômica, financeira. O merca-do não atende aos pressupostos da sustentabili-dade. E eu agregaria ainda uma terceira palavra que dá a dimensão social: a equidade. Temos en-tão a produtividade no sentido econômico, a sus-tentabilidade no sentido do que o ambiente nos proporciona para ir longe, e a equidade, uma pa-lavra bonita e que tem a ver com a distribuição, ou seja, responde para o que vão servir os nossos esforços. A equidade está presente no conceito de sustentabilidade. É como se distribuem os custos e as oportunidades. E a equação se torna mais difícil porque, quando falamos em equidade, dis-tribuição de custos e benefícios, temos que pen-sar nas gerações presentes e também naquelas que vêm depois. Por isso que o fechamento da equação é com a dimensão ética, a solidarieda-de entre as gerações do presente e as gerações do futuro. Não há como desvincular a dimensão temporal e o desenvolvimento necessariamente terá que levar em conta pelo menos estas três palavras: produtividade, sustentabilidade e equidade, que têm a ver com a otimização dos rendimentos, com a longevidade dos processos sociais e com a distribuição dos custos e oportu-nidades das sociedades humanas.

Costabeber foi um dos idealizadores, em parceria com outros atores, dos Seminários internacional e estadual de Agroecologia, Congresso Brasileiro de Agroecologia e, também, da Associação Brasileira de Agroecologia

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1919Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 17-27, set./dez., 2012.

MACHADO, Ricardo Lopes 1, BALEM, Tatiana Aparecida 2

ResumoEsse trabalho descreve a implantação de proje-tos de produção de leite à pasto sob sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV) em proprieda-des de agricultores familiares do município de Santa Maria-RS. Esse processo é resultado da atuação da Emater/RS no município e tem por objetivo criar um referencial tecnológico de pro-dução de leite sustentável, comprovando a pos-sibilidade de se promover a reprodução social de agricultores familiares. O trabalho apresenta o processo em construção e alguns resultados ob-tidos desde a implantação em 2011, e demonstra que através do PRV é possível garantir a renda necessária aos agricultores envolvidos e instau-rar a transição agroecológica nas propriedades.

Transição Agroecológica de Sistemas de Produção de Leite: uso do Pastoreio Racional Voisin (PRV)

em Santa Maria/RS/Brasil

1 Médico Veterinário, Extensionista de Nível Superior da Emater/RS. E-mail: [email protected].

2 Eng. Agrônoma, Doutoranda em Extensão Rural pela UFSM, Prof. do IFFarroupilha campus Júlio de Castilhos.

E-mail: [email protected].

Palavras-chave: Sistemas de produção de leite. Agricultura familiar. Transição agroecológica.

AbstractThis paper describes the implantation of pro-jects milk production on pasture grazing system under Rational Voisin (PRV) on family farms in the municipality of Santa Maria-RS. This pro-cess is a result of the performance of Emater/RS in the city and aims to create a technologi-cal framework of sustainable milk production, proving the possibility of promoting the social reproduction of family farmers. The paper pre-sents the process in construction and some re-sults obtained since the implantation 2011, and demonstrate that the PRV can ensure the ne-cessary income to farmers involved and imple-ment agroecological transition in the properties.

Keywords: Dairy system production. Family agriculture. Agroecological transition.

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2020Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 17-27, set./dez., 2012.

1 A PRODUÇÃO DE LEITE NO BRASIL, NO RS E NO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA O panorama mundial do leite abre possi-

bilidades de ampliação da bacia leiteira de países como o Brasil, de economia emergente e com clima favorável e área agrícola dispo-nível. De acordo com Siqueira et al. (2012) apesar do comércio internacional de lácteos representar apenas 7-8% do total de leite produzido no mundo, este volume vem cres-cendo ao longo dos anos. Segundo os autores, em 2011 quase 80% do leite em pó integral e 50% do leite em pó desnatado produzido cruzaram as fronteiras do país de origem. Si-queira et al. (2012) afirmam que o comércio mundial tem crescido em maior proporção que a produção de leite.

Siqueira et al. (2012) afirmam que há pre-visão de investimento de 650 milhões de dó-lares em plantas industriais de secagem e desidratação de leite (principais produtos lác-teos de exportação) na América do Sul, prin-cipalmente no Brasil e na Argentina, o que abre possibilidades de ampliação da produção e garantia de comercialização para os agri-cultores. Segundo o Ministério do Desenvol-vimento Agrário, no Brasil, 82% dos estabe-lecimentos produtores se utilizam de mão de obra familiar, sendo responsáveis por 58% do leite produzido (BRASIL, 2009). No cenário Brasileiro, a região sul aparece em evidência, pois possui predomínio de pequenas proprie-dades com mão de obra familiar, o que torna a atividade competitiva e especializada. No período de 2000 a 2010 a produção de leite do RS vem crescendo a uma taxa de 5,69% ao ano, explicada pelo crescimento do número de vacas ordenhadas e pela maior produtividade anual, sendo que em 2010, o Estado teve a se-gunda maior produtividade de leite do Brasil (2.429 litros), ligeiramente atrás de Santa Ca-tarina (2.431 litros/vaca) (MARION FILHO; REICHERT; SCHUMACHER, 2012). Segun-do a Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado do RS (SDR), o Estado é o segundo maior produtor de leite do país, com mais de 3,3 bilhões de litros anuais, significando 12%

da produção nacional, ficando atrás somente de Minas Gerais. São produzidos diariamente no RS em torno de 9,5 milhões de litros de leite o que está muito abaixo da capacidade de processamento do parque industrial do Es-tado, que é de 16 milhões de litros/dia. (RIO GRANDE DO SUL, 2012).

O município de Santa Maria e a região cen-tral do RS, onde o mesmo está situado, têm na agropecuária uma importante fonte finan-ceira, e atualmente vislumbra-se na ativida-de leiteira uma ótima fonte de agregação de renda e de manutenção das pequenas e mé-dias unidades de produção familiares. O mu-nicípio possui uma população rural em torno de 12 mil habitantes e uma área agrícola de 144.000 hectares subdivididos em 2.339 esta-belecimentos agropecuários, sendo que desses 2.047 (87,5%) possuem até 100 ha, ou seja, se caracterizam predominantemente como de produção familiar (IBGE, 2006). Apresenta--se também um percentual de êxodo rural que é característico na região, principalmente re-lativo a mulheres e jovens do interior do mu-nicípio, que deixam a atividade agrícola em busca de trabalho na área urbana do municí-pio ou em outras grandes cidades.

Nesse cenário de pequenas propriedades, existe a possibilidade do desenvolvimento da bovinocultura de leite, como uma forma de agregação e geração de renda por hectare de terra trabalhado, com absorção de mão de obra, e por isso mesmo sendo uma atividade chave para a inclusão social das famílias ru-rais e para a permanência destas e dos jovens no campo. Esse trabalho é uma reflexão so-bre a importância do sistema de produção de leite, como alternativa viável de manutenção das famílias no meio rural com renda digna, além disso, discute o processo de mudança de paradigma de produção da atividade leitei-ra no município de Santa Maria/RS, ou seja, busca apresentar as potencialidades de uma produção de leite com bases ecológicas.

2 BASES METODOLÓGICAS Em função da relevância da atividade para

os agricultores do município e do lançamento do

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programa municipal PRO LEITE SM3, desen-volvido em parceria com a Secretaria de Desen-volvimento Rural do Município para incentivar e apoiar esta cadeia produtiva, o escritório mu-nicipal (EM) da Emater/RS buscou desenvolver uma proposta de trabalho com os produtores de leite do município, tendo como princípio a produção de leite com bases sustentáveis. Fo-ram realizadas reuniões nas comunidades com maior produção de leite, onde foi apresentado a proposta de desenvolver Unidades de Referên-cia em produção de leite à pasto sob sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV). Para isso começou-se a acompanhar dez propriedades em 2011, sendo que a adesão dos agricultores foi voluntária. Os gargalos da atividade leitei-ra foram diagnosticados pelo EM da Emater/RS em um diagnóstico aplicado há 43 produtores de leite no ano de 2009 e 2010. Esse trabalho apre-senta e discute os problemas levantados pelo diagnóstico, que serviram como motivador para a implantação dos projetos de PRV, assim como faz uma reflexão do processo de implantação do PRV no município. Além disso, apresenta o pro-cesso de implantação de umas das propriedades Unidade de Referência, a fim de demonstrar os avanços e as potencialidades da produção de lei-te de base ecológica.

3 A ATIVIDADE LEITEIRA NO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA/RS E O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE PASTOREIO RACIONAL VOISIN (PRV) A região central do RS, onde se localiza San-

ta Maria, apesar de ter uma condição de solo, clima e boas áreas aproveitáveis, é responsável por apenas 3,7% da produção estadual de leite, (EMATER/RS-ASCAR, 2010) o que mostra que há uma grande possibilidade de expansão da ati-vidade na região, sendo alternativa para ativida-

des como as monoculturas de soja e fumicultura, que trazem junto sérios impactos sociais e de saú-de dos trabalhadores bem como ambientais.

No final do ano de 2009 o EM da Emater de Santa Maria, realizou um levantamento de da-dos dos produtores de leite do município através de questionário próprio. Estimou-se que existam no município em torno de 90 produtores de leite, sendo que foram visitados 43 produtores, onde foi aplicado um questionário para diagnóstico e levantamento de dados produtivos e do nível de tecnificação. Alguns índices apurados mostram que a média produtiva por área e por animal era muito baixa, com índices abaixo da média esta-dual, como exemplo a média de 5,15 litros/vaca/dia ou 1.570 litros/vaca/ano. O diagnóstico aponta que em torno de 30% do leite produzido era ven-dido de forma informal, em função da facilidade de venda direta a consumidores. A venda direta aos consumidores rende aos agricultores até o do-bro praticado pelas empresas que coletam o leite à granel. Mesmo com esse alto índice de venda direta, o principal ponto negativo da atividade levantado pelos produtores do município é a des-motivação ou desistência pela baixa remunera-ção do produto final. O que infere que a atividade não rende o necessário para as famílias.

Outro fator observado no diagnóstico, é que os produtores tinham como base alimentar dos animais concentrado comercial, o que representa altos custos de produção. O sistema de produção organizado dessa forma traz margens de lucro estreitas, o que desmotiva os produtores e em parte explica a retração da bacia leiteira e dimi-nuição do número de produtores de Santa Maria nos últimos anos, em contraste com a expansão que vêm acontecendo no estado. Para exempli-ficar, um dos produtores do município visitado, possuía uma área de terra de 40 ha, com estrutu-ra física e equipamentos adequados, com 30 va-cas de raça holandesa, porém teve um prejuízo anual acumulado de R$ 4.000,00 em 2009. O sis-tema convencional de produção de leite é basea-do em pacotes tecnológicos, com intenso uso de insumos externos, sendo os maiores custos com sementes de forrageiras, medicamentos e ração.

Com o diagnóstico, ficou claro que os produto-res ao longo do tempo não investiram em pasta-

3 O programa PRO LEITE SM foi concebido pelo EM da Emater/RS e pela Secretaria de Desenvolvimento Rural da Prefeitura municipal de Santa Maria. O EM da Emater/RS, através do programa, fornece assistência técnica e extensão rural a todos os produtores de leite e a Secretaria de Desenvolvimento Rural disponibiliza sê-mem gratuitamente para os agricultores, calcário e cré-dito através do Fundo Rotativo Agropecuário Municipal.

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gens perenes, o que já está consagrado em regi-ões onde a produção de leite à base de pasto está consolidada. Os produtores tinham como base da produção: o concentrado comercial de alto custo, (alguns utilizavam silagem de milho, também de alto custo); pastagens anuais, que demandam maquinário e intenso manejo do solo e compra de sementes; e uso de adubo químico. Isso se tra-duz, em um ciclo vicioso de custos, pois quando o produtor acaba de pagar o pacote de insumos do verão, começa a pagar o pacote de inverno. Segundo Carneiro e Lana (2012) o ICPLeite/Em-brapa (índice que mede a variação no custo de leite) tem aumentado significativamente nos úl-timos anos sendo que o fator que mais contribui com esse aumento é o fornecimento de concen-trado. Em 2012 o ICPLeite/Embrapa aumentou 25,85% e comparativamente de abril de 2006 a novembro de 2012 o índice aumentou de 100 para 226,84. Esse dado demonstra necessidade de mudança nos sistemas produtivos, para que os agricultores possam continuar na atividade. Os sistemas de produção de transição agroeco-lógica com base no PRV tem mostrado que são capazes de aumentar significativamente a renda dos agricultores, através da diminuição do cus-to de produção e do aumento da produtividade, como demonstram Bruch et al. (2007).

Outro ponto de estrangulamento da atividade levantado pelo diagnóstico são os problemas sa-nitários e de qualidade do leite do rebanho. Entre os principais problemas observados poderiam ser destacados ectoparasitoses, como carrapato, e problemas infecciosos, como mamite. O PRV tem eficiente controle sobre o carrapato, pois os animais levam em torno de 50 dias para volta-rem à mesma parcela, assim as ninfas dos carra-patos já se encontram em inanição, quebrando o ciclo do parasita. Da mesma forma, o fato de os animais não pernoitarem no mesmo local todos os dias, elimina consideravelmente os focos de contaminação provocados pelo esterco e urina, que podem causar mamites. A qualidade do leite tende a melhorar nos agricultores que utilizam PRV em função da diminuição da mamite e da alta oferta de forragem e de melhor qualidade ao longo do ano, o que evitaria o Leite Instável Não Ácido (LINA), que ocorre em situações de bai-

xa oferta de forragem e alta suplementação com concentrado (BARBOSA et al., 2007). Em uma das propriedades acompanhadas a incidência de leite LINA era um problema recorrente, princi-palmente nos períodos de transição de pastagens de outono e consequente restrição alimentar de forragens verdes, o que ocasionava perdas signi-ficativas de renda em função da necessidade de descarte de leite por acidez. Após a implantação do PRV não se teve mais a ocorrência de leite LINA, nessa propriedade.

Com relação à assistência técnica e extensão rural prestada a esses produtores, os mesmos demonstravam-se temerários e relutantes em aceitar uma proposta diferenciada de tecnolo-gia. A nosso ver, isso se deve a trabalhos pre-téritos que eram iniciados, sendo que ocorria a motivação em aspectos tecnológicos isolados da atividade, o que não refletia em mudança na atividade como um todo. Outra questão funda-mental é a presença de inúmeras instituições no município e a multiplicidade de atuações no meio rural, o que resulta em ações pontuais e sem a devida continuidade. Por outro lado o EM da Emater/RS do município até então, ainda não tinha avançado no sentido de propor um sis-tema de produção de leite, adaptado a agricul-tura familiar, capaz de gerar renda o suficiente para a reprodução familiar e, ao mesmo tempo, atender às premissas do desenvolvimento sus-tentável. Apesar disto era notória, a vontade de muitos destes produtores que foram visitados de permanecerem na atividade, por gostarem da mesma e estarem dispostos a mudar o para-digma da sua matriz produtiva. O diagnóstico apontou uma grande demanda e uma razoável abertura dos produtores de leite para o traba-lho da extensão rural no município, desde que a proposta fosse construída de forma conjunta e voltada para a realidade desses. O processo de-veria inevitavelmente apresentar um horizonte contínuo e de longo prazo, além de uma tecnolo-gia capaz de superar os gargalos diagnosticados.

3.1 PRV como proposta de mudança de paradigma da produção de leite

O modelo de agricultura desenvolvido no último

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meio século no Brasil transformou a base social e política ao transformar totalmente a base técnica e a racionalidade agrícola. A busca por modelos totalitários que pudessem ser repetidos por todos os agricultores, indiferente do local de origem, do estrato fundiário e das características agroecos-sistêmicas, levou a uma intensa artificialização dos agroecossistemas, diminuição da variedade de cultivos (o que leva a um estreitamento da dieta e a uma erosão da cultura alimentar), as-sim como a exclusão das áreas e dos agricultores que de alguma maneira não se enquadram nes-se modelo, ou não puderam reproduzir o mesmo. Isso pode ser facilmente observado nos sistemas de produção de leite convencionais relatados no item anterior desse trabalho.

A Agroecologia poderá proporcionar uma re-volução da agricultura, segundo Altieri e Toledo (2011), pois tem condições de: resgatar a nature-za, ou seja, colocar a mesma no centro do plane-jamento dos agroecossistemas, pois na agricul-tura convencional os cultivos se desenvolvem a revelia das condições naturais; assegurar a so-berania alimentar; e empoderar os campesinos. Os benefícios dos campesinos com a revolução agroecológica centram-se na possibilidade que esses têm em desenvolver sistemas de produção mais de acordo com os princípios de manejo dos agroecossistemas intergeracionais, assim como de acordo com a cultura e as potencialidades lo-cais, onde a diversidade é valorizada e não con-siderada empecilho para a agricultura, como é no caso da agricultura moderna. Esses benefí-cios se traduzem em benefícios sociais, ambien-tais, econômicos e políticos.

De acordo com Berton et al. (2011) o PRV resgata a intimidade e a relação entre o produ-tor, seus animais e sua pastagem. A necessária vivência diária com os animais, a observação acurada do desenvolvimento das pastagens e a necessária compreensão da essência das quatro leis universais do PRV permitem um aumento da produtividade sem que com isso seja preciso degradar os recursos forrageiros e o agroecos-sistema como um todo (Ibidem). A relação es-tabelecida entre os agricultores e o sistema de produção é totalmente diferente da relação dos sistemas convencionais, onde os agricultores são

levados a manejar a produção agrícola como se não fizessem parte dela e com base em recur-sos artificiais. A observação e interação entre o agricultor, animais e desenvolvimento das pas-tagens resgata o papel do agricultor e o coloca de volta como parte integrante do agroecossistema.

Outra questão fundamental é a necessidade de um processo de Extensão Rural dialógico que tenha como horizonte o desenvolvimento rural sustentável, para que o processo seja apropria-do pelos agricultores e ao mesmo tempo esses tenham segurança para modificar os seus siste-mas de produção. Como afirmam Bruch et al. (2007) ao estudar a implantação do PRV em agricultores familiares, o processo de acompa-nhamento técnico contínuo e não fragmentado ou pontual, é essencial. A produção de leite à base de pasto sob sistema de PRV é a proposição tecnológica que o EM da Emater de Santa Ma-ria defende, pois o PRV é capaz de garantir que a atividade leiteira seja desenvolvida atendendo os aspectos econômico, social e ambiental, pro-porcionando assim que o sistema de produção esteja no horizonte da sustentabilidade. Esse sistema produtivo foi desenvolvido pelo francês André Voisin (fundamentador das leis univer-sais do Pastoreio Racional), é visa aumentar a produtividade e o valor biológico das pastagens, além de aumentar progressivamente a fertili-dade do solo, produzir alimentos mais limpos e de alto valor biológico, por respeitar o bem estar dos animais (PINHEIRO MACHADO, 2004).

O sistema aumenta os ganhos na criação dos animais, pois produz no mínimo três vezes mais pastos e assim três vezes mais leite do que a mé-dia da região onde se está trabalhando4. Utiliza--se a urina e os estercos que são esparramados pelos próprios animais para aumentar e estimu-lar a vida do solo e consequentemente sua ferti-lidade. A técnica está fundamentada em quatro leis universais, sendo duas para os animais (leis do rendimento máximo e dos rendimentos regu-lares) e duas para as plantas (leis do repouso e da ocupação) (PINHEIRO MACHADO, 2004). Por este sistema se evitam as agressões ao solo,

4 Em experimento desenvolvido por Pinheiro Machado (2004) produziu-se em uma propriedade em Taquara/RS oito vezes mais que os vizinhos.

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é minimizado o uso de adubos químicos solú-veis, assim como eliminado o uso de agrotóxi-cos, sendo que o uso de medicamentos alopáti-cos aos poucos é substituído por tratamentos com homeopatia e fitoterapia, respeitando-se assim o bem-estar dos animais que se tornam mais produtivos, e menos suscetíveis a para-sitoses e doenças. Quando se trata de solo em que se fez agricultura convencional por vários anos consegue-se recuperar gradualmente a sua fertilidade, e da mesma forma conse-gue-se introduzir ou reintroduzir sementes adaptadas ao ecossistema da região, para o melhoramento das pastagens perenes. Um dos princípios do PRV é o uso de pastagens de acordo com as características ecossistêmicas da região, preservando ou implantando ar-bóreas que visam o equilíbrio do agroecossis-tema e o bem estar animal (PINHEIRO MA-CHADO, 2004; BERTON et al., 2011).

Pelo PRV os animais ocupam um piquete de pasto por dia, sendo que o ideal é traba-lhar com pelo menos 50 piquetes, subdividi-dos através de cerca elétrica. Deve-se consi-derar que o crescimento dos pastos é variável, dependendo das estações do ano e do uso dos mesmos pelos animais. Neste sistema a água é vital e deve ser levada até os animais nos piquetes, evitando assim que estes caminhem desnecessariamente e exerçam dominância uns sobre os outros no momento da ingestão da mesma. Com isso, aumenta-se de 10 a 20% a produção de leite do rebanho (PINHEIRO MACHADO, 2004). Todos estes aspectos se traduzem em diminuição de custos de pro-dução e consequente viabilidade da ativida-de leiteira para a agricultura familiar, além do desenvolvimento de sistemas de produção com vistas à sustentabilidade.

3.2 A experiência em construção no município de Santa Maria

Com a definição e consentimento dos pro-dutores da execução das 10 unidades de refe-rência iniciais, e com os recursos financeiros disponíveis através do fundo rotativo agro-pecuário municipal e do acesso a linhas de

crédito do PRONAF, iniciou-se em 2011 a implantação dos primeiros projetos. O pro-jeto técnico e planejamento da atividade e da propriedade são discutidos e realizados de forma conjunta entre os extensionistas e agricultores. A participação dos agricultores ao definir aspectos, que em princípio pode-riam ser considerados meramente técnicos, como por exemplo, o mapa de divisão das pas-tagens, é fundamental, pois se exerce assim um processo de construção de conhecimen-to, onde as questões técnicas e científicas do PRV são confrontadas com o conhecimento da realidade do agricultor.

As atividades realizadas em cada proprie-dade podem ser divididas, metodologicamen-te, da seguinte forma: projeto técnico do PRV (mapa de subdivisão das áreas, orçamento de materiais e o planejamento de implan-tação e ou/ melhoramento de pastagens); organização e planejamento da propriedade como um todo (outras atividades econômi-cas e de subsistência, organização da sede, etc); planejamento da alimentação para os períodos de vazio forrageiro (cada proprie-dade possui estratégias diferenciadas para esses períodos); gerenciamento econômico da atividade leiteira; planejamento do tra-balho da família na propriedade (esse fator é fundamental para que a atividade leiteira se torne menos extenuante para a família); planejamento tecnológico (se definem no cur-to e médio prazo, quais os investimentos na propriedade, nesse caso têm-se o cuidado de planejar os investimentos de forma progres-siva, para evitar endividamento dos agricul-tores). Os agricultores são sujeitos e partici-pam de todo o processo, pois é necessário que esses saibam o que estão fazendo, como es-tão fazendo e porque estão fazendo. Para que dessa forma se apropriem do conhecimento construído.

Após a execução física do projeto, quan-do os animais já estão sendo manejados nos piquetes, começa o segundo momento que é a orientação técnica global da atividade. Procura-se realizar a ação extensionista de forma participativa, onde os agricultores

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opinam e a partir do processo de extensão fazem as tomadas de decisões e balizam suas ações. Os principais eixos técnicos tra-balhados são: manejo agroecológico e diver-sidade de pastagens; arborização das áreas (sistema silvipastoril); sanidade e bem es-tar animal; uso de fitoterapia e homeopatia; criação correta de terneiras; adequação de instalações; orientação e acompanhamento do uso do crédito; higiene e qualidade do lei-te; além de temas subliminares, mas de ex-trema importância, como sucessão familiar, racionalização e diminuição da mão de obra e segurança alimentar. Com o alcance da oti-mização da mão de obra, busca-se incentivar os agricultores a investir mais na produção de subsistência, assim como na organização e embelezamento da sede da propriedade.

Um tema trabalhado e de suma relevância é o gerenciamento da renda das propriedades. Observa-se que a grande maioria dos produ-tores não sabe quanto está gastando e qual a renda da atividade leiteira. De um modo ge-ral os agricultores familiares buscam estabe-lecer processos produtivos que lhe garantam renda agrícola e que permitam a reprodução da família nas suas unidades de produção. No caso dos sistemas de leite aqui estudados, os agricultores na maioria das vezes tem renda garantida, mas não tem domínio da gestão da produção, assim é necessário despertar os mesmos para a importância da gestão da ativi-dade. Nos projetos acompanhados, os produto-res recebem um caderno para registrar todos os gastos variáveis do mês, bem como todas as entradas de recursos pela venda de leite e ani-mais. Esses dados são posteriormente lança-dos em planilhas elaborados especificamente para gerenciamento da atividade. A planilha mostra automaticamente dados como o custo por litro de leite mensal, qual o percentual de custo que cada elemento da despesa represen-ta, bem como a renda líquida mensal e o per-centual de despesas e receitas. Ao final a pla-nilha faz o balanço anual. Alguns agricultores que possuem computador em casa manejam a planilha de gerenciamento, e outros por en-tenderem o processo, já fazem os cálculos ma-

nualmente, demonstrando que já se apropria-ram da ferramenta de gestão.

Nos cálculos de gestão da atividade não se considera a remuneração da mão de obra, pois a apropriação do meio de produção na agricul-tura familiar se diferencia da agricultura em-presarial. É importante o agricultor enxergar quanto de fato está sobrando de renda líquida de sua atividade, relativizar isso à quantas pessoas estão envolvidas e às horas trabalha-das (que no sistema de PRV, são diminuídas). Assim os agricultores têm elementos para comparar a atividade agrícola com outras atividades e decidir se essa remuneração per-mite a sua reprodução social no meio rural. Novamente, nesse processo de gerenciamento o agricultor entende o que está fazendo, e vê a importância de fazer e por isso mesmo faz.

A ferramenta de gestão implantada demons-tra o avanço da mudança do sistema produtivo e da lógica da propriedade, o que serve como um motivador para os agricultores. Percebe--se que o agricultor com o desenvolvimento da atividade começa a interagir e se apropriar do processo, definindo novas metas. Uma questão fundamental é que os agricultores percebem que é possível diminuir o custo de produção com a intensificação da produção de leite a pasto, assim como aumentar a produção com a otimização do sistema. O empoderamento dos agricultores com relação à atividade leiteira, desenvolvido a partir da metodologia de tra-balho utilizada na ação extensionista, faz com que o técnico no decorrer do processo seja mais um colaborador, do que um elemento determi-nante. Atualmente os produtores se reúnem bimestralmente em suas propriedades, junta-mente com os técnicos envolvidos para troca de experiências e avaliação de resultados. O pro-cesso desenvolvido em uma das propriedades acompanhadas, apresentados a seguir, ilustra o trabalho desenvolvido.

3.3 Propriedade em processo de transição agroecológica através do PRV

A propriedade está localizada no distrito da Boca do Monte e é típica de exploração familiar,

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sendo que trabalham na mesma o casal de agricul-tores, ele com 59 e ela com 58 anos. Os agricultores começaram a trabalhar com a atividade leiteira no ano de nascimento de seu primeiro filho, em 1977, ou seja, dedicam-se á atividade há 36 anos. A ati-vidade leiteira é explorada em 12,27 ha, sendo 5,5 ha arrendados5 e 6,77 ha de área própria.

O Sistema de Pastoreio Voisin foi implan-tado na propriedade em junho de 2011 em uma área útil de 5 ha. A área está subdivi-dida em 31 piquetes de tamanho médio de 1.475 m². A divisão da área foi realizada com cerca elétrica fixa, sendo que é possível fazer uma subdivisão com cerca elétrica móvel, o que perfaz 62 parcelas que podem ser mane-jadas com as vacas em produção, dependendo da época do ano e da oferta de pastagens. Em todos os piquetes há abastecimento de água que é encanada até bebedouros móveis, os animais dispõem de área de sombra, sendo que estão sendo plantadas árvores nos pique-tes para aumentar o sombreamento e conse-quentemente o conforto térmico dos animais no verão. As terneiras após o desmame e até o primeiro ano são criadas em uma área de 0,42 ha, também subdividida em piquetes por cerca elétrica, que serve como escola para as mesmas. Por outro lado a rotação ajuda a me-lhorar a condição sanitária dessas, prevenin-do parasitoses. As novilhas de sobreano até o pré-parto são criadas em uma área arrendada de 5 ha subdividida em 30 piquetes onde es-tas permanecem por um ou dois dias em cada piquete. No inverno, ainda são utilizados com pastagens para as novilhas de sobreano, por aproximadamente cinco meses uma área de 4,25 ha, que no verão é cultivada com soja6.

As pastagens da área explorada pela ativi-dade leiteira são compostas de pastagens pe-renes, sendo que no verão ocorrem áreas de campo nativo, campo nativo melhorado com tyfton (Cynodon spp) e áreas com apenas tyf-ton. Fato curioso, é que nesta propriedade o campo nativo tem se mostrado mais produti-vo que a grama tyfton introduzida, de acordo com o relato do agricultor: “quando as vacas ficam nos piquetes com campo nativo aumen-tam até 1,5 litros diários cada”. Essa observa-

ção do agricultor corrobora com o que afirma Voisin (1957) apud Pinheiro Machado (2004, p. 216) “As vacas sempre preferem os pastos indígenas”. No outono é realizada sobresse-meadura de aveia preta (Avena strigosa), aze-vém (Lolium multiflorum) e trevo vesiculoso e branco (Trifolium spp) nos piquetes, o que permite a propriedade ter pastagem o ano todo sem revolvimento do solo.

Antes da implantação do sistema, realizou--se a correção do solo (com uso de fertilizantes químicos e calcário) de acordo com a recomen-dação técnica a partir de análise de solo. A primeira correção foi realizada com fertili-zantes químicos, no entanto tendo em vista o processo de transição agroecológico, esses fertilizantes estão sendo substituídos por adubos orgânicos. Como afirma Gliessmann (2000) o processo de transição depende de vá-rios fatores, entre eles o manejo anterior que o agricultor fazia na área. Como a área era toda manejada com fertilizantes químicos, optou-se em fazer a adubação de base com o mesmo tipo fertilizante, em função da deci-são do agricultor e também pela carência de adubos orgânicos no município. Atualmente a fonte de adubação complementar, além do esterco das vacas, é cama de frango enriqueci-da e compostada. Foram utilizadas 3,6 ton. de cama/ha/ano, com a perspectiva que no médio prazo o sistema se equilibre somente com os dejetos das vacas.

Até 2010 a família utilizava mais 4,25 ha, que ficavam afastados da sede da proprieda-de e dificultava o manejo dos animais, atual-mente essa área está arrendada para plantio de soja, o que gera mais uma receita no verão. Hoje essa é a área utilizada para a recria de novilhas no inverno. O plantel de animais que em 2010 era constituído de 20 Unidades ani-mais de peso (1UA = 450 kg/vivo) passou para 28,4 UA em 2012. A área utilizada foi reduzi-

5 5 ha são utilizados com pastagens e 0,5 ha são culti-vados com mandioca, que serve de suplemento alimentar no outono-inverno.

6 Considerando que esta área (4,25 ha) é utilizada por apenas cinco meses com a atividade leiteira, foi realizado uma conversão, o que resulta em 1,77 ha de utilização/ano.

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da, o que mostra a intensificação e melhor ren-dimento por área, proporcionado pelo PRV, ou seja, a carga animal passou de 1,4 U.A/ha, para 2,3 UA/ha. Pinheiro Machado (2004) afirma que é possível triplicar a carga animal média da região com o PRV7. A alimentação dos animais está baseada em pasto, mandioca no outono (vazio forrageiro) e fornecimento de concentrado de forma suplementar. A partir de agosto de 2012 o rebanho começou a ser homeopatizado, a fim de controlar e preve-nir parasitoses. Os agricultores relatam que já diminuiu a incidência de carrapatos em relação ao início do ano e principalmente di-minuiu muito a população de moscas do chi-fre. O gasto com atendimento Veterinário e medicamentos representou apenas R$ 0,02 de um custo variável total de R$ 0,43 por litro de leite na média do ano o que mostra a sanida-de do rebanho. Da mesma forma, as análises de que indicam parâmetros da qualidade do leite (teor de gordura, proteína, CCS e CBT), estão dentro do exigido pela legislação atual. Os produtores gerenciam a receita e as des-pesas da atividade com anotações em cader-no próprio, que posteriormente são lançados no instrumento de gestão. Atualmente estão sendo ordenhadas 15 vacas. A renda líqui-da por ha/ano em 2010 era de R$ 402,00, em 2012 (considerando que foi um ano com déficit hídrico na maior parte do tempo) passou a R$ 3.592,00/ha/ano. Com a melhoria da renda a família adquiriu, em 2011, 3,6 ha de terra que deverão ser quitados em 2013.

A evolução da renda e produtividade de leite da propriedade está demonstrada no Quadro 01. Neste quadro também é possível observar a produção diferenciada no mês de agosto, o que demonstra, de certa forma, o potencial de produção da propriedade. Com a estabilização do sistema ao longo do tem-po, é possível aumentar a produção mensal a níveis parecido com os do mês em destaque. Cabe ressaltar que essa produtividade maior

do mês de agosto se deve a grande oferta de forragem, própria do período e a suficiente precipitação. As Figuras 01, 02 e 03 são ilus-trativas do PRV implantado na propriedade. Sendo que a Figura 02 demonstra a intera-ção entre os agricultores e os animais, com-provando a sintonia entre o ser humano e o sistema de produção agrícola.

Figura 01 - Ilustração do PRV implantado na propriedade referência descrita (vacas em pastoreio), Santa Maria (RS), 2012.

Quadro 01 - Evolução produtiva e econômica da propriedade.

7 “Um projeto de PRV bem administrado, produz, no mínimo três vezes mais do que a produção convencional da região onde está implantado” (PINHEIRO MACHA-DO, 2004, p. 14).

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2828Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 17-27, set./dez., 2012.

Figura 03 - Ilustração do sistema de bebedouro móvel e criação de novilhas, Santa Maria (RS), 2012.

A descrição detalhada do processo im-plantado nessa propriedade, embora seja meramente ilustrativo à experiência em implantação no município de Santa Ma-ria, demonstra que, mesmo na fase ini-cial, o processo de transição já demonstra resultados positivos significativos. A de-claração do agricultor - “Gostaríamos de ter tido quando começamos a atividade o financiamento, a tecnologia e a assistên-cia técnica que temos hoje” - demonstra a aceitação do processo pelos mesmos e faz jus ao processo de transição agroecológica implantado e aos diferenciais em termos de renda e manejo que os agricultores, num curto espaço de tempo já sentem. Os agricultores afirmam que apesar da apo-sentadoria se aproximar, pretendem con-tinuar com a atividade, pois com a ren-da atual, se for preciso, podem contratar mão de obra externa. Assim o casal segue fazendo planos: “Este ano vamos comprar um carro novo”, afirma o agricultor. Ou-tro fator notório na propriedade é o embe-lezamento e a harmonia dos arredores e da horta que está cada vez mais colorida, o que sem dúvida reflete a satisfação dos produtores com as atividades desenvolvi-das e com o retorno das mesmas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A experiência que está sendo desenvolvi-

da inicialmente em 10 propriedades tem como objetivo impulsionar a bacia leitei-ra de Santa Maria, criando um referen-cial tecnológico baseado nos princípios da sustentabilidade e da produção animal de base ecológica. A experiência comprova a possibilidade de se promover a reprodu-ção social dos agricultores familiares no meio rural, tendo como base a atividade leiteira. A agregação de valor à produção e melhoria da rentabilidade da ativida-de, como acontece quando esta é desen-volvida e baseada nos princípios do PRV possibilita aos agricultores a sua viabili-zação financeira e melhoria da qualidade de vida.

Figura 02 - Ilustração da interação entre os agricultores e o sistema de produção, Santa Maria (RS), 2013.

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REFERÊNCIAS

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30Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 28-29, set./dez., 2012.

1 Engenheiro Agrônomo da Emater-RS/Ascar.

Este texto foi elaborado com a colaboração da técnica agropecuária Lidia Margarete Müller Dhein.

URIARTT, Ari 1

Para o biólogo francês Francis Chaboussou, a ocor-rência de pragas e doenças em uma cultura está inti-mamente relacionada com o desequilíbrio nutricional da planta hospedeira. Chaboussou fundamenta sua afirmação na Teoria da Trofobiose. Uma das afirma-ções dessa Teoria é que tanto o excesso como a fal-ta de micronutrientes é responsável por alterações bioquímicas na planta, resultando em um acúmulo de substâncias solúveis não utilizáveis (açúcares e amino-ácidos), sendo que esse estado é ideal para a nutrição de pragas e patógenos (fungos, bactérias e vírus). Esse excesso de substâncias solúveis, principalmente subs-tâncias nitrogenadas solúveis, é o resultado da prote-ólise decorrente do excessivo uso de adubos solúveis combinado com agrotóxicos. Por outro lado, se forem utilizados fertilizantes adequados, orgânicos e de len-ta solubilidade, eles podem trazer grandes benefícios para as plantas, pois estarão fornecendo elementos que serão essenciais para o metabolismo, favorecendo a proteossíntese e conferindo a resistência do vegetal às moléstias e pragas.

O Uso do Trichogramma Sp. no Controle Biológico da Lagarta-do-Cartucho do Milho (Spodoptera Frugiperda).

O Controle Biológico como Prática na Agricultura de Base Ecológica

No entanto, mesmo afirmando que o estado nu-tricional pode interferir diretamente na incidência de insetos-praga e patógenos, ocorre que, em alguns grupos de plantas corretamente nutridas, observa-se a ocorrência de tais distúrbios, uma vez que cada gê-nero, espécie ou mesmo raças e estirpes são exigentes em dietas diferentes. Assim, uma planta (cultivar, va-riedade ou híbrido) que está equilibradamente nutrida poderá ser resistente a uma praga, e outra planta alta-mente suscetível à outra praga em condições idênticas.

E por essas variações, que mesmo em cultivos manejados ecologicamente, recorre-se por vezes a práticas de controle biológico. Muitas delas conso-lidaram-se nos últimos anos como um importante avanço, seja na agricultura convencional ou naquela em que se utilizam princípios da Agroecologia. Um método bem conhecido, amplamente difundido pela extensão pública oficial, foi o uso do Baculovirus no controle da lagarta-da-soja, Anticarsia gemmatalis, que foi amplamente utilizado mesmo nos anos de domínio das práticas preconizadas pela introdução do modelo tecnológico da Revolução Verde, na década de 1970. Atualmente, com os importantes avanços da microbiologia, da biologia e da ciência agronômica, surgiram várias outras opções de con-trole para distintas doenças e pragas. Nesta dica agroecológica, será detalhado o uso do Trichogram-

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31Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 28-29, set./dez., 2012.

ma sp. no controle biológico da lagarta-do-cartucho do milho (Spodoptera frugiperda).

O controle da lagarta-do-cartucho tem sido um dos principais problemas da cultura do milho nos úl-timos anos. Tal situação deve-se em grande parte ao aumento do monocultivo da espécie e à destruição dos ecossistemas naturais com a consequente redução de muitos dos inimigos naturais. Para controlar a lagarta, os agricultores têm lançado mão principalmente dos agrotóxicos, realizando duas a três aplicações por ciclo de cultivo, o que diminui ainda mais as possibilidades do surgimento de inimigos naturais nas áreas cultivadas como agentes de controle. Outra consequência do in-tenso uso de venenos também é a contaminação dos solos e mananciais, além do aumento de intoxicações, tanto crônicas como agudas, que conduz ao surgimento de doenças crônicas com consequente perda da capa-cidade de trabalho ou mesmo a morte dos aplicadores.

Nesse sentido, a utilização do Trichogramma sp. no controle biológico da lagarta-do-cartucho visa, entre outras coisas: substituir o uso do controle químico da lagarta-do-cartucho por controle biológico; diminuir o impacto ambiental dos resíduos de agrotóxicos nas águas superficiais; diminuir os riscos de contaminação dos agricultores por agrotóxicos em função do núme-ro excessivo de aplicações na parte aérea do milho e, mais recentemente, ofertar uma alternativa viável à tecnologia do milho transgênico BT.

No entanto, o sucesso na utilização do método de-pende do correto desenvolvimento de todas as etapas do processo. Começando pela aquisição do agente de controle no momento certo que precede a sua utiliza-ção na lavoura. Por se tratar de um organismo vivo, a aquisição deve ser planejada com a antecedência ne-cessária para que sua utilização ocorra no momento crítico de desenvolvimento da praga em que o agente possa expressar sua máxima eficiência de controle. Considerando que uma única fêmea alada de Spodop-tera frugiperda pode realizar uma postura que varia de 1.500 a 2.000 ovos, e que esses ovos recebem uma proteção de um enovelado de pequenos fios tecidos pela borboleta após a postura, faz-se necessário uma atenta observação no surgimento dos primeiros focos para que se possa dar início imediato ao processo de controle. Essa observação pode ser facilitada com a utilização de feromônios atrativos que denunciam a presença nas armadilhas das borboletas que irão origi-nar as futuras lagartas. Outro indicativo do controle é o dano inicial causado pela lagarta, que se caracteriza

por uma raspagem superficial nas primeiras folhas emi-tidas. Em geral, recomenda-se que não ultrapassem a emissão de três folhas para que sejam distribuídas as cartelas que contêm os ovos das vespinhas que irão parasitar a postura da lagarta. A cartela deverá ser dis-tribuída a cada 20 metros na linha e 20 metros entre linhas, perfazendo um total de três cartelas inteiras por hectare, cada cartela possui em média 2.100 ovos. O local para sua colocação é o interior do cartucho for-mado pelas três folhas da cultura. Alguns cuidados de-vem ser observados no momento da distribuição, tais como: distribuir pela manhã ou à tardinha na lavoura e não distribuir em dias de chuvas. Caso não seja pos-sível distribuí-las, as mesmas devem ser mantidas em locais com temperaturas de 15°C a 18°C e dentro de um vasilhame com tampa para que os indivíduos que venham a eclodir nesse período possam ser posterior-mente distribuídos em uma caminhada na área em que se fará o controle. O pedido do Trichogramma geral-mente ocorre na semana em que sucede o plantio do milho, na prática, em geral, na sexta-feira, para que o pedido seja entregue por Sedex na metade da semana seguinte, evitando assim que os ovos fiquem retidos na agência dos correios durante o fim de semana. A agili-dade na entrega e a distribuição são fundamentais para o sucesso do método, sendo esse um fator de risco para o desenvolvimento da prática no Rio Grande do Sul, considerando que as principais empresas fornece-doras do agente de controle estão localizadas nos Esta-dos de Minas Gerais e São Paulo. No entanto, isso não tem impedido sua utilização no Estado, assim como sua eficácia, como fica comprovado pelo sucesso que a mesma vem obtendo nas regiões Central e dos Vales Taquari e Caí, importantes regiões de agricultura fami-liar produtoras do grão. No entanto, alguns aspectos devem ser considerados para o aumento dessa efici-ência, assim como: o uso do Trichogramma sp. requer um monitoramento intensivo do técnico já a partir de 7 dias após a emergência da cultura; uma maior aten-ção nas lavouras de milho safrinha, principalmente a partir do final de dezembro, em decorrência da maior incidência da lagarta nesse período, principalmente em anos de estiagem, e considerar a possibilidade do uso de armadilhas com isca feromônio para aumentar a efi-cácia no monitoramento.

O interessado em conhecer melhor essa prática pode buscar orientação nos escritórios municipais ou pelo Plantão Técnico da Emater/RS-Ascar pelo telefo-ne (51) 2125 3100.

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Extensão Rural Agroecológica (ERA): perspectivas para um desenvolvimento mais sustentável da agricultura do

estado de Pernambuco-Brasil

BOECKMANN, M.S. 1, CAPORAL, F.R. 2, DÂMASO, J. R. de M. 3, MONZON, A.G. 4.

ResumoO serviço público de Extensão Rural (ER) é um ins-trumento chave no processo de implantação e ado-ção de formas mais sustentáveis de agriculturas no país. No entanto, este serviço precisa ter um papel diferenciado para que, de fato, venha a contribuir para uma mudança no desenvolvimento da agricul-tura. O serviço de ATER no estado de Pernambuco é realizado pelo IPA (Instituto Agronômico de Per-nambuco), que tem como Missão, contribuir para a construção e execução de estratégias de desenvol-vimento rural sustentável. Sendo assim, o objeti-vo deste trabalho, foi analisar porque a atividade desta entidade continua com a difusão de pacotes agroquímicos de modo que o uso de agrotóxicos

1 Estudante de pós-graduação da Universidade Pablo de Olavide (UPO). Centro de Estudos de Pós-graduação- Edificio 18 (Celestino

Mutis) 1ª planta, Ctra de Utrera Km 1, Sevilha- Espanha. [email protected].

2 Professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Av.Dom Manuel de Medeiros s/n, Recife- Brasil. [email protected].

3 Estudante de Pós-graduação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Av.Dom Manuel de Medeiros s/n, Recife-

Brasil. [email protected] Investigadora Fulbright patrocinada por Bureau of Educational and

Cultural Affairs do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Texas-USA. [email protected].

continua a ser comum nas orientações realizadas pelos extensionistas. Uma maior apropriação dos princípios da Agroecologia a partir da proposta de uma Extensão Rural Agroecológica-ERA, se apre-senta como possível alternativa para a mudança do paradigma da extensão rural convencional, vi-sando a eliminação do uso dos agrotóxicos.

Palavras-chaves: Agroecologia. Agrotóxicos. Extensão rural agroecológica.

Abstract The public service of Rural Extension (RE) is a key instrument in the process of deploy-ment and adoption of more sustainable forms of agriculture in Brazil. However, this service must have a unique role so that it will actu-ally contribute to a change in the development of agriculture. The service of Technical Assis-tance and Rural Extension (ATER) of Per-nambuco state is performed by the Institute of Agronomy of Pernambuco (IPA), which has the mission to contribute to the construction and implementation of strategies for sustai-nable rural development. The objective of this study was to analyze why the activity of this entity continues to be dictated by the diffu-

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sion of agrochemical packages and pesticide use remains common in the guidelines used by extension workers. A greater ownership of the principles of agroecology that come from of a model of Agroecological Rural Extension--(ARE), is a possible alternative to changing the paradigm of conventional extension, ai-med at eliminating the use of pesticides.

Keywords: Agroecology. Pesticide. Agroecological rural extension.

1 INTRODUÇÃOO serviço público de Extensão Rural (ER) é um

instrumento chave no processo de implantação e adoção de formas mais sustentáveis de agricultu-ras, apresentando um papel relevante no proces-so de melhora da produção agrícola e das condi-ções de vida dos agricultores do País.

No entanto, este serviço precisa ter um papel diferenciado para que, de fato venha a contribuir para uma mudança no desenvolvimento da agri-cultura, buscando alternativas ambientalmente mais sustentáveis.

Para que se possa alcançar um melhor desen-volvimento na agricultura, visando torná-la uma atividade compatível com os ideais de sustenta-bilidade, é preciso considerar a importância de esta atividade ser menos agressiva para o meio ambiente, para as pessoas envolvidas, e que seja capaz de proporcionar a oferta de alimentos mais saudáveis para a sociedade.

No entanto, durante muitos anos a Extensão Rural orienta suas atividades baseada em uma agricultura agroquímica, centrada nos pacotes da Revolução Verde, que são incompatíveis com os atuais propósitos do desenvolvimento rural sustentável, dificultando assim, a contribuição deste serviço no processo de desenvolvimento de agriculturas mais sustentáveis como vem sendo preconizado.

Como tem sido afirmado por diversos autores, as mudanças no modo de produção da agropecu-ária, em direção à busca de mais sustentabilida-de, passa por uma mudança de paradigma, no entanto, para que isso se concretize na prática faz-se necessária uma maior sensibilização dos atores envolvidos, entre eles os gestores e execu-tores dos serviços de Assistência Técnica e Ex-

tensão Rural (ATER), para que estes percebam a importância da adoção de modelos mais susten-táveis de agriculturas em contraposição ao mo-delo convencional, o qual não esta considerando aspectos de sustentabilidade que são essências (BOECKMANN, 2012).

Como bem sabemos, a ATER baseada em um modelo de agricultura convencional agroquímica, estará reproduzindo e contribuindo para a con-tinuação da ocorrência dos mesmos problemas existentes e trazidos por esta forma de agricultu-ra dominante no País ao longo de quase 60 anos.

No entanto, apesar da forma convencional já ter sido evidenciada como não sendo capaz de contribuir na busca de um desenvolvimento mais sustentável na agricultura, continua a ser o mo-delo dominante nas orientações do serviço de ATER do estado de Pernambuco e, por consequ-ência, na prática dos agricultores assistidos pelos agentes da instituição de Assistência Técnica e Extensão Rural. (BOECKMANN, 2012).

Cabe salientar que a ATER pública realizada pelo IPA (Instituto Agronômico de Pernambu-co), entidade pública de Extensão Rural, tem um papel essencial para a mudança nas práticas agrícolas, na medida em que este serviço alcan-ça agricultores distribuídos por praticamente todos os municípios do estado de Pernambuco, sendo responsável por orientá-los visando um melhor desenvolvimento rural e uma melhora na produção agrícola.

Segundo o discurso oficial, a Missão Institucio-nal do IPA é: “Gerar e adaptar tecnologia, prestar assistência técnica e extensão rural prioritaria-mente aos agricultores de base familiar, realizar obras de infraestrutura hídrica e disponibilizar bens e serviços para o desenvolvimento sustentá-vel do agronegócio” (INSTITUTO AGRONÔMI-CO DE PERNAMBUCO, 2012), o que indicaria que a entidade de ATER deveria estar trabalhan-do com base em princípios ecológicos para dar conta das mudanças necessárias no sentido da sustentabilidade.

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi ana-lisar porque a atividade desta entidade continua com a difusão de pacotes agroquímicos de modo que o uso de agrotóxicos continua a ser comum nas orientações realizadas pelos extensionistas.

Uma maior apropriação dos princípios da Agroecologia, por parte do IPA e de seus técnicos,

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a partir de um novo modelo de extensão rural, po-deria contribuir como possível alternativa para a eliminação do uso dos agrotóxicos na agricultura pernambucana.

Por outro lado, a adoção do conceito de Exten-são Rural Agroecológica- ERA, poderia ser um caminho, já que esta nova ER orienta para uma prática, democrática, participativa e ambiental-mente responsável, por parte daqueles que traba-lham em Assistência Técnica e Extensão Rural. A Extensão Rural Agroecológica é definida como:

[...] um processo de intervenção de caráter educativo e transformador, baseado em me-todologias participativas que permitem o desenvolvimento de uma prática social me-diante a qual os sujeitos do processo buscam a construção e a sistematização de conhe-cimentos que os levem a atuar consciente-mente sobre a realidade, com o objetivo de alcançar um modelo de desenvolvimento socialmente equitativo e ambientalmente sustentável, adotando os princípios teóricos da Agroecologia como critério para o desen-volvimento e a seleção das soluções mais adequadas e compatíveis com as condições específicas de cada agroecossistema e do sistema cultural das pessoas implicadas em seu manejo (CAPORAL, 1998, p. 446).

2 METODOLOGIAEste trabalho foi realizado de forma qualita-

tiva, a partir da realização de entrevistas, com a aplicação de questionários semiestruturados. Foram entrevistados sete agentes de ATER que trabalham diretamente com os agricultores e o Diretor de Extensão Rural do Instituto Agronô-mico de Pernambuco (IPA).

Na entrevista semiestruturada, o investiga-dor tem uma lista de questões ou tópicos para serem preenchidos ou respondidos, como se fosse um guia. A entrevista tem uma relativa flexibilidade. As questões não precisam seguir a ordem prevista no guia e poderão ser formu-ladas novas questões no decorrer da entrevista (MATTOS, 2005).

O IPA é uma entidade pública com atuação no estado de Pernambuco (Brasil), criada em 1935, sob a denominação de Instituto de Pesqui-sas Agronômicas. A partir de 2003, a instituição ampliou sua competência de entidade voltada

para pesquisa, desenvolvimento e produção de bens e serviços agropecuários, incorporando as atividades de ATER. Entre os objetivos da ins-tituição esta a “Elevação da produção e a efi-ciência do setor agropecuário, sem perder de vista as questões da sustentabilidade do desen-volvimento”. (INSTITUTO AGRONÔMICO DE PERNAMBUCO, 2012).

O serviço de ATER oferecido pelo IPA está or-ganizado em 12 gerências regionais, com um to-tal de 487 extensionistas distribuídos nos escri-tórios dos 185 municípios do estado, totalizando em 100.000 mil o número de agricultores atendi-dos em 2011 (INSTITUTO AGRONÔMICO DE PERNAMBUCO, 2012).

O estado de Pernambuco está localizado no Nordeste do Brasil, que é uma das cinco regi-ões do País, e que, em comparação com as outras regiões brasileiras, apresenta o menor índice de desenvolvimento humano. Esta região possui metade dos estabelecimentos de agricultura fa-miliar do País.

Segundo França, Del Grossi e Marques (2009) o estado possui 275.740 estabelecimentos de agricultura familiar, distribuídos pela Zona da Mata, Agreste e Sertão.

A escolha dos municípios e dos agentes de ATER que foram entrevistados foi feita através da indicação por informante-chave da entidade, o qual indicou os municípios e fez a recomenda-ção dos profissionais.

Vitória de Santo Antão; Joaquim Nabuco; Ma-chados; Palmares; Camocim de São Felix; Bre-jão e Saloá foram os municípios representados pelos agentes de ATER entrevistados.

Uma vez finalizada a fase de entrevistas, foi realizada a sistematização de todas as informa-ções coletadas e, posteriormente, se procedeu a análise das mesmas.

Foi utilizada também uma revisão bibliográ-fica buscando informações sobre conhecimentos de outros investigadores e grupos de investi-gação relacionados com os assuntos abordados neste trabalho.

3 RESULTADOS e DISCUSSÃOConforme foi identificado na pesquisa que foi

realizada junto à instituição (BOECKMANN, 2012), apesar da existência de profissionais do IPA que realizam seu trabalho com base em

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um enfoque agroecológico e/ou em práticas da agricultura orgânica, é possível observar a pre-sença de um grupo que apesar dos problemas já evidenciados, relacionados ao modelo de agri-cultura convencional agroquímica, ainda reali-zam seu trabalho a partir de uma agricultura convencional. Esta postura vai contra a própria Missão da Instituição que diz comprometer-se com o desenvolvimento sustentável da agricul-tura do estado de Pernambuco.

Conforme a mesma pesquisa (BOECKMANN, 2012), ao serem questionados sobre a recomen-dação do uso de agrotóxicos, seis dos entrevis-tados afirmaram que a utilização dos venenos agrícolas melhora a produção, entretanto, todos eles afirmaram que não melhora a qualidade de vida dos agricultores.

Como bem sabemos, no enfoque agroecológico a utilização dos agrotóxicos é considerada como prejudicial no desenvolvimento de uma maior sustentabilidade na agricultura, resultando em efeitos negativos, e em desequilíbrios ecológicos no agroecossistema como um todo.

No entanto, como justificativa sobre a me-lhoria da produção agrícola através da utiliza-ção dos agrotóxicos, diferentes respostas foram dadas pelos entrevistados, dentre elas, que a agricultura convencional gera altas produções. Segundo um dos entrevistados, se não fosse este modelo de agricultura, o Brasil não estaria pro-duzindo o que produz hoje, e que a agricultura orgânica, apesar da boa qualidade, tem uma bai-xa produção e um alto custo.

A afirmação acima é parte de um mito que vem sendo reproduzido desde que foram estabeleci-das as bases da Revolução Verde. Ao contrário, segundo o Fundo Internacional para o Desen-volvimento da Agricultura (IFAD), foi realizado um estudo abrangendo um total de 12 organi-zações de agricultores cobrindo cerca de 5.150 agricultores em 9.800 hectares, mostrando que os pequenos agricultores que mudaram para a produção agrícola orgânica, obtiveram, em todos os casos, maiores ingressos líquidos em relação a sua situação anterior (IFAD, 1994 apud AL-TIERI; NICHOLLS, 20125). Nesta perspectiva,

a adoção de modelos de agriculturas sem utiliza-ção dos agrotóxicos, além de produzir alimentos mais sadios, estaria contribuindo, também, para a melhoria de renda dos agricultores.

Além disso, segundo Londres (2011) existe uma grande quantidade de relatos de pessoas que desenvolveram sérias doenças provocadas pelos agrotóxicos, segunda a autora, há casos de abortos, assim como, de bebês que nascem com defeitos congênitos, além de pessoas que desen-volvem a doença apenas porque moram próximo a plantações onde se usa muito veneno.

Ainda segundo a mesma autora, não é verda-deira a afirmação de que precisamos dos agro-tóxicos para alimentar uma população crescen-te e faminta, essa mensagem é propagada pela indústria de venenos, que visa promover seus lucros, e não a saúde e o bem estar das pessoas.

Para Schutter (2010), relator das Nações Uni-das para o Direito Humano à Alimentação, a Agroecologia em contexto de busca por estraté-gias mais sustentáveis para agricultura, a um só tempo aumentar a produtividade agrícola e a se-gurança alimentar, melhorar a renda de agricul-tores familiares e conter a tendência de erosão genética gerada pela agricultura industrial.

Em relação às orientações que a Instituição faz a respeito da recomendação dos agrotóxicos, o Diretor de Extensão Rural do IPA6 afirmou que:

[...] é feita a recomendação para que se utili-zem os produtos adequados para determina-da cultura, respeitando todas as orientações e precauções, inclusive de dosagem, período de carência especificado para aquele produ-to, entre outras. E que o produto tem que estar registrado no ministério, no entanto, existe certa falta de obediência ao receituá-rio agronômico, que nem sempre é dado.

Todos os entrevistados responderam que rece-bem orientações para que se diminua o uso destes produtos e que, quando recomendados, se leve em consideração todas as orientações do fabricante, desde armazenamento, uso e descarte de embala-gens, assim como, a utilização de EPI, e sempre considerando o nível de infestação como ponto cha-ve para a tomada de decisão sobre a utilização dos agrotóxicos, confirmando o que foi relatado pelo Diretor de Extensão Rural.

5 IFAD, 1994 apud ALTIERI; NICHOLLS, 2012.6 O Diretor do IPA referido foi entrevistado em maio

de 2012, como parte da pesquisa realizada por Boeck-mann (2012).

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 30-37, set./dez., 2012.

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Neste sentido, o “mito” do uso seguro dos agrotó-xicos vem sendo derrubado a partir de estudos de diversos autores. Rigotto (2011), afirma que:

[...] para implementar de forma conse-quente e responsável o paradigma do “uso seguro” dos agrotóxicos, seria preciso conce-ber um vultoso e complexo programa, que incluiria a alfabetização dos trabalhadores, a sua formação para o trabalho com agrotó-xicos, a assistência técnica, o financiamento das medidas e equipamentos de proteção, a estrutura necessária para o monitoramento, a vigilância e assistência pelos órgãos pú-blicos, as formas de participação dos atores sociais no processo de tomada de decisões, e muita coisa mais! (RIGOTTO, 2011).

Ainda segundo a autora, “[...] é preciso reconhe-cer que não temos condições de fazer o uso seguro. Já que as consequências do uso (in)seguro de agro-tóxicos para a vida são graves, extensas, de longo prazo e algumas irreversíveis ou ainda desconhe-cidas” (RIGOTTO, 2011).

A pesquisadora da Universidade Federal do Ceará diz, ainda, que os agrotóxicos contribuíram mais com o aumento da produção de commodities do que com a segurança alimentar.

Também com base em pesquisa realizada por Boeckmann (2012), cinco extensionistas do Ins-tituto Agronômico de Pernambuco responderam que o IPA está de acordo que seus agentes reco-mendem o uso de agrotóxicos, uma vez que a Insti-tuição não proíbe esta recomendação.

Todos os entrevistados, por ocasião da mesma pesquisa antes citada, responderam que sabem que os agrotóxicos fazem mal à saúde e ao meio ambiente, no entanto, algumas razões foram colo-cadas por eles como justificativa para a continui-dade de recomendação de seu uso, inclusive com o conhecimento de seus malefícios, entre elas, se pode destacar7:

“Situações críticas onde a utilização de alterna-tivas naturais não deram conta”;

“Altas infestações de pragas”;“Falta de tecnologias alternativas”;“Não são proibidos por Lei e nem pela Instituição”;“Resistência dos agricultores à não utilização”.É importante observar que para alguns a opção

pela não recomendação de venenos está presente, dizendo que:

“Não gostaria de orientar o uso dos agrotóxicos para os agricultores, mas que teria que ter outras opções em mãos.”, o que demonstra uma carência de informações técnicas alternativas entre os ex-tensionistas.

Por sua vez, há quem prefira trabalhar com uma falsa ideia do direito de escolha do agricultor, afirmando que “Não posso negar e nem obrigar os agricultores a mudar seu enfoque”.

Para outro entrevistado, os processos de mudança são lentos, ele não afirma como estaria contribuindo para esta mudança, mas diz que “não se pode mudar de uma hora para outra”. Quer dizer, há uma espé-cie de resignação com a situação de uso dos agrotóxi-cos, cuja mudança dependeria de tempo, sem se ter uma indicação do início deste processo, ou a partir de quem e de que ele iniciaria. Não se sabe qual de-veria ser a atitude da ATER neste sentido.

Há, contudo, aqueles que assumem como algo dado, inerente à agricultura, afirmando que “Os agrotóxicos fazem parte da agricultura, e são feitos para isto”.

7 Ver: Boeckmann (2012).

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 30-37, set./dez., 2012.

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Desta forma, percebemos a evidente necessida-de da existência de um serviço de ATER como ati-vidade educativa, comprometido com as questões da sustentabilidade, e que ofereçam orientações em relação aos diversos problemas trazidos pelos agrotóxicos, a fim de sensibilizar os agricultores a deixarem de fazer o uso destes produtos, na busca de um novo paradigma de desenvolvimento rural.

Assim como relatou o Diretor de Extensão Ru-ral, sobre a existência de resistência dos agriculto-res a deixarem de utilizar os agrotóxicos, todos os entrevistados, também colocaram este argumento como resposta de diversas questões relacionadas sobre o por quê, de continuar a trabalhar basea-do em uma agricultura convencional agroquímica, indo além da questão do próprio perfil do exten-sionista e das questões relacionadas à Instituição.

Do ponto de vista dos extensionistas, esta resis-tência demonstra a falta de compreensão que ain-da existe por parte dos agricultores sobre o grande perigo da utilização destes produtos.

De certo modo, há uma contradição com rela-ção às falas dos agentes de extensão e da institui-ção, pois, se ao recomendar o uso de agrotóxicos os técnicos teriam a orientação de explicar aos agricultores sobre o “uso correto”, incluindo o uso de EPIs, não é crível que fariam isso sem expli-car os riscos do uso dos venenos e o porquê dos necessários cuidados. Assim, é lícito acreditar que os agricultores que usam os venenos recebe-ram informações sobre os riscos dos agrotóxicos, os quais já foram relatados por diversos autores, desde Carson em sua primeira edição do livro pri-mavera silenciosa em 1964, como um perigo real. Neste livro, a autora, escreveu que estávamos expondo populações inteiras a agentes químicos extremamente venenosos (CARSON, 2010).

Neste contexto, segundo Caporal:

[...] ao contrário da alternativa baseada na “in-tensificação verde”, parece ser mais adequado que a Extensão Rural pública adote a perspec-tiva da Agroecología, pois, além de ser uma alternativa ambientalmente mais amigável, a largo prazo, é esta que permite estabelecer ob-jetivos sincrônicos sem perder de vista a natu-reza diacrônica inerente as metas do desenvol-vimento sustentável (CAPORAL, 1998, p. 439).

Para Caporal, Costabeber e Paulus (2006) en-quanto ciência integradora de distintas disciplinas

científicas, a Agroecologia tem a potencialidade para constituir a base de um novo paradigma de desenvolvimento rural sustentável.

Outra contradição, presente nos discursos, é que embora se afirme que não dá para mudar porque não existem alternativas, todos os exten-sionistas entrevistados afirmaram que conhecem práticas alternativas que possam substituir o uso de fertilizantes químicos e de agrotóxicos, como calda bordalesa, óleo de nim (Azadirachta indica), adubação verde, composto orgânico, biofertilizan-tes, Beuveria bassiana, entre outras.

Desta forma, para Caporal,

[...] a superação destes obstáculos à mudança da prática da Extensão Rural dependerá não só dos espaços conquistados no interior do Es-tado e seus aparelhos, como principalmente, daquelas mudanças que possam vir a ocorrer com relação à ideologia e posição de classe que movem os extensionistas em seu que-fazer e dão direção aos interesses que defendem em seu trabalho diário (CAPORAL, 1991, p. 5).

Seis dos extensionistas entrevistados respon-deram que gostariam de deixar de trabalhar re-comendando agrotóxicos e passar a trabalhar com uma agricultura sem agroquímicos. Um dos entre-vistados respondeu que já trabalha com agricultu-ra orgânica, mesmo trabalhando também, majori-tariamente, com agroquímicos.

No entanto, de acordo com Caporal e Ramos,

[...] atuar, nessa nova perspectiva, requer das entidades, de seus diretores, de seus ge-rentes e de seus agentes uma nova postura de trabalho, um novo papel e um novo perfil, além de uma atuação baseada em métodos e técnicas que estimulem a participação. Uma nova Ater precisa ser, verdadeiramente, uma ação educativa, democrática e partici-pativa (CAPORAL; RAMOS, 2006, p. 1).

4 CONSIDERAÇÕES FINAISAo longo de décadas, os serviços de Extensão Rural

do Brasil deram uma importante contribuição para a adoção, pelos agricultores, dos pacotes agroquímicos.

Segundo Freire (1983) a difusão ou transfe-rência de tecnologias chegou a assumir uma perspectiva de “persuasão” para a adoção. A crítica a este modelo de extensionismo, em par-ticular ao difusionismo tecnológico, deu lugar a

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propostas alternativas de extensão rural.De toda a forma, continua evidente a importân-

cia das ações de apoio aos agricultores, realizadas pela extensão rural, o que foi resgatado, recen-temente, a partir do novo enfoque proposto pela PNATER, onde se afirma:

Estimular, animar e apoiar iniciativas de de-senvolvimento rural sustentável, que envolvam atividades agrícolas e não agrícolas, pesqueiras, de extrativismo, e outras, tendo como centro o fortalecimento da agricultura familiar, visando a melhoria da qualidade de vida e adotando os prin-cípios da Agroecologia como eixo orientador das ações (BRASIL, 2004, p. 9).

Do mesmo modo, a Lei de Ater (BRASIL, 2010, p. 1) estabelece como objetivo em seu Art. 3º, sobre-tudo nos itens I e IV:

a) I - promover o desenvolvimento rural sus-tentável;

b) IV- promover a melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários.

Neste sentido, a ATER pública realizada pelo IPA, tem muito a modificar-se para que possa atender a estas recomendações. Sabe-se que mui-to já foi feito por esta instituição em relação a um avanço na melhora e desenvolvimento dos agricul-tores do Estado, no entanto, o enfoque agroecológi-co e/ou em práticas da agricultura orgânica ainda é incipiente, prevalecendo majoritário o enfoque convencional agroquímico.

Por diversos motivos, o uso de agrotóxicos, mesmo se tratando de uma Instituição que diz trabalhar buscando um desenvolvimento sus-tentável da agricultura, está liberado e faz par-te de orientações técnicas fornecidas por seus profissionais, o que dificulta o cumprimento de sua Missão Institucional.

Ademais, a falta de uma orientação clara, difi-culta o próprio cumprimento do que está estabe-lecido na Lei de Ater. Entre os princípios da PNA-TER, presentes no Art.3º da Lei (BRASIL, 2010, p. 1), destacam-se o item I e IV, onde diz:

a) I - desenvolvimento rural sustentável, com-patível com a utilização adequada dos recur-sos naturais e com a preservação do meio ambiente, e

b) IV - adoção dos princípios da agricultura de base ecológica como enfoque preferencial para o desenvolvimento de sistemas de pro-dução sustentáveis.

A adoção destes princípios supõe uma mu-dança, no sentido de ruptura com o modelo con-vencional, e que, se seguidos pela instituição de ATER em estudo, poderiam contribuir para uma mudança institucional.

No entanto, diante das constatações realizadas nesta pesquisa, a instituição até o momento, pa-rece ainda não ter incorporado certas orientações da PNATER de 2004, e nem mesmo as orientações estabelecidas pela Lei de ATER de 2010.

Sendo assim, as orientações da ATER ainda ba-seadas em uma Extensão Rural Convencional re-alizada por esta instituição, pode ser considerada, uma limitação ao avanço do processo de transição a agriculturas mais sustentáveis pelos agriculto-res assistidos do estado de Pernambuco.

Desta forma, seria necessário, um novo para-digma de desenvolvimento na agricultura, mais coerente às exigências do que deveria ser o modelo de Extensão Rural Agroecológica- ERA.

A Extensão Rural que atue baseada nos prin-cípios da Agroecologia, defendida veemente-mente na I Conferência Nacional de ATER, apa-rece como uma proposta para apoiar um modelo de desenvolvimento na agricultura, que seja so-cialmente equitativo, economicamente viável e ambientalmente sustentável. (CONFERÊNCIA NACIONAL SOBRE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL, 2012).

Neste sentido, é importante a existência de ações que ajudem na construção de novas estra-tégias de desenvolvimento na agricultura, onde o uso de agrotóxicos será eliminado das práticas de manejo, mas para isso, é preciso primeiramente entender os conceitos e princípios da Agroecologia e a partir daí desenvolver novas estratégias e de-senhos agroecológicos mais sustentáveis, que são a base desta nova Extensão Rural proposta.

No entanto, alcançar o objetivo de contribuir no desenvolvimento da agricultura de maneira sustentável, cumprindo com a Missão da Insti-tuição ao mesmo tempo em que se adapta aos princípios e às diretrizes estabelecidas na legis-lação brasileira (Lei 21.188/2010), não será pos-sível enquanto a entidade não tomar a decisão política neste sentido, orientando seus profissio-nais, formalmente, na perspectiva da sustentabi-lidade. Até que isso ocorra, a orientação técnica irá continuar a ser baseada em pacotes tecnoló-gicos da agricultura convencional agroquímica.

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REFERÊNCIAS

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A recepção radiofônica em assentamentos rurais

GUINDANI, Joel Felipe 1

ResumoApresenta os sentidos da recepção radiofôni-ca a partir de depoimentos de trabalhadores rurais assentados pelo programa de Reforma agrária. Foram entrevistados jovens, adul-tos, crianças, idosos, homens e mulheres, os quais nos revelaram os diversos sentidos e significações da recepção radiofônica. Deta-lha alguns aspectos sociológicos do rádio e identifica a recepção radiofônica associada a diversos ordenamentos culturais e econômi-cos, os quais afetam o ritmo das sociabilida-des interpessoais, bem as distintas vivências e práticas comunitárias.

Palavras-chaves: Recepção radiofônica. Produção de sentido. Rádio rural. Assentamento rural. Agricultor.

1 Professor Assistente da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Doutorando no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos

(UNISINOS). Rua: Coronel Lago, 1752, apto B07, centro. São Borja (RS). E-Mail: [email protected].

Abstract This paper presents the sense of radio recep-tion as from statements of rural workers set-tled through the agrarian reform program. Have been interviewed youth, adults, chil-drens, elderly, men and women, which reve-aled in the various senses and meanings of radio reception. Details some sociological as-pects of radio reception. Also identifies radio reception associated with different cultural and economic factors, that affect on the pace of interpersonal sociability and different ex-periences and community practices.

Keywords: Radio reception. Sense production. Rural radio. Rural settlement. Farmer.

1 INTRODUÇÃOEste artigo é fruto de uma pesquisa partici-

pante, realizada em março de 2012, em assen-tamentos rurais da reforma agrária, do municí-pio de Abelardo Luz, região oeste catarinense. O objetivo é apresentar alguns dos sentidos da recepção radiofônica identificados no cotidia-no dos trabalhadores, os quais afirmam ser o rádio o veículo comunicacional de referência.

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Foram entrevistados 10 agricultores: jovens, adultos, crianças, idosos, homens e mulheres, os quais nos revelaram o sentido complexo e significativo da recepção radiofônica.

Assim, falar de recepção radiofônica a partir do meio rural é ir além, apenas, do consumo informacional, musical, ou da mera intros-pecção de sonoridades. A recepção radiofôni-ca compõe, historicamente, diversos aspectos subjetivos, os quais incidem nos ordenamentos culturais e econômicos, provocando o ritmo das sociabilidades interpessoais, bem como das distintas vivências comunitárias.

O presente artigo estrutura-se em três di-mensões: caracterização sociológica do rádio; fundamentação teórica da recepção, e o relato dos trabalhadores rurais sobre os sentidos da escuta radiofônica.

2 O RÁDIO APROXIMA E CONSTRÓI A REALIDADE

“... Se eu não ligar o rádio, parece que o dia não começou.”

(Antônio, ouvinte)2

Antes de se fazer presente em 91,4% dos lares brasileiros3, o rádio nasceu em berço de ouro. As chamadas “sociedades”, compostas por intelectuais, empresários e políticos, foram as primeiras a se apropriar dessa tecnologia com o objetivo de atender as suas demandas econômicas, educativas ou culturais. Interli-gada a isso, decorreu a popularização tecno-lógica, sobretudo no meio rural. A disposição de ser compreendido por um público cada vez mais plural e geograficamente segmentado, faz do rádio um eficaz meio a serviço da trans-missão ao vivo dos fatos atuais.

O rádio trouxe a possibilidade de uma pes-soa falar a uma multidão dispersa fisicamen-te, como o fez, pela primeira vez na história brasileira, o presidente da República Epitá-cio da Silva Pessoa, no dia 7 de setembro de 1922. Por outro lado, o rádio também foi se tornando um instrumento para se escutar a sós ou com a família; o companheiro das horas solitárias; o remédio para os que não tinham

amizade; a comunicação com os analfabetos.Quando abordamos a comunicação em cida-

des do interior ou da zona rural, não podemos deixar de considerar que estamos tratando de uma região onde a informação oficial sempre esteve dependente de alguma emissora de rá-dio. Nesse sentido, o rádio deve ser analisado não apenas como um simples instrumento de comunicação, mas como um campo social (BOURDIEU, 2001), com regras historicamen-te definidas, as quais legitimam informações, constroem a credibilidade, como a própria reali-dade. Por meio do rádio, os acontecimentos, bem como as relações sociais, são deslocados de seus contextos locais e reestruturados, “[...] através de extensões indefinidas de tempo-espaço” (GI-DDENS, 1991, p. 29). A presença massiva do rádio também se deve a sua praticidade tecno-lógica. Trata-se de um veículo de comunicação de fácil acomodação, podendo ser deixado sob o armário, ao lado da cama, dentro do carro, pen-durado em uma árvore, ou até mesmo dentro do bolso. Por esses e tantos outros motivos, o rádio é um meio de comunicação que se ajusta ao ou-vinte e que se deixa reger pela cotidianidade de seus receptores (MATA, 1991).

O rádio é um produtor de sonhos para es-pectadores perfeitamente despertos (BALSE-

2 Para manter a privacidade dos entrevistados, os no-mes foram substituídos por codinomes.

3 Dados divulgados em 30 de março de 2012 pelo Ins-tituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pela Fe-deração Brasileira das Associações Científicas de Comu-nicação (Socicom).

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BRE, 1984). Em outras palavras, a tecnologia radiofônica atua não apenas como mediadora, mas como um campo produtor de sentidos, os quais inferem profundamente na es-trutural social, nas individualidades e sociabilidades. Salienta Balsebre (1984), que o estabelecimento, ou não, da comunicação/recepção de-penderá da proximidade sociocultu-ral entre emissor e receptor, o que nos leva a definir que a constituição da linguagem radiofônica é constru-ída à medida que se estabelecem ou-tras aproximações ou tentativas de comunicação.

Para Bachelard (1985), todo o pla-neta está ocupado em falar. Assim, o rádio en-tra em cena e se constitui como a primeira e mais perfeita realização dessa necessidade hu-mana. No entanto, no texto sobre teoria do rá-dio, Brecht (apud BASSETS, 1981) alerta que um homem que tem algo para dizer e não en-contra ouvintes está em má situação. Também estão em má situação os ouvintes que não en-contram quem tenha algo para lhes dizer. Esse aspecto é fundamental para compreendermos a diversidade de sentidos produzida pelo cam-po da comunicação radiofônica, assunto que abordaremos a seguir.

3 OS SENTIDOS DA RECEPÇÃO RADIOFÔNICA

“Sem a possibilidade de retorno ou corre-ção, o signo sonoro, efêmero e inscrito tem-poralmente, encontra em cada ouvinte a sua possibilidade de ressonância e, portanto, de perpetuação”.

(SILVA, 1999, p. 41)

A apropriação ou o consumo de conteúdos ra-diofônicos constitui uma ambiência comunica-cional (SODRÉ, 2002), ou um campo sócio-sim-bólico em constante interconexão entre: meios de comunicação, ouvinte e suas demais práticas cotidianas, sejam econômicas, culturais ou so-ciais. Assim, compreender a produção de senti-

dos requer a entrada no cotidiano dos ouvintes, destacando os modos como esses usam e se rela-cionam com os meios de comunicação.

A produção de sentido é parte da recepção e, ao mesmo tempo, continuidade dela. Ou seja, a recepção não termina quando o ouvinte des-liga o rádio. Pelo contrário, os ouvintes entre-vistados4 comentam sobre os programas que escutam, falam dos conteúdos e das músicas preferidas, mas, também, relatam sobre os de-mais acontecimentos e práticas que vão além do momento da audiência. Como destaca Jairo Grisa (2003), a produção de sentido nos reme-te a questões até mesmo existenciais desse re-ceptor e de suas relações com o meio radiofôni-co. Da mesma forma, a mensagem radiofônica só pode ser compreendida como algo incomple-to e dinâmico, que prescinde da atividade de leitura do receptor enquanto sujeito integrado a distintas ações sociais, sejam individuais ou comunitárias (OLIVEIRA, 2007).

Por esse mesmo caminho, Barbero (1987) afirma que a recepção deve ser observada tan-to a partir dos lugares onde os receptores con-somem a programação quanto dos espaços nos quais esses receptores transitam. Isso porque

4 A pesquisa foi realizada nos meses de janeiro e feve-reiro de 2012. A entrada em campo e as abordagens es-tão fundamentadas no método Etnográfico (CÁCERES, 1998) e na técnica metodológica de entrevistas semi--estruturadas (SIERRA, 1998).

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o conteúdo radiofônico é apropriado enquanto o sujeito realiza outras ati-vidades, conversa com outras pessoas, está atento a inúmeras imagens e a tantos outros sons que o rodeia.

Bourdieu (1998), em sua vasta ati-vidade de pesquisa de campo, tam-bém nos auxilia na compreensão da recepção radiofônica. Para esse autor, o consumo cultural, seja de conteúdos midiáticos, como de objetos materiais, é resultante de uma interação entre posição social e estilos de vida. Assim, o consumo cultural − que neste arti-go se refere ao conteúdo radiofônico − está intimamente ligado à possibi-lidade de acesso à tecnologia e, sobretudo, às competências sociais, condições econômicas, culturais e educacionais do receptor e da sua posição social.

Para a pesquisadora argentina Maria Cristi-na Mata (1991, p. 41), a dimensão da recepção radiofônica e a decorrente ambiência comuni-cacional também podem ser entendidas como operações nas quais se colocam totalmente em jogo necessidades, sonhos, desejos, experiên-cias dos receptores, o que pode gerar um “[...] verdadeiro sistema de adesões e rejeições”. A constatação dessa autora é verificável na maioria dos discursos dos entrevistados, para os quais os sentidos da escuta radiofônica não são lineares ou contínuos: “[...] nem sempre o rádio transmite o que a gente espera ouvir”, ressaltou, por exemplo, Ana Paula, agriculto-ra assentada e ouvinte da Rádio Rainha das Quedas AM5. Esse depoimento nos possibilita identificar as continuidades e as rupturas que se produzem entre o conteúdo midiático e os sujeitos consumidores (MATA, 1991).

Dona Terezinha, agricultura assentada desde 1985, relatou que “[...] o rádio está sem-pre ligado. Só desligo quando chega alguém. Aí, o rádio pode atrapalhar a conversa”, com-pletou. Percebe-se que os sentidos de parce-ria entre rádio e o ouvinte estão atrelados aos

demais acontecimentos cotidianos. “No geral, ele [rádio] sempre está com a gente. Mas, como te disse, depende das coisas que a gente está fazendo”, continuou dona Terezinha.

O mundo rígido do trabalho, imposição do sistema capitalista, que ordenou a vida rural através da aceleração da produção (BARBERO, 1997), é aspecto determinante do sentido de parceria radiofônico. Ou como relatou Ermildo: “Chego em casa trabalho ‘quebrado’. O rádio é o companheiro pra gente descansar. Eu trabalho o dia todo para dar conta da produção. Isso dei-xa a gente no final do dia muito cansado”.

Os sentidos da escuta radiofônica também são identificáveis na trajetória de vida dos ou-vintes. Estudante e filho de agricultor, André, 23 anos, comentou que o rádio é o meio de co-municação mais presente em sua vida: “[...] desde pequeno, eu também assisto a televi-são, mas eu assistia algumas coisas e depois desligava. Mas com o rádio era o dia todo. Até hoje, se tu for ver, o rádio fica mais ligado do que a televisão”. O jovem, enquanto conversa-va, retirou da sua mochila um aparelho MP4, e com agilidade sintonizou a rádio 101,3 FM. “Entro no ônibus e vou até Xanxerê escutan-do. Meio dormindo às vezes, mas sempre es-cutando uma ‘musiquinha’”, afirmou.

Em frente ao posto de saúde do Assenta-mento 25 de Maio, está Marilene. Para ela, o sentido de parceria radiofônica varia de acor-do com a emissora. “Eu sinto mais vontade

5 As rádios citadas pelos entrevistados são: Rádio Rainha das Quedas AM, Rádio Bebedouro FM, Rádio 101,3 FM e Rádio Comunitária Terra Livre FM.

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municador aos ouvintes, desde as solicitações mu-sicais até aqueles pedidos de ajuda material, como doações e anúncios.

Os sentidos da escuta radiofônica também de-notam a função lúdica do rádio. “Eu escuto muito o rádio para me distrair e dar umas risadas”, rela-tou Dona Jandira, ouvin-te de várias emissoras. “Tem um locutor da rá-dio da cidade que, de tão ruim, chega a ser engra-çado, [...] distrai e gente”, comentou. Dona Jandira ainda atribui ao rádio a função de “alegrar o dia,

principalmente quando está chovendo, e a gente não pode fazer os serviços da roça”.

O sentido lúdico é também referendado por Luiz, agricultor aposentado. Com as mãos ca-lejadas, Luiz afirmou, apontando com o dedo para o rádio que está em cima da mesa da co-zinha: “A gente gosta das notícias, mas o que me chama a atenção no rádio daqui (Terra Li-vre FM) é a gurizada que toca umas músicas mais animadas. Às vezes, eu aumento o volu-me, que até a minha ‘velha’ reclama”.

No caso evidenciado, “entreter-se” através do rádio pode ser considerada uma ação social ativada pela predominância da programação musical nas emissoras citadas. O sentido do lúdico é acionado por outros conteúdos que possibilitam a interação dos ouvintes, como explica Terezinha:

[...] de vez em quando o guri que faz o pro-grama de manhã [Rádio Terra Livre FM] inventa umas perguntas que olha, “Deus me livre”. Eu até peço pra “nena” [sua neta] escrever. Aí, a gente se diverte e ela, que tá começando a ir à escola, também aprende.

Da escuta de Dona Terezinha, evidencia-se o sentido pedagógico; sentido considerado pe-

de escutar a rádio comunitária do que a rádio da cidade. A rádio comunitária é mais nossa. Por que até meu filho já foi locutor”, contou. Esse depoimento também realça a diferença existente entre os sentidos gerados pelos mo-delos de emissoras comercial e comunitária. Nesse sentido, a fala de Marilene correspon-de ao que Mata (1991) denomina de recepção ativa e cidadã: essa ouvinte questiona e reco-nhece “[...] sua exclusão do discurso radiofôni-co como sujeitos políticos e produtivos, como limite de conflitos econômicos e de poder” (MATA, 1991, p. 45).

Na perspectiva de Marilene, os sentidos da recepção radiofônica não são respostas auto-máticas a qualquer emissão de conteúdo. A distinção entre o “fazer rádio comercial e o fazer rádio comunitária” são condicionantes para o estabelecimento, ou não, da recepção: “Eu digo que a Rádio Terra Livre é mais par-ceira porque a gente sabe que todo o ano vai mudar a direção, os locutores [...], e a gente não precisa pagar nada pra divulgar anúncio das nossas festas e da escola”, comentou Ma-rilene. O sentido de solidariedade é outro ele-mento indispensável da escuta radiofônica. Os atos de bondade e de cooperação também são perceptíveis no atendimento cordial do co-

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los historiadores como o primeiro motor do rá-dio brasileiro, ou o sonho que levou Roquette Pinto a criar a Rádio Sociedade Rio Janeiro, em 1923. O sentido pedagógico é inerente ao processo de recepção radiofônica, pois a comu-nicação só é estabelecida quando se efetiva a compreensão ou a assimilação de diversas in-formações pelo receptor. O ato de escutar é um ato pedagógico (FREIRE, 1984).

Vale pontuar, segundo Ferrareto (2001), que a recepção radiofônica, de modo geral, situa-se no ato de ouvir e de escutar. O ato de ouvir está centrado no campo da passividade, do modo automático, enquanto que o escutar implica uma atenção mais ativa e desperta. Enquanto escuta, a recepção radiofônica for-mula perguntas e sugere respostas, incremen-tando os modos dispersos da audição. O es-cutar engloba todo o circuito do pensamento. Essa teorização pode ser exemplificada com o depoimento de Aluir, agricultor e ouvinte da Rádio Bebedouro FM. “[...] tem horas que a gente fica mais atento, mas quando a gente tá na lida com outras coisas, a nossa atenção está mais ocupada com os trabalhos do que com o rádio. A não ser que seja uma notícia importante”, contou o agricultor.

Como já relatado anteriormente, a recepção radiofônica nem sempre é linear ou apenas positiva. O sentido de desconfiança também é identificado no depoimento dos entrevistados. Para Leonilda, agricultora e dona de casa, o rádio também é um espaço capaz de produzir desgostos e insatisfações:

[...] eu fui na rádio da cidade reclamar do transporte aqui para os assentamentos. Quando cheguei em casa liguei o rádio e es-cutei um vereador ‘cara-de-pau’ dizendo que estava tudo bem. E o locutor concordando com ele. Isso meu deu um ódio. Nunca mais liguei nessa rádio.

O sentido de insatisfação e o posterior des-ligamento do ouvinte com a emissora legiti-mam a reflexão proposta por Mata (1991) de que os processos de recepção estão condicio-nados aos atos de aproximação e distancia-

mento entre emissora e ouvinte. Nesse caso, o ato de aproximação da ouvinte, que a colocou no patamar de produtora de informação ou de informante de pautas para a programação radiofônica, proporcionou o desvelamento das estruturas econômicas e políticas nas quais a emissora está vinculada. A ouvinte comple-menta: “[...] depois, eu descobri que o locutor tinha sido cabo eleitoral do prefeito”.

Assim, é indispensável perceber que os sen-tidos da recepção radiofônica estão em perma-nente construção, como “[...] produtos de um determinado meio em inseparável conjunção com as mudanças de época [...], o crescimen-to das cidades, a ascensão social relativa e a ampliação da sua cidadania política” (MATA, 1991, p. 47).

A afetividade foi outro sentido da recepção radiofônica revelada por Alberto, agricultor e pequeno comerciante no assentamento 25 de maio. Enquanto arrumava a erva-mate na cuia, Alberto relatou:

[...] eu já me emocionei escutando o rádio. Foi num daqueles dias que a gente lembra da dificuldade que foi conseguir esse pedaço de terra [...] de ser chamado de invasor e até de bandido. No caminhão da mudança de vez em quando eu ligava o rádio pra distrair o povo. Até agora, quando toca uma moda de viola eu me lembro e até me emociono.

O rádio se apresenta como espaço simbó-lico produtor de afetividade, de intimidade, proporcionando aos receptores o estabeleci-mento de laços emocionais e de reativação da memória (GRISA, 2003). Esses aspectos são recorrentes em quase todos os depoimentos. Para Luiza, esposa de Alberto, ligar o rádio é um ato de se religar ao passado: “[...] eu sempre gosto de pedir a música ‘Tropeiro Ve-lho’, do Teixeirinha. Lembro-me do meu pai, falecido não faz muito, agricultor sem ter-ra, que trabalhou até o último dia da vida”. Dona Luiza também relata que os sentidos da escuta se prolongam para os espaços de sociabilidade, do trabalho comunitário que desenvolve nos assentamentos da região. A

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ouvinte contextualiza esses sen-tidos nas práticas cotidianas que excedem o espaço da casa, como a rua, o salão de festas comunitá-rio, a escola, o posto de saúde e o transporte coletivo.

Dona Luiza comentou que es-cutar o rádio é importante para “[...] não ficar fora da conversa. A conversa das pessoas sempre vai muito pelo que está dando no rá-dio”. A sociabilidade - que aconte-ce na prática de atividades comu-nitárias - também é identificada como um dos sentidos mais esti-mulados pela recepção radiofôni-ca. Esse fato nos autoriza a definir o rádio como veículo de comunica-ção da rua, da comunidade, da convivência, que excede os estúdios e o próprio espaço do-méstico. O sentido de sociabilidade atribuí-do à recepção radiofônica é complementar à onipresença da mídia, a partir da qual “as sociabilidades acabam sendo conformadas por ela, de maneira que as organizações e os indivíduos, em regra, buscam produzir seus próprios efeitos midiáticos, introjetando for-mas de fazer específicas do mundo comunica-cional” (GOMES, 2008, p. 28).

Com o rádio, a vivências comunitária po-tencializa-se como ambiente carregado de “virtualidade”, que amplia para o sujeito novas possibilidades de ser e de conviver. Não se trata de ser e de conviver de modo determinado ou totalmente alheio às afeta-ções midiáticas. Negociações, aproximações, distanciamentos e complementaridades são as forças que regulam as distintas relações entre rádio e ouvinte. Em um cenário per-meado de novas tecnologias, a recepção ra-diofônica ganha novas possibilidades e novos sentidos, os quais incidem, profundamente, nas vivencias coletivas.

Assim o campo radiofônico necessita de uma produção orientada por um aprendiza-do a partir da sociabilidade. Esse espaço mi-diático e midiatizante é dotado de potencia-lidades e, mediante a intervenção humana,

ganha novos rumos e orienta caminhos para os que dele se apropriam. Como nos ensina Denise Cogo, o campo radiofônico possui suas lógicas, “[...] ao mesmo tempo em que também esses atores se apropriam e reelabo-ram tais lógicas, transformando a esfera das mídias em um espaço simbólico de conflitos, disputas e negociações” (COGO, 2004, p. 43).

4 CONCLUSÃOMesmo interagindo com “modernos” re-

cursos tecnológicos, a palavra radiofônica permanece palavra viva, imaginada; palavra interpretada e partilhada; palavra bem dita e bem falada. A voz radiofônica é uma fonte instigadora de experiências sensoriais mais complexas do que qualquer outro meio de co-municação. Vale destacar, que a palavra, te-cida com o texto escrito, efeitos sonoros e a improvisação verbal, permite ao rádio se ins-taurar rapidamente por todos os campos da imaginação humana, antes, ação exclusiva do teatro e da música.

Como percebemos, a complexa produção de sentidos ativada pelos distintos modos de recepção nos obriga a contemplar o ouvinte como algo bem maior do que um dado esta-tístico isolado, que pode ser medido por uma pesquisa de audiência. A apropriação e a sig-nificação dos conteúdos ou das mensagens ra-

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REFERÊNCIAS

diofônicas permanecem um signo aberto, de-cifrável, mas misterioso, fator que nos motiva a pesquisar, ir a campo, conversar e dar a voz a quem mais entende de rádio: o ouvinte.

Este estudo nos revela que a produção de sentidos conjuga-se às demais práticas coti-dianas, sejam econômicas, sociais, culturais, mas nem sempre se revelam em grandes ges-

tos ou acontecimentos, pois permanecem nas sutilizas, do ver, do gostar, do tocar, do ruí-do e de tantas sensibilidades importantes do acontecer humano. Fortemente articulado ao cotidiano dos trabalhadores rurais, a recepção radiofônica se instaura como fonte de sentidos da vivência comunitária, que orienta discursos individuais e, sobretudo projetos coletivos.

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Lei dos Agrotóxicos completa 30 anosNeste ano, o Rio Grande do Sul comemorou os 30 anos da aprovação da Lei nº 7.747/1982, mais conhecida como a Lei dos Agrotóxicos. A legisla-ção gaúcha, além de ser a pioneira, é, até hoje, a única no país. O projeto, de autoria do deputado Antenor Ferrari (MDB), foi amplamente discuti-do na sociedade e levado à votação no dia 2 de dezembro de 1982. O então governador biônico, Amaral de Souza, vetou vários itens, descaracte-rizando-o. Em 14 de abril do ano seguinte, em nova votação, todos os vetos foram derrubados, com 46 votos favoráveis dos deputados, prevale-cendo o projeto original, sancionado poucos dias depois pelo governador eleito na ocasião, Jair So-ares. A lei propôs o regramento do controle de agrotóxicos e outros biocidas em nível estadual e determinou que agrotóxicos, quando impor-tados, deveriam ter o uso permitido no país de origem. A legislação gaúcha promoveu uma dis-cussão importante e é, até os dias de hoje, a única do gênero no país.

Agroecologia será tema de três eventos em Porto Alegre

Em 2013, Porto Alegre será a sede do Con-gresso Brasileiro de Agroecologia, evento que completa um ciclo de dez anos desde o início da sua realização. Em suas primeiras edições, o congresso era anual, passando posteriormente a ser realizado bianualmente. Retornando ao local de origem, o VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA-Agroecologia) será realizado na capital gaúcha, de 25 a 28 de novembro, no Centro de Eventos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Além do Congresso, ocorrem, no mesmo período e local, os seminários internacional e estadual so-bre Agroecologia.

O VIII CBA-Agroecologia é uma promoção da As-sociação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroe-cologia), tendo Gervásio Paulus, diretor técnico da Emater/RS-Ascar, como presidente, e está sendo construído por um amplo conjunto de ins-tituições governamentais e não-governamentais de forma participativa.

Neste Congresso, a temática central é “Agroe-

cologia: cuidando da saúde do planeta”, e os ei-xos temáticos da discussão serão: Agroecologia e saúde humana; Agroecologia como base para a Educação; reinventando a Economia; diversidade como condição fundamental da saúde do planeta; e saúde do agroecossistema.

Eucalipto e pínus são ameaças à preservação do Bioma Pampa

Um levantamento coordenado pela professora Ilsi Boldrini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), demonstra que os campos sulinos concentram uma diversidade vegetal três vezes maior que a da floresta, quando se leva em conta a proporção da área ocupada por cada bioma.

Os dados foram apresentados no segundo even-to do Ciclo de Conferências 2013 do Biota Edu-cação, organizado pelo Programa Biota-FAPESP, que teve como tema o Pampa.

Com 176 mil km², o Bioma Pampa era conside-rado parte da Mata Atlântica até 2004. Original-mente, ocupava 63% do território gaúcho. Hoje, apenas 36% dessa área ainda estão cobertos pela vegetação original.

Como explica a pesquisadora, a paisagem cam-pestre pode parecer homogênea e pobre para quem não conhece, mas nesse pequeno rema-nescente do bioma foram mapeados 2.169 tá-xons – a maioria, espécies diferentes, perten-centes a 502 gêneros e 89 famílias. Desses, 990 táxons são exclusivos do Pampa. Trata-se de um número grande para uma área pequena. Boldrini explica que, no Cerrado, por exemplo, são 7 mil espécies em 3 milhões de km².

Conforme a pesquisadora, aproximadamente um milhão de hectares – ou 25% do Bioma Pampa – foi ocupado nos últimos cinco anos por florestas de eucalipto e de pínus, que visam a abastecer a indústria de papel e celulose. Poucas plantas nati-vas sobrevivem debaixo das árvores, pois há pou-ca luz disponível e as espécies de campo aberto precisam de muito sol.

Agrotóxicos proibidos em outros países são usados no Brasil

A Campanha Permanente Contra os Agrotóxi-

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49Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, set./dez., 2012.

cos e Pela Vida, que mobiliza cerca de 70 grandes organizações, está divulgando nacionalmente um abaixo-assinado, que pode ser impresso ou assina-do virtualmente, chamando a atenção para o uso abusivo, no Brasil, de venenos usados nas lavouras. O alvo principal são 14 tipos de agrotóxicos, que têm em sua composição princípios ativos banidos em dezenas de países. Entre eles estão o Endosul-fan (proibido em 45 países), Cihexatina (vedado na União Europeia, na Austrália, no Canadá, nos Estados Unidos, na China, no Japão, na Líbia, no Paquistão e na Tailândia, entre outros), e Metami-dofós (proibido na União Europeia, na China, na Índia e na Indonésia).

Nos últimos quatro anos, o Brasil ultrapassou os Es-tados Unidos e passou a ocupar a posição de maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Enquanto que, no mundo, a média do uso desses produtos cresceu 93%, entre 2000 e 2010, no Brasil, o per-centual foi muito superior, chegando a 190%.

A lista completa e detalhada de agrotóxicos que têm componentes proibidos em outros países pode ser acessada na página da campanha: http://www.contraosagrotoxicos.org/. Nesse mesmo endereço, é possível assinar a petição online.

Filme aponta a viabilidade da Agroecologia para alimentar o planeta

Alimentar o Planeta Terra sem pesticidas é possível, afirma a jornalista francesa Marie-Mo-nique Robin, que, após revelar em um filme o envolvimento do exército francês na Operação Condor e denunciar a multinacional Monsanto, defende em seu novo trabalho a Agroecologia. Com o documentário “Les Moissons du futur” (As colheitas do futuro), Morin encerra a trilogia sobre a contaminação alimentar que começou, em 2008, com “O mundo segundo Monsanto”, sobre a empresa agroquímica norte-americana Monsanto, e “Nosso veneno cotidiano”, uma produção de 2010. Robin também é autora de vários filmes sobre os direitos humanos na Amé-rica Latina, entre eles “Esquadrões da morte, a escola francesa”, de 2003, no qual revela um acordo de cooperação militar secreto entre Pa-ris e Buenos Aires.

Robin afirma que após produzir os dois primei-ros filmes sobre a questão da contaminação dos alimentos, participou de várias conferências nas quais as pessoas perguntavam a ela se é possível alimentar o mundo sem pesticidas. A cineasta ex-plica que para tentar responder esta pergunta, percorreu o planeta, do Japão ao México, pas-sando por Quênia e Estados Unidos, reunindo-se com camponeses, agricultores, agrônomos e es-pecialistas e, dessa forma, compôs o seu terceiro documentário sobre o tema.

Seu veredicto é taxativo: não apenas é possível pro-duzir alimentos em quantidade suficiente para que o mundo não passe fome, e também sem prejudi-car o planeta, mas “se agora não se pode alimentar o mundo, a culpa é dos pesticidas”, assegura.

Uso de satélites agiliza proteção da Floresta Amazônica

A degradação da Floresta Amazônica apresenta tendência de queda. Em abril deste ano, o Siste-ma de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter) contabilizou 147 km² de alertas de desmatamento, o que representa uma diminuição de 37% em relação ao mesmo mês do ano passa-do. A redução foi ainda mais expressiva em março, quando foram registrados 28 km² de devastação, 53% a menos do que os 60 km² registrados no período anterior.

O Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Es-paciais (Inpe), é um levantamento com base em imagens capturadas por satélite todos os dias. O dado funciona como análise da mudança de pai-sagem da Amazônia Legal, que pode ocorrer por motivos que vão desde o desmatamento até as queimadas. O sistema funciona como um suporte para a fiscalização. As áreas degradadas menores que 25 hectares, no entanto, não são observadas pelo Deter.

Assim que o Deter emite um alerta de desma-tamento, as equipes de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) dirigem-se ao local para verificar a situação. Além disso, bases autô-nomas e móveis espalham-se pelos pontos mais críticos da Amazônia.

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Ater indígena: etnografia da ambientalização de uma prática conflituosa de desenvolvimento

SOARES, Mariana de Andrade 1,

ResumoO conceito de “ambientalização dos conflitos sociais”, proposto por Leite Lopez (2004), tem sido reiteradamente citado em estudos antro-pológicos recentes para retratar processos de desconstrução de lógicas desenvolvimentistas, nas diversas áreas públicas, apontando para a complexidade das percepções sobre os fenôme-nos que tendem a reduzir ou despolitizar prá-ticas e ações micro sociais que agenciam novas questões públicas. Inspirada nessa provocação conceitual, objetivamos uma etnografia das ações e discursividades da Assistência Técni-ca e Extensão Rural (ATER), responsável pela implementação de políticas públicas de etnode-senvolvimento, na experiência vivenciada pe-los coletivos Guarani no Rio Grande do Sul. O

1 Doutora em Antropologia Social. Antropóloga da EMATER/RS-ASCAR. Rua Botafogo, 1051/4º andar.

Bairro Menino Deus, Porto Alegre - RS, CEP: 90150-053. Fone: (51) 2125-3087. E-mail: [email protected].

potencial etnográfico se coloca como estratégia para apontar os limites e os próprios desafios da execução de uma política que se propõe de fato de “desenvolvimento indígena”.

Palavras-chave: Etnodesenvolvimento. Coletivos indígenas. Assistência técnica. Extensão rural.

AbstractThe concept of “greening of social conflicts”, proposed by Leite Lopez (2004), has been repe-atedly cited in recent anthropological studies to portray deconstruction processes of develo-pmental logic in several areas, pointing to the complexity of perceptions about the phenomena tend to reduce or depoliticize micro social practi-ces and actions that promote new public issues. Inspired by this conceptual provocation, aimed ethnography of the actions and discourses of Technical Assistance and Rural Extension (TARE), responsible for implementing public policies of ethno development, on experience li-

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ved by collective Guarani in Rio Grande do Sul. The potential arises as ethnographic strategy to point out the limitations and challenges of their own implementation of a policy that aims to fact “indigenous development”.

Keywords: Ethno development. Indigenous collectives. Technical assistance. Rural extension.

1 INTRODUÇÃOA Constituição Federal de 1988 pode ser consi-

derada uma resposta positiva à luta política dos indígenas, tanto em função do reconhecimento do direito originário sobre suas terras tradicionais, como da explicitação do respeito as suas diferen-ças culturais e linguísticas (SANTOS, 1995).

Além do texto constitucional, a legislação inter-nacional, como a Convenção nº. 169 da Organiza-ção Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais2 e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, ga-rantiu a autodeterminação dos povos indígenas, indicando novos parâmetros para a relação do Estado e da sociedade brasileira e os indígenas (ARAÚJO; LEITÃO, 2002; SOUZA, 2004).

A responsabilidade sobre as políticas indige-nistas, antes exclusividade da União, através do seu órgão indigenista oficial, passou a ser tam-bém de atribuição dos estados e municípios.

No contexto político-social, pós-Constituição Federal de 1988, constata-se, por um lado, a luta política dos coletivos indígenas pela efetiva ga-rantia dos seus direitos e, por outro lado, as ações do poder público (União, estados e municípios) no sentido de dar respostas as essas reivindicações, através da formulação de políticas públicas.

No Rio Grande do Sul, desde sua Constituição Estadual de 1989, no artigo 264, fica determinado que “[...] o Estado promoverá e incentivará a auto-preservação das comunidades indígenas, assegu-

rando-lhes o direito a sua cultura e organização social”, atribuindo-lhe a responsabilidade sobre a elaboração das políticas públicas específicas3. (RIO GRANDE DO SUL, 1989, p. 71).

A partir da segunda metade da década de 90, do século XX, emerge no discurso oficial governa-mental do Estado, a necessidade de políticas pú-blicas de etnodesenvolvimento, a fim de reverter e/ou minimizar os impactos ambientais e socio-culturais do modelo de desenvolvimento adotado pela sociedade ocidental contemporânea sobre os coletivos indígenas (território e modo de vida) e contribuir no processo de construção do seu pró-prio desenvolvimento.

Para fins desse artigo, será aqui utilizado o conceito de etnodesenvolvimento quando se esti-ver referindo à política indigenista governamen-tal que se constitui, ao nível de discurso, da ideia de que os coletivos indígenas podem garantir sua autonomia frente ao “mundo dos não índios”, isto é, que são capazes de assumirem um projeto de vida, conforme sua especificidade cultural, como também supõe que a ação indigenista seja exerci-da dentro de padrões éticos (LIMA; BARROSO--HOFFMANN, 2002), o que Roberto Cardoso de Oliveira (2000) propôs de estabelecerem-se “rela-ções interétnicas dialógicas”.

Os coletivos Mbya Guarani são um dos públi-cos-alvo dessas políticas, considerados pelas ins-tâncias governamentais e indigenistas como os mais vulneráveis socialmente, tanto pelo processo histórico de negação e negligência do indigenismo oficial, que os consideravam “estrangeiros”, dada sua concepção de territorialidade4 e seu ethos caminhante, quanto por sua própria tática de se manterem longe do contato com os não índios.

A Secretaria da Agricultura e Abastecimen-to do Estado do Rio Grande do Sul (SAA)5 as-

2 O Brasil é signatário da Convenção, conforme Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004.

3 No ano de 1993, foi criado o Conselho Estadual do Ín-dio, reformulado pelo Decreto nº 39.660, de 11 de agosto de 1999, passando a ser denominado de Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI). O CEPI é um órgão deliberativo, normativo, consultivo e fiscalizador das políticas e das ações relacionadas aos povos indígenas no Rio Grande do Sul.

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4 Em termos territoriais, os Guarani estão concentrados na Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil. Neste último, estão distribuídos pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Cata-rina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Pará e Tocantins (LADEIRA; MATTA, 2004).

5 Na gestão da governadora Yeda Crusius (2007-2010), pas-sou a ser denominada de Secretaria da Agricultura, Pecuária, Pesca e Agronegócio (SEAPPA). Já na gestão do governador Tarso Genro (2011-2014), as políticas públicas para indígenas passaram a ser responsabilidade da então criada Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR).

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sume um papel de protagonista, nesse processo de construção das políticas públicas de etnode-senvolvimento, sob a execução da instituição oficial de Assistência Técnica e Extensão Rural- ATER (Emater/RS-Ascar), que passa a ser um novo ator social no campo da mediação da ação indigenista oficial.

Para tanto, o objetivo do artigo é realizar uma etnografia das ações e discursividades da ATER, responsável por essas políticas, tomando como referência a experiência vivenciada junto aos coletivos Guarani.

2 A ATER JUNTO AOS POVOS INDÍGENASOs serviços privado ou paraestatal de ATER

iniciaram no Brasil, no final da década de 40, inseridos no contexto da política desenvolvimen-tista pós-guerra, com o objetivo de promover o desenvolvimento de um determinado segmento social, os agricultores, através da modernização da agricultura, visando o processo de industriali-zação do país (BRASIL, 2004a).

No Rio Grande do Sul, inicialmente, foi fun-dada a Associação Sulina de Crédito e Assistên-cia Rural (Ascar), no dia 2 de junho de 1955 e, posteriormente, a Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Ex-tensão Rural (Emater/RS), em 14 de março de 1977 que, mediante um protocolo, passaram a atuar conjuntamente como prestadora oficial de serviços de ATER6, responsável pela execução de projetos e programas das três esferas de gover-no: União, estado e municípios.

Nesse sentido, não se pode deixar de consi-derar que sua própria missão institucional é orientada pelas lógicas de desenvolvimento das gestões administrativas, principalmente, do Estado. Posteriormente, com a criação do Mi-nistério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a retomada da responsabilidade do governo fede-ral sobre a prestação de serviços de ATER, nem sempre os entendimentos foram mútuos entre o Estado e a União, constituindo-se assim um campo permeado por disputas político-partidá-rias, inclusive, ocasionando divergências nas próprias ações institucionais, de acordo, com a execução de projetos e programas governamen-

tais de cada uma das esferas de governo.O papel da extensão rural, ao longo da traje-

tória da instituição, passou por um processo de adaptação a diferentes situações, em distintas épocas, impulsionado pelos próprios movimentos sociais no meio rural.

Na gestão administrativa do governador Olí-vio Dutra (1999-2002), do Partido dos Traba-lhadores (PT), o paradigma científico da Agro-ecologia começa a ser perseguido como foco de atuação da ATER, bem como o público da “agri-cultura familiar.”7

Nesse contexto, que se dá a inclusão dos po-vos indígenas8 que, de uma atuação ao nível de Estado, anos seguintes, passa a ser pautada ao nível nacional, através do MDA, colocando o de-

6 A Emater/RS-Ascar é uma sociedade civil, com per-sonalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos (EMATER/RS-ASCAR, 2005).

7 conceito na Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (BRASIL, 2004a).

8 Deve-se registrar que a Emater/RS-Ascar, desde os anos 80, desenvolveu trabalhos pontuais junto à etnia Kain-gang, na região norte do Estado.

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safio às instituições em construir uma ATER In-dígena no plural.

No Rio Grande do Sul, esse processo foi impul-sionado pelo Programa RS Rural9 (1997-2004), elaborado como uma política estadual de desen-volvimento, visando o combate à pobreza e a de-gradação ambiental no meio rural10.

A partir de 1999, houve uma transferência de responsabilidades aos extensionistas rurais para atuarem nas áreas indígenas, cujo “olhar” sobre essa realidade social foi à reprodução do mesmo paradigma proposto aos agricultores familiares, como se as expectativas de vida fossem simila-res. Ora, se os indígenas também eram conside-rados agricultores, inicialmente, a maioria dos técnicos implementou as políticas públicas de etnodesenvolvimento sob a lógica produtivista, ou seja, visando uma produção agrícola voltada para a sua subsistência, mas ao mesmo tempo, buscando otimizar um excedente para comer-cialização, afim de gerar renda (lucratividade). Mesmo que essa lógica produtivista ainda este-ja sendo reproduzida na maioria das políticas públicas indigenistas, o que se constata é a sua inadequação no (des)encontro com as demandas e necessidades dos coletivos indígenas, a fim de contribuir no processo de construção do seu pró-prio desenvolvimento.

Em comparação aos agricultores, a diferença apreendida pelos técnicos era de que os indíge-nas tratavam-se de um público ainda mais des-favorecido, porém substancializado numa cate-goria genérica de “índio”, constantemente (re)atualizada no “imaginário coletivo civilizador” da própria sociedade brasileira. Partindo do concei-to de cultura como algo estático, esse índio abs-trato tão somente é reconhecido numa distância temporal, isto é, como o primeiro habitante do país e uma das raças fundadoras do povo brasi-leiro, ao lado, do negro e do branco (colonizador); ou numa distância espacial, como a Amazônia, vivendo isolado ou com pouco contato com os não índios, nu e dotado de tecnologias rudimentares (OLIVEIRA FILHO, 1999). Muitas vezes, é jus-tamente a partir desse parâmetro que se acaba desconsiderando a própria existência de indíge-nas no sul do Brasil, onde estão localizadas as duas etnias mais populosas do país (Guarani e

Kaingang), incluindo ainda os Charrua e os Xok-leng. A diversidade cultural é reconhecida na comparação feita entre uma ou outra etnia, cuja valoração da indianidade, depende do grau de contato com os não índios.

Sem dúvida nenhuma, um dos grandes desa-fios colocados à instituição foi a capacitação de seus profissionais, inicialmente, sem um aporte de conhecimento e recursos humanos adequados para o cumprimento de suas novas responsabili-dades. Essa tarefa não é nada fácil, pela própria formação dos profissionais, que detentores de um saber científico, na prática, expressam o dis-curso da sua superioridade em relação a outras formas de ciência (LITTLE, 2002).

Se, por um lado, se tornou emergente que o Estado estabelecesse uma nova relação com os povos indígenas, por outro lado, se tinha o de-safio de que esse discurso fosse interiorizado nas suas rotinas institucionais. Todavia, toda e qualquer mediação social perpassa pelo papel do mediador, que ultrapassa os próprios siste-mas (instituição), uma vez que sua atuação se dá num campo onde lhe permite o estabelecimento de relações personalizadas com os mediados, por interesse e projetos próprios. Ou seja, muitas ve-zes, os mediadores valorizam a transmissão de seu saber para assegurar a viabilidade da ins-tituição que representam, ou a defesa da sua própria posição que ocupam num determinado campo (NEVES, 1998).

No caso da Emater/RS-Ascar, a capacitação do seu quadro funcional foi sendo entendida como um processo, portanto sendo necessária a contratação de um profissional especializado e a construção de um espaço de diálogo entre os ex-tensionistas rurais que atuam junto ao público indígena, os próprios indígenas e representantes de entidades parceiras. Enquanto antropóloga da instituição, coordenadora estadual da área de públicos diferenciados (comunidades indígenas e remanescentes de quilombos), em muitas situa-

9 Inicialmente, denominado de Pró-Rural 2000, foi viabi-lizado por meio de um empréstimo do Banco Mundial e uma contrapartida do Tesouro do Estado (LIMA et al., 2004).

10 Não é nosso objetivo analisar a execução desse Pro-grama nas áreas indígenas no Rio Grande do Sul. Ver (SO-ARES, 2010, 2012).

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ções, me foi atribuída à incumbência de dar uma “receita” de como trabalhar com os indígenas. Na minha compreensão, por mais experiência etnográfica e etnológica que eu pudesse ter ao longo da minha trajetória acadêmica e profissio-nal, não caberia a mim essa função, mas, ao con-trário, dar instrumentos teórico-metodológicos, através dos referencias da Antropologia Social, para que os extensionistas rurais pudessem estabelecer por si uma comunicação (dialogia) com os coletivos indígenas e ter a capacidade de refletir sobre si e esse encontro com uma alte-ridade. Essa questão não é restrita do trabalho com indígenas, mas justamente o método a ser adotado pela ATER que, inclusive, já vem sendo reiterado nas inúmeras capacitações realizadas pela instituição para os seus técnicos. Porém, fui percebendo que mesmo com as possíveis dificul-dades enfrentadas pelos extensionistas rurais na relação com os agricultores familiares, sen-tem-se capacitados, legítimos para exercer seu papel de mediação, pois são agricultores ou filhos de agricultores e, portanto, dominam os códigos (mesmo mundo), ou pelo menos são capazes de estabelecer uma comunicação. Muitos deles afir-mavam que “sabiam o que os agricultores que-riam”, ou seja, são capazes de prestar assistência técnica a esse público.

Oliveira (2000) propõe que o diálogo interétni-co deve se estabelecer através da construção de um espaço social, que permita um acordo inter-subjetivo em torno de regras explicitamente ou tacitamente admitidas, voltadas para a busca de um consenso, o que denomina de “comunidade de comunicação e argumentação de natureza interétnica” (ou fusão de horizontes, como de-nominado pelos hermeneutas). Entretanto, isso implica na própria organização do campo político indígena, ou seja, que tenham lideranças tanto legitimadas internamente pelas comunidades que representam quanto reconhecidas externa-mente como interlocutores no processo de ne-gociação com o Estado. Nesse processo de nego-ciação de pontos de vistas culturais existe uma série de fatores que podem vir a comprometê-lo, como assimetrias e poder, mas pela experiência vivenciada é indispensável e fundamental que ela seja perseguida e proposta pelo campo indi-

genista que, através dessa postura ética, ou seja, dessa “abertura para o outro”, os próprios indíge-nas possam ocupar e determinar seu lugar.

A atuação da ATER também veio acompanha-da por uma geração de conflitos, envolvendo di-versos setores da sociedade, que não aceitavam que a Emater/RS-Ascar se dedicasse ao trabalho com indígenas, na qual ela não dispunha de “do-mínio de conhecimento”, e que ainda fazem par-te da sua rotina.

Exemplo disso foi às disputas locais nas comu-nidades Kaingang, envolvendo técnicos da insti-tuição e servidores da FUNAI, principalmente, chefes de postos indígenas11, geradas por diver-gências na forma de atuação e responsabilidade sobre a assistência aos indígenas. Nesse contex-to, houve um investimento na formação conjunta dos técnicos de ambas as instituições, através da realização de encontros, visando à minimização dos conflitos e à construção conjunta de ações em prol dos indígenas.

Outra situação de conflito foi o próprio ques-tionamento das Prefeituras Municipais12 quanto à atuação da instituição junto às comunidades indígenas, muitas vezes, alegando os limites das equipes municipais para o atendimento da diver-sidade do público no meio rural, o que represen-

11 Os Postos Indígenas foram extintos pelo Decreto nº 7.056, de 28 de dezembro de 2009. (BRASIL, 2009).

12 Deve-se considerar que os Escritórios Municipais da Emater/RS-Ascar são mantidos através de convênios com as Prefeituras Municipais, cuja política da gestão adminis-trativa municipal também incide sobre a atuação da ATER.

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ta menos dedicação aos agricultores, entende--se geradores de impostos aos cofres públicos municipais, e em relação à própria destinação de recursos por parte do Estado, mais uma vez sob a legação da responsabilidade exclusiva da União. Em alguns casos, esse descontentamento também foi pautado pelos agricultores, princi-palmente, os residentes ao entorno às áreas indí-genas ou em conflito de interesse fundiário que, a partir de estereótipos pré-estabelecidos, reclama-vam sobre a destinação de recursos do governo para os “preguiçosos, indolentes e bêbados”.

3 ETNOGRAFANDO A ATER GUARANI O processo de ambientalização da prática de

ATER indígena foi ainda mais difícil na relação com a etnia Guarani, tendo em vista, fatores li-mitantes como o conhecimento da língua (poucos falam português) e, mais do que isso, uma cultu-ra diferenciada. Cabe apontar que, ao contrário, dos coletivos Kaingang que, desde o século XIX, foram alvo de políticas indigenistas, os Guarani mantiveram-se a margem desse processo, pri-meiramente, por negação do poder público, mas também por suas próprias táticas de relação com os não índios, o que também era uma vivência a ser experienciada e construída por eles.

A Emater/RS desenvolveu um projeto de ATER Indígena, entre os anos de 2004-200713, mediante convênio com o MDA, com o objeti-vo de construir de forma participativa com os coletivos Guarani uma ATER diferenciada. O primeiro passo, conforme reivindicação das lide-ranças Guarani, foi reunir os representantes de todas as comunidades do Estado, a fim de fazer uma discussão interna sobre desenvolvimento indígena e o papel da extensão rural. Na oportu-nidade, durante o encontro entre extensionistas rurais, representantes e lideranças (políticas e religiosas) Guarani, e de instituições que tam-bém atuam junto a essas comunidades, na fala do cacique-geral do Povo Guarani no Rio Gran-de do Sul, ficou explícito que a ATER deveria ter sua atuação no sentido do fortalecimento

do seu sistema cultural. Para tanto, pensar em desenvolvimento para os Guarani passava pela necessidade de viabilizar a construção de suas casas de rezas (opy), ou seja, garantir o espaço onde estabelecem relações com suas divindades e, consequentemente, lhes possibilitam organi-zar seu estar no mundo. Esse é um exemplo dos desencontros que podem ocorrer entre as lógicas de desenvolvimento dos indígenas e do Estado (e suas respectivas instituições e/ou políticas pú-blicas), resultando na insatisfação dos indígenas e na reafirmação de preconceitos dos não índios.

Outro exemplo que merece ser relatado ocor-reu no encontro de avaliação do primeiro ano do projeto de ATER Guarani, onde os represen-tantes indígenas tomaram a decisão de fazerem uma avaliação individual do trabalho de ATER em cada uma das suas comunidades, inclusive atribuindo-lhe uma nota. Os extensionistas ru-rais ficaram todos sentados, um ao lado do ou-tro, e os Guarani dispostos em sua frente, lado a lado, todos em pé. Cada representante Guarani que tomava a palavra, dava um passo a fren-te, e fazia uma rápida apresentação, dizendo seu nome e a comunidade na qual fazia parte. Todos os não índios presentes demonstraram surpresa, e creio que os próprios técnicos fica-ram um tanto apreensivos pela forma de ava-liação adotada. Em nenhum momento, mesmo diante das dificuldades e limites do trabalho da Emater/RS-Ascar, foi feita alguma crítica dire-ta ou repreensiva por parte dos Guarani que, em algumas situações, inclusive, atribuíam aos

13 Esse projeto foi desenvolvido entre os anos de 2004 a 2007, envolvendo 24 aldeias Guarani, localizadas em 19 municípios, beneficiando direta e indiretamente, 359 famí-lias e 1.847 pessoas.

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técnicos a equivalência como um amigo, irmão, ou seja, um aliado na sua causa. Recordo-me do momento em que um cacique foi fazer a ava-liação do técnico que atuava na sua comuni-dade. Isto porque, localmente, haviam ocorrido inúmeros problemas, tanto pela dificuldade de acesso e complicações burocráticas de execução dos projetos, como pelos próprios pré-conceitos do técnico. Nas palavras do cacique, o trabalho da instituição havia começado mal, os projetos não chegavam à comunidade, e sua própria le-gitimidade como liderança foi questionada pelos demais Guarani, uma vez que não cumpria com o seu papel de atendimento das suas deman-das e necessidades. Por outro lado, hoje, consi-derava que “[...] a Emater acompanha mais na comunidade, vai mais à comunidade, conversa com a comunidade, visita mais na comunidade. Tem que fazer mais trabalho assim, não pode acabar aqui, tem que continuar”. Para ele, o téc-nico agora era nota dez. Tanto o processo de ca-pacitação institucional deu instrumentos para o técnico “olhar” de forma diferenciada para aquela realidade quanto o envolvimento e a postura dos próprios Guarani foram elementos definidores do estabelecimento de uma relação interétnica dialógica. Além disso, mesmo que a instituição ainda venha perseguindo a constru-ção conjunta de uma ATER diferenciada, está distante de uma atuação ideal do ponto de vista dos Guarani, todavia ficou evidente o processo de cooptação mútuo. O que se deve estar alerta é que nessas relações existem relações de poder, cujo domínio do discurso hegemônico dos que exercem a ação indigenista, pode resultar na su-pressão de vontades (individuais e coletivas) dos próprios indígenas.

Em se tratando de Guarani, outra questão que chama atenção é a relação entre a mobili-dade dos grupos locais (entendida como noma-dismo) com a atuação dos técnicos e a própria implementação de políticas públicas. Isto por-que houve situações em que os técnicos demons-travam perplexidade ou estranhamento pelo fato dos Guarani caminharem e “deixarem para trás” o que havia sido investido através de polí-ticas públicas ou pelo esforço do seu trabalho. O caso mais extremo foi o da Terra Indígena Caci-

que Doble, onde os Guarani coabitavam dentro da mesma área dos Kaingang, e todas as famí-lias tomaram a decisão de acamparem junto aos trilhos da ferrovia, no município de Getúlio Vargas, em busca do reconhecimento do direito originário sobre suas terras tradicionais na TI Ka’aty/Mato Preto. Outro exemplo se refere à situação em que o extensionista rural apoiava uma determinada atividade junto a um grupo familiar que, por algum motivo, deslocava-se para outro local, o que era considerado um retro-cesso e/ou fracasso do seu trabalho. Não se pode deixar de considerar que, alguns mediadores, também atribuem para si um papel de emanci-pador e/ou salvador, pela transmissão de outras visões de mundo e pela incorporação de saberes diversos daqueles de que o grupo mediado se encontra dotado. E, justamente, a conquista de legitimidade das ações dos mediadores depende dessa capacidade de construir e circular por re-des associativas de intercomunicação e interco-

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nhecimento (NEVES, 1998). Isso não era uma exclusividade da Emater/RS-Ascar, mas uma prática bastante comum na rotina de outras instituições, como Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e Secretaria Estadual de Educação que, em diversas situações, presenciei o discurso de seus servidores de que haviam sido investi-dos recursos nas áreas indígenas, como na im-plantação de postos de saúde e escolas, e algu-mas famílias Guarani haviam se deslocado para outro local. Nas palavras de uma enfermeira: “eles têm que evoluir, ficar parado num mesmo local”. Porém, justamente, o não consenso entre todos Guarani que residem dentro de uma mes-ma área indígena, em relação a qualquer proje-to, pode ser o motivador para a sua caminhada.

4 CONSIDERAÇÕES FINAISA partir da Constituição Federal de 1988, a

política indigenista passa a ser de corresponsa-bilidade das três esferas de governo: União, Es-tados e municípios.

Na esfera federal, além do órgão indigenista oficial, o tema dos “indígenas” passa a ser se-torializado e transversal dentro da política de Estado. Todavia, se pode aqui apontar alguns problemas: o primeiro, que a fragmentação da política indigenista, envolvendo diversas ins-tâncias e esferas de governo, em algumas prá-ticas, tem revelado a incapacidade de diálogo, articulação e convergência de ações, capazes de contribuir ao processo de construção da autono-mia e autodeterminação dos povos indígenas. O segundo refere-se ao descompasso entre o dis-curso e a prática do Estado (e suas respectivas instituições) na relação com os indígenas. Isso porque, se por um lado as políticas indigenistas são construídas com o discurso da garantia dos direitos indígenas como o da autodeterminação, por outro lado, na prática, o Estado cria regra-mentos que acabam por desrespeitar os mes-mos. Em termos de projetos e programas gover-namentais no âmbito federal, tem se constatado a atribuição da responsabilidade aos indígenas pela superação dos seus próprios problemas, ou seja, considerando a sua capacidade de elaborar os seus próprios projetos de vida, mas ao mesmo tempo, transferindo-lhes a burocracia do Estado.

Com a criação do MDA e da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNA-TER), no seu artigo 5º, passam a ser beneficiá-rios dos serviços de ATER:

I- Os assentados da reforma agrária, os povos indígenas, os remanescentes de quilombos e os demais povos e comunidades tradicionais; II- nos termos da Lei n° 11.326, de 24 de julho de 2006, os agricultores familiares ou empre-endedores familiares rurais, os silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores, bem como os beneficiários de programas de colo-nização e irrigação enquadrados nos limites daquela Lei.Parágrafo único. Para comprovação da quali-dade de beneficiário da PNATER, exigir-se-á ser detentor da Declaração de Aptidão ao Pro-grama Nacional de Fortalecimento da Agricul-tura Familiar – DAP ou constar na Relação de Beneficiário – RB, homologada no Sistema de Informação do Programa de Reforma Agrária- SIPRA. (BRASIL, 2010, p. 1).

Atualmente, além da PNATER, outras políti-cas têm exigido como critério para o seu acesso, que o beneficiário tenha a DAP. No entanto, por se tratar de um instrumento elaborado para o acesso dos agricultores familiares a linhas de cré-dito (custeio e/ou investimento), são exigidas in-formações (e suas respectivas comprovações), en-tre outros, documentação (registro civil e CPF), renda, produtividade e garantia da terra. No caso específico do Programa Nacional da Agricul-tura Familiar (PRONAF), já havia sido feito uma série de críticas em relação a essa política para indígenas14. Vamos tomar como objeto de análi-se somente um desses critérios, na qual se refere a terra, devendo ser identificado se trata-se de proprietário, posseiro, arrendatário ou parceiro.

Ora, as terras indígenas são bens da União, destinadas à posse permanente dos índios e, conforme artigo 231, da Constituição Federal de 1988, § 4°: “[...] as terras de que trata esse artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os di-reitos sobre elas, imprescritíveis”. (BRASIL, 1988). Portanto, ter a posse permanente não significa o mesmo que ser posseiro, ou ter o di-

14 Para mais detalhes, ver (SOUZA, 2005).

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REFERÊNCIAS

reito a qualquer tipo de transação com a terra (SOUZA, 2005). Num acordo feito entre o MDA e a FUNAI, essa última tem desempenhado o papel de avalista dos indígenas, para o seu aces-so ao PRONAF15. A questão que se levanta é o que dizer dos indígenas que não têm acesso a terra, ocupando a margem das rodovias, terras de terceiros, o que ainda é a situação vivenciada por muitos em todo o Brasil. Será o retorno da política indigenista exclusiva para os indígenas que vivem dentro das terras indígenas? Essa definição pode representar um dos maiores re-trocessos de uma política que se quer de ATER indígena no plural. Especificamente, para o caso dos Guarani, onde prevalece a falta de re-conhecimento das suas terras tradicionais, se torna inviável a elaboração de uma DAP e, con-sequentemente, agrava-se as dificuldades para o seu acesso às políticas públicas. Por meio da organização dos indígenas, apoiados por insti-tuições governamentais e não-governamentais, vem sendo fortemente debatida essas questões, já ocorrendo algumas flexibilidades para dar conta da especificidade do público, porém neces-sitando ainda os avanços efetivos na construção de políticas públicas diferenciadas.

A etnografia das discursividades e ações da instituição oficial de ATER no Rio Grande do Sul demonstrou o quanto o processo de ambientaliza-ção de uma prática é conflituosa quando está em

jogo o próprio entendimento de desenvolvimento. Se os resultados do modelo de desenvolvimento adotado pela sociedade ocidental contemporânea iniciado no período pós-segunda guerra mundial, através da difusão de tecnologias agrícolas, vi-sando o aumento da produção e da lucratividade já revelaram suas consequências, coloca-nos o desafio da construção de um modelo alternativo para a sociedade com um todo, e isso perpassa pelo reconhecimento de modelos de desenvolvi-mento, entre eles, os indígenas. É nesse campo (BOURDIEU, 1997) que emerge situações de conflito, ainda mais quando o direito a ATER é para uma diversidade de atores sociais e nem sempre a igualdade ao acesso e a diferença de atendimento é internalizada da mesma forma, na prática, mas um processo a ser perseguido.

15 No caso do PRONAF, em muitas comunidades no Estado, os Kaingang organizados em grupos possuem a DAP e têm acesso às linhas de crédito, principalmente, para investimento na produção agrícola de soja, feijão e trigo. Os indígenas, juntamente, com as populações tra-dicionais estão incluídos em um dos quatro grupos da linha de crédito- Grupo B, identificados por suas piores condições socioeconômicas, ao mesmo tempo, que rece-bem os menores créditos. Pela regra, é possível ter acesso ao valor de até R$ 1.5000, 00 (um mil e quinhentos reais), tendo 40% de rebate (pago pelo governo), juros de 1% ao ano e seis meses de carência. Cabe apontar que, o acesso ainda é bastante restrito aos indígenas que desejam, pela falta de credibilidade na relação com o Banco do Brasil (financiador do PRONAF B).

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60Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, set./dez., 2012.

http://esthervivas.com

Site da ativista e pesquisadora espanhola Esther Vi-vas. Vivas dedica-se ao trabalho dos movimentos sociais e às políticas agrícolas e alimentares. Jor-nalista de formação, ela é mestre em Sociologia e suas principais pesquisas giram em torno da análise de alternativas de movimentos sociais (anti-globa-lização, fóruns sociais, raiva), os impactos da agri-cultura industrial e as alternativas que surgem da soberania alimentar e consumo crítico/justo. Além disso, é autora de vários livros sobre estes temas, alguns dos quais foram traduzidos para o francês, português e Italiano.

Esther Vivas tem sido uma das lideranças ativas dos movimentos de cidadãos por democracia real, ocorridos atualmente na Espanha, denominados de Movimento dos Indignados (15M).

Em seu site é possível ter acesso a vídeos, áudios, livros e artigos traduzidos para quatro línguas dis-tintas (inglês, francês, italiano e português), além do espanhol. Semanalmente é possível acessar um novo artigo.

http://ongcea.eco.br

O Centro de Estudos Ambientais (CEA) é a primei-ra organização não governamental ecológica do sul do Rio Grande do Sul, que surgiu em julho de 1983, no município de Rio Grande. O CEA centralizou suas ações nas áreas da ecopolítica, educação e di-reito ambiental.

Entre as ações do CEA recentemente premiadas, pelo Ministério da Cultura, está o Blog do CEA, espaço virtual do coletivo pela sustentabilidade, no

qual prioriza a publicização das questões ecológi-cas. No blog é possível ler diariamente notícias e artigos ecológicos com diferentes enfoques; aces-sar documentários e vídeos; conhecer a legislação ambiental; pesquisar e fazer download de diferen-tes publicações, livros, cartilhas reunidas pelo CEA. Além disso, há um espaço colaborativo chamado “mapa de lutas ecológicas” onde qualquer pessoa pode inserir seu pleito ecológico. Este espaço visa promover um panorama das ações, projetos, rei-vindicações, especialmente no Rio Grande do Sul.

O blog do CEA é um bom espaço para manter-se atualizado sobre o debate da política ambiental, acessar informações e ficar por dentro de temas como educação ambiental.

http://coletivocatarse.com.br

Catarse é um coletivo de comunicação organizado nos princípios do cooperativismo, da autogestão e da economia solidária. Desenvolve seus traba-lhos a partir de uma perspectiva de comunicação integrada, transdisciplinar e com características de produção e compartilhamento de conhecimento, fomento de redes e formação com caráter articula-dor e mobilizador, procurando, dessa forma, gerar autonomia e emancipação nos sujeitos envolvidos.

O Coletivo Catarse, desde sua constituição, vem procurando realizar cada vez mais projetos próprios, buscando parcerias com articuladores sociais, orga-nizações governamentais e não-governamentais, so-ciedade civil organizada, empreendimentos de eco-nomia solidária, pessoas e comunidades. Sob esse aspecto, já desenvolveu trabalhos com movimentos sociais, comunidades indígenas e quilombolas, em

Por Cíntia Barenho

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gestão pública, assentamentos, entre outros atores.

Em seu site é possível ter acesso a um grande acer-vo de vídeos, fotos, textos, publicações e materiais de arte gráfica.

www.agroecologiaemrede.org.br

O site Agroecologia em Rede é um espaço de infor-mações sobre iniciativas em Agroecologia. É com-posto por três bancos de dados interligados: o Ban-co de Experiências, o Banco de Pesquisas e o Banco de Contatos (pessoais e institucionais). As consul-tas e os cadastros nos bancos de dados podem ser feitas livremente pelos visitantes do sistema. São responsáveis pelo gerenciamento dos bancos de da-dos do site a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que é responsável pelo gerenciamenot do banco de experiências no Brasil; a Associação Brasi-

leira de Agroecologia (ABA), que administra o banco de pesquisas e o cadastro das experiências brasilei-ras nas áreas de ensino, pesquisa e extensão agro-ecológica e a Sociedade Científica Latino-americana de Agroecologia (Socla), responsável pelo banco de pesquisas e o cadastro de experiências de ensino, pesquisa e extensão agroecológica nos demais paí-ses latino-americanos.

www.ecologistasenaccion.org/

Ecologistas en Acción é uma confederação de grupos ecologistas da Espanha. São mais de 300 grupos atu-ando com ênfase em “ecologismo social”. Para eles os problemas ambientais têm sua origem no modelo de produção e consumo, cada vez mais globalizado, do qual também derivam outros problemas sociais e que devem ser transformados para superação da crise ecológica.

Atuam através de campanhas de sensibilização, de-núncias públicas e no âmbito do judiciário, dedican-do-se, especialmente, na elaboração de alternativas concretas e viáveis para uma vida sustentável.

Entre suas linhas de atuação destaca-se no site a pro-moção da agricultura ecológica e da soberania ali-mentar e a crítica aos transgênicos e à crise alimen-tar atual. No site é possível acessar textos, vídeos e publicações em língua espanhola.

Além disso, este coletivo está envolvido nas recentes mobilizações por “Democracia Real Já”, um movi-mento cidadão que tem levado milhares de pessoas às ruas espanholas contra as medidas de austeridade do governo espanhol e da União Europeia.

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PAULUS, Gervásio 1

Uma ciência empírica privada de reflexão e uma filosofia puramente especulativa são insuficientes; consciência sem ciência e ciên-cia sem consciência são radicalmente muti-ladas e mutilantes...

Edgar Morin (Ciência com Consciência, 1990)

ResumoNeste artigo abordo o tema da especificidade da questão camponesa no quadro dos debates da questão agrária atual. Para isso, retomo, de forma sumária, as concepções em torno da modernização tecnológica da agricultura, in-cluindo a visão dos teóricos da economia ne-oclássica, dos marxistas agrários clássicos e, por fim, a contribuição dos estudos pioneiros de Alexander Chayanov sobre o tema. Em um segundo momento, à luz das concepções teóri-cas abordadas apresento os desdobramentos no quadro de debates (e, por conseguinte, na orientação da prática política dos atores polí-ticos) da questão agrária no Brasil. Por fim, sustento que, enquanto a noção de campesi-nato remete a um conceito mais político, de

1 Engenheiro Agrônomo (UFSM), Mestre em Agroecossistemas (UFSC).

Diretor Técnico da Emater-RS/Ascar.

classe social, a noção de agricultura familiar é mais operativa, no sentido de definir tipo-logias que orientam a elaboração de políticas públicas, e discuto algumas implicações desse debate do ponto de vista dos modelos tecnoló-gicos na construção de estilos de agricultura diversos dos inspirados na concepção moder-nizante hegemônica.

Palavras-Chave: Agricultura familiar. Campesinato. Camponês. Modernização da agricultura. Políticas públicas. Reforma agrária.

AbstractThe theme of the specificity of the peasant issue within the framework of debates regar-ding the current agrarian question will be dis-cussed in this article. Therefore, I will briefly go back to the conceptions surrounding the technological modernization of agriculture, including the view of neoclassical economics theorists, classical agrarian Marxists and, fi-nally, the contribution of pioneering studies by Alexander Chayanov about the topic. Se-condly, in light of the theoretical conceptions discussed, I will present the developments in the framework of debates (and, consequently, the political practice orientation of political

A questão agrária atual: especificidades e agricultura camponesa

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players) regarding the agrarian question in Brazil. Finally, I maintain that, while the notion of peasant farming refers to a more political concept, related to social class, the notion of family farm is more operative, in terms of defining typologies that guide the creation of public policies. I will also consider some of the implications of this debate from the point of view of technological models in the construction of agricultural styles that di-ffer from those inspired by the modernizing hegemonic conception.

Keywords: Family farms. Peasantry. Peasant. Agriculture modernization. Public politicies. Land reform.

1 AS CONCEPÇÕES SOBRE A MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA NA AGRICULTURA

1.1 A visão neoclássica

O debate em torno das concepções sobre a modernização da agricultura e, em decor-rência destas, sobre o destino histórico do campesinato (leia-se agricultores familiares), já dura pelo menos um século. Inobstante, o campesinato continua existindo, desafiando as teorias que previam seu desaparecimento. A visão amplamente dominante na análise da modernização da agricultura tem por pressu-posto a inevitável associação entre progresso técnico na indústria e a correspondente in-dustrialização da agricultura. Essa visão cor-responde tanto à interpretação neoclássica quanto à dos autores da vertente marxista.

Entre os defensores da corrente neoclássica destaca-se o pensamento do economista The-odor W. Schultz. A tese de Schultz (1965), um dos principais ideólogos da modernização, era que em geral os camponeses combinavam de forma racional os fatores de produção: “[...] há comparativamente poucas ineficiências signi-ficativas na distribuição dos fatores de produ-ção na agricultura tradicional” (SCHULTZ, 1965, p.47).

A única maneira de aumentar a eficiên-

cia produtiva na agricultura seria, portanto, através do aporte de fatores externos2, subs-tituindo os “insumos tradicionais” por “insu-mos modernos”, oferecidos a custos baixos ao agricultor através de créditos subsidiados, acompanhados de assistência técnica:

[...] objetivando transformar esse tipo de agricultura, terá que ser oferecido um con-junto de fatores mais proveitosos. Desenvol-ver e oferecer tais fatores e aprender como usá-los eficientemente é uma questão de in-vestimento, tanto em capital humano como material (SCHULTZ, 1965, p.12).

Nesta perspectiva, para os seguidores de Schultz (1965) no Brasil, a modernização da agricultura dispensaria a reforma agrária como instrumento para o desenvolvimento agrícola (em que pese o fato de que este autor atribuía um papel à distribuição fundiária na modernização da agricultura, em determina-das conjunturas, como no caso do México). A adoção das novas tecnologias permitiria, por si só, a elevação da renda dos agricultores, através do aumento da produção e da produ-tividade. A lógica subjacente a este raciocínio pode ser assim resumida: a adoção de tecno-logias modernas gera maior rendimento na agricultura, o qual resulta em maior bem-es-tar social. É dentro deste contexto que assume relevância a criação do Sistema Brasileiro de Extensão Rural (Sibrater) e a política de cré-dito subsidiado.

Pode-se afirmar, em síntese, que o que ca-racteriza a concepção modernizante no pen-samento neoclássico é a ideia de que o desen-volvimento econômico e o bem-estar social resultam sobretudo da capacidade da agricul-tura transformar sua base técnica, no sentido de incorporar cada vez mais insumos moder-nos (fertilizantes de origem industrial, agrotó-xicos, sementes híbridas, raças animais gene-ticamente melhoradas).

2 “Conquanto seja óbvio que as fazendas freqüente-mente produzam os animais de tração de que neces-sitam, não podem produzir tratores agrícolas. Nem tampouco podem produzir os fertilizantes químicos e os inseticidas” (SCHULTZ, 1965, p. 123).

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1.2 A questão agrária na visão dos marxistas agrários

Do lado da corrente marxista, a primeira cons-tatação é a relativa pequena importância dada por Marx, em toda a sua intensa produção inte-lectual, ao campesinato, a qual pode ser atribuí-da ao fato deste considerá-lo como uma categoria fatalmente destinada ao desaparecimento, pela evolução histórica das contradições do sistema capitalista. A análise implacável que sobre a con-tribuição política dos camponeses para a ascen-são de Luís Bonaparte na França, representan-do o retorno da burguesia ao poder, levou Marx a compará-los a um saco de batatas, no sentido de não constituírem uma classe social, deixando-se manipular por interesses de outros grupos:

Uma pequena propriedade, um camponês e sua família; ao lado deles outra pequena pro-priedade, outro camponês, outra família. Al-gumas dezenas delas constituem uma aldeia, e algumas dezenas de aldeias constituem um departamento. A grande massa da nação fran-cesa é, assim, fornada pela simples adição de grandezas homólogas, da mesma maneira por que batatas em um saco constituem um saco de batatas. (...) Não podem representar-se, têm de ser representados. Seu representante tem, ao mesmo tempo, de aparecer como seu senhor, como autoridade sobre eles, como um poder governamental ilimitado que os protege das demais classes e que do alto lhes manda o sol ou a chuva. A influência política dos pequenos camponeses, portanto, encontra sua expressão final no fato de que o Poder Executivo submete a seu domínio a sociedade. (MARX, 2003).

Abramovay (1992) chega a afirmar que não há espaço para o campesinato na teoria marxis-ta3. Para Marx (1985), a principal questão que a agricultura colocava era o problema da ren-da da terra, vista como um obstáculo para o pleno desenvolvimento capitalista no campo, em função do monopólio da terra pelos grandes pro-prietários. A forma do capital enfrentar o mono-pólio da propriedade da terra seria através do progresso tecnológico representado pela indus-trialização da agricultura. O que nos interessa, para os propósitos deste estudo, é salientar que

as análises e formulações teóricas produzidas pelos principais herdeiros da tradição marxista no início do século XX, têm o mesmo pressupos-to da visão neoclássica - desenvolvimento má-ximo das forças produtivas na agricultura pela incorporação crescente de insumos modernos - e continuam a exercer grande influência nos dias atuais. As discussões recentes sobre agricultu-ra familiar e sustentabilidade estão fortemente marcadas - de forma explícita ou implícita – pela influência do debate clássico a partir das con-cepções de Lênin e Kautski sobre as tendências de diferenciação/reprodução do campesinato em um país capitalista.

O núcleo teórico dessas concepções gira em torno da crescente polarização social do campesinato, com a passagem inevitável do camponês rico a capitalista e do pobre a as-salariado ou proletário (LENIN, 1974), e da superioridade da produção em grande escala comparativamente à pequena escala:

[...] foi a indústria quem criou as condições técnicas e científicas para a existência da nova agricultura racional; foi ela que revolucionou a agricultura através das máquinas e do adubo artificial, dos microscópios e dos laboratórios químicos, contribuindo, dessa maneira, para a superioridade técnica do grande estabeleci-mento capitalista sobre o pequeno estabeleci-mento agrícola. (KAUTSKI, 1986, p.263).

1.3 Chayanov4 e a especificidade da produção camponesa

Mais recentemente, correntes de interpreta-ção alternativas à visão da agricultura como “in-dustrialização da natureza”, ganharam alento a

3 Esta posição é contestada por alguns autores mar-xistas contemporâneos, os quais argumentam que, para entender a questão agrária em Marx, seria necessário re-correr aos escritos do “velho Marx”, principalmente a tro-ca de correspondência com os populistas russos, nos quais Marx admitia a possibilidade da passagem pré-capitalista (a partir das comunas russas - os Mir), diretamente para o socialismo, rompendo desta forma com o esquema evolu-cionista histórico. Para maiores detalhes, pode-se ver FER-NANDES, Rubem César (Org.). Dilemas do socialismo: a controvérsia entre Marx, Engels e os populistas russos. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1982.

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partir da releitura do agrônomo russo Alexan-der Chayanov, cujo legado teórico principal foi o desenvolvimento da tese da especificidade da produção camponesa. Para Chayanov (1974), as unidades de produção camponesas não podem ser entendidas tão somente a partir das leis ge-rais que regem as relações de produção e acu-mulação em uma sociedade capitalista, nem das categorias de análise das empresas capitalistas. É necessário, sustenta ele, buscar uma outra ra-cionalidade, baseada num balanço entre traba-lho e consumo:

[...] chega um momento, ao alcançar o ingresso de um determinado nível de rendimento, em que as fadigas de desgaste da força de trabalho marginal chegarão a equiparar-se com a ava-liação subjetiva da utilidade marginal da soma obtida com essa força de trabalho. A produção do trabalhador na exploração doméstica ces-sará neste ponto de natural equilíbrio porque qualquer outro aumento no desgaste de força de trabalho resultará subjetivamente desvantajo-so. Qualquer unidade doméstica de exploração agrária tem assim um limite natural para sua produção, o qual está determinado pelas pro-porções entre a intensidade anual de trabalho da família e o grau de satisfação de suas neces-sidades. (CHAYANOV, 1974, p. 84-85)

Em outras palavras, significa que a unidade de exploração familiar, por trabalhar “para si mesma”, com mão-de-obra da família, possui uma organização e uma estrutura econômica di-ferente da empresa capitalista clássica, e que re-quer, portanto, para sua análise e compreensão, também uma outra teoria econômica, que seria a “economia camponesa”. É por isto que a análi-se de Chayanov se concentra em um nível micro:

[...] simplesmente aspiramos a compreender o que é a unidade econômica camponesa desde um ponto de vista organizativo. Qual é a mor-fologia deste aparato produtivo? Nos interessa saber como se logra aqui a natureza propor-cional das partes, como se logra o equilíbrio orgânico, quais são os mecanismos de circula-ção e de recuperação do capital no sentido da economia privada, quais são os métodos para determinar o grau de satisfação e proveito, e

como reage frente às influências dos fatores externos, naturais e econômicos que aceita-mos como dados. (CHAYANOV, 1974, p. 36)

A abordagem proposta por Chayanov, por-tanto, abre todo um campo de estudo para a análise e compreensão das unidades de pro-dução cuja utilização da mão-de-obra (ponto chave para sua caracterização), seja essencial-mente familiar.

Já na perspectiva dos marxistas agrários clás-sicos, o problema fundamental não residiria na natureza em si das tecnologias introduzidas pela modernização, mas na desigual apropriação dos benefícios gerados. Diga-se de passagem que o padrão produtivo de agricultura implantado nos países do “bloco socialista” demonstra claramen-te que a opção tecnológica seguida não difere, em essência, do modelo adotado nos países ca-pitalistas ocidentais, isto é, foi baseado em uma concepção de desenvolvimento máximo das for-ças produtivas, sem questionar a natureza das tecnologias geradas e a finitude dos recursos naturais. Por estar baseado na oferta e na pro-dução de massa de bens de consumo, o padrão produtivo implantado pelos então regimes políti-cos nos países considerados socialistas do Leste Europeu seguiu claramente o modelo fordista, inclusive na agricultura (veja-se, por exemplo, o caso cubano, que até o fim do “socialismo real” soviético, mantinha uma agricultura quase to-talmente dependente de insumos industriais).

Em resumo, pode-se afirmar que tanto a cor-rente teórica neoclássica quanto a marxista são essencialmente deterministas em suas análises sobre o processo de modernização da agricul-tura, pois consideram irreversível a marcha do progresso tecnológico industrial, que deveria ne-cessariamente ser incorporado à agricultura. A diferença é que enquanto na visão neoclássica sobressai um determinismo tecnológico (a pro-

4 Alexander Chayanov fazia parte de uma corrente de pensamento econômico chamada Escola de Organização da Produção, que existiu na Rússia no início do século XX. Cabe lembrar que a Rússia pré-revolução socialis-ta já possuía um eficiente serviço de recenseamento e coleta de dados, estimulando assim o desenvolvimento de estudos sobre a organização e a produção agrícola nesse país.

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moção de bem-estar social seria uma decorrên-cia da aplicação de técnicas), o enfoque marxista sustenta um determinismo baseado nas relações de produção, que conduziria necessariamente à diferenciação crescente e à polarização entre o empresário capitalista rural de um lado e, de outro, à proletarização das camadas sociais ex-cluídas de seus meios de produção.

O padrão produtivo que se estabeleceu na agricultura brasileira seguiu claramente a vi-são modernizante neoclássica, defendida por Schultz (1965) e outros, sendo chamado de modernização “parcial” ou “dolorosa” (SILVA, 1982) ou “conservadora” (GRAZIANO NETO, 1986), pelo fato de alterar a base tecnológica produtiva, sem modificar a estrutura agrária vigente. Embora o auge desse processo no sul do Brasil tenha ocorrido a partir da década de 60, o modelo foi gerado, difundido e adotado a partir dos países industrializados.

2 A QUESTÃO AGRÁRIA E O QUADRO DOS DEBATES NO BRASIL Embora a questão agrária seja anterior à dé-

cada de 50, foi a partir desse período que grande parte dos intelectuais “descobriu” a existência do “pequeno” produtor enquanto um objeto de estu-do não apenas da economia, mas também da so-ciologia e da antropologia. As análises e formula-ções teóricas produzidas nesse período, e até hoje (assim como os decorrentes desdobramentos na estratégia de ação das organizações políticas), estão fortemente marcadas - de forma explícita ou implícita - pela influência do debate clássico a partir das concepções de Lênin, Kautski e, mais recentemente, da releitura de Chayanov em tor-no das tendências do campesinato em um país capitalista, já apresentadas acima.

A partir das concepções dos dois primeiros autores, e com base em uma perspectiva históri-ca evolucionista, o Partido Comunista do Brasil (PC do B) lança, em 1950, um manifesto no qual afirmava que “[...] o problema da sociedade bra-sileira estava na estrutura arcaica da economia, marcada pelos restos feudais e pelo monopólio da terra, que impediam a ampliação do mercado interno e o desenvolvimento da indústria nacio-nal” (MARTINS, 1983, p. 82). A saída seria então

uma revolução democrática e popular. Essa po-sição, no entanto, seria revista no final de 1953, quando o PC do B propõe a abolição das formas feudais de exploração e generalização das formas de pagamento em dinheiro. Em 1954, quando o Partido realiza o seu IV Congresso, declara tex-tualmente que “não serão confiscados os capitais e as empresas da burguesia nacional.” O cami-nho seria, portanto, uma frente ampla “anti-im-perialista e anti-feudal”, para fazer a “revolução democrática e nacional libertadora”. Essa tese via nas relações pré-capitalistas ou feudais as causas do atraso do país. Era necessário, portan-to, dentro de uma visão histórico-determinista, superar primeiro esses “resquícios do feudalis-mo” para permitir o desenvolvimento de relações capitalistas, mais avançadas.

No contexto do debate político do início da dé-cada de 60, a grande discussão girava em torno da necessidade ou não de promover a reforma agrária, como pressuposto para o desenvolvi-mento econômico do país. As teses predominan-tes estavam representadas no arcabouço teórico da CEPAL – Comissão Econômica para a Amé-rica Latina (que reunia intelectuais de renome como Helio Jaguaribe, Maria da Conceição Ta-vares, Celso Furtado, Fernando Henrique Car-doso e outros). As concepções cepalinas tiveram grande importância na análise das característi-cas do desenvolvimento econômico brasileiro e, em particular, do meio rural na década de 60, assim como na conseqüente formulação de pro-postas políticas para superação dos problemas sociais do país. A tese do dualismo estrutural, segundo a qual existiam dois Brasis, um urba-no, moderno e desenvolvido, e outro rural, arcai-co, atrasado e subdesenvolvido predominou nas análises de vários estudiosos da época.

Nessa perspectiva, a realização de um amplo processo de Reforma Agrária colocava-se, para esses autores, como condição sine qua non para a ampliação do mercado interno de bens de con-sumo e, portanto, para alavancar o desenvolvi-mento industrial capaz de fazer frente à pro-dução destes bens. De outra parte, havia uma visão de que o Brasil, como um país periférico e dependente, no contexto do capitalismo interna-cional, estava subordinado ao desenvolvimento

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dos países capitalistas centrais, especialmente os Estados Unidos - a famosa teoria da depen-dência econômica, desenvolvida por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto em Depen-dência e Desenvolvimento na América Latina5.

Diversos trabalhos posteriores formularam a crítica ao dualismo político e estrutural6, mos-trando que o setor rural cumpriu um papel de-cisivo para viabilizar a industrialização no país, não por sua suposta capacidade de absorção de bens de consumo “direto”, como argumentavam os defensores daquela tese, mas precisamente como consumidor de produtos industrializados incorporados no processo produtivo (insumos, máquinas, sementes), portanto produtos indus-triais “intermediários” e não “finais”. A opção fei-ta durante o período do regime militar foi pela “modernização conservadora”, cujas conseqüên-cias são amplamente estudadas e conhecidas. Aliado a isso, o “milagre brasileiro” foi em gran-de medida impulsionado por uma conjuntura econômica internacional francamente favorável - lembremos que esse foi um período de cresci-mento vertiginoso da dívida externa brasileira - permitindo assim o lastreamento ainda maior da demanda interna por bens de consumo. Nesse quadro, a proposta de Reforma Agrária não mais estava colocada na ordem do dia para os suces-

5 “Torna-se necessário, portanto, definir uma perspecti-va de interpretação que destaque os vínculos estruturais entre a situação de subdesenvolvimento e os centros he-gemônicos das economias centrais mas que não atribua a estes últimos a determinação plena da dinâmica do desen-volvimento. Com efeito, se nas situações de dependência colonial é possível afirmar com propriedade que a história – e por conseguinte a mudança – aparece como reflexo do que se passa na metrópole, nas situações de dependência das “nações subdesenvolvidas” a dinâmica social é mais complexa. (...) o centro político da ação das forças sociais tenta ganhar certa autonomia ao sobrepor-se à situação do mercado; as vinculações econômicas, entretanto, continu-am sendo definidas objetivamente em função do mercado externo e limitam as possibilidades de decisão e ação autô-nomas. Nisso radica, talvez, o núcleo da problemática so-ciológica do processo nacional de desenvolvimento na Amé-rica Latina.” CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 30.

6 Entre eles citamos Francisco de Oliveira, José de Sou-za Martins, André Gunder Frank e Caio Prado Júnior.

sivos governos militares, o que não significa que não ocorreram conflitos de terra nesse período.

Em 1985 o governo da “Nova República” lançou o Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA, um plano - como quase todos os planos de governo - cheio de boas intenções e, inclusi-ve, com metas ousadas, mas com tempo de vida reduzido. Na verdade, como os fatos mostraram posteriormente, os avanços na Reforma Agrária se deram menos em função de uma legislação mais ou menos avançada, e muito mais como re-sultado da pressão organizada dos movimentos sociais, principalmente pela ocupação de áreas improdutivas. O fato é que a forma como ocorreu o processo de modernização da agricultura agra-vou ainda mais a crise agrária. É dentro do qua-dro de debates e do contexto político acima que se insere o processo de modernização da agricul-tura no Brasil, para o qual concorreram políticas públicas de estímulo à adoção das tecnologias ge-radas e difundidas a partir da Revolução Verde.

3 O SENTIDO DA QUESTÃO AGRÁRIA HOJE: LIMITES E POSSIBILIDADES

3.1 A natureza como mercadoria

Uma questão pertinente a propósito da na-tureza das tecnologias e da visão de agricultu-ra é se, diante de uma postura dominadora do homem em relação ao meio circundante, com uma abordagem positivista das ciências agro-nômicas, é realmente possível superar o padrão “químico-reducionista” da agricultura. Como já afirmava Schumacher (1983, p. 12) em O negó-

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cio é ser pequeno, “[...] o homem moderno não se experiencia como parte da natureza, mas como uma força exterior destinada a dominá-la e a conquistá-la. Ele fala mesmo de uma batalha contra a natureza, esquecendo que, se ganhar a batalha, estará do lado perdedor.”

Almeida Júnior (1995) discute essa questão de maneira original, ao refletir sobre como as plantas passaram a ser entendidas como má-quinas químicas por um lado e como mercadoria por outro, trazendo profundas implicações nas interações entre o homem e a natureza, como por exemplo a grande redução do número de es-pécies relevantes para a agricultura. Na raiz do problema da “insustentável maneira de produ-zir” está o fato de que

[...] ao separar os homens e a cidade das pe-dras e das árvores, o pensador separa as rela-ções entre os homens das relações entre o ho-mem e a natureza. Retomado inúmeras vezes, sob múltiplos disfarces, este projeto de sepa-ração afirma a possibilidade de que o homem venha a ser senhor e possuidor da natureza e implica que o homem continuará sendo senhor e possuidor do homem. Os argumentos são apresentados como se fosse possível estabele-cer uma independência absoluta entre a rela-ção com a natureza e a relação com os outros homens. Mas, no encontro com a natureza, o homem encontra a si mesmo e aos outros ho-mens. (ALMEIDA JUNIOR, 1995, p.10).

A questão que se coloca, portanto, é até que ponto pode-se realmente atingir uma concepção diferente de agricultura sem um corresponden-te questionamento da concepção de ciência e de agronomia que produziu o padrão moderno de agricultura.

Para alguns autores, a crise ecológica é no fundo a própria crise do processo civilizatório. Diante dessa crise, o movimento ecológico as-sumiu um status que ultrapassou o estágio da contestação contra a extinção de espécies ou a favor da proteção ambiental, para transformar--se, nas palavras de Boff (1995, p.19-25),

[...] numa crítica radical do tipo de civilização que construímos. Ele é altamente energívo-ro e devorador de todos os ecossistemas (...)

Na atitude de estar por sobre as coisas e por sobre tudo, parece residir o mecanismo fun-damental de nossa atual crise civilizacional. (grifo do autor).

Ao assumir a postura de separação entre a natureza e a sociedade, o pesquisador ou téc-nico não está isento das implicações práticas daí decorrentes.

Diante disso, é fundamental buscar novas abordagens para os problemas agrários, que reconheçam na diversidade cultural um compo-nente insubstituível, e que partam de uma con-cepção inclusiva do homem no meio ambiente.

É oportuno mencionar que entre as várias correntes de agricultura que destoam do que se convencionou denominar padrão moder-no de agricultura, algumas reconhecem na diversidade um componente fundamental e inserem-se na perspectiva de uma concepção da natureza diferente da predominante na so-ciedade ocidental, como veremos a seguir.

3.2 Campesinato, agricultura familiar e políticas públicas

Onde está a especificidade da produção cam-ponesa, hoje? Não está, certamente, na supos-ta relativa ausência de relações capitalistas no campo. Já não faz mais sentido falar-se em pro-dução camponesa enquanto um modo de produ-ção distinto do capitalista. Se no tempo em que Chayanov estudou a produção camponesa, na Rússia do início do século passado, que estava então ainda saindo do sistema feudal em suas relações sociais e de produção, hoje, no Brasil do século 21, não se pode mais pensar no campe-sinato como uma categoria social “pura” no ce-nário rural, nem desconsiderar que a produção insere-se nas relações de mercado e do sistema capitalista vigente. Isso não diminui, pelo con-trário, a importância de experiências voltadas para o comércio justo, a economia solidária, o cooperativismo e outras, mas mesmo essas ini-ciativas estão limitadas nos marcos do sistema capitalista vigente.

A ideia de uma economia camponesa entendi-da como um esquema autárquico, que se man-

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tém à margem do mercado capitalista, não en-contra sustentação na realidade. Veja-se o caso da produção de fumo, por exemplo. Não se pode afirmar que os mais de 90.000 produtores que existem no Rio Grande do Sul, mesmo a parcela significativa daqueles que encontram-se em con-dição de pobreza extrema no meio rural, estejam fora da economia capitalista. Eles estão integra-dos, de forma verticalizada, em um comércio al-tamente globalizado de tabaco, cujos preços de-pendem de variáveis que estão muito distantes do local de produção. O mesmo pode ser dito de produtos, como o feijão, que mesmo produzido em regiões típicas de minifúndio, têm uma par-cela da produção, por menor que seja, voltada para o mercado (local, regional ou nacional).

Da mesma forma, já não se justifica uma reforma agrária para fortalecer o modelo pro-dutivo de agricultura atual, largamente he-gemônico, baseado no monocultivo e na uti-lização de capital intensivo, até porque, com algumas exceções, o chamado agronegócio tem se revelado eficiente do ponto de vista de rendimento físico das principais culturas e criações, como estão a demonstrar os suces-sivos recordes de produção de grãos em nível nacional. Mas pode ser justificada dentro de uma concepção de promover estilos de agri-cultura distintos do convencional.

É importante salientar que a agricultura pré-industrial ou tradicional, praticada no sul do Brasil antes da Revolução Verde, já vinha apresentando limites técnicos e econômicos no final da década de 50. Waibel (1955), estudan-do a formação das zonas pioneiras do sul do Brasil, afirma que

Também ali [no Planalto Ocidental do Rio Grande do Sul] a produção e a exploração de produtos agrícolas foi considerável durante alguns decênios, mas atualmente [1955], em virtude do esgotamento do solo, entrou em franco declínio. Mas, terras devolutas não existem mais, e com isso é talvez o estado do Rio Grande do Sul o primeiro estado onde não existem mais reservas florestais e onde não há mais a possibilidade de expansão da agricultura para novas terras de mata, ten-do que se recorrer à cultura e colonização de

grandes áreas de campos (WAIBEL, 1955, p.15). (Grifos do autor).

O que a citação acima deixa claro, além dos limites à expansão, é a existência de problemas ambientais anteriores à modernização da agri-cultura, muito embora estes tenham sido por ela agravados. Sabe-se que o problema do desma-tamento praticamente iniciou com a colonização pelos imigrantes europeus: a cobertura florestal do estado do Rio Grande do Sul, que era de 36% em 1850, com 0.5 % desmatado, foi reduzida para 30,7 % em 1881, 25 % em 1914 e 17,5 % em 1945 (FELDENS, 1989, p. 38-39). Ainda segun-do este autor, a média de desmatamento em 160 anos de colonização (1822-1982) foi de 52.192 hectares por ano. Da mesma forma, estava ocor-rendo uma perda gradual da fertilidade do solo, decorrente da intensificação do uso do mesmo e da redução do período de pousio, à medida que aumentava a pressão demográfica. Um dos fato-res que contribuiu para acelerar o processo ero-sivo dos solos nos lotes foi o traçado dos mesmos por ocasião da demarcação, invariavelmente no sentido do alto do espigão até um curso d’água.

Isso não significa que a agricultura tradicio-nal, praticada sobretudo por imigrantes euro-peus no sul do Brasil no período anterior à Revo-lução Verde, não tenha méritos intrínsecos, mas que é preciso relativizar a noção de que a mesma seria supostamente mais “ecologicamente corre-ta” e que tivesse um grau de autonomia quase absoluto em relação aos setores do comércio e in-dústria. Esses argumentos carecem de compro-vação em fatos históricos. Sobre a “grande auto-nomia” dos produtores no período que antecedeu à modernização da agricultura, vale a pena lem-brar o trabalho de Paulilo (1990), realizado no sul do estado de Santa Catarina, no qual a au-tora mostra que a dependência dos agricultores em relação a outros agentes econômicos é histó-rica, tendo iniciado muito antes da presença das agroindústrias integradoras na região (suínos, aves e fumo). Desde o início da colonização, os agricultores não tinham autonomia para definir os preços de seus produtos, que eram vendidos para os comerciantes que dominavam o comércio local, os quais por sua vez vendiam aos agriculto-

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res produtos que estes necessitavam. Do ponto de vista da operacionalização de po-

líticas públicas, ainda que admitamos a existên-cia de problemas com o conceito de agricultura familiar, devemos reconhecer que existem crité-rios claros e objetivos de enquadramento, defini-dos por lei, que remetem ao tamanho máximo da área de terra (até 4 módulos, variáveis por região do estado), relação de uso (admitindo-se posseiros, meeiros, etc.) com a terra, limite de renda, uso de mão-de-obra familiar (com possibilidade de con-tratar até dois empregados temporários), os quais são todos critérios conhecidos, já usados para ca-racterizar o agricultor familiar, definidos em lei.

Já no caso da agricultura camponesa, quais critérios usar? Não poderíamos considerar a propriedade ou não da terra como um critério distintivo entre o “camponês” e o “agricultor familiar” sem incorrer em erro (e, no caso de admitirmos que o camponês seja também o proprietário da terra, o que parece mais lógico – independente da posse ser direito ou de fato, qual seria o tamanho da área?). Qual o limite da renda? O tipo de atividade produtiva desen-volvida poderia ser uma variável? Nesse caso, o que fazer com os quase cem mil produtores de fumo no estado, por exemplo, em sua quase tota-lidade pequenos agricultores? O pertencimento a determinada organização ou movimento social poderia ser um parâmetro definidor desse públi-

co? Nesse último caso, estaríamos diante de um critério político-organizativo essencialmente ex-cludente, uma vez que não contemplaria a gran-de maioria dos mais pobres do campo, os sem terra, sem organização, sem acesso às principais políticas públicas, os sem-sem. A distinção mais nítida, aparentemente, seria entre aqueles agri-cultores que empregam e os que não empregam mão-de-obra, mesmo que de forma temporária. Mas mesmo essa linha divisória é frágil, num mundo cada vez mais complexo em que muitas vezes o trabalho rural e o urbano se confundem ou se fundem, e em que a figura do agricultor em tempo parcial aparece com bastante frequ-ência. Sabemos que a venda de mão-de-obra por parte de uma parcela significativa de agriculto-res, inclusive de assentados da reforma agrária, é bastante comum (por exemplo, nos períodos de colheita de uva na região serrana ou de maçã nos campos de cima da serra, é comum ocorrer uma migração temporária de agricultores de outras regiões, os quais, passado o período de demanda intensiva de mão-de-obra, retornam para seus municípios de origem).

A espinha dorsal de meu argumento é de que o que falta efetivamente não é uma política cam-ponesa, e sim mais espaço para, dentro das po-líticas públicas existentes, estimular e apoiar a produção de subsistência, o resgate e a preserva-ção da agrobiodiversidade (na qual as sementes ocupam um papel fundamental), e a ampliação do grau de autonomia e de empoderamento dos agricultores. Em outras palavras, o problema reside mais na concepção e nos formatos tecno-lógicos que são trabalhados via essas políticas, frequentemente em forma de pacotes, do que no recorte para uma categoria de camponês. Nes-se sentido, um debate profundo sobre o crédito, suas finalidades, forma de uso, direcionamento, etc. constitui-se uma pauta conjunta importante para as organizações sociais, da assistência téc-nica e dos agentes de políticas públicas, consi-derando que muitas vezes o crédito é visto como um fim em si, voltado para o financiamento de atividades que reforçam o modelo de monocultu-ra e de dependência de insumos externos, fragi-lizando ainda mais a segurança e soberania ali-mentar e comprometendo a agrobiodiversidade.

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Só faz sentido falar em especificidade da pro-dução camponesa na perspectiva de resgatar, apoiar e promover um modelo de desenvolvi-mento e de agricultura distinto do hegemônico convencional. Esse modelo de desenvolvimento deve ser apoiado na agrobiodiversidade e no fortalecimento de cadeias curtas de produção e comercialização, impulsionando e dinamizando as potencialidades locais e regionais. Isso sig-nifica apoiar e estimular estilos de agricultura e sistemas produtivos mais diversos e integra-dos. Também não dispensam o desenvolvimen-to científico e tecnológico; não representam, por-tanto, um “retorno ao passado”, muito embora encontrem em formas tradicionais de agricultu-ra um ponto de partida fundamental.

Ainda que se reconheça a existência de uma categoria social que possa ser reunida sob a de-nominação de camponesa, existe uma enorme diversidade e complexidade de públicos que dificulta reconhecer claramente o campesina-to. Talvez os que estejam mais próximos desse conceito, no sentido de apresentarem um modo de vida e uma racionalidade diferente, sejam os pecuaristas familiares, os quais têm uma outra “lógica” de produção (muitas vezes são avessos ao crédito, têm no gado vivo uma poupança ou estoque de capital, utilizam troca de mão de obra para determinados momentos e práticas de manejo do rebanho, etc.)7.

Todavia, por não existirem, pelo menos do ponto de vista operativo das políticas públicas, critérios objetivos de definição da categoria so-cial que compreende o campesinato e, portanto, de identificação do público potencialmente be-neficiário dessas políticas, o esforço de formula-ção de propostas para atender esse público, de-veria concentrar-se com base nos critérios hoje existentes e amplamente aceitos de agricultura familiar, mas com um foco diferente do predo-minante na orientação do crédito agrícola, espe-cialmente o operado via sistema bancário para o financiamento de lavouras anuais (custeio). As políticas devem levar em conta sim as especifi-cidades dos diferentes públicos, que hoje são ge-nericamente enquadrados e reconhecidos como agricultores familiares, incluindo, por definição legal, os assentados, indígenas, pescadores ar-

tesanais, quilombolas, pecuaristas familiares, entre outros. Em outras palavras, a questão de fundo está no modelo tecnológico jubjacente à promoção dessas políticas. O viés produtivista, especialmente quando voltado para as chama-das cadeias longas, muito embora importante, é claramente insuficiente para dar conta dessa diversidade. Nesse sentido, é importante reco-nhecer a existência de um conjunto de rendas não monetárias no meio rural, mas que são es-senciais para a segurança alimentar e a melho-ria da qualidade de vida das famílias. Da mesma forma, exerce um papel crescente serviços ecos-sistêmicos produzidos no meio rural, que não po-dem ser medidos por variáveis produtivas, como ocorre com a “produção” de água, de ar, a manu-tenção do solo e da biodiversidade, cujos benefí-cios são de interesse de toda a sociedade.

Nesta perspectiva, as políticas agrícolas voltadas à promoção de estilos alternativos de agricultura, não devem ser vistas sob a ótica produtivista ou de ‘subsídios injustificáveis’, mas assumem um caráter de “acúmulo de ex-periências” que desempenha um papel funda-mental na promoção de uma agricultura mais parcimoniosa no uso de recursos naturais e socialmente mais justa.

Dada a necessidade de promover tecnologias local ou regionalmente adequadas, do ponto de vista social e ambiental, é importante que as políticas públicas não mais sejam pensadas por produto, mas por sistema de produção, adapta-do às especificidades da comunidade ou região onde está inserido. Neste sentido, é fundamen-tal que estas propostas estejam articuladas com planos regionais de desenvolvimento, elabora-dos em conjunto e a partir das prioridades dos agricultores. Cabe lembrar que já existem inclu-sive propostas de políticas públicas que apon-tam nessa direção, como é o caso do PRONAF Sustentável, faltando apenas um impulso maior por parte dos agentes técnicos e financeiros.

7 A propósito do entendimento do modo de vida do pecuarista familiar, pode-se consultar o excelente tra-balho de Cláudio Ribeiro: Estudo do modo de vida dos pecuaristas familiares da Região da Campanha do Rio Grande do Sul. UFRGS/PGDR (Tese de Doutoramento). Porto Alegre, 2009, 300 p.

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Muito além da economia verde

Em “Muito além da economia ver-de”, Ricardo Abra-movay questiona a validade do que se convencionou cha-mar de economia verde. Que con-ceitos e razões estão ocultos nes-sa nova modalida-de de enxergar o desenvolvimen-to econômico? Qual a relação entre o crescimento da economia, as desigualdades sociais e os limi-tes ambientais? Ao longo de quatro capítulos, o autor procura responder essas perguntas. Às vezes, sem a necessária profundidade, porém, insistindo na ideia de uma necessária mudança no paradigma do crescimento contínuo e sem limites. A proposta de esverdeamento do modo de produção presente no cardápio de muitas empresas e instituições não é suficiente para ga-rantir a presença da sociedade humana no pla-neta sem que aconteça uma transformação dos mercados e a incorporação de preceitos éticos. Ao utilizar argumentos que impõem a necessida-de de respeitar limites e propor a necessidade de inovação, o autor busca confrontar ou pro-mover um encontro entre a economia clássica e a ética. Assim, é proposta uma economia com mercados descentralizados e com participação social via redes de informação, tentando cons-truir uma sustentabilidade cujos processos ainda são indefinidos.

A obra é dividida em quatro capítulos. O pri-meiro mostra que, apesar da grande riqueza material que existe no mundo, não há o corres-

pondente bem-estar esperado. Como explicar isso sob o ponto de vista econômico e quais as necessidades da humanidade que precisam ser satisfeitas são assuntos abordados de forma di-dática, tornando a leitura muito agradável. No segundo capítulo, é discutido como os avanços tecnológicos não respondem à satisfação des-sas necessidades e não expressa preocupação com o combate à pobreza, pois estão baseados em formas injustas de distribuição de recursos e em formas de consumo cada vez mais inten-sas. Dessa forma, o discurso do avanço cientí-fico e do melhoramento das condições de vida das pessoas continua reproduzindo a lógica do crescimento sem finitude. Na terceira parte do livro, é debatida a possibilidade de uma econo-mia diferente, descentralizada, com mercados que atendam não somente o sistema de forma-ção de preços, mas também as demandas da sociedade organizada e pautada por objetivos socioambientais: o mercado sendo de fato uma relação entre pessoas. No último capítulo, é ex-plorado o tema de cooperação social e como ela está influenciando a esperança de uma socieda-de que funciona como rede de informações. São apresentados diversos exemplos e iniciativas que apontam para uma economia diferenciada.

A conclusão que emerge é a da importância de superar a pobreza e a desigualdade como base para sonhar com uma nova economia e com um desenvolvimento que não seja sinônimo de crescimento ilimitado e que contemple novas formas de mercado, ampliando a participação da sociedade nas decisões através de redes de in-formação. Como resultado, fica a sensação de que a “inovação voltada para a sustentabilidade é fundamental”. No entanto, pensar que apenas inovar sem observar os limites sociais e ambien-tais basta para manter o desenvolvimento é “ex-primir uma crença mística na tecnologia que a ciência não autoriza e a ética não permite”.

Resenha elaborada por Francisco Emílio Manteze, extensionista rural da Emater/RS-Ascar.

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

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AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Revista da Associação Rio-grandense de Empreendimento de Assistência Técnica e

Extensão Rural e da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - Emater/RS-Ascar

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

1 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é uma publicação da Emater/RS-Ascar, destinada à divul-gação de trabalhos de agricultores, extensionistas, profes-sores, pesquisadores e outros profissionais dedicados aos temas centrais de interesse da Revista.

2 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é um periódico de publicação quadrimestral que tem como público referencial todas aquelas pessoas que estão empe-nhadas na construção da agricultura e do desenvolvimento rural sustentáveis.

3 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável publica artigos científicos, resultados de pesquisa, estudos de caso, resenhas de teses e livros, assim como experi-ências e relatos de trabalhos orientados pelos princípios da Agroecologia. Além disso, aceita artigos com enfoques teóricos e/ou práticos nos campos do desenvolvimento rural sustentável e da agricultura sustentável, esta enten-dida como toda a forma ou estilo de agricultura de base ecológica, independentemente da orientação teórica so-bre a qual se assenta.

Como não poderia deixar de ser, a Revista dedica espe-cial interesse à agricultura familiar, que constitui o público prioritário da extensão rural gaúcha. Nesse sentido, são aceitos para publicação artigos e textos que tratem teori-camente desse tema e/ou abordem estratégias e práticas que promovam o fortalecimento da agricultura familiar.

4 Os artigos e textos devem ser enviados por e-mail para [email protected].

5 Serão aceitos para publicação textos escritos em Português ou Espanhol, assim como tradução de textos para esses idiomas. Salienta-se que, no caso das tradu-ções, deve ser mencionado de forma explícita, em pé de página, “Tradução autorizada e revisada pelo autor” ou “Tradução autorizada e não revisada pelo autor”, confor-me o caso.

6 Terão prioridade na ordem de publicação os textos inéditos, ainda não publicados, assim como aqueles que estejam centrados em temas da atualidade e contemporâ-neos ao debate e ao “estado da arte” do campo de estudo a que se refere.

7 Os textos deverão se enquadrar nos seguintes te-mas: Desenvolvimento Rural Sustentável, Agricultura Sustentável, Agroecologia, Agricultura Familiar, Extensão Rural, Relações Sociais nos Processos de Desenvolvimen-to Rural, Manejo Sustentável de Agroecossistemas, Socie-

dade e Ambiente, enquadrando-se a abordagem teórica e a divulgação de experiências práticas nas seguintes ca-tegorias: desenvolvimento endógeno, desenvolvimento local, reforma agrária, agricultura/pecuária de base eco-lógica, proteção etnoecológica, conhecimento local, meio ambiente, ecologia, economia ecológica, comunicação ru-ral, extensão rural, organização social, metodologias par-ticipativas, redesenho de agroecossistemas sustentáveis, tecnologia e sociedade, indicadores de sustentabilidade, biodiversidade, balanços energéticos agropecuários, im-pactos ambientais.

8 As contribuições devem ter, no máximo, 15 laudas (usando editor de textos Microsoft Word) em formato A-4, devendo ser utilizada letra Times New Roman, ta-manho 12, e espaço 1,5 entre linhas (um espaço entre parágrafos). Poderão ser utilizadas notas de pé de página ou notas ao final, devidamente numeradas, devendo ser escritas em letra Times New Roman, tamanho 10, e es-paço simples.

Quando for o caso, fotos, mapas, gráficos e figuras de-vem ser enviados, obrigatoriamente, em formato digital e preparados em softwares compatíveis com a plataforma Microsoft Windows, de preferência no formato JPG ou TIF.

9 Os artigos devem seguir as normas da ABNT (NBR 6022/2003). Recomenda-se que sejam inseridas no corpo do texto todas as citações, destacando-se, entre parênte-ses, o sobrenome do autor, o ano de publicação e, se for o caso, o número da página citada ou letras minúsculas quando houver mais de uma citação do mesmo autor e ano. Exemplos: Como já mencionou Silva (1999, p. 42); como já mencionou Souza (1999 a, b); ou, no final da cita-ção, usando (SILVA, 1999, p. 42).

10 As referências devem ser reunidas no fim do texto, seguindo as normas da ABNT (NBR 6023/2002).

11 Sobre a estrutura, os artigos técnico-científicos de-vem conter:

a) título do artigo: em negrito e centrado;b) nome(s) do(s) autor(es): iniciando pelo(s)

sobrenome(s), acompanhado(s) de nota de rodapé em que conste profissão, titulação, atividade profissional, lo-cal de trabalho, endereço e e-mail;

c) resumo: no máximo em 10 linhas nos idiomas Portu-guês e Inglês (para artigos em Língua Portuguesa);

d) palavras-chave: no mínimo 3 palavras-chave e no máximo 5 nos idiomas Português e Inglês (para artigos em Língua Portuguesa);

e) corpo do trabalho: deve contemplar, no mínimo, 4 tópicos, a saber: introdução, desenvolvimento, conclusões e referências. Poderá ainda conter lista de ilustrações, lista de tabelas e lista de abreviaturas e outros itens julgados im-portantes para o melhor entendimento do texto.

12 Serão enviados 3 exemplares do número da Revista para todos os autores que tiverem seus artigos ou textos publicados. Em qualquer caso, os textos não aceitos para publicação não serão devolvidos aos seus autores.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, set./dez., 2012.

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

75Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, set./dez., 2012.

AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Revista de la Associação Rio-grandense de Empreendimento de Assistência Técnica e Extensão

Rural y de la Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - Emater/RS-Ascar

NORMAS PARA PUBLICACIÓN

1 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável es una publicación de la Emater/RS-Ascar, destinada a la di-vulgación de trabajos de agricultores, extensionistas, profe-sores, investigadores y otros profesionales dedicados a los temas centrales de interés de la Revista.

2 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável es un periódico de publicación cuatrimestral que tiene como público referencial todas las personas que están em-peñadas en la construcción de la agricultura y del desarrollo rural sustentable.

3 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável publica artículos científicos, resultados de investigaciones, estudios de caso, reseñas de tesinas y libros, bien como experiencias y relatos de trabajos orientados por los prin-cipios de la Agroecología. Además, acepta artículos con enfoques teóricos y/o prácticos en las áreas del desarrollo rural sustentable y de la agricultura sustentable, ésta com-prendida como toda la forma o estilo de agricultura de base ecológica, independientemente de la orientación te-órica sobre la cual se basa.

Como no podría dejar de ser, la Revista dedica especial interés a la agricultura familiar, que constituye el público prioritario de la extensión rural gaúcha. En ese sentido, se aceptarán para publicación los artículos y textos que tra-ten teóricamente de ese tema y/o de estrategias y prác-ticas que promuevan el fortalecimiento de la agricultura familiar.

4 Los artículos y textos se deben enviar por e-mail a [email protected].

5 Se aceptarán para publicación textos en Lengua Por-tuguesa o Española, bien como traducción de textos para esos idiomas. Se llama la atención para que, cuando se trate de traducción, se mencione expresamente, al pie de la página, la expresión “Traducción autorizada y revisada por el autor” o “Traducción autorizada y no revisada por el autor”, de acuerdo con el caso.

6 Tendrán prioridad en el orden de publicación los textos inéditos, aún no publicados, así como aquellos que estén centrados en temas de la actualidad y contemporá-neos al debate y al “estado del arte” del área de estudio a que se refiere.

7 Los textos se deberán encuadrar en los siguientes temas: Desarrollo Rural Sustentable, Agricultura Susten-table, Agroecología, Agricultura Familiar, Extensión Rural, Relaciones Sociales en los Procesos de Desarrollo Rural, Manejo Sustentable de Agroecosistemas, Sociedad y Am-

biente, encuadrándose el abordaje teórico y la divulgaci-ón de experiencias prácticas en las siguientes categorías: desarrollo endógeno, desarrollo local, reforma agraria, agricultura/pecuaria de base ecológica, protección etno-ecológica, conocimiento local, medio ambiente, ecología, economía ecológica, comunicación rural, extensión rural, organización social, metodologías participativas, rediseño de agroecosistemas sustentables, tecnología y sociedad, indicadores de sustentabilidad, biodiversidad, balances energéticos agropecuarios, impactos ambientales.

8 Las contribuciones deben tener extensión máxima de 15 páginas (utilizándose editor de textos Microsoft Word) en formato A-4, con estilo de letra Times New Ro-man, tamaño 12, y a un espacio y medio entre líneas (un espacio entre párrafos). Será posible utilizar notas al pie de la página o notas finales, debidamente numeradas, de-biendo ser escritas en letra Times New Roman, tamaño 10, a un espacio.

Cuando sea el caso, fotos, mapas, gráficos y figuras se deben enviar obligatoriamente en formato digital y prepa-rados en softwares compatibles con el Microsoft Windo-ws, preferentemente en formato JPG o TIF.

9 Los artículos deben seguir las normas de la Asso-ciação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) - NBR 6022/2003. Se recomienda que se inserten en el cuerpo del texto todas las citas, destacándose, entre paréntesis, el apellido del autor, el año de publicación y, si es el caso, el número de la página citada o letras minúsculas cuando haya más de una cita del mismo autor y año. Ejemplos: Como ya se mencionó Silva (1999, p. 42); como ya se mencionó Souza (1999 a, b); o, al final de la cita, utilizán-dose (SILVA, 1999, p. 42).

10 Las referencias se deben reunir al final del texto, siguiendo las normas de la ABNT (NBR 6023/2002).

11 Sobre la estructura, los artículos técnico-científicos deben contener:

a) título del artículo: en negrita y centrado;b) nombre(s) del (de los) autor(es); empezando por

el (los) apellido(s), acompañado(s) de nota al pie en que conste profesión, titulación, actividad profesional, lugar de trabajo, dirección y e-mail;

c) resumen: no más de 10 líneas en los idiomas Español e Inglés (para artículos en Lengua Española);

d) palabras clave: no menos que 3 palabras clave y no más que 5, en los idiomas Español e Inglés (para artículos en Lengua Española);

e) cuerpo del trabajo: debe presentar no menos que 4 puntos, a saber: introducción, desarrollo, conclusión y referencias. Podrá también contener lista de ilustraciones, lista de tablas y lista de abreviaciones y cualquier otro ítem que se juzgue importante para la mejor comprensión del texto.

12 Se enviarán 3 ejemplares de la edición de la Revista a todos los autores que tengan sus artículos o textos pu-blicados. En cualquier caso, no se devolverán a sus auto-res los textos no aceptados para publicación.

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Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RSAssociação Sulina de Crédito e Assistência Rural - ASCAR

Lino De DavidPresidente da EMATER/RS e Superintendente Geral da ASCAR

Gervásio PaulusDiretor Técnico da EMATER/RS e Superintendente Técnico da ASCAR

Silvana DalmásDiretora Administrativa da EMATER/RS e Superintendente Administrativa da ASCAR

Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentávelv. 5, n. 3, set./dez., 2012.

Coordenação geral: Diretoria Técnica da Emater/RS-Ascar

Conselho Editorial: Ari Henrique Uriartt, Carlos Guilherme Adalberto Mielitz Netto, Claudio Fioreze, Córdula Eckert, Décio Souza Cotrim, Dulphe Pinheiro Machado Neto, Emma Siliprandi, Fábio Kessler Dal Soglio, Flávia Charão Marques, Francisco Manteze, Francisco Roberto Caporal, Gervásio Paulus, Ivaldo Gehlen, Jaime Miguel Weber, José Antônio Costabeber, José Ernani Schwengber, Leonardo Melgarejo, Luiz Antonio Rocha Barcellos, Luiz Fernando Fleck, Maria Virgínia de Almeida Aguiar, Marta H. Tejera Kiefer, Paulo Sérgio Mendes Filho e Pedro Urubatan Neto da Costa.

Editora Responsável: Jornalista Marta H. Tejera Kiefer – RP 1352Projeto Gráfico: Wilmar de Oliveira MarquesCapa: Roseana KriedtFotografia: Kátia Marcon e acervo fotográfico da Emater/RS-Ascar Periodicidade: QuadrimestralTiragem: 1.500 exemplaresImpressão: Gráfica da Emater/RS-AscarDistribuição: Biblioteca da Emater/RS-AscarApoio: Fepagro

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável Porto Alegre v. 5 n. 3 p. 1-74 set./dez. 201376

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 3, set./dez., 2012.

Emater/RS-AscarRua Botafogo, 1051Bairro Menino DeusCEP 90150-153 - Porto Alegre-RS - BrasilFone: 51 21253144 - FAX: 51 21253156Endereço eletrônico da revista: http://www.emater.tche.br/hotsite/revista/E-mail: [email protected]

A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Susten-tável é uma publicação quadrimestral da Associação Rio--grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) e da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Ascar). Os artigos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidade dos autores.

CartasCartas podem ser endereçadas para a biblioteca da Ema-

ter/RS-Ascar, rua Botafogo, 1051, 2º andar, bairro Menino Deus, CEP 90150-053, Porto Alegre, RS ou para [email protected].

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