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1 PARA APRENDER POLÍTICAS PÚBLICAS – Volume 1

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PARA APRENDER POLÍTICAS PÚBLICAS – Volume 1

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... p. 41. POLÍTICA E POLÍTICA PÚBLICA ...................................................................................p. 52. OS ATORES NAS POLÍTICAS PÚBLICAS (STAKEHOLDERS): o que são, quem são e

como se classificam ...........................................................................................................p. 13

3. O COMPORTAMENTO DOS ATORES: escolha racional, ação coletiva e padrões de interação ............................................................................................................................p. 204. AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE OS ATORES POLÍTICOS ..................................p. 254.1 Triângulos de Ferro, Redes de Políticas Públicas, Comunidades de Políticas e Coalizões de Defesa ..........................................................................................................................p. 265. ABORDAGENS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. POLÊMICA ENTRE A ABORDAGEM SISTÊMICA E A ABORDAGEM DAS ARENAS POLÍTICAS ............................................p. 305.1 A Política (Politics) Define as Políticas Públicas (Policies)? Ou São as Políticas Públicas Que Definem a Política (Politics)? .....................................................................................p. 305.2 A Abordagem Sistêmica ..............................................................................................p. 305.2.1 O Processamento dos Inputs Pelo Sistema Político ................................................p. 345.3 A Abordagem das Arenas Políticas .............................................................................p. 366. TIPOLOGIAS E TIPOS DE POLITICAS PÚBLICAS .....................................................p. 487. A CONCEPÇÃO DO CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS .............................................p. 557.1 Algumas Alternativas ao Policy Cycle Para a Análise de Políticas Públicas ...............p. 598. FORMAÇÃO DA AGENDA E FORMULAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA ......................p. 608.1 Demandas, Estados de Coisas e Problemas Políticos ................................................p. 608.2 Agenda Governamental: o que é e seus tipos .............................................................p. 628.3 Teorias de Formação da Agenda de Política Pública ..................................................p. 638.3.1 A Teoria da Não-Decisão .........................................................................................p. 648.3.2 O Modelo dos Múltiplos Fluxos .................................................................................p. 678.3.3 O Modelo do Equilíbrio Pontuado .............................................................................p. 738.4 O Modelo Garbage Can – Lata de Lixo .......................................................................p. 778.5 O Modelo das Coalizões de Defesa ............................................................................p. 808.6 As Polêmicas Sobre o Processo Decisório nas Políticas Públicas ............................ p. 829. A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ........................................................p. 929.1 Modelos de Implementação .........................................................................................p. 949.1.1 O Modelo Top-Down .................................................................................................p. 949.1.2 O Modelo Bottom-Up …............................................................................................p. 98

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9.1.3 As Teorias “Híbridas” ..............................................................................................p. 1029.2 Considerações a Respeito da Implementação ..........................................................p. 10510. MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS .......................................................................................................p. 10910.1 Conceitos Básicos: monitoramento, avaliação, acompanhamento, pesquisa avaliativa. Insumos, pressupostos, produtos, processos, efeitos, impactos .....................................p.11210.2 Tipologias de Avaliação: ex-ante, ex-post, intermediária; de conformidade, formativa, somativa; interna, externa, mista; centrada em objetivos, independente de objetivos, baseada em análise de custo-benefício; por pares ou especialistas, adversários ou participantes.....................................................................................................................p. 11810.3 Modelos ou Abordagens na Avaliação: Teoria do Programa; Teoria da Implementação, Teoria da Mudança do Programa ....................................................................................p. 12310.4 Os Métodos Experimental e Quasi-Experimental para Avaliação de Impacto ........p. 12510.5 O Planejamento do Monitoramento e da Avaliação: definição de objetivos, de critérios, de métodos, de perguntas avaliativas, de indicadores e seus padrões. Fontes, instrumentos e técnicas de coleta e análise de dados primários e secundários ...................................p. 12910.6 Cuidados para Assegurar a Qualidade da Avaliação ..............................................p. 14010.7 A Situação do Monitoramento e da Avaliação de Políticas Públicas no Brasil ........p. 141REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................p. 144

INTRODUÇÃO

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A área de estudos e pesquisa denominada “Políticas Públicas” constitui um dos campos de estudo e pesquisa da Ciência Política, que compreende diferentes correntes teóricas e distintas abordagens analíticas. Após as décadas de 1960, no mundo ocidental, e de 1980, no Brasil, a Ciência Política incluiu entre as suas ênfases as políticas públicas. O tema é comumente tratado, pela sociedade em geral, ora como a razão para as dificuldades econômicas, sociais e políticas do País, ora como uma espécie de panaceia capaz de resolver problemas os mais variados, em especial, aqueles ligados à capacidade de gestão da coisa pública.

Essa obra tem como referência os temas de políticas públicas recorrentemente inseridos nos editais de concursos públicos dos últimos dez anos. O texto se dedica, por inteiro, à questão das políticas públicas, perpassando cada uma das fases do ciclo de políticas públicas, da formação da agenda governamental à avaliação, sem deixar de mencionar os processos de sua formulação e de sua implementação (Volume 1). Tópicos bastante atuais, como intersetorialidade, accountability, conselhos gestores e algumas das principais políticas públicas em andamento no Brasil, são detalhados, além de constarem exercícios de concursos anteriores (Volume 2). São apresentados os conceitos consolidados e as teorias mais relevantes desse campo de estudo e são exploradas as polêmicas mais importantes na literatura recente.

Destaca-se que alguns conceitos encontram-se replicados propositalmente em mais de uma seção do livro. A aparente redundância possui a finalidade didática de abordar uma mesma temática segundo diferentes ângulos. O método foi adotado também para que o assunto de cada capítulo seja tratado por completo, sem que o leitor precise ir e vir, percorrendo trechos distintos do livro para esgotar cada tema de estudo. Leia cuidadosamente cada parágrafo e não deixe de observar as notas de rodapé: elas trazem esclarecimentos importantes para a melhor compreensão do conteúdo.

Cada um dos assuntos aqui elencados foi planejado e escrito com o intuito de proporcionar aos estudantes, aos acadêmicos, aos servidores públicos, à sociedade e aos demais interessados o instrumental necessário para melhor entender e lidar com o universo das políticas públicas.

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1. POLÍTICA E POLÍTICA PÚBLICA

O que é “Política Pública”? Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que o conceito é impreciso, admite muitas definições e algumas polêmicas. Essas polêmicas revelam discussões teóricas inconclusas, com autores importantes defendendo pontos divergentes e, na maioria das vezes, irreconciliáveis. A postura adotada nesse texto é a de relatar os lados de cada polêmica e, quando couber, indicar como autores relevantes têm procurado relativizá-las.

Ao evidenciar a imprecisão do conceito, Celina SOUZA (2006) comenta que a expressão “políticas públicas” pode referir-se a diferentes objetos: um campo de atividade governamental, como exemplifica a política agrícola; uma situação social desejada, como a política de igualdade de gênero; uma proposta de ação específica, como a política de ações afirmativas; uma norma quanto ao tratamento de determinado problema, como a política de fontes de energia renováveis; ou mesmo um conjunto de objetivos e programas que o governo possui em um campo de ação, como a política de combate à pobreza.

As diversas definições conceituais encontradas na literatura mostram-se

aparentemente semelhantes. Entretanto, essa aparência é somente ilusória, pois os elementos nelas presentes e ausentes revelam entendimentos muito diversos entre os principais autores.

Nos enunciados (a), (b), (c) e (d), a seguir, a ênfase das definições recai sobre a finalidade das políticas públicas e as decisões nelas envolvidas. Política pública seria:

a) “Um curso de ação escolhido para lidar com um problema ou uma questão de interesse comum”.

b) “Um conjunto de decisões inter-relacionadas referentes à seleção de objetivos e dos meios para atingi-los”.

c) “Um conjunto de decisões adotado e posto em prática mediante processos selecionados que definem os recursos necessários, sua distribuição e gestão”.

d) “Estratégias que apontam para diversos fins, todos eles, de alguma forma, desejados pelos diversos grupos que participam do processo decisório” (SARAVIA, 2006, p. 28-29).

Dos enunciados (e) e (f) constam explicitamente dois elementos a mais: o governo e a sociedade, os agentes públicos e os agentes da sociedade.

e) “O conjunto das atividades de um governo, diretamente realizadas por agentes públicos ou por agentes da sociedade, e que influenciam a vida dos cidadãos”.

f) “Um curso de ação produzido por um governo (Executivo, Legislativo e/ou Judiciário) que satisfaz uma necessidade e que se expressa na forma de objetivos estruturados em um conjunto de diretrizes, de caráter imperativo, aceitos pela coletividade”.

Já nos enunciados (g) e (h), além da declaração do caráter público das decisões tomadas, o foco se transfere para a ideia de que a política pública apresenta a natureza de uma intervenção na realidade. Observa-se, ainda, que o enunciado (h) inclui tanto as ações como as omissões do governo.

g) “Fluxo de decisões públicas, orientado para manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade” (SARAVIA, 2006, p. 28).

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h) “Sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões1, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos” (SARAVIA, 2006, p. 29).

Na ausência de um consenso conceitual, um recurso para entender o que vem a ser “política pública” é pensar sobre o contexto no qual elas ocorrem: as sociedades modernas.

As sociedades modernas têm, como principal característica, a diferenciação social. Isso significa que seus membros não apenas possuem atributos diferenciados (idade, sexo, religião, estado civil, escolaridade, renda, setor de atuação profissional, etc.), como também possuem ideias, valores, interesses e aspirações diferentes e desempenham papéis distintos no decorrer da sua existência. Isso faz com que a vida em sociedade seja complexa e compreenda diferentes padrões de interação: cooperação, competição, conflito.

Enquanto a cooperação e a competição são dinâmicas interacionais agregadoras, o conflito desagrega e pode levar à ruptura dos laços de coexistência coletiva. Isso ocorre, porque ao conflito está intrinsecamente associada à possibilidade de uso da violência. Por isso, para que a vida em sociedade permaneça viável, o conflito deve ser mantido dentro de limites administráveis: os indivíduos podem divergir, podem competir e podem até se confrontar (e com frequência, o fazem), porém, devem obedecer a algumas regras e a alguns limites necessários ao bem-estar coletivo. Isso não acontece naturalmente. Para que suceda, há apenas dois meios: a coerção pura e simples, de um lado; e a política, de outro.

Aplicada a fim de administrar o conflito, a coerção refere-se ao conjunto de atividades de repressão e de punição das transgressões às normas, mediante a aplicação, potencial ou efetiva, da violência física. Do ponto de vista estratégico, a coerção é uma alternativa de utilização restrita, já que, quanto mais utilizada, menor a sua efetividade e mais elevado resulta o seu custo.

Resta, então, a política. A política envolve coerção em potencial, mas não se limita a ela. Ao contrário: admite vários outros mecanismos, destinados a tornar desnecessária a própria coerção.

Cabe indagar, afinal, o que é política. Phillippe SCHMITTER (1979, p. 38) oferece uma definição para o preceito, ressaltando sua função: “a função da política é a de resolver conflitos entre indivíduos e grupos, sem que este conflito destrua um dos partidos em conflito”. Em palavras bastante simples, para o autor, política é a resolução pacífica de conflitos.

Esse conceito, no entanto, é demasiado amplo, discrimina pouco. É possível delimitar um pouco mais e estabelecer que a política consiste no conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos.

Não se deve perder de vista, contudo, que “política” não é a mesma coisa que

“política pública”. Como distinguir política de política pública? Por que é que a discussão chegou ao conceito de “política”, sem chegar ao de “política pública”? Em parte, isso se deve ao fato de a língua portuguesa utilizar a mesma palavra para se referir a duas coisas

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1 A literatura não exibe um consenso quanto às omissões, uma vez que é bastante razoável o argumento de que, se todas as omissões dos atores públicos fossem consideradas políticas públicas, absolutamente tudo seria política pública. Tende a ser mais comum a interpretação de que as políticas públicas distinguem-se como tais na medida em que reúnem decisões e ações. Porém, autores como Celina SOUZA (2006) lembram que, há mais de 40 anos, BACHRACH e BARATZ (1962, 1970) mostraram que a imposição de obstáculos à inserção de uma demanda na agenda governamental é uma forma de lidar politicamente com um problema, desde então conhecida como “não-decisão” (ver capítulo 8.3.1).

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distintas: política e política pública. Quando recorremos à língua inglesa fica mais fácil perceber as diferenças. Segundo Klaus FREY (1999, p. 4):

“A literatura sobre 'policy analisis' diferencia três dimensões da política. Para a ilustração dessas dimensões tem se adotado na ciência política o emprego dos conceitos em inglês de 'polity' para denominar as instituições políticas, 'politics' para os processos políticos e, por fim, 'policy' para os conteúdos da política.

• a dimensão material 'policy' refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas;

• no quadro da dimensão processual 'politics' tem-se em vista o processo político, frequentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição;

• a dimensão institucional 'polity' se refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo”.

Também SOUZA (2006) busca a língua inglesa para estabelecer distinções conceituais, embora se diferencie de FREY por inserir as “instituições” numa quarta dimensão. Consoante a autora (p. 40), são quatro os elementos no estudo das políticas públicas: “a própria política pública (policy), a política (politics), a sociedade política (polity) e as instituições onde as políticas públicas são decididas, desenhadas e implementadas”.

Com acepções um tanto distintas daquelas consagradas na literatura da área2, como se pode verificar abaixo, Carlos T. A. PINHO (2011, slide 8) menciona os seguintes termos:

• “Política (Politics) – caracteriza as ações e negociações dos representantes da sociedade nos diferentes fóruns, nas diferentes esferas e Poderes.

• Política (Policy) – curso de ação deliberado que guia as decisões na direção de resultados racionais. Ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados; aplicação desta ciência aos negócios internos (política interna) ou externos (política externa).

• Pública (Public) – aquilo que pertence ou afeta não apenas uma pessoa (física ou jurídica) específica, mas toda a sociedade”.

Para avançar na compreensão desses conceitos, é útil esclarecer as diferenças entre política pública e decisão política. Uma política pública geralmente envolve mais do que uma decisão isolada, além de requerer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas. A título de exemplos, a privatização de estatais, a reforma agrária, o Sistema Único de Saúde (SUS), ou os programas de transferência de renda, relacionam-se a políticas públicas.

A decisão política, por sua vez, corresponde a uma escolha entre várias alternativas, segundo a hierarquia das preferências dos atores envolvidos, expressando – em maior ou menor grau – certa adequação entre os fins pretendidos e os meios disponíveis num contexto de relações de poder e conflito. Exemplos de decisões políticas que não representam política pública seriam: uma reforma ministerial, uma emenda constitucional para reeleição presidencial ou a criação de um fundo para uma finalidade qualquer. Trata-se de decisão, mas não de política pública.

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2 O autor caracteriza politics não como um processo marcado por interações diversas, entre as quais se destacam a competição e o conflito, mas como “ações e negociações”; além disso, estabelece que tais interações se dariam entre os “representantes da sociedade” e não entre interesses específicos e fragmentados presentes na sociedade; e trata os Poderes como se fossem apenas loci das “ações e negociações” e não como se fossem também atores dotados de interesses próprios. Quanto ao conceito de policy, PINHO enfatiza o seu caráter “racional” e relativo à “ciência”. Finalmente, atribui ao termo “público” ou “public” o significado de coletivo, esvaziando a dimensão do poder imperativo do Estado.

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Portanto, embora uma política pública implique decisão política, nem toda decisão política chega a constituir uma política pública.

A essa altura, faz-se necessário perguntar por que nos referimos às políticas qualificando-as como “públicas”. Ou seja: o que é que torna uma política, política pública (policy)?

Esse é um ponto polêmico existente nesse campo de estudo, no qual se contrapõem a Abordagem “Estatocêntrica” e a “Policêntrica”, também chamada “Multicêntrica”.

De acordo com a Abordagem Estatocêntrica, a dimensão “pública” de uma política (policy) é dada pelo fato de ela consistir em decisões e ações revestidas do poder extroverso e da autoridade soberana do Estado.

Conforme essa Abordagem, a dimensão “pública” de uma política advém não do tamanho do agregado social (grandes ou pequenos grupos) sobre o qual ela incide, nem do tipo de problema ao qual pretende oferecer resposta, mas sim do seu caráter jurídico “imperativo”. Isso quer dizer que uma das características centrais que tornam uma política “pública” é o fato de que as decisões e ações que a compõem são amparadas na lei, logo, fundamentadas na autoridade do Poder Público. Pretende-se frisar, na vertente Estatocêntrica, que a política pública, em última instância, depende de uma estrutura legal de procedimentos e de processos institucionais governamentais.

Esse aspecto não é próprio das entidades privadas, sem embargo de elas, por vezes, agirem visando o benefício público ou agregarem a participação de amplas coletividades. Atores diversos podem estar envolvidos, em maior ou menor grau, nas diversas fases e atividades da política pública, embora até o seu envolvimento dependa de decisões imperativas do Estado.

De certa forma, esse caráter imperativo se expressa muito claramente nos próprios instrumentos de políticas públicas: legislação, recursos financeiros e humanos, serviços, linhas de crédito, tributos3, subsídios, incentivos diversos e, por último, mas não menos importante, a coerção. Os principais instrumentos de políticas públicas, conforme pondera PINHO (2011, slide 21), são:

• “Legislação: instrumento que cria obrigações e molda ações e comportamentos.• Fornecimento de Produtos e Serviços: provisão direta ou indireta de produtos

(estradas, delegacias, postos de saúde, praças de esporte etc.) ou serviços (controle de tráfego aéreo, policiamento, fiscalização etc.).

• Recursos financeiros: transferências de dinheiro a entidades, instituições ou mesmo pessoas (Bolsa Família, benefícios de prestação continuada, convênios para qualificação profissional etc.).

• Impostos e Taxas: incentivam ou constrangem a atividade econômica como, por exemplo, a elevação ou dedução de impostos sobre bebidas, cigarros, importações, etc.

• Outros: subsídios para manutenção de atividades de interesse coletivo, concessão de crédito educativo”.

As políticas públicas não se confundem com atividades coletivas. Existem várias coletividades de natureza privada, como clubes e associações civis, que oferecem

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3 Os tributos compreendem os impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios, que formam a receita da União, dos estados e dos municípios. Eles podem ser diretos ou indiretos. No primeiro caso, os contribuintes arcam com os tributos ao pagá-los, como ocorre com o Imposto de Renda, o IPVA, o IPTU, o ITR, as taxas de lixo e de iluminação pública, etc. Já os tributos indiretos incidem sobre o preço das mercadorias e serviços, como o IPI, o ICMS, o ISS, a CIDE, entre outros.

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benefícios por decisão própria, com exclusividade para seus associados, ou não. Coletivo não é o oposto de privado e não é o mesmo que público.

A Abordagem Policêntrica ou Multicêntrica percebe a política pública como não condicionada, nem subordinada ao poder do Estado. Em vez de focalizar no protagonismo do Estado na produção das políticas públicas, ela enfatiza a capacidade de atuação pluralista dos atores sociais: como “policy networks” (redes de políticas públicas, que serão estudadas adiante), organizações não-governamentais (ONGs) e organismos internacionais, etc. Esses seriam protagonistas das políticas públicas tanto quanto os atores estatais.

De acordo com Francisco HEIDEMANN e José Francisco SALM (2009, p. 31 apud SECCHI, 2010, p. 4):

“A perspectiva de política pública vai além da perspectiva de políticas governamentais, na medida em que o governo, com sua estrutura administrativa, não é a única instituição a servir à comunidade política, isto é, a promover ‘políticas públicas’”.

Para Leonardo SECCHI (2010, p. 4), a essência conceitual das políticas públicas é o problema público. Nesse sentido, o que determina se uma política é pública, ou não, seria a sua intenção de responder a um problema “público” (não um problema político), independentemente de o tomador de decisão ter personalidade jurídica estatal ou não estatal.

Nota-se, assim, que na Abordagem Multicêntrica o conceito de políticas públicas passa a ter como foco o “problema público”, em lugar do ator responsável por elas. E o que seria um problema “público”? Segundo SECCHI (2010, p. 7), um problema expressa a diferença entre a situação atual (um status quo ‘inadequado’) e uma situação ideal possível. Um problema público seria “a diferença entre a situação atual e uma situação ideal possível para a realidade pública” (Ibidem, p. 7). Soma-se que “para um problema ser considerado ‘público’ este deve ter implicações para uma quantidade ou qualidade notável de pessoas” (Ibidem, p. 7). Consoante o autor (Ibidem, p. 3), “a interpretação do que seja um problema público (...) aflora nos atores envolvidos com o tema (...)”.

Já a Abordagem Estatocêntrica refere-se a problema “político”, definindo-o como uma situação à qual os governos se veem constrangidos a dar algum tipo de resposta, vale dizer: a indicar à sociedade o que pretendem fazer a respeito. Isso ocorre, porque, mesmo que sua resposta seja puramente simbólica, o custo político de se omitir frente ao problema pode ser demasiado elevado para os governantes (perda de legitimidade, fragilização frente às forças de oposição, etc.).

A proposição de Leonardo SECCHI distingue-se do que foi proposto por Janice MERIGO e Marlene M. de ANDRADE (2010, não paginado), cujo critério para definição de políticas públicas baseia-se, nomeadamente, na personalidade jurídica dos formuladores e executores:

“Podem existir políticas públicas não-governamentais. (...) São políticas que atendem ao interesse público, tendem a responder a necessidades sociais, são submetidas ao debate e participação popular, mas que são propostas, formuladas e executadas por organizações não pertencentes ao aparelho de Estado. Ex. as várias políticas de proteção ao ambiente, em sua maior parte coordenadas por Organizações Não-Governamentais (ONGs)”.

Aparentemente, a posição das autoras ampara-se no conceito do “público não-estatal”, caracterizado por BRESSER PEREIRA e Nuria Cunill GRAU (1999, p. 16-17) nos seguintes termos:

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“O setor produtivo público não-estatal é também conhecido por ‘terceiro setor’, ‘setor não-governamental’, ou ‘setor sem fins lucrativos’. Por outro lado, o espaço público não-estatal é também o espaço da democracia participativa ou direta, ou seja, é relativo à participação cidadã nos assuntos públicos. (...) a expressão ‘público não-estatal’ que define com maior precisão do que se trata: são organizações ou formas de controle ‘públicas’ porque estão voltadas ao interesse geral; são ‘não-estatais’ porque não fazem parte do aparato do Estado, seja porque não utilizam servidores públicos ou porque não coincidem com os agentes políticos tradicionais. (...) O que é estatal é, em principio, público. O que é público pode não ser estatal, se não faz parte do aparato do Estado”.

A despeito do reconhecimento do papel crucial dos atores não estatais nas políticas

públicas, é possível sustentar que predomina, na Ciência Política, a compreensão de que o fator decisivo para uma política ser “pública” está em seu respaldo pela autoridade do Estado – não a personalidade jurídica dos que nela atuam, tampouco a natureza do problema em que se circunscreve. Essa é a posição assumida por Enrique SARAVIA (2006, p. 31) quando nomeia os componentes comuns das políticas públicas, colocando a autoridade pública em primeiro lugar:

“a) Institucional: a política é elaborada ou decidida por autoridade formal legalmente constituída no âmbito da sua competência e é coletivamente vinculante;

b) Decisório: a política é um conjunto de decisões, relativo à escolha de fins e/ou meios, de longo ou curto alcance, numa situação específica e como resposta a problemas e necessidades;

c) Comportamental: implica ação ou inação, fazer ou não fazer nada; mas uma política é, acima de tudo, um curso de ação e não apenas uma decisão singular;

d) Causal: são os produtos de ações que têm efeitos no sistema político e social”.

Compartilham a ênfase no papel crucial da autoridade do Estado para a definição do caráter público de uma policy, entre outros, David EASTON (1970), ao definir política pública como “a alocação imperativa de valores”; Guillermo O’DONNELL (1989), ao propor que a política pública permite observar “o Estado em ação”; e Celina SOUZA4 (2006, p. 36), ao sustentar que a política pública “permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz”.

A excessiva ênfase no protagonismo dos atores sociais como critério de conceituação do caráter público de uma policy contou com grande receptividade na década de 1990, quando as análises da interdependência econômica dos países no sistema internacional previam e propunham a redução do papel do Estado, ao passo que ressaltavam a função dos investidores globais, das corporações transnacionais ou simplesmente da ação autônoma dos atores organizados da sociedade. Na segunda década do terceiro milênio, porém, novas gerações de teorias não somente desafiam as concepções da diluição e da negação do Estado, como reafirmam a sua especificidade e a centralidade do seu papel nas políticas públicas.

Seja qual for a abordagem adotada, é preciso ter em mente as características do que se entende como policy, ou seja, política pública.

Para Celina SOUZA (2006, p. 36), toda política pública apresenta as seguintes características:

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4 SOUZA (2003, p.15) sustenta ainda que “Apesar do reconhecimento de que outros segmentos que não os governos se envolvem na formulação de políticas públicas, tais como os grupos de interesse, os movimentos sociais e as agências multilaterais, por exemplo, com diferentes graus de influência segundo o tipo de política formulada e das coalizões que integram o governo, e apesar de uma certa literatura argumentar que o papel dos governos tem sido encolhido por fenômenos como a globalização, a diminuição da capacidade dos governos de intervir, formular políticas públicas e governar não está empiricamente comprovada. Visões menos ideologizadas defendem que apesar de limitações e constrangimentos, a capacidade das instituições governamentais de governar a sociedade não está inibida ou bloqueada (PETERS, 1998, p. 409)”.

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• “É ação intencional, com objetivos a serem alcançados. • Permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz. • Envolve processos subsequentes após sua decisão e proposição, ou seja, implica

também implementação, execução e avaliação. • Envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos

governos.• Não se restringe aos participantes formais, já que os informais são também

importantes. • É abrangente e não se limita a leis e regras (envolve procedimentos, recursos, etc.). • Ocorre no longo prazo, embora possa ter impactos no curto prazo”.

Renato D’AGNINO (2009, p. 134) propõe o seguinte decálogo para entender o que é policy ou política pública:

“i) A distinção entre política e decisão: a política é gerada por uma série de interações entre decisões mais ou menos conscientes de diversos atores sociais (e não somente dos tomadores de decisão);

ii) A distinção entre política e administração;iii) Que política envolve tanto intenções quanto comportamentos;iv) Tanto ação como não-ação, podendo assumir, inclusive, o caráter de política

simbólica; isto é, que uma política cujo objetivo é mais gerar um impacto político favorável para quem a formula do que ser implementada de fato;

v) Que a política pode determinar impactos não esperados; vi) Que seus propósitos podem ser definidos ex post: racionalização; vii) Que ela é um processo que se estabelece ao longo do tempo;viii) Que envolve relações intra e inter-organizações;ix) Que é estabelecida no âmbito governamental, mas envolve múltiplos atoresx) Que é definida subjetivamente segundo as visões conceituais adotadas”.

Antes de prosseguir, cumpre enfatizar a complexidade do campo de estudo das políticas públicas. Diferentes autores defendem perspectivas analíticas diversas, algumas das quais se distinguem apenas marginalmente, enquanto outras se contrapõem de forma radical. Muitas abordagens têm sido recombinadas, a fim de ganhar poder explicativo sobre as políticas públicas. É possível organizar de variadas formas as diversas vertentes analíticas. Peter JOHN (1998) reconhece as seguintes abordagens:

• as que têm como foco as instituições formais e informais na determinação das decisões e dos resultados nas políticas públicas;

• as que enfatizam a racionalidade, especialmente a teoria da escolha racional;• as que atribuem aos fatores socioeconômicos o poder de determinar as decisões dos

atores e os resultados das políticas públicas;• as que se centram nos grupos e redes e nas interações dos atores nos processos

das políticas públicas; • as que destacam o papel das ideias e crenças como fatores independentes capazes

de influenciar decisivamente os processos das políticas públicas.

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PARA APRENDER POLÍTICAS PÚBLICAS – Volume 1

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2. OS ATORES NAS POLÍTICAS PÚBLICAS (STAKEHOLDERS): o que são, quem são e como se classificam

Conforme visto anteriormente, a política (politics) é um processo que compreende a operação de vários mecanismos e procedimentos destinados a resolver pacificamente os conflitos quanto à alocação de bens e recursos públicos. Quem são os envolvidos nesse processo? São aqueles cujos interesses serão afetados, positiva ou negativamente, pelas decisões e ações, chamados pela literatura de "atores políticos".

Os atores políticos são inúmeros e variam segundo cada tipo de política pública no qual estão envolvidos, ou seja, são específicos. Cada ator político pode exibir lógicas próprias de comportamento, interesses próprios e recursos de poder próprios. Por “recursos de poder” entendem-se os variados instrumentos mediante os quais os atores podem tentar influir no curso das decisões e negociar politicamente, como: recursos financeiros, posições de autoridade, capacidade de mobilização política, reputação, vínculos com outros atores relevantes, habilidades estratégicas, conhecimento, informação, etc.

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PARA APRENDER POLÍTICAS PÚBLICAS – Volume 1

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A academia frequentemente se refere aos atores políticos como “stakeholders”. O termo designa os portadores de um interesse que está a ponto de ser decidido de forma definitiva, e que pode perder ou ganhar, a depender de qual decisão seja tomada5.

Na esfera das políticas públicas, não se costuma falar em atores políticos em termos gerais e abstratos, haja vista esses atores estarem comumente vinculados a uma determinada área de políticas públicas, a uma questão de políticas públicas ou a uma política pública em si. Acrescenta-se que os atores operam em todo o processo da política pública, guiados por seus interesses e valores, sejam eles quais forem. A menção a atores políticos abarca desde tomadores de decisão até beneficiários e não beneficiários, financiadores, implementadores e fornecedores que participam direta ou indiretamente da política pública. Cumpre salientar que não se deve tratar a sociedade e o governo, genericamente considerados, como atores políticos. Como se afirmou, a denominação requer mais detalhamento.

A despeito dessas considerações, PINHO (2011, slide 14) define os “principais atores” de uma forma bastante ampla, na qual se confunde a condição de ator com a de lócus institucional, incluindo até certos resultados, como “acordos”, do modo que se pode constatar na citação seguinte: PRINCIPAIS ATORES

“Principais Atores:• Poder Executivo: tido como o principal lócus de formulação e gestão de políticas

públicas, a ponto de ser considerado por alguns como o único.• Poder Legislativo: senadores, deputados e vereadores, além de conselheiros dos

tribunais de contas, tem importância fundamental na análise, legitimação e fiscalização de políticas públicas.

• Poder Judiciário: decisões de juízes das diferentes instâncias podem alterar por completo uma política pública estabelecida (saúde, p.e.).

• Outras esferas de governo: estadual e municipal.• Organizações da sociedade civil: ONGs, entidades de classe, sindicatos,

associações, grupos de interesse etc. influenciam na formulação e fiscalização.• Organismos e acordos internacionais”.

Para iniciar o estudo dos atores nas políticas públicas, pode-se distinguir entre atores públicos e atores privados. Os atores públicos são aqueles que exercem funções públicas, calculam suas ações regidos por essas funções e mobilizam os recursos de poder a elas

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PARA APRENDER POLÍTICAS PÚBLICAS – Volume 1

5 Apropriado pela Ciência Política, o conceito de “stakeholder” provém de uma abordagem que vicejou no campo da Administração, a Teoria do Stakeholder. A teoria neoclássica apresentava uma visão bastante restrita, ao estabelecer que os stakeholders eram os agentes econômicos que deveriam ser levados em consideração nas tomadas de decisão da empresa e compreenderiam somente quatro tipos: os investidores (os proprietários), os fornecedores (de terra, de instalações, de equipamentos, de matéria-prima, de tecnologia, etc.) os trabalhadores e os consumidores. A Teoria do Stakeholder foi mais além, ao defender que existem muitos outros componentes da sociedade que devem ser levados em conta nos processos decisórios das empresas: organismos governamentais, grupos políticos, ONGs, associações de empresas, empresas competidoras, sindicatos de trabalhadores, associações de consumidores, potenciais empregados, potenciais clientes, comunidades em que elas existem ou das quais obtêm recursos e, na verdade, a sociedade como um todo. A Teoria do Stakeholder adota uma perspectiva de complexidade do ambiente e propõe somar a visão econômica dos recursos à visão econômica de mercado, ao mesmo tempo em que incorpora uma visão sociológica e política da sociedade – o sistema maior em que a empresa está situada – para as tomadas de decisão. Numa abordagem com grande destaque nas modernas teorias éticas e da responsabilidade social, a Teoria do Stakeholder enxerga a empresa como centro de uma ampla constelação de interesses de indivíduos e grupos, os quais afetam ou podem ser afetados pela atividade da empresa, e que legitimamente procuram influenciar os processos de decisão, com o objetivo de obter benefícios para os interesses que defendem ou representam (FREEMAN, 1984; FRIEDMAN; MILES, 2002).

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associados. Entre os atores públicos, por seu turno, pode-se diferenciar, grosso modo, duas categorias: os políticos e os burocratas6.

Na definição clássica de Max WEBER (1970), os políticos modernos são “empresários do voto”. Em princípio, portanto, são atores cuja posição resulta da conquista de mandatos eletivos. Por essa razão, sua atuação nas políticas públicas é condicionada principalmente pelo cálculo eleitoral: eles avaliam como suas decisões poderão lhes render votos ou apoios para conquistar eleitores. No entanto, variando conforme cada sistema político, também pesa em sua atuação o pertencimento a partidos políticos, ou seja: seu próprio empoderamento dentro dessas organizações que disputam o preenchimento de cargos públicos. São exemplos: os parlamentares, governadores, prefeitos, membros eleitos do Executivo federal.

Nem todos os cargos públicos são preenchidos mediante competição eleitoral. Por isso, é possível distinguir os políticos eleitos – aqueles escolhidos pelo voto em eleições periódicas – e os políticos designados. Esses são designados pelos políticos eleitos para ocupar determinados cargos na Administração Pública. Tipicamente, são lideranças que ocupam posições na estrutura organizacional dos seus partidos ou são políticos que ficaram provisoriamente sem mandato. São exemplos: secretários municipais e estaduais, diretores e presidentes de empresas estatais, ministros de Estado, entre outros.

Os burocratas, diferentemente dos políticos, devem sua posição à ocupação de cargos situados em sistemas de carreira pública, que exigem conhecimento especializado. Controlam, principalmente, recursos de autoridade, posições organizacionais e informação. São conhecidos na literatura especializada como “profissionais do conhecimento” e, como tais, nem sempre suas relações com os políticos são harmoniosas. Isso ocorre, uma vez que o que move os burocratas é o interesse pela progressão em sua carreira, a qual não está sujeita à responsabilização política (prestação de contas ao eleitorado e possibilidade de ser eleito/reeleito), mas apenas técnica. Os políticos, ao contrário, têm de se preocupar, o tempo todo, com o eleitorado.

Como foi relatado, os políticos, por vezes, exercem cargos em organizações burocráticas. Da mesma forma, burocratas envolvem-se em atividades políticas, de maneira que a linha demarcatória desses diferentes papéis institucionais pode ser bastante imprecisa. Além disso, embora não disponham de mandato eletivo, os burocratas frequentemente possuem (e cultivam) clientelas com as quais compartilham afinidades setoriais. Essas clientelas podem se organizar, ou não, em grupos e redes, que podem proporcionar importante base de sustentação e de legitimação política aos burocratas.

Enquanto atores públicos, os burocratas exercem seus papéis no âmbito de organizações públicas. Essas são conjunto de indivíduos, regidos por estatutos formais, que perseguem determinados objetivos organizacionais, de acordo com uma divisão de trabalho, uma estrutura de comando hierárquico e um conjunto de rotinas de procedimentos. As organizações são dotadas de permanência e promovem, entre seus membros, espírito de pertencimento, ideias, crenças e valores compartilhados. Os membros das organizações procuram mobilizar seus quadros para se fortalecerem institucionalmente, por intermédio da expansão de seus recursos humanos e orçamentários e de seu controle sobre sua área de atividade e do entorno dessa.

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6 Outro tipo de ator – que tanto pode ser público como privado – são os tecnocratas. A palavra tecnocracia tem sido usada para indicar qualquer tipo de administração feito por especialistas de qualquer campo e que atuam em diversos contextos, sem terem cumprido uma trajetória em carreiras públicas regulares. Possuem excelente formação técnica, grande experiência em sua área de atuação, reconhecida competência executiva e geralmente transitam entre as organizações do setor público e privado com facilidade. Exemplo: ministros, secretários na estrutura dos ministérios, altos diretores de empresas públicas (estatais), etc.

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Como mostra a literatura pós-weberiana sobre a burocracia, os agentes burocráticos são capazes de desenvolver projetos políticos, visando promover interesses pessoais ou as solidariedades organizacionais (como a fidelidade aos valores da instituição, o fortalecimento da organização à qual pertencem, etc.). Por esse motivo, é comum haver disputas não apenas entre políticos e burocratas7, mas também conflitos entre organizações burocráticas em diferentes setores do governo.

Uma importante vertente teórica da Ciência Política, a “Teoria da Escolha Pública” (“Public Choice”), analisa especialmente o comportamento dos políticos e dos funcionários governamentais enquanto agentes auto-interessados (dotados de interesses próprios e não subordinados aos interesses dos eleitores) e suas interações nas políticas públicas. Essa Teoria procura explicar como as decisões de políticos e burocratas podem contrariar as preferências do público em geral para atender a “interesses especiais”.

Outra abordagem, conhecida como “Teoria dos Comportamentos Rentistas” ou “Rent-Seeking”, focaliza as ações auto-interessadas de indivíduos ou grupos que buscam obter, por meio da política (politics), rendimentos superiores aos que conseguiriam em um contexto de mercado concorrencial. Em suma, essa Teoria sustenta que quando uma economia de mercado e um governo estão presentes, os agentes do governo são fonte de inúmeros privilégios especiais de mercado. Tanto os agentes do governo como os participantes do mercado procurarão esses privilégios, a fim de se beneficiar da renda monopolista que eles fornecem. Quando esses privilégios são concedidos, o sistema econômico perde em eficiência e os recursos que, em outras circunstâncias, poderiam ser empregados em benefício da sociedade, são desviados para favorecer interesses particulares. Não se trata de simples corrupção, mas sim, do uso de instrumentos legítimos de políticas públicas (como isenções, incentivos, subsídios, regulamentos diversos, etc.) para privilegiar grupos específicos8. O debate da Teoria da Escolha Pública normalmente focaliza os agentes governamentais situados na esfera decisória. Todavia, o papel da burocracia não se limita a essa esfera. Estudos de implementação das políticas públicas têm chamado a atenção para o papel dos servidores públicos que operam nos escalões mais baixos do sistema político, atuando diretamente junto ao público afetado (e não apenas beneficiários) das políticas públicas: são agentes de fiscalização, policiais, bombeiros, professores e diretores de escolas, atendentes de hospitais, etc.

Esses atores, que a literatura denomina “burocracia de nível de rua” (“street-level bureaucracy”), possuem recursos de poder político, já que sua atuação é que define como a política pública (e, portanto, a ação governamental) se apresenta aos cidadãos. Os estudos mostram que os funcionários de nível de rua realmente fazem escolhas políticas em vez de simplesmente aplicar as decisões das autoridades eleitas e, assim, são capazes de mudar as políticas públicas no momento da sua implementação. Em decorrência disso, a implementação de políticas públicas depende de uma negociação permanente com a burocracia de nível de rua, na medida em que suas relações com clientes e seus preconceitos influenciam o tratamento dado aos cidadãos.

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7 Sobre as relações entre políticos e burocratas, ver: RUA, Maria das Graças; AGUIAR, Alessandra T. A Política Industrial no Brasil, 1985-1992: políticos, burocratas e interesses organizados no processo de policy-making. In: SARAVIA, Enrique; FERRAREZI, Elisabete (Orgs.). Políticas Públicas: coletânea. Volume 2. Brasília: ENAP, 2006, p. 127-146.

8 Um conceito associado aos comportamentos rentistas é designado na literatura da Ciência Política como “triangulo de ferro” significando a interação promíscua existente entre agência administrativa governamental, comissões parlamentares e um específico grupo de interesse afetado pela regulação e pelo controle governamental (ver capítulo 4.1).

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Os atores privados são aqueles entes que operam na esfera privada, seja na vida econômica, seja em atividades extra-materiais (como religião, valores éticos e morais, questões étnicas, de gênero, de orientação sexual, etc.). Compreendem empresários, trabalhadores formais ou informais, grupos de interesses, associações civis, religiosas, sindicatos, ONGs, partidos políticos, movimentos sociais e suas diversas lideranças.

Esses atores privados podem ser identificados no âmbito internacional (por exemplo: as corporações financeiras internacionais; o movimento ambientalista); nacional (por exemplo: movimento negro no Brasil); regional (por exemplo: Federação das Indústrias de São Paulo; Associação dos Empresários da Zona Franca de Manaus); e setorial (por exemplo: produtores de autopeças, sanitaristas, ruralistas).

Deve sublinhar-se que os atores privados podem atuar como atores formais, quando são indivíduos ou organizações que desempenham papéis predeterminados, segundo estatutos públicos ou privados (a exemplo de um representante da indústria de fármacos no Conselho Nacional de Saúde). Podem atuar também informalmente mediante participação em redes de políticas públicas (“policy networks”) e coalizões de defesa, que serão tratadas em breve, nesse livro.

Entre os atores privados destacam-se os empresários. Sem qualquer sombra de dúvida, são atores dotados de grande capacidade de influir nas políticas públicas, devido à sua capacidade de afetar a economia do país: controlam as atividades de produção, parcelas do mercado e a oferta de empregos. De acordo com os analistas de relações entre economia e política, os empresários são atores de particular relevância não somente pelo que podem fazer, como especialmente pelo que podem deixar de fazer: investir na atividade produtiva.

Os empresários podem influir nas policies em vários momentos e em diferentes instâncias políticas por meio de suas entidades patronais, suas associações civis e instituições especializadas em lobbying. Os empresários podem atuar como atores individuais isolados, com acesso privilegiado às autoridades políticas e burocráticas; ou como atores coletivos, vocalizando os interesses de sua categoria.

Outro importante ator privado são os trabalhadores. Sua capacidade de influenciar é proporcional à sua organização. Portanto, atuam mediante seus sindicatos, que podem, eventualmente, estar ligados a partidos políticos, movimentos sociais, ONGs e até mesmo igrejas. Sua capacidade de pressão política pode variar também conforme a relevância estratégica do setor em que atuam. Por exemplo, uma greve de controladores de tráfico aéreo pode provocar o caos em um país ou mesmo em um continente. Da mesma maneira, caso uma greve de metroviários em uma metrópole como São Paulo se estenda por mais do que um ou dois dias, os prejuízos a todas as atividades daquele centro urbano terão grande magnitude. Observa-se, contudo, que a greve é apenas um dos instrumentos usados pelos trabalhadores para pressionar em uma situação de negociação política.

Empresários e trabalhadores são atores demasiado relevantes e não somente porque a maior parte das políticas públicas mobiliza, de alguma forma, o capital e o trabalho. Esses atores se destacam, ainda, por serem elementos constitutivos do mais importante arranjo de intermediação de interesses, de formulação, decisão e implementação de políticas públicas das sociedades contemporâneas: o corporativismo, particularmente em sua versão societal.

Phillipe SCHMITTER (1974) definiu o corporativismo como um sistema de representação de interesses, um modelo específico de organização institucional para

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articular os interesses associativos organizados da sociedade civil com as estruturas de decisão do Estado9. Nas palavras do autor (p. 85), o corporativismo consiste em

“Um sistema de representação de interesse no qual as unidades constituintes são organizadas em um número limitado de categorias singulares, compulsórias, não competitivas, hierarquicamente ordenadas e funcionalmente diferenciadas, reconhecidas ou licenciadas (se não criadas) pelo Estado, que lhes concede o monopólio de representação dentro de suas respectivas categorias em troca da observância de certos controles sobre a seleção de suas lideranças e a articulação de suas demandas e apoios”.

Devem ser levados em consideração, ainda, os diversos atores internacionais que, a depender do tipo e do objeto de cada política pública específica, podem assumir papel crucial.

Atores internacionais podem ser governos de países com os quais um país mantém relações de troca importantes e que podem afetar não apenas a economia, como também a política interna do país. Um exemplo foi a atuação dos EUA diretamente junto ao governo brasileiro nas questões da Lei de Patentes, na década de 1990. Outro exemplo é observado nas relações entre os governos dos países da União Europeia/Zona do Euro na crise pós-2008, sobretudo nas relações entre as economias que se encontram fragilizadas – Grécia, Espanha, Portugal, Itália – e as economias que têm conseguido se manter estáveis, como Alemanha e França.

Outra forma de atuação dos atores internacionais que afeta as políticas públicas é o estabelecimento de “regimes internacionais”. Esses consistem em princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, implícitos ou explícitos, em torno dos quais convergem as expectativas dos atores em uma determinada área das relações internacionais (KRASNER, 1983). Os regimes internacionais exprimem comportamentos pactuados e coordenados, estabelecidos entre os governos10 dos países em uma área de interesse comum. Quando um país adere a um regime internacional, tal adesão deve ser ratificada por autoridades nacionais e devem ser adotadas medidas internas para implementar as decisões que foram acordadas no contexto internacional. Ou seja, por intermédio dos regimes internacionais originam-se diversas políticas públicas internas aos países.

Além disso, atores internacionais podem ser países cujo peso se destaca na economia global, por suas consequências. Pode-se lembrar, a propósito, a crise da economia americana, em 2008, que atingiu as políticas públicas do conjunto dos países capitalistas, desenvolvidos e emergentes. O governo brasileiro, por exemplo, teve de adotar diversas medidas para proteger sua economia dos impactos dessa crise. Também se destaca a China, que – com seu espetacular crescimento econômico e utilização de medidas controvertidas em política cambial – levou vários países a adotar medidas que afetam suas políticas públicas internas. No Brasil, por exemplo, há pouco tempo se recorreu a barreiras não alfandegárias a fim de conter a entrada de veículos chineses.

Entre os atores internacionais, merece destaque o que se conhece como “Sistema Nações Unidas”. Esse reúne, além de um amplíssimo conjunto de agências

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9 O conceito de “corporativismo societal”, mais comumente designado pela expressão “neocorporativismo”, está associado a diversos cenários políticos da social-democracia (Estado de bem-estar social), distinguindo-se do corporativismo estatal, associado aos regimes autoritários.

10 Os regimes internacionais, quando formalmente organizados, podem ser considerados organizações intergovernamentais na esfera internacional. Não são atores subnacionais, nem ONGs. Exemplos de regimes internacionais: Regime da Mudança Climática Global, Regime Internacional para Refugiados, Regime de Combate à Lavagem de Dinheiro, etc.

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especializadas11, agentes financeiros como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e o Grupo Banco Mundial, cuja importância é óbvia no que diz respeito às questões econômicas.

Deve considerar-se, inclusive, a atuação de ONGs que formam redes transnacionais, como a Transparência Internacional (com especial foco na transparência de governos e sociedades, e ênfase nas questões de corrupção), a Anistia Internacional (com reconhecida atuação em direitos humanos) e as organizações ambientalistas, como a WWF (World Wide Fund for Nature), em torno de problemas como a preservação da Amazônia.

Para concluir o estudo dos atores internacionais, é preciso lembrar outro tipo existente no cenário internacional: os chamados atores transnacionalizados, que atuam em escala global e concentram, atomizadamente, vastas parcelas de poder, notadamente no mercado financeiro, nas telecomunicações e no mercado de armas. E ainda, os agentes do terrorismo e o crime organizado.

Finalmente, apesar de não atuar diretamente, não se pode ignorar o papel da mídia – impressa ou eletrônica. Os jornais, a internet e a televisão são importantes agentes formadores de opinião, que possuem capacidade de mobilizar a ação de outros atores. Na verdade, a televisão, em especial, tem um grande poder de formar a agenda de demandas públicas, de chamar a atenção do público para problemas diversos, de mobilizar a indignação popular, enfim, de influir sobre as opiniões e os valores da massa da população. Cumpre assinalar que a mídia impressa e/ou eletrônica pode ser, simultânea ou alternativamente, um ator político, um recurso de poder e um canal de manifestação de interesses.

Com o propósito de complementar esse estudo dos atores políticos, vale lembrar que uma mesma policy abrange, em geral, diferentes atores e distintos níveis de atuação; e que a política como politics envolve mecanismos e procedimentos formais e informais, visíveis e invisíveis. Essa observação remete aos estudos de John W. KINGDON (1984), que discrimina os atores nas políticas públicas, quanto à sua visibilidade: “visíveis” e “invisíveis”.

“Atores visíveis” são os que costumam estar presentes na mídia e na percepção do público, como: presidente da República, governadores, burocratas do alto escalão e parlamentares. São eles que mais atuam para a inserção de temas na agenda governamental, definindo qual demanda receberá atenção do governo. Em contrapartida, os “atores invisíveis” aparecem muito pouco, só pontualmente, perante o grande público. Sua influência ocorre nos processos de identificação e de caracterização dos problemas de política pública, bem como na escolha de alternativas para certa política. São burocratas de carreira, acadêmicos e consultores de dentro ou de fora do governo, assessores do Congresso Nacional, etc.

KINGDON (1984) também se refere a atores que são “empreendedores de políticas públicas” (“policy entrepreneurs”). São indivíduos dispostos a investir seus recursos de poder, seu tempo e energia em uma proposta de policy, com vistas à sua concretização. Os

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11 O que se conhece como sistema da Organização das Nações Unidas é uma estrutura de excepcional complexidade que conta, no que interessa diretamente às políticas públicas, com vários programas e órgãos (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados; Centro de Comércio Internacional; Programa Mundial de Alimentação; Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; Programa das Nações Unidas para a Fiscalização Internacional de Drogas; Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente; Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento; Fundo das Nações Unidas para a Infância; Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher; Voluntários das Nações Unidas), além de organismos especializados, diretamente voltados para áreas específicas de políticas públicas, entre os quais sobressaem: Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura; Organização da Aviação Civil Internacional; Organização Internacional do Trabalho; Organização Mundial da Propriedade Intelectual; Organização Mundial da Saúde; Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial; União Internacional de Telecomunicações; Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

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empreendedores de políticas públicas são hábeis negociadores e estão muito atentos às janelas de oportunidade, quando estabelecem uma ligação entre os problemas e as propostas de solução a eles.

Como identificar os atores em uma política pública? Para tanto, há critérios variados. O mais simples e eficaz deles, no entanto, é perguntar: quem tem alguma coisa em jogo na política pública em questão. Ou seja, quem estará preocupado em ganhar ou perder, direta ou indiretamente, com uma policy? Que indivíduos, grupos, órgãos públicos, entidades privadas, setores da vida econômica ou social têm seus interesses efetiva ou potencialmente afetados pelas decisões e ações que compõem a política pública em tela?

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3. O COMPORTAMENTO DOS ATORES: escolha racional, ação coletiva e padrões de interação

Na política (politics) e nas políticas públicas (policy), os atores possuem interesses a realizar, quaisquer que sejam12 ; e é razoável supor que o fazem racionalmente, ou seja, mediante a escolha de meios adequados à consecução das suas preferências (finalidades). Esse é o ponto de partida de toda a “Teoria da Escolha Racional”, que opera com a ideia de escolhas individuais ainda que em contextos grupais ou organizacionais.

Resumidamente, a Teoria da Escolha Racional propõe que todos os indivíduos, dentro de determinados limites, sabem o que querem, qual é o seu interesse ou quais são as suas preferências; são capazes de ordenar hierarquicamente suas preferências; têm informação sobre as alternativas para realizá-las; e procuram escolher – entre as alternativas de ação disponíveis – as que forem mais satisfatórias, isto é, mais compatíveis com o que preferem, tanto em termos de custos como de benefícios. O conjunto de alternativas disponíveis aos indivíduos é limitado por restrições externas; essas, porém, não obrigam ninguém a escolher uma dada alternativa em lugar de outra. A escolha existe e quem a faz é o indivíduo. O comportamento racional, portanto, implica fazer escolhas. Escolher, por sua vez, significa renunciar. Ou seja, em qualquer situação de escolha sempre há pelo menos uma alternativa à qual será necessário renunciar quando o indivíduo decide o que deseja fazer. Por essa razão é que se diz que toda escolha tem seu custo13 (renúncia). Como as escolhas apresentam custos, o comportamento racional significa que o indivíduo escolhe as alternativas cujos benefícios esperados sejam maiores que os custos estimados. Logo, o comportamento racional se deriva, em termos bastante simples, de uma avaliação das vantagens e desvantagens de cada alternativa e da seleção daquela alternativa que reúne mais vantagens e acarreta menos desvantagens. Assim, cada ator maximizará sua satisfação, escolhendo mais do que quer e menos do que não quer.

Ao fazer suas escolhas, os indivíduos levam em conta a natureza do bem desejado14. Quando o bem desejado é um bem público, não há possibilidade de excluir do seu desfrute nenhum dos membros de um grupo: todos os membros do grupo podem desfrutar dele, mesmo que não tenham enfrentado os custos de obtê-lo.

O problema maior com a provisão de bens públicos decorre justamente de suas características, do fato de os indivíduos agirem racionalmente de acordo com suas

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12 A Teoria da Escolha Racional não se detém ao exame dos fins. Esses podem variar infinitamente entre os atores, não cabendo a sua discussão em termos do exercício da racionalidade.

13 O conjunto das alternativas é limitado conforme seus respectivos custos: há alternativas cujos custos são tão altos que elas se tornam inadmissíveis. Custo, para a Teoria da Escolha Racional, não se limita ao custo financeiro (dinheiro gasto com algo). Abrange também o chamado “custo real” ou “custo de oportunidade”: aquilo a que se renuncia ou que se deixa de ter pelo mesmo valor. Toda ação tem um custo real ou custo de oportunidade, desde que haja escolha. Só não há custo quando a escolha não ocorre. Como a escolha envolve um leque limitado de alternativas, dados os custos envolvidos, há sempre uma tensão entre liberdade e restrição. Essa tensão se resolve pelo cálculo de custo-benefício: a avaliação dos custos da ação frente aos seus benefícios, das renúncias a serem feitas para que determinados ganhos sejam obtidos. Esse cálculo é sempre pessoal, subjetivo.

14 Um bem é privado quando seus benefícios são exclusivamente desfrutados por quem o possui (indivíduo, empresa, etc.). Um bem é semi-público quando o escopo do benefício é limitado, permitindo a exclusão dos que não participaram de sua consecução (caronas).

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preferências, estimando os custos da participação15 e do tamanho dos grupos dos quais fazem parte. Sendo o bem público não-exclusivo, o mais racional para cada membro de um grande grupo é evitar o custo (participação) e somente desfrutar dos benefícios.

Quem arca com os custos? Cada indivíduo acredita que, sendo o grupo tão grande, sempre haverá outros membros a assumirem os custos e que o bem público será obtido e o seu interesse realizado. Esse é o comportamento de “carona” ou “free-rider” (OLSON, 1999). Embora o cálculo individual seja racional, o resultado agregado é totalmente irracional. Nem o indivíduo, nem o (grande) grupo realizam seu interesse, porque o bem público não será conquistado.

Esse é o chamado problema da “lógica da ação coletiva” ou “problema de Olson”, que sustenta que os grandes grupos tendem a ter provisão sub-ótima de bens públicos. Os pequenos grupos não estão sujeitos aos mesmos insucessos dos grandes grupos devido ao menor custo de coordenação e de controle das ações dos seus membros (OLSON, 1999). A consequência prática disso é que as políticas públicas tendem a beneficiar desproporcionalmente os pequenos grupos.

Consoante Pedro L. B. SILVA (2013), é possível identificar alguns padrões de interação dos atores quando procuram influenciar e se beneficiar das políticas públicas.

A cooperação seria a forma de atuação dos atores com elevada quantidade de recursos estratégicos para definir em seu favor o processo decisório na área específica em que atuam.

A oposição seria a forma de atuação dos atores com elevada quantidade de recursos estratégicos para interferir no processo decisório na área específica em que operam e com valores e recursos para agir, como o poder de veto.

A conformidade seria o modo de atuação dos atores com reduzida quantidade de recursos estratégicos para intervir no processo decisório na área específica em que interagem, ainda que possuam valores favoráveis às iniciativas em debate e em disputa.

O desinteresse seria o principal padrão assumido pelos atores com reduzida

quantidade de recursos estratégicos para influenciar no processo decisório na área específica em que atuam e com valores contrários às questões em jogo. Esses atores estariam pouco dispostos a se antagonizar com quaisquer outros por não perceberem uma relação compensadora entre a utilização de seus poucos recursos e os benefícios que podem ser obtidos.

Os atores buscam realizar seus interesses em diferentes contextos16. N a política (politics), os contextos são interativos ou, em outras palavras, envolvem interdependência. Isso significa que, ao escolher os meios para realizar seus interesses, qualquer ator depara-se com vários outros atores, que também perseguem objetivos, sejam esses idênticos, apenas semelhantes ou distintos. Como se argumentou acima, ao escolher o seu curso de ação (meios) para realizar suas preferências (finalidades), os atores levam

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15 Diferentemente do que muitos pensadores propunham, quando sustentavam que o homem é naturalmente participativo, bastando haver os canais adequados à participação, OLSON (1999) argumenta que a participação tem custos (renúncias a tudo que qualquer indivíduo deixa de fazer para participar, inclusive não fazer nada).

16 Os atores podem simplesmente fazer escolhas em situações que não envolvem cálculos interpessoais, como ocorre, por exemplo, quando alguém cujo objetivo é descansar escolhe entre dormir, assistir a um filme ou ouvir música. Nessa hipótese, trata-se de uma modalidade de escolha racional abordada mediante a “Teoria da Utilidade” ou “Teoria da Utilidade Esperada”. Trata-se, de maneira simplificada, da avaliação da estrutura de preferências – ou seja, o que o ator prefere mais em relação ao que ele prefere menos – em face da estrutura de oportunidades – vale dizer, o que o ator poderá fazer para obter a maior satisfação, com o menor custo.

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em consideração também as preferências e as decisões dos outros envolvidos. Essas situações são abordadas pela “Teoria dos Jogos”.

Segundo Anatol RAPOPORT (1980), grosso modo, a dinâmica das relações entre os atores pode obedecer a três padrões: lutas, jogos e debates. As lutas são padrões de interação extremamente conflituosos, que acontecem quando as preferências dos atores são inconciliáveis e a vitória dos interesses de cada um corresponde à derrota dos demais. O objetivo da luta é eliminar o inimigo.

Essa situação caracteriza um jogo de soma-zero ou de soma nula, que é aquele no qual o que um ator ganha corresponde exatamente ao que o outro, ou outros, perde(m)17. A luta também pode se caracterizar como um jogo de soma negativa18, no qual todos perdem, embora uns possam perder mais do que outros. Um ator prejudica os demais e é por eles prejudicado, de modo que, ao final, todos perdem. Esse é o caso exemplificado pela “guerra fiscal” ocorrida no contexto do federalismo brasileiro19. A luta é a pior de todas as situações em política (politics), podendo ocorrer nas arenas redistributivas (ver capítulo 5.3).

Todavia, mesmo nesses casos, a depender daquilo que esteja em jogo e a depender do custo do confronto para os atores envolvidos, é possível haver uma acomodação entre os interesses em conflito: pode ter-se uma situação na qual um lado não ganhe tudo, nem o outro lado perca tudo. Cada um cede um pouco para resolver o conflito sem enfrentamentos radicais, cujos custos podem ser elevados para todos20. Por outro lado, a acomodação pode subentender uma estratégia de algum ator interessado em adiar o confronto para o momento da implementação da política pública, quando a situação política e a correlação de forças podem lhe ser mais favoráveis.

Os jogos são as situações mais habituais na política (politics). Sua lógica é a de competir e vencer o adversário em uma circunstância específica, sem eliminá-lo do

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17 Um jogo de soma zero é um jogo cuja soma da utilidade obtida por todos os seus participantes, para cada combinação de estratégias, sempre é igual a zero, isto é, um jogo em que o que um jogador recebe é diretamente proporcional ao que os demais perdem, portanto, a soma resulta em zero.

18 Nos jogos de soma negativa, o valor total (a soma das utilidades) é negativo. Há um terceiro tipo de jogo, oposto ao de soma negativa: é o jogo de soma positiva. Nele todos ganham, mesmo que uns ganhem mais do que outros. Consiste em situações nas quais o valor total do jogo (a soma das utilidades) aumenta a cada iteração. Por exemplo, se uma pessoa ajudar outra, e depois for ajudada, ambas ganhariam mais do que se cada uma delas estivesse operando sozinha.

19 Guerra fiscal é a disputa, entre municípios ou estados, para checar quem oferece melhores incentivos para que as empresas se instalem em seus territórios, inclusive com retaliações mútuas. Ao visar atrair investimentos e, consequentemente, mais riqueza e geração de renda para sua região, vários governos competem acirradamente oferecendo incentivos variados às empresas, sem exigir contrapartidas. Isso vai desde isenção de impostos e oferta de infraestrutura até a cessão gratuita dos terrenos para instalação, o financiamento a juros negativos e a própria construção das instalações da empresa com dinheiro público. Exemplo: a montadora Ford, que, após acirrada disputa entre os estados da Bahia e do Rio Grande do Sul, para saber quem oferecia maiores vantagens fiscais, decidiu se instalar na Bahia. A guerra fiscal prejudica os que nela se envolvem (estados e municípios deixam de arrecadar e até perdem dinheiro público) e beneficia quem fica de fora (a empresa privada). Além disso, o consumidor que adquire bens ou serviços de outro estado, quando usufrui de incentivos fiscais no seu estado de origem, pode sofrer sanções, como restrições ao crédito do ICMS. Adaptado de: <http://www.brasilescola.com/economia/guerra-fiscal.htm>. Acesso em: 29 abr. 2013.

20 Quando essa situação ocorre, o jogo de soma zero se transforma em um jogo de soma variável, no qual nenhum dos jogadores ganha tudo, nem o outro perde tudo: várias distribuições alternativas são possíveis.

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processo, de tal modo que ele possa se tornar um aliado num momento posterior21. Os jogos implicam um consenso prévio a respeito das regras que irão reger a disputa. Esse padrão de interação é exemplificado pelas negociações e barganhas, observáveis em contextos pluralistas e, principalmente, em arenas regulatórias (ver capítulos 4 para pluralismo e 5.3 para arenas regulatórias).

Por fim, os debates são circunstâncias nas quais cada um dos atores procura convencer o outro da superioridade dos seus argumentos22 e da adequação de suas propostas, de tal maneira que vence o debate aquele que se mostrar capaz de mudar a preferência do seu o adversário, transformando-o em um aliado. Aqui, a lógica é a da persuasão. Os debates caracterizam-se como contextos nos quais o conhecimento, a informação e a capacidade argumentativa desempenham o papel mais relevante.

De acordo com Charles E. LINDBLOM (1981), nos jogos de poder, as táticas ou os procedimentos utilizados pelos atores políticos são múltiplos. A persuasão seria apenas um deles e se limitaria à tentativa de buscar a adesão pela avaliação e pela argumentação em defesa de um determinado curso de ação.

Além da persuasão, geralmente os atores recorrem ao chamado "intercâmbio", que significa a troca de favores, de apoios e até mesmo de benefícios, como dinheiro, cargos, bens, etc. Quando nem a persuasão nem o intercâmbio funcionam, há atores que se utilizam de ameaças. As ameaças podem se referir à imposição de danos ou prejuízos, ou à suspensão de favores ou benefícios por parte de um ator à sua contraparte.

Uma quarta forma de atuação é a pressão pública, que pode ser realizada por atores individuais ou coletivos. Inclui desde manifestações pela imprensa, até atitudes radicais (como greves de fome, etc.), além de manifestações coletivas – pacíficas ou violentas – capazes de causar constrangimento, de mobilizar a opinião pública e de chamar a atenção da imprensa e, eventualmente, de atores internacionais, para o problema político.

Resta possível, ainda, o exercício da autoridade, que pressupõe, de fato, a exigência da obediência. Esse exercício pode ser direto (“A” ordena e “B” obedece) ou pode ser indireto (“A” ordena a “B”, que ordena a “C”, e então “C” obedece).

Por derradeiro, pode adotar-se a negociação e o compromisso. Eles são considerados tentativas de encontrar soluções negociadas nas quais todas as partes sintam-se mais ou menos satisfeitas com o que obtiveram, de forma tal que todos saiam do processo acreditando que ganharam alguma coisa e ninguém saia com a convicção de ter perdido tudo. Obviamente, esses são apenas os procedimentos mais comuns, podendo haver outros. Importa observar, no entanto, que pode existir outro comportamento: a obstrução. Trata-se do emprego de recursos estratégicos para impedir, atrasar, confundir, etc., de sorte que o custo de determinadas alternativas torna-se tão elevado que os atores acabam por se desgastar e por abandonar, ao menos temporariamente, a luta em torno de uma demanda ou de uma alternativa. Nesse caso, a obstrução implicará paralisia, porquanto a decisão

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21 Os jogos não abrangem interesses inconciliáveis, nem persuasão, nem conflito, muito menos argumentação: sua finalidade é a de que, ao usar sua melhor estratégia, cada parte procure obter as vantagens necessárias para ganhar o prêmio. Sua lógica é a de competição, mas pode incluir também a cooperação como elemento estratégico. Jon ELSTER (1989) comenta haver duas categorias de jogos: (a) Jogos de Dois Jogadores, que podem ser jogos de soma zero ou jogos de soma variável; (b) Jogos de Vários Jogadores, compreendendo as seguintes configurações: (1) Dilema do Prisioneiro; (2) Jogo da Galinha; (3) Jogo da Garantia ou Jogo da Certeza; (4) Jogo do Imperativo Categórico ou Jogo do Otário.

22 Segundo a concepção clássica de RAPOPORT (1980), os debates têm por finalidade atingir um grau de persuasão tal que os discordantes não tenham como deixar de aderir aos argumentos apresentados.

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emperra de tal forma que todos os atores ficam impossibilitados de alcançar qualquer solução admissível para aquele problema23. Cabe lembrar que, devido às normas legais ou ao próprio curso dos eventos, por si só, a delonga na tomada de decisão pode conduzir ao resultado desejado.

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23 Vale salientar que a obstrução pode ocorrer até mesmo antes da inserção do problema na agenda de decisões, impedindo que ele seja reconhecido como problema político. E pode ocorrer também depois da formulação, de maneira que as decisões não sejam transformadas em ações, no momento da implementação da política pública. Na política (politics) são frequentes as situações nas quais se observa que determinados atores se opõem a uma política pública por princípio (por conta de suas crenças). Nesse caso, eles podem se envolver no processo de formulação com o intuito deliberado de impedir que se chegue a uma decisão - qualquer que seja ela. É de seu interesse que a política pública não seja decidida e que as coisas continuem como estão. Assim, é relativamente fácil perceber quando a estratégia de obstrução é adotada: alguns atores se comportam propondo medidas extremamente radicais, recusando-se a negociar, fazendo exigências descabidas, etc.

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4. AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE OS ATORES POLÍTICOS

As características dos atores que interagem nas políticas públicas foram examinadas nos parágrafos antecedentes. Cumpre agora estudar as interpretações acerca das relações de poder existentes entre eles. Alguns dos elementos do poder que afetam as políticas públicas e, por consequência, as conexões entre os atores políticos são: os recursos de poder, as habilidades no uso desses recursos, os modos de exercício do poder e os comportamentos dos atores.

Os recursos de poder são definidos por SILVA (2013, não paginado) como “a forma pela qual os diferentes grupos políticos – estatais ou societais – usam sua capacidade política de ação e uma gama diferenciada de recursos para influenciar a formação da agenda do Estado e para participar das arenas decisórias (...), de modo a viabilizar a concretização de seus interesses políticos, econômicos e sociais”.

Esse autor sustenta que os recursos de poder dos atores políticos podem ser analisados a partir de três dimensões: (1) Áreas específicas em que atuam, considerando especialmente suas características setoriais sob uma perspectiva que ultrapassa aspectos meramente administrativos. As áreas setoriais possuem dinâmicas e agendas próprias e envolvem atores com recursos completamente diferenciados. Essas áreas de atuação definem a forma predominante de organização dos interesses e os objetivos dos atores. (2) Capacidade de ação, definida pelo tipo e pela importância dos recursos de que cada ator dispõe e que podem estar associados a indivíduos, grupos ou organizações, como: recursos institucionais, tecnológicos, gerenciais, financeiros, ideológicos e midiáticos. Essa capacidade deve ser analisada no âmbito de cada arena setorial do complexo estatal e de suas interligações com a sociedade. (3) Direção da ação dos atores na arena decisória, que descreve as formas de interação possíveis entre os atores participantes de cada arena setorial sempre que uma determinada questão de política pública é objeto de disputa.

A discussão sobre poder político direciona boa parte do debate na Ciência Política, bem como enseja uma das suas principais clivagens teóricas. É necessário conhecer, portanto, as diferentes concepções sobre a distribuição do poder político e a suas implicações para o entendimento das políticas públicas. Há três correntes teóricas principais que exploram as relações de poder entre os atores na vida social como um todo, que serão trazidas para a área das políticas públicas. São elas: o elitismo, o marxismo e o pluralismo.

Essas correntes teóricas dizem respeito à configuração das relações de poder, a saber: se o poder é concentrado ou disperso; quem tem poder sobre quem; quem tem mais e quem tem menos poder; qual é a origem do poder; como a distribuição do poder afeta as decisões públicas.

Embora cada um desses padrões corresponda a verdadeiros paradigmas de análise política – e, portanto, admita incontáveis considerações de natureza teórica que excedem os limites desse texto – é necessário lembrar a ideia básica de cada um deles.

A teoria pluralista sustenta que, no ponto de partida de qualquer processo político, todos os atores são equivalentes. Ou seja, não há privilégios nem assimetrias que garantam que qualquer interesse seja vitorioso enquanto não se concluir o jogo político e quaisquer atores têm chances reais de obter a decisão que lhes for mais favorável. Os indivíduos se organizam em grupos, que agregam os diferentes interesses. O poder político é amplamente fragmentado entre muitos e diferentes indivíduos e grupos, já que os recursos de poder são muito variados e a habilidade no seu uso é decisiva para o resultado da disputa política. Nesse modelo, o Estado é tido como neutro e o resultado do processo decisório depende, então, da capacidade e da disposição de cada ator para articular seus recursos de poder, identificar suas alianças de ocasião (baseadas em interesses tangenciais – que se

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aproximam discretamente, apenas em um ponto) e enfrentar a disputa em defesa de seus interesses.

No modelo elitista e na abordagem de classes sociais, isso não sucede. Diferentemente do pluralismo, nelas não cabe a hipótese da neutralidade do Estado, nem há qualquer suposição de que o jogo político esteja “em aberto”. No elitismo os resultados são previamente definidos no horizonte dos interesses preferenciais das elites que controlam os recursos organizacionais da sociedade. No modelo de classes (ou marxismo) os resultados são limitados às alternativas que não ameaçam o projeto hegemônico da classe economicamente dominante. Entretanto, é necessário apontar que as elites competem entre si e o mesmo fazem as frações da classe dominante. Nessa competição pelo controle de recursos de poder, eventualmente, certas elites ou frações de classe podem procurar conquistar o apoio da massa ou de setores da classe dominada. Nessa hipótese, a massa ou a classe dominada passa a influir, em certa medida, no processo político.

Para o elitismo, as políticas públicas são produto das preferências e valores impostos pelas elites dirigentes (governamentais e sociais), cujo poder se manifesta de maneira mais relevante na formação da agenda de decisões sobre políticas públicas que na tomada de decisões propriamente dita. Ou seja: as elites filtrariam as demandas, apenas admitindo o ingresso, na agenda de decisões, das questões que não representem ameaças aos seus interesses. As interações envolvem a competição entre as elites e a cooptação das lideranças das massas, a fim de acomodar o potencial conflito.

Para o modelo de classes, as interações revelam o conflito entre o capital e o trabalho, as políticas públicas seriam expressão dos interesses da classe dominante mesmo quando, por vezes, resultem da intervenção relativamente autônoma do Estado, com vistas a minimizar as contradições entre a acumulação e a legitimação, próprias do sistema capitalista.

Para o pluralismo, as decisões em políticas públicas sinalizam não somente o conflito. Elas resultam da combinação dinâmica de diversos tipos de interação, sendo fruto da competição, da cooperação e do conflito entre grupos distintos. As políticas públicas materializariam o ponto de equilíbrio alcançado, em cada momento específico, nas interações entre os grupos.

A despeito dos atrativos da hipótese democrática do pluralismo, até mesmo autores pluralistas reconhecem a existência de assimetrias de poder entre os grupos e admitem que, quando estão em jogo questões relativas ao mercado, as corporações obtêm ganhos privilegiados (LINDBLOM, 1979). Em outras palavras, as decisões políticas não são neutras.

4.1 Triângulos de Ferro, Redes de Políticas Públicas, Comunidades de Políticas e Coalizões de Defesa

Para além dos três modelos acima descritos, algumas outras possibilidades – que vão desde os chamados “triângulos de ferro” até as policy networks, passando pelas “policy communities” (ou “comunidades de políticas públicas”) e pelas coalizões de defesa – vêm sendo exploradas pela literatura. Supondo que essas configurações sejam mais do que especulações teóricas e guardem alguma correspondência com fenômenos do mundo empírico, pode-se imaginar que representem formas alternativas de arranjo e de composição entre os atores políticos, capazes de alterar as correlações de força nas disputas e nos conflitos da política (politics) e de influenciar profundamente as políticas públicas (policies). A literatura indica que os atores interagem com as seguintes finalidades: a) busca de informação e orientações para questões de seu interesse; b) troca de recursos diversos,

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como dinheiro, pessoal, serviços e expertise; c) busca de aliados para compor alianças que venham a ser vencedoras em uma disputa qualquer; d) estabelecimento de relações com atores influentes para controlar recursos essenciais; e) consecução de objetivos comuns, sejam materiais, sejam ideais.

As demais abordagens encampadas pela academia estão fortemente vinculadas ao conceito de “subsistemas de políticas públicas”, que designa um conjunto de atores individuais e institucionais cujas interações assumem um determinado padrão e se organizam em determinada área de política pública. Essas áreas, por sua vez, não seriam partes isoladas, mas antes estariam imersas em um sistema mais amplo, mantendo múltiplas trocas e transações complexas com seu ambiente.

Os triângulos de ferro (“iron triangles”) referem-se a uma metáfora criada na década de 1960, para denotar as relações, frequentemente espúrias, entre grupos de interesse, comissões do Legislativo e órgãos governamentais na política norte-americana24. Mais tarde essa metáfora foi substituída pelo conceito de “subgoverno”, que corresponde a um sistema de interações baseadas no apoio mútuo entre membros do Legislativo, do Executivo e dos grupos de interesse, com o intento de tomar decisões rotineiras e, assim, controlar áreas específicas de política pública por longo tempo. A perspectiva elitista fica claramente evidenciada nessa concepção.

Estudos posteriores mostraram que vários desses triângulos de ferro ou subgovernos não eram tão poderosos quanto inicialmente se supunha, uma vez que em diferentes áreas de política pública e em circunstâncias distintas, os processos decisórios envolvem configurações mais amplas, que vieram a ser conhecidas como “redes”.

Hugh HECLO (1978 apud HAWLETT; RAMESH, 1995) estabeleceu uma importante diferença entre os triângulos de ferro e as denominadas “issue networks” (para o detalhamento de “issue”, ver o início do capítulo 5.3). Os primeiros consistem em pequenos círculos estáveis, formados por participantes que controlam, de modo duradouro, programas governamentais específicos diretamente relacionados aos seus interesses materiais. Em contrapartida, as issue networks agregam um número muito maior de membros em torno de uma ampla questão de política pública, a partir de relações de afinidade tanto ideológicas quanto materiais, com graus variáveis de compromisso e de dependência, sendo, portanto, frouxas e pouco estáveis. FREY (1999) apresenta um refinamento do conceito de redes, diferenciando issue networks de policy networks. Para o autor, as issue networks podem interagir apenas na esfera de algumas “questões” mais estreitamente delimitadas das políticas públicas, não se relacionando com a política pública setorial mais abrangente. Um exemplo: uma rede que defende a inclusão digital, dentro da política de inclusão social como um todo. Nesse caso, em que pese corresponderem também a uma espécie de “pequenos círculos”, as issue networks não equivalem aos triângulos de ferro por serem, comparativamente, menos delineadas, sem uma distribuição específica de papéis organizacionais, menos estáveis e menos institucionalizadas.

Já as policy networks são redes mais dilatadas, formadas ao redor de políticas

setoriais específicas, antagônicas ao tipo institucional da “hierarquia”, como se pode observar por suas características: são pouco organizadas, com pouco controle de entradas e saídas, com competências distribuídas horizontalmente, autônomas, interdependentes,

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24 Essas relações podem ser explicadas da seguinte maneira: os grupos de interesse financiam as campanhas eleitorais dos políticos, os quais, em troca, formulam legislação que beneficie os grupos de interesse ou impõem obstáculos às leis que podem prejudicá-los. Os políticos votam por dotações orçamentárias para órgãos governamentais e, em retribuição, esses órgãos atuam de forma oportuna e conveniente na implementação das políticas públicas, consoante os interesses dos políticos e dos seus financiadores. Os grupos de interesse praticam lobby diante do governo na defesa do interesse de alguns órgãos governamentais e, em troca, esses dão um tratamento mais amigável à aplicação das leis que afetam os interesses daqueles grupos.

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com alta densidade comunicacional e com controle mútuo informal, porém intenso. Essas redes sociais são acessadas tão regularmente por seus integrantes que se desenvolvem entre eles relações de confiança e de pertencimento.

Um preceito associado ao de redes de políticas públicas é o de policy community: conjuntos formados por especialistas e indivíduos diversos, que têm um foco comum, possuem uma base compartilhada de conhecimentos, comungam opiniões e valores, compõem um consenso informal a respeito de seus interesses, reconhecem-se mutuamente, e estão dispostos a investir recursos de poder variados na defesa de uma política pública ou de uma proposta de política pública.

Com o propósito de distinguir redes de políticas públicas de comunidades políticas, Michael HAWLETT e M. RAMESH (1995) propugnam que os membros de uma comunidade política se unem por critérios de conhecimento e de consenso (identidade epistemológica), ao passo que nas redes os membros compartilham não apenas o conhecimento, mas também algum tipo de interesse material.

Outros autores mencionam ainda que as redes são mais extensas e diversificadas, e que as comunidades políticas se constituem por um número relativamente muito menor de atores. As redes poderiam envolver duas ou mais comunidades de políticas públicas. Ademais, haveria diferenças de densidade comunicacional entre elas, na medida em que a comunicação nas redes de políticas públicas tende a ser muito mais intensa que nas comunidades de políticas públicas.

Não obstante o fascínio que as redes de políticas públicas vêm despertando entre os cientistas sociais25, FREY (1999) adverte que elas fazem com que, crescentemente, se desfaçam as linhas demarcatórias entre as burocracias estatais, os políticos e os grupos de interesse, com prejuízos à transparência das políticas públicas. Outrossim, na disputa por recursos escassos, estabelecem-se cumplicidades setoriais, com a finalidade de obter cada vez mais recursos para uma área de políticas públicas, podendo gerar distorções na sua alocação.

Essas constatações sugerem que, a despeito da característica não hierárquica das policy networks, da sua presença e da sua atuação exitosa nas políticas públicas, elas nem sempre expressam uma distribuição de poder pluralista, podendo igualmente se conformar aos padrões citados pela teoria elitista.

Carlos A. P. de FARIA (2003), assinala que as abordagens dos triângulos de ferro, das issue networks e das policy communities enfatizam aspectos relevantes dos processos de produção de políticas públicas – como, por exemplo, a diversificação dos atores envolvidos, a menor evidência da distinção entre organizações públicas e privadas, e o fato de o padrão de relacionamentos dentro de uma área específica ser mais decisivo do que a hierarquia para o tipo de policy adotada –, enquanto a Abordagem das Coalizões de Defesa (“Advocacy Coalition Framework”) destaca o papel das ideias e do conhecimento nesses processos.

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25 Segundo FARIA (2003, p. 25), “Hoje, a quase vulgarização, particularmente na Inglaterra, mas também nos Estados Unidos e em outros países europeus, dos estudos sobre as chamadas policy networks parece endossar a afirmação de KENIS e SCHNEIDER de que o termo network talvez tenha se tornado ‘o novo paradigma para a arquitetura da complexidade’ (apud BÖRZEL, 1997, p. 1)”.

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Coalizões de Advocacia ou Coalizões de Defesa é o termo central a um modelo26 que concebe a política pública como um variado conjunto de subsistemas, áreas setoriais, normalmente estáveis e vinculados a acontecimentos externos.

As Coalizões de Defesa são subconjuntos de atores que se agregam dentro dos subsistemas, segundo crenças, opiniões, ideias, conhecimentos e interesses compartilhados. Em geral, cada subsistema abriga ao menos duas Coalizões de Defesa, porém esse número pode ser maior, conforme as clivagens de ideias em cada subsistema. Os membros de uma Coalizão de Defesa são atores formais e informais, situados em várias organizações públicas e privadas, nos níveis de governo nacionais e subnacionais, que se valem das regras, orçamentos e pessoal para realizar seus objetivos comuns.

Embora o conceito de Coalizões de Defesa enfatize os sistemas de crenças e a horizontalização das relações entre os atores, sua estrutura argumentativa não apresenta elementos suficientes para contrapô-lo a nenhuma das três teorias de distribuição do poder anteriormente discutidas, podendo facilmente coexistir tanto com os modelos de concentração do poder (elites organizacionais e/ou classes sociais), quanto com a teoria da dispersão do poder (pluralismo).

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26 O Modelo das Coalizões de Defesa, nome traduzido do inglês “Advocacy Coalition Framework”, foi elaborado por Paul A. SABATIER e Hank C. JENKINS-SMITH (1993), com vistas a proporcionar uma alternativa para explicar a mudança das políticas públicas. Diz respeito, portanto, aos amplos e complexos processos de formação da agenda e de formulação de políticas públicas. Como tal, a concepção será retomada em pormenores mais adiante.

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5. ABORDAGENS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. POLÊMICA ENTRE A ABORDAGEM SISTÊMICA E A ABORDAGEM DAS ARENAS POLÍTICAS

A literatura delineia duas abordagens que orientam a compreensão da dinâmica dos mecanismos e dos processos mediante os quais a política pública vai sendo, pouco a pouco, estruturada pelas relações entre os atores políticos. São elas: a “Abordagem Sistêmica” e a “Abordagem das Arenas Políticas”, entre as quais se desenvolve uma das mais significativas polêmicas do campo de estudos das políticas públicas. As duas vertentes e as controvérsias existentes entre elas são discutidas nos próximos itens.

5.1 A Política (Politics) Define as Políticas Públicas (Policies)? Ou São as Políticas Públicas Que Definem a Política (Politics)?

A Abordagem Sistêmica e a das Arenas Políticas remetem a um debate bastante significativo: na explicação das políticas públicas, considerando a política (politics) e as políticas públicas (policies), qual delas é a variável independente (causa); e qual é a variável dependente (efeito)? São as instituições, os mecanismos e os procedimentos empregados para a administração pacífica dos conflitos sobre bens públicos (politics) que dão origem às políticas públicas (policies)? Ou, ao contrário, são essas que originam e estruturam os processos da política?

O dilema não se encontra resolvido. Sob o ponto de vista da Abordagem Sistêmica, é o movimento dinâmico da política que produz as políticas públicas. A política em seu sentido mais abrangente é tomada, logo, como variável independente, ficando as políticas públicas como variável dependente. Essa é a explicação que conquistou mais adeptos, representando o “mainstream” ou tendência dominante na Ciência Política. Talvez um dos motivos para isso seja o fato de o sistema político produzir mais do que as políticas públicas, induzindo, entre outros resultados, a decisões isoladas.

Já a Abordagem das Arenas sustenta exatamente o inverso: as políticas públicas (policies) é que desencadeiam o conflito e determinam a dinâmica das interações que caracterizam a política (politics) em sua concepção mais extensa. As policies são consideradas variável independente, uma vez que as avaliações e expectativas dos atores a seu respeito acarretam diferentes padrões de cooperação, competição e conflito na sociedade. Nessa perspectiva, portanto, as políticas públicas são o movimento inicial, capaz de impulsionar e informar o jogo político.

5.2 A Abordagem Sistêmica

A Abordagem Sistêmica das políticas públicas – que tem em David EASTON (1965) um dos seus principais formuladores – concebe a vida em sociedade como organizada a partir de sistemas27 múltiplos e interativos, de escopo diferenciado. O mais amplo de todos deles seria o sistema internacional global. Cada Estado seria um sistema nacional, com seus subsistemas: econômico, social, cultural, e político. O sistema político – que na verdade seria um grande subsistema – abrange o conjunto das organizações públicas e dos atores políticos, como será detalhado a seguir. A figura ilustra as dinâmicas entre os sistemas e sua forma de operacionalização.

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27 “Sistema” significa um todo organizado, formado por um conjunto de elementos, componentes ou partes interconectados, cujas relações se dão a partir de um fluxo de insumos (“inputs”). Um sistema interage com o seu meio por intermédio de entradas (“inputs”) e saídas (“outputs”).

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Dinâmica do Processo Político: Sistemas Múltiplos e Interativos

Fonte: adaptado de EASTON, 1965.

Para usar a linguagem de EASTON (1970), as políticas públicas provêm do processamento, pelo sistema político, de “inputs” originários do ambiente (sistema internacional-global e sistema nacional) e também de “withinputs”. O que distingue inputs de withinputs é o fato de os inputs serem insumos oriundos do ambiente e adentrarem o sistema político, ao passo que os withinputs nascem no interior do próprio sistema político28.

Na perspectiva desse autor, inputs e withinputs podem consistir tanto em demandas como em apoios. Dessa maneira, há inputs de demandas e inputs de apoio; withinputs de demandas e withinputs de apoio.

As demandas são quaisquer necessidades presentes na sociedade. Elas podem ser expressas direta ou indiretamente. São expressas diretamente, quando manifestadas pelos próprios atores que requerem algum tipo de bem público, que clamam pela mudança ou pela preservação de uma situação qualquer. Ou são expressas indiretamente, quando os que manifestam a necessidade em tela são terceiros: ativistas políticos, representantes ou autoridades governamentais. Podem ser necessidades básicas, como alimentação ou casa para morar; ou reivindicações de bens e serviços, como saúde, educação, estradas, transportes, normas de higiene e controle de produtos alimentícios, previdência social, etc. Podem também ser abstratas, como direitos humanos, participação política – como o reconhecimento do direito de voto dos analfabetos –, controle da corrupção, informação política, etc. Todos esses exemplos exprimem inputs de demanda.

Os apoios – chamados de “suportes” por alguns autores – correspondem à legitimação que pode ser dada, retirada ou negada a instituições, governos, governantes e atores políticos em geral. Eles nem sempre estão diretamente relacionados a cada demanda ou a cada política pública específica. Ordinariamente, estão direcionados para o sistema político ou para a classe governante. Apesar de os inputs de apoio nem sempre estarem

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28 A tradução dos termos mostra que inputs são “entradas”, “insumos” – algo que entra no sistema para nutri-lo; withinputs são os inputs que vêm do interior de um sistema.

SISTEMA INTERNACIONAL/GLOBAL

FEEDBACK

SISTEMA NACIONAL E SUBSISTEMAS (SOCIAL, ECONÔMICO, ETC.)

INPUTS (APOIOS E OUTPUTS DEMANDAS) Sistema Político

WITHINPUTS

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diretamente vinculados a uma política pública, eles não podem estar sempre totalmente desvinculados das políticas (policies), pois, nesse caso, o governo não conseguiria cumprir seus objetivos.

Exemplos de apoio ou suporte são: a obediência e o cumprimento de leis e regulamentos; os atos de participação política, como o simples ato de votar e apoiar um partido político, o respeito à autoridade dos governantes e aos símbolos nacionais; a disposição para pagar tributos e para prestar serviços, como o serviço militar, etc. Esses são apoios passivos, haja vista não exigirem nenhum esforço especial por parte dos atores envolvidos e poderem resultar até mesmo da conformidade obtida mediante a socialização. Mas os apoios podem ser também ativos, quando se trata de atos conscientes e deliberados, como a participação na implementação de determinados programas governamentais, em manifestações públicas, etc. Além disso, os apoios podem ser afirmativos, quando expressam legitimação, credibilidade; ou negativos, quando representam a negação da legitimidade. Por exemplo, a desobediência civil, a abstenção eleitoral ou as manifestações populares contra governantes apontam para uma negação de apoio – seja ao governo, seja ao próprio regime político.

Qualquer que seja sua modalidade, os inputs ocorrem nos vários níveis sistêmicos e subsistêmicos – como os níveis nacional e internacional, entre outros. Como foi visto anteriormente, existem diversos atores na esfera internacional que podem ter interesses em jogo em uma política pública interna a um país. E há, por definição, um sistema internacional/global, no qual têm lugar relações diversas entre múltiplos atores: Estados nacionais (países), blocos regionais (Mercosul, União Europeia, por exemplo), organismos internacionais (PNUD, Unesco, OIT, BID, etc.), atores transnacionais (como o sistema financeiro global, corporações multinacionais, grupos terroristas, crime organizado, ONGs, etc.).

Um fator a ponderar é que os inputs de demanda e os inputs de apoio não estão restritos ao plano interno de qualquer sociedade nacional. Com efeito, principalmente no mundo contemporâneo, no qual se aprofundou a internacionalização da economia, se expandiram as redes comunicacionais planetárias e se fragilizaram as barreiras nacionais, cada país é – cada vez mais – afetado pelo que acontece internamente nos outros países. Acrescenta-se que, nos mais diversos aspectos da vida dos países – religião, economia, cultura, ciência e tecnologia, etc. –, emergem questões cuja resolução pode envolver, direta ou indiretamente, interesses de outros países. Exemplos claros disso são as questões ambientais, os conflitos religiosos e étnicos.

Um dos componentes desse sistema internacional/global são as sociedades nacionais, que compõem, cada uma delas, um sistema nacional. O sistema nacional é constituído por diversos subsistemas, entre eles: subsistema econômico (relações de produção, troca, circulação de bens e serviços); subsistema social (relações de classe, gênero, etnia, gerações, etc.); subsistema cultural (manifestações artísticas, religiosas, etc.).

Entre os subsistemas nacionais, destaca-se o subsistema político que – por sua peculiar importância para a discussão de políticas públicas – será nomeado nesse texto como um sistema em si.

EASTON (1965, p. 32) define os sistemas políticos como "um conjunto de interações abstraídas da totalidade do comportamento social , por meio das quais valores são alocados de forma autorizativa para uma sociedade".

Na prática, o sistema político envolve o conjunto das instituições dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário; das organizações de representação de interesses; do quadro administrativo público e das forças de segurança pública.

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O sistema político corresponde à polity, descrita no capítulo 1 desse livro. O sistema político é realçado por ser aquele em que tem lugar o processamento dos inputs e a produção dos outputs. É também no sistema político que se originam e se manifestam os withinputs.

Os withinputs compreendem demandas e apoios, e diferenciam-se dos inputs por serem provenientes do próprio subsistema político: dos agentes do Executivo (ministros, burocratas, tecnocratas, etc.), dos parlamentares, dos governadores de estado, do Judiciário, etc.

Os withinputs de demanda abrangem as necessidades que áreas setoriais dessemelhantes do Executivo possuem: desde orçamento, recursos humanos, recursos materiais e tecnológicos até proposições de intervenção em situações que julgam problemáticas; encaminhamentos de propostas pelos parlamentares; solicitações de governadores de Estado e prefeitos, etc. Os withinputs de apoio ou suporte podem ser positivos, como a sustentação parlamentar às medidas do Executivo, as manifestações de governadores estaduais em aprovação às medidas do governo federal, a adesão das burocracias e suas organizações às policies formuladas pelos “policy-makers” (os tomadores de decisão na política pública), etc. Ou podem ser negativos, significando, além do oposto nos exemplos anteriores, ações outras, como o voto de desconfiança nos sistemas parlamentaristas, a apresentação de pedido de impeachment de governantes, as decisões do Judiciário contrariamente às medidas pretendidas pelo Executivo ou pelo Legislativo, etc.

Os withinputs advêm dos interesses dos atores do sistema político, de suas ideologias, de seus códigos de valores, de seu entendimento quanto ao seu próprio papel no sistema político, de suas concepções de “boa sociedade”, de seus projetos de poder, etc. É importante que a análise de políticas públicas reconheça os withinputs, caso contrário, estará assumindo uma suposição, pouco plausível, de que os atores do sistema político são neutros.

No interior do sistema político são processados os fluxos de inputs de demanda e de suporte, bem como os withinputs de todos os tipos, gerando “outputs”.

Outputs denotam “produtos”, “saídas” ou “resultados”. Nesse texto, correspondem às atividades de rotina da máquina pública, às decisões isoladas e às políticas públicas. Esses produtos do sistema político desencadeiam ações e reações na sociedade, no sistema nacional e/ou nos sistemas internacional/global, de acordo com uma dinâmica de retroalimentação (“feedback”). Essa retroalimentação proporcionará informações sobre as reações aos outputs. O feedback pode tornar-se visível por meio da imprensa, dos partidos políticos, das manifestações de movimentos sociais, dos estudos do meio acadêmico, das igrejas, de atores internacionais, etc. Exemplo disso é a percepção de externalidades negativas em uma política pública. O feedback é significativo, porque pode alterar a configuração das demandas e dos apoios existentes nos sistemas.

Em síntese, os inputs mobilizam o sistema político, que os processa e produz outputs. Os outputs, por sua vez, suscitam modificações no ambiente (sistema nacional e demais sistemas). Isso retroalimenta o sistema em questão e produz outros inputs e withinputs (demandas e apoios). Essa dinâmica é contínua, constante. As políticas públicas dependem, em especial, da interação entre os inputs (insumos externos ao sistema político) e os withinputs (insumos internos ao sistema político). Quando os dois fatores se combinam adequadamente, torna-se maior a probabilidade de formulação de uma política pública.

É possível afirmar – de modo bastante simplificado – que grande parte da atividade política dos governos se destina à tentativa de responder às demandas que são dirigidas a eles pelos diversos atores privados ou àquelas formuladas pelos próprios agentes do

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sistema político (em geral, atores públicos), ao mesmo tempo em que articulam os apoios necessários.

5.2.1 O Processamento dos Inputs Pelo Sistema Político

Para a Abordagem Sistêmica, é no processamento das demandas e dos apoios que se realizam aqueles "procedimentos formais e informais de resolução pacífica de conflitos", que caracterizam a política (politics), e é daí que se origina cada política pública (policy).

Cabe perguntar: Como funciona o processamento das demandas e apoios pelo sistema político? A literatura sobre o assunto frequentemente compara o sistema político com uma “caixa preta”. E existe uma tradição analítica que procura “abrir a caixa preta”, ou seja, explicar como são tomadas as decisões no interior do sistema político. De acordo com Graham T. ALLISON (1969), existem ao menos três formas de tratar essa questão.

A primeira delas, a concepção designada como “Modelo da Política Racional” supõe que todos os atores agem de maneira absolutamente racional: sabem o que querem, quais são as suas preferências e são capazes de ordená-las hierarquicamente; têm informação sobre as alternativas para realizá-las; e procuram escolher – entre as alternativas de ação disponíveis - as que forem mais satisfatórias, ou seja, mais compatíveis com o que preferem, tanto em termos de custos como de benefícios. Dessa forma, busca-se a solução mais adequada para cada problema que está em jogo.

Essa Abordagem concebe o governo (logo, os tomadores de decisão) como um ator unitário, monolítico. E percebe o processo decisório como se fosse um jogo de xadrez, no qual as peças estão claramente dispostas em suas respectivas posições e os seus movimentos são visíveis e inteligíveis por parte dos jogadores. O governo (tomadores de decisão) cuida do problema estrategicamente, estabelecendo quais são os seus objetivos, as soluções alternativas disponíveis e quais as consequências de cada uma delas. O governo escolhe a alternativa que traz consequências mais vantajosas a ele e age. Conceitualmente, esse tipo de análise baseia-se em uma ideia análoga àquela do "mercado de concorrência perfeita" na economia.

A dificuldade de interpretação proposta pelo Modelo da Política Racional reside no fato de o mercado de concorrência perfeita não existir na realidade, entre outras razões, devido à racionalidade limitada dos indivíduos (a informação também tem custos e a racionalidade humana não consegue administrar todas as informações) e ao processo decisório carregar inúmeras ambiguidades. Ademais, uma política pública nunca se esgota nela mesma e comumente se mostra um campo de interesses cruzados, diversificados e conflitantes. Por último, o governo e o Estado não são monolíticos: ao contrário, são compostos por indivíduos e grupos que possuem interesses próprios, diferenciados, e que fazem seu cálculo político circunstancial e de longo prazo.

Outra forma de analisar o processo de decisão é a Abordagem Organizacional. Esse tipo de análise consegue escapar da artificialidade da suposição da racionalidade absoluta e abstrata (uma das falhas do enfoque da Política Racional) e fornece uma solução para o aspecto de o governo e o Estado não serem entidades unitárias e monolíticas. A Abordagem Organizacional pressupõe, em lugar disso, que o Estado e o governo são conglomerados de organizações dotadas de vida relativamente autônoma. O governo percebe os problemas por intermédio dos sensores das organizações, usando as informações que elas fornecem, e encontra soluções para os problemas políticos mediante as rotinas de procedimentos que as organizações desenvolvem.

Na Abordagem Organizacional, as políticas públicas são entendidas como “outputs” organizacionais. Os atores são os agentes das organizações, o poder é dividido entre elas e

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os problemas são percebidos conforme os pontos de vista e as interpretações dessas entidades. As prioridades são definidas segundo os interesses organizacionais. As soluções devem, então, se ajustar a procedimentos operacionais padronizados, consoante as rotinas desenvolvidas pelas organizações.

Segundo ALLISON, o Modelo Organizacional, porém, não seria menos problemático que o da Política Racional. Em primeiro lugar, ele ignora em grande parte o jogo político, de barganha e negociação, esquecendo que os líderes das organizações são também indivíduos dotados de ambições políticas. Ignora, ainda, que as organizações tipicamente são pouco racionais – apesar de toda a informação que possuem e das rotinas que desenvolvem –, até porque elas tendem a desenvolver inflexibilidades.

Frente às fragilidades das Abordagens apresentadas, ALLISON propõe outra, que denomina "Modelo da Política Burocrática" (“Bureaucratic Politics Model”). Basicamente, esse modelo rejeita a ideia da racionalidade linear, ou seja: discorda de que os atores se comportem como se somente um problema e uma decisão estivessem em jogo em cada policy. Ao contrário: na arena principal (a policy, que está sendo objeto da análise) há um jogo (politics), mas no ambiente maior da política (politics) há vários outros jogos acontecendo, simultaneamente, ou não, envolvendo os atores políticos. Isso faz com que os interesses dos diversos atores em uma política (policy) sejam atravessados por linhas cruzadas entre diferentes políticas (policies), cujas trajetórias nem sempre convergem. O jogo da arena principal está encaixado em um jogo maior, que define como os fatores contextuais influenciam os resultados para cada ator. Nesse sentido, uma decisão que parece pouco racional e indica prejuízo para um ator em determinada política pública, pode ter sido o elemento de barganha para que esse mesmo ator obtivesse uma vantagem muito maior em outra política (policy) que – em princípio – nada tem a ver com a primeira. Desse modo, o elemento crucial do Modelo da Política Burocrática é definir qual é o principal interesse em jogo para cada ator envolvido. Obviamente, além disso, é fundamental também definir quais recursos de poder cada ator possui para tentar impor o seu interesse aos demais, quais alianças é capaz de compor, sua capacidade de ação estratégica, etc.

Essa Abordagem proposta por ALLISON assume que o jogo político não se dá apenas entre unidades institucionais e coletivas. Há todo tipo de ator: atores institucionais e individuais, privados e públicos; atores organizacionais defendendo interesses organizacionais ou, alternativamente, usando sua posição organizacional para favorecer interesses e ambições pessoais; atores coletivos agindo em defesa dos interesses de suas coletividades ou não. E, sempre, o contexto das relações entre os atores é permeado por seus cálculos políticos, de curto, médio ou longo alcance.

Nessa dinâmica (politics), para obter vantagens individuais, coletivas, organizacionais, etc., os atores fazem todas as alianças possíveis e utilizam todas as estratégias e todos os recursos de poder disponíveis. O que move o jogo do poder não é a lógica de um curso de ação, nem as rotinas organizacionais, muito menos a excelência técnica de cada alternativa, mas sim o poder efetivo e as habilidades políticas dos proponentes e adversários de uma alternativa para negociar, barganhar até obter uma solução satisfatória para determinado problema político.

O Modelo da Política Burocrática permite lidar, inclusive, com as situações de falta de informação e de informação incompleta, permitindo entender ocasiões nas quais: a) ocorre cooperação universal, porque todos os atores são solidários, isto é, todos acreditam que ganham com uma solução; b) não ocorre nenhuma cooperação, pois cada um quer levar vantagem em tudo; c) alguns atores não cooperam e tiram vantagem do fato de todos os demais atores estarem cooperando; d) alguns atores cooperam enquanto todos os outros só buscam suas vantagens individuais.

5.3 A Abordagem das Arenas Políticas

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A Abordagem das Arenas Políticas desafia a Abordagem Sistêmica em diversos aspectos ao inaugurar importante polêmica no debate concernente às relações de causalidade das políticas públicas. Com lógica diametralmente oposta àquela, a concepção de arenas sustenta que a política pública (policy) é a variável causal, ou seja, é o que vai definir a dinâmica da política (politics). Enquanto a perspectiva sistêmica trata todas as políticas públicas como outputs, sem diferenciá-las, a Abordagem das Arenas permite tipificar as políticas públicas conforme o padrão de interações dos atores políticos: alianças, competição, conflito, confronto.

A formulação da Abordagem das Arenas deve-se a Theodore J. LOWI (1964, 1972), que entende a política pública (policy) como a variável central, capaz de mobilizar reações de vários atores, baseadas numa avaliação antecipada sobre como aquela política afetará os seus respectivos interesses.

Antes de avançar, cumpre explicitar alguns elementos relevantes para a compreensão das interações dos atores políticos e da formação das arenas.

Todos os indivíduos e grupos em uma sociedade têm demandas. Uma demanda expressa aspirações quanto à manutenção ou à mudança de uma situação qualquer. Essas aspirações transformam-se em expectativas quando a possibilidade de intervir naquela situação começa a ser aventada.

A noção de expectativa, no estudo das políticas públicas, não traz consigo o significado de “esperança”, como na linguagem comum, mas se refere às avaliações prévias dos ganhos e das perdas decorrentes de cada alternativa de intervenção, consoante antevisto pelos atores políticos. Há atores que têm expectativas de obter vantagens com uma decisão e outros que acreditam que essa decisão vá lhes impor desvantagens.

Uma preferência pode ser definida como a alternativa – quanto a uma demanda – que mais beneficia e agrada um determinado ator. Assim, a depender de sua posição, os atores podem ter preferências muito diversas uns dos outros no tocante à melhor forma de tratar as demandas, ou seja, no tocante a como lidar com as situações nas quais poderá ocorrer intervenção.

As preferências se formam em torno de “issues” 29. Issue – que em português será traduzido como “questão” – pode ser definido como um item ou aspecto de uma decisão que afeta os interesses de vários atores e que, por esse motivo, mobiliza as suas expectativas quanto aos resultados da política pública e catalisa o conflito e as alianças entre os atores. Note que cada política pública supõe numerosos issues a serem decididos. Por exemplo, na política de reforma agrária, eram issues: o conceito de terra improdutiva, a forma de indenização nas desapropriações e o rito de desapropriação. Por que são issues? Porque, a depender da decisão que for tomada quanto a esses pontos, alguns atores ganham e outros perdem, seus interesses são impactados e a política pública assume uma configuração ou outra30.

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29 Às vezes é difícil entender esse conceito devido às limitações da língua portuguesa. A língua inglesa dispõe de termos alternativos: “problem”, “question”, “issue”. O mesmo não ocorre em português – têm-se apenas as palavras “problema” e “questão”.

30 Para analisar políticas públicas – principalmente o processo de formulação e a implementação de uma política pública – é crucial definir quais são os issues da política sob análise e identificar as preferências dos atores em relação a cada um deles.

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A leitura que os atores políticos fazem acerca do que pode vir a acontecer e atingir seus interesses, positiva ou negativamente, ocorre o tempo todo. Como ilustração: se o indivíduo “A” planeja se aposentar dentro de alguns anos e começa a ser cogitada a hipótese de uma nova reforma previdenciária, “A” observa que alternativas estão sendo levantadas para a formulação dessa política pública e avalia como cada uma delas poderá prejudicá-lo ou beneficiá-lo. Estando “A” interessado nessa potencial política, caso deseje, ele poderá se mobilizar, empregando os recursos de poder de que dispõe, para que a concepção dessa política pública caminhe em uma direção ou outra, em consonância com seus interesses específicos ou os de sua categoria social. Essa atuação implica interagir com diversos outros atores, aliando-se a alguns deles e contrapondo-se a outros. A arena de política pública (“policy arena”) consiste na configuração assumida por essas interações.

As expectativas dos atores, portanto, demarcam o padrão de suas interações (que são as arenas): seu alinhamento político, a formação de coalizões, o estabelecimento de grupos de atores com poder de veto31, a competição, o conflito. Dessa sorte, o conjunto de consequências previamente atribuídas pelos atores ao que poderia vir a constituir uma política pública (policy) define seus padrões de interação na vida política mais ampla (politics).

Por vezes, existe certa dificuldade de se compreender o que são as arenas políticas. O conceito de arenas remonta aos locais onde ocorriam os jogos greco-romanos e as lutas entre gladiadores. Nos estudos de LOWI, contudo, as arenas não são um espaço físico, tampouco um espaço institucional, como as Assembleias Legislativas ou o Congresso Nacional.

Arenas são padrões de interação dos atores envolvidos em uma política pública, configurados a partir da combinação das suas preferências e das suas expectativas quanto a ganhos e perdas em uma política potencialmente em fase de formulação. Em outras palavras, arenas constituem uma certa disposição das forças políticas e das relações entre atores políticos em torno de um tema de política pública que pode vir a existir. Com base nisso se mobilizam o conflito, as alianças e as negociações entre os atores.

Vale mencionar brevemente que as arenas políticas não se confundem com as redes de políticas públicas. As arenas são um conceito abstrato, teórico, e podem até abranger as redes, que são elementos com existência concreta. As arenas se formam sempre vinculadas a uma política pública potencial específica: não há arena na qual aconteçam as interações associadas a várias políticas públicas simultaneamente. Já as redes podem se envolver e se aliar em torno de várias políticas públicas.

Observa-se também que as arenas não tratam dos impactos de uma política pública potencial, e sim do momento anterior a esse, em que é possível materializar sua formulação. Ao citar Adrienne WINDHOFF-HÉRITIER (1987, p. 54), FREY (1999, p. 11) afirma que a Abordagem das Arenas supõe que existe uma inter-relação entre a percepção de uma policy por parte dos indivíduos e grupos afetados e a estrutura das interações na arena política (politics). Ou seja: os indivíduos cujos interesses poderão ser afetados por uma política pública potencial associam custos ou benefícios às respectivas medidas que poderão vir a ser adotadas.

LOWI (1964) identificou, a princípio, três tipos de arenas distintos: arena distributiva, arena redistributiva e arena regulatória. Mais tarde, incluiu em sua teoria outra arena: a constitucional ou constitutiva. Em sua tipologia original (1964), as variáveis que

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31 Ator com poder de veto é um ator individual ou coletivo cuja concordância (aquiescência ou apoio propriamente dito) é essencial para que as decisões sejam tomadas. Normalmente, não representam a maioria, ou seja, não têm poder de estatuir, mas têm poder de impedir (vetar). George TSEBELIS (2009) sintetizou e formalizou a teoria dos “veto players” e argumentou que a presença de muitos atores com poder de veto torna a mudança política difícil ou até impossível.

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diferenciavam as arenas eram: os tipos de questões em disputa (issues), as relações custo-benefício dos atores, os tipos de atores e de lideranças envolvidos, as dinâmicas da tomada de decisão e as autoridades decisórias formais. Essas variáveis iniciais associam-se mais ao padrão de formação da decisão política e, por conseguinte, à formulação da política pública.

As variáveis agregadas na tipologia ampliada de LOWI (1972), das quais procede a arena constitutiva (ou constitucional), referem-se à coerção, seja quanto à sua extensão e ao seu alcance (se a coerção é aplicada a indivíduos ou a coletividades, que são chamados de “contextos de ação”), seja quanto à sua intensidade e força (se as sanções são imediatas e diretas ou são remotas). Essas variáveis posteriores são mais próximas do ambiente da implementação da política pública.

Nessa importante contribuição de LOWI (1972) ao debate das políticas públicas as arenas correspondem à política enquanto politics, que, no argumento do autor, resulta da politica pública (policy) que está para se formar.

Vale enfatizar: segundo a lógica de LOWI, são as políticas públicas que formam as arenas políticas. Nos termos desse autor, não será correto afirmar – como seria na lógica da Abordagem Sistêmica – que as políticas públicas resultam das arenas, mas o contrário.

Por isso, cumpre esclarecer que a arena formada em torno de uma determinada política pública resulta das características e dos issues dessa policy. Assim, políticas públicas distributivas conformarão estritamente arenas distributivas. Políticas públicas redistributivas definem exclusivamente arenas redistributivas. Políticas públicas regulatórias podem originar apenas arenas regulatórias. E políticas públicas constitucionais podem produzir somente arenas constitucionais. Vale lembrar, por fim, que o autor afirma que, independentemente do tipo de arena formado, todas as políticas públicas têm, no longo prazo, impactos redistributivos.

Cabe, então, caracterizar cada um dos tipos de arenas políticas. Primeiramente, as arenas distributivas. Elas são interações em torno de políticas públicas que alocam bens e serviços, como educação, saúde, saneamento básico, habitação, subsídios às atividades agrícolas e industriais, etc. Essas arenas caracterizam-se por mobilizar expectativas de benefícios nitidamente concentrados ou focalizados em uma área, uma localidade, um setor de atividades, um grupo, ou um segmento populacional. Seus custos32, todavia, encontram-se dispersos entre todos os contribuintes, de modo que esses não têm como perceber a relação entre os impostos que pagam e os bens e serviços distribuídos. Nenhum cidadão tem como saber o quanto, entre os impostos – diretos e indiretos – que paga, é aplicado, por exemplo, na construção, no aparelhamento e no funcionamento de uma escola ou na abertura e no asfaltamento de uma estrada, seja em seu município, no município vizinho ou até mesmo em outro estado ou região do país.

Por essa razão, as arenas distributivas distinguem-se pela formação de alianças, sendo de baixa intensidade os eventuais conflitos que vierem a acontecer. Isso ocorre porque, aparentemente, as políticas distributivas favorecem a toda sociedade, sem haver quem se sinta prejudicado por elas. Por exemplo: ninguém se opõe à contratação de mais policiais ou à construção de uma ponte ou de uma escola em uma região. O máximo que pode ocorrer é que mais indivíduos queiram ter o mesmo benefício, ou semelhante, sem

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32 Como já mencionado, o termo “custo” é empregado na acepção de renúncias a que estarão sujeitos os atores políticos a depender das escolhas e decisões tomadas. Não se refere somente, nem obrigatoriamente, a custos financeiros. Um dos principais custos é a renúncia a liberdades, autonomia.

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pensar em quanto custará a eles ou a outros, em impostos, porque não há como identificar quem irá arcar com os custos.

No Brasil atual, um dos principais exemplos de política pública advinda de uma arena distributiva é o Programa Bolsa Família e os seus diversos benefícios paralelos. Para bem entender esse ponto, é essencial recordar que, segundo a classificação de LOWI, o que deve ser levado em consideração ao identificar uma dada arena não é o impacto real dessa policy. O que define a arena é a estimativa, feita por cada ator, das possíveis consequências que aquela política poderá trazer para os seus próprios interesses.

Em virtude disso, mesmo sendo evidente que programas de transferência de renda com condicionalidades (como o Bolsa Família) certamente promovem a redistribuição da renda, não é esse aspecto que importa para a sua classificação em termos das arenas decisórias. O que importa é o fato de que os contribuintes em geral não possuem meios de calcular quanto do seu dinheiro estão “pagando”, em impostos, para que cada família seja atendida pelo Programa. E, por isso, ninguém pode alegar prejuízos pessoais para se posicionar contrariamente a ele.

No debate a respeito de políticas distributivas, é comum aparecer a expressão “pork barrel”, termo que não tem tradução para o português. Consiste na alocação de recursos públicos a projetos bastante localizados ou focalizados que – mesmo sem beneficiar o conjunto da sociedade – são defendidos e aprovados exclusiva ou principalmente para levar dinheiro e outros recursos ao eleitorado dos políticos que os propuseram. O êxito na aprovação de projetos33 com essa finalidade favorece enormemente a reeleição desses políticos. Exemplos clássicos disso são as dotações de recursos federais para quaisquer obras de alcance local, como a construção de estradas e pontes, escolas, ambulatórios, estádios, creches, etc.; ou para distribuir “bolsas” e “auxílios” de diversos tipos; ou, ainda, a oferta de subsídios a atividades econômicas diversas.

“Logrolling” é outra expressão comum às decisões relativas a políticas distributivas que não possui propriamente uma tradução para o português. O logrolling34, um dos principais padrões assumidos pelas relações entre os atores nas arenas distributivas, pode ser expresso como uma aliança baseada em “trocas de apoios recíprocos”. Consiste no procedimento em que dois parlamentares negociam e se comprometem com uma aliança segundo a qual um deles vota para aprovar um projeto em que não tem interesse, em troca de ter o voto do outro em um projeto de lei que lhe interesse (e vice-versa). Isso pode abranger vários parlamentares. O logrolling é muito usual quando os parlamentares são relativamente independentes das lideranças de seus partidos e tentam garantir votos para projetos que concentram benefícios consideráveis em seu próprio eleitorado, impondo o custo ao conjunto dos contribuintes do país (custos difusos). Projetos locais, tais como barragens financiadas pelo governo federal, conjuntos habitacionais, etc., geralmente são aprovados mediante logrolling.

Outro tipo de arranjo recorrente nas políticas distributivas são os pactos de “não-interferência mútua”: cada um dos atores calcula quais são os interesses dos demais e escolhe propor uma política pública ou um projeto que, mesmo não sendo de interesse deles, ao menos não irá enfrentar a sua oposição direta, porque eles não terão seus interesses prejudicados. Nenhum ator se comporta de modo a dificultar a aprovação dos projetos dos demais, porque ninguém deseja que os outros venham a dificultar a aprovação

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33 No Brasil, esses projetos corresponderiam às emendas parlamentares ao orçamento público federal.

34 JOHNSON, Paul M. A Glossary of Political Economy Terms. Auburn: Auburn University. Disponível em: <http://www.auburn.edu/~johnspm/gloss/>. Acesso em: 3 mai. 2013.

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dos seus próprios projetos. Isso significa que não há oposição à maioria dos projetos de políticas distributivas.

Habitualmente, os atores adotam a estratégia de cooptação35, visando agradar a todos que possam desistir de apoiar uma política pública ou que possam vir a se opor a ela. Por esse motivo, as arenas distributivas são as mais vulneráveis às práticas clientelistas.

O único objeto passível de conflito nessas arenas é a expansão dos benefícios auferidos. Como os recursos são escassos e sempre há mais eleitores almejando benefícios, pode surgir alguma disputa entre os atores.

As lideranças formadas nas arenas distributivas são efêmeras, passageiras e se organizam em torno de interesses pontuais e não antagônicos. Uma vez conquistado o objetivo, as lideranças se desfazem. A configuração das arenas distributivas, em regra, muda pouco ao longo do tempo, sendo bastante estáveis.

As políticas públicas delas resultantes envolvem sanções de aplicação remota (demoram a ser concretizadas, ou raramente o são), que incidem sobre indivíduos, como por exemplo, as sanções pelo descumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família.

ARENAS DISTRIBUTIVAS

Descrição Alocam bens e serviços: educação, saúde, segurança, defesa, saneamento básico, habitação, renda, benefícios. Exemplo: Programa Bolsa Família.

Benefícios e Expectativas

Claramente concentrados ou focalizados em uma área, localidade, setor, grupo ou segmento populacional.

Custos Dispersos ou difusos entre todos os contribuintes, frequentemente nem sendo percebidos pelos pagantes.

Decisões Altamente desagregadas: escolas, hospitais, estradas, bolsas, etc.Intensidade do

ConflitoBaixíssimo, porque aparentemente ninguém arca com os custos.

Objeto do conflito

Expansão do benefício.

Padrão das interações

Trocas de apoios recíprocos (“logrolling”), cooptação: agrada a todos os que possam resistir.

Tipo de coalizão Relações de não interferência mútua, clientelismo, “pork barrel”.Grau de

mudançaReduzido, arena estável.

Lideranças Efêmeras e em torno de interesses pontuais.

Sanções Aplicação remota a indivíduos.Impactos Redistributivos, individualizados e imediatos.

Fonte: elaboração de Maria das Graças Rua.

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PARA APRENDER POLÍTICAS PÚBLICAS – Volume 1

35 Cooptação significa a admissão extraordinária de um ator em um grupo ou à sua associação, com dispensa das exigências normalmente impostas. Um recente exemplo de cooptação é observado na incorporação, aos escalões mais altos do governo, de membros de partidos políticos que até pouco tempo estavam na oposição. Ou seja, para conquistar o apoio dos líderes desses partidos no Congresso ou nas próximas eleições, elimina-se a exigência de qualquer afinidade histórica, ideológica ou programática como critério de preenchimento dos cargos públicos, isto é, praticamente não existem requisitos de admissão ao grupo dirigente máximo do país.

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Os impactos da política pública distributiva são redistributivos, individualizados e imediatos. Atente para esse elemento: todas as arenas, inclusive as distributivas, produzem impactos redistributivos, pelo fato de que aqueles que recebem o benefício não serem os mesmos que pagam por ele e nem o receberem na mesma proporção em que pagam.

Nem sempre, entretanto, essa redistribuição implica tirar dos que têm mais para melhorar a situação dos que têm menos. Por exemplo, no Brasil, o Ensino Superior gratuito (público ou privado, em decorrência do PROUNI36) enseja que o conjunto da sociedade – incluindo-se aí os pobres, que pagam somente impostos indiretos – financia os poucos que conseguem concluir o Ensino Médio e ingressar na universidade. Em 2012, 51% do gasto público por aluno concentrava-se no Ensino Superior37 e 56% dos estudantes matriculados pertenciam ao grupo dos 20% mais ricos do país38. Gasta-se absurdamente mais com a universidade pública, que, pelo crivo do vestibular, abriga os mais ricos, que puderam pagar por Ensino Fundamental e Médio em escolas privadas de melhor qualidade.

As arenas políticas redistributivas são aquelas que transferem bens materiais, direitos e outros valores diretamente de um grupo ou classe social para outro, sendo ambos claramente identificados. Por exemplo: a reforma agrária. Os benefícios e as expectativas dos atores, nessas arenas, são bem delimitados, concentrados em classes ou categorias sociais. Os custos também são muito definidos, imediatos, concretos e concentrados em classes ou categorias sociais. As políticas em torno das quais se formam as arenas redistributivas caracterizam-se por ser muito agregadas (atingem um público particularizado), com o propósito de alcançar especificamente o objetivo da redistribuição do bem, direito ou valor em questão – por exemplo: diminuir a concentração fundiária no país.

ARENAS REDISTRIBUTIVASDescrição Transferem diretamente bens materiais, direitos e outros valores de um

grupo ou classe social para outro, ambos nitidamente identificados. Exemplo: reforma agrária.

Benefícios e Expectativas

Claramente definidos, concentrados em classes ou categorias sociais.

Custos Claramente definidos, imediatos, concretos e concentrados em classes ou categorias sociais.

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PARA APRENDER POLÍTICAS PÚBLICAS – Volume 1

36 O Programa Universidade para Todos – PROUNI – apresenta como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de Educação Superior. Criado pelo governo federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005, oferece, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas Instituições de Ensino que aderirem ao Programa.

37 CÂNDIDO, Keila. É Preciso Inverter a Lógica do Ensino no Brasil - destinar maior volume de recursos ao Ensino Básico e Fundamental é principal desafio do país no campo educacional. Revista Veja, Economia. Editora Abril, 22 jul. 2012. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/economia/e-preciso-inverter-a-logica-do-ensino-no-brasil>. Acesso em: 9 mai. 2013.

38 CARVALHO, Márcia Marques de. A Provisão de Educação Superior no Brasil: oferta, demanda e restrições ao

acesso. Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento – CEDE. Universidade Federal Fluminense. Disponível em: <http://www.proac.uff.br/cede/provis%C3%A3o-de-educa%C3%A7%C3%A3o-superior-no-brasil-oferta-demanda-e-restri%C3%A7%C3%B5es-ao-acesso>. Acesso em: 9 mai. 2013.

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Decisões Muito agregadas: regras para atingir especificamente o objetivo da redistribuição.

Intensidade do Conflito

Elevadíssimo grau de polarização dos interesses; antagonismo político e ideológico.

Objeto do conflito

Bens materiais, direitos, outros valores escassos.

Padrão das interações

Jogo de soma-zero.

Tipo de coalizão Interesses antagônicos, não há composição de interesses, não há barganhas.

Grau de mudança

Estável.

Lideranças Duradouras, baseadas na capacidade de enfrentamento.Sanções Aplicação imediata a grupos e contextos de ação (organizações, etc.).

Impactos Redistributivos, coletivos e imediatos.

Fonte: elaboração de Maria das Graças Rua.

Em contraposição às distributivas, as arenas redistributivas são extremamente conflituosas. Nelas, as partes envolvidas enfrentam-se diretamente, sendo elevadíssimo o grau de polarização de interesses e de antagonismo político. O padrão das interações dos atores nas arenas redistributivas é descrito como o do jogo de soma-zero (uma das partes ganha todos os benefícios e a outra perde todos os benefícios e arca com todos os custos, na mesma proporção). A formação de coalizões nessas arenas resta praticamente impossível, haja vista os interesses serem radicalmente divergentes, de modo que a possibilidade de barganhas é ínfima.

A configuração das arenas redistributivas é estável, muda pouco. Nas relações entre os atores emergem lideranças duradouras, permanentes. Essas lideranças, geralmente, representam amplos segmentos sociais e tendem a ser muito fortes, baseando-se na capacidade de enfrentamento, ou seja: os líderes são reconhecidos pela sua combatividade frente aos seus opositores. Daí decorre que a liderança vincula-se fortemente aos objetivos da política pública em si.

Nessas arenas, as sanções relacionadas às políticas públicas possuem aplicação imediata a grupos sociais e contextos de ação (como organizações, movimentos sociais, etc.), não se dirigem a indivíduos. Exemplos: uma decisão judicial para reintegração de posse de terras indígenas no âmbito da política de reforma agrária. Os impactos, por sua vez, são também redistributivos, coletivos e imediatos.

As arenas políticas regulatórias, a seu turno, envolvem o estabelecimento de imperativos, proibições e condições, sob o formato de regras e normas jurídicas que limitam o poder discricionário dos indivíduos e das organizações, e têm por base ameaças de punições variadas. São exemplos de políticas públicas advindas dessas arenas: leis ambientais (como o recente Código Florestal), leis de ordenamento territorial municipais, reservas de mercado, etc.

Os benefícios e as expectativas relativos às políticas regulatórias estão dispersos entre vários grupos, categorias ou classes sociais que detêm interesses exclusivos (cada coletividade deseja que as regras a serem instituídas sejam de uma maneira). Enquanto isso, os custos concentram-se em classes, categorias ou grupos (e não indivíduos). Por

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exemplo: em relação à política de trânsito, todos os motoristas (categoria) devem passar por um processo específico para serem habilitados e todos eles renunciam a uma parte de sua autonomia, não podendo dirigir seus automóveis como bem quiserem; já a indústria automobilística, é obrigada a produzir veículos com certo padrão de segurança; etc.

O nível de agregação das políticas em arenas regulatórias varia com cada policy: podem ser regras para grupos e setores específicos da sociedade ou podem atingir a população de forma extensa e igual.

São arenas políticas com elevado grau de conflituosidade, todavia diferem das arenas redistributivas, pois não assumem o padrão de interação de jogo de soma-zero. O conflito é intenso, uma vez que o objeto da disputa é o alcance e o rigor das possíveis normas que irão favorecer ou prejudicar interesses. É possível reconhecer visivelmente os ganhadores e os perdedores em cada issue da política regulatória. Entretanto, justamente por não apresentarem a lógica do jogo de soma-zero, há espaço para que os atores, munidos de seus recursos de poder, negociem e barganhem sobre seus interesses, dando origem à composição dos interesses: tenta-se chegar a um ponto no qual todos ganhem um pouco, embora nenhum dos envolvidos fique na situação de ganhar tudo ou de perder totalmente. Essa é sua principal característica.

Nessas arenas, a dinâmica é de negociação. Podem ocorrer conluios e alianças de

interesses tangenciais (interesses que se tocam, se aproximam em algum ponto comum), que geralmente são muito efêmeros, transitórios.

As arenas regulatórias são instáveis, na medida em que se organizam em torno de issues que podem mudar muito, expressando mudanças sociais, tecnológicas, culturais, etc. Por exemplo, a regulamentação da exploração econômica de organismos geneticamente modificados (OGMs, ou seja: transgênicos); ou a regulamentação do comércio pela internet, etc.

As lideranças que despontam nessas arenas são estáveis, apesar de não serem permanentes, e sustentam-se pela capacidade de articular potenciais aliados em torno dos interesses tangenciais. As sanções existentes aplicam-se de forma imediata e concreta aos indivíduos que violarem os regulamentos.

Os impactos da política regulatória são redistributivos com relação a certos grupos e são percebidos no longo prazo. Por exemplo: a Lei de Reserva de Mercado da Informática (que vigorou de 1982 a 1992) teve impacto sobre o preço de componentes eletrônicos no mercado interno e, com isso, transferiu a renda dos consumidores para os empresários que eram protegidos por essa Lei.

ARENAS REGULATÓRIAS

Descrição Estabelecem imperativos e proibições que limitam o poder discricionário dos indivíduos e das organizações e se baseiam em ameaças de sanções variadas. Exemplos: Código de Trânsito, leis ambientais, reservas de mercado, leis trabalhistas, etc.

Benefícios e Expectativas

Dispersos entre grupos ou classes caracterizados por interesses exclusivos.

Custos Visam classes, categorias ou grupos (e não indivíduos) e impõem custos concentrados nesses alvos.

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Decisões O grau de agregação depende de cada política: podem ser regras para grupos e setores específicos da sociedade ou podem atingir a população de forma ampla e igual.

Intensidade do Conflito

Intenso, porque define ganhadores e perdedores, mas não se caracteriza como jogo de soma-zero e admite negociações e barganhas.

Objeto do conflito Alcance e rigor das regras e sanções.Padrão das interações

Competição, barganhas, conflito.

Tipo de coalizão Alianças de interesses tangenciais, muito efêmeras. Conluios.Grau de mudança Elevado, arenas instáveis.

Lideranças Estáveis, mas não permanentes. Os líderes são negociadores: têm capacidade de articular as forças potencialmente aliadas em torno de interesses tangenciais, levando à composição de interesses.

Sanções Aplicação imediata a indivíduos.Impactos Redistributivos, grupais, de longo prazo.

Fonte: elaboração de Maria das Graças Rua.

Finalmente, as arenas políticas constitucionais configuram-se no contexto da formulação ou da modificação das regras do jogo político no qual serão tomadas outras decisões. Ou seja: remontam às condições genéricas sob as quais serão negociadas as políticas públicas distributivas, redistributivas e regulatórias. Elas se inserem na esfera daquilo que os pensadores da Teoria da Escolha Racional da Ciência Política denominam “jogos das regras” ou “jogos de decisões institucionais”. Exemplos de arenas constitutivas: as que se organizaram ao redor dos issues da Constituição Federal, das Constituições estaduais, os regimentos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, regimentos de Tribunais de Justiça, leis eleitorais e partidárias, etc. Devido à sua própria natureza e, talvez, ao fato de serem provenientes das variáveis agregadas da tipologia ampliada de LOWI, as arenas constitucionais são bem distintas das outras três já comentadas.

Os benefícios e as expectativas, bem como os custos das políticas constitucionais são indefinidos, difusos e dispersos no tempo, por conta de abrangerem normas amplas e abstratas, que beneficiam e, simultaneamente, impõem restrições a toda sociedade.

ARENAS CONSTITUCIONAISDescrição Estabelecem ou alteram as regras para outras decisões, ou seja, as

condições gerais sob as quais serão negociadas as políticas distributivas, redistributivas e regulatórias. Exemplos: Constituição Federal, regimentos legislativos, leis eleitorais e partidárias, etc.

Benefícios e Expectativas

Indefinidos, difusos e dispersos no tempo.

Custos Indefinidos, difusos e dispersos no tempo.

Decisões Totalmente agregadas: regras gerais.Intensidade do

ConflitoBaixo, porque os custos e os benefícios são difusos e dispersos no tempo.

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Objeto do conflito Regras do jogo político.Padrão das interações

Competição, barganhas, conflito.

Tipo de coalizão Alianças de interesses tangenciais.Grau de mudança Estável.

Lideranças Estáveis, mas não permanentes.Sanções Aplicação remota a grupos.Impactos Redistributivos, difusos, de longo prazo.

Fonte: elaboração de Maria das Graças Rua.

As decisões políticas determinadas nessas arenas são totalmente agregadas – dirigidas a indivíduos e grupos que operam com regras gerais. Como os custos e os benefícios são distribuídos entre toda a população, e não a coletividades particulares, a intensidade do conflito existente nessas arenas é bastante reduzida. O objeto de eventuais conflitos nesse tipo de arena recai sobre a definição das regras do jogo político. As interações dos atores, nesse caso, compreendem competição e barganhas. Comumente, os tipos de coalizão compostos em arenas constitutivas são alianças de interesses tangenciais, de lógica semelhante às que se formam nas arenas regulatórias.

As arenas constitucionais exibem baixo grau de mudança, sendo estáveis, visto que as regras do jogo não sofrem alterações constantemente. São arenas centralizadas e integrais, que não admitem issues dispersos e decidem sobre regulamentos em sua integralidade. As lideranças procedentes dessas arenas, novamente em semelhança com as arenas regulatórias, são estáveis, porém, não permanentes – elas se dispersam quando se encerra o processo de formulação das regras. As sanções derivadas de políticas públicas constitucionais se aplicam a contextos de ação (grandes grupos, categorias sociais e contextos), no entanto, apenas em circunstâncias remotas. Os impactos dessas políticas públicas são redistributivos, difusos e notados no longo prazo – tal como nas arenas regulatórias.

Segundo Sverker GUSTAVSSON (1980) um aspecto a ser destacado na Abordagem das Arenas, é a coerção. Para esse autor, o que LOWI ressalta como o fato mais significativo é que os governos coagem. E diferentes tipos de coerção fornecem diferentes conjuntos de parâmetros, dentro dos contextos nos quais as policies acontecem.

De fato, para LOWI (1985, p. 7), políticas públicas são “regras formuladas por autoridades governamentais que expressam intenção de influenciar o comportamento de cidadãos, individual ou coletivamente, mediante o uso de sanções positivas ou negativas”.

Assim, para GUSTAVSSON, os tipos de coerção seriam o critério mais fecundo para analisar as relações entre politics e policies, estabelecendo dois padrões. Tanto as politicas distributivas – cujas sanções se aplicam a comportamentos individuais, caso a caso –, quanto nas políticas constitutivas – que se aplicam a contextos de tomada de decisão – as sanções são leves e remotas e o conflito é reduzido.

Nos outros dois tipos – políticas regulatórias e redistributivas –, o conflito é intenso, porque a coerção é mais imediatamente presente, as normas são imperativas e os recursos são transferidos de uma parte da sociedade para a outra. Nas políticas regulatórias há regras gerais para todo o contexto sob regulação – meio ambiente, publicidade, trânsito – mas elas só são aplicadas a condutas individuais e o são direta e imediatamente. As

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políticas redistributivas, por sua vez, não tocam diretamente nos comportamentos individuais, mas se impõem imediatamente ao ambiente ou contexto da conduta.

O quadro a seguir mostra os pontos de coincidência entre as características relativas à coerção – o alcance e a intensidade das sanções – nas diversas arenas:

ALCANCE EINTENSIDADE

DAS SANÇÕESARENA

DISTRIBUTIVAARENA

REDISTRIBUTIVAARENA

REGULATÓRIAARENA

CONSTITUTIVAAplicadas a

comportamentos individuais

X X

Aplicadas aos contextos de

ação X X

Imediatas X XRemotas X X

Fonte: elaboração de Maria das Graças Rua.

Aponta-se, conforme abordado no capítulo 3, que a dinâmica das relações entre os atores políticos pode se configurar como lutas, jogos ou debates. Aplicando esses conceitos para melhor detalhar o que se passa nas arenas, tem-se que nas redistributivas prevaleceriam as lutas; nas arenas regulatórias e constitutivas, a dinâmica seria a dos jogos e dos debates; e nas arenas distributivas, a dos debates.

A mobilização dos atores e as relações de poder entre eles assumem padrões definidos (ver capítulo 4). Assim, quando se apresentam as arenas distributivas, o padrão seria pluralista: o poder está disperso entre vários centros, que reúnem atores diversos dotados de diferentes recursos para negociar apoio às suas propostas. Nas arenas redistributivas as relações de poder e as interações dos atores acompanharia um padrão de conflito de classes sociais. Já nas arenas regulatórias e constitucionais, o padrão poderia ser tanto pluralista quanto elitista, a depender do conteúdo da policy e das suas “issue areas” (áreas em que as questões de políticas públicas se acomodam).

Para concluir, cabe retomar a polêmica entre a Abordagem Sistêmica e a Abordagem das Arenas Políticas. O autor do conceito de arenas, Theodore J. LOWI, desafiou a concepção sistêmica, predominante em sua época, de que a politics produziria as policies, e inverteu seus nexos causais. Consoante parte da literatura, esse dilema, que se estendeu até os dias atuais, vem sendo suplantado. Autores como Klaus FREY (1999, p. 6) sustentam que: “A suposição de Lowi (1972, p. 299) de que ‘policies determine politics’ pode até ser válida para um campo específico de política ou um 'policy issue', sob condições particulares, mas de forma alguma serve como lei global”. A trajetória histórica de políticas públicas específicas revela que as duas dimensões – politics e policy – influenciam-se mutuamente.

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6. TIPOLOGIAS E TIPOS DE POLITICAS PÚBLICAS

As políticas públicas compõem um vasto e diferenciado universo, não sendo todas do mesmo gênero, ao contrário. Na tentativa de lidar com tal complexidade e interpretar os dados para a análise das políticas públicas, foram criadas várias tipologias. Essas tipologias são instrumentos de classificação, que permitem o enquadramento das políticas em uma ou outra moldura, a partir do exame das características observáveis de um dado objeto (variáveis). É possível classificar e examinar as políticas com base em diferentes combinações de distintas variáveis, que constituem as diversas tipologias encontradas na literatura. Sublinha-se, desde já, que não há tipologia que seja exaustiva, na medida em que nenhuma delas é capaz de dar conta de todos os aspectos das políticas públicas. A seguir, são descritas algumas das principais tipologias de políticas públicas.

Primeiramente, por contiguidade, vale lembrar que a Abordagem das Arenas, explorada no capítulo anterior, deu origem a uma tipologia de políticas públicas39, cada tipo correspondendo à respectiva arena (politics) à qual a policy deu origem, a partir das expectativas dos atores. Tem-se, então, consoante a Abordagem de LOWI (1964, 1972):

a) Políticas Distributivas: aquelas que alocam bens ou serviços a frações específicas da sociedade (categorias de pessoas, localidades, regiões, grupos sociais, etc.) mediante recursos provenientes da coletividade como um todo. Podem relacionar-se ao exercício de direitos, ou não. Podem ser assistencialistas, ou não. Podem ser clientelistas, ou não. Ex.: implementação de hospitais e escolas, construção de pontes e estradas, revitalização de áreas urbanas, salário-desemprego, benefícios de prestação continuada, programas de renda mínima, subsídios a empreendimentos econômicos, etc.;

b) Políticas Redistributivas: aquelas que distribuem bens ou serviços a segmentos particularizados da população por intermédio de recursos oriundos de outros grupos específicos. São conflituosas e nem sempre virtuosas. Ex.: reforma agrária, distribuição de royalties do petróleo, política de transferência de recursos inter-regionais, política tributária, etc.;

c) Políticas Regulatórias: aquelas que estabelecem imperativos (obrigatoriedades), interdições e condições por meio das quais podem e devem ser realizadas determinadas atividades ou admitidos certos comportamentos. Seus custos e benefícios podem ser disseminados equilibradamente ou podem privilegiar interesses restritos, a depender dos recursos de poder dos atores abarcados. Elas podem variar de regulamentações simples e operacionais a regulações complexas, de grande abrangência. Ex.: Código de Trânsito, Lei de Eficiência Energética, Código Florestal, Legislação Trabalhista, etc.;

d) Políticas Constitutivas ou Estruturadoras: aquelas que consolidam as regras do jogo político. São as normas e os procedimentos sobre as quais devem ser formuladas e implementadas as demais políticas públicas. Ex.: regras constitucionais diversas, regimentos das Casas Legislativas e do Congresso Nacional, etc.

Robert H. SALISBURY (1968) procura avançar a partir da tipologia de LOWI, acentuando as relações entre as modalidades de políticas e o seu contexto institucional, composto pelo sistema decisório e pelo padrão de demandas, ambos variando em termos de concentração ou fragmentação. A análise dessas variáveis dá origem à seguinte tipologia:

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39 Apesar do seu inegável valor heurístico, como destaca Bruno REIS (2010), a classificação de LOWI não atende ao princípio metodológico de categorias exaustivas e excludentes. Disso procede que as diferenças entre os tipos não são precisamente estabelecidas, além de a denominação do autor não contemplar uma extensa variedade de políticas que se situariam nos interstícios entre os tipos propostos.

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a) Políticas Distributivas: aquelas advindas da combinação de um padrão de demandas altamente fragmentado, pulverizado, com um sistema de decisão também disperso;

b) Políticas Redistributivas: aquelas que, devido ao padrão de conflito e às correlações de força que estabelecem entre os atores, exprimem demandas fortemente concentradas ou agregadas, processadas por um sistema decisório igualmente concentrado e centralizado para enfrentar as pressões dos atores em conflito;

c) Políticas Regulatórias: aquelas em que, devido à multiplicidade de interesses envolvidos, o padrão de demandas é fortemente fragmentado, porém as decisões são produzidas por um sistema decisório intensamente concentrado;

d) Políticas Auto-Regulatórias: aquelas caracterizadas por demandas concentradas diante de um sistema decisório fragmentado. Nesse ponto se encerram as afinidades entre os tipos identificados por LOWI (1964) na tipologia inicial e os propostos por SALISBURY.

Ao contestar vigorosamente o argumento de LOWI e sua classificação das políticas públicas, James Q. WILSON (1973) construiu uma tipologia cujo critério é o padrão de distribuição dos benefícios e dos custos da policy. As modalidades resultantes são:

a) Políticas Clientelistas40: as quais têm benefícios concentrados e custos dispersos, ou seja: toda a sociedade arca com o seu custo para que alguns grupos tenham benefícios. Ex.: subsídios, renúncias fiscais, etc.;

b) Políticas Majoritárias: nas quais os custos e benefícios são distribuídos pela coletividade. Ex.: serviços públicos de saúde, segurança pública, energia, educação, etc.;

c) Políticas Empreendedoras: nas quais os benefícios são coletivos e os custos ficam concentrados sobre certas categorias. Implicam mudanças que oneram alguns em benefício de todos. Ex.: reforma administrativa, política ambiental, etc.;

d) Políticas de Grupos de Interesses: nas quais os custos e benefícios estão concentrados sobre certas categorias, ou seja: alguns grupos arcam com todo o custo e outros grupos recebem todo o benefício. Ex.: reforma agrária, política tributária, etc.

Pode-se traçar uma conjugação entre as classificações de LOWI, SALISBURY e WILSON. O resultado é a discriminação das políticas públicas em:

a) Políticas Distributivas (LOWI, SALISBURY): determinadas por demandas e decisões fragmentadas, cujos custos são difusos, sendo os benefícios focalizados ou concentrados; são equivalentes às Políticas Clientelistas (WILSON);

b) Políticas Redistributivas (LOWI, SALISBURY): qualificadas por demandas e sistema decisório fortemente concentrados, o mesmo acontecendo com seus custos e benefícios; correspondem às Políticas de Grupos de Interesses (WILSON);

c) Políticas Regulatórias (LOWI, SALISBURY): definidas por demandas fragmentadas, processadas em sistemas decisórios fortemente concentrados, tendo

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PARA APRENDER POLÍTICAS PÚBLICAS – Volume 1

40 Nota-se que WILSON não retrata nessa nomenclatura o clientelismo enquanto sistema de intermediação de interesses, no qual há uma apropriação privada de bens públicos e sua troca por bens privados, mas tão somente as políticas orientadas a determinadas clientelas, no sentido de seus beneficiários.

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como resultado custos concentrados e benefícios difusos; equivalem às Políticas Empreendedoras (WILSON).

As coincidências entre as tipologias se esgotam nesse ponto, pois as Políticas Auto-

Regulatórias, de SALISBURY, não encontram equivalência nem nas Políticas Constitucionais, de LOWI, tampouco nas Políticas Majoritárias, de WILSON. As Políticas Majoritárias, de WILSON, também não exibem a mesma natureza e o mesmo conteúdo das Políticas Constitucionais, de LOWI.

Ao buscar uma tipologia capaz de melhor iluminar o complexo emaranhado das políticas públicas, William. T. GORMLEY (1986) desafia as formulações de LOWI e de WILSON acerca dos padrões de interação nas políticas regulatórias.

GORMLEY propõe que seja descartada a suposição de que as políticas regulatórias,

em sua generalidade, sejam inerentemente complexas e conflituosas.

O autor defende que, no amplo domínio da política regulatória, os problemas diferem quanto à complexidade técnica e quanto ao conflito entre os atores afetados, com importantes consequências sobre a política pública. Dessa maneira, uma tipologia baseada na “Teoria da Defesa Pública”, focalizando especificamente os processos de regulação, auxilia a entender as diferenças na utilidade da política (politics) e das políticas (policies) regulatórias. O pensador argumenta que os padrões de interação do atores (politics) nas políticas regulatórias variam sistematicamente entre as issue areas, a depender da saliência e da complexidade técnica das questões a serem decididas.

Essa saliência ou relevância diz respeito ao grau de visibilidade das políticas em uma sociedade; a saliência incentiva a atividade política por parte dos atores políticos e dos representantes eleitos e influencia o grau de atividade institucional. A complexidade técnica relaciona-se ao nível de conhecimento necessário para a formulação e a implementação de uma política pública. Com fundamentos no ajuste entre essas variáveis, GORMLEY identifica quatro padrões de políticas regulatórias, cada um deles envolvendo uma configuração própria de participantes, de critérios de escolha ou decisão e de distorções:

a) Políticas de Sala Operatória: caracterizam-se por elevada complexidade e muita saliência, ou seja: exigem profundo conhecimento técnico e têm muita visibilidade, chamando bastante a atenção da sociedade. Ex.: legislação sobre OGMs (transgênicos), licenciamento de medicamentos e normas para procedimentos complexos relativos à saúde, etc.;

b) Políticas de Audiência: apresentam baixa complexidade, porém muita saliência. Sua formulação não demanda conhecimentos especializados, mas atrai muita atenção do público, frequentemente porque envolvem ideologia e valores. Ex.: cotas raciais, descriminalização do aborto e do uso de drogas, etc.;

c) Políticas de Sala de Reuniões: exibem elevada complexidade técnica, mas tem pouca saliência, sendo pouco visíveis e recebendo pouca atenção da população em geral. Ex.: Lei de Eficiência Energética, política cambial, política tributária, regulamentação do setor financeiro, etc.;

d) Políticas de Baixo Escalão (“Street-Level Policy”): agregam reduzida complexidade técnica e pouca saliência. Caracterizam-se por não exigirem conhecimentos específicos e conquistam pouca atenção popular. Habitualmente, estão relacionadas a rotinas administrativas, regulamentos simples, etc.

Ao averiguar outra dimensão das políticas públicas, Gunnel GUSTAFSSON (1983) adota outro critério de tipificação e sugere que as políticas públicas sejam divididas conforme: a) a intenção dos governantes de implementar a policy; e b) a disponibilidade de

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PARA APRENDER POLÍTICAS PÚBLICAS – Volume 1

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conhecimento para sua formulação e implementação (que se aproximaria do critério da complexidade técnica de GORMLEY). Com base nessas variáveis são identificados os seguintes tipos:

a) Políticas Reais: são aquelas que os governantes possuem a intenção efetiva de implementar e possuem o conhecimento requerido para isso. Nesse caso, selecionam-se as estratégias e alocam-se os recursos com a finalidade de que os problemas políticos sejam, de fato, resolvidos;

b) Políticas Simbólicas: são aquelas que ocorrem quando, mesmo em posse do conhecimento necessário, os governantes não têm intenção de implementar as políticas. Elas podem até ser formuladas, com o objetivo de oferecer uma aparente resposta às demandas, contudo não há compromisso algum, por parte governantes, com sua implementação;

c) Pseudopolíticas: são aquelas que os governantes têm a real intenção de implementar, porém, não dispõem do conhecimento essencial para tal fim. Podem ser observadas quando os governantes procuram especialistas em formulação de projetos, consultores, etc., indicando seu interesse em formular e implementar políticas efetivas; no entanto, um exame mais atento mostra que eles enfrentam problemas de baixa capacidade de gestão, o que compromete as possibilidades de atender efetivamente às demandas por políticas públicas. Hoje, no Brasil, um grande número de estados e municípios encontra-se nessa situação;

d) Políticas Sem Sentido: são aquelas que os governantes não pretendem

implementar, nem contam com o saber necessário para tanto. São proposições descabidas, sem fundamentos no conhecimento técnico, e que são usadas somente como discurso político, sem compromisso para com a satisfação das demandas.

Ao enfatizar o impacto que o tipo de política pode ter sobre a implementação, Michael HILL e Peter HUPE (2010) expõem uma tipologia elaborada por Randall RIPLEY e Grace FRANKLIN em 1982, cujo ponto de partida é a tipologia de LOWI, não obstante a categoria “políticas constitutivas” ser desprezada e a categoria “políticas regulatórias” ser desdobrada em duas.

A primeira, denominada “Política Regulatória Competitiva”, se associa às regulamentações que limitam a oferta de bens e serviços a um ator ou a um pequeno grupo de atores – por exemplo, as concessões para explorar linhas aéreas ou canais de televisão.

A outra categoria, chamada “Política Regulatória Protetora”, concerne às regulamentações destinadas a controlar todas as atividades que sejam potencialmente prejudiciais ou perigosas para os indivíduos – como a exploração de determinadas formas de energia, a utilização de certas substâncias na indústria ou a comercialização de fármacos e produtos químicos em geral, etc.

Cumpre assinalar que essa tipologia contém afinidades com o argumento de GORMLEY (1986), de que as políticas regulatórias são mais complexas que as demais e não ensejam um único padrão de interação. Entre outros aspectos, essa tipologia traz uma substantiva contribuição ao deslocar o conflito existente nas políticas regulatórias para o ambiente da implementação, como pode ser observado no quadro abaixo.

Caracterização das Políticas Segundo o Tipo de Impacto sobre a Implementação

Distributivas Regulatórias Competitivas

Regulatórias Protetoras

Redistributivas

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Probabilidade de rotinas estáveis na

implementaçãoAlta Moderada Baixa Baixa

Grau de estabilidade dos atores e das relações Alto Baixo Baixo Alto

Grau de conflito quanto à implementação Baixo Moderado Alto Alto

Grau de oposição às decisões burocráticas de

implementaçãoBaixo Moderado Alto Alto

Grau de ideologia no debate sobre

implementaçãoBaixo Moderado

a Alto Alto Muito Alto

Grau de pressão para ter menos atividade do

governoBaixo Moderado

a Alto Alto Alto

Fonte: HILL e HUPE, 2010, p. 77, adaptado de RIPLEY e FRANKLIN, 1982, p. 193.

Outra classificação, própria do domínio das políticas sociais, possui como critério a finalidade da política pública, que define lógicas de enfrentamento aos problemas sociais e de atuação distintas. Com base nesse requisito se delineiam:

a) Políticas Compensatórias: são implementadas com o propósito de minimizar distorções sociais profundas. Ex.: políticas de cotas, políticas de demarcação de terras indígenas, etc.;

b) Políticas Emancipatórias: aquelas que se dirigem ao empoderamento e à autonomização dos grupos sociais inicialmente vulneráveis, de modo a promover sua independência frente à ação do Estado. Ex.: reforma agrária, inclusão produtiva, qualificação profissional, etc.

Elenaldo Celso TEIXEIRA (2002 apud MERIGO; ANDRADE 2010) lança dois critérios relevantes para classificar as políticas públicas. Quanto à natureza ou ao grau de intervenção na realidade, as políticas públicas podem ser:

a) Políticas Estruturais: destinam-se a interferir em relações estruturais como renda, emprego, produtividade, etc. Ex.: política de geração de empregos, política de desenvolvimento produtivo (industrial e outras), etc.;

b) Políticas Conjunturais ou Emergenciais: representam intervenções tópicas, orientadas para aliviar uma situação temporária. Ex.: a redução da fome, como o Programa Fome Zero no momento em que foi estudado pelo autor.

Já tomando como critério a abrangência dos possíveis benefícios, TEIXEIRA qualifica as políticas públicas como:

a) Políticas Universais: aquelas anunciadas a todos os cidadãos. Ex.: o SUS;

b) Políticas Segmentais: aquelas que caracterizam um fator determinado (como idade, condição física, gênero, etc.). Ex. Estatuto do Idoso e política de cotas no Ensino Superior;

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c) Políticas Fragmentadas: aquelas designadas a grupos específicos dentro de cada segmento da sociedade. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) brasileiro é exemplo de uma política fragmentada, por estar direcionado às famílias com crianças em situação de trabalho, entre a parcela mais pobre da população.

Resta registrar uma tipificação das políticas públicas comum à linguagem cotidiana. Trata-se das distinções entre as políticas públicas de acordo com as suas características setoriais, que vão além dos aspectos administrativos. Elas abrangem as dinâmicas e as agendas próprias de cada área setorial, os atores que nelas atuam com seus objetivos e recursos de poder diferenciados, e a forma predominante de organização dos interesses em cada área. Portanto, tendo como critério o setor de atividade governamental em que operam, as políticas públicas podem ser classificadas em:

a) Políticas Sociais: aquelas destinadas a prover o exercício de direitos sociais como educação, seguridade social (saúde, previdência e assistência), habitação, etc.;

b) Políticas Econômicas: aquelas cujo intuito é a gestão da economia interna e a promoção da inserção do país na economia externa. Ex.: política monetária, cambial, fiscal, agrícola, industrial, comércio exterior, etc.;

c) Políticas de Infraestrutura: aquelas dedicadas a assegurar as condições para a implementação e a consecução dos objetivos das políticas econômicas e sociais. Ex.: política de transporte rodoviário, hidroviário, ferroviário, marítimo e aéreo (aviação civil); energia elétrica; combustíveis; petróleo e gás; gestão estratégica da geologia, mineração e transformação mineral; oferta de água; gestão de riscos e resposta a desastres; comunicações; saneamento básico; mobilidade urbana e trânsito, etc.;

d) Políticas de Estado: aquelas que visam garantir o exercício da cidadania, a ordem interna, a defesa externa e as condições essenciais à soberania nacional. Ex.: política de direitos humanos, segurança pública, defesa, relações exteriores, meio ambiente, etc.

Diante da nomenclatura “Políticas de Estado”, na tipologia acima, cabe elucidar que a proposição do item “d” não está associada à diferenciação entre Políticas de Estado e as ditas “Políticas de Governo”. O item “d” refere-se apenas às “policy areas” relacionados ao papel do Estado.

É outra a ênfase da discussão que acentua que Políticas de Estado e Políticas de Governo não se confundem. As Políticas de Estado tratam de policies mais permanentes do que aquilo que se restringe ao período no qual um governo exerce o poder (normalmente, de quatro a oito anos em países presidencialistas). Elas são duradouras e consolidadas. Além disso, implicam articulações entre as diferentes áreas setoriais de políticas públicas com o intento de que todas elas convirjam para os objetivos do Estado. Em contraposição, as Políticas de Governo podem ser passageiras, vigem somente durante o mandato de seus formuladores, e não necessariamente se concentram em torno de finalidades comuns, porquanto os governos distribuem as áreas de atuação setorial consoante critérios políticos, que podem levar à convergência ou à dispersão das policies.

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7. A CONCEPÇÃO DO CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A despeito das diversas intervenções do Estado na vida econômica e social, em vários países do mundo ocidental desde a década de 1930, mediante o planejamento econômico, as medidas de bem-estar social e a promoção do desenvolvimento, e apesar das teorias elaboradas a esse respeito por pensadores como Gunnar MYRDAL, John Maynard KEYNES e outros, a área de políticas públicas só veio a se desenvolver como campo de estudo propriamente dito a partir da década de 1950. Antes disso, registra-se a contribuição inicial de Harold LASSWELL que, em 1936, criou a expressão “policy analysis” (análise de política pública) “como forma de conciliar o conhecimento científico/acadêmico com a produção empírica dos governos e também como forma de estabelecer o diálogo entre cientistas sociais, grupos de interesse e governo” (apud PARSONS, 1996, p. 23).

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Em texto publicado pela primeira vez em 1947, Herbert A. SIMON sustenta que a tomada de decisão é o centro vital da Administração e que a Teoria Administrativa deve ter como base a lógica e a psicologia da escolha humana. Nessa obra, o autor distingue três fases do processo de decisão nas organizações administrativas: inteligência, desenho e escolha41.

Em 1951, LASSWELL publicou, com Daniel LERNER, o livro “The Policy Sciences”, no qual propôs o conceito de “policy sciences” para referir-se um conjunto de métodos voltados para a investigação dos processos políticos, com vistas a contribuir para a atuação dos governos. Nessa mesma obra, o autor estabelece um desdobramento do processo de produção da política pública, exclusivamente no âmbito governamental, que consiste nas seguintes etapas: informação, promoção, prescrição, invocação, aplicação, término e avaliação.

Anos depois, em 1959, Charles E. LINDBLOM criticou duramente tanto as concepções de LASSWELL como as de SIMON pela excessiva ênfase delas na racionalidade e pela artificialidade da percepção da política como um processo meramente administrativo e funcional, dividido em “etapas” estanques. Em lugar disso, LINDBLOM defendeu que o processo político e decisório constitui um processo interativo e complexo, sem início ou fim, no qual as relações de poder representam um elemento crucial.

Em 1953, David EASTON recomendou, pela primeira vez, a aplicação da “Teoria dos Sistemas” à análise do processo político. Essa Abordagem foi reforçada em 1957 e consolidou-se definitivamente, com sua aplicação ao estudo de políticas públicas, em obra de 1965, na qual o pensador define as políticas públicas (policies) como o produto (output) da operação do sistema político (politics) no processamento de inputs. Ao sugerir essa concepção – estudada nesse livro como “Abordagem Sistêmica” –, o autor reconheceu a existência de um ciclo de políticas públicas, compreendendo a absorção dos inputs, a formulação da política, a geração de resultados (outputs) e as respostas do ambiente (feedback). O núcleo de seu interesse, porém, direcionava-se para o sistema político.

Poucos anos antes de EASTON publicar a obra que veio a consolidar o Modelo de Análise Sistêmica, Peter BACHRACH e Morton S. BARATZ (1962), numa polêmica entre o pensamento elitista e a abordagem pluralista, alertaram que o sistema político opera de modo seletivo, processando somente as questões que não ameaçam os interesses dominantes na sociedade. Ou seja, nem todas as demandas entrariam na agenda governamental. Com isso, pela primeira vez, estabeleceram a separação entre o processo decisório e a fase pré-decisional. E chamaram a atenção para contextos específicos de relações de poder que, muito tempo mais tarde, deram origem ao estágio que hoje é entendido como a “formação da agenda” – e que só chegou a ser analisado consistentemente como tal em meados da década de 1980.

Richard ROSE, em 197342 sustentou que, para comparar políticas públicas, seria essencial dispor de uma estrutura conceitual para identificar as diferentes partes do processo de políticas públicas, o que discriminou como: o reconhecimento público das necessidades existentes; a inserção dos temas na agenda e a progressão das demandas; o envolvimento do governo no processo decisório e a tomada de decisões; a implementação; a avaliação da política e o feedback.

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41 Diante das reações à sua concepção preliminar sobre a tomada de decisão, em 1955, SIMON publicou uma nova edição do seu livro, na qual introduziu o conceito de “Racionalidade Limitada” dos tomadores de decisão (policy-makers) (ver capítulo 8.6).

42 As ideias apresentadas por ROSE (1973) foram anteriormente pregadas nos debates realizados no “Workshop on European Policy Studies” na Universidade de Strathclyde (Escócia), em junho de 1972.

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No mesmo ano de 1973, Jeffrey PRESSMAN e Aaron WILDAVSKY, inauguraram uma nova frente para os estudos de política pública ao preconizar que o fato de terem sido tomadas decisões relativas a políticas públicas expressas em diplomas legais não asseguraria nem que fossem executadas, nem que – caso o fossem – seriam fiéis aos objetivos dos seus formuladores. Ou seja: as decisões permanecem como intenções, a menos que sejam desenvolvidas as ações capazes de transformá-las em intervenção na realidade. Os autores foram os primeiros a estudar a "implementação", que definiram como "realizar, fazer, executar, produzir, concluir" alguma coisa.

Também por essa época, Carol WEISS publicou a primeira obra sobre avaliação de “programs and policies designed to improve the lot of people” (1998, p. 3). No livro, entre outros argumentos, distinguia a “Teoria do Programa” da “Teoria da Implementação” e propunha medidas para analisar inputs, processos e outcomes dos programas. Assim, ainda que WEISS não discutisse a concepção de “policy cycle” (ciclo evolutivo das políticas públicas), essa parecia subjacente às suas proposições.

A partir desse momento, estavam postos, na literatura, todos os estágios do que hoje é conhecido como “policy cycle”. No seu conjunto, entretanto, os estudos continuavam a privilegiar a formulação e os processos decisórios das políticas públicas.

Nesse ínterim, em 1972, Michael D. COHEN, James G. MARCH e Johan P. OLSEN trouxeram a público uma nova abordagem, completamente alternativa à concepção do ciclo de políticas públicas: o “Modelo da Lata de Lixo” ou “Garbage Can Model”. Consoante essa perspectiva, no ambiente das organizações envolvidas nas políticas públicas, não há uma precedência nem temporal, tampouco lógica entre os problemas (formação de agenda) e as soluções (formulação). Como bem descreve Celina SOUZA (2006, p. 31): “...o modelo advoga que soluções procuram por problemas. As escolhas compõem um garbage can (lata de lixo) no qual vários tipos de problemas e soluções são colocados pelos participantes à medida que eles aparecem”.

Todavia, a lógica de análise do policy cycle se manteve. Também continuou o debate sobre ele. Gary BREWER, em 1974 (apud BADIE; BERG-SCHLOSSER; MORLINO, 2011), propôs que a política pública fosse vista como um ciclo dinâmico, contínuo, não linear, chamando a atenção para as possibilidades de modificações no curso das políticas, o que tornava pouco plausível a ideia de um ciclo definido. Mas, em que pese sua crítica, o próprio autor foi incapaz de romper com a lógica que vinha se consolidando em torno do policy cycle, e preferiu apenas acrescentar a ele uma fase a mais: a avaliação das políticas públicas, para referir-se ao processo pelo qual os resultados das políticas seriam monitorados pelos agentes do Estado e pelos atores sociais, levando à reconceituação tanto dos problemas quanto das soluções.

John KINGDON, em 1984, apresentou o seu Modelo dos Múltiplos Fluxos, que toma emprestado do Modelo Garbage Can a concepção de que não há relações mecânicas entre problemas e alternativas, como se supõe na abordagem racional implícita ao policy cycle. Todavia, a definição de formulação adotada pelo autor (2006, p. 221) corresponde a uma concepção de policy cycle, como é possível observar no seguinte enunciado:

“A formulação de políticas públicas é um conjunto de processos, incluindo pelo menos: o estabelecimento de uma agenda; a especificação das alternativas a partir das quais as escolhas são feitas; uma escolha final entre essas alternativas específicas, por meio de votação no Legislativo ou decisão presidencial; e a implementação dessa decisão”.

Em 1993, SABATIER e JENKINS-SMITH criticaram tanto a concepção de policy cycle e o Garbage Can Model, pela capacidade reduzida de ambos de evidenciar uma causa para a ocorrência de mudanças nas políticas públicas. SABATIER também apresentou restrições ao Modelo de Múltiplos Fluxos, pela sua incapacidade de definir os

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fatores causais da estabilidade e da mudança das políticas públicas (SABATIER, 1997 apud CAPELLA, 2007).

SABATIER e JENKINS-SMITH (1993) reconheceram que a concepção do policy cycle tem valor “heurístico” por facilitar o entendimento do processo das políticas públicas, mas sofre várias limitações metodológicas, tais como: a) não oferece explicações, portanto, não pode ser considerada uma teoria causal; b) não esclarece quais são as forças que conduzem o processo de um estágio para o outro. Diante disso, defenderam a substituição da concepção de estágios ou fases por novas alternativas de teóricas. Visando colaborar para a superação das deficiências apontadas, propuseram o “Modelo da Coalizão de Defesa” (Advocacy Coalition Framework – ACF), que será apresentado em detalhes um pouco adiante, nesse livro.

Na mesma época, Frank BAUMGARTNER e Bryan JONES (1993), tomando por base concepções originárias da Biologia e a Teoria dos Sistemas, compuseram uma alternativa ao policy cycle: o Modelo do “Punctuated Equilibrium” (“Equilíbrio Interrompido”), cuja dinâmica replica a concepção da evolução por saltos ou mutações. Nas políticas públicas, essa tese originou a hipótese de que elas apresentam longos períodos de estabilidade, com modificações apenas incrementais, interrompidos por períodos de instabilidade, quando ocorrem transformações em relação às políticas anteriores. Conforme os autores, os subsistemas de uma política pública permitem que, durante longos intervalos, o sistema político opere pequenas mudanças nas políticas públicas, a partir das experiências de implementação e da avaliação. Contudo, em algum momento se desencadeiam mudanças políticas (politics) intensas e rápidas no sistema macropolitico, que fariam com que o tratamento de equilíbrio incremental, próprio dos subsistemas, fosse substituído por alterações mais radicais nas políticas públicas.

Em 1995, Michael HOWLETT e M. RAMESH apresentaram um “Modelo Aperfeiçoado” (“Improved Model”) do ciclo de políticas com as seguintes fases: i) montagem da agenda; ii) formulação da política pública; iii) tomada de decisão; iv) implementação e v) avaliação. Essa é a concepção de policy cycle prevalecente até os dias atuais, conquanto alguns autores prefiram subdividir algumas dessas fases.

As várias divisões do policy cycle presentes na literatura se diferenciam apenas gradualmente. Comum a todas as propostas são as fases da formulação, da implementação e do controle dos impactos das políticas públicas. Alguns autores idealizam uma subdivisão um pouco mais sofisticada. FREY (1999), por exemplo, distingue entre as seguintes fases: a percepção e a definição de problemas, “agenda-setting” (a “formação da agenda”), a elaboração de programas e a decisão, a implementação de políticas e, finalmente, a avaliação de políticas e a eventual correção da ação. SOUZA (2006), por sua vez, estabelece os seguintes estágios do ciclo das políticas públicas: a definição da agenda, a identificação de alternativas, a avaliação das opções, a seleção das opções, a implementação e a avaliação.

Diferentemente, PINHO (2011, slide 18) sustenta que, “Nesse modelo (racional) uma política pública é tratada em fases, podem retornar ao seu ponto inicial constituindo um ciclo dinâmico e virtuoso de realizações e aprendizado. Os estágios por que passam as políticas públicas são: (1) Definição da agenda; (2) Formulação; (3) Implementação; (4) Monitoramento e Avaliação; (5) Revisão”.

SARAVIA (2006, p. 143-145) estabelece que o primeiro momento do ciclo das políticas públicas é o da construção da agenda, que expressa a incorporação de uma demanda na lista de prioridades do Poder Público. O autor sustenta que a inserção na agenda “induz e justifica uma intervenção pública legítima, sob a forma de uma decisão das autoridades públicas”. O segundo momento recai sobre “a elaboração, que consiste em identificar e delimitar um problema atual ou potencial, levantar as possíveis alternativas para sua solução, avaliar os custos e benefícios de cada uma delas e definir as prioridades”.

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Nessa etapa predomina a visão técnica. O passo seguinte é denominado como formulação e “inclui a seleção e especificação da alternativa mais conveniente, seguida de uma declaração que explicita (...) a decisão adotada43, definindo seus objetivos e seu marco jurídico, administrativo e financeiro”. Nessa etapa, os critérios políticos assumem o papel mais importante. A quarta etapa é a implementação, “constituída pelo planejamento e organização do aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos para executar uma política”. Envolve a elaboração de todos os planos, programas e projetos e o recrutamento e o treinamento dos que irão executar a política. A quinta etapa equivale à execução, “que é o conjunto das ações destinado a atingir os objetivos estabelecidos pela política”. A execução contém o estudo dos obstáculos que poderão inviabilizar a consecução dos resultados, sobretudo a análise da burocracia. O sexto estágio abriga o acompanhamento, que é “o processo sistemático de supervisão da execução (...) a fim de assegurar a consecução dos objetivos estabelecidos”. E, por derradeiro, a avaliação, sétimo estágio, que subentende a “mensuração e análise dos efeitos produzidos na sociedade pelas políticas públicas, especialmente no que diz respeito às realizações obtidas e às consequências previstas e não previstas, desejadas e não desejadas”.

Na concepção do ciclo de políticas, considera-se a policy resultante de uma série de atividades políticas que, agrupadas, formam o processo político (politics). Não se trata de imaginar que efetivamente existam fases estanques e sequenciadas na realidade, porém de usar essa suposição como um recurso para analisar as políticas públicas.

De acordo com FREY (1999, p. 14) o modelo heurístico “(...) do ‘policy cycle’ é um ‘tipo puro’ idealizador do processo político, mas que na prática não costuma-se efetivar da maneira corno está previsto no modelo. O fato de os processos políticos reais não corresponderem ao modelo teórico não indica necessariamente que o modelo seja inadequado para a explicação destes processos, mas sublinha o seu caráter enquanto instrumento de análise. O 'policy cycle' nos fornece o quadro de referência para a análise processual. Visto que podemos atribuir funções específicas às diversas fases do processo político-administrativo, obtemos por meio da comparação dos processos reais com o tipo puro pontos de referência que dizem respeito às possíveis causas dos déficits do processo de resolução de problema”.

7.1 Algumas Alternativas ao Policy Cycle Para a Análise de Políticas Públicas

Em que pese à longa predominância da abordagem do policy cycle, Michael HILL e Peter HUPE (2010, p. 120-123) apontam algumas abordagens alternativas a ele: a de L. E.

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43 SARAVIA (2006, p. 29) faz uma ressalva à formulação (e por lógica, às demais fases do ciclo) quando se trata de políticas de omissão ou de não inovação, pertinente à sua definição das políticas públicas como “Sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos”.

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LYNN, que usa o conceito de “nested games44” ao propor que as políticas públicas devem ser compreendidas com base no emaranhado entre o “high game”, no qual se decide se uma questão pode ou não dar origem a uma policy; o “middle game”, que é a esfera em que se determina qual a direção ou tratamento a ser dado àquela policy; e o “low game”, que é a dimensão prática da política pública, na qual a implementação ocupa o espaço central.

Os autores também descrevem a abordagem de Wayne PARSONS (1996), que adota o enfoque de múltiplos estágios e distingue três níveis de análise amplos e superpostos: o nível de “meso-analysis”, que diz respeito aos modos pelos quais problemas e questões são definidos e se forma a agenda de politicas (policies); o nível de “decision analysis”, que abrange os processos pelos quais as decisões são tomadas e as políticas são formuladas; e o nível de “delivery analysis”, que concerne à administração, avaliação e conclusão de cada policy.

Outra substantiva estrutura de análise alternativa ao policy cycle, segundo os autores, foi elaborada por Larry KISER e Elinor OSTROM (1982 e OSTROM, 2003), sendo conhecida como “Institutional Analysis and Development (IAD) Framework”. Essa Abordagem abarca três diferentes níveis de análise relacionados: o “nível constitucional”, que procura explicar as decisões sobre os mecanismos e arranjos institucionais de escolha coletiva e ligam cada nível de decisão ao nível subsequente; o “nível da escolha coletiva”, que abrange a esfera das decisões imperativas, das escolhas que se direcionam para a coletividade; e o “nível operacional”, que é o mundo da ação.

Por fim, HILL e HUPE (2010) relatam um modelo de análise formulado por LYNN, HEINRICH e HILL (2002), denominado “logic of governance”, que consiste numa estrutura de análise que agrega três níveis de governança – institucional, gerencial e técnico – e focaliza a dinâmica das suas relações, sugerindo como eles podem estar unidos mediante um processo dinâmico e interativo. 8. FORMAÇÃO DA AGENDA E FORMULAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA

Como foi comentado, os autores que adotam a concepção do ciclo de políticas públicas (policy cycle) como recurso de análise distinguem a formação da agenda como uma fase específica, diferenciada em relação à formulação da política pública. Outros pensadores preferem analisar tanto a formação da agenda governamental, a elaboração das alternativas, quanto a escolha entre elas (decisão) como um todo que corresponde à formulação da política pública propriamente dita. As duas vertentes são trabalhadas nesse espaço.

Nesse capítulo são examinados: os elementos prévios à formação da agenda política, os tipos de agenda, as teorias de formação da agenda da política pública, os modelos de tomada de decisão política e os modelos de formulação de políticas públicas.

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44 George TSEBELIS criou, em 1990, o conceito de “nested games” (traduzido como “jogos ocultos”), que contribui para uma melhor compreensão da escolha racional. Existem situações em que os atores escolhem alternativas que parecem ser contrárias aos seus próprios interesses ou deixam de escolher a melhor alternativa em determinadas circunstâncias: são "escolhas sub-ótimas", que podem ser explicadas por um simples erro de cálculo, ou devido à atuação de fatores não racionais. O suposto adotado aqui é o de que os indivíduos e as instituições são racionais, logo, maximizadores. Se as escolhas do ator parecem sub-ótimas, embora ele tenha informação correta e suficiente, isso ocorre, porque o ator está envolvido em vários jogos e o que parece sub-ótimo para um jogo só, mostra-se ótimo quando a perspectiva do conjunto é considerada. Uma situação possível é denominada “jogos em arenas múltiplas”: existe um jogo na arena principal (que é o foco da análise), mas há vários outros jogos acontecendo, simultaneamente ou não. Nessa configuração, o jogo da arena principal está encaixado em um jogo maior que define como os fatores contextuais influenciam os resultados para o ator e para todos os outros jogadores, mantendo-se inalteradas as regras de quaisquer dos jogos. Outra possibilidade é a situação chamada “jogos múltiplos de arranjo institucional”: o ator está envolvido não apenas no jogo da arena principal, como também em um jogo sobre as “regras do jogo”, que ele quer que mudem para que ele tenha melhores alternativas. Nesse caso, o jogo da arena principal está encaixado em um jogo maior, no qual as regras do próprio jogo estão sendo alteradas. Essas duas situações abrangem os “jogos ocultos” ou nested games.

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8.1 Demandas, Estados de Coisas e Problemas Políticos

O estudo da formação da agenda governamental deve ser precedido pelo entendimento de alguns aspectos relativos às demandas, que merecem ser considerados mais detalhadamente. Para iniciar, as demandas não são todas da mesma natureza. De acordo com a sua trajetória no processo político, é possível distinguir três tipos de demandas: as “novas”, as “recorrentes” e as “reprimidas”.

As demandas novas são aquelas que nunca foram processadas pelo sistema político de uma dada sociedade (são inéditas naquele contexto, mesmo que não o sejam em outro). Essas demandas resultam da mudança social e/ou tecnológica, do surgimento de novos atores políticos ou de novos problemas. As demandas novas pressionam, pela primeira vez, naquela sociedade, o sistema político. São exemplos de demandas novas no Brasil: a inclusão digital, a regulamentação da união civil entre pessoas do mesmo sexo, a regulamentação do uso das células-tronco, etc.

Novos atores são aqueles que já existiam no sistema político, ainda que não fossem politicamente organizados; quando passam a se organizar para pressionar o sistema político, aparecem como novos atores políticos. Um exemplo de novos atores políticos são os evangélicos no Brasil. Há cerca de trinta anos, eles tinham relativamente pouco peso político. Hoje, representam importante parcela do eleitorado, com uma bancada poderosa no Congresso. Nos Estados Unidos, um ator político que emergiu em torno da década de 1970, foram os homossexuais, que formaram poderosas associações de representação de interesses. No Brasil, o movimento gay vem se fortalecendo e se apresentando como um novo ator, interessado em diversas políticas públicas.

Novos problemas, por sua vez, são problemas que não existiam efetivamente antes – como os OGMs (transgênicos), por exemplo – ou existiam apenas como “estados de coisas” (conceito estudado a seguir), pois não chegavam a ser reconhecidos como problemas, mas eram vistos como algo “natural” ou impossível de ser mudado.

O segundo tipo de demanda são as denominadas recorrentes. Trata-se das demandas que expressam problemas que já foram processados pelo sistema político, no entanto, não tiveram solução eficaz. Em virtude disso, estão sempre voltando ao debate político e, eventualmente, à agenda governamental. No Brasil, exemplos de demandas recorrentes são: a reforma agrária, durante muitas décadas45; a estabilização da moeda, nas décadas de 1980 e 1990; segurança pública, atualmente.

Quando se acumulam as demandas e o sistema político não consegue encaminhar soluções aceitáveis pelos atores envolvidos, podem ocorrer crises resultantes da conjugação do excesso ou da complexidade das demandas – novas ou recorrentes – com withinputs contraditórios e com redução do apoio ou suporte ao próprio sistema político.

O terceiro e último tipo de demandas são as reprimidas, que são aquelas constituídas por problemas não admitidos na agenda governamental, ou por não terem sido reconhecidos como tais nem pelos governantes, nem pela sociedade (quando caracterizam “estados de coisas”); ou porque a sua admissão poderia ameaçar interesses poderosos (quando correspondem ao que BACHRACH e BARATZ denominam “não-decisões” – ver capítulo 8.3.1).

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45 Malgrado o assunto reforma agrária tenha sido tratado no Estatuto da Terra há mais de quarenta anos, votado na Constituinte e aprovada mais tarde a Lei Agrária, só recentemente – com a implementação da política de reforma agrária – esse deixou de ser um problema sem resolução.

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Em qualquer sociedade existem vários tipos de situações indesejáveis, injustas ou, de alguma forma, insatisfatórias às quais os indivíduos e grupos se acomodam. A sociedade, ou parte dos seus membros, as concebe como “situações naturais” e convive com aquilo, como se não fosse relevante, ou como se não existisse solução possível.

Vamos imaginar a seguinte circunstância: há uns 30 anos, o hábito de fumar tabaco era considerado um comportamento normal e até associado a valores como a liberdade e outros. Não havia restrições ao fumo nos recintos coletivos fechados, nem privados, nem públicos. Indubitavelmente, nem todas as pessoas fumavam. Os não fumantes, por mais incomodados que se sentissem no ambiente cheio de fumaça, tratavam a situação como se tivessem que aceitá-la, apenas procuravam se acomodar, ficando mais perto das portas ou das janelas, etc. Era um estado de coisas46.

Portanto, uma situação pode persistir durante muito tempo, incomodar indivíduos e

grupos e gerar insatisfações sem, entretanto, chegar a mobilizar nem os próprios indivíduos prejudicados, tampouco as autoridades governamentais. Enquanto permanecer como um estado de coisas, uma situação não será reconhecida como “problema político”, nem será incluída entre as prioridades dos tomadores de decisão. A título de ilustrações, foram estados de coisas no Brasil, durante décadas, a discriminação racial, a falta de acessibilidade a pessoas com necessidades especiais, etc. Até a década de 1950, em muitos países ocidentais, a degradação ambiental era um estado de coisas, vista como uma consequência “natural” do “desenvolvimento”.

Quando os cidadãos passam a considerar um estado de coisas inaceitável e começam a crer que podem e devem fazer algo para mudá-lo, estão deixando de naturaliza-lo. Todavia, para se tornarem problemas “políticos” propriamente ditos, pelo menos em alguma área do governo, as autoridades devem se convencer de que precisam tomar alguma providência com relação à situação em tela47.

Problemas políticos, nessa acepção, não têm existência objetiva. Entre os atributos centrais dos problemas políticos, sublinha-se: imprecisão; complexidade; envolvem valores, interesses, motivações e posições sociais dos atores envolvidos; possuem causas e efeitos pouco nítidos; nem sempre contam com propostas de soluções eficientes, pois há dificuldades para mensurar a adequação dessas propostas e prever seus efeitos; e podem ser objeto de manipulações políticas (PUENTES-MARKIDES, 2007).

Frise-se: os problemas políticos não possuem existência objetiva. Um tema, assunto ou questão só se torna um problema político quando é reconhecido como tal, pelas autoridades públicas. Ao ser reconhecido como um problema político, uma questão ou demanda torna-se, nos termos da Abordagem Sistêmica, um input, que pressiona o sistema político, podendo ser incluído na agenda governamental.

8.2 Agenda Governamental: o que é e seus tipos

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46 Só em 1996, o Brasil passou a contar com a Lei Federal nº 9.294, que restringe o uso – e também a propaganda – de produtos derivados de tabaco em locais coletivos, públicos ou privados, com exceção às áreas destinadas para seu consumo, desde que isoladas e ventiladas (conhecidas como “fumódromos”).

47 Esse ponto admite algumas divergências. Klaus FREY (1999, p. 12), por exemplo, sustenta que “Um fato pode ser percebido, pela primeira vez, como um problema político por grupos sociais isolados, mas também por políticos, grupos de políticos ou pela administração pública”.

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Com o propósito de entender como são tomadas as decisões iniciais de uma possível política pública, é necessário esclarecer alguns outros itens. Por exemplo, o que é “agenda”?

A agenda – ou pauta – governamental, agenda política, agenda de decisões ou agenda de políticas públicas nada mais é que uma lista de prioridades, inicialmente estabelecida pelos governos, às quais eles devem dedicar suas energias e atenções48. Essas prioridades comumente sofrem alterações com o passar do tempo, a depender de como é a dinâmica da política (politics). O conceito de agenda é bastante importante, uma vez que os atores políticos lutam intensamente para incluir seus interesses nessa lista de prioridades com vistas a que constituam objeto da decisão política.

As agendas de políticas públicas não são todas da mesma natureza. A literatura, baseada em critérios distintos, elabora várias tipologias a respeito da agenda. Expõem-se algumas dessas principais tipologias de agendas abaixo.

A primeira delas é empregada, em especial, por autores que não enfatizam as diferenças entre as fases do ciclo de políticas públicas ou preferem não tomar como modelo de análise o policy cycle. Essa será a classificação mais utilizada no decorrer desse texto.

Quanto ao escopo e aos atores envolvidos nas decisões e nas políticas públicas, KINGDON (1984) diferencia as agendas como:

a) Agenda Sistêmica ou Não Governamental ou Agenda de Estado: é a lista de problemas políticos que preocupam diversos atores políticos e sociais, não se restringindo ao governo. É anterior, externa e mais ampla do que qualquer Agenda de Governo. Essa lista de temas pode preocupar a sociedade, o Estado e, até mesmo, o sistema internacional. São exemplos de temas da Agenda Sistêmica: terrorismo, crime organizado, degradação ambiental, suprimento de água e energia, crise do sistema econômico, tráfico de drogas; etc.

b) Agenda de Governo ou Governamental: é aquela que reúne os problemas políticos sobre os quais um governo específico – suas autoridades, seus assessores e indivíduos fora do governo, contudo estreitamente associadas às autoridades formais – decide se debruçar. A composição dessa Agenda depende da ideologia e dos projetos políticos e partidários daquele governo, da mobilização social, das crises conjunturais e das oportunidades políticas. Como será retratado adiante, nem todas as questões da Agenda Governamental chegam à Agenda de Decisão. c) Agenda de Decisão: é a lista dos problemas políticos encaminhados à tomada de decisão pelo sistema político (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) no curto e médio prazo. Esses assuntos podem estar previamente na Agenda Governamental, ou não.

KINGDON (2006, p. 225) chama a atenção para a existência de “agendas dentro de agendas”, que variam de agendas extremamente gerais até agendas altamente especializadas. Ele observa que certos temas, “que não aparecem numa agenda geral, podem ser bastante importantes em uma agenda especializada, como a de sub-comunidades, como a de pesquisa biomédica ou transporte fluvial”.

Outra nomenclatura é adotada por SECCHI (2010, p. 36):

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48 Algumas vezes, particularmente no discurso dos políticos ou da mídia, aparece a expressão “Agenda Oculta”, que não é uma categoria analítica. O termo é usado para referir-se aos objetivos de indivíduos ou de grupos, que não estão claramente explicitados, haja vista poderem ser conflitantes com a agenda formal, poderem ser considerados ilegítimos por atores politicamente relevantes ou poderem sofrer forte rejeição da sociedade.

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a) Agenda Política: consiste em um conjunto de problemas políticos ou temas que uma “comunidade política percebe como merecedor de intervenção pública”. Ela pode coincidir, eventualmente, com a Agenda Sistêmica;

b) Agenda Formal ou Institucional: é aquela que “elenca os problemas políticos ou temas que o poder público decidiu enfrentar”. Corresponderia à Agenda Governamental;

c) Agenda da Mídia: é a “lista de problemas políticos que recebe atenção especial dos diversos meios de comunicação” e que pode, assim, condicionar as agendas políticas e as agendas institucionais ou formais.

8.3 Teorias de Formação da Agenda de Política Pública

Essa seção trata de aspectos relacionados à formação da agenda governamental, tema que tem recebido bastante destaque na literatura de políticas públicas.

A esse respeito, Klaus FREY (1999, p. 12) assinala que: “referente à fase da percepção e definição de problemas, o que nos interessa é (...) como, em um número infinito de possíveis campos de ação política, alguns ‘policy issues’ vêm se mostrando apropriados para um tratamento político e consequentemente acabam gerando um ‘policy cycle’ ”.

Diante dessa questão, Celina SOUZA (2006), sustenta que há diversos argumentos. À pergunta de como os governos definem suas agendas, são oferecidas três respostas alternativas. Uma delas ressalta os problemas políticos, ao asseverar que o reconhecimento e a definição desses problemas afeta os resultados da agenda. Outra argumenta que a formação da agenda depende dos atores que participam desse processo. Cada participante pode atuar como um incentivo ou como um ponto de veto (impedimento) à inserção de questões na agenda. Uma terceira resposta sublinha as instituições e os processos políticos como responsáveis pela percepção da necessidade de se enfrentar um problema político e pela maneira como este será tratado.

8.3.1 A Teoria da Não-Decisão

Por que um governo prioriza o tratamento de algumas questões e não de outras? Por que as questões tratadas por um governo não possuem o mesmo tratamento em outro? Por que um governo inicialmente não se mostra interessado em uma questão e, de forma aparentemente súbita, ela se torna prioridade? Por que ocorre o contrário disso? Por que os candidatos a governantes propõem aos eleitores uma agenda e depois de eleitos abandonam temas que pareciam importantes? Por que certas questões ou temas nunca entram na agenda, mesmo quando mudam os governos?

Essas e outras questões são tratadas pelas teorias ou modelos de formação da

agenda: a “Teoria das Não-Decisões”, a “Teoria dos Múltiplos Fluxos” e a “Teoria do Equilíbrio Pontuado”.

A Teoria das Não-Decisões defende que a inclusão de temas na agenda expressa relações de poder, de modo que os temas que ameaçam os interesses mais poderosos não são incluídos na pauta. O Modelo dos Múltiplos Fluxos estabelece que a convergência de pelo menos dois entre três fluxos – problemas, políticas públicas (policies) e política (politics) – faz com que determinados temas entrem em uma agenda. Já o Modelo do Equilíbrio Pontuado preconiza que há estabilidade nas políticas públicas, com mudanças apenas incrementais, até que eventos do ambiente político provoquem a ruptura dessa situação e se abra espaço para a inserção de novas demandas na agenda.

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Ressaltam-se as diferenças dos ângulos explorados em cada uma dessas três vertentes: a das Não-Decisões explica por que alguns temas não entram na agenda; a dos Múltiplos Fluxos esclarece os processos pelos quais certos temas passam da agenda governamental para a agenda de decisão; ao passo que a do Equilíbrio Pontuado elucida as causas da estabilidade e da mudança da agenda. Para além desses Modelos mais conhecidos, outros desdobramentos dessas Abordagens são descritos ainda nesse capítulo. Vale lembrar que a Teoria das Não-Decisões, como já afirmado, é uma contribuição dos autores BACHRACH e BARATZ (1962, 1970) ao debate sobre as relações de poder no processo decisório das políticas públicas.

Em vez de enxergar a política pública como aquilo que é decidido49 pelos tomadores de decisão, BACHRACH e BARATZ propugnam que as questões que chegam à agenda decisória são apenas as que foram previamente filtradas e admitidas. Para os autores, o grande jogo do poder político não está propriamente nas decisões que são tomadas, mas, antes, está naquilo que antecede a formação da agenda de políticas públicas. Ou seja: o verdadeiro poder não estaria em decidir sobre questões que estão na agenda, e sim em selecionar aquilo que será decidido – o que entra e não entra na agenda decisória. O que os autores chamaram de “Segunda Face do Poder” consiste no poder de escolher quais serão as questões admissíveis na agenda de decisões, e não na decisão em si.

Os autores sustentam que tal poder não é igualmente distribuído na sociedade: os atores políticos com interesses mais consolidados dispõem de recursos para impedir que determinados temas sejam inseridos na agenda decisória – eles detêm o controle da pauta. Certas categorias de indivíduos, grupos, perspectivas, problemas ou conflitos são deliberadamente excluídos ou suprimidos das discussões políticas, de maneira que o escopo do debate (ou a agenda) limite-se somente às questões percebidas como “seguras” pelos atores mais poderosos.

Como isso pode acontecer? Pela “mobilização do viés” – “mobilization of bias” –, conceito formulado originalmente por Elmer SCHATTSCHNEIDER (1960) e incorporado por BACHRACH e BARATZ (1962,1970). A expressão denota um conjunto predominante de crenças, valores, processos e procedimentos institucionais que atuam para definir o que estará dentro do sistema político e o que ficará de fora. Algumas questões teriam maior probabilidade de serem inseridas na agenda, na medida em que o “viés do sistema político” é favorável a elas. Outras questões são vetadas, porque o viés do sistema político faz com que sejam consideradas inadequadas ou irrelevantes. O autor explana que o “viés” não tem origem divina, muito menos é estático; ele expressa o ethos50 social dominante e define se as questões serão incorporadas rapidamente ou se permanecerão ignoradas por um longo tempo.

Com efeito, existem situações que permanecem estados de coisas por períodos

indeterminados, sem chegar a serem incluídos na agenda governamental, pelo fato de existirem barreiras culturais e institucionais que impedem que sequer se comece o debate público do assunto. Há muitos exemplos disso. O estatuto da propriedade privada não é, de forma alguma, objeto do debate político nos EUA. Os direitos da mulher não entram na pauta governamental de diversos países do Oriente Médio. No Brasil, só muito recentemente chegou à agenda a questão da legalização das relações entre homossexuais,

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49 Com o trabalho de BACHRACH e BARATZ, as decisões tomadas nas políticas públicas passaram a ser designadas como a “Primeira Face do Poder”.

50 Consiste no modo de ser, no caráter de uma coletividade, expresso nos seus costumes, nas suas crenças e nos seus valores.

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a descriminalização do aborto e do uso de drogas, etc. Nesses casos, se configura a não-decisão conceituada por BACHRACH e BARATZ.

Uma “não-decisão” não se refere à ausência de decisão sobre uma questão que tenha sido incluída na agenda de decisões. Isso seria, mais propriamente, resultado do emperramento do processo decisório. Não-decisão significa que determinadas temáticas que ameaçam fortes interesses, ou que contrariam os códigos de valores de uma sociedade (e, da mesma sorte, ameaçam interesses) encontram obstáculos diversos e de variada intensidade à sua transformação de estado de coisas a problema político – e, portanto, impedimentos à sua inserção na agenda governamental. Exemplos de questões que, por muito tempo, foram tratadas como estado de coisas no Brasil: planejamento familiar e controle de natalidade, violência doméstica (contra mulheres, crianças e idosos), trabalho infantil, etc.

Assim, a não-decisão consiste em um veto à inclusão de certos temas na agenda política, impedindo que venha a ser objeto de decisão. Não equivale à ausência de decisão sobre uma questão incluída na agenda51.

Conforme RUA (1998), para que uma situação ou estado de coisas se torne um problema político e passe a figurar como um item prioritário da agenda governamental é necessário que apresente pelo menos uma das seguintes características:

a) mobilize a ação política organizada, seja ação coletiva de grandes grupos, seja ação coletiva de pequenos grupos dotados de fortes recursos de poder, seja ação de atores individuais estrategicamente situados52. Exemplos: as ações do MST por reforma agrária, as ações dos estados produtores de petróleo sobre a questão da divisão dos royalties com os demais estados;

b) constitua uma situação de crise53, calamidade ou catástrofe, de maneira que o ônus de um governo por não dar resposta ao problema político supere o custo de lidar com ele. Exemplos: desastres naturais, crises econômicas;

c) constitua uma situação de oportunidade, isto é, haja vantagens, antevistas por algum ator relevante, a serem obtidas com o tratamento daquele problema. O enfrentamento ao problema deve representar uma oportunidade de obter dividendos políticos. Exemplos: o Plano Real, em 1994; a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nos morros cariocas.

No debate sobre como as assimetrias do poder afetam a introdução de demandas na agenda, SCHATTSCHNEIDER propôs a sua “Teoria da Ampliação do Conflito”. O autor concebe que crescem as probabilidades de uma questão (issue) chegar à agenda quando o escopo do conflito político é ampliado.

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51 Há autores que consideram, ainda, que, no caso de uma forte não-decisão, mesmo que o tema seja incluído na agenda governamental, não chega a ter uma solução por obstrução decisória. Ou que, caso alcance uma decisão, ela não chega a ser implementada. Certamente, essa é uma ampliação do conceito original, sujeita a exame mais cuidadoso e a debate de especialistas.

52 Pode corresponder à ação de coletividades, como aconteceu na década de 1970 com o movimento negro e com o movimento feminista. Ou pode ser ação de atores estratégicos, como vem ocorrendo com a questão ecológica. Ou podem ser as duas coisas juntas, como aconteceu com o movimento pelas “Diretas Já”. Em geral, é a percepção de um "mal público", além de situações como crises e catástrofes, que frequentemente desencadeia a ação política em torno de um estado de coisas, permitindo a sua transformação em problema político.

53 “Crise” equivale a uma situação qualquer que requeira intervenção imediata, mesmo que sejam eventos apenas pontuais.

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Existem duas estratégias para que os grupos em situação de desvantagem consigam que o conflito se estenda. Primeiro, levando a questão ao espaço público mediante o uso de símbolos e imagens (“policy images” – ver capítulo 8.3.3) aceitáveis, que induzem a mídia e o público a simpatizarem com suas demandas. Um exemplo significativo é a questão ambiental. Segundo, quando – após perder as rodadas iniciais da luta pela inclusão de suas demandas – esses grupos não se conformam e procuram apelar para instituições mais altas para serem ouvidos. Ao fazerem isso, podem tornar suas demandas visíveis no campo da macropolítica e conseguir atrair outros grupos para apoiar suas demandas.

À luz dessas considerações, RUA (1998) argumenta que, independentemente de outras condições, o reconhecimento dos problemas políticos e a absorção das demandas dependem, como regra, de dois fatores: a ação coletiva e o grau de abertura do sistema político-institucional.

A capacidade de os grupos se organizarem a fim de incluir suas demandas na agenda varia em relação à natureza dos bens públicos, aos custos da participação e ao tamanho dos próprios grupos. Como já mencionado, OLSON (1999) argumenta que o engajamento e a participação dos atores em atividades de reivindicação de um bem público dependem da avaliação, feita por cada indivíduo, a respeito dos custos (renúncias) de sua participação, dos comportamentos dos demais participantes da ação coletiva, e da probabilidade de ele próprio ser – ou não – excluído do desfrute dos bens públicos, caso não participe.

OLSON afirma que, ceteris paribus, se todos os indivíduos agirem com base nessa

avaliação e levarem em conta o seu interesse individual, nenhum deles irá participar. Isso será tão mais verdadeiro quanto maiores forem os grupos, haja vista as dificuldades de mobilização, coordenação e controle da participação de cada indivíduo aumentarem na mesma proporção do número de membros do grupo. Isso implica que as demandas dos grandes grupos têm menor probabilidade de serem incluídas na agenda do que as demandas dos pequenos grupos54.

Evidentemente, no mundo integrado graças às novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), o custo da participação torna-se bastante reduzido e as dificuldades de coordenação dos grandes grupos são relativamente minimizadas. Estudos esclarecendo exatamente quanto se reduz o custo da coordenação e da participação nessa nova realidade ainda são incipientes.

O grau de abertura do sistema político-institucional varia conforme o regime político. Os regimes democráticos (ou poliarquias) admitem divergência e oposição pelos atores políticos e impõem poucas restrições à participação. Por isso, são mais abertos à inclusão de demandas nas pautas decisórias. Em regra, eles tendem a absorver as demandas sempre que o custo de excluí-las supere o custo de integrá-las à agenda. Os regimes autoritários mostram-se pouco tolerantes à oposição ou à discordância pelos atores políticos e restringem a participação por intermédio da imposição de vários critérios e procedimentos. Uma estratégia bastante utilizada por esses regimes é elevar o custo da participação individual na ação coletiva aumentando o uso da coerção. Os regimes autoritários incluem as demandas de modo muito seletivo, tendo sempre como critério o custo político de excluí-las. Os regimes totalitários, por sua vez, revelam-se completamente fechados, rejeitando qualquer divergência ou oposição dos atores políticos. Operam consoante a estratégia de

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54 Exemplos de grandes grupos são os sindicatos de trabalhadores e os amplos movimentos sociais, etc. Já os pequenos grupos são exemplificados pelos cartéis.

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“mobilização pelo alto”55, que fornece uma falsa impressão de participação e de adesão absoluta da sociedade. Assim, a agenda é totalmente controlada pelo grupo dirigente.

8.3.2 O Modelo dos Múltiplos Fluxos

Elaborado pelo cientista político John W. KINGDON (1984), o Modelo dos Múltiplos Fluxos56 tem sido considerado um dos mais persuasivos na tentativa de explicar a formação da agenda de políticas públicas.

De acordo com o que foi analisado no início desse capítulo, o autor estabelece, a princípio, uma distinção entre: Agenda Sistêmica, Agenda Governamental – com a subdivisão Agenda Especializada (ou Setorial) – e Agenda de Decisões. Ele procura esclarecer por que algumas questões não somente entram na agenda governamental, mas são incluídas na Agenda de Decisões, e outras não.

KINGDON assevera que uma demanda entra na agenda governamental quando desperta o interesse dos formuladores de políticas públicas, sendo reconhecida como um problema político. Porém, dado o volume e a complexidade das demandas e dos processos governamentais, nem todas as questões presentes na agenda governamental chegam à “Agenda de Decisões”, composta pelas decisões que serão efetivamente tomadas. Para que isso ocorra, deve haver a convergência de três fluxos, cada qual independente do outro e dotado da sua própria lógica e dinâmica: o Fluxo dos Problemas (problems), o Fluxo das Políticas Públicas (policies) e o Fluxo da Política (politics).

Esses fluxos representam contextos nos quais as ações e interações entre os atores políticos interceptam-se e articulam-se em torno de temas diversos ligados aos seus vários interesses políticos. Ao menos dois dos três fluxos devem se encontrar para que uma questão transite da pauta governamental para a agenda decisória: o Fluxo dos Problemas e o Fluxo da Política (politics).

O conceito de “Fluxo dos Problemas” tem por fundamento a ideia de que os problemas são construídos socialmente e politicamente, conforme diferentes representações por parte dos indivíduos, grupos e organizações que atuam no sistema político. É possível existir uma situação social merecedora de intervenção pública sem que ela seja considerada um problema de política pública por um ou vários governos. Na verdade, um problema de política pública só passa a existir à medida que os formuladores de políticas se convencem de que devem fazer algo a respeito, sendo indispensável que reconheçam a sua existência para que venham a pensar na possibilidade de uma solução (que será a política pública).

Para que isso ocorra, um elemento central é a forma como um problema é apresentado, definido e articulado. Os mais variados atores, portanto, indivíduos, grupos e organizações com interesses em jogo, tentarão influir na agenda, usando recursos diversos, sobretudo a argumentação e a persuasão. Nesse processo de construção e reconhecimento do problema, KINGDON atribui especial importância a três mecanismos básicos:

a) os indicadores, que são medidas que revelam a magnitude de um determinado fenômeno, como o índice de inflação, taxa de analfabetismo, taxa de mortalidade infantil, etc.;

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55 A mobilização pelo alto se dá quando o grupo que controla o sistema político organiza e fixa os padrões dentro dos quais os membros da sociedade podem e devem participar; ou seja: é obrigatória a participação em massa nos moldes estabelecidos pelo grupo dirigente.

56 “Multiple Streams Model”, que compreende: “problems stream”, “policy stream” e “politics stream”.

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b) os eventos, as crises e os símbolos – como desastres, calamidades, grandes acidentes –, e a maneira como todos eles são interpretados; e

c) o feedback das ações governamentais, como as manifestações na imprensa, os movimentos sociais, os resultados de pesquisas de confiança no governo, a satisfação/insatisfação da sociedade, etc.

Com esses elementos, as autoridades interpretam a situação existente. Essa interpretação é que poderá despertar, ou não, o interesse dos formuladores e definir sua inclusão e priorização na agenda de decisão.

O conceito de “Fluxo das Políticas Públicas” (também chamado “Fluxo das Alternativas”) refere-se a um amplo conjunto de propostas para solucionar os problemas políticos. Envolve ideias que diversos atores têm sobre ‘como as coisas podem ser feitas’, sem que, entretanto, estejam necessariamente vinculadas a problemas específicos.

O autor afirma que a melhor forma de entender o surgimento de alternativas é vê-lo como um processo análogo ao de seleção natural, na Biologia, que ele propõe denominar “policy primeval soup” (sopa política primeva, primitiva), na qual as ideias surgem desordenadamente, chocam-se umas com as outras, se combinam e recombinam num processo caótico e aleatório (KINGDON, 2006, p. 232).

Para KINGDON, essas ideias (alternativas) são geradas nas “comunidades de políticas” (policy communities). Essas são compostas por especialistas que se ocupam de uma determinada área, como pesquisadores, consultores, assessores parlamentares, funcionários governamentais, analistas vinculados a organismos internacionais, ONGs, grupos de interesse, etc. Nelas, as propostas de políticas públicas podem surgir, ser abandonadas ou combinadas entre si, ou podem permanecer intactas e sobreviver.

O que faz, afinal, com que uma alternativa sobreviva e seja selecionada nas comunidades políticas? Pela imposição de critérios, que estabelece ordem onde antes havia caos. Os primeiros requisitos são que a proposta elaborada seja tecnicamente exequível, financeiramente viável, politicamente defensável e que esteja fundamentada sobre valores compartilhados na sociedade e, por isso, possa conquistar a aceitação do público. Nesse caso, poderá encontrar receptividade entre os formuladores de políticas e chegar a ser considerada pelos tomadores de decisão. De acordo com CAPELLA (2007), o autor acentua a importância dos conteúdos simbólicos e argumentativos das ideias nas políticas públicas que, para ele, são mais importantes do que elementos como o poder e o uso de estratégias racionais pelos atores.

Como regra, essa alternativa escolhida necessita passar por um processo de difusão, para que seja conhecida e aceita pela sociedade, algo que não ocorre espontaneamente. Os que preferem uma alternativa buscam defendê-la perante outras comunidades políticas e perante o público em geral, por intermédio da persuasão.

KINGDON sustenta que esse é um longo processo de “amaciamento”, no qual a reelaboração ou recombinação é mais importante que a invenção de alternativas totalmente novas. Caso a disseminação da proposta seja exitosa, haverá um efeito multiplicador (conhecido como “bandwagon”)57: a proposta se torna cada vez mais conhecida, conquista muitos novos adeptos e se fortalece.

O Fluxo das Políticas Públicas ou Fluxo das Alternativas não exerce influência direta sobre a agenda, mas oferece alternativas para a resolução dos problemas percebidos pelas autoridades, viabilizando sua inserção na agenda. A despeito de o Fluxo das Políticas

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57 Essa imagem seria equivalente ao “trio elétrico” no carnaval brasileiro, que chama a atenção, abre passagem e atrai um grande número de seguidores.

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Públicas não ser decisivo para a inclusão do problema político na agenda governamental, ele é indispensável para que uma questão dessa pauta atravesse para a agenda de decisões. A dinâmica nesse Fluxo é de consensos, construídos com base na persuasão e na difusão das ideias.

O terceiro conceito refere-se ao “Fluxo da Política” (politics), que, segundo o autor, segue regras próprias e possui uma dinâmica extremamente fluida, baseada na barganha e na negociação política (e não na persuasão, como no Fluxo das Alternativas). Contém três elementos:

a) “Clima ou Humor Nacional”: são as imagens e sentimentos predominantes no conjunto da sociedade em um dado momento acerca de certas questões e que pode favorecer, ou não, a germinação de ideias específicas. Evidencia-se nas manifestações de movimentos sociais, no processo eleitoral, na imprensa, nas pressões do Legislativo, etc. KINGDON afirma ser esse o aspecto mais forte no Fluxo da Política, pois quando os participantes do processo decisório percebem um humor favorável, eles têm incentivos para tratar certas questões, e vice-versa58;

b) Apoio ou Oposição das forças políticas organizadas em relação a uma questão ou um problema. Expressa os consensos ou conflitos entre os atores, sinalizando aos formuladores se o ambiente é propício ou adverso a uma ou outra proposta, de maneira que esses terão de analisar o equilíbrio das forças políticas e avaliar os custos políticos para decidirem como irão se comportar;

c) Mudanças de Governo, que podem resultar do processo eleitoral, quando se estabelece um novo governo; ou podem ser causadas por mudanças internas ao governo – como mudanças de pessoas em posições estratégicas na estrutura governamental (“turnover”) –, mudanças na chefia de órgãos e empresas públicas, mudanças de gestão e mudanças na composição do Congresso. Além dessas, pesam também as mudanças de competência sobre determinada questão, disputas por competência, etc., já que a localização das questões na estrutura administrativa pode ser de vital importância para a formação da agenda.

Segundo KINGDON, no Fluxo da Politics, o que mais influencia a formação e a alteração da agenda governamental são as mudanças do clima ou humor nacional (“national mood”) e as mudanças internas ao governo (turnover).

O autor traz outro conceito, ao qual dá o nome de “policy windows” – algo como “janelas de oportunidade de políticas públicas”: são circunstâncias que possibilitam a convergência dos Fluxos. Essas janelas de oportunidade são influenciadas principalmente pelo Fluxo dos Problemas e pelo Fluxo da Política (politics).

As janelas de oportunidade derivam de vários fatores: alterações sazonais, como a mudança de governo devido a eleições, levando à reavaliação de programas e à eventual inclusão ou exclusão de ações; mudanças de lideranças no Congresso; substituição de chefes de órgãos e empresas públicas; processos cíclicos, como a elaboração do Plano Plurianual (PPA) e do orçamento; e, ainda, crises, resultados inesperados em processos rotineiros, entre outros.

As alternativas disponíveis (no Fluxo das Politicas Públicas ou das Alternativas) encontram o seu espaço quando se abre uma janela de oportunidade a partir de uma conjunção adequada do Fluxo dos Problemas com o Fluxo da Política.

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58 Esse conceito se aproxima bastante do conceito de “bias” discutido anteriormente no pensamento de Elmer SCHATTSCHNEIDER e de BACHRACH e BARATZ.

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Com base em HOWLETT e RAMESH (1995, p. 137), Leonardo REIS (2010, não paginado) chama a atenção para a diferença entre a denominada “janela da matéria”, que “se abre porque um novo problema capta a atenção dos funcionários do governo e daqueles que estão próximos a eles”; e a “janela política”, que “se abre por conta de mudança do fluxo político”, destacando-se aí as mudanças de governo, particularmente quando implicam novas ideologias ou mudanças na correlação de forças no Congresso, etc.

Na abordagem de KINGDON, as janelas de oportunidade política não permanecem abertas por muito tempo: são efêmeras, transitórias. A oportunidade de mudança da agenda se perde quando um dos Fluxos se separa dos demais.

Se as policy windows são tão importantes, contudo tão transitórias, como saber quando vão ocorrer? O tema recebeu uma importante contribuição de HOWLETT (1998), que discutiu a previsibilidade das policy windows. Para esse autor, há janelas que são bastante previsíveis, já que se devem a eventos regulares e permanentes, de contornos bem delimitados, como resultado de sua conformação ao ambiente institucional. Porém, há também janelas que se abrem devido a situações passageiras, em momentos especiais, que exigem um rápido equacionamento entre as soluções, o problema e o apoio político.

O autor utilizou-se do cruzamento de duas variáveis – o grau de institucionalização e a frequência relativa de ocorrência de cada janela – para identificar as seguintes possibilidades de variação ao longo de um continuum que vai da maior previsibilidade à maior incerteza:

a) Janelas de Rotina: são as mais previsíveis do sistema político, visto que apresentam elevado grau de institucionalização e ocorrem muito frequentemente;

b) Janelas Discricionárias: são um pouco menos previsíveis – dependem muito do comportamento dos atores políticos, ocorrem com pouca frequência e não estão associadas a rotinas institucionais, o que faz com que apresentem baixo grau de institucionalização;

c) Janelas de Transbordamento: são muito menos previsíveis, dado que exibem elevada complexidade, ocorrendo quando vários problemas e diversas alternativas se combinam e são lançados para outra janela que se encontra aberta. Apresentam elevado grau de institucionalização, mas são pouco frequentes;

d) Janelas de Acaso: são as mais imprevisíveis, porque são abertas por eventos aleatórios e/ou por crises no Fluxo da Política (politics). Exibem baixo grau de institucionalização e são pouco frequentes.

No Modelo dos Múltiplos Fluxos, o processo de conjunção dos três Fluxos acima descritos se chama “coupling” (“acoplamento”), e acontece quando as janelas de oportunidade estão abertas. Quando isso ocorre, há uma inclusão de questões na agenda ou uma mudança da agenda.

Há um elemento crucial para que as janelas de oportunidade sejam aproveitadas com o objetivo de influenciar a agenda: os “empreendedores de políticas públicas” (“policy entrepreneurs”).

Se os policy entrepreneurs não estiverem presentes e atuantes no momento oportuno, os momentos políticos favoráveis à inserção de um problema na agenda passam, o problema e as propostas de solução não se encontram, a eventual mobilização em torno da agenda se dilui e o foco do interesse dos tomadores de decisão se desloca para outras direções.

Já mencionados anteriormente (ver capítulo 2), esses atores atuam no “amaciamento” das propostas: divulgam estudos, apresentam indicadores, mobilizam a

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mídia e defendem suas propostas diante dos atores visíveis que decidem a agenda. É da sua ação que procede a ligação entre as propostas de solução e os problemas políticos; entre os eventos e os problemas políticos, e/ou entre as propostas e os momentos políticos (politics). Ou seja: os empreendedores de políticas públicas influenciam na convergência dos Fluxos e no aproveitamento das janelas de oportunidades.

Trata-se, tipicamente, de grandes conhecedores da área temática na qual se situa o problema ou questão, ou seja: são especialistas no assunto. Caracterizam-se como hábeis negociadores, com grande capacidade de persuasão e relevantes conexões políticas. Podem ser membros do governo, do Congresso ou podem ocupar posições relevantes em grupos de interesse, na comunidade acadêmica ou na mídia. Podem ser atores visíveis ou invisíveis.

A distinção entre atores visíveis e invisíveis é outro componente central no Modelo de Múltiplos Fluxos. Os atores visíveis, conforme KINGDON, influenciam mais a agenda governamental. São eles o presidente, os ministros, os secretários, as lideranças políticas do Congresso, enfim, todos aqueles que se destacam por suas posições no sistema de poder e que têm visibilidade na mídia59. Entre eles, o presidente da República é o ator mais influente na definição da agenda governamental, embora ele não consiga controlar quais propostas serão apresentadas à tomada de decisão.

De forma distinta, os participantes invisíveis – que são os membros das comunidades políticas – influenciam mais na definição das alternativas, ou seja, na agenda de decisão. Esse conjunto reúne diversos segmentos60, com atuação em diferentes momentos e instâncias do processo de produção das políticas públicas.

Há um grupo de especialistas, que congrega profissionais do meio acadêmico, cuja atuação é mais intensa na formulação das alternativas de solução. Enquanto membros da comunidade acadêmica, eles atuam como consultores, opinam em comissões parlamentares do Congresso e em grupos de trabalho no governo e, assim, apresentam e disseminam suas propostas.

Existe também um grupo de “assessores especiais”, tanto no ambiente parlamentar

como na cúpula do Executivo, que atuam intensamente na formulação das alternativas.

Outro segmento dos participantes invisíveis são os analistas e especialistas de movimentos sociais, sindicatos, associações e grupos de interesse em geral, que comumente desenvolvem pesquisas, interpretam dados e constroem propostas de solução, ficando à espera de oportunidades para defendê-las.

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59 KINGDON não considera a mídia um ator decisivo para a formação da agenda decisória. Para o pensador, a mídia transmite ao público as questões depois que a agenda já se formou e pode enfatizar alguns pontos da agenda já estabelecida, não afetando diretamente a sua formulação. A mídia opera como um agente focalizador que pode facilitar a circulação de ideias dentro das comunidades políticas.

60 A análise separada por grupos possui somente a finalidade de favorecer a compreensão do argumento do autor, pois, na prática, os membros de cada um dos segmentos interagem durante todo o processo de formação da agenda decisória. Além disso, a realidade se apresenta muito mais complexa: há “assessores especiais” que também são membros do meio acadêmico; especialistas ligados aos movimentos sociais; entidades associativas e grupos de interesse que ocupam cargos no governo ou nas assessorias parlamentares, ou atuam como consultores; servidores cuja trajetória profissional se iniciou no meio acadêmico ou nos partidos políticos, etc.

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Finalmente, há os servidores públicos61, que operam principalmente na proposição de soluções e na implementação das políticas já existentes. Todavia, muitos servidores também desenvolvem suas propostas sobre o que seria uma “boa política” em sua área de atuação e, quando surge a oportunidade, procuram defender essas alternativas.

A posição de KINGDON quanto ao papel dos servidores públicos é questionada por outros autores. Para Joan SUBIRATS (2006), por exemplo, a burocracia (ator invisível) age mais intensamente na formação da agenda política, ao recolher e processar as informações provenientes das clientelas com quem se relaciona e ao analisar os dados, de maneira a influenciar no reconhecimento de problemas políticos.

A figura a seguir ilustra como se dá a dinâmica entre os fluxos para a formação da agenda política no Modelo de KINGDON.

O Modelo de KINGDON

Fonte: CAPELLA, 2007, p. 98.

Em resumo, como bem indicam Celina SOUZA (2006) e Ana C. CAPELLA (2007), o Modelo dos Múltiplos Fluxos oferece uma interpretação contingencial (não determinista) do processo de formação da agenda governamental, proporcionando uma alternativa às abordagens baseadas no cálculo racional. A sua estrutura fluida deriva do Modelo Garbage Can (ver seção 8.4), no entanto, não aprofunda a reflexão sobre as organizações.

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61 KINGDON entende que a formulação parte dos níveis hierárquicos mais elevados das organizações governamentais, e vai descendo gradualmente até a base, portanto, envolve servidores em diversos níveis governamentais.

PROBLEM STREAM(Fluxo dos Problemas)

IndicadoresCrises

Eventos focalizadoresFeedback de ações

POLICY STREAM(Fluxo das Soluções)

Viabilidade técnicaAceitação pela comunidade

Custos toleráveis

POLITICAL STREAM(Fluxo da Política)

“Humor nacional”Forças políticas

organizadasMudanças no governo

OPORTUNIDADE DE MUDANÇA(Windows)

Convergência dos fluxos (coupling) pelos empreendedores (policy entrepreneurs)

AGENDA-SETTING

Acesso de uma questão à agenda

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8.3.3 O Modelo do Equilíbrio Pontuado

A terceira Teoria a respeito da formação da agenda em políticas públicas é a do Equilíbrio Pontuado, da autoria de BAUMGARTNER e JONES (1993). Esse Modelo inspira-se fortemente na Teoria dos Sistemas e na Biologia, da qual toma emprestada a concepção de que o processo evolutivo se dá por saltos.

O Modelo do Equilíbrio Pontuado origina-se da indagação sobre as causas da continuidade e da mudança das políticas públicas. Ou seja: por que os processos políticos exibem longos períodos de estabilidade e, de repente, passam por alterações de grandes proporções, às quais se segue, novamente, a estabilidade? E por que a agenda de políticas públicas e as próprias políticas públicas ora mudam radicalmente, ora exibem apenas alterações incrementais?

O Modelo tem como pressuposto a noção de “Racionalidade Limitada” (ver capítulo 8.6): os indivíduos, em geral, processam as questões uma a uma, porque têm uma capacidade limitada de absorver e analisar informações e inputs em geral62 . De forma análoga, a lógica que preside a organização dos governos tem como pressuposto a ideia de que é impossível aos atores assimilarem e processarem todo o conhecimento relativo às diferentes dimensões setoriais da vida política.

Por isso, os governos operam em dois diferentes níveis: os subsistemas e o macrossistema. Essa concepção emana da computação, na qual a ideia básica da maioria dos programas paralelos consiste em dividir um problema em vários problemas menores ou subproblemas, que são distribuídos entre os vários processadores disponíveis e executados simultaneamente (paralelamente). Ao final do processamento, cada subproblema prevê um resultado, que é combinado com os demais resultados obtidos, gerando a solução do problema tratado inicialmente. Diferentemente, na forma serial, uma única instrução é executada após a outra em um dado instante do tempo.

Os subsistemas cuidam das questões paralelamente, operando mudanças a partir das experiências de implementação e de avaliação de políticas públicas. Já no macrossistema – que é o núcleo do governo –, as lideranças tratam das questões mais significativas e complexas de maneira serial, uma de cada vez.

Os subsistemas configuram áreas específicas de políticas públicas, como saúde, educação, transportes, meio ambiente, etc., e são operados por agentes governamentais dotados de autoridade naquele campo específico. Similarmente às “comunidades de políticas públicas” (policy community), os subsistemas são estruturas institucionais que agrupam conjuntos de especialistas, entre os quais circulam concepções e propostas diversas e se desenvolvem vários interesses.

Quando um subsistema é dominado por um único interesse, forma-se um “policy monopoly” (“monopólio de politica pública”), o qual agrega os que compartilham um dado entendimento e defendem certas propostas naquela área, controla o acesso ao processo decisório e associa uma ideia à instituição e aos valores políticos da policy community. O monopólio de política pública é caracterizado pelo insulamento de um determinado tema ou problema no interior de comunidades de especialistas, grupos de poder ou subsistemas políticos.

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62 SIMON (1976) afirma que os indivíduos “pretendem” ser racionais (“intended rationality”), porém, sofrem restrições relativas à sua “capacidade cognitiva e informacional”.

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O estabelecimento de um policy monopoly é um processo muito politizado, uma vez que interessa a todos os grupos e empreendedores de políticas públicas conquistar para si o monopólio da concepção de uma política e do arranjo institucional que reforça esse entendimento. O estabelecimento e a manutenção de um monopólio de políticas estão muito fortemente associados à criação e à sustentação de uma “imagem de política pública” ou “policy image”: se uma imagem é amplamente aceita, um monopólio tende a se manter; se não, ele pode se desfazer, cedendo lugar a outro monopólio (BAUMGARTNER; JONES,1993 apud CAPELLA, 2007).

As policy images desempenham um papel substantivo no Modelo do Equilíbrio Pontuado, pois definem como os problemas políticos ou as alternativas de uma política pública são compreendidos, discutidos e apresentados, sendo a sua configuração permeada por valores. Exemplos de policy images são as ideias de que “a pobreza é um problema da sociedade como um todo e não somente dos pobres”, e de que “é a obrigação do Estado adotar medidas de combate à pobreza e às suas consequências”.

As imagens de uma política pública propiciam a comunicação simples, fácil e rápida

sobre o modo de encarar um problema ou uma alternativa entre os membros de uma comunidade de políticas públicas, favorecem a sua disseminação e sustentam os arranjos institucionais para a decisão e a implementação da política pública. Essas imagens podem atrair ou afastar participantes e podem promover determinadas questões e descartar outras.

As policy images surgem e desenvolvem-se nas comunidades de políticas públicas, com base na informação (componente racional) e no apelo emocional (componente ideológico). Os autores do Modelo do Equilíbrio Pontuado acreditam que mudanças rápidas no apelo emocional (“tone”) contido em uma policy image podem ser fundamentais para a mobilização em torno de um problema político ou de uma proposta de solução.

A forma como se apresenta uma policy image constitui uma variável decisiva para a transformação de quaisquer situações em problemas políticos. Porém, a focalização de um problema não garante que seja adotada uma determinada alternativa de solução – problemas e soluções são independentes.

O processo político envolve duras disputas pela instauração de um consenso em torno de uma policy image. Esse consenso requer a atuação de empreendedores de políticas públicas, que irão usar da argumentação para construir a conexão entre um problema e uma das alternativas de solução, e chamar a atenção dos governantes, que agem no macrossistema.

A policy image – decisiva para a definição dos problemas políticos, para a seleção das alternativas de solução e para a inserção do tema na agenda – desenvolve-se em um contexto institucional dotado de autoridade decisória. Esses espaços institucionais são centros decisórios denominados “policy vennue”. Os problemas e suas alternativas de solução podem se situar no âmbito da competência de uma ou de várias instituições. Por exemplo: no caso do Programa Bolsa Família, a Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) possui diversas competências relativas ao cadastro de programas sociais em nível federal; a Caixa Econômica Federal possui competências referentes à gestão dos dados desse cadastro e do processamento financeiro dos recursos a serem transferidos.

Os formuladores de políticas públicas procuram, simultaneamente, fazer com que prevaleça o seu entendimento sobre os problemas políticos e influenciar as instituições que têm poder de decidir sobre eles (policy vennues). Assim, existe intensa associação entre a criação de policy images e a busca dos locais institucionais favoráveis à difusão dos problemas políticos e de suas alternativas (chamados de “vennue shopping”).

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O Modelo do Equilíbrio Pontuado sustenta que as comunidades de políticas dos subsistemas, que formam e compartilham as policy images e que constituem os monopólios de políticas, desencorajam as mudanças por intermédio de reações negativas, transmitidas mediante feedback. Por esse motivo, os subsistemas são caracterizados pelo equilíbrio e estabilidade, sendo as mudanças poucas, lentas e incrementais.

Por outro lado, os macrossistemas políticos – que compreendem os níveis estratégicos do governo, nos quais se localizam as lideranças políticas – apresentam mudanças rápidas e intensas, porque eles são capazes de admitir imagens diferenciadas de política pública e de obter reações positivas a mudanças repentinas. A macropolítica é, então, o lócus da política (politics) de mudanças de larga escala, as quais acontecem quando um problema político rompe os limites de seu subsistema policy monopoly ali estabelecido, e alcança o macrossistema.

BAUMGARTNER e JONES (1993, p. 102 apud CAPELLA, 2007) salientam que nesse Modelo, o subsistema é marcado pela estabilidade e mudanças incrementais, ao passo que “A macropolítica é a política da pontuação – a política de mudanças em larga escala, das imagens que competem, da manipulação política e da reação positiva”.

Na medida em que um problema político atinge o macrossistema e desencadeia a mudança da agenda, o subsistema também é afetado. Portanto, a mudança ocorre primeiro no macrossistema para depois atingir o subsistema. As atenções das lideranças e do público em geral introduzirão novas alternativas, ideias e atores naquele subsistema, que irão afetar o policy monopoly e alterar as policy images, produzindo a mudança da agenda e das próprias políticas públicas.

Uma vez estabelecidas, as mudanças nas políticas públicas e nas instituições do subsistema se estabilizam e tendem a permanecer no tempo, criando legados políticos e uma nova situação de estabilidade. Daí deriva o nome “equilíbrio pontuado” ou “interrompido”.

As abordagens dos Múltiplos Fluxos e do Equilíbrio Pontuado possuem vários aspectos em comum, como mostra o quadro abaixo:

Agenda-Setting. Os Modelos de KINGDON e BAUMGARTNER & JONES KINGDON

MULTIPLE STREAMS MODELBAUMGARTNER & JONES

PUNCTUATED EQUILIBRIUM MODEL

Dinâmica Político-Institucional

O contexto político cria o “solo fértil” para problemas e soluções.

“Clima Nacional”, forças políticas organizadas e mudanças no governo

são fatores que afetam a agenda.Ideias, e não apenas poder,

influência, pressão e estratégia são fundamentais no jogo político.

O contexto político e institucional exerce influência sobre a definição de problemas e

soluções.Imagens sustentam arranjos

institucionais (policy vennues), incentivando ou restringindo a

mudança na agenda.Disputa em torno da policy image

é fundamental na luta política.

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Atores O presidente exerce influência decisiva sobre a agenda. Alta burocracia e Legislativo também afetam a agenda.Grupos de interesse atuam mais no sentido de bloquear questões do que de levá-las à agenda. A mídia retrata questões já presentes na agenda, não influenciando sua formação.

O presidente exerce influência decisiva sobre a agenda.Grupos de interesse desempenham papel importante na definição das questões.A mídia direciona a atenção dos indivíduos, sendo fundamental à formação da agenda.

Mudança na Agenda Oportunidades de mudança (windows) possibilitam ao empreendedor (policy entrepreneur) efetuar a convergência de problemas, soluções e dinâmica política (coupling), mudando a agenda.

Momentos críticos, em que uma questão chega ao macrossistema, favorecem rápidas mudanças (punctuations) em subsistemas anteriormente estáveis. Policy entrepreneurs, imagens compartilhadas (policy images) e a questão institucional são fundamentais nesse processo.

Problemas Não há vínculo causal entre problemas e soluções.Questões não se transformam em problemas automaticamente: problemas são construções que envolvem interpretação sobre a dinâmica social.Definição de problemas é fundamental para atrair a atenção dos formuladores de políticas. Problemas são representados por meio de indicadores, eventos, crises e símbolos que relacionam questões a problemas.

Não há vínculo causal entre problemas e soluções.Questões não se transformam em problemas automaticamente: problemas são construídos (policy images) e difundidos.Definição de problemas é essencial para mobilizar a atenção em torno de uma questão.Problemas são representados por meio de componentes empíricos e valorativos (tone): números, estatísticas, argumentação, histórias causais.

Soluções Não são desenvolvidas necessariamente para resolver um problema. Geradas nas comunidades (policy communities), difundem-se e espalham-se (bandwagon) no processo de amaciamento (soften up).Soluções tecnicamente viáveis, que representam valores compartilhados, contam com consentimento público, e a receptividade dos formuladores de políticas com maiores chances de chegar à agenda.

Não são desenvolvidas necessariamente para resolver um problema.Geradas nos subsistemas, difundem-se e espalham-se (bandwagon) rapidamente.Soluções que têm imagens fortemente vinculadas a uma instituição e representam valores políticos (policy images) têm maiores chances de chegar ao macrossistema.

Fonte: CAPELLA, 2007, p. 119-120.

8.4 O Modelo Garbage Can – Lata de Lixo

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Tanto o Modelo dos Múltiplos Fluxos – com suas “janelas de oportunidade” – quanto o Modelo do Equilíbrio Pontuado – com sua ênfase na Racionalidade Limitada – são herdeiros de uma tradição de análise iniciada cerca de vinte anos antes, quando Michael D. COHEN, James G. MARCH e Johan P. OLSEN (1972), ao analisar o comportamento das organizações no processo político, propuseram o “Modelo da Lata de Lixo” ou “Garbage Can Model” (GCM).

Essa Abordagem parte da constatação de que as organizações são anarquias organizadas, caracterizadas por preferências problemáticas (ambíguas), tecnologias não claras e participação fluida no processo decisório (COHEN; MARCH; OLSEN, 1972). Ou seja, como operam em ambientes de incerteza, os comportamentos decisórios nas organizações envolvidas nas políticas públicas parecem irracionais, descabidos ou sem sentido.

Os autores sustentam que esses comportamentos parecem “ambíguos”, por não se conformarem à hipótese racionalista segundo a qual os indivíduos e as organizações identificam os problemas a serem resolvidos, estabelecem objetivos a atingir e constroem soluções para os problemas, consoante uma ótica de adequação dos meios aos fins.

Ao refletir sobre esse Modelo, Humberto F. MARTINS (2003) o utiliza para exemplificar o que denomina “perspectiva da seleção temporal aleatória”, que enfatiza o tempo e o acaso. Sob tal ótica, todo o processo de produção de políticas públicas (não somente a formulação, mas também a implementação) manifesta-se como uma conjugação instável de fatores no decorrer do tempo, um fluxo de transformação sobre o qual não se tem a expectativa de controle.

MARTINS (2003) assinala que o Modelo da Lata de Lixo propõe que os problemas, as soluções, os decisores e as oportunidades de escolha são independentes, correntes exógenas que fluem pelo sistema decisório. Na ausência de restrições estruturais, eles se unem por simultaneidade.

Em seus estudos, COHEN, MARCH e OLSEN observaram que as organizações, ao longo de sua história, tendem a produzir muitas propostas ou alternativas para solucionar os problemas que enfrentam. Por quaisquer motivos – como o problema perder relevância, a preferência por outras soluções para resolver determinado problema, a insuficiência de informação para decidir por um curso de ação, etc. – várias dessas propostas ou alternativas de solução acabam sendo descartadas. E aí? O que acontece com essas propostas? Elas não são “extintas”, antes, ficam no “lixo”, como uma espécie de memória ou um “arquivo morto” da organização.

Tempos depois, em algum momento, podem surgir novos problemas cujas soluções podem ser encontradas naquela “lata de lixo” organizacional. O lixo é onde já estão disponíveis as alternativas de solução para um problema – sem que houvesse uma intencionalidade nesse sentido. Isso quer dizer que os problemas e suas possibilidades de solução são componentes desvinculados, separados e, principalmente, que não são os problemas que geram propostas de solução, mas sim as soluções já existentes na “lata de lixo” das organizações que se impõem aos problemas, quando eles aparecem.

Desse modo, para COHEN, MARCH e OLSEN, o processo de tomada de decisões não segue um curso racionalmente ordenado, indo da definição do problema em busca da sua solução. Ao contrário: as decisões é que resultam de vários fluxos de eventos independentes dentro da organização. As soluções são independentes dos problemas, elas “procuram” por problemas, caindo nas mãos dos tomadores de decisão quando um

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problema sucede63. Nesse contexto, preferências podem ser expressas, embora não possam ser seguidas, uma vez que são inconsistentes e imprecisas e se alteram em função das escolhas feitas pelos atores.

Muitas vezes as pessoas ficam perplexas diante dessa concepção, que parece

demasiado teórica e inusitada. Mas não é assim: um exemplo do garbage can em uma política pública brasileira encontra-se no Programa Nacional do Álcool – Proálcool – criado pelo regime militar em resposta à crise do petróleo na década de 1970. Várias organizações estavam envolvidas e, não obstante tivessem sido consideradas várias soluções para a oferta de uma fonte de energia renovável – óleo de mamona, álcool de mandioca, etc. –, acabou sendo adotada uma solução que já havia sido utilizada no governo Getúlio Vargas e depois descartada, que se encontrava na lata de lixo do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA): a mistura carburante64 de álcool de cana-de-açúcar. Contudo, de forma muito pouco “racional”, foi a Petrobrás que assumiu o controle da comercialização do álcool carburante65.

Segundo MARTINS (2003, p. 41-42),

“O advento do GCM está intimamente relacionado ao tratamento que March e Olsen (1989) dão ao processo decisório; põe em relevo elementos não considerados pela abordagem racional, tais como: limitações da racionalidade, conflito, ambiguidade de preferência nas organizações, substituição da ordem consequencial pela ordem temporal e rumo não-aleatório das decisões (uma vez que ocorrem em contextos de crenças, normas e papéis que produzem vieses sistemáticos). Trata-se de uma abordagem que considera que as decisões estão sujeitas a influências de dimensões não-formais das organizações (regras tácitas, valores, crenças, papéis institucionalizados, preferências e objetivos pessoais etc.), que se constituem uma restrição à racionalidade (à escolha de alternativas possíveis, sobre e para as quais há informação disponível, baseada em critérios de eficiência, cálculo e consequência)”.

Alguns fluxos de eventos ocorrem na trajetória desordenada da tomada de decisões nas organizações. O Modelo da Lata de Lixo identifica quatro deles: Fluxo dos Problemas, Fluxo das Soluções, Fluxo das Oportunidades de Decisão e Fluxo dos Participantes das Organizações.

O Fluxo dos Problemas revela que não é qualquer problema que tem capacidade de desencadear o processo decisório, mas somente os problemas mais graves. É comum que os indivíduos, nas organizações, passem próximo à “lata de lixo” e procurem ali uma solução adequada ao problema que estão enfrentando.

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63 Ainda que não referido às políticas públicas, uma forma de exemplificar essa hipótese encontra-se na criação do papel adesivo “post-it”. Em 1968, o cientista Spencer Silver desenvolveu um adesivo de baixa aderência e que não deixava marcas. Ele divulgou seu produto, mas não teve sucesso, pois não sabia como usá-lo. Vários anos depois, um amigo de Spencer, que cantava no coral da igreja, ficou frustrado, porque suas fichas caiam com frequência. Foi aí que surgiu a idéia de grudar as fichas com a cola que Silver havia inventado. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/inventor-conta-historia-por-tras-do-lendario-post-it>. Acesso em: 1 mai. 2013.

64 Na década de 1920, em decorrência da queda do preço do açúcar no mercado externo, surgiu a primeira experiência brasileira com etanol combustível. Em 1933, o governo de Getúlio Vargas criou o Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA – e, pela Lei nº 737, tornou obrigatória a mistura de etanol na gasolina.

65 Anos mais tarde, após a estagnação do Proálcool, mais uma vez, uma solução “descartada” se encontra com um novo problema, ainda que em outro contexto: a crescente pressão do estado americano da Califórnia por carros menos poluentes levou as montadoras dos EUA a aderir ao motor a álcool. Todavia, devido ao problema de suprimento de álcool carburante para a imensa frota, as montadoras não poderiam simplesmente passar a vender modelos movidos a álcool, pois os consumidores não teriam como abastecê-los. Então, na década de 1990, surgiram os primeiros carros “flex”, com motores bi-combustíveis, aptos para rodar tanto com álcool quanto com gasolina, e com a mistura em qualquer proporção desses combustíveis.

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O Fluxo das Soluções indica que as soluções têm “vida própria”, ou seja: não dependem dos problemas que podem vir a resolver. As soluções são “respostas à procura de um problema”, e não problemas em busca de soluções. Os autores do Modelo defendem que, nas organizações, os indivíduos têm memória das soluções usadas como rotinas no passado e têm opiniões, no presente, sobre como essas rotinas poderiam ser adotadas.

O Fluxo das Oportunidades de Decisão preceitua que, em certos momentos, existem expectativas – no governo e na sociedade – de que as organizações apresentem soluções aos problemas. Nas organizações, por seu turno, há indivíduos que necessitam dessas oportunidades de decisão, por motivos alheios aos próprios problemas. Dessa maneira, eles possuem interesse na decisão por ela representar uma oportunidade de conquistar espaços, de mostrar suas habilidades ou de negociar apoios, etc.

O Fluxo dos Participantes nas Organizações evidencia que os indivíduos transitam entre diversas organizações, carregando consigo conhecimentos e informações sobre variados problemas e soluções e, na medida em que envolvidos no contexto de um problema, eles compartilham as ideias e as adaptam, quando necessário.

8.5 O Modelo das Coalizões de Defesa

Conforme mencionado no capítulo sobre o Ciclo das Políticas Públicas, Paul A. SABATIER e Hank C. JENKINS-SMITH (1993) discordaram tanto da concepção do policy cycle, como do Modelo da Lata de Lixo, por entenderem que nenhuma das duas abordagens proporciona uma explicação plausível para a estabilidade e a mudança das políticas públicas. Os autores propuseram o Modelo das Coalizões de Defesa ou “Advocacy Coalition Framework” (ACF) que foi ligeiramente mencionada no capítulo sobre as relações de poder entre os atores políticos.

O Modelo das Coalizões de Defesa inicia-se com a discussão de uma dificuldade teórica das Ciências Sociais: uma vez que somente indivíduos são capazes de formular intenções, se as organizações são coletividades – e o são – como é possível afirmar que elas possuem objetivos e interesses próprios?

A resposta dada a esse impasse por SABATIER e JENKINS-SMITH é: no interior das organizações há indivíduos que possuem crenças, ideias, valores e interesses e eles se agrupam, formando coalizões a partir dessas crenças, dessas ideais e desses valores afins.

As políticas públicas são vistas como sistemas de crenças, pois incorporam teorias sobre os meios adequados e legítimos para alcançar objetivos, concernentes a valores, prioridades, etc. Evidentemente, presumem também a existência de interesses (materiais e ideais) que se agrupam, graças aos pontos comuns. A partir daí, vai se estabelecendo uma teia de concepções, que passa a orientar o funcionamento da organização e, por conseguinte, define os objetivos organizacionais.

Portanto, as organizações possuem interesses e objetivos, porque os indivíduos formam coalizões para lutar por seus interesses e objetivos comuns, os quais vêm a se tornar objetivos organizacionais. Isso não decorre de um processo despolitizado. Ao contrário: consoante o Modelo das Coalizões de Defesa, existem várias coalizões interessadas em uma ou mais questões de políticas públicas e elas competem para influenciar a formulação de uma política pública específica. Cada coalizão dispõe de certos recursos de poder que procura manipular – como as regras, os orçamentos e o quadro de funcionário das organizações governamentais – com a finalidade de defender e alcançar seus objetivos.

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De acordo com Luciano BUENO (2008, p. 20), “nesse modelo, as políticas públicas são vistas como conjuntos de vários subsistemas (áreas) estáveis e vinculados a acontecimentos externos a eles”. Os subsistemas possuem natureza ampla, de modo a incorporar vários níveis governamentais ativos na formulação e na implementação da política pública. Eles são compostos por grupos variados de atores públicos e privados 66 que estão ativamente envolvidos com um problema específico ou que atuam em uma área setorial ou subsetorial de política pública. Um exemplo: no subsistema da política de transporte, os engenheiros envolvidos com a construção de estradas podem compor uma coalizão relativa à área de utilização e manutenção das vias de trânsito terrestre, defendendo o transporte rodoviário. Na mesma área de infraestrutura de transportes, pode existir uma coalizão que defenda o transporte ferroviário ou naval. Todos estão vinculados aos eventos que afetam, no mínimo, o Ministério dos Transportes.

Abaixo, apresenta-se um quadro explicativo acerca de como se estrutura a dinâmica das Coalizões de Defesa nos subsistemas.

Fonte: SABATIER e JENKINS-SMITH, 1993, p. 224.

BUENO (2008) acentua que, dentro do subsistema operam as Coalizões de Defesa, que adotam estratégias específicas ou para manter o status quo ou para estabelecer inovações institucionais conforme seus interesses e objetivos. Para tanto, as Coalizões de Defesa podem buscar alianças em outros subsistemas, potencializando seus recursos de poder e aumentando suas chances de tornarem as suas propostas vitoriosas nas políticas

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66 Órgãos governamentais de diversos níveis, empresas, ONGs, pesquisadores, jornalistas, políticos eleitos, membros da burocracia, etc., inclusive vários triângulos de ferro.

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públicas. São exemplos de Coalizões de Defesa em torno da política pública ambiental: os que defendem a preservação da natureza incondicionalmente e os que lutam pela sustentabilidade no uso dos recursos naturais.

Os exemplos supracitados enfatizam um ponto importante: um subsistema de política pública ordinariamente abriga mais de uma Coalizão de Defesa. Assim, no subsistema de uma mesma política pública, há tanto coalizões minoritárias – que tendem a ser mais coesas e a permanecer por mais tempo lutando por seus objetivos – quanto coalizões majoritárias – que ocupam a posição de status quo e tendem a perder coesão ao longo do tempo67. A disputa política tem lugar entre diferentes coalizões, que se relacionam e competem pelo direcionamento da política pública (policy), isto é, para influenciar as decisões das autoridades governamentais quanto às regras institucionais e à alocação de recursos no subsistema. É a dinâmica das interações das coalizões no âmbito dos subsistemas de política pública que produz os “policy outputs”.

A resolução de conflitos entre as coalizões não é simples, pois os atores de cada coalizão veem o mundo de acordo com “lentes” distintas. No subsistema existem mediadores, ou “policy brokers”, que atuam procurando negociar acordos razoáveis entre as coalizões, a fim de reduzir a intensidade do conflito entre elas. Como o conhecimento e a informação representam recursos estratégicos essenciais, as instituições de pesquisa também podem atuar como moderadores dos conflitos.

O Modelo ACF realça as ideias, a informação e a análise como fatores capazes de provocar mudanças no processo político como um todo e em todas as fases das políticas públicas, não somente na formação da agenda. Embora os atores no Modelo se comportem racionalmente, os seus objetivos são estabelecidos por intermédio de processos complexos e o processamento das informações é afetado pelos vieses cognitivos, pelos valores e pelas crenças.

As Abordagens teóricas dos Múltiplos Fluxos, do Equilíbrio Pontuado, do Garbage Can e das Coalizões de Defesa possuem em comum a ênfase na dinâmica do sistema político e nas suas instituições como fator explicativo das políticas públicas. Todas elas descartam as explicações baseadas na escolha racional, já que, nesses Modelos, o nível explicativo está acima das microdecisões agregadas dos atores individuais, que são próprias da Teoria da Escolha Racional.

8.6 As Polêmicas Sobre o Processo Decisório nas Políticas Públicas

Como visto anteriormente, existem sérias divergências a respeito da concepção de policy cycle, sendo que a principal delas expressa o questionamento sobre qual o fator que faria com que o processo operasse racionalmente, indo de uma fase à outra, de modo sequenciado e consistente. Atualmente, predomina na análise de políticas públicas o entendimento que o policy cycle tem valor heurístico e deve ser encarado estritamente como um recurso analítico. Há outro ponto, de central relevância, que não se encontra tão pacificado: o papel da racionalidade nesse processo.

Há pouco foi apresentado o Modelo Garbage Can, que rejeita a concepção do policy cycle. Mais importante, esse Modelo também desafia vigorosamente a suposição de que os processos de decisão obedecem a uma lógica linear, de acordo com a qual primeiramente identificam-se os problemas (situação real a requerer mudanças), depois se estabelecem

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67 Vale advertir que a ideia de “coalizão” não deve levar ao equívoco de imaginá-las como corpos monolíticos e perfeitamente ajustados. Isso não é verdadeiro: no interior de uma única coalizão posições mais e menos radicais coexistem.

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objetivos (situação desejada), em seguida, seleciona-se o meio mais adequado para concretizar a situação desejada. Sob essa perspectiva, o processo decisório se afigura muito complexo e desordenado, quase caótico.

A Abordagem dos Múltiplos Fluxos assume, em grande parte, a concepção de que as decisões resultam de fluxos de eventos que se combinam não por ação intencional e escolha racional, mas por suas próprias dinâmicas independentes. KINGDON (2006) se refere a um momento descrito como “quando chega a hora de uma ideia”, com isso dizendo que os eventos têm sua própria lógica e dinâmica, nas quais as ideias possuem um papel central – o mesmo não sucede com as relações de poder e o cálculo racional.

Outras Teorias, como a do Equilíbrio Pontuado e a das Coalizões de Defesa, enfatizam concepções de relações sistêmicas e subsistêmicas, baseadas em ideias, crenças e valores, preferências fluidas, em lugar de processos ordenados e racionalmente estabelecidos para selecionar o que fazer frente a qualquer situação-problema.

Com efeito, a racionalização é a marca da modernidade, e o racionalismo enseja a matriz do pensamento da sociedade ocidental moderna. Com isso, a crença na racionalidade é tão arraigada em nossas mentes, que constitui o pressuposto de todas as discussões teóricas. A polêmica reside no fato de que nenhum dos cientistas que se ocupam da política (politics) e das políticas públicas (policies) supõe que os indivíduos sejam irracionais. Algumas importantes linhas teóricas sustentam que a racionalidade não somente apresenta limites, como não é o único – e talvez nem mesmo o mais importante – fator explicativo das decisões nas políticas públicas e dos seus resultados.

Quando um problema político se torna prioridade na agenda governamental, como se transcorre o processo que terá como resultante uma política pública? É possível identificar, na literatura de políticas públicas, um extenso debate entre diferentes concepções. Essa discussão tem como ponto de partida o que veio a ser conhecido como o "Modelo RacionalCompreensivo" ou “Racional-Exaustivo”, ao qual se sucedeu a noção descrita como “Racionalidade Limitada”. Às interpretações que enfatizam as dimensões da racionalidade veio a se contrapor o "Modelo Incremental", que não apenas ressalta as limitações da racionalidade, mas chama a atenção para as restrições que o ambiente impõe aos tomadores de decisão. Nas suas diversas variantes, o “Incrementalismo” sofreu várias críticas, entre elas se destacando o que veio a ser conhecido como “Modelo Ótimo-Normativo”. Finalmente, ao procurar avançar em relação às duas primeiras grandes vertentes, elaborou-se o Modelo “Mixed-Scanning” ou “Teoria da Sondagem Mista” ou “Teoria da Exploração Combinada”. Esses Enfoques representam formas teóricas abstratas e sistematizadas de se descrever contextos e comportamentos imaginados para os atores no processo de formulação e de decisão das políticas públicas.

O Modelo Racional-Compreensivo ou Modelo Racional-Exaustivo de formulação das políticas públicas está fundamentado na obra “O Comportamento Administrativo”, publicada em 1947, por Herbert A. SIMON, um dos maiores expoentes da Teoria Racional. Essa Abordagem pressupõe que os indivíduos que operam a formulação das políticas públicas são maximizadores; pretende que os tomadores de decisão sabem, previamente e sem ambiguidades, quais são os valores e os objetivos a serem perseguidos; assevera que o processo se inicia pelo levantamento exaustivo das alternativas para realizar os objetivos; defende que a avaliação de custo-benefício de todas as alternativas seja respaldada por uma busca intensiva e extensiva de informação e conhecimento sobre cada uma delas; e expõe que os tomadores de decisão são capazes de selecionar a alternativa cujas consequências representem a maximização dos valores e dos objetivos da política pública.

Resumidamente, nesse Modelo, os decisores definem claramente quais os valores e os objetivos a serem maximizados. A escolha da alternativa a ser adotada baseia-se em

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uma análise abrangente, informada e detalhada de todas as alternativas e suas implicações, tendo como critério a maximização dos objetivos e valores.

Em sua obra original, SIMON propôs que seria possível realizar grandes mudanças na sociedade, partindo-se de objetivos e de cursos de ação previamente determinados caso os tomadores de decisão se baseassem nos valores que orientam sua seleção. Para o autor, a tomada de decisões teria forte componente informacional e técnico, sendo pouco significativas as interferências das relações de poder e das circunstâncias próprias do mundo da política (politics).

A Vertente Racional-Compreensiva pontua que os indivíduos são “homo economicus” ou “homens econômicos” (aqueles que raciocinam em termos de maximizar o custo-benefício) e decidem fazendo escolhas ótimas (selecionam a alternativa que melhor os levarão a seus objetivos), em um ambiente extremamente detalhado e claramente definido. Esse ambiente apresenta como características os seguintes aspectos:

a) o tomador de decisões dispõe de um conjunto completo de alternativas68;b) a cada alternativa associa-se um conjunto de consequências;c) desde o início, o tomador de decisões consegue ordenar as alternativas em

consonância com suas preferências, tendo em vista as implicações de cada uma delas;d) o tomador de decisões faz a escolha sempre ciente das consequências da

decisão.

A seleção de uma proposta, conforme essa Teoria, engloba uma série de passos que o tomador de decisão deve seguir: o sequenciamento dos processos, com definição e clarificação dos objetivos; a identificação das alternativas e dos meios para atingir seus objetivos; a escolha da opção ótima por meio da explicitação das consequências; e a tomada de decisão, com a avaliação final da busca do objetivo último.

Cabe salientar que as teorias da decisão delineiam três cenários possíveis: decide-se com certeza, decide-se com uma moderada margem de incerteza ou decide-se correndo riscos de não alcançar o objetivo. O Modelo Racional-Compreensivo assume que o tomador de decisões faz sua escolha em ambiente de certeza plena, porque possui conhecimento completo e detalhado do ambiente e dos efeitos da decisão69.

Diante das críticas recebidas, Herbert A. SIMON percebeu as falhas de sua

Abordagem inicial: os tomadores de decisão não têm controle absoluto do contexto em que escolhem, não têm plena autonomia ao escolher, não têm o tempo necessário para fazer todas as avaliações requeridas, têm informação incompleta, entre outros aspectos. Ao refletir mais, SIMON revê seus estudos e articula, anos mais tarde, uma nova teoria, um novo conceito – a chamada “Racionalidade Limitada” (1955). Sem abrir mão da noção básica da racionalidade, o cientista social passou a argumentar que a maioria dos indivíduos “pretende” ser racional, ainda que o comportamento racional enfrente diversas limitações70, sendo a relação entre o indivíduo, as informações e a decisão necessariamente imperfeita.

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68 O Modelo não explica de onde vem esse conjunto de alternativas, é algo “dado” pela realidade.

69 Contudo, ambientes de certeza são dificilmente encontrados na realidade, o mais comum é que os contextos da escolha sejam repletos de zonas cinzentas ou incertos e caóticos.

70 As restrições da racionalidade, que podem ocorrer conjunta ou separadamente, são de quatro tipos: i) Problemas de Atenção: tempo e capacidade de atenção são limitados. Nem tudo pode ser resolvido ao mesmo tempo; ii) Problemas de Memória: as capacidades dos indivíduos para armazenar informações são limitadas; iii) Problemas de Compreensão: os decisores têm dificuldade em organizar, resumir e utilizar informações para formar inferências sobre as conexões causais de eventos e sobre as características dos problemas; e iv) Problemas de Comunicação: capacidade limitada para comunicar e compartilhar informações técnicas e complexas (MARCH, 2008, p. 9).

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Nas decisões políticas, a racionalidade dos indivíduos é restringida pela informação que eles possuem, pelas limitações cognitivas de suas mentes e pelas contingências do tempo para decidir. Portanto, de acordo com o Modelo da Racionalidade Limitada, a alternativa de política pública escolhida não precisa ser aquela que maximiza os valores do tomador de decisões, basta que seja “satisfacing”, isto é: uma proposta suficientemente boa. Então, a análise dos cursos alternativos de ação não carece ser exaustiva.

SIMON (1976, p. 33) relata que “A extensão na qual o processo decisório pode ser racional é limitada ou ‘contida’ pelo fato de os decisores nunca terem acesso a toda a informação de que necessitam sobre suas alternativas ou sobre as consequências de qualquer decisão tomada. Além disso, as pessoas são inerentemente limitadas na sua habilidade de processar grande quantidade de informações de forma puramente racional. O resultado não é um modelo decisório racional, mas de racionalidade limitada”.

Charles E. LINDBLOM (1959), um dos pais-fundadores do estudo das políticas públicas, elencou uma série de objeções à Teoria Racional-Compreensiva:

a) a capacidade humana para processar problemas e informações é limitada: os indivíduos não conseguem explorar todas as soluções possíveis para resolver problemas;

b) a informação quase sempre é incompleta e até incorreta; c) a análise das alternativas impõe custos: estudos aprofundados, reflexões; d) não há um método eficaz para comparar alternativas; e) existem relações entre fatos da realidade e valores na elaboração das políticas

públicas; f) a tomada de decisões ocorre em um sistema aberto de variáveis (as variáveis do

ambiente das decisões mudam o tempo todo); g) o analista precisa efetuar várias sequências de análises; h) os problemas relativos às políticas públicas são tão complexos que fogem à

imediata e plena capacidade de compreensão do indivíduo.

Como proposta alternativa, LINDBLOM apresentou o Modelo Incremental, que, em síntese, percebe o processo decisório como a busca de soluções graduais, sem introduzir grandes modificações nas situações já existentes, e sem provocar rupturas de qualquer natureza. Ou seja, em vez de especificar objetivos e de avaliar quais decisões podem atendê-los, os tomadores de decisão fazem escolhas mediante a comparação de apenas algumas alternativas, que representem alguma mudança frente às politicas já existentes. Assim, a melhor decisão não é aquela que maximiza os valores e os objetivos dos tomadores de decisão, e sim aquela que oferece alguma mudança, dentro do limite do possível num dado momento.

O Enfoque Incremental estabelece que as escolhas são feitas tendo como referência as restrições impostas pelas relações de poder e pelo horizonte histórico no qual atuam os tomadores de decisão (como compromissos governamentais, instituições, imperativos e interdições e avaliações do futuro). Em vez de identificar objetivos e de avaliar quais propostas podem cumprir esses objetivos, os tomadores de decisão examinam, primeiramente, quais são os limites com que terão de lidar. Desde o princípio, o decisor sabe que faz suas escolhas em contextos de muitas restrições (sem todos os seus graus de liberdade e autonomia). Assim, a melhor decisão é aquela que garante o melhor acordo entre os interesses envolvidos, em um determinado momento, podendo ser revista adiante, num processo de ensaio e erro. As decisões tomadas na busca por soluções para os problemas políticos ocorrem, pois, de maneira gradual, tendo o significado de “fez-se o que foi possível”. Elas referem-se à micropolítica e à busca de soluções para os problemas que forem mais imediatos e prementes.

Essa forma de abordar os problemas políticos resulta de duas constatações básicas: primeiro, por mais adequada que seja a fundamentação técnica de uma alternativa, toda

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decisão política abrange relações de poder. Logo, uma solução tecnicamente irretocável pode se revelar politicamente inviável, e vice-versa, o que implica dizer que não existem soluções perfeitas. Segundo, os governos democráticos efetivamente não possuem todos os graus de liberdade na tomada de decisão: têm que honrar contratos firmados por seus antecessores e fazer escolhas dentro do que a lei prescreve.

Ademais, a alocação de recursos é um processo contínuo. Desse modo, as decisões do presente, como regra, são condicionadas e limitadas pelo comprometimento de recursos que ocorreu em algum momento do passado recente, seja pelo governo que está no poder, seja por seu(s) antecessor(es). Esse fato faz com que somente pequenas parcelas de recursos estejam disponíveis para serem aplicados em novas soluções (políticas públicas) e reduz as decisões políticas a medidas “incrementais”. Para a Corrente Incremental, mesmo que no longo prazo decisões de pequeno alcance e pequenas mudanças ocorram sempre no mesmo sentido e cheguem a se acumular e provocar grandes transformações, o processo de tomada de decisão, em si mesmo, circunscreve-se àquilo que é possível num momento preciso do tempo.

As restrições impostas pelo contexto social, econômico e político é que imprimem a característica de gradualidade à tomada de decisões. Essas, tipicamente, dizem respeito a ajustes ou a medidas experimentais de curto alcance no atendimento das demandas e envolvem pequenas tentativas que admitem o ensaio, o erro e a correção dos rumos. O Incrementalismo pode ser uma importante estratégia para a adoção de políticas públicas com alto potencial de conflito, ou políticas que implicam limitação de recursos ou de conhecimentos, de forma a assegurar melhores condições para sua implementação. Por outro lado, a própria implementação da política pública pode ser prejudicada pelo gradualismo incrementalista.

As constatações do Incrementalismo tiveram grande repercussão sobre o debate acerca da democracia. Talvez o axioma mais essencial da democracia seja a possibilidade de alternância entre os governos eleitos, sinalizando que a sociedade expessa suas preferências quanto às políticas públicas. Se a sociedade vota por mudanças e os tomadores de decisão não possuem liberdade para realizar as transformações pactuadas com os eleitores, qual o sentido da democracia contemporânea?

LINDBLOM denomina a Teoria Incremental como “Método das Comparações Limitadas Sucessivas”. O pensador preconiza que se simplifique o processo de escolha; se aproveite o conhecimento acumulado nas experiências anteriores; não seja necessário prever consequências de mudanças abrangentes; a seleção de alternativas seja viável para agências governamentais especializadas em áreas restritas; e se permita acomodar interesses díspares por intermédio de ajustes mútuos.

O conceito de “Ajustamento Mútuo”, na Abordagem de LINDBLOM, designa a possibilidade de os diversos atores abarcados numa política pública cooperarem de maneira autônoma, sem a necessidade de arranjos formais de coordenação, sem um ideal de resultado previamente estabelecido e mesmo sem a influência direcionadora de uma liderança. No ajustamento mútuo, nenhum ator ganha tudo, ao passo que nenhum outro ator perde tudo – os atores reconhecem que cooperar é melhor para todas as partes, naquele momento, do que não cooperar.

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Em análises posteriores, LINDBLOM (2006) identificou a ocorrência de três modalidades de Incrementalismo71, sendo que os níveis inferiores e básicos estão embutidos nos níveis superiores e avançados. São elas:

a) Nível Básico: Análise Incremental Pura – o decisor examina e escolhe entre opções de políticas públicas apenas incrementalmente diferentes daquela já existente. O cerne da política pública vigente não será modificado, apenas sofrerá uma pequenina diferença;

b) Nível Intermediário: Análise Incremental Objetiva (ou Incrementalismo Desarticulado ou Disjunto ou Desconexo) – a avaliação do decisor se inicia pela escolha dos meios para determinada política pública, em função dos quais será elaborado o seu objetivo. Os meios é que demarcam a definição dos objetivos da política pública72. É exatamente a inversão de qualquer Abordagem Racionalista, na qual os objetivos devem ser formulados antes da escolha dos meios.

c) Nível Avançado: Análise Estratégica – a apreciação atém-se a um conjunto de procedimentos para o estudo das opções de políticas públicas, a partir da seleção informada e atenta entre os métodos disponíveis para a simplificação de problemas complexos. Envolve algoritmos e indicadores, e implica o alargamento do campo de análise, sugerindo prazos mais longos de análise.

Para concluir, observa-se que o Incrementalismo Desarticulado mostra-se demasiado complexo e fragmentado. Algumas de suas características mais acentuadas são:

i) não verifica todas as alternativas possíveis, mas somente as que oferecem alguma diferença marginal frente à política pública existente;

ii) os objetivos das políticas públicas são selecionados de forma a adequarem-se aos meios disponíveis ou quase-disponíveis;

iii) um número relativamente pequeno de meios (políticas públicas alternativas) é considerado, em decorrência das constrições impostas ao decisor;

iv) em vez de comparar meios alternativos ou políticas públicas à luz dos objetivos postulados, os fins alternativos ou os objetivos são também cotejados segundo os meios ou as políticas postuladas e suas consequências;

v) objetivos e meios são escolhidos simultaneamente e a eleição dos meios não segue a eleição dos fins;

vi) os objetivos das políticas públicas são indefinidamente explorados, reconsiderados, descobertos e nunca fixos (os objetivos são dinâmicos, mudam o tempo todo);

vii) a qualquer dado ponto da análise, ela e a formação de políticas públicas são seriais e sucessivas, isto é, problemas não são resolvidos, porém ajustados, redefinidos e atacados (“apagam-se incêndios”);

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71 A propósito de elucidação, vale tecer algumas considerações sobre o denominado “Incrementalismo Lógico”. Esse enfoque não foi concebido por LINDBLOM, mas sim por James Brian QUINN (1989), e versa sobre a gestão da mudança no ambiente das organizações. O Enfoque de QUINN afirma que os executivos e os líderes das organizações devem buscar: trabalhar de modo incremental; criar atmosferas de consenso; capacitar a organização; e movimentar-se, então, oportunisticamente ao encontro das metas organizacionais. Trata-se de um método caracterizado por uma sequência de passos de cunho altamente político que devem ser seguidos pelos líderes das mudanças estratégicas. Requer um misto de análise, planejamento formal, habilidade política, aprendizagem, intuição e criatividade, na medida em que o mundo real exige pensar à frente e também alguma adaptação durante o percurso. A similaridade dessa Teoria com o Incrementalismo de LINDBLOM (1981) está, tão somente, na concepção de que os passos são sempre graduais, sem grandes saltos estratégicos.

72 Algo como: “uma vez que o que podemos fazer é X, ficaremos satisfeito em ter como resultado Y”.

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viii) a análise e a formação de políticas públicas são corretivas (destinam-se apenas a atacar problemas do momento presente), e não são direcionadas a objetivos sociais futuros;

ix) a qualquer ponto analítico, a apreciação das consequências é bastante incompleta (é impossível prever as decorrências de uma medida no longo prazo em ambientes sociais complexos);

x) a análise e a formação de políticas são socialmente fragmentadas, elas se dirigem a vários elementos separados simultaneamente (as políticas públicas não possuem um foco único).

O Modelo Incremental também recebeu muitas críticas, entre as quais sobressaem: a) proporciona pretextos para os gestores públicos permanecerem em suas posições protegidas e não mudarem a política pública, haja vista ser um modelo fundamentalmente conservador; b) legitima a inércia e dificulta a busca por inovações, de sorte a restringir a mudança na sociedade; e c) pode ignorar questões importantes para a sociedade na formulação das políticas públicas e no processo decisório. Seus pontos mais positivos consistem em: a) levar em conta os acontecimentos do mundo real (a realidade); b) permitir o ajuste mútuo e contínuo entre posições diferenciadas, assegurando o ideal do pluralismo (satisfaz o maior número de pessoas); e c) viabilizar decisões consensuadas em contextos de baixa racionalidade.

Do ponto de vista teórico, Celina SOUZA (2006, p. 29) salienta o fato de que (...) “é do incrementalismo que vem a visão de que decisões tomadas no passado constrangem decisões futuras e limitam a capacidade dos governos de adotar novas políticas públicas ou de reverter a rota das políticas atuais”.

De qualquer modo, há relativo consenso na academia de que o padrão de comportamento dos atores políticos nos processos decisórios nas democracias contemporâneas é claramente incrementalista. Nelas, somente em momentos excepcionais se notam processos decisórios próximos à Vertente Racional-Compreensiva.

Ao prosseguir na discussão dos modelos de decisão nas políticas públicas, vale destacar o Modelo Ótimo-Normativo, idealizado por Yehezkel DROR (2006) como crítica ao conservadorismo e à inércia do Incrementalismo. DROR propõe o aperfeiçoamento da Abordagem Incremental e, para tanto, sugere quatro hipóteses:

a) o aumento da racionalidade no Incrementalismo: mediante mais esclarecimento dos objetivos, levantamento mais completo das alternativas, definição dos critérios de decisão, identificação dos limites precisos da decisão;

b) o reconhecimento da importância dos processos extra-racionais nas decisões sobre questões complexas: como julgamentos intuitivos, impressões holísticas, invenções criativas de novas opções;

c) a melhoria das fases racionais e extra-racionais de tomada de decisões: por intermédio de dinâmicas de discussão, formação de grupos de trabalho, aumento dos insumos e das informações;

d) o reconhecimento da necessidade de melhorar ambos os Modelos de tomada de decisão: o Racional e o Incremental.

A Teoria Ótimo-Normativa consiste na adoção dos ajustes mencionados, e teria como principais atributos:

a) o esclarecimento dos valores que estariam presidindo as políticas públicas, os objetivos a serem atingidos e os critérios de decisão;

b) a identificação das alternativas de políticas públicas, com esforço para incluir novas possibilidades de decisão;

c) a realização de uma avaliação preliminar dos resultados esperados de diversas alternativas existentes;

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d) caso se opte por uma estratégia de risco mínimo (uma estratégia gradual, incremental de política pública), deve seguir-se o Modelo de Comparações Sucessivas (de LINDBLOM); caso se opte por uma alternativa inovadora de política pública, deve definir-se uma data limite para examinar os resultados possíveis, com base tanto no conhecimento quanto na intuição;

e) a prova para saber se a política pública escolhida é “ótima” reside no consenso obtido entre os analistas após as etapas de “a” até “d”;

f) deve haver um esforço consciente para decidir se o problema requer uma apreciação exaustiva das alternativas de políticas públicas nas situações em que couber;

g) a base da decisão é tanto a teoria como a experiência, a racionalidade (cálculo de custo-benefício) como os fatores extra-racionais (intuição, percepções, “insights” dos decisores);

h) procura-se melhorar a tomada de decisões mediante lições extraídas da experiência (para DROR, é possível haver um aprendizado com a política pública).

Um grande número de comparações esteve no centro do debate entre Racionalismo e Incrementalismo. No primeiro parte-se do princípio de que é possível conhecer o problema de tal forma que se possa tomar decisões de grande impacto, ao passo que no Modelo Incremental há a convicção de que o conhecimento da realidade é sempre restrito e que as decisões envolvem conflitos de poder e precisam ser ágeis e rápidas – e por todas essas razões devem ser cautelosas. Ambos os Modelos de tomada de decisão explanados exibem problemas. Entre outros, o Modelo Incremental mostra-se pouco compatível com as necessidades de mudança e pode apresentar um viés conservador. O Modelo Racional-Compreensivo origina-se do pressuposto ingênuo de que a informação é perfeita e não considera adequadamente o peso das relações de poder na tomada de decisões. Apesar do avanço obtido com o Modelo da Racionalidade Limitada, observa-se que lhe falta atribuir o devido peso às variáveis políticas.

Diante dessas e outras percepções, elaboraram-se algumas propostas de composição das duas Correntes, entre as quais se aponta a contribuição apresentada por Amitai ETZIONI (1967): o Mixed-Scanning (ou Sondagem Mista ou Exploração Combinada).

O autor chama a atenção para o fato de as decisões em políticas públicas não serem todas do mesmo gênero. O Mixed-Scanning é um modelo hierárquico de tomada de decisão, que concebe o processo decisório a partir de dois tipos de decisão, e cada qual demanda do decisor um comportamento diferenciado. Comumente, segundo ETZIONI, os tomadores de decisão lidam com decisões fundamentais ou estruturantes e decisões ordinárias ou incrementais. No processo de formulação da política pública, as duas espécies de decisões se conjugam, daí os nomes “Sondagem Mista” e “Exploração Combinada”.

As decisões estruturantes são aquelas de maior abrangência e de maiores consequências no longo prazo para aquele campo setorial de políticas públicas. São mais relevantes que as decisões ordinárias, porque se destinam a estabelecer os rumos gerais da política pública e a estabelecer as diretrizes para que as demais decisões sejam tomadas.

É importante saber que as decisões estruturantes não se conformam ao Enfoque

Racional-Compreensivo. Elas baseiam-se na exploração das alternativas básicas que o tomador de decisões identifica perante seus objetivos. Todavia, diferentemente do Racionalismo, as escolhas omitem o detalhamento e a especificação, para obter uma visão geral. Logo, o exame das alternativas não é exaustivo, e sim estratégico. O Enfoque destina-se a estabelecer uma composição entre a eficiência (um princípio do Racionalismo) e o consenso (um princípio do Incrementalismo). Assim, o intuito de ETZIONI é propor um Modelo de equilíbrio entre os valores e os objetivos da coletividade e a manifestação dos interesses e do jogo do poder, provenientes do pluralismo.

De acordo com o Modelo do Mixed-Scanning, as decisões estruturantes requerem que os tomadores de decisão se engajem em uma extensa revisão do campo de decisão.

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Essa revisão permite que alternativas de longo prazo sejam examinadas e levem a decisões estruturantes. Em um processo decisório característico de uma decisão estruturante, não se examina cada alternativa de política pública (conforme faz o modelo Racional). Além disso, o tomador de decisões deve evitar o excessivo detalhamento, cuidando para não restringir (“engessar”) as escolhas futuras. Exemplos de decisões estruturantes no Brasil são: a criação do SUS, em 1988; a elaboração do Plano Real, em 1994; a criação do SUAS, em 2003.

Diferentemente, as decisões ordinárias são mais específicas e de menor escopo, embora também significativas. Elas têm como parâmetro as decisões estruturantes e envolvem a análise detalhada de alternativas específicas (um componente próprio da Abordagem Racional), tendo como referência os elementos da Abordagem Incremental (o horizonte histórico e as relações de poder). Vale frisar: o processo de decisões ordinárias mescla procedimentos do Racionalismo e do Incrementalismo. Exemplo de decisões ordinárias: os diversos programas de saúde elaborados após a criação do SUS (como o Programa de Saúde da Mulher, Programa de Saúde da População Negra, entre outros).

A seguir, traça-se um quadro comparativo e sintético das teorias de decisão comentadas.

Modelos Condições Cognitivas

Análise das AlternativasAnálise das Alternativas

Procedimento de Escolha

Critério de Decisão

Racional-Compreensivo

Certeza, com base em

informação correta e completa.

Análise exaustiva e cálculo das

consequências

Análise exaustiva e cálculo das

consequências

Cálculo de custo-benefício.

Otimização de valores e objetivos.

Racionalidade Limitada

Incerteza. Informação

limitada.

Análise abrangente, mas não exaustiva.

Pesquisa sequencial

Análise abrangente, mas não exaustiva.

Pesquisa sequencial

Comparação entre

expectativas e possibilidades das melhores alternativas.

Satisfação.

Incremental

Informação parcial,

horizonte histórico,

interesses.

Comparações sucessivas limitadas.

Comparações sucessivas limitadas.

Ajuste mútuo de interesses.

Construção de acordos

mínimos. Noção “do que é

possível fazer”.

Mixed-Scanning Perspectivas que se

complementam.

Perspectivas que se

complementam.

Análise do campo de decisão e

comparações limitadas.

Comparação de alternativas para

decisões estruturantes e ajuste mútuo para decisões

ordinárias.

Composição de alternativas

próprias para decisões de

diferente escopo.

Fonte: adaptado de SECCHI, 2010.

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9. A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A rigor, uma decisão em política pública representa apenas um amontoado de intenções sobre a solução de um problema, expressas na forma de determinações legais: decretos, resoluções, etc. Nada disso garante que a decisão se transforme em ação e que a demanda que deu origem ao processo seja efetivamente atendida. Ou seja, não existe um vínculo ou relação direta entre o fato de uma decisão ter sido tomada e a sua implementação. E também não existe relação ou vínculo direto entre o conteúdo da decisão e o resultado da implementação.

O que é que assegura que uma decisão se transforme em ação em regimes democráticos? A efetiva resolução dos principais pontos de conflito (issues) envolvidos naquela política pública. Essa "efetiva resolução" pressupõe que não existem soluções tecnicamente perfeitas e acarreta aquilo que politicamente se considera uma "boa decisão" – uma decisão da qual todos os atores envolvidos acreditem que saíram ganhando alguma coisa e da qual nenhum deles acredite que saiu completamente prejudicado. Dessa sorte, a ausência de ganhos e de prejuízos reais em um momento específico deveria estar demarcada àqueles atores que não são capazes de mobilizar recursos de poder para impedir que a decisão se transforme em ação. Essas considerações remetem à discussão da implementação de políticas públicas. O estudo das relações entre a formulação de uma política pública e sua implementação foi inagurado com a publicação da obra “Implementation – how great expectations in Washington are dashed in Oakland: or, why it's amazing that Federal programs work at all, this being a saga of the Economic Development Administration as told by two sympathetic observers who seek to build morals on a foundation of ruined hopes”, de Jeffrey L. PRESSMAN e Aaron B. WILDAVSKY, em 1973.

Os autores mencionam que, no estudo de políticas públicas, parece haver algo como um "elo perdido"73, entre as decisões tomadas na formulação e a avaliação dos resultados: a implementação. Cabem, então, algumas indagações iniciais: o que é implementação? Por que algumas políticas públicas são implementadas e outras não? Por que algumas políticas públicas atingem seus objetivos e outras não? Algumas tentativas de se responder a essas indagações serão estudadas nesse capítulo.

Primeiramente, a implementação74 é, em si mesma, um processo de diversos estágios, que visam concretizar decisões básicas, expressas, a seu turno, em um conjunto de instrumentos legais. Idealmente, essas decisões – que correspondem à formulação da política pública – identificam os problemas a serem resolvidos, os objetivos a serem alcançados e o arranjo institucional de execução. A implementação, portanto, compreende o conjunto dos eventos e das atividades que acontecem após a definição das diretrizes de uma política pública, que incluem tanto o esforço para administrá-la como os seus impactos substantivos sobre pessoas e eventos.

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PARA APRENDER POLÍTICAS PÚBLICAS – Volume 1

73 Em que pese ser indubitavelmente importante entender o processo que se definiu como implementação de políticas públicas, na realidade, a separação entre esse e as demais “fases” – como a formulação, a decisão e a avaliação – é um recurso heurístico, mais relevante para fins de análise do que um fato real. Como assinala SANTOS (1993), a implementação “é a decisão em processo”, não sendo possível demarcar onde se inicia e onde se encerra cada “fase”.

74 A nomenclatura da área de políticas públicas utiliza somente a palavra “implementação” de políticas, não se adota o termo “implantação”.

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Conforme mencionado anteriormente (capítulo 7), SARAVIA (2006, p. 143-145) descreve a implementação como sendo “constituída pelo planejamento e organização do aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos para executar uma política”. Ela abrange a elaboração de todos os planos, programas e projetos e o recrutamento e o treinamento dos que irão executar a política. Esse autor distingue a implementação da execução, que define como “o conjunto das ações destinado a atingir os objetivos estabelecidos pela política”. A execução contém o estudo dos obstáculos que poderão inviabilizar a consecução dos resultados, sobretudo a análise da burocracia.

Na prática, a implementação pode ser compreendida como um conjunto de decisões e de ações realizadas por grupos ou indivíduos, de natureza pública ou privada, as quais são direcionadas para a consecução de objetivos estabelecidos mediante decisões precedentes sobre políticas públicas. Em outras palavras, trata-se das decisões e das ações para fazer uma política sair do papel – onde expressa apenas intenções – e tornar-se intervenção na realidade. Sem implementação, não haveria política pública.

A implementação, contudo, vai muito além da simples execução das decisões inicialmente tomadas. Mesmo já tendo havido um processo decisório durante a formulação da política pública, sua implementação não somente enseja execução, como também requer novas decisões. Isso resulta do fato de que, na formulação são selecionadas alternativas que definem apenas os dispositivos gerais e iniciais e os arranjos preliminares para que algo venha a ser executado posteriormente. Muitas outras questões exigirão decisões subsequentes ao longo da trajetória de qualquer política pública. Por isso, é importante ter em mente que as decisões não se encerram durante a formulação – se estendem por todo o período de vigência de uma política pública.

Cumpre salientar que a teorização sobre a implementação ainda hoje se mostra

relativamente pouco densa, quando comparada à profusão de modelos de formulação de políticas públicas. Michael HILL e Peter HUPE (2010) atribuem as limitações teóricas à prevalência, entre os pesquisadores, do seu papel de “aconselhar” os policy-makers. Já Bernardo KLIKSBERG (1994) argui que as deficiências teóricas no campo dos estudos de implementação aparentemente decorrem de um conjunto de entendimentos tácitos que prevaleceram durante longo tempo, particularmente no meio acadêmico latino-americano, tais como: a) sendo expressão da autoridade pública, o que fosse decidido – e formalizado em diplomas legais – seria automática e necessariamente realizado; b) a implementação consistiria exclusivamente na execução de decisões previamente tomadas; c) a implementação corresponderia a procedimentos de natureza técnica e despolitizada; d) sendo a implementação conduzida por burocratas, configuraria apenas o cumprimento de comandos superiores, não guardando espaço para novas ideias e tratamentos, nem para relações de conflito e de poder. A tudo isso se somavam os enormes desafios de teorizar acerca de um objeto tão multifacetado e diversificado, visto que cada área de política pública e cada política pública em si pode apresentar configurações e dinâmicas totalmente peculiares.

Diante disso, o primeiro ponto a enfatizar é o de que a implementação não ocorre automaticamente. Seja qual for a política pública em foco, uma coisa é certa: o conhecimento dos objetivos e das normas só oferece uma noção geral do que, de fato, terá que ser feito pela(s) agência(s) implementadora(s) e não informa quanto esforço será necessário para obter a cooperação e a adesão dos diversos atores afetados pela política pública. Conforme mostra toda a discussão apresentada anteriormente nesse livro, em regra, entre outros aspectos, as decisões podem apresentar ambiguidades, os objetivos podem ser estabelecidos em função dos meios (e não o inverso, como supõem as Abordagens Racionalistas) e podem ser reformulados e redimensionados o tempo todo, de tal maneira que muito frequentemente os atores não sabem o que estão implementando.

Com efeito, principalmente quando uma política pública envolve diferentes níveis de governo – federal, estadual, municipal –, diferentes regiões de um mesmo país ou, ainda,

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diferentes setores de atividade, a implementação pode se mostrar uma empreitada bastante problemática, já que o controle de seu processo se torna mais complexo. Mesmo quando se trata apenas do nível local, há de se considerar a importância dos vínculos entre diferentes organizações e agências públicas para o sucesso da implementação. Ordinariamente, caso a ação dependa de numerosos elos numa cadeia de implementação, o grau necessário de cooperação entre as organizações para que essa cadeia funcione pode ser muito elevado. Se isso não acontecer, pequenas deficiências acumuladas podem levar a grandes fracassos.

O processo de implementação de uma política pública precisa ser acompanhado, entre outras razões, para que seja possível identificar por que muitos casos dão certo, enquanto muitos outros dão errado entre o momento em que uma política é formulada e o seu resultado concreto. É possível apresentar muitas perguntas sobre a implementação, mas há três grupos de questões especialmente significativas:

a) em que medida os objetivos foram atingidos? Em que medida os resultados são consistentes com os objetivos? Há impactos não previstos?

b) em que medida os objetivos originais foram alterados na implementação?c) que fatores afetam a consecução dos objetivos, as mudanças de objetivos e

estratégias, etc.?

9.1 Modelos de Implementação

A maneira como a implementação de políticas públicas é analisada pelos estudiosos tem sido objeto de uma grande polêmica na Ciência Política. O embate ocorre entre duas principais abordagens, que exprimem esforços para compreender a realidade e também para aconselhar os envolvidos na implementação sobre como melhor conduzi-la. São elas os denominados “Modelo Top-Down” (“Modelo de Cima para Baixo”) e “Modelo Bottom-Up” (Modelo “de Baixo para Cima”). Hoje, o campo de estudos compreende uma terceira geração, descrita como “Modelos Híbridos”.

9.1.1 O Modelo Top-Down

O Modelo Top-Down enseja a concepção mais generalizada entre as teorias de implementação. Esse é o Modelo resultante dos primeiros estudos a respeito de implementação, desenvolvidos por PRESSMAN e WILDAVSKI (1973), sendo mais tarde adotado por autores como Donald S. VAN METER e Carl E. VAN HORN; Eugene BARDACH; Brian HOGWOOD e Lewis GUNN; Paul SABATIER e Daniel MAZMANIAN, entre outros.

Em grande parte, a primazia do Modelo Top-Down se deve às suas afinidades com o pensamento racionalista, por um lado; e, por outro, com o modelo weberiano de organização burocrática. Da vertente racionalista origina-se a concepção de que a implementação consiste em um conjunto ordenado de atividades-meio para alcançar objetivos previamente estabelecidos. E do modelo weberiano de burocracia advém a perspectiva da implementação como um sistema de comandos centralizados e hierárquicos associados a uma estrita separação entre política e administração.

O Enfoque Top-Down – também conhecido como “Implementação Programada” –

tem como ponto de partida a asserção de que a implementação se inicia com uma decisão do governo central, a qual define a relação entre os objetivos da política pública – determinados pelas lideranças políticas – e os meios a serem mobilizados pelos diferentes níveis da burocracia a fim de produzir os resultados pretendidos.

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Os termos “implementadores” ou “organizações/agências/agentes implementadores” denotam a burocracia pública, que são os principais atores instituídos pelo Poder Público para atuar na execução da política pública. Nessa concepção, portanto, a implementação cabe especificamente aos burocratas, cuja margem de decisão limita-se aos aspectos operacionais e que devem se manter fiéis aos objetivos originais da política (policy). Dessa forma, seria possível assegurar que as políticas fossem executadas de maneira tão acurada quanto possível.

Dessa sorte, a implementação não representa uma preocupação das lideranças políticas, que, tomando-a como dada, se ocupariam apenas da formulação da política pública. A Abordagem Top-Down reproduz, assim, a noção weberiana de que há uma nítida separação entre a política (politics) e a administração. Essa última seria despolitizada, como se os seus agentes públicos não tivessem projetos, preferências e até clientelas políticas e atuassem puramente segundo o princípio da obediência às normas e às determinações dos políticos.

Afiliados ao Modelo Top-Down, VAN METER e VAN HORN (1975) assumem que a

implementação é um processo que supõe uma decisão inicial sobre política pública. Os autores propuseram-se a elaborar uma teoria destinada a esclarecer as causas das dificuldades da implementação de diferentes políticas públicas. Para tanto, adicionaram ao Modelo Top-Down duas variáveis não consideradas por seus predecessores, capazes de afetar decisivamente a implementação de uma política pública: a) a extensão da mudança pretendida com uma política pública; e b) o grau de consenso em torno dos seus objetivos. A partir dessas variáveis os autores formulam a hipótese de que “a implementação será mais exitosa quando a mudança pretendida for pequena e o grau de consenso em torno da política pública for elevado”.

Embora partidários da Teoria Top-Down, VAN METER e VAN HORN acentuam a relevância da conformidade e do consenso dos “subordinados” na implementação da política pública. No entanto, diferentemente dos partidários da Teoria Bottom-Up, para eles, a participação tem importância decisiva no processo de implementação e não no estágio de formação da política pública.

Ao lançar mão da imagem do “jogo da implementação”, Eugene BARDACH (1977), por sua vez, ultrapassou as fronteiras do Modelo Top-Down em sua concepção original quando reconheceu o caráter político do processo de implementação. Esse pensador argumenta que a implementação abarca diversos tipos de jogos e que, para obter êxito, os formuladores de política pública devem ser capazes de estruturar o jogo da implementação de modo inteligível aos atores nela envolvidos. Assim, seria menos provável que as dúvidas quanto aos objetivos de uma política provocassem distorções na sua implementação. Por fim, o autor sustenta que uma implementação bem sucedida exige acompanhamento.

Segundo Michael HILL e Peter HUPE (2010), aderindo à posição de aconselhamento aos policy-makers, Brian HOGWOOD e Lewis GUNN (1984) identificaram dez condições para que a implementação seja exitosa – leve à realização efetiva da política pública de acordo com os objetivos dela pretendidos:

i) as circunstâncias externas à agência implementadora de uma política pública específica não devem impor restrições que a desvirtuem;

ii) a implementação deve dispor de tempo e de recursos suficientes (como recursos humanos, materiais, financeiros, tecnológicos, etc.);

iii) não apenas não deve haver restrições em termos de recursos globais, mas também, em cada estágio da implementação, a combinação necessária de recursos deve estar efetivamente disponível. Ou seja: os recursos necessários a cada fase da implementação da política pública devem estar disponíveis no tempo, no espaço e no montante suficientes;

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iv) a política a ser implementada deve ser baseada numa teoria adequada sobre a relação entre a causa (de um problema) e o efeito (de uma solução que está sendo proposta). Na ausência dessa relação lógica de causalidade, implementadores e sociedade em geral não entenderão os motivos e significados da política pública e sua implementação poderá ser dificultada;

v) essa relação entre causa e efeito deve ser direta e, se houver fatores intervenientes, esses devem ser mínimos. A relação causal subjacente a uma política pública deve ser a mais simples e clara possível;

vi) deve haver uma só agência implementadora, que não depende de outras agências para alcançar seus objetivos; se outras agências estiverem envolvidas, a relação de dependência entre elas deverá ser mínima em número e em importância. A implementação da política deve ser centralizada em um só órgão ou em poucos órgãos independentes para que as ações de um deles não imponham dificuldades às ações dos demais;

vii) deve haver completa compreensão e consenso quanto aos objetivos a serem atingidos pela política pública e essa condição deve permanecer durante todo o processo de implementação. Caso não haja entendimento dos objetivos e concordância em relação a eles, poderá haver reações adversas à implementação;

viii) ao avançar em direção aos objetivos acordados, deve ser possível especificar, com detalhes completos e em sequência perfeita, as tarefas a serem realizadas por cada participante. Desse elemento deriva a percepção de que a implementação é um processo, já que existe uma ordenação entre as tarefas previstas; e, mais importante: cada agente implementador saberá exatamente como agir em cada momento;

ix) é necessário que haja perfeita comunicação e coordenação entre os vários elementos envolvidos no programa. Em outras palavras, a implementação requer um eficaz sistema de comunicação, bem como um arranjo de coordenação intra e intergovernamental;

x) os atores que exercem posições de comando devem ser capazes de obter efetiva obediência dos seus subordinados. Ou seja: a implementação deve reger-se por um sistema hierárquico, com uma cadeia de comando inequívoca, que estabelece o espaço de discrição apropriado para cada um dos seus níveis.

Essas dez condições podem ser resumidas em quatro variáveis correlatas, relevantes para o sucesso da implementação: a) a natureza da política pública não deve admitir ambiguidades; b) na estrutura de implementação da política, os elos da cadeia devem ser mínimos; c) deve-se prevenir interferências externas na execução da política; e d) deve haver controle administrativo sobre os atores abrangidos na implementação.

No Modelo Top-Down, especialmente quando se trata das variáveis “c” e “d”, deve considerar-se a possibilidade de os diferentes tipos de política pública e de arenas políticas afetarem a implementação. Os vários tipos de políticas e de arenas políticas envolvem participantes diversos, com distintos níveis de engajamento e com variável intensidade das preferências, conforme o que esteja em jogo no momento. Assim, alguns tipos de políticas podem ser mais ou menos difíceis de implementar, podem ter maior ou menos probabilidade de interferência externa, etc. Por exemplo: a implementação das políticas redistributivas pode enfrentar muito mais obstáculos que a das políticas distributivas; já as políticas regulatórias podem ser mais, ou menos, bem sucedidas, a depender da intensidade do conflito. No que tange à variável “d”, os partidários do Modelo Bottom-Up mostram quão precário pode ser tal controle.

Adeptos do Modelo Top-Down, SABATIER e MAZMANIAN (1980), a seu turno, indicam seis condições para que uma política pública possa ser implementada com sucesso:

i) a legislação deve expressar objetivos claros e consistentes ou, pelo menos, definir critérios para solucionar conflitos entre objetivos;

ii) a legislação deve incorporar uma teoria que identifique os principais fatores causais que afetam os objetivos da política pública e proporcione aos agentes

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implementadores jurisdição sobre os grupos-alvo e outros aspectos necessários para alcançar os objetivos;

iii) a legislação deve estruturar o processo de implementação de modo a maximizar a probabilidade de que os agentes implementadores e grupos-alvo tenham o desempenho desejado. Isso abrange dotar as agências com a adequada integração hierárquica, o apoio em regras decisórias, os recursos financeiros suficientes e o acesso às autoridades que apoiam a política pública;

iv) os líderes da agência implementadora devem ter habilidades gerenciais e políticas suficientes e estarem comprometidos com os objetivos da política pública tal como definidos em lei;

v) a política pública deve ser ativamente apoiada por grupos organizados da sociedade e por alguns parlamentares-chave durante o processo de implementação, com o Judiciário sendo simpático ou neutro;

vi) a prioridade dos objetivos não deve ser subvertida com o passar do tempo pela emergência de políticas contraditórias ou por modificações em condições socioeconômicas relevantes que fragilizem a teoria causal ou as bases de apoio ao programa (sobre Teoria do Programa, ver capítulo 10.3).

Para SABATIER e MAZMANIAN (1980), o mais importante papel da análise da implementação é identificar as variáveis que afetam a consecução dos objetivos legais no curso de seu processo. Essas variáveis admitem três categorias: a) a “tratabilidade” do problema a ser solucionado, que talvez seja a categoria mais substantiva na elucidação das dificuldades da implementação; b) a capacidade dos dispositivos legais de estruturar favoravelmente o processo da implementação; e c) os efeitos do contexto sobre o apoio aos objetivos da policy.

A tratabilidade do problema a ser solucionado concerne ao grau de facilidade para se lidar com um problema, devido a questões técnicas ou de outra natureza, como: i) a diversidade do comportamento a ser mudado ou do serviço público a ser prestado, pois quanto mais complexo o comportamento ou o serviço público, mais difícil será a implementação; ii) o tamanho do público-alvo: quanto menor o grupo, mais fácil defini-lo e mais fácil mobilizá-lo; iii) a extensão da mudança comportamental necessária, porque quanto maior a mudança pretendida, mais obstáculos a implementação terá de vencer. Exemplo de mudança comportamental exigida é, no caso do Programa Bolsa Família, o cumprimento das condicionalidades.

Conforme os autores, os problemas são mais “tratáveis” se: i) existe uma teoria válida conectando a mudança comportamental à solução do problema, a tecnologia necessária existe e medir a mudança não é oneroso; ii) a variação no comportamento que causa o problema é mínima – por exemplo: se, como no caso do trabalho infantil no Brasil, em uma região do país um problema possui causa econômica, enquanto em outra, o mesmo problema causa tem causa cultural, é mais difícil enfrentá-lo; iii) o público-alvo é uma minoria facilmente identificável em uma jurisdição política como, por exemplo, uma comunidade quilombola em um estado ou em um município; iv) a mudança de comportamento necessária é reduzida, no sentido de não exigir alterações radicais no tocante às práticas existentes.

A análise da implementação deve considerar – além da tratabilidade – a capacidade dos dispositivos legais da política pública de articular favoravelmente o processo de sua implementação. Isso ocorre por meio da definição dos objetivos da política pública; da seleção das instituições implementadoras; da previsão de recursos financeiros; do direcionamento das orientações políticas dos agentes públicos (a burocracia implementadora); e da regulação dos critérios, oportunidades, mecanismos e canais de participação da sociedade. Caso não haja um arranjo político-institucional claro, com a demarcação das competências dos implementadores e de regras precisas para reger o processo, a política pública poderá permanecer apenas como uma formalidade, uma norma jurídica que não é aplicada no mundo real.

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O último elemento a afetar a implementação é o efeito das variáveis políticas do contexto no apoio aos objetivos da política pública. Trata-se da necessidade de apoio político e de legitimação da policy, sobretudo no referente aos seguintes processos: i) a necessidade de apoio político para superar os obstáculos à busca de cooperação entre muitos indivíduos (em especial a “burocracia do nível de rua”, que será comentada abaixo), vários dos quais podem considerar seus interesses adversamente comprometidos pelo êxito dos objetivos da política pública75; ii) o efeito de mudanças das condições tecnológicas e socioeconômicas sobre o apoio do público em geral, dos grupos de interesse e dos poderes públicos (Executivo e Legislativo), aos objetivos da política.

Em suma, o Modelo Top-Down afirma haver uma relação causal direta entre as políticas públicas e seus efeitos, e sustenta que os impactos das ações dos implementadores nos produtos das políticas (“delivery” ou “entregas”, os bens e os serviços que uma política pública produz) são pouco expressivos. Por conseguinte, o resultado das políticas públicas não depende das ações da burocracia, mas de outros fatores próprios da sua concepção, das instituições, da autoridade e do contexto político. O que importa é a política pública possuir uma teoria causal explicativa adequada e objetivos claros. A implementação seria despolitizada, marcada apenas pela atividade técnica, operacional e de natureza executiva, não deliberativa. Contudo, esse Modelo admite a presença de “déficits de implementação”, quando a implementação é insuficiente, pois as normas jurídicas aprovadas pelo Poder Legislativo não são executadas por completo pelo Executivo.

9.1.2 O Modelo Bottom-Up

No início dos anos 1980, os estudos de políticas públicas começaram a mostrar que não apenas as políticas que eram formuladas não eram executadas, como também eram implementadas de maneira completamente distinta do pretendido e, ainda mais grave, os resultados das políticas frequentemente não tinham relação com seus objetivos originais, não havendo como mostrar a existência de uma relação de causa-efeito entre a politica pública e seus impactos no ambiente.

A partir de então, alguns analistas alteraram o foco de seus estudos: deixaram de enfatizar a concepção, os objetivos centrais, a estrutura de comando e o arranjo institucional estabelecidos na formulação das políticas públicas e voltaram seus olhares para as redes de atores envolvidos na geração dos produtos (delivery) das políticas. Vários estudiosos passaram a questionar e rejeitar a ideia de que a política pública era definida no topo do sistema e que os executores deveriam se ater rigorosamente aos seus objetivos, como proposto pelo Modelo Top-Down. Desenvolveu-se a percepção de que, no nível mais baixo, mais basilar em que determinada política pública estava sendo implementada, no nível da “entrega” dos bens e serviços (delivery) por um servidor público a um cidadão, havia certo grau de discricionariedade. Outrossim, começou a se consolidar um entendimento de que isso era algo benéfico para o sucesso da política pública. Com base nessas percepções e na constatação de que a realidade se apresentava muito diferente daquilo que a Teoria Top-Down descrevia, desenvolveu-se, como crítica a essa primeira, uma segunda abordagem de implementação: o Modelo Bottom-Up.

De acordo com esse Modelo, em vez de configurar a mera execução despolitizada e técnica de decisões oriundas do topo do sistema político, a implementação consiste em um

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75 Como adverte KLIKSBERG (1995), mesmo aqueles que serão indubitavelmente beneficiados por uma política pública podem não perceber esse benefício como tal. Um exemplo: o Programa TV-Escola no Brasil, destinado a aperfeiçoar os conhecimentos dos docentes nos temas de suas disciplinas, sofreu forte rejeição de muitos professores, que temiam que as videoaulas viessem a torná-los desempregados, ou que se sentiam ameaçados por não estarem familiarizados com o uso do controle remoto e do aparelho de gravação de videocassetes.

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conjunto de estratégias criadas pela burocracia de nível de rua para a resolução de problemas cotidianos. Nesse sentido, os burocratas de âmbito local são os principais atores na entrega dos produtos de uma política pública. Nessa Vertente, a implementação expressa um amplo e intenso processo de negociação no interior de redes de implementadores, com papel crucial da base social, das organizações implementadoras e da burocracia de nível de rua. Não se trata do simples abuso do poder discricionário pela burocracia: os diversos atores distribuídos na base da sociedade é que formatariam a policy.

A Abordagem Bottom-Up presume que a implementação resulta das ações de uma rede de atores de uma área temática de política pública, os quais começam a executar determinadas ações para solucionar problemas do seu cotidiano. À medida que essas ações têm efeitos positivos, passam a institucionalizar-se, gradualmente, e encaminham-se para os patamares mais centrais e mais altos na estrutura hierárquica governamental, até se transformarem em uma política pública. Essa perspectiva reconhece o poder dos atores da sociedade e a própria sociedade civil ao defender a hipótese de que ela, de modo isolado, é capaz de cooperar, bem como encontrar soluções para seus problemas. A concepção encontra apoio nos processos de institucionalização próprios das sociedades anglo-saxônicas, nas quais a coletividade age em primeiro lugar, e o Estado atua posteriormente, formalizando os processos pelos quais o problema já encontrou suas soluções.

Vários são os trabalhos que exploram as características do Modelo Bottom-Up. Michael LIPSKY (1980), Benny HJERN e David O. PORTER (1981), Benny HJERN e Chris HULL (1982), por exemplo, asseguravam que o início do processo de uma política pública não é o momento da decisão formal que a estatui, porém, os problemas com os quais os atores se deparam – cidadãos comuns e funcionários governamentais encarregados de uma área de política pública – e as estratégias desenvolvidas por eles para lidar com esses problemas práticos do dia a dia. Dessas estratégias é que nascem as soluções adotadas nas políticas públicas. O foco de estudos da Abordagem recai sobre a rede de atores envolvidos nas atividades da política pública em uma ou mais áreas locais, com suas metas, estratégias, atividades e contatos. No Brasil, seriam exemplos aproximados do Modelo Bottom-Up: o orçamento participativo; o processo de implementação da reforma agrária com o auxílio do MST; a estrutura do SUS, que começa com Conselhos Municipais de Saúde para depois alcançar os níveis superiores do sistema político.

Outro pensador, Richard F. ELMORE (1980), idealizou o conceito de “mapeamento retrospectivo”, propondo que a análise da política pública deve principiar com um problema específico e então examinar as ações empreendidas pelas agências locais para solucioná-lo. Em sentido correlacionado ao de ELMORE, HJERN e David O. PORTER (1981), e HJERN e Chris HULL (1982) propõem que para o entendimento da implementação é essencial observar o caráter inter-organizacional e os múltiplos atores envolvidos na produção dos bens e serviços de uma política pública (delivery). Esses e outros autores chamam a atenção para o fato de a ênfase nos limites formais das organizações poder levar a um entendimento equivocado sobre os modos pelos quais esses atores estabelecem suas relações de trabalho, porque, tipicamente, eles não levam em consideração os limites organizacionais. Deve-se identificar as redes de atores de todas as agências envolvidas na implementação e verificar como é que elas tentam resolver seus problemas. Assim, o método para analisar a implementação exige um movimento de baixo (redes de atores e agências) para cima e para os lados (atores e agências associados àquela política pública).

Ao discutir os fundamentos da Teoria Top-Down, Renato D’AGNINO (2009, p. 172-173) realça que o Modelo Bottom-Up “parte da análise das redes de decisões que se dão no nível concreto em que os atores se enfrentam quando da implementação, sem conferir um papel determinante às estruturas pré-existentes (relações de causa e efeito e hierarquia entre organizações etc.). (...) O enfoque Bottom-Up parte da ideia de que existe sempre um controle imperfeito em todo o processo de elaboração de política, o que condiciona o momento da implementação. Esta é entendida como o resultado de um processo interativo através do qual uma política que se mantém em formulação durante um

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tempo considerável se relaciona com o seu contexto e com as organizações responsáveis por sua implementação. (...) Segundo o enfoque Bottom-Up: a implementação é uma simples continuação da formulação. Existiria um continuum política/ação no qual um processo interativo de negociação tem lugar entre os que buscam colocar a política em prática – aqueles dos quais depende a ação (os implementadores) – e aqueles cujos interesses serão afetados pela mudança provocada pela política (os beneficiários e não beneficiários da política pública). O modelo supõe (no limite) que a implementação carece de uma intencionalidade (racionalidade) determinada pelos que detêm o poder”.

Essa Abordagem descarta a concepção do policy cycle, que supõe a ocorrência de fases distintas e apartadas de formulação, primeiramente, e, depois, de implementação. É importante assimilar que, malgrado a Abordagem Bottom-Up consista em uma teoria de implementação da política pública, a sua hipótese central é que a tomada de decisões não antecede a implementação. A formulação da política e sua execução acontecem em um movimento único, pouco preciso, de baixo para cima, em que as diretrizes gerais e as ações se embaralham – os momentos ocorrem conjuntamente, sem haver como distinguir um do outro. Deve-se atentar para o fato de as Abordagens dos Múltiplos Fluxos e do Equilíbrio Pontuado também compartilharem os fundamentos dessa concepção.

Um dos mais importantes autores do Modelo Bottom-Up, Michael LIPSKY (1980), que se dedicou ao estudo da burocracia, apregoa que os burocratas locais são considerados muito mais próximos dos problemas reais dos cidadãos do que os tomadores de decisão no topo do sistema político. LIPSKY cunhou o conceito de “street level bureaucracy” (ou “burocracia de nível de rua”), que seria composta por funcionários públicos que possuem algum poder político (são empoderados em alguma medida) e devem ser vistos como parte de uma comunidade de políticas públicas (policy community). Essa burocracia compõe-se pelos agentes implementadores próximos ao cidadão. São exemplos de agentes da burocracia de nível de rua: a polícia, os assistentes sociais, os bombeiros, os professores, os diretores de escolas, os médicos, os policiais, etc. A burocracia de nível de rua detém recursos de poder suficientes para tomar pequenas decisões em sua localidade e, com elas, elaborar aquilo que vem a se tornar política pública. Inclusive, possui o poder de impedir e de transtornar a execução das políticas públicas, se assim desejar.

Conforme LIPSKY (1980), a implementação de políticas públicas, ao final, resume-se às pessoas que realmente a implementam. O autor não se limita a destacar as dificuldades de controlar a burocracia e o seu poder discricionário, e admite que são atores politizados, imersos em relações de poder específicas. LIPSKY explora em profundidade alguns problemas associados às atividades da burocracia de nível de rua na implementação – como a escassez de recursos públicos que ela enfrenta; a sua necessidade de constante negociação com outros atores, inclusive outras burocracias; os seus preconceitos, que se expressam em suas interações com seus clientes (a exemplo de diretores de escola que negam vaga a uma criança negra ou a alunos com deficiência; ou médicos, enfermeiros e atendentes de hospitais que priorizam o atendimento a determinadas pessoas em detrimento de outras); e as relações dessa burocracia com suas clientelas (como fornecedores, parceiros, beneficiários, etc., e com os quais pode manter relações de cumplicidade, adesão e cooperação ou de competição e enfrentamento).

Há outras contribuições proeminentes sobre o papel da burocracia de nível de rua. Na mesma linha de LIPSKY, Steven MAYNARD-MOODY e Michael MUSHENO (2003), reafirmam que esses atores realmente fazem escolhas políticas quando decidem “como” vão implementar uma política pública, em vez de simplesmente aplicar as decisões das autoridades eleitas. E ressaltam que os seus preconceitos influenciam no tratamento oferecido aos cidadãos. Também na mesma direção, Emil MACKEY (2008) pontua que os burocratas de nível de rua exercem seu poder de maneira a modificar a política pública na esfera da execução e que essas alterações refletem os valores individuais de cada funcionário ou de suas coalizões, mais do que a vontade dos responsáveis políticos, situados no topo da cadeia decisória. Um exemplo, no Brasil, são os diretores de escola que

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não adotaram as rotinas necessárias para implementar a Lei nº 10.639, de 2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas redes públicas e particulares de ensino, além dos próprios professores que não se interessaram em tomar conhecimento da lei a fim de aplicá-la. Tony EVANS e John HARRIS (2004), a seu turno, sustentam que estratégia de aumentar regras e normas com o propósito de controlar a burocracia local pode acabar conferindo um poder discricionário ainda mais extenso a essa burocracia, uma vez que mais regras implicam mais recursos de poder aos que lidam com sua aplicação: mais possibilidades de tomada de decisão arbitrária, mais motivos para não implementar a política pública, mais força para negociar a implementação da política.

Atualmente, vem se formando um consenso, na academia, de que a melhor estratégia de controlar a burocracia é o fortalecimento da base da sociedade e de suas instituições de participação e controle.

Segue-se um quadro ilustrativo dos Enfoques de implementação explicados.

TOP-DOWN BOTTOM-UPEstratégia de Pesquisa Parte das decisões políticas

para a execução administrativa.

Parte dos burocratas individuais para as redes

administrativas.Objetivo da Análise Fazer previsões e oferecer

recomendações políticas.Descrever e explicar a

implementação.Modelo de Processo Político Composto por estágios ou

fases em um ciclo.Não há estágios

diferenciados, há uma fusão dos diversos momentos.

Caráter do Processo de Implementação

Direção hierárquica. Resolução de problemas descentralizada.

Modelo de Democracia Subjacente

Elitista. Participativa.

Fonte: adaptado de PULZL e TREIB, 2007.

Constata-se, pois, que ambas as Teorias apresentam aspectos de normatividade, elaborando propostas sobre como a implementação de políticas públicas deve ser realizada. As duas Teorias têm seu mérito, bem como falhas lógicas e metodológicas. Uma comparação delas permite traçar ponderações interessantes.

O Modelo Top-Down pretende que não existam ambiguidades na implementação das políticas públicas, quando a realidade mostra que muitos agentes implementadores sequer se dão conta de que, em seu trabalho cotidiano, estão implementando políticas. Ademais, esse Modelo supõe que rotinas organizacionais previamente estabelecidas são suficientes para induzir os implementadores à prática dos atos necessários para que decisões se concretizem, quando, na verdade, os processos de cada política pública se confundem e se interpõem, e as diferenças entre elas é pouco nítida. O Modelo percebe as organizações implementadoras como entes unitários e isolados de um contexto de interferências externas variados, o que se revela ingênuo, porquanto na esfera pública as fronteiras inter-organizacionais são frequentemente fluidas. Também é pouco plausível a própria hipótese de controle, do topo, sobre o conjunto dos atores envolvidos na implementação. Por derradeiro, a comunicação entre atores situados em diversos níveis e em diferentes organizações, em regra, é ineficaz.

A Abordagem Bottom-Up sublinha, em suas críticas, que nem sempre é possível conectar os objetivos declarados de uma política pública aos resultados detectados no

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ambiente. Como as políticas públicas acontecem em ambientes de elevada complexidade, os resultados pretendidos podem não ser alcançados nem mesmo se as decisões tomadas no topo da cadeia política forem fielmente traduzidas nas ações dos agentes implementadores; e, em seu lugar, podem ocorrer outros resultados – positivos ou negativos – distintos do que era o intento da política pública.

O Enfoque Bottom-Up tenta oferecer respostas aos equívocos e às lacunas deixados pela concepção Top-Down, todavia, não fornece muitas ferramentas para esclarecer o processo real da implementação. Parece ignorar que determinados setores temáticos de políticas públicas requerem decisões políticas tomadas no topo, antes que a base da sociedade se manifeste a respeito delas, como ocorre repetidamente com políticas que impõem forte coerção (regulatórias e redistributivas). Outras possibilidades são as de que: haja uma decisão estruturante, a partir da qual sucede a tomada de decisões que ascendem da base para o topo, consoante exemplifica o arranjo participativo do SUS; o Enfoque seria mais aplicável em esferas locais ou estaduais, mais próximas à base social que em âmbito nacional; usualmente, questões e problemas da sociedade, para serem resolvidos, necessitam que alguma liderança política leve a discussão para níveis mais altos do sistema político. E, finalmente, que a autoridade para estabelecer arranjos institucionais, definir normas e alocar recursos financeiros certamente não é exercida de baixo para cima, ao contrário.

9.1.3 As Teorias “Híbridas”

A perspectiva da complexidade da implementação está bem expressa na proposição de A. L. VIANA (1996, p. 20), segundo a qual “A implementação é definida no processo em que a política governamental envolve-se com sujeitos não-governamentais, sendo alguns deles objetos da política com poder de ação, recursos e ideias”.

Assim, como sustenta Tereza C. COTTA (1998, p.119) o êxito não seria “decidido na cúpula do governo ou da organização, mas em embates contínuos no interior da burocracia pública e na intersecção entre ações administrativas e escolhas privadas. A resultante deste processo dependeria dos recursos de poder e das estratégias dos atores relevantes, bem como das especificidades das organizações responsáveis pela intervenção”.

Há indícios de que a realidade comporta situações descritas no Modelo de implementação Bottom-Up. Por outro lado, também há evidências de que em muitas áreas opera o Modelo Top-Down, confirmando uma das polêmicas nessa área. Em decorrência dos acertos e das incorreções desses Modelos, um conjunto de estudos vem propondo as denominadas “Teorias Híbridas”. Elas derivam da terceira geração de estudos de implementação, após a década de 1980. Seu intuito é tentar superar as lacunas entre os dois Modelos, mediante a composição e o ajuste dos conceitos e das hipóteses de ambos. As Teorias Híbridas concebem a implementação como uma grande interrogação (resultados em aberto) e não admitem a concepção do ciclo de políticas públicas como uma sequência de fases estanques e bem delineadas.

Uma dessas Teorias Híbridas é o “Modelo Interativo”, de Merilee GRINDLE e John THOMAS (1991). Os pensadores manifestam que a política pública surge de questões e assuntos presentes na sociedade que entram na agenda política. Uma vez na agenda, há vários estágios de decisões, que são tomadas aos poucos e revisadas a cada momento. Esses estágios dinâmicos de decisão definem gradualmente as características da policy, na medida em que originam conflitos entre atores da sociedade (pois precisam mudar seu comportamento com a execução da política pública) e burocratas (que precisam mudar as rotinas organizacionais com a finalidade de implementar a política). Esses conflitos encaminham o processo de determinada política pública a vários movimentos possíveis: a política pode ser implementada, ou não. Pode sê-lo apenas parcialmente ou totalmente.

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Caso seja implementada, pode sê-lo conforme foi prescrito ou pode enveredar por outros rumos. Em todos esses momentos, atores sociais e agentes públicos empregam seus recursos de poder: força política, recursos financeiros, informação e capacidade de gestão (gerenciamento técnico) para apoiar ou rejeitar as decisões tomadas. Nesse contexto ou nessa arena, os tomadores de decisão ativos buscam alterar a situação problemática imbuídos de seus recursos de poder, enquanto agentes burocráticos fazem o mesmo, o que conduz a múltiplos resultados potenciais para as políticas públicas, que retroalimentam a agenda governamental.

Dessa sorte, de acordo com o Modelo Interativo, como se pode notar na figura a seguir, há sempre uma combinação de movimentos ascendentes e descendentes no processo das policies.

Modelo Interativo

Fonte: GRINDLE e THOMAS, 1991.

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Em 1994, outra Teoria Híbrida foi elaborada: o “Modelo Interativo-Iterativo”, de Bernardo KLIKSBERG. Seu Modelo é “interativo”, haja vista as fases da política pública não serem estanques, mas interagirem umas com as outras e se afetarem mutuamente. E é “iterativo”, porque o processo vai sendo repetido, em um movimento espiral, circular. A formação da agenda governamental levaria às etapas de decisão política, que, por sua vez, originam as características das políticas públicas. Essas características das políticas desencadeiam reações por parte dos atores sociais e dos agentes públicos (como burocratas, organizações e políticos), que mobilizam seus recursos de poder com o objetivo de modificar as decisões tomadas e também as características da policy. As decisões reformuladas tornariam a influenciar a mobilização de recursos de poder dos diversos atores políticos. Graças ao emprego desses recursos, os resultados potenciais da política pública são múltiplos e retroalimentam tanto a agenda política quanto as etapas de decisão, em um processo contínuo, ininterrupto.

Não existe, segundo o Modelo Interativo-Iterativo, uma linha demarcatória clara entre agenda, etapas de decisão e implementação de políticas. Segue-se um esboço da arquitetura dessa tese.

Modelo Interativo-Iterativo

Fonte: KLIKSBERG, 1995.

9.2 Considerações a Respeito da Implementação

A implementação, portanto, corresponde a um conjunto de processos bastante complexos das políticas públicas. Sabe-se que esses processos não ocorrem

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Agenda Etapas da Decisão Características da Política

REAÇÕES

Sociedade Agentes Públicos

Mobilização de Recursos

Múltiplos Resultados Potenciais

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automaticamente após a aprovação dos instrumentos legais que normatizam a política. Por outro lado, sabe-se também que, muitas vezes, esses processos não se desencadeiam, pois decisões essenciais à formulação da política pública são desviadas para a implementação.

Para que a implementação se torne uma realidade, é necessária a mobilização dos atores políticos abarcados por ela. Um hiato (gap) ou um déficit de implementação acontece quando uma política pública não pôde ser colocada em prática da maneira apropriada, porque aqueles envolvidos com sua execução não foram suficientemente cooperativos ou eficazes, ou, porque, a despeito de seus esforços, não foi possível contornar obstáculos externos – já que o contexto afeta decisivamente a implementação.

Por esses motivos, é indispensável que se faça o acompanhamento, o monitoramento e o controle do processo de implementação de uma política pública, considerando-se variáveis como: o tipo de política pública e de arena política, o contexto inter e intra-organizacional no qual ocorre a implementação, e o mundo externo sobre o qual a política deverá exercer o seu impacto.

Os implementadores compreendem um variado conjunto de atores, em sua maioria, distantes do topo da pirâmide política. Em virtude disso, o acompanhamento de uma política pública deve indagar se as suas ideias e percepções são consistentes com as que regem a política em cuja implementação estão envolvidos. Isso nem sempre ocorre, isto é, nem sempre os indivíduos que atuam na implementação de uma política sequer têm consciência de que estão trabalhando como implementadores de algo tão abstrato quanto uma política pública. Com exceção dos que operam nos níveis mais elevados das organizações, na maior parte das vezes, os indivíduos creem que estão cumprindo sua rotina de trabalho cotidiana.

Há de se considerar, ainda, que nem sempre a implementação se distingue do próprio processo de formulação e, como já comentado, a implementação acaba sendo algo como "a formulação em processo". Com isso, os próprios objetivos da policy e os problemas relacionados a ela não são conhecidos, antecipadamente, em seu conjunto. Distintamente disso, vão aparecendo à medida que o processo avança, muitas vezes embaralhados com outros objetivos organizacionais. Se há políticas públicas que possuem características de "programas" – com objetivos e recursos definidos claramente –, outras não possuem tais características, sendo muito menos nítidas, inclusive quanto aos seus limites.

Ao se trata de políticas públicas com características de "programas", uma das dificuldades resulta do modo pelo qual esses programas interagem e entram em conflito com outros programas existentes. Nessa circunstância, diversas coisas podem ocorrer: a) novas iniciativas podem trazer mudanças que afetam atividades em andamento, com as quais podem entrar em conflito; b) muitas áreas e muitos setores de políticas são dominados por agências governamentais que tomam decisões intra-organizacionais sobre como compatibilizar os novos programas com os antigos; c) o Poder Executivo domina o sistema governamental e legisla de muitas formas, e apenas alguns aspectos destas decisões aparecem como atos específicos do Congresso e, por essa razão, as decisões do Legislativo podem parecer ambíguas, pouco claras.

Então, frequentemente o estudo e o acompanhamento da implementação se deparam com a dificuldade de identificar o que é que efetivamente está sendo implementado, pois as políticas públicas são fenômenos complexos. Eventualmente, essa complexidade é intencional, ou seja, em certos casos, as políticas formuladas podem ter apenas o objetivo de permitir que os políticos ofereçam ao público satisfações simbólicas 76, sem que haja nenhuma intenção verdadeira de implementá-las.

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76 Ver seção 6, que trata das tipologias de politicas, no trecho em que GUSTAFSSON (1983) elenca as políticas simbólicas.

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Qualquer sistema político no qual a formulação e a implementação sejam separadas – seja pela divisão entre o Legislativo e o Executivo, seja pela divisão entre níveis de governo (federal, estadual, municipal) – oferece oportunidades para a adoção políticas simbólicas. Em outras palavras, uma instância pode facilmente assumir que tomou a decisão demandada pelo público, sabendo antecipadamente que os custos de sua implementação irão recair sobre outra instância, sem que sejam providenciados os recursos necessários para tornar a ação possível. Mesmo quando não é esse o caso, é importante observar que a solução do problema sobre o qual a ação irá incidir deve requerer negociação e compromisso. Por isso, o acompanhamento e o controle da implementação das políticas públicas exigem que se tenha em mente que: a) muitas políticas representam compromissos entre valores e objetivos conflitantes; b) muitas políticas públicas envolvem compromissos com interesses poderosos dentro da estrutura político-organizacional de implementação; c) muitas políticas abrangem compromissos com interesses poderosos sobre quem será afetado pela implementação; d) muitas políticas são formuladas sem que tenha sido dada a atenção necessária ao modo pelo qual variáveis importantes (particularmente as forças econômicas) poderão impossibilitar a sua implementação.

É preciso reconhecer que esses compromissos não são imutáveis, mas que ainda assim, eles podem persistir durante todo o processo de transformação da decisão em ação; e que, para alguns tomadores de decisão pode ser muito conveniente que isso ocorra, de sorte a liberá-los dos problemas da decisão.

Outro problema tem a ver com o fato de muitas decisões quanto a políticas públicas não cuidarem da promulgação de programas explícitos e da instituição de novas atividades neles. Em lugar disso, elas se resumem a ajustamentos na forma pela qual as atividades existentes são realizadas. Um exemplo comum disso são os aumentos ou as reduções de recursos financeiros, humanos ou organizacionais para atividades específicas, de modo que o resultado pode ser o estímulo ou, ao contrário, o cancelamento de determinadas políticas públicas, sem que isso seja declarado diretamente por qualquer agência governamental. Esse aspecto torna a implementação um assunto ainda mais complexo, já que a relação entre o ajuste nos recursos financeiros, humanos ou organizacionais, e o próprio programa nem sempre é direta.

Além do aspecto relativo aos recursos financeiros, outra forma de interferir em uma política pública em andamento é a mudança na estrutura governamental: transferências de serviços e de atribuições de uma agência para outra, instituição de novas regras sobre a gestão de determinadas atividades, etc. Tudo isso muda o balanço de poder do sistema de implementação e pode afetar as próprias políticas: a mudança nas regras do jogo, afinal, pode mudar o resultado do jogo político.

A ideia antes mencionada, da implementação de políticas públicas como "a formulação em processo", traz importantes contribuições para o entendimento da dinâmica da implementação. De fato, nem sempre todas as decisões relevantes são tomadas durante a fase que convencionalmente se denomina formulação. E, na verdade, existem diversas razões para que algumas decisões sejam adiadas para a fase da implementação. Por exemplo: a) porque se considera necessário esperar que todos os fatos estejam à disposição dos implementadores para tomar algumas decisões fundamentais; b) porque há a crença de que os profissionais da implementação – mais do que outros atores – terão o conhecimento técnico necessário para tomar certas decisões; c) porque existe pouco conhecimento sobre o impacto efetivo das novas medidas; d) porque existem conflitos que não puderam ser resolvidos durante o estágio de formulação; e) porque se considera que seja politicamente inconveniente tentar resolver esses conflitos no momento da formulação; f) porque há o reconhecimento de que as decisões envolvem negociações e compromissos

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com interesses poderosos que poderão ser mais bem conduzidas caso a caso, na ocasião da implementação.

Assim, a implementação representa a continuação da formulação e compreende flexibilização, idas e vindas, etc., de maneira que configura um contínuo processo de interação e negociação ao longo do tempo, entre aqueles que querem pôr uma política pública para funcionar e aqueles de quem esse funcionamento depende. Nessa circunstância, é preciso identificar quem procura influenciar o quê, a quem, como e por quê. Por outro lado, as atitudes dos agentes públicos responsáveis pelas políticas costumam ignorar todas essas considerações. Mesmo quando se trata de atores capacitados e comprometidos com a realização de uma política, três atitudes são bastante comuns. Primeiro, os que decidem presumem que o fato de uma política ter sido decidida automaticamente garante que ela seja implementada. Segundo, todas as atenções se concentram na decisão e no grupo decisório, enquanto a implementação permanece ignorada ou é tratada como se fosse de responsabilidade de outro grupo. Terceiro, aparentemente, se supõe que a implementação se resume a levar a cabo o que foi decidido, logo, é apenas uma questão de os implementadores “cumprirem suas obrigações” para executar a política.

Como foi estudado, a realidade é muito mais complexa que isso. Em virtude de todos esses fatores, uma política pública pode simplesmente não chegar a ser implementada, ora pela reação de interesses contrariados, ora pela reação ou omissão dos agentes públicos envolvidos, ora pela reação ou omissão até mesmo dos seus possíveis beneficiários. Ou, alternativamente, pode haver apenas algumas de suas partes implementadas; partes implementadas contraditoriamente à decisão e aos seus objetivos; partes implementadas de maneira diversa – embora não contrária – do que foi previsto; partes implementadas contraditoriamente entre si. Muitas outras coisas podem ocorrer, gerando resultados absolutamente díspares daquilo que se pretendia com a decisão.

Essa variedade de resultados possíveis decorre de a implementação ser um processo interativo e continuado de tomada de decisões por numerosos e pequenos grupos, os quais apresentam reações efetivas ou potenciais à decisão; e no qual o somatório das ações individuais em pontos estratégicos influencia significativamente os resultados obtidos.Com efeito, o que existe não é um processo acabado, mas sim um movimento contínuo e oscilante, que compreende a interação entre a política pública, uma estrutura de relações políticas e organizacionais de grande complexidade e um mundo exterior não apenas profundamente diferenciado, como também dotado de uma dinâmica cada vez mais acelerada.

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10. MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS

A avaliação de políticas públicas e de programas governamentais, bem como o planejamento em âmbito governamental, ganhou força com as mudanças do papel do Estado, especialmente devido ao esforço de reconstrução dos Estados após a II Guerra Mundial, à adoção de políticas de bem-estar social e à consequente necessidade de analisar os custos e as vantagens de suas intervenções na realidade. Mais recentemente, no âmbito do profundo processo de transformação nas relações entre o Estado e a sociedade e da reforma da Administração Pública, que passa da priorização de processos para a ênfase em resultados, a avaliação assume a condição de instrumento estratégico para toda a gestão pública.

No Brasil, os estudos acadêmicos se detiveram mais sobre o exame da avaliação a partir da década de 1990, com a implementação dos denominados “modelos de gestão orientados para resultados”. A ênfase em resultados trouxe a necessidade de avaliação a fim de constatar se os objetivos eram atingidos e de viabilizar a prestação de contas do Estado à sociedade. A trajetória histórica da avaliação compreende um primeiro estágio, centrado na mensuração dos fenômenos analisados, depois avança em direção às formas de atingir resultados, evoluindo para um julgamento das intervenções públicas não somente quanto à sua eficácia e eficiência, mas também quanto à sua efetividade, sustentabilidade, equidade, entre vários outros critérios. Há muitas definições do que seria “avaliação”, sendo consensual entre os pesquisadores a sua característica de atribuição de valor. A decisão de aplicar recursos em uma ação pública sugere o reconhecimento do valor de seus objetivos pela sociedade. Desse modo, a avaliação deve verificar o cumprimento dos objetivos e validar ininterruptamente o valor social incorporado à consecução desses objetivos (MOKATE, 2002). O termo “avaliação” é amplamente empregado em muitos e diversificados contextos, sempre se referindo a julgamentos. Por exemplo, se vamos ao cinema ou ao teatro, formamos uma opinião pessoal sobre o que vimos, considerando satisfatório ou não. Quando assistimos a um jogo de futebol, formamos opinião sobre as habilidades dos jogadores e assim por diante. Esses são julgamentos informais que efetuamos cotidianamente sobre todos os aspectos de nossas vidas, e compõem o que seriam as avaliações “informais”. Porém, há avaliações muito mais rigorosas e formais, envolvendo julgamentos detalhados e criteriosos, sobre a consecução de metas, por exemplo, em programas de redução da exclusão social, na melhoria da saúde dos idosos, na prevenção da delinquência juvenil ou na diminuição de infecções hospitalares. Dessas últimas é que esse texto trata – as avaliações “formais” ou, simplesmente, “avaliações”.

Na gestão das políticas públicas, a avaliação expressa um potente instrumento, na medida em que pode – e deve – ser integrada a todo o ciclo de sua gestão, subsidiando desde a identificação do problema, o levantamento das alternativas, o planejamento e a

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PARA APRENDER POLÍTICAS PÚBLICAS – Volume 1

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formulação de uma intervenção na realidade, o acompanhamento de sua implementação, os consequentes ajustes a serem adotados, e até as decisões sobre sua manutenção, seu aperfeiçoamento, sua mudança de rumo ou sua interrupção. A avaliação não está, portanto, circunscrita ao momento posterior e final à implementação de uma política pública. Outrossim, a avaliação pode contribuir para a viabilização de todas as atividades de controle interno e externo, por instituições públicas e pela sociedade, implicando mais transparência e accountability (responsabilização e prestação de contas – ver Volume 2) às ações de governo.

Por que isso não tem ocorrido? Em sua análise, Karen Marie MOKATE (2002) evidencia algumas das possíveis razões para a avaliação não ter-se integrado facilmente ao ciclo de gestão das policies:

a) os paradigmas gerenciais dificultam a apropriação da avaliação pelas equipes de gestão, visto que focalizam mais as atividades e os processos do que os resultados, não valorizando a explicitação de metas e de objetivos, nem a responsabilização pelo cumprimento desses;

b) as aplicações convencionais do monitoramento e da avaliação têm se realizado de um modo que não favorece sua adoção como ferramenta de gestão, sendo frequentemente realizados apenas pelos avaliadores externos e com a conotação de “fiscalização”, “auditoria” ou “controle”, cujos resultados não costumam ser utilizados no processo decisório e gerencial;

c) a complexidade dos objetivos e a adoção de estratégias e tecnologias diferenciadas, que não necessariamente conduzem ao mesmo resultado, dificultam a avaliação das intervenções. A sensibilidade dos problemas sociais a múltiplas variáveis faz com que a seleção de estratégias para o seu enfrentamento se baseie em hipóteses de relações causais. É particularmente difícil atribuir, por intermédio da avaliação, as mudanças observadas a uma intervenção específica operada sobre um problema, até porque, habitualmente, os efeitos de algumas intervenções só se evidenciam no longo prazo.

Além dos objetivos relacionados à eficiência e à eficácia dos processos de gestão pública, a avaliação é decisiva para o processo de aprendizagem institucional e também corrobora para a busca e a obtenção de ganhos nas ações governamentais em termos de satisfação dos usuários e de legitimidade social e política. Por essas e outras razões, a literatura tem ressaltado a importância dos processos avaliativos para a reforma das políticas públicas, a modernização e a democratização da gestão pública.

Conforme Zulmira M. A. HARTZ (1999), nas democracias consolidadas, os processos de avaliação de políticas vêm se tornando crescentemente institucionalizados. Isso exige o empenho das estruturas político-governamentais na adoção da avaliação como prática regular e sistemática de suas ações, na regulação das práticas avaliativas e no fomento de uma cultura de avaliação integrada aos processos gerenciais.

No Brasil, a importância da avaliação das políticas públicas é reconhecida em documentos oficiais e científicos, embora esse reconhecimento formal ainda não se traduza em processos de avaliação sistemáticos e consistentes que subsidiem a gestão pública. O consenso no plano do discurso, não produz automaticamente a apropriação dos processos de avaliação como ferramentas de gestão, pois a tendência é percebê-los como um dever, ou até mesmo como uma ameaça, impostos por alguma instância de governo ou por organismos financiadores internacionais (HARTZ; POUVOURVILLE, 1998).

A realidade é que toda avaliação de políticas públicas se depara com uma série de desafios. Primeiramente, deve lidar com as limitações do fato de uma de suas principais fontes de informações ser os registros administrativos. Ora, como a avaliação nem sempre é concebida com o intuito de apoiar a formulação da política pública (“ex-ante”, de acordo com o que será explanado abaixo), os registros administrativos não são elaborados com o

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propósito de prover os dados necessários à avaliação. Por esse motivo, o avaliador sempre tem de lidar com lacunas nesses dados e tentar superá-las.

Em segundo lugar, outra fonte de informações para os avaliadores são os beneficiários, dos quais se obtêm dados diretos. Isso coloca a necessidade de construir instrumentos fidedignos de coleta, bases de dados precisas e confiáveis o suficiente para sustentar as apreciações a serem feitas. Assim, quanto mais sólido o treinamento metodológico do avaliador, melhor, apesar de que a avaliação não se resume à aplicação de técnicas de pesquisa.

Em terceiro lugar, é importante que sejam avaliados os contextos da política pública. Há uma importante pergunta nesse sentido: por que é que, em contextos diferentes, as mesmas ações apresentam resultados diferentes?

Em quarto lugar, ao mesmo tempo em que a avaliação implica associar meios e fins, é preciso abrir a possibilidade de exame de resultados não antecipados. Isso tem sido feito com métodos de “Avaliação Livre dos Resultados” ou “Avaliação Independente dos Objetivos”, consoante será visto em breve, que permitem questionar se há outros processos que podem produzir tais resultados, independentemente dos objetivos e dos atos dos gestores da política pública.

Em quinto lugar, é preciso que a avaliação das policies seja capaz de captar mudanças no decorrer do tempo, retroalimentando as políticas, os programas e os projetos. Isso requer que, ao invés de representar uma iniciativa pontual, a avaliação seja concebida como um processo contínuo.

Em sexto lugar, é necessário abrir a possibilidade da avaliação de políticas públicas orientada para a inovação. Trata-se da avaliação que começa com o início do ciclo de vida de uma política, quando há pouco conhecimento sobre ela. Esse tipo de avaliação subentende uma concepção ex-ante, ou seja, a avaliação é construída anteriormente à própria formulação, com base na qual se realizam simulações com a finalidade de identificar estratégias e propor cursos de ação. Sua aplicação, evidentemente, requer o estabelecimento de uma linha de base dos dados (“baseline”) e a coleta e análise de evidências capazes de sustentar políticas novas.

Ademais, um aspecto essencial relacionado à avaliação de políticas diz respeito aos próprios avaliadores, suas habilidades e competências, além das habilidades analíticas, que não estão em discussão. É fundamental que os avaliadores tenham capacidade de trabalhar com “policy-makers” (os tomadores de decisão e todos aqueles envolvidos na realização da política pública), de modo a estabelecer com eles parcerias estratégicas visando o melhor resultado das políticas públicas. Isso exige que, sem perder a característica da independência da avaliação, seja suplantada a concepção de que avaliadores e gestores se situam em campos opostos. Também é importante que os avaliadores sejam capazes de atuar junto aos stakeholders, estabelecendo diálogos, ajudando a construir consensos e a gerenciar mudanças. É igualmente necessário que sejam capazes de verificar a coerência da política pública e de interpretar resultados com o distanciamento requerido. Por fim, é indispensável que a avaliação cause consequências no modus operandi da policy em questão. Esse aspecto demanda que os avaliadores sejam capazes de formular recomendações de alta qualidade e de elaborar planos de ação com o intuito de aperfeiçoar as políticas, os programas e os projetos. Essas habilidades representam a base para a formação e consolidação de uma “cultura de avaliação” das políticas, na qual as falhas sejam vistas como oportunidades de aprendizado para se fazer mais e melhor em termos de políticas públicas.

No paradigma de gestão orientada para resultados, as políticas devem ser avaliadas pelo cumprimento de seus objetivos e seus gerentes devem ter incentivos naturais para utilizar informação no acompanhamento de seu desempenho em relação a esses objetivos.

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MOKATE (2002) aponta quatro desafios a serem enfrentados prioritariamente para o estabelecimento de um processo de avaliação de políticas integrado às suas atividades gerenciais:

a) a definição de um marco conceitual da intervenção que se pretende avaliar, indicando claramente os objetivos, os resultados e as supostas relações causais que orientam a política pública, pois quando não se sabe aonde e como se quer chegar, torna-se muito difícil avaliar o desempenho;

b) a superação da lacuna entre o “quantitativo” e o “qualitativo” na definição de metas e objetivos e na própria avaliação, produzindo complementaridade e sinergia entre eles;

c) a identificação e a pactuação de indicadores e de informações relevantes, levando em conta o marco conceitual e as diversas perspectivas e os interesses dos atores envolvidos;

d) a definição e o manejo gerencial dos fluxos de informação gerados pelo processo avaliativo, especialmente aplicando-os à tomada de decisões, e a introdução de estratégias para sua disseminação e de incentivos ao uso dessa informação.

10.1 Conceitos Básicos: monitoramento, avaliação, acompanhamento, pesquisa avaliativa. Insumos, pressupostos, produtos, processos, efeitos, impactos

A avaliação de políticas públicas, de programas e de projetos governamentais possui finalidades bastante precisas:

a) viabilizar a prestação de contas (accountability), mediante a oferta de informações para julgar e aprovar decisões, ações e seus resultados;

b) desenvolver e melhorar estratégias de intervenção na realidade, uma vez que a avaliação necessariamente deve ser capaz de propor algum aperfeiçoamento da política pública que está sendo avaliada;

c) proporcionar aos atores envolvidos nas políticas públicas, segundo sua situação: empoderamento, já que a avaliação deve abrir espaço para a democratização da atividade pública; promoção social, pois a avaliação deve ser instrumento que possibilite a incorporação de grupos sociais excluídos; e desenvolvimento institucional, porque a avaliação contribui para a melhoria organizacional, o aprendizado institucional, e o fortalecimento das instituições envolvidas.

Entre as inúmeras definições de avaliação existentes, pode-se sustentar que avaliação formal é (i) um julgamento (porque envolve valores) tendo por base uma análise (pois faz também um exame) (ii) sistemática (porquanto se baseia em critérios e procedimentos previamente reconhecidos) (iii) dos processos ou dos produtos de (iv) uma política, um programa ou um projeto, tendo como referência (v) critérios explícitos (a avaliação deve ser transparente), com vistas a contribuir para (vi) o seu aperfeiçoamento, a melhoria do processo decisório, o aprendizado institucional e/ou o aumento da accountability.

A avaliação pode ter por objeto o conteúdo da política pública (sua finalidade, seu público-alvo, o local em que atua, etc.), sua estrutura (a relação existente entre os objetivos, as metas, os insumos e as atividades de uma política), seu processo (como se organizam as atividades de implementação daquela policy), seus produtos (as entregas de bens públicos e de serviços à sociedade), a qualidade (dos bens e serviços entregues), seus efeitos e/ou impactos (as consequências da policy).

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De maneira bastante sintética, então, é possível definir a avaliação formal de políticas, programas ou projetos77 como o exame sistemático de quaisquer intervenções planejadas na realidade, baseado em critérios explícitos e mediante procedimentos reconhecidos de coleta e análise de informação sobre seu conteúdo, sua estrutura, seu processo, seus produtos, sua qualidade efeitos e/ou seus impactos.

Nesse enunciado destacam-se duas dimensões da avaliação. A primeira é técnica e concernente à coleta e análise, de acordo com procedimentos reconhecidos, das informações que poderão ser utilizadas nas decisões relativas a qualquer política pública, programa ou projeto. Essa dimensão diz respeito à “pesquisa avaliativa”, que é um instrumento da avaliação.

A segunda dimensão é valorativa, e consiste no exame das informações obtidas, à luz de critérios específicos, com a finalidade de extrair conclusões acerca do valor da política pública, do programa ou do projeto. O intuito desse julgamento não é classificar as intervenções como “boas” ou “más”, “exitosas” ou “fracassadas”. Representa, antes, um processo de apoio ao aprendizado contínuo, em busca de melhores decisões e de amadurecimento da gestão.

A essa altura cumpre distinguir avaliação de pesquisa avaliativa, que diz respeito aos métodos e às técnicas de coleta de dados para a avaliação. Nesse sentido, a avaliação formal pode lançar mão de um conjunto de métodos de diagnóstico e análise, de técnicas de coleta de dados, como “surveys”, observação, entrevistas em profundidade, individuais ou em grupos focais; e de instrumentos como questionários, formulários, roteiros de observação, etc., do arsenal próprio da pesquisa social.

Uma vez que compreende tanto a mensuração como a valoração, a avaliação não pode ser considerada uma tarefa neutra. No entanto, existe um reconhecido grau de confiabilidade nela, já que se apoia em princípios e critérios, não determinando apreciações ao acaso, ao sabor das variadas preferências e dos interesses de cada avaliador.

A avaliação formal permite julgar processos e produtos de vários modos. Primeiro, levantando questões básicas tais como os motivos de certos fenômenos (por exemplo: por que, apesar dos programas de educação ambiental, persistem atitudes predatórias ao meio ambiente entre parte da população brasileira?). Esse tipo de avaliação pode focalizar relações de causa e efeito com a finalidade de recomendar mudanças nas medidas adotadas para lidar com um problema.

Em segundo lugar, a avaliação formal pode ser usada para acompanhar políticas públicas ou programas de longo prazo. Nesses casos são realizadas diversas avaliações em estágios-chave da política ou do programa, a fim de prover dados confiáveis sobre os seus impactos e sobre como podem ser eles mitigados ou mais bem explorados.

Em terceiro lugar, ao final de um programa ou de um projeto, a avaliação pode indicar o seu sucesso na consecução dos seus objetivos, bem como permitir avaliar a sua sustentabilidade, isto é, a possibilidade da permanência dos resultados obtidos no decorrer do tempo.

A avaliação formal pode contribuir para aperfeiçoar a formulação de políticas públicas e de projetos e, sobretudo, tornar mais responsável o estabelecimento de metas, ao apontar em que medida os governos se mostram responsivos frente às necessidades dos cidadãos. Pode também: mostrar se as políticas e os programas estão sendo concebidos de modo coordenado ou articulado e em que medida estão sendo adotadas abordagens inovadoras na resolução de problemas que antes pareciam intratáveis; sinalizar como vão sendo

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77 Uma política é executada por meio de programas e projetos; cada uma dessas instâncias pode ser considerada como uma unidade específica, em seu âmbito, para fins de avaliação.

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construídas as parcerias entre os governos central e local, entre os setores público e privado; identificar as condições de sucesso ou fracasso dessas parcerias; e indicar como elas podem ser aperfeiçoadas, com a intenção de ganharem abrangência e se tornarem estratégias nacionais das políticas de desenvolvimento.

A despeito dos progressos realizados, a atividade de avaliação formal ainda é recente em muitos países, a depender do grau de modernização dos seus modelos de administração e até mesmo do grau de democratização política e social. O fato de a avaliação ser ainda uma prática tão recente permite entender os motivos para ainda não ter ocorrido a consolidação conceitual dessa área. Na verdade, muitos conceitos são adotados de maneira vaga e imprecisa, provocando dificuldades ao diálogo, à transparência e ao fortalecimento da própria avaliação.

Uma primeira distinção útil é a que se pode estabelecer entre avaliação, monitoramento e acompanhamento. Talvez por ser menos frequente que a avaliação, o monitoramento de programas e de projetos geralmente tem sido confundido, em nosso país, tanto com a avaliação quanto com o acompanhamento.

O monitoramento diferencia-se da avaliação sob vários aspectos. Primeiro, enquanto

a avaliação é o exame discreto de processos, produtos, qualidade, efeitos e impactos das ações realizadas; o monitoramento é o exame contínuo de processos, produtos, efeitos e impactos das ações realizadas. Devido a essa característica, o escopo dessas duas atividades é diferente: ao passo que a avaliação deve explorar em profundidade os aspectos sobre os quais incide, o monitoramento não tem como alcançar tal profundidade, haja vista sua necessidade de privilegiar a celeridade dos achados, para que possa subsidiar decisões sobre a condução das políticas, dos programas e dos projetos. Também pela mesma razão, enquanto a avaliação produz relatórios mais complexos e densos, o monitoramento produz pequenos sumários de dados parciais, aos quais se costuma incorporar uma ajuda memória ou uma ata de decisões tomadas com base nos achados. Em quarto lugar, enquanto a avaliação pode ser usada ou não para subsidiar a tomada de decisões, o monitoramento sempre precisa ter essa aplicação. Por isso, diferentemente da avaliação, todo monitoramento tem de incluir os procedimentos para a imediata apropriação dos achados produzidos e deve ser inserido no processo da gestão da política pública. Em quinto lugar, mesmo sendo possível monitorar atividades, processos, produtos, efeitos e impactos, em regra, o monitoramento se concentra em atividades, processos e produtos, tendo como referência o desenho da política, do programa ou do projeto. Já a avaliação não necessariamente possui essa relação com o desenho da intervenção, sendo, inclusive, recomendável o uso de metodologias de “Avaliação Independente de Objetivos”.

Em suma, o monitoramento é o exame contínuo de insumos, atividades, processos,

produtos (preliminares, intermediários e finais) de uma intervenção, com a finalidade de otimizar a sua gestão, ou seja, obter mais eficácia, eficiência e, a depender do alcance do monitoramento, efetividade. A literatura traz algumas definições complementares de monitoramento. Ele pode ser conceituado como o procedimento mediante o qual se verifica a eficiência e a eficácia da execução de um projeto, por meio da identificação de seus êxitos e suas debilidades e, em consequência, recomenda medidas corretivas para otimizar os resultados esperados do projeto. Sob outra ótica, o monitoramento consiste no acompanhamento contínuo, cotidiano, por parte de gestores e gerentes, do desenvolvimento dos programas e políticas em relação a seus objetivos e suas metas. É uma função inerente à gestão dos programas, devendo ser capaz de prover informações sobre o programa para seus gestores, permitindo a adoção de medidas corretivas para melhorar sua operacionalização (VAITSMAN; RODRIGUES; PAES-SOUSA, 2006, p. 21).

O monitoramento implica, portanto, a possibilidade de interferência no curso da implementação de uma política, um programa ou um projeto, caso se perceba que a sua concepção não é adequada à solução do problema, por equívoco de planejamento ou por mudança da própria realidade. Assim, o monitoramento dispõe do chamado “Plano de

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Ação”, “Plano de Execução” ou “Plano de Atividades” como referência, mas não deve estar preso a esses Planos, podendo levar à recomendação de sua mudança. Por todos esses fatores, o monitoramento é uma ferramenta de gestão interativa e proativa, que se vale de informações com a profundidade necessária para o seu desígnio (nada além disso, sob o risco de comprometer as suas celeridade e tempestividade), e se baseia sempre na análise dos dados (não somente no seu registro).

Adota-se o monitoramento para:

a) identificar falhas no desenho da política pública, do programa ou do projeto e/ou no seu Plano de Ação ou de Execução, provenientes ou de erros de formulação ou de mudanças imprevistas da realidade;

b) estabelecer se a política, o programa ou o projeto está sendo implementado conforme o planejado;

c) examinar continuamente os pressupostos da política, do programa ou do projeto, com o propósito de especificar os riscos de não serem realizados os objetivos;

d) identificar problemas recorrentes que precisam ser solucionados e prever suas consequências sobre a consecução dos objetivos;

e) recomendar mudanças no Plano de Ação ou de Execução.

Os resultados do monitoramento são aplicados no aperfeiçoamento do trabalho de equipe e na tomada de decisões, e ele deve propiciar a aprendizagem organizacional.

O monitoramento se diferencia do acompanhamento, o qual corresponde às

atividades de registro e de documentação do processo de implementação da política pública, com a finalidade de assegurar o cumprimento do Plano de Atividades ou Plano de Ação, sem questionar a sua pertinência frente ao problema a ser solucionado. O acompanhamento caracteriza-se pelas atividades de supervisão, fiscalização e controle, não tendo natureza interativa, nem proativa. As informações suscitadas por ele tendem a ser formais e superficiais, e geralmente se limitam a ser registradas e informadas, nem sempre sendo analisadas. Os resultados do acompanhamento raramente são compartilhados e são pouco utilizados como ferramenta de gestão da política pública.

O monitoramento representa uma ferramenta de uso cotidiano na gestão de políticas, programas e projetos. Orienta-se para a busca de respostas às seguintes indagações:

Em que medida são cumpridas as atividades especificadas na programação? Em que medida estão presentes os recursos necessários? Com que grau de tempestividade os recursos necessários estão disponíveis? Em que medida está sendo observada a sequência das ações? Qual o grau de proximidade observado entre a quantidade e a qualidade de ações, serviços ou produtos planejados e os que estão sendo executados? Em que medida a intervenção vem atingindo a população-alvo? Que manifestações de queixa ou satisfação ocorrem entre os diversos atores envolvidos na execução da política/programa? Onde podem ser identificados pontos de estrangulamento na produção de bens ou serviços? Que recursos vêm se mostrando sub-utilizados? Que oportunidades existem para otimizar a exploração do recurso “x”? Qual a consistência entre o que foi planejado, a realidade do contexto e as necessidades da população-alvo? A estratégia proposta mostra-se adequada aos objetivos da intervenção? Existem necessidades de mudança? Quais as dificuldades e os riscos não previstos que podem comprometer o alcance dos objetivos? Que oportunidades inesperadas surgiram e podem ser exploradas em benefício dos resultados?

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Alguns conceitos muito presentes às falas dos interessados em monitoramento e avaliação assumem uma importância singular, uma vez que definem o recorte do objeto a ser avaliado. Infelizmente, não são tão precisos quanto deveriam. O primeiro deles é “resultado”, que vem sendo empregado em oposição a “processo”, principalmente no âmbito do debate sobre os novos modelos de gestão da Administração Pública. O debate, no caso, distingue “o que se obtém com a ação” e “os procedimentos adotados na ação”, ou, em outras palavras: fins e meios. A palavra “resultado”, porém, é genericamente usada para denotar coisas tão diferentes quanto produtos preliminares e intermediários, produtos finais, efeitos e até impactos. Logo, deve-se ou especificar a que se refere o termo, ou procurar uma palavra mais precisa.

Outro conceito muito presente no monitoramento e na avaliação é expresso pela palavra “produto”. O termo tornou-se comum na linguagem administrativa, principalmente devido à influência dos organismos internacionais e às metodologias de planejamento nas quais os “produtos” funcionavam como referências de conclusão das etapas de trabalho. Na realidade, “produto” é uma tradução da palavra inglesa “output” – expressa uma saída (bens ou serviços) de um sistema que processou inputs ou insumos. Ordinariamente, os produtos são designados como “metas”, quando se define uma quantidade de um produto (objeto) em um espaço de tempo.

A palavra output refere-se a produtos de diferentes níveis de elaboração ou de complexidade que um sistema pode originar, cada um dos quais significa, ao mesmo tempo, uma saída, mas também um insumo para as atividades que irão determinar os produtos subsequentes, de maiores complexidade e elaboração. Então, quando nos referimos a produtos, é útil estabelecer uma hierarquia de complexidade, identificando produtos preliminares ou iniciais, que serão insumos necessários à geração de produtos intermediários, os quais, por seu turno, serão insumos para os produtos finais.

O produto final é sempre uma saída direta, objetivamente detectável, da operação de um sistema: bens ou serviços – como vacinas aplicadas, livros distribuídos, refeições servidas, alunos certificados, áreas reflorestadas, etc. Nesse sentido, o produto final diferencia-se do “efeito”, que é a sua consequência: a mudança desencadeada na realidade pelo produto final. Vacinas aplicadas podem ter como efeito a imunização e redução da incidência de uma doença; livros distribuídos podem ter como efeito uma melhoria da capacidade de leitura; refeições servidas podem ter como efeito uma melhoria da relação estatura/idade das crianças ou uma redução da incidência das doenças nutricionais; alunos certificados podem ter como efeito um aumento relativo da escolaridade geral da população; áreas reflorestadas podem ter como efeito uma redução dos processos de erosão da terra, etc. O termo em língua inglesa para “efeito” é “outcome”, que guarda clara diferença de “output”.

O “efeito” está diretamente relacionado ao produto final de uma intervenção (política pública, programa ou projeto) e sempre exprime uma mudança em uma situação pré-existente. Por isso, os efeitos pretendidos devem estar assinalados como “objetivos”78. Toda a atividade de gestão, nos novos modelos de administração, destina-se à obtenção de efeitos. Por definição, os gestores executam processos destinados a gerar produtos com a finalidade de produzir efeitos, ou seja, transformar a realidade. Relacionada à obtenção dos efeitos, a palavra “efetividade” ganhou especial destaque nos últimos tempos, referindo-se a um dos mais importantes critérios de avaliação.

De igual relevância, um conceito pouco preciso, mas frequentemente usado como sinônimo de efeitos, é “impacto”. Enquanto “efeito” é definido no dicionário da língua

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78 Objetivo corresponde à descrição de uma situação-problema resolvida. Observa-se, porém, que mesmo os objetivos podem ser hierarquizados em objetivos superiores, objetivos de projeto (ou gerais) e objetivos específicos.

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portuguesa como resultado necessário ou fortuito de uma causa – portanto, guarda conexão direta com a causa –, o significado de “impacto” é outro: é o choque, impressão ou abalo forte ou profundo produzido por efeitos diversos. Assim, o “impacto” é provocado pelo “efeito” (outcome), que, por sua vez, resulta de uma causa, que, em se tratando de intervenções planejadas na realidade, é um “produto” (output)79.

Aqui cabem algumas considerações. Primeiramente, os efeitos são, por definição,

previsíveis, devido à sua relação direta com os produtos. Podem ser efeitos positivos (que se pretende desencadear) ou negativos (que se deve mitigar), mas ensejam sempre o propósito da intervenção.

Já os impactos podem ser previsíveis ou não. Isso advém do fato de que não se relacionam diretamente com o produto ou a causa: sua relação é mediada pelos efeitos e pode sofrer múltiplas interveniências do ambiente em que se realizou a intervenção. Tanto os impactos previsíveis como os imprevisíveis podem ser positivos ou negativos.

Em decorrência dessa relação indireta, mediada e suscetível a interveniências diversas, os impactos podem variar no tempo e na intensidade e podem se espraiar por áreas muito distintas daquela em que ocorreu a intervenção. Por exemplo, vacinas aplicadas, que podem ter como efeito crianças imunizadas, podem ter como impactos uma redução dos gastos do sistema de saúde com o tratamento das doenças (que foram evitadas), uma redução da repetência e da evasão escolar por ter sido evitada a perda de dias letivos pelas crianças, uma redução das faltas das mães ao trabalho evitando a perda de renda das famílias, etc.

Essas características dos impactos conduzem à seguinte reflexão: uma intervenção pode ter como expectativa certos impactos, no entanto, não pode tê-los como seu objetivo direto, devido ao baixo grau de governabilidade que qualquer gestor tem sobre eles; devido às dificuldades de evidenciação da cadeia causal entre a intervenção, seu(s) produto(s), seu(s) efeito(s) e os impactos; e devido a fatores que dificultam uma identificação e mensuração clara dos impactos. Naturalmente, tudo isso impõe grandes desafios às “Avaliações de Impacto”.

De acordo com o argumento aqui apresentado, os impactos são consequências dos efeitos e esses são gerados pelos produtos. Para que os produtos (de todos os níveis) sejam originados, são necessários insumos, capacidades e atividades. Isso, porém, não é suficiente: os produtos dependem, muitas vezes, de condições externas à governabilidade da política, do programa ou do projeto. Por exemplo: a aprovação de um diploma legal pelo Legislativo, um ambiente de estabilidade da moeda, etc.

Essas condições externas, essenciais para o êxito na obtenção de um produto, chamam-se “pressupostos” ou “supostos” ou “condições”, ou, mesmo, “hipóteses”. Os pressupostos se diferenciam de “pré-requisitos”, pois esses são os produtos prévios (preliminares ou intermediários), obtidos nas etapas hierarquizadas da execução de uma intervenção, os quais se encontram sob a governabilidade da política, do programa ou do projeto e de seus gestores. A análise dos pressupostos constitui o núcleo da “Avaliação de Risco”.

Vale igualmente elucidar o conceito de “qualidade”: consiste na capacidade de um bem ou serviço atender às expectativas do seu público-alvo. O problema, nesse caso, é confundir a “Avaliação da Satisfação do Usuário” (que é fortemente afetada por fatores subjetivos, como a própria situação do usuário previamente ao acesso àquele bem ou serviço) com a “Avaliação de Qualidade” (que se baseia em critérios relativos a cada tipo de

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79 Segundo COHEN e FRANCO (1993), o impacto é definido como “os resultados dos efeitos de um projeto”. E os efeitos derivam da utilização dos produtos do projeto, sendo os produtos os resultados concretos das atividades desenvolvidas a partir dos insumos disponíveis.

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bem ou serviço; um dos critérios pode ser a satisfação dos usuários, mas não é o único possível).

10.2 Tipologias de Avaliação: ex-ante, ex-post, intermediária; de conformidade, formativa, somativa; interna, externa, mista; centrada em objetivos, independente de objetivos, baseada em análise de custo-benefício; por pares ou especialistas, adversários ou participantes

Desde o surgimento das práticas avaliativas pioneiras, nas décadas de 1960 a 1990, ocorreram significativos avanços na área de avaliação, tornando-se os conceitos mais precisos, as estratégias e as técnicas mais adequadas e os instrumentos de coleta mais acurados. Ademais, passou-se a distinguir os diversos tipos de avaliação que se pode efetuar.

Hoje existem diversas tipologias, que permitem discriminar as avaliações conforme o ponto do ciclo da política, do programa ou do projeto em que se realizam (classificam-se em: ex-ante, intermediária ou de meio-termo e “ex-post”); conforme a função a ser cumprida pela avaliação (classificam-se em: avaliação de conformidade, somativa ou formativa); conforme a origem dos avaliadores (classificam-se em: externa, interna ou mista); conforme o foco ou objeto (classificam-se em: avaliação centrada em objetivos versus independente de objetivos; centrada na administração versus avaliação de desempenho; centradas em usuários ou consumidores, etc.); conforme os envolvidos na avaliação (classificam-se em: avaliação por pares ou especialistas, por adversários, por participantes ou avaliação participativa); conforme a lógica que orienta sua concepção (baseada na Teoria do Programa, na Teoria da Implementação ou na Teoria da Mudança do Programa), a ênfase metodológica (classificam-se em: avaliação quantitativa ou qualitativa), etc.

Os mais importantes desses tipos são descritos a seguir. As categorias explicitadas provêm das obras “Avaliação de Programas: concepções e práticas”, da autoria de Blaine R. WORTHEN, Jody L. FITZPATRICK e James R. SANDERS (2004) e “Evaluation: methods for studying programs and policies”, de Carol WEISS (1998).

Inicialmente, tomando como critério o momento em que a avaliação acontece, cabe esclarecer os conceitos de avaliação ex-ante, avaliação de meio-termo e avaliação ex-post.

Numa acepção mais generalizada, a avaliação ex-ante subentende uma concepção holística, interativa e iterativa, segundo a qual a avaliação se inicia no momento em que se define o problema ou a necessidade que justifica a política pública, o programa ou o projeto. Frisa-se que ela ocorre antes de se decidir como será feita uma intervenção, ao longo da formulação da policy (é um instrumento do processo decisório), e não antes de a implementação, de fato, tornar-se realidade. Esse tipo de avaliação tem natureza “formativa”; integra as discussões em torno da formulação das alternativas de solução; e envolve a tomada de decisão, informando sobre os seus riscos e as suas limitações, as vantagens a maximizar, a consistência entre objetivos e meios, a viabilidade e suficiência dos insumos, a pertinência das soluções à esfera de atuação das organizações abarcadas na intervenção pretendida, entre outros. Há alguns tipos de avaliação ex-ante, a depender, mais uma vez, do critério adotado. Ela pode focalizar, por exemplo, a situação-problema que a política pública deseja solucionar (avaliação ex-ante de situação), ou o desenho e as articulações do projeto da política pública (avaliação ex-ante de projeto ou de estrutura), entre muitas outras categorias.

Numa outra acepção, mais restrita, a avaliação ex-ante consiste na estimativa prévia

de eficiência e de impacto do desenho de determinada intervenção. A avaliação ex-ante de eficiência corresponde, especificamente, ao cálculo de custos de cada alternativa. Além das

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categorias básicas80, os projetos podem envolver ainda custos adicionais do usuário e custos de oportunidade81. Essa modalidade de avaliação ex-ante diz respeito à construção de uma matriz de custos, que contém todos os custos que se espera que uma intervenção requeira em cada período de execução, divididos entre as diversas categorias acima citadas. Já a avaliação ex-ante de impacto relaciona-se à estimação do impacto de cada alternativa, derivado dos objetivos propostos. Essa estimação pode basear-se no “Método Delphi”82 ou pode envolver o cálculo do “custo por unidade de impacto”, que equivale ao custo de realização de 1% do impacto para um determinado objetivo, usando uma determinada alternativa, em um período de um ano (por exemplo, a redução do índice de mortalidade infantil). Em ambos os casos, a matriz de custos é empregada para a tomada de decisão, o monitoramento e a avaliação.

A avaliação ex-post corresponde a outra lógica. Em se tratando da perspectiva generalizada, refere-se, primeiramente, à avaliação que é concebida sem relação com o planejamento e nem mesmo com o processo de implementação, sendo adotada quando a política pública, o programa ou o projeto se encontra consolidado ou em fase final. Uma segunda acepção genérica alude estritamente ao momento do tempo em que é realizada a avaliação e, portanto, ao estágio da intervenção que é submetido à avaliação. Nesse sentido, a avaliação ex-post compreende tanto as avaliações intermediárias ou de meio-termo (quando se trata de intervenções que estão sendo realizadas há tempo suficiente para que sejam reconhecidos tanto os seus processos como os seus produtos: bens e serviços de produção ou prestação continuada83) como as avaliações finais, de efeitos e de impactos.

Na acepção restrita, a avaliação ex-post não diz respeito ao momento em que se pensa ou se planeja a avaliação. O foco, nessa hipótese, recai sobre o que é calculado: o custo efetivo de cada alternativa, pelo mesmo processo de análise de custos da avaliação ex-ante, porém tendo como referência os valores efetivamente despendidos. Embora usando os mesmos procedimentos de cálculo, na avaliação ex-post, os impactos são mensurados por meio da comparação entre a situação inicial da população-alvo (baseline) e a sua situação ao final de um período determinado de tempo. É possível também comparar os impactos observados com os impactos estimados na avaliação ex-ante, a fim de verificar se a seleção de alternativas de intervenção foi ótima.

Quando o foco de análise se transfere para a finalidade da avaliação ou a função desempenhada por ela, pode-se distinguir alguns tipos relevantes de análise.

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80 Os projetos podem envolver apenas três categorias básicas: custos de capital (aquisição de bens que um projeto utiliza por um ano ou mais), custos de manutenção (compra de serviços e materiais para manutenção de bens de capital) e custos operacionais (compra de bens e serviços com vida útil menor que um ano, podendo ser ou custos diretos, quando são indispensáveis; ou custos indiretos, quando não são indispensáveis, mas condicionam a eficiência das ações).

81 O custo adicional do usuário é aquele que incide sobre a população-alvo. Por exemplo, no acesso a um serviço escolar pode haver um custo de deslocamento que, além do transporte, inclui o custo do tempo gasto esperando o transporte e viajando. O custo de oportunidade refere-se às oportunidades de ganho às quais se renuncia para investir em uma atividade. Por exemplo, pode-se investir o capital em qualquer atividade lucrativa em vez de alocá-lo a um projeto social; essa renúncia representa o custo de oportunidade.

82 Em termos bastante simplificados, o Método Delphi se trata de um painel de especialistas que é conduzido na construção de um consenso por intermédio de um processo de aproximações sucessivas. Essa técnica é largamente utilizada, mas pode ser questionada, especialmente quando o conhecimento científico acumulado pelos “especialistas” é pouco, porque não terão outra base para julgamento que não suas próprias experiências.

83 A avaliação de meio-termo ocorre quando já existe algum tempo após a implementação de uma intervenção qualquer e seu intuito é verificar se a intervenção está caminhando na direção desejada. Ela pode incorrer sobre processos, produtos intermediários, qualidade ou satisfação.

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Primeiramente, há a avaliação de conformidade, que corresponde ao exame da aderência à lei dos atos normativos da política pública, do programa ou do projeto e também dos atos do gestor na condução das suas atividades, inclusive, na gestão da “coisa pública”. Além disso, pode-se entender conformidade como a aderência da implementação da policy à sua concepção original. Esse tipo de avaliação predomina nas instituições de controle interno e externo, sendo seu objeto, precipuamente, o processo e não os resultados das políticas públicas.

A avaliação formativa, também conhecida como “retroalimentadora”, tem por função proporcionar informações úteis à equipe gestora da política pública, do programa ou do projeto, com o propósito de aperfeiçoá-los durante o ciclo da execução; ou aos planejadores, com vistas a poderem realizar a atualização contínua dos programas ou projetos, de sorte a maximizar seus objetivos. A avaliação formativa pode ocorrer como avaliação ex-ante ou como avaliação intermediária. Sua finalidade é subsidiar a tomada de decisão que sucede durante o processo da política pública, em relação à estrutura ou ao desenho do programa ou projeto, aos ajustes necessários, às melhorias da gestão, etc. Tem a natureza de diagnóstico parcial e contextual e leva a decisões sobre o desenvolvimento do programa ou projeto, inclusive, modificações e revisões deles. Com a realização da avaliação formativa, o programa ou projeto passa constantemente por reformulações. Seus usuários são as equipes gestoras. E costuma ser realizada por avaliadores internos. Esse exame às vezes utiliza medidas ou dados informais em coletas de dados amiúdes. Suas perguntas são do tipo: O que tem funcionado? O que deve ser melhorado? Como podem ser realizados aperfeiçoamentos?

A avaliação somativa tem por função subsidiar decisões finais sobre a continuidade ou não de um programa ou um projeto associado à determinada política pública, como redimensionamento do público-alvo, mitigação de efeitos colaterais, etc. Pode ocorrer tanto como avaliação intermediária, desde que em estágios avançados, quanto na modalidade de avaliação final, ex-post, e costuma adotar a avaliação externa ou mista. Representa tanto um instrumento de gestão como de responsabilização e, especialmente, de aprendizagem organizacional. Leva a decisões terminativas sobre a execução, a continuidade ou o encerramento de um programa ou um projeto. Seus usuários são os administradores, os beneficiários, os financiadores e os supervisores, além da equipe gestora. Esse tipo de verificação adota medidas válidas e confiáveis em coletas de dados pouco frequentes. As perguntas às quais a avaliação somativa deve responder são: Quais foram os resultados obtidos? Quanto custou? Quem foi beneficiado? Quais os índices de efetividade? Houve consequências inesperadas? Positivas ou Negativas? Que lições podem ser extraídas?

As avaliações se diferenciam ainda quanto à origem da equipe que as realiza, podendo ser internas, externas ou mistas.

As avaliações internas são aquelas em que a intervenção (política pública, programa ou projeto) é avaliada por uma equipe envolvida com sua implementação. Não se trata de auto-avaliação, que ocorre quando o objeto avaliado é o desempenho da equipe ou de seus membros. Na avaliação interna, o objeto avaliado é a intervenção, seus processos e seus produtos, a consecução dos objetivos e das metas, etc. A grande dificuldade da avaliação interna reside na distorção da perspectiva do avaliador devido à excessiva proximidade com o objeto, além de todos os possíveis vícios resultantes da endogeneidade. Em contrapartida, há familiaridade profunda dos avaliadores com o universo relacionado à gestão daquela temática ou área setorial.

As avaliações externas são aquelas realizadas por uma equipe que não possui envolvimento com a implementação da política pública, do programa ou do projeto. Podem ser consultores externos (independentes), agentes do controle interno (como a Controladoria Geral da União) ou do controle externo (como o Tribunal de Contas da União) e até mesmo equipes do próprio órgão responsável pela intervenção, desde que não

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estejam diretamente atuantes na implementação84. Não obstante as vantagens do distanciamento do objeto examinado, a desvantagem principal desse tipo de avaliação está no fato de que quanto mais distantes da realidade da gestão, mais dificuldades têm os avaliadores externos para compreender em profundidade o objeto avaliado.

As avaliações mistas são aquelas conduzidas por uma equipe interna em parceria com outra, externa. As duas formulam o plano de avaliação e constroem os instrumentos avaliativos juntas. Em seguida, se separam para aplicar os instrumentos e analisar os dados. Depois, se unem novamente para comparar suas conclusões e chegar a um termo comum, mesmo que existam discrepâncias em seus achados. Esse tipo permite superar tanto as distorções próprias da avaliação interna quanto as dificuldades derivadas do distanciamento excessivo que é próprio da avaliação externa. As vantagens da avaliação mista estão na combinação de diferentes pontos de vista, na aprendizagem que ambas as equipes ganham e no relatório de avaliação ser bastante preciso. Todavia, ela só se aplica em situações nas quais seja necessária uma grande exatidão das conclusões, devido ao seu elevado custo de execução.

Há também a categorização de acordo com o foco ou objetivo da avaliação. Consoante esse aspecto, a avaliação pode ser, por exemplo: centrada no cliente, centrada na utilização, centrada na decisão, centrada em objetivos, independente de objetivos, centrada no consumidor, de custo-benefício, entre outras.

Nessa classificação, é importante ressaltar a avaliação centrada em objetivos, por ser a mais praticada no Brasil. Ela qualifica-se por possuir como ponto de partida a especificação dos objetivos e das metas da política pública, do programa ou do projeto, de maneira a apreciar se eles foram ou não atingidos e em que medida. Seu escopo pode ser tão pequeno quanto uma reunião de trabalho ou tão amplo quanto o plano estratégico de uma organização ou um plano plurianual de governo. Entretanto, na década de 1980, a academia começou a discutir as deficiências desse tipo avaliativo, uma vez que buscava ativamente os objetivos e ignorava todos os elementos de uma policy que não se expressassem como objetivos ou metas, que poderiam ser de grande significância.

Com base nessa crítica, originou-se a avaliação independente de objetivos, que se

concentra em buscar os produtos, os efeitos e os impactos das intervenções, com base em uma metodologia que intencionalmente procura ignorar os objetivos da intervenção. O exame da política pública, do programa ou do projeto inicia-se não pela apreciação dos objetivos, mas sim pelas percepções de mudança produzidas pela intervenção na realidade nas vidas de stakeholders, agentes públicos, beneficiários ou usuários, e não-beneficiários ou não-usuários. Portanto, é muito mais ampla que a avaliação centrada em objetivos: pode observar externalidades (consequências imprevistas) negativas e positivas da intervenção. Ao chegar a um estágio no qual isso foi suficientemente pesquisado, elaboram-se indicadores e comparam-se as alterações diagnosticadas pelos stakeholders aos objetivos da política pública.

A avaliação de custo-benefício, outro tipo relevante, equivale à estimação dos benefícios tangíveis e intangíveis de um programa e os custos de sua realização. Por exemplo, num programa de alfabetização, os benefícios tangíveis seriam a redução do analfabetismo, o aumento da escolarização global, etc., enquanto os benefícios intangíveis seriam o aumento da autoestima, do exercício da cidadania, etc. Após serem identificados, tantos os custos como os benefícios devem ser transformados em uma medida comum, geralmente uma unidade monetária. Evidentemente, há custos que são imensuráveis do ponto de vista ético. Porém, ainda assim é possível tentar transformá-los em medidas. Por exemplo, é sempre válido o esforço de estimar o custo da violência e/ou o custo da miséria,

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84 Um exemplo são as avaliações feitas pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação – SAGI – dos programas do MDS.

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em termos objetivos, de forma a mostrar como são vantajosas as medidas para sua mitigação.

Uma variante dessa categoria é a avaliação de custo-efetividade, na qual somente os custos são estimados em unidades monetárias. Os benefícios são expressos de alguma outra forma quantitativa. Por exemplo: num programa de distribuição de renda a famílias com crianças carentes, o custo-efetividade pode ser expresso da seguinte forma – “cada R$ 1.000,00 dispendidos pelo programa aumentam os níveis de escolaridade, na média, em 1 ano para cada 100 crianças”.

Por fim, em relação ao critério de quem está envolvido na avaliação, a análise divide-se em três tipos.

Na avaliação por pares ou por especialistas, os avaliadores fazem parte do universo do grupo encarregado pela implementação de uma política pública, um programa ou um projeto. Um exemplo são os comitês avaliadores dos programas de pós-graduação, que são compostos por professores doutores pertencentes a esses próprios programas de pós-graduação.

A avaliação centrada em adversários conforma modalidade em que as equipes avaliadoras se dividem em dois grupos – um deles busca aspectos positivos da intervenção e o outro procura aspectos negativos. Posteriormente, os dados conflitantes são contrastados e as equipes devem alcançar um acordo sobre a avaliação.

E a avaliação por participantes ou participativa, uma espécie avaliativa de mais complexidade. Ao contrário do que se imagina, ela não é aquela em que os beneficiários são consultados. A avaliação participativa diferencia-se por ser aquela em que os diversos stakeholders de uma política pública são incorporados ao planejamento da avaliação. Dessa maneira, eles definem, em conjunto com a equipe avaliadora, os critérios a serem utilizados, a dimensão da política a ser avaliada e os instrumentos de verificação a serem adotados, para citar alguns exemplos. Embora os stakeholders não participem da coleta e da análise dos dados, eles são chamados a debater os resultados com a equipe avaliadora, validando ou não suas conclusões.

Abaixo, segue um quadro sintético acerca das principais conjugações entre critérios e tipos de avaliação possíveis.

CRITÉRIO TIPO DE AVALIAÇÃOSegundo o Momento em

que se Realiza Avaliação ex-ante (de situação e de projeto ou

estrutura) Avaliação de meio-termo (de processos, de

produtos, de qualidade) Avaliação ex-post (de efeitos e de impactos)

Segundo a Procedência dos Avaliadores

Avaliação internaAvaliação externaAvaliação mista

Segundo o Foco da Avaliação

Avaliação centrada em objetivos versus Avaliação independente de objetivos, entre outras.

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Segundo os Envolvidos na Avaliação

Avaliação centrada em especialistas ou por pares

Avaliação centrada em adversários (equipes opostas)

Avaliação centrada nos participantes ou avaliação participativa

Segundo a Função da Avaliação

Avaliação de conformidadeAvaliação somativaAvaliação formativa

Fonte: adaptado de WORTHEN, SANDERS e FITZPATRICK, 2004.

10.3 Modelos ou Abordagens na Avaliação: Teoria do Programa; Teoria da Implementação, Teoria da Mudança do Programa

A avaliação formal de políticas públicas não se limita a uma abordagem ou um modelo único ou específico, podendo adotar um entre vários, a ser selecionado de acordo com o foco e o objetivo da avaliação, a natureza do objeto avaliado, as restrições de tempo e custo, entre outros critérios. Essas estratégias de avaliação concernem à forma pela qual o objeto examinado é entendido. De fundamental importância para a análise das políticas públicas, os principais métodos ou abordagens de avaliação são explicitados em seguida.

A primeira abordagem avaliativa a ser estudada é a Teoria do Programa. Seu ponto de partida é a proposição de que por trás de toda intervenção na realidade existe uma teoria a respeito das causas dos problemas e de quais os meios para solucioná-los. A Teoria do Programa busca, então, identificar recursos, atividades e possíveis resultados desejados por um programa, e especificar a cadeia causal de premissas ligando tais elementos. A pergunta central que essa estratégia visa responder é: Em que medida as atividades desencadeadas por uma política pública provocam um conjunto específico de resultados para seus atores e beneficiários? Desse modo, enfatiza a análise dos mecanismos que levam à mudança (e não das atividades de funcionamento da policy) e como essas atividades tendem a gerar benefícios ou não para o público-alvo daquela intervenção.

A Teoria do Programa procura identificar a concepção lógica que preside a intervenção a ser avaliada e os resultados que podem ser dela esperados. Por exemplo, existe uma tese de que a causa da evasão escolar é a necessidade de as crianças trabalharem precocemente para compor a renda de famílias empobrecidas. Nessa hipótese, a intervenção terá a configuração de um programa para retirada da criança do trabalho e sua reinserção na escola, e para isso serão definidos determinados incentivos e adotados determinados procedimentos.

A avaliação segundo a Teoria do Programa incorre sobre a consistência entre a teoria identificada, os procedimentos adotados e os resultados obtidos. Compreende tanto as teorias normativas (que descrevem o programa segundo a finalidade ou função que ele deve cumprir) quanto as teorias causais (que afirmam haver uma relação de causalidade direta entre um fenômeno e outro, de maneira que o programa deve ser elaborado com a finalidade de eliminar a causa do problema).

A segunda estratégia de avaliação desenvolvida pela literatura foi a Teoria da Implementação (ou “Teoria da Discrepância”). Trata-se de um método de avaliação no qual não se questiona a racionalidade do desenho da intervenção, mas sim a lógica que preside a sua implementação e a consistência dessa com os resultados pretendidos, medida pela

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distância entre os resultados almejados, os procedimentos adotados e os resultados obtidos. A Teoria da Implementação baseia-se na premissa de que se as atividades do programa funcionarem como planejadas, com suficiente qualidade, intensidade, e fidelidade ao plano, os resultados desejados serão integralmente alcançados. Sua pergunta central visa responder o que é necessário para transformar os objetivos programáticos em entregas à sociedade, isto é, como se dá o processo de implementação.

A Teoria da Implementação, a estratégia de avaliação mais aplicada no Brasil, não lida com a análise dos processos intermediários entre os serviços do programa e os resultados alcançados, como a Teoria do Programa, porém, com a oferta de serviços pela política pública. Seus focos incidem sobre as atividades específicas geradas pelo programa quando do seu funcionamento e em que medida cada uma delas funciona como planejado. Além disso, focaliza a distância entre os resultados obtidos com certos procedimentos e certos valores de referência (parâmetros externos) relativos ao objeto da intervenção.

Por derradeiro, a autora Carol WEISS (1998) concebeu a avaliação conforme um

enfoque de mais complexidade, a Teoria da Mudança do Programa. Essa Teoria nada mais é que a conjugação das duas estratégias anteriores. Ela procura entender como os mecanismos de mudança (aspecto proveniente da Teoria do Programa) e as atividades do programa (aspecto oriundo da Teoria da Implementação) se articulam, formando uma sequência causal. A pergunta central dessa Análise tem o intuito de elucidar como e em que medida as diversas etapas do programa em funcionamento se aproximam daquilo que foi originalmente planejado e trazem os resultados esperados. Nessa direção, a Teoria da Mudança do Programa sugere que se as etapas ocorrerem como almejado, a avaliação possibilitará esclarecer como o programa funcionou em sua implementação, atingindo os seus objetivos. Entretanto, se a análise revelar que a implementação do programa se desviou em algum grau das intenções originais, a avaliação possibilitará explicar em que ponto, etapa, ou processo o programa destoou do planejado.

10.4 Os Métodos Experimental e Quasi-Experimental para Avaliação de Impacto

É importante ter claro que todo programa ou projeto pode apresentar resultados colaterais ou externalidades, que são consequências pretendidas ou não, e que podem ser benéficos ou prejudiciais. Esses correspondem aos impactos, e devem ser incluídos na análise avaliativa.

Segundo BURDGE (1998), muitos dos princípios e métodos da avaliação formal foram desenvolvidos nos EUA no final dos anos 1960 e início da década de 1970, especialmente a partir do desenvolvimento das avaliações na área da educação pública. Um papel igualmente importante coube às Avaliações de Impacto Ambiental (AIA). Em 1969, observou-se, num caso específico da área ambiental ocorrido nos EUA, que embora fosse possível prever as mudanças físicas no meio ambiente, advindos da construção de um oleoduto no Alaska, não foram previstas as mudanças sociais trazidas por tais mudanças físicas e nem o modo como as mudanças sociais suscitariam novas mudanças físicas85. Então, em 1973, pela primeira vez, foi usado o termo “impacto social” para relatar as mudanças na cultura indígena nativa do Alaska devidas à construção do oleoduto.

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85 A construção do oleoduto em questão não somente provocou mudanças que afetaram os animais da região, como também afetou a atividade de caça dos nativos, alterando seu modo de vida e sua cultura. As construtoras do oleoduto levaram seus trabalhadores para realizar as obras, e esses tinham cultura, língua e modo de vida diferentes dos nativos. Além disso, muitos nativos acabaram precisando trabalhar na construção do oleoduto para sobreviver, já que a caça tinha se tornado escassa. Tudo isso gerou uma “bola de neve” de novas mudanças ambientais e sociais.

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No início da década de 1980, foi criada a Associação Internacional de Avaliação de Impacto, reunindo os interessados em avaliar impactos ambientais, sociais e tecnológicos, e em outros tipos de avaliação. O desenvolvimento da avaliação formal, inclusive da chamada “Avaliação de Impacto”, mudou a maneira pela qual os governantes e a sociedade encaravam o planejamento e o desenvolvimento em geral, introduzindo a ideia-chave de que as mudanças podem ser tanto positivas quanto negativas e de que todas elas devem ser antevistas, acompanhadas e conduzidas. A principal ferramenta metodológica para isso foi emprestada das ciências naturais: o “método experimental”.

Destinado a identificar as relações causais entre um estímulo e uma resposta, o método experimental baseia-se na comparação dos resultados obtidos em um grupo experimental (que recebeu o estímulo ou a intervenção) e um grupo de controle (que não os recebeu, mas não está ciente desse fato), sendo ambos os grupos equivalentes em todos os aspectos relevantes. Trata-se de um método de difícil aplicação nas ciências humanas e, ainda mais, nas políticas públicas, devido aos obstáculos à aplicação de procedimentos rigorosos de seleção aleatória. Na impossibilidade de adoção dos procedimentos aleatórios próprios do método experimental, adotaram-se procedimentos aproximados, que são conhecidos como “método quasi-experimental”.

Um dos grandes desafios da Avaliação de Impacto é conseguir isolar, em uma situação específica, as mudanças "naturais" – por assim dizer – das mudanças “provocadas”, ou seja: i) resultantes de uma determinada intervenção, cujo impacto se pretende avaliar; e ii) resultantes de outras intervenções. Na tentativa de responder a esse desafio, podem ser adotados três procedimentos quasi-experimentais para avaliar impactos.

O primeiro fundamenta-se numa abordagem sincrônica. Significa, basicamente, identificar um conjunto de situações reais comparáveis (S), imbuídas de características similares ou equivalentes, de acordo com as variáveis selecionadas para a análise de impacto. Em seguida, separam-se dois subconjuntos: o primeiro (S1), composto por situações nas quais se pretende realizar intervenções, correspondente ao grupo experimental; e o segundo (S2), constituído por situações nas quais isso não ocorre, correspondente ao grupo de controle. A seguir, tendo início as intervenções (X), acompanha-se, nos dois subconjuntos, sob perspectiva comparativa, o comportamento das variáveis selecionadas. Esse procedimento, de lógica sincrônico-comparativa, é também denominado "acompanhamento de impactos".

Análise Sincrônico-Comparativa: Acompanhamento de ImpactosS1: T1 ...X...Tn --------------------------- S2: T1...Tn

Fonte: adaptado de BURDGE, 1998.

Outro procedimento envolve a abordagem diacrônica. Ela pressupõe identificar uma ou mais situações-objeto de intervenções. Realiza-se uma descrição/mensuração/ caracterização de cada uma das situações (diagnóstico) no momento imediatamente anterior à intervenção (Tzero), com base nas variáveis selecionadas para a análise de impacto. Esse diagnóstico equivale à caracterização da situação como “controle” ou “linha de base” (baseline) ou “marco zero” ou “tempo zero”.

Análise Diacrônica: Diagnóstico de Impactos XTzero----------------------------T1

Fonte: adaptado de BURDGE, 1998.

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Em seguida, examinam-se os diversos aspectos da intervenção (X). E, por fim, compara-se o comportamento das variáveis em Tzero (para fins de controle) com o seu comportamento em um momento dado, após a intervenção (T1). Nesse caso, é preciso capacidade de isolar outras intervenções que não aquela cujos impactos se pretende medir, de modo a evitar interveniências. Esse procedimento é conhecido como "diagnóstico de impactos". Destaca-se que a abordagem diacrônica, diferentemente das demais aqui expostas, não utiliza os grupos experimental e de controle, uma vez que o próprio grupo é o mesmo, variando apenas a sua situação (descrita mediante indicadores) em Tzero, T1, Tn. A abordagem diacrônica é bastante adotada em avaliações realizadas no Brasil, em contraste com a análise sincrônica.

O terceiro procedimento quasi-experimental para avaliação de impactos equivale a uma combinação dos dois anteriores. Permite comparar situações similares para realizar previsões para o futuro. Se as situações examinadas compõem áreas relativamente próximas ou contíguas, possibilita avaliar o alcance (extensão no espaço) dos impactos. Ademais, possibilita reexaminar situações de intervenção para avaliar quais foram os impactos efetivos, medindo a consistência entre o impacto previsto e o impacto efetivo. É o que se entitula “análise de controle de impactos e análise prospectiva”.

Análise Prospectiva: Controle e Previsão de Impactos X X XS1:Tzero-------------- T1 -------------- T2-------------- T3

S2:Tzero-------------- T1 -------------- T2-------------- T3(passado) (presente) (futuro) (futuro distante)Fonte: adaptado de BURDGE, 1998.

A fim de obter maior precisão com a aplicação do método quasi-experimental nas avaliações de impacto, pode-se empregar o instrumento denominado “método da diferença em diferença” (ou “dif-in-dif”) (GERTLER; MARTINEZ; PREMAND; RAWLINGS; VERMEERSCH, 2010). Esse originou-se da tentativa de solucionar algumas dificuldades relativas ao acompanhamento e à comparação de variáveis no método quasi-experimental, especialmente na abordagem sincrônica.

O método da diferença em diferença caracteriza-se por efetuar observações dos grupos experimental e de controle nos momentos anterior e posterior a uma intervenção. Além de registrar os comportamentos notados nessas fases nos grupos, como as análises quasi-experimentais sincrônica e prospectiva fazem, esse método distingue as diferenças verificadas em cada grupo em T0 (antes da intervenção) e T1 (após a intervenção).

Calculadas essas diferenças no interior de S1 (grupo experimental) e de S2 (grupo de controle), chamadas aqui de “diferenças A e B”; são então computadas as diferenças de S1 com S2, nos períodos anterior e posterior à intervenção, são as denominadas, abaixo, “diferenças C e D”. Nas diferenças “A” e “B” congelam-se os grupos, ao passo que nas diferenças “C” e “D” congela-se o tempo da análise.

Como resultante desse processo sequencial, emerge o produto de todas as diferenças – dentro de cada grupo e entre ambos os grupos, em ambos os tempos verificados. Daí seu nome: “diferença em diferença”.

Análise pelo método da diferença em diferença

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S1: T0 ...X...T1 diferença A: T0S1 - T1S1 diferença C: T0S1 - T0S2S2: T0 .........T1 diferença B: T0S2 - T1S2 diferença D: T1S1 - T1S2 Diferenças resultantes: diferença B - diferença A = (T0S2 - T1S2) - (T0S1 - T1S1) diferença D - diferença C = (T1S1 - T1S2) - (T0S1 - T0S2)

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Fonte: elaboração de Roberta Romanini.

Outra forma de compreender tal processo é pela análise conforme mostra o quadro abaixo. A nomenclatura nele utilizada considera as “diferenças” de forma análoga ao que foi supracitado.

Fonte: GERTLER; MARTINEZ; PREMAND; RAWLINGS; VERMEERSCH, 2010.

Qualquer que seja o procedimento adotado para a Avaliação de Impacto de políticas públicas, a primeira tarefa, para os métodos experimental e quasi-experimental de avaliação, é, sempre, selecionar as situações a serem examinadas. Os critérios básicos de seleção são a similaridade e a comparabilidade. Esses critérios abrangem algumas dimensões essenciais a serem contempladas:

a) unidade socioespacial de análise (como município, assentamento, etc.), pois cada uma dessas unidades possui diversas características próprias; por exemplo, o grau de autonomia e de complexidade de um município é muito distinto do de um bairro, e assim por diante. Isso não significa que só se possa analisar um tipo de unidade, mas que devem ser selecionados vários exemplares de cada tipo, permitindo a comparação intra-tipos e entre-tipos;

b) características geográficas e socioculturais similares. Vale a mesma observação feita quanto às unidades de análise;

c) projetos de magnitude, metodologia, tipo e finalidades (resultados) similares. Nota-se que se deve compatibilizar essa dimensão “c” com as dimensões “a” e “b”. Como princípio metodológico, deve-se compor grupos homogêneos – tanto quanto possível – de situações a serem analisadas, combinando-se essas três dimensões, que se referem à natureza da comunidade e do projeto.

As duas outras dimensões referem-se aos dados disponíveis para análise, sendo autoexplicativas:

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d) bases de dados com datas similares (horizonte de tempo coberto); e) fontes de dados comparáveis (variáveis e categorias compatíveis).

A segunda tarefa, na Avaliação de Impacto, é selecionar a(s) perspectiva(s) de análise, porque ela(s) estabelece(m) a referência para a elaboração e a seleção dos indicadores. Cabe assinalar que a clara definição da perspectiva de análise é fundamental, na medida em que os impactos sociais podem variar de acordo com diversas dimensões.

Nesse sentido, os impactos podem variar quanto à escala. Por exemplo, uma determinada intervenção pode gerar 50 ou 1000 empregos; pode alterar a produtividade de um certo tipo de cultivo em 1% ou em 500%, etc. Isso exemplifica a variação de escala do impacto obtido.

Os impactos igualmente podem variar em intensidade. Por exemplo, uma intervenção pode transformar radicalmente os padrões de vida, os hábitos e os comportamentos de um grupo ou uma população, ou mudá-los apenas marginalmente.

Os impactos variam, também, consoante a extensão no espaço. Ou seja, determinadas intervenções têm impacto localizado, outras têm desdobramentos sobre áreas contíguas, mais ou menos amplas, alterando a distribuição da população, provocando migrações, etc.

Ademais, os impactos variam quanto à duração no tempo. Uma intervenção pode gerar empregos em uma área durante curto período de tempo, podendo atrair trabalhadores temporários, etc., até se esgotar. Já outras têm impacto de maior duração, pois geraram atividades econômicas dotadas de sustentabilidade, de maneira que, quando a intervenção se esgota, particularmente seus efeitos, produzem-se novos impactos, e assim por diante. Essa dimensão é sobremaneira delicada para a análise de impacto social em políticas públicas, havendo analistas que afirmam somente poderem ser efetivamente avaliados os impactos de curta duração, porquanto é impossível isolar os demais.

Os impactos variam, ainda, segundo a cumulatividade. Isso significa que podem expressar mudanças que se reforçam mutuamente ou, distintamente, que se neutralizam umas às outras. Por exemplo, sabe-se que renda e saúde interagem e geram impactos cumulativos sobre a qualidade de vida. Mas também se sabe que determinados programas de geração de emprego neutralizam os ganhos em saúde, haja vista conterem externalidades como atividades de risco, deterioração ambiental, etc., que geram efeitos negativos sobre a qualidade de vida.

Finalmente, os impactos variam de acordo com sua racionalidade. Nesse caso, inclui-se um componente de valor que é a desejabilidade de um impacto frente aos seus custos, às suas possíveis consequências e à capacidade do planejador de prever essas últimas. Assim, há as seguintes possibilidades:

Tipos de ImpactosIMPACTOS Desejáveis IndesejáveisPrevistos Atendem aos objetivos. Custos e renúncias para atingir

os objetivos.Não Previstos Ganhos em escala (excedem

positivamente os objetivos).Externalidades e efeitos

perversos.

Fonte: elaboração de Maria das Graças Rua.

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10.5 O Planejamento do Monitoramento e da Avaliação: definição de objetivos, de critérios, de métodos, de perguntas avaliativas, de indicadores e seus padrões. Fontes, instrumentos e técnicas de coleta e análise de dados primários e secundários

O planejamento de uma avaliação de política pública começa pela identificação dos seus usuários (frise-se: não os usuários do programa, mas os da própria avaliação). É preciso saber a quem interessa a avaliação. Uma mesma avaliação pode ter de produzir diversos relatórios especificamente voltados para as demandas, as necessidades e os objetivos de usuários diferenciados. Os usuários podem ser todos os stakeholders ou apenas alguns deles. Evidentemente, quanto maior o número de usuários da avaliação, mais complexa e mais onerosa (e talvez mais conflituosa) ela se torna.

Cada política pública, programa ou projeto dispõe de uma estrutura política e social composta por indivíduos e grupos com funções e papéis definidos (como: gerentes, administradores, prestadores de serviços, fornecedores, financiadores, implementadores, usuários ou beneficiários do programa/projeto, grupos afetados negativamente pela intervenção, comunidades políticas, membros do Legislativo, entidades públicas e privadas interessadas, entre outros). Outrossim, os atores presentes em uma avaliação possuem vínculos sociais e políticos que, por sua natureza, devem atrair a atenção dos avaliadores, uma vez que definem os interesses no processo de avaliação e nos resultados dela. A relação do avaliador com os stakeholders, usuários e patrocinadores é fundamental, pois é a partir daí que serão levantados os objetivos da avaliação, seus critérios, seus métodos, e se definirá o acesso dos avaliadores às informações necessárias.

O objetivo da avaliação não deve se confundir com o objetivo da política pública, do programa ou do projeto. Toda avaliação apresenta um ou vários objetivos próprios, a depender dos interesses dos usuários, do estágio de implementação da intervenção, do contexto político e social, etc. Formular os objetivos de uma avaliação de política pública, programa ou projeto não constitui tarefa simples e, muitas vezes, os objetivos enunciados não traduzem a verdadeira intenção da avaliação. O avaliador deve buscar saber quem quer a avaliação, o para quê e o porquê da avaliação. Não há receita pronta para tanto, contudo, recomenda-se examinar a origem dos documentos, entrevistar informantes-chave, entre outros procedimentos.

O objetivo da avaliação deve considerar principalmente a melhoria da política, do programa ou do projeto, a transparência e a geração de conhecimentos – finalidades comuns a quase qualquer avaliação. Devem ser estabelecidos também, claramente, os objetivos de cada avaliação específica. O objetivo da avaliação define quais serão as perguntas avaliativas, bem como o tipo de avaliação e o seu método específico: somativa, formativa, Teoria do Programa, Teoria da Implementação, centrada em objetivos, experimental/quasi-experimental, etc.

Se a avaliação possui o intuito de aperfeiçoar a política pública, o programa ou o projeto, deverá ser formativa. Se tiver como destino a prestação de contas, a responsabilização e mesmo as decisões sobre a continuidade ou a interrupção do programa, deverá ser realizada uma avaliação somativa, que fornecerá bases confiáveis para a validação dos resultados. Se o resultado pretendido for a geração de conhecimento e a aprendizagem organizacional, talvez o método a ser adotado deva ser a avaliação segundo a Teoria do Programa.

Independentemente do tipo de avaliação, as descobertas delas advindas devem ser disseminadas aos patrocinadores, aos tomadores de decisão, à academia, à mídia; devem fornecer informações para outras pesquisas, e assim por diante. O alcance da divulgação e

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o escopo das informações a serem anunciadas, evidentemente, estão sujeitos a decisões de natureza ética e política86.

Na definição dos objetivos da avaliação, deve-se levar em conta a estrutura conceitual da política pública, do programa ou do projeto. Os programas, tomados como unidades de implementação genéricas, são sempre diferentes, mesmo que se comparem aqueles que fornecem um mesmo serviço. No âmbito da preparação da avaliação, três aspectos devem ser considerados pelos avaliadores:

a) o estágio do desenvolvimento do programa: quando um programa qualquer está no seu início, os avaliadores devem examinar com exatidão os objetivos, o público-alvo e os resultados esperados do programa. Devem decidir se o estágio no qual se encontra o programa admite a avaliação e de que tipo ela poderá ser. A avaliação de situação dos novos programas, por exemplo, dedica-se a proporcionar informações que contribuam para a sua melhor implementação, podendo ser muito bem-vinda. No caso de programas sociais, percebe-se que eles admitem abordagens muito distintas e, por isso, diferentes tipos de avaliação no decorrer da sua existência. Quando um programa social é novo, não se tem muito claro qual será o seu resultado e, após algum tempo, há a necessidade de se fazer uma avaliação formativa para eventuais ajustes;

b) o contexto político e administrativo: o avaliador deve trabalhar em consonância com os patrocinadores, os tomadores de decisão e os demais stakeholders. Como esses atores configuram diferentes grupos, com diferentes expectativas, costumam surgir conflitos de interesse entre eles. Os avaliadores devem, então, mediar e interpretar o diálogo entre os stakeholders, de maneira a tentar focar as principais questões para a avaliação;

c) a concepção e sua estrutura organizacional: a concepção do programa deve incluir o plano de operações, a lógica das atividades que vão fornecer os resultados – o porquê e o para quê da intervenção. Muitas vezes isso não está documentado e será necessário aos avaliadores levantar as informações a respeito, por meio do exame de documentos e de entrevistas preliminares com os gestores. Por vezes, quando um programa está em andamento, as ações rotineiras e operacionais distanciam os stakeholders da lógica e do objetivo do programa. Os avaliadores devem sempre trazer a concepção do programa à discussão e considerar sua estrutura organizacional (público-alvo, distribuição de serviços, parcerias, etc.), já que elas influem na avaliação. Se a estrutura organizacional for, por exemplo, mais complexa e descentralizada, será necessário ter uma equipe de avaliadores, o que se reflete em mais recursos e tempo. Além disso, torna-se mais fácil avaliar programas que compreendem atividades mais concretas com resultados diretos passíveis de interpretação. Em contraposição, as intervenções de natureza mais difusa e de longo prazo causam ambiguidades nos resultados e dificuldades na operacionalização tanto do programa quanto da avaliação.

Outro fator a ser ponderado na definição dos objetivos da avaliação são os recursos disponíveis. Mais objetivos impõem a necessidade de mais recursos. Na condução de uma avaliação, deve-se pensar não apenas em termos de seus recursos humanos e materiais, como também em recursos como o tempo disponível e aceitável da avaliação. O fator tempo se revela crucial, porque a avaliação deve ser empreendida no espaço temporal necessário para subsidiar a tomada de decisão. Muitas vezes, o cliente deseja adiantar os resultados de uma avaliação, o que pode prejudicar seu desenvolvimento. Isso sugere que os objetivos da avaliação terão de ser negociados, com o claro estabelecimento dos limites da análise. É recomendável, nas avaliações, separar as suas atividades e detalhá-las por etapas (de

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86 Às vezes, o propósito de uma avaliação é apenas impressionar financiadores ou tomadores de decisão. Outras vezes, ela é contratada para justificar uma decisão já tomada ou o término de um programa, ou, ainda, para protelação tática, de forma a satisfazer os críticos e postergar decisões difíceis.

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pessoal; material necessário e recursos financeiros; conhecimento e expertise dos avaliadores, pesquisadores, amostristas, analistas e de toda a equipe necessária).

Estando definidos os usuários e os objetivos da avaliação, deve-se passar à negociação dos critérios da análise, um dos temas mais delicados no momento de avaliação. Os critérios são as lentes ou os valores por meio dos quais se enxergam os objetos avaliados. As conclusões de uma avaliação podem mostrar diferenças radicais, a depender dos critérios adotados pelos avaliadores.

Uma das dificuldades mais recorrentes na avaliação de políticas públicas, programas e projetos tem sido a falta de um consenso conceitual mínimo sobre os critérios a serem adotados. Em especial, os conceitos de “eficácia”, “eficiência” e “efetividade” suscitam dúvidas diversas, sendo utilizadas definições para eles que nem sempre possuem o poder discriminatório suficiente. Entre esses três conceitos, a maior imprecisão parece ser quanto à linha demarcatória entre eficácia e efetividade. Há incerteza também sobre a possível relação existente entre os três conceitos ou sobre a sua total independência. Algumas dessas questões são tratadas a seguir.

Em 1998, COTTA apresentou um trabalho sobre metodologias de avaliação de programas e projetos sociais, enfatizando a análise de resultados e impactos. A autora discutia a avaliação baseada na eficiência (avaliação de custos) e na eficácia (avaliação de resultados e impactos), confrontando resultados previstos com resultados efetivamente obtidos. COTTA tratou o conceito de eficiência como sendo a relação entre os resultados e os custos envolvidos na execução de um projeto. Quando ambos pudessem ser traduzidos em unidades monetárias, caberia a avaliação de custo-benefício.

O conceito de eficiência, sobretudo eficiência operacional, com frequência, está associado à análise dos custos e prazos esperados em relação aos benefícios e prazos atingidos na implementação de uma política pública, um programa, um projeto ou uma atividade. Existe uma zona de consenso bem estabelecida quanto ao conceito de eficiência.

A eficácia, a seu turno, segundo alguns autores, diz respeito à análise da

contribuição de um evento para o cumprimento dos objetivos almejados do projeto ou da organização. Em língua inglesa, pouco se usa a palavra “efficacious”, que é designada como: “power to produce desired result”87 , portanto, referente ao resultado desejado. A visão de eficácia está vinculada não ao custo, mas sim ao alcance dos resultados pretendidos com um projeto, independentemente dos custos implicados. Em alguns casos, a eficácia equivale ao resultado imediato, relativamente esperado; e os outros efeitos de espectro mais amplo – chamados de secundários ou imprevistos ou colaterais (“spillovers”) – tocariam à efetividade. A maior imprecisão conceitual relaciona-se a esse termo.

Das discussões sobre esses conceitos emerge o entendimento de que uma organização ou uma política pública é eficaz quando gera os produtos e os resultados alinhados com sua missão, e é eficiente quando o faz com o menor custo possível. De acordo com Marta ARRETCHE (2001), essa diferenciação é basicamente um recurso analítico, proposto para separar aspectos distintos dos objetivos e, por conseguinte, da abordagem, dos métodos e das técnicas avaliativas. A delimitação dos conceitos de eficácia e eficiência serve para caracterizar o que são as metas e/ou produtos anunciados de uma política e discriminá-los de produtos alcançados no âmbito do programa em termos de uma efetiva mudança nas condições prévias (efeitos e impactos nas populações atingidas pelo programa sob avaliação). ARRETCHE (2001, p. 100) expõe um exemplo para esclarecer a distinção entre eficácia e efetividade – “Um programa de vacinação muito bem sucedido em termos de eficácia, vale dizer, da possibilidade de atingir uma quantidade satisfatória de suas metas de vacinação, por ex., vacinar x crianças num prazo dado (...). Isso não significa

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87 Porém, na literatura estrangeira, em geral, são empregadas mais as palavras “efficiency” e “effectiveness”, pouco se utiliza eficacious.

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necessariamente que o programa seja bem sucedido do ponto de vista (...) de efetivamente reduzir a incidência da doença que se propunha erradicar ou diminuir substancialmente num horizonte de tempo”. Assim, se presume que a efetividade concerne aos efeitos gerais de uma intervenção qualquer na realidade.

Resumindo e atualizando o debate, é possível averiguar que, na qualidade de critérios de avaliação de políticas públicas, programas e projetos:

a) eficácia: é a capacidade de gerar os produtos iniciais, intermediários e finais esperados (metas e objetivos). Significa cumprir aquilo que se promete. É um critério bastante simples, pois apura apenas se o produto pactuado foi entregue. Por exemplo: a meta de 100.000 crianças vacinadas em uma localidade em determinado período;

b) eficiência: é a relação entre custos (como: custos financeiros, recursos humanos, tempo) e benefícios, que sempre se procura maximizar. Por exemplo: num determinado momento, o custo de cada criança vacinada era R$ 20,00, porém após a adoção de uma nova tecnologia na área de saúde e a melhoria do processo de vacinação, o custo da mesma criança vacinada passou a ser R$ 15,00.

c) efetividade: diz respeito à capacidade de produzir ou maximizar efeitos e impactos na realidade que se quer transformar, ou seja, mudanças reais e permanentes na sociedade. Por exemplo: 100.000 crianças não apenas vacinadas, mas também imunizadas, têm como efeito uma redução da prevalência da doença contra a qual se realizou a vacinação. Isso, por sua vez, produz diversas outras consequências sobre a educação das crianças, a renda das famílias e a qualidade de vida delas.

Pode-se acrescentar a esses critérios outros requisitos como equidade, sustentabilidade, etc. A equidade supõe a capacidade de contribuir para a redução de assimetrias comuns da sociedade, como desigualdades e exclusão social. E a sustentabilidade ressalta a capacidade de uma intervenção de desencadear mudanças permanentes, que persistem além dos investimentos realizados e que alteram o perfil da própria demanda por políticas públicas, de forma a retroalimentar o sistema político. Em poucas palavras, sustentabilidade é a capacidade de manter e/ou expandir os ganhos obtidos com uma intervenção, para além dela. É exemplo de política pública cuja concepção se rege pelo critério da sustentabilidade: a transferência de renda com condicionalidades, na qual a alocação da renda induz os beneficiários ao cumprimento das condicionalidades, por intermédio das quais é possível que – no longo prazo – se rompa o ciclo da pobreza.

As avaliações de políticas públicas podem empregar ainda outros critérios, agora atinentes a processos, como: economicidade, celeridade, tempestividade, etc. A economicidade pode ser interpretada como a capacidade de reduzir custos de um processo de forma racional, sem desperdícios. São exemplos de economicidade: reciclagem de materiais, gestão do consumo de energia elétrica, gestão de recursos naturais, manutenção predial, manutenção de frotas, etc. A celeridade denota que o ritmo dos processos ocasionados por determinado programa deve ter a duração razoável exigida por cada intervenção, sem demoras inexplicáveis e sem pretensões de resolução instantânea de problemas. Por exemplo: o atendimento de emergência de hospitais deve ser rápido; processos judiciais devem ser ágeis. A tempestividade estabelece que as intervenções devem ser realizadas a tempo de servirem de insumo para o produto seguinte a ser originado pelo sistema político. Para isso, a intervenção precisa ocorrer no momento exato em que deve suceder, nem antes, nem depois. São exemplos de tempestividade: livros didáticos que chegam às escolas antes do início do ano letivo; créditos agrícolas concedidos na fase do plantio; etc.

Os critérios podem ser identificados tanto tendo por base os objetivos da avaliação, quanto podem provir da literatura da área, das normas legais da sociedade, da orientação

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governamental, entre outros. Eles devem ser negociados com os usuários e, eventualmente, com outros stakeholders.

Uma vez estabelecidos os critérios, deve-se passar à formulação das perguntas avaliativas. Juntamente com os critérios, são elas que direcionam e fundamentam a avaliação. Sem as perguntas avaliativas, a avaliação perde seu foco. Graças ao papel decisivo das perguntas avaliativas, é preciso grande cuidado em sua formulação. Se perguntas importantes forem desprezadas ou se forem formuladas perguntas triviais, o tempo e os recursos financeiros serão gastos sem que a avaliação tenha cumprido sua função. Tanto a tentativa de responder às perguntas avaliativas, como a aplicação dos critérios requer o uso de indicadores, que são unidades de medida e funcionam como sinais de alguma tendência, característica, resultado ou comportamento. Segundo PINHO (2011, slide 27), “Indicadores são instrumentos que permitem identificar e medir aspectos relacionados a um determinado conceito, fenômeno, problema ou resultado de uma intervenção na realidade. A principal finalidade é traduzir, de forma mensurável, aspectos de uma realidade dada (situação social) ou construída (ação de governo), a fim de tornar operacional a sua observação e avaliação”.

Para chegar às conclusões necessárias, devem ser estabelecidos padrões a serem aplicados aos indicadores de cada critério. O padrão designa o valor que o indicador deve atingir para que se possa considerar que o critério correspondente foi satisfeito. Ou seja: aponta um valor de referência aceitável próximo às metas ou objetivos do programa, permitindo ao avaliador julgar o resultado obtido Por exemplo, se numa avaliação for empregado o critério da equidade de gênero, pode-se usar como indicador o percentual de mulheres com remuneração equivalente aos homens no exercício da mesma função. O padrão para concluir que a existência da equidade de gênero seria, por hipótese, 50%.

Os critérios e os padrões – ambos devem ser negociados com os usuários e stakeholders. Muitas vezes essa negociação se dá a partir de padrões pré-existentes ou externamente definidos, que podem ser aceitos ou não. Podem se basear, também, nas expectativas dos stakeholders quanto a resultados. Ou podem, simplesmente se referir à linha de base dos indicadores e ao planejamento das metas do programa.

Muitas vezes, as políticas públicas e os programas já contam com indicadores, porém, nem sempre eles são adequados à avaliação. Esse fato deve ser, inclusive, uma das preocupações do avaliador. Na acepção de PINHO (2011, slide 25), os indicadores servem para:

• “Mensurar os resultados e gerir o desempenho.• Atestar (ou não) o alcance de objetivos.• Embasar a análise crítica dos resultados e do processo de tomada decisão.• Contribuir para a melhoria contínua de planos, programas, processos e projetos.• Facilitar o planejamento e o controle do desempenho.• Viabilizar a análise comparativa do desempenho em áreas ou ambientes

semelhantes”.

Há diversos conceitos de indicadores, expressando perspectivas sutilmente diferenciadas. Existem diferentes adjetivos adotados para caracterizar os indicadores: econômicos, sociais, gerenciais, de desempenho, de processo, de produto, de qualidade, de impacto, etc. – a depender do tipo de intervenção, do aspecto a ser avaliado, da metodologia de avaliação e do foco dela, entre outros elementos. No entanto, há um consenso na literatura de que todo tipo de monitoramento e de avaliação deve estar alicerçado no exame de indicadores.

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De uma maneira simplificada, pode-se dizer que os indicadores são unidades de medida88 que representam ou quantificam um insumo, um resultado, uma característica ou o desempenho de um processo, de um serviço, de um produto ou de uma organização como um todo. Como dito anteriormente, eles são capazes de sinalizar uma tendência, uma característica, um resultado ou um comportamento. Os indicadores quantitativos atribuem números a objetos, acontecimentos ou situações, de acordo com certas regras.

Enquanto unidades de medidas, eles referem-se às informações que, em termos conceituais, são mensuráveis, independentemente de sua coleta obedecer a técnicas ou abordagens qualitativas ou quantitativas. Privilegiam-se técnicas quantitativas quando importa mostrar a magnitude de um fenômeno e a informação se revela por intermédio de números. As técnicas qualitativas são escolhidas quando se pretende abordar fatores outros, que não sejam quantificáveis, como percepções, sentimentos e julgamentos subjetivos, para interpretar e atribuir significado ao caráter de um fenômeno.

Indicadores sempre são variáveis, já que podem assumir diferentes valores. Todavia, nem todas as variáveis são indicadores. Os indicadores devem ser definidos em termos operacionais, ou seja, mediante as categorias pelas quais se manifestam e podem ser medidos.

Existem várias tipologias de indicadores. Um indicador pode ser simples (decorrente de uma única medição) ou composto (decorrente da reunião de várias medições); direto ou indireto em relação á característica mensurada; específico (atividades ou processos específicos) ou global (resultados pretendidos pela organização como um todo); e direcionadores (indicam que algo pode ocorrer) ou resultantes (indicam o que aconteceu). Podem variar também conforme os critérios a que se relacionam: indicadores de eficácia, de efetividade, de eficiência, de celeridade, de tempestividade, de sustentabilidade, de equidade, etc89.

PINHO (2011, slides 38-39 e 46) distingue os indicadores de acordo com alguns parâmetros relevantes. Para o autor, em relação à sua “natureza”, os indicadores podem ser:

a) “Econômicos: primeiros a serem produzidos, possuem uma teoria geral mais consolidada e refletem o comportamento da economia. No setor governamental são utilizados na gestão das políticas fiscal, monetária, cambial, comércio exterior, desenvolvimento etc. No setor privado subsidiam decisões de planejamento estratégico, investimentos, contratações, concorrência, entrada/saída de mercados.

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88 PINHO (2011, slide 33) estabelece as seguintes distinções: “Estatísticas Públicas: representam ocorrências ou eventos da realidade social, são produzidas e disseminadas pelas instituições que compõem o Sistema Estatístico Nacional e servem de insumos para a construção de indicadores. Indicadores de Desempenho: dentro de uma finalidade programática, permitem uma análise contextualizada e comparativa dos registros e estatísticas, no tempo e no espaço. Sistema de Indicadores: conjunto de indicadores que se referem a um determinado tema ou finalidade programática. São exemplos o sistema de indicadores do mercado de trabalho (MTE) e o sistema de indicadores urbanos (Nações Unidas)”.

89 PINHO (2011, slide 42) divide os Indicadores Analíticos em “Simples: são valores numéricos que uma variável pode assumir e geralmente representam a quantidade de determinado produto ou serviço entregue à sociedade.Exemplos: número de crianças vacinadas e número de alunos matriculados no ensino fundamental. Compostos: expressam a relação entre duas ou mais variáveis e podem ser: a) Razão: é o resultado da divisão de uma variável A por outra variável B, diferente e distinta de A. Exemplo: Densidade demográfica (população/superfície); b) Proporção (ou coeficiente): é um tipo especial de Razão em que A e B pertencem à mesma categoria. Exprime a relação entre determinado número de ocorrências e o total dessas ocorrências. Exemplo: coeficiente de mortalidade (número de óbitos/total da população); c) Taxa: são coeficientes multiplicados por uma potência de 10 para melhorar a compreensão do indicador. Exemplo: taxa de mortalidade infantil (óbitos/1.000 habitantes); d) Porcentagem: tipo especial de taxa em que o coeficiente é multiplicado por 100”.

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b) Sociais: são aqueles que apontam o nível de bem-estar geral e de qualidade de vida da população, principalmente em relação à saúde, educação, trabalho, renda, segurança, habitação, transporte, aspectos demográficos e outros.

c) Ambientais: demonstram o progresso alcançado na direção do desenvolvimento sustentável, que compreende, segundo as Nações Unidas, quatro dimensões: ambiental, social, econômica e institucional”.

Quanto à área temática, os indicadores classificam-se em: “saúde, educação, mercado de trabalho, demográficos, habitacionais, segurança pública, infraestrutura, renda, pobreza etc.”.

Em relação à complexidade, PINHO observa que: “indicadores simples podem ser combinados de forma a obter uma visão ponderada e multidimensional da realidade. Podem ser:

a) Analíticos: retratam dimensões sociais específicas como as taxas de promoção, repetência e evasão escolar;

b) Sintéticos: ou índices, sintetizam diferentes conceitos da realidade empírica, ou seja, derivam de operações realizadas com indicadores analíticos e tendem a retratar o comportamento médio das dimensões consideradas. Diversas instituições nacionais e internacionais divulgam indicadores sintéticos; Exemplos: IDH – índice de Desenvolvimento Humano (multidimensional); IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Unidimensional); IPRS – Índice Paulista de Responsabilidade Social; IQVU – Índice de Qualidade de Vida Urbano”.

A última categoria tipificada por esse autor remete à “objetividade: denota o caráter quantitativo ou qualitativo de um indicador”. Desse modo, os indicadores dividem-se em:

a) “Objetivos: referem-se a eventos concretos da realidade social, são indicadores em geral quantitativos, construídos a partir de estatísticas públicas ou registros administrativos;

b) Subjetivos: são indicadores qualitativos utilizados para captar percepções, sensações ou opiniões, utilizam técnicas do tipo pesquisas de opinião, grupos focais ou grupos de discussão”.

Entre os indicadores, especial destaque é atribuído aos índices. Eles consistem, na realidade, em relações observáveis entre duas ou mais variáveis ou entre uma variável e uma constante, que assumem um formato padronizado, permitindo indexar os valores obtidos. Por exemplo, o número de analfabetos por grupos de 100 indivíduos é uma relação entre uma variável e uma constante; ou o número de leitos hospitalares por grupo de 1.000 habitantes; e assim por diante. A informação proporcionada por esse tipo de índice mostra-se mais útil quando é possível estabelecer comparações. Já os índices que expressam relações entre variáveis contêm, em si mesmos, informações relevantes, ainda que a comparação possa enriquecer a análise. Por exemplo, a proporção de alunos aprovados sobre alunos matriculados expressa a relação entre duas variáveis e traz informação sobre o desempenho de uma classe, uma escola, um professor, uma metodologia, etc.; outro exemplo: o índice de prevalência de sarampo no ano x dividido pelo índice de prevalência de sarampo no ano anterior, etc.

Alguns dos trabalhos mais significativos no campo da avaliação de mudanças na situação social mundial foram empreendidos por agências da Organização das Nações Unidas (ONU), acarretando importantes avanços na construção de índices. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado por uma das agências especializadas da ONU, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), possui componentes referentes à saúde, à educação e ao poder aquisitivo, que são ponderados e conjugados com o propósito de possibilitar a comparação do nível de desenvolvimento dos indivíduos nos diversos países.

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A maior parte dos índices multidimensionais enfrenta várias dificuldades. Uma delas é estabelecer a ponderação para cada uma das dimensões. Sintetizar a informação sobre vários aspectos da vida humana em um único índice (isto é, criar um indicador sintético) exige a definição de uma regra que atribua peso específico a cada uma dessas dimensões. Um índice sintético como o IDH, por exemplo, deve combinar indicadores de escolarização, Renda Nacional Bruta (RNB) e expectativa de vida para gerar um resultado (número) único. Inevitavelmente, a aplicação da fórmula a situações complexas pode resultar em distorções mais ou menos graves. Entretanto, dada a sua facilidade de alimentação e a possibilidade de estabelecer comparações sincrônicas e diacrônicas – indexando ou ordenando os resultados numa sequência –, o IDH enseja um instrumento bastante útil.

Cumpre esclarecer que PINHO (2011, slide 49) elenca as seguintes vantagens dos Indicadores Sintéticos: “Simplicidade de entendimento. Sumarizam questões complexas facilitando a mobilização e priorização de recursos. Permitam estabelecimento de ranking entre regiões, estados, países etc. Facilitam a comparação de performance”.

O mesmo autor enumera as seguintes desvantagens da aplicação desses Indicadores: “Mitificação do índice em detrimento do conceito original. Requer constructos conceitual e empiricamente consistentes (dimensões em geral têm dinâmicas e tratamentos próprios). Subjetividade na definição dos critérios de seleção e ponderação das dimensões envolvidas, pode assim ter a sua validade questionada. A simplificação pode induzir a decisões erradas. Ênfase demasiada no ranking”.

Os indicadores constituem elemento essencial ao monitoramento e à avaliação. É por intermédio dos indicadores que se torna possível reconhecer quando uma meta ou um objetivo são atingidos, ou não. Na linguagem cotidiana fala-se muito em indicadores de resultados ou de desempenho. Eles se referem aos objetivos e às metas. Um indicador de resultado exprime uma unidade de medida numérica específica capaz de apontar o progresso de uma intervenção em direção ao resultado a ser atingido. Um indicador de resultado não é idêntico ao próprio resultado, por isso, cada resultado que se pretenda aferir requer um ou mais indicadores. Por esse motivo, o processo de seleção dos indicadores inspira cuidados.

Idealmente, os indicadores deveriam apresentar as seguintes propriedades:

a) validade ou fidedignidade: capacidade de representar, com a maior proximidade possível, a realidade que se deseja mensurar e analisar. Um indicador deve ser preciso em relação ao está sendo medido e deve manter essa precisão ao longo do tempo;

b) confiabilidade: indicadores devem ser alimentados por fontes confiáveis, que adotem metodologias reconhecidas e transparentes de coleta e processamento de dados;

c) mensurabilidade: capacidade de alcance (periodicidade) e mensuração o mais atualizadas possível, com a maior precisão e acurácia possíveis;

d) sensibilidade: capacidade que um indicador possui de refletir tempestivamente as mudanças na realidade, provenientes de uma intervenção, ou não;

e) desagregabilidade: capacidade de representação segmentada por grupos sociais, regionais, demográficos, etc.;

f) economicidade: possibilidade de o indicador ser obtido a custos módicos; a relação entre os custos de obtenção e os benefícios advindos deve ser a mais favorável possível;

g) estabilidade: capacidade de estabelecimento de séries históricas, que permitam monitoramento e comparações (rastreabilidade);

h) simplicidade: indicadores devem ser de fácil obtenção, construção, manutenção, comunicação, entendimento e reconhecimento pelo público em geral, interno ou externo;

i) auditabilidade ou transparência: significa que a sua composição e sua estrutura lógica devem ser abertas ao público, sem fórmulas obscuras ou sujeitas à manipulação.

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Muito raramente um indicador apresenta todas essas propriedades. Assim, segundo Paulo JANNUZZI (2005), a seleção deve fundamentar-se numa apreciação crítica das propriedades, pesando principalmente a validade, a confiabilidade e a mensurabilidade do indicador.

Em regra, particularmente no monitoramento, deve-se buscar indicadores que tenham a característica da rastreabilidade, isto é, que sejam passíveis de acompanhamento no passado e no futuro. Porém, diante da precariedade dos registros administrativos, pode-se trabalhar com indicadores provisórios até que se tenha elaborado bases de dados que permitam operar com indicadores permanentes.

Ademais, na maior parte das vezes, não é possível obter indicadores com a precisão desejável. Nesses casos, costuma-se usar indicadores indiretos ou “proxies”. Esses são unidades de medida que expressam indiretamente a característica mensurada e são utilizados quando houver disponibilidade dos dados destinados a alimentar o indicador direto, ou quando não for possível coletar tais dados a intervalos regulares. É exemplo de proxi: o número de televisores (ou outro eletrodoméstico) ou de banheiros na residência como medida da renda familiar.

Em algumas áreas de intervenção, além dos indicadores específicos para uma determinada política pública, um programa ou um projeto, podem ser adotados indicadores pré-definidos. São os indicadores estabelecidos independentemente do contexto de qualquer país ou de qualquer organização e que se emprega como parâmetro para avaliar o desempenho. Por exemplo: mortalidade infantil, número de leitos por 1.000 habitantes, número de mortes violentas por 100.000 habitantes, etc. Muitos deles são índices sintéticos como o IDH, e a maioria provêm de agências de cooperação multilateral: PNUD, BIRD, FMI, etc.

Os indicadores pré-determinados conferem diversas vantagens: podem ser utilizados em programas ou projetos de natureza similar; auxiliam a reduzir os custos de construção de múltiplos sistemas de monitoramento e de avaliação; padronizam a discussão dos resultados, permitindo comparar conclusões; favorecem o diálogo com financiadores, etc. Possuem desvantagens também: não se prestam ao exame de metas específicas de um país, não admitem desagregação em microunidades, não admitem a participação dos stakeholders na sua construção e, com frequência, agregam tantas variáveis com um sistema de ponderação tão complexo que a maioria das pessoas não sabe muito bem o que é que eles representam.

Com a finalidade de que o monitoramento e a avaliação possam extrair dos indicadores as informações necessárias, cumpre estabelecer sua linha de base (baseline). Uma linha de base é um dado quantitativo ou qualitativo que fornece informações acerca de uma situação no princípio do processo de uma intervenção ou imediatamente antes que ela se inicie, ou, ainda, no princípio do monitoramento. Pode ser definida como o ponto de partida de uma séria histórica. Adota-se a linha de base para: a) aprender sobre o desempenho prévio do indicador, inclusive seus padrões, caso haja séries de dados; b) planejar ou revisar metas; e c) medir o desempenho de uma política, um programa ou um projeto. Ao se tratar de indicadores novos, o desafio repousa sobre pensar como obter dados para compor a linha de base dos indicadores selecionados com vistas a expressar cada resultado ou desempenho.

Vencidas todas essas etapas – definição dos usuários, dos objetivos e da metodologia; estabelecimento de critérios e padrões; formulação das perguntas orientadoras da avaliação; seleção ou formulação dos indicadores –, inicia-se a fase de coleta de dados primários e/ou secundários. As fontes de dados são as pessoas, as instituições ou os instrumentos que oferecem os dados ao pesquisador. Essas fontes podem ser primárias ou secundárias.

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As fontes primárias referem-se aos dados coletados diretamente pelos interessados (a equipe de avaliadores, no caso) com o intuito específico de alimentar aqueles indicadores ou de obter informação para o monitoramento ou a avaliação. O uso de fontes primárias requer pesquisa de campo: por meio de levantamentos, observação direta ou entrevistas. Os informantes podem ser os stakeholders em geral, o público mais amplo, os observadores treinados, entre outros.

Nem sempre é necessária a adoção de fontes primárias. Existem situações em que é possível utilizar dados coletados por outras pessoas ou instituições para outras finalidades. As fontes secundárias compreendem bancos de dados de instituições de pesquisa, sistemas corporativos, registros administrativos (dados de atendimento ao público, atas de reuniões, correspondências internas, estatísticas internas, etc.). Podem ser dados escritos em papel ou em meio eletrônico, documentos oficiais, medidas e testes, etc. Cabe ter sempre cuidado com o manuseio de dados secundários: o enunciado das perguntas que deram origem às estatísticas deve ser conhecido; os procedimentos de coleta devem ser descritos; se houver procedimento amostral, deve-se conhecer o tamanho da amostra, as margens de erro e o método de seleção das unidades de informação. Ou seja: é importante efetuar a crítica dos dados secundários antes de sua utilização.

Na adoção de fontes primárias, a equipe avaliadora pode ter mais controle sobre os dados. Os instrumentos e os procedimentos de coleta deles devem ser rigorosos, mas resta nítido que a pesquisa avaliativa não possui a mesma natureza das pesquisas longitudinais, nem se destina a produzir conhecimento científico. O objetivo da pesquisa avaliativa é proporcionar informação tempestiva para apoiar a gestão das políticas públicas, dos programas e dos projetos e subsidiar a tomada de decisão política.

Á medida que o universo dos stakeholders (beneficiários e não beneficiários) se estender, pode ser útil o emprego de amostras – uma porção retirada de um universo analisado. Em raciocínio contrário ao das amostras, o censo, outra forma de se examinar componentes de um universo, supõe que a totalidade das unidades do universo foram consultadas, e não apenas parcelas dele. Quanto às amostras, dividem-se em duas classes: amostras probabilísticas e amostras não probabilísticas. Uma amostra é probabilística quando se calcula seu tamanho de modo a representar fielmente a população envolvida e a seleção dos seus integrantes é aleatória, ou seja: é realizada segundo processos pelos quais cada elemento do universo tem a mesma chance dos demais de ser inserido na amostra. Uma amostra não probabilística é aquela que ou não possui tamanho representativo, ou não adota seleção aleatória, ou ambos os fatores.

As amostras probabilísticas compreendem diversas modalidades, entre as quais sobressaem as “amostras aleatórias simples”, “amostras estratificadas” e “amostras por cluster”. Entre as amostras não probabilísticas, aceita-se estritamente o uso de “amostras intencionais”, quando a natureza das fontes justificar essa seu uso (por exemplo: grupos de elite, ou grupos desviantes, entre outros); e/ou “amostras por quotas”.

A lógica da pesquisa quantitativa, por amostragem ou por censo implica a análise de magnitudes. Para tanto, a complexidade dos fenômenos deve ser reduzida a padrões uniformizados. Isso se faz mediante a utilização de recursos que padronizam as perguntas e as respostas possíveis: os questionários, que são caracterizados por terem perguntas fechadas (com alternativas pré-determinadas). Podem ser questionários autoaplicáveis (enviados por correio, e-mail, ou ainda na modalidade “clinical research” – quando todos os respondentes são reunidos em um só local para preencher os questionários) ou aplicados por um entrevistador (pessoalmente ou por telefone).

Em se tratando de pesquisa qualitativa, a lógica diverge: buscam-se regularidades dentro de contextos que admitem as manifestações das diferenças entre os informantes. Nesses casos, o que interessa é aprofundar as informações, não estimar a magnitude dos

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eventos. Assim, os procedimentos aplicados são as entrevistas em profundidade, podendo ser não-estruturadas (sem perguntas previamente formuladas, tendo apenas a indicação de um tema a ser explorado), semi-estruturadas (reunindo perguntas amplas, que podem dar origem a questões outras no momento da entrevista) ou estruturadas (com todas as perguntas elaboradas com antecedência; não se indaga nada além do que está registrado no roteiro de entrevista). As entrevistas não estruturadas e estruturadas somente são realizadas individualmente. Já as entrevistas semi-estruturadas poderão ser realizadas individualmente ou em grupo, inclusive em grupos focais.

Pode-se mencionar alguns instrumentos de coleta de dados bastante utilizados no monitoramento e na avaliação: avaliação rápida (“rapid assessment”), grupos focais, estudos de caso, surveys pré e pós-intervenção, etc. As técnicas de coleta de dados podem ser inúmeras, a depender da natureza do que se avalia. Quaisquer que sejam as técnicas selecionadas, o rigor com os resultados da avaliação recomenda que nunca se permitam conclusões baseadas em uma só técnica. Elas devem ser combinadas e as conclusões devem ser submetidas a um processo de triangulação.

10.6 Cuidados para Assegurar a Qualidade da Avaliação

A experiência vem ensinando que a avaliação ganha precisão ao recorrer a dados quantitativos e qualitativos, combinando abordagens em extensão e em profundidade. Por outro lado, a mesma experiência tem mostrado que há alguns cuidados imprescindíveis à qualidade das avaliações:

a) incorporação da avaliação ao processo regular de planejamento da política pública, sendo assumida com disciplina pelos gestores;

b) análise prévia de avaliabilidade ou exame de avaliabilidade. Essa sugestão foi elaborada por WHOLEY (1977). Trata-se de um estudo exploratório a ser efetuado antes de começar a avaliação e parte do pressuposto de que nem todos os programas ou projetos estão prontos para ser avaliados. O objetivo desse estudo é decidir se uma política pública, um programa ou um projeto possui condições de ser avaliado; determinar o que precisa ser mudado para preparar o programa para ser avaliado; identificar os aspectos ou as questões que requerem atenção; e especificar se a avaliação poderá contribuir para melhorar o desempenho do programa;

c) definição dos objetivos da avaliação, claramente, de acordo com os usuários dela;d) seleção do tipo e do método de avaliação adequados aos seus objetivos; e) definição dos critérios de avaliação e dos indicadores consistentemente com os

objetivos da avaliação; f) identificação e inclusão dos stakeholders – quem é afetado pela política pública

ou pelo programa, desde os gestores até os usuários finais – como interlocutores;g) identificação da teoria que orienta a política pública ou o programa a ser

examinado, e que indica as condições e as ações necessárias para a política ou o programa serem implementados adequadamente;

h) identificação e teste dos métodos de pesquisa avaliativa, que devem ser consistentes com os objetivos e com o tipo e o método de avaliação a ser realizada;

i) apresentação de recomendações práticas, nítidas, exequíveis e consistentes com os custos e benefícios esperados.

10.7 A Situação do Monitoramento e da Avaliação de Políticas Públicas no Brasil

Como se constata pela leitura desse capítulo, o campo de estudos do monitoramento e da avaliação de políticas públicas é vasto e vem se consolidando em todo o mundo. Os

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estudos e as pesquisas voltam-se cada vez mais aos aspectos práticos de execução da avaliação, na medida em que uma de suas principais implicações é conferir transparência às atividades governamentais. O status da implementação das ferramentas avaliativas no Brasil são explorados nesse item.

De acordo com Márcia JOPPERT (2009), malgrado o País concentre muitos conhecimentos a respeito da área de avaliação de políticas públicas, grande parcela das experiências realizadas está restrita a universidades, institutos de pesquisa e consultores individuais. Devido a esse fato, o conhecimento sobre os resultados das avaliações nem sempre chega à sociedade e o conhecimento sobre a temática avaliação de políticas públicas no Brasil encontra-se disperso e não sistematizado.

Na percepção da autora, a avaliação de políticas públicas no setor de infraestrutura conquistou os mais notáveis avanços, graças à aplicação de metodologias de gerenciamento de empreendimentos – instrumentos de monitoramento utilizados ao longo da implementação de programas e de projetos. Essas metodologias foram bastante adotadas por empresas de consultoria privadas dos ramos de energia, transportes, saneamento, recursos hídricos, etc. A experiência na área de infraestrutura vincula-se, em especial, à avaliação formativa e aos critérios de eficácia e eficiência.

Consoante JOPPERT (2009, p. 3), “A área social está ainda um pouco mais atrás”, entretanto, acentuam-se significativos progressos ocorridos na esfera federal. Ressaltam-se três ramificações da área social que alcançaram importância em razão da presença de instituições que têm enfatizado as avaliações de políticas públicas – setor de saúde, na figura da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); setor de educação, com a implementação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), sob responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP); e setor de desenvolvimento social, mediante a criação de uma secretaria exclusiva no MDS para lidar com avaliações, a Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI), além da elaboração de sistemáticas de monitoramento e avaliação em diversos programas sociais, como o Bolsa Família. Acrescenta-se que o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) realiza a avaliação interna das ações do PPA. Deve-se atentar, no entanto, para as desvantagens provocadas por mecanismos de avaliação interna, já comentadas, como a dificuldade de isenção e de imparcialidade nos julgamentos.

No tocante a esse aspecto, convém lembrar as instâncias de avaliação externa no país. Sublinha-se aqui a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) e dos Tribunais de Contas estaduais, que têm realizado numerosas avaliações nos últimos anos, na forma de auditorias operacionais. A tarefa deles têm sido analisar requisitos de eficácia, eficiência, efetividade, economicidade e equidade em programas e projetos. Papel importante desempenha também o terceiro setor, que muitas vezes investe em projetos sociais e os monitoram e avaliam. JOPPERT sinaliza que mais de 70% dessas avaliações constituem avaliações formativas, e não de mero controle de ações.

JOPPERT (2009) considera que uma das metas a se atingir na arena da avaliação de políticas no caso brasileiro é a institucionalização da avaliação como parte integrante da formulação e da implementação de políticas públicas. Nesse sentido, destacam-se as contribuições do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que têm estimulado essa integração entre os distintos momentos da política pública mediante projetos específicos com vistas a sanar essa insuficiência. Como benefícios provenientes dessa institucionalização, a autora menciona: a utilização mais eficiente dos recursos disponíveis a um programa ou projeto e a identificação de obstáculos à execução das ações de uma política, que produzem aprendizagem sobre a função de monitorar e avaliar; e a elevação da transparência e da responsabilização governamental perante a sociedade, o Congresso Nacional e os financiadores ou os contribuintes da política pública. Esse último elemento termina por incentivar melhorias na prática das políticas públicas.

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Por fim, cumpre discriminar algumas das novas formas institucionais, como associações civis, institutos e redes sociais (ver Volume 2), relacionadas à temática avaliação de políticas públicas que apareceram no Brasil nos últimos anos (JOPPERT, 2009). São elas: a Associação Brasileira de Avaliação Educacional (ABAVE), criada em 2003 como um espaço plural e multidisciplinar para troca de informações e de experiências entre pesquisadores da academia e implementadores de avaliação do setor educacional; a Agência Brasileira de Avaliação, uma ONG instituída em 2009 com o objetivo de processar e divulgar conhecimentos e informações voltados para o tema avaliação, estimulando a adoção da técnica avaliativa como ferramenta eficiente de auxílio aos processos decisórios que envolvem políticas públicas; a Rede Nacional de Monitoramento da Assistência Social, uma rede idealizada pelo MDS para intermediar a cooperação e a colaboração em atividades de monitoramento entre os gestores desse órgão e gestores estaduais da assistência social; a Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação (também conhecida como Rede Brasileira de Avaliação) – ReBraMa –, que nasceu em 2001, e destina-se a promover e fortalecer, em âmbito internacional, a cultura de avaliação do governo e da sociedade civil brasileira; as diversas associações e redes de avaliação, que assumem o encargo de aperfeiçoar a teoria, a prática e a utilidade da avaliação, influenciando sua aplicação no País; outros movimentos de segmentos da sociedade preocupados com os problemas cotidianos de sua região, como: “Movimento Nossa São Paulo” e “Movimento Nossa BH”, que constroem indicadores de bem-estar, os monitoram e divulgam seus resultados; e portais da internet, que acompanham assuntos específicos, a exemplo do portal “Objetivos do Milênio”, gerido pelo PNUD/ONU.

Cabe assinalar que, no Brasil, as avaliações de efetividade das políticas públicas compõem número ainda modesto e acredita-se que a sua intensificação poderá corroborar para o aperfeiçoamento da ação governamental na formulação e implementação de políticas publicas, programas e projetos.

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