para a crítica da política em aristóteles

Upload: ramiromarques

Post on 06-Apr-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    1/26

    Para a crtica da poltica em Aristteles

    Ramiro Marques

    2005

    1

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    2/26

    Cap 1 A teoria e a prtica da Educao

    Ramiro Marques

    Aristteles dedica um espao importante deA Poltica ao tema daeducao, preocupando-se com a discusso de vrios assuntos: fimpacfico da Educao, a regulamentao dos casamentos e dosnascimentos, a educao da infncia, o carcter e o objecto daeducao, o papel da msica e os limites da ginstica.Aristteles no , de forma alguma, um liberal, pelo menos se nsdermos ao termo o significado que Adam Smith lhe deu, no sculo

    XVIII; ao invs, acentua a importncia do papel do Estado naEducao, considerando que o processo educativo assuntodemasiado complexo e importante para ser deixado apenas aocuidado das famlias. Tendo estudado quase todas as Constituiesdo seu tempo e pesquisado, em profundidade, os costumes e ahistria de outros povos do Mundo Antigo, Aristteles sabia osuficiente para afirmar que a felicidade do Estado e dos cidadosdepende, em grande parte, do tipo de Educao proporcionada aoscidados. Sabia, tambm, da enorme diversidade de modeloseducativos existente no seu tempo, fazendo abundantes referncia

    Educao em Esparta que, em vez de promover a felicidade e asvirtudes da justia, temperana e prudncia, enfatizava a preparaoe o manejo das artes da guerra, invertendo, dessa forma, a correctaordem de prioridades. Para Aristteles, a finalidade maior subordinaos objectivos menores, o menos bom est sempre subordinado aomelhor por sua destinao, assim como o bem menor deve estardependente do bem maior; da que a guerra, embora necessria emcertas ocasies, deve tender para a paz, a qual um estado superior,tal como o trabalho deve estar subordinado ao repouso, porque semtempo livre no h lugar para o estudo e a contemplao, dois

    estados habitualmente associados eudaimonia.Cabe ao Estado e ao legislador cuidarem para que se formemcidados honestos, justos, prudentes e temperados, procurandosaber por quais exerccios tornar honestos os cidados e sobretudoconhecer bem qual o ponto capital da vida feliz (1).O legislador deve tomar em considerao que a vida se divide entre otrabalho e o repouso, a guerra e a paz e as nossas aces se dividemem aces necessrias, aces teis ou aces honestas. As aceshonestas so superiores s teis e estas s necessrias e norespeito por essa hierarquia que a educao deve ser regulada econcretizada. Educar para a guerra pode ser uma necessidade, masno deve ser encarada pelos legisladores como a tarefa fundamentalda Educao; ao invs, a educao pblica deve centrar-se na

    2

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    3/26

    universalidade das virtudes e essas so, como sabemos, a justia, acoragem, a temperana e a prudncia. O legislador deve subordinar aguerra e todas as outras leis ao repouso e paz, pois isso o queprova a experincia, juntamente com a razo. Mais importante doque ensinar as artes da guerra ensinar como viver bem em paz,

    num processo a que Aristteles chama de ensino das virtudespacficas (2).Aristteles, ao longo de toda a sua obra, enfatiza a importncia docio, do repouso, sem os quais seria impossvel a vida contemplativae o exerccio das virtudes intelectuais. Est, portanto, muito longe,das concepes hodiernas, to caras ao pensamento dominante dassociedades actuais materialmente desenvolvidas, que reclamam umaviso meramente utilitria da Educao, sujeitando-a aos interessesdo mercado, da economia e da produtividade. A Educao no deve,na perspectiva do filsofo, ser um instrumento ao servio da

    economia, mas sim um processo que visa potenciar o florescimentode cada um em ordem concretizao da eudaimonia, ou seja, davida boa e da excelncia. Neste particular, Aristteles foi umprecursor e a leitura da sua obra tica e poltica continua a iluminar onosso pensamento e pode ajudar-nos a dar um rumo correcto Educao, colocando-a no stio certo e conduzindo-a em funo dasfinalidades certas e no das modas do momento ou dos interessesmeramente materialistas, instrumentais, propagandistas ouideolgicos das elites dominantes. Para Aristteles, a Educao nodeve apenas ensinar o que til, as coisas prticas, mas tambm os

    costumes, a arte de viver bem, e acima de tudo as virtudes e o usoda razo. A importncia de todos estes objectivos de tal monta quenenhum deles deve ficar fora do mbito da Educao.O debate actual entre os que defendem uma educao centrada nacognio e no raciocnio, vulgarmente designada de construtivista oucognitivo-desenvolvimentista (o aluno que constri o conhecimento)e os que optam por uma educao centrada na prtica, na resoluode problemas concretos e reais (a ideia de uma educao ligada vida) foi antecipada por Aristteles, o qual soube, melhor do queningum, encontrar soluo para essa antinomia: trs coisas devem

    contribuir para o florescimento humano, a natureza, o hbito e arazo. Devemos comear pelo hbito ou pela razo? Qual deve termais importncia? O filsofo responde que devemos dar a mesmaimportncia ao hbito e razo e que os dois devem vir para a par.Cabe, por isso, Educao no s fortalecer a razo, mas tambmproporcionar a oportunidade para a aquisio de bons hbitos e acorreco dos maus hbitos. No fcil o processo de aquisio debons hbitos, mas ainda mais difcil corrigir os maus hbitos; porisso, o melhor que os educadores devem fazer certificarem-se deque as crianas no tm oportunidades para a criao dos maushbitos. Da que o cuidado com o ambiente onde as crianas vivem eso educadas, bem como com as companhias, constitui um assunto

    3

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    4/26

    de extrema importncia a que se deve dedicar toda a ateno.Aristteles considerava que o poder da imitao, da observao e doexemplo eram extremamente fortes no processo educativo dascrianas, pelo que aconselhava aos pais o maior cuidado na gestodos ambientes e das companhias. Podemos inferir, a partir daqui, que

    Aristteles, se vivesse hoje, consideraria extremamente nociva ainfluncia da televiso na vida das crianas, atendendo a que a quasetotalidade dos contedos televisivos no passa de vulgar telelixo,verdadeiro veneno para a mente.Aristteles deixa-nos conselhos prticos sobre a educao de infncia,chamando a ateno para as diferentes fases e adequao doprocesso educativo e do currculo a essas fases. At aos cinco anos, acriana no deve ser submetida a qualquer processo deaprendizagem formal, pois a sua exposio educao formal podeprejudicar o seu crescimento. Aristteles critica, desta forma, a opo

    pela antecipao da idade de entrada na escola, bem como osprocessos de aprendizagem precoce. A partir daqui, podemos fazeruma crtica ao modo como as sociedades actuais esto a organizar achamada educao pr-escolar, escolarizando a educao de infnciae criando currculos de tipo cognitivista para as crianas com menosde cinco anos. At aos cinco anos, as crianas s devem brincar,ouvir fbulas e movimentarem-se em liberdade, fazendo exerccioscorporais de forma no estruturada. S depois dos sete anos que acriana deve ir escola, submetendo-se, ento, a aprendizagensformais. O currculo proposto por Aristteles inclui Msica, Ginstica,

    Geometria e Literatura e decorre at puberdade. Segue-se umoutro perodo que vai at aos vinte e um anos, em que o jovemaprende filosofia, tica, artes da governao, retrica e as maisvariadas cincias.Aristteles no foi um adepto da privatizao da Educao. Comovimos atrs, considerava a Educao um assunto demasiado sriopara ser entregue s famlias e aos privados. A ideia de fazer negciocom a Educao, seria vista por Aristteles como uma opo errada.Para o filsofo, a educao tinha um carcter pblico, devendo serassunto do Estado, embora aceitasse que o Estado, desse abertura

    para a criao de academias de carcter privado para educar osjovens dos 14 aos 21 anos. Quer a Academia de Plato, quer o Liceude Aristteles incluam-se neste caso. Oiamos Aristteles: comono h seno um fim comum a todo o Estado, s deve haver umamesma educao para todos os sbditos. Ela deve ser feita no emparticular, como hoje, quando cada um cuida dos seus filhos, queeduca segundo a sua fantasia e conforme lhe agrada; ela deve serfeita em pblico (3).

    Notas1. Aristteles (2002),A Poltica, S. Paulo, Martins Fontes, 652. Idem, 68

    4

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    5/26

    3. Ibidem, 78

    Webgrafiahttp://pwp.netcabo.pt/netmendo/Artigo%20introduz%20aristoteles.htm

    Cap 2 Sobre o liberalismo e o globalismo em AristtelesRamiro Marques

    O pensamento poltico de Aristteles tem sido usado para suportar efundamentar as mais diversas ideologias e propostas polticas. Noh razo para uma tamanha confuso. O maior comentador de

    Aristteles, Toms de Aquino (1), colocou o filsofo na galeria dospensadores comunitaristas, elogiando as suas posies equilibradas emoderadas sobre a propriedade, a economia e a dimenso e naturezados Estados. Outra coisa no seria de esperar de um autor que centratodo o seu pensamento tico e poltico na tese do justo meio, numaevidente e constante procura de evitar quer o excesso quer adeficincia.Ao contrrio do seu mestre, Plato, Aristteles nunca se deixouseduzir pela tese da propriedade comum dos bens de produo, nemto pouco pela ideia insensata da propriedade comum das mulheres.Aquilo que, a esse respeito, Plato escreveu emA Repblica mereceude Aristteles uma crtica firme mas respeitosa ao seu antigoprofessor e mentor: se o pas deve pertencer aos homens de guerrae aos que governam o Estado, no pensamos, porm, como alguns,que todas as riquezas devam ser comuns; acreditamos apenas que oseu uso deve ser comunicado como que entre amigos, de modo a quenenhum cidado possa faltar o po. Todos concordam que as mesascomuns e as refeies pblicas convm s cidades bem organizadaspoliticamente (2). Toms de Aquino, no sculo XIII, retomaria estatese de Aristteles para propor limites ao conceito de propriedadeprivada. Longe de considerar sagrado o direito propriedade privada,

    pois a terra foi criada por Deus para usufruto de todos, Aquino chegaa defender que, em caso de fome generalizada, esse direito deixa deexistir e fica subordinado ao direito sobrevivncia dos que ficaramdespojados de recursos. Em situaes muito particulares, Aquinodefende a possibilidade de distribuio das terras e dos bens, a fimde evitar um mal maior, ou seja, a morte pela fome dos maisdesprotegidos da sociedade.Quando Aristteles faz a defesa da partilha de bens, maneira dosamigos, ou seja, de modo a que ningum fique sem o mnimo dosmnimos para sobreviver, antecipa aquilo que mais tarde ficaria

    conhecido como as funes protectoras do Estado. Neste sentido,Aristteles afasta-se quer do comunismo quer do liberalismo. Entre

    5

    http://pwp.netcabo.pt/netmendo/Artigo%20introduz%20aristoteles.htmhttp://pwp.netcabo.pt/netmendo/Artigo%20introduz%20aristoteles.htmhttp://pwp.netcabo.pt/netmendo/Artigo%20introduz%20aristoteles.htmhttp://pwp.netcabo.pt/netmendo/Artigo%20introduz%20aristoteles.htm
  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    6/26

    as despesas comuns a todo o Estado, Aristteles inclui as actividadesdo culto, as refeies pblicas e a administrao da justia. Podemos,tambm, considerar que o filsofo propunha uma educao pblica, acargo do Estado, pelo menos at puberdade. Quando partilha daterra, o estagirita recomenda a sua diviso em duas partes: uma

    parte em comum e outra distribuda por particulares e cada fracoser por sua vez subdividida em outras duas; das duas que restampara a nao, uma ser destinada s despesas de culto, a outra srefeies pblicas; quanto aos dois lotes de propriedades privadas,uma ser nas fronteiras, outra perto da cidade, a fim de que cadaqual tenha a sua subsistncia garantida nos dois lugares (3).Ao longo das pginas que Aristteles dedica economia e propriedade ressalta a preocupao com a justia e o equilbrio, deforma que o Estado assegure que todos os cidados tenham omnimo para viver uma vida digna. Embora a concepo de justia

    distributiva, em Aristteles, no fosse a de dar a todos o mesmo, oude dar a cada um segundo as suas necessidades, o filsofoconsiderava ser dever do Estado a proteco dos cidados que viviamno territrio e essa proteco inclua no s o acesso s refeiespblicas, a cargo do Estado, mas tambm o direito terra e segurana.Ao lermos o que Aristteles escreveu sobre a organizao poltica esocial da Atenas do seu tempo, conclumos estar face a umasociedade preocupada com a justia, as liberdades e o bem-estar doscidados, havendo inclusive a preocupao de tratar os escravos com

    humanidade, uma vez que, embora sem direitos de cidadania, eramconsiderados humanos e dignos de respeito. Aristteles, ao referir-seao tratamento dado aos escravos, afirma que melhor dar a todos osescravos, como recompensa, a perspectiva da liberdade. Foi, alis, oque ele fez, ao libertar os seus escravos, quando verificou que a suavida estava prestes a chegar ao fim.Fora o tempo em que viveu na Macednia, onde nasceu e viveu atse mudar para Atenas e onde viria a regressar por alguns anos paraassumir a tarefa da educao do jovem Alexandre, Aristteles foisempre um estrangeiro sem direitos de cidadania. Contudo,

    Aristteles amava Atenas como sua ptria adoptiva. O filsofo via emAtenas o ideal de cidade, suficientemente grande para subsistir deforma autnoma e suficientemente pequena para poder sergovernada com a participao e o escrutnio de todos os cidados. Aolongo deA Poltica h abundantes crticas aos estados demasiadograndes. Os imprios so vistos por Aristteles como perversespolticas de enorme complexidade e de impossvel governao. Oideal republicano, assente no governo dos melhores, dos mais justose mais honestos, com magistrados eleitos e com ampla participaodos cidados nos processos de deciso e escolha, num dimenso deEstado onde fosse possvel o contacto face a face, parece ser aorganizao poltica preferida de Aristteles. Nesse sentido, no viu

    6

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    7/26

    com bons olhos a aventura imperialista de Alexandre da Macednia,tendo, em conformidade, deixado a corte do futuro imperadorAlexandre Magno. Aristteles no era um multiculturalista globalista.H abundantes passagens em A Polticaonde alerta para anecessidade de um Estado no escancarar as portas aos estrangeiros,

    de forma a no quebrar o equilbrio demogrfico e a prepondernciados nacionais. Em relao aquisio da cidadania, Aristteles,apesar de estrangeiro em Atenas, no se mostra favorvel a umapoltica demasiado liberal e facilitadora, considerando que os laos desangue devem prevalecer nessa questo. Para Aristteles, acidadania ganha-se com o nascimento e com os laos de sangue.Apesar disso, o filsofo interroga-se sobre o facto de os fundadoresdas cidades e dos estados, ou seja os primeiros cidados, teremvindo de fora e, portanto, no poderem reivindicar uma cidadania pornascimento. Aristteles no parece muito vontade sobre esta

    questo e no possvel encontrar nas pginas de A Poltica umatese firme sobre o modo como se deve adquirir a cidadania. Contudo,podemos afirmar que o filsofo defende uma posio equilibrada: osEstados no devem dar a cidadania com demasiada facilidade aosestrangeiros, mas tambm no devem assumir uma poltica xenfobaem relao ao que vem de fora.Aristteles no se assume como globalista nem multiculturalista. Oideal grego e a cultura grega eram, para Aristteles, superiores atodas as outras culturas. Ele considerava os gregos mais inteligentese sabedores do que os povos do Norte e, sem dvida, mais corajosos

    do que os povos do Oriente. O Estado era encarado como umaorganizao poltica para dar segurana e proteco aos cidados. Osconceitos actuais de globalizao (4) e de multiculturalismo estavamlonge do pensamento poltico de Aristteles, o qual sempre se afastouda perspectiva relativista e da ideia dos Estados imperiais. Porexemplo, A Unio Europeia, a ONU e outras organizaes polticasglobalistas seriam vistas com muito cepticismo por Aristteles que asconsideraria de difcil governao e contrrias ao ideal do Estadoprximo dos cidados. Importa realar que o Estado era paraAristteles composto por uma populao particular, unida por laos

    de sangue, cultura, lngua e religio, habitando um dado territrio esujeita a um Constituio prpria. O Estado existia no apenas paraassegurar e proteger a vida dos cidados, mas sobretudo parapermitir que estes tivessem uma vida boa (A Poltica, 2, 1252b29-30). Aristteles considerava que o fim ltimo do Estado era assegurara felicidade dos cidados (A Poltica, III, 6, 1278b17-24). Da que aperspectiva liberal de um Estado mnimo no correspondaminimamente ao pensamento poltico de Aristteles e seria entendidona Grcia Clssica como uma anormalidade poltica. O Estado existiapara proteger os cidados e para lhes proporcionar as condiesnecessrias a uma vida feliz. A participao dos cidados ateniensesna vida poltica, nomeadamente na eleio dos magistrados e na

    7

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    8/26

    tomada de decises polticas era muito mais profunda do que aquelaque se verifica nas democracias hodiernas. O grau de proximidadeentre os magistrados eleitos e os restantes cidados era muito maiorgraas reduzida dimenso territorial da cidade-estado e ao escassonmero de pessoas que viviam no territrio, por comparao com as

    mega-metrpoles e os imprios escala global da actualidade.

    Notas1)Toms de Aquino (1988). St. Thomas Aquinas on Politics andEthics. (Editado e traduzido por Paul Sigmund). Nova Iorque: Norton2) Aristteles (2001).A Poltica. S. Paulo: Martins Fontes, 1013) Idem, 1024) Eu prefiro chamar-lhe de globalismo porque se trata de umaideologia que integra elementos do liberalismo econmico e domundialismo e universalismo kantiano.

    Webgrafiahttp://plato.stanford.edu/entries/aristotle-politicshttp://en.wikipedia.org/wiki/Politics_%28Aristotle%29http://www.eses.pt/usr/ramiro/index.htm

    Cap. 3 Sobre o melhor Governo em Aristteles (Parte 1)

    Ramiro Marques

    Aristteles dedica grande parte do livro III deA Poltica a estudar ascondies, caractersticas e natureza do melhor Governo, havendonele a preocupao de distinguir as formas menos boas de Governodas formas boas e ms. Atento importncia da natureza humana eda cultura, o filsofo afirma que no que diz respeito arte poltica,deve-se considerar no apenas qual o melhor governo, aquele quese deve preferir quando nenhum obstculo exterior se ope, mas

    tambm aquele que convm a cada povo, pois nem todos sosusceptveis do melhor (1).No h bons governos sem bons legisladores. A estes deve exigir-sea posse das virtudes da inteligncia, coragem e prudncia. Semdirigentes virtuosos, no h governo justo, honesto e competente. Ainteligncia permite ao legislador fazer as leis que melhor convm aoscidados, em determinado contexto. A prudncia permite que sefaam as leis que as circunstncias permitam, respeitando sempre oprincpio da opo pelo bem maior ou pelo mal menor.No possvel discutir as melhores formas de governo sem antes

    responder seguinte pergunta: a quem deve caber o exerccio dasoberania? multido, aos ricos, aos homens de bem, ao homem

    8

    http://plato.stanford.edu/entries/aristotle-politicshttp://en.wikipedia.org/wiki/Politics_(Aristotle)http://www.eses.pt/usr/ramiro/index.htmhttp://plato.stanford.edu/entries/aristotle-politicshttp://en.wikipedia.org/wiki/Politics_(Aristotle)http://www.eses.pt/usr/ramiro/index.htm
  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    9/26

    mais eminente quanto ao mrito, ou ser prefervel um monarcaabsoluto? Cada uma destas solues tem vantagens e desvantagens,embora haja algumas formas de governo que apresentam maisprejuzos do que benefcios. Seguindo a teoria do justo meio,Aristteles opta pelos governos que no pequem nem por excesso

    nem por deficincia, em funo dos critrios da liberdade, da justia,da participao na vida poltica, do mrito e da eficcia naprossecuo do bem comum e da vida boa para todos. OiamosAristteles: Se, por serem superiores em nmero, aprouver aospobres dividir os bens dos ricos, no ser isso uma injustia? E, se forpreciso considerar justo todo decreto que emanar de tal soberano, oque se qualificar de extrema iniquidade? Da mesma forma, se, natotalidade dos habitantes, a maioria decide usurpar os pertences daparte menos numerosa, isto no equivale a desagregar asociedade?...O mesmo pode ser dito das aces de um tirano. Sendo

    superior pela fora, ele constrange os seus sbditos, assim como amultido aos ricos. Ser justo que algumas pessoas dominem empequeno nmero, por serem mais ricas?...Mas apenas os nobresdevem governar e possuir toda a autoridade? Se for assim, todos osoutros cidados permanecero sem participar dos cargos pblicosSer prefervel que s haja um governante e que seja o maisvirtuoso? Isto ainda mais oligrquico e proporciona um nmeroainda maior de excludos (2).Pelas questes colocadas se pode perceber o quo difcil a resposta.Aristteles selecciona um conjunto de critrios para aferir da bondade

    dos governos. Esses critrios incluem: o grau de liberdade doscidados; o nvel e a dimenso da participao dos cidados na vidapoltica, enquanto eleitores e enquanto elegveis para os cargos; omrito, a inteligncia e a excelncia dos governantes; a suacapacidade para promover o bem comum e a felicidade dos cidados.Assim sendo, Aristteles opta por formas mistas de governo, natentativa de incluir os aspectos melhores e a evitar os menos bons.Nesse sentido, procede distino entre constituies correctas edesviantes, consoante o Governo exercido por uma pessoa, porpoucas pessoas ou pela multido. No respeito por esses requisitos, o

    filsofo estabelece a seguinte diviso:

    Correcto Desviante

    Governo deum s

    Monarquia Tirania

    Governo depoucos

    Aristocracia Oligarquia

    Governo de Politeia Democracia

    9

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    10/26

    muitos

    Esta classificao em seis partes estabelece o cenrio para o inquritodesenvolvido por Aristteles em torno dos melhores governos.

    Aristteles observa que, na oligarquia, o Governo exercido porpoucas pessoas e todas elas tm o atributo de muito ricas; naaristocracia, o Governo exercido por poucas pessoas, todas elascom o atributo de excelentes em carcter e sabedoria; napoliteia, ogoverno misto, ou seja, exercido por muitas pessoas, a maioriadas quais da classe mdia, ou seja com a propriedade, rendimentos,educao e tempo livre suficientes para se poderem dedicar vidapoltica (A Poltica, III. 8 e IV. 11).Os governos desviantes so os que se encontram nos extremos. Atirania o pior dos regimes. Contudo, quer a oligarquia quer a

    democracia no esto isentas de crticas por parte do estagirita.Aristteles critica a oligarquia por afastar da governao e dasmagistraturas a classe mdia e os pobres, no havendo qualquergarantia de que os mais ricos sejam os melhores e os maisexcelentes. A crtica democracia incide sobre a falta de preparaoe de tempo livre de uma grande parte dos pobres que, submersospelas actividades braais dirias e sem educao, no revelamcompetncia para os assuntos do governo. A democracia fica,portanto, refm dos demagogos e sujeita ao poder da inveja e dacobia do alheio. Quando os pobres esto em maioria e ocupam o

    governo corre-se o risco de se praticarem injustias to flagrantesquanto as cometidas pelos oligarcas, havendo o perigo de usurpaodos bens dos mais ricos por parte da multido. por isso que, porvezes, a democracia o caminho mais curto para a tirania.Voltaremos a este assunto no captulo seguinte.Notas

    1) Aristteles (2001).A Poltica. S. Paulo: Martins Fontes, 1452) Idem, 150

    Webgrafiahttp://plato.stanford.edu/entries/aristotle-politics

    Cap 4 Sobre o melhor governo em Aristteles (parte 2)Ramiro MarquesS podemos compreender a opo de Aristteles pelas formas degoverno intermdias (monarquia, aristocracia e politeia), se tivermospresente a sua teoria do justo meio. Afirma ele: a melhorConstituio e o melhor regime para a maioria dos Estados, assim

    como para a maioria dos particulares, no se medem nem porvirtudes acima do alcance do vulgo, nem pelo saber que se adquire

    10

    http://plato.stanford.edu/entries/aristotle-politicshttp://plato.stanford.edu/entries/aristotle-politics
  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    11/26

    apenas com talentos naturais e com o auxlio da fortuna, nem poruma forma de governo qualquer, mas sim por um gnero de vida quetodos possam alcanar e pelo governo que o maior nmero deEstados esteja disposto a receber (1). A melhor vida coincide com avida mdia, ou seja, uma vida moderada nos prazeres,

    suficientemente virtuosa para ser considerada justa e digna dasamizades e medianamente regrada no conforto material, porquedemasiados bens materiais constituem um estorvo, assim como aimoderao nos prazeres pode prejudicar a sade e sem sade ealguma sorte no h condies para uma vida boa. A defesa de umconforto material mediano, consistindo nos bens materiais suficientespara receber e ajudar os amigos e para poder levar uma vida quedeixe tempo livre para a contemplao, as amizades, o estudo e avida poltica, constitui uma ideia central no pensamento tico epoltico do filsofo.

    A preferncia de Aristteles por uma classe mdia forte, que seidentifique com dois teros dos cidados ou pelo menos um tero, justifica-se porque constitui um factor dissuasor dos extremismos,quer tendo origem no grupo dos muito ricos, quer no grupo dos muitopobres. Quando a cidade-estado composta por uma grande maioriade pobres, podem registar-se dois movimentos: ou os pobres tomamconta do poder, subvertendo a Constituio e instituindo umademocracia que depressa degenera em tirania; ou a oligarquia(governo dos muito ricos) tende a degenerar para um regimedesptico como resposta s revoltas dos pobres e necessidade de

    os muito ricos se sustentarem no poder.

    Notas1) Aristteles (2001).A Poltica. S. Paulo: Martins Fontes, 187

    Cap 5 O melhor governo em Aristteles (parte 3)

    Ramiro Marques

    O livro II deA Poltica de dedicado ao inqurito sobre o governoideal (1). Seguindo o mtodo comparativo de Aristteles, o livro IIIapresenta e analisa vrias Constituies consideradas boas, compara-as e, finalmente, enuncia as caractersticas do Estado ideal.O Estado uma associao e, portanto, pressupe a partilha dealguns aspectos comuns. Quais? Havendo diversidade de opiniesacerca do alcance e natureza dessa partilha, importa conhecer a

    posio de Aristteles. Desde logo, a posio do estagirita difere dado seu mestre, Plato, que, emA Repblica (2), defende a partilha

    11

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    12/26

    comum da propriedade e das mulheres. Contudo, importa referir queessa partilha, defendida por Plato, se limitava a um grupo especficoda sociedade, os Guardies, e tinha como objectivo evitar rivalidades,invejas e cobias.E o inqurito de Aristteles comea pelo reconhecimento de que as

    constituies existentes no so inteiramente satisfatrias, sendo,por isso, necessrio indagar sobre a constituio ideal (II, 1260b36).A primeira pergunta a fazer o que deve ser partilhado por todos?Tudo? Uma grande parte dos bens? S alguns bens? A recusa daprimeira opo explicada pela necessidade de manter algumadiversidade de funes na sociedade. Alm disso, o filsofo acusaessa opo de ser impraticvel. Se, por absurdo, a partilha comumdos bens e das mulheres fosse posta em prtica, essa unidade radicalconduziria destruio do Estado e dissoluo da sociedade (II,126110). Aristteles revela-se, no livro II, o primeiro grande crtico

    do comunismo. Essa crtica tem levado alguns liberais aconsiderarem-no um dos fundadores do liberalismo. Contudo, nadaem A Polticaconfirma essa tese. Aristteles um comunitaristamoderado que coloca a propriedade e a economia ao servio doHomem, remetendo as actividades comerciais e artesanais para umpatamar inferior a todas as outras actividades produtivas. O que sepode verificar, pela leitura de A Poltica uma crtica avant lalettre ao que ficaria conhecido mais tarde por capitalismo financeiro.Veja-se a esse respeito a sua feroz crtica usura. Se Aristtelesescrevesse sobre os dias de hoje, seria um crtico quer do

    imperialismo quer do capitalismo financeiro e do neoliberalismoglobalista.A recusa do igualitarismo constitui um elemento essencial da polticaaristotlica. O Estado consiste no apenas na pluralidade dehomens, mas tambm nas diferentes espcies de homens; no sepode fazer um Estado de homens que sejam todos iguais (II,126122). A proposta igualitria de Plato, posta em prtica, levaria diluio dos laos familiares, afectivos e sexuais a um ponto tal quetornaria impossvel o exerccio da responsabilidade sobre quem querque fosse ou sobre o que quer que fosse. O princpio da equivalncia

    recproca, no da igualdade, que mantm o Estado emfuncionamento. Se os cidados fossem todos iguais, no haveriamaneira de assegurar a diversidade de funes. Sem especificidade ediversidade de funes, o Estado no pode ser auto-suficiente. Sendoa auto-suficincia uma caracterstica essencial do Estado, umaunidade e igualdade extremas conduziriam dissoluo do Estado (II,1261b16-126224).O argumento que Aristteles invoca para criticar a propriedadecomum dos bens , hoje, aceite por todos os crticos daquilo a que secostuma chamar de nacionalizao dos bens de produo. As pessoascuidam melhor daquilo que seu do que daquilo que de todos (II,1261b32). As pessoas cuidam da propriedade comum apenas quando

    12

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    13/26

    podem tirar proveito dela ou podem ser afectados por ela. Almdisso, a propriedade comum dos bens leva a que cada indivduoprojecte nos outros as tarefas que deviam ser suas, criando umambiente de desleixo pela coisa pblica. Quem tem de recorrer aservios do Estado sabe do que que Aristteles estava a falar

    quando argumentava desta forma. A propriedade comum dos bens deproduo conduz negligncia, ao mau servio e, em ltimainstncia, injustia e pobreza. Os Estados actuais confirmam atese de Aristteles. No existe um s exemplo de um Estado quetenha optado pela nacionalizao dos bens de produo (oequivalente noo platnica de comunho de bens) que no sejapobre e tirnico. Ao invs, todos os Estados ricos tm constituiesque optam pelo conceito de propriedade privada.Aristteles no um defensor do carcter sagrado da propriedadeprivada. Impe-lhe limites. Embora prefira, pelas razes apontadas

    atrs, a propriedade privada, combina-a com o uso comum e com apartilha no obrigatria dos bens, assente no exerccio da virtude dagenerosidade. Alis, o Estado ideal de Aristteles assegura algunsservios pblicos a todos os cidados, ricos ou pobre: educao,refeies, justia e segurana. Cabe, tambm, aos cidados maisricos a distribuio de uma parte das suas receitas pelos cidadosmais pobres, no como uma exigncia do Estado, mas como umaexigncia dos bons costumes.

    Notas1. Aristotle (1992). The Politics. (Introduo e traduo de T. A.Sinclair). Londres: Penguin Classics

    2. Plato (2006).A Repblica. Lisboa: Guimares Editores

    Cap 6 Crtica propriedade comum dos bens e das mulheres

    Ramiro Marques

    O livro II deA Poltica dedicado ao inqurito sobre o governo ideal(1) e as seces que vo de 1261a10 a 1264b26 so inteiramentepreenchidas com a refutao da tese da propriedade comum dos bense das mulheres. Surpreende a insistncia e o vigor com queAristteles refuta as teses do seu Plato. Seguindo o mtodocomparativo de Aristteles, o livro II apresenta e analisa vriasConstituies consideradas boas, compara-as e, finalmente, enunciaas caractersticas do Estado ideal. S podemos compreender a teoriaconstitucional de Aristteles se percebermos que o fim do Estadoresidia na promoo da felicidade de todos os cidados. O Estadoideal no era visto como um instrumento de dominao de uma

    classe sobre outra, mas sim como a forma mais perfeita de associaruma comunidade em ordem auto-suficincia e eudaimonia. Entre

    13

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    14/26

    as principais funes do Estado vinham cabea a segurana, aproteco e a educao dos cidados, pois s cidados com bomcarcter poderiam assegurar a permanncia de um Estado ao serviode todos.O Estado uma associao e, portanto, pressupe a partilha de

    alguns aspectos comuns. Quais? Havendo diversidade de opiniesacerca do alcance e natureza dessa partilha, importa conhecer aposio de Aristteles. Desde logo, a posio do estagirita difere dado seu mestre, Plato, que, emA Repblica (2), defende a partilhacomum da propriedade e das mulheres. Contudo, importa referir queessa partilha, defendida por Plato, se limitava a um grupo especficoda sociedade, os Guardies, e tinha como objectivo evitar rivalidades,invejas e cobias.E o inqurito de Aristteles comea pelo reconhecimento de que asconstituies existentes no so inteiramente satisfatrias, sendo,

    por isso, necessrio indagar sobre a constituio ideal (II, 1260b36).A primeira pergunta a fazer : o que deve ser partilhado por todos?Tudo? Uma grande parte dos bens? S alguns bens? A recusa daprimeira opo explicada pela necessidade de manter algumadiversidade de funes na sociedade. Alm disso, o filsofo acusaessa opo de ser impraticvel. Se, por absurdo, a partilha comumdos bens e das mulheres fosse posta em prtica, essa unidade radicalconduziria destruio do Estado e dissoluo da sociedade (II,126110). Aristteles revela-se, no livro II, o primeiro grande crticodo comunismo. Essa crtica tem levado alguns liberais a consider-lo

    um dos fundadores do liberalismo. Contudo, nada emAPoltica confirma essa tese. Aristteles um comunitarista moderadoque coloca a propriedade e a economia ao servio do Homem,remetendo as actividades comerciais e artesanais para um patamarinferior a todas as outras actividades produtivas. O que se podeverificar, pela leitura deA Poltica uma crtica avant la lettre ao queficaria conhecido mais tarde por capitalismo financeiro. Veja-se aesse respeito a sua feroz crtica usura. Se Aristteles escrevessesobre os dias de hoje, seria um crtico quer do imperialismo quer docapitalismo financeiro e do neoliberalismo globalista. A sua simpatia

    pelos pequenos estados, onde a proximidade fsica entre eleitos eeleitores, magistrados e restantes cidados era possvel, lev-lo-ia aapreciar, por exemplo, alguns estados actuais, como Singapura,Mnaco, Andorra ou Lichenshtein. Curioso verificar que essespequenos Estados no s so auto-suficientes como conseguiramgerar um inegvel bem-estar para os cidados.A recusa do igualitarismo constitui um elemento essencial da polticaaristotlica. O Estado consiste no apenas na pluralidade dehomens, mas tambm nas diferentes espcies de homens; no sepode fazer um Estado de homens que sejam todos iguais (II,126122). A proposta igualitria de Plato, posta em prtica, levaria diluio dos laos familiares, afectivos e sexuais a um ponto tal que

    14

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    15/26

    tornaria impossvel o exerccio da responsabilidade sobre quem querque fosse ou sobre o que quer que fosse. O princpio da equivalnciarecproca, no da igualdade, que mantm o Estado emfuncionamento. Se os cidados fossem todos iguais, no haveriamaneira de assegurar a diversidade de funes. Sem especificidade e

    diversidade de funes, o Estado no poderia ser auto-suficiente.Sendo a auto-suficincia uma caracterstica essencial do Estado, umaunidade e igualdade extremas conduziriam dissoluo do Estado (II,1261b16-126224).O argumento que Aristteles invoca para criticar a propriedadecomum dos bens , hoje, aceite e usado por todos os crticos daquiloa que se costuma chamar de nacionalizao dos bens de produo.As pessoas cuidam melhor daquilo que seu do que daquilo que detodos (II, 1261b32). As pessoas cuidam da propriedade comumapenas quando podem tirar proveito dela ou podem ser afectados por

    ela. Alm disso, a propriedade comum dos bens leva a que cadaindivduo projecte nos outros as tarefas que deviam ser suas, criandoum ambiente de desleixo pela coisa pblica. Quem tem de recorreraos servios do Estado sabe do que que Aristteles estava a falarquando argumentava desta forma. A propriedade comum dos bens deproduo conduz negligncia, ao mau servio e, em ltimainstncia, injustia e pobreza. Os Estados actuais confirmam atese de Aristteles. No existe um s exemplo de um Estado quetenha optado pela nacionalizao dos bens de produo (oequivalente noo platnica de comunho de bens) que no seja

    pobre e tirnico. Infelizmente, no faltam exemplos: Cuba, Vietnam,Zimbabwe e alguns outros. Ao invs, todos os Estados ricos tmconstituies que optaram pela defesa da propriedade privada.Aristteles no um defensor do carcter sagrado da propriedadeprivada. Impe-lhe limites. Embora prefira, pelas razes apontadasatrs, a propriedade privada, combina-a com o uso comum e com apartilha no obrigatria do uso dos bens, assente no exerccio davirtude da generosidade. Alis, o Estado ideal de Aristteles asseguraalguns servios pblicos a todos os cidados, ricos ou pobres:educao, refeies, justia e segurana. Cabe, tambm, aos

    cidados mais ricos a distribuio de uma parte das suas receitaspelos cidados mais pobres, no como uma exigncia do Estado, mascomo uma consequncia dos bons costumes (II, 1262b37).Aristteles d o exemplo de Esparta, onde a posse da propriedade individual, mas onde se faz o uso comum dela quando necessrio. A,os escravos so usados em comum e, quando necessrio, tambm oscavalos. Embora cada cidado tenha a sua propriedade, uma partedela para uso dos amigos, outra parte para uso de todos e, por fim,uma terceira parte s para uso pessoal (II, 126330).Finalmente, Aristteles aponta uma outra razo de peso para aexplicar a sua preferncia pela propriedade privada dos bens e peloseu uso comum: alm do mais h um imenso prazer gerado pela

    15

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    16/26

    posse da propriedade (II, 126340). Outra razo derivada daquela o prazer que os amigos tiram da ajuda prestada aos amigos. Aqui,Aristteles invoca a importncia da virtude da amizade para a vidaboa e a eudaimonia. Sem propriedade privada, os amigos ver-se-iamincapazes de acudir s necessidades dos amigos e de colocar ao

    servio deles alguns dos bens: um ponto adicional que se tiragrande prazer fazendo favores aos amigos, aos estranhos e aosscios e isto s possvel quando se tem propriedade prpria (II,126340). Sem propriedades privada, os cidados ficariam impedidosde exercer duas virtudes essenciais vida boa: a amizade e aliberalidade (3).

    Notas1. Aristotle (1992). The Politics. (Introduo e traduo de T. A.

    Sinclair). Londres: Penguin Classics. Neste captulo, segui a

    edio da Peguin Classics. Daqui em diante, seguirei sempre aedio da Peguin Classics. Qualquer referncia edio daEditora Martins Fontes ou da Editorial Vega ser devidamenteassinalada.

    2. Plato (2006).A Repblica. Lisboa: Guimares Editores3. Sobre estas virtudes:http://www.eses.pt/usr/ramiro/index.htm

    Cap 7 O conceito de cidado em Aristteles

    Ramiro Marques

    Aristteles dedica uma parte do livro III definio do conceito decidado e distino entre o bom cidado e a pessoa virtuosa (1). Oestagirita comea por definirpolis, mas chega concluso que, nohavendo unanimidade em torno da definio, preciso primeirodefinir cidado. Contudo, tambm no h unanimidade em torno doconceito de cidado, pelo que se torna necessria uma definio de

    constituio. Uma vez que existem diferentes tipos de constituio, lgico que haja diferentes definies de cidado. A definio maiscomum que cidado um membro de um Estado, mas essadefinio levanta um outro problema: quais so os atributos para seser considerado membro de um Estado? Apesar de reconhecer que oconceito de cidado varia consoante a constituio, Aristteles afirmaque o cidado aquele que participa na vida poltica e pode ser eleitopara as magistraturas (III, 127522). Aristteles reconhece que estadefinio mais adequada aos regimes democrticos do que aosrestantes, pois prprio das oligarquias que apenas os cidados mais

    ricos possam ser eleitos para as magistraturas. No caso dos regimesaristocrticos, baseados no reconhecimento de que as magistraturas

    16

    http://www.eses.pt/usr/ramiro/index.htmhttp://www.eses.pt/usr/ramiro/index.htm
  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    17/26

    devem estar reservadas aos cidados de melhor carcter e de maiormrito, a base de recrutamento dos magistrados tambm menor doque nas democracias. Com base nestas consideraes, Aristtelesconclui que logo que um homem seja considerado apto paraparticipar nas magistraturas deliberativas ou judiciais pode ser

    considerado um cidado daquele Estado e sempre que haja umnmero de tais pessoas, suficientemente grande para assegurar aauto-suficincia poltica, temos um Estado (III, 1275b13).Depois de definir cidado, Aristteles discute as formas de adquirir acidadania. A forma mais generalizada baseia-se nos laos de sangue.A cidadania adquire-se pelo nascimento num determinado Estado apartir de uma gestao de pai e me cidados daquele Estado. Pode,no entanto, adquirir-se de outras formas: por concesso de umaautoridade poltica como forma de recompensa por servios prestadosao Estado. Escravos, mulheres, crianas e residentes estrangeiros

    no cumpriam os requisitos necessrios para serem consideradoscidados. As mulheres e as crianas no cumpriam o requisito dodomnio das competncias necessrias para o exerccio da cidadania,quer por falta de maturidade intelectual e de carcter quer por faltade conhecimentos. Os escravos, por executarem as tarefas mecnicase servis, no tinham o tempo livre necessrio ao exerccio da vidapoltica. Por outro lado, no sendo livres, no podiam governar nemexercer magistraturas. Os estrangeiros residentes dedicavam-se,regra geral, ao comrcio e ao artesanato, pelo que no dispunham,tambm, de tempo livre para o exerccio da cidadania. Por outro lado,

    sendo o Estado uma associao de pessoas livres que tinham emcomum a partilha da lngua, da religio e dos costumes, no faziasentido alargar a cidadania a quem no partilhava algum dessesatributos. Podemos contrapor que muitos dos metecos (estrangeiroscom autorizao de residncia em Atenas) eram gregos de outrasorigens e que, por isso, partilhavam com os atenienses a lngua e areligio e, em muitos casos, os costumes. Para compreendermos aposio de Aristteles temos de ter em conta que as cidades gregasrivalizavam entre si e muitas vezes guerreavam os vizinhos, fosse porrazes de territrio ou por razes particulares. Dessa forma, a

    independncia de uma cidade-estado era uma questo vital para omodo de vida dos gregos, que associavam as liberdades, o bem-estare a eudaimonia partilha de um Estado pequeno, onde a participaodos cidados na vida poltica estivesse assegurada quer pelaproximidade quer pelo conhecimento mtuo. Para os cidadosatenienses, da poca em que viveu Aristteles, o regime democrtico,tal como o vivemos actualmente na Unio Europeia, no seria vistocomo suficientemente democrtico; antes, estaria mais perto doregime oligrquico e seria visto como um mistura desviante deregime democrtico exacerbado com traos de regime oligrquico.Por exemplo, o modo como funciona o sistema de justia, emPortugal, seria considerado por Aristteles como uma enorme

    17

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    18/26

    aberrao, no s pela burocracia envolvente, mas tambm pelaenorme dificuldade de acesso justia por parte da maioria doscidados.Os cidados eram uma pequena minoria na sociedade ateniense.Podemos acusar Aristteles de xenofobia, mas temos de compreender

    que a recusa da cidadania aos metecos se justificava, tendo em contaa definio e a natureza do Estado e da cidadania. Aristteles noparece muito vontade a escrever sobre esta questo. Convmlembrar que Aristteles era macednio (nasceu em Estagira, umacidade sob o domnio do rei da Macednia), tendo vivido a maiorparte da sua vida como estrangeiro residente, no podendo, por isso,votar nem ser eleito. Ter sido essa a razo da sua fuga apressada deAtenas, quando o partido macednico comeou a ser perseguido nacidade, em consequncia da morte de Alexandre Magno, em 323.Aristteles procede a um inqurito sobre se possvel distinguir o

    bom cidados do homem virtuoso, concluindo que um bom cidados pode ser um homem virtuoso nos Estados bem governados e comuma Constituio correcta, ou seja, nos regimes da aristocracia oudapoliteia. Alm disso, Aristteles conclui que s os cidados quegovernam que podem ser simultaneamente bons cidados ehomens virtuosos. No se percebe qual o alcance desta tese, tantomais que o texto que vai de 1276b16 at 1277b32 confuso, nosendo possvel retirar dele ideias mais profundas acerca do que ofilsofo pensa sobre o assunto.Por fim, Aristteles discute se os cidados podem deixar de o ser em

    resultado de uma mudana constitucional, por exemplo, a passagemde um regime democrtico para uma tirania ou para uma oligarquia.Aristteles responde que tal possvel porque o critrio de cidadania poder participar na vida poltica da cidade e ser eleito para asmagistraturas. Por exemplo, quando um regime oligrquico substitudo por um regime democrtico assiste-se ao alargamento dabase dos cidados, uma vez que a posse da propriedade deixa de sercritrio na atribuio da cidadania (III, 1275b34).

    Notas1) Aristotle (1981). Politics. (Introduo, traduo e notas de T. A.Sinclair). Londres: penguin Classics, III, 1274b32

    Cap. 8 Sobre a escravatura em Aristteles (parte 1)

    Ramiro Marques

    18

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    19/26

    Aristteles foi um dos primeiros filsofos a promover uma discussoaprofundada sobre o conceito de escravatura, tipos de escravaturas esobre a sua legitimidade. Essa discusso feita no livro I deAPoltica (1), mas fora ensaiada antes, no livro III da tica a

    Nicmaco (2) e tambm, em menor parte, na tica a Eudemo (3).O livro I de A Poltica ocupa-se da administrao domstica(oikonomia) e das relaes entre as partes que compem a casa(oikos). neste contexto que o filsofo discute as relaes marido-mulher (gamik), as relaes pai-filho (patrik) e as relaes senhor-escravo (despotik).A discusso sobre a escravatura deve ser encarada luz damultiplicidade dos tipos de governo do homem sobre o outro homem.No tempo de Aristteles, havia quem se opusesse escravatura (4),embora a posio maioritria entre os filsofos da poca fosse a sua

    aceitao. Aristteles partilhava a posio maioritria, embora senote nele alguma dificuldade na sua justificao. O filsofo divide aescravatura em dois tipos: o escravo por conveno e o escravo pornatureza. No primeiro caso, a escravatura imposta pela fora e estreservada apenas aos brbaros em consequncia da sua captura numcenrio de guerra. J a escravatura por natureza parece mais difcilde explicar e ainda mais de justificar luz da teoria aristotlica daexistncia de uma nica espcie de homens. Com efeito, paraAristteles, o que distingue os homens dos animais que osprimeiros so dotados de uma alma e de um corpo e aquela comanda

    este. Alm disso, a alma tem uma parte racional, ou seja,deliberativa, a qual domina a parte desiderativa, ou seja, a parteresponsvel pelos apetites. Ora, Aristteles no pode negar aosescravos a posse desses requisitos sob pena de os deixar deconsiderar homens. O que distingue os escravos dos homens livresno a posse desses requisitos, mas sim o uso que uns e outrosfazem da parte racional da alma: enquanto os homens livres socapazes de fazerem uso da componente deliberativa da alma e,portanto, esto aptos para comandar, os escravos no so capazesde fazer uso dessa componente, estando limitados apenas a

    compreenderem e a obedecerem ao comando. Ou seja, sendodotados de razo, no dispem da capacidade de deliberao e decomando. Desta forma, Aristteles justifica a distino entre homenslivres e escravos, embora no seja capaz de definir com precisoaquilo que distingue um escravo de uma mulher, uma vez que estas,no entender de Aristteles, sendo tambm dotadas de razo, estoigualmente impedidas de exercer a capacidade deliberativa. AfirmaAristteles: Comandar e ser comandado (rchein kai rchesthai)esto entre as coisas no somente necessrias mas convenientes; ecertos seres, desde o nascimento, so diferenciados para seremcomandados ou para comandarem (5). O filsofo parece maisinteressado em encontrar uma justificao ideolgica para encobrir anecessidade econmica da existncia de escravos, sem os quais todo

    19

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    20/26

    o edifcio econmico e modo de vida grego cairia por terra, do queem encontrar uma distino ontolgica, visto que esta negaria einvalidaria a sua doutrina sobre a existncia de uma nica espciehumana, ainda que com diferentes tipos de homens: uns livres eoutros escravos, alguns naturalmente destinados para o comando e

    outros destinados a obedecerem. Da mesma forma, h uma diferenaentre o domnio exercido sobre os homens livres e o domnio exercidosobre os escravos: o primeiro chamado de poltico e o segundo dedesptico. A comunidade poltica era vista por Aristteles comounidade orgnica de partes diferentes e desiguais, unidade na qualcada elemento ocupa o seu lugar natural e exercita a sua funoespecfica. Esse princpio legitima e justifica a existncia de distinese diferenas como caractersticas essenciais de qualquer sociedadecomplexa, composta de partes, mas no implica que essas distinesdevam necessariamente ser naturais: justifica a diversidade, mas no

    a desigualdade (6). Na verdade, Aristteles no consegue provarque a distino entre homens livres e escravos se deva a causasnaturais. Essa incapacidade poderia t-lo levado a questionar-sesobre a legitimidade da escravatura e, no entanto, nunca o fez. Essa, provavelmente, uma das maiores falhas do seu pensamentopoltico. Parece, alis, incompreensvel que um filsofo to genial notenha conseguido distanciar-se um pouco dos interesses econmicosda sua poca e da sua sociedade para perceber que a instituio daescravatura no podia justificar-se por razes da natureza.So duas as definies de escravo que Aristteles nos d: os que

    diferem entre si como a alma do corpo e o homem do animal e osque podem compreender mas no so capazes de deliberar. Osprimeiros so escravos por natureza e esto destinados a exerceremapenas os trabalhos fsicos, sendo bom para eles a submisso autoridade dos seus senhores (7). Os segundos so escravos porconveno, quase sempre por motivo de captura em cenrio deguerra. E quando os capturados eram homens livres? Ser que,depois da captura, perderam a faculdade da deliberao? Aristtelesno consegue encontrar resposta para esta questo. Qualquerresposta invalidaria a sua doutrina sobre a escravatura. Por outro

    lado, Aristteles tem uma enorme dificuldade em responder questo: sero os escravos verdadeiros homens ou uma espciemenor de homens? Por um lado, o filsofo diz-nos que os escravosso capazes de amizade. Por outro, diz-nos que, embora capazes deadquirirem as virtudes, no o fazem at ao mais alto nvel, porque,na verdade, quem no comanda no precisa de ser dotado devirtudes ao mais alto nvel. Sendo assim, o escravo pode sercorajoso, mas sem possuir o nvel de coragem de um homem livre;pode ser justo, mas s at certo ponto; pode ser prudente, mas notanto como o homem livre dotado para a governao, etc. Aristtelesd-nos uma resposta pouco convincente: Enquanto escravo,portanto, no pode haver amizade com ele, mas enquanto homem

    20

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    21/26

    sim: parece pois que existe algo de justo para cada homem em favorde todos aqueles que tm em comum a capacidade de lei e decontrato; portanto, pode haver amizade com o escravo na medida emque homem (8).Por um lado, o escravo um instrumento animado, um instrumento

    usado sobretudo para apraxis (prtica) e no tanto para a produoe, por outro, no deixa de ser um homem; contudo, separa-o dohomem livre uma suposta incapacidade para usar a parte deliberativada alma. Esta contradio nunca ser resolvida por Aristteles. Nofundo, o filsofo est perante uma aporia sem soluo: o escravo humano, mas simultaneamente um instrumento animado; oescravo tem alma e capaz de compreender, mas falta-lhe a partedeliberativa (to bouletikn); pode compreender a razo e obedecer sordens, mas no pode exercit-la. Mais do que isso: a diferena no meramente quantitativa, mas de tipo qualitativo. O escravo no

    possui menos razo do que o homem livre; possui, isso sim, um tipodiferente de razo. Esse tipo diferente de razo explica a ausncia daparte deliberativa.Aristteles dedica uma parte do livro I de A Polticaa encontrar justificaes para a tese da escravatura por natureza (9). E f-lorecorrendo sempre tese da lei natural: tem de haver alguma formade escravatura que seja natural, porque as relaes entre senhor eescravo conformam-se a um padro universalmente encontrado nanatureza, que no mais do que os binmios melhor/pior,homem/mulher, homem/animal, alma/corpo, racional/irracional e

    governante/governado. Essa posio parece inquestionvel ao filsofoe pode ser explicada pela sua teleologia: tudo o que existe nanatureza respeita uma determinada hierarquia e cumpre uma funoe quanto mais perfeita for essa funo maior a excelncia (aret).Em benefcio de Aristteles, podemos afirmar que, no tempo dele, aescravatura no tinha a conotao to negativa quanto veio a ter apartir do sculo XVI, com os Descobrimentos e a Colonizao. Topouco os escravos da poca de Aristteles tinham uma posioeconmica to desprotegida e dbil quanto passaram a ter sculosmais tarde. A diferena entre escravos e homens livres era mais do

    domnio dos direitos e deveres polticos e legais do que do domniosocial e econmico, havendo muitos escravos que tinham um posioeconmica e social razovel, nomeadamente os que serviam nascasas dos senhores.Voltaremos a esta questo no prximo captulo.

    Notas1. A Poltica, I, 1253b23-125417; 125417-125532. tica a Nicmaco, VIII, 1160b28-32; 116130-1161b103. tica a Eudemo, 1241b18-24; 124228-32

    21

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    22/26

    4. Entre os crticos da escravatura, contavam-se um discpulo dosofista Grgias, Alcidamante de Elide e os sofistas Antifonte eLicofrone.

    5. A Poltica, I, 125421-246. Tosi, G. (2003). Aristteles e a escravatura natural. Boletim do

    CPA, Campinas, n 14: 827. A Poltica, I, 1254b15-208. tica a Nicmaco, VIII, 1161b5-89. A Poltica, I, 125417-12553

    Cap. 9 Sobre a escravatura em Aristteles (parte 2)Ramiro Marques

    Aristteles dedica uma parte do livro I de A Poltica a justificar opretenso carcter natural da escravatura (1). A justificao baseia-sena teoria teleolgica e na lei natural: existe uma ordem e umahierarquia no universo; cada objecto e cada ser tem uma funoprimordial e tanto mais excelente (aret) quanto melhordesempenhar essa funo. Essa hierarquia um padro universal eexpressa-se nos binmios melhor/pior; homem/animal;homem/mulher; senhor/escravo; alma/corpo; racional/irracional. Oescravo est para o seu senhor como a alma est para o corpo e fazsentido a sua existncia porque o modo de vida grego seriaimpossvel sem a escravatura e, nesse sentido, a escravatura boaquer para o escravo quer para o senhor. claro que Aristteles noconsegue ir muito alm na explicao da tese da bondade daescravatura para o escravo; muito menos, no caso da escravaturaconvencional, em consequncia da captura em cenrio de guerra.Como que Aristteles, um pensador genial que fundou a Biologia ea Lgica, poderia dar-se por satisfeito na justificao encontrada? A

    nica explicao possvel para este paradoxo afirmarmos que essa justificao meramente ideolgica. Aristteles foi um optimistarealista, um pragmtico, um pensador poltico que consideravaexcelentes a cultura grega e o modo de vida grego, pelo que nopodia considerar a hiptese de os instrumentos animados deixaremde ser o suporte da economia e, portanto, do modo de vida grego.Em consequncia da sua teleologia, Aristteles admitia como naturala existncia de homens dotados para governar e homens destinadosa serem governados; os primeiros, dotados de capacidades racionaise deliberativas; os segundos, privados do uso do poder da razo,

    embora dotados da capacidade de compreenso. Estavam, nestecaso, os escravos. De outra forma, faltar-lhes-ia o requisito

    22

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    23/26

    fundamental para serem considerados homens. E Aristteles nopodia negar esse requisito aos escravos, sob pena de pr em causatoda a sua ontologia.Ao longo do texto (12553-b15), ressalta o facto de Aristteles noter conseguido ser completamente convincente na apresentao da

    justificao da escravatura, sobretudo porque fica a ideia de que aescravatura pela fora fica fora da sua explicao teleolgica e nopode ser justificada luz da lei natural. A no ser que se considereque a derrota numa guerra se deve, no a razes fortuitas ouparticulares, relacionadas com a tctica, o armamento e o nmero,mas a razes de racionalidade. Se isso fosse verdade, os derrotadosmereciam a escravatura porque, afinal, mostraram no seremcapazes de usar o poder deliberativo da parte racional da alma. A serassim, estaramos a confundir fora superior com superioridade morale a considerar que a justia a lei do mais forte.

    As teses de Aristteles sobre a escravatura tiveram uma enormeressonncia quinze sculos mais tarde, em consequncia daredescoberta de A Poltica(2). Durante os Descobrimentos e aColonizao, foi usada por alguns idelogos como justificao para amanuteno da escravatura. Importa, no entanto, ter presente que aescravatura, na Grcia Antiga, tinha contornos muito diferentes daescravatura posterior.Notas

    1. A Poltica, I, 125417-125532. A obra A Polticafoi muito pouco divulgada nos sculos

    posteriores morte de Aristteles, sendo desconhecida dequase todos os pensadores romanos. A sua redescoberta, nosculo XIII, viria a influenciar a cincia poltica medieval.Reinou como obra incontestado at ao sculo XVII. Apublicao do Leviat, por Thomas Hobbes, marcou o seudeclnio.

    Glossrio de Termos Usados por Aristteles

    Ramiro Marques

    Aco:praxisCidado:politsCidade-estado:polisComunidade: koinniaConstituio:politeiaExcelncia: aretLivre: eleutherosBom: agathos

    Felicidade: eudaimoniaFeliz: eudaimn

    23

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    24/26

    Justia: dikaiosunLei: nomosLegislador: nomothetsSenhor: despotsNatureza:phusis

    Nobre: KalonPoltico:politikosCincia poltica:politik epistmPrtica:praktikosSabedoria prtica:phronsisAuto-suficiente: autarksSoberano: kurios

    Glossrio de termos usados por Aristteles

    Ramiro Marques (publicado em 17 de Maio de 2007)

    Aco praxisActividade energeia

    Bom agathos

    Vergonha aidsVergonhoso aischrosPercepo aisthsisCausa aitiaIntemperana akolasiaIncontinncia akrasiaNecessidade anankRaiva orgAnimal zonPuzzle aporia

    Apetite epithumiaVirtude aretAuto-suficiente autarksDesejo boulsisCausa aitiosCarcter thosCultivado charieisComunidade koinniaCorrecto orthosTratamento correctivo kolazein

    Desejo orexisFazer justia dikaiopragein

    24

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    25/26

    Cometer injustia adikeinCapacidade dunamisEducao paideiaForma eidosGeneroso eleutherios

    Experincia empeiriaFinalidade TelosContinente enkratsDecente epieksCincia epistmApetite epithumiaIgual isosFuno ergonAmor ertico erosHbito ethos

    Carcter thosFelicidade eudaimoniaExacto akribsExcelente spoudaiosLiberdade exousiaExperincia empeiriaDe acordo com kataSentimento pathosBelo kalosAdmirvel kalos

    Sorte tuchAmizade philiaCivilizado eleutheriosDeus theosIncondicional kaplsPrazer hdonVoluntrio hekousiosHonra timSer humano anthrpsSuposio hupolpsis

    Incontinente akratsInferncia sullogismosInteligncia phronsisJustia dikaiosunVicioso kakos; mochthrosUniversal katholouParticular kath`hekastonEm si prprio kath`hautoMovimento kinsisComum koinosLei nomosRazo logos

    25

  • 8/3/2019 Para a crtica da poltica em Aristteles

    26/26

    A maior parte das pessoas hoi polloiIntermdio mesotsMiservel athliosNatureza phusisNecessidade anank

    Compreenso nousOrigem archCorrecto orthosSubstncia ousiaPerdo sungnmPercepo aisthsisProduzir poieinCincia Poltica politikMuitos polloiProduo poisis

    Deciso prohairesisPrximo de oikosClculo racional logismosDever deinTemperana sphrosunAlama psuchSabedoria sophiaValor axia

    Bibliografia

    Aristotle (1985). Nichomachean Ethics. (Introduo, traduo e notasde Terence Irwin). Indianapolis: Hakett

    Webgrafia

    http://www.eses.pt/usr/ramiro/index.htmhttp://plato.stanford.edu/entries/aristotle-politics

    http://www.eses.pt/usr/ramiro/index.htmhttp://plato.stanford.edu/entries/aristotle-politicshttp://www.eses.pt/usr/ramiro/index.htmhttp://plato.stanford.edu/entries/aristotle-politics