para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que...

19
1 Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação religiosa: marcos teóricos da pesquisa Daniel Alves Docente do INHCS/UFG Reg. Catalão, Pesquisador CNPq Brasil Pós-doutorando - CEIL CONICET, Argentina 1 Trabalhamos com a perspectiva de lançar uma nova luz sobre as relações entre religião e mercado. A teoria nas Ciências Sociais tem se dividido em algumas tendências para pensar essas relações, que chamaríamos de “capitalismo enquanto religião”, “religião enquanto capitalismo”, “religião enquanto segmento” e “religião enquanto cultura material”. Passaremos a explorar cada uma delas. Sigo de forma livre uma síntese já realizada (MOREIRA, 2012), especialmente no que tange às duas primeiras abordagens, embora não esteja utilizando suas categorias literalmente da forma como foram expostas no original. A primeira tendência supõe que o capitalismo tomou o lugar da religião ou a emula, ao operar por um princípio que alimenta a esperança dos excluídos ao tornar os objetos comparáveis em seus valores-de-troca, e uma fonte de sublimação no que tange ao seu valor-de-uso. Esse princípio, o fetiche da mercadoria, oculta sistematicamente a rede de pessoas que foram necessárias para produzir aquela mercadoria, assim como as condições desiguais e violentas da sua produção. Contudo, ela surge apenas como fruição e prazer íntimo a quem consome, obliterando o trabalho social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente e incompleta, através do dinheiro. Assim, o capitalismo teria se tornado um culto constante e culpabilizador, porque ele instila nos indivíduos à insatisfação por não serem suficientemente produtivos e consumidores. A fonte dessa discussão é eminentemente ligada ao marxismo, especialmente aos manuscritos 1 Parte do relatório técnico final apresentado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq-DF, Brasil) destinado a dar ciência das atividades realizadas no projeto “Religião e consumo: análise da circulação e consumo de bens religiosamente marcados na microrregião de Catalão-GO”. Número do processo: 459085/2014-0. Modalidade: Apoio a Projeto Individual de Pesquisa (APQ). Chamada Pública: MCTI/CNPQ/Universal 14/2014. Área de concentração: Ciências Humanas - Antropologia. Fora as partes citadas de outros artigos, o material aqui apresentado é inédito, destinado a encontro de pesquisadores programado para setembro de 2018 no CEIL CONICET. Mantive a bibliografia íntegra, havia mais material citado mas cortei-o e não retirei as referências.

Upload: others

Post on 21-Jul-2020

6 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

1

Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação religiosa: marcos teóricos da pesquisa

Daniel Alves

Docente do INHCS/UFG Reg. Catalão, Pesquisador CNPq Brasil

Pós-doutorando - CEIL CONICET, Argentina1

Trabalhamos com a perspectiva de lançar uma nova luz sobre as relações

entre religião e mercado. A teoria nas Ciências Sociais tem se dividido em algumas

tendências para pensar essas relações, que chamaríamos de “capitalismo enquanto

religião”, “religião enquanto capitalismo”, “religião enquanto segmento” e “religião

enquanto cultura material”. Passaremos a explorar cada uma delas. Sigo de forma livre

uma síntese já realizada (MOREIRA, 2012), especialmente no que tange às duas

primeiras abordagens, embora não esteja utilizando suas categorias literalmente da

forma como foram expostas no original.

A primeira tendência supõe que o capitalismo tomou o lugar da religião

ou a emula, ao operar por um princípio que alimenta a esperança dos excluídos ao tornar

os objetos comparáveis em seus valores-de-troca, e uma fonte de sublimação no que

tange ao seu valor-de-uso. Esse princípio, o fetiche da mercadoria, oculta

sistematicamente a rede de pessoas que foram necessárias para produzir aquela

mercadoria, assim como as condições desiguais e violentas da sua produção. Contudo,

ela surge apenas como fruição e prazer íntimo a quem consome, obliterando o trabalho

social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de

maneira insuficiente e incompleta, através do dinheiro. Assim, o capitalismo teria se

tornado um culto constante e culpabilizador, porque ele instila nos indivíduos à

insatisfação por não serem suficientemente produtivos e consumidores. A fonte dessa

discussão é eminentemente ligada ao marxismo, especialmente aos manuscritos

1 Parte do relatório técnico final apresentado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento

(CNPq-DF, Brasil) destinado a dar ciência das atividades realizadas no projeto “Religião e consumo:

análise da circulação e consumo de bens religiosamente marcados na microrregião de Catalão-GO”.

Número do processo: 459085/2014-0. Modalidade: Apoio a Projeto Individual de Pesquisa (APQ).

Chamada Pública: MCTI/CNPQ/Universal 14/2014. Área de concentração: Ciências Humanas -

Antropologia. Fora as partes citadas de outros artigos, o material aqui apresentado é inédito, destinado a

encontro de pesquisadores programado para setembro de 2018 no CEIL CONICET. Mantive a

bibliografia íntegra, havia mais material citado mas cortei-o e não retirei as referências.

Page 2: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

2

econômico-filosóficos (MARX, 2004) e ao texto O capitalismo como religião

(BENJAMIN, 2013).

A segunda tendência, a qual chamarei “religião enquanto mercado”,

analisa as homologias encontráveis entre os campos econômico e religioso. Em

especial, parte-se do princípio de que o próprio campo religioso configura-se como uma

espécie de campo econômico, no qual empresas (organizações religiosas) oferecem bens

de salvação e/ou serviços mágicos no mercado. Os leigos, distanciados dos meios de

produção das simbologias religiosas, são convocados a aderir aos bens, respondendo a

isso de forma adequada ao habitus incorporado (BOURDIEU, 1987, 14) ou escolhendo

de forma racional, calculando os custos e recompensas da sua adesão religiosa ou aos

serviços mágicos (FRIGERIO, 1999; STARK; BAINBRIDGE, 2008). Outras linhas, de

inspiração mais weberianas, unem-se aos anteriores no entendimento do campo

religioso como mercado, seja de fato ou enquanto uma metáfora para a reflexão (PACE,

2006; RODSETH; OLSEN, 2000; STOLZ, 2006).

A terceira das abordagens que mencionaremos aqui vem se

desenvolvendo nos últimos anos. Ela dá a entender que o campo das religiões faz criar

novos segmentos e valores no mercado, ressignificando-o. Por vezes, religiões tomam

parte do que poderíamos chamar de indigenização do mercado global (KARATAS;

SANDıKCı, 2013; MEHTA, 2010). Assim, temos novas tendências afirmando-se no

mercado editorial (SEMÁN, 2006), a influência da religião em segmentos de mercado e

da mídia (ALGRANTI, 2013; FONSECA, 2003; MARIANO, 2003; ROSAS, 2013;

SEMÁN; GALLO, 2008; SILVEIRA, 2014) ou na criação de simbologias na cultura

pop midiatizada (POSSAMAÏ, 2002).

A quarta tendência, “religião enquanto mediação”, supõe que os objetos,

na vida cotidiana, por serem coisas dadas como certas, moldam nossa sensação de

realidade e de identidade: “grande parte do que nos torna o que somos existe não por

meio da nossa consciência ou do nosso corpo, mas como um ambiente exterior que nos

habitua e incita” (MILLER, 2013). Sendo assim, as identidades religiosas surgem

dentro de um diálogo com um conjunto de externalidades oferecido por uma cultura

material (ADOGAME, 2009; BELLOTTI, 2010; BOIVIN, 2009; GOH, 2008;

GUTHRIE, 2007; JONES, 2010; KENDALL; TÂM; HU'O'NG, 2010; MEYER, 1998;

Page 3: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

3

TAN, 2002). O diálogo é direto entre essa bibliografia e outra, que postula que a

religião, por si mesma, é mediação. As mídias alteram a sensibilidade e a experiência

religiosas. A introdução de novas tecnologias da imagem, do som e da transmissão de

informações aceleram a produção de imaginários religiosos (CAMPBELL; LA

PASTINA, 2010; HOOVER, 2011; MEYER, 2005; 2006; 2008; 2011; VAN DE PORT,

2006).

A presente pesquisa visa dar uma contribuição em diálogo com a

literatura das duas últimas abordagens mencionadas. Por um lado, interessa-nos como

convicções religiosas criam e transformam segmentos nos mercados editorial,

fonográfico e de mídia. Além disso, mantém-se a produção dos chamados bens de

marcação religiosa para fins devocionais, especialmente nas expressões que tem uma

relação intrínseca com imagética (catolicismo, umbanda). Por outro, a relação dos

consumidores com imagens, livros, roupas e música acaba por fazê-los segmentar seus

gostos, apresentando preferências por alguns músicos, autores ou estilos de roupa em

detrimento de outros. Esses gostos são bastante influenciados pela partilha de

informações nas instituições religiosas, mas não se resumem a elas, dado o acesso da

população à informação por outras mídias, religiosas ou seculares.

A identidade do sujeito enquanto católico, evangélico ou espírita

(kardecista ou umbandista) passa pela interação desse sujeito com as mídias e com os

objetos. Atualmente, a chamada experiência religiosa depende, em grande medida,

dessa relação do sujeito com imaginários religiosos sustentado, em sua dimensão

material, por ter lido certos livros, ouvido certas músicas e vestir certas roupas. As

instituições religiosas pretendem mediatizar a relação dos consumidores com esse

universo, fazendo com que eles introjetem um gosto pelos livros certos, pelas músicas

certas e pelo vestir-se adequadamente. Essa pretensão nunca se torna absoluta no

conjunto dos fieis, mas ela é eficaz orientando o consumo para determinados segmentos

(música gospel, moda evangélica, livro espírita, para ficar com os mais

contemporâneos) e dentro desses segmentos.

Comumente se verifica uma visão idealista na relação entre religião e

consumo que segue aquilo que Zelizer (2005) chamava de “visão dos mundos hostis”. A

religião deveria estar sempre na dimensão de gemeinschaft, de comunidade de sentido e

Page 4: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

4

de valor, assim como a família. Já o domínio das relações societárias econômicas

(gesellschaft) é regulado pelos fins, pelos contratos individuais e pelo dinheiro. A

mistura dessas duas dimensões, nesse ideal, deve ser evitada. São numerosas as

narrativas, tanto nas novelas quanto na literatura, do que acontece quando afetos e

dinheiro não encontram fronteiras entre si. Acontece que em todas as religiões

apresenta-se uma dimensão econômica que implica não só na riqueza material circula

por dentro das instituições religiosas, mas também na educação do sujeito sobre o que

ele fazer com o seu próprio dinheiro segundo preceitos da religião. Não é raro que se

ataquem publicamente líderes religiosos por usarem suas crenças com o propósito de

ganhar dinheiro, ou que estimulem o consumo desenfreado, ou ainda que vendam

serviços religiosos. Todas essas acusações jogam nessa lógica dos “mundos separados”,

e o que estiver entre eles é visto como incorreto e, no limite, impuro (DOUGLAS,

1990). Toda religião guarda uma relação com o dinheiro e o mundo dos bens, e

reconhecer isso de forma isonômica (todas fazem) e diferencial (de formas diferentes)

no campo religioso já seria um exercício de tolerância democrática.

O objetivo aqui é dispor dos marcos teóricos necessários para a

compreensão do mercado de bens de marcação religiosa. Eles já foram adiantados de

forma geral anteriormente, mas dispensaremos a discussão da bibliografia relacionada à

concepção do “capitalismo como religião”. Por ter analisado antes que todos os dilemas

dos processos de objetificação no capitalismo, a teoria da alienação marxista permanece

como uma referência para a reflexão que segue.

A religião enquanto mercado

Economia simbólica das religiões - Pierre Bourdieu

Considerando aspectos estruturais e sincrônicos do assunto a ser

analisado, cabe assinalar a contribuição da obra de Pierre Bourdieu para a presente

discussão. A relevância se deve ao fato de que o sociólogo francês permitiu, através de

conceitos como habitus e campo social, pensar os dois níveis empíricos da pesquisa

(mercado e religião) em termos de suas homologias e regimes particulares de economia

simbólica.

Page 5: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

5

Religiões, no decorrer de suas histórias particulares, procuram oferecer

bens de salvação religiosos que circulam desde os produtores profissionais do campo

religioso (sacerdotes, profetas e magos, na leitura weberiana) e os “consumidores” (os

leigos). Contudo, a economia dos símbolos religiosos não se configura como uma

“economia econômica”. Isso ocorre porque, ao contrário do mercado, no qual detentores

dos meios de produção competem uns com os outros tendo como finalidade explícita o

lucro, no campo religioso a explicitação da motivação em níveis interesseiros esvazia o

“sublime” da mensagem de salvação. A preservação da lógica da dádiva, expressa de

tantas formas nas religiões organizadas e mesmo na linguagem corriqueira, visa a

acumulação de capital religioso por meio da explicitação contínua da renúncia ao

interesse mesquinho e mundano (“dá e receberás”, “foi Deus quem me deu”, “assim

como me foi dado de graça, dou de graça”, etc). Aliás, a ambivalência da palavra

“graça” na língua portuguesa aparece a nós como um sintoma. O capital econômico só

existe porque nada deveria ser de graça, o capital religioso sacerdotal e profético só

existe na medida em que seja reconhecida a graça dispensada de graça (ou seja,

gratuitamente), dos seres superiores aos viventes, por meio de instituições religiosas.

Não por acaso, assuntos relacionados à administração das finanças cultos

são recobertos com bastante reserva pelos produtores e burocratas religiosos diante dos

não-especialistas. Também por isso, existe a exigência social, coberta não raras vezes

por graus variáveis de hipocrisia, de que os agentes religiosos hegemônicos exibam o

comportamento de filantropos, e que instituições religiosas não tenham “fins

lucrativos”. Aqueles que se recusam a exibir esses sinais claramente caem no risco de

terem o crédito de sua mensagem esvaziada pelos concorrentes no campo religioso,

sendo acusados de exercerem o papel de aproveitadores ou abusadores da fé alheia,

quando não considerados perigosos por cobrarem por serviços mágicos com a finalidade

de obrigar deuses e/ou espíritos a trabalhar pelos viventes.

Os bens com marcação religiosa encontram-se na franja de dois campos e

suas lógicas de atribuição de valor. Se elas trazem, por um lado, a explicitação das

verdades religiosas dadas de graça; por outro, elas inserem-se na economia

propriamente econômica, na qual as coisas nunca podem ser totalmente de graça. Se as

coisas com marcação religiosa fossem dadas como a graça é dada, as instituições

Page 6: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

6

religiosas perderiam uma fonte segura de recursos para sua manutenção, e as lojas de

artigos religiosos não existiriam enquanto estabelecimentos comerciais. Se as

instituições religiosas não pudessem produzir e comercializar bens com marcação

religiosa, reservando-se ao do ut des da doação voluntária, certamente cobrariam pelo

serviço do culto e do sacramento, e aí perderiam capital religioso. Para exemplificar

isso, basta lembrar que a cobrança pelo sacramento do perdão dos pecados pela Igreja

Católica foi um dos estopins da Reforma Protestante.

Se a relação devocional e de consagração marca o lugar dos objetos

religiosos na pré-modernidade, os objetos de consumo com marcação religiosa apontam

uma modernidade religiosa. Isso decorre de seu lugar entre campos sociais: ao mesmo

tempo eles evocam a pertença identitária religiosa e submetem-se ao jogo do mercado.

Diferentemente do comércio das relíquias na Idade Média, tais objetos não levantam os

temas da autenticidade e dos poderes intrínsecos relacionados a eles. Massificados pelos

meios técnicos de produção, os bens de consumo com marcação religiosa participam

significativamente da definição identitária dos sujeitos. Objetos devocionais, livros,

CDs, DVDs e vídeos em streaming emaranham um repertório cultural comunicado

pelas instituições religiosas e espalhado pela generalização do religioso, que consiste

numa redefinição do que são religiões e dos lugares em que seus símbolos, mensagens e

coisas podem ser encontrados.

As religiões enquanto mercado concorrencial - Teoria da escolha racional

Desde meados da década de 1970 produz-se no campo da sociologia das

religiões um encontro de influências bastante heteróclito. Por um lado, estabeleceu-se

um diálogo entre as considerações de Adam Smith sobre as religiões, o utilitarismo da

filosofia inglesa e a sociologia compreensiva das comunidades religiosas em Max

Weber; por outro, enfeixou-se uma série de métodos quantitativos para sustentar, de um

ponto de vista pragmático e positivista, um entendimento sobre os motivos que levam

massas de sujeitos a manterem-se ou saírem das religiões. Em artigo bastante

conhecido, um dos seus maiores defensores desta abordagem, Lawrence Iannaccone,

fala do cenário religioso norte-americano:

Como muitos observam, os americanos optam por permanecer

relativamente piedosos e religiosamente ativos. Eles não estão sob

nenhuma compulsão de reivindicar uma fé ou aderir a uma igreja

Page 7: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

7

como muitos europeus estiveram em tempos passados; eles têm acesso

a um imenso mercado de mais de 1.500 alternativas denominacionais

(Gordon Melton 1989); eles podem, e muitas vezes, variam seu nível

de envolvimento religioso ou se movem entre congregações ou

denominações ("comprando" a igreja que melhor atenda às suas

necessidades percebidas); e eles facilmente justificam o seu

envolvimento religioso em termos de seus benefícios percebidos.

Embora muitos desses benefícios possam ser ilusórios, ou pelo menos

não conhecíveis, muitos outros (no campo da saúde, do desvio e vida

familiar) escancaram métodos de inferência muito mais sofisticados

do que aqueles que caracterizam a maioria dos julgamentos pessoais

(IANNACCONE, 1998, p. 1479, tradução do inglês realizada pelo

autor).

Neste pequeno trecho, encontramos elementos-chave para o

entendimento desta abordagem. Primeiramente, há uma ontologia do sujeito que

escolhe, maximizando sua margem de ganhos de acordo com as suas “necessidades

percebidas”. O fato delas serem “percebidas” não impede que os teóricos desta linha

avancem para uma “teoria das necessidades religiosas”. Esse é o caminho inicial de

Uma teoria da religião, de Stark e Bainbridge (2008), que lembra por diversas vezes o

funcionalismo britânico em Antropologia dos anos 1930 e 1940, especialmente quando

define-se recompensa, compensação, instituição, cultura e sociedade.

Recompensas e, especialmente, compensações, ao fim e ao cabo, são os

gêneros que as religiões podem oferecer. Se imaginarmos que as igrejas provêm bens

assim como os clubes o fazem (IANNACCONE, 1998, p. 1482), veremos que elas

atuam como fornecedoras de benefícios mútuos: promovem integração por uma

comunidade de sentido e sentimento, partilham redes e distribuem status sociais.

Obviamente, é possível pensar nos bens com marcação religiosa neste plano: eles

infundem recompensas porque promovem integração grupal, ou num sentido mais

durkheimiano, um senso lógico e uma estrutura de sentimento comum para os

participantes de tal ou qual instituição.

Na modernidade, o fim dos monopólios religiosos faz com que tais

questões sejam reposicionadas, mas ao invés de perderem força, as religiões

intensificam a participação. Comentando Stark e Iannaccone, Ricardo Mariano pontua

Os níveis de compromisso e participação religiosos da população,

asseguram eles, são mais baixos nas economias religiosas dominadas

por monopólios e, inversamente, mais altos onde vigora o pluralismo

Page 8: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

8

religioso. A explicação que eles oferecem para defender essa tese é

relativamente simples. Com a secularização do Estado, o fim do

monopólio e a garantia estatal da liberdade e tolerância religiosas,

ocorrem o aumento do número de agentes e grupos religiosos e a

diversificação da oferta de produtos e serviços religiosos. Nesse

contexto pluralista, as empresas religiosas, para sobreviver e crescer,

são compelidas a concorrer, disputar mercado. Para tanto, muitas

organizações religiosas, além de reforçar seu proselitismo,

estimulando o ativismo do clero e a militância dos leigos, procuram,

como forma de atrair clientela e recrutar novos adeptos, conquistar

novos nichos de mercado, especializar-se na oferta de produtos e

serviços para suprir interesses e preferências específicos de

determinados estratos sociais. De modo que o contexto pluralista, por

conta de seu estímulo à competição e à diversificação da oferta de

produtos e serviços criados e anunciados pelos concorrentes

religiosos, aumenta a probabilidade de que os interesses materiais e

ideais dos mais distintos grupos sociais sejam contemplados e

atendidos (MARIANO, 2002).

Em termos gerais, pode-se dizer que uma das principais contribuições

dessa abordagem para o campo de estudos da religião reside na análise da oferta

religiosa, mais do que na análise da procura (embora, como tenhamos visto, existe uma

tentativa de estabelecer uma teoria psicossocial e funcional das necessidades dos

sujeitos). Outro ponto interessante é que esta perspectiva torna possível compreender

aspectos do pluralismo religioso que incidem diretamente na leitura histórica necessária

para dar conta da situação das religiões na cidade de Catalão.

A religião enquanto segmento econômico

Uma das faces do pluralismo religioso é a diversificação das

“mercadorias religiosas” como segmento econômico. Um dos primeiros exercícios de

reflexão sobre o assunto produzido no contexto desta pesquisa desenvolvia as

possibilidades de objetificação nas religiões (ALVES, 2015). Trazemos essa reflexão

novamente aqui, pois ela é fundamental para o desenvolvimento da interpretação dos

dados.

Objetos religiosamente marcados comportam em si algo que remete a

um todo, um mundo povoado de símbolos e signos que dão sentido a

uma gama considerável de questões, que vão desde o destino do ser

depois da morte e a existência de seres racionais não perceptíveis,

passando pela ordem do universo até questões prosaicas como o que

fazer com o dinheiro em face da ordem cósmica. (...) Um objeto que

pertenceu a um grande mestre budista tibetano, os ostensórios que

portam hóstias cridas como corpo de Cristo ou os objetos enterrados

Page 9: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

9

para consagrar uma casa a um santo são objetos de consagração

ligados ao ofício dos especialistas religiosos, que é criar bens

religiosos de salvação. Isso os retira do mercado comum dos objetos

religiosamente marcados.

A reprodutibilidade técnica pulverizou o senso do sagrado. Essa

pulverização talvez fosse melhor expressa pelo verbo francês éclater

(espalhar de forma explosiva e efusiva), bastante explorado no plano

mitológico ameríndio por Lévi-Strauss em sua obra A Oleira

Ciumenta (1985). Pulverização sugere, de certa maneira,

enfraquecimento. O que ocorreu com a religião na era da

reprodutibilidade técnica foi o contrário. Ao estilhaçarem-se, os

objetos de marcação religiosa passaram a intensificar o processo de

identificação/inculcação. Esse fenômeno acompanha o “conjunto dos

processos de reconfiguração das crenças que se produzem em uma

sociedade onde o motor é a não satisfação das expectativas que ela

suscita, e onde a condição cotidiana é a incerteza ligada à busca

interminável de meios para satisfazê-las” (HERVIEU-LÉGER, 2008,

p. 41). Seria fundamental pensar a expansão dos objetos

marcadamente religiosos por meio da reprodutibilidade técnica, na

sociedade individualista moderna, dentro nesse paradoxo da satisfação

impossível das necessidades criadas por esta mesma sociedade.

Portanto, temos na rama dos objetos religiosamente marcados pelo

menos duas categorias: a dos objetos dedicados à consagração

religiosa hegemônica e a dos objetos para marcação ou consumo

religiosos. Ambas remetem a uma mediação institucional do sagrado:

os primeiros firmam as identidades dos já

inseridos/convertidos/inculcados, os segundos servem mais como

portas de entrada. Os livros religiosos, CDs e DVDs, via de regra,

fazem a ponte para que a pessoa que lê insira-se num grupo e passe a

coletivamente partilhar daqueles princípios. Contudo, objetos de

consumo religioso prestam-se à livre interpretação: eles induzem, não

dirigem à prática religiosa. (...) o indivíduo pode inventar um caminho

e encontrar as suas estratégias de interpretação frente aos conteúdos

que consome. Mas assim como algumas ruas prestam-se mais ao

exercício da autonomia de circulação dos pedestres, os diferentes

conteúdos de objetos de marcação religiosa supõem relações de maior

autonomia ou heteronomia de interpretação da parte do consumidor.

(...)

Se existem as máquinas-ferramenta do ofício religioso, há também os

objetos contra-hegemônicos de consagração religiosa. Eles escapam,

por estratégias e táticas, do controle institucional das igrejas e dos

templos. A partir e através deles, novos santos não cessam de surgir e

se difundir na América Latina. No Brasil, os ex-votos do catolicismo

popular correspondem mais perfeitamente a estes objetos. Estes

objetos encerram em si uma heteronomia interpretativa radical do

santo em sua relação direta mas hierárquica do fiel com o mediador,

que espelha a mesma correspondente às diferenças de classe em

sociedade.

E se existe a indústria para a indução das massas aos grupos

religiosos, existe a indústria de objetos de marcação religiosa difusa,

que se destina a uma fabricação íntima de um caminho espiritual.

Objetos de consumo religioso difuso que respondem a uma

sensibilidade religiosa do estilo nova era. Portanto:

Page 10: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

10

Figura 01 - Possibilidades de objetificação religiosa

Fonte: ALVES, 2015

Uma ideia desse capítulo poderia ser reposta de outra forma: onde lemos

objetos, na realidade estamos identificando formas de objetificação. Isso faz com que

mídias possam se tornar, também, parte da mediação (ver MEYER, 2006), assim como

objetos devocionais (incensos relacionados a uma entidade afro, por exemplo) podem

ser reinterpretados em chaves new age, e assim por diante. Contudo, as reinterpretações

não são livremente dadas. Especialmente no que tange aos objetos de consagração, eles

são vedados de serem interpretados em outra possibilidade, sob a pena do cometimento

da blasfêmia. Aqui se revela a dimensão do poder das religiões e o esforço do trabalho

religioso em cercar tais objetos com reverência sacramental, a fim de evitar que eles se

percam no fluxo das reinterpretações.

Os bens que encontramos à disposição em lojas de artigos religiosos,

tradicionalmente, são objetificados pelos consumidores como bens com marcação

religiosa (mídias impressas, sonoras e visuais que passam pelos processos industriais de

criação e edição), bens devocionais e bens de marcação religiosa difusa. Por força da

vinculação a algum segmento religioso, os bens com marcação religiosa formam

segmentos definidos de mercado na economia. No campo a que nos dedicamos, os

objetos devocionais do catolicismo, da umbanda e a literatura espírita compõem

segmentos definidos, assim como a música católica tradicional. Nos últimos quarenta

anos, entretanto, surgiram segmentos de mercado que se consolidaram em torno ao

crescimento dos evangélicos (música gospel, moda evangélica). Compreender o

Autonomia de

interpretação

Heteronomia de

interpretação

Objetos de

marcação

religiosa

Objetos de

consagração

Objetos

devocionais

Objetos de marcação

religiosa difusa (new

age)

Hegemonia no

campo

religioso

Contra-

hegemonia no

campo

religioso

Page 11: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

11

fenômeno do consumo relacionado aos bens com marcações religiosas exige relacioná-

lo com o desenvolvimento do cenário religioso brasileiro.

A religião enquanto mediação

Uma literatura contemporânea sobre religião, cultura material e mídia

expande-se em termos quantitativos nos últimos anos. Essa literatura procura lançar luz

sobre temas qualitativos da vivência das religiões. As questões chave dessa abordagem

poderiam ser sumarizadas da seguinte forma: na experiência de sujeitos sociais, toma-se

contato com as religiões através de um universo de cultura material. Assim como

arqueólogos imaginam como eram as religiões diante dos artefatos de civilizações

antigas, podemos, através das relações dos sujeitos frente a esses materiais que as

religiões não cessam de (re)produzir, compreender as formas através das quais essas

coisas proporcionam uma ambiência aos que as acessam. Portanto, a discussão sobre

religião e mídia é reposta, na medida em que se assume que toda religião é mediação

esforçando-se por i-mediatizar (ver immediacy; MEYER, 2011) transcendências através

de técnicas corporais frente a um mundo de coisas materiais com marcação religiosa.

O aprofundamento teórico nessa abordagem exigiria assumir certos

pressupostos teórico-filosóficos. O primeiro deles seria de que existe uma dimensão

pré-objetiva (MERLEAU-PONTY, 2014), no nível sensorial corporal, onde reside isso

a que chamamos “experiência religiosa” (CSORDAS, 2004). O segundo seria a

necessidade de uma perspectiva multi ou transdisciplinar para dar conta das múltiplas

faces da experiência, “incluindo religião comparada, antropologia, sociologia, estudos

islâmicos e teologia (em particular, estudos bíblicos, estudos ecumênicos, história da

igreja e filosofia da religião)” (MEYER, 2012, p. 10; tradução do inglês realizada pelo

autor), podendo-se estender o debate também à psicologia e à filosofia em geral. A

terceira seria assumir o que Alfred Gell denominou “agência não-intencional das

coisas”:

Porque a atribuição da agência assenta-se na detecção dos efeitos da

agência no meio causal, mais do que numa intuição não-mediada, não

é paradoxal entender agência como um fator da ambiência como um

todo, uma característica do mundo das pessoas e coisas em que

vivemos, ao invés de um atributo da psique humana, exclusivamente.

(GELL, 1998, p. 20, tradução do inglês realizada pelo autor)

Page 12: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

12

No capítulo de livro já mencionado (ALVES, 2015), consideramos as

consequências das relações entre cultura material, mídia e religião:

A socialização dentro das religiões é parte importante do processo de

recepção de um novo adepto, seja ele nascido em uma família já

pertencente ou não. No cristianismo, a inserção de um novo membro

numa comunidade de fiéis se dá por meios semelhantes, passando pelo

compartilhamento de vivências comuns nos rituais, nas formações

religiosas, nas festividades. Por mais que as considerações anteriores

pareçam ultrapassadas pela sua inspiração durkheimiana, mesmo

quando a religião é vista sob o ponto de vista moderno do mercado

religioso esta dimensão comunitária não desaparece. Os grupos

cristãos continuam, nos dias de hoje talvez até mais do que outrora, a

partilhar símbolos que os identificam poderosamente através das

formas sensoriais (especialmente associadas à visão e à audição)

exploradas pelas mídias.

Só que as tradicionais instituições religiosas, típicas do catolicismo e

evangelismo organizados em igrejas, perderam o monopólio dessa

produção e distribuição simbólica, sendo esta uma faceta do processo

de secularização. E essa intensificação do compartilhamento por meio

das mídias eletrônicas e impressas vem produzindo a aceleração de

desterritorializações e reterritorializações de símbolos religiosos e

suas interpretações, sendo esta uma faceta de outro macroprocesso:

globalização. A comunitarização religiosa baseada na tradição não

encontra obstáculo com a globalização; aliás, muitos trabalhos têm

revelado que o contrário acontece com frequência em nossos dias (p.

ex., CASTELLS, 2000). Processos de comunitarização religiosa

parecem prescindir da territorialidade da igreja. Espaços de

sociabilidade passam a surgir em redes sociais eletrônicas e igrejas on

line.

Diz-se com frequência (FRESTON, 1994; MARIANO, 2005) que o

pentecostalismo clássico era refratário ao mundo, tanto em termos de

valores quanto em termos políticos, e que esta relação com o mundo

estaria sendo reposta no pentecostalismo contemporâneo, muito mais

permeável aos valores capitalistas do sucesso e da fruição da vida.

Indiretamente, isso serviu para interpretar a relação dos evangélicos

com as mídias, que também teria sido estreitada apenas nas últimas

décadas. (...) As mídias impulsionaram e impulsionam estas

mensagens para dentro e para fora do campo pentecostal, e o estudo

do emprego destas mídias, a nosso ver, pode ser uma chave para a

compreensão da globalização religiosa contemporânea.

A reconfiguração da relação dos evangélicos com as mídias, em ação

desde a década de 1950, caracteriza o dinamismo das religiões em estender as redes,

ampliando as formas de contato.

Em outras palavras, uma das razões pelas quais a religião continua

sendo uma força vital e apelativa está exatamente em sua propensão a

transformar-se incorporando novas mídias, abordando e vinculando as

Page 13: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

13

pessoas de novas maneiras (MEYER, 2009, p. 2, tradução do inglês

para o português realizada pelo autor).

Contudo, essas transformações não poderiam ser intermináveis, pois aí se

impõe o problema dos limites identitários das religiões. O que chamamos acima de

generalização do religioso surge justamente nessa tensão entre a necessidade de

comunicar a religião de novas formas e, ao mesmo tempo, marcar a diferença. Ou, na

semântica dos estudos de globalização, desterritorializar e reterritorializar. No léxico da

teoria do ator-rede de Latour (1994), esses seriam os equivalentes dos processos de

mediação e purificação dos híbridos. Interpretada por Strathern, os processos de

purificação em Latour correspondem aos processos de limitação das redes, dada pela

noção de posse e de pertencimento: “Assim, onde a tecnologia pode aumentar as redes,

estabelecimento de uma condição de proprietário garante que elas sejam cortadas no

tamanho certo” (STRATHERN, 2014, p. 319).

Mediação e midiatização

A relação que se pode guardar com bens que se encontram em lojas de

artigos religiosos segue pelo menos duas chaves de interpretação. Num deles, o próprio

bem tem uma função ritual ou sensorial nas práticas religiosas. Ele pode ser o foco

metafórico da entidade de devoção pessoal, ou relaciona-se metonimicamente com ela,

sendo sua comida, sua cor ou seu objeto de correspondência. Esse entendimento

entrega-se à agência das coisas e ligam as pessoas ao sagrado pela experiência. Por sua

relação com a dimensão sensorial, e suas ênfases em metáforas ou metonímias do

campo simbólico das religiões, chamamos essa de uma relação de mediação com os

bens. Noutra chave, a fruição do bem dirige-se a um conteúdo apreciado ou exposto

pelo agente: lê-se um livro, ouve-se uma música, usa-se uma camiseta. Essa relação

midiatiza a nova mensagem arremessando-a ao campo das essências (essa mensagem é

de tal religião ou não é, esse escritor ou músico é bom ou ruim, etc). A mediação

inculca a “tradição” enquanto possibilita novas relações, a midiatização difunde o

“moderno” na forma de velhos discursos.

Acontece que mediação e midiatização não são tão facilmente separáveis

na vivência religiosa dos sujeitos. Veja-se, por exemplo, o livro espírita, seja nas suas

formas mais doutrinárias, seja nos romances. Ele surge como um objeto de mídia

Page 14: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

14

impressa, contudo, o leitor é convocado, através da prática da do estudo coletivo, a

desenvolver uma compreensão de sua participação no universo de sentido do

espiritismo. Ao fazer isso, ele ou ela pode passar à possibilidade de mediar relações

entre coisas, humanos vivos e humanos da além-vida, exercendo uma agência

(mediunidade) considerada fundamental para o seu processo de salvação pessoal.

Isso acontece, de outras formas, com a literatura evangélica ou católica

que se torna modelo de subjetivação religiosa para os sujeitos nela envolvidos, o que

sempre é uma possibilidade, mas nem sempre é o caso. No caso das religiões cristãs,

esses modelos estão expressos na bíblia, nas histórias dos santos, dos grandes

pregadores, e mescladas na linguagem da autoajuda. Através deles, leitores são

convocados(as) a tomar a frente das redes de pessoas e coisas que os cercam, mediando

suas relações pessoais em função da adoção, ou reforço, de identidades religiosas.

Referências bibliográficas

ADOGAME, A. Ranks and robes: art symbolism and identity in the Celestial Church

of Christ in the european diaspora. Material Religion, v. 5, n. 1, p. 10-33, 2009.

ALGRANTI, J. (org.) La industria del creer. Sociología de las mercancías religiosas.

Buenos Aires: Biblos. 2013.

ALVES, D. Conectados pelo Espírito: Redes de contato e influência entre líderes

carismáticos e pentecostais ao Sul da América Latina. Tese de Doutorado (Porto Alegre,

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, 2011.

ALVES, Daniel. A fragmentação do campo pentecostal e o papel das instituições

religiosas. Trabalho apresentado no Congresso Internacional EST, 1. São Leopoldo,

Escola Superior de Teologia, 2012.

ALVES, D. Pentecostalismo, globalização e consumo: uma reflexão teórica sobre os

bens de marcação religiosa. In: ORO, A.P.; RODRIGUES, D. (Orgs.).

Transnacionalização religiosa: religiões em movimento. Porto Alegre: Cirkula, 2015,

p. 43-54.

AUBREÉ, Marion; LAPLANTINE, François. A mesa, o livro e os espíritos: Gênese,

evolução e atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil. Maceió:

EdUFAL, 2009.

BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 2012.

(Debates; 70)

BELLOTTI, K.K. The history of a little brazilian ant: material culture in evangelical

children's media in Brazil, 1980s-present. Material Religion, v. 6, n. 1, p. 4-29, 2010.

Page 15: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

15

BENJAMIN, W. O capitalismo como religião. In. O capitalismo como religião. São

Paulo: Boitempo, 2013. p. 21-25.

BOIVIN, N. Grasping the elusive and unknowable: material culture in ritual practice.

Material Religion, v. 5, n. 3, p. 268-287, 2009.

BOURDIEU, P. Gênese e estrutura do campo religioso e Apêndice I – Uma

interpretação da teoria da religião de Max Weber. In. A Economia das Trocas

Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 27-98.

BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. 2 ed. Porto Alegre: Zouk,

2011.

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010.

Tabela 1489 - População residente, por sexo e situação do domicílio, segundo a religião

- Brasil. Brasília (DF): IBGE, 2012. Disponível em

https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1489, acesso em 20 ago 2017.

CALAÇA, Luciane Ap. S. Monografias e historiadores amadores de Catalão: A

produção acadêmica refletindo sobre a produção do conhecimento histórico local. In:

FREITAS, Eliane Martins de. Produzindo história, pensando o local: a produção

monográfica dos alunos do curso de História – CAC/UFG (1995-2001). Uberlândia:

Asppectus/Funape, 2002.

CAMPBELL, H.A.; LA PASTINA, A.C. How the iPhone became divine: new media,

religion and the intertextual circulation of meaning. New Media & Society, v. 12, n. 7,

p. 1191-1207, November 1, 2010.

CAMPOS, Maria das Dores. Catalão: Estudo histórico e Geográfico. 11ª edição.

Goiânia: Bandeirante, 1976.

CÂNDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a

transformação dos seus meios de vida. 8. ed. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34,

2001. (Coleção Duas Cidades)

CARDOSO, K.M.; ALVES, D. Análise de conteúdo das letras de uma banda de

louvor católica. Catalão (GO), Programa Institucional de Bolsas de Iniciação

Científica, Universidade Federal de Goiás, 2016.

CARDOSO, K.M.; ALVES, D. Aproximações à produção e ao consumo de bens

com marcação religiosa: um estudo de caso sobre a banda Rosa de Saron. 2015.

CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo:

Paz e Terra, 2000, vol. 2 (O poder da identidade).

COSTA, F; ALVES, D. Introdução às gestas pentecostais: análise estrutural de uma

narrativa autobiográfica. Catalão (GO), Programa Institucional de Bolsas de Iniciação

Científica, Universidade Federal de Goiás, 2016.

CSORDAS, T.J. Asymptote of the inefable: embodiment, alterity, and the theory of

religion. Current Anthropology, v. 45, n. 2, p. 163-185, 2004.

Page 16: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

16

DOUGLAS, M. Pureza e perigo. Lisboa: Edições 70, 1990.

FERNANDES, R.C. Romarias da Paixão. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

FONSECA, A.B. Igreja Universal: um império midiático. In: ORO, A.P.;CORTEN, A.,

et al (orgs.). Igreja Universal do Reino de Deus. Os novos conquistadores da fé. São

Paulo: Paulinas, 2003. p. 259-280.

FRESTON, P. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, Antônio

et al. (org.). Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo.

Petrópolis-RJ: Vozes, 1994. p. 67-159.

FRIGERIO, A. El futuro de las religiones mágicas en Latinoamérica. Ciencias sociales

y religión/Ciências sociais e religião, v. 1, n. 1, p. 51-88, 1999.

GELL, A. Art and agency: an anthropological theory. Oxford, Nova York: Oxford

University Press, 1998.

GOH, R.B.H. Hillsong and "megachurch" practice: semiotics, spatial logic and the

embodiment of contemporary evangelical protestantism. Material Religion, v. 4, n. 3,

p. 284-305, 2008.

GOMEZ, Luis Palacín. Parte I. In: História política de Catalão. Goiânia: UFG, 1994.

(Coleção Documentos Goianos, 26).

GUTHRIE, S. Bottles are men, glasses are women: religion, gender, and secular

objects. Material Religion, v. 3, n. 1, p. 14-33, 2007.

HOWARD, J.R.; STRECK, J.M. Apostles of Rock: the splintered world of

Contemporary Christian music. Kentucky: The University Press of Kentucky, 1999.

HERVIEU-LÉGER, D. O peregrino e o covertido. A religião em movimento.

Petrópolis: Vozes, 2008.

HOOVER, S.M. Media and the imagination of religion in contemporary global culture.

European Journal of Cultural Studies, v. 14, n. 6, p. 610-625, December 1, 2011

2011.

IFPI. Global music report 2017: annual state of the industry. Zurique: International

Federation of the Phonographic Industry, 2017. Disponível em:

http://www.ifpi.org/downloads/GMR2017.pdf, acesso em 19 out 2017.

JONES, C. Materializing piety: Gendered anxieties about faithful consumption in

contemporary urban Indonesia. American Ethnologist, v. 37, n. 4, p. 617–637, 2010.

KARASCH, Mary. Catequese e cativeiro: política indigenista em Goiás, 1780-1889. In:

CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo:

Companhia das Letras, 1992, p. 397-412.

KARATAS, M.; SANDıKCı, Ö. Religious communities and the marketplace: Learning

and performing consumption in an Islamic network. Marketing Theory, v. 13, n. 4, p.

465-484, 2013.

Page 17: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

17

KENDALL, L.; TÂM, V.T.T.; HU'O'NG, N.T.T. Beautiful and efficacious statues:

magic, commodities, agency and the production of sacred objects in popular religion in

Vietnam. Material Religion, v. 6, n. 1, p. 60-85, 2010.

LATOUR, B. Jamais Fomos Modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. (Coleção

Trans)

LÉVI-STRAUSS, C. A oleira ciumenta. São Paulo: Brasiliense, 1985.

LÉVI-STRAUSS, C. O Pensamento Selvagem. 2. ed. Campinas: Papirus, 1997.

LEWGOY, B. Os espíritos e as letras. Um estudo antropológico sobre cultura escrita e

oralidade no espiritismo kardecista. Tese de doutorado (São Paulo, Programa de Pós-

Graduação em Antropologia Social - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas, Universidade de São Paulo, 2000.

MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São

Paulo: Loyola, 2005.

MARIANO, R. O reino de prosperidade da Igreja Universal. In: ORO, A.P.;CORTEN,

A., et al (orgs.). Igreja Universal do Reino de Deus. Os novos conquistadores da fé.

São Paulo: Paulinas, 2003. p. 237-258.

MARIANO, R. Secularização do Estado, liberdades e pluralismo religioso. Naya -

Noticias de Antropologia y Arqueologia - II Congreso Virtual 2002. 2002,

disponível em

http://www.equiponaya.com.ar/congreso2002/ponencias/ricardo_mariano.htm, acesso

em 07 abr 2012.

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes,

2014. (Biblioteca do Pensamento Moderno)

MEDEIROS, P.R.C.; ALVES, D. Guerras e legiões de autores espirituais: uma

análise sobre um romance espírita de inspiração umbandista. Catalão (GO),

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, Universidade Federal de

Goiás, 2016.

MEHTA, S. Commodity Culture and Porous Socio-Religious Boundaries. South Asia

Research, v. 30, n. 1, p. 1-24, 2010.

MESQUITA, A.D.; ALVES, D. Amor, doença e doutrina: análises de narrativa em

três romances espíritas. Catalão (GO), Programa Institucional de Bolsas de Iniciação

Científica, Universidade Federal de Goiás, 2017.

MEYER, B. Religious revelation, secrecy and the limits of visual representation.

Anthropological Theory, v. 6, n. 4, p. 431-453, December 1, 2006.

MEYER, B. Commodities and the Power of Prayer: Pentecostalist Attitudes Towards

Consumption in Contemporary Ghana. Development and Change, v. 29, p. 751-776,

1998.

Page 18: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

18

MEYER, B. Impossible representations: Pentecostalism, vision, and video technology

in Ghana. In: MEYER, B. e MOORS, A. (orgs.). Religion, Media, and the Public

Sphere. Bloomington, IN, USA: Indiana University Press, 2005. p. 290-312.

MEYER, B. Media and the senses in the making of religious experience: an

introduction. Material Religion, v. 4, n. 2, p. 124-135, 2008.

MEYER, B. Introduction: From Imagined Communities to Aesthetic Formations:

Religious Mediations, Sensational Forms, and Styles of Binding. In: MEYER, B. (org.).

Aesthetic Formations: Media, Religion, and the Senses. New York: Palgrave

Macmillan, 2009. p. 1-30. (Religion/Culture/Critique).

MEYER, B. Mediation and immediacy: sensational forms, semiotic ideologies and the

question of the medium. Social Anthropology/Anthropologie Sociale, v. 19, n. 1, p.

23–39, 2011.

MEYER, B. Mediation and the Genesis of Presence: Towards a Material Approach

to Religion. Utrecht: Faculteit Geesteswetenschappen, Universiteit Utrecht, 2012.

MILLER, D. Trecos, troços e coisas. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. (Livros Digitais)

MOREIRA, A.S. Em que sentido o capitalismo é uma religião: deslocamento religioso e

esfera econômica. In: MOREIRA, A.S. (org.). O capitalismo como religião. Goiânia:

Editora da PUC Goiás, 2012. p. 15-49.

OLIVEIRA, R.C. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do

catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis: Ed. Vozes, 1995.

ORO, A.P. Avanço Pentecostal e Reacao Católica. Petrópolis: Vozes, 1996.

PACE, E. Salvation Goods, the Gift Economy and Charismatic Concern. Social

Compass, v. 53, n. 1, p. 49-64, March 1, 2006 2006.

POSSAMAÏ, A. Cultural Consumption of History and Popular Culture in Alternative

Spiritualities. Journal of Consumer Culture, v. 2, n. 2, p. 197-218, 2002.

RODSETH, L.; OLSEN, J. Mystics against the Market. Critique of Anthropology, v.

20, n. 3, p. 265-288, 2000.

ROSAS, N. Religião, mídia e produção fonográfica: o Diante do Trono e as disputas

com a Igreja Universal. Religião & Sociedade, v. 33, p. 167-193, 2013.

SANCHIS, Pierre. Religiões, religião... Alguns problemas do sincretismo no campo

religioso brasileiro. In: Fiéis e cidadãos: percursos do sincretismo no Brasil. Rio de

Janeiro: EdUERJ, 2001.

SEMÁN, P. Entre pentecostés y babel. El caso de Paulo Coelho y sus lectores. In. Bajo

continuo: exploraciones descentradas sobre cultura popular y massiva. Buenos Aiires:

Gorla, 2006. p. 111-137.

Page 19: Para a análise sociocultural do mercado de bens com marcação …€¦ · social necessário que possibilitou isso e compensando os trabalhadores produtores de maneira insuficiente

19

SEMÁN, P.; GALLO, G. Rescate y sus consecuencias. Cultura y religión: sólo en

singular. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, v. 10, n. 10, p. 73-

94, 2008.

SILVA, Juliana Vaz da. Entre o púlpito e o palanque: candidatos evangélicos da

Cidade de Catalão nas eleições de 2012. Trabalho de Conclusão de Curso

(Bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais). Catalão, Departamento de História e

Ciências Sociais, Campus Catalão, Universidade Federal de Goiás, 2013.

SILVEIRA, E.J.S. Catolicismo, Mídia e Consumo. São Paulo: Fonte Editorial, 2014.

STARK, R.; BAINBRIDGE, W.S. Uma teoria da religião. São Paulo: Paulinas, 2008.

STOLZ, J. Salvation Goods and Religious Markets: Integrating Rational Choice and

Weberian Perspectives. Social Compass, v. 53, n. 1, p. 13-32, March 1, 2006 2006.

STRATHERN, M. Cortando a rede. In: O efeito etnográfico. São Paulo: Cosac Naify,

2014. p. 295-319.

TAN, C.-K. Syncretic Objects: Material Culture of Syncretism among the Paiwan

Catholics, Taiwan. Journal of Material Culture, v. 7, n. 2, p. 167-187, July 1, 2002

2002.

VAN DE PORT, M. Visualizing the sacred: Video technology, “televisual” style, and

the religious imagination in Bahian candomblé. American ethnologist, v. 33, n. 3, p.

444-461, 2006.

ZELIZER, V. Circuits within capitalism. In: NEE, V. e SWEDBERG, R. (orgs.). The

economic sociology of capitalism. Priceton: Princeton University Press, 2005. p. 289-

321.