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WORKING PAPERS BOLETIM DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS Natália de Almeida Moreno A REFORMA INSTITUCIONAL DA REGULAÇÃO FINANCEIRA NO PÓS-CRISE SÉRIE BCE 4

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WOR

KING P A P E R S

BOLETIM DE CIÊNCIAS

ECONÓMICAS

Natália de Almeida Moreno

A REFORMA INSTITUCIONAL DA REGULAÇÃO FINANCEIRA NO PÓS-CRISE

SÉRI

E BCE

4

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WORKING PAPERS

BOLETIM DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS

Natália de Almeida Moreno

A Reforma Institucional

da Regulação Financeira no Pós-Crise

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EDIÇÃOFaculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Instituto Jurídico

DIREÇÃOLuís Pedro Cunha

[email protected] .pt

REVISÃO EDITORIALIsa ías Hipólito

[email protected]

CONCEPÇÃO GRÁFICA | INFOGRAFIAAna Paula [email protected]

CONTACTOSPátio da Universidade | 3004-545 Coimbra

[email protected]

ISBN 978-989-98886-0-9

© ABRIL 2014

INSTITUTO JURÍDICO | FACULDADE DE DIREITO | UNIVERSIDADE DE COIMBRA

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A RefoRmA InstItucIonAl dA RegulAção fInAnceIRA no Pós-cRIse1

Natália de Almeida Moreno

RESUMO: O presente artigo visa a analisar as reformas por que passa-ram as instituições que regulam o sistema financeiro em decorrência da crise financeira de 2007-2009, discorrendo sobre a evoluç�o dos mer-ão dos mer-o dos mer-cados financeiros após o seu processo de liberalização e as razões que ensejaram a crise de 2007-2009, as possíveis formatações institucionais para divisão de competências entre as entidades que regulam o siste-ão de competências entre as entidades que regulam o siste-o de competências entre as entidades que regulam o siste-ências entre as entidades que regulam o siste-ncias entre as entidades que regulam o siste-ma financeiro, com os seus respectivos ônus e bônus, e os mecanismos jurídicos disponíveis à coordenaç�o interag�ncias, para, ao fi m, apresen-�ncias, para, ao fi m, apresen-ncias, para, ao fim, apresen-tar os novos formatos institucionais adotados pelos Estados Unidos e a União Européia para responder às falhas que se mostraram patentes com o advento da recente crise financeira, com o seu respectivo cotejo analítico.

DESCRITORES: regulaç�o; mercado financeiro; crise; reforma; divisão de competências; cooperaç�o.

1 O presente artigo foi apresentado como trabalho final à disciplina Cré-dito e Mercados Financeiros, do Curso de Mestrado Científico em Direito Admi-nistrativo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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the InstItutIonAl RefoRm of fInAncIAl RegulAtIon

In A Post-cRIsIs eRA

ABSTRACT: This paper aims at analyzing the institutional reform of financial markets’ regulation in view of the financial crisis of 2007-2009, through the study of the evolution of financial markets after their li-beralization and of the reasons that led to the crisis of 2007-2009 and through the exam of the institutional architectures that may frame the distribution of competencies among regulatory agencies and of the res-pective strengths and weaknesses, as well as of the juridical tools re-levant to interagency coordination. To conclude, the new designs of financial systems in Europe and United States will be presented and evaluated in comparison.

KEYWORDS: regulation; financial market; crisis; reform; distribution of competencies; coordination.

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“I cannot say for sure whether things will get better when we change;

but what I can say is they must change if they are to get better”

(Georg Christoph lIchtenbeRg)

1. Introdução

A crise de 2007-2009 desvelou importantes falhas dos sis-temas regulatórios estabelecidos ao redor do mundo. Os eventos que resultaram em e se seguiram à crise, com efeito, denotaram um verdadeiro descompasso entre a sistemática e a dinâmica hodier-na dos mercados financeiros e a regulaç�o, tanto a nível nacional, quanto aos níveis regional e global, patenteando a necessidade de uma reforma urgente e estrutural das normas, procedimentos de monitoramento e fiscalizaç�o e formatações institucionais de cunho regulatório.

Este panorama instigou-nos a desenvolver a presente pes-quisa, que se volta precipuamente a averiguar que modelos institu-cionais regulatórios melhor se adequam à realidade e à dinâmica de funcionamento dos mercados financeiros na atualidade.

Com este objetivo em mente, propusemo-nos, em um pri-meiro momento, descrever a evoluç�o dos mercados financeiros e os eventos que culminaram na crise de 2007-2009, visando contex-tualizar as explanações que se seguir�o, para, posteriormente, in-vestigar que instrumentos se colocam à disposiç�o do Estado e dos reguladores para assegurarem uma ordenaç�o mais eficiente destes mercados e contribuírem para sua estabilidade, sobretudo os dife-rentes tipos de arquitetura institucional disponíveis e as ferramentas

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de interação de que se podem valer os diferentes órgãos e entidades regulatórias para a criaç�o de uma política ordenadora coordena-da, sólida e consistente, capaz de responder de forma harmônica e atempada a choques, falhas e novas crises do sistema.

Em seguida, descreveremos e avaliaremos, comparativa e criticamente, as soluções institucionais encontradas pelos Estados Unidos da América e pela Uni�o Européia como resposta à crise, apresentando nossas conclusões no final.

Antes de iniciarmos o desenvolvimento do tema proposto, porém, algumas ressalvas se mostram oportunas. Primeiro, a de que empregaremos no presente, em geral, o termo regulaç�o em sua concepção ampla, de modo a abarcar tanto a regulamentaç�o – “de-finiç�o das condições (normativas) de funcionamento das activida-des reguladas, no cumprimento de uma funç�o de ‘orientaç�o do sistema’”2 – quanto a supervis�o, fiscalizaç�o e eventual penalizaç�o dos agentes regulados – “controlo da aplicaç�o e observância de tais condições [normativas] e na punição das infracções não criminais”3. Malgrado reconheçamos a importância da diferenciaç�o entre a re-gulaç�o e a supervis�o para o setor financeiro4, mediante a aplicaç�o de uma concepç�o de regulaç�o mais restrita, que abarque unica-mente a regulamentaç�o normativa, optamos por uma simplificaç�o conceitual, problematizando unicamente questões que digam direta-mente com os objetivos do presente trabalho, dado o escopo focado típico de um artigo científico

Segundo, o enfoque desse trabalho repousa unicamente nas jurisdições nacionais e na jurisdição regional europeia, sem se adentrar na sistematizaç�o das instituições de cunho internacional/global. Terceiro, o nosso desígnio é t�o-somente o de verificar as mudanças estruturais de natureza institucional, e n�o o de avaliar o conteúdo e a adequação das diferentes normas e medidas regulatórias conforma-doras de condutas. Por fim, as propostas e soluções aqui aventadas n�o s�o as únicas passíveis de serem aplicadas, nem tampouco s�o universalizáveis sem a devida acomodaç�o e adaptaç�o às peculiari-

2 Pedro gonçAlves. “Direito Administrativo da Regulaç�o”, 15. 3 Pedro gonçAlves. “Direito Administrativo da Regulaç�o”, 15. 4 Sobre a diferença entre regulamentaç�o e supervis�o, v. the de lARo-

sIeRe gRouP. Report, 2009, 13-14; e Fernanda mAçãs. “Responsabilidade Civil das Entidades Reguladoras”, 428-431.

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dades dos diversos ordenamentos jurídicos, sendo certo que as es-colhas regulatórias dependem dos contextos político, tecnológico, cultural, social, jurídico e econômico em que se situam, inexistindo fórmulas fechadas que possam ser transplantadas sem o devido estudo do ambiente regulado e dos impactos (positivos e negativos) que elas ter�o o cond�o de gerar em cada jurisdiç�o.

2. A Evolução do Mercado Financeiro e a Crise de 2007-2009 O mercado financeiro modificou-se sobremaneira nas últi-

mas décadas. A desregulamentaç�o operada a partir de finais dos anos 1970

reduziu substancialmente a intervenç�o direta do Estado na economia, retirando-se muitos dos limites impostos à atuaç�o dos agentes financei-ros e devolvendo-se para as forças do mercado liberdades de conforma-ç�o e decis�o quanto a importantes aspectos econômicos, destacando-se, de um lado, a liberalizaç�o dos controles das taxas de juros e de câmbio e do fluxo de capitais internacionais e, de outro lado, o escopo das ativida-des comerciais, com o desmantelamento de barreiras de segmentaç�o e intermediaç�o e de restrições de áreas geográficas de operaç�o5.

Isto, conjugado com o incremento das tecnologias de in-formaç�o e comunicaç�o e o fenômeno da globalizaç�o, permitiu uma verdadeira revoluç�o nas atividades financeiras, com a criaç�o de novos e cada vez mais complexos produtos financeiros e a fle-xibilizaç�o da forte segmentaç�o e especializaç�o que marcavam os serviços financeiros.

A maior liberdade conferida aos agentes do mercado (em es-pecial no que tange às taxas de juros e câmbio), embora essencial à dinamizaç�o da economia, majorou os graus de risco e incerteza6 e a

5 Maximilian J. B. hAll. “Introduction”, xi. 6 Para a diferença entre risco e incerteza, v. os pioneiros trabalhos de

Frank Hyneman KnIght. Risk Uncertainty and Profit, Boston: Hart, Schaffner & Marx, 1921, e John Maynard Keynes. A Treatise on Probability, London: Macmillan, 1921. Um cotejo entre as visões de ambos os autores pode ser encontrado em José Manuel QuelhAs. Sobre as Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a Incerteza Sistemática, 147-189: “De forma sintética, pode-se afirmar que o critério de diferenciaç�o entre incerteza e probabilidade (risco) assenta na inexist�ncia ou na exist�ncia de bases científicas que possibilitem aos agentes a formulaç�o de cálculos acerca do futuro” (177). Para uma diferença entre as concepções de perigo [hazard], risco, incerteza e

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volatilidade do sistema, passando a permitir uma grande especulaç�o por parte dos operadores e fazendo com que os resultados financei-ros se permeabilizassem às suas variações de humor, ensejando que fossem desenvolvidos novos produtos financeiros, muitos de natu-reza mista, e novas formas de transaç�o e securitizaç�o para reduzir e/ou diversificar o risco7-8, com relevo particular para os derivativos9.

ignorância, v. Roger E. KAsPeRson. “Coping with Deep Uncertainty: Challenges for Environmental Assessment and Decision-making”. In Gabriele bAmmeR; Michael smIthson, coord. Uncertainty and Risk. Multidisciplinary Perspectives, London: Earths-can, 2009, 338.

7 Hugo bAnzIgeR. Did the Globalization of Finance Undermine Financial Sta-bility?, 11.

8 Os bancos “pegam emprestado de forma barata dinheiro (v.g., de de-pósitos, poupanças) de retorno a curto prazo e emprestam a taxas mais altas a tomadores de longo prazo. Nesse processo, assumem diversos riscos. Relativa-mente aos empréstimos de curto prazo, encaram riscos de liquidez e taxas de juros. Até que os empréstimos de longo prazo sejam totalmente pagos, os bancos t�m que continuar a atrair poupadores de curto prazo. E precisam continuamente rolar ou renovar os seus poupadores de curto prazo porque os fundos utilizados para originar os fundos de empréstimos de longo prazo foram emprestados ao tomador do empréstimo. Pode acontecer de os bancos se encontrarem com bai-xos depósitos de poupadores, ou que o mercado aumente as taxas de juros de tomar estes fundos para além dos juros que os bancos recebem ao emprestar a longo prazo. Por causa destes riscos de default e liquidez os bancos e outras insti-tuições financeiras est�o sempre buscando novos métodos de reduzir o risco, o que facilita a expansão da intermediação bancária e da disponibilidade de crédito” (David E. getteR. “Macroprudential Oversight: monitoring systemic risk in the financial system”, 03-04). Um destes novos métodos é o denominado unbundling (desconcentraç�o/separaç�o) de riscos, em que as suas variáveis s�o fragmentadas e seguradas autonomamente, podendo ser negociadas de forma independente umas das outras.

9 “Os derivativos s�o valores mobiliários ou instrumentos financeiros cujo valor é derivado do valor de outro, ativo subjacente. Eles podem ser com-prados, vendidos e negociados de forma semelhante às ações ou qualquer outro instrumento financeiro. Os ativos ou instrumentos subjacentes em que derivati-vos podem ser baseados incluem commodities, ações, hipotecas residenciais, imóveis comerciais, empréstimos, obrigações, taxas de juros, taxas de câmbio, índices do mercado de ações, índices de preços ao consumidor e as condições meteoroló-gicas. Os principais tipos de derivativos s�o contratos a termo, futuros, opções e swaps. Os derivativos de crédito s�o baseados em empréstimos, obrigações ou outras formas de crédito. O preço e o desempenho dos derivativos é muitas vezes baseado no activo subjacente, embora o inverso também possa ser verdadeiro. Os derivativos podem impulsionar o mercado subjacente e os volumes negociados

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De outro lado, a reduç�o do controle e das barreiras esta-tais ao exercício das atividades financeiras viabilizou um crescimento exponencial da concorrência10, obrigando a uma variedade cada vez maior de serviços e produtos para fazer frente às necessidades e pre-fer�ncias crescentes, diversificadas e particularizadas dos clientes11.

Assim, o setor bancário, outrora caracterizado por sua cen-tralidade e pela canalizaç�o da poupança popular para o investimen-to (fornecimento de serviços de depósito e de empréstimos a curto, médio e longo prazo), passou a ofertar novos produtos e expandiu suas operações para as searas de outros mercados, com a agregaç�o de atividades de intermediaç�o financeira e seguros, o que levou a um acoplamento à banca comercial tradicional da banca de investimento (banca universal).

Os intermediários financeiros, por sua vez, que tradicional-mente operavam somente o gerenciamento das negociações como brokers e dealers e exerciam funções de assessoria, passaram a tomar riscos financeiros característicos dos bancos12, em raz�o do tipo e do volume de transações que começaram a levar a cabo, enquanto as empresas de seguro deram um passo além dos ramos tradicionais (vida, automóvel, prédios e resid�ncias), incrementando o seguro de operações de valores mobiliários e bancárias.

A quebra da intermediaç�o financeira e a consolidaç�o do princípio da banca universal promoveram n�o só uma maior in-terligação13 entre os setores bancário, de valores mobiliários e de

(em certos futuros e opções de contatos) podem exceder os dos mercados à vista subjacentes. Derivativos podem ser negociados em bolsa ou em mercado over--the-counter (OTC). O volume de mercado de derivativos globais negociados está na casa das centenas de trilhões de dólares por ano” (ReuteRs. Financial Glossary, http://glossary.reuters.com/index.php?title=Derivatives).

10 Jorge gonçAlves. “O Problema da Dimens�o das Instituições Finan-ceiras”, 112.

11 Marco Marco ARnone; Alessandro gAmbInI. “Architectures of Supervisory Authorities and Banking Supervision”, 264.

12 Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 321.

13 José Manuel QuelhAs. “Sobre a Criaç�o do Comité Europeu do Risco Sistémico”, p. 884.

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seguros e o esfumaçamento das fronteiras14 entre as atividades e produtos ofertados nestas searas (desespecializaç�o), no senti-do de que diferentes instituições financeiras passaram a servir às mesmas ou similares funções econômicas15, como um aumento da capacidade de empréstimo e financiamento do sistema econômico como um todo, resultando em que companhias n�o financeiras (de fundos de pens�o a hipermercados) passassem a negociar valores no mercado e a ofertar serviços de natureza financeira, levando à “desbanquificaç�o”16 do sistema, no sentido de um amplo volume de transações de natureza bancária passar a ocorrer fora das insti-tuições bancárias tradicionais, apresentando-se hodiernamente di-versos meios para canalizaç�o da poupança popular para além dos depósitos e a ampliaç�o de transações fora do balc�o, com uma maior liberdade de negociação e conformação por parte dos agen-tes econômicos.

A modernizaç�o dos sistemas de comunicaç�o e informa-ç�o, por sua vez, aumentou enormemente o volume, a rapidez e a dimens�o geográfica das transações e negociações financeiras, as quais se realizam atualmente em esfera global, com respostas ins-tantâneas, e inclusive automatizadas, aos sinais do mercado17. Com

14 Marco ARnone; Alessandro gAmbInI. “Architectures of Supervisory Authorities and Banking Supervision”, 265; Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 321; Martin cIhàK; Richard PodPIeRA. “Experience with Integrated Supervisors: Governance and Quality of Supervision”, 309.

15 Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 322.

16 “Alguns negócios, ao invés de obterem empréstimos tradicionais de curto prazo junto a instituições depositárias, podem expedir seus próprios débitos na forma de papéis comerciais (notas promissórias de curto prazo ou títulos que os investidores podem manter em suas carteiras e, no vencimento, rolar as receitas para novos papéis comerciais expedidos. Fundos de retorno absoluto (hedge funds), fundos de pens�o e outras entidades financeiras podem decidir adquirir bens de longo prazo, menos líquidos, com os fundos obtidos da expediç�o de seus papéis comerciais (David E. getteR. “Macroprudential Oversight: monitoring systemic risk in the financial system”, 4).

17 “Os avanços nas tecnologias de comunicação e telecomunicações re-duziram os custos de transações entre fronteiras por reduzirem drasticamente os custos de coleta e análise de dados, de iniciar e confirmar transações, de liquidaç�o

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efeito, as empresas, investidores, empresas de serviços financeiros e outros participantes do mercado financeiro realizam, hoje, negócios em uma variedade de locais ao redor do mundo18, fazendo com que o mercado se torne crescentemente e cada vez mais profundamente interconectado e intercambiável.

Estas novas dimensões e complexidades do sistema acaba-ram por culminar em uma crescente concentração e consolidação dos agentes financeiros, assistindo-se à formaç�o de grandes conglome-rados transnacionais que possuem bens e investimentos em diversi-ficadas jurisdições19 e conjugam a prestação de serviços e oferta de produtos de natureza diversa em diferentes países20. Igualmente, am-pliou-se substancialmente a dependência intersubjetiva dos agentes do mercado, na medida em que os altos volumes negociados, a com-plexidade das transações e dos produtos financeiros e a exist�ncia de cenários de risco e incerteza cada vez mais amplos e de consequ�n-cias cada vez menos calculáveis e geográfica e temporalmente mais alargadas, impuseram a formaç�o de intrincadas redes de segurança, financiamento e seguro mútuo entre as instituições financeiras (de pequena, média, grande ou global dimens�o)21.

e compensaç�o de pagamentos, e monitoramento de fluxos financeiros através de sistemas de gerenciamento de informaç�o e contabilidade. Esses avanços expan-diram os horizontes financeiros para os usuários dos serviços financeiros e aumen-taram a habilidade das instituições financeiras de fornecer soluções internacionais para os problemas financeiros” (gRouP of tRInIty. Global Institutions, National Super-vision and Systemic Risk, 6). Ademais, “O Bank of International Settlement (BIs) estimou que no decorrer de Abril de 1995 uma média de $ 1.2 trilhões fluíram através de mercados de troca estrangeiros a cada dia, mais de 45% dos tr�s anos anteriores. Apenas vinte bancos liquidaram e compensaram 70% dos pagamentos em dólar através de CHIPS [Clearing House Interbank Payments System]. Transações em instru-mentos derivados também cresceram drasticamente. Em abril de 1995 o relatório do BIs estimou que o valor nacional de contratos de derivados over-the-counter foi de $ 47.5 trilhões (com valor de substituiç�o de cerca de $ 2.2 trilhões). O volume médio diário estimado foi de $ 880 bilhões, quase dois terços dos quais envolvidos em transacções entre contrapartes de diferentes países” (idem, 7).

18 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 802.19 Hugo bAnzIgeR. Did the Globalization of Finance Undermine Financial

Stability?, 07.20 “O número de conglomerados no top 500 das instituições financeiras

ao redor do mundo cresceu de 42 por cento para 60 por cento entre 1995 e 2000” (Martin cIhàK; Richard PodPIeRA. “Experience with Integrated Supervisors”, 310).

21 getteR fornece um elucidativo exemplo desta característica do siste-

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Isto levou ao aprofundamento da natureza sist�mica dos riscos22 e dos efeitos de contágio que eventuais desequilíbrios do mercado t�m o cond�o de gerar, no sentido de que “agora, os riscos, ao invés de estarem restritos a algumas instituições bancárias, est�o espalhados em uma multiplicidade de agentes. O sistema financeiro como um todo fica vulnerável a pagamentos antecipados, corridas bancárias, queda abrupta dos valores dos bens, etc”23.

A conflu�ncia de diversas atividades (bancária, de seguros

ma financeiro atual: “supondo que instituições bancárias utilizaram instrumentos derivativos para reduzir os riscos e taxas de juros associados à transaç�o de inter-mediaç�o. Esses instrumentos teriam transferido estes riscos para uma outra con-traparte, talvez até fora do sistema bancário, desejosa de vender protecç�o contra tais riscos. Se, porém, a contraparte se achar obrigada a realizar pagamentos mais altos que os antecipados em virtude da ocorr�ncia de um evento imprevisto, todos os participantes do mercado financeiro podem questionar a habilidade dos outros participantes do mercado de pagarem os seus comprometimentos. Tal eros�o da confiança pode ser considerada sistémica e ter consequ�ncias altamente danosas em outros participantes, muito embora somente uma contraparte tenha estado atrasada ou completamente defaulted em um pagamento. Logo, a transfer�ncia do risco levou a um aumento da interconectividade dos participantes do mercado financeiro. (“Macroprudential Oversight: monitoring systemic risk in the financial system”, 05). Na mesma linha, Marc lAbonte salienta que “as firmas financeiras n�o operam em isolamento – elas dependem das outras como fontes de crédito, liquidez, divis�o de risco e para comprar e vender valores mobiliários [securities]. Através destas transações elas se tornam contrapartes, potencialmente impondo perdas umas nas outras” (“Financial Regulatory Reform: Systemic Risk and the Federal Reserve”, 16).

22 Para uma síntese de diferentes noções e visões acerca do risco sistémi-co, v. José Manuel QuelhAs. Sobre as Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a Incerteza Sistemática, 355-393. Para o autor, há “alguns elementos que indiciam a presença e que aferem o nível de risco sistémico: i) a probabilidade de fal�ncia ou de quase fal�ncia de um operador financeiro de grande dimens�o, bancário ou n�o ban-cário, ou de um conjunto de operadores; ii) a probabilidade de fal�ncia ou de fal�ncias iniciais incutirem perdas significativas e de contraírem a liquidez de ou-tros operadores do sistema; iii) a probabilidade de desencadeamento de corridas bancárias contagiosas, redutoras de liquidez; iv) a probabilidade de a iliquidez ou de a insolv�ncia dos bancos diminuir a oferta e agravar o custo do crédito, o que prejudica os mutuários e desestabiliza o sistema de pagamentos e os mercados financeiros; v) a probabilidade de dificuldades financeiras iniciais serem ampliadas por factores exógenos; vi) a probabilidade de resposta atempada e adequada às dificuldades financeiras por parte dos supervisores (363).

23 David E. David E. getteR. “Macroprudential Oversight: monitoring systemic risk in the financial system”, 05.

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A Governança do Sistema Financeiro Internacional

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e valores mobiliários) no seio do mesmo grupo ou de um mesmo operador potencializa o “derramamento intersectorial”24 dos impac-tos e dificuldades financeiras, enquanto a dimens�o interconectada e globalizada do sistema o permeabiliza a quebras sucessivas e cumu-lativas de diversos setores econômicos (n�o só os financeiros) em âmbito internacional.

Sucede que, a despeito de todas estas mudanças estruturais, a arquitetura regulatória tradicional criada para mercados financei-ros especializados setorialmente no espaço das jurisdições nacionais e para o monitoramento particularizado das instituições financeiras permaneceu, em geral25, a mesma, sem acompanhar apropriada e oportunamente26 a evolução do sistema e deixando a descoberto im-portantes atividades, serviços, operadores e interações que passaram a ter lugar nestes mercados.

Os eventos que confluíram na crise financeira de 2007-2009, com efeito, patentearam tal descompasso entre a estrutura e a lógica hodiernas dos mercados e a respectiva regulaç�o.

A despeito de haver inúmeras teorias e explicações para a mais

24 José Manuel QuelhAs. Sobre as Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a Incerteza Sistemática, 386.

25 De acordo com José Silva loPes, “Desde a eclos�o da crise asiática, começaram a ser estudadas, nomeadamente no âmbito do G-7 e do FMI, novas ideias para o estabelecimento de uma nova arquitectura financeira internacional” (“As Propostas para a nova Arquitectura Financeira Internacional”, 85). Contudo, só alguns países (como a Inglaterra, o Canadá, a Holanda, França, Alemanha, Austrália) deram início a uma reforma institucional para fazer frente às evoluções dos mercados financeiros. No entanto, estas reformas acabaram por se afigurar por demais superficiais para lidar com as complexidades do sistema, n�o sendo capazes de promover respostas mais adequadas, atempadas e melhor coordena-das antes, durante e após a crise. Sobre a evoluç�o do regime britânico e alem�o: Jonathan WestRuP. “Independence and Accountability: Why Politics Matters” in Donato mAscIAndARo; Marc QuIntyn [Ed.]. Designing Financial Supervision Institu-tions. Independence, Accountability and Governance, 117-150.

26 “A regulaç�o n�o manteve ritmo com as mudanças trazidas pelas ino-vações financeiras” (Marc lAbonte. “Financial Regulatory Reform: Systemic Risk and the Federal Reserve”, 22).

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recente crise mundial27, atemo-nos aos principais fatos28 que interes-

27 Como anota goodhARt, ““A crise financeira actual tem apresentado muitas facetas. É difícil uma pessoa sozinha articular com coer�ncia uma história completa de tudo o que tem acontecido, a n�o ser que ela tenha trabalhado em um dos bancos no centro da tempestade. Um pouco como os cegos que tocam só partes diferentes do mesmo elefante, é provável que os comentadores, entre os quais me incluo, tenham uma perspectiva pessoal; pode demorar muito até seja possível escrever uma história abrangente desta crise, a qual n�o será a tal história abrangente” (“The background to the 2007 financial crisis”, in The Regulatory Res-ponse to the Financial Crisis, 09). Para um estudo abrangente sobre as circunstâncias e as razões que ensejaram a crise, v. the de lARosIèRe gRouP. Report, 2009, 07-12. Sobre as diferentes visões e versões da crise, v. Jeffrey fRIedmAn; Wladimir KRAus. Engineering the Financial Crisis, 2011; Richard A. PosneR. A Failure of capitalism: the crisis of ’08 and the descent into depression; Joseph E. stIglItz. Freefall: America, Free Markets, and the Sinking of World Economy; Marc lAbonte. “Financial Regulatory Reform: Systemic Risk and the Federal Reserve”, 11-47; Bair Webel. The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act: Issues and Summary, 03-07; e Charles A. E. goodhARt. The Regulatory Response to the Financial Crisis, 09-33. E n�o só para a crise de 2007-2009. A teoria das crises financeiras é, desde muito, controvertida e sujeita a inúmeros fundamentos e explicações, cf. a importante síntese empreendido em José Manuel QuelhAs. Sobre as Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a Incerteza Sistemática, 17-145, concluindo o autor que “Os resultados dos vários modelos n�o representam respostas herméticas e definitivas para a compreens�o das crises financeiras, mas sim contribuições heterógenas, forçosamente incompletas, para o conhecimento de uma realidade interdependente, complexa, dinâmica, evolutiva, mutável e institucio-nalmente condicionada” (144-145).

28 Conforme fRIedmAn e KRAus, há já acordos e contornos delineados sobre os fatos que ensejaram a crise, a saber: “1. As muito baixas taxas de juros de 2001 a 2005 abasteceram uma bolha virtual imobiliária sem precedentes, de dimens�o nacional, nos Estados Unidos; 2. Fannie Mae [the Federal National Mort-gage Association] e Freddie Mac [the Federal Home Loan Mortgage Corporation], os dois empreendimentos patrocinados pelo governo (GSEs), ajudaram a causar a crise por perderem o seus status de “mutuários” (lending companies); 3. Desregulaç�o do mercado financeiro permitiu que o setor de bancos fantasmas originasse emprés-timos subprimes e os segurasse; 4. Os sistemas de compensaç�o utilizados pelos bancos, especialmente o pagamento de bônus por transações geradoras de lucros, encorajou banqueiros a apostar enormes montantes de dinheiro emprestado (le-verage) na continuação do boom imobiliário através da compra de títulos lastreados por hipotecas. Os banqueiros seriam ricamente recompensados se essas apostas dessem certo, mas n�o seriam penalizados se malograssem; 5. Os banqueiros sa-biam que os seus bancos eram too big to fail e investiram imprudentemente porque estavam confiantes que seriam socorridos [bail out] se um desastre ocorresse; 6. Ambiç�o irracional levou investidores a comprar valores mobiliários securitizados lastreados por hipotecas subprime, abstraindo o fato de que quando o preço das

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sam ao objetivo final deste trabalho para, em síntese, ressaltar que as anormalmente baixas taxas de juros entre 2001 e 2005 promoveram um aumento substancial e o barateamento do crédito, sobretudo de natureza imobiliária e nos Estados Unidos, levando os bancos, segun-do goodhARt, com vista a reduzir e segurar os riscos atrelados aos volumosos empréstimos hipotecários, a expedir inúmeros instrumen-tos de débito colateralizados (derivativos, lastreados ou n�o por bens) para cada tipo de risco (risk unbundling), transformá-los em valores mobiliários e distribuí-los no mercado, em especial para instituições n�o-financeiras, que negociavam mais livremente estes títulos29.

Esta lógica bancária de originar e distribuir créditos futuros levou a que os empréstimos realizados saíssem das tabelas de ba-lanço das instituições bancárias, culminando, ao mesmo tempo, em que, conforme aduzem os comentadores da crise, (i) estes valores n�o se encontrassem devidamente contabilizados, deixando de ser monitorados e computados para os cálculos de depósitos de segu-rança/seguros obrigatórios; (ii) o repasse destes títulos tornasse os bancos menos preocupados com a qualidade dos créditos e o mo-nitoramento dos pagamentos de empréstimos e com as condições financeiras dos devedores, levando a um gerenciamento imprudente dos riscos30; e (iii) os riscos fossem subvalorizados e sub-monetari-zados, no sentido de o valor dos títulos n�o refletir o grau dos riscos corridos31 e de as avaliações realizadas pelas ag�ncias de rating não necessariamente corresponderem aos riscos e grau de qualidade dos créditos em circulaç�o (daí ter-se falado muito de “créditos podres” no sobrevir da crise)32. Além disso, os sucessivos repasses e des-membramentos destes derivativos acabou por desassociar o valor dos títulos e o valor dos bens/contratos subjacentes, fomentando um ambiente altamente especulativo, volátil e por demais instável e vulnerável aos humores cambiantes dos operadores e investidores33.

casas eventualmente caísse, tais hipotecas provavelmente ficariam a descoberto” (Engineering the Financial Crisis: systemic risk and the failure of regulation, 05).

29 Charles A. E. goodhARt. The Regulatory Response to the Financial Crisis, 13. Para uma explicaç�o de como o sistema subprime de hipotecas funcionava nos Estados Unidos, v. 22-23.

30 Charles A. E. goodhARt. The Regulatory Response to the Financial Crisis, 13-16.31 Idem, 13.32 Idem, 18.33 Jeffrey fRIedmAn; Wladimir KRAus. Engineering the Financial Crisis: systemic

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Por sua vez, a natureza mista dos produtos negociados e o envolvimento de entidades diversas de natureza n�o-financeira e n�o-bancária levou a que um grande volume de transações ficasse a salvo dos sistemas de monitoramento e lastros financeiros já estabe-lecidos34, e, de outro lado, em contrapartida, que algumas atividades e serviços “mistos” acabassem atraindo a incidência de normas re-gulatórias diversas e, inclusive, contraditórias, bem como a compe-t�ncia de mais de uma autoridade reguladora, gerando conflitos e imprecisões no âmbito das obrigações dos agentes e das responsa-bilidades dos reguladores35.

risk and the failure of regulation, 33.34 Paradigmática, nesse sentido, é a aquisiç�o destes títulos por diversas

entidades n�o-depositárias e n�o reguladas e a securitizaç�o por operadores que n�o possuíam o lastro financeiro necessário para cobrir a totalidade dos resga-tes potenciais. Conforme goodhARt, “uma fraqueza particular dos bancos de investimentos nos US pré-2008 era de que eles eram financiados primariamente por mecanismos de empréstimos hipotecários baseados noutras atividades que não a captação de depósitos [non-deposit wholesale funding] e foram deixados de fora da rede de segurança oficial” (The Optimal Financial Structure). Ademais, segundo noticiam fRIedmAn e KRAus, “os derivativos em quest�o eram contratos de seguro contra a possibilidade de as parcelas de PLMBS [private label mortgage-backed security] n�o iriam pagar os detentores de títulos (…) Mas a AIG, que forneceu um grande montante de seguros de PLMBs, n�o possuía os fundos para cobrir estes contra-tos. (…) [Sendo assim], nada disso é para negar que os bancos n�o teriam nada a temer sobre as contrapartes de CDSs [credit default swap] se a CFTC [commodities futures trading commission] houvesse requerido que tais contratos tivessem sido lista-dos sob uma base de troca que teria lastreado os contratos (Engineering the Finan-cial Crisis: systemic risk and the failure of regulation, 33). Do mesmo modo, lAbonte assinala que “o Office of Thrift Supervision supervisionou inadequadamente os produtos financeiros da AIG porque n�o punham em risco a saúde das pou-panças (“Financial Regulatory Reform: Systemic Risk and the Federal Reserve”, 20). Na mesma linha, Webel expõe que “os standards de subscrição por bancos encontram-se sujeitos a diretivas [guidances] expedidas pelos reguladores bancários porque empréstimos para mutuários de risco podem ser inseguros e instáveis para os próprios bancos. Estas diretivas, porém, n�o se aplicam a mutuantes de hipotecas n�o bancários que s�o fundados a partir de securitizaç�o (…). A secu-ritizaç�o privada foi especialmente prevalente no mercado subprime de hipotecas, nos mercados de hipotecas defeituosos [the nonconforming mortgage market] e nas regiões em que a inadimplência dos empréstimos foi particularmente severa” (The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act, 03).

35 Jeffrey fRIedmAn; Wladimir KRAus. Engineering the Financial Crisis: systemic risk and the failure of regulation, 108-110.

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Com a majoração das taxas de juros empreendida pelos Ban-cos Centrais a partir de finais de 2005, os preços de mercado dos bens imobiliários – que, em última instância, originaram os diversos valores mobiliários negociados – começaram a vacilar em 200736, de modo que os títulos assentados naqueles bens (ABCP [asset backed commercial paper]) perderam grande parte de seu valor, levando à sua liquidaç�o em massa e gerando forte instabilidade e incerteza no sistema, principalmente a partir de grandes perdas sofridas como a notabilizada pelo hedge fund Bear Sterns37.

As instituições que endossavam como mutuários de última instância grande parte destas dívidas começaram a ratear, levando a um colapso do sistema quando os mercados interbancários dei-xaram de prover os fundos/empréstimos necessários ao seu (re)financiamento38 e culminando em corridas para liquidações, em per-das generalizadas e sucessivas em todos os setores financeiros e em vultosíssimos desembolsos e ajudas estatais para evitar a quebra do sistema, o que acabou por atingir também a grande maioria dos setores econômicos (economia real) nos Estados Unidos e no res-tante do mundo, dado o pânico generalizado que tomou conta do mercado e as participações de instituições financeiras de diversos países no mercado de hipotecas estadunidense – particularmente da Europa39 – e nas próprias companhias que quebraram ou ficaram à beira da fal�ncia e vice-versa (i.e., tais companhias possuíam bens e investimentos diversos em outros países que acabaram impactados pelas perdas financeiras ocorridas notadamente no mercado estadu-

36 Charles A. E. GoodhARt. The Regulatory Response to the Financial Crisis, 10 e 23.

37 Idem, 23-24. 38 Idem, 25. 39 Cf. Hugo bAnzIgeR. Did the Globalization of Finance Undermine Finan-

cial Stability?, 10: “Por diferentes razões, bancos como UBS, ING, Dexia, ABN AMRO (posteriormente adquirido por RBS), os Landesbanks alem�es ou IKB, todos criaram extensos portfolios de investimentos a descoberto (un-hedge) com uma significativa participaç�o em valores mobiliários relacionados à performan-ce do mercado de hipotecas americano (RMBS, CMBS, REITs). Ainda n�o há números confiáveis disponíveis, mas é uma estimativa justa que o setor bancário europeu sofreu cerca de 20% das perdas totais de hipotecas dos US de USD 2.3 trilhões. O colapso da bolha de bens imobiliários dos US, ent�o, transladou-se directamente para a Eurozona e forçou os governos a socorrerem os seus bancos insolventes com pacotes de suporte em números de tr�s dígitos em bilhões”.

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nidense).A crise de 2007-2009, portanto, de um lado, explicitou im-

portantes características do atual sistema financeiro, que podem ser sintetizadas em (i) incapacidade de auto-cura do mercado e fragili-dade de instituições outrora consideradas sólidas e robustas, tendo um número discreto de efetivas quebras em mercados individuais e específicos conseguido levar a perdas e pânico globalmente genera-lizados40; (ii) a exist�ncia de algumas instituições, bancárias ou n�o, que cresceram tão grandes e tão complexas e alavancadas que a sua falência pode ameaçar a estabilidade do mercado em todo o mun-do – companhias too big to fail41; e, para além disso, (iii) a exist�ncia de instituições, bancárias ou n�o, que, a despeito de seu tamanho, encontram-se tão interconectadas e inseridas em redes de interde-pendência que igualmente ameaçaram a estabilidade do sistema em nível global42 – companhias too interconnected to fail; (iv) a existência de riscos e mercados que aparentemente não estavam conectados e se tornaram altamente correlacionados43; (v) a maturação da desespe-cializaç�o funcional do mercado financeiro, com instituições diversas prestando serviços id�nticos e/ou análogos e suscetíveis de sofrerem e gerarem os mesmos tipos de impactos e males; e (vi) a existência de links estreitos entre o sistema financeiro e a economia real, denotando a ampla extens�o dos possíveis “efeitos de contágio”.

De outro lado, a crise desvelou graves falhas institucionais do sistema regulatório, especialmente (i’) a exist�ncia de extensas lacu-nas44 entre as responsabilidades dos diferentes reguladores, notada-mente a nível de conglomerados financeiros, operadores multifuncio-

40 Fabio RecIne; Pedro Gustavo teIxeIRA. The New Financial Stability Architecture in the EU,Paolo Baffi Centre, Research Paper nº 2009-62, novem-ber/2009.

41 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”.42 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”.43 Bair Webel. The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection

Act, 03. 44 “Afirma-se que surgiram problemas no seio destas lacunas existentes

entre as responsabilidades dos diferentes reguladores, e chega-se a afirmar tam-bém que os reguladores não se preocupavam com saber se as actividades levadas a cabo pelas instituições por eles reguladas punham em risco o sistema no seu todo.” (Marc lAbonte. “Financial Regulatory Reform: Systemic Risk and the Fe-deral Reserve”, 20).

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nais (atuando em duas ou mais atividadades de natureza bancária, de seguros e valores mobiliários) e novos produtos de natureza mista; (ii’) a sobreposiç�o de compet�ncias e conflitos de regras regulatórias que tornaram obscuros os deveres das companhias reguladoras e as responsabilidades de controle dos reguladores; (iii’) a inexist�ncia de uma regulação sistêmica voltada aos riscos que ultrapassam a esfera individual dos operadores e podem afetar a generalidade dos agentes e o sistema como um todo; (iv’) a incapacidade dos reguladores de responderem de forma coordenada e atempada aos sinais de alerta, falhas e instabilidades do sistema; e (v’) a dissociaç�o entre a forma-taç�o dos mercados (desespecializado, globalizado, dinâmico e ino-vador) e a formataç�o regulatória (especializada setorialmente, com monitoramentos a nível individualizado e microeconômico, burocra-tizada e segmentada)45.

À vista disso, mostram-se indispensáveis, neste pós-crise, a análise e revis�o críticas dos paradigmas sobre os quais se estruturou a regulaç�o financeira, de forma que os erros e inefici�ncias do pas-sado sejam expurgados, que experi�ncias vitoriosas sejam mantidas e aprofundadas e novas propostas sejam testadas.

3. A Reforma Institucional no Pós-Crise

A profunda mudança do sistema financeiro cria, conforme vimos, desafios que devem ser adequadamente endereçados pelo regulador, de modo que seja estabelecido um arcabouço institucio-nal condizente com as dinâmicas relações que hoje t�m lugar nos mercados regulados, capaz de conferir a segurança e o incentivo necessários ao desenvolvimento destas atividades econômicas e há-bil a fomentar e extrair os maiores benefícios do novo modelo aos usuários e à coletividade.

Nessa senda, a doutrina da New Institutional Economics46 res-

45 Consoante informa PAn, “as principais pot�ncias econômicas reco-nhecem a falha de seus sistemas regulatórios em prevenir as causas da crise fi-nanceira e est�o presentemente lutando para realizar melhorias para evitar futuras crises financeiras” (“Structural Reform of Financial Regulation”, 796).

46 Sobre o ponto, v. Ronald coAse. “The New Institutional Economics”, 72-74; Claude menARd. The Foundations of the New Institutional Economics, Chel-tenham: Edward Elgar, 2004; e Olivier E. WIllIAmson. “The New Institutional Economics: Taking Stock, Looking Ahead”, 595-613.

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salta a importância e a estreita conexão que a modelagem e a ope-ratividade das instituições t�m com o regular e eficiente funciona-mento do mercado, pois que afetam diversos fatores da atividade econômica, em especial os custos de transaç�o.

Nas palavras de coAse, “quanto menores os custos de tro-ca (custos de transaç�o, se preferir), mais especializaç�o haverá, e maior a produtividade do sistema. Mas os custos de troca depen-dem das instituições de um país, de seu sistema legal, de seu sistema político, de seu sistema educacional, sua cultura e assim por diante. Efetivamente, s�o as instituições que governam a performance de uma economia, e é isso que confere à ‘new institutional economics’ importância para os economistas”47-48.

Em uma linha: “institutions do matter”49.A fim de que se desenvolva o mercado de forma eficiente,

portanto, é mister um link estreito entre a estrutura dos mercados regulados e a estrutura regulatória, devendo esta direcionar e acom-panhar a evoluç�o daquelas. Quer dizer, para o bom funcionamento tanto do mercado regulado, quanto da regulaç�o, devem harmoni-zar-se ambos.

Caso o arcabouço regulatório esteja descompassado com as funcionalidades, características e dinâmicas do setor regulado, será, ao invés de um fator estabilizador de correç�o de falhas do mercado e protetor do valor jurídico da confiança – que se afigura fundamen-tal aos mercados financeiros –, um fator desestabilizador, que criará novas falhas (as denominadas falhas regulatórias50) e/ou potenciará

47 Ronald coAse. “The New Institutional Economics”, 73. 48 Olivier E. WIllIAmson, calcando-se nos ensinamentos de coAse, elu-

cida: “assim, Coase em sua palestra no Pr�mio Nobel observa que (1992, 714): O valor de incluir … fatores institucionais no corpo da economia tradicional [mains-tream economics] é tornado claro pelos recentes eventos na Europa Oriental. Esses países ex-comunistas s�o aconselhados a mover-se em direç�o a uma economia de Mercado, e seus líderes almejam faz�-lo, mas sem as instituições apropriadas nenhuma economia de mercado de alguma significância é possível” (apud “The New Institutional Economics: Taking Stock, Looking Ahead”, 608).

49 Olivier E. WIllIAmson. “The New Institutional Economics: Taking Stock, Looking Ahead”, 595.

50 Conforme JoRdão, “a regulaç�o pode, por exemplo, (i) erigir barreiras à entrada e à saída do mercado; (ii) estabelecer vantagens competitivas artificiais para produtores específicos; (iii) promover assimetrias informacionais; (iv) im-pedir a concorrência em determinados aspectos dos produtos; (v) impor custos

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mais custos e riscos ao mercado51, podendo entravar ou estorvar to-talmente o desenvolvimento e a implementação de um ambiente competitivo e economicamente saudável, inovações e o atingimento das finalidades públicas que lhe foram confiadas52.

Sendo assim, a integraç�o dos mercados bancário, securitá-rio e de valores mobiliários, com a formaç�o de companhias mul-tifuncionais e grandes conglomerados empresariais, o aprofunda-

financeiros e de gest�o que poder�o retirar recursos das atividades mais produti-vas e dos investimentos; (vi) influir na escolha tecnológica; (vii) comprometer a flexibilidade e a liberdade empresarial, (viii) reduzir a produç�o e (ix) promover a elevação dos preços de bens e serviços” (Restrições Regulatórias à Concorrência, Belo Horizonte: Fórum, 2009, 17). v., ainda, Giuliano AmAto; Loraine L. lAudAtI [Coord.]. The Anticompetitive Impact of Regulation, Cheltenham: Edward Elgar, 2001. Em especial nos mercados financeiros, por motivo de sua natureza global, há uma especial pressão competitiva entre os diferentes reguladores nacionais com ordem a atrair investimentos e criar um ambiente propício para o desenvolvimento de mercados financeiros em suas jurisdições. Segundo PAn, “os reguladores devem tomar em conta o efeito das estruturas regulatórias na competitividade dos mer-cados financeiros. A regulaç�o financeira serviu de impedimento para a ativida-de financeira supra-fronteiras e em alguns casos como desvantagem competitiva (…). Na medida em que reguladores nacionais operem independentemente uns dos outros, eles ir�o sempre enfrentar pressões competitivas e precisam estar pre-parados para implementar estratégias regulatórias que tornem os seus mercados mais atractivos. Se entendermos que essa competiç�o mina a estabilidade dos nossos mercados financeiros, a soluç�o é melhorar a cooperaç�o entre regulado-res nacionais para minimizar as diferenças nas regulações nacionais e standards de supervis�o” (“Structural Reform of Financial Regulation”, 800). A reestruturaç�o da regulaç�o financeira, por conseguinte, há-de passar necessariamente pela esfera internacional, embora aqui n�o tenhamos espaço para aprofundar tal discuss�o.

51 Como bem expõem ARnone, dARbAR e gAmbInI, “uma regulaç�o finan-ceira pobremente desenhada implica mais altos custos de supervis�o e no caso de turbul�ncia financeira pode levar a crises sist�micas e ao colapso do sistema finan-ceiro” (“Governance in Banking Supervision: Theory and Practices”, 152).

52 Com efeito, uma regulaç�o aquém das necessidades do mercado – como ocorreu, no nosso entender, nos anos que antecederam a crise de 2007-2009 – tem o cond�o de deixar o sistema financeiro mais suscetível a falhas, frau-des e condutas imprudentes ou excessivamente especulativas, ensejando a perda da confiança no bom funcionamento do sistema e incitando corridas precipitadas e em grande medida irracionais. Em contrapartida, também o excesso de regula-mentaç�o e a intensa burocratizaç�o das instituições pode impedir as instituições financeiras de fazer negócios de forma rentável, e flexível majorando os ônus de fornecimento de informações e dados, tornando mais intrincado o conhecimento e o cumprimento da regulaç�o e, assim, aumentando os custos.

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mento da natureza sist�mica dos riscos e a interconex�o entre e interdependência dos agentes econômicos e dos mercados obrigam a que as instituições regulatórias não mais possam atuar de forma compartimentalizada e isolada, em “ilhas regulatórias”, devendo atualizar-se e coordenar-se para regulamentar e monitorar de forma integrada o sistema financeiro – e n�o só cada mercado e agente eco-nômico particularmente considerados –, a fim de suprimir lacunas, definir propriamente responsabilidades, sanar contradições e con-flitos de compet�ncia, desenvolver uma regulaç�o macroprudencial sist�mica, empregar ferramentas de organizaç�o e agilidade nas res-postas a eventos indesejados e crises e corrigir descompassos com a racionalidade e a dinâmica dos mercados, de modo a atingir uma maior segurança e estabilidade para o sistema53.

É sobre os possíveis meios para atingir os mencionados fins que laboraremos neste capítulo.

3.1. Modelagem Institucional: os formatos possíveis

A regulaç�o do sistema financeiro tem por escopo dois principais objetivos: garantir a segurança e a solidez do sistema, ga-rantindo o valor jurídico da confiança, e promover a proteç�o dos consumidores e usuários em harmonia com o crescimento e desen-volvimento dos mercados, garantindo a efici�ncia do sistema tanto no que tange à produç�o e à melhor alocaç�o de recursos e distribui-ç�o informacional, como no que concerne à melhor distribuiç�o de riquezas e ao incremento dos níveis de bem-estar social54.

53 Como bem salienta bAnzIgeR, “Um quadro regulatório que n�o per-maneça em sincronia com o desenvolvimento e as inovações do mercado irá se tornar ineficaz”; “nenhum quadro regulatório sobrevive intacto sem permanentes ajustes às novas realidades do mercado” (Did the Globalization of Finance Undermine Financial Stability?, 04 e 12).

54 Acerca da necessidade e do papel das agências reguladoras indepen-dentes no setor financeiro, v. Marc QuIntyn; Michael W. tAyloR. “Robust Regu-“Robust Regu-lators and Their Political Masters: Independence and Accountability in Theory”, in Donato mAscIAndARo; Marc QuIntyn, ed. Designing Financial Supervision Institu-tions. Independence, Accountability and Governance, Cheltenham: Edward Elgar, 2007, 03-40. Especificamente no contexto europeu, Lorenzo B. smAghI. “Independence and Accountability in Supervision: General Principles and European Setting”, in Donato mAscIAndARo; Marc QuIntyn, ed. Designing Financial Supervision Institutions. Independence, Accountability and Governance, Cheltenham: Edward Elgar, 2007, 41-61;

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Para tanto, a regulaç�o opera em tr�s principais níveis55: (i) a regulação (micro)prudencial; (ii) a regulação de condutas; e (iii) a regulaç�o para proteç�o da estabilidade do mercado.

A regulaç�o prudencial volta-se à segurança e solidez das ins-tituições financeiras (bancos, empresas de seguro, agentes de valores mobiliários), de modo a assegurar que cumpram as obrigações assu-midas perante o mercado56. Segundo yAzbeK, trata-se da “criaç�o de regras, padrões e procedimentos, ditos prudenciais, assim como no estabelecimento de estruturas de fiscalizaç�o e de supervis�o das ati-vidades desses intermediários, abrangendo a autorizaç�o para a práti-ca de certos atos, o estabelecimento de limites, a obrigaç�o de envio de informações e outras medidas”57.

O seu propósito precípuo é o de assegurar que as instituições financeiras “n�o assumam riscos que possam colocar em perigo a sua saúde financeira e os seus comprometimentos com investidores, de-positantes e contrapartes”58, baseando-se em regras de adequaç�o de capital, controles internos, exig�ncias de manutenç�o de registros, avaliações de risco, qualificações profissionais obrigatórias, etc.

A regulaç�o de condutas, por sua vez, estabelece regimes pres-

Marco onAdo. “Financial Reform in Italy”, in Maximilian J. B. hAll, ed. The International Handbook of Financial Reform, Cheltenham: Edward Elgar, 2003, 135.

55 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 804; Michael TAyloR. Twin Peaks: A Regulatory Structure for the New Century, Center for the Study of Financial Innovation, Working Paper, 1995; Idem. Regulatory Reform After the Financial Crisis – Twin Peaks Revisited, PPT presented at Law and Finance Senior Practitioner Lectures, Oxford Law, 2011; Otávio yAzbeK. Regulação do Mercado Fi-nanceiro e de Capitais, Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, 190 e ss.; Julio César vezzARo. Regulação Financeira no Brasil: Uma Análise em Perspectiva Histórica de sua Institucionali-zação, Dissertaç�o apresentada como requisito parcial para obtenç�o do grau de Mestre em Desenvolvimento Econômico da Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Paraná, 2009. A regulaç�o pode ser também subdividida entre uma regulaç�o de condutas e uma regulaç�o prudencial, em que tenha lugar tanto a regulaç�o microprudencial quanto macroprudencial, Entendemos que a divis�o em tr�s níveis torna mais clara a distinç�o entre as diferentes tarefas regu-latórias, sobretudo em se considerando que a regulaç�o macroprudencial, como regra, dá-se em instituições distintas daquelas em que a regulaç�o microprudencial tem lugar, inclusive no quadro institucional estadunidense e europeu do pós-crise.

56 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation” in Transna-tional Law & Contemporary Problem, 806.

57 Otávio yAzbeK. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, 190. 58 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 806.

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critivos (autorizando ou impondo obrigações ou procedimentos)59 para os agentes do mercado (instituições financeiras e consumido-res, como regra) a serem cumpridos no desenrolar das relações inter-subjetivas que t�m lugar nos mercados regulados, englobando “um amplo leque de atividades, indo desde a oferta de produtos finan-ceiros, até o estabelecimento de obrigações de informar, de adotar condutas padronizadas, de manter estruturas de atendimento etc. Através da regulaç�o de condutas, os órg�os reguladores esperam poder intervir nas relações individuais entre os agentes envolvidos nas transações, objetivando o aumento do volume de crédito dispo-nível, com responsabilidade quanto aos riscos envolvidos”60.

De resto, a regulaç�o para estabilidade do mercado “se re-fere a uma variedade de tarefas desenhadas para defender o sistema financeiro como um todo contra ameaças”61, que incluem a manutenç�o do sistema de pagamentos, de política monetária, intervenções gover-namentais para fornecimento de empréstimos e salvaguardas finan-ceiras e, principalmente após a crise, uma regulaç�o macroprudencial voltada para a avaliaç�o de riscos sistémicos, emiss�o de alertas e mo-nitoramento de falhas e lacunas, etc62. Serve, portanto, à adoç�o de mecanismos para majorar a resili�ncia do sistema – n�o apenas das instituições financeiras –, voltando-se à prevenç�o e ao combate de falhas e crises sist�micas.

Em suma, “pode-se afirmar que, se a regulaç�o sist�mica trata da dimensão global e a regulação de condutas trata das relações individuais concretas, a regulaç�o prudencial diz respeito às estrutu-ras empresariais em si”63, devendo necessariamente atuar de forma complementar e conjugada.

Como os diferentes níveis de regulaç�o podem ser distribuí-dos em compet�ncias institucionais de diversas formas, discorreremos

59 Otávio yAzbeK. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, 190.60 Júlio César vezzARo. Regulação Financeira no Brasil, 24. 61 David E. getteR, . “Macroprudential Oversight: monitoring systemic

risk in the financial system” 01, grifamos. 62 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 807; David

E. getteR. “Macroprudential Oversight: monitoring systemic risk in the finan-cial system”, 01-02; Marc lAbonte. “Financial Regulatory Reform: Systemic Risk and the Federal Reserve”, 20; Otávio yAzbeK. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, 190.

63 Otávio yAzbeK. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, 191.

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acerca delas com vista a verificar os seus prós e contras e perquirir qual (quais) modelo(s) se mostra(m) mais adequado(s) para fazer frente às dinâmicas hodiernas do sistema financeiro. Há cinco principais tipos de arquitetura institucional: (i) regulação por setor; (ii) regulação por atividade; (iii) regulação integrada; (iv) modelo twin-peak; e (v) regu-laç�o por objetivos.

3.1.1. Regulação por Setor

Tradicionalmente64, as compet�ncias regulatórias foram dis-tribuídas por entidades respeitantes a cada um dos setores financei-ros – bancário, securitário e de valores mobiliários –, concentrando cada uma delas os níveis de regulaç�o prudencial e de condutas.

Os negócios bancários, de valores mobiliários e de segu-ros s�o assim regulados como indústrias separadas, sujeitas a es-tatutos separados e administradas por diferentes agências regula-doras65, o que tem a vantagem de promover uma alta especializa-ção e expertise técnica dos reguladores relativamente a cada um dos setores, dotando-os de conhecimentos aprofundados n�o só sobre os produtos e serviços ofertados (contratos de débito, de capital e de seguros), mas também sobre cada um dos agentes regulados, as suas práticas e relações intersubjetivas, à vista do relacionamento contínuo e estreito dos reguladores com um número reduzido de particulares que operam em cada um daqueles setores.

Isto tem o cond�o de facilitar a efetividade e eficácia dos controles66 e permitir que as normas e medidas impostas a nível pru-

64 A fragmentação regulatória sob este tipo de arquitetura institucional tornou-se standard nas jurisdições nacionais e, inclusive, nas esferas regional euro-peia e internacional, dividindo-se de acordo com a natureza os tipos de serviços regulados, por exemplo, o Committee of European Bank Supervisors (CEBS), o Com-mittee of European Securities Regulators (CESR) e Committee of European Insurance and Occupational Pensions Supervisors (CEIOPS) e o Basel Committee on Banking Supervision, a International Organization of Securities Commissions e a International Association of Insurance Supervisors. É, hoje, ainda, amplamente aplicada, embora venha sofrendo intensas e contundentes críticas.

65 Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 318.

66 Giorgio Di gIoRgIo; Carmine Di noIA. “Financial Supervisors: Alter-native Models”, 347.

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dencial e de condutas se mostrem mais apropriadas e compatíveis com a lógica de cada mercado e de cada agente regulado.

Por esta raz�o, uma formataç�o tal afigurava-se óbvia quan-do da constituiç�o do sistema financeiro e do nascer da regulaç�o e supervis�o destes mercados, os quais, outrora seccionados e com fronteiras bem delineadas, permitiam facilmente categorizar os ti-pos de instituições, produtos e serviços ofertados e regulá-los de acordo com as suas peculiaridades.

N�o obstante, duas principais desvantagens deste modelo institucional foram desde cedo apontadas, arguindo-se (i) que um tal sistema, ao tentar conciliar a regulaç�o prudencial, voltada pre-cipuamente para a solidez, segurança e bom desenvolvimento dos agentes regulados, e para a regulaç�o de condutas, dirigida maior-mente para a proteç�o dos consumidores, acabava por n�o realizar nenhuma das funções adequadamente, havendo patentes e críticos conflitos de interesse no âmbito regulatório; e (ii) que a proximida-de do regulador setorial para com os agentes regulados majorava consideravelmente o risco de captura, no sentido de a seleç�o das medidas regulatórias levadas a efeito no ambiente regulado, ao in-vés de orientar-se para a consecuç�o do interesse público, tornar-se distorcida ou encaminhada à satisfaç�o de interesses privados e ao favorecimento de grupos econômicos poderosos, dominantes do setor regulado67.

67 A teoria da captura é exaustivamente estudada pelo grupo da Univer-sidade de Chicago, com relevo para stIgleR, e funda-se na constataç�o de que os poderosos grupos econômicos que atuam nos ambientes regulados possuem maiores condições (financeiras, técnicas, tecnológicas, organizativas e informa-cionais) para influenciar e dirigir os processos decisórios regulatórios frente aos demais agentes interessados, que n�o só se encontram difusamente espalhados na sociedade, como n�o possuem os recursos e, mesmo, os interesses necessários para interagir de forma direta e decisiva com o regulador. Logo, a inexist�ncia de convergência entre os demais agentes interessados enfraquecê-los-ia perante as grandes companhias, conferindo-lhes nítida desvantagem na disputa de inte-resses, de alocaç�o de recursos e tomada de decisões no âmbito regulatório. Sob o fenómeno da captura, portanto, a neutralidade técnica e a impessoalidade da ag�ncia ficaria “contaminada”, deixando-se de perseguir os interesses difusos pre-sentes na sociedade para dirigir-se naturalmente à persecuç�o de interesses mais próximos e mais bem delineados defendidos pelos agentes regulados de maior porte. Sobre o tema, v. George stIgleR. “The Theory of Economic Regulation”, Bell Journal of Economics, 2 (1971) 03-21; e Jean-Jacques lAffont. “The politics of

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No mais, a transformaç�o do sistema financeiro nas últimas décadas, notadamente no que tange à quebra da intermediaç�o fi-nanceira, à assunç�o do princípio da banca universal e à criaç�o de produtos financeiros de natureza mista, acabou por intensificar as críticas por parte da doutrina, dos agentes regulados e, inclusive, das entidades oficiais quanto à inefici�ncia e inadequaç�o de tal modelo.

Aponta-se que o esfumaçamento das fronteiras dos dife-rentes agentes, produtos e serviços financeiros, conjugado com a formaç�o de grandes conglomerados empresariais levou à impos-sibilidade de categorizá-los como de natureza puramente bancária, securitária ou de valores mobiliários, culminando, de um lado, em que diversas ag�ncias despendessem recursos e tempo para realizar funções análogas, coletar informações e dados id�nticos e regular os mesmos agentes, serviços e produtos financeiros, patenteando uma sobreposiç�o de funções e uma triplicaç�o ineficiente de esforços; e, de outro lado, que alguns agentes, serviços e produtos deixassem de ser normatizados e monitorados em raz�o da aus�ncia de com-pet�ncias e responsabilidades específicas de cada uma das entidades setoriais para regulá-los, dando azo à ocorr�ncia de lacunas na regu-lamentaç�o e supervis�o financeiras e à “subposiç�o” de funções68.

À evid�ncia, isto t�m o potencial de gerar consequ�ncias indesejosas para os agentes regulados e para o próprio sistema.

Em primeiro lugar, os agentes regulados que operem em mais de um mercado podem ficar sujeitos a maiores e desnecessá-rios custos e dificuldades de cumprimento da regulaç�o (compliance) no caso de sobreposiç�o de funções de cada uma das entidades, dada a variedade de medidas e obrigações expedidas por cada regu-lador, que podem ser, inclusive, contraditórias e excludentes entre si69.

Além disso, entidades financeiras que realizam as mesmas atividades podem acabar ficando sujeitas ao âmbito de atuaç�o de diferentes ag�ncias reguladoras, submetendo-se a regras diferentes70

government decision-making: a theory of regulatory capture”, The Quarterly Journal of Economics, 106/ 4 (november 1991) 1089-1127.

68 Charles A. E. goodhARt. “Introduction”, xii. 69 Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United

States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 331.70 Giorgio Di gIoRgIo; Carmine Di noIA. “Financial Supervisors: Alter-“Financial Supervisors: Alter-

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e criando n�o só distorções na concorr�ncia, como minando a esta-bilidade do sistema. Por exemplo, agentes financeiros n�o-bancários, como regra, n�o se submetem às regras expedidas pela entidade se-torial bancária que visam a resguardar a solidez e a segurança das instituições e garantir lastro financeiro para as operações financeiras realizadas. Sendo assim, embora sejam igualmente capazes de captar a poupança para o investimento, tais agentes poder�o faz�-lo contor-nando tais regras, o que, de um lado, permite-lhes realizar o mesmo serviço de forma menos onerosa para os consumidores finais, forne-cendo-lhes uma vantagem competitiva, e, de outro, impõe maiores riscos ao sistema, burlando-se as normas que se voltam exatamente a evitar a tomada de riscos excessivos e garantir a liquidez, e torna mais custoso o controle destas atividades e destes agentes para tornar eficaz (enforce) a regulaç�o.

Em acréscimo, tal conflito de compet�ncias e a exist�ncia de espaços indefinidos e fluidos de responsabilidades pode resultar em que os agentes regulados escolham, de acordo com as suas conve-ni�ncias e interesses, a que sistema regulatório (bancário, securitário ou de valores mobiliários) será melhor se submeterem, levando a um fenómeno de forum shopping ou arbitragem regulatória71. Neste caso, por exemplo, visando a burlar os sistemas de controle bancá-rios, tradicionalmente mais rígidos e intensos, um agente pode optar por obter a sua autorizaç�o de funcionamento junto ao regulador de seguros ou ao regulador de valores mobiliários, aderindo a um ordenamento setorial mais favorável, a despeito de vir a executar funções e a correr riscos típicos do setor bancário.

À vista disso, alertam gIoRgIo e noIA que “a forma com que os controles são estabelecidos podem se tornar um fator deses-tabilizador, ao invés de estabilizador”72.

Tal arquitetura é tida como inapropriada para a formatação hodierna do sistema financeiro também por motivo de cada regu-lador cercar-se unicamente de uma determinada parte do sistema,

native Models”, 347. 71 Giorgio Di gIoRgIo; Carmine Di noIA. “Financial Supervisors: Alter-

native Models”, 348; e Bair Webel. The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act.

72 Giorgio Di gIoRgIo; Carmine Di noIA. “Financial Supervisors: Alter-“Financial Supervisors: Alter-native Models”, 348.

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A Governança do Sistema Financeiro Internacional

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sem se preocupar ou se ater ao todo e aos efeitos que a regulação setorial pode ter o condão de causar no sistema integradamente considerado.

Significa que a regulaç�o setorial, em sua forma tradicional, descuida problemas de risco sistémico73, mostrando-se inábil para identificar e responder a problemas de dimens�o superior à delineada como o ambiente regulado e, quando as diferentes entidades setoriais porventura responderem a tais problemas, fazem-nos de forma dire-cionada a cada um dos setores que regulam, ensejando que haja uma multiplicidade de respostas e estratégias para a solução de um mesmo problema, o que prejudica a eficácia das medidas governamentais e re-tarda a sua implementaç�o, prejudicando o bom andamento e a saúde do sistema.

Principalmente em seu trato com conglomerados financei-ros e companhias que executam mais de uma funç�o no âmbito do sistema financeiro, a regulaç�o setorial é severamente criticada por sua inabilidade de examinar e garantir o perfil de riscos74 e saúde financeira75 gerais destas entidades, na medida em que os diferentes padrões de solidez e liquidez aplicados por cada um dos reguladores setoriais nem sempre s�o suficientes para cobrir a multiplicidade de operações realizadas por estas entidades, e os impactos e riscos financeiros passíveis de advirem podem ser originados, n�o em um determinado ambiente regulado para os quais tais regras foram cria-das (e no qual a supervis�o tem lugar e ao qual se limita), mas em outros setores financeiros e, inclusive, fora das jurisdições nacionais, havendo, portanto, riscos e efeitos que n�o residem e n�o se limitam à esfera particular de cada entidade num dado mercado regulado76, porém podem afetar adversamente a saúde financeira de um deter-minado agente e do sistema como um todo.

Uma soluç�o aventada para tais desvantagens seria a eleiç�o, dentro dos reguladores setoriais, de um regulador líder, assumindo

73 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 816. 74 Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United

States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 331.

75 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 817. 76 David E. getteR. “Macroprudential Oversight: monitoring systemic

risk in the financial system”, 01.

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a responsabilidade por coordenar as ações dos demais e promover uma visão mais global e sistêmica do ambiente regulado77.

Para além dos problemas políticos e do agravamento das bata-lhas já historicamente travadas entre ag�ncias reguladoras (as turf bat-tles, sobre as quais discorreremos quando formos tratar do sistema de regulaç�o integrada) que uma soluç�o tal poderia criar, vislumbramos que a eleiç�o de um regulador líder, dentre as entidades responsáveis pela regulaç�o bancária, securitária e de valores mobiliários, poderia n�o só levar ao desprestígio, à perda de valor e, mais gravemente, à minoraç�o da preocupaç�o regulatória com atividades, produtos e ser-viços realizados nos mercados que n�o o do regulador líder, como ao direcionamento do sistema e da regulação sistêmica para os interesses de um único mercado, promovendo graves distorções em raz�o da fal-ta de neutralidade, que entendemos ser fundamental para um regulador sist�mico, segundo explicaremos mais à frente.

Pensamos haver soluções outras, mais adequadas, passíveis de serem aplicadas, para corrigir os ônus que recaem sobre o mode-lo setorial de regulaç�o.

3.1.2. Regulação por Atividade/Funcional

A fim de corrigir os problemas advindos do esfumaçamento de fronteiras entre os diferentes setores financeiros, a divis�o de compet�ncias regulatórias por atividades repousa em que haja uma entidade reguladora responsável e focada em um determinado tipo de funç�o financeira, sem rotulagens quanto à natureza bancária, securitária ou de valores mobiliários dos produtos, serviços e ins-tituições, atuando, portanto, de forma transversal sobre todos os tradicionais mercados financeiros78.

77 Para um aprofundamento acerca desta proposta, v. Eric J. PAn. “Struc-“Struc-tural Reform of Financial Regulation”, 821-822.

78 Este modelo foi entendido como aplicável ao sistema regulatório esta-dunidense após a edição do Gramm-Leach-Bliley Act – GLB, em 1999. No entanto, schooneR e tAyloR argumentam que n�o é este o caso, promovendo a legislaç�o um misto de regulaç�o funcional e setorial, na medida em que “o GLB n�o atri-bui, por exemplo, à SEC (U.S: Securities and Exchange Commission) a autoridade para regular todas as vendas de valores mobiliários como seria o caso sob um verda-deiro esquema funcional. O efeito do estatuto é atribuir à SEC a autoridade para regular firmas de valores mobiliários [securities firms] (incluindo aquelas que são

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Assim, v.g., um regulador seria competente para promover a regulaç�o prudencial e de condutas relativas às atividades de depó-sito e empréstimos – realizadas por instituições bancárias ou n�o, financeiras ou n�o, e assim por diante –, outro pelas atividades de venda de seguros, um terceiro pela expediç�o e negociaç�o de valo-res mobiliários, um quarto responsável por negociações e contratos de futuros, outro por serviços de gest�o de investimentos79-80.

Tal arquitetura tem a vantagem, mantendo os níveis deseja-dos de expertise e especializaç�o do regulador, de minorar substan-cialmente os conflitos de compet�ncia e as lacunas regulatórias que exsurgem no modelo de regulaç�o setorial, atribuindo responsabi-lidades específicas a cada entidade reguladora para abarcar todas as funções desempenhadas no sistema financeiro e, ao mesmo tempo, submetendo os agentes regulados às mesmas regras, princípios e standards aplicáveis para cada uma das atividades exercidas, evitando, em consequ�ncia, assimetrias regulatórias injustificadas e incentivos para forum shopping e arbitragem regulatória.

Por outro lado, o modelo da regulaç�o por atividade (ou re-

afiliadas a bancos) e aos reguladores de bancos a autoridade para regular bancos (independentemente dos tipos de produtos que vendem). Isso soa substancial-mente como uma regulaç�o institucional [setorial]. O que tornou o GLB próximo de uma regulação funcional [de atividades] foi a combinação de dois fatores: (1) a rejeiç�o de uma exceç�o geral para os bancos da definiç�o de broker e dealer sob as leis federais de valores mobiliários e (2) as restrições institucionais que requerem que novas atividades sejam desempenhadas fora de um banco. O GLB diverge, ainda, de um modelo puro de regulaç�o funcional por atribuir ao FED autoridades regulatórias “guarda-chuva” sobre as companhias financeiras [con-glomeradas]” (“United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 328-329). Para um maior aprofunda-mento acerca das compet�ncias do FED sob o GLB, v. 329.

79 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 817-818. 80 gIoRgIo e noIA apresentam uma outra sugestão para fragmentação dos

reguladores por atividades, em seis diferentes tipos, a saber: liquidaç�o e compen-saç�o de pagamentos para facilitaç�o de trocas e comercializações; mecanismos de congregaç�o/atraç�o de recursos e diversificaç�o de portfolios de investimento, transfer�ncia de recursos ao longo do tempo, através de fronteiras e entre indús-trias; meios de gerenciamento de risco; informação sobre preços de modo a ajudar a descentralizar processos de tomada de decisões nos vários setores da economia, e prover meios de lidar com problemas de incentivo quando uma parte numa transa-ção possui informações que a outra parte não tem ou quando uma parte atua como agente de outra. (“Financial Supervisors: Alternative Models”, 349-350).

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gulação funcional) sofre das mesmas desvantagens acima descritas para o modelo de regulaç�o setorial no que tange ao conflito de interesses entre a regulaç�o prudencial e de condutas, à captura, à multiplicaç�o ineficiente de esforços para coleta e processamento de dados e monitoramento dos agentes regulados, aos custos e difi-culdades de conhecimento e adimplemento pelos agentes regulados de uma multiplicidade de normas e sujeição a uma multiplicidade de reguladores, bem como quanto à inabilidade de monitorar, identifi-car e combater problemas e agentes de nível sistémico.

Ademais, conforme schooneR e tAyloR, o modelo n�o é capaz de resolver as dificuldades atinentes aos produtos e serviços mistos e complexos81, que envolvem em rede mais de uma destas atividades, mostrando-se, ainda, mal capacitado para assegurar a so-lidez e a segurança das instituições e do sistema como um todo, por-quanto a regulação das atividades não resolve importantes questões de solvência e resiliência das instituições que as exercem82.

Realmente, nas palavras de gIoRgIo e noIA, “uma desvan-tagem do modelo funcional é que, ao fim, o que está sujeito a fa-l�ncia n�o é a atividade realizada, mas a instituiç�o. No caso de um problema sério de estabilidade, seria essencial garantir a proteç�o e a supervis�o com relaç�o às instituições, ao invés de operações individuais”83. Por conseguinte, a regulaç�o por atividades haveria de ser acompanhada, sempre, no nosso entender, de medidas regu-latórias complementares voltadas para a normatizaç�o e fiscalizaç�o de parâmetros de solidez e liquidez dos agentes regulados, preferen-cialmente exercidas por uma outra entidade autônoma.

3.1.3. Regulação Integrada/Única

A regulaç�o integrada concentra em uma única entidade re-gulatória todas as compet�ncias voltadas à ordenaç�o de condutas,

81 Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 344.

82 Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 323.

83 Giorgio Di gIoRgIo; Carmine Di noIA. “Financial Supervisors: Alter-“Financial Supervisors: Alter-native Models”, 351.

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supervis�o, fiscalizaç�o e penalizaç�o dos agentes financeiros.Logo, as principais falhas atribuídas à fragmentaç�o, por se-

tor ou por atividade, da regulaç�o (inefici�ncia por multiplicidade de esforços, lacunas e indeterminaç�o de compet�ncias e responsabili-dades, majoraç�o dos custos e ônus de compliance e enforcement, forum shopping e arbitragem regulatória, assimetrias regulatórias injustifica-das, inabilidade para lidar com problemas sist�micos e monitorar a saúde financeira geral de conglomerados e instituições multifuncio-nais) seriam sanadas, promovendo-se, através de uma forma organi-zacional mais simples, a descomplicaç�o do sistema, a reduç�o dos custos regulatórios e o delineamento mais seguro de responsabili-dades, assim como economias de escala quanto à coleta e processa-mento de dados e informações e ao controle dos agentes regulados e uma vis�o geral do sistema, tornando o regulador mais hábil para responder a problemas sistémicos84.

Seria, em consequ�ncia, um modelo mais próximo do ideal e em tese mais adequado às dinâmicas do mercado financeiro atual, daí ter sido ampla e ardorosamente defendido por inúmeros espe-cialistas e implementado em diversas jurisdições a partir de finais da década de 199085, quando adveio uma primeira onda de reformas

84 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 819; Martin cIhàK; Richard PodPIeRA. “Experience with Integrated Supervisors”, 310 e 316-317; Giorgio Di gIoRgIo; Carmine Di noIA. “Financial Supervisors: Alternative Models”, 351-352; Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Mar-kets”, 323.

85 A exemplo do Reino Unido, Alemanha, Holanda, Austrália, Jap�o, paí-ses escandinavos, etc. Segundo noticiam cIhàK e PodPIeRA, “em outubro de 2006 havia 32 ag�ncias de supervis�o plenamente integradas ao redor do mundo, mais de metade delas na Europa” (“Experience with Integrated Supervisors: Governance and Quality of Supervision”, 311). Para um histórico acerca da criaç�o de institui-ções de supervis�o financeira única na Europa, nomeadamente acerca do ambiente político e institucional que viabilizou tal mudança, Freytag AndReAs; Donato mAs-cIAndARo. “Financial Supervision Architecture and Central Bank Independence”, 214-217. Sobre a aplicaç�o do modelo regulatório integrado, v. tb. D. H. goWlAnd. “Financial Reform in the UK”; Martin cIhàK; Richard PodPIeRA. “Experience with Integrated Supervisors”; Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”; Marco ARnone; Alessandro gAmbInI. “Architectures of Supervisory Authorities and Banking Supervision”; Beate ReszAt. “Financial Reform in Germany”; Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”.

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institucionais no setor financeiro para fazer frente à sua liberaliza-ç�o.

A despeito disso, há importantes desvantagens ligadas à re-gulação integrada a serem sopesadas quando da modelagem institu-cional, demonstrando, ainda, a prática, que a unificaç�o da regulaç�o é, muitas vezes, meramente formal, sem resolver propriamente as diversas questões relacionadas à fragmentaç�o regulatória.

Em primeiro lugar, a junç�o de inúmeras funções em um regulador único pode ter o cond�o de majorar os riscos de captura e suscitar a perda das vantagens que os conflitos e complementarida-de de compet�ncias entre diversas ag�ncias podem gerar.

Com efeito, se, de um lado, a regulaç�o integrada é enten-dida como mais hábil a ordenar conglomerados financeiros e com-panhias multifuncionais em uma base mais consolidada, já que a sua autoridade n�o é disputada ou fragmentada com nenhuma outra entidade86, por outro lado, esta aus�ncia de fragmentaç�o e a relaç�o direta estabelecida com os interesses dos maiores e mais poderosos agentes financeiros torna o regulador mais suscetível de ser captu-rado por estes agentes do mercado, que ficam, assim, em melhores posições de se organizarem e focarem os seus esforços em uma única entidade para direcioná-la aos fins que melhor os aprouverem.

A divisão de competências entre uma diversidade de agen-tes reguladores é considerada – no nosso entender, acertadamente – por muitos doutrinadores como um mecanismo de garantia de atingimento de um maior número de objetivos públicos e de prote-ç�o da democracia, de forma que as desvantagens, já aqui referidas (redundância, inefici�ncia, lacunas e problemas de controle), de um modelo fragmentário seriam compensadas e justificadas pela redu-ç�o potencial das falhas gerais do sistema regulatório, sobretudo se tomar lugar em um arcabouço institucional favorável à coordenaç�o e à complementaridade de funções.

Segundo expõe sIRIco JR., a competiç�o e os conflitos inte-ragências (turf battles) levam, primeiramente, a que as chances de que ao menos uma agência irá perseguir adequadamente os objetivos e finalidades arrolados para o sistema regulado sejam maiores, po-dendo, inclusive, gerar competições entre os diferentes reguladores

86 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation” in Transna-tional Law & Contemporary Problem, 819.

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no que tange à qualidade e ao atingimento das metas regulatórias; segundo, no caso de falha de uma das ag�ncias em cumprir as suas funções ou alcançar um dado objetivo outorgado a uma multiplici-dade de reguladores, as demais entidades regulatórias podem lograr atingi-lo, sendo certo que há ag�ncias mais ou menos eficientes que outras e mais ou menos capturadas que outras; terceiro, na extens�o em que a redundância de compet�ncias implica em que haja diversas agências envidando esforços para o cumprimento de uma mesma meta, ou de metas comuns, a política governamental pode tornar-se mais clara e mais categórica; quarto, a outorga de uma multiplicidade de esforços a ag�ncias com diferentes estilos, poderes de execuç�o e supervisão e relacionamento com os agentes regulados incentiva que soluções mais criativas advenham e permite que os poderes e tend�ncias de cada uma das entidades sejam contrabalançados – por exemplo, caso uma entidade advogue mais intensamente em prol dos consumidores e, outra, se apresente mais capturada pelos inte-resses dos agentes econômicos, haverá, ao fim, um controle de uma entidade pela outra e um contrabalanceamento final dos interesses protegidos87.

Daí que os conflitos de interesse ínsitos à conjugaç�o das regulações de nível prudencial e de condutas – e, porventura, sis-t�mica – em uma única entidade tenham o potencial de se tornar ainda maiores em um modelo de regulador único. Já que o atingi-mento simultâneo de todos os objetivos e interesses arrolados para o sistema é materialmente impossível88, é natural que o regulador opte, ainda que independentemente de captura, por priorizar alguns deles. Em um sistema fragmentado, enquanto uns objetivos s�o considerados prioritários por umas entidades, outros o s�o por ou-tras. Em um sistema integrado, pode-se acabar por priorizar sempre determinados tipos de objetivos (efici�ncia econômica, solidez, se-gurança, proteç�o dos consumidores, etc.) ou determinadas ativida-des, desguardando-se outros e/ou deixando determinadas condutas

87 Louis J. sIRIco JR. “Agencies in Conflict: Overlapping Agencies and the Legitimacy of the Administrative Process”, 128.

88 É precisamente daí que exsurgem os denominados custos de opor-tunidade e também os custos de transacç�o, ficando o ótimo de Pareto como medida ideal a ser perseguida, mas materialmente impossível de ser alcançada em sede de intervenç�o econômica estatal devido à escassez de recursos, de tempo e de pessoal nos quadros públicos.

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e riscos a descoberto89, tornando, assim, o sistema menos eficiente (em termos gerais) e menos estável (visto que é o equilíbrio entre os diversos objetivos e fins pensados para o sistema que o torna menos vulnerável a falhas e crises).

Nos ensinamentos de fReemAn e RossI, a delegaç�o de com-pet�ncias a uma ag�ncia única produz resultados que podem se co-locar fora das zonas de conciliaç�o dos legisladores, afigurando-se ilegítimos. O processo legislativo, democrático, é fundamentalmente disputado e a outorga de competências fragmentadas a mais de uma entidade reguladora reflete as disputas que ocorrem na seara políti-ca90. Assim, a fragmentaç�o institucional atua como um instrumento democrático, reduzindo os riscos de captura ao fornecer aos agentes econômicos menos poderosos outros meios (outras entidades regu-ladoras) para fazerem valer os seus interesses, ao mesmo tempo que permite um controle recíproco de um regulador para com o outro91, majorando as chances92 que grupos sub-representados em determi-nada esfera regulatória tenham os seus interesses considerados em outra.

Evidentemente, tais considerações n�o podem ficar desguar-dadas na modelagem institucional para o setor financeiro.

Relevante, ainda, é que o modelo de regulador único implica em perdas substanciais de especializaç�o e expertise dos reguladores, e uma relaç�o mais distante para com os agentes regulados – aí em diferentes tipos e em muito maior número –, podendo levar a que a regulaç�o se generalize desmedidamente, ordenando condutas co-muns a todos os tipos de mercado e de atividades sem guardar as peculiaridades, diversidades e características essenciais de cada agen-

89 eRIc J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 819; Bair Webel. The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act, 09; Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 344; Giorgio Di gIoR-gIo; Carmine Di noIA. “Financial Supervisors: Alternative Models”, 352.

90 Jody fReemAn; Jim RossI. “Agency Coordination in Shared Regulatory Space”, 1.139-1.142.

91 Louis J. sIRIco JR. “Agencies in Conflict: Overlapping Agencies and the Legitimacy of the Administrative Process”, 127; Jacob E. geRsen. Overlapping and Underlapping Jurisdiction in Administrative Law, 11.

92 Louis J. sIRIco JR. “Agencies in Conflict: Overlapping Agencies and the Legitimacy of the Administrative Process”, 101.

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te, serviço ou produto ofertado.Isto é especialmente preocupante no âmbito financeiro, em

que a rapidez e o grande volume das transações, a complexidade dos agentes e produtos e a presença de riscos e incertezas t�m o cond�o de causar ainda maiores complicações e dificuldades no en-tendimento, análise, monitoramento e ordenaç�o do exercício das atividades financeiras.

Por esta raz�o, a prática acabou por demonstrar necessária a subdivis�o de compet�ncias no seio da ag�ncia única de acordo com os setores ou atividades financeiras, levando a que, na realidade, a ag�ncia única se tornasse uma “ag�ncia guarda-chuva”93 das antigas entidades reguladoras setoriais, mantendo as compet�ncias frag-mentárias94 e perdendo, assim, todo sentido a mudança institucio-nal, exceto se considerarmos que, em tese, a troca de informações e dados e a coordenação entre órgãos de uma mesma entidade se dá mais rápida e facilmente que entre diferentes ag�ncias.

Em qualquer caso, a prática denota o alto risco de os proble-mas que afetam a fragmentação de competências por setor ou por atividades serem simplesmente convertidos em problemas internos da autoridade única95, tornando-se menos transparentes.

Ademais, uma instituiç�o regulatória única pode se tornar grande e burocrática demais para ser gerenciada, inquinando os fins de simplificaç�o e tornando ainda mais demoradas as decisões e as respostas aos problemas regulatórios, o que, em sede de mercados financeiros, essencialmente dinâmicos, pode ser desastroso.

Uma ag�ncia única que mal conduza os seus negócios e que se torne ineficiente para atender às necessidades e anseios dos mer-cados regulados n�o poderia, ent�o, ser contrabalanceada com a efi-ci�ncia de qualquer outra entidade, resultando em que possa ensejar,

93 Para o caso da Alemanha, v. Beate ReszAt. “Financial Reform in Ger-many”, 101.

94 “Vale a pena notar que a maioria das ag�ncias unificadas estabelecidas até a presente data preservaram a tradicional divis�o institucional entre bancos, valores mobiliários e companhias de seguro em suas estruturas organizacionais internas” (Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 343-344)

95 Jody fReemAn; Jim RossI. “Agency Coordination in Shared regulatory Space”, 1.154.

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ou n�o seja capaz de evitar sozinha, a quebra do mercado, valendo ressaltar, neste particular, conforme oportunamente anotam scho-oneR e tAyloR, que “ag�ncias unificadas podem ser passíveis de problemas de contágio de reputaç�o, uma vez que as falhas regula-tórias – aparentes ou reais – minam a sua credibilidade relativamente à ampla gama de suas responsabilidades”96, podendo elas próprias desestabilizar gravemente o sistema.

Daí que AndReAs e mAscIAndARo, após pesquisas empíricas, afirmem: “a probabilidade de um país mover-se para um modelo de Autoridade Única é tanto maior: (1) quanto menor o tamanho geral da economia; (2) quanto maior a qualidade da governança pública; e (3) quando a jurisdiç�o adote a Lei Civil, particularmente se o siste-ma legal se tiver raiz germânica ou escandinava”97.

Quer dizer, o modelo é mais suscetível de funcionar em eco-nomias mais “controláveis” e menos complexas98 e/ou em que haja já institucionalmente estabelecida uma cultura de diálogos e nego-ciaç�o com os agentes regulados, em que a regulaç�o seja construída conjuntamente e de forma essencialmente democrática99.

Esta, porém, n�o é a realidade da maioria dos países ocidentais.

3.1.4. Modelo Twin-Peak

O modelo twin-peak muito se aproxima do modelo de regula-ç�o integrada, propondo-se a sanar, igualmente, as principais falhas e inefici�ncias que decorrem da regulaç�o fragmentada de cunho setorial e funcional.

A diferença essencial deste modelo repousa na consideração

96 Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 344.

97 Freytag AndReAs; Donato mAscIAndARo. “Financial Supervision Ar-chitecture and Central Bank Independence”, 249.

98 O próprio Reino Unido, que foi um dos principais defensores e exemplos da regulaç�o integrada, modificou o seu regime institucional recentemente, pós-crise, para o modelo twin-peak, porquanto, segundo entende-mos, a complexidade de sua economia n�o sustentava um modelo integrado.

99 Cf. Beate ReszAt. “Financial Reform in Germany”, 109, “em geral, as autoridades alem�es preferem uma abordagem informal à supervis�o, confiando largamente na autorregulaç�o do sistema”.

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de que, por visarem a objetivos distintos e muitas vezes conflituan-tes, difíceis de serem ponderados e harmonizados, a regulaç�o pru-dencial e a regulaç�o de condutas n�o podem ser confiadas a uma mesma entidade100.

A lógica subjacente a este modelo reside em que o confli-to de interesses entre o desenvolvimento/efici�ncia econômica da indústria e a proteç�o dos consumidores mina a adequaç�o e a qualidade da regulação em endereçar ao mesmo tempo ambos os objetivos do sistema, considerando-se que os dois níveis de regula-ç�o demandam habilidades, estratégias e abordagens diferentes por parte do regulador101, que n�o podem, assim, conciliar-se em uma única entidade.

Entende-se que a regulaç�o prudencial, por ter por escopo principal a solidez e a segurança do sistema, faz-se mais eficiente-mente de forma coordenada e cooperada entre os reguladores e a indústria, seguindo uma lógica horizontalizada, em que o regulador assiste e orienta as instituições financeiras a manterem-se dentro dos standards considerados essenciais para o bom andamento do siste-ma, e, no caso de descumprimento destes parâmetros, “o papel do regulador é o de trabalhar com a instituiç�o financeira e achar uma solução”102, evitando, assim, a quebra da confiança depositada na-quela instituiç�o e, adicionalmente, no sistema como um todo.

A regulaç�o de condutas, por outro lado, pauta-se por uma lógica verticalizada, em que o regulador faz uso de seus poderes e prerrogativas para impor e dirigir condutas, sancionando eventuais descumprimentos, de ordem a garantir direitos dos consumidores e dos investidores. Isto é, o regulador atua em uma funç�o de advoca-cia dos usuários, defendendo interesses contrários aos dos agentes regulados103.

Bem elucida tal diferença Webel, explicando que “quando uma atividade bancária é lucrativa, os reguladores da segurança e da solidez tendem a v�-la com bons olhos, porquanto ela permite que o banco cumpra exig�ncias de capital e resista a choques financeiros.

100 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation” , 820. 101 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 820; Mi-

chael tAyloR. Regulatory Reform After the Financial Crisis – Twin Peaks Revisited. 102 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 820. 103 Idem, ibidem.

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Por seu lado, um regulador de proteç�o dos consumidores [consumer protection regulator] poderá olhar tal atividade menos favoravelmente, especialmente se se suspeitar que o lucro foi obtido injustamente à custa dos consumidores”104.

A divis�o de tarefas regulatórias, portanto, permitiria ao regu-lador prudencial valer-se dos parâmetros econômicos para garantir a efici�ncia do mercado, enquanto o regulador de condutas se poderia valer de influ�ncias de cunho político105 e fins redistributivos para a proteç�o dos consumidores e o atingimento de um nível adequado de bem-estar social, melhor alcançando-se, assim, ambos os objetivos.

Além disso, a fragmentaç�o moderada das compet�ncias re-gulatórias em apenas duas entidades iria ao encontro de vantagens de controle mútuo e proteç�o democrática que inexistem em um modelo de regulaç�o única, ao mesmo tempo em que reduziria o grau de inefici�ncia de um grande número de entidades regulatórias.

Apesar disso, entendemos que o mencionado modelo sofre da maioria das desvantagens atinentes ao modelo de regulação inte-grada (v. 3.1.3.), sobretudo no que tange à captura.

Efetivamente, desencarregados dos deveres de ponderaç�o e contraposiç�o de interesses, tanto o regulador prudencial quanto o regulador de condutas podem acabar confundindo as suas funções últimas de proteção do interesse público com funções de auxílio e promoção dos agentes financeiros e advocacia pertinaz dos consumidores. Deste modo, a regulaç�o prudencial acaba por se tor-nar muito soft e inadequada para eficazmente ordenar as instituições financeiras aos princípios e standards necessários para a solidez e a segurança do mercado; por seu lado, a regulaç�o de condutas, acaba por se tornar muito hard e sobremaneira onerosa para os agentes re-guladores levarem a cabo de forma eficiente as suas atividades eco-nômicas106.

O risco de conflito entre as duas instituições, em conse-qu�ncia, é altíssimo, dependendo a viabilidade deste modelo de uma coordenaç�o estrita entre as duas entidades reguladoras, a fim de

104 Bair Webel. The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act, 10.

105 Michael tAyloR. Regulatory Reform After the Financial Crisis – Twin Peaks Revisited, 2011.

106 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 821.

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alinhar as suas políticas e sopesar os interesses em jogo. Ademais, tal modelo pode propiciar que sejam os regulado-

res afetados por visões de túnel, sem atentarem no quadro completo do sistema financeiro e tornando-se insensível à avaliaç�o e endere-çamento de problemas e riscos sistémicos, o que poderia ser resol-vido por uma regulaç�o de objetivos, conforme veremos a seguir.

3.1.5. Regulação por Objetivos

A regulaç�o por objetivos, baseada na mesma lógica sub-jacente ao modelo twin-peak, se volta a que cada um dos níveis de regulaç�o – prudencial, de condutas e de estabilidade do mercado – seja confiado a uma instituiç�o diferente. A sua importância repousa em uma mudança paradigmática do sistema regulatório, em que “os riscos para o sistema financeiro est�o na vanguarda”107 da regulaç�o, atrelando as preocupações dos reguladores cada vez mais aos objeti-vos últimos do sistema, e n�o a problemas particulares e específicos de cada setor ou de cada entidade.

Nas regulações (micro)prudencial e de condutas, a arqui-tetura institucional pode ser fragmentada tanto de acordo com os setores e atividades financeiras, quanto segundo os padrões twin--peak. Em acréscimo, para levar a cabo a regulaç�o macroeconômica e macroprudencial, ao quadro institucional somam-se: ou uma insti-tuiç�o única que concentre ambas funções (regulaç�o macroeconô-mica e macroprudencial), ou duas ou mais instituições que repartam competências para exercê-las, devendo num caso ou noutro a(s) entidade(s) voltar(em) o olhar para o sistema – o que teria de pronto o efeito de sanar os males de vis�o de túnel e inabilidades sist�micas que afligem os demais modelos, segundo vimos acima.

A regulação para proteção da estabilidade do mercado em sua vertente macroeconômica vem sendo, como regra, empreendida há muito pelos Bancos Centrais, a quem incumbe, tradicionalmente, direcionar a política monetária e funcionar como prestamista de úl-tima instância no caso de problemas ou falhas de liquidez das insti-tuições financeiras108, podendo ou n�o conjugar também as funções

107 Michel tAyloR. Regulatory Reform After the Financial Crisis – Twin Peaks Revisited, 2011.

108 Segundo noticia goodhARt, “Os Bancos Centrais já existentes na

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de regulação microprudencial109. O que a recente crise financeira revelou e demonstrou de

forma inequívoca foi a necessidade de uma regulaç�o de dimens�o

maioria dos países tinham, normalmente desde a sua fundaç�o, algumas respon-sabilidades no tocante à estabilidade financeira. No entanto, tirando a sua capaci-dade de prover liquidez aos bancos e ocasionalmente a outras entidades, na forma de Prestamista de Última Instância, e/ou assist�ncia emergencial de liquidez, eles tinham poucos poderes macroprudenciais (…) O primeiro Relatório de Estabi-lidade Financeira foi publicado pelo Bank of England em 1996. Desde ent�o esse exemplo vem sendo seguido pela maioria dos outros principais Bancos Centrais (…). Em qualquer caso, tais Relatórios/Revisões usualmente tomaram a forma de alertas generalizados, com pouco ou nenhum acompanhamento na forma de ações específicas. Consequentemente, intermediários financeiros e mercados fi-nanceiros prestaram muito menos atenção nestes relatórios que nos pronuncia-mentos do Comit� de Política Monetária” (The Macro-Prudential Authority: Powers, Scope and Accountability, 05)

109 Acerca da conjugaç�o das funções de regulaç�o (em sentido estrito, no sentido de normalizaç�o e regulamentaç�o) e supervis�o financeiras nos Ban-cos Centrais, há uma importante discuss�o doutrinária que o reduzido escopo do presente trabalho n�o nos permite desenvolver, até porque só o tratamento desta quest�o ensejaria um artigo científico autônomo, dadas as diversas vertentes e variáveis que operam em tal formataç�o institucional. Podemos, no entanto, sinte-tizar com ARnone e gAmbInI as principais vantagens e desvantagens da regulação prudencial integrada no Banco Central no seguinte: (i) vantagens de congregar a funç�o de política monetária e supervis�o bancária no banco central: sinergias entre os fluxos de informaç�o requeridos para ambas funções, particularmente necessária em tempos de crise, em que somente uma supervis�o direta pode en-tregar temporalmente informaç�o ao banco central. O mandato para estabilidade financeira e a prevenç�o de crises financeiras é outro argumento favorável; (ii) desvantagens: pode ocorrer um conflito de interesses: o banco central pode con-duzir de forma frouxa a política monetária sem consideraç�o sobre a saúde dos bancos, criando perigo para a estabilidade de preços. Um argumento relacionado, o risco moral, também é levantado, uma vez que as instituições supervisionadas podem tomar altos riscos na crença de que, no caso de dificuldades, seriam sal-vas pelo banco central através de seu prestamista de última instância. Ademais, qualquer crise reputada como uma falha regulatória seria considerada uma falha do banco central, reduzindo a credibilidade e a solidez da instituiç�o, as quais s�o essenciais para sua responsabilidade monetária (“Architectures of Supervisory Authorities and Banking Supervision”, 270). Sobre o tema, ver, ainda, p. 266-267 e, para um estudo comparado entre diversos países do mundo, p. 272-276. V. tb. Bair Webel. The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act, 09; Heidi M. schooneR; Michael tAyloR. “United Kingdom and United States Responses to the Regulatory Challenges of Modern Financial Markets”, 338-340.

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macroprudencial voltada para o monitoramento, análise e endereça-mento de problemas, riscos e instituições de nível sist�mico110, para além de uma política macroeconômica voltada à política monetária.

Como n�o há meios para eliminar riscos e falhas do sistema financeiro completamente111, uma funç�o primacial da regulaç�o há

110 Conforme analisa goodhARt, “o início da crise financeira, iniciada no ver�o de 2007 e ainda em curso, levou a uma percepç�o geral de que havia um elo perdido na estrutura geral da regulaç�o financeira. A política monetária centrou--se (com sucesso) na estabilidade dos preços e na estabilidade macroeconômica geral. Mas isso n�o foi suficiente para assegurar a estabilidade financeira (…). A regulaç�o microprudencial, promulgada internacionalmente pelo Basel Committee on Banking Supervision (Goodhart, 2011) e levada a cabo internacionalmente por diversas organizações oficiais, algumas dentro e a maioria fora de seus Bancos Centrais nacionais, concentrou-se indevidamente nas condições e perspectivas dos intermediários financeiros individuais, em bancos individuais particulares” (The Macro-Prudential Authority: Powers, Scope and Accountability, 03). Precisas, ainda, nessa senda, as lições de Webel: “Apesar de os reguladores tomarem riscos sistê-micos em conta antes da crise, e o risco sist�mico n�o pode jamais ser eliminado, os analistas apontaram um sem número de ostensivas fraquezas na abordagem do sistema regulatório ao risco sist�mico. Primeiro, n�o havia qualquer regulador com responsabilidades amplas para mitigar o risco sist�mico. Alguns analistas argumentam que o risco sistêmico pode alojar-se nas lacunas do sistema regula-tório em que a jurisdiç�o de um regulado termina e a de outro começa. Segundo, a crise revelou que as crises de liquidez e as corridas [bancárias] n�o eram apenas um problema para as instituições de depósito. Terceiro, a crise revelou que firmas n�o bancárias, altamente alavancadas, como Lehman Brothers e AIG, poderiam ser fontes de riscos sist�micos e ‘too big (ou too interconnected) to fail.’. Finalmente, houve preocupações com a quebra de diversos sistemas de pagamento, compensaç�o e liquidação [payment, clearing, and settlement (PCS)], que n�o eram regulados consis-tentemente (ou, em alguns casos, de forma alguma), seriam outra fonte de risco sistêmico” (The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act: Issues and Summary, 03-04). Na mesma linha, lAbonte comenta que “a recente crise financeira conteve um número de episódios de riscos sistémicos, ou episódios que causaram instabilidade em grandes partes do sistema financeiro. (…) A liç�o que os policymakers aprenderam com esta crise foi a de que um regulador de risco sistémico ou macroprudencial é necessário para prevenir episódios similares no futuro” (“Financial Regulatory Reform: Systemic Risk and the Federal Reserve”, 11). QuelhAs ratifica que “a deflagraç�o da crise de 2007/2008 evidenciou as potencialidades disruptivas sistémicas de mercados financeiros sem fronteiras, de sectores interligados e de produtos complexos, compósitos e mutáveis” (“Sobre a Criaç�o do Comité Europeu do Risco Sistémico”, 898).

111 gRouP of tRInIty. Global Institutions, National Supervision and Systemic Risk, 09. Dissentimos da doutrina fi nanceira tradicional para defender que as di-Dissentimos da doutrina financeira tradicional para defender que as di-

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de ser a prevenção do risco sistêmico112 e a adoção de medidas con-tracíclicas, tornando o sistema mais resiliente a choques e resistente a efeitos cascata e ao contágio.

A regulaç�o macroprudencial volta-se, assim, à análise do sistema como um todo, criando uma ponte entre as lacunas reveladas entre os Bancos Centrais e as demais autoridades regulatórias, de modo a identificar as externalidades que exsurjam das interações entre os diversos agentes, sobretudo conglomerados, e os ambientes regulados e a prevenir que ponham o sistema em risco.

Em termos institucionais, a quest�o que se coloca é se tal re-gulaç�o deve ser desempenhada de forma autônoma, ou se o Banco Central estaria habilitado para absorver tais funções.

Respeitável doutrina professa o entendimento de que as fun-ções macroprudenciais ser�o melhor exercidas se integradas nos Ban-cos Centrais. S�o dois os argumentos principais: (i) a criaç�o de uma nova entidade traria maiores custos e complexidade para o sistema regulatório e para a operatividade dos agentes regulados; e (ii) o exer-cício efetivo da regulaç�o macroprudencial depende de poderes de alocaç�o de recursos estatais, de modo que a independ�ncia do Banco Central poderia ser posta em risco caso fosse dada a uma outra enti-dade competências para alterar a sua composição de ativos113.

ferentes variáveis que atuam no sistema financeiro, inclusive de cunho heurístico dos operadores, n�o permitem que as crises sejam previstas e evitadas, podendo, porém, ser razoavelmente prevenidas. Sobre a contraposiç�o da doutrina tradicio-nal e da doutrina moderna no âmbito econômico, v. José Manuel QuelhAs. Sobre as Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a Incerteza Sistemática, 352 e ss.

112 Cf. José Manuel QuelhAs. “Sobre a Criaç�o do Comité Europeu do Risco Sistémico”, 879, os “elementos essenciais para compreens�o do risco sis-témico, a saber: i) instabilidade sistémica; ii) resultados disruptivos; iii) impacto abrangente; iv) generalidade dos operadores; v) universalidade do mercado e das infra-estruturas”.

113 Segundo defende goodhARt, “Em uma crise, dinheiro é ‘rei’. Em modernas economias o Banco Central é o emissor monopolista de dinheiro de ‘alta-pot�ncia’ [‘high-powered’ money], notavelmente ao sistema financeiro. Uma autoridade macroprudencial, por si própria, n�o tem dinheiro. Ent�o, teria que ter acesso à folha de balanço do Banco Central. Willem Buiter afirmou (2008, 2010a) que tal autoridade poderia ficar separada do Banco Central, e ainda ter a possibilidade independente de se basear na folha de balanço do Banco Central sem a sua prévia permiss�o. No meu entender isso iria diminuir a independ�ncia e os poderes do CB [Central Bank], ao ponto de a autoridade macroprudencial

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De nossa parte, porém, entendemos que uma entidade à qual seja atribuída a miss�o de desenvolver uma regulaç�o macro-prudencial irá melhor atingir os fins visados de forma autônoma.

A reformulaç�o do sistema regulatório para o mercado fi-nanceiro, à evid�ncia, n�o se fará sem custos, sendo certo que o fato de inserir-se uma nova função regulatória (macroprudencial) no sistema, por si só, já é capaz de gerar novas complexidades a serem absorvidas e compreendidas pelos agentes regulados, independente-mente de ser exercida ou n�o com autonomia institucional. Na rea-lidade, pensamos que a alteraç�o das funções tradicionais do Banco Central para acrescer uma nova é que pode ter o condão de ser mais complexa e menos facilmente absorvida pelos agentes regulados do que uma entidade inteiramente nova criada para exercer a regulação macroprudencial.

Autonomizar institucionalmente o regulador macropruden-cial, ent�o, parece-nos tornar mais claras e objetivas as linhas que separam a regulação de estabilidade do mercado tradicional (macro-econômica) e a relação de estabilidade do mercado macropruden-cial, ao invés de gerar maiores complexidades ao sistema.

Além disso, embora reconheçamos a importância de uma entidade macroprudencial ser dotada de poderes efetivos de inter-venç�o direta no mercado, inclusive de alocaç�o de recursos, pensa-mos que há já tecnologias regulatórias – notadamente em nível de coordenaç�o e cooperaç�o interag�ncias, que será o tema do tópico seguinte – capazes de resolver ou minimizar eventuais conflitos que possam surgir entre a entidade macroprudencial e o Banco Central, sem pôr em causa ou infringir a independência de qualquer um dos reguladores.

N�o há dúvidas que a soluç�o de tais conflitos poderia ser melhor alcançada no seio de uma única instituiç�o. Porém, enten-demos que há benefícios atrelados à autonomia institucional da en-tidade macroprudencial que superam as maiores dificuldades de a coordenaç�o de políticas se dar fora do âmbito interno do Banco Central, justificando a sua independ�ncia.

(M-PA) se tornar ela própria um segundo CB. Isso seria constitucionalmente e institucionalmente difícil, e poderia construir um conflito no coraç�o do sistema regulatório. Na minha vis�o este é o argumento central para que a M-PA seja alo-cada dentro do CB” (The Macro-Prudential Authority: Powers, Scope and Accountability, LSE Financial Markets Group Paper Series, Special Paper 203, october/2011, 10).

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Em primeiro lugar porque, no nosso entender, o compro-misso da autoridade macroprudencial deve ser para com o sistema – a estabilidade do sistema –, devendo monitorar de forma t�o neutra e imparcial quanto possível os sinais do mercado com vista a identifi-car eventos que possam ensejar uma falha sist�mica.

Vislumbramos, assim, potenciais conflitos com os interesses macroeconômicos gerais do governo levados a efeito pelos Bancos Centrais, notadamente porque os riscos sist�micos que tais entida-des devem monitorar e combater podem emergir tanto da estrutura microeconômica dos mercados, quanto dos próprios desenvolvi-mentos macroeconômicos em um contexto de mercados finan-ceiros globais114. Sobretudo nos casos em que os Bancos Centrais operem também a supervis�o microprudencial, a independ�ncia do regulador macroprudencial será tanto mais necessária, de modo a n�o confundir os interesses de solidez, segurança e resili�ncia do sistema com os interesses de solidez, segurança e resili�ncia das insti-tuições financeiras, isto é, para que n�o haja conflitos com os interesses particulares de cada agente regulador e de cada setor regulado parti-cularmente considerado115.

Logo, pensamos que quanto mais distante de influ�ncias dos agentes do mercado e influxos políticos, mais provavelmente irá a regulaç�o macroprudencial servir eficientemente ao seu objetivo úl-timo.

Por fim, um dos principais escopos da regulaç�o macropru-dencial é identificar e endereçar lacunas, as quais podem exsurgir, também, da própria distribuiç�o de compet�ncias conferidas ao Banco Central, de maneira que parece-nos mais adequada uma nova

114 Josef AcKeRmAnn. The new architecture of financial regulation: Will it pre-vent another crisis?, 14-15.

115 “O maior problema tem sido que os controles e reacções que pare-cem apropriados ao nível das instituições financeiras individuais podem se tornar seriamente danosos ao nível do sistema como um todo. Ent�o, confrontadas com condições financeiras adversas, a reaç�o dos bancos individuais ou outros interme-diários financeiros é recuar, entesourar liquidez, vender bens enquanto a oportuni-dade para faz�-lo permanece aberta, e tornar-se muito mais restritiva em estender o crédito. A regulaç�o microprudencial geralmente reforça tais tend�ncias, em parte por encorajar todos os regulados a agir da mesma forma ao mesmo tempo, como manadas” (Charles A. E. goodhARt. The Macro-Prudential Authority: Powers, Scope and Accountability, 06).

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entidade com compet�ncias transversais, passível de monitorar a in-tegralidade do sistema e de identificar, de forma desinteressada em ampliar os seus próprios poderes (turf battle), as compet�ncias já distribuídas.

Aliás, como veremos adiante, a tend�ncia das principais po-t�ncias tem sido a de autonomizar institucionalmente as funções macroprudenciais, embora dotando tais entidades de uma funç�o mais consultiva ou de recomendaç�o, sem a concess�o de efetivos poderes de intervenç�o e supervis�o.

No entanto, somente a prática poderá revelar ser um ou ou-tro caminho mais apropriado, mostrando-se essencial – especialmen-te neste, mas igualmente em todos os demais casos de modelagem institucional – que haja análises e acomodações periódicas, com a realizaç�o das adaptações necessárias e atempadas dos formatos ins-titucionais para fazer frente às cambiantes e dinâmicas realidades do mercado.

Em qualquer caso, independentemente de as funções ma-croprudenciais serem somadas ou n�o às compet�ncias institucio-nais dos Bancos Centrais, parece-nos que uma regulaç�o por obje-tivos afigura-se n�o só essencial, como especialmente eficiente em mercados altamente integrados e complexos, com a presença de atividades e produtos multi-setoriais e operadores, conglomerados e grupos financeiros atuando em uma variedade de negócios116, tal como a formataç�o hodierna dos mercados financeiros em econo-mias desenvolvidas.

Conquanto a multiciplicidade de instituições reguladoras possa ser um fator de inefici�ncia, segundo salientamos supra, a existência de uma entidade responsável pela regulação macropru-dencial poderia ter o efeito de, conservando as vantagens ínsitas à fragmentaç�o de compet�ncias, remediar grande parte daqueles problemas, mediante (i) o agrupamento da coleta e processamento de dados e informações, expurgando a multiplicaç�o de esforços e deixando com as demais entidades reguladoras unicamente a reu-ni�o de subsídios diretamente conectados com as suas funções; (ii) a identificaç�o de sobreposiç�o ou subposiç�o de funções e de assi-metrias regulatórias indevidas e injustificadas; (iii) o afastamento de

116 Giorgio Di gIoRgIo; Carmine Di noIA. “Financial Supervisors: Al-ternative Models”, 348.

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questões de forum shopping, já que a natureza da compet�ncia de cada um dos reguladores seria diferente; e (iv) a minoração dos custos de compliance e enforcement, por deixar mais claro para os agentes as responsabilidades e competências de cada uma das agências regula-doras e simplificar a prática do ambiente regulado.

Nesse sentido, concluímos com PAn que “essa visão mais expansiva aumenta as chances de os reguladores poderem prevenir crises sistémicas. A abordagem baseada em objetivos parece ade-quar-se melhor ao sistema financeiro moderno, em que as institui-ções financeiras já n�o se encaixam t�o bem na categoria de bancos, títulos mobiliários e seguros”117.

3.2. Coordenação e Cooperação entre Agências

A análise de cada um dos modelos possíveis para a arquite-tura institucional do sistema regulatório financeiro denota que ine-xiste um modelo ideal, existindo prós e contras, vantagens e desvan-tagens, em cada um dos formatos regulatórios aplicáveis.

Em raz�o da interdepend�ncia e da interconex�o de agentes, serviços, produtos e matérias que caracterizam o sistema financeiro, qualquer modelo eleito demandará esforços no sentido de coorde-nar e congregar as diferentes entidades e políticas regulatórias. O sucesso da regulaç�o financeira depende, assim, n�o só da eleiç�o do modelo mais adequado para cada jurisdiç�o, como também da coordenação e partilha de informações entre as agências reguladoras ou entre os órg�os de um modelo de regulaç�o integrada, de modo a harmonizar políticas, endereçar e evitar trocas de riscos (risk-risk tradeoffs) e fornecer uma visão de todo para cada um dos regulado-res, tornando-os comprometidos n�o apenas com as suas missões institucionais específicas, mas com a saúde do sistema integralmente considerado.

Talvez até mais importante do que a eleiç�o de um ou de outro modelo institucional, portanto, seja a fixaç�o de responsabi-lidades e competências claras para cada uma das entidades regu-ladoras, promovendo uma maior accountability118 e transparência de

117 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 818. 118 Utilizamos o termo em ingl�s por entendermos ser intraduzível a

palavra accountability, que congrega ao mesmo tempo noções de legitimidade, con-

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suas funções, e a atuaç�o coerente e harmoniosa dos diferentes re-guladores, que é vital para expurgar inefici�ncias informacionais e rupturas antijurídicas na unicidade do sistema jurídico, e gerenciar riscos de nível sist�mico: “sem suficiente coordenaç�o entre regu-ladores, nenhum modelo regulatório irá prover adequada proteç�o aos mercados financeiros”119.

Propomo-nos ent�o no presente subtópico apresentar, ain-da que sucintamente, algumas propostas para a evoluç�o da lógica de “ilhas regulatórias” herméticas e incomunicáveis para a imple-mentação de esforços interagências que propiciem diálogos dos regu-ladores entre si e para com todos os agentes regulados.

Nesse diapas�o, valemo-nos da classificaç�o proposta por fReemAn e RossI120 para analisar os seguintes mecanismos de coor-denaç�o e diálogo entre ag�ncias passíveis de serem adotados com vista à harmonizaç�o de políticas e entendimentos e ao compartilha-mento de informações: a) coordenaç�o informal; b) consultas, que podem ser voluntárias, cogentes, vinculantes ou meramente indica-tivas; c) fórum de reguladores; d) acordos de cooperação e memo-randos de entendimento; e) produç�o normativa conjunta.

3.2.1. Coordenação Informal

A coordenação informal dá-se na prática do dia-a-dia entre as diversas instâncias burocráticas, ocorrendo sem quaisquer cons-trangimentos legais ou regulamentares explícitos e consubstancian-do-se em observações e ajustamentos recíprocos das políticas e di-recionamentos levados a efeito pelas entidades sem prévias comuni-cações formais ou vinculantes, conversas entre técnicos e dirigentes, acordos n�o formalizados, etc121.

Embora seja importante expediente levado a efeito não só pelas entidades reguladoras, como pelos órg�os estatais em geral, en-tendemos que a coordenação entre as entidades reguladoras do se-tor financeiro, no caso da formulaç�o de normas para adequaç�o de

trole, responsabilizaç�o, transpar�ncia e publicidade. 119 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 861. 120 Jody fReemAn; Jim RossI. “Agency Coordination in Shared regulatory

Space”, 1.131-1.211.121 Idem, 1.156.

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condutas e direcionamento dos mercados – que envolvem altíssimos riscos e demandam segurança jurídica reforçada –, deva se dar no plano formal, sem estar sujeita às frequentes vicissitudes e obscuri-dades das ações voluntárias e n�o formalizadas dos agentes públicos.

A formalizaç�o das práticas de coordenaç�o visa, pois, con-ferir segurança aos investidores e agentes do mercado e atribuir res-ponsabilidades e compet�ncias claras e explícitas às entidades regu-ladoras, tornando mais factível o controle das decisões regulatórias e transparentes os processos decisórios122.

3.2.2. Consultas Recíprocas

Neste plano, o legislador ou as próprias entidades regulado-ras, nas regras de procedimento para elaboraç�o de regulamentos, podem prever a realizaç�o de consultas, obrigatórias ou voluntárias (sujeitas à discriç�o do regulador quanto à necessidade de audi�ncia), a outras entidades técnicas especializadas, a fim de que participem do processo e manifestem sua opinião técnica acerca da adequação e eficácia da medida regulatória proposta.

As respostas às consultas, por sua vez, podem ser tanto vin-culantes – devendo a entidade reguladora acatar as manifestações, sugestões e eventuais impugnações ofertadas pela outra entidade técnica consultada –, quanto indicativas – podendo ou n�o ser aca-tadas.

No caso dos mercados financeiros, entendemos que a con-sulta entre entidades regulatórias deve ser regra obrigatória, por-quanto as regulações editadas por uma determinada entidade terá sempre o cond�o, em maior ou menor grau, de afetar o sistema como um todo, tendo grande potencial, por esta raz�o, de impactar as políticas regulatórias levadas a efeito pelos demais reguladores e suscitar questões de troca de riscos, no sentido de uma norma ou medida pensada para um setor/atividade/objetivo criar ou majorar riscos que dizem respeito a outro setor/atividade/objetivo do siste-ma regulatório.

É de muito bom grado, por conseguinte, que todas as entidades do sistema possam se manifestar de modo a não só contribuir com a sua expertise técnica e experiência sobre algumas

122 Idem, 1.156.

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matérias correlatas à sua compet�ncia e explicitar peculiaridades afe-tas a um dado ambiente regulado, como contribuir para a harmo-nizaç�o de questões afetadas a ambos ambientes regulados, assina-lando, inclusive, em que medida as propostas de regulaç�o poder�o afetar negativa ou positivamente o regular funcionamento do mer-cado, embora entendamos que, salvo em questões específicas e que efetivamente digam diretamente com mais de um ambiente regula-do, n�o devam as suas contribuições vincular a entidade reguladora proponente da regulaç�o.

3.2.3. Fórum de Reguladores

A instituiç�o de um fórum de reguladores é medida, também, assaz importante – embora acessória, dada a sua natureza informal e usualmente n�o vinculante – para a coordenaç�o interag�ncias, de forma que haja um regular contato e troca de informações entre as entidades, a formulaç�o de interpretações e direcionamentos con-juntos e harmônicos e se possa, inclusive, adotar “regras de boas práticas ou códigos de conduta, que as empresas devem conhecer e sobre os quais, desejavelmente, se tenham pronunciado”123, a exem-plo de códigos de protecç�o à privacidade dos dados e informações coletados, princípios e standards gerais de disclosure de informações, etc.

A importância destas reuniões repousa na constante atuali-zaç�o, de um regulador pelos demais, acerca dos principais assuntos em pauta, viabilizando que haja um debate multifuncional-interdis-ciplinar acerca de questões afetas ao sistema como um todo, per-mitindo, em consequ�ncia, a mitigaç�o da vis�o de túnel dos re-guladores e o encaminhamento para um “fazer regulatório” mais preocupado com as consequ�ncias sistemáticas das ações.

Ademais, tais fóruns podem igualmente servir para reforçar e tornar mais transparentes os controles mútuos que naturalmente advêm de sistemas de distribuições de competências regulatórias para mais de uma ag�ncia, incentivando uma competiç�o saudável entre as entidades relativamente ao cumprimento das metas e objetivos ar-rolados para o ambiente regulado e para o sistema de uma maneira geral.

123 José Luís vIlAçA. “Regulaç�o e Concorr�ncia”, 06.

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3.2.4. Acordos de Cooperação e Memorandos de Entendimentos

A contratualizaç�o das relações entre ag�ncias, via acordos de cooperaç�o e memorandos de entendimento, tem a vantagem de atribuir maior segurança à divis�o de responsabilidades e aos procedimentos a serem adotados na formulação das normas e di-recionamentos sobre matérias de interesse e competência comum ou complementar, mostrando-se, porém, forçosa a transpar�ncia e publicitaç�o destes contratos ao mercado.

Tais acordos podem, por exemplo, formalizar questões ati-nentes ao delineamento de linhas de jurisdiç�o, expurgando dúvidas no caso de competências comuns ou sobrepostas; estabelecer pro-cedimentos para o compartilhamento de informações ou minutas de regulamentos; estipular a colaboração em uma missão comum; induzir a coordenaç�o em comentários ou aprovações, a coordena-ç�o em realizaç�o de políticas substantivas, etc124.

Isto atribui uma maior segurança aos agentes regulados, mi-tigando os custos e as dificuldades de compliance e enforcement, redu-zindo os problemas de assimetria regulatória e evitando as práticas de forum shopping, resolvendo-se eventuais conflitos no âmbito inter-no das próprias instituições, sem envolver – e, assim, prejudicar – os agentes regulados, o que, por sua vez, confere uma maior segurança e credibilidade ao bom funcionamento do sistema regulatório.

3.2.5. Produção Normativa Conjunta

Finalmente, a produç�o normativa conjunta impõe que as normas (em sentido amplo, podendo tanto abarcar aquelas de natu-reza n�o vinculante aos agentes do mercado [declarações, políticas gerais, guidelines, etc.], quanto as vinculantes [regulamentos, resolu-ções, etc.]) sejam edificadas e negociadas125 através de um trabalho integrado entre as ag�ncias, vindo a ser posteriormente aplicadas em mais de um ambiente regulado.

Parece-nos ser este o instrumento mais adequado para en-dereçar questões estruturais que digam diretamente respeito a mais de um mercado/atividade/objetivo do sistema financeiro e necessi-

124 Jody fReemAn; Jim RossI. “Agency Coordination in Shared regulatory Space” in Harvard Law Review, vol. 125, nº 5, march/2012, 1.161.

125 Idem, 1.156.

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tem de endereçamento uniforme, por exemplo, em termos de fixaç�o de standards de liquidez, de relatórios de riscos, proteç�o de direitos de consumidores que possam causar ônus substanciais aos agentes financeiros, atingindo a sua estabilidade econômica ou a concorr�n-cia, etc.

Por meio deste expediente, assegura-se ao mesmo tempo a defer�ncia às peculiaridades de cada setor/atividade/objetivo regu-lado e propicia-se a reunião de recursos e expertise para a formação de uma concepç�o de programas de implementaç�o viáveis, que n�o só n�o gerem externalidades negativas em outros setores/ativida-des/objetivos, como confiram a estabilidade jurídica necessária a que os agentes regulados desempenhem as suas atividades, reduzin-do as complexidades da regulaç�o financeira.

Esta nova forma de estrutura regulatória coordenada tomou vulto particular no novo sistema regulatório estadunidense, confor-me veremos em seguida, havendo diversas delegações legislativas de compet�ncias conjuntas aos reguladores, explicitando a importância da soluç�o de conflitos de interesses e de uniformizaç�o de medidas e standards regulatórios anteriormente, e n�o posteriormente, à ediç�o das normas regulatórias.

Assim, consoante bem expõe QuelhAs, “a actuação em rede das autoridades supervisoras é uma resposta ao funcionamento em rede dos operadores, que actuam nos vários segmentos de merca-do, também integrados em rede”126, tornando-se realmente impres-cindível hodiernamente implementar e aprofundar mecanismos de coordenaç�o entre as diversas instâncias que regulam o sistema fi-nanceiro.

3.3. As Experiências dos Estados Unidos e União Européia

A análise compreensiva que objetivamos realizar sobre as reformas institucionais no pós-crise não poderia desguardar a prá-tica.

Em fechamento ao presente trabalho, portanto, empreen-dermos um exame, ainda que sucinto, das respostas das jurisdições estadunidense e europeia às falhas desveladas pela crise de 2007-2009, promovendo, ao final, um balanço crítico das soluções por

126 José Manuel QuelhAs. “Sobre a Criaç�o do Comité Europeu do Risco Sistémico”, 898.

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ambos implementadas.

3.3.1. Reforma Institucional nos Estados Unidos

O sistema regulatório norte-americano estruturou-se, desde sempre, a partir de uma fragmentaç�o setorial, tanto na esfera fe-deral, quanto na esfera estadual, incumbindo a esta última comple-mentar a regulação federal e expedir as regulações primárias para o setor de seguros. Mediante a ediç�o do Gramm-Leach-Bliley Act, em 1999, passou-se a combinar a regulaç�o setorial com uma regulaç�o funcional, mantendo-se uma multiplicidade de reguladores em am-bos os níveis, federal e estadual, que, segundo comentadores, torna-va especialmente complexo o sistema127.

Com o advento da crise de 2007-2009, tornou-se patente a necessidade de reformar estruturalmente o sistema, simplificando-o e atualizando-o às dinâmicas hodiernas do mercado. Após amplo debate e a apresentação de diversas propostas de modelagem ins-titucional128, editou-se o Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act (P.L. 111-203, 21 de julho de 2010), que, para além da reformulaç�o material de inúmeros standards e obrigações a serem cumpridos pelos agentes financeiros, promoveu uma ampla reforma institucional, suprimindo e criando entidades, prevendo inúmeros mecanismos de coordenação interagências e tornando mais claras as responsabilidades e compet�ncias outorgadas aos reguladores.

Destaca-se, em primeiro plano, a criaç�o do Bureau of Consu-mer Financial Protection, também referido como Consumer Financial Pro-tection Bureau – CFPB ou simplesmente Bureau, no âmbito do FED, a concentrar as funções de regulação de condutas outrora exercida conjugadamente com a regulação prudencial pelas diversas entida-des reguladoras setoriais.

127 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 796-867.128 V., p. ex., os projetos de lei Financial Stability Improvement Act of 2009

(HR 4173) e Restoring American Financial Stability Act (S. 3217), além do Blueprint for a Modernized Financial Regulatory Structure (“the Blueprint”), expedido pelo U.S. Treasury Department.

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A instituiç�o do CFPB, consoante coPelAnd, deriva da percepção de que o sistema federal de proteção aos consumidores encontrava-se por demais fragmentado e, em alguns casos, incon-sistente com outras normas e funções regulatórias129, afetando a es-tabilidade e a unicidade do sistema. Portanto, a lógica subjacente à criação do CFPB remonta ao modelo twin-peak, no sentido de que as regulações prudencial e de condutas tornam-se mais eficientemente exercidas se fragmentadas em diferentes órg�os.

O Dodd-Frank Act atribuiu ao CFPB as competências de re-gulamentaç�o, supervis�o, fiscalizaç�o e eventual aplicaç�o de san-ções quanto à oferta de inúmeros produtos e serviços a consumi-dores financeiros, tanto no que concerne às normas protetivas e concessivas de direitos aos consumidores já previamente editadas, quanto no que tange a novas regulamentações atinentes a inúmeras matérias e instituições integrantes do sistema financeiro130, incluin-

129 Curtis W. coPelAnd. The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act: Regulations to be Issued by the Consumer Financial Protection Bureau.

130 A seç�o 1022 prov� uma variedade de poderes regulamentares e responsabilidades ao CFPB, estabelecendo no item (a) que o Bureau está “autori-zado a exercer suas autoridades sob as leis federais de consumo financeiro para administrar, enforce e de todo modo implementar as previsões das leis federais do consumidor financeiro” e, no item (b)(1), prescrevendo que o Diretor do Bureau encontra-se permitido a “prescrever regras e expedir ordens e guidances, como possa ser necessário ou apropriado a viabilizar ao Bureau a administrar e levar a efeito os propósitos e objetivos das leis federais de consumo financeiro e prevenir fugas das mesmas”. Por sua vez, o termo “Leis Federais de Consumo Financeiro” [Federal con-sumer financial laws] é definido como incluindo todas as novas autoridades prescritas no Título X, as autoridades que foram transferidas ao Bureau sob os subtítulos F e H e as autoridades de certas normas de consumo enumeradas, incluindo Alternative Mortgage Transaction Parity Act of 1982 (12 U.S.C. 3801 et seq.), Consumer Leasing Act of 1976 (15 U.S.C. 1667 et seq.), Electronic Fund Transfer Act (15 U.S.C. 1693 et seq.), excluindo a seç�o 920, Equal Credit Opportunity Act (15 U.S.C. 1691 et seq.), Fair Credit Billing Act (15 U.S.C. 1666 et seq.), Fair Credit Reporting Act (15 U.S.C. 1681 et seq.), exceto as seções 615(e) e 628, Home Owners Protection Act of 1998 (12 U.S.C. 4901 et seq.), Fair Debt Collection Practices Act (15 U.S.C. 1692 et seq.), Home Mortgage Disclosure Act of 1975 (12 U.S.C. 2801 et seq.), Home Ownership and Equity Protection Act of 1994 (15 U.S.C. 1601 note), Real Estate Settlement Procedures Act of 1974 (12 U.S.C. 2601 et seq.), S.A.F.E. Mortgage Licensing Act of 2008 (12 U.S.C. 5101 et seq.), Truth in Lending Act (15 U.S.C. 1601 et seq.), Truth in Savings Act (12 U.S.C. 4301 et seq.), Interstate Land Sales Full Disclosure Act (15 U.S.C. 1701), seções 502, 503, 504, 506, 507, 508 e 509 do Gramm-Leach-Bliley Act (15 U.S.C. 6802-6809, e seç�o 626 do Omnibus Ap-propriations Act, 2009 (P.L. 111-8), cf. Curtis W. coPelAnd. Rulemaking Requirements

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do uma variedade de matérias (tomada de depósitos, hipotecas, car-tões de crédito e outras concessões de crédito, o serviço de emprés-timo, cheque-garantia, a coleta de dados de consumo de relatórios, cobrança de dívidas, liquidaç�o de imóveis, dinheiro transmiss�o, processamento de dados financeiros, entre outros131).

A autoridade do CFPB foi, porém, mitigada em raz�o do tipo de entidades e de atividades e dos impactos potenciais que as suas normas podem ter no sistema.

Para instituições de depósito com menos de $10 bilhões em bens, por exemplo, o CFPB pode participar da análise destas ins-tituições, recomendar específicos tipos de aç�o e requerer a apre-sentaç�o de relatórios, ficando, contudo, a supervis�o e fiscalizaç�o primárias destas entidades com os reguladores prudenciais que ori-ginalmente detinham tais funções132.

E, como regra, o CFPB n�o possui poderes regulatórios so-bre as atividades de seguro – as quais permaneceram largamente sob a compet�ncia dos reguladores estaduais –, tampouco possui compet�ncia para impor limites a taxas de juros de produtos finan-ceiros133. De resto, a seç�o 1027(a) limita significativamente a auto-ridade do CFPB sobre os comerciantes, varejistas ou vendedores de produtos ou serviços n�o-financeiros; e a seç�o 1061(b)(5) atribui poderes compartilhados à Federal Trade Commission quanto ao enforce-ment das normas do Federal Trade Commission Act.

Ainda, muitas das compet�ncias normativas do CFPB de-pendem da coordenação com os reguladores prudenciais e de esta-bilidade do mercado.

A seç�o 1022(b)(2) do Dodd-Frank Act prescreve, por exem-plo, que o Bureau deve considerar, na execuç�o de suas compet�n-cias, os potenciais benefícios e custos aos consumidores e pessoas abrangidas, os impactos das regras propostas nas pessoas abrangi-das e respectivo impacto em consumidores em áreas rurais, além de ter de consultar-se com os reguladores prudenciais apropriados ou outras ag�ncias federais previamente à proposta de regras e durante

and Authorities in the Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act, 05-06.131 Bair Webel. The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection

Act, 11.132 Idem, ibidem.133 Idem , ibidem.

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os processos de comentários relativamente à consist�ncia das regras com os objetivos prudenciais, de mercado e sist�micos administra-dos por outras ag�ncias (v., tb. Secç�o 1094). Tais consultas, embora cogentes, n�o s�o, em geral, vinculantes, ficando, porém, obrigado o CFPB a motivar eventuais rejeições às objeções e impugnações realizadas pelas demais entidades reguladoras134.

Em adiç�o, inúmeras regras, especialmente as insculpidas no Título XIV, obrigam o CFPB a editar normas conjuntamente com outras autoridades regulatórias, a exemplo da seção 1473(f)(2) que dispõe que o Bureau “deve conjuntamente promulgar regula-ções para a expedição de relatórios das atividades de avaliação do gerenciamento das companhias ao Subcomit� de Avaliações para determinar o pagamento das taxas anuais de registro” com o Board of Governors of the Federal Reserve System, o Comptroller of the Currency, a Federal Deposit Insurance Corporation, o National Credit Union Adminis-tration Board, e a Federal Housing Finance Agency.

A principal inovação135, todavia, encontra-se insculpida na seç�o 1023, concernente à Revis�o das Regulações do Bureau, que estabelece um procedimento através do qual uma regra expedida pelo CFPB ou a sua execução podem ser suspensas ou revogadas, inte-gral ou parcialmente, pelo Financial Stability Oversight Council – FSOC se esta entidade concluir que o regulamento ou uma determinada disposiç�o regulamentar podem colocar em risco a solidez e segu-rança do sistema bancário norte-americano ou a capacidade do sis-tema financeiro estadunidense136.

134 Seç�o 1022(b)(2)(B) and (C).135 “A autoridade do Financial Stability Oversight Council para manter ou

afastar regras finais expedidas pela CFPB é singular. Atualmente, a nenhuma ou-tra ag�ncia ou organizaç�o do poder executivo do governo federal se permite unilateralmente sustar ou invalidar uma regra final publicada de outra ag�ncia. A Ordem Executiva 12866 permite ao OIRA com o OMB retornar uma minuta de regra a uma ag�ncia supervisionada para reconsideraç�o antes que seja publicada, mas a ordem executiva n�o permite ao OIRA simplesmente afastar uma regra fi-nal publicada da ag�ncia” (Curtis W. coPelAnd. The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act: Regulations to be Issued by the Consumer Financial Protection Bureau, 23).

136 Relativamente ao controle deste poder de revis�o por parte do FSOC, coPelAnd salienta que “se a aç�o do Conselho de manter ou afastar uma regra do Bureau é ela mesma uma decisão [rule, cujo sentido implica uma decis�o qua-lificada, aproximando-se de um sentido amplo de julgamento], ent�o deveria ser

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O FSOC, também criado pelo Dodd-Frank Act (Título I), é um Conselho presidido pelo Secretário do Tesouro norte-america-no e composto pelos oito chefes das ag�ncias reguladoras federais, incluindo o também recém-criado CFPB, e por um membro inde-pendente com experiência no ramo de seguros apontado pelo Pre-sidente mediante aprovaç�o do Senado, todos com poderes de voto, além dos Diretores do Office of Financial Research e do Federal Insu-rance Office, de um comissário de seguros estaduais, a ser designado por seleç�o dos comissários de seguros estaduais, de um supervisor bancário estadual, a ser selecionado pelos supervisores bancários estaduais, e de um comissário de títulos mobiliários estadual, a ser selecionado pelos comissários de títulos mobiliários estaduais, os quais possuem funções consultivas, sem poderes de voto.

Sob sua direção estão o Office of Financial Research – incumbi-do das funções de coleta e processamento de dados e informações, standardização de tipos e formatos de relatórios, realizaç�o de pes-quisas, desenvolvimento de ferramentas para mensuraç�o e moni-toramento de riscos, disponibilizaç�o de resultados para as ag�ncias de regulaç�o financeira e assist�ncia a ag�ncias em determinar os tipos e formatos de dados autorizados pelo Dodd-Frank Act a serem coletados – e comités e subcomités criados para o exercício de suas funções, a exemplo do Systemic Risk Committee.

O Conselho tem por objetivos precípuos (i) identificar riscos à estabilidade do sistema financeiro que podem emergir de distúrbios [distress] ou falhas financeiras materiais, ou atividades em andamento, de grandes e interconectadas companhias bancárias conglomeradas [holdings] ou companhias financeiras n�o-bancárias, ou que possam surgir fora do ambiente do mercado de serviços financeiros; (ii) pro-mover a disciplina do mercado, eliminando expectativas da parte dos acionistas, credores e contrapartes de tais companhias de que o Governo irá protegê-las contra perdas no evento de falência; e (iii)

submetida ao GAO [Government Accountability Office] e a ambas as casas do Con-gresso antes de poder ter efeito e o Congresso poderia usar os seus procedimen-tos expeditos previsto no CRA para desaprovar a aç�o do Conselho. De outro lado, se a aç�o do Conselho n�o é uma decis�o [rule], ent�o o Congresso teria de utilizar procedimentos legislativos regulares para revogar a aç�o do Conselho, ou transformar a regra revogada do Bureau em Lei” (The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act: Regulations to be Issued by the Consumer Financial Protection Bureau, 23).

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responder a ameaças emergentes à estabilidade do sistema financei-ro dos Estados Unidos, incumbindo-lhe (i’) coletar informações das ag�ncias-membros e outras ag�ncias regulatórias financeiras federais e estaduais, do Federal Insurance Office e, se necessário para apreciar riscos do sistema financeiro, direcionar o Office of Financial Research a coletar informações diretamente de companhias conglomeradas ban-cárias ou companhias financeiras n�o-bancárias; (ii’) prover direç�o a, e requerer dados e análises do Office of Financial Research para lastrear o trabalho do Conselho; (iii’) monitorar o ambiente de mercado dos serviços financeiros com vista a identificar potenciais ameaças à es-tabilidade financeira dos Estados Unidos; (iv’) monitorar propostas e desenvolvimentos regulatórios financeiros domésticos e internacio-nais, incluindo questões de seguros e contabilidade, e advertir o Con-gresso e realizar recomendações em tais áreas que permitam majorar a integridade, efici�ncia, competitividade e estabilidade dos mercados financeiros dos Estados Unidos; (v’) facilitar o compartilhamento de informações e a coordenação entre as agências-membros e outras ag�ncias federais e estaduais relativamente ao desenvolvimento, edi-ç�o de regras, análises, obrigações de prestar informações e ações de enforcement de políticas públicas domésticas de serviços financeiros; (vi’) recomendar às ag�ncias-membros prioridades e princípios de supervis�o refletindo o resultado de discussões entre os membros; (vii’) identificar lacunas na regulaç�o que possam impor riscos à esta-bilidade financeira dos Estados Unidos; (viii’) requerer a supervis�o ao Board of Governors [of the Federal Reserve System] para companhias financeiras n�o-bancárias que possam impor riscos à estabilidade fi-nanceira dos Estados Unidos no evento de distúrbios ou falhas em suas atividades materiais financeiras ou em raz�o de atividades cuja natureza, escopo, tamanho, escala, concentraç�o, interconex�o ou mix de atividades possam gerar uma ameaça à estabilidade do sistema (cf. seç�o 113(a)(1)); (ix’) fazer recomendações ao Board of Governors concernentes ao estabelecimento de elevados standards prudenciais para capital baseado em risco, alavancagem, liquidez, planos de re-soluç�o e relatórios de exposiç�o de crédito, limites de concentraç�o, reforço de disclosures públicas e gest�o geral de risco para as empresas financeiras n�o-bancárias e grandes holdings bancárias interligadas, su-pervisionadas pelo Board of Governors; (x’) identificar utilities e ativi-dades de pagamento, compensaç�o e liquidaç�o sistemicamente im-

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portantes para os mercados financeiros; (xi’) realizar recomendações a reguladores financeiros primários para aplicar novos ou elevados standards e salvaguardas para as atividades ou práticas financeiras que possam criar ou majorar riscos de significativa liquidez, crédito ou outros problemas espraiando-se ao longo de companhias conglome-radas bancárias, companhias financeiras n�o-bancárias e mercados financeiros dos Estados Unidos; (xii’) revisar e, se apropriado, sub-meter comentários à Comiss�o [Securities and Exchange Commission] e qualquer órg�o que fixe standards com respeito a qualquer princípio, standard ou procedimento de contabilidade existente ou proposto; (xiii’) promover um fórum para discuss�o e análise de desenvolvi-mentos emergentes de mercado e questões regulatórias financeiras e resoluç�o de disputas de jurisdiç�o entre os membros do Conselho; e (xiv) apresentar relatórios anuais e testemunhar perante o Congresso sobre as atividades do Conselho, os desenvolvimentos significativos dos mercados financeiros e respectivas regulações, incluindo regu-lações e standards de seguros e contabilidade, juntamente com uma análise destes desenvolvimentos para a estabilidade do sistema finan-ceiro, potenciais ameaças emergentes para a estabilidade financeira dos Estados Unidos, apresentar todas as determinações feitas sob a seç�o 113 ou Título VIII e a base para tais determinações, todas as recomendações feitas com base na seç�o 119 e o resultado de tais re-comendações, e sobre recomendações para aprimorar a integridade, efici�ncia, competitividade e estabilidade dos mercados financeiros dos Estados Unidos e que tenham o desígnio de promover a discipli-na do mercado e manter a confiança dos investidores137.

Portanto, as compet�ncias do FSOC dizem diretamente aos riscos e ameaças sistêmicas e aos mecanismos de coordenação e coo-peraç�o interag�ncias, exercendo, por conseguinte, este órg�o, inúme-ras funções macroprudenciais, sobremaneira relevantes e importantes para o sistema regulatório financeiro.

A crítica, aqui, repousa na aus�ncia de atribuiç�o de efetivos poderes de enforcement e regulamentaç�o ao FSOC, limitando-se a sua atuação a monitorar as variáveis do sistema e promover recomenda-ções e requisições (exceto para a revisão de standards), a determinar que as companhias financeiras bancárias ou n�o-bancárias conside-radas sistemicamente relevantes sejam supervisionadas e sujeitadas a

137 Seç�o 112 (a) e (b).

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standards prudenciais especiais e a suspender ou revogar normas do CFPB.

Isto poderá levar a que as ações levadas a efeito pelo FSOC, porque n�o dotadas de coercividade, acabem por se tornar inefica-zes, resultando em que malogrem as importantes missões que lhe s�o confiadas. Logo, é essencial que haja uma efetiva cooperaç�o e mútuo respeito pelas responsabilidades e competências outorgadas ao FSOC por parte das demais entidades reguladoras, de modo que cumpram e respondam às recomendações e requisições por ele empreendidas.

Um conforto para tal panorama é o fato de algumas compe-t�ncias macroprudenciais terem sido alocadas junto ao FED – o qual, aliás, teve importantes reforços em seus poderes e compet�ncias pelo Dodd-Frank Act. É a esta entidade, por exemplo, que incumbe impor efetivamente as obrigações e standards especiais para as companhias consideradas pelo FSOC como sistemicamente relevantes, raz�o pela qual se afigura indispensável uma estrita cooperaç�o entre ambas as entidades de regulaç�o para a estabilidade do mercado.

Em termos (micro)prudenciais, o Dodd-Frank Act (Título III) eliminou o Office of Thrift Supervision – a quem incumbia a supervi-são de bancos e associações de poupanças e serviços de poupanças e empréstimos originalmente criados para atender às necessidades daqueles n�o servidos por bancos comerciais –, alocando no Office of the Comptroller of the Currency as funções regulamentares outrora exercidas por aquela entidade para as associações de poupanças e, no Federal Reserve Board, para companhias holdings de poupanças e empréstimos.

Ademais, é também de relevo, dentre outras reformas, a criaç�o (Título V) do Federal Insurance Office no âmbito do Treasury Department, ao qual incumbe (i) monitorar todos os aspectos da in-dústria de seguros, incluindo a identificaç�o de questões ou lacunas na regulação que poderiam contribuir para uma crise sistêmica nas indústrias de seguros ou no sistema financeiro dos Estados Unidos; (ii) monitorar a extens�o do acesso da populaç�o, sobretudo caren-tes e minorias, a produtos de seguros; (iii) recomendar ao FSOC que designe um segurador ou seu afiliado como entidade sistemica-mente relevante; (iv) assistir na administração do programa de se-guro ao terrorismo; (v) coordenar esforços federais em desenvolver uma política federal em aspectos prudenciais de matérias de seguro

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internacionais; (vi) determinar quando os acordos têm preferência [preempted138] sobre as medidas de regulação de seguro estaduais; e (vii) consultar os Estados e os reguladores estaduais sobre matérias de seguros de importância e relevância nacional e internacional.

Assim, embora a regulaç�o do setor de seguros tenha per-manecido, grosso modo, sob a compet�ncia dos reguladores estaduais, ter-se-á, no âmbito federal, uma entidade hábil a monitorar e coor-denar os esforços regulatórios nesta seara, incentivando a coes�o e a harmonia de políticas.

Uma segunda dimensão de destacada importância do Dodd--Frank Act é a criaç�o e imposiç�o de inúmeras obrigações e mecanis-mos de cooperaç�o e conjugaç�o de esforços interag�ncias.

Para além das funções de coordenação do FSOC139, incluin-do a tarefa de dirimir conflitos de compet�ncias entre ag�ncias, a legislaç�o permitiu ou ordenou às entidades reguladoras que editas-sem normas conjuntamente, que promovessem consultas recípro-cas, participassem do fórum de reguladores no âmbito do FSOC e celebrassem acordos entre si.

Por exemplo, prev�em, a seç�o 165(d)(8), que o Board of

138 No contexto federalista americano, a noç�o de preempted refere-se à prefe-r�ncia de uma legislaç�o ou regra federal sobre uma regra estadual.

139 Conforme o relatório do u.s. goveRnment AccountAbIlIty offIce, “o corpo de funcionários do FSOC reportaram que o Conselho estabeleceu comi-t�s e subcomit�s para ajudar a levar a efeito suas responsabilidades e autoridades, promovendo uma maior coordenaç�o interag�ncias. Por exemplo, o Systemic Risk Committee identificou serviços de hipotecas como uma quest�o-chave que tinha implicações interagências e conseguiu obter funcionários de agências relevantes para trabalharem juntos para priorizarem isto como uma área recomendada para aç�o regulatória no relatório anual. (…) Em adiç�o a essa estrutura organizacio-nal, FSOC também desenvolveu ferramentas para facilitar a coordenaç�o formal e promover a coordenaç�o informal entre seus membros. Por exemplo, FSOC desenvolveu um quadro para consulta para os reguladores de cada situação em que a consulta do FSOC é requerida. O quadro estabelece molduras de tempo para coordenar três principais tarefas nestas regulações: reuniões iniciais intera-g�ncias, circulaç�o de folhas de prazo para comentários interag�ncias e circulaç�o das minutas das regras propostas para comentários interag�ncias. Em adiç�o, em Outubro de 2010 o FSOC expediu um roteiro integrado de implementaç�o do Dodd-Frank Act que incluía uma lista compreensiva das regras que os reguladores foram requeridos a promulgar, provia um cronograma para estas regulamentações e identificava as ag�ncias responsáveis por cada regulamentaç�o (Dodd-Frank Act Regulations: Implementation Could Benefit from Additional Analyses and Coordination, 27).

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Governors e o Federal Deposit Insurance Corporation expeçam conjunta-mente regras finais para implementaç�o dos objetivos daquela seç�o sobre Plano de Resolução e Relatórios de Exposição ao Crédito; a seç�o 712(a)(8), que a Commodity Futures Trading Commission e a Securi-ties and Exchange Commission, após consulta com o Board of Governors, expeçam conjuntamente regulações relativas a swaps mistos, confor-me descritos na seç�o 1a(47)(D) do Commodity Exchange Act (7 U.S.C. 1a(47)(D)) e na seç�o 3(a)(68)(D) do Securities Exchange Act de 1934 (15 U.S.C. 78c(a)(68)(D)), como seja necessário implementar para os próprios do Título VII; e, a seç�o 1472(a), que o Board of Governors, o Comptroller of the Currency, a Federal Deposit Insurance Corporation, o National Credit Union Administration Board, e a Federal Housing Finance Agency possam expedir conjuntamente “regras, guidelines interpretati-vas e declarações gerais de políticas com respeito a atos ou práticas que violem a independência na avaliação da provisão de serviços de empréstimos de hipotecas para uma operaç�o de crédito do consu-midor garantida pela habitaç�o principal do consumidor e serviços de corretagem de hipotecas para tal transaç�o, de acordo com as acepções das subseções (a), (b), (c), (d), (e), (f), (h), e (i)”140.

Além disso, prev�em, v.g., a seç�o 165(i)(2)(C), que os regula-dores financeiros primários da esfera federal, em coordenaç�o com o Board of Governors e o Federal Insurance Office, expeçam regulações consistentes e comparáveis para implementar este parágrafo, que devem definir o termo ‘teste de estresse’, estabelecer metodologias para conduta de testes de estresse que prevejam pelo menos três di-ferentes parâmetros de condições, incluindo ‘linha de base‘, ‘adver-so‘ e ‘severamente adverso‘, estabelecer a forma e o conteúdo dos relatórios requeridos e requerer às companhias sujeitas um sumário de cada resultado dos testes de estresse requeridos; a seç�o 166(a), que o Board of Governors, em consulta prévia com o FSOC e o Federal Deposit Insurance Corporation, prescreverá regulações estabelecendo requerimentos para prover a remediaç�o prévia para um distúrbio financeiro de uma companhia financeira n�o-bancária supervisiona-

140 Para um apanhado acerca dos processos de coordenaç�o e das regras já expedidas, v. U.s. goveRnment AccountAbIlIty offIce. Dodd-Frank Act Regula-tions: Implementation Could Benefit from Additional Analyses and Coordination, 23-26 e appendix 3; U.s. goveRnment AccountAbIlIty offIce. Dodd-Frank Act Regula-tions: Agencies’ Efforts to Analyze and Coordinate Their Rules, 15, 25-26, 79-87 e ap-pendix 2.

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da pelo Board of Governors ou uma companhia bancária holding des-crita na seç�o 165(a); e, a seç�o 170(a), que o Board of Governors, em consulta com o FSOC, expeça regulações estabelecendo o critério para eximir certos tipos ou classes de companhias financeiras n�o--bancárias estadunidenses ou internacionais da supervisão do Board of Governors. Algumas regras da seç�o 155(d), ainda, requerem que o Secretary of the Treasury receba aprovação do FSOC para editar deter-minadas regras/decisões.

Segundo o U.S. Government Accountability Office – GAO, o processo de coordenação e cooperação interagências tem acrescido e amadurecido desde a edição do Dodd-Frank Act, inclusive em ma-térias n�o expressamente incluídas nos mecanismos obrigatórios de interação previstos na legislação141.

Embora a coordenaç�o entre ag�ncias venha se dando prin-cipalmente de maneira informal142, há já iniciativas por parte das agências de expedirem códigos de conduta ou normas internas es-tatutárias para regulamentar os procedimentos de coordenação143, denotando uma gradual mudança na cultura institucional das entida-des regulatórias, indispensável ao incremento da eficácia e efici�ncia da regulaç�o do sistema financeiro.

141 “Reguladores se coordenaram em 19 das 54 regulações substantivas

que nós revisamos, em alguns casos voluntariamente coordenando as suas ativida-des e também estendendo a coordenação internacionalmente” (U.s. goveRnment AccountAbIlIty offIce. Dodd-Frank Act Regulations: Agencies’ Efforts to Analyze and Coordinate Their Rules, 22).

142 Dodd-Frank Act Regulations: Implementation Could Benefit from Additional Analyses and Coordination, 28; U.s. goveRnment AccountAbIlIty offIce. Dodd-Frank Act Regulations: Agencies’ Efforts to Analyze and Coordinate Their Rules, 22-23.

143 “Especificamente sete de nove ag�ncias n�o tinham políticas escritas e procedimentos para facilitar a coordenaç�o na criaç�o de regras. As políticas escritas e os procedimentos existentes eram muito limitados em seu escopo ou aplicabilidade. (…) O OCC e o CFPB desenvolveram diretrizes para coordenaç�o interag�ncias, mas outras ag�ncias n�o. (…) O FSOC desenvolveu guidance escrita para coordenação na edição de regras para o reforço das normas prudenciais para holdings bancárias com US $ 50 bilhões, ou mais em ativos totais consolidados e as empresas financeiras n�o bancárias designadas pelo FSOC para supervis�o do FED nos parágrafos 165 e 166 da Lei. (Dodd-Frank Act Regulations: Agencies’ Efforts to Analyze and Coordinate Their Rules, 31-32).

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3.3.2. Reforma Institucional na União Européia

A Uni�o Européia, igualmente, passou por importantes mu-danças institucionais após a crise de 2007-2009. Após a conclus�o dos estudos do gRuPo de lARosIéRe144, foram expedidos cinco Re-gulamentos – nºs. 1092 a 1096, de 2010 – pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho a fim de instituir a nova modelagem regulatória de nível regional.

Pelas referidas normas foram criados, respectivamente, o Comit� Europeu do Risco Sist�mico – CERS, a Autoridade Euro-peia de Supervis�o (Autoridade Bancária Europeia) – ABE, a Auto-ridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma) – AESP, a Autoridade Euro-peia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados) – AEVM, o Comit� Conjunto das Autoridades Eu-ropeias de Supervis�o (Comit� Conjunto, previsto nos artigos 54.o dos Regulamentos (UE) 1093/2010, 1094/2010 e 1095/2010), e conferidas ao Banco Central Europeu – BCE atribuições específicas relativamente ao funcionamento do CERS.

O CERS, a ABE, a AESP, a AEVM, o Comit� Conjunto e autoridades competentes ou de supervisão de cada um dos Estados--Membros passam a formar o novo Sistema Europeu de Supervisão Financeira (SESF), que tem por objetivo garantir a supervis�o do sistema financeiro da Uni�o, ficando obrigadas a cooperar entre si num espírito de confiança e de respeito mútuo, nomeadamente a fim de garantirem que entre elas circule informaç�o apropriada e fiável145.

As tr�s autoridades europeias de supervis�o (AESs) – ABE, AESP e AEVM – foram criadas para substituir o Comit� das Auto-ridades Europeias de Supervis�o Bancária, o Comit� das Autorida-des Europeias de Supervisão dos Seguros e Pensões Complemen-tares de Reforma e o Comité das Autoridades de Regulamentação dos Mercados Europeus de Valores Mobiliários, assumindo todas as

144 the de lARosIéRe gRouP. Report, 2009.145 Art. 2.º dos Regulamentos 1092, 1093, 1094 e 1095/2010.

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atribuições e compet�ncias daqueles comités, inclusive a prossecu-ç�o dos trabalhos e projetos em curso, e possuem a miss�o precípua de “proteger o interesse público, contribuindo para a estabilidade e a eficácia do sistema financeiro a curto, médio e longo prazos, em benefício da economia da Uni�o, dos seus cidad�os e das suas empresas”146, voltando-se para (i) melhorar o funcionamento do mercado interno, nomeadamente através de um nível s�o, eficaz e coerente de regulaç�o e de supervis�o; (ii) assegurar a integridade, a transpar�ncia, a efici�ncia e o bom funcionamento dos mercados financeiros; (iii) reforçar a coordenaç�o internacional no domínio da supervisão; (iv) evitar a arbitragem regulamentar e promover a igualdade das condições de concorrência; (v) assegurar que a toma-da de riscos de investimento e outros seja adequadamente regulada e supervisionada; e (vi) reforçar a proteç�o dos consumidores.

Para tanto, possuem as seguintes atribuições e compet�n-cias147: (i’) contribuir para o estabelecimento de normas e práticas comuns de regulamentaç�o e de supervis�o de elevada qualidade, nomeadamente dando pareceres às instituições da Uni�o e desen-volvendo orientações, recomendações e projetos de normas téc-nicas de regulamentaç�o e de execuç�o; (ii’) contribuir para uma aplicaç�o coerente dos actos juridicamente vinculativos da Uni�o, nomeadamente, contribuindo para o desenvolvimento de uma cul-tura comum de supervis�o, garantindo uma aplicaç�o coerente, efi-ciente e eficaz dos actos referidos no n.º 2 do artigo 1.º148, evitando a necessidade de arbitragem regulamentar, mediando e resolvendo diferendos entre autoridades competentes, assegurando uma super-vis�o eficaz e coerente dos intervenientes nos mercados financeiros, assegurando a coerência do funcionamento dos colégios de auto-ridades de supervis�o e adoptando medidas, nomeadamente, em

146 Art. 1.º, 5 dos Regulamentos 1093, 1094 e 1095/2010. 147 Art. 8.º, 1 e 2, dos Regulamentos 1093, 1094 e 1095/2010. 148 “Directivas 2006/48/CE, 2006/49/CE e 2002/87/CE, do Regula-

mento (CE) nº 1781/2006, da Directiva 94/19/CE e das partes pertinentes das Directivas 2005/60/CE, 2002/65/CE, 2007/64/CE e 2009/110/CE, na medida em que estes actos normativos se apliquem às instituições de crédito e financeiras e às autoridades competentes que procedem à sua supervis�o, incluindo todas as directivas, regulamentos e decisões baseados nesses actos, bem como de qualquer outro acto juridicamente vinculativo da Uni�o que confira atribuições à Autori-dade”.

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situações de emerg�ncia; (iii’) incentivar e facilitar a delegaç�o de competências e responsabilidades entre autoridades competentes; (iv’) cooperar estreitamente com o ESRB, fornecendo-lhe nome-adamente a informaç�o necessária para o exercício das suas atri-buições e garantindo um seguimento adequado dos seus alertas e recomendações; (v´) organizar e conduzir avaliações entre pares das autoridades competentes, inclusive através da emiss�o de orienta-ções e recomendações e da identificaç�o de boas práticas, com vista a reforçar a coer�ncia dos resultados da supervis�o; (vi’) acompa-nhar e avaliar a evoluç�o dos mercados na sua esfera de compet�n-cias; (vii’) realizar análises econômicas dos mercados para exercer de forma mais informada as suas funções; (viii’) promover a protecç�o dos investidores; (ix´) contribuir para um funcionamento uniforme e coerente dos colégios de autoridades de supervis�o, para a mo-nitorizaç�o, avaliaç�o e mediç�o do risco sistémico e para o desen-volvimento e a coordenaç�o de planos de recuperaç�o e resoluç�o, proporcionando um elevado nível de protecç�o aos investidores em toda a União e desenvolvendo métodos para resolver situações de fal�ncia de intervenientes nos mercados financeiros e para avaliar da necessidade de obter instrumentos de financiamento adequados; (x´) exercer quaisquer outras atribuições específicas definidas pelo presente regulamento ou por outros actos legislativos; (xi´) publicar no seu sítio web e atualizar regularmente informações relativas ao seu sector de actividades, em particular no âmbito das suas com-pet�ncias, sobre os intervenientes nos mercados financeiros que se encontrem registadas, a fim de assegurar que a informaç�o seja fa-cilmente acessível ao público; (xii´) elaborar projectos de normas técnicas de regulamentaç�o, (xiii´) elaborar projectos de normas téc-nicas de execução; (xiv´) emitir orientações e recomendações; (xv´) emitir recomendações em relaç�o a casos específicos, nos termos do n.º 3 do artigo 17.º; (xvi´) adoptar decisões individuais a dirigir às autoridades competentes; (xvii´) quando estiver em causa legislação da Uni�o directamente aplicável, adoptar decisões individuais a diri-gir a intervenientes nos mercados financeiros, nos casos específicos referidos no n.º 6 do artigo 17.º, no n.º 4 do artigo 18.º e no n.º 4 do artigo 19.º; (xviii´) emitir pareceres à atenç�o do Parlamento Eu-ropeu, do Conselho ou da Comiss�o; (xix´) recolher as informações necessárias sobre os intervenientes nos mercados financeiros; (xx´)

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desenvolver metodologias comuns de avaliação do efeito das carac-terísticas dos produtos e dos processos de distribuiç�o na posiç�o financeira dos intervenientes nos mercados financeiros e na pro-tecç�o dos consumidores; e (xxi´) disponibilizar uma base de dados centralmente acessível dos intervenientes nos mercados financeiros registados no âmbito da sua esfera de compet�ncias.

Da ampla gama de objetivos, atribuições e compet�ncias confiadas às AESs extrai-se a multiplicidade de funções atribuídas a tais entidades, que passam, ent�o, a exercer poderes regulamenta-res, de supervis�o prudencial, fiscalizaç�o do cumprimento das nor-mas europeias, soluç�o de conflitos entre ag�ncias transfronteiriças e no âmbito de uma mesma jurisdiç�o e, inclusive, compet�ncias de cunho macroprudencial, mediante a coordenaç�o interag�ncias, monitoramento e salvaguarda da estabilidade e segurança do sistema financeiro como um todo, bem como capacidade para empreender ações diretamente junto aos agentes financeiros (sobretudo requisi-tar informações e proibir ou restringir temporariamente determina-das atividades financeiras que ameacem o funcionamento ou a esta-bilidade da totalidade ou de parte do sistema financeiro da Uni�o e participar na elaboração de planos de recuperação e resolução) e se substituir, nos casos de delegaç�o de compet�ncias ou em situações de urg�ncia, às autoridades nacionais de supervis�o, podendo exigir que estas adotem medidas específicas como resposta.

Congregam, assim, para além das regulações prudencial e de condutas, regulações de natureza macroprudencial, afigurando-se, sob a nossa vis�o, como “super-entidades”, dotadas de extensos po-deres e prerrogativas, o que se reforça pelos fatos de serem dotadas de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, de os únicos membros com direito a voto nos seus Conselhos de Supervisores serem os mais altos dirigentes das respectivas autori-dades nacionais competentes149 e de responderem unicamente ao Parlamento Europeu e ao Conselho.

A fim de mitigar os “super-poderes” das AESs e promo-

149 Os Conselhos de Supervisores s�o formados, além dos mais altos dirigentes das autoridades públicas nacionais respectivamente competentes para regular os setores bancários, de seguros e valores mobiliários, que possuem direito a voto, pelos Presidentes das AESs, um representante da Comiss�o, um represen-tante do BCE, um representante do ERSB e por um representante de cada uma das duas outras AERs, a nenhum dos quais é dado direito a voto.

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ver a coordenaç�o entre elas, o Comit� Conjunto foi instituído para garantir a coerência intersetorial e resolver matérias atinentes a conglomerados financeiros, contabilidade e auditoria, análises mi-croprudenciais da evoluç�o, riscos e vulnerabilidades intersectoriais para a estabilidade financeira, produtos de investimento de retalho, medidas de luta contra o branqueamento de capitais e intercâmbio de informações com o ESRB e desenvolvimento das relações entre o ESRB e as ESAs, enfim, questões que efetivamente dependam de uma atuaç�o intersetorial coordenada e harmonizada.

Destaca-se, dentre as compet�ncias do Comité Conjunto, na esteira do artigo 20.º dos respectivos Regulamentos, a resoluç�o dos diferendos entre autoridades competentes em nível intersetorial, vi-sando a minorar a possibilidade de as mesmas turf battles travadas em nível nacional se refletirem em nível regional.

Em termos macroprudenciais, em adiç�o aos poderes alo-cados nas AESs, o Regulamento n.º 1092/2010 criou o CERS, um novo órg�o independente – embora n�o dotado de personalidade jurídica –, que abrange todos os setores financeiros e regimes de garantia da Uni�o, cujo Conselho Geral, a quem incumbe, em última instância, levar a efeito as missões da entidade, consiste no Presiden-te e no Vice-Presidente do BCE (incumbindo ao primeiro também a Presid�ncia do CERS, com voto de qualidade), nos Governadores dos bancos centrais nacionais, em um membro da Comiss�o Eu-ropeia, nos Presidentes das AESs, no Presidente e os dois Vice--Presidentes do Comit� Científico do CERS e no Comit� Técnico Consultivo, todos com direito a voto, e em um representante de alto nível das autoridades nacionais de supervis�o competentes de cada Estado-Membro e no Presidente do Comitê Económico e Financei-ro, sem direito a voto.

A miss�o precípua do CERS é monitorar e avaliar o risco sist�mico em períodos normais, com o objetivo de atenuar a ex-posição do sistema ao risco de falência de componentes sistémicos e aumentar a resist�ncia do sistema financeiro a choques150, levan-do a efeito a supervis�o macroprudencial do sistema financeiro na Uni�o, de forma a evitar períodos de crise financeira generalizada151, assegurar a estabilidade financeira e atenuar os impactos negativos

150 Considerando 10 do Regulamento 1092/2010. 151 Art. 1.º do Regulamento 1092/2010.

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no mercado interno e na economia real.Para estes efeitos, compete-lhe, em suma, (i) determinar e/

ou recolher e analisar todas as informações relevantes e necessárias para atingir os seus objetivos; (ii) identificar os riscos sist�micos e definir o respectivo grau de prioridade; (iii) emitir alertas sempre que esses riscos sist�micos sejam considerados significativos e, se for caso disso, tornar públicos tais alertas; (iv) formular recomenda-ções para a adopção de medidas corretivas em resposta aos riscos identificados e, se for caso disso, tornar públicas tais recomenda-ções; (v) em situações de emerg�ncia, dirigir um alerta confiden-cial ao Conselho e facultar-lhe uma análise da situaç�o, de modo a permitir ao Conselho avaliar a necessidade de adoptar uma decis�o dirigida às ESAs pela qual se declare a exist�ncia de uma situaç�o de emerg�ncia; (vi) acompanhar o seguimento dado aos alertas e recomendações; (vii) cooperar estreitamente com todas as outras partes no SESF; (viii) facultar às ESAs as informações sobre riscos sistémicos necessárias para o exercício das respectivas atribuições e, em particular, definir, em colaboraç�o com as ESAs, um conjunto comum de indicadores quantitativos e qualitativos (painel de riscos) para a identificaç�o e mediç�o do risco sistémico; (ix) participar, se necessário, no Comit� Conjunto; (x) coordenar as suas ações com as das organizações financeiras internacionais, em particular o FMI e o Conselho de Estabilidade Financeira, e com os organismos inte-ressados de países terceiros, no que respeita a questões relacionadas com a supervisão macroprudencial; e (xi) exercer outras atribuições conexas.

Destacam-se, dentre as suas compet�ncias, os mecanismos de prevenç�o de crises, consubstanciados especialmente na realiza-ç�o de testes de estresse, para apreciaç�o de cenários sistémicos, e na emiss�o de alertas e recomendações, que podem ser de natureza geral ou específica e prev�em calendário definido para as medidas a serem tomadas com vista a evitar rupturas ou desequilíbrios no sistema; o desenvolvimento do sistema de códigos de cores, cor-respondentes a situações de diferentes níveis de risco, visando a tornar mais objetivas e contundentes as análises macroprudenciais implementadas, bem como a expressa compet�ncia de coordenaç�o com os organismos internacionais, reconhecendo-se a necessidade de uma atuaç�o e de respostas concertadas n�o só em nível regional

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europeu, como global, para prevenç�o e combate a distúrbios e fa-lhas no sistema financeiro.

Daí se extrai que, a despeito das compet�ncias macropru-denciais alocadas nas AESs, é o CERS quem realiza em última ins-tância as análises e ações nucleares da regulaç�o sist�mica,

N�o obstante, o CERS n�o é dotado de poderes coercitivos, dependendo do BCE e das AESs (que, por sua vez, t�m poderes re-quisitórios junto às autoridades reguladoras nacionais) para coletar informações e dados que considere relevantes152 e para fazer valer as suas recomendações e alertas.

Com efeito, a implementaç�o dos alertas e das recomenda-ções do CERS depende da avaliaç�o e prévio acolhimento por parte

152 Cf. o artigo 15 do Regulamento nº 1092/2010. “1. O ESRB faculta às ESAs as informações sobre riscos necessárias para a o exercício das suas atri-buições. 2. As ESAs, o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), a Comiss�o, as autoridades nacionais de supervis�o e as autoridades nacionais de estatística cooperam estreitamente com o ESRB e facultam-lhe todas as informações neces-sárias para o exercício das suas atribuições de acordo com a legislaç�o da Uni�o. (…) 5. Se as informações solicitadas n�o estiverem disponíveis ou n�o forem disponibilizadas em tempo oportuno, o ESRB pode solicitá-las ao SEBC, às au-toridades nacionais de supervis�o ou às autoridades nacionais de estatística. Caso as informações continuem a n�o ser disponibilizadas, o ESRB pode solicitá-las ao Estado-Membro em causa, sem prejuízo das prerrogativas conferidas, respectiva-mente, ao Conselho, à Comiss�o (Eurostat), ao BCE, ao Eurosistema e ao SEBC no domínio das estatísticas e da recolha de dados. (…) 7. Antes de cada pedido de informações que n�o estejam sob forma sumária ou agregada, o ESRB con-sulta nos devidos termos a Autoridade Europeia de Supervis�o competente, para assegurar que o pedido é justificado e proporcionado. Se a Autoridade Europeia de Supervis�o competente n�o considerar o pedido justificado e proporcionado, devolve imediatamente o pedido ao ESRB, solicitando uma justificaç�o adicional. Quando o ESRB tiver apresentado a referida justificaç�o adicional à Autoridade Europeia de Supervis�o competente, as informações solicitadas devem ser trans-mitidas ao ESRB pelo destinatário do pedido, desde que este tenha legalmente acesso às informações em causa”. Por sua vez, o artigo 35 dos Regulamentos 1093, 1094 e 1095/2010 estabelece “1. A pedido da Autoridade, as autoridades competentes dos Estados-Membros prestam-lhe toda a informaç�o necessária para a execuç�o das funções que lhe s�o conferidas pelo presente regulamento, desde que tenham legalmente acesso aos dados em quest�o e o pedido de infor-maç�o seja necessário à luz da natureza da funç�o em causa. 2. A Autoridade pode também requerer a prestação de informações a intervalos regulares e segundo formatos específicos. Sempre que possível, tais pedidos devem ser elaborados recorrendo a formatos comuns de comunicaç�o”.

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das AESs, n�o lhes sendo, portanto, vinculantes. Apesar disso, o artigo 36, n.ºs 4 e 5, dos Regulamentos n.ºs

1093, 1094 e 1095/2010, o artigo 17, n.º 1, e o considerando 20 do Regulamento n.º 1092/2010, s�o expressos a instituir um regime de “aç�o ou justificaç�o”, no sentido de que, mantendo-se inertes ou decidindo não aplicar ou considerar os alertas e recomendações rea-lizadas pelo CERS, as entidades a quem se dirigem dever�o justificar a decis�o tomada ou a sua inaç�o.

Caso o CERS verifique que a sua recomendaç�o n�o foi se-guida ou que os destinatários n�o justificaram apropriadamente a sua omiss�o, informa o fato, de acordo com regras de confidenciali-dade rigorosas, aos destinatários, ao Conselho e, se for caso disso, à Autoridade Europeia de Supervis�o em causa, podendo o Conselho e/ou a AES, ent�o, valer-se de medidas adequadas, eventualmente coercitivas, para conferir eficácia à decis�o do CERS.

Vale destacar, igualmente, que caberá ao CERS, caso a caso e depois de ter informado o Conselho com a anteced�ncia suficiente para que ele possa reagir, decidir se uma recomendaç�o deverá ser mantida confidencial ou publicada, sendo certo que a t�o-só publi-citação de uma recomendação pode já ter o efeito de constranger os agentes financeiros envolvidos a cumpri-la153, para resguardar a sua imagem perante os investidores e o denotar o adimplemento dos padrões de corporate governance globais.

O mecanismo de aç�o e justificaç�o, conjugado com a no-tificaç�o do Conselho e da Comiss�o relativamente aos fatos que sucederem à decis�o de emitir alertas ou recomendações e eventual publicaç�o de recomendações, s�o medidas que podem contribuir para majorar o grau de efetividade das ações levadas a efeito pelo CERS, mitigando a aus�ncia de poderes coercitivos específicos e a depend�ncia de outras entidades que caracterizam a execuç�o das medidas tomadas pelo CERS.

As compet�ncias do BCE, por sua vez, n�o sofreram mu-danças significativas154. Conforme o Regulamento n.º 1096/2010, acresceram-se às suas funções o fornecimento de recursos humanos

153 Considerando 21, Regulamento nº 1092/2010.154 Sobre os projetos que prevêem reformas estruturais no ambiente do

Banco Central Europeu, v. Eilis feRRAn; Valia bAbIs. The European Single Supervi-sory Mechanism.

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e financeiros e prestaç�o ao CERS de apoio analítico, estatístico, logístico e administrativo, bem como o acoplamento de obrigações, juntamente com as AERs, de recolher informações necessitadas pelo CERS, exercendo, assim, uma funç�o de assessoria desta en-tidade.

Em termos de cooperaç�o, o novo design institucional para os reguladores financeiros em âmbito europeu prev� inúmeras nor-mas e recomendações voltadas para o encorajamento e incitação das instituições em trabalharem conjunta e harmonicamente, valen-do destacar alguns dos considerandos dos Regulamentos n.º 1093, 1094 e 1095/2010 que dispõem: “(40) A Autoridade deverá encora-jar ativamente a converg�ncia da supervis�o em toda a Uni�o, com o objectivo de criar uma cultura comum de supervis�o”; “(42) A Au-toridade deverá promover activamente uma resposta de supervisão coordenada da Uni�o, em especial para assegurar o bom funciona-mento e a integridade dos mercados financeiros e a estabilidade do sistema financeiro da Uni�o. Para além das suas compet�ncias para agir em situações de emerg�ncia, deverá portanto ser mandatada com uma funç�o geral de coordenaç�o no quadro do SESF. A re-gularidade do fluxo de todas as informações relevantes entre as au-toridades competentes deverá merecer atenção especial no quadro das actividades da Autoridade”; “(47) Para garantir a optimizaç�o do funcionamento do CERS e o seguimento dos seus alertas e reco-mendações, será necessária uma estreita cooperaç�o entre o CERS e a Autoridade. A Autoridade e o ESRB dever�o partilhar entre si todas as informações relevantes. Quaisquer dados referentes a ins-tituições financeiras individuais só dever�o ser divulgados mediante pedido fundamentado. Quando receber alertas ou recomendações dirigidos pelo CERS à Autoridade ou a uma autoridade nacional de supervis�o, a Autoridade deverá, se for caso disso, garantir o respec-tivo seguimento”; “(57) A fim de garantir a coer�ncia intersectorial no quadro das actividades das ESAs, estas dever�o coordenar-se estreitamente entre si através de um Comité Conjunto e, quando necessário, chegar a uma posiç�o comum. O Comité Conjunto de-verá coordenar as funções das ESAs em relação aos conglomerados financeiros e a outras questões trans-sectoriais. Se for caso disso, os actos que recaiam também na esfera de competência da Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Seguros e Pen-

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sões Complementares de Reforma) ou da Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia) deverão ser adoptados em paralelo pelas Autoridades Europeias de Supervisão competen-tes”.

Em adiç�o, os mencionados regulamentos prev�em, por exemplo, que as AESs devem “em consulta com o CERS, desen-volver critérios para a identificaç�o e mediç�o do risco sistémico e um sistema de testes de esforço que deve incluir uma avaliação do potencial de aumento do risco sistémico apresentado pelos inter-venientes nos mercados financeiros em situações de esforço” (art. 23); “preencher um papel de coordenaç�o geral entre as autorida-des competentes, em especial sempre que a evoluç�o negativa da situação possa pôr em causa o bom funcionamento e a integridade dos mercados financeiros ou a estabilidade do sistema financeiro da Uni�o” (art. 31, 1); e “coopera[r] estreita e regularmente com o CERS” e “fornece[r] regular e atempadamente ao ESRB a informa-ç�o necessária para o exercício das suas atribuições” (art. 36, 1 e 2), sendo certo que o Comit� Conjunto, como um fórum de regulado-res, presta também contribuiç�o à coordenaç�o interag�ncias.

3.3.3. Balanço Crítico

O cotejo entre as reformas institucionais implementadas pe-los Estados Unidos e a Uni�o Européia denota, de um lado, o reco-nhecimento oficial de que as estruturas regulatórias tradicionais n�o só n�o se afiguravam capazes de fazer frente às complexidades e di-nâmicas do mercado financeiro atual, como contribuíram largamen-te para gerar e potencializar os cenários disruptivos e danosos que levaram à e advieram com a crise de 2007-2009, implementando-se ambas as reformas de forma praticamente simultânea.

De outro lado, que as duas jurisdições, embora com alguns pontos em comum, estruturaram os seus novos sistemas regulató-rios de maneira substancialmente diversa, o que pode ser produto, segundo PAn, de diferentes suposições acerca das causas da crise financeira e de incertezas sobre qual o modelo regulatório mais ade-quado para combater tais causas155; e também de uma maior difi-culdade encontrada no âmbito da União Européia de negociar po-

155 Eric J. PAn. “Structural Reform of Financial Regulation”, 799.

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liticamente com os Estados-membros prerrogativas mais amplas e reformas mais profundas no arcabouço institucional do bloco.

Sobre este último ponto, aliás, desde os estudos realizados pelo The De Larosiere Group, afigurou-se evidente a preocupaç�o de que o respeito às liberdades de conformaç�o, escolha e adaptaç�o das jurisdições nacionais relativamente a matérias financeiras n�o poderia ser desguardado.

Em comum a ambos os sistemas, exsurge patente a criaç�o de entidades com poderes e competências macroprudenciais e o in-centivo e o reconhecimento quanto à necessidade de uma maior coordenação e cooperação entre as diversas autoridades incumbidas de regular o sistema financeiro.

Com efeito, “o risco sist�mico constitui a pedra angular da nova arquitectura da supervis�o macroprudencial do sistema finan-ceiro da União Europeia”156, ensejando a criaç�o do CERS e a ou-torga de poderes macroprudenciais às AESs na Uni�o Européia e, no cenário estadunidense, a criaç�o da FSOC e o reforço das com-pet�ncias do FED/Board of Governors e das demais entidades seto-riais – notadamente a SEC e a FDIC – quanto à implementaç�o de regras, obrigações e fiscalizaç�o de entidades que possam contribuir para a criaç�o ou a majoraç�o de riscos de natureza sist�mica.

Ademais, conforme vimos, ambas jurisdições empreendem expressas recomendações de cooperaç�o interag�ncias, sobretudo no que concerne à partilha e circulaç�o de informações acerca dos agentes regulados.

N�o obstante, as abordagens e resultados finais quanto aos poderes, à distribuiç�o de compet�ncias e aos mecanismos para per-secuç�o destas missões se mostram substancialmente distintos.

Em primeiro lugar, as principais compet�ncias macropru-denciais, inclusive de coordenaç�o e congregaç�o de informações, foram atribuídas, nos Estados Unidos, a uma única entidade – a FSOC –, enquanto, em âmbito europeu, há uma difus�o de tais compet�ncias entre o CERS, as AESs e o Comit� Conjunto, o que, no nosso entender, pode prejudicar a coes�o das políticas levadas a efeito neste tocante e entravar uma efetiva coordenaç�o e harmoni-zaç�o entre as diversas entidades.

156 José Manuel QuelhAs. “Sobre a Criaç�o do Comité Europeu do Risco Sistémico”, 879.

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O FSOC, ao conjugar as funções de análise e monitoramen-to do risco sist�mico e das companhias sistemicamente relevantes, de coordenaç�o interag�ncias, de reuni�o de dados e informações e de soluç�o de eventuais conflitos de compet�ncias entre as ag�n-cias reguladoras, encontra-se, na nossa vis�o, mais bem dotado para levar a efeito uma regulação macroprudencial mais compreensiva e abrangente de todo o sistema financeiro.

A fragmentação das competências macroprudenciais entre o CERS, as AESs e o Comit� Conjunto, na Uni�o Europeia, pode ter o potencial de prejudicar a abrangência e a qualidade das análises e a efetividade das medidas implementadas para endereçar problemas sist�micos.

Realmente, a despeito de o considerando n.º 11 do Regula-mento n.º 1092/2010 indicar como motivo para criaç�o do CERS o fato de que “A responsabilidade pela análise macroprudencial per-manece fragmentada, e é assumida por várias autoridades a níveis diferentes, sem um mecanismo capaz de assegurar que os riscos ma-croprudenciais sejam adequadamente identificados e que os alertas e recomendações sejam claramente emitidos, acompanhados e tra-duzidos em acto”, o novo sistema europeu mantém, como vimos, compet�ncias gerais às AESs e ao Comit� Conjunto para estabiliza-ç�o, monitoramento e garantia de segurança e solidez do sistema, atribuindo-lhes missões macroprudenciais.

O novo desenho institucional europeu, portanto, deixa de empreender a concentração de competências que visam a atingir e combater os reconhecidos efeitos danosos que a fragmentaç�o regulatória tem o cond�o de gerar.

Com base no que desenvolvemos no decorrer deste traba-lho, a dispers�o de algumas compet�ncias macroprudenciais pelo sistema europeu pode criar indesejados cenários de sobreposição de funções e lacunas que não só prejudicam o bom andamento do sistema regulatório, como criam dificuldades adicionais de cumpri-mento por parte dos agentes regulados e de controle e responsabi-lizaç�o dos reguladores.

Além disso, especificamente quanto à funç�o de soluç�o de conflitos interag�ncias exercida pelas AESs e pelo Comit� Conjun-to, há o risco de, em virtude de haver poucos membros votantes e a soluç�o de conflitos deixar de se dar por um terceiro minimamente

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neutro aos interesses envolvidos, exsurjam conflitos de interesse, acordos e trocas no curso das votações que prejudiquem a qualidade e o acerto da decis�o final.

Embora a FSOC estadunidense também seja integrada pe-los representantes das ag�ncias reguladoras envolvidas em conflitos, há uma multiplicidade de participantes, obtendo direito a voto cada uma das principais entidades reguladoras de nível federal. No âm-bito das AESs e do Comit�, é limitadíssimo o número de membros com direito a voto – isto é, com poderes para influenciar efetiva-mente as decisões – e, a fragmentaç�o dos interesses em conflito, dá-se apenas, no caso do Comit�, em tr�s esferas (bancos, seguros e valores mobiliários), potencializando o risco de captura de um setor ou de um Estado-membro157 pelos demais e/ou a troca de favores e interesses em cada decis�o adotada, daí a necessidade de tais deci-sões serem amplamente divulgadas e procedimentalizadas de forma transparente, na medida possível.

Ademais, a alocaç�o de compet�ncias de coordenaç�o no FSOC permite-lhe empreender uma análise mais neutra e imparcial de todo o sistema, enquanto no sistema europeu a coordenaç�o en-

157 Não custa lembrar que são os representantes das autoridades de cada Estado-membro que possuem os poderes de voto nas AESs, as quais, por sua vez, possuem os poderes de voto no Comit� Conjunto. Daí que as lógicas de guerras de poderes e disputas político-nacionalistas que permeiam o ambiente europeu podem facilmente se refletir nas AESs e no Comit�. Sobre o ponto, vale anotar que, ao menos no âmbito do CERS, o considerando n.º 26 e o artigo 7.º do Regulamento 1092/2010 prev�em, respectivamente: “(26) É essencial que os membros do ESRB desempenhem as suas funções com imparcialidade e tenham em consideraç�o apenas a estabilidade financeira da Uni�o no seu conjunto. Nos casos em que n�o seja possível obter um consenso, a votaç�o dos alertas e recomendações no CERS n�o deverá ser ponderada e as decisões dever�o ser, por regra, tomadas por maioria simples” e “1. Ao participar nas actividades do Conselho Geral e do Comité Director e ao exercer qualquer outra actividade relacionada com o ESRB, os membros do ESRB devem desempenhar as suas funções com imparcialidade e unicamente no interesse da Uni�o no seu todo. N�o podem solicitar nem aceitar instruções dos Estados-Membros, das instituições da Uni�o ou de qualquer outro organismo público ou privado. 2. Os membros do Conselho Geral (com ou sem direito de voto) n�o podem exercer funções no sector financeiro. 3. Nem os Estados-Membros, nem as instituições da Uni�o, nem qualquer outro organismo público ou privado podem procurar influenciar os membros do ESRB no desempenho das funções”. No âmbito das AESs e do Comit�, porém, tais normas n�o encontram correspondente.

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tre as próprias AESs pode restar prejudicada, devido à composiç�o e aos mecanismos de funcionamento do Comit� Conjunto, a quem incumbe promover a harmonizaç�o intersetorial entre as entidades.

Daí que o sistema estadunidense dependa menos da coorde-naç�o voluntária e confie menos na imparcialidade e idoneidade vo-luntária dos reguladores, estabelecendo mecanismos institucionais para assegurar um sistema mais harmónico e coordenado.

O sistema europeu, por sua vez, confia mais em uma natural e eficaz coordenaç�o de esforços por parte das entidades que com-põem o SESF, dependendo o bom andamento do sistema macro-prudencial europeu de um alto grau de governança e sinergia entre tais entidades, o que, na prática, pode n�o vir a ocorrer em raz�o das já conhecidas práticas de turf battles e captura.

Acerca deste ponto, é também importante anotar que, em-bora haja inúmeras indicações acerca da necessidade de coordena-ç�o de esforços interag�ncias nas normativas europeias, s�o poucas as regras que expressamente impõem mecanismos de coordenaç�o, a exemplo das prévias consultas a serem realizadas entre o CERS e as AESs quanto ao desenvolvimento de critérios para a identificaç�o e mediç�o do risco sistémico e um sistema de testes de esforço.

De fato, os Regulamentos expedidos pela Uni�o Européia limitam-se a invocar a importância da coordenaç�o, sem prever, como faz o Dodd-Frank Act, hipóteses concretas e mecanismos e obrigações específicos às entidades para sua coordenaç�o.

Um dos poucos mecanismos formais de coordenação euro-peu é o fórum de reguladores, consubstanciado no Comit� Conjun-to, que, embora possa contribuir grandemente para a harmonizaç�o de políticas e a criaç�o de uma racionalidade sist�mica, n�o se afigu-ra t�o eficaz quanto os mecanismos de consultas prévias e produç�o normativa conjunta previstos em inúmeras regras do Dodd-Frank Act.

Sendo assim, uma grande diferença dos sistemas americano e europeu repousa na adoç�o, por aquele, de mecanismos formais e mais intrusivos na liberdade de conformação das agências para sua coordenaç�o entre si, enquanto o sistema europeu confia gran-demente na coordenação voluntária e no diálogo entre reguladores para a harmonizaç�o de políticas e de compet�ncias.

Outro ponto de fundamental relevância consiste nas com-

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pet�ncias especificamente concedidas ao FSOC estadunidense e ao CERS europeu para proteç�o dos respectivos sistemas. Se, por um lado, o sistema de alertas e recomendações a partir de um sistema de cores a ser operado pelo CERS é sobremaneira inovador e eficaz, esta entidade n�o possui expressas compet�ncias, como o FSOC, de identificar instituições sistematicamente relevantes, de modo a sujeitá-las a regimes mais estritos e especiais de regulaç�o.

Apesar de tal competência poder vir a ser exercida pelo CERS com base na brecha legal de atribuições conexas que lhe compete exercer, a outorga expressa destes poderes ao FSOC, que à frente vinculam os reguladores setoriais, n�o só atribui grande pres-tígio à entidade – que, n�o sendo dotada de poderes coercitivos, depende de alta credibilidade e prestígio para ser eficaz –, como permite-lhe melhor exercer a sua miss�o e contribuir para combater as causas do risco sist�mico.

Por outro lado, o sistema europeu possui mecanismos mais eficientes (aç�o ou justificaç�o, publicitaç�o de atos e notificaç�o do Conselho e da Comiss�o) para assegurar a eficácia das consultas e recomendações levadas a efeito pelo CERS, se comparado com o FSOC, que se torna bastante dependente do FED/Board of Gover-nors para implementar suas ações.

De resto, na EU, s�o as AESs que desempenham funç�o de braços executivos principais das medidas do CERS, enquanto nos Estados Unidos tais funções são exercidas primacialmente pelo FED/Board of Governors. De um lado, tal cenário pode ser entendi-do como positivo em virtude de conferir uma maior autonomia do CERS perante o BCE, exercendo ambos funções de regulaç�o para estabilidade do mercado de maneira distinta e independente, em-bora coordenada. De outro lado, o fato de serem os representantes das autoridades supervisoras de cada um dos Estados-membros os efetivos decisores quanto à adoç�o ou n�o das medidas do CERS pode significar que questões de cunho político (disputas políticas entre Estados-membros, por exemplo) interfiram em uma decis�o que deveria ser primordialmente técnica, podendo ocorrer, também, não vir a ser aplicada uma medida que, malgrado benéfica ao sis-tema como um todo, prejudique determinados Estados-membros ou determinadas instituições financeiras que possuem links com tais Estados ou tenham peso relevante em suas economias.

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Finalmente, mas n�o menos importante, a criaç�o de uma entidade única e autônoma para a regulaç�o de conduta nos Esta-dos Unidos em muito difere da postura tradicionalista adotada pela Uni�o Européia, que n�o só reafirmou a fragmentaç�o setorial de sua regulaç�o prudencial, como as compet�ncias de proteç�o dos consumidores no seio das AESs, atribuindo-lhes ainda algumas compet�ncias para estabilidade do mercado.

Isto significa que, enquanto os Estados Unidos est�o remo-delando o seu sistema com uma tend�ncia à regulaç�o por objeti-vos, a Uni�o Européia apresenta uma tend�ncia à concentraç�o dos diferentes níveis de regulaç�o em uma mesma entidade, realizando opções político-institucionais substancialmente diversas, cujo acerto e adequaç�o somente a prática poderá revelar.

4. Conclusões

De todo o exposto, sintetizamos nossas conclusões no se-guinte: (i) a evoluç�o do sistema financeiro que teve lugar nas últimas décadas flexibilizou e esfumaçou sobremaneira as fronteiras entre os setores bancário, securitário e de valores mobiliários, havendo, ho-diernamente, agentes econômicos operando em diversos mercados e produtos e serviços n�o só de natureza mista, mas negociados em complexas redes, tornando o sistema cada vez mais interconectado e interdependente, tanto a nível nacional quanto a nível global; (ii) as atuais características do sistema financeiro desvelam a exist�ncia de riscos sist�micos, capazes de afetar larga gama de operadores e o sistema como um todo, ensejando, ainda, efeitos cascata e de contá-gio capazes de desestabilizar mercados em diversas jurisdições bem como a economia real; (iii) a crise de 2007-2009 explicitou n�o só as complexidades e dinâmicas sist�micas dos sistemas financeiros atu-ais, como o seu descompasso com as estruturas regulatórias, tornan-do forçosa a reformulação da modelagem institucional dos sistemas de controle para fazer frente às transformações sofridas por aqueles nas últimas décadas e aos novos perigos e fatores desestabilizadores do mercado; (iv) a existência de um estreito link entre a estrutura regulatória e a estrutura financeira é essencial à efici�ncia de uma e de outra, ressaltando a doutrina da new institutional economics que o arcabouço institucional é fator fundamental para o bom funcio-

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namento dos mercados; (v) na modelagem institucional para a re-gulaç�o financeira há importantes variáveis a serem consideradas, destacando-se a exist�ncia de conflitos de interesses entre os níveis microprudencial, de conduta e de estabilidade do mercado da regu-laç�o, o risco de captura do regulador, a multiplicaç�o de esforços na coleta e processamento de dados e informações e monitoramen-to dos agentes regulados, a exist�ncia de sobreposições e também lacunas na distribuiç�o das compet�ncias outorgadas às entidades reguladoras, a manutenç�o da expertise e especializaç�o dos regulado-res, os custos de compliance impostos aos regulados, os custos de en-forcement impostos aos supervisores, problemas de injustificada assi-metria regulatória entre agentes que acabam por exercer as mesmas funções e correr riscos de semelhante natureza, a possibilidade de os regulados optarem pela instância regulatória que melhor se com-patibilize com os seus interesses egoísticos (forum shopping) e a ha-bilidade dos reguladores em avançarem de uma vis�o de túnel para uma vis�o de todo, sobretudo no que tange aos riscos sist�micos e aos conglomerados financeiros e produtos complexos; (vi) todos os modelos institucionais propostos apresentam vantagens e desvanta-gens, que devem ser ponderadas aquando da eleiç�o do modelo que melhor se adeqúe às peculiaridades nacionais; (vii) para economias complexas e cada vez mais interligadas, o modelo de regulaç�o por objetivos é o que se nos afigura o mais eficiente, potencializando--se o cumprimento das missões de estabilizaç�o e segurança dos mercados financeiros como um todo mediante a instituiç�o de uma entidade regulatória macroprudencial, capaz de realizar a coorde-nação das demais entidades regulatórias e endereçar problemas de riscos sist�micos e conglomerados financeiros; (ix) o cotejo entre as reformas institucionais implementadas pelos Estados Unidos e a Uni�o Européia denotam uma tend�ncia comum à criaç�o de entidades com poderes e competências macroprudenciais e ao in-centivo e ao reconhecimento quanto à necessidade de uma maior coordenação e cooperação entre as diversas autoridades incumbidas de regular o sistema financeiro; (x) n�o obstante, as abordagens e resultados finais da Uni�o Europeia e dos Estados Unidos quan-to aos poderes, à distribuiç�o de compet�ncias e aos mecanismos para persecução destas missões foram substancialmente distintos; (xi) os Estados Unidos procuraram unificar, tanto quanto possível,

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os poderes macroprudenciais e de coordenação interagências no FSOC, enquanto tais compet�ncias foram fragmentadas e se en-contram dispersas no CERS, AESs e Comit� Conjunto da Uni�o Européia, o que pode reduzir a eficácia das reformas institucionais implementadas em âmbito europeu; (xii) o sistema estadunidense repousa em mecanismos formais e mais intrusivos na liberdade de conformaç�o das ag�ncias para sua coordenaç�o entre si, enquanto o sistema europeu confia grandemente na coordenaç�o voluntária e no diálogo entre reguladores para a harmonizaç�o de políticas e de compet�ncias, o que pode vir a ser ineficaz se n�o houver uma cultura institucional permeada por um alto grau de governança e respeito mútuo entre as instituições; (xiv) o sistema europeu parece--nos ainda bastante dependente das decisões de cunho político e das disputas entre Estados-membros, o que pode afetar a qualidade e a efetividade da tomada de decisões regulatórias; e (xv) os Esta-dos Unidos se encaminharam para uma tend�ncia à regulaç�o por objetivos, apresentando a Uni�o Européia uma tend�ncia à concen-traç�o dos diferentes níveis de regulaç�o em uma mesma entidade.

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