panfleto sanitário #02

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PANFLETO SANITÁRIO MUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIA NOVEMBRO/2013 ESPÍRITO do TEMPO PROGRAMAÇÃO CULTURAL 02 ` ` ` PING PONG Quando, em abril deste ano, o MAM-BA iniciou o ciclo de encontros e conversas públicas para discutir temas, formatos e propostas para a 3ª Bienal da Bahia, o evento – como sempre acontece – também foi divulgado através de peças gráficas. Agora, a identidade visual do MAM Discute Bienal ganhou um novo uso por mãos anônimas, que têm levado a alguns dos espaços públicos da cidade a série de inter- venções “BIENAL (E)M(D)E(BATE)”. Houve muita surpresa quando se des- cobriu que, além de servir ao seu uso original e divulgar as datas, locais e participantes dos encon- tros, as peças gráficas com a iden- tidade do evento estavam sendo rein- terpretadas. Assim como a própria Bienal, que traz como tema uma pergunta (É tudo Nordeste?), essas ver- sões dos cartazes procuram levantar suas próprias dis- REFAZENDO com o MAM e a BIENAL DA BAHIA cussões: “Como seria uma transa bienalística?”, ques- tiona a peça pregada em um mural informativo do Espaço Xisto. A fidelidade do trabalho “pirata” a aparência do projeto original é tama- nha que chegou a confundir não só parte do público, mas outras instituições ligadas ao Governo da Bahia. O que muita gente tinha entendido como carta- zes criados e colados pelo MAM-BA chegou até o Palácio da Aclamação, onde funciona a Diretoria de Museus do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia. E, como existem leis que proíbem esse tipo de ação no patrimônio público, houve um ruído institucional com todo o caso. Não se confunda: esses cartazes não são feitos pelo MAM-BA! O que nós temos colado pela cidade é este Pan- fleto Sanitário que você está lendo agora. Ou relendo? Em cada edição do Panfleto Sanitário trazemos uma pergun- ta, que será respondida por uma entre diversas formas de previ- são astral, como o Tarô, a Nume- rologia ou a Astrologia. Desta vez, perguntamos ao I CHING: COMO REAGIR? 53.CHIEN: DESENVOLVIMENTO (PROGRESSO GRADUAL) Acima: SUN, A SUAVIDADE, VENTO Abaixo: KEN, A QUIETUDE, MONTANHA A árvore sobre a montanha pode ser vista de longe, e seu cres- cimento exerce uma influência sobre a paisagem de toda a região. Ela não cresce rapidamente como as plantas do pântano, mas, ao contrário, tem um desenvolvi- mento gradual. Assim também se deve proceder para que se possa exercer uma influência sobre os homens. Nenhuma influência exercida por agitadores poderá ter efei- tos duradouros. Quando o vento sopra sobre a terra, alcança todos os recantos, e a grama inclina-se ante seu poder. O vento sopra em toda parte e revela todas as coisas. Este é o ponto de transição. MANIFESTO No final da década de 1950, o artista Allan Kaprow começou a desenvolver trabalhos pioneiros que exploravam limites entre a teatralidade e a vida cotidiana. A partir de sua reflexão e da experiência desenvolvida por ele nasce o conceito de happening, que viria a se popularizar ainda nos anos 1960, depois de ser amplamente explorado pelo artista. Em 1966, Kaprow tornou públi- cas, em um disco de vinil lançado pela gra- vadora Mass Art, suas próprias instruções sobre “como fazer um happening”. Reproduzi- mos aqui um trecho da obra: HOW TO MAKE A HAPPENING Você pode se afastar da arte ao misturar seu happening com situações da vida coti- diana. Tornar mais incerto para você mesmo se o happening é vida ou arte. Arte sempre se manteve como algo diferente dos assuntos mundanos, agora você precisa trabalhar com esforço para manter essa separação como algo sutil. Dois carros colidem numa estra- da. Um líquido violeta é derramado do radiador quebrado de um deles, no banco traseiro do outro há um grande número de galinhas mortas ensanguentan- do o chão. Os policiais vistoriam o acidente, respostas plausíveis são dadas, o reboque carrega as carcaças, os custos são pagos e os motoristas vão para casa jantar. “OS CASEBRES DE AÇAFRÃO E DE OCRE NOS VERDES DA FAVELA, SOB O AZUL CABRALINO, SÃO FATOS ESTÉTICOS.” “A POESIA PAU-BRASIL, ÁGIL E CÂNDIDA. COMO UMA CRIANÇA.” “COMO A ÉPOCA É MIRACULOSA, AS LEIS NASCERAM DO PRÓPRIO ROTAMENTO DINÂMICO DOS FATORES DESTRUTIVOS. A SÍNTESE O EQUILÍBRIO O ACABAMENTO DE CARROSSERIE A INVENÇÃO A SURPRESA UMA NOVA PERSPECTIVA UMA NOVA ESCALA“ “QUALQUER ESFORÇO NATURAL NESSE SENTIDO SERÁ BOM. POESIA PAU-BRASIL” MANIFESTO PAU-BRASIL. OSWALD DE ANDRADE. 1924 O crítico e curador Fernando Oliva assinou, em 2008, o projeto COVER = Reencenação + Repetição, apresentado no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Oliva é pro- fessor em São Paulo e doutorando em História da Arte na Escola de Comunicação e Artes da USP. Nesta conversa, o curador fala um pouco do artifício da reencenação histó- rica e das potencialidades de seu uso na arte. O QUE SIGNIFICA REENCENAR NO CAMPO DA ARTE AGORA? A noção de reencenação surgiu inicialmente nos campos da Filo- sofia, com Kierkegaard, em seu A Repetição, e da História, com o historiador britânico R. G. Collingwood, em A Ideia de Histó- ria. Só muito recentemente, a partir dos anos 1990, é que foi incorpo- rada de modo mais evidente nas Artes Visuais, inicialmente com as propostas de Marina Abramovic de repetir suas performances da década de 1970. É importante lem- brar que a noção e a prática mesmo da repetição sempre existiram no contexto das Artes Visuais, da representação e de suas histo- riografias. O que se foi trans- formando é a percepção em direção ao passado e suas retomadas no presente histórico, bem como a maneira como o público e o siste- ma da arte (especialmente a críti- ca) se relacionam com a possibili- dade de retorno a algo que já aconteceu, seja uma forma ou uma ideia. POR QUE REENCENAR? Podemos dizer que reencenamos para acessar um passado que não nos pertence, que talvez nos tenha sido usurpado, portanto, um tempo insondável. Mas também reencena- mos para lançar projeções em dire- ção ao futuro. Deste modo, nos apro- ximaríamos tanto de um tempo como de outro, a partir de uma experiência pessoal, sem depender exclusivamen- te das versões oficiais, da história que nos é transmitida como imutável, muitas vezes esvaziada de suas contradições, de seus aspectos real- mente transformadores, subversivos e revolucionários. Neste sentido, pode- mos lembrar o que disse o historiador da arte de origem russa Boris Groys: formamos filas quilométri- cas diante do mausoléu que expõe o corpo embalsamado de Lenin, em Moscou, para nos certificar de que ele não voltará para fazer a revo- lução. Estão abertas, entre os dias 18 de novembro e 20 de dezembro as inscri- ções para o Edital de Formação de Curadores MAM-BA. Os interessados em participar devem apresentar propostas curatoriais inéditas e de sua própria autoria. Saiba mais no site do MAM-BA: bahiamam.org Bruno Marcello

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Page 1: Panfleto Sanitário #02

PANFLETO SANITÁRIOMUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIA

NOVEMBRO/2013

ESPÍRITO do TEMPO

PROGRAMAÇÃO CULTURAL

02

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`

PING PONGQuando, em abril deste ano, o MAM-BA iniciou o ciclo de encontros e conversas públicas para discutir temas, formatos e propostas para a 3ª Bienal da Bahia, o evento – como sempre acontece – também foi divulgado através de peças gráficas. Agora, a identidade visual do MAM Discute Bienal ganhou um novo uso por mãos anônimas, que têm levado a alguns dos espaços públicos da cidade a série de inter-venções “BIENAL (E)M(D)E(BATE)”.Houve muita surpresa quando se des-cobriu que, além de servir ao seu uso original e divulgar as datas, locais e participantes dos encon-tros, as peças gráficas com a iden-tidade do evento estavam sendo rein-terpretadas. Assim como a própria Bienal, que traz como tema uma pergunta (É tudo Nordeste?), essas ver-sões dos cartazes procuram levantar suas próprias dis-

REFAZENDO com o MAM e a BIENAL DA BAHIAcussões: “Como seria uma transa bienalística?”, ques-tiona a peça pregada em um mural informativo do Espaço Xisto.

A fidelidade do trabalho “pirata” a aparência do projeto original é tama-nha que chegou a confundir não só parte do público, mas outras instituições ligadas ao Governo da Bahia. O que muita gente tinha entendido como carta-zes criados e colados pelo MAM-BA chegou até o Palácio da Aclamação, onde funciona a Diretoria de Museus do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia. E, como existem leis que proíbem esse tipo de ação no patrimônio público, houve um ruído institucional com todo o caso.

Não se confunda: esses cartazes não são feitos pelo MAM-BA! O que nós temos colado pela cidade é este Pan-fleto Sanitário que você está lendo agora. Ou relendo?

Em cada edição do Panfleto Sanitário trazemos uma pergun-ta, que será respondida por uma entre diversas formas de previ-são astral, como o Tarô, a Nume-rologia ou a Astrologia.

Desta vez, perguntamos ao I CHING:

COMO REAGIR?

53.CHIEN: DESENVOLVIMENTO (PROGRESSO GRADUAL)

Acima: SUN, A SUAVIDADE, VENTOAbaixo: KEN, A QUIETUDE, MONTANHA

A árvore sobre a montanha pode ser vista de longe, e seu cres-cimento exerce uma influência sobre a paisagem de toda a região. Ela não cresce rapidamente como as plantas do pântano, mas, ao contrário, tem um desenvolvi-mento gradual. Assim também se deve proceder para que se possa exercer uma influência sobre os homens.

Nenhuma influência exercida por agitadores poderá ter efei-tos duradouros.

Quando o vento sopra sobre a terra, alcança todos os recantos, e a grama inclina-se ante seu poder.

O vento sopra em toda parte e revela todas as coisas.

Este é o ponto de transição.

MANIFESTO

No final da década de 1950, o artista Allan Kaprow começou a desenvolver trabalhos pioneiros que exploravam limites entre a teatralidade e a vida cotidiana. A partir de sua reflexão e da experiência desenvolvida por ele nasce o conceito de happening, que viria a se popularizar ainda nos anos 1960, depois de ser amplamente explorado pelo artista. Em 1966, Kaprow tornou públi-cas, em um disco de vinil lançado pela gra-vadora Mass Art, suas próprias instruções sobre “como fazer um happening”. Reproduzi-mos aqui um trecho da obra:

HOW TO MAKE A HAPPENING

Você pode se afastar da arte ao misturar seu happening com situações da vida coti-diana. Tornar mais incerto para você mesmo se o happening é vida ou arte. Arte sempre se manteve como algo diferente dos assuntos mundanos, agora você precisa trabalhar com esforço para manter essa separação como algo sutil. Dois carros colidem numa estra-da. Um líquido violeta é derramado do radiador quebrado de um deles, no banco traseiro do outro há um grande número de galinhas mortas ensanguentan-do o chão. Os policiais vistoriam o acidente, respostas plausíveis são dadas, o reboque carrega as carcaças, os custos são pagos e os motoristas vão para casa jantar.

“OS CASEBRES DE AÇAFRÃO E DE OCRE NOS VERDES DA FAVELA, SOB O AZUL CABRALINO, SÃO FATOS ESTÉTICOS.”

“A POESIA PAU-BRASIL, ÁGIL E CÂNDIDA. COMO UMA CRIANÇA.”

“COMO A ÉPOCA É MIRACULOSA, AS LEIS NASCERAM DO PRÓPRIO ROTAMENTO DINÂMICO DOS FATORES DESTRUTIVOS. A SÍNTESE O EQUILÍBRIO O ACABAMENTO DE CARROSSERIE A INVENÇÃO A SURPRESA UMA NOVA PERSPECTIVA UMA NOVA ESCALA“

“QUALQUER ESFORÇO NATURAL NESSE SENTIDO SERÁ BOM. POESIA PAU-BRASIL”

MANIFESTO PAU-BRASIL. OSWALD DE ANDRADE. 1924

O crítico e curador Fernando Oliva assinou, em 2008, o projeto COVER = Reencenação + Repetição, apresentado no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Oliva é pro-fessor em São Paulo e doutorando em História da Arte na Escola de Comunicação e Artes da USP. Nesta conversa, o curador fala um pouco do artifício da reencenação histó-rica e das potencialidades de seu uso na arte.

O QUE SIGNIFICA REENCENAR NO CAMPO DA ARTE AGORA?

A noção de reencenação surgiu inicialmente nos campos da Filo-sofia, com Kierkegaard, em seu A Repetição, e da História, com o historiador britânico R. G. Collingwood, em A Ideia de Histó-ria. Só muito recentemente, a partir dos anos 1990, é que foi incorpo-rada de modo mais evidente nas Artes Visuais, inicialmente com as propostas de Marina Abramovic de repetir suas performances da década de 1970. É importante lem-brar que a noção e a prática mesmo da repetição sempre existiram no contexto das Artes Visuais, da representação e de suas histo-riografias. O que se foi trans-formando é a percepção em direção ao passado e suas retomadas no presente histórico, bem como a maneira como o público e o siste-ma da arte (especialmente a críti-ca) se relacionam com a possibili-dade de retorno a algo que já aconteceu, seja uma forma ou uma ideia.

POR QUE REENCENAR?

Podemos dizer que reencenamos para acessar um passado que não nos pertence, que talvez nos tenha sido usurpado, portanto, um tempo insondável. Mas também reencena-mos para lançar projeções em dire-ção ao futuro. Deste modo, nos apro-ximaríamos tanto de um tempo como de outro, a partir de uma experiência pessoal, sem depender exclusivamen-te das versões oficiais, da história que nos é transmitida como imutável, muitas vezes esvaziada de suas contradições, de seus aspectos real-mente transformadores, subversivos e revolucionários. Neste sentido, pode-mos lembrar o que disse o historiador da arte de origem russa Boris Groys: formamos filas quilométri-cas diante do mausoléu que expõe o corpo embalsamado de Lenin, em Moscou, para nos certificar de que ele não voltará para fazer a revo-lução.

Estão abertas, entre os dias 18 de novembro e 20 de dezembro as inscri-ções para o Edital de Formação de Curadores MAM-BA. Os interessados em participar devem apresentar propostas curatoriais inéditas e de sua própria autoria. Saiba mais no site do MAM-BA: bahiamam.org

Bruno Marcello