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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA É TRABALHO

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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA É TRABALHO

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2COLEÇÃO

EXTENSÃO POPULAR

Organizador: José Francisco de Melo Neto

Títulos publicados:

Extensão universitária - uma análise crítica José Francisco de Melo Neto

Extensão universitária – diálogos populares

José Francisco de Melo Neto (org.)

Música e mudança – uma experiência em educação popular Hector Jorge Rossi

Extensão universitária, autogestão e educação popular

José Francisco de Melo Neto

Extensão universitária é trabalho José Francisco de Melo Neto

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3Educação popular – enunciados teóricos

José Francisco de Melo Neto

Títulos a publicar:

Diálogo em educação José Francisco de Melo Neto

Extensão popular (coletânea)

-------------------------------------------------------------------------------------

------------------------ GRUPO DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – EXTELAR

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Apoios: - USINA CATENDE/PE - Companhia Agrícola Harmonia. - ANTEAG – Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de

Autogestão e Participação Acionária/SP.

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4

SUMÁRIO - Apresentação - Olhares para a extensão ............................................ - A divisão do trabalho.... .............................................. - O processo do trabalho.. ............................................ - A intencionalidade da extensão ................................. - Considerações

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5

APRESENTAÇÃO Este ensaio é um convite à inserção do leitor no debate que vem sendo desenvolvido no âmbito acadêmico e em encontros de extensão, em particular da extensão universitária, a respeito de seus aspectos ontológicos. Uma discussão que se arrasta há bastante tempo, em especial pelo Fórum de Extensão das Universidades

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6Públicas Brasileiras, despertando aspectos teóricos para a construção de um conceito para a extensão, e por que não dizer, para uma visão de universidade no Brasil. O texto conduz o leitor a inserir-se na discussão da extensão universitária visualizada no campo teórico da categoria trabalho, mas fielmente, como trabalho social útil com uma explícita intencionalidade acadêmica, diferenciando-se das demais dimensões da universidade no Brasil – pesquisa e ensino. Assim, torna-se possível a visão de um trabalho extensionista que não promova a alienação das pessoas, destacando o processo desse trabalho em vários cenários de práticas de extensão, além de seu papel (intencionalidade) de alimentar a inter-relação do ensino e da pesquisa, em favor da cultura das classes subalternas da sociedade, na construção de um outro projeto social.

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7 Olhares para a extensão

Os desafios postos com o novo momento histórico1 por que passa o país desafiam também as instituições de ensino superior para uma maior interatividade com as camadas sociais que, efetivamente, não estão presentes nos ambientes onde se realiza esse tipo de ensino. Também não se fazem representar em outros níveis da educação formal, considerando os altos índices que indicam a fome2, o analfabetismo e as desistências das escolas públicas. Estas questões

1 Este texto é produto de pesquisas em vários momentos, no campo da extensão universitária, a partir de práticas

extensionistas em projetos da Universidade Federal da Paraíba. Em 2002/3, acresce-se outra pesquisa na Usina Catende, na região da mata sul de Pernambuco, sobre a temática: extensão universitária, autogestão e educação popular.

2 A propósito, ver o primeiro discurso do Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (eleições presidenciais de 2002),

estabelecendo, como prioridade de seu governo, a eliminação da fome no país, com a definição do Projeto Fome Zero.

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8consubstanciam um desafio para o Estado e suas instituições, alimentando a possibilidade de sua superação por meio de políticas que eliminem tal processo de exclusão social.

Não basta, contudo, o sentimento da necessidade de superação de tais situações. Urge analisar as possibilidades da contribuição das várias instituições da sociedade, em particular, a instituição de ensino, pesquisa e extensão – a universidade. Por outro lado, é importante, do ponto de vista teórico, a busca de instrumentos que possam contribuir nessa perspectiva, considerando que várias práticas políticas foram desenvolvidas, às vezes, com preocupações nessa mesma direção, não atingindo os seus objetivos proclamados. Isto conduz a uma reflexão mais rigorosa sobre a extensão, dimensão da universidade que tem expressado maiores possibilidades de ter a realidade presente em seus objetos de estudos. Nesse contexto, é preciso retomar a questão: que bases conceituais servirão de vetor para a extensão universitária, podendo contribuir para possíveis encaminhamentos condizentes com a busca de soluções aos desafios presentes e que possibilitem o envolvimento das demais dimensões da universidade - o ensino e a pesquisa?

Várias têm sido as concepções da extensão universitária. São conceitos que foram estabelecendo-se a partir de discursos gerais oriundos do interior de si mesma, presentes no discurso de professores e de órgãos públicos que atuam no campo da extensão. Esses conceitos, em

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9sua maioria, fazem parte das acepções dominantes sobre a extensão universitária, em geral, originários de práticas assistenciais.

Uma dessas concepções3 afirma ser a extensão algo enriquecedor para os objetivos da universidade. Observa-se nesta compreensão que não são colocados os objetivos da universidade. Além disso, não se esclarecem o tipo e a forma como ocorre esse enriquecimento: se é monetário, teórico, prático ou outra alternativa. Extensão também é vista como atividade promotora do conhecimento. Mas esta é uma perspectiva incapaz de responder às seguintes questões: que tipo de conhecimento está sendo promovido? Como está sendo produzido? Quem está sendo beneficiado com essa promoção? A extensão é mostrada como expressão do retorno à sociedade daquilo que esta investe na universidade. Embute-se uma compreensão de troca entre a universidade e a sociedade, em que aquela precisa devolver a esta tudo que está sendo investido. Essa visão vislumbra a universidade como devedora da sociedade, fragilizando-a nessa relação ou expressando, talvez, um desejo de instalação, na universidade, da política do toma-lá-dá-cá.

3 As concepções que seguem nesses três parágrafos foram coletadas de projetos de extensão universitária,

encaminhados para financiamento, na Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários (PRAC/UFPB), durante a realização da pesquisa: Extensão universitária – uma análise crítica (2000), coordenada pelo prof. Dr. José Francisco de Melo Neto.

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10Há ainda uma definição que mostra a extensão como um meio

que liga o ensino e a pesquisa. Imagina-se que um ente concreto liga os dois outros constituintes: ensino e pesquisa. Contudo, o ensino e a pesquisa podem constituir esse ente. Mas, será necessário que se saiba o significado do meio presente nessa conceituação. Será o meio um instrumento pelo qual se pode chegar a outras conjecturas sobre extensão? Será um instrumento através do qual se domina a própria extensão, o ensino ou a pesquisa? Será o meio o intermediário para se chegar ao ensino e à pesquisa? Precisa-se desse meio?

Extensão tem se apresentado como uma forma de corrigir a ausência da universidade nas problemáticas da sociedade. A extensão, aqui, externa-se como forma. Terá essa forma um conteúdo? Afinal, qual é o conteúdo dessa forma? Entretanto, a formulação vai mais além: ela considera a universidade como ausente dos problemas da sociedade. É verdade que ela está ausente de vários problemas, mas é verdade que se faz presente em outros tantos. No campo das ciências sociais, cabe perguntar: por que nos cursos de graduação, em geral, não se estuda Brasil ou América Latina? Por que em muitos cursos de medicina não se enfatizam doenças tropicais? Essas mesmas indagações podem ser feitas em relação à pesquisa. Contudo, a universidade está presente naquelas temáticas definidas pelos setores dominantes para que sejam submetidas aos projetos de extensão, às atividades de ensino e à pesquisa. Os órgãos financiadores estão, permanentemente, definindo essas temáticas.

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11Durante a realização do XIII Fórum de Pró-Reitores de

Extensão das Universidades Públicas do Nordeste (1995), em Natal, a extensão foi considerada “um nascedouro e desaguadouro da atividade acadêmica, da qual a pesquisa seria o desenvolvimento das respostas, e o ensino o envolvimento dos estudantes em todas as etapas desse processo...”. Ao considerar a extensão como nascedouro e desaguadouro de atividades, esta visão, simplesmente, a elege como a origem e o fim das atividades acadêmicas. Parece muito mais um procedimento idealizado quando se destina esse papel à extensão. Há de se perguntar: a origem da problemática da pesquisa não passa pela realidade circundante do pesquisador? Será obra de mera idéia gerada de sua genialidade ou de circunstancial inspiração? O ensino envolvido pela perspectiva apresentada não poderia ter origem a partir de elementos da realidade? De que forma a extensão propõe-se ser nascedouro e desaguadouro de toda e qualquer atividade acadêmica?

Essa formulação inspira pró-reitores a veicularem a compreensão de extensão como a porta na qual os clientes e usuários têm de bater, quando necessitados. Dessa forma, materializa-se a extensão, extraindo-lhe o véu metafísico que a envolvia, tornando-a um ente concreto. Todavia, a presença de uma porta pressupõe a existência de uma separação, sendo esta o divisor entre o dentro e o fora. Pressupõe-se, em decorrência desta formulação, que a universidade deva estar do lado de dentro, enquanto o algo do lado de fora deve ser a sociedade ou vice-versa. Mais uma vez, assim compreendido, mantém-se o mesmo viés da

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12visão na qual a universidade constitui-se como uma instituição isolada da sociedade, como se não fosse uma organização da própria sociedade, em constantes conflitos ideológicos.

Em grande medida, a extensão vai sendo veiculada como prestação de serviços. Ora se torna estágio, quando atrelada a programas de governo; ora se torna uma forma de captar recursos; ora, por meio dela, busca-se estudar problemas da realidade. O mais curioso é que a extensão, muitas vezes, é considerada como uma espécie de sobra na universidade, podendo ser tudo aquilo que não se identifique como atividade de ensino ou de pesquisa. No entendimento de Rocha (l980), essas expressões são equivocadas para a compreensão da extensão. Para ele, é melhor pensar a extensão por meio da comunicação, considerando essa comunicação na perspectiva freireana, em que a sua sustentação decorre do processo dialógico. Contudo, admitida a existência do diálogo, é preciso perguntar: com quem o diálogo se faz? Será que não permanece, nessa formulação, a divisão entre a sociedade e a universidade, mesmo que ambas possam existir, distanciando-se e aproximando-se como resultado desse diálogo? Como se dá esse diálogo comunicativo? Existe uma ação comunicativa habermasiana nessa compreensão, onde a busca principal constitui-se no consenso como mecanismo último da organização da sociedade? Esse diálogo proposto como estratégia para a convivência social suportará a coexistência consensual em uma sociedade de classes e tão profundamente dividida?

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13Pode-se ainda resgatar a formulação de extensão universitária

produzida pelo I Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão de Universidades Públicas. Nele foram apresentados vários aspectos determinantes para uma compreensão da extensão universitária e que merecem destaque, como, por exemplo: a extensão constitui-se como processo educativo, cultural e científico. Parece interessante ter, como ponto de partida, a visão de processo para análise e definição do que seja extensão. O Fórum caracterizou esse processo como via de mão dupla. Aí, pode-se questionar o uso da idéia de via, considerando que essa simbologia cai na dificuldade de compreensão de que a universidade é parte da sociedade. Essa via de mão dupla da extensão teria o papel de manter a interligação entre ambas. Esse movimento de vai-e-vem, na formulação do Fórum, viabilizaria a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade, ou seja, no buscar e levar conhecimento. Ora, será que a democratização do conhecimento, mesmo aquele acadêmico, resolve-se pela extensão através da perspectiva de mão dupla? Sabe-se que a questão da democratização do conhecimento envolverá a produção e a posse dos resultados, constituindo-se, dessa forma, numa questão muito mais abrangente e complexa.

O conceito de extensão não pode assentar-se como via de mão única, considerando a presença autoritária, aí implícita, do fazer acadêmico, onde a universidade sabe e vai levar algum conhecimento àqueles que nada sabem: as comunidades ou a classe trabalhadora. “A

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14universidade pode passar a sua experiência para as pessoas que estão diretamente fazendo com que as suas experiências funcionem, aqui na região” (Ronaldo R. Silva, agricultor participante do Projeto Cana de Morador, nos engenhos da Usina Catende/PE)4. Destaque-se que, diante do mundo da vida que levam as pessoas, muitos dirigentes de comunidades, de entidades ou de movimentos sociais passam a reforçar a percepção da universidade como alimentadora de práticas que expressam o doar da universidade para a comunidade. A universidade nesta visão não sofre qualquer tipo de aprendizagem na relação que se estabelece, conforme expressa este depoimento:

“Eu acho que a universidade pode contribuir demais aqui dentro (Projeto Harmonia-Catende), porque aqui a gente não tem muito conhecimento. A cultura daqui é plantar cana que vem dos nossos ancestrais. E aí a questão de outro tipo de cultura, quando se tem a universidade engajada num projeto desse, eu acho que só tem a contribuir, porque ela pesquisa” (Maria Antonieta, assessora para projetos de educação e produção da Usina Catende-PE)5.

4 Entrevista para esta pesquisa. 5 Entrevista para esta pesquisa.

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15Enquanto solicita a ajuda por não ter conhecimento para sair

de seus próprios problemas, contraditoriamente, a entrevistada demonstra que tem conhecimento ao dizer aquilo que sabe que é a cultura da cana. O trabalhador, ao ser perguntado sobre a possibilidade de contribuição da universidade ao mundo dele, vislumbra uma certa força mágica da instituição, dando-lhe um poder capaz de conscientizar as pessoas: “Eu acho que é tentando conscientizar, orientar, passar para os trabalhadores, para os empregados de Catende” (Elenildo Ferreira, Presidente da Associação de Moradores do Engenho Riachão – Catende/PE)6.

6 Entrevista para esta pesquisa.

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16

Campos da Usina Catende (PE)

Mas há aqueles que vêem outras possibilidades mais atinentes ao papel da universidade no cenário da produção do conhecimento: “Acho que é de suma importância essa usina conviver bem com as

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17universidades. Acho que está com a universidade a questão-base para o desenvolvimento que é a tecnologia” (Mário Borba, Síndico da Usina Catende)7. Ou, como destaca Arnaldo Liberato (Assessor-técnico da diretoria da Usina Catende):

“Somos uma área muito rica para a pesquisa. A questão do meio ambiente, as questões agrícolas, as questões sociais mostrando que precisamos muito das universidades com sua capacidade científica, sua capacidade de pesquisa, sua capacidade de orientação. Nós temos uma carência muito grande nesse sentido e não temos pernas para bancar pesquisas. Entendemos que este é um papel da universidade. Na universidade, buscamos parcerias, porque têm muitas pessoas sérias, muitos técnicos competentes que gostam e apostam em coisas assim (o projeto Catende/Harmonia). Estamos apostando nisso”8 .

A concepção de extensão como via de mão dupla separa o

processo educativo da própria educação, o processo cultural da produção da cultura, bem como o processo científico da própria ciência. Pode-se questionar: quais os interesses que se manifestam nessa realização? Será a extensão algo ideal, capaz de viabilizar uma 7 Entrevista para esta pesquisa. 8 Entrevista para esta pesquisa.

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18relação transformadora, como propõe aquele conceito? Em uma via de mão dupla, há um momento de tensão nesse passar de algo que vem em uma mão, para algo que vem em sentido contrário. Será esse o momento da extensão? Mas de que se constitui esse momento? Em geral, as ultrapassagens no mundo físico, seguindo a simbologia das vias apresentadas, são muito rápidas. Extensão será apenas um certo momento ou buscar-se-á uma maior permanência, considerando a idéia de processo? Talvez, visualize-se uma mão que segura outra. Essa simbologia já foi bastante utilizada, na década de 60, sobretudo, nos tempos da Aliança para o Progresso9, prestando-se para a ideologia do desenvolvimento da época. Essa simbologia parece conduzir, por conseguinte, à monotonia e à estabilidade e, naquele caso, à dominação. As mãos tinham expressão de força diferenciada. Assim, essas situações não combinam com o conceito de processo, que é dinâmico.

Extensão será expressão de monotonia? Esta compreensão de extensão, como via de mão dupla, pode destacar, ainda, um retorno dos conhecimentos para a universidade, como se aí estivesse o único espaço para a reflexão teórica. Não se estará gerando uma dicotomia, inclusive espacial, da condição de reflexão teórica, ao transladá-la para o espaço da universidade? Pode até se perguntar: será a

9 Projeto ligado ao governo norte-americano para eliminar a fome do continente, implementando a sua ideologia de

progresso, consistindo em distribuição de alimentos ao povo pobre.

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19universidade o lugar, por excelência, para a reflexão teórica? Não seria esse espaço o próprio lócus de realização das atividades de extensão? Ainda na compreensão da extensão como via de mão dupla, afirma-se que a produção de conhecimento é resultante do confronto com a realidade, seja brasileira, regional ... enfim, do confronto com a realidade. Não será uma redução dos diferenciados processos de geração do conhecimento? Extensão, na perspectiva da produção do conhecimento, não pode contemplar conceitos que expressem apenas uma ‘relação unívoca’, que se desenvolve em um sentido - universidade para o povo. Esta visão não permite novas definições ou possibilidades, ao anular o espaço da contradição, uma vez que os intelectuais da universidade (professores, alunos e servidores) já definiram tudo.

Paulo Freire (1979: 22), ao interpretar as diferenciadas possibilidades conceituais de extensão, mostra que o termo aparece como transmissão; sujeito ativo (de conteúdo); entrega (por aqueles que estão além do muro, fora do muro). Daí falar-se em atividades extramuros; messianismo (por parte de quem estende); superioridade (do conteúdo de quem entrega); inferioridade (dos que recebem); mecanismo (na ação de quem estende); invasão cultural (através do conteúdo levado, que reflete a visão do mundo daqueles que levam, que se superpõem, à daqueles que passivamente recebem). Sugere, finalmente, extensão como comunicação.

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20Ao se vislumbrar extensão como comunicação, permanece

ausente o significado mesmo da extensão. A formulação de um conceito a partir de um outro, como o de comunicação, leva a extensão a permanecer no vazio da indefinição, tornando-se o outro substantivo. A superação desse tipo de conceito exigirá que outros demonstrem a instauração do diálogo como pressuposto de suas realizações, dando prioridade às metodologias que incentivem a participação dos envolvidos nesses processos. Extensão também é expressão de relações processuais, contudo não é essa relação em si mesma.

A atividade de extensão tem sentido se interpretada como “a criação e recriação de conhecimentos possibilitadores de transformações sociais, onde a questão central será identificar o que deve ser pesquisado e para quais fins e interesses se buscam novos conhecimentos” (BRASIL/MEC, Plano Nacional de Extensão Universitária, 1999: 5). Destaque-se a necessidade da produção do conhecimento e não simplesmente a promoção de uma relação entre saberes acadêmicos e saberes populares. A busca por produção de um conhecimento transpõe a dimensão meramente de troca de saberes. Essa dimensão ocorre nas ações extensionistas, mas não se constitui, meramente, de processos relacionais.

A definição formulada no I Fórum de Pró-Reitores (Brasil/MEC: 1987) já vislumbrava a preocupação com a “produção do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade

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21na atuação da universidade” (ibid.: 5). Fazer extensão pressupõe a ação propriamente dita, pois esta não se enquadra em mera perspectiva contemplativa da realidade. Nesse sentido, é importante ressaltar a conclusão do Fórum:

“A intervenção na realidade não visa levar a universidade a substituir funções de responsabilidade do Estado, mas sim produzir saberes, tanto científicos e tecnológicos quanto artísticos e filosóficos, tornando-os acessíveis à população, ou seja, a compreensão da natureza pública da universidade se confirma na proporção em que diferentes setores da população brasileira usufruam dos resultados produzidos pela atividade acadêmica, o que não significa ter que, necessariamente, freqüentar seus cursos regulares” (ibid.: 6).

A construção de um conceito atualizado para as necessidades

que estão apresentadas, no atual momento histórico, exige que se vá além das possibilidades apontadas, buscando as relações internas existentes e suas práticas nas instituições promotoras de extensão, como a universidade. Volta-se, ainda, às questões que a realidade objetiva mais expõe àqueles que desenvolvem atividades de extensão. É nessa perspectiva que se torna possível encontrar uma definição de extensão, nas conclusões do citado Fórum de Pró-Reitores. Nessa condição, a extensão busca atender as multiplicidades de perspectivas

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22em consonância com os seguintes princípios: a ciência, a arte e a tecnologia devem alicerçar-se nas prioridades da região; a universidade não pode entender-se como detentora de um saber pronto e acabado; a universidade deve participar de todos os movimentos sociais, visando à construção da cidadania. Nesse aspecto, a extensão pode “ser encarada como um trabalho social, ou seja, ação deliberada que se constitui a partir da realidade e sobre esta realidade objetiva, produzindo conhecimentos que visam à transformação social” (ibid.: 8).

Contudo, na perspectiva conceitual do Fórum, convém retomar a idéia de que “... extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integradora social” (BRASIL/MEC, l987: 1). Estas são formulações que avançam no campo teórico, trazendo, pela categoria trabalho, uma preocupação conceitual à extensão. Mas o trabalho presente na realização das atividades de extensão pode servir para integrar pessoas à sociedade. Todavia, esta sociedade é a responsável pela exclusão, gerando os sem-comida, os sem-escola, os sem-moradia ... e de uma maioria sem quaisquer traços de cidadania. Portanto, a extensão adquire um papel integrador da sociedade, tornando-se este instrumento. Ao que se apresenta, essa visão teórica de trabalho não condiz com o tipo de sociedade que interessa aos setores subalternos da sociedade, que podem buscar a superação desse estado de coisas. Como integrar pessoas em sociedades que lhes excluem? Mas a categoria teórica trabalho pode ser utilizada para se

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23discutir um conceito de extensão voltado a um trabalho diferenciador de qualquer perspectiva de integração social e definido pela busca de outras possibilidades de vida, da construção de outro processo cultural.

Extensão pode ir além de um trabalho como o proposto pelo Fórum. Esse trabalho tem uma dimensão educativa e precisa, conseqüentemente, ser qualificado. É uma qualificação para a própria universidade, enquanto seja possível observá-la em outra perspectiva. Dessa forma, extensão é entendida como responsável por um “trabalho para fazer com que os alunos assimilem um conhecimento através da inserção na realidade em que estão vivendo e que esses conhecimentos digam alguma coisa para o momento atual” 10. Esta mesma visão concebe a universidade como a responsável por um trabalho que possibilite o exercício da função de “ligar o ensino e a pesquisa com a realidade”, contribuindo, inclusive, com a reflexão das práticas acadêmicas de docentes e estudantes. Isto vem sendo mostrado por muitos que nem estão em universidades.

“Muitas vezes, os professores que só se formavam numa faculdade para o seu exercício da profissão, nos possibilita ter a oportunidade de estar convivendo um pouco na

10 Membro da equipe da PRAC/UFPB. Texto de entrevista para a pesquisa: Extensão universitária – uma análise crítica

(2000).

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24prática desses profissionais da universidade. Isto tem ajudado bastante na compreensão e tem ajudado até a discuti-la”(Marivaldo Silva Andrade, presidente da Companhia Agrícola Catende/Harmonia-PE).11

A extensão ainda pode ser vista como tendo a missão de fazer a universidade sair dos seus muros. Elabora problemas existentes a partir da discussão da realidade em que está inserindo-se ou vivenciando. Extensão como uma busca não só de explicações teóricas, mas de respostas àquelas necessidades imediatas de setores da sociedade. A realidade apresenta desafios para todos os projetos sociais alternativos em andamento que podem ver a universidade com o papel de contribuir de diferenciadas formas. Nesse aspecto, convém transcrever o seguinte depoimento sobre o projeto Catende/Harmonia:

“Este projeto vai ser sustentado se tivermos pelo menos três pessoas em cada Engenho com condição de dirigir negócios locais, articulando uma rede que é a Companhia Agrícola Harmonia. Há pessoas voltadas à área do meio ambiente, na área de organização dos trabalhadores, pessoas na área de dirigir as cooperativas e dirigir esses processos que vão acontecendo nesses engenhos. Se a gente não tiver pessoas ou recursos humanos que possam

11 Entrevista para esta pesquisa.

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25orientar esse trabalho, que possam conduzir e dar direção a esse processo, garantindo a democracia e a participação dos donos dos negócios que são os sócios, o processo não anda” (Risadalvo José da Silva (o São), ex-assessor da Companhia Agrícola Catende/Harmonia) 12.

Nesse sentido, a extensão torna-se “um trabalho; um trabalho que

não tem um tempo definido mas está dentro de uma perspectiva de trabalho permanente, trabalho continuado”13. Apresenta-se, dessa maneira, uma possibilidade diferenciadora daquelas visões, até então apresentadas, enquanto qualifica o tipo de trabalho que está sendo desenvolvido nos projetos de extensão em andamento. Essas atividades, para muitos, passam a se constituir como sendo a própria extensão e, marcadamente, identificando-as como um trabalho: “Penso extensão como o trabalho a partir daquilo que a gente faz. Acho que é a partir daquilo que cada grupo faz que, na verdade, vai se constituindo o que a gente chama de extensão-universidade”14. Veicula-se, em alguns projetos de extensão, uma perspectiva gerada a partir das atividades em

12 Entrevista para esta pesquisa. 13 Membro da equipe de projeto do Centro de Referência da Saúde do Trabalhador – CERESAT/UFPB. Texto da

entrevista para a pesquisa: Extensão universitária – uma análise crítica (2000). 14 Membro da equipe do projeto CERESAT. Texto da entrevista para a pesquisa: Extensão universitária – uma análise

crítica (2000).

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26desenvolvimento e sem estar prisioneira de qualquer formulação idealista. O ponto de partida dessa perspectiva é a realidade concreta ou o concreto real que, submetido à análise da teoria, da abstração, vai vislumbrando outras possibilidades ideológicas da extensão. “Extensão como trabalho que envolva pesquisa e um trabalho que tenha uma finalidade social bastante definida” 15.

Conforme os dados coletados no âmbito do Projeto CERESAT (Centro de Referência da Saúde do Trabalhador), dentre os aspectos variados de interesse da pesquisa, observa-se a dimensão referente à concepção de extensão que inspira aquele projeto e que alimenta a continuação do debate sobre a questão conceitual (Tabela 1, abaixo).

15 Membro da direção da universidade. Texto da entrevista para a pesquisa: Extensão universitária – uma análise

crítica (2000).

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TABELA 1

PROJETO CERESAT - DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO37

TEMAS

ITENS

A %

B %

C%

D %

Fi

%

itens

Fgi

%

tema

I - Concepção de mundo

1.1 - Visão que privilegia o mercado 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a soc. 1.3 - Visão transformadora

07 06 87

06 02 92

09 02 89

09 01 91

136 36

1668

07 02 91

1840

26

II - Concepção de sociedade

2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção

04 01 95

02 04 94

01 03 96

03 01 96

43 43

1713

02 02 96

1799

25

III - Concepção de Estado

3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. Absoluta 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe )

22 33 45

14 50 36

67 00 33

00 100 00

06 16 10

19 50 41

32

01

IV - Configuração dos interesses sociais

4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos 4.3 - Interesses voltados à classe dominada

00 57 43

03 21 76

00 10 90

07 68 35

11 155 425

02 26 72

591

08

V - Concepção de prática social

5.1 - Interesses voltados a indivíduos 5.2 - Processo em consonância com classes dominadas

02 98

05 95

03 97

06 94

19 423

04 96

442

06

VI - Relação universidade-sociedade

6.1 - Instituição do saber com vida independente 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 6.3 – Instituição como aparelho de conflito ideológico

38 00 62

65 11 24

58 33 09

31 56 13

41 17 16

55 23 22

74

02

VII – Concepção de extensão universitária

7.1 - Via de mão única 7.2 - Via de mão dupla 7.3 - Trabalho social ( construção de nova hegemonia )

61 06 33

29 08 63

66 00 34

62 01 37

167 17 16

48 05 47

349

05

VIII - Natureza do trabalho social na extensão

8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador

00 09 91

02 06 92

00 08 92

04 09 87

23 89

1063

02 08 92

1175

17

IX - Papel do agente institucional

9.1 - Agente de interesses do mercado ( capital ) 9.2 - Agente neutro da instituição 9.3 - Agente comprometido com as classes dominadas

14 28 58

64 01 35

36 41 23

55 14 31

85 21 51

54 13 33

157

02

X – Pedagogia da extensão universitária

0.1 - Pedagogia tradicional 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora

00 100

00 100

00 100

00 100

00 549

00 100

549 08

A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicadores

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16O tema VII da tabela está voltado à compreensão de extensão, veiculada pelos

participantes das atividades nesse projeto. A concepção da extensão universitária foi sintetizada a partir de três visões que, normalmente, se apresentam no debate dentro da universidade. A primeira é a via de mão única que, de forma mais caracterizada, expressa a universidade como uma instituição independente, a quem cabe passar para a sociedade os resultados de alguns dos seus trabalhos. Concretizam esta perspectiva a prestação de serviços, a promoção de cursos e eventos, a assistência, a venda de serviços, o treinamento de indivíduos da sociedade, a realização de estágios, cursinhos preparatórios para programas de pós-graduação, entre outras atividades. É em síntese, a universidade levando benefícios à sociedade. A segunda visão é apresentada através da simbologia da mão dupla em que a extensão pode ser compreendida como um processo educativo, cultural e científico. Esta concepção privilegia o aspecto de que a universidade leva conhecimento à comunidade, como traz conhecimento da sociedade para a instituição. A universidade e a sociedade são, assim, concebidas como agindo de mãos dadas, procurando, também, atender às demandas sociais em forma de troca de algo com a sociedade e tendo desta a sua contrapartida.

A terceira concepção que começa a projetar-se nesses projetos de extensão é a extensão como um trabalho social com uma utilidade definida. Esta concepção estaria sendo demarcada por indicadores que mostram certo tipo de trabalho em desenvolvimento entre universidade e sociedade, não como entes separados, mas em relação permanente entre si e que, nem por isso, deixam de se diferenciar. O sentido que se propõe é de um trabalho social útil como processo educativo, cultural e científico, porém voltado à construção de uma nova hegemonia. O trabalho aqui, aparece configurado com a própria classe subalterna, especialmente dirigido à organização dos seus diferentes setores.

De acordo com esse entendimento, a universidade e a comunidade devem ser as possuidoras do produto desse trabalho. Um trabalho que carece da presença da crítica como ferramenta nas atividades que o constituem. Esse conceito traz, em si, a dimensão de superação do senso comum ao expor e explicar os elementos da realidade. Elementos que são gerados a partir de formulações abstratas, mas tendo na realidade, no mundo concreto, a anterioridade de suas bases analíticas. Nesse movimento de análise da realidade, um segundo movimento tem continuidade no campo das abstrações, em busca de elementos ainda mais abstratos, permeados, entretanto, pelo concreto inicial. Finalmente, através dos recursos expostos por essas abstrações, busca-se criar um novo concreto, permeado das abstrações anteriores, enfim, um concreto, agora, cheio de pensamento.

Este movimento de produção de conhecimento expressa outro instrumental teórico de produção de bens culturais e de outro processo cultural. Esse percurso metodológico estabelece-se pela constante crítica dessa produção e do produto gerado, tornando-se também propositivo. Busca a superação das dimensões do estabelecido, considerando, por exemplo, que “as relações de classe não são espontaneamente transparentes ao nível da experiência ‘imediata’, da experiência ‘vivida’ - aquela experiência que é simplesmente um reflexo sobre a vida cotidiana” (Przeworski, 1989:122). Para o conhecimento dessas relações, torna-se necessário o exame da crítica. Este possibilita ir além da experiência vivida pelas equipes e

16 Esta tabela mostra a composição interna dos temas com seus itens, a freqüência dos indicadores por item e seus percentuais considerados separadamente nos

documentos e nas entrevistas - estas distribuídas em entrevistas com os coordenadores, os executores e os membros da comunidade alcançada pelo projeto. Mostra ainda a freqüência geral dos indicadores de cada tema, bem como o percentual desse tema no conjunto do projeto. Dados coletados na pesquisa: Extensão universitária – uma análise crítica (2000).

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29comunitários, superando o reflexo primeiro da experiência. A crítica é necessária, pois perscruta essas relações, assumindo seu papel transformador.

Os dados revelam que, neste projeto, 47% das opções apontam para uma percepção da extensão como trabalho social. Mas, com relação aos executores do projeto, 63% das opções do tema concentram-se no entendimento de extensão muito mais em termos da possibilidade de torná-la um trabalho social. Observa-se, contudo, que, entre os coordenadores existe uma sintonia dessa visão de extensão com as percepções da visão transformadora do mundo, presente em um modo de produção determinado e um Estado expresso através de possibilidades de sua ampliação decorrente das contradições de classe. É uma relação entre universidade e sociedade permeada dos conflitos ideológicos dessas classes. A Tabela 2, a seguir, apresenta as preocupações conceituais referentes ao Projeto Escola Zé Peão17.

17 Este projeto volta-se a alunos adultos e trabalhadores em canteiros de obras, em unidades do Sindicato de Trabalhadores na Construção Civil, em João Pessoa

(PB). Faz parte dos projetos do Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação da UFPB. Projeto analisado durante a pesquisa: Extensão universitária – uma análise crítica (2002).

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TABELA 2

PROJETO ESCOLA ZÉ PEÃO - DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO

TEMAS ITENS A %

B %

C%

D %

Fi % itens

Fgi % tema

I - Concepção de mundo

1.1 – Visão que privilegia o mercado 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a soc. 1.3 – Visão transformadora

13 01 86

09 01 90

07 01 92

24 01 75

183 08

1420

11 01 88

163

1

26

II - Concepção de sociedade

2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 – Modo de produção

06 01 93

06 01 93

04 03 93

01 01 98

61 37

1586

04 02 94

168

4

27

III - Concepção de Estado

3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. Absoluta 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 – Estado ampliado: ( contradições de classe )

83 17 00

20 80 00

00 100

00

60 40 00

12 25 00

33 67 00

37

01

IV - Configuração dos interesses sociais

4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos 4.3 - Interesses voltados à classe dominada

00 37 63

01 17 82

00 20 80

00 49 51

01 207 508

00 29 71

716

11

V - Concepção de prática social

5.1 - Interesses voltados a indivíduos 5.2 - Processo em consonância com classes dominadas

11 89

01 99

02 98

07 93

08 433

02 98

441

07

VI - Relação universidade-sociedade

6.1 - Instituição do saber com vida independente 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico

41 12 47

57 25 18

74 13 13

55 25 20

79 23 31

60 17 23

133

02

VII – Concepção de extensão universitária

7.1 - Via de mão única 7.2 - Via de mão dupla 7.3 - Trabalho social ( construção de nova hegemonia )

35 07 58

35 04 61

84 02 14

24 06 80

92 10

110

43 05 52

212

04

VIII - Natureza do trabalho social na extensão

8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador

02 27 71

03 09 88

01 07 92

01 03 96

08 58

680

01 08 91

746

12

IX - Papel do agente institucional

9.1 - Agente dos interesses do mercado ( capital ) 9.2 - Agente neutro da instituição 9.3 – Agente comprometido com as classes dominadas

38 27 35

30 00 70

17 04 79

52 03 45

48 12

110

28 07 65

170

03

X - Pedagogia da extensão universitária

0.1 - Pedagogia tradicional 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora

00 100

00 100

00 100

00 100

00 100

00 100

461 07

A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicadores

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A ação extensionista que se desenvolve neste projeto, pouco a pouco, consolida uma concepção

onde predomina a visão da sociedade como um modo de produção, definido a partir de uma base material. Todos os setores do projeto apresentam proximidade na concepção e quase coincidência no percentual. Uma média de 94% (item 2.3) expressa tal aproximação de visão de sociedade e visão de mundo. É uma concepção veiculada após o aprendizado do trabalho educativo de organização num bairro ou num sindicato, com todas as suas possibilidades e limitações.

A contradição surge ao se observar a relação da universidade com a sociedade, quando aquela é vista como uma instituição do saber com vida independente. Nesse aspecto, registra-se um índice de 41% (6.1) entre os coordenadores, percentual que cresce entre os executores do programa para 57% (6.2) e é ainda maior entre os trabalhadores, com 74% (6.3). Chega-se a uma média de 60% (6.1) da visão da universidade tida como fechada para a sociedade. Trata-se de uma visão na qual a universidade permanece encastelada em seu próprio mundo e forma indivíduos comprometidos, basicamente, com a ideologia das elites, ou seja, uma instituição que vem exercendo o papel de treinadora, recicladora de pessoas, em geral das classes dominantes.

Convém destacar, sobre concepções de extensão, a terceira possibilidade como uma visão de que a extensão universitária pode ser entendida como um trabalho social útil e, necessariamente, como um processo educativo, cultural e científico. São expressivos, contudo, os resultados do item 7.3 entre os coordenadores, executores e nos documentos produzidos pelo projeto, com percentuais de 58%, 61% e 80%, respectivamente.

Concebe-se como um trabalho realizado junto à comunidade pela universidade ou seus agentes (estudantes e professores), rompendo a dicotomia existente entre os pólos dessa relação. É uma perspectiva onde o trabalho configura-se numa dimensão de continuidade e de permanência, em processos de realimentação, valorizando a prática e a reflexão sobre essa prática. Esta concepção de extensão torna viável a atividade de ensino entre aqueles adultos que se alfabetizam, a pesquisa sobre metodologias e os próprios conteúdos dessas atividades extensionistas. Uma perspectiva que também é seguida, ao se analisar o projeto de extensão Praia de Campina18 (Tabela 3).

18 Projeto que se realiza no Vale do Rio Mamanguape, na região canavieira da Paraíba, analisado durante a pesquisa: Extensão universitária – uma análise

crítica (2000).

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TABELA 3

PROJETO PRAIA DE CAMPINA - DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO

TEMAS ITENS A

% B %

C%

D %

Fi % itens

Fgi

% tema

I - Concepção de mundo

1.1 - Visão que privilegia o mercado 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a soc. 1.3 - Visão transformadora

15 04 81

15 04 81

19 09 72

10 10 80

92 33 442

16 06 78

567

16

II - Concepção de sociedade

2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção

02 52 46

01 59 40

-- 37 63

-- 17 83

08 455

516

01 47 52

979

28

III - Concepção de Estado

3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. Absoluta 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: (contradições de classe)

-- 66 34

-- 100 --

75 25 --

50 -- 50

04 05 02

36 46 18

11

01

IV - Configuração dos interesses sociais

4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos 4.3 - Interesses voltados à classe dominada

-- 39 61

05 32 63

01 07 92

-- 20 80

03 47 253

01 16 83

303

08

V - Concepção de prática social

5.1 - Interesses voltados a indivíduos 5.2 - Processo em consonância com classes dominadas

12 88

-- 100

-- 100

-- 100

04 181

02 98

185

05

VI - Relação universidade-sociedade

6.1 - Instituição do saber com vida independente 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico

55 21 24

82 09 09

65 31 04

-- 50 50

68 18 13

69 18 13

99

03

VII - Concepção de extensão universitária

7.1 - Via de mão única 7.2 - Via de mão dupla 7.3 - Trabalho social (construção de nova hegemonia)

25 28 47

63 24 13

68 13 19

95 -- 05

73 24 25

60 19 21

135

04

VIII - Natureza do trabalho social na extensão

8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador

01 58 41

01 63 36

-- 29 71

-- 11 89

03 361

360

01 50 49

724

21

IX - Papel do agente institucional

9.1 - Agente dos interesses do mercado (capital) 9.2 - Agente neutro da instituição 9.3 - Agente comprometido com as classes dominadas

42 29 29

64 04 32

-- -- 100

100 -- --

23 05 18

50 10 40

46

02

X - Pedagogia da extensão universitária

0.1 - Pedagogia tradicional 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora

01 99

-- 100

-- 100

-- 100

01 389

01 99

408

12

A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicadores

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33

Destaca-se, aqui, a terceira possibilidade que se manifesta em 47% (7.3), que é a extensão como um processo educativo, cultural e científico, assumido a partir da posição das classes subalternas, buscando contribuir para a construção de uma outra hegemonia. Nesse sentido, a extensão é um trabalho social útil a serviço das classes subalternas. O processo que se estabelece, por conta dessa concepção, envolve a universidade e a sociedade, propondo uma relação efetiva entre elas a partir da sua clara diferenciação, considerando as suas especificidades.

O conhecimento aí gerado é resultado da produção coletiva e deve estar voltado ao trabalho acadêmico universitário e à organização coletiva das classes dominadas. Trata-se de um trabalho que pretende apropriar-se do saber da universidade e do saber dessas classes, dessas populações ou comunidades, para, num processo de reflexão e reelaboração, possibilitar nova apropriação desse saber. Um trabalho útil que, segundo o depoimento de um dos entrevistados, serve para “organizar o homem do campo e fazer com que ele se valorize com o seu pequeno pedaço de terra”.

Mesmo em projetos de extensão voltados à tecnologia, também se apresenta a perspectiva da extensão como trabalho social útil. No Projeto Qualidade de Vida, analisado nesta pesquisa19, a presença da

19 Projeto em desenvolvimento na Universidade Federal de Campina Grande (PB) que busca o tratamento do lixo,

acompanhado de um processo de educação dos moradores de um bairro da cidade e a geração de renda.

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34

visão de extensão como via de mão única está representada entre coordenadores e executores com percentuais de 69% e 83%, respectivamente.

“É justamente aí onde eu vejo essa parte da extensão. Eu vejo como um trabalho da universidade, juntamente com a sociedade, com o objetivo de quê? De assessorar essa comunidade, transmitindo conhecimentos que ela não adquiriu. A gente está na universidade, tem esse conhecimento que precisa ser repassado para a sociedade”20.

Mas a visão da extensão como uma possibilidade de trabalho social útil aparece, entre os coordenadores, com um percentual de 17%. É um percentual expressivo, considerando-se o fato de que esse tema revela-se com 6% no conjunto dos temas do projeto, enquanto que este mesmo item projeta um percentual de 12% entre os demais itens.

Esse direcionamento conceitual – extensão como trabalho social útil - é manifestado nos projetos analisados21. Convém destacar que os

20 Estudante e membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para a pesquisa: Extensão

Universitária – uma análise crítica.(2000). 21 A pesquisa Extensão universitária: uma análise crítica analisou dez temas, entre eles, a concepção de extensão

presente nos projetos, buscando os indicadores para a concepção de extensão como via de mão única, via de mão dupla e trabalho social, destacando a visão dos coordenadores, dos executores e de membros da comunidade.

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35

indicadores, em torno desta perspectiva, apresentaram percentuais elevados nos projetos CERESAT e Escola Zé Peão, particularmente entre os executores, com percentuais de 63% e 61%, respectivamente. Entre os coordenadores do Projeto Praia de Campina, atinge-se o percentual de 47% e 13% entre os executores. No Projeto Qualidade de Vida, essa concepção expressa-se entre os coordenadores com 13%, considerado, ainda um índice representativo.

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36

Canaviais do vale do Mamanguape (PB)

Sendo trabalho social e útil, a efetivação da extensão gera um

produto que transforma a natureza, na medida em que cria cultura. É um trabalho imbuído da sua dimensão educativa. O produto desse trabalho, todavia, passa a pertencer tanto às equipes dos projetos de

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37

extensão, na universidade, quanto à própria comunidade ou aos grupos comunitários, para aplicação na organização de seus movimentos. Esta tem sido uma busca constante de apropriação do produto gerado nas atividades de extensão.

Essa dimensão da extensão possibilita a superação da alienação gerada pela não posse do produto do trabalho por parte de seus produtores, no modo de produção capitalista. Todos os produtores devem apropriar-se desse produto do trabalho, que é o saber.

Esse trabalho caracteriza-se como um espaço de atuação de todos os que buscam a organização de seus grupos, de sua comunidade ou de sua classe. Deve ser um espaço onde existem processos de realimentação dos conhecimentos, que estão sendo produzidos, e outros que são gerados a partir desses últimos. Esse trabalho deve expressar uma relação íntima entre a teoria e a prática social em desenvolvimento.

Nessa perspectiva de extensão, a Tabela 4 a seguir apresenta resultados22 que mostram dados convidativos para manter-se a

22 Pesquisa desenvolvida no período de maio de 1998 a setembro de 2000 (Extensão universitária como trabalho

social), pelo aluno Sílvio Carlos Fernandes da Silva e pelas alunas Karla Lucena de Souza, Izabel Marinho da Costa e Andréa Tavares A. Magalhães, como bolsistas do PIBIC/CNPQ/UFPB, sob a coordenação do Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto. A pesquisa analisou, além de outros aspectos das atividades extensionistas, as concepções de extensão presentes nessas atividades, na Universidade Federal da Paraíba, nas décadas de 80 e 90. Seguiu também o mesmo itinerário metodológico da pesquisa nos projetos já apresentados.

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38

possibilidade de conceituação da extensão, a partir das experiências em desenvolvimento em vários cenários de práticas extensionistas.

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39

TABELA 4 CONCEPÇÕES DE EXTENSAO UNIVERSITÁRIA

INDICADORES DÉCADA

DE 80 DÉCADA

DE 90

Concepção de extensão como via de mão única

68,92%

51,93%

Concepção de extensão como via de

mão dupla

11,33%

25,95%

Surgimento da extensão como trabalho

social útil

19,75%

21,97%

Fonte: Dados do relatório de Sílvio Carlos Fernandes da Silva, da pesquisa

Extensão Universitária como Trabalho Social, que analisou a concepção de extensão nas décadas de 80 e 90, presente em atividades extensionistas, na Universidade Federal da Paraíba.

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40

Há um expressivo decréscimo percentual da presença dos indicadores de mão única nas décadas de 80 e 90. Em contrapartida, há um crescimento da visão de extensão como mão dupla, expressando a aplicação do conceito de extensão, na visão do Fórum, presentes nos projetos dessas décadas, e o aparecimento da perspectiva de reconceituação da extensão como um trabalho social útil, em vários projetos e atividades, com percentuais de 19,75% na década de 80 para 21,97% na década de 90.

Contudo, é importante a perspectiva da extensão na ótica do trabalho, mas, ainda, não encerra a discussão. A partir dos dados apresentados dessas pesquisas, uma questão impõe-se: que dimensões pode ter esse trabalho23, como uma categoria filosófica fundante para a extensão? Esta pesquisa remete à discussão dessa temática central, muito discutida e complexa, que tem apresentado possibilidades concretas, no sentido de contribuir para outras e, talvez, melhores análises sobre a realidade desse mundo atual, além de outros possíveis redirecionamentos práticos. É um mundo que aponta a necessidade da discussão, nos dias de hoje, sobre o papel da universidade, em particular, da extensão universitária. 23 Sugerimos leitura mais detalhada da categoria trabalho em três obras de Marx: Os manuscritos econômicos e

filosóficos, a ideologia alemã e o capital, particularmente o livro I, volume I, no seu V capítulo. Nestes livros, identifica-se a evolução do conceito em Marx, contida inicialmente nos Manuscritos. O livro, A Ideologia Alemã, caracteriza a divisão do trabalho e, de forma mais elaborada, em O Capital, o processo do trabalho.

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41

A extensão não alienante

A extensão como um trabalho24 não pode realizar-se, adquirindo um papel alienante, possibilidade existente inclusive se assumir essa dimensão. Como escapar da alienação nesse tipo de fazer acadêmico, se o trabalho alienado é possível? Como o trabalho adquire essa dimensão? Nessa busca, Marx (1979: 89) inicia seu estudo sobre essa categoria teórica, aceitando os conceitos utilizados pela economia clássica, tais como: a propriedade privada, os salários, os lucros e arrendamento, a competição, o conceito de valor de trabalho, a separação do trabalho, capital e terra, como também a divisão do trabalho. É sobre essa base empírica que constrói a sua crítica, constatando que o trabalhador, na perspectiva da economia clássica e, sobretudo, nas bases do modo de produção estabelecido, o capitalismo, “afunda até um nível de mercadoria, e uma mercadoria das mais deploráveis; que a miséria do trabalhador aumenta com o poder e o volume de sua produção”. Destaca ainda que a competição estabelecida no capitalismo gera o acúmulo de capital em poucas 24 Esta discussão teórica sobre o trabalho não é uma novidade para a filosofia nem para a teoria econômica. Não é

criação do século XIX, posto que foi apresentada em séculos anteriores. É a partir da concepção de trabalho contida nas obras dos economistas políticos, considerados clássicos, como Ricardo e Smith, bem como nas formulações idealistas dos filósofos alemães, destacando Hegel, que Marx começa a desenvolver sua crítica sobre a formulação teórica desses pensadores e de uma forma mais ampla, sobre o conceito de trabalho.

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mãos restaurando, dessa forma, o monopólio. Enfim, essa dualidade existente entre capitalista e proprietário de terra, em relação ao trabalhador agrícola e operário, precisa desaparecer.

Um fato econômico relevante é que o trabalhador está ficando mais pobre. Sua pobreza relaciona-se com a sua produção. “O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à medida que cria mais bens. A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento do valor do mundo das coisas” (ibid.: 90). Aqui, aparece um traço fundamental distanciador das concepções anteriores de trabalho, cuja preocupação (economia clássica) estava voltada à dimensão da produção de mera mercadoria, ou como atividade externa ao homem e gerador de riqueza. Toma corpo o mundo humano ou a dimensão humana do trabalho, que surge como um elemento novo, com uma dimensão filosófica fundamental dessa categoria e da perspectiva de se vislumbrar a extensão num campo teórico e de realizações sem alienação.

Ver a extensão como um trabalho conduz à sua compreensão provida da dimensão humana, da essência do homem. O trabalho, portanto, “não cria apenas bens; ele também produz a si mesmo e o trabalhador como uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção em que produz bens” (ibid.: 90). Como um trabalho, o fazer extensão só pode resgatar o caráter humano do mesmo. É o trabalho como atividade racional humana na produção tanto de bens materiais como de bens espirituais. Assim, inicia-se a formulação do conceito de

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43

trabalho alienado e, conseqüentemente, de alienação. O objeto produzido pelo trabalho, o seu produto, passa a não mais pertencer ao produtor. Passa a se lhe opor como um ser alienado, tornando-se uma força independente do próprio produtor. Tem-se então que esse produto “é trabalho incorporado em um objeto e convertido em coisa física; esse produto é uma objetificação do trabalho” (ibid.: 91). O seu exercício ou a sua execução dá-se, portanto, simultaneamente à sua objetificação.

A execução do fazer extensão – um trabalho - vai aparecer como uma perversão do trabalhador, daqueles envolvidos nas atividades de extensão. A sua objetificação, dessa forma, torna-se uma perda e uma servidão em relação ao objeto “e a apropriação como alienação” (ibid.: 91). É um mecanismo em que o trabalhador não só perde o objeto, resultado de seu trabalho, como também coisas que lhe são essenciais, como até mesmo sua própria vida. Para Marx, “a apropriação do objeto aparece como alienação a tal ponto que quanto mais objetos o trabalhador produz tanto menos pode possuir e tanto mais fica dominado pelo seu produto, o capital” (ibid.: 91). Tudo isso é decorrente do fato de o trabalhador relacionar-se, agora, com o produto de seu trabalho que lhe é alienado. Isto remonta ao fazer extensão, como atividade geradora de um produto, podendo ser o conhecimento, mas que exige o envolvimento dos que atuam nessa produção, personagens da universidade e da comunidade e, ainda, a posse do produto por todos os seus produtores.

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Nessa relação entre produtor e objeto alienado, o trabalhador não pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensorial. E este é o material onde ocorre a concretização do trabalho, onde o produtor atua e por meio de tal ação se produzem as coisas. O trabalhador se converte em escravo do seu objeto. Em conversas, durante esta pesquisa, era comum ouvir-se afirmação do tipo: “Esta Usina Catende é a minha vida”. Em primeiro lugar, por receber “um objeto de trabalho, isto é, receber trabalho, e em segundo lugar por receber meios de subsistência. Assim, o objeto o habilita a existir primeiro como trabalhador e depois como sujeito físico” (ibid.: 92). Essa alienação vai se expressar através da seguinte compreensão: quanto mais ele produzir, menos terá para consumir; quanto mais ele produzir, mais perderá seu valor. Ou, nas palavras de Marx: “Quanto mais inteligência revela o trabalho, tanto mais o trabalhador decai em inteligência e se torna um escravo da natureza” (ibid.: 92).

A análise desenvolve-se sobre o trabalho, mas agora como fruto da relação entre trabalhador e produção. Assim, a alienação passa a ser vista, ao externar-se frente ao resultado da objetificação e, frente ao processo de produção, dentro da própria atividade produtiva, ocorrendo no próprio ato da produtividade. Essa alienação do trabalho não é uma simples abstração, uma vez que se caracteriza de várias formas. Em sendo parte da natureza do produtor, com a objetificação, o trabalho se externa ao produtor, ao trabalhador. Passa a apresentar-se não como um sentimento de bem-estar, mas de

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sofrimento, tornando-se não um ato voluntário, mas uma ação imposta e forçada.

Ao invés de se constituir em algo gerador de satisfação de uma necessidade, torna-se apenas meio para satisfazer outras necessidades, sobretudo, porque passa a pertencer a outros e não mais ao trabalhador. Tudo isto dimensionará o trabalho alienado com as seguintes características: a primeira destaca essa relação do trabalhador com o produto de seu trabalho, expressando-se como objeto que lhe é estranho e que o domina; a segunda diz respeito à sua relação como ato de produção dentro de si próprio, caracterizando-se, dessa forma, como uma auto-alienação. A partir daí, introduz-se uma terceira característica, gerada das anteriores, que é a seguinte:

“O homem é um ente-espécie (consciente não apenas de si mesmo como um indivíduo, mas da espécie ou ‘essência humana’) não apenas no sentido de que ele faz da comunidade (sua própria, assim como as de outras coisas) seu objeto, tanto prática quanto teoricamente, mas também (e isso é simplesmente outra expressão da mesma coisa) no sentido de tratar-se a si mesmo como a espécie vivente, atual, como um ser universal conseqüentemente livre” (ibid.: 95).

A dimensão de universalidade, requerida por Marx para o homem, está justificada considerando-se a base física. Nessa base, a

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espécie humana vive da natureza inorgânica, a qual torna o homem mais universal que um animal. Há todo um movimento teórico de demonstração dessa universalidade, expresso na prática por duas outras dimensões: “Como meio direto de vida, e, igualmente, como o objeto material e o instrumento de sua atividade vital” (ibid.: 95). Assim, pode afirmar-se que a vida tanto física como mental do homem e a natureza são interdependentes. Significa dizer que a natureza é interdependente em relação a si mesma, já que o homem é parte dessa natureza.

Além disso, como qualquer outra espécie na natureza, o homem é um produto dessa natureza, sendo também por ela limitado. Mas ao homem se torna possível superar os limites impostos e, assim, subordinar ao seu poder a própria natureza. Ao homem se torna possível a transformação desse conjunto denominado de corpo inorgânico. É isto, inclusive, que o distingue como espécie das demais espécies de animais. Encontra-se, então, uma perfeita sincronia nos processos de alienação que estão ocorrendo nesse nível da natureza e da espécie.

“Tal como o trabalho alienado: 1) aliena a natureza do homem e 2) aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital, assim também o aliena da espécie. Ele transforma a vida da espécie em uma forma de vida individual. Em primeiro lugar, ele aliena a vida da espécie e a vida individual, e posteriormente

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transforma a segunda, como uma abstração, em finalidade da primeira, também em sua forma abstrata e alienada” (ibid.: 95).

A vida produtiva é, portanto, a vida da espécie. Assim, observa-se que é no tipo de atividade vital onde reside o caráter de uma espécie, o seu caráter como espécie. Nesse sentido, o caráter da espécie dos seres humanos se evidencia pela atividade livre e consciente. O animal, como se sabe, não distingue a si mesmo de sua atividade vital. Ele é sua própria atividade. Pela extensão, isto não pode ocorrer, simplesmente. Essa atividade humana poderá ser considerada como uma atividade vital, isto é, um objeto tanto de sua vontade como de sua consciência. Uma atividade que exige que seja consciente, distinguindo o trabalho da extensão das tantas outras atividades vitais de animais ou mesmo de humanos, constituindo-o como um ente-espécie. Pela extensão essa atividade precisa ser sua e ser uma atividade livre. Em não sendo entendida como uma atividade livre, esse trabalho extensionista inverte a relação, pois se torna alienado. Este trabalho só terá sentido unicamente como um meio para a sua existência.

O homem é um ente-espécie, exatamente por seu trabalho exercido sobre o mundo objetivo. Essa produção é, em conseqüência, a sua vida ativa como espécie e, graças a ela, a natureza se apresenta

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como trabalho e realidade do ser humano. Assim, se pode definir o objetivo do trabalho:

“A objetificação da vida-espécie do homem, pois ele não mais se reproduz a si mesmo apenas intelectualmente, como na consciência, mas ativamente e em sentido real, e vê seu próprio reflexo em um mundo por ele construído. Por conseguinte, enquanto o trabalho alienado afasta o objeto da produção do homem, também afasta sua vida-espécie, sua objetividade real como ente-espécie, e muda a superioridade sobre os animais em uma inferioridade, na medida em que seu corpo inorgânico, a natureza, é afastado dele” (ibid.: 96).

Dessa forma, o trabalho alienado, expresso e realizado a partir de tantas outras concepções de extensão, transforma tanto a atividade livre e dirigida pelo próprio indivíduo em um meio, quanto a vida do homem, como membro da espécie, também em um meio de existência física. Em conseqüência, o trabalho alienado aliena o homem de seu próprio corpo, a natureza intrínseca de sua vida mental e de sua vida humana. Além disso, o homem é alienado por outros homens (professor, alunos ou membros de comunidades), significando que, enquanto cada um é alienado por outros, cada um dos outros é alienado da vida humana. Dessa forma, “o que é verdadeiro quanto à relação do homem com seu trabalho, com o produto desse trabalho e

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consigo mesmo, também o é quanto à sua relação com outros homens, com o trabalho deles e com os objetos desse trabalho” (ibid.: 97).

O conceito de trabalho alienado, em Marx, teve início não a partir de formulações meramente ideais, mas basicamente de um fato econômico e, portanto, possível de se expressar e de se revelar na realidade. Esse passa a pertencer a um ser estranho, que não o trabalhador. A esse ser estranho pertencem tanto o trabalho como o produto deste. A esse ser estranho o trabalho é devotado, a ele se destina o produto do trabalho. Esse ser estranho, em não sendo nem os deuses nem a natureza, só pode ser o próprio homem. Nesse sentido, Marx afirma: “toda auto-alienação do homem, de si mesmo e da natureza, aparece na relação que ele postula entre os outros homens, ele próprio e a natureza” (ibid.: 98).

O trabalho e o capital se tornam estranhos um para o outro. Relacionam-se, contudo, de maneira acidental e externa, mas isso se expõe na realidade. Com essa separação, se o capital não existe mais para o trabalhador, este deixa de existir para si e conseqüentemente a existir não mais como ser humano podendo, portanto, não ter mais emprego ou salário e, assim, morrer à míngua.

“O trabalhador só é trabalhador quando existe como capital para si próprio, e só existe como capital quando há capital para ele. A existência do capital é a existência dele, sua vida, visto determinar o conteúdo de sua vida independentemente dele” (ibid.: 103).

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Dessa forma, a produção da atividade humana - o trabalho - se

torna estranha a si mesmo, ao homem e à natureza; e torna-se estranha tanto à consciência do homem como à possibilidade de realização da vida humana. Numa situação como essa, perde-se o significado de trabalho social como expressão genuína da vida comunal. Ele não pode não pode, portanto, conduzir a uma negação do homem. A visão da extensão como um trabalho social é um ato acadêmico e, estritamente, promotor da positividade do humano.

O trabalho se torna fundante, pois se constitui como o resgate da dimensão humana do próprio trabalho com a superação daquilo que está gerando essa negação. Isso se torna possível com a superação da propriedade privada, possibilitando-se que o processo de trabalho passe a produzir não só objetos materiais como também o próprio homem, a si mesmo e aos outros homens. É uma existência que tem o homem como sujeito, constituindo-se em ponto de partida e resultado desse movimento. Havendo a produção do conhecimento pelo trabalho extensionista e a conseqüente posse do mesmo pelos participantes, resgata-se, dessa forma, a dimensão social do trabalho. A extensão se estabelece como um trabalho social, constituindo-se como expressão de um caráter social, porém como caráter universal de todo esse movimento, em que a sociedade, ao mesmo tempo que produz o homem, também é produzida por ele. Dentro dessa visão, pode-se compreender o que expressa Marx:

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“A atividade e o espírito são sociais em seu conteúdo, assim como em sua origem; eles são atividade social e espírito social. A significação humana da natureza só existe para o homem social, porque só neste caso a natureza é um laço com outros homens, a base de sua existência para outros e da existência destes para ele. Só, então, a natureza é a base da própria experiência humana dele e um elemento vital da realidade humana” (ibid.: 118).

Esse movimento torna a existência natural do homem a sua própria existência humana. A natureza, por sua vez, se torna humana para ele. A sociedade, como conseqüência, é expressão do produto da união entre a natureza e o homem, realizando um naturalismo no próprio homem e um humanismo na própria natureza. Assim, a extensão só terá um papel importante no âmbito da instituição universitária e como uma possibilidade teórica, caso venha a se constituir como um trabalho em condição de contribuir para a humanização do próprio homem. A extensão, contudo, poderá sofrer da mesma mazela do trabalho alienado, passando a ser geradora da divisão social do trabalho, sobretudo quando promovida fora de uma realidade concreta.

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A divisão do trabalho A extensão, nos marcos da categoria trabalho, proporciona uma preocupação teórica permanente na sua realização25. A realidade circundante do fazer extensão sempre mantém o convite à necessária conexão entre a crítica que precisa permanecer no fazer extensionista, com o seu próprio meio material. É este meio material que proporcionará a não transformação das análises sobre extensão em dogmas ou arbitrariedades, escapando de um fazer abstrato, prisioneiro puramente da imaginação. É importante o pensamento a partir de indivíduos reais, de sua ação, bem como de suas condições materiais de vida, tanto aquelas já existentes como as produzidas por sua ação. Nesse sentido, declara Marx (1996.: 27): “O primeiro ato histórico destes indivíduos, pelo qual se distinguem dos animais, não é o fato de pensar, mas o de produzir seus meios de vida”26. A ação extensionista terá importância à medida que tiver, de forma explícita, uma utilidade produtiva voltada à vida humana.

Após a análise sobre o conceito de trabalho e o destaque ao trabalho alienado, urge uma discussão sobre a sua divisão, possível no 25 Nas citações da Ideologia Alemã de Marx e Engels, aparecerá apenas o nome de Marx. 26 Ver maiores detalhes sobre a questão nas notas desenvolvidas por Engels, no Manifesto Comunista.

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trabalho extensionista. Essa divisão, historicamente, vem acontecendo entre o trabalho industrial e comercial, de um lado, e o trabalho agrícola, de outro, acompanhado, hoje, por uma divisão mais profunda, que é o trabalho concreto(manual) e o trabalho intelectual. Essa divisão gera a separação entre a cidade e o campo e, como conseqüência, os conflitos decorrentes da diferenciação dos interesses que estão em campos opostos. O trabalho industrial, ou mesmo o trabalho comercial, também apresenta sua separação interna. Nessa linha e em escala maior, afirma Marx:

“Ao mesmo tempo, através da divisão do trabalho dentro destes diferentes ramos, desenvolvem-se diferentes subdivisões entre os indivíduos que cooperam em determinados trabalhos. A posição de tais subdivisões particulares umas em relação a outras é condicionada pelo modo pelo qual se exerce o trabalho agrícola, industrial e comercial (patriarcalismo, escravidão, estamentos e classes). Estas mesmas condições mostram-se ao se desenvolver o intercâmbio entre as diferentes nações” (ibid.: 29).

Constituindo-se de várias fases do desenvolvimento, a divisão

do trabalho gera diferenciadas formas de propriedades, levando Marx a afirmar: “a da nova fase da divisão do trabalho determina igualmente as relações dos indivíduos entre si, no que se refere ao material, ao

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instrumento e ao produto do trabalho” (ibid.: 29). Assim, a primeira forma de propriedade apresentada é a propriedade tribal, uma fase da sociedade em que um povo se alimenta da caça, da pesca, da criação de gado e da agricultura. Nesta fase de desenvolvimento, a divisão do trabalho se apresenta pouco expressiva, resumindo-se “a uma maior extensão da divisão natural no seio da família. A estrutura social limita-se a uma extensão da família: os chefes patriarcais da tribo, abaixo deles os membros da tribo e finalmente os escravos” (ibid.: 30).

A segunda forma de propriedade é a comunal e estatal, encontrada na antiguidade, e que provém da reunião de tribos formando a cidade, gerada por contrato ou mesmo pela conquista. Destaque-se que, mesmo aí, ainda subsiste a escravidão. Marx observa que, ao lado desse modelo de propriedade, surge a propriedade móvel e, mais tarde, a imóvel, embora como forma estranha ao que está estabelecido como modelo, porém mantida subordinada à propriedade comunal. Este tipo de propriedade privada, ainda coletiva, vai perdendo espaço com o surgimento da propriedade privada imóvel. Com isso, a divisão do trabalho é mais desenvolvida. Estabelece-se, por outro lado, com maior radicalidade a divisão entre o campo e a cidade, em particular quanto aos seus interesses. A terceira forma de propriedade gerada dessa divisão é a feudal ou estamental. Se, na antiguidade, partia-se da cidade, na Idade Média, partia-se do campo. Isto resultava da existência de populações dispersas e disseminadas

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pelo campo e para as quais os conquistadores nada trouxeram de incremento, tendo como conseqüência essa inversão de ponto de partida. A explicação dessa mudança pode ser vista da seguinte maneira:

“Ao contrário da Grécia e de Roma, o desenvolvimento feudal inicia-se, pois, em terreno muito mais extenso, preparado pelas conquistas romanas e pela expansão da agricultura e está, desde o começo, com elas relacionado. Os últimos séculos do Império Romano em declínio e as próprias conquistas dos bárbaros destruíram grande quantidade de forças produtivas; a agricultura declinara, a indústria estava em decadência pela falta de mercados, o comércio adormecera ou fora violentamente interrompido, a população, tanto a rural como a urbana, diminuíra. Essas condições preexistentes e o modo de organização da conquista por elas condicionado fizeram com que se desenvolvesse, sob a influência da organização militar germânica, a propriedade feudal” (ibid.: 34).

A comunidade (classe) agora responsável pela produção não era mais a escrava, como nos sistemas antigos, mas composta dos pequenos camponeses servos da gleba. O desenvolvimento dessa forma de propriedade aprofundaria a oposição entre as cidades. Marx

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mostra que “a essa estrutura feudal da posse da terra correspondia, nas cidades, à propriedade corporativa, à organização feudal dos ofícios. Aqui, a propriedade consistia, principalmente, no trabalho de cada indivíduo” (ibid.: 34).

A divisão do trabalho se apresentava na época feudal, de forma diferenciada na propriedade territorial, lócus do trabalho dos servos. Outro aspecto dessa divisão era o trabalho próprio com pequeno capital que dominaria o trabalho dos oficiais. Ambas as formas estavam condicionadas pela limitada produção resultante do difícil cultivo da terra e também pela indústria do tipo artesanal. Se, por um lado, a divisão do trabalho na agricultura tornava-se mais difícil devido ao cultivo parcelado, gerando uma indústria doméstica de camponeses, por outro, na indústria, a divisão do trabalho ocorria dentro de cada ofício.

A partir da Usina Catende, torna-se visível a presença da divisão de trabalho estabelecido no seio dos operários daquela indústria, conduzindo para a autoproteção de cada um na defesa de sua parte, naquele processo de produção de açúcar. Esses operários chegam a exigir da direção do Projeto Catende/Harmonia a realização de cursos para novos operários para aquelas habilidades, ou para os seus próprios filhos.

Mas a divisão do trabalho possibilitará que tanto a atividade material como a espiritual, isto é, a atividade e o pensamento (atividade sem pensamento e pensamento sem atividade) desloquem-

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se para indivíduos diferentes. Segundo Marx, “a possibilidade de não entrarem esses elementos em contradição reside unicamente no fato de que a divisão do trabalho seja novamente superada” (ibid.: 46). Ora, com a divisão do trabalho, a extensão como trabalho social poderá estar permeada de todas essas contradições presentes e concentradas nessa divisão. Surge a divisão do trabalho na família e entre as várias famílias que compõem uma sociedade. Essa divisão entre as famílias, além do mais, é desigual, quantitativa e qualitativamente, tanto em relação ao trabalho como ao seu produto. Surge, então, a contradição entre o interesse do indivíduo ou da família e o interesse coletivo daqueles indivíduos que se relacionam entre si, também tão presentes em todas as formas de exercício extensionista. A esse respeito, Marx conclui:

“Desde que há cisão entre o interesse particular e o interesse comum, desde que, por conseguinte, a atividade está dividida não voluntariamente, mas de modo natural, a própria ação do homem converte-se num poder estranho e a ele oposto, que o subjuga ao invés de ser por ele dominado. Com efeito, desde o instante em que o trabalho começa a ser distribuído, cada um dispõe de uma esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe é imposta e da qual não pode sair; o homem é caçador, pescador, pastor ou crítico crítico (crítica à Bruno Bauer), e aí deve

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permanecer se não quiser perder seus meios de vida” (ibid.: 47).

O aprofundamento dessa divisão teve como conseqüência

imediata, resultante da contradição entre as cidades, o nascimento das manufaturas e a superação dos limites da produção corporativa da época. Isso foi possibilitando uma maior diversidade de relações comerciais entre as cidades e, depois, entre as nações. Estabeleceram-se, paulatinamente, as regras de todos os tipos de comércio e também os direitos alfandegários, tributos exigidos pelos senhores feudais aos comerciantes que atravessavam seus territórios. No caso da universidade, esta não escaparia dessa divisão no aspecto acadêmico interno, entre os seus profissionais em suas diversas formações no campo do conhecimento. Além disso, transformou-se em uma instituição que veio atender a essas necessidades de cada modo de produção. É uma divisão que está presente com muito maior expressividade no capitalismo. Pode-se ver, no caso da família, que o indivíduo está ligado por laços da própria família ou da tribo, ou mesmo do solo. Mas há as relações de troca entre as famílias, entre tribos, nações ou mesmo entre indivíduos. Na primeira situação, a troca ocorre entre a natureza e o homem, uma troca expressa pelo trabalho dos primeiros e os produtos da natureza; na segunda situação, o que ocorre é uma troca entre os próprios indivíduos. Na primeira situação, não existe a

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separação entre a atividade corporal e a atividade espiritual, enquanto que na segunda essa divisão está, praticamente, realizada. Marx esclarece: “no primeiro caso, a dominação do proprietário sobre os não proprietários pode descansar nas relações pessoais, numa espécie de comunidade; no segundo caso, deve ter tomado uma forma reificada em uma terceira coisa, o dinheiro” (ibid.: 102). A divisão do trabalho arrasta consigo a divisão das condições de trabalho, das ferramentas e dos materiais e também a fragmentação do capital entre diferentes proprietários. Torna-se evidente a luta da extensão por recursos financeiros para a realização de projetos, em contraponto com as definições já existentes para o ensino e para a pesquisa. Estabelece-se, conseqüentemente, a divisão entre trabalho e capital e as diferentes formas de propriedade. Há um processo sincronizado de divisão de trabalho e o aumento da acumulação. Emerge uma fragmentação cada vez mais aguda. Marx conclui afirmando que “o próprio trabalho só pode subsistir sob o pressuposto dessa fragmentação” (ibid.: 104). A extensão universitária tem adquirido essa fragmentação, mesmo sendo considerada como um trabalho social com uma utilidade determinada. Os desafios que se abrem doravante dizem respeito às possibilidades de sua superação.

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O processo de trabalho

A extensão, vista nos marcos conceituais do trabalho, não precisa se abrir como um processo em que não se vislumbre apenas a produção de valores de uso. Não será possível a compreensão dessa categoria, sem a compreensão da dialeticidade existente nesse processo e de que forma se dá essa produção de valores de uso. Nessa perspectiva, Marx sugere a identificação do trabalho com o próprio mecanismo de utilização da força de trabalho. Para ele (1982: 201), “a utilização da força de trabalho é o próprio trabalho”. Assim é que o comprador da força do trabalho passa a consumi-la, enquanto que o seu vendedor apenas trabalha. Ao trabalhar, ocorre a superação daquilo que estava existindo no sujeito apenas de forma potencial. Agora esse sujeito é um trabalhador e detém a força de trabalho em ação.

O realizador da extensão, o extensionista, é um trabalhador e detentor de sua força de trabalho em ação. Ora, essa força de trabalho em ação irá transformar as coisas que passam a apresentar uma finalidade, atender a uma necessidade, seja de qualquer ordem, tornando-se mercadorias. O produto da extensão, mesmo que seja o conhecimento, tem valor de mercadoria. Mas essa produção de mercadoria não acontece de forma espontânea ou mesmo arbitrária. Na verdade, está sob o controle daquele que determina que seja produzida tal ou qual mercadoria - o capitalista - produzindo o

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trabalho um valor de uso particular ao seu artigo também específico. A universidade não está, portanto, imune ao mercado do capitalista. Assim, a realização do trabalho, agora em valor de uso, transformação de algo em mercadoria, só torna possível o seu entendimento a partir da visão de trabalho como processo, que é assim definido por Marx:

“O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana” (ibid.: 202).

Essa ação sobre a natureza externa é transformadora não só em

relação à natureza que lhe é externa, mas também quanto à sua própria natureza. A extensão adquire a dimensão transformadora constituinte do próprio conceito. Este trabalho sugere um acordar das potencialidades da natureza, porém submetendo-a a seu próprio domínio. Essa conformação é uma pressuposição exclusivamente humana. Este não pode ser comparado com outros como o dos animais - a abelha ou a aranha, por exemplo, - que não planejam as suas atividades. Realizam-nas, apenas, instintivamente. O humano imprime sobre a natureza o seu desejo de realização. É capaz de realizar aquilo

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que anteriormente passara por sua consciência, sem, contudo, deixar de entender a anterioridade da realidade sobre a consciência. Estabelece-se nesse tipo de trabalho, uma intencionalidade.

Ao definir o trabalho como um processo, Marx apresenta os elementos constituintes desse processo, que são os seguintes: “1) a atividade adequada a um fim, isto é, o próprio objeto; 2) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; 3) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho” (ibid.: 202). Com esse detalhamento dos elementos constituintes do processo, Marx vê a terra e os meios de subsistência que são apresentados ao homem como “objeto universal do trabalho do homem”. Mas há, na natureza, coisas que são separadas do trabalho e de seu meio natural. Essas coisas constituem-se nos objetos do trabalho que são, por sua vez, fornecidos pela própria natureza. O objeto de trabalho, em sendo produzido a partir de trabalho anterior, passa a ser chamado de matéria-prima. Nesse sentido, nem toda matéria-prima é objeto, assim como nem todo objeto de trabalho é matéria-prima. O objeto pode ser considerado como matéria-prima, após ter sido transformado pelo trabalho.

O outro elemento dessa dialeticidade é o meio de trabalho, assim definido: “o meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas, que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto” (ibid.: 203). Todavia, o trabalhador aproveita as propriedades físicas, químicas e mecânicas das coisas para fazê-las atuar como forças sobre outras

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coisas. Todo esforço da extensão vai no sentido da posse do seu meio de trabalho para alguma utilidade. Portanto, aquilo de que o extensionista se apossa, excluindo os elementos fornecidos pela natureza, torna-se não o objeto de trabalho, mas o meio de trabalho. Ao adicionar essas outras coisas à sua própria força, estará aumentando sua força corporal e natural. O desenvolvimento da humanidade dá-se também no sentido de, cada vez mais, exigir meios de trabalho mais elaborados.

Para Marx, “os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho” (ibid.: 204). Por sua vez, são esses meios usados ou produzidos pelo homem, que irão caracterizar esse processo como estritamente trabalho humano. Os meios de trabalho apresentam, contudo, uma maior abrangência conceitual, considerando-se como tal todas as condições materiais que sejam necessárias para a realização de todo o processo. Assim, a terra continua sendo um meio de trabalho considerado universal, já que oferece o local ao trabalhador. Mas, num sentido amplo, constituem-se em meios de trabalho aqueles resultantes de trabalho anterior. Por exemplo, as estradas, os edifícios, as fábricas, etc. No caso da universidade, em especial, são meios de trabalho todas as formas de conhecimentos ou técnicas adquiridas. A extensão universitária só pode se constituir como uma atividade humana, como um trabalho. Ora, a atividade humana sobre a

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natureza, no processo de trabalho, realiza uma transformação. Essa transformação apresenta um determinado fim sobre o objeto, através do instrumental de trabalho. O processo é concluído ao realizar-se no produto. Portanto, o produto é expressão da conclusão do processo de trabalho humano sobre a natureza. Algo que não se realiza por um mero prazer de estar expresso em um produto. Esse produto só terá sentido se atender a uma necessidade humana:

“O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou. Concretizou-se e a matéria está trabalhada. O que se manifestava em movimento, do lado do trabalhador, se revela agora qualidade fixa, na forma de ser, do lado do produto. Ele teceu e o produto é um tecido. Observando-se todo o processo do ponto de vista do resultado, do produto, evidencia-se que meio e objeto de trabalho são meios de produção e o trabalho é trabalho produtivo” (ibid.: 205).

O valor de uso desse processo se expressa como um produto. Nesse processo de produção, esse valor arrasta consigo vários produtos, assim como outros meios de produção e também outros valores de usos, constituindo-se como tal em processos de trabalhos anteriores. Assim é que um valor de uso se torna meio de produção de outro. Tem-se, portanto, que produtos constatados como meio de produção são, normalmente, melhor compreendidos como um

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produto, sendo também condição de processo de trabalho. Pela extensão, poderão surgir muitas outras formas de conhecimentos ou mesmo de tecnologias para além da produção existente e que ajudarão a organização do processo mesmo do trabalho e da organização dos trabalhadores. Os materiais utilizados nesse processo passam a ser muito diferenciados, sendo alguns deles subsumidos pelo próprio processo. O meio pode, inclusive, consumir o material acessório, presente em um processo de trabalho em que a matéria-prima é a substância principal. Essa diferença entre matéria-prima e matéria assessória desaparece nos processos de fabricação ou em processos de transformações químicas, por exemplo. As reações tidas como irreversíveis não mais recuperam os materiais anteriores ao processo. Elas são transformadas em novo produto eliminando, portanto, as diferenciações existentes no início do processo. Reaparecem, contudo, como um novo produto. Muitas dessas matérias apresentam uma diversidade de propriedades e podem aparecer em variados processos de trabalho, por exemplo, o carvão. Um produto assim pode aparecer útil num processo de trabalho, servindo como meio de trabalho e como matéria-prima. Da mesma forma acontece com a produção do conhecimento no processo de trabalho acadêmico como a extensão universitária.

Dessa maneira, uma máquina que esteja sem operacionalidade não serve para um processo de trabalho e se torna inútil. Nessa

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perspectiva, Marx busca eliminar esse tipo de trabalho nela colocado para tornar-se máquina e considera a importância fundamental daquilo que foi, denominando-o de trabalho vivo. Este precisa apoderar-se das coisas e retirá-las do estado de inércia, inserindo-lhes valores de uso reais e efetivos. Simbolicamente, assim se expressa:

“O trabalho, com sua chama, delas se apropria, como se fossem partes do seu organismo, e de acordo com a finalidade que o move lhes empresta vida para cumprirem suas funções; elas são consumidas, mas com um propósito que as torna elementos constitutivos de novos valores de uso, de novos produtos que podem servir ao consumo individual como meios de subsistência ou a novo processo de trabalho como meios de produção” (ibid.: 208).

Os produtos desse trabalho anterior, contudo, só se realizam nesse processo como valores de uso, estando em contato com o trabalho vivo. Um trabalho útil para a realização de novos produtos e novas transformações. Este processo pela extensão expressa um trabalho social e útil, tendo como um produto político as mudanças sociais e um produto acadêmico – o conhecimento. O trabalho é um processo de consumo, visto que gasta os elementos materiais, tanto os seus objetos como os seus meios. É, entretanto, um consumo produtivo que muito se diferencia do consumo do indivíduo, o qual gasta os materiais como meio de sua sobrevivência. Já o primeiro consome os meios que possibilitam o

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funcionamento da força de trabalho “posta em ação pelo indivíduo”. O trabalho consome produtos para gerar outros produtos. Pode também se utilizar de produtos para torná-los meios de produção de novos produtos. Esse processo, cheio de elementos abstratos e simples, é assim definido:

“Atividade dirigida com o fim de criar valores de uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais” (ibid.: 208).

O processo de trabalho, nas mãos dos capitalistas, apresenta duas questões. A primeira diz respeito ao zelo do capitalista no sentido de que o trabalho se realize da maneira mais apropriada possível, com melhor aplicação dos meios de produção, ausência total de desperdício da matéria-prima e manutenção do instrumental de trabalho. A segunda é o fato de que o produto desse processo pertence ao capitalista e não ao produtor imediato, o trabalhador. O capitalista o detém como uma compra idêntica à de qualquer outra mercadoria do mercado. A força de trabalho do trabalhador, como mercadoria, é negociada nas mesmas bases de qualquer outra mercadoria, como o aluguel de outro animal que foi alugado por um determinado tempo. Ao trabalhador está reservada a luta do retorno de seu trabalho para si

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mesmo, expressão de um processo de resgate de sua própria existência humana. O processo de extensão como um trabalho social e útil só terá sentido quando permeado da intencionalidade já estabelecida, isto é, a inter-relação entre o ensino e a pesquisa, na perspectiva desse resgate da existência humana. Esta discussão sobre o conceito de extensão como trabalho conduz ao resgate dessa categoria, restabelecendo a descoberta da relação do trabalho na formação do homem e da história. Isto parece contribuir para se ir bem além do papel da universidade, sobretudo pela extensão, como expressão de uma mera atividade reprodutiva do atual modelo de sociedade. Pela extensão, torna-se possível a superação de tantas e possíveis formulações idealistas ao mostrar a relação e não a separação entre o indivíduo e a sociedade, ou ainda, entre a sociedade e a universidade. A extensão como um trabalho social útil acompanhada de intencionalidade, na perspectiva política das transformações, reafirma a unidade entre o indivíduo e a sociedade. Evita-se uma fixação na sociedade como uma abstração e encastela o indivíduo como um ser social. Suas manifestações de vida em comum e realizadas simultaneamente com os outros indivíduos tanto expressam como reafirmam a vida social, possibilitada, necessariamente, pelo trabalho. Surge a criação da sociedade como fruto das relações que são colocadas em existência e condicionadas pela produção material do indivíduo.

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Ao postular o trabalho como elemento responsável por esse processo criador, Marx também demonstra o papel do trabalho no processo da universalidade do homem, ao resgatá-lo como sujeito do conhecimento e da história. Enfim, a sua essência, no sentido metafísico e absoluto antes defendido pela filosofia idealista, inexiste de fato. A extensão pode ser, assim, externada como uma atividade que se dirige para a satisfação de uma necessidade. Esta não acontece de imediato, porquanto se realiza através de uma mediação. Ao homem cabe essa mediatização e sua regulação, controlando o intercâmbio orgânico entre si e a natureza. Através do trabalho, o homem também humaniza os próprios sentidos. Sua consciência formada com base nas relações sociais promovidas pelo trabalho se torna condição da natureza social do homem. Sua existência está condicionada e só tem sentido enquanto consciência social, portanto, condicionada e posta em existência pela sociedade. A atividade da extensão não pode ser apresentada, agora, como um produto do indivíduo. Ela está qualificada como trabalho social, como uma propriedade do trabalho que consiste na inseparável ligação da atividade laboral, pura e simples, com a forma social da existência humana. Nessa dimensão, ajuda a resgatar esse tipo de trabalho com a característica de humanização da natureza e do próprio homem. No momento atual, em que estão se tornando tão escassas as possibilidades do emprego, pondo em risco a vida do trabalhador e promovendo ainda mais a desumanização, o trabalho se mantém como

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categoria fundante, mantendo a sua centralidade quando se busca a construção de um mundo humanizado. A intencionalidade da extensão

Expressando uma síntese, pode-se dizer que a extensão, adquirindo as dimensões filosófica e educativa, intrínsecas à categoria trabalho, pertence a instâncias fundamentais na vida da sociedade. Pela educação, em seu sentido mais amplo, garante-se a preservação dos conhecimentos do passado, que são transmitidos às novas gerações, num processo de acumulação, essencial à qualidade de vida material e espiritual da humanidade, mantendo a sobrevivência da espécie. O trabalho torna-se, portanto, fator de criatividade do humano. Como se vê, o trabalho vem marcando a discussão no campo da extensão. No desenvolvimento das atividades em que o humano defronta-se com a natureza, também realiza, a partir dela própria, uma síntese do particular com o universal. É o trabalho que possibilita o significado da ação social, suas limitações, suas possibilidades e conseqüências, sem nenhum recurso metafísico. Mesmo sendo um ponto de partida, é sobre essa base natural do trabalho que se elevam as relações sociais da espécie humana. Este torna-se uma relação social já a partir da relação estabelecida com a natureza, indicando nas

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relações de produção, também expressas nas atividades de extensão, o caráter social, indissociável, que acompanha o seu processo. A extensão como trabalho realiza-se como processo constituído através das relações sociais - trabalho social útil com uma determinada intencionalidade.

A possibilidade de se entender extensão como trabalho social com explícita utilidade opõe-se à visão fragmentada do trabalhador em relação ao processo produtivo, no modo de produção capitalista, determinada pela divisão social do trabalho. O conhecimento da totalidade do processo é transferido para o capital, representado, sobretudo, pela classe social dominante: a burguesia. A posse desse conhecimento reforça as estruturas de dominação que estão inseridas nas relações sociais de produção e vai garantir, pelo lado do capitalista, a reprodução das relações de produção, considerando que o modo de produção capitalista funda-se na separação entre a propriedade do trabalho e a dos meios de produção. Essa separação impõe ao trabalhador a manutenção de sua posição na estrutura das relações de produção, considerando que a sua sobrevivência estará garantida enquanto ele estiver fornecendo ao mercado a sua força de trabalho, já que esta é seu único bem disponível.

A extensão expressa pela realização do trabalho social útil precisa, ainda, efetivar e desenvolver, entre seus participantes a necessidade da conquista de cidadania. Uma cidadania cujo significado está bem cristalino na perspectiva de que seja um processo

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de formação de cidadão crítico, consciente como sujeito de transformação e também ativo, superando o idealismo contemplativo e interpretativo da natureza. Um trabalho social útil não se exerce apenas a partir dos membros da comunidade universitária: docentes, servidores e alunos. Ele tem uma dimensão externa à universidade, que é a participação dos membros da comunidade em seus movimentos sociais, sejam dirigentes sindicais ou mesmo as associações, ou outros ambientes, numa relação biunívoca para a qual confluem membros da universidade e participantes desses movimentos. Extensão, como trabalho social útil com a intencionalidade de conectar o ensino e a pesquisa, passa a ser agora exercida pela universidade e por membros de uma comunidade sobre a realidade objetiva. Um trabalho cooparticipado que traz consigo as tensões de seus próprios componentes em ação e da própria realidade objetiva. Um trabalho onde se buscam objetos de pesquisa para a construção do conhecimento novo ou reformulações das verdades existentes. Esses objetos pesquisados serão os constituintes de outra dimensão da universidade: o ensino. É também um trabalho de busca de objeto para a pesquisa. A extensão configura-se e concretiza-se como trabalho social útil, imbuído da intencionalidade de pôr em mútua correlação o ensino e a pesquisa. Portanto, é social na medida em que não será uma tarefa individual; é útil, considerando que esse trabalho deverá expressar algum interesse e atender a uma necessidade humana. É,

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sobretudo, um trabalho que tem na sua origem a intenção de promover o relacionamento entre ensino e pesquisa. Nisto, e fundamentalmente nisto, diferencia-se das dimensões outras da universidade, tratadas separadamente: o ensino e a pesquisa.

Considerações

Como trabalho social útil acompanhado dessa

intencionalidade, a extensão expressa-se sobre a realidade objetiva e seu produto aos produtores retorna. Isso mostra a extensão exercendo e assumindo uma dimensão filosófica, também fundamental, que é a busca de superação da dicotomia entre teoria e prática. Há, então, possibilidade de se direcionarem projetos para a ampliação da hegemonia voltada aos setores subalternos da sociedade, contribuindo para o desvelamento das ideologias dominantes e construindo uma nova estratégia da função social, ou mesmo uma dimensão das atividades de extensão em favor da cultura das classes subalternas. Este é mais um papel possível do aparelho de hegemonia - a universidade - que, através da extensão, pode também direcionar a pesquisa e o ensino para um outro projeto social.

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