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COLUNISTAS VÍTOR BELANCIANO ( HTTP://WWW.PUBLICO.PT/AUTOR/VITOR- BELANCIANO ) 22/12/2013 - 00:00 As palavras estão cada vez mais gastas. Se tivesse de resumir o ano de 2013 numa frase, seria esta. Na rua, nos meios de comunicação, nas redes sociais ou no chamado "espaço público", as palavras são cada vez mais ruído, neutralizando-se umas às outras. Os debates sucedem-se, discutimos tudo, mas nada parece frutificar, ninguém ouve ninguém. Sempre fomos seres envoltos em dúvidas, contradições e angústias, mas parecemos cada vez mais enredados numa teia complexa, sem que seja perceptível um vislumbre de sentido comum. Os artistas e os intelectuais que ao longo de décadas foram capazes de projectar outros futuros possíveis em relação aos acontecimentos do mundo parecem tão impotentes como o comum dos mortais. É verdade que alguns se posicionam como voz crítica. Mas são precisas vozes emancipadoras. No campo das artes e da cultura, em Portugal, os paradoxos avolumam-se. Por um lado, Portugal parece gostar cada vez mais de Portugal, valorizando aspectos identitários (festejando a aparição de novos valores do fado ou celebrando a inscrição da dieta mediterrânica como Património Imaterial da Humanidade), mas ao mesmo tempo parecemos cada vez mais afastados dos circuitos globais de produção artística. Outro paradoxo: quando se verifica um desinvestimento político do Governo central na Cultura, um dos grandes acontecimentos políticos do ano - a eleição de Rui Moreira para presidente da Câmara do Porto - deveu-se, em parte, a um discurso que acentuou a relevância da Cultura como factor motivacional e também de desenvolvimento. Mais paradoxos: por um lado, existem cada vez mais grandes acontecimentos culturais (festivais, bienais), lutando entre si para disputar a atenção, mas muitos esgotando-se no seu efeito espectacular, não contribuindo para a tecedura artística dos restantes dias Palavras gastas - PÚBLICO http://www.publico.pt/cronicas/jornal/palavras-gastas-27552349?fb_ac... 1 de 3 31-12-2013 18:13

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    VTOR BELANCIANO (HTTP://WWW.PUBLICO.PT/AUTOR/VITOR-

    BELANCIANO) 22/12/2013 - 00:00

    As palavras esto cada vez mais gastas. Se tivesse de

    resumir o ano de 2013 numa frase, seria esta. Na rua, nos

    meios de comunicao, nas redes sociais ou no chamado

    "espao pblico", as palavras so cada vez mais rudo,

    neutralizando-se umas s outras. Os debates sucedem-se,

    discutimos tudo, mas nada parece frutificar, ningum

    ouve ningum.

    Sempre fomos seres envoltos em dvidas, contradies e

    angstias, mas parecemos cada vez mais enredados

    numa teia complexa, sem que seja perceptvel um

    vislumbre de sentido comum. Os artistas e os intelectuais

    que ao longo de dcadas foram capazes de projectar

    outros futuros possveis em relao aos acontecimentos

    do mundo parecem to impotentes como o comum dos

    mortais. verdade que alguns se posicionam como voz

    crtica. Mas so precisas vozes emancipadoras.

    No campo das artes e da cultura, em Portugal, os

    paradoxos avolumam-se. Por um lado, Portugal parece

    gostar cada vez mais de Portugal, valorizando aspectos

    identitrios (festejando a apario de novos valores do

    fado ou celebrando a inscrio da dieta mediterrnica

    como Patrimnio Imaterial da Humanidade), mas ao

    mesmo tempo parecemos cada vez mais afastados dos

    circuitos globais de produo artstica.

    Outro paradoxo: quando se verifica um desinvestimento

    poltico do Governo central na Cultura, um dos grandes

    acontecimentos polticos do ano - a eleio de Rui

    Moreira para presidente da Cmara do Porto - deveu-se,

    em parte, a um discurso que acentuou a relevncia da

    Cultura como factor motivacional e tambm de

    desenvolvimento.

    Mais paradoxos: por um lado, existem cada vez mais

    grandes acontecimentos culturais (festivais, bienais),

    lutando entre si para disputar a ateno, mas muitos

    esgotando-se no seu efeito espectacular, no

    contribuindo para a tecedura artstica dos restantes dias

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    do ano.

    E, no entanto, existe quem resista. E crie msica. E faa

    cinema. E faa acontecer arte. Ou escreva livros. E quem

    continue a acreditar que a cultura pode mudar a vida das

    pessoas porque tem uma funo social, estando

    intimamente ligada forma como pensamos ou

    socializamos, criando comunicao e hipteses de

    partilha, para l das diferenas.

    Em grande parte isso que parece faltar hoje no

    ambiente comunicacional e cultural do nosso tempo -

    sentir que existe realmente um vnculo entre arte,

    pensamento e vida, que parece ter sido quebrado por

    exausto ou ento por impotncia.

    cada vez mais necessrio reaprender a ouvir,

    ouvindo-nos melhor uns aos outros. No basta falar e

    fazer muito barulho. importante fazer acontecer o

    silncio.

    Inicie sesso ou registe-se gratuitamente (/utilizador/registo) para comentar.

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    /o-que-faz-falta-27552366)

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