palavras-chave: consumidor; fornecedor; produto ou serviço...
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APONTAMENTOS ACERCA DA PUBLICIDADE NO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR
FIORI. MÔNICA DE OLIVEIRA SILVA1
Resumo
O presente artigo foi escolhido, diante da fundamental importância do tema, tendo
como objetivo alertar a sociedade atual do quão ardiloso é este instrumento, buscando
reforçar o entendimento no sentido de que se faz necessário cada vez mais um rígido
controle da publicidade, a fim de preservar as relações de consumo e o mercado, de uma
forma geral.
Palavras-chave: consumidor; fornecedor; produto ou serviço; publicidade;
controle.
Noções preliminares
A evolução da publicidade é um dos fenômenos mais marcantes deste
século. A importância que a mesma assumiu nos últimos setenta anos é incontestável. A
publicidade é um dos fenômenos sociais mais marcantes desde o final do século XX.
Da forma que a conhecemos, como atividade de massa destinada a atingir
milhares ou até milhões de pessoas, a publicidade é fenômeno recente. O seu
desenvolvimento acompanha o processo de concentração econômica responsável pela
transformação dos mecanismos de mercado, que caracterizou as economias industriais a
partir da segunda metade do século XIX.
Nesta época, a publicidade era praticamente uma troca de informações entre
vendedor e comprador acerca das qualidades do bem oferecido ao público. As relações
entre ambos eram fundadas no conhecimento pessoal e na confiança. A decisão de
adquirir ou não determinado produto devia-se em grande parte à confiança que o
adquirente depositava no vendedor. A publicidade refletia o conceito de seriedade e
honestidade que este desfrutava, assumindo verdadeiro caráter de qualidade da
mercadoria e conveniência de sua aquisição.
Atualmente as práticas publicitárias, no afã de convencer, envolvem grande
agressividade, buscando criar desejos ao invés de responderem à necessidade dos
consumidores (Cf. J. GALBRAITH, apud IAIN RAMSAY, in "O Controle da
Publicidade em um Mundo Pós-Moderno", trad. de Miriam de Almeida Souza, in Rev.
De Direito do Consumidor, n. 4, ed. RT, S. Paulo, 1992, p. 29, 27).
A intensificação do processo de concentração econômica e as mudanças
ocorridas no mercado com o surgimento de monopólios e oligopólios, especialmente
depois da Segunda Guerra Mundial, alterou o relacionamento entre produtores e
1 Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Especialista em Direito das Relações de
Consumo pela PUC-SP. Professora do Centro Universitário “Dr. Edmundo Ulson” UNAR.
consumidores e foram determinantes para a mudança do sentido e função da publicidade
comercial.
Ela deixou de ser, unicamente, um mecanismo de informação ao público
para converter-se em instrumento destinado a convencer os consumidores sobre as
virtudes reais ou fictícias dos produtos existentes no mercado. Ou seja, a antiga função
informativa passou à função persuasiva. A publicidade passou a orientar o consumo,
estimulando necessidades e provocando demanda. A produção é que passa a orientar o
consumo.
Com o desenvolvimento do caráter persuasivo da publicidade chega-se ao
ponto de substituir a função de uso do produto pela função simbólica do mesmo, neste
sentido, determinadas publicidades passaram a ligar o sucesso, o glamour, a
masculinidade, a elegância a certas atitudes, criando verdadeiros padrões de
comportamento.
Nas palavras do professor Adalberto PASQUALOTTO, “...vendem-se
muito mais os elementos ideológicos de diferenciação do mundo capitalista, que na
realidade imediata, não encontram satisfação”. 2
Desta forma, tem-se tornado cada vez mais usual que as técnicas de
convencimento utilizadas pela publicidade ultrapassem limites éticos e morais, podendo
ser, até mesmo, prejudiciais ao público.
Como subproduto da sociedade capitalista, a publicidade promove produtos
nocivos (bebidas alcoólicas e cigarros) e os vende, indistintamente, até mesmo para
quem não poderia comprá-los. Imprime a certos produtos valores que não são os de uso;
dá a certas marcas “status” e, faz crer que para chegar-se onde se almeja deve-se vestir-
se tal grife, ou dirigir tal carro. Já não se consome o produto, mas o que ele representa.
Uma imagem pública elaborada significa qualidade e não o oposto, como seria lógico.
Faz-se um jogo de persuasão irracional para arrebatar-se a preferência.
A vulnerabilidade do consumidor manifesta-se de forma clara na seara da
publicidade, eis que ele está exposto, dioturnamente, a campanhas publicitárias que lhe
insuflam necessidades e influem de maneira categórica sobre suas escolhas, orientando
e, às vezes, até mesmo induzindo seu comportamento.
Neste sentido preleciona o professor Alberto do AMARAL Júnior :
“... A mera vontade do consumidor não é fator suficiente da publicidade. A
subordinação dos consumidores à capacidade persuasiva das mensagens
publicitárias é fato insuprimível da sociedade contemporânea”.3
E, é justamente em decorrência da sua importância para o mercado que
surge a necessidade de que o fenômeno publicitário seja regulado pelo direito,
2 Adalberto PASQUALOTTO. Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do
Consumidor -volume 10. São Paulo: RT, 1997. p. 29. 3 Alberto do AMARAL JÚNIOR. O princípio da vinculação da mensagem publicitária. Revista do Direito
do Consumidor, São Paulo, volume 14, abril/junho -1995. p. 43.
principalmente, sob a ótica da proteção ao consumidor, a parte mais frágil, mais
vulnerável da relação jurídica de consumo.
1.DISTINÇÃO ENTRE PUBLICIDADE E PROPAGANDA E SUA FUNÇÃO DE
CONHECIMENTO
Brevemente declinada a feição sociológico-econômica do tema, importa, de
início, conceituar publicidade, particularmente distinguindo-a de propaganda.
Utiliza-se no Brasil, de forma indistinta os termos publicidade e
propaganda, porém, o CDC não cuida de propaganda, seu objeto é tão somente a
publicidade, aí residindo a importância da distinção.
A doutrina tende a excluir o intento de lucro da propaganda, quando não
alude à carência nela do propósito de incentivo ao consumo de produtos e serviços,
apanágio marcante da publicidade.
Publicidade, como já exposto, é a divulgação comercial de produtos e
serviços, enquanto propaganda, conforme doutrinariamente pacificado, é a manifestação
pública de idéias políticas. A propaganda, portanto, preocupa-se com a difusão de uma
idéia e a publicidade com a difusão de um bem corpóreo específico.
A propaganda visa promover a adesão a um dado sistema ideológico
(político, social ou econômico) enquanto que a publicidade visa promover o lucro,
direta ou indiretamente, de uma atividade comercial, conquistando novos clientes ou
mantendo os antigos.
Essa diferenciação entre os dois conceitos já nos permite concluir pela
inaplicabilidade do CDC às promessas eventualmente enganosas feitas por candidatos
em campanhas eleitorais, apesar de, cada vez mais a máquina eleitoral fazer uso de
técnicas publicitárias. Pois, o dever de cumprir as promessas feitas durante uma
campanha eleitoral é um dever ético e não jurídico, do ponto de vista de sua
obrigatoriedade. A vinculatividade dada pelo art. 30 do CDC às mensagens publicitárias
fica restrita àquelas que, efetivamente, estejam relacionadas ao bem jurídico protegido
pelo Código, ou seja, a sanidade das relações de consumo.
Mesmo no meio publicitário existe muita confusão entre os dois termos,
pois, a grande maioria das agências brasileiras tem “propaganda” na razão social, o
órgão de associação de classe é a Associação Brasileira de Propaganda, mas os
profissionais da área preferem ser chamados de publicitários, e não propagandistas.
Na linha fronteiriça entre os dois conceitos, o professor Adalberto
PASQUALOTTO4 coloca certas mensagens governamentais sustentando planos e
projetos de uma administração. Para o professor, por se tratar de matéria política não se
poderia impingir à mesma a disciplina do CDC no que tange à veracidade, porém,
ressalva que se o conteúdo deste tipo de mensagem for de qualquer forma abusivo, seria
razoável submetê-lo à censura do art. 37 §2º, por analogia e para assegurar a proteção
aos eventuais direitos violados, dando efetividade ao disposto no art. 5º, inciso XXXV,
da Constituição Federal. 4 Ibid., p. 26.
Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin5 anota:
"A publicidade tem um objetivo comercial (...) enquanto que a propaganda
visa a um fim ideológico, religioso, filosófico, político, econômico ou social
(...) A diferença essencial entre a publicidade e a propaganda baseia-se no
fato de que a primeira faz-se com a intenção de alcançar lucro, enquanto que
a segunda exclui quase sempre a idéia de benefício econômico".
Adalberto Pasqualotto6 não reconhece o necessário fito de lucro na
publicidade e a denomina:
"Toda comunicação de entidades públicas ou privadas, inclusive as não
personalizadas, feita através de qualquer meio, destinada a influenciar o
público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou serviços, com ou
sem finalidade lucrativa".
O Código de Defesa do Consumidor adotou o termo publicidade enquanto
meio de incentivar a aquisição de produtos ou serviços.
Registre-se, porém, o erro de técnica legislativa quando se empregou a
expressão contrapropaganda (art. 56, XII, CDC), em vez de contra publicidade. Não
obstante, a Lei Federal nº. 8.078/90 promoveu notável avanço na disciplina da matéria.
Trata-se, a publicidade, de um instrumento dotado de grande poder de
influência no convencimento do consumidor e na sua tomada de decisão. É um
"produto" da chamada "sociedade de massas", e se deve à necessidade de as pessoas se
valerem de um processo eficiente para descrever o que têm a oferecer a um grande
número de outras pessoas ao mesmo tempo.
Deve-se, também, ao excedente de bens, especialmente os artigos de luxo
ou que, de uma forma ou de outra, sejam desnecessários ou pouco necessários à
sobrevivência, pois os produtos e serviços fundamentais ao Homem, sempre se
venderão por si mesmos. (Cf. JAMES A . C. BROWN, in "Técnicas de Persuasão",
trad. de Octávio Alves Velho, Zahar Ed., 3ª ed., Rio de Janeiro, 1992, p. 165, 157, 194).
Países que vivem próximos do nível mínimo de subsistência, têm pouca
necessidade da publicidade, pois a carência é o seu maior vendedor. Na pequena
comunidade, o sapateiro, o leiteiro, o tecelão, não precisam alardear as virtudes dos seus
produtos porque a informação se espalha oralmente, estabelecendo a sua boa ou má
reputação como produtor ou fornecedor.
Só quando as cidades crescem e as "massas" se tornam numa realidade, é
que o artesão corre o risco de ser esquecido.
Mesmo nas sociedades massificadas, os produtos efetivamente essenciais
não necessitam de publicidade. Não é preciso, por exemplo, fazer publicidade de
5 Ada Pelegrini GRINOVER; Antônio Herman VASCONCELLOS E BENJAMIN; Kazuo WATANABE
et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 4a.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p.
196-197. 6 Adalberto Pasqualoto, op. cit., p.25.
gêneros como a carne bovina, o arroz, o feijão, verduras e frutas. Nem de transportes
urbanos. Quando muito, aparecem mensagens publicitárias alusivas à superioridade de
algumas marcas, já em consequência da industrialização; ou de alguma transportadora
de passageiros oferecendo serviço diferenciado pelo luxo ou comodidades extras. Mas,
o transporte em si, e os gêneros alimentícios básicos, não necessitam de publicidade
para serem vendidos.
Portanto, é sobre os produtos e serviços, em princípio dispensáveis, ou
pouco necessários, que se desenvolve a publicidade, na tentativa de induzir hábitos,
disseminar condutas, criar expectativas e expandir o seu consumo. A publicidade, então,
é centrada na fase do convencimento e da decisão das pessoas ou grupos, utilizando
argumentos com o intuito de modificar o seu pensamento e as suas atitudes, ao ponto de
lhes diminuir a autocrítica e de lhes incrementar a sugestionabilidade. (Cf. JAMES A.
C. BROWN, ob. cit., p. 157, 194).
Cita-se como exemplo pessoas jovens, a quem se dirigem, frequentemente,
apelos para a manutenção da "boa forma" e para a exacerbação do valor do corpo,
entrando, a seguir, a mensagem referente aos produtos que se quer incutir, tais como
certos tipos de roupas, calçados, perfumes, cosméticos, etc, para realçar os dotes
físicos... Ou certos tipos de remédios, vitaminas, compostos alimentares para conservar
a aparência jovem, como se a juventude se tornasse em eterna pelo uso desses
produtos... Ou apelos a "modismos", a propagação de "afirmações" pseudo-científicas
como certos remédios "milagrosos" que prometem curas "fantásticas", ainda certos
"alimentos homogeneizados", "naturais", etc, explorando a hipocondria e a insegurança
presentes em maior ou menor grau nas pessoas.
1.1. Publicidade Promocional e Publicidade Institucional
Os anúncios de publicidade são, fundamentalmente, de duas espécies: os
promocionais e os institucionais. A diferença entre ambos reside no seu objetivo.
A publicidade promocional consiste em anúncio de venda propriamente
dito, tem um objetivo imediato e seus resultados são esperados a curto prazo. Tem por
escopo convencer o público a comprar o produto ou a contratar o serviço anunciado.
Já a publicidade institucional anuncia a empresa em si e não um produto ou
serviço seu. Como o próprio nome diz, visa institucionalizar a marca, construir uma
imagem positiva da empresa no mercado.
Frequentemente, estes anúncios institucionais contêm idéias ou valores
caros ao público, criando uma identificação positiva em favor do patrocinador. Os
objetivos dessa forma de publicidade são alcançados a longo prazo, vindo a beneficiar
produtos que, sequer, já foram produzidos, no momento, pela empresa.
2. A PUBLICIDADE COMO FATO JURÍDICO
A Concepção Tradicional do Contrato
Para a ciência Jurídica do século XIX a autonomia da vontade era a máxima
do Direito.
É a época do liberalismo econômico e voluntarismo jurídico. O vínculo
contratual nessa época estava centrado na idéia de valor da vontade.
Porém o termo contrato teve origem antes, em Roma. No Direito Romano, o
termo, em conotação objetiva, era utilizado para designar os acordos, reconhecidos
como obrigatórios e providos de actio, diferenciando-se de outros acordos, não
obrigatórios e chamados de pacta. Assim, o contractus era visto como vínculo objetivo,
mais propriamente servindo para designar as conseqüências do acordo, a vinculação
obrigacional dele decorrente e não como manifestação de duas vontades opostas e
convergentes ou expressão de liberdade, de autodeterminação individual. Noção bem
distinta da concepção subjetivista ou voluntarista acolhida pelo Código de Napoleão,
que elevou ao quadro das fontes das obrigações construído por Gaio ( ex contractu e ex
delicto ) e complementado por Justiniano ( ex quasi contractu e ex quasi delicto ), a
vontade e a lei, equiparando por seus efeitos, a primeira à segunda.7
Os dois princípios fundamentais dessa concepção clássica são: liberdade
contratual e vinculatividade do contrato, ou, segundo o professor Fernando
NORONHA, intangibilidade do contrato. O citado autor prossegue afirmando que, na
verdade, esses dois princípios são corolários de um famoso princípio de Direito Civil, o
princípio da autonomia da vontade, “[...] segundo o qual o homem só pode ser
vinculado pelas obrigações que ele próprio, voluntariamente, haja assumido.”8
Em sua obra, “Contratos no CDC”, a professora Cláudia Lima MARQUES9
cita as quatro principais origens da doutrina da autonomia da vontade no direito, que,
segundo ela, são :
a) o direito canônico - ao defender a validade e a força obrigatória da
promessa por ela mesma, libertou o direito do formalismo exagerado e solene típico da
regra romana. Para os canonistas, a palavra dada, de maneira consciente, criava uma
obrigação de caráter moral e jurídico para o indivíduo.
Para Orlando GOMES, a grande contribuição dos canonistas consistiu na
importância que atribuíram ao consenso e à fé jurada. Ao valorizarem o consentimento,
preconizaram que a vontade é a fonte da obrigação, lançando as bases para a formulação
dos princípios da autonomia da vontade e do consensualismo; nas palavras do próprio
professor :
“o respeito à palavra dada e o dever de veracidade justificam, de outra parte,
a necessidade de cumprir as obrigações pactuadas, fosse qual fosse a forma
do pacto, tornando necessária a adoção de regras jurídicas que assegurassem
7 Judith Martins COSTA,. Crise e modificação da idéia de contrato no direito brasileiro. Revista do
Direito do Consumidor. São Paulo - volume 03, setembro/dezembro -1992. p. 128. 8 Fernando NORONHA,. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais - autonomia da vontade,
boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994. p.42. 9 Cláudia Lima MARQUES,. op. cit., p. 20.
a força obrigatória dos contratos, mesmo os nascidos do simples
consentimento dos contraentes”10
b) a teoria do Direito Natural: é nela que se encontra a base teórico-
filosófica mais importante dos dogmas da autonomia da vontade e da liberdade
contratual.
À luz do Direito Natural, especialmente em conseqüência das idéias de
Kant, as pessoas tornaram-se entes de razão, através de seu agir, de sua vontade que o
direito se realizaria. Kant chegou a afirmar que a autonomia da vontade seria o único
princípio de todas as leis morais e deveres correspondentes.
Foi esta Escola, racionalista e individualista que sobremaneira influiu na
formação do conceito moderno de contrato, defendendo que o fundamento racional do
nascimento das obrigações se encontrava na vontade livre dos contratantes.
O professor Orlando GOMES11
cita, ainda, como expoentes dessa Escola,
Pufendorf que fundamentou a obrigatoriedade do cumprimento dos contratos sobre a
base do dever de veracidade e, também, Pothier, que muito influenciou na determinação
da função do acordo de vontades como fonte do vínculo jurídico e na aceitação do
princípio de que o contrato tem força de lei entre as partes, mais tarde consagrado
pelo Código de Napoleão.
c) as teorias de ordem política e a Revolução Francesa: a teoria de Rousseau
sobre o contrato social lança a idéia do contrato como base da sociedade politicamente
organizada (Estado), segundo ela, a autoridade estatal tem origem no consentimento dos
cidadãos, o que conduziu à noção da relevância da vontade do homem e, elevou o
consentimento à base de legitimação social.
Quanto à Revolução Francesa, sua maior realização, com relação à questão,
teria sido, no entender da professora Cláudia Lima MARQUES, a elaboração do Código
Civil Francês de 1804, que colocou como valor supremo do seu sistema contratual, a
autonomia da vontade e que influenciou, significativamente, toda codificação posterior,
inclusive a nossa.
Nas palavras da professora Judith Martins COSTA :
“Tributário do conceito de igualdade vigente em sua época, o Código dos
franceses visualiza o contrato como símbolo ou metáfora da garantia
conferida aos indivíduos em sua nova relação com o Estado, a ‘volonté
générale’, aparecendo aí como fonte e elemento das relações jurídicas de
direito público e privado.” 12
10
Orlando GOMES,. op. cit., p. 05. 11
Ibid., p. 06. 12
Judith Martins COSTA, op. cit., p. 131.
d) teorias econômicas e o liberalismo :
“O liberalismo econômico, a idéia basilar de que todos são iguais perante a
lei e devem ser igualmente tratados, e a concepção de que o mercado de
capitais e o mercado de trabalho devem funcionar livremente em condições,
todavia, que favorecem a dominação de uma classe sobre a economia
considerada em seu conjunto, permitiriam fazer-se do contrato o instrumento
jurídico por excelência da vida econômica.”13
Essas teorias buscavam a liberdade como resposta ao corporativismo e aos
limites impostos pela Igreja, atribuindo ao contrato uma natural equidade que
proporcionaria harmonia social e econômica.
“No século XIX, auge do Liberalismo, do chamado Estado Moderno, coube
à teoria do direito dar forma conceitual ao individualismo econômico da
época, criando a concepção tradicional de contrato, em consonância com os
imperativos da época de liberdade individual e, principalmente, do dogma
máximo da autonomia da vontade.”14
2.1. Autonomia da Vontade e Liberdade de Contratar
A liberdade contratual seria a soma de várias liberdades: a liberdade de
contratar ou deixar de contratar, a de escolher com quem se vai contratar, a de
determinar o tipo de contrato a ser celebrado e tudo o mais relacionado à forma e ao
conteúdo do contrato. Na doutrina generalizou-se a distinção entre liberdade de
contratar e liberdade contratual, como sendo a primeira a faculdade de celebrar ou não o
contrato e a outra a possibilidade que possuem os contratantes de estabelecer o conteúdo
do contrato.
Para o professor Arnold WALD15
, o interesse da distinção estaria em
enfatizar que enquanto a liberdade de contratar “tem sido mantida em termos gerais”, a
liberdade contratual “tem sofrido amplas restrições”.
A regra é a liberdade contratual, porém, com o processo de dirigismo
contratual, por interferência do Estado foram se acumulando, durante o século XX
várias restrições à liberdade contratual, conforme preleciona o professor Fernando
NORONHA :
“...em conseqüência, chegou-se a um consenso em que a liberdade
contratual (ou a autonomia da vontade) teria como limite natural
13
Orlando GOMES, op. cit., p.06. 14
Cláudia Lima MARQUES,. op. cit., p. 23. 15
Arnold WALD, Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. - volume 02, 7a.ed., São Paulo:
RT, 1987. p. 121.
considerações de ordem pública - e estas, por isso, foram erigidas em
terceiro princípio básico dos contratos : este era o princípio da autonomia da
ordem pública”.16
Porém, a liberdade contratual também sofreu restrições oriundas das
pressões sócio-econômicas que embasam teorias como a da imprevisão, por exemplo.
A experiência obtida no dia-a-dia da operação da economia demonstrou a
necessidade de impedir que partes menos providas, ou mesmo desprovidas de meios de
defesa pudessem resistir aos contratantes mais fortes. Dessa constatação resultou a
mudança legislativa, autorizada da interferência estatal. A interferência é, contudo,
exceção.
2.2. Conceitos clássico e moderno da oferta e a participação da publicidade
A noção tradicional de contrato se encontra amparada no dogma da
autonomia da vontade. O contrato assumiu, pois, o papel de importante instrumento
para a circulação de riquezas.
Com a Revolução Industrial, e mais modernamente com a revolução
tecnológica nasce a sociedade de consumo, com seu sistema de produção e distribuição
em massa, ocorrendo o declínio da concepção tradicional do contrato e sua substituição
por outra concepção mais preocupada com seus efeitos na sociedade.
“O contrato , quando instrumenta relações entre pessoas pertencentes
a categorias sociais antagônicas, ajusta-se a parâmetros que levam em
conta a dimensão coletiva dos conflitos sociais subjacentes. Os
contratos passam a ser um ponto de referência de interesses diversos,
uma estrutura aberta preenchida, não apenas por disposições
resultantes do acordo de vontades, mas, por prescrições da lei,
imperativas e dispositivas, e pela equidade”17
O contrato, enquanto instrumento de circulação de riquezas, amparado no
princípio da autonomia da vontade foi concebido como resultado do encontro de
vontades coincidentes. De uma oferta seguida de uma aceitação.
Conforme conceito que se extrai da maioria da doutrina, a oferta ou
proposta é uma manifestação de vontade unilateral suficientemente precisa para que a
aceitação pelo seu destinatário seja o bastante para formar o contrato.
16
Fernando NORONHA,. op. cit., p. 43. 17
Orlando GOMES,. op. cit., p. 19.
Orlando GOMES define-a como “firme declaração receptícia de vontade
dirigida à pessoa com a qual pretende alguém celebrar um contrato, ou ao público.”18
Para Sílvio RODRIGUES19
, constitui ato jurídico unilateral, por intermédio
do qual o policitante convida o oblato a contratar, apresentando, desde logo, os termos
em que se dispõe a fazê-lo.
Percebe-se, então, que a oferta é o elemento inicial da formação do contrato,
é ela que possibilita a criação do vínculo contratual. Os autores realçam sempre seu
caráter vinculante.
3. NATUREZA JURÍDICA DA PUBLICIDADE NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
O CDC disciplinou no seu art.30 o instituto da oferta. O princípio da
vinculação expresso na parte final do artigo pareceu ser novidade para alguns, porém, a
obrigatoriedade da proposta, corolário do princípio da boa-fé, constitui postulado
proclamado em várias legislações.
Novidade há no tratamento dispensado ao instituto, a partir da realidade
massificada de uma sociedade de consumo. Como consequência disto, o conceito de
oferta foi alargado para alcançar os métodos, técnicas e instrumentos de divulgação dos
produtos e serviços colocados no mercado, abrangendo a apresentação do produto, a
publicidade e a oferta stricto sensu.
A Lei 8.078/90 preocupou-se com a oferta ao público e equiparou a
apresentação do produto, a informação e publicidade suficientemente precisa à oferta
stricto sensu, tradicionalmente concebida no Direito Civil. A essas novas modalidades
são atribuídas as características de proposta, principalmente, a obrigatoriedade.
“Modernamente e perante o CDC, o conceito de oferta é visto sob o
prisma da sociedade de consumo, em que as ofertas não são mais
individualizadas e cristalinas, e, sim, constituem-se sinônimo de
marketing, incorporando todos os métodos e instrumentos que
aproximam o consumidor dos serviços e produtos colocados no
mercado pelos fornecedores. Tais técnicas vinculam a oferta não
apenas às técnicas de venda pessoal, como às coletivas e difusas, às
promoções de vendas e à própria publicidade”20
18
Ibid., p. 62. 19
Sílvio RODRIGUES, Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva,
3a.ed., 1991. p.67. 20
Martha Rodrigues de CASTRO, A oferta no Código Brasileiro do Consumidor. Revista do Direito do
Consumidor, São Paulo - volume 11, julho/setembro - 1994. p.60.
Portanto, ao inovar21
capitulando a publicidade como oferta, como
declaração unilateral de vontade, pré-contratual, que vincula o fornecedor22
e permite ao
consumidor exigir o cumprimento do que anunciado, como apregoa Cláudia Lima
Marques23
:
"No direito brasileiro, a oferta ou proposta é a declaração inicial de vontade
direcionada à realização de um contrato (...) A oferta ou proposta é
obrigatória, tem força vinculante em relação a quem a formula, devendo ser
mantida por certo tempo. Basta, pois, o consentimento (aceitação) do outro
parceiro contratual e estará concluído o contrato (art. 1.080 e ss. do Código
Civil Brasileiro (... ) Se na visão tradicional a oferta já é um fator criador de
vínculos, na visão do CDC este poder de vinculação (Bindung), desta
declaração negocial, destinada ao consumo, é multiplicado (...)
O art. 30, ao ampliar a noção de oferta e ao afirmar que as informações
dadas integram o futuro contrato, revoluciona a idéia de invitatio ad
offerendum.
Agora qualquer informação ou publicidade veiculada que precisar, por
exemplo, os elementos essenciais da compra e venda: res (objeto ) e pretium
(preço), será considerada como uma oferta vinculante, faltando apenas a
aceitação (consensus) do consumidor ou consumidores em número
indeterminado (... )
É o princípio da transparência nas relações de consumo, mesmo nessa fase
anterior ao fechamento do negócio, exigindo veracidade nas informações
que são transmitidas aos consumidores. A nova noção de oferta instituída
pelo CDC nada mais é, portanto, que um instrumento para assegurar uma
maior lealdade, uma maior veracidade das informações fornecidas ao
consumidor ".
Realmente, louvável o tratamento legal da matéria pelo CDC, por cujas
disposições, uma vez veiculada a oferta publicitária24
, esta se converte em obrigação
pré-contratual, cujo sujeito ativo é o consumidor e cujo sujeito passivo é o anunciante,
seja comerciante ou fabricante25
. A veiculação publicitária, se aceita a proposta pelo
consumidor, é parte integrante do contrato e impõe ao fornecedor a obrigação de honrar
o anúncio (art. 30, CDC).
21
"Os arts. 36 a 38 do CDC constituem uma das inovações mais comentadas da lei de proteção ao
consumidor (...) Queremos destacar aqui a relevância que a publicidade passa a ter no Direito Civil. Pelo
art. 30 do CDC, a publicidade passa a ser fonte de obrigação para o fornecedor (...) No Brasil, com as
mudanças introduzidas pelo CDC, a publicidade, quando suficientemente precisa, passa a ter efeitos
jurídicos de uma oferta, integrando o futuro contrato (...) será uma obrigação de manter a sua oferta nos
termos em que foi veiculada." (Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor,
p.223, 257). 22
"Quando a mensagem publicitária é veiculadora de oferta, pode ser assemelhada a uma declaração
unilateral de vontade, porque a lei obrigou o ofertante ao cumprimento" (Pasqualotto, op. cit., p. 60). 23
Cláudia Lima Marques, op. cit., p. 208-212. 24
"A publicidade, assim, além de meio de indução ao consumo, também deverá atuar como meio de
informação, passando a ser tratada juridicamente como um quase contrato, uma promessa unilateral que
tem o condão de gerar obrigações." (Renata Maldelbaum, Contratos de Adesão e Contratos de
Consumo, p. 174). 25
Adalberto Pasqualotto (op. cit., p.106) anota: "A obrigação é relação jurídica de caráter pessoal, de
modo que a pretensão é exercida em face do devedor, visando compeli-lo ao cumprimento da
obrigação: dar, ou seja, entregar o aparelho. Não existe possibilidade de apropriação imediata do bem
porque falta vínculo real. A ação de cumprimento, correspondente ao direito material de crédito, é
também pessoal, com natureza de conhecimento e da espécie condenatória. Com a sentença haverá
título hábil para ensejar o processo de execução para entrega de coisa certa (art. 621 e ss., CPC)".
Em caso de recusa, o consumidor pode, alternativamente e à sua livre
escolha, reivindicar o cumprimento forçado da obrigação (art. 35, I, CDC), optar pela
substituição por outro produto ou a prestação de serviço equivalente (art. 35, II, CDC)
ou rescindir o contrato com a restituição de quantia eventualmente antecipada,
monetariamente atualizada, além de perdas e danos (art. 35, III, CDC).
As regras do art. 35 do CDC traduzem, claramente, a mens legis, que se
ocupa de resguardar a boa-fé do consumidor, de assegurar o cumprimento da palavra
pelo proponente. É expressão do princípio geral de direito: Pacta sunt servanda. A
palavra deve ser honrada; as promessas, cumpridas; os pactos, executados.
4. OFERTA E PUBLICIDADE
O CDC possui normas específicas tanto em relação à oferta como à
publicidade.
Porém, apesar de receber tratamento especial do Código, a publicidade não
perde a natureza jurídica de modalidade da oferta. Tanto é verdade, que o Código traz
dispositivos norteadores da oferta em que, não obstante seu regime específico, a
publicidade está incluída. É o que ocorre com o art. 30 do mencionado Código.
Com o CDC, a oferta passou a ter eficácia própria, autônoma, mesmo que o
fornecedor não a queira integrar no contrato; desde que neste explicite-se a relação de
consumo, a publicidade, mesmo que nele não prevista, passa a ser oponível pelo
consumidor ao fornecedor.
4.1. O caráter vinculante da mensagem publicitária e os princípios do CDC
O art. 30 do CDC determina que in verbis: “Toda informação ou
publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de
comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o
fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser
celebrado.”
Esta regra é consequência lógica de três princípios previstos pelo Código: o
princípio da transparência, que se encontra no art. 4º, caput, o princípio da
vulnerabilidade do consumidor, consagrado pelo inciso I do art. 4º, e o princípio da boa-
fé, art. 4º, III.
Para Cláudia Lima MARQUES:
“A eventual relação obrigacional, vínculo jurídico nascido do uso da
publicidade na sociedade pelo fornecedor seria pois, uma modalidade
mais individualizada e concreta de dever jurídico, reflexo de uma
atuação voluntária ou delituosa do indivíduo na sociedade.”26
O art. 30 define uma nova noção de oferta a qual integra a publicidade, que
passa a ser oferta publicitária ou parte da oferta contratual, logo, vinculante.
A publicidade “suficientemente precisa” obriga o fornecedor, esta obrigação
é um vínculo jurídico comparável em tudo àquele nascido da proposta contratual,
passando a ter natureza jurídica de negócio jurídico unilateral.
5. A OFERTA NO CDC
O CDC reorganizou inteiramente o regime jurídico da oferta previsto pelo
Código Civil.
A oferta é a declaração de vontade dirigida à pessoa com a qual alguém
pretende contratar em certas condições. O interesse social requer que seja séria e que
tenha estabilidade, razão pela qual, em regra, o proponente fica obrigado a mantê-la.
Essa obrigação desaparece, porém, sempre que a proposta assim declarar ou quando a
natureza do negócio ou as circunstâncias do caso impedirem a sua manutenção.
Anteriormente, as ofertas ao público eram consideradas por grande parte da
doutrina como verdadeiros “convites para contratar” (invitatio ad offerendum), não
possuindo força vinculante. Acreditava-se que as ofertas ao público eram dirigidas a
sujeitos indeterminados, não tendo destinatário específico. Este deveria ser determinado
ou determinável tanto na celebração do contrato quanto na apresentação da oferta.
Esse regime jurídico adaptava-se bem ao modo de formação dos contratos
individuais regulados pelos códigos clássicos. Porém, a alteração dos mecanismos de
mercado, a transformação da esfera privada, a formação de grandes conglomerados
econômicos e a mudança no papel da publicidade, levaram a uma nova elaboração da
disciplina jurídica da oferta.
A passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo oligopolista foi
acompanhado pela mudança no sentido e função da publicidade, que passou a ser, cada
vez mais, fator determinante das escolhas dos consumidores.
26
Cláudia Lima MARQUES,. Vinculação própria através da publicidade? A nova visão do Código de
Defesa do Consumidor. Revista do Direito do Consumidor, São Paulo - volume 10, abril/junho -1994.
p.11.
Com o advento do CDC, a publicidade passou a ser verdadeira cláusula
extra, não escrita, mas, que passou a integrar o contrato celebrado com o consumidor,
produzindo todos os efeitos legais.
Não existe incompatibilidade entre os princípios vinculantes na proposta ou
oferta no direito tradicional do CC e da oferta no CDC. Este conferiu maior amplitude
ao regime jurídico da oferta estabelecido pelo Código Civil. Deu contornos legais àquilo
que a doutrina defendia há muito tempo. A diferença está nas nuances trazidas pela
policitação de massa, oferta a grande número de pessoas.
Para Adalberto PASQUALOTTO :
“Em termos gerais e no plano dos efeitos, a oferta, no Código do
Consumidor, equivale à proposta, no Código Civil (art.1080). Ambas
igualmente obrigam. Mas, a gênese é diferente. No Código Civil, há
negócio jurídico desde quando a proposta é feita. Atua a vontade. No
Código do Consumidor, a oferta é comportamento típico, fato jurídico
bastante, por si só, para gerar o mesmo efeito dos atos negociais. É
fonte de obrigação autônoma”27
O mesmo autor cita, ainda, outra diferença fundamental entre a oferta do
CDC e a proposta do CC : a recusa de dar cumprimento à proposta resolve-se em perdas
e danos; nas relações de consumo, porém, cabe execução forçada da obrigação.
Para Cláudia Lima MARQUES :
“Ao igualar a publicidade suficientemente precisa ... à oferta colocou
o CDC o fornecedor que veiculou a publicidade no mesmo estado de
sujeição à aceitação que já era conhecido pelo próprio Código Civil,
no caso de proposta contratual aceita. Se a proposta foi aceita sem
modificações e imediatamente, não há como querer com eficácia em
sentido contrário, o contrato está fechado e só o inadimplemento é
possível (dano positivo), mas também sancionado”28
Levando-se em conta as transformações da realidade econômica e o novo
papel exercido pela publicidade como meio de estimular o consumo, o Código presumiu
que a oferta sempre partirá do fornecedor.
A nova disciplina jurídica da oferta teve como finalidade assegurar
veracidade às informações veiculadas pelo fornecedor, contribuindo dessa forma para a
eliminação dos abusos, nessa área.
27
Adalberto PASQUALOTTO,. op. cit., p. 101. 28
Cláudia Lima MARQUES,. op. 2 cit., p. 13.
O fundamento jurídico da obrigação do fornecedor reside nas expectativas
que venha a criar em virtude da exibição da mensagem publicitária. O consumidor, que
teve a sua escolha determinada pela publicidade, precisa ter a confiança de que a oferta
reflete a vontade efetiva do fornecedor.
Cabe aqui um parêntesis para ressaltar que a vinculação do fornecedor,
imposta pelo art. 30, não é absoluta, os eventuais abusos que poderiam derivar da
interpretação irrestrita do art. 30 devem ser limitados pela aplicação das noções de má-
fé e abuso de direito.
Sobre essa questão é valiosa a lição de Sílvio de Salvo VENOSA :
“A boa-fé na relação sempre deve ter guarida, não importando seja
ela contratual ou não, de adesão ou paritária, de consumo ou
essencialmente civil.”29
6. PUBLICIDADE ENGANOSA POR COMISSÃO
A repressão da publicidade enganosa pelo CDC é consequência imediata do
princípio da veracidade da informação publicitária albergado nos termos do caput do
art. 37 da Lei nº. 8.078/90.
A enganosidade por comissão, que se revela por uma afirmação inteira ou
parcialmente falsa sobre produto ou serviço, se destaca por macular a declaração de
vontade do consumidor30
.
O CDC, a par do escopo de reequilibrar a situação do hipossuficiente no
mercado, se preocupa com a tutela da boa-fé e da livre expressão do direito de contratar.
A falsa publicidade gera expectativas inverídicas, que levam o adquirente de
produtos e serviços a uma informação equivocada sobre as características, preço,
quantidade, qualidade e outros dados sobre o bem de consumo.
Explica João Batista de Almeida31
:
"A publicidade enganosa vicia a vontade do consumidor, que, iludido,
acaba adquirindo produto ou serviço em desconformidade com o
pretendido. A falsidade está diretamente ligada ao erro, numa relação
de causalidade".
29
Sílvio de Salvo VENOSA,. A força vinculante da oferta no Código Civil e no Código de Defesa do
Consumidor. Revista do Direito do Consumidor, São Paulo - volume 08, outubro/dezembro - 1993. p. 90. 30
Walter Ceneviva, op. cit., defende que, porque viciada pela enganosidade, a vontade nem mesmo existe
nesses casos. 31
João Batista de Almeida, A Proteção Jurídica do Consumidor, op. cit.,p.90.
A gravidade da publicidade enganosa repousa no fato de que, se o
consumidor tivesse conhecimento de que a mensagem era falsa, não adquiriria o
produto ou o serviço, o que, ao final, representa violência ao próprio princípio da
autonomia da vontade, desde que esta se expressa de modo viciado pela enganosidade
da mensagem publicitária.
José Geraldo Brito Filomeno32
, Procurador de Justiça do Estado de São
Paulo, exemplifica a enganosidade de anúncio de película de escurecimento do interior
de veículo, a ser posta nos vidros do automóvel, que, por ser proibida pela legislação de
trânsito, causava danos ao consumidor por publicidade enganosa, o que ensejou a
propositura de ação civil pública.
Aduz Fábio Ulhoa Coelho33
:
"É enganosa a publicidade capaz de induzir consumidores em erro
quanto ao serviço ou produto em promoção (...) o decisivo é investigar
se o conteúdo transmitido é suscetível de induzir em erro o
consumidor do fornecimento em programação. Se, a partir da
mensagem, se constata que ele pode ser levado a tomar por verdadeira
a informação falsa, então caracteriza-se a publicidade enganosa".
A publicidade enganosa por comissão se revela quando, de modo inteira ou
parcialmente falso, se induz em erro o consumidor a respeito da natureza,
características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros
dados sobre produtos e serviços. Assim, exempli gratia, o anúncio de pacote para hotel
cinco estrelas que, em realidade, não goza dessa classificação, ou a promessa de suíte
individual com tv, frigobar, etc., quando não são verídicas essas comodidades.
Se o consumidor adquire o aludido pacote, seduzido pelas condições
prometidas no contrato, na proposta ou no anúncio publicitário, e a realidade da estadia
é de padrão de qualidade inferior, depara-se perante a figura da publicidade enganosa
por comissão.
A expressão legal "qualquer modalidade de informação ou comunicação"
compreende o veículo divulgador da publicidade (modalidade escrita, oral, visual,
estética): jornais, rádio, televisão, out-doors, cartazes, encartes e outros.
Segue que a publicidade é enganosa quando se constata que o consumidor é
induzido a considerar verdadeira uma informação falsa.
O egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal34
reconheceu a ocorrência
de publicidade enganosa em anúncio de edifício de apartamentos com benfeitorias como
piscina infantil, mini-Golf, salão de jogos, todavia entregue sem essas obras. Em seu
voto condutor, o Desembargador Otávio Augusto enfatiza:
"É indisfarçavel que o prometido na oferta, mesmo não constando
deste último, integra o contrato que veio a ser celebrado, e à parte
32
José Geraldo Brito Filomeno, Manual de Direitos do Consumidor, op. cit., p.312-316. 33
Fábio Ulhoa Coelho, A Publicidade Enganosa no Código de Defesa do Consumidor, op. cit., p. 70-71. 34
APC nº. 27.980/92, relator o Des. Otávio Augusto, Registro de Acórdão nº. 82.038.
enganada se facultava não o desfazimento do negócio, mas a obtenção
do abatimento do preço pago, em equivalência ao que deixou de ser
construído e foi objeto de propaganda".
Por igual, cumpre afiançar que o CDC não exigiu o caráter inteiramente
falso da publicidade, mas também incluiu os anúncios parcialmente falsos, como, por
exemplo, alguns casos de oferta de curso de computação veiculado, alardeando ter um
computador por aluno, quando, na verdade, há pouquíssimos computadores, sendo que
cada um é utilizado por quatro ou cinco alunos.
Verifica-se, na hipótese, falsidade parcial, que é maculada por enganosidade
pelo Código.
Ponto digno de nota é a impossibilidade de o anunciante elidir a sua
responsabilidade ao argumento de que não teve intenção de lesar o consumidor ou de
induzi-lo em erro. O intuito do fornecedor não interessa à caracterização da publicidade
enganosa; basta que a mensagem seja objetivamente capaz de causar a enganosidade.
Preleciona Cláudia Lima Marques35
:
"Note-se que o artigo 37 do CDC não se preocupa com a vontade
daquele que faz veicular a mensagem publicitária. Não perquire da sua
culpa ou dolo, proíbe apenas o resultado: que a publicidade induza o
consumidor a formar esta falsa noção da realidade. Basta que a
informação publicitária, por ser falsa, inteira ou parcialmente, ou por
omitir dados importantes, leve o consumidor ao erro, para ser
caracterizada como publicidade proibida, publicidade enganosa ".
Acresce Fábio Ulhoa Coelho36
:
"Ou seja, a tipificação da publicidade enganosa, para fins de
responsabilização civil, independe de qualquer apreciação subjetiva,
das intenções do fornecedor. Mesmo na hipótese de não ter o
empresário agido com o intuito de enganar os consumidores, responde
pelos danos advindos de publicidade enganosa".
A doutrina explicita que o Código de Defesa do Consumidor se preocupou
em defender o consumidor contra o resultado lesivo causado pela publicidade enganosa,
cuja responsabilidade é objetiva37
, em virtude da veiculação de mensagem inteira ou
parcialmente falsa. Porque a falsidade parcial também é proibida, a doutrina censura as
legendas com tipos minúsculos em filmes publicitários, porquanto se torna difícil
avaliar a veracidade ou não da publicidade.
35
Cláudia Lima Marques, op. cit., p 260. 36
Fábio Ulhoa Coelho, "A Publicidade Enganosa no Código de Defesa do Consumidor", op. cit., p. 78. 37
Adalberto Pasqualotto afirma que "o anunciante responde objetivamente pelos danos que causar. Os
danos serão geralmente materiais na publicidade enganosa e morais na abusiva", op. cit.,(p. 171).
A enganosidade compreende a mera potencialidade lesiva38
, a capacidade de
induzir ao erro39
- o poder de sugestão publicitária (ainda que o anunciante alegue não
ter intenção de enganar), além de dados ambíguos ou de equívoca interpretação,
informações parcialmente verdadeiras.
Asserte-se, contudo, que a maior parte da doutrina isenta da
responsabilidade por publicidade enganosa o anunciante quando o exagero se dá a título
de fantasia nas peças publicitárias, contanto que o conteúdo fantasioso retrate,
claramente, o absurdo ou a nítida incongruência com a realidade. O fundamental é que
não haja meio de ludibriar os destinatários.
A ninguém pareceria plausível, por exemplo, que o consumo de
determinada pasta de dente importe no acesso a uma vida de aventuras e assédio por
homens ou mulheres maravilhosos (as).
Não são nocivas, algumas mensagens de pastilhas que fazem levitar; por
óbvio, nenhum consumidor irá supor que, adquirindo o produto, possa alcançar o poder
de levitação.
7. PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO
A publicidade enganosa por omissão se verifica quando se omitem dados
essenciais quanto à aquisição do produto ou serviço, como, nos casos de pacote
turístico, a classificação do hotel e as condições de hospedagem (quartos individuais, ou
não, com tv, frigobar, ar condicionado, telefone, ou não).
A omissão relevante é aquela que, ciente dos dados sonegados, levaria o
consumidor a não celebrar o contrato com o fornecedor 40
.
Fábio Ulhoa Coelho consigna41
:
“A enganosidade por omissão, nesse sentido, se caracteriza na
hipótese de se revelar de tal forma importante o dado omitido que tal
consumidor-padrão deixaria de concretizar o negócio se dele soubesse
anteriormente".
Adalberto Pasqualotto42
refere a importância da omissão:
38
Inclusive porque, nessa hipótese, há ensejo de defesa judicial preventiva de interesses difusos e
coletivos pelo Ministério Público e pelos co-legitimados do art. 82, I a IV, do CDC. 39
Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin refere que "na caracterização da publicidade enganosa,
não tem qualquer importância a consumação do dano material. O consumidor não precisa chegar às
últimas conseqüências e adquirir, de fato, o produto ou serviço com base no anúncio. Basta que este tenha
a mera capacidade de induzi-lo ao erro para evidenciar-se a publicidade enganosa. O que importa não são
os efeitos reais da publicidade, mas, ao contrário, sua capacidade de afetar decisões de compra" (op. cit.,
p.219). 40
Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin esclarece que "já na publicidade enganosa por omissão, o
anunciante deixa de afirmar algo relevante e que, por isso mesmo, induz o consumidor em erro, isto é,
deixa de dizer algo que é" (ob. cit., p.216). 41
Fábio Ulhoa Coelho, A Publicidade Enganosa no Código de Defesa do Consumidor, op. cit., p. 77. 42
Adalberto Pasqualotto, op. cit., p. 118-119.
"Mesmo sendo verdadeira, uma comunicação publicitária pode ser
falsa, inteira ou parcialmente. A situação é freqüente quando há
omissão de algum dado necessário ao conhecimento do consumidor,
provavelmente determinante da compra".
Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin43
adiciona:
"O Código nutre pela publicidade enganosa por omissão a mesma
antipatia que manifesta pela publicidade enganosa comissiva. A
enganosidade por omissão consiste na preterição de qualificações
necessárias a uma afirmação, na preterição de fatos materiais ou na
informação inadequada (...) O bom exemplo, tirado do mercado
brasileiro, é o anúncio, feito pela Philips, de um televisor stereo, o
primeiro a ser comercializado no País. Só que o anunciante deixou de
informar ao consumidor que tal qualidade especial - que o distinguia
de seus similares - só era alcançável com a aquisição, à parte, de uma
peça específica. Ora, o dado relevante para aquela aquisição - e por
isso essencial - era exatamente a sua qualidade de sonoridade stereo".
Vale reiterar que o dado omitido tem que ser essencial (art. 37, § 3o., CDC)
à concretização do negócio jurídico44
, o fato omitido é tão relevante que o seu
conhecimento anterior levaria o consumidor a não adquirir o produto ou o serviço.
Pasqualotto traz ilustrativa colação de caso concreto45
. De toda forma, a
enganosidade por omissão representa conduta reprovada pelo Código por constituir uma
afronta aos deveres de lealdade, transparência, identificação, veracidade e informação,
que devem ser honrados pelo anunciante em face do consumidor. Sobremodo, antolha-
se o desacato ao preceito da boa-fé, a ser invariavelmente preconizado pelo fornecedor.
O Código preconiza a tutela do consumidor, que, num mercado de produção
em massa, se posiciona em situação inferior diante dos fornecedores, aos quais não se
tolera a adoção de técnicas de pequeno jaez e de possível má-fé, particularmente a
omissão de informações essenciais sobre os produtos anunciados, desde que se trata de
direito fundamental do hipossuficiente - a correta e suficientemente precisa informação
ao destinatário das mensagens publicitárias, com vistas a possibilitar ao mesmo
consumidor o livre e inerrante juízo de conveniência de adquirir, ou não, produtos e
serviços. Que a omissão na publicidade não se preste ao engano e à fraude.
43
Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, op. cit., p. 225. 44
"Dado sem o qual é impossível para o consumidor conhecer o produto ou serviço divulgado. Nesse
caso o fornecedor deixou de praticar a ação legal de narrar toda a verdade na mensagem publicitária"
(Walter Ceneviva, ob. cit., p. 119). 45
Adalberto Pasqualotto, "O 2o. Juizado de Pequenas Causas de Porto Alegre condenou empresa
varejista a fornecer peça de reposição ao consumidor que adquirira um aparelho de som, sem o
esclarecimento de que o seu preço aproximaria ao do próprio bem, porque a peça era fabricada na
Zona França de Manaus e pagava tributo equivalente à importação para ser vendida internamente no
Brasil. Como essa informação não constava da publicidade feita, os custos correspondentes aos
impostos de internação da peça no mercado nacional tiveram que ser suportados pelo fornecedor" (op.
cit., p.126).
8. PUBLICIDADE SIMULADA E O PRINCÍPIO DA IDENTIFICAÇÃO
Não de menor tomo a questão do princípio da identificação da publicidade,
exposto nos moldes do prescrito no caput do art. 36 da Lei nº. 8.078/90, que busca
coibir a publicidade simulada.
É a vedação do uso de técnicas psicológicas, com fins publicitários;
interdita-se o recurso da mensagem implícita, indireta, aquela que não é ostensiva e
clara, mas velada, dirigida ao subconsciente. Dá-se com a inserção de anúncios medidos
em frações de segundo.
É de uso concentrado em filmes, propagados em cinema e na televisão.
É forma reprovada porque se vale de subterfúgio, sobre constituir
expediente desconhecido do destinatário.
O enxerto publicitário tem que se apresentar expresso, direto, induvidoso
como uma peça de publicidade. A ratio legis é, além de proporcionar ao consumidor a
imediata identificação do anúncio (art. 36, caput, CDC), permitir-lhe posicionar-se
defensivamente em face do apelo que se lhe dirige.
Em outros termos, não se tolera que os fornecedores logrem proveito
comercial com a ignorância, com a influência do subconsciente do consumidor; quer
dizer, as técnicas de persuasão devem voltar-se para o convencimento honesto e
espontâneo do destinatário da mensagem, que tem o direito de optar por adquirir, ou
não, o bem de consumo, e não ser forçado a tanto.
Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin comenta46
:
"Princípio da identificação da publicidade. A publicidade há que ser
identificada pelo consumidor. O legislador brasileiro não aceitou nem
a publicidade clandestina, nem a subliminar (...) publicidade que não
quer assumir a sua qualidade é atividade que, de uma forma ou de
outra, tenta enganar o consumidor. E o engano, mesmo o inocente, é
repudiado pelo Código de Defesa do Consumidor (...) O dispositivo
visa impedir que a publicidade, embora atingindo o consumidor, não
seja por ele percebida como tal (...) Veda-se, portanto, a chamada
publicidade clandestina, especialmente sem sua forma redacional, bem
como a subliminar".
Também se expressa a publicidade simulada sob a forma de patrocínio
indireto de serviço ou produto como em entrevistas e artigos em jornais e em outros
meios de comunicação que, a pretexto de ventilar novidades, se presta, na verdade, a
veicular anúncios publicitários de produtos e serviços, iludindo o consumidor acerca do
verdadeiro objetivo da reportagem, de puro merchandising47
.
46
Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, op. cit., p. 205, 208. 47
Fábio Ulhoa Coelho assevera que "também pode ser eventualmente alcançada pela vedação legal da
publicidade simulada a técnica que, no Brasil, se convencionou chamar por merchandising, isto é, a
inserção de mensagens publicitárias no transcorrer de novelas, peças teatrais, programas de televisão,
filmes, etc"., op. cit..
É prática condenada pelo CDC porque oculta, e não ostensiva, ferindo o
princípio da identificabilidade.
Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin explica o merchandising48
:
"Denomina-se merchandising em técnica publicitária (...) "a aparição
de produtos no vídeo, no áudio ou nos outros artigos impressos, em
sua situação normal de consumo, sem declaração ostensiva da marca.
Portanto, a comunicação é subliminar. Como exemplo podemos citar
o consumo de cigarros, somente de determinada marca no filme, ou o
uso exclusivo de carros da marca Ford numa determinada novela".
9. A PUBLICIDADE ABUSIVA
O direito, enquanto conjunto de normas destinadas a disciplinar o convívio
do homem em sociedade, porque visa ao bem-comum e ao alcance do que é justo e
correto, abriga valores fundamentais de equidade, de justiça, além de se inspirar nos
mais áureos postulados da ética e da moral.
Essa consideração dos ideais consagrados no preâmbulo49
da Carta Magna
reflete na própria idéia de poder constituinte (como aquele que registra as regras
invioláveis de uma ordenação social) e de Constituição50
, em sentido material, como a
expressão das forças e dos princípios basilares de uma comunidade humana51
.
Os meios de comunicação e a publicidade devem ajustar-se a esses
parâmetros superiores, aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (art. 221, IV,
Constituição Federal de 1988).
Assim, fica vedada a difusão de mensagens publicitárias ofensivas a esses
cânones.
Eis a origem da proibição da publicidade considerada abusiva, que é aquela
que incite a violência, a discriminação, a exploração do medo, que corrompa a
integridade infantil ou os valores ambientais, ou que ameace a saúde e a segurança (art.
37, § 2o., CDC).
48
Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, p. cit., p.209. 49
Leib Soibelman. (p. 283) define preâmbulo como: "Razões expostas como introdução às leis, nas quais
se explicam os motivos e fundamentos que levaram o legislador a disciplinar uma determinada
realidade social". 50
J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional, p. 64) expõe: "A conhecida forma preambular " We the
People" indicia com clareza uma dimensão básica do poder constituinte: criar uma Constituição (...)
para "registrar" num documento escrito um conjunto de regras invioláveis onde se afirmasse: (...)
garantia, de modo estável, de um conjunto de direitos plasmados em normas constitucionais, que
podem opor-se e ser invocados perante o arbítrio do legislador e dos outros poderes constituídos". 51
"Um sistema positivo de valores não é a criação arbitrária de um indivíduo isolado, mas sempre o
resultado da influência que os indivíduos exercem uns sobre os outros dentro de um dado grupo (...)
todo sistema de valores, em especial um sistema moral com a sua idéia central de justiça, é um
fenômeno social, o produto de uma sociedade" (Hans Kelsen, 1990).
Anota João Batista de Almeida52
:
"Não chega a ser mentirosa, mas é distorcida, desvirtuada dos padrões
de publicidade escorreita e violadora de valores éticos que a sociedade
deve preservar. Além disso, deturpa a vontade do consumidor, que
pode, inclusive, ser induzido a comportamento prejudicial ou perigoso
à sua saúde e segurança".
Recente publicidade esportiva apregoava a superioridade de um produto
com um filme de duvidoso gosto quando um corredor, ao contemplar a marca do tênis
do concorrente, desiste da prova e se suicida com um tiro. Enseja discussão a possível
abusividade da mensagem.
Determinado jogo de informática para adolescentes e crianças foi retirado
do mercado por premiar os competidores que atropelavam mais pessoas, ferindo e
matando pedestres.
O mesmo se diga quanto ao uso de armas de fogo, fixadas em encartes de
jornais de grande circulação. Não se tolera a venda de amuletos, por estímulo à
superstição popular53
.
Do mesmo modo, a veiculação de anúncios de serviços de tele-sexo, na
televisão, em horário vespertino ou noturno muito cedo, com influência nociva sobre
crianças.
O apelo à discriminação54
racial, estética, religiosa, entre outras formas,
constitui publicidade abusiva porque agride princípios fundamentais da República
Federativa do Brasil e preceitos constitucionais diversos, como a dignidade da pessoa
humana e a promoção do bem de todos, sem preconceitos (art. 1o., III e IV,
Constituição Federal de 1988).
Gera polêmica a veiculação de publicidade de cigarros, em vista da ameaça
à saúde pública, prevalecendo na doutrina a idéia de possibilidade de restrição de
horários, não de vedação, o que é mais reflexo do lobby da indústria do fumo do que
preocupação com o bem-estar da população, principalmente os jovens (consumidores
em potencial por longos anos do produto), que são estimulados com as belas paisagens e
os prazeres de consumir o produto nocivo, anúncios claramente eivados de falsidade,
desde que sobejamente conhecidos os males causados pelo hábito de fumar.
A publicidade, porque meio de influenciar pensamentos, valores,
comportamentos e modificar condutas, tem que ser controlada quanto ao seu eventual
caráter abusivo, sob pena de ameaça à própria sociedade e aos valores que são o alicerce
dela, aos quais os anunciantes devem respeitar, em nome da própria estabilidade
jurídico-social vigente, tutelada pela Lei Maior, sob pena de responsabilidade55
. 52
João Batista de Almeida, op. cit., p. 91. 53
Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado, op. cit., p.207. 54
"A discriminação é uma forma odiosa de afronta ao princípio da igualdade" (Adalberto Pasqualotto,
op. cit., p.128). 55
"Quem responde pelos desvios da publicidade? Como regra, o anunciante, ou a quem o anúncio
aproveita. Não se exclui, porém, excepcionalmente, a responsabilidade da agência e do próprio
veículo. O anunciante, como já dito, é responsabilizado, no plano cível, objetivamente pela
10. A IMPRENSA E OS CRIMES CONTRA O CONSUMIDOR
Sim, publicidade enganosa é crime, sujeitando o infrator a uma pena de
detenção de três meses a um ano e multa, incorrendo na mesma pena o agenciador da
propaganda enganosa.
O Código de Defesa do Consumidor instituído pela Lei nº 8.078/90, para a
implementação dos direitos e deveres que estabelece, criou um sistema de
responsabilidade de natureza civil, administrativa e penal. Nos seus artigos 63 a 74
criminaliza doze condutas, catalogando-as como infrações penais contra o consumidor.
Praticamente todos os tipos penais acima indicados estão, direta ou
indiretamente, relacionados com a informação do consumidor. Daí a importância dos
meios de comunicação - rádio, jornal, televisão, entre outros, relativamente a esse
assunto que desperta grande interesse nos dias atuais.
A Constituição Federal, em vários dispositivos, fez engajar os meios de
comunicação social nas políticas públicas de defesa dos direitos difusos e coletivos da
sociedade (art. 5º, XIV; 221, I e IV, dentre outros).
É inegável, portanto, a responsabilidade dos órgãos de imprensa em geral
com a informação clara, precisa, legítima e lícita a respeito desses direitos, dentre os
quais ressalta o direito do consumidor.
Na atualidade, entretanto, temos verificado a ocorrência de crimes contra os
consumidores, praticados através da imprensa e materializados através da publicidade e,
até mesmo, em anúncios classificados.
Através de anúncios classificados em jornais, vários crimes contra o
consumidor têm sido perpetrados, destacando-se a oferta de veículos novos aos
consumidores, por empresas inidôneas comandadas por verdadeira súcia de
estelionatários de outros estados que, após atraírem cidadãos incautos via anúncios
enganosos, deles recebem o sinal do pagamento e não entregam os veículos negociados,
perdendo-se, inclusive, qualquer forma de contato ou comunicação com os responsáveis
por essa conduta delituosa.
Essa conduta, igualmente, está criminalizada pela lei protetiva do
consumidor.
Uma determinada grande empresa de supermercado, atuante em nível
nacional, de há muito vinha se valendo da imprensa, principalmente da escrita, para
veicular publicidade enganosa (crime previsto no art. 66 do CDC), ao afirmar que
''garante o menor preço ou a diferença à vista''.
publicidade enganosa e abusiva. Já a agência e o veículo só são responsáveis quando agirem dolosa ou
culposamente, mesmo em sede civil" (Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, op. cit., p. 233).
Na verdade, não garante menor preço algum, mas apenas o pagamento da
diferença ao consumidor que encontrar a mesma mercadoria ou produto noutro
estabelecimento com preço inferior ao seu. Evidentemente, que não se trata aí de
''garantir o menor preço'', pois, para isso, teria a empresa que monitorar os preços das
mercadorias em todo o comércio, o que não ocorre.
A prova material desse crime está também representada até mesmo por
escritura pública registrada em cartório pela empresa responsável.
A Lei nº 4.591/64 dispõe ser obrigatório, nos anúncios de venda de unidades
imobiliárias feitos por empresas construtoras e incorporadoras, a inscrição do número de
registro do memorial descritivo do empreendimento, no cartório de registro de imóveis.
Essa omissão caracteriza, inclusive, o crime previsto no art. 66 do Código de Defesa do
Consumidor, o qual é cometido diariamente através dos jornais.
É freqüente, nas páginas de classificados dos jornais, a oferta de ''pacotes
turísticos'' por empresas e pessoas físicas, a preços convidativos e muita comodidade,
quando, em verdade, estão os consumidores sendo atraídos para verdadeiras
''armadilhas'', pois nada do que foi ofertado existe nas condições e qualidade
anunciadas, cujo procedimento constitui crime contra o consumidor.
Estes são alguns dos ilícitos penais mais freqüentes praticados contra os
consumidores através da imprensa.
Entretanto, aconselha-se que não se interprete tal artigo com excessivo
apego gramatical, com extremo rigor formal. O simples exagero na divulgação não
obriga o fornecedor. É o caso de expressões exageradas, como “a melhor”, “a mais
gostosa”, “o mais forte”, etc. Tais modalidades apenas visam a dar uma conotação mais
qualitativa ao produto, não obrigando - até por uma questão de bom senso - o
fornecedor. São meros exageros que não permitem uma verificação mais objetiva.
Vale salientar, por oportuno, que a responsabilidade criminal ''in casu'',
atinge também o dono do jornal, da rádio ou da emissora de televisão, posto que o
Código de Defesa do Consumidor, no seu artigo 75, dispõe que, quem, de qualquer
forma, concorrer para os crimes nele referidos, incide nas penas a esses cominadas na
medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, administrador ou gerente da pessoa
jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta,
exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou oferta e prestação de
serviços nas condições legalmente proibidas.
Tem-se, aí, o princípio da solidariedade na persecução da responsabilidade
criminal dos infratores da lei de proteção ao consumidor.
Devem os órgãos da imprensa em geral buscar soluções internas para
impedir, na medida do possível, a prática de crimes contra os consumidores, a eles
assegurando boa informação e inibindo a ação criminosa dos delinqüentes organizados
em empresas de fachada. Com isso, faz-se necessário que estejamos atentos ao que nos
é ofertado via anúncios escritos, falados e televisivos. Somente com o pleno exercício
ativo de nossa cidadania, estaremos aptos a sermos tratados com dignidade e respeito
nas tendenciosas relações de consumo.
11. A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
O CDC em seu art. 38 adotou o sistema que prevê que o ônus da prova de
que a propaganda não é falsa ou incorreta incumbe a quem a veicula, e não aos
destinatários finais, o que representa notável avanço e, ainda mais, estabelece facilitação
da defesa em juízo dos interesses dos consumidores vitimados pela mensagem
publicitária enganosa56
.
O Código de Processo Civil estabelece como regra geral, no artigo 333, que
o onus probandi cabe ao autor “quanto ao fato constitutivo de seu direito” e ao réu,
“quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.
Estas duas regras garantem que, contestando o réu a ocorrência dos fatos, negando-os,
toda a responsabilidade da prova fica com o autor que, não provando os fatos alegados
de forma suficiente, terá a ação julgada improcedente.
Conforme acertado entendimento de Tupinambá Miguel Castro do
NASCIMENTO, é difícil nas relações de consumo, o consumidor pré-constituir uma
prova acerca de seus direitos, para apresentá-la posteriormente, mesmo porque, no
momento do negócio, o consumidor está em sua completa boa-fé. Conclui-se assim, que
pelas normas do Código de Processo Civil, dificilmente o consumidor ajuizaria ação
com razoáveis possibilidades de vencer a demanda.57
Recorrendo-se ao direito comparado, a tendência observada em todos os
países que desenvolveram um regime legal de defesa do consumidor, tem sido a
crescente oneração dos fabricantes e facilitação da prova aos consumidores. Tal postura,
explica José Reinaldo de Lima LOPES, embora à primeira vista extremamente parcial,
justifica-se em nome do atual desenvolvimento das técnicas produtivas, cada vez mais
complexas e alheias aos leigos, e da organização empresarial. Também lembra o autor,
que a diferença nas exigências processuais que se fazem, procede de uma diferença real
que existe entre consumidores e fornecedores, fazendo com que esta diferença empírica
justifique a diferença jurídica.58
Seria errôneo esperar-se que o consumidor, e até o revendedor, conhecesse o
produto da mesma forma que o fabricante. Na maioria das vezes, o conhecimento
técnico do produto e da sua produção é inacessível para terceiros, mesmo porque,
geralmente, guarda-se o segredo de fábrica.
Desta forma, a Lei 8.078/90, buscando equilibrar a posição das partes,
facilitou consideravelmente a defesa dos direitos dos consumidores, ao adotar, em seu
artigo 6º, inciso VIII, a figura da possibilidade de inversão do ônus da prova. Este artigo
reza que caberá ao fornecedor-réu o ônus da prova em duas situações: a) quando os
56
Cláudia Lima Marques: "O ônus de provar que a publicidade não é enganosa, que as informações estão
corretas (ou que houve caso fortuito) cabe àquele que patrocinou a mensagem publicitária suspeita de
ter induzido em erro os consumidores" (op. cit., p.261). 57
Tupinambá Miguel Castro do NASCIMENTO, Comentários ao Código do Consumidor, op. cit., p. 28. 58
José Reinaldo de Lima LOPES, Responsabilidade Civil do Fabricante e a Defesa do Consumidor, op.
cit., p. 121.
fatos alegados pelo consumidor forem verossímeis, ou, b) quando o consumidor for
economicamente hipossuficiente.59
Nestes dois casos, será o fornecedor-réu que terá de
provar que a alegação do consumidor não é verdadeira.
Washington de Barros MONTEIRO, ao conceituar a verossimilhança diz
que a mesma deve estar envolvida pela presunção hominis. Explica: “a presunção
hominis, ou presunção comum, não resulta da lei, fundando-se, porém, na experiência
da vida, que permite ao juiz formar a própria convicção. Por exemplo, não é de se
presumir que alguém, podendo evitá-lo, aceite o prejuízo”.60
A existência da verossimilhança no alegado pelo consumidor, traduz-se na
existência de plausibilidade na mesma alegação. O magistrado analisará se o alegado
está apoiado nas experiências de vida acumuladas, e em caso afirmativo, determinará a
inversão da prova em favor do consumidor.
Já a hipossuficiência é a condição de carência cultural, material, ou, de
ambas, por parte do consumidor. É interessante salientar, que também se insere no
conceito de hipossuficiência, a noção de posição de desvantagem estratégica, fazendo
com que mesmo um sujeito culto e sem carências materiais, seja considerado um
hipossuficiente.
Portanto, apenas quando verificada uma dessas duas situações, é que se
permite ao juiz, a inversão do ônus da prova. E a inversão significa que caberá ao réu
(fornecedor) produzir o conjunto probatório que afaste as alegações do autor
(consumidor), mesmo que este não tenha apresentado provas acerca de suas alegações.
Entretanto, é lembrado por Arruda ALVIM, que a inversão do ônus da prova independe
da posição, ativa ou passiva, do consumidor.61
Afora a presença de um dos requisitos elencados no artigo 6º, inciso VIII,
do Código de Defesa do Consumidor, o ônus de provar o fato constitutivo é do
consumidor (artigo 333, I, do Código de Processo Civil) e, consequentemente, basta o
fornecedor negar a existência do fato.
É necessário que o fornecedor, como réu, saiba que está ocorrendo a
inversão do ônus da prova, que é a circunstância extraordinária, para que, ao se
defender, prove a inexistência do fato constitutivo alegado. Caso não saiba da inversão,
estará sendo prejudicado em sua ampla defesa. Desta maneira, não é na sentença final
que o magistrado deve decidir pela inversão, e sim no despacho saneador, para assim,
proteger o interesse do réu.62
O despacho judicial que decidir pela inversão do ônus da prova tem a
natureza de interlocutório, sendo com isso, agravável. É matéria agravável se não
recorrida tempestivamente preclui, uma vez que não pode ser analisada novamente a
59
“Artigo 6º do CDC - São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus
direitos, inclusive com a inverção do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do
juiz, for verossímel a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiência”. 60
Washington de Barros MONTEIRO, Curso de Direito Civil - Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1966, p.
271. 61
Arruda ALVIM., op. cit., p. 70. 62
Tupinambá Miguel Castro do NASCIMENTO, op. cit., p. 91.
nível de 2º grau, na hipótese de apelação. Conforme lembra o mestre Tubinambá
NASCIMENTO, reza o artigo 516 do Código de Processo Civil: “Ficam também
submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença final, salvo as impugnáveis por
agravo de instrumento”.63
Arruda ALVIM, comenta, que os autores que sustentam ser somente do
fornecedor o dever de provar o defeito, argumentam, que a feitura desta prova por parte
do consumidor seria demasiadamente difícil ou isuportavelmente custosa,
inviabilizando sua pretensão em alguns casos especiais.64
Tal afirmação é verdadeira,
pois muitas vezes o consumidor lesado é uma pessoa simples , sem provisão de rendas.
Mas, continua Arruda ALVIM, o grande erro desses autores, está no fato de usarem
somente esta argumentação, mais política que jurídica, para justificar a alteração do
regime do artigo 333 do citado diploma legal, e atribuir efeito de inversão do ônus da
prova ao inciso II do § 3° do artigo 12, Lei 8.078/90, o que raramente ocorre de fato.
Basta lembrar que já pode o Juiz inverter o onus probandi ao constatar a
hipossuficiência do consumidor ou a presunção de veracidade na afirmação do mesmo
(verossimilhança), para que se conclua o seguinte: não há necessidade de atribuir-se
somente ao fornecedor o dever de provar o defeito, para que se alcance a proteção
efetiva do consumidor e a viabilização da defesa de seus direitos. Já há meios para isso.
É importante salientar que a inversão facultativa do ônus da prova (a critério
do juiz), de que trata o artigo 6°, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não
é inconstitucional por resultar da aplicação do constitucional “princípio da isonomia”
(artigo 5°, caput e inciso I, da Constituição Federal de 88), que significa tratar
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.
Arruda ALVIM lembra que o próprio Código de Processo Civil permite que
se convencione, em acordo entre as partes, a obrigação de provar diferentemente da
regra geral, desde que não se recaia sobre direito indisponível da parte, nem se torne
excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito (artigo 333, parágrafo único,
inciso II, Código de Processo Civil). Dispõe, porém, o artigo 51, inciso VI, do Código
de Defesa do Consumidor, que é nula de pleno direito a cláusula contratual que
estabeleça a inversão do ônus da prova em detrimento do consumidor, estabelecendo tal
norma nulidade que independe do fato de tornar ou não, tal inversão, excessivamente
difícil ao exercício do direito por parte do consumidor.65
12. A CONTRAPROPAGANDA
A infração aos ditames do Código de Defesa do Consumidor enseja a
imposição de penalidade de contrapropaganda (art. 56, XII, CDC) ao fornecedor pela
autoridade competente da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios,
63
Ibid., mesma página. 64
Arruda ALVIM, op. cit., p. 70-71. 65
Arruda ALVIM et al., op. cit., p. 71.
após processo administrativo com observância das garantias do contraditório e da ampla
defesa, quando o anunciante incorra em publicidade enganosa ou abusiva66
.
Constatada a veiculação de propaganda abusiva ou enganosa, o fornecedor
fica obrigado também a divulgar uma contrapropaganda nas mesmas dimensões em que
foi propalado o anúncio enganoso. Somente após veiculada a contrapropaganda com a
efetiva prevenção dos consumidores a respeito do produto, é que exime-se o fornecedor
de sua responsabilidade de vinculação.
Ocorre, verbi gratia, quando se descobre defeito numa peça específica de
determinado veículo e, por isso, se notificam os compradores da irregularidade e dos
riscos do produto.
Walter Ceneviva alude sobre o tema67
:
"Contrapropaganda, na relação de consumo, corresponde ao oposto da
divulgação publicitária, pois destinada a desfazer efeitos perniciosos
detectados e apenados na forma do CDC (...) punição imponível ao
fornecedor de bens ou serviços, consistente na divulgação publicitária
esclarecedora do engano ou do abuso cometidos em publicidade
precedente do mesmo fornecedor (...) a imposição de
contrapropaganda, custeada pelo infrator, será cominada (art. 62)
quando incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva (...)
Quer a divulgação do anúncio, capaz de satisfazer a finalidade
indicada seja feita em jornais e revistas, quer seja pela mídia
eletrônica, seu custeio estará sempre a cargo do fornecedor (o
fabricante, mesmo não destinando o produto ao destinatário final,
pode ser sujeito passivo da obrigação)".
A difusão de publicidade, com o propósito de estimular o consumo de
produtos e serviços, é livre no Estado Democrático, mas o anunciante deve pautar a sua
mensagem pela obediência à boa-fé, à veracidade e aos outros preceitos legais, além de
reverenciar os postulados e valores sociais elementares.
Incidindo em publicidade enganosa ou abusiva, eclode a responsabilidade
civil e administrativa do fornecedor, por infração aos dispositivos do CDC.
A contrapropaganda nada mais é do que reflexo do mandamento
constitucional de que o Estado promova a defesa do consumidor (art. 5o. XXXII, Carta
Magna de 1988), particularmente a tutela dos interesses dos hipossuficientes, no que
concerne à comunicação publicitária nociva ou falsa, que cause ou possa causar danos
aos destinatários.
66
"A contra-propaganda deverá ser feita de maneira apta a desfazer, o quanto possível, o malefício da
publicidade enganosa ou abusiva" (Arruda Alvim, Código do Consumidor comentado, op. cit.,
p.208.). 67
Walter Ceneviva, op. cit., p. 132-137.
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