págs. a-1 a a-4 vestibular - clubemundo.com.br · salvador dali. cada segundo que se ......

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Mundo VESTIBULAR A proximidade do vestibular deforma a percepção do tempo -como se a vida fora capturada pelo universo de Salvador Dali. Cada segundo que se esgota faz sentir com maior nitidez o poder desse ritual de passagem massificado pela era industrial, que cobra em tempo o tributo daqueles que ousam enfrentá-lo. Meses de estudos, ansiedades e projetos são vorazmente devorados em poucas horas de provas. Esta edição de Mundo é dedicada a esse momento tão decisivo na vida de milhares de nossos leitores. Textos sintéticos e dezenas de questões procuram explorar os desdobramentos mais recentes da política internacional, preparando os eventuais candidatos para os vestibulares mais sofisticados. Desejamos a todos os vestibulandos um boa sorte! A Persistência da Memória, Salvador Dali, 1931, Museu de Arte Moderna de Nova York “Dia D” lançou sementes da geopolítica dos blocos Há meio século, em 6 de junho de 1944 (Dia D), era desecadeada a invasão da Normandia (litoral da França) por tropas dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá. A Operação Overlord, sob o comando do general americano Dwight D. Eisenhower, foi a maior ação combinada de forças aeronavais e terrestres da história militar do planeta. Em menos de 24 horas, foram desembarcados mais de 150 mil soldados. De certa forma, as sementes do processo que desembocaria na formação da Otan e União Européia no pós-Guerra foram lançadas pelo Dia D. A partir daquela operação, a política externa da Casa Branca passaou a ocupar-se do equilíbrio geopolítico à escala planetária, com o objetivo de conter a expansão da “ameaça comunista” Págs. 6 e 7 Acordos não eliminam a chaga do racismo 1994 assinalou o fim dos regimes de segregação racial na África do Sul (com as eleições multirraciais de abril, que elegeram Mandela), e em Israel (que começou a implementar o acordo de setembro de 1993, cuja premissa é o reconhecimento do povo palestino). mas os acordos não colocaram um fim de fato à segregação, nem anunciam um processo global de resolução do racismo. Os conflitos raciais refletem e reforçam o quadro de perplexidades que caracterizam o mundo pós-Guerra Fria Pág. 5 Geografia e Política Internacional OUTUBRO 1994 Tiragem da 1 a Edição: N mil exemplares ANO 2 - N o 6 ENCARTE ESPECIAL / MERCOSUL Nesta edição, Mundo traz 16 páginas, incluindo um encarte especial sobre o Mercosul, a zona de livre comércio que será oficialmente instituída em 1o de janeiro de 1955 e que agrupará Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. O encarte, de quatro páginas, analisa o significado geopolítico e geoeconômico do novo bloco. Você encontrará também uma página só de questões para o Vestibular sobre esse tema Págs. A-1 a A-4 MUNDO traz seu Índice Geral - 1994 Você encontrará nesta edição uma relação de to- dos os assuntos abordados por Mundo em 1994. Os assuntos são ordenados segundo os números do boletim em que aparecem, e também por região geo- gráfica e/ou econômica. Pág. 2 Sexo, drogas e rock'n roll: Woodstock repudia a Guerra do Vietnã Anos 60: a Guerra do Vietnã dilacera um número crescente de vidas. As imagens, aterrorizantes, são transmitidas ao vivo pela TV, em horário nobre, enquanto os telespectadores devoram hambúgueres e cachorro quente. Para protestar contra a guerra, e para expor a hipocrisia de valores culturais falidos, 500 mil jovens se reúnem, entre 15 e 17 de agosto de 1969, em Woodstock, numa fazenda no Estado de Nova York. Com sexo, drogas e rock'roll querem mostrar que podem mudar o mundo. O Vietnã produziu Woodstock e deu impulsp definitivo à contracultura, afirma Nicolau Sevcenko Págs. 10 e 11 Agência Estado

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Page 1: Págs. A-1 a A-4 VESTIBULAR - clubemundo.com.br · Salvador Dali. Cada segundo que se ... lugoslávia do final da Segunda Guerra até 1980. 13.País nórdico que, ... Charada mundial

Mun

doVESTIBULAR

A proximidade do vestibular deforma apercepção do tempo -como se a vida

fora capturada pelo universo deSalvador Dali. Cada segundo que seesgota faz sentir com maior nitidez o

poder desse ritual de passagemmassificado pela era industrial, que

cobra em tempo o tributo daqueles queousam enfrentá-lo. Meses de estudos,ansiedades e projetos são vorazmentedevorados em poucas horas de provas.Esta edição de Mundo é dedicada aesse momento tão decisivo na vida de

milhares de nossos leitores. Textossintéticos e dezenas de questões

procuram explorar os desdobramentosmais recentes da política internacional,

preparando os eventuais candidatospara os vestibulares mais sofisticados.

Desejamos a todos os vestibulandos umboa sorte!

A Persistência da Memória, Salvador Dali, 1931, Museu de Arte Moderna de Nova York

“Dia D” lançou sementesda geopolítica dos blocosHá meio século, em 6 de junho de 1944 (Dia D), era

desecadeada a invasão da Normandia (litoral da França)por tropas dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá.

A Operação Overlord, sob o comando do generalamericano Dwight D. Eisenhower, foi a maior ação

combinada de forças aeronavais e terrestres da históriamilitar do planeta. Em menos de 24 horas, foram

desembarcados mais de 150 mil soldados.De certa forma, as sementes do processo que

desembocaria na formação da Otan e União Européia nopós-Guerra foram lançadas pelo Dia D. A partir daquelaoperação, a política externa da Casa Branca passaou aocupar-se do equilíbrio geopolítico à escala planetária,

com o objetivo de conter a expansão da “ameaçacomunista”

Págs. 6 e 7

Acordos não eliminam achaga do racismo

1994 assinalou o fim dos regimes de segregação racial naÁfrica do Sul (com as eleições multirraciais de abril, que

elegeram Mandela), e em Israel (que começou aimplementar o acordo de setembro de 1993, cuja premissa

é o reconhecimento do povo palestino). mas os acordosnão colocaram um fim de fato à segregação, nem

anunciam um processo global de resolução do racismo. Osconflitos raciais refletem e reforçam o quadro de

perplexidades que caracterizam o mundo pós-Guerra Fria

Pág. 5

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OUTUBRO1994

Tiragem da 1a Edição:N mil exemplares

ANO 2 - No 6

ENCARTE ESPECIAL / MERCOSULNesta edição, Mundo traz 16 páginas, incluindo um encarte especial sobre o Mercosul, a zona de livre comércio queserá oficialmente instituída em 1o de janeiro de 1955 e que agrupará Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. Oencarte, de quatro páginas, analisa o significado geopolítico e geoeconômico do novo bloco. Você encontrará tambémuma página só de questões para o Vestibular sobre esse tema

Págs. A-1 a A-4

MUNDOtraz seu ÍndiceGeral - 1994Você encontrará nesta

edição uma relação de to-dos os assuntos abordadospor Mundo em 1994. Osassuntos são ordenadossegundo os números doboletim em que aparecem,e também por região geo-gráfica e/ou econômica.

Pág. 2

Sexo, drogas e rock'n roll:Woodstock repudia a

Guerra do Vietnã

Anos 60: a Guerra do Vietnã dilacera um númerocrescente de vidas. As imagens, aterrorizantes, são

transmitidas ao vivo pela TV, em horário nobre, enquantoos telespectadores devoram hambúgueres e cachorro

quente. Para protestar contra a guerra, e para expor ahipocrisia de valores culturais falidos, 500 mil jovens sereúnem, entre 15 e 17 de agosto de 1969, em Woodstock,

numa fazenda no Estado de Nova York. Com sexo, drogase rock'roll querem mostrar que podem mudar o mundo.O Vietnã produziu Woodstock e deu impulsp definitivo à

contracultura, afirma Nicolau Sevcenko

Págs. 10 e 11

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Outubro de 1994 Mundo

Índice Geral / Mundo-94Você encontra, abaixo, o índice geral de tudo o que foi

publicado no boletim Mundo em 1994. Na primeiraparte do índice, os assuntos são listados segundo onúmero do boletim em que aparecem. Na segunda

parte, o índice é organizado por região econômica e/ougeográfica. Os números em negrito (fora dos

parênteses) indicam o número do boletim; dentro dosparênteses, indicam as páginas. Por exemplo: Europa

Oriental - 1: (1-6-7-8) 3: (3) assinala que o assuntoserá encontrado em Mundo nº 1, às páginas l, 6, 7 e 8

e também em Mundo nº 3, à página 3.

Após a série negra de governos onde se alternaram ditadores militares, dirigentes corrompidosou notoriamente incompetentes, o Brasil elegeu um verdadeiro homem de Estado.

(Le Monde, 04.out.l994, Editorial)

O vespertino francês, um dos mais importantes da Europa, saudou dessa forma a vitória deFernando Henrique Cardoso no primeiro turno das eleições brasileiras. O mesmo editorial, con-tudo, ressaltou as imensas desigualdades e injustiças sociais do Brasil, que representam desafiospara o novo governo.

1. Sobrenome do presidente latino-americano que, em abril de 1992, deu um golpe de Estado e fechou oCongresso de seu país. Sobrenome do presidente do maior país-membro da CEI.

2. Sobrenome do atual presidente da República Sul Africana. Nome da capital da Bósnia.3. País-membro do Mercosul. País da África Oriental que, em 1994, passou por uma sangrenta guerra civil.4. Região geográfica onde se localiza atualmente o Estado de Israel. A etnia majoritária de Ruanda.5. Grupos que buscam nos fundamentos da religião a base para a vida social, política e econômica.6. Um dos “tigres” asiáticos. República da ex-lugoslávia que tem maioria de população muçulmana.7. Região mexicana na fronteira com a Guatemala e que foi palco de uma rebelião no início de 1994. Região que o

Brasil compartilha com o Peru e a Colômbia.8. País insular da América Central que sofreu, em 1994, uma intervenção por parte dos EUA. Um dos países da

península Escandinava. Grupo que quer separar a Irlanda do Norte da Grã-Bretanha.9. Região da França onde ocorreu o desembarque aliado durante o Dia D. Cidade da Cisjordânia que fez parte do

acordo entre Israel e a OLP.10. Pacto militar que reúne os EUA, Canadá e países da Europa Ocidental. Capital da Eslováquia.11. Região do Canadá que possui movimentos separatistas. Rio que cruza a planície da Mesopotâmia.12. Uma das regiões ocupadas por Israel durante a Guerra dos Seis Dias (1967). Apelido do líder que governou a

lugoslávia do final da Segunda Guerra até 1980.13. País nórdico que, em 1995, deverá fazer parte da União Européia. Império que dominou durante séculos

extensas áreas da península Balcânica.14. Tem a economia mais forte da União Européia. Região que compreende o Marrocos, Argélia e Tunísia.15. República localizada entre a Eslovênia e a Bósnia. Mar que banha a Lituânia, Letônia e Estônia.

Número l - Março 1994

* A OTAN e a Europa pós-Guerra Fria* Eleição multirracial na África do Sul* Polarização eleitoral na Itália* Revolta indígena no México* A Rússia e a guerra na Bósnia* Rabino Sobel denuncia o massacre de Hebron* Diário de Viagem: Moscou

Número 2 - Abril 1994

* Eleição multirracial na África do Sul* Vitória eleitoral da direita na Itália* Assassinato do candidato oficial no México* Plano Real no Brasil* Crise nuclear na península coreana* Hassan El Emieh defende paz na Palestina* Diário de Viagem: África do Sul* O Meio e o Homem: Relevo da Bósnia

Número 3 - Maio 1994

* Autonomia palestina em Gaza e Jericó* Nacionalismo grego aprofunda crise nos Bálcãs* Convenção do Clima divide ricos e pobres* Cúpula do Desemprego reflete impasse global* Nicolau Sevcenko escreve sobre o futebol* Diário de Viagem: Peru* O Meio e o jEïomem: Guerra no deserto

Número 4 - Agosto 1994

* Haiti deflagra crise no Caribe* Cuba enfrenta pane económica* Newton Carlos: acabam as ilusões com reformas

estruturais na América Latina* Estados Unidos combatem imigração hispânica* Padre Pedro Ruquoy reporta tragédia haitiana* FHC: entrevista exclusiva* Diário de Viagem: Israel e territórios ocupados* O Meio e o Homem: Guerrilha nos trópicos

Número 5 - Setembro 1994

* Conferência da População no Cairo politiza questãodemográfica

* Brasil tem redução acelerada da natalidade* Tragédia em Ruanda ilumina crise africana* IRA abandona luta armada na Irlanda do Norte* Newton Carlos comenta aliança Vaticano-Irã

contra o aborto* Lula: entrevista exclusiva* Diário de Viagem: Suécia* O Meio e o Homem: Controle estratégico da água

O mapa de Mundo

* Europa Ocidental – 1: (4) 2: (3) 3: (9) 5: (3-10)* Europa Oriental – 1: (1-6-7-8) 3: (3)* CEI – 1: (1-6-7-8-9)* Estados Unidos – 3: (9) 4: (5-8)* América Latina – 1: (5) 2: (4-5) 3: (10)

4: (1-3-4-6-7-9) 5: (6-7-8)* Oriente Médio – 1: (10) 2: (9) 3: (1-6-7-8) 4: (10)* África Subsaariana – 1: (3) 2: (1-6-7-8) 5: (9)* Oriente e Pacífico – 2: (10) 3: (9)

Charada mundialPreencha os quadrinhos horizontalmente, conforme as duas primeiras palavras resolvidas.

Seção Papo CabeçaEu quero toda a beleza do mundo

(Dolores Duran – 1930-59)

l- Fujimori//Ieltsin 2 - Mandela//Sarajevo 3 - Argentina //Ruanda 4 - Palestina//Hutu 5 - Fundameníalistas 6 -Formosa//Bósnia 7 - Chiapas // Amazónia 8 - Haiti//Suécia//IRA 9 - Normandia // Jericó 10 - Otan // Bratislava 11- Quebec // Eufrates 12 - Cisjordânia // Tito 13 - Noruega // Otomano 14 - Alemanha // Magreb 15 - Croácia //Báltico

RESPOSTAS

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Outubro de 1994PANGeA

EDITORIAL

Peter Pan não quer crescer. Quer que

seu mundo seja para sempre pleno e alimen-

tado pela cornucópia da imaginação. Mas

alguém o atrapalhou: o capitão Gancho, que o

obrigava a se dar conta de que há mais na

vida do que a satisfação distraída dos dese-

jos. O mundo de Gancho é o de todos contra

todos – repleto de feras famintas e instintos

inconfessáveis. Neste mundo, não há plenitu-

de possível. Só há perda. O próprio Gancho

perdeu uma das mãos.

Peter Pan e Gancho são representações

metafóricas. Não existe o mundo pleno de um

nem a crueldade total do outro. Mas, como

em toda fábula, eles nos ensinam algo – pois

as fábulas são apenas formas narrativas dos

conflitos que atormentam a alma humana.

Muitos gostariam de ser como Peter Pan.

Não querem, por exemplo, assumir responsabi-

lidade por uma opção no Vestibular. Não gos-

tam de pensar nas responsabilidades futuras.

O Vestibular, como uma espécie de Gancho, só

atrapalha os sonhos de felicidade eterna.

Mas optar é preciso – e, se necessário,

sentir a dor de uma eventual perda. “Perda”

poderia significar uma eventual reprovação ou

uma escolha equivocada de carreira. Nada

disso é terrível. Para perder – como para

morrer – basta estar vivo. Terrível – isso sim

– é não levar a sério o próprio desejo, não

lutar por aquilo que se quer.

A única saída é rejeitar tanto a fantasia

adolescente de Peter Pan quanto o rancor senil

de Gancho pela vida. Optar e lutar, sim. Ga-

nhar ou perder – isso é o que menos importa.

Pois, como diz o poeta, só navegar é preciso

E X P E D I E N T E

O mundo não pára.Nunca visitei Ruanda. Mas sei que o homem

de lá sente as mesmas coisas que eu sinto quando

ama uma mulher. Sei que lá as crianças gostam de

brincar, e que as avós sentem saudades de quando

elas também eram netas e a vida não parecia tão

perto do fim.

Não conheço a Bósnia, mas sei que as pes-

soas de lá odeiam acordar às segundas-feiras de

manhã. Que adoram ficar de papo pro ar nos dias

santos – que importa se é muçulmano, cristão orto-

doxo ou católico -, que gostam de rimar prosa com

cerveja. Sei, também, que muitos homens de lá

acham a guerra es-

túpida, mas temem

dizê-lo por uma

questão de virilida-

de. Torcida uniformi-

zada não rejeita bri-

ga....

Nunca estive

em Israel nem na

Palestina, mas sei

que neste momento

judeus e palestinos

negociam em algum

mercado de Jericó,

Jerusalém ou Tel

Aviv, como vêm fa-

zendo há milênios.

Sei que têm as

mesmas preocupa-

ções com os Jacozinhos e Salizinhos que vão mal

na escola, com o custo de vida, com o que vão

comentar os vizinhos se...

Tampouco estive na África do Sul, Rússia,

China, Estados Unidos, Cuba ou Japão. Mas sei

coisas destes lugares que ninguém nunca precisou

me dizer, coisas que sei porque sim. Porque faço

parte do mundo e ele faz parte de mim. Mundo dos

homens, da linguagem, da guerra e da paz, da polí-

Quer mais razões para

assinar Mundo?

tica e da poesia. Mundo da palavra, palavra do Mun-

do. Não conheço outros idiomas, mas falo a lingua-

gem dos homens. Sei que qualquer pessoa, em qual-

quer parte do planeta, usa a sua palavra – o seu

idioma – para expressar as mesmas coisas que eu.

É isso que faz da tradução uma Arte possível. Tra-

duzir é adequar formas distintas ao conteúdo de

todos nós.

Mundo tenta traduzir esse mundo. Não so-

mos modestos. Só gênios e mendigos podem ser

modestos, dizia Marx, e não somos nenhum dos

dois. Nossa ambição é entender um pouco do que

se passa na bola

azul, e criar, com

a linguagem, o

acesso de uma

certa experiên-

cia de mundo.

C o n v i d a m o s

nossos leitores

a compartilhar

essa experiên-

cia.

Tem sido

assim há dois

anos, desde que

Mundo foi cria-

do. Sem dema-

gogia, admitimos

ter aprendido

muito fazendo

este boletim. A principal lição não tem nada a ver

com geopolítica: trata-se da imensa curiosidade que

os jovens – e também pais e professores – demons-

tram por outras culturas, países, tradições. Essa

imensa curiosidade superou todas as expectativas

– num momento em que esta á solta o fantasma do

racismo – e desperta um grande entusiasmo. Von-

tade de seguir adiante, e a certeza de que não

podemos parar porque o mundo – o Mundo não pára.

Mundo -Geografia e Política Internacional é uma publicação dePangea -Edição e Comercialização de Material Didático LTDA.Redação: Demétrio Magnoli, Nelson Bacic Olic (EditorCartográfico), José Arbex Jr. (Editor)Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MTb 14.779)Diretor Comercial: Arquilau Moreira RomãoEndereços: Em SP: Rua Romeu Ferro, 501, São Paulo - SP. CEP05591-000. Fone: (011) 211-9640. Em Ribeirão Preto: EspaçoCultural Tantas Palavras - R. Floriano Peixoto, 989 - CEP 14.025-010 - Fone: (016) 634-8320 Fax: 623-5480Colaboradores: Newton Carlos, J. B. Natali, Rabino Henry I. Sobel,Carlos A. Idoeta (Anistia Internacional), Guilherme Fiuza(Greenpeace), Hassan El Emlech (Federação palestina do Brasil).A Redação não se responsabiliza pela opinião ou informação veicu-ladas em matérias assinadas.

Assinaturas: Por razões técnicas, só oferecemos assinaturas coleti-vas para escolas conveniadas. Pedidos devem ser encaminhados aosendereços acima. Exemplares podem ser obtidos nestes endereços,em São Paulo:• Associação dos geógrafos Brasileiros (AGB), na Faculdade de

Geografia da Universidade de SP (USP)• Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900• Em Ribeirão preto: na Sucursal (v. endereço acima)

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Outubro de 1994 Mundo

á quase dez anos começou a se falarque o século 21 seria do Pacífico. Aregião desbancaria o Atlântico que,durante séculos tinha sido o “centro”do mundo. Esse otimismo era justi-

ficado pelos altos índices de crescimento econô-mico exibidos pelo Japão, China e “tigres” asiáti-cos. Apesar desses dados, a evolução da regiãoaponta para tensões e instabilidades políticas.

O Japão, apesar da aparente superação de pro-blemas econômicos recentes, ainda vive certa ins-tabilidade resultante dos escândalos de corrupçãoque envolveram políticos tradicionais. Externa-mente, o fim da Guerra Fria obrigou o país areavaliar suas relações com os EUA e assumir no-vas responsabilidades internacionais. O Japão secomporta cada vez mais como líder econômico,mas essa liderança tem que ser cautelosa. Seusvizinhos, quase sempre inimigos históricos,relembram as práticas imperialistas desenvolvidaspor Tóquio antes da Segunda Guerra.

O desenvolvimento político da China tambémpreocupa. Desde o início dos anos 80, seu cres-cimento tem sido surpreendente. Mas, até quan-do serão conciliáveis a abertura econômica e aditadura do PC? As Zonas Econômicas Especi-ais (ZEEs) causam crescente desequilíbrio en-tre o litoral (onde estão localizadas), e o interi-or “próximo” (pobre e agrário) e o interior “pe-riférico” (Tibet e Xinjiang), pobre, não-chinêse quase despovoado. Mesmo a China litorâneatem velocidades diferentes de crescimento en-tre o norte – mais ligado ao Japão e centro derelações comerciais diversificadas – e o sul –ligado a Hong Kong, Taiwan e à diáspora chine-sa do Sudeste asiático.

Esses desequilíbrios podem levar a importantestensões separatistas. Além disso, a China nuncaarquivou seus projetos de potência regional. Ecomo possui armas atômicas e históricos proble-mas de fronteira não resolvidos (com a Índia eRússia, por exemplo), certas situações podem setornar perigosas.

Mas não é só. Há, ainda, a questão das cri-ses cíclicas entre as duas Coréias, e as pre-senças ainda importantes dos EUA e da Rússiana região.

BACIA DO PACÍFICO

Apesar de clima otimista, tensõesturvam perspectivas de crescimento

Desequilíbrios regionais na China, escândalos no Japão e hostilidades entre as Coréias desafiam previsões de que aregião poderá ser o “centro do mundo” no século 21

H Mundo no Vestibular

1) A Guerra Fria renasceu na Península Coreana em 1994. Explique o sentido dessa frase, relacionan-do-a com os acontecimentos históricos verificados no início dos anos 50.

2) Sempre existiram grandes desequilíbrios regionais na China mas, nos últimos anos, eles se acentua-ram ainda mais. Verifique a validade dessa frase, justificando sua resposta com exemplos.

3) Com os seus conhecimentos sobre a evolução política do Japão, faça o seguinte:a) Caracterize, em linhas gerais, a política externa do país no Extremo Oriente desde a Era Meiji até a

Segunda Guerra Mundialb)Pode-se afirmar que a política externa japonesa verificada no período na questão anterior não sofreu

mudanças durante a Guerra Fria? Justifique.

RESPOSTAS

l) No início de 1994, as tensões entre as duasCoréias recrudesceram, como resultado da irritaçãoda Coréia do Norte com pressões exercidas pelaAgência Internacional de Energia Atômica (Aiea),que acusava o paísde estar produzindoarmas atómicaspara usá-las contrao sul. Em resposta,a Coreia do Nortefez ameaças retóri-cas à integridadeterritorial da suahomônima do sul.As tensões na re-gião sempre foramuma constante, des-de o início dos anos50. Nos três primei-ros anos dessa dé-cada, a Guerra daCoréia opôs Seul(Coréia do Sul) eWashington, de umlado, a Pionguiang(Coréia do Norte) ePequim, de outro.De certa forma, as tensões de 1994 reeditaram umclima hostil muito típico dos anos 50, quando en-trava no auge a Guerra Fria.

2) Essa frase é válida. Sempre existiram diferen-ças regionais expressivas entre a China litorânea ea China interior. Com a criação das Zonas Eco-nômicas Especiais, as ZEEs, essas disparidades au-

mentaram de formasignificativa, e po-dem, eventualmenteafetar a integridadeterritorial do país.3a) Durante o perío-do citado na pergun-ta, o Japão desenvol-veu uma política im-perialista visando,principalmente, aconquista de merca-dos para colocaçãode produtos manufa-turados. Também ti-nha como objetivoconseguir matérias-primas das quais opaís era carente.3b) Não. Com suaderrota no segundoconflito mundial, opaís ficou completa-

mente dependente da proteção norte-americana eteve que abandonar o seu sonho de liderar políticae militarmente a região do Extremo Oriente.

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Outubro de 1994PANGeA

1994 assinalou o fim de doisimportantes regimes de segre-gação racial: o apartheid naÁfrica do Sul (com as eleiçõesmultirraciais de abril, que ele-geram Nelson Mandela à Pre-sidência), e o não reconheci-

mento da existência do povo palestino por Israel(com o início da implementação do acordo de se-tembro de 1993, entre Israel e a OLP). Mas a segre-gação continua existindo na África do Sul, e emIsrael, os palestinos ainda são cidadãos de segundaclasse. Qual é, então, o impactoe o alcance real dos acordos? Aresposta não é simples.

Uma perspectiva “otimista”diria que o mundo atual oferecemaior espaço à existência dopluralismo étnico em espaçosterritoriais que, antes, exigiam asupressão das diferenças. Estemaior pluralismo seria resulta-do do fim dos blocos antagôni-cos (capitalista e comunista).Livres dos compromissos ideo-lógicos e militares impostos peloterror nuclear, os Estados podempermitir a expressão de tensõesque antes ameaçariam o precá-rio equilíbrio EUA-URSS. A re-cíproca é verdadeira.

Os movimentos de libertaçãonacional e o antiapartheid per-deram seu alimento ideológico– a tensão entre as superpotências. Por exemplo,reconhecer aos negros o direito de voto na Áfricado Sul dos anos 80 poderia significar o fortaleci-mento da esquerda, com risco de colocar o país naórbita soviética. O mesmo poderia ser dito em re-lação à OLP, que dialogava com Moscou em opo-sição à Israel, apoiada por Washington. Por analo-gia, seria impensável, nos anos 80, o acordo entreo IRA (Exército Republicano Irlandês) e Londres,anunciado em 31 de agosto. A desideologizaçãodo Estado teria implicado a abertura de espaçosde tolerância e acomodamento das tensões.

Mas uma perspectiva “pessimista” poderia seresgrimida com igual força. No pós-Guerra Fria, amaioria das nações continua sofrendo as conseqü-

ências do desequilíbrio entre ricos e pobres, Nortee Sul. O reconhecimento de certos direitos aos ne-gros sul-africanos e aos palestinos seriam merasmedidas de adequação às novas regras da compe-tição internacional, baseadas no surgimento de blo-cos econômicos. Essas regras tornam insuportá-veis os custos de preservação da segregação naÁfrica do Sul e em Israel. Seria mais cômodo, efi-caz e lucrativo mudar a forma de exploração damão-de-obra (negra ou palestina, no caso), quecontinuaria sendo barata, mesmo se tendo certosdireitos reconhecidos. Estaria em questão apenas

a otimização de custos – mesmo porque o comér-cio de armas, motor principal de economia, nãoseria interrompido em nenhuma hipótese.

Ambas as perspectivas partem de premissa per-tinentes mas insuficientes. Se há hoje mais espaçopar o pluralismo ideológico, também crescem asdesigualdades, a concentração de renda e o racis-mo. A Guerra da Bósnia é um exemplo de como ofim de uma ditadura (comunista) desembocou nãona democracia, mas na matança. A luta em Ruandae Angola mostra como as guerras entre grupos ét-nicos recrudesceram na África, à medida que ocontinente foi abandonado à própria sorte com ofim da Guerra Fria. Finalmente, o neonazismoeuropeu coloca novas indagações.

Para além de quaisquer outras questões, o racis-mo tem uma dimensão de natureza psicossocial.Refere-se à incerteza que se apoderou do mundocom a falência das certezas e das ideologias queprometiam felicidade. O mundo perdeu parâmetrosdo “bem” e do “mal”, do “certo” e do “errado” for-necidos pela Guerra Fria. E não é só isso. O extra-ordinário avanço da tecnologia e as novas, rápidas eincessantes descobertas da ciência contribuem paramudar radicalmente a face do planeta e o ritmo davida. O tempo é cada vez mais rápido, o espaçocada vez menor. Nesse mundo tecnológico, ideolo-

gicamente inseguro e economica-mente instável, nenhuma fronteira– geográfica, cultural ou racial – ga-rante a identidade a qualquer gru-po. Daí a necessidade de construirpsicológica e culturalmente a figu-ra do Outro, aquele que representetudo o que não sou, e que, por con-traste, me propicie a sensação depertencer a uma comunidade.

Talvez não saiba o que significaser branco na África do Sul, mas meidentifico com todos os não negros.Não sei muito bem no que devoacreditar pelo fato de ser israelen-se, mas sei que sou diferente “de-les”, os palestinos. A mesma lógicade exclusão se aplica à classe mé-dia branca brasileira com relação anegros e nordestinos. Os 111 assas-sinados no Carandiru (SP) eram es-trangeiros ao mundo da elite bran-

ca, por muito horror que o massacre tenha causado.Aparente paradoxo, nunca o planeta foi tão uni-

ficado pela tecnologia, mas nunca uma época foi,potencialmente, tão hostil a tudo o que represente oOutro, o estrangeiro. Não há uma fórmula simplespara rotular acordos em Israel e África do Sul, damesma forma que não há uma causa única para aguerra da Bósnia ou Ruanda. A questão racial tor-nou-se o problema em torno do qual se equaciona oequilíbrio entre os Estados neste fim-de-século. Avida demonstra a correção de Hanna Arendt: a raçanão é o começo da humanidade, mas o seu fim. Àsvésperas de um novo século, a humanidade enfren-ta problemas raciais da mesma natureza que aque-les que afligia há cem anos.

MEU INIMIGO, O ESTRANGEIRO

Acordo na África do Sul e Israelnão cicatrizam a chaga do racismo

Os conflitos raciais refletem e reforçam o quadro de perplexidades que caracaterizam o mundo pós-Guerra Fria

A persistência

da Memória

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Outubro de 1994 Mundo Outubro de 1994PANGeA

“DIA D” SOLDOU OS DESTINOS DOS ESTADOS UNIDOS E EUROPA

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pedido de Stalin, na conferência de Teerã (no-vembro de 1943), impressionou o presidenteFranklin Roosevelt mas abalou as convicçõesde Churchill.

O desembarque na Normandia nasceu do fra-casso das avaliações de Churchill. A violentacontra-ofensiva soviética no inverno de 1943-44 convenceu os britânicos e americanos de queo impasse no leste tinha se rompido definitiva-mente. A URSS começava sua marcha rumo àBerlim. Quando os aliados ocidentais finalmente

f irmaram posições noNorte da França, a má-quina de guerra soviéti-ca aproximava-se já dafronteira polonesa. Era a“corrida pela Europa”.

Na abertura da confe-rência de Yalta (fevereirode 1945), o equivoco es-tratégico britânico refle-tia-se territorialmente: asforças soviéticas contro-lavam o Leste europeu eatravessavam a fronteiraalemã, enquanto osangloamericanos aindalutavam na margem oci-dental do Reno (v. mapa).O encontro selou a hege-monia soviética sobre oLeste, materializada porgovernos predominante-mente comunistas. Algunsanos depois, a Cortina deFerro (conceito criado porChurchill, em 1946) defi-niu a arquitetura européiada Guerra Fria, congelan-do a influência de Moscouna Europa oriental. Os ali-ados ocidentais pagavampelo atraso na “corridapela Europa”. O Dia Duniu, por toda a GuerraFria, o destino dos EstadosUnidos ao da Europa Oci-dental, prenunciando oPlano Marshall e a consti-tuição da Otan (Organiza-

ção do Atlântico Norte). Durante cinco décadas, adissuasão nuclear soldou os territórios americanoe europeu.

Há meio século, no dia 6 dejunho de 1944, era desenca-deada a invasão de Françapelos Aliados (americanos,britânicos e canadenses).Sob o nome de código deOperação Overlord, o de-

sembarque na Normandia foi a maior ação com-binada de forças aeronavais e terrestres da his-tória. Mas os fatos que desembocaram no DiaD foram politicamente tumultuados. Constitu-em, por si só, um prenún-cio do que seria o xadrezque opôs Washington aMoscou durante a Guer-ra Fria.

Em julho de 1942, en-contraram-se, em Mos-cou, Josef Stalin (URSS)e Winston Churchill (Grã-Bretanha). Na reunião,realizada durante os san-grentos combates pelocontrole de Stalingrado,Stalin insistiu na necessi-dade de abertura de umafrente no Ocidente, paraprovocar a duplicação doesforço de guerra alemão.Havia dois anos, desde aqueda de Paris, a guerrana Europa quase se resu-mia ao front oriental,onde caíam multidões derussos e alemães.

Stalin não foi atendido.O horizonte estratégicode Churchill envolvia amútua e prévia destruiçãodo poderio bélico de ale-mães, aplainando o cami-nho para a marcha triun-fal angloamericana. Nes-se cenário, a Europa dopós-Guerra se ergueriasob hegemonia do Oci-dente e por cima dos es-combros das potênciascontinentais. O desem-barque aliado na Sicília,no verão de 1943, não modificava esse panora-ma. Apenas abria um teatro militar secundário,separado da planície européia pelos Alpes. Novo

Nesse período, a sombra da ameaça soviéticafuncionou como cola, ligando franceses e alemãese patrocinando a edificação da Comunidade Eu-ropéia (atual UE). De certa forma, as sementesde tudo isso estão no desembarque na Normandia,quando o tradicional isolacionismo americano foirompido. A partir daquela operação, a estratégiada política externa da Casa Branca deixou de sero axioma enunciado pelo presidente JamesMonroe em 1823 (a América para os america-nos), para ocupar-se do equilíbrio geopolítico à

O DESEMBARQUE ALIADO NA NORMANDIA (06 DE JUNHO DE 1944)

MAIOR OPERAÇÃO MILITAR DA HISTÓRIA

O Comandante Supremo da Operação Overlord, o general ame-ricano Dwight Eisenhower, tinha sob seu controle perto de 3 mi-lhões de americanos, britânicos e canadenses. Num dia só, 155 milsoldados desembarcaram nas praias Utah, Omaha, Gold, Juno eSword, nomes codificados das cinco áreas de assalto ao longo deuma faixa costeira de 100 Km de extensão. Em menos de um mês, 1milhão desembarcaram.

No dia 1 de junho, Eisenhower tivera acesso a um telegrama envi-ado para Tóquio pelo embaixador japonês em Berlim, interceptadopela Inteligência aliada. O documento comprovava o sucesso dasações de despistamento angloamericanas, que levaram Hitler a su-por que o desembarque seria no Pas de Calais, o ponto mais estreitodo canal da mancha.

Em 2 de junho, o comandante aliado decidiu adiar o desembarquepara o dia 5, como conseqüência do mau tempo sobre o canal. Umamensagem radiofônica secreta enviada à Berlim pelo Marechal ale-mão von Rundstedt previa que a operação aliada necessaria de pelomenos quatro dias consecutivos de bom tempo, o que a deslocaria paradepois da primeira semana de julho. Através desta mensagem, tambémdecifrada pela Inteligência aliada, Eisenhower tomou consciência doestado de espírito do comando alemão e decidiu ousar, iniciando ainvasão no menor tempo possível. Na manhã do dia 3, a meteorologiapreviu um lapso de tempo bom.

A sorte estava lançada: cinco minutos antes da meia-noite de 5de junho, os primeiros soldados britânicos tocavam a aldeia deBenouville, 250 Km a sudoeste de Calais. Começava a última faseda guerra na Europa. As forças anglo-canadenses que desembarca-ram em Gold, Jono e Sword lutaram encarniçadamente para rom-per as linhas alemãs e consolidar cabeça-de-ponte. Na praia deOmaha, vários erros táticos no lançamento de pára-quedistas pro-vocaram elevadas baixas entre os americanos. Na praia de Utah oavanço americano foi rápido e as linhas inimigas se romperam eminúmeros pontos.

No dia 8, as tropas britânicas da praia Gold juntaram-se aos ameri-canos de Ohama, consolidando o desembarque. Foi o suficiente paraque Stalin telegrafa-se para Churchill, prometendo desencadear a ofen-siva na frente oriental: “Overlard é um motivo de júbilo para todosnós”. A 25 de agosto, Paris era libertada e as forças angloamericanastomavam o rumo do Reno.

Em parte como resultado do prestígio obtido com a operação,Eisenhower elegeu-se à Presidência de seu país pelo Partido Republi-cano, em 1953. Permaneceu no cargo até 1961.

Eurotúnel desafia desejo deisolamento britânico

Uma violenta tempestade, há alguns anos,interrompeu por um dia o transporte maríti-mo entre as ilhas britânicas e o Continente. OTimes, influente e normalmente sisudo diáriolondrino, saiu-se com uma manchete vazadaem fina ironia britânica: “Tempestade isola aEuropa”. Um evento assim não mais se repe-tirá, já que entrou em funcionamento oEurotúnel, que conecta por sob o leito doCanal da Mancha os portos de Calais (naFrança) e Folkestone (na Grã-Bretanha).

No Dia D, a ligação entre Grã-Bretanha ea Normandia francesa dependeu damobilização de uma frota impressionante deembarcações militares e mercantis. A traves-sia do canal vinculou simbolicamente a de-mocracia anglo-saxã e americana à Europacontinental. Nem por isso, a Grã-Bretanhadeixou de pensar e agir como uma ilha, nos-tálgica do Império mundial do século XIX epropensa a priorizar relações com o podero-so rebento anglo-saxão mas republicano daAmérica do Norte.

Apenas em 1973 a Grã-Bretanha juntou-se à obra da integração européia, empreen-dida desde 1952 por franceses e alemães.Mesmo assim, conservou um pé fora da Co-munidade, por pudor de se associar, comoparceiro igual , á idéia européia. O Tratadode Maastricht, de 1992, confirmou a oscila-ção britânica: Londres não aderiu ainda àmeta da moeda comum. O Eurotúnel não re-solve esse impasse. Espíritos nem sempretransitam pelos mesmos caminhos dos trense automóveis.

É difícil imaginar que há um sé-culo e meio, o mais famoso dos his-toriadores franceses, Jules Michelet,pudesse ter escrito: “A guerra dasguerras, o combate dos combates, éaquele entre França e Reino Unido.Todos os demais são meros episódi-os” (...) O tamanho, idade e proxi-midade, a recusa de se subordinar aqualquer império, a perda das colô-nias, as armas nucleares – tudo, in-cluindo o declínio atual, certamentetorna gêmeos britânicos e franceses.E, contudo, não nasceram do mes-mo ovo. Cada nação pode invocar afrase orgulhosa de A tempestade:“Nós somos aquilo do que os sonhossão feitos”. (...) A insularidade aju-da a alimentar tais sonhos. Mascomo cultivar essa singularidade decaráter quando não se é uma ilha?

Tentando se tornar uma. Isso, defato, é o que a França tem feito aolongo dos séculos, à medida queprocura prolongar a sua ilha litorâ-nea por meio de outras “fronteirasnaturais”: montanhas e rios (...) Otúnel do Canal da Mancha teria vis-to a luz do dia muito mais cedo setantos britânicos não temessem queele possa oferecem uma passagemdesimpedida para hipotéticos inva-sores. Mas a França não pode sequer escarnecer: o comitê de defe-sa da Assembléia Nacional ouviuargumentos similares quando eramfeitos planos para o túnel sob oMonte Branco.

(André Fontaine, The Economist, 30 deabril de 1994, pág. 21-21)

escala planetária. A nova estratégia, globalista,seria formulada doutrinariamente pelo presiden-te Harry Truman, em 1947. Num discurso aoCongresso, Truman prometia conter a ameaça co-munista em qualquer ponto do planeta.

O 50º aniversário do Dia D tem lugar no mo-mento em que o conjunto das relações inaugu-radas no 6 de junho de 1944 entraram em disso-lução. O encerramento da Guerra Fria – após aqueda do Muro de Berlim (1989), a reunificaçãoalemã (1990) e a implosão da URSS (1991) –

A persistência

da Memória

recoloca em discussão os laços que conectamamericanos e europeus e os vínculos entre euro-peus do Ocidente.

Os Estados Unidos de Bill Clinton experimen-tam mais uma vez a tentação do isolacionismo.A UE patina no terreno escorregadio da recessãoe oscila entre expectativas divergentes de fran-ceses, alemães e britânicos. A Otan sobrevive àperda do inimigo, simbolizando uma ponte in-certa entre os dois lados do Atlântico.

O Dia D apaga-se no passado.

Serviço:

Vídeos:

• O mais longo dos dias - Ken Annakin - EUA, 1962• Patton, rebelde ou herói? - Franklin J. Schaffner - EUA, 1970• Uma ponte longe demais - Richard Attenborough - EUA/

Inglaterra, 77• 72 horas para o Dia D - Peter Markle - EUA, 1989

Livros:• O buraco da agulha - Ken Follett - Rio Gráfica Ltda, 1986• A segunda Guerra Mundial - Tullo Vigevani - Moderna, 1986

Fonte: Chaliand & Rageau, Atlas Politique du XXe. Siècle, Seuil. p. 65

Mundo no Vestibular Mundo no Vestibularl) Durante os meses de junho e julho de 1994, quemvisitasse em Paris o Arco do Triunfo (monumentoerigido pelo governo em homenagem aos soldados quelutaram em guerras pela França), ouviria um ruído tí-pico de zonas litorâneas em todas as dependências domonumento. A explicação desse ruído, já que a capitalfrancesa não é litorânea, era uma homenagem de umartista americano que, através de meios sofisticadosde transmissão, trazia para o Arco do Triunfo os sonsdas praias da Normandia. Era uma das várias come-morações de uma efeméride ocorrida há 50 anos. Sen-do assim, responda:a) Qual o fato histórico comemorado?b) Explique esse fato de forma genérica.

2) Houve uma batalha durante a Segunda Guerra quepraticamente selou o destino do conflito na Frente Ori-ental. Nessa batalha, os alemães foram contidos e gra-dativamente começaram a ser empurrados para o oes-te. Esta batalha é conhecida como:a) batalha da Normandia b) batalha de Roma c) bata-lha de Stalingrado d) batalha de Paris e) batalha deBerlim

3) (Metodista) Ao final dá Segunda Guerra Mundial,após o colapso da Alemanha, reuniram-se os Três Gran-des: Stalin, Churchill e Truman. A declaração oficialpublicada a 2 de agosto de 1945 determinava:• a redução do território alemão;

• a divisão da Prússia Oriental entre Rússia e Polônia;• a total destruição do poder militar alemão;• a redução do poder industrial alemão, assim como adescentralização de seu sistema econômico;• a divisão da Alemanha em quatro zonas de ocupaçãoa serem governadas respectivamente pela Inglaterra,URSS, EUA e França.Esta declaração oficial é conhecida como:a) acordo de Ialta b) declaração das Nações Unidas c)declaração de Potsdan d) Carta do Atlântico e) nenhu-ma das anteriores

4) (UFPR) Ao findar a Segunda Guerra, a Europa es-tava arrasada, sem condições para recuperar sua eco-

nomia ameaçada pelo avanço comunista. Para promo-ver a recuperação européia, os EUA criaram um siste-ma de ajuda financeira denominado:a) Plano Marshall b) Aliança para o Progresso c) Merca-do Comum Europeu d) New Time e) Liga das Nações

5) (UF Londrina) A Guerra de 1939 a 1945 trouxealgumas conseqüências mundiais, destacando-se;a) o fortalecimento político e econômico dos grandesimpérios coloniais na Ásia e África b) a derrocada dahegemonia européia, com a emergência de duas su-perpotências: Estados Unidos e União Soviética c) amaior importância da Europa Ocidental no equilíbriode forças da política internacional d) a emergência dos

países do Terceiro Mundo, com a superação das ten-sões internacionais através da ONU e) a autonomia dospaíses árabes, no norte da África, em decorrência dosprincípios estabelecidos na Conferência de Argel

6) A construção do Eurotúnel é mais um passo para aintegração européia, pois permitiu que se estabeleces-sem ligações ainda mais intensas entre:a) o continente europeu e africano, através do estreitode Gibraltar b) o continente europeu e americano, atra-vés do estreito de Bering c) a Europa e a Turquia, atra-vés dos estreitos de Bósforo e Dardanelos d) a Alema-nha e o mar do Norte através do rio Reno e) a França ea Inglaterra através do canal da Mancha.

RESPOSTAS

Ia) O fato histórico comemorado era o Dia D, nome popularizado daOperação Overlord, ou a invasão do norte da França (Normandia)pelos aliados ocidentais sob o comando do general Eisenhower.

Ib) A invasão da Normandia por tropas aliadas, formadas especialmentepor norte-americanos e britânicos, visava abrir uma nova frente contraos nazistas, que no front oriental já estavam sendo vencidos pêlos sovi-éticos. A invasão da Normandia foi o passo inicial da libertação daFrança, que estava ocupada pêlos alemães desde 1939.

2) c 3) c 4) a 5) b 6) e

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Outubro de 1994 Mundo

s tempos da euro-euforia já pare-cem tão distantes quanto os ecosdas comemorações pela queda doMuro de Berlim. O Tratado deMaastricht, de fevereiro de 1992,

assinalou o zênite da euforia europeísta. A mo-eda única, uma política externa e de defesa co-muns – essas metas sintetizaram a estratégiade Bruxelas para o horizonte aberto pelo fimda Guerra Fria. De lá para cá, a economia eu-ropéia afundou na recessão, a valorização domarco alemão lançou o sistema monetário co-mum na desordem e o desemprego estruturalativou as tensões sociais.

Antes do terceiro aniversário de Maastricht,a Europa do Doze navegava na desesperança.Na França e na Itália, as taxas de desempregocontinuam a crescer depois de superar a bar-reira dos 10%. Grã-Bretanha e Alemanha pa-recem seguir o mesmo caminho. Na Espanha,um em cada quatro adultos esta alijado do mer-cado de trabalho. Diante disso, a UE força umafuga para frente, através do alargamento geo-gráfico da comunidade: 1994 foram firmadosacordos de adesão da Áustria e dos paísesescandinavos (Suécia, Noruega e Finlândia). Apartir de 1995, a nova Europa dos Dezesseisterá que enfrentar os pedidos de ingresso oriun-dos do leste e decidir se abre suas portas paraos países do antigo bloco soviético.

No plano político, velhos impasses europeus,congelados há décadas, começaram a ser desa-tados. Na Itália, as eleições gerais de março de-tonaram a Democracia-Cristã, cujo reinado dis-solveu-se nos escândalos da corrupção. Contu-do, o novo mapa político revela a ascensão dadireita e embute ameaças para a própria unida-de do país. Na Grã-Bretanha, depois de um anode esperanças e decepções, a “suspensão com-pleta” das atividades militares anunciadas peloIRA (Exército Republicano Irlandês) em agostoabriu o caminho para a paz nas províncias doUlster. A iniciativa do IRA transfere para a mesade negociações o conflito entre católicos e pro-testantes e isola o ETA basco na condição deúltimo bastião do euro-terrorismo.

UNIÃO EUROPÉIA: O FIM DA EUFORIA

UE patina no desemprego e buscasaídas na ampliação geográfica

O

Após Maastricht (fevereiro de 1992), a economia européia afundou na recessão, seu sistema monetário está emdesordem e o desemprego ativou tensões sociais. Perplexa, a Europa dos Doze incorpora novos sócios

Mundo no Vestibular

1) Relacione as taxas crescentes de desemprego na Europa ocidental com a ascensão econômica depaíses asiáticos como a Coréia do Sul, Formosa e a China Popular.

2) A União Européia promove em 1995 uma nova ampliação dos seus membros. Quais serão os novosintegrantes da UE? Por que eles só ingressam agora na comunidade?

3) Compare os conflitos políticos que afetam a Irlanda do Norte e o País Basco, explicitando as carac-terísticas principais de cada um.

RESPOSTAS

l) O desemprego estrutural na Europa ocidental é fruto de dois pro-cessos combinados: a revolução tecno-científíca e a desconcen-tração geográfica da indústria. A revolução tecno-científíca, atra-vés da automação e da racionalização da produção, promove ocrescimento da produtividade às custas da absorção de força detrabalho. A desconcentração geográfica da indústria provoca aindustrialização de novas áreas do mundo, transferindo empre-gos manufatureiros das potências econômicas tradicionais paraáreas que oferecem vantagens comparativas. No leste asiático, osNovos Países Industrializados (NPIs) e a China Popular atraeminvestimentos internacionais na manufatura, funcionando comoplataformas para as atividades globalizadas dos conglomeradoseconômicos.

2) Em janeiro de 1995 devem ingressar na UE a Áustria, Suécia,Noruega e Finlândia. Com exceção da Noruega, os demaisingressantes estavam impedidos de aderir à comunidade duran-te as décadas da Guerra Fria, em virtude da sua condição deneutralidade geopolítica. O encerramento da Guerra Fria, a dis-solução do Pacto de Varsóvia e a implosão da União Soviéticaforam, portanto, as condições prévias para essa nova ampliaçãoda União Européia.

3) Na Irlanda do Norte, o conflito envolve a minoria católica e amaioria protestante, enquanto no País Basco espanhol o conflitotem como causa a reivindicação de soberania nacional basca. Ape-sar da aparência religiosa, o conflito irlandês é, como o do PaísBasco, uma manifestação do nacionalismo: os protestantes defen-dem a permanência da união com a Grã-Bretanha, enquanto oscatólicos querem a reunificação da Irlanda. Em ambos os casos, astensões degeneraram na formação de agrupamentos terroristas: oIRA e o ETA. Na Irlanda do Norte, contudo, abre-se agora umaperspectiva de negociações e resolução pacífica do conflito, o quenão ocorre no País Basco.

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Outubro de 1994PANGeA

A QUEDA DO MURO DE BERLIM, 5 ANOS DEPOIS

Crises retardam a recuperação doantigo bloco socialista

queda do Muro de Berlim, em outubrode 1989, inaugurou uma nova era parao mundo, especialmente para a Europado Leste. Cinco anos depois desse even-to, as dificuldades econômicas e as in-

certezas políticas estão minando as estruturas dos pa-íses que compunham a Cortina de Ferro.

Na Rússia e em certas repúblicas da antiga UniãoSoviética (Cáucaso, Moldova, Ásia Central,Ucrânia), conflitos e tensões, aparentemente, foramse acomodando ao longo de 1994, mas sem encon-trarem soluções definitivas. Na Rússia, a crítica si-tuação econômica (que atinge também as outrasrepúblicas) não levou, como muitos temiam, àimplosão do país. Ieltsin, apoiado pelo Ocidente, elivre de uma oposição interna mais combativa, podeimprimir uma linha dinâmica em sua política exter-na, tornando a Rússia importante interlocutora emquestões como guerra civil na Bósnia.

Nos países da antiga Europa Oriental vários pro-blemas persistiram ao longo de 1994. O principaldiz respeito às dificuldades em se passar de umaeconomia durante muito tempo centralizada parauma economia de mercado. A Hungria e Polôniaestão numa situação um pouco melhor, enquantoque Albânia, Bulgária e Romênia apresentam enor-mes problemas.

Além disso, vários países da região abrigam mi-norias nacionais que exigem tratamento nãodiscriminatório, gerando tensões internas e exter-nas. É o caso de minorias húngaras existentes naRomênia, Eslováquia e Sérvia.

A crise mais grave continua a se desenrolar naBósnia, que desde março de 1992 está envolvidanuma sangrenta guerra civil. Embora a intensida-de dos combates tenha diminuído no segundo se-mestre, uma solução política ainda parece distan-te. Sempre, uma das partes envolvidas (muçulma-nos, sérvios e croatas) não aceita algum item dosinúmeros acordos tentados. A última tentativa pro-põe a formação de uma federação muçulmano-croata que ficaria com 51% do território. A árearestante ficaria com os sérvios que, de fato, domi-nam 70% da região. A intransigência dos sérviosda Bósnia em aceitar esse acordo fez com que osmesmos ficassem totalmente isolados na medidaque perderam o apóio da Sérvia.

A

Conflitos étnicos e dificuldades na transição de economias centralizadas para sistemas de mercado são os principaisobstáculos nas repúblicas da antiga União Soviética e do Leste europeu

Mundo no Vestibular

1) Aponte e comente resumidamente, com exem-plos, um problema da natureza econômica e umde natureza política que afetam atualmente ospaíses da antiga Cortina de Ferro.

2) Pode-se afirmar que, analisando-se exclusiva-mente a composição étnica das várias repúbli-cas que compunham a ex-lugoslávia poderemosdescobrir qual delas seria a Bósnia? Justifique.

3) A região centro-leste da Europa, no início doséculo XX, era dominada em grande parte porquatro impérios. Eles eram:a) o espanhol, o português, o alemão e o russo

b) o francês, o britânico, o alemão e o otomanoc) o otomano, o alemão, o francês e o aústro-húngarod) o aústro-húngaro, o alemão o otomano e orussoe) nenhuma das alternativas anteriores

4) Leia e analise as seguintes frases:I) Com o fim da Segunda Guerra, a URSS recu-perou praticamente todos os territórios que haviaperdido como resultado da Primeira GuerraII) Existem várias minorias nacionais em paísesdo Leste Europeu e uma das mais ativas é a doshúngaros que habitam a Transilvânia romena

III) A divisão da antiga Tchecos-lováquia em República Tcheca eEslováquia ocorreu depois da quedaregime socialista que governava o país.Assinale agora:a) apenas a primeira frase é correiab) apenas a segunda frase é corretac) apenas a terceira frase é corretad) todas as frases são correiase) todas as frases são incorretas

RESPOSTAS

l) O problema de natureza econômica refere-se à di-ficuldade que esses países encontram em passarde uma economia centralizada, completamentecontrolada pelo Estado, para uma economia demercado, baseada em leis capitalistas de concor-rência. A principal questão de natureza políticarefere-se à existência de minorias nacionais no in-terior de cada um desses países, cujos anseios de

autonomia, sufocados durante décadas de ditadu-ra comunista, provocam hoje tensões e conflitos.

2) Sim, pois a Bósnia é a única república da ex-lugoslávia que possui maioria de população mu-çulmana. Estatisticamente, a população daBósnia pode ser dividida em sérvios (cerca de30%), croatas (17%) e muçulmanos (40%)

3) d 4) d

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Outubro de 1994 Mundo

Não foi o rock que fezWoodstock, não foi a juventu-de que fez Woodstock, não fo-ram as drogas e nem o amor li-vre que fizeram Woodstock.Quem fez Woodstock foi aGuerra do Vietnã. Perca de vis-

ta a guerra e você perde o nexo histórico que juntouaquele monta de gente, zoeira e celebração.

Para toda uma geração educada nos rigoresda Guerra Fria, o cimento da sociedade eram asautoridades, legitimadas pela sua capacidademilitar de zelar pela segurança de um mundodividido e ameaçado. Essa situação era claramen-te representada por uma lógica esquemática esimplista, de história em quadrinhos: ou você es-tava com os Azuis ou com os Vermelhos, com oimpério do Bem ou com o do Mal, com o capi-tão América ou com as forças do Caos.

Você podia decidir de que lado iria ficar. Sóo que não podia, de jeito nenhum, era quererficar fora dessa batalha, porque isso era inter-pretado como tentativa traiçoeira de desmora-lizar e quebrar o ânimo de luta dos Super-He-róis da democracia, na sua luta sem trégua aosSuper-Vilões totalitários. Desejasse ou não, por-tanto, você fazia parte do gibi.

O Vietnã, pela sua posição estratégica no con-texto do sudeste asiático, era uma peça decisi-va nesse xadrez ideológico militar. O que le-vou os Estados Unidos a uma escalada cres-cente de intervenção, a fim de impedir a ex-pansão das forças comunistas, representadaspela guerrilha popular dos vietcongs.

A partir de meados dos anos 60, o aumento ma-ciço de tropas americanas na região, obrigou o go-verno a promover um recrutamento de jovens emlarga escala para assegurar suas posições e conter oímpeto dos guerrilheiros. A situação se mostrou logocomo um dilema sem solução. O Exército america-no não tinha familiaridade com a floresta tropical,não tinha experiência de luta contra guerrilhas equanto mais aumentava seu potencial tecnológicode destruição, lançando mão de armas terríveiscomo napalm, os desfolhantes tóxicos, as bombasde fragmentação múltipla, balas explosivas e a des-

FESTIVAL DE WOODSTOCK, 25 ANOS DEPOIS

Jovens mobilizam sexo, drogas erock’n roll contra Guerra do Vietnã

Entre 15 e 17 de agosto de 1969, 500 mil jovens reunidos numa fazenda no Estado de Nova York expuseram a hipocrisiado “establishment”, e provaram que é possível mudar a vida

NICOLAU SEVCENKO

A persistência

da Memória

truição sistemática de aldeias e plantações, maisatrocidades causava e, com isso, induzia a popula-ção vietnamita a colaborar com a guerrilha, paraexpulsar o invasor desumano. Quanto mais os ame-ricanos atacavam, mais a guerrilha crescia, forçan-do a convocação de mais jovens americanos, cujodestino envolvia uma dupla tragédia: trucidar famí-lias camponesas com recursos tecnológicos e mor-rer ou ser mutilado nas armadilhas da guerrilha,

numa selva escura de um país remoto por uma cau-sa que só a burocracia militar e política entendiam.

Era pedir demais. Além disso, o aumento doenvolvimento americano levou a uma ampliação daparticipação da mídia nas operações de guerra. To-dos os órgãos de comunicação e informação manti-nham equipes inteiras de correspondentes de guer-ra no Vietnã. O destaque, naturalmente, ficava porconta dos canais de televisão, que logo começarama competir em torno de quem mantinha as maioresequipes e quem fazia a cobertura mais completa do“evento”, com repórteres e cinegrafistas acompa-nhando os pelotões diretamente no front.

Resultado, as famílias americanas, no horárionobre, enquanto consumiam cachorros-quentes ehambúrgueres do jantar, assistiam seus filhos quei-mando heroicamente crianças camponesas vivasou tendo pernas arrancadas pelas minas dos guer-rilheiros, os corpos atravessados pelas lanças dosalçapões ou a cabeça decepada pelos facões decolher cana, num jorro de sangue que se confun-dia com o abundante catchup que rolava na mesa.

Foi, aliás, a partir da experiência do Vietnã queo Exército americano aprendeu a controlar oacesso da mídia na cobertura de suas guerras.

Havia também a questão da imagem internada guerra. Quer dizer, a imagem dos aviões des-carregando, várias vezes ao dia, quantidadesenormes de sacos plásticos lacrados, contendoos restos de jovens recrutas, que dos aeropor-tos eram despachados por trens ou carros-fri-goríficos para suas cidades de origem. Era ine-vitável comparar com o serviço de entrega deum matadouro. A cena pela TV era tétrica, masera ainda pior o desfile dos “pacotes” pelosbairros onde os garotos eram conhecidos.

Havia ainda o desfile diário dos mutilados, ce-gos, paralíticos, homens-tronco de vinte e poucosanos. Vidas inteiras arruinadas, desperdiçadas,antecipadamente lançadas no inferno. Os vetera-nos, desmobilizados por cumprirem seu tempo deserviço ou por baixa médica, logo sentiram o im-pacto da dificuldade de superarem o trauma daguerra e tentarem se reintegrar na vida social. Co-meçaram a criar legiões de desempregados edesajustados e irão se organizar em associações

de veteranos para, por trás de seu peito coberto demedalhas e ferimentos, denunciar a barbárie e o ab-surdo. Instituem a prática da queima simbólica dabandeira americana em frente aos órgãos de recruta-mento, quartéis e prédios do governo.

O movimento pelo fim da guerra começa a en-grossar descontroladamente. O discurso ideológicoda Guerra Fria perde sua inteireza e consistência, asautoridades perdem a legitimidade, a sociedade ame-ricana começa a esboroar. Como é fácil de deduzir,os ricos e poderosos conseguem meios de livrar seusfilhos do alistamento e cada vez fica mais claro quemsão os mais pobres, especialmente os negros, que

Declaração de Port Huron

“Nós encaramos os seres humanos como infinita-mente preciosos e dotados de potenciais ainda não ex-plorados pela razão, a liberdade e o amor. Nós nosopomo à despersonalização que reduz seres humanosà condição de coisas. Se há algo em que acreditamos,é que as brutalidades do século XX nos ensinam queos meios e os fins estão intimamente ligados, que ape-los vagos à ‘posteridade’ não podem justificar as mu-tilações do presente.

A solidão, o estranhamento, a indiferença, descrevema enorme distância que separa os homens uns dos ou-tros. Essas indiferenças não podem ser enfrentadas ape-nas por meio de uma melhor gestação das relações pes-soais ou através de incrementos técnicos. Elas só serãosuperadas quando o amor pelo homem vencer a adora-ção idólatra pelas coisas”.

Da SDS (Estudantes por uma Sociedade Democrática),um dos movimentos que lideravam a contracultura

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Outubro de 1994PANGeA

compõe a carne de canhão. Além de política, a criselogo assume conotações sociais e raciais.

Mas acima de tudo instalasse uma crise de ge-rações. Mais do que um desengajamento da políti-ca oficial americana, os jovens começam a proporuma ruptura radical e em todos os níveis com asgerações mais velhas. Pela primeira vez a juven-tude se percebe como força política autônoma,coesa, revolucionária e intransigente.Movimentosespontâneos começam a se formar, compondo umarede clandestina, subversiva, destinada a mudardrasticamente os rumos da sociedade. Surgem gru-pos que propõe a queima pública das cartas deconvocação para o serviço militar. Outros estabe-lecem circuitos de fuga de desertores para o Cana-dá. Outros pregam a ida em massa para cadeia, afim de deflagrar a rebelião no sistema penitenciá-rio. Outros pregam a revolta estudantil, outros ain-da a revolução. A ordem para quem tinha menosde 30 anos era denunciar e se desligar do sistema,o “establishment”.

Fosse por que meio fosse, a estratégia era amesma: turn on, turn in, drop out! Se resumianuma única palavra, essa atitude era genericamentechamada de contracultura. Sua lucidez e poten-cial crítico foram reconhecidos por HerbertMarcuse, um dos mais radicais pensadores políti-

cos do século. Mas eles podem ser encontradosem documentos elaborados pelos integrantes dogesto contracultural. É o caso da Declaração dePort Huron (v. box na pág. 10)

É por aí portanto que se pode tentar entender oque levou aqueles quase meio milhão de jovens aenturmarem do dia 15 ao 17 de agosto de 1969,numa fazenda no Estado de Nova York, sob o sol deverão tórrido. Até os organizadores do festival fica-ram surpresos com a multidão. Os cálculos maisotimistas previam menos que a metade daquelepovo. As autoridades decretaram zona de emergên-cia nacional toda a área da fazenda e redondezas. Osistema de autopistas do interior do Estado ficoucongestionado. Não havia alimentos, condições sa-nitárias, nem garantias de segurança.

A grande maioria entrou sem pagar e logo no iní-cio os organizadores declararam que o festival erade graça. Mas apesar da sobre carga e da carênciade infra-estrutura, não houve um único incidentedurante todo o festival. Se aquilo era uma zona decalamidade pública no entender das autoridades,para a moçada foi a construção de uma experiênciautópica, a demonstração concreta de que a felicida-de rima com amor, música, euforia e liberdade.

Woodstock um ritual de celebração dos senti-dos e da beleza da vida e foi também um manifes-

to político de recusa da sociedade autoritária e re-pressiva dos adultos robotizados pela Guerra Fria.O clímax do festival e uma das experiências artís-ticas mais chocantes deste século, foi quando JimiHendrix transformou o hino americano numa mas-sa arrepiante de sons distorcidos, evocando gri-tos, explosões bombardeios aéreos e lamentos fú-nebres, para logo em seguida tocar Purple Hazeem ritmo alucinante, dando o breque em que pe-dia licença para beijar o céu.

Nunca o Espírito Santo esteve tão negro e tãolindo. A tempestade que assolou o festival só trou-xe mais alegria; o som do palco parou e a rapazia-da por conta própria se pôs a cantar, dançar, nadarpelado na chuva e brincar de escorregar na lama.Nem todo mundo tinha cabelo comprido, nem to-dos usavam flores na cabeça, nem eram todos quecurtiam drogas. Desconfie se te disserem queWoodstock foi coisa de hippie ou foi só um festi-val de rock. Woodstock foi a teatralização dacontracultura, a demonstração cabal de que é pos-sível, para o assombro e o desassossego dos con-formistas.

The answer,

my friend,

is blowing

in the wind

(Bob Dylan)

FESTIVAL DE WOODSTOCK, 25 ANOS DEPOIS

Nicolau Sevcenko é professor de História daCultura da Universidade de S.Paulo

Agência Estado

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Outubro de 1994Edição Especial

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Encarte do boletimMundo no 6, de outubrode 1994. Não pode ser

vendido separadamente

VestibularUma páginainteira só comquestões erespostas sobre oMercosul. Agora,você não temdesculpa paraerrar!

A-4

ara além da inevitável e ufanista retórica so-bre a amizade entre Brasil, Argentina,Paraguai e Uruguai, o Mercosul criará ofici-almente uma zona de livre comércio entre es-ses países, a partir de 1º de janeiro de 1995.

Serão removidas, na data, as barreiras ao fluxo de merca-dorias. Mas essa etapa ainda não caracteriza um mercadolivre, já que não faltam obstáculos à plena circulação decapitais, bens e serviços.

Os principais obstáculos podem ser agrupados emtrês vertentes, definidas pelas distintas políticas cambi-ais (a forma pela qual cada país lida com suas taxas deinflação, recessão, desemprego etc., o que inclui os fa-mosos “reajustes estruturais”, como o Plano Real ou oPlano Cavallo), políticas alfandegárias (o grau de pro-tecionismo e subsídios do Estado às exportações que cadapaís pretende garantir aos seus produtores, e que dificul-ta uma Tarifa Externa Comum) e políticas de defesa doconsumidor (o conjunto das normas de padrão de quali-dade exigidos na produção dos produtos, que se refleteno seu preço final).

O Mercosul tem a seu favor o fato de que as trocascomerciais entre os países-membros vêm crescendo de ma-neira extraordinária. Em 1980, as exportações brasileiraspara a Argentina, Uruguai e Paraguai mal atingiam os US$2 bilhões, e as importações não chegavam à metade disso.

Entre ufanismo e megablocos,Mercosul disputa lugar ao sol

PEm 1992, o comércio total entre o Brasil e o Mercosulatingiu US$ 6,33 bilhões.

O que impulsionou esse movimento – e só isso ex-plica o seu eventual êxito – não é nem a vontade políticanem a competência de qualquer dos chefes de Estado doMercosul. É a nova realidade mundial, que liquidou osdois grandes blocos da Guerra Fria, e criou um irresistívelprocesso de formação de blocos regionais (o Nafta, naAmérica do Norte, a União Européia e o definido peloJapão e Tigres Asiáticos).

O Mercosul é uma resposta “natural” a esse qua-dro, imposta pelas necessidades de articulaçãogeopolítica e de defesa geoeconômica de seus partici-pantes. Não por acaso, o Chile, que vinha resistindo aoMercosul (seu ex-presidente, Patrício Aylwin, preferiaflertar com o Nafta), ensaia com Eduardo Frei, um mo-vimento de aproximação.

Mas não há nada que justifique projeções ufanistasde um grande futuro. Há muitos interesses contraditóriosem jogo, complicados por relações tradicionalmenteconflitas (por exemplo, a surda competição entre o Brasile Argentina pela liderança na região) e pela histórica rela-ção de subordinação estratégica aos Estados Unidos, quetem seus próprios planos para a América Latina. Em qual-quer hipótese, o Mercosul é já uma realidade, e jogará umcerto papel no concerto das nações.

(Da esq. para dir.): os presi-dentes Juan Carlos(Paraguai), Carlos Menen(Argentina), Luis AlbertoLacalle (Uruguai), ItamarFranco (Brasil) e GonzaloSanches de Lozada (Bolívia,na condição de observador),durante um dos encontros doMercosul, realizado em janei-ro de 1994, em Livramento(RS)

José Paulo Lacerda / Agência Estado

edição

especial

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Outubro de 1994 Mundo Outubro de 1994Edição Especial

CONE SUL BUSCA A SUA IDENTIDADE NO MUNDO DOS MEGABLOCOS

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A iniciativa para as Américas, lançadapelos Estados Unidos, prevê a configuração deuma vasta zona continental de livre comércio,do Alasca à Terra do Fogo. Essa perspectiva –que assinala uma retomada de uma atividadehemisférica pelos Estados Unidos – fornece umquadro para a evolução dos inúmeros acordosna América Latina. Ela retoma os fundamentosdo pan-americanismo e procura dissolver a fron-teira que separa o conjunto latino-americano daAmérica Anglo-Saxônica, a fim de criar o ali-cerce da liderança de Washington sobre todo ocontinente nas décadas vindouras.

O Cone Sul da América Latina abriga aúnica área de concentração de poder dosubcontinente. O Brasil e a Argentina imprimemuma dinâmica de integração à sub-região quese materializa na formação do Mercosul. As di-ferenças entre as posturas brasileira e Argenti-na reflete as disparidades de poder econômicodos dois países. O Brasil, com um vasto merca-do interno e uma apreciável diversidade indus-trial, procura fixar uma posição de liderança naAmérica Latina e utilizar em seu próprio pro-veito a acirrada competição das potênciasgeoeconômicas de influência mundial. A Argen-tina, limitada pelas dimensões de seu mercadointerno e pela fragilidade da sua base industrial,manobra para alcançar uma inserção satisfatóriana economia global através do desenvolvimen-to de certas especializações produtivas.

O Mercosul surge no interior de um am-biente influenciado pelas novas estratégias con-tinentais norte-americanas, de um lado, e pelaemergência do Japão e dos países do leste asiá-tico como poderosos imãs econômicos, de ou-tro. O Nafta e a Bacia do Pacífico representamos balizamentos essenciais que demarcam o ho-rizonte do Mercosul. Esse horizonte descortinaum campo limitado de opções e um quadro de-finido para a evolução de cooperação e da com-petição entre o Brasil e a Argentina.

s décadas que se seguiram à Segun-da Guerra Mundial descortinaramum cenário internacional atraves-sado por duas superfícies de atritoprincipais: a que separou o Oeste e

o Leste e a que separou o Norte e o Sul. O confli-to Leste/Oeste derivava das condições de equilí-brio geopolítico criadas pela Guerra Fria. O con-flito Norte/Sul derivava das disparidades de in-dustrialização entre, de um lado a Europa, Amé-rica Anglo-Saxônica e Japão e, de outro, a Amé-rica Latina, África e Ásia meridional.

O fim da Guerra Fria e as transformaçõesrevolucionárias que incidem, há cerca de vinteanos, na economia mundial tornam obsoleto essecenário e as superfícies de atrito que oestruturavam. No final do século, o cenário in-ternacional organizava-se em torno de pólos depoder geoeconômico principais e secundáriosque atravessam as tradicionais linhas de ruptu-ra Leste/Oeste e Norte/Sul.

O Cone Sul da América encontra-se emposição descentralizada frente aos principais pó-los de poder global. Ele constitui uma área deconcentração de poder de magnitude secundá-ria localizada de maneira excêntrica, em tornodo Trópico de Capricórnio. Os países do ConeSul movem-se em ambiente diferente daqueleque envolve o México e o Caribe, os países donorte africano e oriente Médio e os “DragõesAsiáticos”. Enquanto estas áreas de concentra-ção de poder secundário situam-se na área deinfluência imediata dos Estados Unidos, Euro-pa Ocidental ou Japão, os países do Cone Sulsituam-se em localização geograficamente mar-ginal. A excentricidade geográfica da área se-cundária de concentração de poder do Cone Sultem duas implicações: de um lado, contribui paraa configuração de um bloco como o Mercosul;de outro, reduz a importância geopolítica geraldo bloco sub-regional.

A década de 1990 marca uma ruptura naspolíticas econômicas seguidas pelos governoslatino-americanos. As tradicionais políticas pro-tecionistas vêm sendo substituídas por agressi-vas estratégias comerciais regionalistas. Umasérie de tratados de livre comércio foram assi-nados entre os países do subcontinente, visan-do a ampliação de conjuntos econômicos am-pliados (v. mapa).

MERCOSUL

DEMÉTRIO MAGNOLI

Da Redação

A

Serviço:Livros sobre o Mercosul e a integração das Américas:• O Brasil e o Plano Bush, João Paulo dos Reis

Velloso (Org.), Nobel, SP, 1991• Estado Nacional e Política Internacional na América

Latina, Moniz Bandeira, Ensaio, SP, 1993• Para entender o Mercosul, Demétrio Magnoli e

Regina Araújo, Moderna, SP, 1994

DESIGUALDADES DESAFIAM OS PLANOS DE

CRESCIMENTO NA AMÉRICA LATINA

NELSON BACIC OLICDa redação

Os anos 80 foram uma “década perdida” para a América Latina. Nesse período, os países daregião viveram uma crise econômica sem precedentes. Embora as causas da crise sejam complexas,seu aspecto crucial refere-se ao crescimento desmesurado da dívida externa. As décadas de 50, 60 e70 foram de grande crescimento econômico para a maioria dos países da região, especialmente oBrasil, Argentina e México, que conseguiram constituir e consolidar importantes parques industriais.Esse processo de acelerado incremento industrial foi resultado da aplicação de um modelo que com-binava importante participação do Estado como agente econômico, proteção do mercado interno eexpressivo endividamento externo.

Até os anos 70, a dívida externa estava aparentemente sob controle, apesar das turbulênciascausadas pelos dois choques do petróleo (1973/74 e 1978/79). O controle foi perdido quando, noinício dos anos 80, o governo norte-americano aumentou unilateralmente as taxas dos juros interna-cionais. Isso fez com que as dívidas, de uma ora para a outra, tivessem seu montante aumentadodrasticamente.

Como desgraça pouca é bobagem, o crescimento da dívida combinou-se com a queda dospreços dos principais produtos exportados pelos países da região e com a diminuição das taxas deinvestimentos produtivos. O resultado foi a virtual inadimplência dos devedores, que chegaram aesboçar tentativas de “calote”. Os credores, comandados por Washington, e junto com entidadesfinanceiras internacionais tendo à frente o Fundo Monetário Internacional (FMI), passaram a pressi-onar os devedores no sentido de implementar medidas para sanear suas economias. O conjunto deações econômicas impostas aos países da América Latina forma os chamados ajustes estruturais.Esses ajustes baseavam-se num tripé de medidas:

1. Diminuição da participação do Estado na economia, através da privatização das estatais.Configura-se também a idéia de que a ação do Estado deveria ficar restrita aos setores sociais comoEducação, Saúde, Segurança e Moradia popular.

2. Redução do déficit público, com a promoção de um enxugamento da máquina administrativae um aprimoramento fiscal que resultasse numa melhoria do sistema de arrecadação de impostos.

3. A abertura econômica visando ampliar as exportações e, principalmente, reduzir as alíquotassobre as importações. Na prática, a aplicação dos ajustes estruturais resulta o fim do modelo desubstituição das importações que já vinha mostrando sinais de esgotamento desde a segunda metadedos anos 70.

Embora inicialmente relutassem na aplicação desses projetos, os países latino-americanos, gra-dativamente se renderam às pressões. O primeiro grande país a fazer estes grandes ajustes foi o Chile,na segunda metade dos anos 80. Em seguida, foi a vez do México (1988), a Argentina (1991) e oBrasil (1993/94). A dimensão mais visível da aplicação dos ajustes foi a redução das taxas inflacioná-rias, cujos altos índices dificultavam qualquer plano de estabilização econômica. Conseguida essaestabilidade, começou a se delinear um clima propício para a retomada do crescimento econômico ea volta dos investimentos externos.

Contudo, um problema crucial ainda se coloca nesse cenário otimista. As enormes desigualda-des sociais, já existentes anteriormente à década perdida, se acentuaram drasticamente ao longo dosanos 80. Os novos paradigmas da economia não apresentam respostas a isso. Ainda é cedo para seafirmar que a América Latina entrou ou não num novo ciclo de crescimento. Mas, independentemen-te dos rumos que possa tomar a economia, não poderá mais ser adiada a necessidade de profundastransformações sociais.

O Nafta (Acordo deLivre Comércio daAmérica do Norte, as-sinado em 1992) é a pe-dra fundamental da es-tratégia hemisférica deW a s h i n g t o n .Acoplando o Méxicoao conjunto anglo-saxão, rompe a unida-de geopolítica, ideoló-gica e psicológica daAmérica Latina e abrehorizonte sobre o qualse projeta a Iniciativapara as Américas. OMCCA (Mercado Co-mum Centro-America-no, de 1960), o PactoAndino (1969) e oCaricom (MercadoComum do Caribe, de1972) fazem parte dopassado econômico daAmérica Latina, quan-do resplandecia o pro-jeto da unidade dosubcontinente expressono projeto fracassadoda Alalc (AssociaçãoLatino-Americana deLivre-Comércio, funda-da em 1960 e dissolvi-da em 1980). Atual-mente, a globalizaçãoda economia rompe ainércia desses blocos,empurrando seus inte-grantes para novos ti-pos de iniciativa regio-nal. Colômbia e Vene-zuela firmaram acordode livre comércio, quese estende para Bolíviae Equador. Na América Central, o MCCA começa a ser reativado e ensaia acordos com México e Colômbia. O México continuaafastado do Mercosul, mas desenvolve frenética atividade diplomática, oscilando entre o Nafta e a Bacia do Pacífico. Recentemen-te, firmou acordos comerciais com a Argentina e o México – primeira ponte entre o Mercosul e o Nafta. A estagnação do PactoAndino empurrou seus integrantes para novo tipo de iniciativa regional. A Colômbia e a Venezuela firmaram um acordo de aboli-ção de tarifas alfandegárias, em janeiro de 1992. Imediatamente, o comércio entre os dois parceiros aumentou em 60%. No iníciode 1993, entrou em vigor o acordo de livre comércio (tarifa zero) entre Bolívia, Equador, Colômbia e Venezuela. Esse passo, quedeverá ser seguido pelo Peru, reativou a zona andina. Similarmente, a inércia que paralisava a MCCA foi rompida pelo acordo decomércio livre entre El Salvado, Guatemala e Honduras, já em vigor. Um tratado inicial firma o compromisso de instituição de umazona de livre comércio maior – com o México, Nicarágua e Costa Rica – em 1996. Na outra ponta do mapa, os cinco parceiros daAmérica Central concluíram um acordo comercial com a Venezuela e a Colômbia, que deve entrar em vigor no final da década. NoCone Sul, além da iniciativa mais importante que é a do Mercosul, destaca-se a atividade diplomática chilena. A cooperaçãocomercial com a Argentina, esboçada desde 1984, já produz frutos: o comércio bilateral saltou de US$ 0,8 bilhão para cerca deUS$ 1,2 bilhões entre 1991 e 1992. Já o acordo assinado com o México – que prevê a eliminação gradativa das barreiras comer-ciais até 1998 – representa a primeira ponte formal entre o Cone Sul e o Nafta. O Chile, com peso menor que as potências sub-regionais, direciona a sua política externa de modo substancialmente diferente: define a seu lugar no mundo mediante um jogo queoscila entre os pólos de poder da América do Norte e da Bacia do Pacifico e o Mercosul.

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Outubro de 1994 Mundo - Edição Especial

Mundo no Vestibular

1) Explique em linhas gerais como era o modelo econômico desenvolvidopelos países latino americanos antes da crise dos anos 80.

2) Por que os anos 80 foram considerados como a década perdida para ospaíses da América Latina?

3) Aponte e comente resumidamente os três aspectos fundamentais dosajustes estruturais.

4) Pode-se afirmar que os ajustes estruturais aplicados pêlos países latino-americanos resolveram todos os seus intrincados problemas? Justifiquesua resposta.

5) O Mercosul corresponde a um fato isolado ou representa uma tendênciada economia internacional? Justifique sua resposta.

6) Aponte e comente um importante problema (econômico, social ou polí-tico) enfrentado atualmente:

a) pelo México:

b) por Cuba:c) pelo Haiti:

7) Observe a tabela abaixo:

CRESCIMENTO DAS EXPORTAÇÕES (1993)

Estado Crescimento (%)S.Paulo 0Rio Grande do Sul 18Minas Gerais 04Paraná 14Santa Catarina 23Rio de Janeiro 11

(Fonte: Revista Veja 28.out.94)

Pode-se afirmar que, os Estados que apresentaram o maior incremento, natabela, estão ligados a algum processo de integração regional entre os paí-ses da América do Sul? Justifique sua resposta.

RESPOSTAS

1) O modelo empregado era aquele conhecidocomo substituição de importações, baseadona proteção do mercado interno, com impor-tante intervenção do Estado na economia egrande endividamento externo.

2) Os anos 80 foram considerados a década per-dida porque os países latino-americanos vive-ram uma aguda crise econômica sem prece-dentes em sua história. O principal aspectodessa crise estava ligado ao grande crescimen-to da dívida externa e encolhimento do mer-cado interno desses países.

3) Os três pontos principais dos ajustes estrutu-rais eram: a privatização das empresas esta-tais, a redução do déficit público e a aberturaeconômica, com estímulo às exportações eredução das taxas de importação.

4) Não. Do ponto de vista meramente econômi-co, os países que aplicaram os ajustes estru-turais conseguiram organizar sua economia,cujo aspecto mais visível foi a redução dasaltas taxas inflacionárias a valores pouco su-periores a 0%. Contudo, esses ajustes nãoconseguiram resolver nem minorar o graveproblema das imensas desigualdades sociaisexistentes.

5) O Mercosul é o reflexo, na América latina, deuma tendência mundial. Basta constatar o pro-cesso que desembocou na formação de ou-tros megablocos: na Europa, a União Euro-péia (UE), antiga Comunidade EconômicaEuropéia; na América do Norte, o blocoeconômico formado pelos Estados Unidos,Canadá e México (Nafta); na Bacia do Pací-fico, o Japão e os “Tigres” formam um pólo

econômico (com suas formas próprias de fun-cionamento e produção), embora não tenhamo desenho de megabloco.

6a) O México passa atualmente por problemasdelicados. De um lado, o país está cada vezmais integrado ao Nafta, e de outro continuasofrendo internamente as conseqüências dolongo domínio do Partido Revolucionário Ins-titucional (PRI), vencedor mais uma vez dasúltimas eleições, e da rebelião indígenaverificada no início do ano na região deChiapas.

6b) Cuba sofre hoje uma deterioração acentua-da de seu padrão de vida, em função de vári-os fatores: a permanência de um regime quedá visíveis mostras de esgotamento, do blo-queio econômico norte-americano e do fimdas relações comerciais privilegiadas que opaís mantinha com a ex-URSS.

6c) O Haiti é o mais pobre dos países da Améri-ca Latina. Desde 1990, o país vem vivendouma ditadura instalada por um golpe que des-tituiu o presidente eleito, Jean BertrandAristide. O governo americano, no segundosemestre de 1994, promoveu uma interven-ção no Haiti, alegando a necessidade de criarcondições para a volta da democracia ao país.

7) Sim, pela tabela constata-se que os Estadosque apresentaram o maior incremento em suasexportações foram o Paraná, Santa Catarinae Rio Grande do Sul, unidades federativas quefazem fronteira com os demais países doMercosul. A proximidade geográfica tem sidoum fator determinante desse crescimento.