padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema...

45
inverno2018 distrito federal padê editorial cole-sã escrevivências apoio: Fundo Elas de investimento social

Upload: others

Post on 30-Jul-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

inverno2018distrito federal

padê editorialcole-sã escrevivências

apoio:Fundo Elas de investimento social

Page 2: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,
Page 3: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

olindeza

padê editorial

cole-sã escrevivências n. 16

maryellencruz

Page 4: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

Olindezacontos de Maryellen Cruz

edição, diagramação, revisão: tatiana nascimento(a grafia das palavras foi mantida como escreveu a autora,

em respeito a suas escolhas)

concepção da artesania: tatiana nascimentocoordenação das oficinas de encadernação: kati souto

padê editorial é um coletivo editorial artesanalque publica autoras negras y/ou lgbtqi+,

fundado por tatiana nascimento y bárbara esmenia,em brasília / DF

www.pade.lgbtwww.literatura.lgbt

[email protected]

esse livro foi feito como parte do projeto “Escreviventes: autopubli-cação artesanal de narrativas LBTs”, proposto pela padê e selecionado pelo Fundo Elas de Investimento Social em edital de 2018

tipografia: hero (capa), ogirema e chicago (miolo)

Cruz, MaryellenOlindeza / Maryellen Cruz. - 1a. ed. (1a. reimp.) - Brasília (DF): padê editorial, 2018.

ISBN: 978-85-85346-18-8

1. contos I. título.

Page 5: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

sobre a cole-sã escrevivênciasinspirada no conceito de escrevivências de conceição evaristo, a cole-sã escrevivências, da padê editorial, é dedicada a textos de autorxs lgbtqi+ negrxs* estreantes, produzindo literatura contemporânea. são 50 títulos de livros cartoneros (com capa de papelão reutiliza-do!), escritos por autorxs sapatonas, travestis, mulheres y homens trans, gente não-binária, povo preto sexual-dissidente de um mon-te de lugares num brasil que insiste em nos matar, nos impedir de so-nhar, de falar com nossa própria voz. mas mesmo assim: aqui esta-mos, falamos, escrevemos. sonhamos! fazemos nossos próprios livros.

foi no blog de conceição que li “a nossa escrevivência não é para ador-mecer os da casa grande, e sim para incomodá-los em seus sonos injustos”. o racismo htcisnormativo, mola de funcionamento do sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica, espraiante de genocídio negro, indígena, de transfeminicídio, classista, desesperançosa, fundamentalista) tem entre suas principais ferramentas políticas de silenciamento: ten-ta nos roubar de nossas palavras, contaminar colonizando nossa ex-pressão/discurso/narrativas, quer despermitir que plantemos nosso próprio imaginário. difundir seus estereótipos sobre nós enquanto finge que não vê não ouve o que nós mesmxs temos a dizer sobre nós.

selecionar esses textos y autorxs tem a ver com uma fé no contar nossas próprias histórias. y histórias que curem nosso passado, alimentem nos-so presente, construam nosso futuro: além de incomodar sonos injus-tos, embalar os nossos sonhos de mundos, imaginários, afetos, existên-cias possíveis, plenas, autodeterminadas, autoafirmadas literariamente.

todos os livros publicados na cole-sã têm licença creative commons tipo “atribuição-não comercial-sem derivações”, o que significa que você pode compartilhar o material em qualquer suporte ou forma-to, desde que a autoria seja atribuída (“atribuição”) y desde que não seja feito uso lucrativo do material (“não comercial”). se você modi-ficar esse conteúdo, tampouco pode distribuí-lo (“sem derivações”).

tatiana nascimento, organizadora

*75% dxs autorxs publicadxs se autodeclaram negrxs

Page 6: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

sobre a autora

Maryellen Cruz está se graduando em linguística pela Universidade de São Paulo, com enfoque em línguas ban-tu, especificamente kimbundu, língua falada por alguns países da África e das diásporas, incluindo Angola e Brasil. É uma pessoa não-binária negra e periférica que faz o papel de Griotta na narrativa de contos experienciados em suas viagens por todo o Brasil. Olindeza é um livro que narra dezessete pequenos contos vivenciados em Olinda, no Pernambuco. Um livro cheio de carinho e amor negro entre ancestralidades.

Page 7: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

7

sobre Olindeza

Através das personagens presentes em Olindeza, atravessamos um mar de sabores, cheiros, afetos e memórias que, em alguma medida, nos ambienta em uma atmosfera de quilombo e nos conecta com lembranças e experiências fortes e belas em uma temporalidade de passado e presente afrodiásporico. É com o ateliê de Vera, a força criadora de Michel e Baca, a força de Exu em Baru e Laila, a sabedoria do Mestre, a cura que emana das benzedeiras e de nossas mais velhas, a beleza das mandalas e de Dona Bonita, o amor de Ingrid, a amizade de Graziela, Andriele e Camila e a força ancestral dos orixás e seus enfeites, que os camin-hos narrados em Olindeza nos levam a diferentes sensações de en-cantamento. É mesmo um livro de feitiços.É também nos encantos da cidade de Olinda que encontramos com as barracas de tapioca e com a capoeira e sua arte de corpo, que nos desloca no tempo e no espaço. O mar também é presente e nos saúda com sua presença sutil e marcadamente forte na cadência da narrativa. O mar que serve de cenário de fundo para compor a bela imagem de “Pretos corpos brilhando num sol estridente fazendo sombra no mar”. Por isso, convidamos a todas nós, pessoas leitoras deste livro-en-cantamento, que nos deixemos levar pelos caminhos abertos por Exu, que ele possa nos conduzir, em deriva, por um vasto momento de beleza.

Axéô leitorxs!

Mayana Rocha Soares

Page 8: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 9: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

9

OLINDEZA

Semana essa cheia de emoções, senti ansiedade, creio que porque o tempo está certo e estou seguindo ele. O Pai Tempo.

Dia seis saí de Olinda/Pernambuco. Mas o Pernambuco me puxou. Prometi voltar. Foi grande a identidade.

À Vera… mimou. Fui mimada. Nos últimos dias ela me levou aos lugares que lhe eram os mais importantes, com tuas pes-soas mais importantes. Por isso vou abrir um livro chamado Olindeza, e essa vai ser uma brincadeira de rua.

Os contos são:1. À Vera2. Laila3. Michel4. Baca5. Bagu6. O Mestre7. Dona Bila8. Dona Cila9. A mãe de Vera10. Os catadores de frutas11. As mandalas12. As benzedeiras/curandeiras do Monte de Olinda13. Ingrid14. Grazieli, Andrieli e Camila – Aza migas15. Bonita, a Modelo16. Fim de luz no banco do brasil17. Capoeira no mar é um jeito de amar

Page 10: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 11: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

11

1. À Vera

04 Fevereiro, 2018

Olinda – PE

O ateliê de Vera.O ateliê já nasceu, e é um embrião desse espaço. Tá voltado pra um pedacinho de barranco sagrado.SAGRADO.Vai vingá! Vejo verde, roxo e azul.Muita riqueza!

Axéô às artes e artistas!

Page 12: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 13: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

13

2. Laila

Laia abre caminhos.A história começa com ela porque foi ela que me levou ao que-rer de conhecer Vera. E com ela, Laila, eu também tenho meus parenta. Com ela, há anos, uma troca acontece.

Axéô Laila!

Page 14: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 15: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

15

3. Michel

Michel é um irmão que tenho há tempos e o reencontrei! Um Feitor-Criador. Todos que conheci em Recife/Olinda sãoFeitores/Criadores.Ele faz coisas muitas que nem sei dizer, mas a que me cativa mais são seus instrumentos. Ele é de um criador de som! Um negro alto e delicado. Mãos de labuta.

Axéô Michel!

Page 16: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 17: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

17

4. Baca é filho de um Pai de casa de axé e de uma mãe que tam-bém é do axé. Ele é Criador de faces de barro! Isso eu só vi com Buruku i Nzambi.Trabalha com muitas coisas e me apresentou pessoalmente a moringa… um instrumento que é das águas e dos nossos. Baca é um ótimo contador de histórias e vive com a família e a cachorra Loba e Catita também. Loba é gostosa de carinho, Catita também, mas quando tiveres de boa e vira, ela Catita vira e vai pega tua canela!Bons desejos aos ancestrais de Baca.

Axéô Baca!

Page 18: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 19: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

19

5. Baru

O nome dele é Baru, mas gosto também de pensar Bagu.Quando nos conhecemos ele andava sério pela encruzilhada, chateado pela comercialização do carnaval… E por terem mu-dado o nome da Brincadeira pra Noite dos Tambores Silencio-sos, aliás, BAGUNCIOSOS..., como ele mesmo diz!Ele estava se preparando para sua limpeza antes da grande fes-ta, e já logo me disse que um bom lugar pra eu conhecer seria a casa do Pai Valter de Logun’Ede. Ele me gostou e me deu uma letra de como chegar na BR, para pegar o caminhão.Acompanhamos a história primeira da galinha do caminho dele.Ao se despedir ele me disse algo lindo em Iorubá, para que eu tivesse a felicidade do axé meu e dos meus mais velhos. Esse filho de Exu me alumiou as ideia e dali se abriu um novo lugar na trilha do meu coração!

Axéô Baru!

Page 20: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 21: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

21

6. O Mestre

Rezaram a lenda do Mestre e assim que cheguei o Mestre apa-receu!Brilhávamos. Os dois. Literalmente. Ele usava azul e branco, eu branco e turbante.O Mestre é muito sábio e estuda muito as nações e culturas negras.O Mestre me disse que sou Bantu, concluímos juntos três nações para uma possível descendência. Ele está feliz que es-tou aprendendo o Kimbundu e me disse que quem busca aos teus ancestrais busca a ti mesmo.O mestre sempre usa branco e tem uma barba e cabelos lindos, branquinhos. E ele, ele é bem pretinho.

Axéô Mestre!

Page 22: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 23: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

23

7. Dona Bila

Dona Bila é uma tapioqueira que já está nos setenta e poucos tempos. Deixou de benzer e trabalhar na casa, mas também já não dá mais né?“Tudo tem seu momento”. Tiramos uma fotona. Ela, Vera, o marido dela e eu.A tapioca foi de queijo com côco e um valor que a gente nem tinha, mas que teve. Vera também acertou com mangas recém-colhidas. Dona Bila, como tantas outras senhoras, gos-ta de pular o carnaval na porta de casa. E se a goma da tapio-ca acabar em plena noite de carnaval… acabou. Não dá pra se matar de trabalhar também né?

Axéô, D. Bila!

Observação: A tapioca dela cura dor de cabeça.

Page 24: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 25: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

25

8. Dona CilaDona Cila vive alí perto do mercadão, e é uma das grandes co-queiras de Olinda. Uma senhorinha rouca que tu num dá nada quando arrepente que vozerão!A senhora tem um filho passado, e hoje cuida muito amorosa-mente de sua memória. Seu filho é um Rastah cabeludo.Ela canta “Michel michel cabeça de papel”.

Axéô, D. Cila!

Page 26: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 27: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

27

9. A mãe de Vera

A mãe de Vera é uma sertaneja arretada, ela também tem o hábito de coletar e reciclar, e ela cria com muito amor seus animais todos.Ela não empresta o isqueiro pros drogueiro acende um:– Eu não vô ajuda mininu ninhum a morre!Metade da sua vida viveu na roça cortando cana. Tem um dois três filho. O marido bebia.

Axéô à senhora mais velha!

Page 28: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 29: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

29

10. Os catadores de frutas

Essa é uma história bem rapidinha de Vera, Michel, Mary e Bacalhau, catadores de frutas!Dedicada a todo tempo que ficamos colhendo e falando de natureza.Michel fez um ganzá divino com as sementes secas de Chapéu de Napoleão.Vera e eu entramos num quintal lindo pra colher mangas, e ela levou mangas a todos! Deu três mangas aos dois bebos que fizemos amizade no caminho.

Axéô pra todos nós!

Page 30: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 31: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

31

11. As mandalas

As mandalas são muitas de tantas cores e jeitos. Tem uma mandala na cabeça de Vera e ela está sendo guiada nisso. Tem de Xangô, Iansã, Oxum… tirei muitas fotos e a minha já já chega junto com a de Viegas e Laila.

Axéô caminho de Vera!

Page 32: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 33: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

33

12. As benzedeiras/curandeiras do Monte de Olinda

Que eu senti e soube foram mais de oito, dez mulheres na cura. Dona Bila foi uma, assim como a Preta Veia que conheci assim que saí pela primeira vez da casa da nêga. Tava com o filho, numa cadeira, do lado de fora, tomando sol! Igual minha vó! Alzheimer! Muito esquecida e muito sábia são as mulheres mais velhas!– Agora sim, eu jamais vou perder essa benção!

Axéô benzedeiras e curandeiras!

Page 34: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 35: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

35

13. Ingrid

Dormimos. Brincando com as sombras de nossas mãos no teto. No pé, um pandeiro. Acho que é o que sela o nosso amor.Encontra ela foi muito feliz e me quis foi passar a noite inteira junto daquela moça, porque por mim ela é muito amada e tenho teu amor comigo.Sabia que ia a encontrar, e depois de falar com O Mestre saí correndo pra roda de côco! Lá ela estava, trazendo tudo o que as últimas mestras a ensinaram! Rouca. E agora ela já sabe de mais cocos do que nosso encontro pelo Ceará.É um coração muito bom, minhas deusas!E eu me deixo amar todo o coração que me der amor!As sombras do teto nos levaram ao sono, até de manhã cedim quando canta o galo e a lua sobe o Morro de Olinda.

Axéô Ingrid!

Page 36: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 37: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

37

14. Graziela, Andriele e Camila

Essas são três amigas que eu fiz e que nos amamos muito. Camila é a cara da modelo. São três pretinhas que conheci por lá. Elas são umas lindinhas de dez anos, e muitas vezes ficaram na frente do nosso portão me chamando “Amiga!!!”. Pois é… e daí a gente fico juntas muito tempo.Elas não quiseram me deixar ir embora. A Grazi e eu nos gosta-mos demais! Trocamos batons e tal. Eu apaixonei! Ela não me quer longe e na despedida a gente chorou. Ô menina, te tenho bem pertinho de mim!

Axéô erês e curumins!

Page 38: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 39: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

39

15. Bonita, A Modelo

Bonita é uma beleza negra e jovial. Belíssima! Alta e arretada. Mas tá acompanhando a beleza como, Dona Bonita?Pois é. Ela quer ter uma vida estável e farta, e ela está muito próxima disso. Mas não vamos correr muito rápido, Bonita, cuidemos de nossas pernas. Todas estamos na correria.A correria de Bonita é cuidada pela mãe Iansã.

Axéô Bonita!

Page 40: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 41: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

41

16. Fim de luz no banco do brasil

Estive confinada a passar periodicamente no banco.Esse dia já era o segundo dia que eu tentava. E eu já não tinha nada há tempos. Vera ficou para fora, foi no outro banco. Eu entrei é e aí foi quando apago a luz e eu fiquei uma hora e meia lá. Vera ficou para fora me esperando.Eu, teimosa que sou, fiquei pensando no Michel, e que eu es-peraria 1h a mais no expediente, pra ver se o banco funcionava novamente – Michel e eu somos teimosos sim.– Já estou farta de gente me bancando de alguma maneira!Nessas… eu até dormi. E até acompanhei a anedota de um sen-hor que soltou no celular um vídeo da igreja e assistiu inteiro. Foi bem alto. Depois de muita oração e nada, ele chamou um gerente do banco e conseguiu fazer sua transferência em tor-no de cinco mil reais, mesmo sem sistema. Nossa que irônico teu privilégio, não é? Amém.Dali vendo que não dava nada, a teimosa e a Vera foram pra casa. Com a cara de duas manas pobre… mas aí que tá. As po-bres mais ricas que encontraram uma tapioqueira maravilhosa, um monte de mangas, um pôr-do-sol lindo e um frevo aconte-cendo. E a tapioca me acolheu, seu doce e salgado abraçaram minha tristeza. A história 7 é dedicada à tapioqueira.

Axéô natureza do coração!

Page 42: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

maryellen cruz: olindeza

Page 43: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

43

17. Capoeira no mar é um jeito de amar

Ainda aflita com a chegada, fui caminhando pra praia com Bacalhau e Vera. Eles, muito animados, eu, muito curiosa. Nós colhemos vários frutos e nos divertimos bastante. Já limpos, Baca e Vera pararam:– Depois do mar é capoeira!Estrelinha, plantar bananeira, ponte.De novo de novo de novo...– Até tu consegui fazê!– Não me deixem desistir.Isso foi bom. Foi bom porque eu já aprendi a desistir das coisas fáceis e essenciais, também foi bom porque eu sou odara das artes do corpo, como uma coisa que tu só saberá quando vier a mim.Eu consegui. E Vera me beliscou sem querer, uma cicatriz linda que vai ficar comigo. Pretos corpos brilhando num sol estridente fazendo sombra no mar.E esse é um dos maiores jeitos de amar.

Axéô, Olinda.

AmericasPretaFevereiro de 2018

Page 44: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

títulos da padê editorial:

cole-sã escrevivências:

escura.noite, kati soutosal a gosto, esteban rodriguesparagrafia 44, lélia de castro44 sentímentos, cleudes pessoacartas para NegraLua, débora ritaoju oiyn, okan iná, beatriz fernandes aqualtuneágua viva, piera schnaiderdesculpa por ainda escrever poemas de amor, julianna motterflores em coração cerrado, tati carollia saudade é mulher, fernanda fernandes munizdelírios de (re)xistência, geise gênesistrans|bordô, lara ferreirain-quietudes, vandia lealcoração no asfalto, márcia cabralser y estar en otros matices, rocío bravo shuñaolindeza, maryellen cruzconcha, sabrina leonardipiroclastos, lázaroafro latina, formigaalumbramento marginal, bianca chiomadeve haver haveres para que a gente siga existindo, laila oliveiraEP, preto téotinkuy, jade bittencourtno âmago, enzo irokosapa profana, raíssa éris grimmsou travestis: estudando a cisgeneridade como uma possibilidade decolonial, viviane vergueiroamar devagarinho..., bruno santanaa piada que vocês não vão contar, kuma françaguarda-versos: palavras que não pude calar, adriele do carmobricolagem travesti, maria léo ararunanotas de um interior circuntante e outros afetos, calila das mercêscartas para ninguém, diana salu764 – da barragem pra cá, raquel prosa et. al.meus versos e inversos, augusto liras

Page 45: padê editorialpade.lgbt/wp-content/uploads/2019/07/16-maryellen-cruz-olindeza.pdf · sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (es-cravocrata, lgbtqifóbica,

olho de imbondeiro, lohana káritacantos de proteção, resistência e dengo: cada pétala é um ser, babosa maresia e karina das oliveirascrônicas coyote, márcia marci et. al.fragmentos_, juliana tolentinovagamente, daniel britouma natureza secreta, luci universoecdise, lídia rodriguescaos – recortes de um peito negro, victória salesdiversas maneiras de amar, victor alejandrocomer do próprio coração pra viver na própria pele, capitú

cole-sã Odoyá:

esboço, tatiana nascimento{penetra-fresta}, bárbara esmenialundu,, tatiana nascimentointeriorana, nívea sabinotautologias, daisy serenasangue, nanda fer pimentaperiférica, kika senamil994, tatiana nascimentoafroqueer existência: dor luta amor, pedro ivotribadismo : mas não só – 13 poemas a la fancha + 17 gritos de abya yala, bárbara esmeniamaravilha marginal, letícia fialho

cole-sã Odara

percursos estéticos: abordagens originais sobre o teatro do oprimido, bárbara santos

todos os títulos da cole-sã escrevivênciasestão disponíveis pra venda (impressos) ou download gratuito (.pdf) no

portal:www.literatura.lgbt

conheça o site da padê:www.pade.lgbt