overing a estética da produção in revista de antropologia

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  • Revistade

    Antropologia

    Publica~o do Departamento de AntropologiaFaculdade de Filosofia, Letras e CienciasHumanas - Universidade de Sao Paulo

    SA.OPAULO1991

  • passado, guardamas 0 compromisso com a tradi~o de pesquisa etno16gicainaugmada por Egon Schaden. Com 0 futuro, aceitamos enfrentar 0 desafio defazer u,ma revista aherta aos problemas contemporAneose em sintonia com oscampos de investiga~o emergentes.

    Espera-nas seguramente urn arduo trabalho. A Antropologia dos anos 90nao sera a mesma das decadas anteriores. 0 universo de pesquisadores disper-sou-se em inUmeroscentros de pesquisa, de ensino e institui~ govemamentaisou de milit4ncia. Os caminhos da peaquisa complicaram-se: seu financiamentoflcou cada vez mais crftico, a massa de dados que 0 pesqUisador 6 obrigado aprocessar, cada vcz mats indigesta, os universos de observa~o, cada vcz matscomplexos e os paradigmas te6ricos que nos orientavam, cada vez menoseficientes.

    ARTIGOS

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    ,'J ,-," : .:~l!:~ ~"1\(';~:",'4

    Nease panorama, a Revista de Antropologia pretende ser urn canal deexpress.lo e reflexio dos novas problemas e modelos. Gostarfamos de poderdesemponlllr urn papel propiciat6rio na tarofa de identificar II queatOes queprccilam ser dilcutidaa e explicitar 01 dilemas que nos paraUsam. Para tanto,procuramos reorganizar a Reviata de Antropologia para que pudesse ser agil noalcance de seu pUblico, e abrangente na incorpo~ da comunidade academica.Nesse sentido, convidamos a todos para que se juntem a n6s nessa grande tarefade buscar compreender 0 momento te6rico, cultwal e politico que atravessamos.

    >~cf ,I J~l,

    A ESTBTICA DA PRODUc;Ao: 0 S~NSO"DPiCOMUNIDAD~f',J~ENTRE OS CUBEO E 9Sp~q~1:";~ ,'inw~l)t

    Joanna Overing' '" ".(Senior Lecturer, LondonSchool of Econ~~,cs)

    RESUMO: Esle artig9 procura recuperar a conce~o de"seDSO de comunidade" de Via> ,..: quelncorpora 0 juigameAlO esI6ilco llei e lmoralldade - paracomprCClJder 0 que 6 "o'soclal"',p11f801Indios da florata lropical sul-americana. 0 trabalho mos~ que 1l.fah~4:\e~lrUluras de hietarqu~. oude instilul~ de I:Oersao do sigllifica Callade orgaDiza~o social, ~, 1\0 coulJ4rjo, r:epresentaumcredo polltia> com lnlen~o moral e al6lica. " ",". "

    PALAVRAS-CHAVBS: etnoesl6lic:a, Piaroa, senso de comuoidade, coDhecimeDIo al6tia>, rilual deDomina~o,Gulana. "', 1;'

    1

    Paula MonteroBditoraRespons8vel

    A estetica, no Ocidente modemo, desveg~iJ119u"sl::-dequase 'todos'OS'oyJrpi,domfnios: ~eparou-seda religiao, da moral e-do poH~g?!fB.~~'1;COr#(d~\~~i~ "do conheciment~'~ da verdad~. Tl?ndern?s a~!~:~~~r~]s!~ c,t;.l~gl-~~~o: euma atividade a-socIal, que nao pe~n~fa(t~ti~9~.p>mo;.;n,otaGadamer,2 somos influenciados pela remodela~lk.8nU~:t'"\da~filoSofu{ tt10m,empresa que purificou a etica de toda esteti~~e 'cW)bao'\:iicsejo;IKantHmitouigualmente a ideia de conhecimento ao uso, teoricOe pmtico, da'lull>, de ambosexcluindo, assim, a estetica. Ao faz~-lo, tambem'eliDlihoudoccme dl filosofbi 0julgamento estetico na area da lei e da mora1idade~'eXCluihdo,portarito, anb~de sensus communis, ou "serno de comunidade'~(cOnceitOqueurn dia foi correntena filosofia ocidental,' heran~ da filosotia rorilana), ;de'lsua formula~,jdodomfnio da eslelica. Neste artigo, seguirei 0 uso que faz Vico do conceito "sensode comunidade",3 enquanto senso do cerlo e do bem comum, que e adquirido

  • atraves da vida em comunidade, e articulado las estrutunls e aos objetivosespecfficos desta Ultima. Nesta ace~, 0 ronceito possui sentido politiro emond, bem roD1Oabarca uma estttica - e mais, uma mctafl'sica- da a~.

    A vido oposta - a da estttica como um dominio autbnomo, ao 1000 dareligiao, da ciencia, da economiae da poUtica - teDdea ser nosso legado nascitncias sociais, apesar de termos uma "antropologia cia arte" que afirma,tibiamente, que outros povos, a dife~ de n6s,nio~_~aJivi4~_e()julgamentode arte de seu uso. Muito embora isto pare4ia6bvio, mal co~os

    1-. \1 aOOenim as impnca~, te6ricas e pdticas, desta articu1~ do rotidiano com )1~ iI 0 julgamento e a ativiclade esttticos. ~u ~nto_~~ ~nsai~..! 0 de q~" I!

    Para e..1!~~rmos J que e "0 social" para os fndios da floresta tropicalsul-americana, \ ~tttica Dio ~nLa' categoria autOnoma que e hoje, mas, ao contdrio, ~~~~g~~~ __l11Oral.e poHtica. A partir do momenta em que reintegnmnos 0 Ijulgamento e8tetico ao moralmente bom e ao moralmcnte l'tJim;e ambos, julga- '-'mento e moralidade, ao conhecimento e a: atividade produtivos, 56 entaopoderemos com~ a dizer coisas que ~ sentido accrca da economia, daor~o politica e cia filosofia social destes povos. Para os Pi~ povo da

    _. bacia do Orinoco, por exemplo, _aprod~ em si era uma ati:vi~e ~~tiva, que-~ ~to ~e~~r bo~tlLo~f~ia e,nesta _~, social ou a~ damesticada

    ou perig~. Considerava-se que 0 ~mportamento lindamente rontrolado levavait cria~o da comunidade, enquanto 0 excesso, feio, nio 0 fazia. A beleza, para osPiaroa, era portanto uma ~ moral, relacionada com a moralidade das rela~pessoais e com 0 uso das fol9lS produtivas. A estttica, em sentido lato, onde~leza e vista ~~~g>.r.essiApesar de nio dispormos de um registro particularmente bom em nossa~ etnografia para expressar a visao i~~~_~~_ oU~!1.s~~ de_~mUllida~'

    o trabalho de ~an sobre os Cubeo coostitui clara ex~o. Em tudo 0 queescreveu, Goldman inSiste em que levemos a serio as ron~ do povo queestudamos,4 e seu The Cubeo constitui uma etnografia que bem captura umsensode romunidadeamazOnico .espccffico. Tomarei a seu sucesso em breve. ~entanto, pode-sedizcr que, em,gera!,.e dificil entendermos 0 seoso indIgena decomunidade: .} a1hcio Dio apenas a muitas .verterites-dopemamenlo social e-poUucooCrdental, mas ainda U nossas mais anai~ eategorias em antra-pologia. 0 vi~ ~~~.re!~vante, para os ~_d~te_~ e 0 da bie~ osantrop6logos tendem a intender estruturas de bierarquia ou institui~ "de

    coe~ e s~ muito mais facilmente do que' 0 fazem quanta aestruturas de igualdade ou iostitui~ de coopera~ e paz.

    Peter Ri~....IeS~Y~J!~,~~~J.!l_ nossas di!!~4ades em eE-!CJ1der~~s~iOs1gualitarios da organiza~ social e.pe>lfti~__~s~~~~es. ~ze~das terms baixas sul-americanas, e em particular daquelas das Gwanas. NasGuianas, nio ba associa~ de guerreiros, cousclho formal' de homens adultos,organiz~ em mctades para 0 funcionamento cia vida comunitana,. grupos deidade ou grupos de dcscend~ncia. Em outras palavras, .:xis~~P?~ mc:a-nismos P!!8 a tomada de decisio corporad1!t.seja q~or ~ t6pico em guestao .Por este motivo, os etn6grafos tem fi'Cijuentemcnte ~~~_ estes po~ e as

    '1 sociedades indigenas das terms baixas em gera!, em termos !!.o ql1C 1hes{~~ e,: niO claquilo que tbn ou do que dizem.; quando se tenta descrever suainfonnalidade atraves do vocabuIario antropol6gico corrente, parece que Dio temqualquer organiz~ romunitaria.

    A~~)~'.J'OrtlJ)Lser UIIl~Q~Jlti~.l._~. v~()r_~~estttioo. ComomtOU ~~uanto a recusa indigena, romumente deteetada,de iostitui~ de oocJ9lOnubo~o, ne necess3rio aceitar a ideia de que a:inega~ nio sigoifica um.Dada, e de que, quando 0 espelho nao nos devolve a;nossa imagem, isso nio prova que Dio baja Dadapara obselVarn6 ClastJ:esfalavada disjUllfljio, nas sociedades indfgenas das tems baixas, entre lide~ e ..institui~ de ~ ~_~i!!l ~. "flui~ =ural" ~ue,mut. __ .~ nio :Jlij~mas31.n..da_

    . jiit{~ mo ~titiPara apreender este ponto, e necessano-compreender 0_"", seoso social . seu seoso de comunidade. _ ~.

    Mas, como 1lOtei,esta e uma tarefa diffcil. A diferel1($8.da tendencia~, no/' pensamento politico e sociol6giro ocidentaI; ~'!8C1ona_ ~ sociar ~I.!!.-""

    limi~ imposta por uma coletivi~!~rel~ de doIJ!ina~9, os mdi~s

    ~

    ' das terras b8iiilS, em sua tearia polftica, tendem a insistir no oposto, on~e 0social" (80 menos em seu sentido positivo, tal romo expresso pela rela(jllo devida comunitaria) e visto como 0 meio pdo..Jlual as ~as ~m ati~en.te 'Tevitar 0 estabclecimento de rela~ de dominAncia. No entanto, as premissas dadisciplina, espcciaImCDteaquelas sobre"~ ouiiO roletivo", podem desoriCDtar0

    (

    etn6grafo iDcamo. SugiJo, pois, que igualitarismo de muitos indios das teerasbaixas- sua aveISio.l coc~ e U re~ de subordina~o, seu desdCm a"oormasoc:ial" e. 80S processos de decisio (lOlctiva, suas atitudes quan~ apropriedade e ao trabalho,e sua insis~ncia quanto a autonomia ~ amda

    \ que com apcgo l comUDidade - 56 pode ser en~ndido e. ~~o seprimeiramente exploiamos seu senso especffi

  • igumdade, seu senso de comuoidade, e a cri~ desta Ultima, sio, afinalmutuamente constitutivos. Assim 0 argumento se esclarece. '

    Este e tambtSm 0 argumento que Goldman reiterou varias vezes em suaetnografia dos Cubeo. Em The Cubeo, Goldman desvenda a realidade da vidaaldca pam aqueles que a comp6em e vivem, os habitantes da comunidade. Amedida que meu pr6prio entendimento dos valores e da metaffsica indigenasa~ urn lento processo atraves dos anos, fico eada vez mais impressionadacom a semibilidade etnogr8fiea de Goldman que, M mais de duas dCcadas,noscontou, de maneira muito direta, quais eram os principios Msicos da vida socialCubeo.

    E deplonivel, mas interessante, que 0 alcance do feito de Goldman tenhasido urn. tanto ne8!jg.l) 'f,Trat8ndo do scnso deCIOJIlUDidadePiaroa, Dlinba p~ semaprofundar os insights fora e pioneiros de Goldman sabre a produ9io c a"VidacomUDithia am.az6nica, foc:alizandodiretamente a 4rea da "es!!i~~~",um aspecto importante do conhecimento produtivo :; portanto, cia metafisica

  • Piaroa de comunidade e das suas estrutUIas igualitarias. E importantc no1ar,quanto a este ponto, que ha aspectos hierarquicos na organiza~o social de to. e.a autonolt'Ja.pess.oaI..~ enfase do al!t~r na coIDpl~~!1~~c!~\ entre comunidade e autonomia ~soal no pensamento social Cubeo evidencia

    )Uma Mea em que-OOkImanfoicapaz~d~ livrar-se de sua bagagem do~nto. social ocidental: aincompaiibilidade .entre os prlricfpioS de comUDidadeeI autoooiiiia pesSoal e no~vel em uma vertente principal do individualismo

    . ,ocidental. Neste argumento ocidental, todas as outras epocas e lugares concedemalto valor a g?lejividade e, em decontncia, as rel~ de subordina~. Nestal6gica, e na ret6rica que a sustenta, 0 ~vidualismo, com sua .enfase emliberdade e igualdade, 56 poderia ser, -portanto;" urn fenOmeno ocidental

    L moderno.12 .

    - ?"' Q.fndio,..s..~_ocia!_~mo meio de ~rcear rela~ _de subQ~~lentende a rel~ entre a liberdade e a comuniCWle-soo luz diferente e maispositiva, em que, somente. pormeio da. autonomi~_!t~lll.~ ser~b.t!~. Sob este Angulo, nao crdidi-jirlOridadeaoSocial sobre 0 individual, ~vice--versa. Em contraste, uma co~o moderna de moralidade'traz consigo a~o do indivfduo moral fora da sociedade;13 uma tal enrase nestadesarticula~o seria totalmtnte estranha ao individualismo indfgena. '.

    Muitos cramosmodos pelosquais .osCubeo expressavam autollOmiapessoa1,toclavia 0 'mais evidente era sua aversio pol oMens e comandos;. Comorelata Goldman, 14 "na vida social Cubeo . nioguem manda, nem se submete". YEste e um dcsejo polftico provavelmente !isSCDliIl8cl()e_ntr!t~J~~tatropical amazOnica, e, como Clastres 0 enunciou, IS "se existe a1guma cotsa

    .~, -

    1

    1

    J.._----------------

    completamente estranha a urn fndio, e a id6ia de dar uma ordem ou ter deobedccer ... ". Uma Mea em que cada indivfduo Cubeo tinha ~oberania era sobre _~u proprio trabalho: neDburnCubeo poderia sercoagido ao trabaIlio; e, enquantoos chcfes poderiam dirigir certos trabalhos coletivos masculinos, ninguCm tiDba_iurisdi~o sobre 0 trabalho das mulheres.16 N.m poderia exigir os produtosdo-trabalho de outrem:cada colheita pertencia aquele responsbd por seuCultivo.17

    Muito embora os Cubeo frisassem sua autonomia com rela~o ao trabalho eaos produtos do trabalho, cste Dio se encontrava desvinculado dos la90S decomUDidade. Eles priviJegiavam 0 compartir e a gencrosidade COJJ.lO came-ter4ticas pessoais que conferiam siatus. A geoerosidade. e. 0 ~~, .am~svalores de comunidade, estavam ligados a afi~o de dlreltos mdiVldwu:'~polS~rt~lrspeitpAl!ndo 0 .cI~ ~_~uJa,_espee~lJn~n!~_~g~_~!. f econOmica. Goldman obsem q~9os Cubeo Cl~ Jli

  • mental para seu senso de comunidacle, 0 que inclufa 0 dogma moral de que nao sedeve invadiros sentimentos e humores alheios.30 Este ~nso de privac:idade ,080 .era 0 do Ocidente modeIllO.porque a valoriza~o O1beo"daprivacidadc era afeta.~o dominio das e~ e da dignidacle pessoal, e nio ao Mundo da p~edadee dos bens pessoais.--

    Descrevi, em outro trabalho,31 ~ primeiras li~ das c~ Piaroa,quando 0 Ifder da comunidade as ensiriava a ~e de viver, a ~a ~e levaruma vida tranqiiila e 0 modo de ~-la. Baslcamente, se ensmava as cnan~ 0que, em nossa propria filosofia moral, e chamado "~rtudes de conside~ aooutros" - aquelas que habilitam alguem a se responsabilizar por suas lIfiOescomrel~ a terceiros -, em vez.~ "vi~.de autOCQnsi4era~0, taiswmotalento, ambi~o e coragem.32 Pela descri~o de Goldman, 0 entendiment~ dosCii6eO- quailto a autonomia de uma pessoa e suasobriga~ com respelto itautonomia de terceiros soa muito similar ao caso Piaroa 0 lider Piaroa igual-menle ensinava as ~ sobre imperfei~ sociais, especialmente a maindole, a arrogancia, a inveja e a malicia. Os Cubeo insistiam sobre a avidez, umavez que urn dos comportamentos excessivos que mais repugnavam era a .gulficomportamento que consideravam hostil e avaro, que viam como patol~co.Para ambos, os Cubeo e os Piaroa, autonomia pessoal era uma nocsao SOCIalporexcelencia, ponto central para sua compreensio do trabalho e do processoprodutivo em seus respeetivos sensos de comunidade.

    o trabalho;' para os Cubeo (e para os Piaroa), niio era, como no Ocidente,alienadOdasrela~ pessoais de comunidade e de SUamoralida4e. Em suma, nosensa Cubeo de comunidade, havia uma conexao entre as rela~ pessoais - deque cada comunidade e composta -, prod~ e riqueza, os prazeres 00 trabalho,uma etica de diplomacia e sua grande valoriza~o da autonomia pessoal. Fazia-senecessano ao lider politico levar tudo isso em conta em seu papel de criador demoral alto. Tato, respeito pelos sentimentos dos outros, e dos outros para consigo,eram c1aramente considerados, pelos 01be0, urn aspecto do conhecimentoprodutivo. ' .

    o trabalho deveria ser prazeroso, e !:!!!.pJ:9..Clutodo desejq; nao consistia emurn dOiiifuio separado do pessoal, oem do social, antes, de tiio intensamentepessoaI quanto social, 0 trabalho era, a urn 56 tempo, P!Odutor c produto derel~ sociais prazerosas. Era atSiO que preenchia 0 desejo de prover para si, eOs dese~os e Vidas de outrem - dos filhos, do c6njuge e dos outros mcmbros daaldcia. Pelo trabalho, assim definido, comunidade e vinculo com outros pode-riam ser devidamente criados e mantidos. Ambos, trabalho e vinculo social, cramconsiderados mutuamente constitutivos: na ausencia das rel~ tr.mqiiilas de

    ou tato, em suas rel~ sociais, em pattjcular naquelas que envolviam coo-pera~o no trabalho. Goldman observa23 que "todos os empreendimcntoscoletivos do sib, tais como ca~ pesca, coleta e constro~o de casas, requeremurn Animo inspirado". Sem este Ultimo, 0 senso de coletividade enfraquece. Aomvel das rela~ individuais, !1 esposa insatisfeita produz menos para secomer.24 Isto provavelmente se aplica, em geral, ao senso de comunidade dosindios dasterras baixas: ali, 0 trabalho e uma questio desuprir desejos, tale~t()Se~linaes pessoais. - ._-

    No entendimento Cubeo do social, assim, a prod~o. dellCndia da cri~ode urn moral alto pUblico,250 que faz sentido se:euttilfiifriiente,"oS membros dacomunidade reeUsawm-se a entrar em rela~ de comando-obediencia e'iraballUlvam (de ~cordo com -0 valor na autonomia pessoal) apenas sob urnminimo de direcionamento. 0 papel mais importanle da ~efia tomava-se 0estabelecimento de um moral alto entre os membros da comunidade, 0 quecarreava a cria~o de conforto ao Divel material. Tal valor no conforto materialdeve, ao mesmo tempo, ser colocado no coiltexto CIa determina~o Cubeo dematerialidade e de sua Caltade interesse na abundAnciamaterial por si mesma.26

    Segundo Goldman,cada rela~ social, para os Cubeo, requeria umaatmosfera especifica de sentimentos e e~, cuja implica~o era a de que, nacri~ bem-sucedida da comunidade Cubeo, seus membros teriam atingido"uma correspondencia espontanea entre em~o e a~o".27 Novamente, naspalavras de Goldman, 28 "para os Cubeo nada de importante pode resuItar de urnaa~o divorciada do Animo adequado". Por exemplo, os homens trabalhavam na~nstru~ de casas apenas quando se sentiam alegres e devotados:29 0 trabalhomais produtivo era aquele que trazia prazer, trabalho que carregava urn ar deespontaneidade. De urn ponto de vista politico, coletividade - e 0 trabalhoexigido para sua existencia - tornava-se questio de uma politica de manejo do~mo, e nao do estabelecimento. de iDstitui~ de Iiferarquia e de relaes de_domi~ e subord~o. Para os Cubeo, a Ultima solu~ seria a-social e,portanlO, contraria ao seu senso de comunidade.

    Estamos aqui falando de uma e~ca de socialidade. 0 entendimento Cubeode moral alto prendia-se a um senso particular de rriorali~e, que valoriza em

    , muito as rel~ de harmonia c coope~o. A autonotitia pessoal que desejavamolio era urn individualismo desenfreado, em que vale tudo. Goldman frisou_o~ tato dos adultos Cubeo quanto a criticar, impor e invadir os outros, e asensibilidade agooa que demonstravam para com 0 humor alheio, sua toleranciapara com 0 mau humor dos outros. A privacidade, propria e alheia, era funda-

  • uma boa vida em comunidade, IIio se poderia trabalbar e, sem 1rabaIbo, niiohavia comunidade. Em outras paIavras, 0 trabalho - inclusive, ou em partictilar, amanute~o cotidiana da vida - nao era entendido como labuta; esta ~ uma ~ocidental, isto ~, om produto de rela~ de do~ e suborcJina9io. Emprincipio, os Cubeo trabalhavam quando felizes; para eles, todo esfo~ devia seressencialmente satisfat6rio,3S resultado de rela~ sociais prazerosal.

    es~lica que relacionava ambos a prod~o (seus prazeres) e a moralidade dasrel8ljOessociais (seu prazer). Em surna, podemos nos referir a isso como uma"es~lica social", elemento critico de urn senso de comunidade indigena, ou 0dominio do conhecimento produtivo que, no entendimento. indfge~ permite acons~o e a manute~ da comunidade. Goldman, em sua etnografia dosCubeo, ao enfatizar os vaIores Cubeo quanto ao extreme> tato naS rela~pessoais e ao prazer do trabalho, nos guia at~ esta area da es~tica social, quedesejo agora desenvolver.o ponto importante que Goldman apreendeu acerca da o~ social e

    politica indigena, e acerca da filosofia de socialidade que a Stmtentava, foi 0proprio fato de q1:JCgente vivendo junta em comunidade depeIMliada ailMjiocotidiana de moral alto entre setm membros, e nio do estabelccimento de leis,regras e corpo~. Esta ~ uma boa razio, uma vez afastada a forma -exterior"dos aspectos de organiza~ social, para que os Piaroa e os Cubeo ~ tiosemelhantes. Desde que 0 vinculo com.os outros; tanto para os Cubeo quantopara os Piaroa, permanecia (insistentemente) em om pIano mais informal e queera, em larga medida, considerado sujeito a preferencia pesSoaI, 0 grupoconservava-se junto apenas enquanto seus membros e seus lideres obtinham, e'mantinham, insp~ nas rela~.36 A dif~re~ de povos que acreditam que Isoas comunidades tem existencia temporal por meio de mecanismos tais como apropriedade COrpo!'lK!llde bens e as normas jurfdicas desta co~ nem osCubeo, nem os Piaroa, entendiam "comunidade", e as rela~ que enceuava,;como om dado politico que permitia continuidade atraves do tempo, mase.!!Cluantoum processo de existencia que devia ser cotidi.anomente obtido petaspessoas, pelo tato nas rela~ e pelo trabalho. A escolha polflica era pelo .Iconforto fisico e emocional diano, em detrimento da estabilidade mais abstrata \\que a heran~ passada e futura, com soas normas e reguIamentos, envotve.37 ~\

    A ESTETICA DO TRABALHO ENTRE OS PIAROA, OU 0 CONHE-CIMENTO PRODUTIVO

    Para muitos indios, 0 trabalho ~ tamMm uma capacidade criadora, umamanifesta~ de conhecimento produtivo, que confere condi~ homana,' eatrav~ do qual podem-se criar bens,38 tais como ornamentos, os meios materiaisde transformar para uso os recursos da terra e as transforma~ em si mesmas(por exemplo, a prod~o agricola, 0 alimento cozido). Como indicarei adiante,

    ~ao tratar dos Piaroa, a ornamen~ e as capacida~es para 0 trabalho nao seencontravam desvinculadas. A beleza)uma J)eSSOO faJava da beleza de SU8S.capacidades criadoras e de sua perfcia n~ trabalho, abrigada,

  • diretamente, de forma negativa, urna decisio de outro, fosse com relafi30 80aIimento, ao trabalho, it resi~ncia ou 80S Mbitos sexuais. Ate 0 ClUDlentocOrreto (que ja descrevi40 como a Unicainstitui~o s6cio-organizacional da vidacomunitarla entre os Piaroa que 0 antrop6logo poderia facilmente categorizar) erauma questao de livre interpre~: nenhum casamento era considerado apro-priado se todas as partes envolvidas - pais, sogros, noiva e noivo - com ele moconcordassem. AIem disso, nao havia "regra de residencia", mas parentes comquem era bom e tambem correto viver: a escoIha final era deixada 80 individuoou casal. 0 mesmo pode ser dito quanto 80 reconhecimento de la~ Tfficosde parentesco, urna decisao muitas vezes melindrosa para um individuo.

    eram membros de comunidades maiores; os mais velhos sonhavam com 0passado, antes das epidemias dos anos 40 c 50, quando as comunidades Piaroaeram maiores. Uma comunidade muito pcquena, de quinze a vinte pessoas,simplesmente MOpossufa recursos humanos que permitissem escolha pessoal eanimo no desempenho de todas as tarefas requeridas para a sobrevivenciacotidiana: a pesca, a ca~, a coleta de aIimento e lenha, 0 cultivo, 0 proces-samento dos produtos da ~ e cia f09l, e 0 ritual necess3rio a prot~cotidiana. 0 Ifder bem-sueedido era aquele que conseguia atrair a sua c::omuni-cladegente suficiente, gente capaz de oooperar harmonicamente em base dWia, 0que lile permitia manter 0moral alto dentro da comunidade.

    o trabalho ~iano era organizado de modo fIuido e, assim sendo,comumente refletia os humores e prefeItncias pessoais dos individuos envol-vidos. 0 trabalho de urn terceiro nunca era dado por certo. 0direito aprefertnciareferia-se tanto it escolha pessoal de co-residentes com quem se considerassemais adequado dispender tempo, quanta ao tipo de tarefa em si mesmo.Usualmente, passavam-se muitos anos de casamento antes que urnjovem casalcooperasse, em conjunto, na abertura de urna r~: 0 tempo e a vontade de cuidarde seus filhos era 0 que os levava a esta tarefa. Se alguem nao considerasseadequados os parentes com quem era habitual cooperar ao menos em parte - porexemplo, urn pai ou uma mae -, viveria em outra comunidade. Os bomens, emparticular, tendiam a se "especializar" no trabalbo que mais apreciavam: algunshomens detestavam ca~r, e assim, ao inves disso, faziam artefatos ou pescavam;outros ca~vam diariamente. Como para os Cubeo, respeito para com 0 humore aprefertncia alheios era, para os Piaroa, um aspecto essencial de seu senso decomunidade. Se uma pessoase portava mal, de maneira descontrolada, demodo arepresentar um constante aborrecimento para os outros, era aconselhado por urnparente ou pelo fider da comunidade (seu ruwang) a submeter-se It cura com 0lCder,que detinba poderes xamanicos, a fim de descobrir a causa externa da faltade controle. A cura era, entio, questio privada, enfre 0 doente e 0 Tllwang.

    Somente atraves do moral alto poder-se-ia obter 0 conforto no trabalho,defini~ de afIuencia para os Piaroa. Apesar de ter extraordiIWios podcres,dados seus pod~magioos vis-a-vis mundos fora do social, 0 Iider de umacomunidade (tUwang) tinha pouco poder de coe~o sobre 0 desenroJar dequestOessociaK-a)m efeito, 0 ,uwang, enquanto Abio mestre dos vaIores tticosde autonomia pessoal, iguaIdade e tranqiiilidade, pregava formaImente contra acoerc.;ao.Para os Piaroa, a coer~ nao tinha lugar no contexto do trabaIhocotidiano dos membros da comunidade; eram tao alergicos it ideia de "ditcito decomando" quanto it ~ de "nonnasocial". Nmguem poderia dirigiro tr.IbaIbode outro; no dia-a-dia, todos os produtos da floresta eram iguaImente partilhadosentre os membros da comunidade, enquanto os produtos da ~ e artefalOScramprivadamente possufdos pelos individuos cujo trabaIho os produzira. Nio baviainecanismos, tais como grupos de anciios ou homens adultos, para a tomada dedecisao corporada quanto a disputas ou quest6es eco~micas; assim, a soberaniacom rela~ it maioria das ~ dimas estava, em Iarga medida, em mios dosindividuos. !1ma muIher nao apenas possufa 0 produto cia ~ que ela mesmaproduzia, como tambem ~Dla comunidade nem 0marido tinham direitos legaissobre sua prole, em caso de div6rcio: ela era responAveI por sua propria ferti-

    t< Iidade, entendida como parte de soaS capacidades pro,dutiyas individuais. Pormais importante que fosse para urn Piaroa residir em uma grande comumdade,, !!C1!b,u,rndet~_reco~~ia a leptimidade dc>J)9(1~r~.."cole~yi~~,~.~ ~ deque uma "comunidade como um todo" puclessedeter dircitos soble aIgu6m, ou de

    p< que alguem devesse submetcr-se a uma decisio proveniente de uma "vontadegeral", ou de que a moralldade de ~m fosse im~ta de cima, peIa comu-nidade, seriam ideias abominaveis pam os Piaroa.4 0 uso de 1ais pocIcres decoe~ seria julgado a-social e politicament~ ilcgftimo.

    A comunidade afIuente, para os Piaroa, era aquela que poderia levar emconta, 80 mvel diano, tanto a fIexibilidade no horario de trabalho quanto asprefeItncias individuais para as tarefas especfficas; como para os Cubeo,atIuencia era uma questao de aquisic.;aode conforto pessoal no trabaIho, e MOdeacumul~ da prod~. Tal afIuencia exigia a cria~ de' comunidade, quepossuisse moral alto e tamanhoa permitir tal fIexibiIidade e oooperac.;ao.Quandoeu estava entre os -Piaroa pam meu primeiro trabalho'de campo em 1968, aspessoas evocavam com horror quio arduamente tinham de trabalhar quando nao

    Como os Cubeo, os Piaroa insistiam nos direitos do indivfduo, ao mcsmotempo em que conferiam alto valor as reI~ sociais de comUDidade.Scr social

  • em considerado pelos Piaroa a mais valiosa caracterfstica de seres humanos nestaterra; mas tal socialidade nao estava, para eles, associada a n~o de "coleti-vidade" e aos poderes politicos com que esta poderia ser dotada. Pelo contrano, acri~o da comunidade e sua socialidade poderia apenas ser realizada por meiodas capacidades e da autonomia pessoal dos individuos. Este trabalho cotidiano.de cria~o da a~o da comunidade tomava-se possfvel atraves do que referianteriormente por "conhecimento estetico", uma area de conhecimento que, paraos Piaroa, compreendia: 1) asc::aP-llqdadescriativas de produ~o (ou seja, aquelespoderes que possibilitavarn transformar os recursos da terra pam uso); e 2) asca~i~des_q~le~\T~ __a cz:!!isa.o_derel~ ~iiilas com aqueles com quem-se vivia e trabathava. E!U_s~_~~ril!:~di~ 0 uso destes dois conjuntos decapacidades separava a humanidade de hoje (e talvez exclusivamente os Piaroa)de qualquer outra ~o,no univeISO,passada e presente. Os omamentos utilizadospelos Piaroa, e j.s pinturas que os embelezavam, falavam destas capacidadesarticuladas de s9cialidade e produtividade.

    ,oJ /;;.') In,; /'~.J'~.BELEZA E CRIATIvIDADE: AS CONTAS DE CONHECIMENro E ASCAIXAS DE CRISTALDOS DEUSES

    A beleza exterior, na estetica Piaroa, e uma manifes~ da beleza dehabilidades produtivas e capacidades morais que estao alojadas dentro da ~.Em outro lugar, descrevi a omamenta~o Piaroa, mas com finalidade diversa;43nesse sentido, vale repetir aqui parte da etnografia. Por ornamento, os Piaroausavam C91ares,bra~deiras e pemeiras feitas de contas ou de algod3o, depen-dendo do sexo, e varias pinturas faciais e corporais. Toda esta ornamenta/Saoil~tra~a~na superffcie do corpo, as ha~i!!~_~_p~~!~ras C()I!-~idasDa~~~:

    Os Piaroa usavam uma tintura vermelho-escuro (k'eraeu) para a pinturafacial e corporal, cujos desenhos eram aplicados com carimbos entalhados emmadeira. As mulheres tambCm aplicavam .!es~nh~pretos nos bra'SOse pernas,feitos com uma tintura resinosa. Estas marcas faciais e corporais de homens emulheres cram !9'resen..~~_pict~!!~ ~pe~~~ ~!~~.l-~{o~ci.()~s..ou ~~.crtac:!~_~ntidas ~m s~us co~,_q!1E_lhes se~~m de n:)Up~g~!I!!.Jltenor. J:!s marcas _C:OQ>O.@isestampadas nas mulhe~ representavam seu- -> conhecimento de rcprod~o e ~~~IuI~~aJ; "oS ~~~~e l!!ellStr:ua0";ja8!~ ~osllomens falavam de seu conhecimento produtivo de ca~, pescar,\:aDtar,curar e proteger. Osdesenhos faciais masC'.wnoserain tambCmchamados

    /!"~ caminhos das contas"ou"o caniftihQdas palavras do canto", indicando 0, conhecimento especffico de cantif: 0 desenho era 0 caminho, ou a seqOOncia,das

    palavras e dos cantos. Alguns destes desenhos foram visto~ por home~ P~quando em transe alucinogtnico, em especial d~te ~ otual de p~lifera~o.Eram estes igualmente os desenhos de sua cestarta sal)ada. As bomtas cestasfeitas pelos homens Piaroa, que ostentavam os desenh6s do "caminho daspalavras", eram usadas por eles para guardar itens de valor ritual, tais como seusapetrechos para as drogas, drogas e pentes; por meio do \ISO de p~ntes, as for'Sa8de seus pensamentos produtivos eram "mantidas em ordem". Tal como as for'Sa8para cultivo, ca~, pesca eram entendidas como poderes produtivos, assim tam-bCm0 eram as forcasdocanto: atraves delas 0 lfder Piaroa, mwang, ~.Os poderes produtivos de uma pessoa eram guardados dentro de "contas devida" -uite~ a seus corpos, que tambCmprovinham das caixas de cristal dosdeuSes. 0 mwang, atraves de seus cantos e viagens para a morada dos deuses,trazia, para este mundo, as for'Sa8para a produtividade encapsuladas em "contasde vida", e as inseria nos individuos de sua comunidade. Estas contas cramchamadas "as contas de vida" (koe/cwaewa reu) porque designavarn a f~ para a"vida dos sentidos" (koe/cwae) que, dentro de urn indivi4uo, 0 habilitava a terdeSej~. 0 conheCimento, produtivo e outro, nelas contido era, em contraste,cbamado "vida dos pensalnentos" (ta'/cwaru). A quantidade de contas em colarusado por uma pessoa indicava a quantidade de contas de vida interoas que, ateenlao, havia adquirido. Assim, a q~dade de_Ctl!ltas_':JSll~ em deco~o

    .\ contava do grau de capacidadespossuido~la_~ que as-portava: 0 grandelfder ruwang ea mulher-com niuhos filhos eram carregados delas.

    Os Piaroa associavam beleza a abundAnciae a fertilidade criadoras: usarmuitas contas conferia beleza.-6s deusei;-qtie eram a tonte de pOcieresprodu-tivos, posswam muitos nomes e eram, portanto, belos; a casa dos deuses, plc~_ detodo tipo de alimento, tinha muitos nomes falando de sua beleza; as boas VJSOCSde magia que urn mwang tinha, quando sob a influencia de alucinOgenos, erambelas e tambCm altamente produtivas: eram vis6es de abundAncia quereabasteciam a floresta com plantas e animais. Todas lIS for'Sa8para produ~contidas nas caixas de cristal dos deuses erambelas, - -e-assiD;1 se;conaetiza;:varn. Dentro da caixa dos cantos de cura da deusa da fertilldade,Oleberu,encontmva-se a lindaftiZ de seW;cantOs,juntO-auma-longa fieirade oontaScm"- --

  • ~~_~. cores do arco-iris; outra traqa de contas pendia de sua rede e sua coroade penas de tucano ficava em urn esteio. Em sua caixa de cristal da destn::zana~ estavam seus lind6s amuletos e seu colar de medalhOes; denlro de todas assuas caixas de poder ficavam muitas lindas cachoeiras.

    so abundAncia, porem, nio levava a beleza: ~_beleza estava sempreyinc~daJl.~ de mod~ra~~no O8Odc:.~pa.9~

  • envenenada. Nlio podem, portanto, usar os poderes que possuem; ao"contrario,com toda a for~ de sua "vida de pensamentos", eles os Iimpam e embelezam.Um Piaroa que tenha tomado dos deuses for~ produtivas em excesso, aIem desua capacidade de domina-las, nlio sera capaz de Iimpa-las de seu veneno e,portanto - como se deu com 0 deus criador deste8 poderes e, depois, com todosos deuses criadores -, sua "vida dos sentidos" seria envenenada, ele sofreria a

    "--)! loucum e agiria a-socialmente.46 Por este motivo, os Piaroa insistiam na'i aqufsi~o limitada e gradual de poderes produtivos dos deuses. E, por que 0acesso a estes poderes criadores lbes era Iimitado, os Piaroa podiam, no tempopresente, criar e manter a comunidade social, feito impossivel para os seres dotempo da cria~o.

    Na estetica Piaroa da socialidade, 0 lado social de lim~za, beleza e_~~t~!!~ao - todo& sinais de dominio das for~ produti;~-int~riores-':-era.Dlanifesto pela capacidade indj~id.~Lde_lD!l1tl?rem 1ulf!!l0nia_s_ua~_~.laescom

  • aproximada da categoria recobriria vontade, responsabilidade, comciencia.intencionalidade, racionalidade: eram l~ de ta'/cwoIwmenoe que urn liderinicialmente dava as cria~, muito antes que elas colJlC9lSSCma inco:pomr, emsi mesmas, as foJ91Sperigosas para prod~ e para reprod~. Uma vez fosseadquirido 0 domfnio da socialidade, poder-se-ia entio, graduoJmente, atravCs deta'lcwa1comentle, co~ a dominar as foJ91Spotentes para 0 trabalho.

    A beleza para os Piaroa era uma realiza~o vinculada a razao e ao controledas em~. Por meio de ta'lcwoIcomenoe se adquiria domfmo sobre 0 compor-tamento, tanto social quanto produtivo, urn processo que embelezava 0comportamento e 0 eu. Para os Piaroa,a produtividade e aa~ mOIaI perten-cia!Dopois, a mestna esi6tlca:-emsiii-es16tlca dli' moi'alidade, umaest6tica do~rpO fatava'de uma est6tica do trabalho e da socialidade. EIa uma estetica que19ualmente envolvia urn senso particular de comunidade,o que explica por que 0social apenas poderia ser alcan~do atraves da autonomia pessoal dos indivfduos.

    os deuses do passado, entre estes e humanos, entre humanos e animais, oufossem. por.fim. entre humanos, especialme,ate entre afim (cio co-residentes), eentre os Piaroa e todos os outros povos. Alem da seguran~. das rela~morais, nao competitivas, da vida em COI:n1J!lidade,.havia ao menos a'p()te~~dade, mesmo entremembros de urn territ6rio politico, ,

  • i~ de que fala Sahlins nlio e anarquia social ou polftica, mas atureza. Argurnenta 0 autor quen"economicamente, a sociedadeldada em uma anti-sociedade" e, para que sociedade ou urn~ja alcan~do, a; "defeitos eco~micos" do Modo de Produo:mser superada;.53 A moralidade do parentcsco e 0 poder politico(e~lo, poderiam, atraves de institui~ de hierarquia e alian~'qwa do modo de prodUo domestico. Os valores econ6micos de:ualdade deveriam ser solapados anteiquco social 'pOSsaser

    riqueza, foram eniouquecidos por seus poderes e, por isso; nunca poderiammanter as rel~ sociais da vida em comunidade. A hist6ria do tempo dacri~, dos deuses criadores, foi urn periodo de desenvolvimento tecnol6gicorapido, caracterizado pela competio violenta quanto a propriedade da novatecnologia e de recursos. Se podemos considerar que este uso do poder pelosdeuses criadores conduz ao progresso e a liberao em nosso dominio social,humano, os Piaroa, por sua parte, julgavam tratar-se de urn mau uso, tendente atirania e ao comportamento canibalfstico e, portanto, destrutivo do social. Aquiloque poderiamos ver como "natural" na hist6ria humana, os Piaroa viam como"baroaro".

    nte, Sahlins esta ~~ona~~()estrut~_de i8lJ!litarismo a urn..lZ~,ll-sociaMade e sub~I'odu~o; emeonfr3ste, -cOiOOl~esrerau.tUfas~decJ!i.eI'l!r::9,~~atraves das quais pode ser produzido~nute, esta euma~.l!!~ra etnocentric:.l!,postura comqueira emue confronta 0 proprio etnocentrismo que 0 autor ataca - arogressoe graude produtividade.55 De modo mais importante, ao10 de produo domestico, Sahlins deixa escapar a passivelacategoria de conhecimento Pr

  • sem seres humanos constantemente 0 recriando, por meio da vontade e cia ca-pacidade cultural. Como no caso dos Cubeo, 0 social era considerado umaaquisi~o cotidiana.

    A criatividade em questiio era uma criatividade de conserv~o, valor quese adequa it sua estetica de vida em comunidadeeAS'-estrUturas igUalitarias quepoderiam construf-Ia. Como para os Cubeo, a cria~o de conforto emocionaI eravalorizado em detrimento da cria~o de proveito material: nao era umacriatividade que valorizasse a cri~o de novas formas ou uma economia emexpansao a que uma nova tecnologia poderia levar. A criatividade competitiva eviolenta do perlodo da cri~ foi por demais licenciosa e perigosa para apossibilidade do ~tabelecimento de uma comunidade moral; assim sendo, 0soci~pal1los Piaroa!'ra.uminfinito ato de resistencia contra urn retoJ1l()a tUn.tipo especffioode crlatividadeede proeesso hist6rico cumulativo, personificadono tempo mitico dos deuseS criadores. A criativida~e_do tempo de "hoje.",1tIanifesta na aquisi~o de c0II!tI:Jli~de --indivfduos vivendo, reproduzindo etrabalhando juntos pacificamente -, era, portanto, um antidoto para a licen-ciosidade passada, uma preven~o do retorno de urn processo hist6rico selvagempassado, proibitivo no que tange it aquisi~o de uma socialidade tranaiiila eprodutiva.

    \:.. .Somos gent~ ~ue coqiuga hist6ria e processo evolucionano, e segueIdentificando este Ultimo com "0 progresso", "0 bem" e "0 criativo". Devido aofato de vaIorizarmos progresso, tendemos a ver os que nao toleram nosso sensode "historicidade" como sociedades estaticas e, conseqiientemente, nao criativas:nao mudam, nao "progridem" para tecnologias cada vez "mais altas","desenvolveram" apenas "tecnicas de subsist~ncia" e, assim, nao acederam aonosso estado de progresso, onde a raridade de ontem e 0 cliche de hoje.Tendemos a de.fi~~_~~~vida~_.~!L.CQ!ltra~~~_~o.s_.~h~ do passado e,partanto, .Q....ato..!.!~~o evisto como urn ato de Iiberta~o, pelo quaI 0 artistarompe com as limita~ do velho estilo. Uma tal no~o de criatividade e parteconstitutiva de nossa propriaJilosofia SQ9&~e revo~ta co..n~~...2-~.90' e contraa comunidade. A aprecia~o Piaroa de criatividade nada tinha a ver'com -uma: filosofia social de rebeliao, mas, ao contrario, versava sobre a aquisi~ das. possibilidades do passado que Ihcs foram concedidas. Seria dificil, para n6s,compreendermos a estcSticaque valoriza uma tal criatividade de oonservae.caoe, apartir de nossa pr6pria referencia de estetica, considerariambs mais compre-ensfvel a criatividade do passado mitico Piaroa, que conduziria ao progresso e itlibera~o de OOSS0 dominio social, humano. Esta e uma criatividadeque os Piaroaj.!1!g~conduzir ao canibalismo, crh~.,,!~~,pOrtaltto,deStriitiv3 do social. Os

    ii.'............~

    Piaroa opor-se-iam fortemente a participar do desenvolvimento do que_SabI~ vtcomo "0 social". A sociaIidade para ambos, Cubeo e Piaroa, de fato eXigia maisou menos 0 tipo de economia que SabIins descrcve como seu modo de p~

    -,\, domestico, mas a anarquia a que este estava associado era uma visao altamentemolal e poIftica que carregava colL'ligouma es~tica particular de agir nestemundo.

    (1) Arligo origiaa1meale pIbIic:ado_Diskc:icIllAndlnJpolog, 1969, 14:159-175.(2) Haas-Georg Gadaa, Truth _Mediotl. LondoII, SIIeed ud Wud, 1979, pp. 35-9.(3) Vqa-lle especialmeale a diacuIIIode Oadam, ibid., pp.19-24.(4) Veja-, por exemplo, IrviDg GalcbaD, TIte C"'- (UrbaDa, UaMnity of illinois Preu,

    1%3), P. 294; IrviDgGoldman, T1tMOfIIlt ofH_(New YOIt, JoluaWi1lcy& SoDs, 1985), pp.14,209.

    (5) Pel Riviae, llUivUlMol aIUl Socidy inGtiiONI (Cambridge, Cambridge UDivasity Praa,1984), p.4.

    (6) Piene Oaacres, Socidy..,uut dw SliM (OUord, BuiI BIackwdI, 1977), P. 12 (p.16 ciaedi~ bnsileim, FrucilOO AlvoesBel., 1978).

    (7) Para - _pIo duoo desla ~ m .-..-eo ocidaataI, "-ae Louis Duaoat,Prom ManJevilk to Mtlnt (a.ic:ago, U!liYenity of 0Iica&0 Preu, 1977); Louis Dumont, "TheeooDOBlicmode of ~ Ia aa aatlmlpolosic:8l penpec::tive", ia P. Koslowske (cd.), Ecottorrtiu _PIUlorophy (1iIbiagea, J. C. 8oIIr, 1985), P. 2S2.

    (8) GoIcbu, op. at, 1963, p. 294.(9) vqa-.e, par ex_pIo, 01 IIepiates uabaIbos: Jauatbu Reasbaw, "The &-y aDd

    EcoDamIc Morality of die IDdiau of die Panguayu Oaaco" (lese de dootarado apreselllada 1Uaiveniclade de LoadIes, 1986); Peter

  • ImaII, 01'. at, p. 89.1maD, op. at.1maD,op. at, p. 88.Imaa, op. at, p. 283.IIWI, op. at, p. 87.IIWI, op. at, p. 53.IlIaD, op. at, p. 52IIWI,op. at, p. 285.IIWI,op. at, p. 253.aaD, 01'. at, p. 67.Ie Goklmaa, op. at, pp. 22, 39-40. Coepua.4e _ Y_i, que obviameDte8m tal vllor Da privacidade. VejHe a R:fiIIlIdaetDografia de J8CllI- Lizot, TalaCambridge, Cambridge UDiversity PRsa, 1985).a Overiag, There is DO ead to evil: the gaiIty i_IS and their fallible god, in, TIteA1ltJaropology qfEvil (OxfClld, Basil BIactweII, 1985), pp. 2S2-3.30Idman (op. at, 1963, pp. S5-6) que aaestria _ pesc:ar etc. ~ eveatrlalmeatee 011 Cubeo.Compare k atitmes dos IIomeas Xavute que, eaqullto guerreiros,zam as viJtudes de au~ (David Maybury-Lewis, Mc-~areadon, 1967); veja cambia 0wriJrg, op.at, 1989.an, 01'. at, pp. 82-3.llUi~ de Gow (op. at) ca.peeadct a ~ ~ tnallIo e dc$ejo DOl\iQo,e a importhaa desta ~ para a ~ de ClOIIlIUIidadc.III, op. at, pp. 67, 87.IB, op. at, pp. m-S3; veja-ae tuIbEaa, soIxe 0& Piaroa, JOAIUIaOvering Kaplan,,CIareDdoa, 1975)-lW1idadcs JIlo eram aasim do fAgeis quaato p)dcr-ae-ia peasar, diaDic de talcomWlidades Piaroa tinham __ ~ taDporalllOrlUl de vinte a q_ta

    dmaD, op. at., pp. 74,75.Idman, op. at., p. 76. Veja_ aiD, quaato ao CIIaco puapaio, JoIuI Reasbaw,releSaDd equali:y among the IadiaM of the ParapaJu. Chaco, M-, vol. 23, II. 2

    (44) Utilizo 0 IenIIo magia, em _ de 'feiti~', porque os poderes dD mago IiogenlmeaIe ClOIISido:ndo& de fins beDffisoIxe 0qaaI esaevo atualmeate.

    (58) Para maior detaIhe soIxe capec:Mhdes uusfcnucioDais pot sexo, veja_ Joaua0veriJlg, MeaCOIIIrOI_1 t1Ie 'Catch 22' ia die analysis t1 pdcr", I~ JOIIIftIIl II{MortJ _Social SttIia, Yd. 1, Co 2 (1986), W- 135-56.

    ABSTRACT: TIIis paper ~ to VICO'S of'sease t1 coaamllllity - wich incoIpxaIes thellestbetic judge.eat to law and morality - in die IlIldeIStaDci8I what "tile social' is for lowlandSoatllameriCllll ladiaDS. It sIIows that the 1-*of hierarc:llicaI scnctuIa or of institutiClllSof ooercioedoes DOtmean Iact. of social OIpIIisatiou btd, qllite OD the C08UUy, rqwaeata a political ~ widau aesthetic and morll inteatiou.

    KEY WORDS: etIIIIoaesthetlcs, Piaroa, .., t1 COII1muaity, aesthetical JaaowIedF, rituals of_IUtiOll, Guyua.

    a, op. at, p. 75.Overing Kapaa, 1975, op. at; JOlIIIlIaOvaiag, 'PCIIOIIaI Autoaomy aDd theself iD PiaJOa aociety., Ia G. Jalloda aDd J0&8Lewia (eds.), AcquiringCultun: UcCIriIti~(I..orou, Croom Helm, 1988); e Overing, op.at, 19891_0veriDg KapIaa, op.cit., 1975.Overing Kapaa, op. cit. 19'75; e ~ 0vaiDg, -Today I ahaII c:aU _MIdds.and ciaui6c:aaaIy ClOIIfIaiOD-, iD JOAIUIa0veriDg (eel.), &- _Ivlstoct, 1985). . .:>veriD& op. at, 1989. c:c.pue..e 1 Jo.IlIl.Re8sIIaw ..., os gnplI do aaaco86; op.at, 1988.>vering, "There is ao ad to eviI._ op. at, (1985); op. cit, 1988; e JOUIIllUD, Los WothuIIa, ia J-.es LizJot(eel.), lAsAboripM& tk V~ vel.1011La SaUe de a-:ias NalaAJes, MoIdeAviia EdiIOlel, 1988).