outubro - eisenstein

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES CTR0650 História do Audiovisual I Prof. Dr. Eduardo Morettin Análise de sequência de “Outubro” (1928), de Sergei Eisenstein João Pedro Durigan Alves nº USP: 7961408 Inserido no contexto russo da arte construtivista e utilizando a montagem como linguagem artística, “Outubro” (1928), escrito e dirigido por Sergei Eisenstein e Grigory Alexandrov, fez parte das comemorações do aniversário de 10 anos da Revolução Bolchevique. O filme inicia com a instauração do Governo Provisório Russo, em fevereiro de 1917, e termina com a ascensão ao poder dos sovietes, liderados por Lênin, em 25 de outubro do mesmo ano. O aspecto construtivista de “Outubro” está presente no sentido de que a obra possui uma finalidade, uma função no mundo no caso, trata-se de um filme de propaganda da União Soviética. A montagem de Eisenstein, ao intercalar entre imagens aparentemente desconexas, estabelece uma relação de sentido entre elas, garantindo às cenas diferentes leituras. Observaremos esses aspectos na sequência que se passa entre a marca de 22 minutos e 13 segundos até 43 minutos e 3 segundos, da aparição de Alexander Kerensky até a prisão do general Kornilov. A sequência começa com a apresentação de Alexander Kerensky primeiro ministro do governo russo em julho com o uso de cartelas: “ditator”, “Ministro do Exército”, “Ministro da Marinha”, “Primeiro Ministro”. Os outros membros do governo são descritos como “os lacaios do czar”. Um deles chama Kerensky de “um verdadeiro democrata”, ao que a cartela de Eisenstein logo comenta: “um democrata REAL”. E, dessa forma, o filme continua a associar o governo menchevique com o império russo, mostrando-o como um impedimento à Revolução. Afinal, “Outubro” defende a ideologia soviética. Assim, a cerimônia de abrir as portas se mistura com a movimentação de um pavão metálico além de ser um

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Análise de cena de "Outubro" de Sergei Einsenstein.

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    ESCOLA DE COMUNICAES E ARTES

    CTR0650 Histria do Audiovisual I

    Prof. Dr. Eduardo Morettin

    Anlise de sequncia de Outubro (1928), de Sergei Eisenstein

    Joo Pedro Durigan Alves n USP: 7961408

    Inserido no contexto russo da arte construtivista e utilizando a

    montagem como linguagem artstica, Outubro (1928), escrito e dirigido por

    Sergei Eisenstein e Grigory Alexandrov, fez parte das comemoraes do

    aniversrio de 10 anos da Revoluo Bolchevique. O filme inicia com a

    instaurao do Governo Provisrio Russo, em fevereiro de 1917, e termina com

    a ascenso ao poder dos sovietes, liderados por Lnin, em 25 de outubro do

    mesmo ano.

    O aspecto construtivista de Outubro est presente no sentido de que a

    obra possui uma finalidade, uma funo no mundo no caso, trata-se de um

    filme de propaganda da Unio Sovitica. A montagem de Eisenstein, ao

    intercalar entre imagens aparentemente desconexas, estabelece uma relao

    de sentido entre elas, garantindo s cenas diferentes leituras.

    Observaremos esses aspectos na sequncia que se passa entre a

    marca de 22 minutos e 13 segundos at 43 minutos e 3 segundos, da apario

    de Alexander Kerensky at a priso do general Kornilov.

    A sequncia comea com a apresentao de Alexander Kerensky

    primeiro ministro do governo russo em julho com o uso de cartelas: ditator,

    Ministro do Exrcito, Ministro da Marinha, Primeiro Ministro. Os outros

    membros do governo so descritos como os lacaios do czar. Um deles chama

    Kerensky de um verdadeiro democrata, ao que a cartela de Eisenstein logo

    comenta: um democrata REAL.

    E, dessa forma, o filme continua a associar o governo menchevique com

    o imprio russo, mostrando-o como um impedimento Revoluo. Afinal,

    Outubro defende a ideologia sovitica. Assim, a cerimnia de abrir as portas

    se mistura com a movimentao de um pavo metlico alm de ser um

  • animal que representa a vaidade e o exibicionismo, o objeto tambm um

    relgio que pertenceu czarina Catarina.

    Em seguida, vemos cadeados e pessoas uma metonmia para

    introduzir os bolcheviques presos. Um letreiro informa que o Governo

    Provisrio ordenou a priso de Lnin, que continua a dirigir o Partido, mas

    escondido. O filme, ento, corta para Alexander Kerensky, na riqueza dos

    cmodos da famlia real, mais precisamente no quarto de Alexandre III.

    Novamente, uma comparao: seria ele Alexandre IV?, pergunta a cartela.

    Vemos uma sequncia de cenas que, mais uma vez, usa da montagem para

    criar relaes: a figura de Kerensky com braos cruzados se intercala com a de

    uma esttua de Napoleo; taas e potes de vidro se transformam em soldados

    em uma estante; uma pea de xadrez montada em cima de um tabuleiro. Em

    suma, a Rssia volta a participar da Primeira Guerra Mundial pelas motivaes

    de Alexander. A pea um rei se funde com uma chamin, um alerta para os

    trabalhadores bolcheviques (A Revoluo est em perigo), que queriam o

    pas fora da guerra.

    Cartelas informam que o general Kornilov est avanando suas tropas

    sobre o Petrogado em nome de Deus e do Pas. Seguidos de Deus

    aparecem imagens de diversas crenas: do catolicismo; do hindusmo; do

    budismo; figuras do folclore chins; representaes pags de deuses. O uso da

    montagem aqui cria uma ideia de unicidade entre todas as divindades

    mostradas. Aps Pas, aparecem medalhas e outras honrarias, seguidas da

    reconstruo da esttua de Alexandre III (destruda na cena inicial do filme).

    Kornilov aparece ento no trono real e em cima de um cavalo, imitando

    Napoleo. Voltamos para Kerensky de braos cruzados: temos dois

    Napolees. Tanques invadem um campo. Alexander se joga em almofadas.

    Esttuas quebradas. Trata-se de uma representao do golpe de Kornilov,

    quando o general decide tomar o poder para aplicar medidas

    contrarrevolucionrias.

    Vemos Kerensky jogado nas almofadas e lemos O governo fraco.

    Bolcheviques, ento, libertam seus camaradas presos e se unem para lutar

    contra as tropas do general. Armas e panfletos so distribudos livremente. Os

    chamados vira-casacas e traidores esto defendendo a cidade diante a

    incapacidade do governo. Ao enfrentar as tropas de Kornilov, os bolcheviques,

  • no entanto, vencem a batalha de forma pacfica, por meio do dilogo,

    divulgando a promessa de Lnin de paz, po e terra. Os homens guardam suas

    armas e passam a comemorar com danas e Kerensky aparece ainda nas

    almofadas, ressaltando a capacidade de resoluo dos problemas dos

    bolcheviques diante da incapacidade do governo menchevique. Cartelas

    informam a priso do general e a tela funde para o preto.

    Essa sequncia emblemtica tanto no aspecto construtivista de

    propaganda sovitica e bolchevique, quanto no uso que faz da montagem. A

    todo momento, Eisenstein refora a ideia de atraso no pensamento

    menchevique, enquanto glorifica os feitos dos sovietes e faz isso utilizando os

    cortes do filme. Essa importncia artstica e histrica faz de Outubro uma das

    grandes obras do cinema mundial.