outras letras canções gravadas em discos de outros...

48
OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistas A HORA DOS FOGOS (música de Maurício Detoni, letra de Thiago Amud) O ano novo passou envelheceu Nosso romance gastou esmoreceu Quando se pensa que o sol inda reluz abre-se o breu Faz hoje um ano que a gente se entendeu Assim que a balsa explodiu seu arsenal O ano que finda invadiu o litoral Que susto a gente sentiu quando se viu tendo, afinal motivo de comemoração real Hoje nos resta achar graça e jogar tudo o mais pra depois A multidão nos enlaça e é capaz de tornar tão pequenos nós dois Vamos encher essa taça, devemos brindar Tanto faz A vida nos ultrapassa Ironiza, ameaça Olha os fogos, me abraça Larguemos o amor para trás O ano velho se foi O amor também Ao mesmo tempo nos dói E nos convém A gente pensa que a noite não tem fim e ela tem Ano passado se esquece no ano que vem ALARIDO (música de Pedro Sá Moraes, letra de Thiago Amud) Quando invadir o seu ouvido o alarido vai lhe aperrear É capaz de cutucar dentro da jugular Os tornozelos e joelhos mal conseguirão lhe suportar O couro cabeludo é puro formigueiro

Upload: others

Post on 30-Oct-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

OUTRAS LETRAS

Canções gravadas em discos de outros artistas

A HORA DOS FOGOS

(música de Maurício Detoni, letra de Thiago Amud)

O ano novo passou

envelheceu

Nosso romance gastou

esmoreceu

Quando se pensa que o sol ‘inda reluz

abre-se o breu

Faz hoje um ano que a gente se entendeu

Assim que a balsa explodiu

seu arsenal

O ano que finda invadiu

o litoral

Que susto a gente sentiu quando se viu

tendo, afinal

motivo de comemoração real

Hoje nos resta achar graça e jogar tudo o mais

pra depois

A multidão nos enlaça e é capaz

de tornar tão pequenos nós dois

Vamos encher essa taça, devemos brindar

Tanto faz

A vida nos ultrapassa

Ironiza, ameaça

Olha os fogos, me abraça

Larguemos o amor para trás

O ano velho se foi

O amor também

Ao mesmo tempo nos dói

E nos convém

A gente pensa que a noite não tem fim

e ela tem

Ano passado se esquece no ano que vem

ALARIDO

(música de Pedro Sá Moraes, letra de Thiago Amud)

Quando invadir o seu ouvido o alarido vai lhe aperrear

É capaz de cutucar dentro da jugular

Os tornozelos e joelhos mal conseguirão lhe suportar

O couro cabeludo é puro formigueiro

Page 2: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

Quando então tudo o mais ressoar outra vez

A surdez que ficar será singular

Você vai escutar apesar e através

Com maior lucidez pra separar

Dom de dor

Banal de bom

Tom de cor de som

Mil de um

Amor de ardil

Deus de egum

Mas antes disso o rebuliço dissonante assombrará você

Furioso fuzuê, gozo e misererê

Quedê seu pai, seu dicionário, seu canário, seu valor, quedê?

Só resta essa carranca branca feito gesso

Se no fim regressar sua velha audição

Se a razão corriqueira interferir

Cê já vai ter os nervos no diapasão

E a serena tensão pra distinguir

Dom de dor

Banal de bom

Tom de cor de som

Mil de um

Amor de ardil

Deus de algum egum

Quando bater bem no seu tímpano, seu ímpeto vai ser gritar

Mas fique impávido pro silêncio ouvir a música ímpar

Page 3: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

ALÉM DAS HORAS

(música de Afonso Pais, letra de Thiago Amud)

- Ai, viver sem o meu bem

É morrer também

- Meu amor

Meu vivo amor

Não sei quem logrou me amortalhar

Calar a lira, desandar as horas

Mas eu juro pelo sol que ainda vês

Nublado sob a cinza viuvez

Que o teu amor foi cálix bento que me fez

Imune ao elixir do esquecimento

Meu amor

Meu longe amor

Não vi quem mandou eu me ocultar

Cruzar o espelho, ultrapassar a dobra

Mas não há de ser o Nada

O fim da nossa estrada estrelada

Meu amor

Dor

Te aprisiona em vãos agoras

Quando além das horas sou

Vem, amor

Page 4: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

A REDE SOCIAL

(Thiago Amud)

Essa Rede num compensa

Sei se volto aqui mais não

Tudo quanto é desavença

Aqui tem mais propulsão.

A vida é tão mais imensa:

Tem Bíblia, Grande Sertão

Tem maldade de nascença,

Bondade de coração

Nisso num há diferença

Da Rede pra Condição

Porém a Rede num pensa

E nem sofre compaixão

E a Condição, viva e tensa

Tem nervo e respiração:

Santidade e mal-querença

Num são cliques num botão;

Amizade é uma presença,

Num vem com numeração;

Miséria, guerra e doença

Num são feitas de jargão;

Nem tudo é like ou ofensa,

Campanha ou conspiração

A Condição, sacra e densa,

Não quer nossa opinião

Quer coragem, quer valença

Quer ato e contemplação

Eu, porque mal tenho imprensa

E arte é meu ganha-pão

Quando for conviniença

Volto pra divulgação

Mas num peço mais a bença

Dos demônio da ilusão

Queira Deus que o mundo vença

Essa nova obsessão

E aprenda que consciença

É silêncio e solidão

(A mim num há quem convença

Que tanta conexão

Não torne a alma propensa a

Se queimar na multidão)

Page 5: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

ASSOBIO

(música de Thiago Amud, letra de Brisa Marques)

Mas como pode?

Toda vez que eu assobio

Lembro dos óio do rio

Onde um dia eu quis nadá

Daquelas água

Que era turva e cristalina

Vi sair uma menina

Que me viu assobiá

O assobio

Que cantava meu alento

Era um pedaço do vento

Que queria se casá

E como a gente

Escolhesse a própria sorte

Dei de cara com a morte

Desviei o meu oiá

Mas como pode?

Toda vez que eu desvio

Na barriga dá um frio

Que é difícil de tirá

Ai, se eu pudesse

Acendia uma fogueira

Me deitava ali na beira

Pra podê me alumiá

Quando assobio

Arrepio de chorá

Olhei pro rio

E fui pra beira assobiá

Page 6: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

AVE MARIA

(música de Thiago Amud para texto tradicional em latim)

Ave Maria

gratia plena

Dominus tecum

benedicta tu in mulieribus

et benedictus fructus ventris tui Iesus

Sancta Maria, Mater Dei

ora pro nobis peccatoribus

nunc et in hora mortis nostrae

Amen

Page 7: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

AVENIDA ATLÂNTICA

(música de Guinga, letra de Thiago Amud)

Tudo em você me inebria

Deve ser o vinho

Deve ser o mar

Tudo na praia vazia

Vem devagarinho

Pra lhe acarinhar

Concha soprando alegria

Cavalo marinho

Salobro colar

Lua na barra do dia

E algum burburinho

Só pra lhe embalar

Antes da última taça

Passo da vigília

Pra contemplação

Tudo em você me ultrapassa

Feito aquela quilha

A rebentação

Acho que a onda lhe abraça

E a torre da ilha

Lhe manda um clarão

Tocam-lhe as algas por graça

A garça é uma filha

O peixe um irmão

Minha vida é devida

Aos seus olhos, rainha de sal

Pois você, só você

Transfigura esse meu litoral

Tudo em você me namora

Súbito evapora

Não deixa sinal

Nem sinal

Nem sinal

Page 8: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

BAIÃO DE CÂMARA

(música de Thomas Saboga, letra de Thiago Amud)

...e se quando o grão

desabrochar n’outra estação

em vez de dar trigo e arroz

se abrir pra nós numa canção

e então, vier da brotação

como de dentro de um sonho

um canto que é medonho

de tão fundo que ele vai,

rachando a terra de onde sai,

purificando os frutos

como a bênção de um pai?

(Broto de voz

ceifando a fome seca do sertão.

A voz de pão.

Harmonia do chão.

Alimento farto a quem pedir,

ungüento santo a se parir

jorrando ao léu

como se Deus resolvesse existir)

Não assustaria se o chão rasgasse um dia

e, ao invés da safra que se esperou

irrompessem ecos de plena poesia.

Não se espantaria quem semeou.

Quem lavrou a terra, o solo arou, pôs água,

entendeu da terra o pulso oculto, a invisível vibração,

ofertou à terra um coração sem mágoa

tomaria a música em sua mão

e a repartiria na proporção mais justa

com os miseráveis da região:

Mantras vegetais, etéreos grãos de sinfonia,

modas cereais e folhas de polifonia.

Ai, quanta folia!

Uma canção aberta em flor.

E quem quisesse os lucros da colheita

teria que enfrentar a multidão

armada de alegria e satisfeita,

comendo a melodia do baião

Baião, baião, baião...

Page 9: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

BARRIGUDA

(música de Zé Paulo Becker, letra de Thiago Amud)

Baba de lobo, gogo de zebu

Dama teúda-e-manteúda

Cabra leva-e-traz

Cará-carás

Urucubaca, arranca-rabo e calundu

Porém agrade a Barriguda

E a ajuda vem atrás

(Digo mais)

(Como faz?)

Na soalheira faz zoeira o trinca-ferro

E não vai ninguém

No serro do sol mais além

Na luz aguda, a Barriguda

Espera ali quem traz berenguendém

Quando ela vem, você não vem

(nhen-nhen-nhen-nhen)

Novilho troncho, caruncho no angu

Bila graúda, urtiga em muda, azedume no rim

Quiriquirim

Coró de milho, filho gago e gabiru

Porém ajude a Barriguda

E aguarde o grande fim

(Vai por mim)

(Como assim?)

No breu da hora, caipora cambaleia

E ninguém vai lá

Na areia branca do luar

Na praia muda, a Barriguda

Espera ali quem traz caraminguá

Quando ela tá você não tá

(rá-rá-rá-rá)

Lavoura seca florou

Pranto de agonia secou

Ferida aberta fechou

Desatinado atinou

(Viu só?)

Ói ela ali

Page 10: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

Catando oferendas pra si

Para enfeitar o guri

Que virá de seu ventre pra nos redimir

(Que virá novamente pra nos redimir)

Page 11: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

BEM ASSOMBRADA

(música de Guinga, letra de Thiago Amud)

Quase nem te lembras

Casa abandonada

Alta madrugada

Volta a ensolarar

Anjo acorda a lenda

Musa invade a prece

Tudo não se esquece

De te encandear

Mãe perdendo a missa

Vó perdendo o tino

Teu menino, teu menino

Onde foi parar?

Quem te fez passar?

Sombração da bisa

Não mais te apavora

Foste embora, foste embora

Pra nenhum lugar

Palmilhaste o ar

Mas da beira do teu sono

Cai não cai

Vai não vai

Vês teu pai voltar

Quase já relembras

Casa alumiada

Dentro da alvorada

Torna a escurecer

Anjo perde a senda

Musa desfalece

Nada mais parece

Denso de se ver

Nublas a vidraça

Num silêncio aflito

Nem um grito, nem um grito

Sabe acontecer

Pra te socorrer

Já vai longe a casa

Triste feito um vulto

Teu adulto, teu adulto

Onde foi viver?

Page 12: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

Quem te faz morrer?

Mas no fundo do teu sono

Mais além

Tem alguém

Pra te bem-querer

Page 13: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

BENDIZ

(música de Poiko, letra de Thiago Amud)

Baronesa fulorou

A beleza se alastrou

Tem preá

Perdiz

Oxalá

Dê raiz

Na roça que eu te fiz

Vem

Bendiz

Vem

(Pensava no sol não se pôr

Minguava qual num quarador

Chorava, orava pelo nosso amor)

Juazeiro verdejou

O braseiro se amigou

Te vejo

Feliz

Te beijo

Na Matriz

Vicejo em teus quadris

Vem

Bendiz

Vem

Page 14: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

BREU E GRAAL

(música de Francis Hime, letra de Thiago Amud)

Onde o grande amor andou?

Andorinhou

Virou dom sideral

Soprou a rosa cardeal

Desamanheceu

Transpalideceu

Na aurora boreal

Olhai no céu o vago sinal

Que o grande amor mandou

Aldebarou

Pairou paranormal

Girou em roda de orbital

Encandoideceu

Depois se escondeu

No eclipse parcial

Olhai seu véu de Eurídice astral

Cobrindo Orfeu

No carnaval

Saturnal anel

Ozônio e mel

Breu e graal

Page 15: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

CAMBONO

(música de Guinga, letra de Thiago Amud)

Orunmilá, ibi keji Edumarê

Eleri ipin, eleri ipin

Mandou de lá dom de oluwó, mão de opelê

Trancelim e o grão do ikin

Mas o Orum tremeu quando a ialorixá

Num transe de amor cantou assim:

Juro pela flor da gameleira

Que eu até a hora derradeira

Vou me queimar, vou me arder

Só de pensar em você

E a última vez

Será como a vez primeira

Será

Juro pela lua minha dinda

Que eu vou preparar a sua vinda

Depois que você se for

Ao Olorum criador

E quando vier

Vou lhe receber mais linda

Ainda

Ouça o que Obá não contou

Lembre que odu lhe saiu

Não vá lá, não me abandone nessa noite

Tem sete gume cruzando a sua sorte

E é minha voz que lhe fecha o coração

Pro corte

(-Ia, não vou

-Iá, não vou)

Juro pela pedra do meu sono

Que a sua cabeça é meu patrono

Ouso até lhe dedicar

As honras de um orixá

Tudo meu é seu

E o amor é meu cambono

Meu dono

O que Iansã me soprou

O que o ifá garantiu

Era segredo guardado den’da noite

Tem sete raio caindo lá do norte

Só meu amor lhe protege o coração

Da morte

Page 16: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

(-Ia, não vou

-Iá, não vou

-Não vou, ia

-Não vou)

Page 17: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

CANÇÃO DO NONO MÊS

(Thiago Amud, Pedro Sá Moraes, Francisco Vervloet)

Teus números vão trocando

Teus sábados perdem vez

Teus livros se embaralham

na idéia e nas estantes

Passaste para além da lucidez

Quem é

essa criança que vem?

-José,

leva Maria a Belém

Page 18: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

CANÇÕES DE MENINA

(música de Thiago Amud, letra de Pedro Sá Moraes)

Canções de menina são

desejos roubados, vãos

esforços de tradução

tristonhos, etéreos

Canções de menina são

Afã e imaginação

palavra, transmutação

de encantos minérios

Canções de menina são

duas diamantinas mãos

nuas, às retinas são

cristais de mistérios

Ser mãe, ser praga

Sermão, ser vaga

Prisão, estrada

O breu na luz

Ser, não ser nada

De alguém, de cada

Tombar, crivada

De espada e cruz

Canções de menina são

o fardo da compaixão

jurar e pedir perdão

a fé e o adultério

Canções de menina são

lampejo de intuição

do assombro da concepção

e dos cemitérios

Canções de menina são

duas diamantinas mãos

nuas, às retinas são

ruínas e impérios

Ser mãe, ser praga

Sermão, ser vaga

Prisão, estrada

O breu na luz

Ser, não ser nada

De alguém, de cada

Page 19: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

Tombar, crivada

De espada e cruz

Page 20: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

CANZONE PER LEI

(música de Thiago Amud, letra de Cristina Renzetti)

Vista da qui

lontana come un'idea

la tua luna bianca resiste alla luce del dì

Quando ne andavo il tuo sguardo d'addio vede

e poi ritornavo e ridevi di me

perché?

Vista da qui

lontana come una dea

com'è dolce e grande la sera d'inverno

per chi?

Per chi resta qui

per tornar

per sognar

i tuoi mari, il canal, le città, le tue mani grandi

i tuoi mille amanti

tristi, matti

Sei tutta qui

in questo ritaglio di cielo

nel vento che viene dall'est

canti i miei giorni

Sei tutta qui

sei solo mia

Page 21: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

CARNAVAL EM AGOSTO

(música de Pedro Sá Moraes, letra de Thiago Amud)

Triste folião

a procura de um cordão que não existe

arrastando vãs fantasias

no meio da multidão

Nunca desiste do quinhão

de alegria que não encontra na cidade

mas lhe invade a voz, o pé, a mão

e o coração

Gira e baila e canta

e beija e ama

sozinho

Vira também passarinho

e se põe a voar, voar...

Sabe gozar seu destino

como fosse um menino

rodando pião

Ei-lo pisando n’outro chão*

sem relógio ou profissão

Eis-nos rindo desse

Triste folião...

*sem país e sem razão

Eis-nos rindo por um triz

Page 22: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

CICLOTÍMICA

(música de Sylvio Fraga, letra de Thiago Amud)

Ri, dá de rosetar

Racha de rir

Dói desarrazoar

Cala chora cai no chão

Arde morde a mão

Torcicola em convulsão

Cospe o coração

Aí...

Voa

Pra, den’de si,

Se alhear

E se elidir

Voa

Pra, além de si,

Se afundar

Em seu nadir

Dói desarrazoar

Dói derruir

Ri, dá de rosetar

Ar

Roxa de rir

Vai se reinventar

.........................................

Cai do céu, cospe no chão

Goza de aflição

Aí...

Doa

De den’de si

Seu maná

Seu elixir

Voa

Pra, além de si,

Se adensar

Em seu devir

Page 23: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

CONTENDA

(música de Guinga, letra de Thiago Amud)

Sou a dobra de mim sobre mim mesmo

Nesse afã de ganhar de quem me ganha

Tento andar no meu passo e vou a esmo

Tento pegar meu pulso e ele me apanha

Eita, sombra rival que me acompanha

Artimanha de encosto malfazejo

Rodopiei, beijei o chão, cambei pra cá

Meu mestre rei foi Salomão, camará

Dou um talho em meu próprio sentimento

Pra que o mundo fulgure na clareira

Que esse nervo me aviva o sofrimento

Que esse olho é motivo de cegueira

Ê, presença difusa, desordeira

Giro de furacão sem epicentro

Desafiei, puxei facão, ponguei pra lá

Vazei no peito esse intrujão, camará

Evém pernada aí

Vem não, foi desvario

Evém navalha aí

Vem não, foi calafrio

A roda vai abrir

Quando eu cair

Por um fio

Camará

Meu sangue arredio, arrevesado

Arranco e derramo em oferenda

Mas não boto fim nessa contenda

Com meu coração esconjurado

Sei de um rosto escondido no espelho

Bem depois do cristal iridescente

Entro no meu juízo e destrambelho

Entro no meu caminho e passo rente

Eita, angústia que vai minando a gente

Capoeira contra Pedro Botelho

Serpenteei, botei pressão, varei o ar

Parei no meio do desvão, camará

Evém pernada aí

Vem não, foi desvario

Page 24: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

Evém navalha aí

Vem não, foi calafrio

A roda vai sumir

Quando eu cair

No vazio

Camará

Meu corpo erradio, arrebatado

Debulho na boca da moenda

Mas não boto fim nessa contenda

Com meu coração esconjurado

Camará

Page 25: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

DE LENDAS E BARCOS

(Thiago Amud, inspirado em poema de Larissa Goretkin)

Sereia

Ouve tu o meu canto

E encanta-te a delirar

Minha lira põe quebranto

Pois canto com a voz de outro mar

Vai-te ao mastro

Atar por corda

Que eu alastro

A minha horda

Deusa d’água

Aguarda eu zarpar

Deusa d’água

Aguarda eu zarpar

Deusa d’água

Aguarda eu zarpar

Sereia

Ouve tu o meu canto

E encanta-te a delirar...

Minha quilha

Tuas vagas

Tomo a ilha

Tu me afagas

Deusa d’água

Guarda eu...

Page 26: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

DOENTIA

(música de Guinga e Francis Hime, letra de Thiago Amud)

Ela parece arder

Em derradeiros graus

Ela morde o lábio

Ela é muito hábil

Pois arrasta quem quiser

Pro seu chalé no caos

Ela parece a flor

De algum jardim do céu

Mas nasceu no lodo

Ela é puro engodo

Que inebria o amador

De aromas a granel

Pra envenenar com seu mel

Ah, se ela fosse um suvenir

Um mero chamariz

Nada teria pra sentir

Por baixo do verniz

Mas ela gosta de mentir

Tem a lábia de uma atriz

E sabe muito discernir

O que se diz ou não diz

E só diz o que não pensa

Bêbada de indiferença

Mais fácil a lua diluir

E o oceano carburar

Que ela amar um homem

Permitir que domem

O animal sem nome

Que um dia ela aninhou

Dentro de seu bibelô

Ela parece arder, arder

Em derradeiros graus...

Page 27: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

FARDO

(Thiago Amud)

Eu lhe acuso, natureza

De azular os amarelos

Aguçar o mel dos cios

Apurar a flor do ópio

Só pra me botar nos olhos

Este alumbramento aflito

Que acomete os degredados

Sob a cúpula dos astros

Eu lhe acuso, natureza

De me acorrentar em ciclos

Pra me semear de novo

Tantos vícios esvaídos

De me encandear de sono

Qual lacaio, qual escravo

Pra sovar minha caveira

Com pilões de lua e lírios

Natureza, natureza

Grande Mãe inviolável

Cujo reino é vasto exílio

Eu lhe acuso e me desgarro

De seus vermes, de meus ídolos

Esconjuro os seus desígnios

Sobre a minha liberdade

Eu recuso, natureza

Esse gozo, esse delito

Eu mordia o seio farto

A carne, a cana e o salitre

E morria miserável

E mal distinguia a vida

Entre mil formas larvares

E um rosário de delírios

Mas enfim largo esse fardo

No seu chão, e nele sigo

Tendo assim transfigurado

O calvário do destino

Page 28: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

JERIMBAMBA

(música de Ian Faquini, letra de Thiago Amud)

No que nêgo camba pra cá

Comigo vai se esmolambar

Zanga minha vira jerimbamba

Luto pra caramba, ê lambá

Vagabundo, deixe eu sambar

Que eu sangrei o dia na caçamba

Bem lhe conheço, é você que vem me acorrentar no fim

Desde o começo é você que só faz me rondar assim

Sei muito bem, você quer me pegar com a diamba

Tem um porém, dessa vez você não me esculhamba

Passa co’essa guimba pra lá

Álibi seu pra me bimbar

Só que eu saco bem sua catimba

Toco mi’a curimba, ê timbá

É melhor não vir pinimbar

Que eu lhe taco dentro da cacimba

É você mesmo o covarde que vem me ensinar a lei

Porém você chegou tarde e agora o que eu sei, já sei

Se quer ser meu inimigo tem que ter tarimba

Tome tenência comigo ou senão você ‘pimba’!

Page 29: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

MÃE DO MAR

(música de Stefania Tallini, letra de Thiago Amud)

Mãe do mar

Do cabelo azul

Mande o mar

Me levar pro sul

Lorelei, odoiá

Quero encontrar o meu amor

Lorelei, odoiá

Quero passar do Bojador

Mãe do mar

Meu país é frio

Molho a flor da espera no vazio do lar

Mande algum navio

Que eu já varei serões a fio

Sem par

Mãe do mar

Guardiã dos sóis

Se eu cruzar

Mares espanhóis

Mande o ar

Ir ensaiando um assovio

Pra avisar

Meu namorado fugidio

Que eu larguei a trama no sombrio tear

Pra seguir meu cio

Que já varou serões a fio

Sem par

Page 30: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

MEADA

(música de Marcelo Fedrá, letra de Thiago Amud)

Diz o poeta que o rei judeu

Subordinado à Roma Imperial

Manda matar quem nem mal nasceu

Vara Belém, cada varão fere a punhal

Teme um rival rei plebeu

Reza a razão que a imperatriz

É condenada por traição

Perde a cabeça oca em Paris

Morre com os seus e morre com Deus e não morre em vão

Revolução, cicatriz

O rei que sangra todos por um

E o tribunal que mata uma só

Devem ter muita coisa em comum

Porém a mente mente e quando a gente sente há um nó

Um quiprocó sem norte algum

Negar

Que há um sentido superior

Que a gravidade quer soterrar

Mas se a coragem virar compaixão é capaz de ela pôr

Tudo o que é dor no mesmo altar

Cala a esquerda sobre o Islã

Cala a direita sobre Israel

Morre-se ontem, hoje, amanhã

Calam-se todos, Caim, Abel, Abraão, Ismael

Que há só um céu e um satã

Para colonizar o porvir

E se apossar do que já passou

O homem consegue se bipartir

Joio no trigo, lobo no amigo, queda no voo

Nem sei quem sou sem mentir

Mas se a mentira não cai tão bem

Pra saciar a honra do herói

Meia verdade já lhe convém

Sua virtude violenta afugenta os vilões que constrói

E ele remói ser mau também

Saber

E prosseguir fingindo que é bom

O guardião de um grão de poder

Eurasiano, norte-americano, homem bomba em Hebrom

Baixo Leblon, tudo é prazer

Page 31: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

Onde a palavra 'povo' se lê

Leiam-se mais de mil intenções

Banto, ariano, maia, malê,

Até que ponto há um povo que pensa, que inventa nações?

Nas multidões quem se vê?

Quem sabe o povo sabe o que quer?

Quem leva o povo leva um paiol

Que quer o povo sem ver sequer

Até que ponto Deus é nativo e Dom Pedro espanhol?

Quer futebol, quer mulher

Pois a palavra ‘povo' é covil

Casa onde o falo põe e dispõe

Mas já tá murcha a voz varonil

Baixa na tropa, crise na Europa que se decompõe

E nos propõe um desafio

Maior

E que não foi sonhado jamais:

Votar às Mães a terra, o suor

Pra que elas gerem o povo que saiba negar Barrabás

Que faça a Paz, mel do melhor

Page 32: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

MININO

(Pedro Sá Moraes, Fernando Vilela, Thiago Amud)

Sorriso de sinhá

Alçapões no terreiro

Quaresma no Pilar

Altar

Sobre o cajueiro

Sol nos bogaris

Mel, sangria e cal

Maleita de raiz

Goteira no jirau

Temporal

Trombas do rio

Tudo a se perder:

Meu avô, meu engenho

Amor de massapé

Bangüê

Que eu agora empenho

Medo de aceitar

Nova obrigação

O ócio a me picar

Remorso no vagão

Temporão

Sombras do pai

Choro de sinhá

Page 33: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

O OLHO DA PEDRA

(música de Pedro Sá Moraes e Ivo Senra, letra de Thiago Amud)

Pedra, cadê teu olho

Para que eu possa magoar com meu cálcio provisório?

Cadê teu olho, lago de mansuetude

Onde eu possa boiar qual memória da terra?

Pedra, teu silêncio é um pasmo, um susto engastado na cidade.

Onde estão, em tua carnadura, as senhas do céu de onde caíste?

Quem sabe ler teu olho?

Quem sabe não te olhar com olhos de pedra, com os meros olhos da cara?

Quem não põe lágrimas na tua erosão?

Pedra, no entroncamento de teu alheamento com a urgência dos oceanos dá-se mundo.

(Oceanos são cérebros de criaturas incomensuráveis.

Por isso ninguém pode beber o mar, por maior que a noite seja.)

Eu quero apenas ver teu olho, pedra.

Olhá-lo fundo e te dizer:

Quando, pedra, me darás a honra desta contradança?

Page 34: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

PAISAGEM INVISÍVEL

(música de Marcelo Fedrá, letra de Thiago Amud)

Cai o véu, tremeluz além-céu

Uma d’alva estrela que ninguém viu

Ao redor giram os sonhos da manhã

A nostalgia aldebarã

Que o astrolábio não mediu

Com seu metal frio

Dobra o ar, entrevê-se o além mar

Pela fresta aberta da saudade

Chegam lá todos os barcos e canais

As correntezas e os fanais da intuição

E a chuva oblíqua sobre o cais

É como haver outro porto por trás do coração

De onde a dor sai

E se lança no real

Nubla o sol meridional

Com lágrimas de Portugal

Oh, mar salgado

Quanto em mim é sal

E quanto em ti é solidão!

Nosso fundo igual

Nos sagrou eterna comunhão

Além do céu, tremeluz o chão

Page 35: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

PARTO

(música de Antônio Loureiro, letra de Thiago Amud)

Ouro na romã

Aves alaranjando no beiral

Hálito recendendo a temporal

Hora temporã

Águas intumescidas no lençol

Halo de lua nova den’do sol

Música de mirar

Despencando sobre a telha-vã

Lágrimas na cumeeira e na cunhã

Dando-me ao luzeiro da manhã

Horizonte de encandear

As cem mil retinas que sou eu

Arregalando meu peito

Para o mundo que recém-nasceu

Oração pagã

Árvores soletrando seu missal

Verbo na boca do manancial

Page 36: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

PINHÉM-PINHÉM

(música de Ian Faquini, letra de Thiago Amud)

Ela vem

Na janela, vem

Na cancela, eu vou lá também

Pinhém-pinhém

E passa o trem

E eu gosto dela

Que nem de mais ninguém

Ela tem

Uma trança, tem

Fala mansa e berenguendém

Pinhém-pinhém

De dengo em dengo

Eu dou lembrança

Um doce, algum terém

Mas ontem cedo

Tinha um segredo

Que ela não revelou

Beijou-me um dedo

Morri de medo

Nosso brinquedo bom se acabou, ô

Ela é bem

Esquisita, é bem

Mais bonita que não sei quem

Porém, porém

Quando ela vem

Eu faço fita

Assim de nhenhenhem

Ela nem

Veio hoje, nem

Me avisou, gente, o que ela tem?

Belém, belém

O sino é lento

O tino foge

Não fico mais de bem

Ontem bem cedo

Tinha um segredo

Que ela não revelou

Beijou-me um dedo

Morri de medo

Nosso brinquedo bom se acabou, ô

Page 37: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

POLVO, SEREIA, FARÓIS

(letra e música de Thiago Amud composta sobre tema de Ivo Senra e Lúcio Vieira)

A razão é um molusco

De tentác'los dilatados.

Sorrateira, o que ela busca

É te cegar, camuflada.

De remotos oceanos

Vem o som dos silogismos.

Navegante, ele te engana:

Seus harmônicos te abismam.

Os faróis norteiam mastros

Mas da popa do navio

Notarás que eles te mostram

Celacantos, aporias.

Page 38: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

PROFECIA (JOÃO DE PATMOS)

(música de Vinícius Castro, letra de Thiago Amud)

Quero ver a pedra virar poço de sol

Quero ver o leito do mar tocar o céu

Ou eu vim pra ver o fim

Ou quis Deus o que de mim?

Quero ver o rei recorrer ao Grande Rei

Ver o réu moer, remoer tudo que rói

Ou já não seremos sós

Ou quis Deus o que de nós?

Há sinais

Ausências que gemem

Leviatãs no sêmen

Há punhais

Nos berços, nos esponsais

Nas manhãs de paz

Quero ver cair o capuz do grande algoz

Sob a luz do cravo, da cruz, da cicatriz

Ou aqui é o limiar

Ou pra que posso enxergar?

Quero ver o Bem se vingar

Amém

Page 39: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

RELÍQUIA

(música de Sergio Assad, letra de Thiago Amud)

Acho que o floricultor

Cuidou do principal

Deu às rosas o esplendor

Já murcho no casal

Penso que o pintor

Embora à beira do artificial

Roubou das rosas o rubor

Pra acender as faces com rubor igual

Triste quadro flagra o amor

Já no final, tal qual sol-pôr

Tempo, esse desinventor

Passou pelo casal

Sem nenhum rumor

Voaram horas mil no vendaval

E repousaram den'da cor

Dessa velha peça de um memorial

(Antepassadas vidas idas a Deus)

Nenhum colecionador

Nenhum sentimental

Acharia algum valor

No pobre do casal

Alda e Antenor

Quem sabe Julieta e Juvenal

Irão pra onde tudo for

Embrulhados numa folha de jornal

Page 40: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

REMIÇÃO DA FLOR

(música de Milena Tibúrcio, letra de Thiago Amud)

Dá-se a flor: corola, cor

E essência

Dádiva de puro amor

E urgência

Pois sua existência não

Demora

Tem a mesma duração

Do agora...

Quem tem a respiração

Precária de muito querer

Calará

Quando a flor morrer

Ah, se o tempo (e não a flor)

Caísse

E a inocência do penhor

Saísse

Ah, se houvesse a remição

Do impasse

E o jardim dessa aflição

Fanasse...

Quem faz da imaginação

O orvalho de todo porvir

Cantará

Quando a flor se abrir

Page 41: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

SEM PALAVRAS

(música de Francis Hime, letra de Thiago Amud)

Vai, meu samba, mas não fala nada

Vai calado pela madrugada

Espera a mulher destinada te aparecer

Na barra do amanhecer

No fundo de teu poder

Guardada

Se ela demorar, tem paciência

Não te exaltes que ninguém convence assim

Aprende comigo a ciência de emudecer

Palavra é pra não dizer

Promessa é pra não fazer

Silêncio é pra merecer

Clemência

Vai, meu samba, sobe mansamente

Vai como um estandarte transparente

Por sobre a cidade luzente em febril torpor

Se és meu embaixador

Desvela meu grande amor

Ausente

Mas se não valer tua constância

Caso teu silêncio não lhe alcance enfim

Aprende a não dar importância ao teu criador

E apela feito um cantor

Que jura com despudor

Em rimas cheias de ardor

E ânsia

Vai...

Page 42: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

SENHORA DAS SETE DORES

(Thiago Amud)

Ó, Mãe, lastimosa Mãe

Senhora das Sete Dores

Minguaram os meus pendores

Mas restou a minha fé

Meu sangue virou vinagre

Sou véspera de um milagre

São tantos os meus clamores

E é viva chaga a flor da fé

São minhas as vossas dores

E é toda vossa a minha fé

Page 43: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

SOL DE CLAVE

(música de Clarice Assad e Sergio Assad, letra de Thiago Amud)

O tempo não passou

Na melodia

O som cristalizou

O dia

Parado em seu revoo

Pra a noite adiar,

O sol fez a música

Irradiar

O céu virou papel

De pauta e claves

E a solfejar o céu

As aves

Foi assim

Que Deus refez

O paraíso uma vez

Ou foi talvez

Orfeu pra mim

Tocando seu bandolim

Ou querubim

Que às vezes sai

Do violão de meu pai

Page 44: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

SONÂMBULO

(música de Edu Kneip, letra de Thiago Amud)

Vou revirar os cabarés

Vou vasculhar os botequins

Marcar presença nos cafés, sim...

Baixar aos últimos confins

Vagar ao léu, desafiar

a madrugada e seus ardis

Depois querer me embriagar

pra diluir quem não me quis

Vou farejar nos calçadões

Vou enfrentar policiais

Bater ladeiras, escadões, ai...

Armar quizumba em pleno cais

Fazer furdunço, ameaçar

Mostrar do que que eu sou capaz

Depois querer me aniquilar

pra não perdê-la nunca mais

Vou, de repente, ensandecer

Deitar nos trilhos do metrô

Deixar a fome me comer

Mamar dez litros de cointreau

Sorver um gole de aguarrás

Jurar que o mundo vai ter fim

Virar manchete nos jornais

pr’ela querer voltar pra mim

Vou suplicar nos botequins

Vou rastejar nos calçadões

Lamber o chão dos cabarés, vou

me flagelar em pleno cais

Ajoelhar nos escadões

Vou respeitar policiais

Chorar baixinho nos cafés

pr’ela querer voltar atrás

Ou, simplesmente, alucinar

Incendiar meu violão

Xingar a cruz, cuspir no altar

Abrir as grades da prisão

Entrar sem roupa no quartel

Pintar a boca de carmim

Comprar um casarão no céu

pr’ela querer voltar pra mim

Page 45: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

TRANSBEATRIZ

(música de Poiko, letra de Thiago Amud)

No que eu pensar

algum radar

volúvel

pega o teu olhar

de fogo e céu

neon quasar

O teu rumor

um transistor

amplia

’té virar motor

pra me ligar

ao reator nuclear do amor

Transbeatriz

eletromotriz

de transes

e ardis

No que eu disser

sem voz sequer

‘Te amo

dínamo mulher’

posso explodir

ou derreter

O meu pudor

teu gerador

solerte

converte em calor

mas te mantém

um bólido além do além do amor

Radiação

estrela, avião

tu voas

eu não

Page 46: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

TRATAMENTO DE CHOQUE

(música de Edu Kneip, letra de Thiago Amud)

Escuta só

vou lhe contar:

fui num forró

de estropiar.

Achei que fosse um daqueles

dias de zebedeu

Baile na corte e eu um reles

bufão dublê de plebeu

Bicho da bosta da besta do bandido

e um mundaréu de marido

pra me dar pescoção

Que bela noite de sexta, que caído!

Ficar num canto enrustido

ruminando tesão...

Chegando lá, a bagaceira

era pior que imaginei

Os galalau na geladeira

as dama num fuá sem lei

Elas até davam nó

Incendiavam o salão

Eles até davam dó

Tudo de olho pidão

Falei “comigo isso não!

Vai tomá no fiofó!

Tomei um puta pifão

e me enfiei no forró!”

Nem quis saber, fui direto

aprontando tereré

Demonstrando meu afeto

pra tudo que era mulher

Sem mais nem menos, já ia me esfregando

Nem vi que vinha se armando

o mulherio contra mim

Uma me aponta: “olha aí, ta precisando!”

e era um banho, era um bando,

era porrada sem fim

Agora, manja o grau do porre

que o papai aqui tomou

Fica estirado, quase morre

mas jurando que arrasou

“No baticum fui o tal”

Foi meio assim que eu pensei

Enchi a voz de moral,

virei pros cabra e mandei:

”Vocês são tudo é gay

Page 47: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

Vocês não honram o pau!”

Daí pra frente não sei:

só acordei no hospital...

Os mulherão

no xá-xá-xá

e os marmanjão

de blá-blá-blá

Mosca da merda da mula do malfeitor,

declaro, cheio de dor:

homem tem mais que apanhar!

Page 48: OUTRAS LETRAS Canções gravadas em discos de outros artistasthiagoamud.com.br/letras-musicas/Letras-OUTRAS.pdf · Não sei quem logrou me amortalhar Calar a lira, desandar as horas

VOCÊ NÃO É LINDA

(música de Thiago Thiago de Mello, letra de Thiago Amud)

Você não é linda

Você é a própria beleza de tudo que existe

Não pode haver isso

Isto que agora é seu colo, é seu rasgo, é seu riso

Você não é isto

Um corpo que agora se move, se joga, se tolhe

Na certa há de ser outra coisa: uma ideia, uma cifra

O anúncio de uma primavera

Primeira corola entreaberta

A fim do orvalho que lhe molhe

Você não existe

Porque se existisse faria uma guerra de Tróia

E o pacificado sertão quedaria coalhado do sangue dos machos

Você aí se evolaria rajando o infinito

E os olhos do mundo arderiam de constelações impossíveis

Não pode haver isso

Isto que agora é seu beijo, é seu medo, é seu visgo

Jamais a beleza cairia na terra

Virando meu tino

Com tal violência

Você, criatura, é um tapa

Uma lapa de desinocência

Que um nume bendito maldito bendito

Verteu sobre mim feito essência

Guardada no último cântaro

E me iniciou neste rito

De ver a beleza de frente

Com olhos de crente

Você quando existe

É lua vermelha é gorjeio de ave alumbrada

É ouro de abelha é leite jorrando de pedra

É ciclo é ninhada

Maré montante do meu sonho

Nó cego, eixo do destino

(Não posso ver isto)

Menina, seu rosto encantado

Se existe, sou eu que inexisto:

Caí na caldeira do Outro

Beijando o coração do Cristo