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OSWALDO LEITE EM LONDRINA (1950): PEQUENA BIOGRAFIA.
Fernanda Cequalini Frozoni Orientadora: Zueleide Casagrande de Paula.
Mestranda História Social (UEL) - Bolsista CAPES.
Neste artigo pretende-se apresentar quem foi Oswaldo Leite, por meio de uma breve biografia. Almeja-se expor um pouco do seu trabalho enquanto fotógrafo, durante a década de 1950 em Londrina (PR), e sua contribuição para a história local, como forma de repensar o período selecionado. Nos anos 1950, Londrina vivia o auge do cultivo cafeeiro, o que trouxe muito dinheiro à cidade e também acarretou muitas mudanças. O que antes era uma cidade com características rurais, passa a se transformar em um lugar antenado às tendências de arquitetura e urbanismo modernos. Será justamente esta transformação um dos principais temas das fotografias de Leite. Ainda é preciso dizer que as biografias são uma forma de se mostrar o interesse pelo “outro”, dentro das pesquisas historiográficas, e podem ajudar a fazer leituras críticas sobre um período ou um personagem que se destacou. Palavras-chave: Oswaldo Leite, Londrina, Biografia.
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O objetivo deste texto é mostrar um pouco da vida do fotógrafo
Oswaldo Leite, e o trabalho que este desenvolveu na Prefeitura Municipal de Londrina
(PR), durante os anos 1950.
Portanto, descobrir e apresentar quem foi Oswaldo Leite constitui-se o
problema central deste artigo. Não existem trabalhos específicos sobre ele, e suas
fotografias começaram a ser descobertas há pouco tempo, sendo mais utilizadas em
pesquisas acadêmicas27.
Recentemente, as imagens de Leite também vêm sendo empregadas
em exposições locais, como a localizada no Terminal Rodoviário de Londrina, em um
painel com diversas fotos que fica ao lado das esteiras rolantes, implantadas em 200928.
Este é uma espécie de acolhida aos passageiros que chegam à cidade pela rodoviária, e
nele podem ser vistas fotografias de diversos autores, em diferentes períodos: desde a
fundação de Londrina na década de 1930, até mais recentes.
Também vale dizer que existe uma rua, chamada Oswaldo Leite, em
sua homenagem. A mesma está localizada no bairro Marajoara, em Londrina, e sua lei
foi sancionada em 18/06/199629.
No entanto, não há registro de nenhum trabalho específico sobre
Oswaldo Leite e suas fotografias até o momento. As únicas fontes sobre ele são a
memória de seu filho Otacílio Leite; os documentos de registro do seu trabalho na
Prefeitura Municipal; e suas próprias fotografias, que se encontram arquivadas no
Museu Histórico Padre Carlos Weiss, em Londrina30.
27Exemplos destas pesquisas são: FROZONI, Fernanda C. Bosque Marechal Cândido Rondon (1950-
1970): Referência e Patrimônio londrinense? Monografia de especialização em História Social, pela Universidade Estadual de Londrina. 2010; SILVA, Sara Hermógenes e BONI, Paulo César. Avenida
Higienópolis: um retrato da burguesia londrinense nas décadas de 30, 40,50 e 60. In: Anais VII Encontro Nacional de História da Mídia. 19 a 21/08/2009, Fortaleza. 28Informação obtida no site do Jornal União: <http://www.jornaluniao.com.br/noticias.php?editoria=¬icia=OTcy>. Acesso em 20/03/2014, às 09h30min. 29 Para maiores informações sobre a nomeação desta rua, ver a Lei Municipal n. 6.643 de 18/06/1996. 30 O acervo de fotografias de Oswaldo Leite, no Museu Histórico, é fruto de duas doações: uma da Prefeitura Municipal, e outra de Otacílio Leite. As fotografias doadas pela Prefeitura já se encontram
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Sendo assim, é preciso expor o que a pesquisa localizou até o
momento sobre este homem. Oswaldo Leite nasceu em Itu, interior de São Paulo, em
28/09/1921, filho de Manoel Leite e Luiza Leite. Seus pais eram pessoas de posse,
donos de uma fazenda. Eles vieram de Muriaé, Minas Gerais, e posteriormente se
instalaram em Itu- SP. Como Leite não gostava do ofício de administrar e cuidar da
fazenda, acabou se dedicando a outros serviços. Trabalhou como açougueiro e serviu o
Exército por dois anos (desde os 18 anos de idade) quando ainda morava no interior
paulista. No entanto, Oswaldo nunca estudou, também não frequentou escola, mas sabia
ler e escrever.
Sua vinda para Londrina ocorre logo após seu casamento em
03/12/1941, acompanhado da esposa Maria Vizzi Leite e de seus sogros. Aliás, Leite
veio para Londrina por influência deles. Seu sogro era pedreiro, e ouviu falar sobre o
progresso da cidade e as oportunidades de emprego. Com isso, toda a família se
mudaria para Londrina, inclusive sua namorada. Sendo assim, Leite se casa com ela, e
vem também para a cidade.
No entanto, é importante dizer que Leite não possuía as mesmas
ambições de seu sogro, que, aliás, era uma ambição bastante comum na época, por
Londrina estar em franco crescimento: vir para a nova cidade ganhar dinheiro. Segundo
Otacílio Leite, ele veio somente por causa de sua namorada, com quem acabou se
casando.
Seu primeiro trabalho em terras paranaenses foi como pedreiro,
acompanhando seu sogro. Mas pouco tempo depois é convidado, pelo então prefeito
Willie Davids, a trabalhar na Prefeitura Municipal, onde assume um cargo na Secretaria
de Obras e Urbanismo. De acordo com Otacílio Leite, este convite teria sido feito
porque Oswaldo era um bom jogador de futebol, e ajudaria a compor o time da
Prefeitura Municipal. Sendo assim, ele ajudava o time de futebol local, e ganhava um
emprego em troca. Segundo sua ficha funcional, ele foi admitido pela Prefeitura
digitalizadas e devidamente acondicionadas, e as de Otacílio Leite ainda estão passando por este processo, dado que o volume de fotografias deste acervo é muito grande.
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Municipal londrinense em 01/02/1942, portanto aos 21 anos, na função de fiscal de 3ª
zona.
Sendo assim, esta breve biografia acaba demonstrando o interesse
existente pelo “outro” nas pesquisas historiográficas, mesmo que ele não seja alguém
renomado. Uma biografia, segundo Alexandre de Sá Avelar, é um relato sobre uma
vida. Depois de ser lida, as pessoas formam suas opiniões sobre esta vida, o que permite
o surgimento de dúvidas e questionamentos. Logo, uma biografia é diferente de uma
obra ficcional, por ter também seus critérios e métodos científicos:
Deve o biógrafo explicitar aos leitores as razões da escolha do personagem biografado, a natureza objetiva do seu empreendimento, suas metodologias de trabalho, fontes, conceitos e as perguntas que fará. Expor, portanto, as credenciais que legitimam sua participação neste ‘contrato de leitura’ com seus leitores. Elas supõem que o seu texto será distinto de uma obra ficcional, pois poderá ser posto à prova de verificação pelos critérios e métodos do estudo científico (AVELAR apud DOSSE 2012, p.76).
E justamente por cada um poder formar uma imagem diferente do
personagem biografado é que, para Adriana Barreto de Souza, “o que se obtém por meio
das biografias – e talvez por isso elas ainda possam incomodar – é uma imagem da
escrita da história e do devir social como obra aberta, em perpétua transformação e
definida por dispositivos e dinâmicas interativas” (2012, p.147).
Além disso, é fundamental dizer que mesmo não sendo personagens
conhecidos, os sujeitos biografados têm sua importância. No caso de um fotógrafo
como Oswaldo Leite, através de sua biografia pode-se compreender melhor, por
exemplo, as técnicas fotográficas do período em que atuou, dados sobre a arte do seu
ofício, além de permitir entender um pouco mais sobre a história local. Para Boris
Kossoy, fotógrafos desconhecidos, ainda não estudados, como Oswaldo Leite, são
muito importantes porque:
Basicamente [...] estes representam a massa dos artesãos da imagem, jamais mencionados por qualquer história. A investigação destes fotógrafos provoca avanços significativos tanto na área da fotografia em sua história própria, como no que toca à memória histórica e
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fotográfica do país, proporcionando, em suma, novos dados para o conhecimento do passado (2007, p.66).
No entanto, de acordo com Alexandre de Sá Avelar, os historiadores
devem ficar muito atentos ao escreverem biografias para não caírem na armadilha de
“formatar seus personagens e de induzir o leitor à expectativa ingênua de estar sendo
apresentado a uma vida marcada por regularidades, repetições e permanências” (2010,
p.162). Afinal, uma vida não pode ser narrada de maneira tão linear, pois ela tem vários
aspectos, altos e baixos, e isso não consegue ser esgotado ao se definir uma identidade,
uma única representação.
E também é preciso esclarecer que o objetivo de uma biografia não
deve ser fazer revelações bombásticas, ou mostrar o biografado por um ângulo
totalmente inusitado. Importa mais sugerir respostas para questões como o
funcionamento de alguns mecanismos sociais, a pluralidade por detrás de certos grupos
e instituições tidas como homogêneas, a liberdade que as pessoas tinham em
determinadas épocas (AVELAR apud SCHIMIDT, 2010, p.169). Assim, uma biografia
permite compreender o passado de uma maneira plural, sem paisagens monolíticas, que
ao valorizar os atores sociais, alarga a compreensão do passado, sem deixá-lo como uma
unidade dada e coerente, mas o mostrando como um campo de conflitos e construção de
projetos de vida (AVELAR, 2010, p.170).
Voltando a falar sobre Oswaldo Leite, durante os anos 1950 ele
passou a exercer as funções de escriturário e oficial administrativo dentro do D.O.P
(Depto de Obras e Planejamento) na Prefeitura Municipal. E é nesta época que ele inicia
suas atividades fotográficas, se tornando, de acordo com Otacílio Leite, o primeiro
fotógrafo da Prefeitura Municipal londrinense31.
Neste momento, Londrina passava por diversas transformações em
sua paisagem, com constantes reformas e construções por toda a cidade. Tudo isto se
31 Esta informação também pode ser encontrada no livro de memórias: NUNES, José Luiz Alves. Londrina! Cidade de Braços Abertos. O olhar de um pé-vermelho da segunda geração. Londrina: Ed. Do autor, 2010.
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deve, em boa parte, ao crescimento econômico na região norte paranaense32 como um
todo, principalmente pelo cultivo de café. Isto pode ser notado no jornal Folha de
Londrina. É constante a referência neste periódico à cidade e à região como símbolos de
progresso. Um exemplo é o texto publicado na edição de 05/08/1956, na sessão
Educação e Cultura, intitulado “O progresso invade o setentrião”. Nele, Galdino
Moreira Filho diz que o progresso em toda a região norte paranaense tem sido
expressivo, e nunca será demais dizer que esta região pode ser considerada o celeiro do
estado. Tamanho seu grau de adiantamento econômico e cultural:
Para o observador atento, que viaja por essa imensa região, a transformação que se verifica é espantosa e dia a dia novas conquistas vão sendo alcançadas. É uma cidade que cresce, asfaltando suas ruas ou construindo prédios modernos. É a outra que se destaca por sua produção agrícola ou que inicia a pequena indústria. Enfim, sob aspectos variados, a região se expande, se atira à novas conquistas, se engrandece e se coloca numa posição de vanguardeira dentro do próprio Estado. (...) Por isso, não temos receio de proclamar que “O progresso invade o Setentrião”, colocando-o na posição que realmente deve ocupar dentro do Estado (Folha de Londrina, 05/08/1956, Sessão Educação e Cultura).
Juntamente a esta ideia de progresso, também era marcante a ideia de
modernização nesta região. O historiador Rogério Ivano mostra bem esta junção entre
modernização e progresso, sobretudo na mentalidade dos londrinenses: “Enterrava-se,
no tempo e no espaço, a memória da região como sertão, como lugar de ‘bugres’,
peçonhas e feras. Acreditava-se no progresso como dogma, aceitava-se o sentimento de
perda que ele trazia, Não fosse assim, este mesmo progresso nascia natimorto (2000,
p.88)”.
Assim, na década de 1950 muitos passam a vir para a região em busca
de uma melhor condição de vida, como foi o caso dos próprios sogros de Oswaldo
Leite. Especificamente em Londrina, a primeira planta da cidade, projetada no início
dos anos 1930 e que definia os seus limites, não mais contemplava o desenho da cidade
e seu perímetro nos anos de 1950. Segundo Ivano, Londrina se torna além de uma 32 O conceito de Norte do Paraná é uma construção elaborada por alguns historiadores paranaenses a partir do reconhecimento da região cujo processo de (re) ocupação foi realizado pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), como sendo o Norte, segundo Tomazi (TOMAZI, Nelson D. Norte do
Paraná: História e Fantasmagorias. Tese. Universidade Federal do Paraná - UFPR, Curitiba. 1997).
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central onde se compravam e vendiam terras e café, uma cidade prestadora de serviços,
agregando diversas funções, de centro comercial a centro administrativo e de
comunicações:
Londrina ia dotando-se de um papel exemplar, chamando para si diversas responsabilidades: era centro comercial e industrial; lugar de trabalho e consumo; era centro administrativo, reunião dos serviços públicos e da inesgotável burocracia; era centro de comunicações, ponto de partida e chegada de gentes e mercadorias (2000, p.90).
A cidade, assim, cresceu e se modificou nesta década, e sua área
central também sofreu alterações. Os maiores sinais destas mudanças são as casas de
madeira33 substituídas por novas edificações: os prédios e as residências de luxo em
alvenaria, ocupados pelas pessoas mais ricas, que eram os grandes comerciantes e os
donos das fazendas de café; as ruas que antes não tinham calçamento e passam a ser
asfaltadas e pavimentadas; e as obras de saneamento.
A partir disso, passa-se a defender que era preciso reorganizar a
cidade de fato, e deixá-la com ares mais modernos, acabando com os contrastes,
principalmente nas áreas mais nobres, como o centro. Logo, precisava ser excluído tudo
o que maculava a imagem londrinense: a prostituição, os jogos, as casas de madeira na
região central, colocando cada coisa em seu lugar. Só assim seria possível conter o
crescimento desordenado da cidade (ARIAS NETO, 1998).
E foi justamente esta transformação que Oswaldo Leite captou com
suas fotografias. Abaixo, podem ser vistas três imagens da década de 1950, que retratam
exatamente estas mudanças34.
A primeira fotografia mostra o asfaltamento de uma parte da Rua
Sergipe, na região central da cidade, em 1958. Havia muita reclamação dos moradores
na época sobre as ruas sem calçamento, que em dias de sol formavam muita poeira, e
33 Para maiores informações sobre as casas de madeira na cidade de Londrina, ler o artigo: “Casas de Madeira em Londrina”, de Antonio Carlos Zani. In: GAWRYSZEWSKI, A. Patrimônio histórico e
cultural da cidade de Londrina – PR. Londrina: LEDI, 2011. 34 Leite tem um acervo muito grande, porém, como o espaço aqui destinado é reduzido, não conviria apresentar um grande número de fotografias. Por este motivo, foram selecionadas apenas três imagens.
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em dias de chuva, se transformavam em um lamaçal35. Sendo assim, a Prefeitura
Municipal inicia um trabalho de pavimentação de algumas vias da cidade. Algumas
receberam asfalto, como é o caso da imagem apresentada; outras foram calçadas com
paralelepípedos; e outras só tiveram seu calçamento em paralelepípedo renovado36.
Sendo assim, pode-se dizer que a administração municipal deste
período, ao asfaltar algumas ruas, se mostra antenada às mais recentes técnicas de
urbanização. Esta era uma técnica nova, e provavelmente bastante cara, dado que até
hoje este é um processo que exige grandes despesas.
35 Sobre este aspecto das ruas da cidade de Londrina, ver: <http://londrinahistorica.blogspot.com.br/2011/05/quando-nao-era-lama-era-o-po.html>. Acesso em 23/04/2014, às 14h30min. 36 É importante dizer que boa parte das obras feitas nesta década ocorreram na região central da cidade e, por isso, as fotografias de Leite aqui selecionadas retratam esta área urbana.
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Na imagem selecionada, é possível perceber que o foco de Leite era o
trabalho feito pelos homens que jogam a massa asfáltica sobre o chão, já que eles estão
centralizados. Os mesmos se vestem com roupas simples: calça, camisa, chapéu e
sapatos fechados. Também se nota que havia calçada para os pedestres neste ponto. E
em segundo plano, é visível um homem que atravessa a rua segurando uma bicicleta,
meio de locomoção bastante comum no período; um comércio na esquina com algumas
pessoas em frente, observando o serviço de asfaltamento; e duas mulheres segurando
guarda-chuvas, e usando vestidos, que também observam os homens a trabalhar. Abaixo
das duas mulheres ainda é notável um caminhão. Os veículos podem ser considerados
um símbolo desta época, pois foi quando passaram a ser fabricados no país, a partir da
implantação do Plano de Metas, pelo presidente Juscelino Kubitscheck. E possuir um
veículo dava status, por ser um bem de alto custo, transmitindo, portanto, a ideia de
riqueza e poder. Logo, o que Oswaldo Leite acaba mostrando com suas fotografias é a
ideia de progresso, altamente presente em Londrina neste momento. Ao mostrar uma
rua sendo asfaltada, se passa uma noção do crescimento da cidade, transformação do
que antes era uma mata fechada, um sertão, como afirmou Ivano, em uma cidade
propriamente dita, e em um espaço de progresso.
Imagem 01: Asfaltamento na Rua Sergipe. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Fotógrafo: Oswaldo Leite. Dezembro de 1958.
Já nas imagens 02 e 03, se nota a construção de uma estação de
tratamento e de um reservatório de água. Portanto, além de obras de infraestrutura
urbana, a administração municipal se preocupou em realizar obras de saneamento
básico. Tais construções funcionam até os dias de hoje, e se encontram em plena região
central da cidade. Isto mostra que as obras feitas também tinham um caráter higienista.
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Prova disso, foi a decretação da lei municipal de número 133, que propunha sanear e
organizar a cidade que crescia de maneira desordenada. 37 E muitas destas acabaram
indo de encontro a este propósito.
Além disso, é preciso lembrar que até os dias de hoje há cidades que
contam com uma baixa parcela de saneamento, e em plena década de 1950, já se
pensava nisso em Londrina. Mostrando, portanto, mais uma visão do progresso da
cidade captada por Leite.
Imagem 02 (esquerda): Acervo do Museu Histórico de Londrina. Construção de estação de tratamento. Fotógrafo: Oswaldo Leite. 18/03/1952. Imagem 03 (direita): Reservatório de água da Avenida Higienópolis. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Fotógrafo: Oswaldo Leite. 21/11/1955.
Na imagem 02, feita em 18/03/1952, há uma visão da construção da
estação de tratamento de água na Rua Antonina (atual Avenida Juscelino Kubitscheck).
Pode ser notada uma casa de madeira ao lado esquerdo, que provavelmente serviria para
guardar os instrumentos dos trabalhadores e os materiais utilizados na construção; e no
plano de fundo aparecem mais dois telhados bem próximos à estrutura em obras.
37 Sobre as teorias higienistas aqui citadas ler: DAMASIO, Claudia P. A construção e a imagem da cidade-progresso em Porto Alegre na virada do século. In: SOUZA, C. F.; PESAVENTO, S. J. Imagens
Urbanas: Os diversos olhares na formação do imaginário urbano. 2ª ed. Porto Alegre: UFRGS, 2008. E sobre a lei municipal 133, ver: LIMA, Fausto C. de. Prestes Maia em Londrina: Moderno em que Sentido? 2001. Dissertação (Mestrado em Arquitetura/Urbanismo)- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, São Paulo.
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Também se vê muitos materiais de construção pelo chão e pedaços de tábua, além de
diversos homens trabalhando, e uma espécie de empilhadeira no plano de fundo,
levantando algo que lembra um bloco de concreto. O que chama bastante a atenção é o
tamanho da construção, que se sobressai no cenário, praticamente dominado por
árvores, como se o concreto se sobrepusesse à vegetação. Esta ideia da superioridade
representada pelo concreto mostra que ele era um indicador do progresso da cidade,
acabando por também representar o moderno, a civilidade38.
E na imagem 03, captada em 21/11/1955, há diversos homens trabalhando; uma
casa ou barracão de madeira ao fundo, dentro do espaço das obras; diversos telhados
atrás do local da construção, o que indica que este local já era bastante habitado nesta
década, ao contrário do espaço da imagem 02, onde se vê um descampado no plano de
fundo da fotografia. É interessante notar que ambos se encontram na região central, e as
fotografias tem diferenças de apenas 03 anos entre si. Isto pode indicar as mudanças
rápidas que estavam acontecendo nesta área, ou ainda as diferenças existentes dentro
desta mesma região.
Além disso, também se nota um caminhão da Prefeitura Municipal no
plano de fundo, e é possível ver postes de luz e árvores; tábuas circundando todo o
barranco e pelo chão, escadas de madeira, e vários poços de água e carriolas. Chama a
atenção a quantidade de trabalhadores presentes na imagem, o que demonstra certa
urgência em se finalizar as obras de saneamento, ou ainda a agilidade das obras feitas
pela Prefeitura Municipal, dando respaldo à população.
De qualquer maneira, tanto a imagem anterior como esta, mostram
mais uma visão do crescimento, do progresso londrinense na década de 1950, onde a
cidade se transformava. E Leite consegue captar exatamente estas transformações, e é
este um dos motivos que tornam seu trabalho como fotógrafo importante para a história
local, já que ele ajuda a contá-la por uma perspectiva diferente, através das imagens que
produzia.
38 Esta ideia de progresso e modernidade expressa a partir dos materiais de construção utilizados em determinados períodos, também pode ser vista em PAULA, Zueleide Casagrande de. A cidade e os
Jardins. São Paulo: Editora UNESP, 2008.
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Assim, observando as fotografias feitas por Leite, pode-se dizer que
ele registrou todo este processo de transformação, já que a maior parte de suas imagens
mostram as obras que ocorriam pela cidade, e justamente as obras de infraestrutura
urbana, como calçamento e saneamento. Elas representam a maior parte de suas
imagens dentro do acervo do Museu Histórico. Além disso, é preciso dizer que o olhar
de Leite era bastante metódico, e ele não se utilizava de muitas técnicas na hora de fazer
as imagens. Seu interesse era fotografar as obras, e fazer disso um registro para a
posteridade, segundo Otacílio Leite.
A partir deste panorama da década de 1950, percebe-se também que o
discurso de progresso e modernização era muito recorrente. Mas, apesar de toda a fama
de prosperidade, Londrina tinha muitos problemas. Quem acabou pagando pelo
crescimento e por todas as obras feitas pela cidade, por exemplo, foi a parcela mais
pobre da população, através de impostos, conforme apontou a pesquisa de José Miguel
Arias Neto (1998). E segundo Sonia Adum, apesar de todo o progresso londrinense,
havia também a barbárie. A cidade tinha um outro lado que caminhava juntamente com
o progresso, mas era desordenado, contrário à modernização, e que ia, portanto, contra o
desejo das elites do período:
Todo este movimento do “moderno” e do “progresso” mostrava um dos lados da questão. A seu lado caminhava a “barbárie”. Junto aos prédios modernistas, uma profusão de novos bairros periféricos, sem nenhuma infraestrutura, bem como a proliferação de espaços decaídos da cidade, causavam um “mal-estar na civilização”. A contrapartida dos marcos arquitetônicos modernos era, portanto, a grande quantidade de homens que chegava e se alojava em espaços periféricos, ou se amontoava em espaços “decaídos” (1991, p194-195).
Isso mostra que as disparidades continuaram existindo durante a década de 1950.
A diferença é que os “problemas” foram afastados para as áreas periféricas da cidade. E
é neste meio efervescente que trabalhava o fotógrafo Oswaldo Leite, retratando as
mudanças por que Londrina passava.
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Para tanto, ele utilizava a máquina fotográfica da própria Prefeitura
Municipal, uma Yashica Mat39. E, além disso, Leite não teve nenhum mentor,
responsável por ensiná-lo a fotografar. Simplesmente o fez, segundo afirma Otacílio
Leite, porque considerava importante registrar as obras que ocorriam na cidade, e isto
também o auxiliaria no trabalho que desenvolvia internamente na Prefeitura Municipal.
Durante os anos em que ali trabalhou, Leite se aposenta e volta à
atividade por duas vezes. Em 21/02/1967, há o primeiro registro de aposentadoria
dentro da ficha funcional, no entanto, na década de 1970 ele volta a trabalhar, sendo
nomeado em comissão para exercer a função de Assistente dentro da Secretaria de
Urbanismo, Obras e Viação, em 31/12/1970. E nesta mesma década consta, ainda em
sua ficha funcional, pela 1ª vez, seu registro como fotógrafo, em 01/02/1977, com 8
horas de trabalho por dia, recebendo 16,67 Cruzeiros por hora.
Já em 04/11/1986, há menção a um novo pedido de aposentadoria,
desta vez por idade. E seis anos mais tarde, em 1992, ele volta a trabalhar na Prefeitura
Municipal, reclassificado como oficial administrativo.
Leite continua trabalhando na Prefeitura Municipal até 1995, quando
falece, aos 74 anos de idade. Durante sua vida de trabalho de mais de 50 anos (de 1942
a 1995), recebeu diversos elogios dos prefeitos, que constam em sua ficha funcional. Na
década de 1950, por exemplo, Milton Ribeiro Meneses “determinou que ficasse
constando, com o devido destaque, nota elogiosa pela maneira exemplar com que
sempre se houve no exercício de suas funções”; e Antonio Fernandes Sobrinho
“determinou que contasse dos assentamentos individuais, voto de louvor pela
cooperação eficiente, maneira irrepreensível, competência, assiduidade, e zêlo nos
serviços a êle feitos”. Sendo assim, Leite se mostrava um bom funcionário de acordo
com esta descrição feita pelos dois prefeitos da década de 1950, além de contar com
certo prestígio em seu ambiente de trabalho, já que ele aparece algumas vezes listado
para integrar comissões de inquérito que apuravam irregularidades de funcionários da
própria Prefeitura Municipal, como consta em sua ficha funcional.
39 Informação cedida pelo funcionário da Prefeitura Municipal José Luiz Alves Nunes.
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E, pelos vencimentos registrados, pode-se dizer que Leite recebia um
salário razoável, sempre maior que os salários mínimos, durante os anos em que
trabalhou como funcionário público40. Por exemplo, o vencimento de 5.000 Cruzeiros
registrado em 1952, é quatro vezes maior que o salário mínimo nacional deste ano, que
era de 1.200 Cruzeiros. E assim também ocorre com o salário de 19.500 Cruzeiros em
1960, dez vezes maior que o salário mínimo nacional do período, de 9.600 Cruzeiros.
No entanto, seu filho Otacílio afirma que os rendimentos nunca foram muito altos na
Prefeitura, e Oswaldo se aposentou ganhando muito pouco. Por este motivo, ele volta a
trabalhar por duas vezes após pedir aposentadoria.
Também é notável seu crescimento ao longo do tempo dentro da
secretaria em que trabalhava: de fiscal, ele passa a escriturário, oficial administrativo e
posteriormente fotógrafo. No entanto, permaneceu a maior parte dos anos dentro da
mesma repartição: a secretaria de obras e de urbanismo, sendo lotado raramente em
departamentos como o de Água e Esgoto, em 31/12/1959, e mesmo assim, não deixava
de prestar seus serviços ao Departamento de Obras e Planejamento (D.O.P.).
Isto denota, por fim, que sua função de fotógrafo não foi exclusiva
durante a maior parte do tempo em que trabalhou para a Prefeitura Municipal. Ele a
exercia, assim como afirmou seu filho, mais por curiosidade e a fim de auxiliar em suas
tarefas dentro da Secretaria de Obras. Os prefeitos, por sua vez, acabavam se
interessando pelas imagens feitas por Leite, e as utilizavam em jornais, fazendo
propagandas para sua administração41.
No entanto, segundo Otacílio Leite, Oswaldo sempre se interessou por
fotografias, e tinha a ideia de que era importante fotografar para documentar, tendo um
40 Sobre o valor dos salários mínimos para cada época, ver o site: <http://www.gazetadeitauna.com.br/valores_do_salario_minimo_desde_.html>. Acesso em 20/03/2014, às 09h25min. 41 Um exemplo desta utilização é a sessão intitulada “Dois anos de um govêrno que realiza!”, que constava com diversas imagens de Leite, e foi publicada em dezembro de 1957, no jornal Folha de Londrina. Para mais informações sobre esta sessão do jornal e as imagens utilizadas de Oswaldo Leite, ver o artigo: FROZONI, Fernanda C. “Dois anos de um govêrno que realiza!”: As fotografias de Oswaldo Leite e sua relação com o poder público em Londrina (PR). Disponível em: <http://www.uel.br/pos/mesthis/XIVSemanaHistoria/AnaisVIISeminarioPesquisaPPGHS19032014.pdf>. Acesso em 23/04/14, às 14h15min.
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registro para a posteridade. E foi exatamente isto o que ele fez: mesmo sem ter nenhum
mentor, que o tenha ensinado a utilizar a máquina fotográfica, ele registrava o seu
trabalho, tentando sempre legendar e datar as imagens que fazia, com o intuito de
preservar uma memória. Logo, Oswaldo não nasceu fotógrafo, ele se tornou. Sua
formação fotográfica ocorreu de maneira amadora. Isto tudo devido à curiosidade e ao
interesse em facilitar seu trabalho, já que na década de 1950 Londrina passava por
diversas reformas e construções em toda a cidade, e seu trabalho era justamente no
Departamento de Obras.
Com tudo isso, cabe dizer que a partir de suas imagens, é possível se
ter uma visão diferenciada deste período tão importante para a história local, pois elas
mostram uma ideia muito presente, e que definia a cidade neste momento que era a ideia
de progresso, transformação e crescimento. E juntamente com sua biografia, pode-se
entender, então, por que Leite começou a fotografar, e o que o movia a fazer estas
imagens, que hoje são capazes de nos mostrar uma visão diferenciada da história local.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1930, 1975. Londrina: Eduel, 1998. ADUM, Sonia Maria Sperandio Lopes. Imagens do Progresso: Civilização e Barbárie em Londrina – 1930/1960. 1991. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Estadual Paulista, Assis. AVELAR, Alexandre de Sá. A biografia como escrita da história: possibilidades, limites e tensões. In: Dimensões. Vol. 24, 2010. Pp. 157-172. ________ Escrita da história, escrita biográfica: das possibilidades de sentido. In: AVELAR, Alexandre de Sá; SCHMITD, Benito Bisso. (Org.) Grafia da vida: Reflexões
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