os seis signos da luz - susan cooper

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“oi então, sem aviso, que o medo veio. A primeira onda o pegou enquanto ele estava atravessando a sala até sua cama. Fez com que ele ficasse paralisado no meio do quarto, o uivo do vento do lado de fora enchendo seus ouvidos. A neve chicoteou contra a janela. Repentinamente Will estava mortalmente frio...”

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(The Dark is Rising)

Livro 2 de 5 na série "The Dark is Rising"

Susan Cooper

Tradução Não Oficial: Eduardo A. Chagas Jr.

“ oi então, sem aviso, que o medo veio. A primeira onda o pegou

enquanto ele estava atravessando a sala até sua cama. Fez com que ele ficasse

paralisado no meio do quarto, o uivo do vento do lado de fora enchendo seus

ouvidos. A neve chicoteou contra a janela. Repentinamente Will es tava

mortalmente frio . . .”

ARTE UM: O ACHADO

éspera do Solstício de Inverno

ia do Solstício de Inverno

Buscador dos Signos

Andarilho no Antigo Caminho

ARTE DOIS: O APRENDIZADO

éspera de Natal

Livro de Gramarye

raição

ia de Natal

ARTE TRÊS: O TESTE

Chegada do Frio

Hawk no Escuro

Rei do Fogo e Água

Caçador Cavalga

União dos Signos

1

ARTE UM: O ACHADO

éspera Do Solstício De Inverno

“Demais!” James gr itou, e bateu a porta atrás dele. “O Quê?” disse Will.

“Crianças demais nessa famíl ia, é isso. Simplesmente demais.” James f icou fumaçando

na plataforma intermediár ia da escada como uma pequena locomotiva furiosa, então

andou rápido até o peitoril da janela e olhou para o jardim. Will colocou de lado seu

livro e ergueu suas pernas para abrir espaço. “Eu pude ouvir toda a gritar ia,” disse ele,

de pernas encolhidas.

“Não foi nada,” disse James. “Apenas a estúpida Bárbara novamente. Mandando.

Pegue isso, não toque naquilo. E Mary apoiando, rindo, rindo, rindo. Você poderia

pensar que essa casa era grande o bastante, mas sempre tem gente.”

Os dois olharam pela janela. A neve jazia f ina e irregular sobre o mundo. Aquele

enorme devastado cinza era a grama, com as árvores irregulares do pomar além ainda

negras; os quadrados brancos eram os telhados da garagem, do velho celeiro, das gaiolas

dos coelhos, das gaiolas das galinhas. Mais a trás havia apenas os campos planos da

fazenda dos Dawsons, com turvas faixas brancas. O céu todo estava cinza, cheio de mais

neve que se recusava a cair. Não havia cor em lugar a lgum.

“Quatro dias para o Natal,” disse Wil l. “Eu gostar ia que nevasse direito .”

“E o seu aniversário é amanhã.”

“Humm.” Ele ia dizer aqui lo também, mas teria s ido muito mais como um

lembrete. E o presente que mais deseja va em seu aniversário era algo que ninguém

poderia dar a ele: Era neve, l inda, profunda, cobertora neve, e ela nunca veio. Pelo

menos esse ano havia o chuvisco cinza, melhor do que nada.

Ele disse, lembrando de uma obrigação: “Ainda não alimentei os coelh os. Quer

vir?”

De botas e agasalhados, eles andaram pesadamente pela comprida cozinha. Uma

orquestra s infônica estava saindo do rádio; a irmã mais velha deles, Gwen, es tava

cortando cebolas e cantando; sua mãe estava curvada com um largo sorriso e com o r osto

vermelho sobre um forno. “Coelhos!” ela gritou, quando ela os avistou. “E um pouco

mais de feno da fazenda!”

“Estamos indo!” Will gri tou de volta . O r ádio soltou um súbito barulho pavoroso

de estática assim que ele passou pela mesa. Ele pulou. A senh ora Stanton berrou,

“ABAIXE ESSA COISA .”

Do lado de fora, estava repentinamente mui to calmo. Will retirou um balde de

grãos da caixa no celeiro com cheiro de granja, que na verdade não era celeiro algum,

mas uma comprida construção baixa com um a cobertura de telhas, que uma vez foi um

estábulo. Eles caminharam através da neve f ina até a f ile ira de pesadas caixas de

madeira, deixando escuras marcas de pés no chão congelado.

2

Abrindo as portas para encher as caixas para comida, Will passou, f ranzindo o

rosto . Normalmente os coelhos estar iam amontoados sonolentos nos cantos, apenas os

famintos vindo em frente ta teando com o nariz para comer. Hoje eles pareciam inquietos

e nervosos, movendo-se para f rente e para trás, batendo contra suas paredes de madeira;

um ou dois até saltaram para t rás alarmados quando ele abriu suas portas. Ele foi até o

seu coelho favorito , chamado Chelsea, e tentou coçar carinhosamente atrás das orelhas

dele, como de costume, mas o animal afastou -se e encolheu-se em um canto, os redondos

olhos rosados olhando f ixamente vazios e aterrorizados.

“Ei!” disse Will, per turbado. “Ei James, olha isso. Qual é o problema com ele? E

com todos eles? '

“Eles parecem muito bem para mim.”

“Bem, para mim não parecem. Todos estão agitados. Até mesmo Che l sea. Ei,

vamos lá, garoto ” – Mas isso não fez bem algum.

“Engraçado,” disse James com leve interesse, observando. “Ouso dizer que suas

mãos cheiram mal. Você deve ter tocado algo que eles não gostam. Do mesmo modo que

cães e erva-doce, ou o contrário.”

“Não toquei em nada. Para dizer a verdade, Tinha acabado de lavar as mãos

quando vi você.”

“Então aí está,” James disse rapidamente. “Esse é o problema. Eles nunca

sentiram o seu cheiro limpo antes. Provavelmente todos morrem de choque.”

“Ha, muito ha.” Will o atacou, e eles se engalf inharam, sorrindo, enquanto o balde

vazio caiu no chão fazendo barulho. Mas quando ele olhou para trás ao saírem, os

animais continuavam se movendo dist raidamente, ainda sem comer, olhando para ele com

aqueles es tranhos olhos assustados.

“Deve ter uma raposa por per to de novo, eu acho,” disse James. “Lembre -me de

dizer para Mãe.” Nenhuma raposa poderia chegar aos coelhos, em sua f ile ira f irme, mas

as galinhas eram mais vulneráveis; uma família de raposas havia entrado em um dos

galinheiros no inverno anterior e carregou seis aves bem gordas pouco antes da época de

venda aos mercados. A Sra. Stanton, que contava com o dinheiro das galinhas a cada ano

para a judar a pagar por onze presentes de Natal, f icou tão furiosa que depois manteve

vigília no celeiro f rio por duas noites , mas os vilões não retornaram. Will pensou que se

ele fosse uma raposa ter ia mantido distância também; sua mãe podia ser casada com um

joalheiro, mas com gerações de fazendeiros de Buckinghamshire antes dela , ela não era

brincadeira quando os velhos instintos eram desper tados.

Arrastando o carrinho, uma ger ingonça feita em casa com uma barra unindo seus

eixos, ele e James f izeram seu caminho descendo a curva do caminho cheio de vegetação

e seguindo pela est rada até a Fazenda Dawsons. Rapidamente passando pelo terreno da

igreja, suas grandes árvores Teixo escuras curvando -se sobre a parede em ruínas; mais

lentamente pela Floresta das Gralhas, na esquina da Church Lane. A grande faixa de

árvores de castanha da índia, barulhentas com o grito das gralhas e entulhadas com a

desordem de seus ninhos que se espalhavam, era um dos lugares familiares deles.

“Escute as gralhas! Algo as perturbou.” O irregular coro desagradável era

ensurdecedor, e quando Will olhou para o topo das árvores ele viu o céu escuro com as

aves gi ratór ias. Elas voavam e mergulhavam para f rente e para t rás ; não havia agi tação

com movimentos súbitos, apenas o barulhento entrelaçar do amontoado de gralhas.

3

“Uma coruja?”

“Elas não estão perseguind o nada. Vamos lá, Will, vai escurecer logo.”

“É por isso que é tão estranho que as gralhas este jam agi tadas. Todas deveriam

estar dormindo a essa hora.” Will baixou sua cabeça de forma relutante novamente, mas

então sal tou e agarrou o braço de seu irmão, seu olho capturado por um movimento na

escura rua est rei ta que conduzia para longe da estrada na qual eles es tavam. Church

Lane: e la corria entre a Floresta das Gralhas e o terreno da igreja até a pequena igreja

local, e então seguia até o Rio Thames.

“Ei!”

“O que foi?”

“Tem alguém al i. Ou havia. Olhando para nós.”

James suspirou. “E daí? Apenas alguém que saiu para caminhar.”

“Não, Não era.” Will gi rou seus olhos nervosamente, varrendo a pequena estrada

lateral. “Era um homem de aparência estranha tod o curvado, e quando me viu olhando ele

correu para trás de uma árvore. Se escondendo, como um besouro.”

James puxou o carrinho e foi subindo a estrada, fazendo Will correr para

acompanhar. “Então é apenas um mendigo. Não sei, todos parecem estar f icando

estranhos hoje - Barb e os coelhos e as gralhas e agora você, todos malucos. Vamos lá,

vamos pegar aquele feno. Quero meu chá.”

O carrinho saltou pelos sulcos congelados dentro do quintal dos Dawsons, o

grande quadrado de terra envolto por construções de t rês lados, e eles senti ram o

familiar cheiro de fazenda. O estábulo deve ter f icado todo sujo nesse dia; Velho George,

o tratador de gado desdentado, estava espalhando esterco pelo jardim . Ele ergueu uma

mão para eles. Nada escapava do Velho George; ele po deria ver um falcão mergulhar de

uma milha de distância. O Senhor Dawson surgiu de um celeiro.

“Ah,” disse ele. “Feno para a Fazenda dos Stantons?” Era a sua piada com a mãe

deles, por causa dos coelhos e das gal inhas. James falou, “Sim, por favor.”

“Está vindo,” Disse o Senhor Dawson. Velho George tinha desaparecido dentro do

celeiro. Continuam bem? Diga à sua mãe que comprarei dez aves dela amanhã. E quatro

coelhos. Não f ique assim, jovem Will. Se não for o feliz Natal deles, é para as pessoas

que os possuem.” Ele olhou para o céu, e Will pensou que uma aparência estranha cobriu

o seu marcado rosto moreno. Lá em cima, contra as nuvens cinza mais baixas, duas

gralhas negras estavam voando lentamente sobre a fazenda em um amplo círculo.

“As gralhas es tão fazendo um barulho estranho hoje,” Disse James. “Wil l viu um

mendigo na f loresta lá em cima.”

O Senhor Dawson olhou para Will f riamente. “Como ele era?”

“Apenas um pequeno homem velho. Ele saiu correndo.”

“Então o Andarilho está longe de casa,” o fazend eiro disse suavemente para si

mesmo. “Ah. Ele es tar ia mesmo.”

4

“Clima ruim para caminhar,” disse James alegremente. Ele balançou a cabeça para

o céu ao norte sobre o telhado da casa da fazenda; as nuvens al i pareciam estar f icando

mais escuras, juntando-se em ameaçadores montes cinzentos com um tom amarelado. O

vento estava aumentando também; ele balançava seus cabelos, e eles podiam ouvir um

distante ruído dos topos das árvores.

“Mais neve chegando,” disse o Sr. Dawson.

“É um dia horrível,” Will falou re pentinamente, surpreso com a sua própria

violência; af inal de contas, ele havia desejado neve. Mas de algum modo uma

inquietação estava crescendo dentro dele. “É . . . assustador, de certo modo.”

“Será uma noite ruim,” disse o Sr. Dawson.

“Lá está o Velho George com o feno,” disse James. “Vamos lá, Wil l.”

“Você vai .” o fazendeiro disse. “Quero que Will pegue algo da casa para sua

mãe.” Mas ele não se moveu, enquanto James empurrou o carrinho em direção ao celeiro;

ele f icou com suas mãos enf iadas fundo nos bolsos de sua velha jaqueta de tweed,

olhando para o céu que escurecia.

“O Andarilho es tá longe de casa,” e le falou novamente. “E essa noite vai ser ruim,

e amanhã será além da imaginação.” Ele olhou para Wil l, e Wil l olhou de volta com

crescente alarme para o rosto cast igado, os brilhantes olhos escuros enrugados por

décadas de exposição ao sol, chuva e vento. Nunca antes ele havia notado o quão escuros

eram os olhos do Fazendeiro Dawson: estranho, nesse país de olhos azuis deles.

“Você tem um aniversár io chegando,” disse o fazendeiro.

“Humm,” disse Wil l.

“Tenho algo para você.” Ele olhou brevemente ao redor do terreno, e re ti rou uma

mão de seu bolso; nela, Will viu o que parecia um tipo de ornamento, feito de metal

negro, um círculo plano dividido por duas l inhas cruzadas. Ele o pegou, tateando -o

cur iosamente. Era quase do tamanho de sua palma, e um pouco pesado; rudemente

forjado em ferro, ele supôs, embora não tivesse pontos agudos ou arestas. O ferro era

f rio em sua mão.

“O que é isso?” disse ele.

“Por enquanto,” disse o Sr. Dawson, “apenas chame -o de algo para guardar. Para

guardar sempre com você, o tempo todo. Coloque -o no bolso, agora. E mais tarde, passe

o seu cinto através dele e use -o como uma f ivela extra.”

Will colocou o círculo de ferro em seu bolso. “Muito obrigado,” ele disse, meio

trêmulo. Sr. Dawson, geralmente um homem confortador, não es tava melhorando o dia de

modo algum.

O fazendeiro olhou para ele do mesmo jeito concentrado, enervante, a té que Will

sentiu o cabelo se eriçar na p arte de trás de seu pescoço; então ele deu um meio sorriso

torto , sem contentamento algum mas sim um tipo de ansiedade. “ Mantenha-o em

segurança, Will. E quanto menos você falar dele, melhor. Você precisará dele depois que

a neve vier.” Ele se tornou alegr e. “Vamos lá, agora, a Sra. Dawson tem um pote do seu

recheio de torta para sua mãe.”

5

Eles se moveram em direção à casa da fazenda. A esposa do fazendeiro não estava

lá, mas esperando na porta estava Maggie Barnes, a leiteira de rosto redondo e de

bochechas avermelhadas da fazenda, que sempre lembrou Wil l de uma maçã. Ela sorr iu

para os dois, segurando uma grande jarra de louça branca com uma f ita vermelha

amarrada.

“Obrigado, Maggie,” disse o Fazendeiro Dawson.

“Missus disse que você i ria querer i sso pa ra o jovem Will aqui,” disse Maggie.

“Ela desceu até o vilarejo para ver algo com o vigário. Como está o seu irmão maior,

então, Will?”

Ela sempre disse isso, toda vez que o via; ela estava se referindo ao próximo

irmão mais velho de Will, Max. Era uma b rincadeira da família Stanton que Maggie

Barnes, dos Dawsons, t inha algo com Max.

“Bem, obrigado,” disse Will polidamente. “Deixou seu cabelo crescer muito.

Parece uma garota.”

Maggie deu um a risadinha com alegria. “Caia fora daqui!” Ela r iu e acenou

despedindo-se, e justo no último momento Will notou o olhar dela deslizar por cima de

sua cabeça. Pelo canto do seu olho enquanto ele virava, e le pensou ter visto um leve

movimento no portão da fazenda, como se alguém estivesse abaixando rapidamente para

fora de vista. Mas quando ele olhou, ninguém estava lá.

Com o grande pote de recheio de torta calçado entre dois fardos de feno, Will e

James empurraram o carrinho para fora do terreno. O fazendeiro f icou na porta atrás

deles; Will podia sentir os olhos dele, observando. Olhou nervosamente para c ima, para

as ameaçadoras nuvens crescentes, e de forma meio inconsciente deslizou uma das mãos

para dentro de seu bolso para ta tear o est ranho círculo de ferro. “Depois que a neve

chegar.” O céu parecia que estava pres tes a cai r sobre eles. Ele pensou: O que está

acontecendo?

Um dos cães da fazenda apareceu saltando, a cauda abanado; então ele parou

abruptamente algumas jardas de distância, olhando para eles.

“Ei, Racer!” chamou Will.

A cauda do cão abaixou, e ele ro snou, mostrando seus dentes.

“James!” disse Will.

“Ele não vai te machucar. Qual o problema?”

Eles continuaram, e viraram na es trada.

“Não é isso. Algo está errado, só isso. Algo ruim. Racer, Chelsea – os animais

estão todos com medo de mim.” Agora ele estava começando a f icar realmente assustado.

O barulho do bando de aves era al to , ainda que o dia estivesse começando a

morrer. Eles podiam ver os pássaros negros se amontoando no topo das árvores, mais

agitados do que antes, batendo as asas e virando d e um lado para outro. E Will estava

certo; havia um estranho na alameda, parado ao lado do terreno da igreja.

Ele era uma f igura ras tejante, mal trapilha, mais como um amontoado de roupas

velhas do que um homem, e ao avis tá - lo os rapazes diminuíram seu passo e

6

inst intivamente chegaram mais perto do carro e um do outro. Ele virou sua cabeça

desgrenhada para olhar para eles.

Então, repentinamente, em um terr ível borrão de i rrealidade, uma confusa e

barulhenta massa negra estava descendo depressa do céu, e du as gralhas enormes

mergulharam no homem. Ele recuou, gr itando, suas mãos erguendo -se para proteger seu

rosto, e as aves bateram suas grandes asas em um cruel rodopiar negro e parti ram,

passando pelos rapazes e indo para o céu.

Will e James f icaram congelados, observando, pressionados contra os fardos de

feno.

O estranho escondeu-se novamente contra o portão.

“Kaaaaaaak. . . kaaaaaak. . .” saiu o barulho de rachar cabeça da revoada f renética

sobre a f loresta, e então mais t rês formas negras giratórias estavam seguindo at rás das

outras duas, mergulhando selvagemente no homem e então afastando -se. Dessa vez ele

gritou de terror e t ropeçou para a estrada, seus braços ainda enrolados em defesa ao

redor da sua cabeça, seu rosto abaixado; e ele correu. Os rapazes o uviram a penosa

respiração assustada enquanto ele se abaixava rapidamente passando por eles, subindo a

estrada, passando os portões da Fazenda Dawsons e seguindo em direção do vilarejo.

Eles viram um espesso cabelo cinza gorduroso debaixo de uma suja capa velha; um

sobretudo rasgado marrom costurado com barbante, e algumas outras peças de roupa

esvoaçando por baixo dele; botas velhas, uma com uma sola solta que o fazia chutar sua

perna para os lados estranhamente, meio saltando, enquanto ele corria. Mas ele s não

viram seu rosto.

O alto turbilhão acima de suas cabeças estava encolhendo em lentos vôos em loop,

e as gralhas começaram a descer uma a uma para as árvores. Elas ainda es tavam

conversando ruidosamente umas com as outras em um longo crocitar confuso, mas agora

a loucura e a violência não es tavam presentes. Surpreso, movendo sua cabeça pela

primeira vez, Will sentiu sua bochecha roçar contra algo, e colocando sua mão em seu

ombro, encontrou uma comprida pena negra. Ele a empurrou para dentro do bolso d e sua

jaqueta, movendo-se lentamente, como alguém semi -acordado.

Juntos e les empurraram o carro carregado descendo a estrada até a casa, e o

crocitar atrás deles morreu em um murmúrio assustador, como o do Thames cheio na

primavera.

James disse f inalmente, “Gralhas não fazem esse tipo de coisa. Elas não atacam

pessoas. E elas não descem quando não há muito espaço. Elas s implesmente não fazem

isso.”

“Não,” disse Will. Ele a inda estava se movendo em um desconectado semi -sonho,

não totalmente consciente de coisa alguma exceto uma curiosa sensação vaga em sua

mente. No meio de todo o barulho e do alvoroço, de repente teve uma est ranha sensação

mais forte do que qualquer outra que já tenha conhecido: Estava ciente de que alguém

tentava dizer -lhe algo, algo que havia lhe escapado pois não conseguiu entender as

palavras. Não exatamente palavras; t inha sido como um tipo de grito silencioso. Mas ele

não havia s ido capaz de capturar a mensagem, porque ele não soube como.

“Como não ter o rádio na estação certa,” di sse bem alto .

“O quê?” falou James, mas ele não es tava realmente escutando. “Que coisa ,” disse

ele. “Suponho que o mendigo deve ter tentado pegar uma gralha. E elas f icaram furiosas.

Ele vai f icar bisbilhotando por aí a trás das galinhas e dos coelhos, apo sto com você. É

7

engraçado que ele não tivesse uma arma. Melhor dizer à mãe para deixar os cães no

celeiro esta noite.” Ele continuou conversando cordialmente até chegarem em casa e

descarregarem o feno. Will percebeu gradualmente, com espanto, que todo o c hoque do

selvagem ataque estava escorrendo da mente de James como água, e que em uma questão

de minutos até mesmo o fato daquilo ter acontecido havia sumido.

Algo tinha varrido completamente todo o incidente da memória de James; a lgo que

não quer ia que is so fosse relatado. Algo que sabia que isso impediria Will de contar

também.

“Aqui, pegue o recheio de torta da mamãe,” disse James. “Vamos entrar antes que

congelemos. O vento es tá aumentando de verdade . Foi bom nós termos corrido de volta.”

“Sim,” ' disse Will. Ele sentiu f rio , mas não era por causa do vento crescente. Seus

dedos se fecharam ao redor do círculo de ferro em seu bolso e seguraram -no com força.

Dessa vez, o ferro pareceu quente.

O mundo cinza havia desl izado para o escuro na hora em que ele s voltaram para a

cozinha. Do lado de fora da janela, a pequena van acabada do pai deles permanecia em

uma caverna de luz amarela. A cozinha es tava até mais barulhenta e quente do que antes.

Gwen estava colocando a mesa, pacientemente abrindo seu caminho a o redor de um trio

de f iguras curvadas onde o Sr. Stanton es tava observando algum pequeno pedaço de

maquinário sem nome com os gêmeos, Robin e Paul ; e agora com a forma rechonchuda

de Mary vigiando-o, o rádio estava berrando música pop a um enorme volume. Logo que

Will se aproximou, ele ir rompeu novamente em um chiado alto , de modo que todos

f izeram caretas e deram gr itos.

“DESLIGUE ESSA COISA !” A Sra. Stanton gr itou da pia desesperadamente. Mas

embora Mary, fazendo bico, tenha desligado o chiado e a músic a abafada, o nível de

ruído mudou muito pouco.

De alguma forma isso nunca aconteceu quando mais da metade da família estava

em casa. Vozes e risos enchiam a longa cozinha de piso de pedra enquanto eles sentavam

ao redor da mesa de madeira polida; os dois collies Welsh, Raq e Ci, jaziam cochilando

no canto da sala ao lado do fogo. Will f icou longe deles; não conseguir ia suportar se os

seus próprios cães tivessem rosnado para ele. Sentou calmamente para o chá – era

chamado chá se a Sra. Stanton o f izesse ant es das cinco horas, ceia se fosse mais tarde,

mas era sempre o mesmo tipo de refeição alegre – e manteve seu prato e sua boca cheia

de lingüiça para evi tar ter que falar. Não que alguém fosse sentir falta de sua conversa

em meio a balbúrdia da Família Stan ton, especialmente quando você era seu membro

mais jovem.

Acenando para ele da outra ponta da mesa, sua mãe questionou, “O que teremos

para o chá amanhã, Will?”

Ele falou indistintamente, “Fígado e bacon, por favor.”

James deu um grunhido alto .

“Cale a boca,” disse Bárbara , super ior e com dezesseis. “É o aniversário dele, ele

pode escolher.”

“Mas f ígado,” disse James.

“Fica muito bom para você,” disse Robin. “Em seu último aniversário, se eu me

lembro bem, todos tivemos que comer aquela revoltante cou ve-f lor com queijo.”

8

“Eu preparei, ” disse Gwen, “e não es tava revoltante.”

“Sem ofensa,” disse Robin gentilmente. “Simplesmente não suporto couve -f lor. De

qualquer modo, você me entendeu.”

“Sim. Não sei se James entendeu.”

Robin, com voz alta e profund a, era o mais forte dos gêmeos e com o qual não se

deveria fazer gracinhas. James falou rapidamente, “Ok, ok.”

“Porções duplas amanhã, Wil l,” disse o Sr. Stanton da cabeceira da mesa.

“Deveríamos ter algum tipo especial de cer imônia. Um ri to tribal.” Ele sorriu para seu

f ilho mais jovem, seu rosto redondo e um t anto rechonchudo se enrugando com afeição.

Mary suspirou. “Em meu décimo primeiro aniversário, eu apanhei e fui mandada

para cama.”

“Meu Deus,” disse a mãe dela, “Incr ível que você lembre daquilo. E que jeito de

descrever. Para dizer a verdade, você levou uma palmada no traseiro, e bem merecida,

também, se eu bem me lembro.”

“Era meu aniversário,” disse Mary, balançando seu rabo de cavalo. “E eu nunca

esqueci.”

“Dê um tempo a si mesma,” Robin dis se a legremente. “Três anos não são muito

tempo.”

“E você era uma jovem de onze anos muito recente,” disse a Sra. Stanton,

mastigando pensativamente.

“Hum!” disse Mary. “E suponho que Will não seja?”

Por um momento todos olharam para Will. Ele piscou ass ustado para o círculo de

rostos observadores, e baixou para seu prato de modo que nada dele estava vis ível exceto

uma espessa cort ina caída de cabelo castanho. Era mais perturbador ser observado por

tantas pessoas de uma só vez, ou de qualquer modo por mai s pessoas para as quais

alguém poderia olhar de volta. Ele quase sent iu como se estivesse sendo atacado. E de

repente ele estava convencido que poderia, de algum jei to , ser mais perigoso ter tantas

pessoas pensando nele, todas ao mesmo tempo. Como se algué m hosti l pudesse “ouvir”. . .

“Will,” Gwen f inalmente falou, “é alguém de onze anos mais velho.”

“Sem idade, quase,” disse Robin. Ambos soaram solenes e distantes, como se

estivessem discut indo sobre algum estranho.

“Vamos lá, agora,” disse Paul inesperad amente. Ele era o gêmeo quieto, e o gênio

da família, talvez um verdadeiro: ele tocava a f lauta e pensava sobre poucas coisas mais.

“Alguém virá para o chá amanhã, Wil l?”

“Não. Angus Macdonald foi à Escócia, passar o Natal, e Mike está com sua avó,

em Southall* . Não me importo.”

Houve uma repentina comoção na porta dos fundos, e uma explosão de ar f rio;

muito est rondosa, e ruídos de um grande calafrio . Max colocou sua cabeça na sala pela

passagem; seu longo cabelo estava molhado e branco luminoso. “Descu lpem por estar

* Southall: um subúrbio de Londres.

9

atrasado, Mãe, tive que andar desde a Comunidade. Uau, vocês deveriam ver lá fora –

como uma nevasca.” Ele olhou para a coluna de rostos brancos, e sorriu. “Vocês não

sabem que es tá nevando?”

Esquecendo tudo por um momento, Will deu um grit o alegre e correu

desajeitadamente com James até a porta. “Neve de verdade? Forte?”

“Eu diria,” falou Max, lançando gotas de água sobre eles enquanto ret irava seu

cachecol. Ele era o irmão mais velho, sem contar Stephen, que esteve na Marinha por

anos e raramente veio em casa. “Aqui.” Ele abriu um pouco a porta, e o vento assobiou

através dela novamente; do lado de fora, Will viu uma névoa branca cint ilante de grandes

f locos de neve – nenhuma árvore ou arbustos visíveis, nada além da neve ondulante. Um

coro de protesto veio da cozinha: “FECHE ESSA PORTA!”

“É a sua cerimônia, Will,” disse o seu pai. “Bem na hora.”

Bem mais tarde, quando ele foi para cama, Wil l abriu a cortina do quar to e

apertou seu nar iz contra o vidro f rio da janela, e ele viu a neve cai ndo mais espessa do

que antes. Duas ou três polegadas já estavam depositadas no beiral da janela, e ele quase

podia ver o nível aumentando enquanto o vento se lançava contra a casa. E le podia ouvir

o vento, também, lamurioso no teto próximo, acima dele, e em todas as chaminés. Will

dormia em um sótão de teto incl inado no topo da casa; e le havia se mudado para lá

apenas alguns meses antes, quando Stephen, a quem esse quarto sempre pertenceu, tinha

retornado para o seu navio após uma licença. Até então Will s empre tinha dividido um

quarto com James – todo mundo na família dividia com mais alguém.

“Mas o meu sótão tem que ser ocupado,” seu irmão mais velho havia dito , sabendo

o quanto Will gostaria disso.

Em uma estante em um canto do quarto agora f icava um r etrato do Tenente

Stephen Stanton, R.N., parecendo um tanto quanto desconfortável em vest ir o uniforme,

e ao lado dele uma caixa de madeira entalhada com um dragão na tampa, cheia com as

cartas que ele enviou a Will, às vezes, de lugares impensavelmente di stantes do mundo.

Eles formavam uma espécie de altar privado.

A neve at irava -se contra a janela, com um som semelhante a dedos esfregando o

vidro. Novamente Will ouviu o vento resmungando no telhado, mais alto do que antes;

estava se t ransformando em uma verdadeira tempestade. Ele pensou no mendigo, e f icou

imaginando onde ele teria conseguido abrigo. “O Andarilho está longe de casa. . . essa

noite será ruim.. .” Ele pegou sua jaqueta e tirou o es tranho ornamento de ferro dela,

correndo seus dedos pelo círculo, subindo e descendo a cruz interior que o dividia. A

superf ície do ferro era irregular, mas embora não mostrasse sinal algum de ter s ido

polida, era completamente suave – suave de um jeito que o lembrava de um certo lugar

no áspero chão de pedra da cozin ha, onde toda a aspereza havia sido eliminada por

gerações de pés virando para dar a volta na porta. Era um tipo de ferro estranho:

profundo, totalmente negro, sem brilho algum nele mas nenhum ponto de descoloração

ou oxidação em lugar algum. E mais uma ve z agora ele estava f rio ao toque; tão f rio

dessa vez que Will es tava preocupado que ele entorpecesse a ponta de seus dedos.

Largou-o rapidamente. Então retirou seu sinto das calças, pendurando -o solto como de

costume sobre a costa da cadeira, pegou o círcu lo, e passou através como uma f ivela

extra, como o Sr. Dawson disse a ele . O vento cantou no vidro da janela. Will colocou o

cinto de volta em suas calças e colocou -as na cadeira.

Foi então, sem aviso, que o medo veio.

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A primeira onda o pegou enquanto el e es tava atravessando a sala até sua cama.

Fez com que ele f icasse paralisado no meio do quarto, o uivo do vento do lado de fora

enchendo seus ouvidos. A neve chicoteou contra a janela. Repentinamente Wil l estava

mortalmente f rio , tremendo todo. Ele estava tão aterrorizado que não podia mover um

dedo. Em um f lash de recordação ele viu novamente o céu descendo sobre as árvores,

escuro com as gralhas, as grandes aves negras gi rando e circulando acima. Então aquilo

se foi, e ele viu apenas o rosto assustado do mendigo e ouviu seu gr ito enquanto ele

corria. Por um momento, então, havia apenas uma ameaçadora escur idão em sua mente,

uma sensação de olhar dentro de um grande buraco negro. Então o alto uivo do vento

morreu, e ele f icou livre.

Ficou parado tremendo, olhando selvagemente pelo quar to. Nada estava errado.

Tudo estava como de costume. O problema, ele pensou consigo, veio de pensar. Tudo

f icaria bem se ao menos ele pudesse parar de pensar e ir dormir. Ele trocou sua roupa,

subiu na cama, e deitou ali olhando para a luz do céu no telhado incl inado. Ele estava

cinza, coberto de neve.

Apagou a pequena lâmpada ao lado da cama, e a noite envolveu o quarto. Não

havia nem um pouquinho de luz mesmo quando seus olhos se acostumaram com o escuro.

Hora de dormir. Vamos lá, vá dormir. Mas embora ele vi rasse para o lado, puxasse os

cobertores até seu queixo, e f icasse ali relaxado, contemplando o alegre fato de que seria

seu aniversário quando ele acordasse, nada aconteceu. Isso não fez bem algum. Algo

estava errado.

Will estremeceu inquieto. Ele nunca teve uma sensação assim antes. Estava

f icando pior a cada minuto. Como se algum peso enorme est ivesse pressionando sua

mente, ameaçando, tentando tomar conta dele, transformá -lo em algo que ele não queria

ser. É isso, ele pensou: transformar-me em outra pessoa. Mas isso é estúpido. Quem iria

querer isso? E me transformar no quê? Algo rangeu do lado de fora da porta semi -aberta,

e e le pulou. Então aqui lo rangeu de novo, e ele soube o que era: uma certa tábua que

f reqüentemente conversava consigo mesma de noite, com um som tão familiar que

geralmente ele quase nunca havia notado. De qualquer modo, ele continuou deitado

escutando. Um tipo diferente de rangido veio de uma dis tância maior, no outro sótão, e

ele est remeceu novamente, puxando tanto que o cobertor esfregou contra o seu queixo.

Você só está assustado, ele disse a s i mesmo; es tá lembrando desta tarde, mas realmente

não há muito a lembrar. Ele tentou pensar no mendigo como alguém que não tivesse nada

de notável, apenas um homem comum com um casaco sujo e botas velhas; mas ao invés

disso, tudo que ele podia ver era o sinis tro mergulho das gralhas. “O Andarilho es tá

longe de casa. . . “Mais um estranho ruído de rangido surgiu, dessa vez sobre a sua

cabeça, no teto, e o ven to resmungou repentinamente al to , e Will sentou -se depressa ma

cama e procurou pela lâmpada.

De uma vez o quarto era uma reconfortante caverna de luz amarelada, e ele deitou

novamente envergonhado, sent indo -se es túpido. Com medo do escuro, ele pensou: que

horrível. Simplesmente como um bebê. Stephen nunca ter ia f icado com medo do escuro,

aqui em cima. Veja, al i está a estante e a mesa, as duas cadeiras e o peitoril da janela;

veja, al i estão os seis pequenos modelos de barcos da mobília pendurados no teto , e as

suas sombras navegando bem ali sobre a parede. Tudo comum. Vá dormir.

Ele desligou a luz novamente, e instantaneamente tudo estava muito pior do que

antes. O medo saltou sobre ele pela tercei ra vez como um grande animal que estava

esperando para dar o bote. Will jazia aterrorizado, tremendo, sent indo -se balançar, e

ainda incapaz de se mover. Ele sent iu que devia estar f icando louco. Do lado de fora, o

vento resmungou, fez uma pausa, ergueu -se em um rugido repentino, e houve um

barulho, um baque arra stado, contra a clarabóia no te to do seu quarto. E então, em um

ameaçador momento furioso, o horror tomou conta dele como um pesadelo tornado real;

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houve uma violenta pancada, com o rugido do vento subitamente muito mais a lto e mais

próximo, e uma grande explosão de f rio; e a sensação veio rápida contra ele com uma

força ameaçadora tamanha que o arremessou.

Will gri tou. Ele só f icou sabendo disso depois; ele estava imerso demasiadamente

fundo no medo para ouvir o som de sua própria voz. Por um momento de u m

aterrorizante apagão ele f icou deitado semi -consciente, perdido em algum lugar fora do

mundo, do lado de fora no espaço negro. E então houve passadas rápidas subindo a

escada do lado de fora de sua porta, e uma voz preocupada chamando, e uma abençoada

luz aquecendo o quarto e trazendo -o de volta a vida novamente.

Era a voz de Paul. “Wil l? O que foi? Você está bem?”

Lentamente Wil l abriu seus olhos. Ele percebeu que estava encolhido na forma de

uma bola, com seus joelhos apertados contra seu queixo. Ele viu Paul parado sobre ele,

piscando ansiosamente por t rás de seus óculos de aros escuros. Ele assentiu, sem

encontrar sua voz. Então Paul virou sua cabeça, e Will seguiu seu olhar e viu que a

clarabóia no teto estava pendurada, aberta, a inda balançando com a força de sua queda;

havia um quadrado negro de noite vazia no teto, e a través dele o vento trazia um frio

penetrante. No carpete abaixo da clarabóia estava um amontoado de neve.

Paul observou na borda da moldura da clarabóia. “O trinco es tá quebrado .

Suponho que a neve foi pesada demais para e le. De qualquer modo, deve ser um pouco

velho, o metal está todo enferrujado. Vou pegar um pouco de arame e consertarei até

amanhã. Isso acordou você? Deus, que susto terr ível. Se eu acordasse assim, você me

encontraria em algum lugar embaixo da cama.”

Will olhou para ele com impronunciável grat idão, e deu um leve sorriso. Cada

palavra na voz profunda de Paul era reconfortante, o trouxe de volta para perto da

real idade. Ele sentou na cama e puxou as cobertas.

“Papai deve ter a lgum arame junto daquela t ranqueira no outro sótão,” disse Paul.

“Mas vamos jogar fora essa neve antes que ela derreta. Olhe, tem mais entrando. Aposto

que não há muitas casas onde você pode ver a neve caindo no carpete.”

Ele estava certo: f locos de neve es tavam girando at ravés do espaço negro no te to,

espalhando por toda parte. Juntos eles juntaram o que puderam em uma bola de neve

deformada sobre uma velha revista, e Will desceu as escadas para jogá -la no banheiro.

Paul amarrou a clarabóia d e volta no lugar.

“Aí es tá,” ele disse com energia, e embora ele não tenha olhado para Will , por um

instante e les compreenderam um ao outro muito bem.

“Sabe de uma coisa, Wil l, está congelando aqui em cima . Porque não desce até

nosso quar to e dorme em mi nha cama? E acordarei você quando eu levantar mais tarde ,

ou posso até dormir aqui em cima se você puder sobreviver aos roncos de Robin. Tudo

bem?”

“Tudo bem .” disse Will brevemente. “Obrigado.”

Ele pegou suas roupas jogadas , com o cinto e seu novo ornamento, e os colocou

debaixo do braço, então parou na porta quando eles saiam, e olhou para trás. Não havia

nada para ver, agora, exceto um leve rast ro no carpete onde esteve o amontoado de neve.

Mas ele sent iu-se mais f rio do que o ar f rio o tinha fei to sen tir, e a doentia, sensação de

vazio do medo ainda es tava em seu peito . Se não houvesse nada errado além de estar com

medo do escuro, ele não ter ia de modo algum descido para refugiar -se no quarto de

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Paul. Mas da forma como as coisas estavam, ele sabia que não poderia f icar sozinho no

quarto dele. Pois quando eles es tavam limpando aquele monte de neve, ele tinha visto

algo que Paul não viu. Era impossível, em uma uivante tempestade de neve, que algo

vivo tivesse feito aquele inconfundível som contra o vidro que ele ouviu pouco antes da

clarabóia cair. Mas enterrado no monte de neve, ele encontrou uma fresca pena negra de

uma gralha.

Ele ouviu a voz do fazendeiro novamente: “Essa noite será ruim. E amanhã será

além da imaginação”.

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ARTE UM: O ACHADO

ia do Solstício de Inverno

Ele foi acordado por música. Ela o saudou, cadenciada e insis tente; música

delicada, tocada por delicados instrumentos que ele não conseguiu ident i f icar, com um

ritmo ondulante semelhante ao som de sinos, correndo através dela em uma dourada

cadeia de contentamento. Havia nessa música tanto do mais profundo encantamento de

todos os seus sonhos e imaginações que ele despertou sorrindo em pura alegria com o

som. No momento de seu despertar, e la começou a sumir, despedindo -se enquanto partia,

e então quando ele abriu seu olhos ela se fora. Ele tinha apenas a lembrança daquele

ritmo ondulante a inda ecoando em sua cabeça, e desaparecendo tão rápido que ele sentou

na cama abruptamente e esticou seu braço para o ar, como se ele pudesse t r azê- la de

volta.

O quarto estava mui to calmo, e não havia música alguma, e a inda assim Will sabia

que isso não tinha sido um sonho.

Ele ainda es tava no quarto dos gêmeos; ele podia ouvir a respiração de Robin,

lenta e profunda, vindo da outra cama. Luz f ria c int ilou ao redor das bordas das cortinas,

mas ninguém estava se movendo em lugar a lgum; era muito cedo. Will colocou suas

roupas amarrotadas do dia anterior , e deslizou para fora do quarto. Ele cruzou a

plataforma até a janela central, e olhou para ba ixo.

No primeiro momento brilhante e le viu o todo estranho mundo familiar, branco

cint ilante; o teto das casas do lado de fora se amontoavam em torres quadradas de neve,

e além delas todos os campos e cercas enterrados, mesclados em uma grande expansão

branca cont ínua e plana até o l imite do horizonte. Wil l deu em um feliz e longo suspiro,

silenciosamente alegre. Então, muito levemente, ele ouviu a música novamente, o mesmo

ritmo. Ele gi rou ao redor procurando por ela em vão no ar, como se pudesse vê -la em

algum lugar como uma luz oscilante.

“Onde está você?”

Ela se foi novamente. E quando ele o lhou de volta através da janela, ele viu que o

seu próprio mundo tinha ido com ela . Naquele f lash, tudo havia mudado. A neve estava

ali como estivera um momento an tes, mas agora não estava depositada em telhados e

espalhando-se plana sobre gramados e campos. Não havia te lhados, não havia campos.

Havia apenas árvores. Wil l estava olhando sobre uma grande f loresta branca: uma

f loresta de árvores espessas, f irmes como torres e antigas como rocha. Elas não possuíam

folhas, envoltas apenas em profunda neve que jazia intocada ao longo de cada galho,

cada pequeno ramo. Elas estavam em toda parte. Elas começavam tão perto da casa que

ele es tava olhando através dos galhos mai s al tos da árvore mais próxima, poderia até

esticar-se e balança-los se ele t ivesse ousado abrir a janela. Ao redor dele as árvores se

extendiam pelo horizonte plano do vale. A única interrupção naquele mundo branco de

galhos es tava longe ao sul, onde o Thames corria; ele podia ver a curva no rio marcada

como uma simples onda imóvel nesse branco oceano de f loresta, e a forma dele parecia

como se o rio fosse mais largo do que deveria ser.

Will observou e observou, e quando f inalmente se mexeu ele percebeu q ue es tava

esfregando o suave círculo de ferro atravessado em seu cinto. O ferro es tava quente ao

seu toque.

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Ele voltou para dentro do quarto.

“Robin!” ele disse bem alto . “Acorde!” Mas Robin suspirava lentamente e

ritmadamente como antes, e não se moveu. Ele correu até a próxima porta do quarto, o

familiar pequeno quarto que uma vez ele t inha dividido com James, e balançou James

com força pelo ombro. Mas quando parou de balançar, James jazia imóvel,

profundamente adormecido.

Will foi para a plataforma no vamente e tomou fôlego profundamente, e e le gritou

com toda força: “Acordem! Acordem, todo mundo!”

Agora ele não esperava qualquer resposta, e nenhuma veio. Havia um silêncio

total, tão profundo e atemporal quanto a neve cobertora; a casa e todos nela per maneciam

em um sono que não seria quebrado.

Will desceu as escadas para colocar suas botas, e a velha jaqueta de pele de

ovelha que havia pertencido, antes dele, a dois ou três de seus i rmãos. Então saiu pela

porta de trás, fechando -a suavemente atrás dele, e f icou olhando através do rápido vapor

de sua respiração.

O estranho mundo branco estava tomado pelo silêncio. Nenhum pássaro cantava. O

jardim não estava mais lá, nessa terra de f loresta. Nem estavam as construções nem as

antigas paredes decadentes. Havia apenas uma pequena clareira ao redor da casa agora,

cheia de montes de neve, antes que as árvores surgissem, com um pequeno caminho

levando para longe. Will começou a descer o túnel branco do caminho, lentamente,

pisando alto para manter a neve fora de suas botas. Tão logo ele se afastou da casa, ele

se sent iu muito sozinho, e e le se forçou a seguir sem olhar para t rás sobre o seu ombro,

porque quando ele olhasse, ele descobriria que a casa havia sumido.

Ele acei tou tudo que veio em sua mente, sem pe nsar ou quest ionar, como se ele

estivesse se movendo por um sonho. Mas uma parte profunda dele sabia que ele não

estava sonhando. Ele es tava bem acordado, em um Dia do Solstício de Inverno que tinha

esperado que ele acordasse desde o dia em que ele nasceu, e, de algum modo ele sabia,

por séculos antes disso. “Amanhã será a lém da imaginação”. . . Will saiu do caminho

branco-arqueado para uma estrada, levemente coberta de neve e ladeada em toda parte

pelas grandes árvores, e ele olhou para cima entre os galhos e viu uma gralha passar

voando lentamente, bem alto no céu da manhã.

Virando à direita, ele caminhou subindo a pequena estrada que em seu próprio

tempo era chamada de Huntercombe Lane. Era o caminho que ele e James tinham tomado

até a Fazenda Dawsons, a mesma estrada que ele havia pisoteado quase todos os dias de

sua vida, mas ela estava muito diferente agora. Agora, e la não era mais do que uma tr ilha

pela f loresta, com grandes árvores carregadas de neve cercando -a em ambos os lados.

Will moveu-se de olhos bem abertos e com cuidado através do silêncio, até que,

repent inamente, ele ouviu um leve ruído bem a f rente dele.

Ele f icou parado. O som veio novamente, abafado através das árvores: uma

rítmica, forte pancadinha, como um martelo atingindo metal. Veio em cur tas bat idas

irregulares, como se alguém estivesse martelando pregos. Enquanto ele f icou escutando,

o mundo ao redor dele pareceu iluminar -se um pouco; as árvores pareceram menos

densas, a neve cint ilou, e quando olhou para cima, a faixa de céu sobre a Huntercombe

Lane estava azul c lara. Ele percebeu que o sol f inalmente tinha subido saindo do escuro

banco de nuvens cinzentas.

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Ele marchou em direção ao som de marteladas, e logo chegou a uma clarei ra. Não

havia mais vilarejo ou Huntercombe, apenas isso . Todos os seus sent idos ganharam vida

de uma só vez, sob uma chuva de sons inesperados, visões, imagens. Ele viu duas ou três

pequenas construções de pedra com o teto espesso de neve; e le viu fumaça azul de

madeira subindo, e sent iu o cheiro também, e sen tiu ao mesmo tempo um voluptuoso

aroma de pão recém preparado que fez surgir água em sua boca. Viu que a mais próxima

das três construções tinha três paredes, aberta para a tr ilha, com um fogo amarelo

queimando brilhante dentro como um sol cativo. Grandes chuvas de centelhas estavam

jorrando de uma bigorna onde um homem estava martelando. Ao lado da bigorna estava

um alto cavalo negro, um lindo animal radiante; Wil l nunca tinha visto um cavalo tão

esplendidamente negro em cor, sem marca branca alguma.

O cavalo levantou sua cabeça e olhou bem para ele, pisoteou o chão, e deu um

pequena relincho. A voz do ferrei ro ergueu -se em protesto, e outra f igura moveu-se

saindo das sombras por trás do cavalo. A respiração de Wil l acelerou ao avistá -lo , e e le

sentiu um nó em sua garganta. Ele não sabia por quê.

O homem era al to , e vestia uma capa escura que caia reta como um robe; seu

cabelo, que crescia baixo sobre o seu pescoço, brilhava com um curioso tom

avermelhado. Ele bateu no pescoço do cavalo, murmurando em seu ouvido; então ele

pareceu senti r a causa de seu desconforto, virou -se, e viu Will. Seus braços caíram

subitamente. Deu um passo a f rente e f icou ali , esperando.

O brilho da neve desapareceu e o céu, e a manhã escureceu um pouco, enquanto

uma camada extra de nuvens distantes engoli ram o sol.

Will cruzou a rua at ravés da neve, suas mãos enf iadas fundo dentro dos bolsos.

Ele não olhou para a al ta f igura encapuzada encarando-o. Ao invés disso, ele olhou

resolutamente para o outro homem, agora curvado novament e sobre a bigorna, e percebeu

que o conhecia; era um dos homens da Fazenda Dawsons. John Smith, f ilho do Velho

George.

“Bom dia, John,” ele disse.

O homem de ombros largos no avental de couro deu uma olhada. Franziu a testa

levemente, então balançou a cabeça em saudação. “Ei, Will. Você saiu cedo. ”

“É meu aniversário .” disse Will.

“Um aniversário no Solstício de Inverno,” disse o estranho na capa. “Auspicioso,

de fato. E então você completará onze anos.” Era uma af irmação, não uma pergunta.

Agora Wil l t eve que olhar. Claros olhos azuis acompanhavam o cabelo castanho

avermelhado, e o homem falou com uma curiosa entonação que não era do Sudeste.

“Isso mesmo,” disse Will.

Uma mulher saiu de uma das casas próximas, carregando uma cesta com pães, e

com eles o cheiro de pão recém preparado que antes havia causado tamanha tentação em

Will. Ele cheirou, seu estômago lembrando -o de que não tinha tomado café da manhã. O

homem de cabelo avermelhado pegou um pão, rasgou -o, e estendeu metade em direção a

ele.

“Aqui . Você está com fome. Quebre o seu je jum de aniversár io comigo, jovem

Will.” Ele mordeu a metade res tante do pão, e Will ouviu a casca estalar

convidat ivamente. Ele se esticou para a f rente, mas assim que o fez, o ferreiro ti rou uma

ferradura quente do seu fogo e a colocou levemente sobre o casco preso entre seus

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joelhos. Houve um rápido cheiro enfumaçado de queimado, cortando o cheiro do pão

novo; então a ferradura estava de volta no fogo e o ferreiro verif icando o casco. O cavalo

negro f icou paciente e imóvel, mas Will recuou, baixando seu braço.

“Não, obrigado.”

O homem encolheu os ombros, rasgando seu pão avidamente, e a mulher, seu rosto

invisível por trás da borda de um capuz, foi embora novamente com sua cesta. John

Smith t irou a ferradura do fogo p ara chiar e fazer vapor em um balde com água.

“Vamos, vamos,” disse o cavaleiro irritadamente, levantando a cabeça. “O dia

passa. Quanto tempo mais?”

“Seu ferro não será apressado,” disse o ferreiro, mas agora ele estava martelando

a ferradura no lugar com golpes f irmes e rápidos. “Fei to!” ele disse f inalmente, raspando

o casco com uma faca.

O homem de cabelo avermelhado deu uma volta com seu cavalo, apertou as cilhas,

e desl izou para c ima, rápido como um gato saltando, em sua cela. Al tivo, com as dobras

de seu robe escuro esvoaçando sobre os f lancos do cavalo negro, ele parecia uma estátua

entalhada na noite. Mas os olhos azuis estavam vidrados de forma opressiva em Will.

“Suba, rapaz. Eu o levarei onde você quiser ir. Cavalgar é o único jei to , em uma ne ve tão

espessa quanto essa.”

“Não, obrigado,” disse Will. “Vou encontrar o Andarilho.” Ele ouviu suas

próprias palavras com espanto. Então é isso, ele pensou.

“Mas agora o Cavalei ro está longe de casa,” o homem disse, e com um rápido

movimento ele virou a cabeça de seu cavalo, curvado na cela, e fez um movimento para

agarrar o braço de Will. Will vi rou para o lado, mas ele ter ia sido pego se o ferreiro, que

estava parado na parede aberta da fornalha, não tivesse sal tado para f rente e o arrastado

para fora do alcance. Para um homem tão grande, e le se moveu com incrível velocidade.

O corcel da meia-noite empinou-se, e o cavaleiro encapuzado quase foi derrubado.

Ele gri tou com raiva, então se recompôs, e sentou olhando para baixo em um contemplar

f rio que era mais terrível do que a fúria. “Esse foi um movimento tolo, meu amigo

ferreiro,” Ele disse suavemente. “Não iremos esquecer.” Então ele deu um giro no corcel

e cavalgou na direção de onde Will t inha vindo, e os cascos de seu grande cavalo f izeram

apenas um assobio abafado na neve.

John Smith cuspiu, com escárnio, e começou a pendurar suas ferramentas.

“Obrigado,” disse Wil l. “Eu espero. . .” Ele parou.

“Eles não podem me fazer mal algum,” disse o ferrei ro. “Eu venho da geração

errada para isso. E nesse tempo eu pertenço à es trada, assim como minha habilidade

pertence a todos aqueles que usam a estrada. O poder deles não pode causar mal a lgum

na es trada através de Hunter 's Combe. Lembre -se disso, para si mesmo.”

O estado de sonho est remeceu, e Wil l sentiu seus pensamentos começarem a gi rar.

“John,” ele disse. “Eu sei que é verdade que eu devo encontrar o Andarilho, mas não sei

por quê . Você vai me dizer?”

O ferreiro vi rou e olhou diretamente para ele pela pr imeira vez, com uma espécie

de compaixão em seu rosto cast igado. “Ah não, jovem Will. Você despertou tão cedo

ass im? Isso você deve aprender por si próprio. E muito mais, hoje é seu primeiro dia.”

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“Primeiro dia?” disse Will.

“Coma,” disse o ferreiro. “Não há perigo nisso agora que você não estará

dividindo o pão com o Cavalei ro. Veja o quão rápido você viu o perigo disso. Assim

como soube que haveria grande perigo em cavalgar com ele. Siga o seu nariz durante o

dia, rapaz, simplesmente siga o seu nariz.” Ele chamou para a casa, “Martha!”

A mulher saiu novamente com sua cesta. Dessa vez ela baixou seu capuz e sorriu

para Will, e e le viu olhos azuis como os do Cavaleiro mas com uma suave luz neles.

Agradecido, ele deu uma grande mordida no quente pão crocante, que agora fora partido

e preenchido com mel. Então além da clareira houve um novo som de passadas abafadas

na es trada, e e le girou ao redor assustado.

Uma égua branca, sem cavaleiro ou cela, trotou até a clarei ra em direção a ele:

uma imagem inversa do corcel negro meia -noite do Cavaleiro, al ta e esp lêndida e sem

marcas de tipo algum. Contra a luminosidade da neve, agora cintilando como o sol re -

emergido da nuvem, parecia haver um leve brilho dourado em sua brancura e na longa

crina caindo sobre o pescoço arqueado. Foi parar ao lado de Will, baixou s eu nariz

levemente e tocou o ombro dele como que em saudação, então balançou sua grande

cabeça branca, soprando uma nuvem de sua respiração no ar f rio . Will es ticou -se e

pousou uma mão reverente em seu pescoço.

“Você vem em boa hora,” John Smith disse. “O fogo está quente.”

Ele voltou para a fornalha e bombeou uma ou duas vezes nos braços do fole, e o

fogo rugiu; então ele pegou uma ferradura da parede escurecida e a colocou no calor.

“Olhe bem,” ele disse, estudando o rosto de Will. “Você nunca viu uma é gua como essa

antes. Mas essa não será a última vez.”

“Ela é linda,” Will disse, e a égua o tocou outra vez genti lmente, em seu pescoço.

“Monte,” disse o ferreiro.

Will riu. Isso era tão obviamente impossível; sua cabeça mal chegava ao ombro da

égua, e mesmo se houvesse um est ribo ele estaria muito fora de alcance de seu pé.

“Não estou brincando,” disse o ferreiro, e realmente ele não parecia o tipo de

homem que costumava sorrir, muito menos fazer uma piada. “É seu privilégio. Agarre em

sua crina onde pode alcançá-la, e você verá.”

Para satisfazê-lo, Will esticou-se e enf iou os dedos de ambas as mãos nos longos

f ios espessos da crina da égua branca, na parte baixa do pescoço. No mesmo instante, ele

sentiu-se tonto; sua cabeça zuniu como um pião, e por t rás do som ele ouviu claramente,

mas muito distante, o ritmo constante de música semelhante ao som de sinos que ele

tinha escutado antes de acordar naquela manhã. Ele gri tou. Seus braços tremeram

estranhamente; o mundo girou; e a música se foi. Sua mente a inda estava lutando

desesperadamente para se recuperar quando ele percebeu que estava mais perto dos

galhos espessos de neve das árvores do que est ivera antes, sentado bem alto na larga

costa da égua branca. Ele olhou para baixo, para o ferreiro , e riu sat isfei to .

“Quando ela estiver com ferradura,” disse o ferrei ro, “ela o carregará, se você

pedir.”

Will acalmou-se repentinamente, pensando. Então algo atraiu sua atenção para

cima, at ravés das árvores arqueadas, para o céu, e ele viu duas gralhas negras p assarem

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voando preguiçosamente, bem alto . “Não,” disse ele. “Acho que eu devo i r sozinho.” Ele

bateu no pescoço da égua, gi rou suas pernas para um lado, e deslizou o longo caminho

descendo, preparando-se para um solavanco. Mas ele percebeu que pousou suave mente

seus pés na neve. “Obrigado, John. Muito obrigado. Adeus.”

O ferreiro balançou a cabeça levemente, então ocupou -se da égua, e Wil l

caminhou um pouco desapontado; ele tinha esperado ao menos uma palavra de despedida.

Da borda das árvores, ele olhou p ara trás. John Smith t inha uma das patas traseiras presa

entre seus joelhos, e es tava esticando sua mão enluvada para suas tenazes. E então aqui lo

que Will viu o fez esquecer de qualquer pensamento sobre palavras de despedidas. O

ferreiro não havia feito r emoção de ferraduras antigas, ou concerto de uma ferradura

danif icada; essa égua nunca tinha sido ferrada. E a ferradura que agora estava sendo

colocada em sua pata, como a linha de três outras ferraduras que agora ele podia ver

brilhando na parede mais di stante da ferraria, não era de modo algum uma ferradura mas

de uma outra forma, uma forma que ele conhecia muito bem. Todos os quatro “calçados”

da égua eram réplicas do círculo dividido por uma cruz que es tava em seu próprio cinto.

Will caminhou por um pequeno caminho descendo a estrada, debaixo de seu

pequeno te to de céu azul. Ele colocou uma das mãos dentro de sua jaqueta para tocar o

círculo em seu cinto, e o ferro estava gelado. Agora ele estava começando a entender o

que aqui lo signif icava. Mas não h avia sinal algum do Cavalei ro; ele não conseguia nem

ao menos ver quaisquer rast ros deixados pelas patas do cavalo negro. E ele não estava

pensando em encontros malignos. Ele podia apenas sentir que algo o estava arras tando,

com mais e mais força, em direção ao lugar onde em seu próprio tempo estaria a Fazenda

Dawsons.

Ele encontrou a estreita tr ilha lateral e vi rou descendo -a. A tr ilha seguia por um

longo caminho, virando em leves curvas. Parecia haver muito arbusto nessa parte da

f loresta; as ramif icações do topo de pequenas árvores e moitas salientes carregadas de

neve que se amontoavam, como armações brancas de cabeças brancas arredondadas. E

então, virando a próxima curva, Wil l viu diante dele um pequeno quadrado , mas com

paredes rudemente revest idas d e barro e um telhado alto com um chapéu de neve como

um espesso bolo congelado. Parado hesitante com uma das mãos na f rágil porta, estava o

velho mendigo cambaleante do dia anterior. O comprido cabelo cinza era o mesmo, e

também eram as roupas e a encolhid a face astuta.

Will aproximou-se do homem idoso e disse, como o Fazendeiro Dawson havia dito

no dia anterior: “Então o Andarilho está longe de casa.”

“Apenas um,” disse o velho. “Apenas eu. E o que isso tem a ver com você?” Ele

fungou, virando de lado para Will, e esfregou seu nar iz em uma manga gordurosa.

“Quero que você me diga algumas coisas,” disse Will, mais audaciosamente do

que sentiu. “Quero saber por que você estava perambulando por aí ontem. Porque estava

observando. Porque as gralhas o perseg uiram. Quero saber,” ele disse honestamente em

um súbito rompante, “o que signif ica que você seja o Andarilho?. ”

Com a menção das gralhas o velho encolheu -se per to da cabana, seus olhos

girando nervosamente para o topo das árvores; mas agora ele olhava pa ra Will com

suspeita mais af iada do que antes. “Você não pode ser o escolhido!” ele disse.

“Não posso ser o quê?”

“Você não pode ser. . . você deveria saber tudo isso. Especialmente sobre esses

pássaros infernais. Tentando me enganar, hein? Tentando engana r um pobre homem

velho. Você está com o Cavalei ro, não está? Você é o garoto dele, não é, hein? ”

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“Claro que não,” disse Will. “Não sei o que você quer dizer.” Ele olhou para a

cabana miserável; a trilha acabava aqui, mas muito malmente havia uma clareira de

verdade. As árvores f icavam perto ao redor deles, bloqueando grande parte do sol. Ele

disse, subitamente desolado, “Onde está a fazenda?”

“Não há fazenda alguma,” disse o velho mendigo impacientemente. “Ainda não.

Você deveria saber. . .” Ele fungou de novo violentamente, e resmungou para si mesmo;

então seus olhos se estreitaram e ele se aproximou de Will, olhando atentamente seu

rosto e soltando um forte cheiro repelente de suor antigo e pele suja. “Mas você deve ser

o escolhido, você deve. Se estiver c arregando o primeiro Signo que o Ant igo Escolhido

deu a você. Você o possui aí, então? Mostre. Mostre ao velho Andarilho o Signo .”

Tentando não se afastar com nojo, Will remexeu nos botões de sua jaqueta. Ele

sabia o que deveria ser o Signo. Mas ass im que ele afastou a pele de ovelha para mostrar

o círculo preso em seu cinto, sua mão esbarrou contra o ferro suave e o sentiu

queimando, mordendo com o f rio gél ido; no mesmo instante e le viu o velho sal tar para

trás, abaixando-se, olhando não para ele mas para t rás dele, sobre o seu ombro. Will

virou-se, e viu o Cavaleiro encapuzado em seu cavalo meia -noite.

“Seja bem -vindo,” disse o Cavaleiro suavemente.

O velho guinchou como um coelho assustado, virou e correu, t ropeçando pelos

montes de neve para o meio das árvores. Will f icou onde estava, olhando para o

Cavaleiro, seu coração batendo com tanta ferocidade que era dif íci l respirar.

“Foi tolice deixar a estrada, Will Stanton,” disse o homem na capa, e seus olhos

arderam como estrelas azuis. O cavalo negro di rigiu-se para f rente, para f rente; Wil l

encolheu-se contra o lado da f rágil cabana, olhando dentro dos olhos, e então com um

grande esforço ele fez seu braço lento afastar sua jaqueta e ass im o círculo de ferro

mostrou-se claramente. Ele agarrou o cinto pe lo lado; a f rieza do Signo era tão intensa

que podia senti r a força dele, como a radiação de um feroz calor ardente. E o Cavaleiro

parou, e seu olhos tremeram.

“Então você já tem um deles.” Ele encolheu seus ombros estranhamente, e o

cavalo balançou sua cabeça; ambos pareceram estar ganhando força, f icando maiores.

“Um não irá ajudá - lo , não sozinho, não ainda,” disse o Cavaleiro, e ele cresceu e

cresceu, ref letindo contra o mundo branco, enquanto seu garanhão relinchou triunfante,

empinando-se, o solado de suas patas chutando o ar de modo que Will podia apenas

espremer-se indefeso contra a parede. Cavalo e cavaleiro elevaram -se sobre ele como

uma nuvem negra, obscurecendo tanto a neve quanto o sol.

E então ele ouviu novos sons vagamente, e as crescentes fo rmas negras pareceram

cair para um lado, varridas por uma radiante luz dourada, brilhante com padrões ardentes

de círculos com um branco quente, sóis, estre las . Will piscou, e de repente viu que era a

égua branca da ferraria, empinando -se sobre ele. Ele agarrou f reneticamente a crina

ondulante, e da mesma forma que antes e le sentiu -se empurrado para a costa larga,

curvado baixo sobre o pescoço da égua, lutando pela sua vida. A grande égua branca

soltou um guincho agudo e sal tou para a tri lha através das árv ores, passando pela

disforme nuvem negra que es tava imóvel na clareira como fumaça; passando tudo em um

galope crescente, até que eles f inalmente chegaram a estrada, Huntercombe Lane, a

estrada através da Hunter 's Combe.

O movimento da grande égua mudou p ara um lento trotar poderoso, e Will ouviu a

batida de seu próprio coração em seus ouvidos enquanto o mundo reluziu por um borrão

branco. Então de uma vez só o cinza surgiu ao redor deles, e o céu foi escurecido. O

20

vento se enf iou para dentro do colarinho, mangas e do topo das botas de Wil l,

chicoteando em seu cabelo. Grandes nuvens moviam -se em direção a eles vindo do norte,

fechando-se, enormes cabeças de trovões preto -acinzentados; o céu retumbou e rugiu.

Uma pequena fenda branca permaneceu, com um leve toque de azul por t rás dela, mas

também estava fechando, fechando. O corcel branco saltou para ela desesperadamente.

Sobre o seu ombro Will viu, descendo em direção a eles, uma forma ainda mias escura do

que as nuvens gigantes: o Cavaleiro, imensamente alt o , seus olhos eram dois pontos

ameaçadores de fogo azul e branco. Relâmpagos brilharam, trovão se espalhou pelo céu,

e a égua pulou nas nuvens que se chocavam enquanto a última abertura se fechou.

E eles estavam seguros. O céu es tava azul adiante e acima deles; o sol bri lhando,

aquecendo a pele de Will. Ele viu que tinham deixado seu Vale do Thames para trás.

Agora eles estavam entre as curva das ladeiras de Chi ltern Hills, cobertas com grandes

árvores, faia, carvalho e f reixo. E correndo como f ios pela ne ve ao longo das linhas dos

vales estavam as divisas que eram as marcas dos campos antigos – mui to antigos, como

Will sempre soubera; mais ant igos do que qualquer coisa em seu mundo exceto os

próprios vales, e as árvores. Então, em um vale branco, ele viu u ma marca diferente. A

forma estava cortada pela neve e re lva dentro da greda* debaixo da terra; ter ia sido

dif ícil percebê- la se ela não fosse familiar. Mas Wil l a conhecia. A marca era um

círculo, dividido por uma cruz.

Então suas mãos foram afastadas do forte aperto delas na espessa crina, e a égua

branca deu um longo rel incho agudo que era alto em seus ouvidos e então morreu

estranhamente em uma grande distância. E Will estava caindo, caindo; e ainda assim ele

não sentiu choque algum de queda, mas perce beu apenas que estava deitado com o rosto

virado para baixo na neve f ria. Ele ergueu -se cambaleante, sacudindo -se. A égua branca

se fora. O céu estava claro, e o raio do sol aquecia a costa de seu pescoço. Ele f icou

parado em um morro cheio de neve, com um a mata de árvores al tas cobrindo -o até bem

longe, e dois pássaros negros desl izando para f rente e para t rás acima das árvores.

E diante dele, sozinhas e enormes no declive branco, conduzindo a lugar algum,

estavam duas grandes portas de madeira entalhadas .

* Sedimento carbonático ou calcário, muito macio e friável, amarelo esverdeado, granulometria fina, composto primariamente por

microfósseis planctônicos, fracamente endurecido e prontamente deformável sob a ação da unha ou uma lâmina de canivete. A

variedade branca da greda recebe o nome de cré. Muito usada, especialmente para escrever em pedra ou em quadros negros (giz).

21

arte Um: O Achado

Buscador dos Signos

Will enf iou suas mãos f rias nos seus bolsos, e f icou parado observando os painéis

entalhados das duas portas fechadas que erguiam -se diante dele. Eles não lhe diziam

nada. Ele não conseguia encontrar signi f icado algum no zigue zague de símbolos

repetidos, em inf ini ta variação, em cada painel. A madeira das portas não era como

nenhuma que ele já tinha visto; era rachada, com pequenas depressões e ainda polida

pela idade, de forma que você mal poderia dizer q ue era madeira exceto por uns círculos

aqui e ali , onde alguém não havia conseguido evi tar de deixar o t raço de nós. Se não

fosse por sinais como aqueles, Will teria confundido as portas com pedra.

Seus olhos deslizaram além de seu contorno enquanto obser vava, e ele viu que ao

redor delas havia tremular de coisas , um movimento como o balançar do ar sobre uma

fogueira ou sobre uma estrada pavimentada aquecida por um sol de verão. E ainda ass im

não possuía diferença de calor para explicar isso.

Não havia puxadores nas portas. Will est icou seus braços para f rente, com a palma

de cada mão aberta contra a madeira , e empurrou. As portas de abriram sob suas mãos,

ele pensou ter escutado um pouco da música suave semelhante ao som de sinos

novamente; mas então ela se foi, dentro da nebulosa brecha entre a memória e a

imaginação. E ele passou através do portal, e sem murmúrio algum de som as duas

imensas portas fecharam -se atrás dele, e a luz, o dia e o mundo mudaram tanto que ele

esqueceu completamente o que eles ti nham sido.

Agora ele estava parado em uma grande sala. Não havia luz do sol aqui. Na

verdade, não havia janela alguma nas belas paredes de pedra, mas apenas uma série de

f inas aberturas. Entre essas, em ambos os lados, pendiam várias tapeçarias tão estran has

e lindas que pareciam brilhar na meia - luz. Will estava deslumbrado pelos brilhantes

animais, f lores e pássaros, de f ios entrelaçados ou bordados ali em ricas cores como

vitrais iluminados pelo sol.

Imagens saltaram até ele; ele viu um unicórnio pratea do, um campo de rosas

vermelhas, um luminoso sol dourado. Acima de sua cabeça as al tas vigas curvas do teto

arqueavam-se subindo para dentro das sombras; outras sombras mascaravam o f inal da

sala. Ele moveu-se sonhadoramente alguns passos para f rente, seus pés não fazendo som

algum nos tapetes de pele de ovelha que cobriam o chão de pedra, e ele observou em

frente. De uma só vez, centelhas pularam e fogo cintilou na escuridão, acendendo uma

enorme larei ra na parede mais dis tante, e ele viu portas, cadeiras de encosto longo e uma

pesada mesa entalhada. Paradas, uma em cada lado da lareira, duas f iguras esperavam

por ele: uma senhora idosa apoiando-se em um cajado, e um homem alto.

“Bem -vindo, Will,” disse a senhora idosa, com uma voz que era suave e gentil , e

ainda ass im ecoou através da sala arqueada como um sino agudo. Ela colocou uma f ina

mão em direção a ele, e a luz do fogo brilhou em um espesso anel que se ergueu sobre o

seu dedo. Ela era muito pequena, f rágil como um pássaro, e mesmo assim era a ltiva e

aler ta, Will, olhando para ela, teve uma impressão de imensa idade.

Ele não conseguiu ver seu rosto. Ficou parado onde estava, e inconscientemente

sua mão deslizou para o cinto. Então a f igura alta no outro lado da lareira moveu -se,

incl inando, e acendeu uma longa vela no fogo, e dirigindo -se à mesa, começou a colocar

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a vela em um anel de altos cast içais ali . A luz da esfumaçada chama amarela dançou no

rosto dele. Wil l viu uma forte, cabeça ossuda, com olhos profundos e um nar iz arqueado

ameaçador como o bico de um falcão; um punhado de espessos cabelos brancos caindo

pela al ta testa; sobrancelhas eriçadas e o queixo saliente. E embora ele não soubesse

porque, assim que olhou nas ameaçadoras linhas secretas daquele rosto, o mundo que ele

tinha habitado desde que nasceu pareceu girar, quebrar e vir abaixo novamente em um

padrão que não era o mesmo de antes.

Ficando ereto, o homem alto olhou para e le, sobre o círculo de velas acesas que

f icavam em cima da mesa como um aro de uma roda deitada. Ele deu um leve sorr iso, a

boca severa curvando -se nas pontas, e um súbito leque de linhas enrugando -se em cada

lado dos olhos profundos. Ele so prou a chama da vela com um rápido respirar.

“Entre, Will Stanton,” disse e le, e a voz profunda também pareceu saltar na

memór ia de Will. “Venha e aprenda. E traga aquela vela com você.”

Intr igado, Will olhou ao seu redor. Perto de sua mão direita, ele encontrou um

suporte negro feito de ferro tão alto quanto ele, ele vando-se em t rês pontas; duas das

pontas tinham uma est rela de ferro com cinco pontas e a terceira um cast içal com uma

espessa vela branca. Ele ret irou a vela, que era pesada o bastante para tornar necessário

o uso das duas mãos, e atravessou a sala até as duas f iguras que aguardavam na outra

ponta. Piscando através da luz ele viu, enquanto se aproximava deles , que o círculo de

velas na mesa não era um círculo completo; um suporte no anel es tava vazio. Ele se

apoiou na mesa, agarrando os lados suaves da vela, acendeu -a com em uma das outras, e

encaixou-a no soquete vazio. Era idêntica às outras. Eram velas muito es tranhas,

desiguais na largura mas f rias e r ígidas como mármore branco; elas queimavam com uma

comprido chama e sem fumaça, e tinham cheiro levemente resinoso, como pinheiros.

Foi somente quando inclinou -se para trás, para f icar ereto , que Will notou os dois

braços de ferro cruzados dentro do anel do candelabro. Aqui novamente, como em todo

lugar, estava o Signo: a cruz dentro do círculo, a esfera dividida. Havia outros soquetes

para velas dentro da moldura, e le via agora: dois por cada braço da cruz, e um no ponto

central onde eles se encontravam. Mas esses a inda estavam vazios.

A senhora idosa relaxou, e sentou na cadeira de encosto alto ao lado da larei ra.

“Muito bom,” ela disse confortavelmente naquela mes ma voz musical. “Obrigada, Will. ”

Ela sorriu, seu rosto curvando -se em uma teia de rugas, e Will sorriu em retorno

completamente animado. Ele não tinha idéia de porque estava tão feliz de repente;

parecia natural demais para ser questionado. Ele sentou -se em um assento que estava

claramente esperando por ele em frente ao fogo, entre as duas cadeiras.

“As portas,” disse e le, “as grandes portas pelas quais eu passei. Como elas

simplesmente f icam ali sozinhas? '

“As portas?” disse a senhora.

Algo em sua voz fez que Will olhasse por sobre os ombros para a parede de onde

ele acabara de vir : a parede com as duas portas altas, e o suporte de onde ele havia ti rado

a vela. Ele f icou olhando; tinha algo errado. As grandes portas de madeira t inham

sumido. A parede c inza estendia-se vazia, seus maciços blocos de pedra totalmente sem

características notáveis exceto por um escudo dourado, sozinho, pendurado alto e

reluzindo palidamente na luz do fogo.

O homem alto riu suavemente. “Nada é o que parece, garoto. Não esper e por nada

e não tema nada, aqui ou em qualquer lugar. É a sua primeira lição. E aqui es tá o seu

23

primeiro exercício. Temos diante de nós Will Stanton – d iga-nos o que aconteceu com

ele, nesse último dia ou dois. ”

Will olhou dentro das chamas, quentes e be m vindas em seu rosto na sala f ria. Foi

necessár io muito esforço para arrastar sua mente de vol ta para o momento quando ele e

James tinham deixado a casa indo para a Fazenda Dawsons para colher feno - feno! – na

tarde anterior. Ele pensou, ref le tindo, sobr e tudo que f icava entre aquele momento e o

seu próprio presente. Depois de um tempo ele disse: “O Signo. O círculo com a cruz.

Ontem o Sr. Dawson me deu o Signo. Então o Andarilho veio atrás de mim, ou tentou, e

mais tarde eles – quem quer que eles sejam – eles tentaram me pegar.” Ele engoliu, f rio

com a lembrança de seu medo noturno. “Para pegar o Signo. Eles o querem, é sobre isso

que tudo se tra ta. Hoje é sobre isso também, embora seja muito mais complicado porque

agora não é agora, é a lguma outra época, não sei quando. Com tudo como um sonho, mas

real. . . Eles ainda estão atrás dele. Não sei quem são eles, exceto pelo Cavaleiro e o

Andarilho. Não conheço vocês também, apenas sei que estão contra e les. Você s, Sr.

Dawson e John Wayland Smith.”

Ele parou.

“Continue,” disse a voz profunda.

“Wayland?” disse Wil l, perplexo. “É um nome curioso. Não é parte do nome de

John. O que me fez dizer isso?'

“Mentes guardam mais do que elas sabem,” o homem alto disse. “A sua

particularmente. E o que mais você tem a diz er?”

“Não sei,” disse Wil l. Ele olhou para baixo e correu um dedo pela borda de seu

assento; era entalhado em suaves ondas regulares, como um pacíf ico mar. “Bem, sim , eu

sei. Duas coisas. Uma é que tem algo engraçado sobre o Andarilho. Realmente não acho

que ele seja um deles, porque ele f icou bastante assustado com o Cavaleiro quando o viu,

e fugiu.”

“E a outra coisa?” disse o grande homem.

Em algum lugar nas sombras da grande sala um relógio bateu, com uma profunda

nota como um sino abafado: uma simple s nota, uma “meia -hora”.

“O Cavaleiro,” disse Wil l. “Quando o Cavalei ro viu o Signo, ele disse: "Então

você já tem um deles." Ele não sabia que eu o tinha. Mas ele veio atrás de mim.

Perseguindo-me. Porque?”

“Sim,” disse a senhora idosa. Ela es tava olhando para e le um pouco tris te. “Ele

estava caçando você. Temo que a suposição que está em sua mente esteja certa, Will.

Não é o Signo que eles desejam mais que tudo. É você.”

O grande homem f icou de pé, e cruzou por trás de Will de modo que f icou com

uma das mãos na costa da cadeira da senhora idosa e a outra no bolso da jaqueta de

colarinho alto que ele usava. “Olhe para mim, Will,” disse e le. A luz do anel ardente de

velas na mesa cint ilou em seu cabelo branco, e coloc ou seus estranhos olhos sombreados

em sombras mais escuras ainda, piscinas de escur idão na face dura. “Meu nome é

Merriman Lyon,” disse ele. “Eu o saúdo, Will Stanton. Estivemos esperando por você um

longo tempo.”

“Conheço você,” disse Will. “Quero dizer. . . Você parece. . . Eu senti . . . Não

conheço você?”

24

“De um certo modo ,” disse Merr iman. “Você e eu somos, nós diríamos, parecidos.

Nascemos com o mesmo dom, e para o mesmo grande propósito . E você es tá neste lugar

nesse momento, Will, para começar a entender que propósito é esse. Mas primeiro v ocê

deve ser instruído sobre o dom.”

Tudo pareceu estar correndo longe demais, rápido demais. “Não entendo,” Will

disse, olhando assustado para o rosto forte. “Não tenho dom algum, realmente não tenho.

Quero dizer que não há nada de especial em mim.” Ele olhou de um para o outro deles,

f iguras al ternadamente acesas e sombreadas pelas chamas dançantes das velas e fogo, e

ele começou a sentir um medo crescente, uma sensação de ser pego em uma armadi lha.

Ele disse, “São apenas as coisas que têm acontecido com igo, é tudo.”

“Pense para trás, e lembre -se de algumas dessas coisas,” a senhora idosa falou.

“Hoje é seu aniversário. Dia do Solstício de Inverno, o seu décimo primeiro Dia do

Solstício de Inverno. Pense voltando ao ontem, a sua décima Véspera do Solstíc io de

Inverno, antes de você ter visto o Signo pela primeira vez. Não houve mesmo nada

especial, então? Nada novo?”

Will pensou. “Os animais estavam com medo de mim,” ele disse relutantemente.

“E os pássaros talvez. Mas não pareceu signif icar nada naquele momento.”

“E se você t inha um rádio ou aparelho de televisão ligados na casa,” disse

Merriman, “eles se comportaram de forma estranha sempre que você f icava perto deles.”

Will olhou para ele. “O rádio realmente f icava emitindo ruídos. Como você sabia

disso? Pensei que fosse interferência ou algo ass im.”

Merriman sorr iu. “De certo modo. De certo modo.” Então ele estava sombrio

novamente. “Ouça agora. O dom de que eu falei, é um poder, que eu vou lhe mostrar. É o

poder dos Antigos Escolhidos, que são tão antigos quanto essa terra e até mais antigos

do que isso. Você nasceu para herdá - lo, Will, quando chegou ao f im de seu décimo ano.

Na noite antes do seu aniversário, e le estava começando a acordar, e agora no dia do seu

nascimento ele está l ivre, f lorescendo, totalmente crescido. Mas ele ainda está confuso e

não direcionado pois você ainda não possui o controle adequado. Você deve ser tre inado

para lidar com ele, antes que ele possa cair em seu verdadeiro padrão e realizar a busca

para a qual você está aqui . Não f ique tão abatido, garoto. Fique de pé. Mostrarei a você

o que ele pode fazer.”

Will levantou-se, e a senhora idosa sorriu para e le encorajadoramente. Ele disse

para ela subitamente, “Quem é você?”

“A senhora . . .” Merr iman iniciou.

“A senhora é mui to idosa,” ela disse em sua clara voz jovem, “e teve em sua época

muitos, muitos nomes. Talvez isso seria melhor por agora, Will, se você continuasse a

pensar em mim como... a senhora idosa .”

“Sim, madame,” disse Will, e com o som da voz dela sua fel icida de surgiu de

volta, o alerta crescente se afastou, e ele f icou ereto e ansioso, observando dentro da s

sombras atrás da cadeira dela onde Merriman havia se movido alguns passos atrás. Ele

podia ver o brilho do cabelo branco na f igura alta, mas nada mais.

A voz profunda de Merriman surgiu da sombra. “Fique parado. Olhe para o que

você quiser, mas não com f irmeza, não concentre -se em nada. Deixe a sua mente vagar,

f inja que está em uma aula chata na escola.”

25

Will riu, e f icou al i re laxado, inclinando sua cab eça para trás. Ele forçou os olhos,

preguiçosamente tentando distinguir entre as escuras vigas entrelaçadas no teto al to e as

l inhas negras que eram suas sombras. Merriman disse casualmente, “Estou colocando

uma imagem em sua mente. Diga -me o que você vê.”

A imagem formou-se na mente de Will tão naturalmente como se ele tivesse

decidido pintar uma paisagem e est ivesse visualizando o esboço dela antes de colocá -la

no papel. Ele disse, descrevendo os detalhes assim que eles surgiam: “Há o lado de uma

colina gramada, sobre o mar, como um tipo de suave penhasco. Muito céu azul, e o mar

de um azul mais escuro embaixo. Um longo caminho descendo, bem ali onde o mar

encontra a terra, há uma faixa de areia, adorável areia dourada brilhante . E dentro do

promontório gramado – você realmente não consegue ver daqui a não ser pelo canto do

seu olho – colinas, colinas nebulosas. Elas são de um tipo de púrpura suave, e suas

extremidades dissolvem-se dentro de uma névoa azul, do modo como as cores na pintura

dissolvem-se den tro uma da outra se você a deixar molhada” – ele saiu de seu semi -

transe de ver e olhar f ixo para Merriman, observando dentro da sombra com inquisi tivo

interesse – “e é uma imagem triste. Você sente saudade dela, você sente falta onde quer

que ela esteja. Onde f ica isso?”

“Basta,” disse Merriman depressa, mas ele soou contente. “Muito bem. Agora é a

sua vez. Dê-me uma imagem, Will. Apenas escolha alguma cena comum, qualquer coisa,

e pense no modo com o qual ela se parece, como se estivesse parado olhando p ara ela.”

Will pensou na primeira imagem que veio em sua mente. Era uma que, agora ele

percebia, est ivera o incomodando no fundo de seus pensamentos o tempo todo: a imagem

das duas grandes portas, i soladas ao lado da colina coberta de neve, com todos os s eus

intr incados entalhes, e o est ranho azul em suas bordas.

Merriman disse de uma vez: “As portas não. Nada tão próximo. De algum lugar de

sua vida antes que esse inverno viesse.”

Por um segundo Will olhou para e le desconcer tado; então ele engoliu em sec o,

fechou seus olhos e pensou na joalheria da qual seu pai cuidava na pequena cidade de

Eton.

Merriman disse, lentamente, “O puxador da porta é do tipo alavanca, como uma

barra arredondada, para ser empurrada para baixo ta lvez dez graus ao abrir. Uma

pequena campainha de sinos pendurada toca enquanto a porta se move. Você pisa

descendo algumas polegadas para a lcançar o chão, e o solavanco da descida é assustador

sem ser per igoso. Há expositores de vidro por todas as paredes, e sob o balcão de vidro –

é claro, essa deve ser a loja do seu pai. Com algumas coisas bonitas dentro dela. Um

relógio do avô, muito antigo, no canto lá atrás, com uma face pintada e uma profunda

marca. Um ornamento turquesa no expositor central com um conjunto de serpentes

prateadas: t rabalho Zuni, eu acho, um caminho muito distante de casa. Um pingente

esmeralda como uma grande lágrima verde. Um pequeno modelo encantador de um

castelo das Cruzadas, em ouro – ta lvez um saleiro – que você adorava, eu acredito, desde

que era um pequeno garoto. E aquele homem atrás do balcão, pequeno, contente e gentil ,

deve ser o seu pai, Roger Stanton. Interessante f inalmente vê-lo claramente, l ivre da

névoa. . . Ele tem um óculos de joalheiro em seu olho, e es tá olhando para um anel: um

antigo anel de ouro com nove pedras pequeninas montadas em três colunas, três

f ragmentos de diamante no centro e três rubis em cada lado, e algumas curiosas linhas

rúnicas nos extremos, as quais acredito que eu deva olhar mais de perto algum dia em

breve.”

26

“Você viu até o anel!” disse Will, fascinado. “É o anel da mamãe, Papai estava

olhando para ele na última vez em que eu est ive na loja. Ela pensou que uma das pedras

estava solta, mas ele disse que era uma ilusão de ótica. . . Como você faz isso?'

“Faço o quê?” Havia uma a ssustadora suavidade na voz profunda.

“Bem . . . aquilo. Colocar uma imagem em minha cabeça. E depois ver aquela que eu

mesmo tenho ali . Telepat ia, não é chamado assim? É espantoso.” Mas um desconforto

estava surgindo em sua mente.

“Muito bem,” Merriman dis se pacientemente. “Vou mostrar de outra maneira. há

um círculo de chamas das velas ao seu lado ali na mesa, Will Stanton. Agora , você

conhece alguma maneira possível de apagar uma daquelas chamas, além de soprá -la ou

extingui -la com água, um apagador de ve las ou a mão?”

“Não.”

“Não. Não há. Mas agora, direi que você, por ser quem você é, pode fazê -lo

simplesmente desejando-o. Para o dom que você tem, essa é uma pequena tarefa na

verdade. Se em sua mente você pensar em uma daquelas chamas e pensar nela sem nem

ao menos olhar, pense nela e diga a e la para se apagar, então aquela chama se apagará. E

isso é uma coisa possível para qualquer rapaz normal fazer? ”

“Não.” Will disse desanimadamente.

“Faça,” disse Merriman. “Agora.”

Houve um repentino si lêncio pesado na sala, como veludo. Will podia senti r os

dois o observando. Ele pensou desesperadamente: Vou cair fora dessa, pensarei em uma

chama, mas não será uma dessas; será algo muito maior, algo que não poderia ser

apagado exceto por alguma tremenda mágica i mpossível que até mesmo Merriman não

saiba. . . Ele olhou cruzando a sala para a luz e sombra dançando lado a lado pelas ricas

tapeçarias nas paredes de pedra, e pensou f irme, em furiosa concentração, nas toras

ardentes na grande lareira a trás dele. Ele sent iu o calor dela na costa de seu pescoço, e

pensou no coração laranja da grande pilha de toras e nas saltitantes l ínguas de fogo

amarelas . “Apague, fogo”, ele disse para ele em sua mente, sentindo -se subitamente

seguro e livre dos perigos do poder, porque é claro que fogo algum daquele tão grande

como aquele poderia possivelmente apagar sem uma razão real. “Pare de queimar, fogo.

Apague”.

E o fogo apagou-se.

De uma vez a sala es tava f ria – e mais escura. O anel de chamas de velas na mesa

continuava queimando, somente em uma pequena piscina f ria de sua própria luz. Will

deu um giro, olhando em consternação para o coração das toras; não havia s inal de

fumaça, ou água, ou qualquer outra maneira pela qual o fogo poderia possivelmente ter

morrido. Mas ele estava morto, f rio e negro, sem uma centelha. Ele se moveu ao redor

lentamente. Merriman e a senhora idosa não disseram palavra alguma, e não se moveram.

Will curvou-se e tocou as toras enegrecidas no centro, e elas estavam frias como pedra –

ainda enrugadas com uma camada de cinza nova que se esvaiu em uma poeira branca sob

os seus dedos. Ele f icou de pé, esfregando as mãos lentamente para cima e para baixo na

perna de sua calça, e olhou desamparado para Merriman. Os olhos profundos do homem

ardiam como chamas de velas negras , mas havia compaixão neles, e quando Will olhou

nervosamente para a senhora idosa, viu uma espécie de ternura em seu rosto também. Ela

disse gent ilmente: “Está um pouco frio , Will.”

27

Por um intervalo atemporal que não durou mais do que o es t remecer de um nervo,

Will sentiu um gritante f lash de pânico, uma recordação do medo que ele havia sent ido

no escuro pesadelo da tempestade de neve; então ele se foi, e na paz do seu desaparecer

ele sentiu-se de algum modo mais forte, maior, mais relaxado. Ele soube de algum modo

que tinha aceitado o poder, seja lá o que ele fosse, ao qual ele esteve resis tindo, e soube

o que deveria fazer. Dando um profundo suspiro, enquadrou seu ombros e f icou ereto e

f irme ali na grande sala. Sorriu para a senhora idosa; então olhou além dela, para o nada,

e concentrou-se na imagem do fogo. “Retorne, fogo”, ele disse em sua mente. “Queime

novamente”. E a luz es tava dançando sobre as paredes atapetadas mais uma vez, e o calor

das chamas estava de volta ao seu pescoço, e o fogo queimou.

“Obrigada,” disse a antiga senhora.

“Bem feito ,” Merriman disse suavemente, e Will sabia que ele não estava falando

apenas da extinção e reacendimento de um fogo.

“É uma responsabilidade,” Merriman disse. “Não se engane com relação a isso.

Qualquer grande dom, poder ou talento é uma responsabilidade, e esse mais do que

qualquer outro, e você constantemente irá desejar estar l ivre dele. Mas não há nada a ser

feito . Se você nasceu com o dom, então você deve servi -lo , e nada nesse mundo ou fora

dele deve f icar no caminho desse serviço, pois foi para isso que você nasceu e essa é a

Lei. E é assim, jovem Will, que você possui apenas um vislumbre de uma idéia do dom

que está em você, pois até que as primeiras provações do aprendizado estejam

terminadas, você estará em grande perigo. E quanto menos você souber do signif icado do

seu poder, melhor ele será em protegê - lo como ele tem feito pelos últimos dez anos.”

Ele contemplou o fogo por um momento, f ranzindo a testa. “Direi a você apenas

isso: que você é um dos Antigos Escolhidos, o primeiro a nascer por quinhentos anos, e o

último. E assim como todos, está preso pela natureza para devotar -se ao longo conflito

entre a Luz e o Escuro. Seu nascimento, Will, completou um círculo que tem crescido

por quatro mil anos em cada par te mais antiga dessa terra: o círculo dos Antigos

Escolhidos. Agora que você chegou ao seu poder, sua tarefa é tornar o círculo

indest rut ível. É sua missão encontrar e guardar os seis grandes Signos da Luz, feitos

através dos séculos pelos Ant igos Escolhidos, para se unirem em poder apenas quando o

círculo estiver completo. O primeiro Si gno já está pendurado em seu cinto, mas

encontrar o resto não será fáci l . Você é o Buscador dos Signos, Will Stanton. Esse é o

seu dest ino, sua primeira missão. Se puder realizá -la, terá trazido à vida uma das três

grandes forças que os Antigos Escolhidos devem direcionar para derrotar os poderes do

Escuro, que agora es tão se espalhando de modo constante e sorrateiro por sobre todo esse

mundo.”

O ritmo de sua voz, que esteve subindo e descendo em um crescente padrão

formal, subitamente tornou -se um tipo de grito de batalha cantado; um a convocação , Will

pensou de repente, com um calafrio comprimindo sua pele, para coisas a lém da grande

sala e além do tempo desse chamado . “Pois o Escuro, o Escuro está surgindo. O

Andarilho está longe de casa, o Cavaleiro está cavalgando; eles acordaram, o Escuro está

surgindo. E o último do Círculo veio para clamar pelo que é seu, e todos os círculos

agora devem ser unidos. O cavalo b ranco deve ir até o Caçador, e o r io tomar o vale;

deve haver fogo na montanha, fogo sob a rocha, fogo sobre o mar. Fogo para afastar o

Escuro, pois o Escuro, o Escuro está surgindo!”

Ele f icou ali parado, alto como uma árvore na sala escure cida, sua voz profunda

soando em um eco, e Will não conseguiu tirar os olhos dele. “O Escuro está surgindo”.

Isso foi exatamente o que ele sent iu noite passada. Era isso que ele estava começando a

sentir novamente agora, uma sombria consciência do mal espe tando nas pontas de seus

dedos e no topo de sua espinha, mas pela sua vida ele não conseguiu emiti r uma palavra.

28

Merriman disse, em um tom de canção que veio estranhamente de sua surpreendente

f igura, como se ele fosse uma criança recitando:

When the Dark comes rising , six shall turn it back;

Three from the circle , three from the track;

Wood, bronze, iron; water, f i re, stone;

Five wi ll return ,and one go alone.

Então ele deslizou para f rente saindo da sombra, passando pela senhora idosa,

imóvel e de olhos claros em sua cadeira de encosto longo; com uma das mãos ele t irou

uma das espessas velas brancas do anel ardente, e com a outra virou Wil l em direção à

grandiosa parede lateral.

“Olhe bem, a cada momento, Will,” ele disse. “Os Antigos Escolhidos mostrarã o

algo de si mesmos, e relembrarão a parte mais profunda de você. Por um momento, olhe

para cada um.” E com Will a seu lado ele deu passos largos ao redor da sala, segurando a

vela no alto de novo e de novo ao lado de cada tapeçaria pendurada nas paredes. A cada

vez, como se ele houvesse dado um comando, uma imagem clara brilhou por um instante

saindo de cada quadro adornado, tão luminosa e profunda como uma f igura banhada pelo

sol vista at ravés de uma janela. E Wil l viu.

Ele viu uma pequena árvore branca de f lores, crescendo do telhado de palha de

uma casa. Ele viu quatro grandes pedras cinzentas em um promontório verde acima do

mar. Ele viu o sorriso no crânio com olhos vazios de um cavalo, com um simples chif re

grosso quebrado em uma testa ossuda e l inha s vermelhas entrelaçando as longas

mandíbulas. Ele viu um raio at ingindo uma enorme árvore de faia e, saindo do f lash, um

grande fogo ardendo em uma ladeira vazia contra um céu negro.

Ele viu o rosto de um garoto não muito mais velho do que ele mesmo, olh ando

cur iosamente para dentro de si mesmo: uma face negra debaixo de liso cabelo negro, com

estranhos olhos de gato, as pupilas cercadas por luz mas quase amarelas no interior. Ele

viu um rio largo em inundação e ao lado dele um homem velho encolhido empol eirado

em um enorme cavalo. Enquanto Merr iman o conduzia inexoravelmente de uma imagem a

outra, repent inamente ele viu com um f lash de terror a imagem mais clara de todas: um

homem mascarado com um rosto humano, a cabeça de um cervo, os olhos de uma coruja ,

os ouvidos de um lobo, e o corpo de um cavalo. A f igura saltou, arrastando alguma

lembrança perdida bem fundo dentro de sua mente.

“Lembre -se deles,” disse Merriman. “Eles serão uma força.” Will assentiu, então

f icou tenso. E de uma só vez ele ouviu ruí dos crescendo do lado de fora da sala, e soube

com um terrível choque de certeza porque ele havia sent ido tanta inquietação pouco

tempo antes. Enquanto a senhora idosa sentava imóvel em sua cadeira, e ele e Merriman

f icavam de pé ao lado da lareira, a gran de sala foi subitamente preenchida com uma

horrenda mistura de gemidos, resmungos e lamentos, como as vozes engaioladas de um

zoológico do mal. Esse era um som mais puramente desagradável do que qualquer outro

que ele já tivesse ouvido.

O cabelo eriçou na costa do pescoço de Will, e então de repente houve um

silêncio. Uma tora caiu, chiando, no fogo. Will escutou o sangue batendo em suas veias.

E dentro do silêncio um novo som surgiu de algum lugar lá fora, além da parede distante:

o tristonho e sér io lamento de um cão desamparado, pedindo em pânico por ajuda e

compaixão. Soava exatamente como Raq e Ci, seus próprios cães, t inham feito quando

eram f ilhotes chorando por conforto no escuro; Wil l sentiu como se estivesse

dissolvendo de pena, e ele vi rou instin tivamente em direção ao som.

“Oh, onde ele es tá? Pobre criatura . . .”

29

Quando olhou para a rocha branca da parede distante, e le viu uma porta ganhar

forma nela. Não era uma porta como o desaparecido grande par pelo qual ele tinha

entrado, mas uma portinha est reita muito menor, parecendo totalmente fora de lugar. Mas

ele sabia que podia abr i-la para ajudar o cão suplicante. O animal choramingou

novamente em miséria maior do que antes; mais alto , mais apelat ivo, em um desesperado

meio-uivo. Will gi rou para f re nte impulsivamente para correr até a porta; então f icou

congelado no meio do passo pela voz de Merriman. Ela era suave, mas f ria como rocha

no inverno. “Espere. Se você visse a forma do pobre cão triste, f icaria imensamente

surpreso. E essa seria a última coisa que ver ia.”

Incrédulo, Will f icou parado e esperou. O choro foi sumindo, em um longo uivo

f inal. Houve silêncio por um momento. Então de repente ele ouviu a voz de sua mãe de

trás da porta.

“Will? Wiii --- i i l l . . . Venha me ajudar , Will !” Era inconfundivelmente a voz dela,

mas cheia de uma emoção não familiar: havia nela uma nota de pânico semi -controlado

que o aterrorizou. Ela surgiu novamente. “Will? Preciso de você. . . onde está você, Will?

Oh, por favor, Will, venha me ajudar . . .” E então uma infeliz interrupção no f inal, com

um soluço.

Will não conseguiu suportar. Ele lançou -se a f rente e correu para a porta . A voz

de Merriman veio atrás dele como uma chicotada. “Pare!”

“Mas eu tenho que ir, não consegue escutá - la?” Will gri tou com raiva. “Eles

pegaram minha mãe: Tenho que ajudar . . .”

“Não abra aquela porta!” Havia um certo desespero na voz profunda que disse a

Will, através do instinto, que em último caso Merriman estava incapaz de impedi -lo .

“Essa não é sua mãe, Will,” a senhora idosa falou claramente.

“Por favor, Will!” a voz de sua mãe implorou.

“Estou indo!” Will est icou -se a té o pesado trinco da porta, mas em sua pressa ele

tropeçou, e bateu no grande cast içal fazendo com que seu braço fosse imprensado contra

o seu lado. Houve uma repentina dor de queimadura em seu antebraço, e ele gritou e caiu

ao chão, olhando para a parte de dentro do seu pulso onde o Signo do círculo dividido

estava queimado agonizantemente vermelho em sua pele. Mais uma vez o símbolo de

ferro em seu cinto o tinha pego co m sua feroz mordida de f rio; dessa vez ele queimou

com um frio semelhante a um calor b ranco, em um feroz aviso ardente contra a presença

do mal, a presença que Will t inha sentido mas havia esquecido . Merr iman e a senhora

idosa ainda não haviam se movido. Will f icou de pé cambaleante e escutou, enquanto do

lado de fora da porta a voz de sua mãe choramingava, e então f icou raivosa, e

ameaçadora; então suavizou novamente e persuadiu e bajulou; então f inalmente cessou,

desaparecendo em um soluço que o feriu ai nda que sua mente e sentidos dissessem que

não era real.

E a porta desapareceu com ele, desfazendo -se como névoa, até que a parede de

pedra cinza estava sólida e intacta com o antes. Do lado de fora, o arrepiante coro de

resmungos e choramingos inumanos co meçou de novo.

Então a senhora idosa levantou-se e atravessou a sala, seu longo vestido verde

roçando genti lmente a cada passo. Ela pegou o antebraço machucado de Will com ambas

as mãos e colocou sua f resca palma d irei ta sobre ele. Então ela o soltou. A d or no braço

de Will se fora, e onde a queimadura vermelha es tivera ele via agora a brilhante pele sem

30

cabelo que cresce quando uma queimadura foi curada faz mui to tempo. Mas a forma da

cicatriz era clara, e e le soube que a carregaria até o f im de sua vida; era como uma

marca. Os sons de pesadelo além da parede cresceu e caiu em ondas ir regulares.

“Sinto muito,” disse Will miseravelmente.

“Estamos cercados, como você vê,” Merriman disse, indo juntar -se a eles. “Eles

esperam obter controle sobre você enqua nto ainda não tiver seu poder completo. E esse é

apenas o início do perigo, Will. Por toda essa estação do Solstício de Inverno o poder

deles estará mui to forte, com o poder da Antiga Magia capaz de mantê -lo à distância

apenas na Véspera de Natal. E até mesmo após o Natal ele crescerá, não perdendo sua

grande força até o Décimo Segundo Dia, a Décima Segunda Noite – que uma fez fora o

Dia de Natal, e uma vez antes disso, há muito tempo, foi o festival do alto inverno do

nosso ano velho.”

“O que vai acontece r?” disse Wil l.

“Devemos pensar apenas nas coisas que devemos fazer,” falou a senhora idosa . “E

a primeira é liber tá- lo do círculo de poder negro que agora es tá desenhado ao redor desta

sala.”

Merriman disse, ouvindo atentamente, “Fique de guarda. Contra qualquer coisa.

Eles falharam com uma emoção; eles tentarão pegá - lo at ravés de outra na p róxima vez.”

“Mas não deve ter medo,” ela disse. “Lembre -se disso, Will. Você f icará

assustado, muitas vezes, mas nunca os tema. Os poderes do Escuro podem fazer mui tas

coisas, mas eles não podem destruir. Eles não podem matar os da Luz. Não até que eles

obtenham um domínio f inal sobre toda a terra. E essa é a tarefa dos Antigos Escolhidos –

sua tarefa e nossa – evitar isso. Então não permita que eles o mergulhem no medo ou

desespero.”

Ela prosseguiu, dizendo mais, mas sua voz estava afundando como uma pedra

submersa em uma onda de maré alta, enquanto o horrível coro que lamentava e

murmurava do lado de fora das paredes f icou mais alto , mais alto , mais rápido e furios o,

dentro de uma cacofonia de chiados e risos sobrenaturais, guinchos de terror e

gargalhadas de alegria, uivos e rugidos. Enquanto Will ouvia, sua pele t remia e f icava

úmida.

Como em um sonho ele escutou a voz profunda de Merriman soar at ravés do

terr ível ruído, chamando-o. Ele não poderia ter se movido se a senhora idosa não tivesse

pego sua mão, puxando-o através da sala, de volta em direção à mesa e da lareira, o

único ponto de luz no salão escuro. Merriman falou per to de seu ouvido, rapidamente,

“Fique no círculo, o círculo de luz. Fique com sua costa para a mesa, e pegue nossas

mãos. Essa é uma união que eles não podem quebrar.”

Will f icou parado ali , seus braços abertos, enquanto fora de vista ao lado dele

cada um deles pegou uma de suas mãos. A luz do fogo na larei ra morreu, e e le f icou

ciente de que atrás dele as chamas do círculo de velas na mesa haviam f icado grandes,

gigantescas, tão altas que quando ele inclinou para trás sua cabeça conseguiu vê -las

erguendo-se sobre ele em um pilar b ranco de l uz. Não havia calor algum saindo dessa

grande árvore de chama, e embora ela estivesse iluminada com grande brilho ela não

lançava luz alguma além da mesa. Will não conseguia ver o resto da sala, nem as paredes

nem as imagens nem qualquer porta. Ele não con seguia ver nada além de escuridão, o

grande vazio negro da horrível visão da noite.

31

Isso era o Escuro, erguendo -se, erguendo-se para t ragar Wil l Stanton antes que ele

pudesse f icar forte o bastante para causar -lhe mal. Na luz da est ranha vela , Will seguro u

f irme nos f rágeis dedos da senhora idosa, e ao punho rígido de Merriman. O guincho do

Escuro cresceu a um pico intolerável, um alto rel incho tr iunfante, e Will soube sem

dúvida que diante dele , na escur idão , o grande garanhão negro estava empinando -se

como tinha feito do lado de fora da cabana na f loresta, com o Cavaleiro al i para derrubá -

lo se as ferraduras novas não f izessem seu trabalho. E dessa vez nenhuma égua branca

poderia descer do céu em seu socorro.

Ele ouviu Merriman gr itar, “A árvore de chama , Wil l ! Golpeie com a chama!

Assim como você falou com o fogo, fale com a chama, e golpeie! ”

Em desesperada obediência Wil l preencheu toda a sua mente com a imagem do

grande círculo de chamas das velas atrás dele, crescendo como uma árvore branca; e

quando ele o fez, sentiu a mente de seus dois apoiadores fazendo o mesmo, soube que os

três juntos poderiam alcançar mais do que ele jamais havia imaginado. Ele sentiu em

cada mão uma rápida pressão da mão que a segurava, e ele golpeou para f rente em sua

mente com a coluna de luz, batendo -a como se fosse um chicote gigante. Sobre a sua

cabeça surgiu um grande f lash de luz branca, enquanto as chamas al tas empinaram para

f rente e desceram em uma espiral de raios, e um t remendo grito das trevas além enquanto

algo – o Cavalei ro, o garanhão negro, ambos – foram lançados, fora, caindo, caindo

eternamente.

E na fenda dentro da escuridão ali diante deles, enquanto ele ainda piscava olhos

ofuscados, estavam as duas grandes portas de madeira entalhadas através das quais e le

havia entrado na sala.

Em um repentino silêncio Will ouviu a si mesmo gri tar triunfantemente, e ele

saltou para f rente, l ibertando -se das mãos que seguravam as suas, para correr até a porta.

Merriman e a senhora idosa gri taram em alarme, mas era tarde demais. Will t inha

quebrado o círculo, ele estava sozinho. Antes mesmo que percebesse isso ele então

sentiu-se tonto, e cambaleou, apertando sua cabeça, um estranho som começando a

pressionar seus ouvidos. Forçando suas pernas a se moverem, ele balançou at é as portas,

apoiou-se contra elas, e bateu nelas febrilmente com seus punhos. El as não se moveram.

O estranho retinir em sua cabeça cresceu. Ele viu Merriman movendo -se diante dele,

caminhando com grande esforço, inclinando -se para f rente como se est ivesse lutando

contra um forte vento.

“Tolo,” Merr iman ofegou. “Tolo, Will.” Ele agarrou as portas e as balançou,

empurrando para f rente com a força de ambos os braços de modo que veias torcidas ao

lado de suas sobrancelhas saltaram na pele como espessos f ios; e enquanto fazia isso, ele

levantou sua cabeça e gritou uma longa f rase de comando que Will não entendeu. Mas as

portas não se moveram, e Wil l sent iu a f raqueza derrubando -o, como se ele fosse um

boneco de neve derretendo ao sol.

A coisa que o trouxe de volta à consciência, jus tamente quando ele estava

começando a entrar em uma espécie de transe, foi algo que ele jamais foi capaz de

descrever , ou até mesmo lembrar muito bem. Foi como o f im da dor, como discórdia se

transformando em harmonia; como o iluminar dos espíritos que você pode senti r

subitamente no meio de um pálido dia cinzento, incontável até que você perceba que o

sol começou a bri lhar. Essa música s ilenciosa que entrou na mente de Will e assumiu o

controle de seu espíri to veio, ele soube instan taneamente, da senhora idosa. Sem

palavras, e la estava falando com ele. Ela estava falando com ambos , e com o Escuro. Ele

olhou para trás, deslumbrado; ela parecia mais a lta, maior, mais ereta do que antes, uma

f igura em uma escala completamente ampliada . E havia um nevoeiro dourado sobre ela,

um brilho que não vinha da luz de vela.

32

Will piscou, mas não conseguia ver claramente; era como se estivesse separado

dela por um véu. Ele ouviu a voz p rofunda de Merr iman, mais genti l do que já t inha

ouvido, mas esmagada por alguma repentina e forte infelic idade. “Madame,” Merr iman

disse penosamente. “Tenha cuidado, tenha cuidado.”

Voz alguma respondeu, mas Will teve uma sensação de benevolência. Então ela se

foi, e a alta forma brilhante que era e ainda ass im não e ra a senhora, moveu-se para

f rente lentamente na escuridão em direção às portas, e por um instante Will ouviu

novamente o surpreendente trecho de música que ele nunca conseguiu reter em sua

memória, e as portas abri ram lentamente. Do lado de fora havia uma luz cinza e silêncio,

e o ar estava f rio .

Atrás dele, a luz do anel de velas tinha sumido, e havia apenas escur idão. Era uma

inquietante escuridão vazia, então ele sobe que o salão não estava mais lá. E de repente

ele percebeu que a luminosa f igura doura da diante dele estava sumindo também,

desfazendo-se, como fumaça que f ica mais f ina, mais f ina, até que não pode mais ser

vista. Por um instante houve o f lash de um brilho rosado do grande anel que estava na

mão da senhora idosa, e então ele também enfraqu eceu, e a luminosa presença dela se

desfez em nada. Wil l sentiu uma desesperada dor de perda, como se o mundo todo tivesse

sido tragado pelo Escuro, e ele gritou.

Uma mão tocou seu ombro. Merriman estava a seu lado. Eles passaram pelas

portas. Lentamente os grandes portais de madeira entalhada fecharam -se atrás deles, por

tempo suf iciente para Will ver claramente que eles eram os mesmos portões estranhos

que tinham aber to para ele antes na intocada ladeira branca de uma colina de Chiltern.

Então, no momento em que fecharam, as portas também não estavam mais lá. Ele não viu

nada: apenas a luz cinza da neve que ref letia um céu cinzento. Estava de volta ao mundo

da f loresta coberta de neve no qual tinha caminhado cedo naquela manhã.

Ele se vi rou ansiosamente para Merriman. “Onde ela está? O que aconteceu?

“Foi demais para e la. O esforço foi grande demais, a té mesmo para ela . Nunca

antes. . . Eu nunca tinha visto isso.” A voz dele estava grossa e amarga; ele olhou

furiosamente para o vazio.

“Será que eles . . . a levaram?” Will não sabia que palavras usar para o medo.

“Não!” disse Merriman. A palavra foi tão rápida e com tanto desdém que deve ter

sido uma risada. “A Senhora está a lém do poder deles. Além de qualquer poder. Você

não fará uma pergunta como essa quando tiver aprendido um pouco. Ela se foi por algum

tempo, isso é tudo. Foi a aber tura das portas, n a cara de tudo que as es tava mantendo

fechadas. Embora o Escuro não pudesse destruí -la, e le a drenou, deixou-a como uma

concha. Ela deve se recompor, longe e sozinha, e i sso é ruim para nós se por acaso

precisar-mos dela. Como precisaremos. Como o mundo sempre precisará.” Ele olhou para

Will sem calor; subitamente pareceu distante, quase ameaçador, como um inimigo; e le

balançou uma das mãos impacientemente. “Fe che seu casaco, garoto , antes que você

congele.”

Will se atrapalhou com os botões de sua pesada jaqueta; Merriman, ele viu, estava

enrolado em uma longa capa azul surrada, de colarinho alto .

“Foi culpa minha, não foi?” ele disse miseravelmente. “Se eu nã o tivesse corrido

em frente, quando vi as portas . . . Se eu cont inuasse segurando suas mãos, e não quebrasse

o círculo . . .”

33

Merriman falou de modo curto: “Sim.” Então ele abrandou um pouco. “Mas foi um

feito deles, Will, não seu. Eles se aproveitaram de você , através de sua impaciência e sua

esperança. Eles adoram distorcer boa emoção para fazer o mal.”

Will f icou encolhido com suas mãos em seus bolsos, olhando para o chão. Por trás

de sua mente um cântico estava zombando pela sua cabeça: você perdeu a Senho ra, você

perdeu a Senhora. A infelicidade era espessa em sua garganta; e le engoliu em seco; não

conseguiu falar. Uma brisa soprou através das árvores, e espalhou cris ta is de neve em

seu rosto.

“Will,” Merr iman disse. “Eu estava zangado. Perdoe -me. Quer você tenha

quebrado os Três ou não, as coisas teriam sido as mesmas. As portas são nosso grande

portal para dentro do Tempo, e você saberá mais sobre os usos delas em breve. Mas

dessa vez você não as podia ter aberto, nem eu, nem talvez nenhum do círculo. Po is a

força que estava empurrando contra elas era todo o poder do Solstíc io de Inverno do

Escuro, o qual ninguém sozinho, a não ser a Senhora, pode superar – e até mesmo ela,

somente a um grande custo. Conforte -se; no momento apropriado, ela retornará.”

Ele puxou o alto colarinho de sua capa, e ele se tornou um capuz que cobriu sua

cabeça. Com o cabelo branco escondido de repente e le era uma f igura negra, alta e

inescrutável. “Venha,” ele disse, e conduziu Will pela neve profunda, entre grandes faias

e carvalhos sem folhas. Após longo tempo eles pararam, em uma clareira.

“Você sabe onde está?” disse Merriman.

Will olhou em volta para os suaves bancos de neve, as árvores a trás. “É claro que

não.” disse e le. “Como eu poderia?”

“Ainda antes que t rês quartos do inverno tenha se passado,” disse Merriman,

“Você estará raste jando para dentro desse vale para observar os f locos de neve que

crescem por toda par te entre as árvores. E então na primavera você voltará para

contemplar os narcisos. Todos os dias por uma s emana, a julgar pelo último ano.”

Will olhou para e le. “Você quer dizer a Mansão?” ele disse. “Os terrenos da

Mansão?”

Em seu próprio século, a Mansão de Huntercombe era a grande casa do vilarejo. A

casa propriamente dita não podia ser vista da est rada, mas seus terrenos jaz iam pelo lado

da Huntercombe Lane do lado oposto à casa dos Stantons, e estendiam -se um longo

caminho em todas as direções, ladeados alternadamente pelas a ltas cercas feitas de ferro

e antigas paredes de ti jolos. Uma Srta. Greythorne a possuía, ass im como sua família

tinha possuído por séculos, mas Will não a conhecia bem; ele raramente a via ou a sua

Mansão, da qual ele lembrava vagamente como uma massa de altos espigões de tijolo e

chaminés Tudor. As f lores de que Merriman tinha falad o eram terreno particular em seu

ano. Tanto quanto podia se lembrar, ele t inha desl izado pelas cercas da Mansão no f inal

do inverno para f icar nessa única clarei ra mágica e observar os suaves f locos de neve

expulsos pelo vento, e mais tarde o brilho dourad o do narciso na pr imavera. Ele não

sabia quem havia plantado as f lores; nunca tinha vis to ninguém vis itando -as. Ele não

tinha nem certeza se alguém sabia que elas es tavam lá. A imagem delas cresceu agora em

sua mente.

Mas questões emergentes logo afast aram-na . “Merriman? Você quer dizer que esta

clareira es tá aqui por centenas de anos antes de eu vê -la pela primeira vez? E a grande

sala, ela é como uma Mansão antes da Mansão, surgindo de séculos at rás? E a f loresta ao

nosso redor, através da qual eu aparec i quando vi o ferreiro e o Cavaleiro . . . se estende

por toda parte, tudo isso pertence a. . .”

34

Merriman olhou para ele e riu, uma risada alegre, subitamente sem o peso que

esteve sobre ambos.

“Permita que eu mostre algo mais,” d isse ele, e levou Wil l mais l onge at ravés das

árvores, longe da clareira, a té que houve um f im à seqüência de troncos e montes de

neve. E diante dele Will viu não a es tre ita tri lha daquela manhã que ele estava

esperando, fazendo seu caminho através de uma interminável f loresta de anti gas árvores

curvas, mas a familiar l inha da Huntercombe Lane do século vinte, e a lém dela, subindo

um pouco a estrada, um vislumbre de sua própria casa. As cercas da Mansão estavam

diante deles, de cer ta forma encurtadas pela neve profunda; Merriman passou por cima,

Will passou pela sua fenda costumeira, e e les estavam parados na es trada ladeada de

neve.

Merriman colocou seu capuz novamente, e ergueu sua cabeça de cabelos brancos

como que para farejar o ar desse século mais novo. “Você percebe, Will, ” ele disse, “nós

do Círculo estamos plantados apenas f rouxamente dentro do Tempo. As portas são um

caminho através dele, em qualquer direção que possamos escolher. Pois todos os tempos

co-existem, e o futuro às vezes pode afetar o passado, ainda que o passado seja uma

estrada que conduz ao futuro. . . Mas os homens não conseguem entender isso. Nem você

poderá ainda por algum tempo. Podemos viajar pelos anos de outras formas também .

Uma delas foi usada es ta manhã para trazê -lo de vol ta a través de aproximadamente c inco

séculos. É onde você estava . . . na época das Florestas Nobres, que se estendiam por toda

a parte mais ao sul dessa terra de Southampton Water subindo até o vale do Thames

aqui.”

Ele apontou para o outro lado da est rada para o horizonte plano, e Will l embrou

de como tinha visto o Thames duas vezes naquela manhã: uma entre seus familiares

campos, uma enterrada entre árvores. Ele observou a intensidade da lembrança no rosto

de Merriman.

“Quinhentos anos atrás,” disse Merriman, “os reis da Inglaterra esco lheram

preservar essas f lorestas deliberadamente, engolindo vilarejos inteiros e aldeias dentro

delas, de modo que coisas selvagens, o cervo, os porcos selvagens e a té mesmo os lobos,

pudessem procriar ali para a caça. Mas f lorestas não são lugares complacentes, e os reis

estavam, sem o saber, estabelecendo também um paraíso para os poderes do Escuro, que

ao invés disso deveriam ter sido enviados de volta para as montanhas e terras remotas do

Norte. . . Então ali é onde você esteve até agora, Wil l. Na f lorest a de Anderida, como eles

costumavam chamá-la. No passado muito distante. Você esteve lá no início do dia,

caminhando pela f loresta na neve; a li no lado vazio da colina de Chi lterns; ainda al i

quando você caminhou pela primeira vez at ravés das portas , aqui lo foi um símbolo, sua

primeira caminhada, para seu aniversário como um dos Antigos Escolhidos. E ali , no

passado, é onde deixamos a Senhora. Gostar ia de saber onde e quando a veremos

novamente. Mas ela virá, quando puder.” Ele encolheu os ombros, como que para afastar

de novo o peso. “E agora você pode ir para casa, pois está em seu próprio mundo.”

“E você está nele também,” disse Wil l.

Merriman sorriu. “De volta outra vez. Com sentimentos misturados.”

“Aonde você vai?”

“Para cá e para lá. Eu tenho um l ugar nesse tempo presente, assim como você. Vá

para casa agora, Wil l. O próximo estágio na busca depende do Andarilho, e ele o

encontrará. E quando o círculo dele estiver em seu cinto ao lado do primeiro, eu virei. ”

35

“Mas. . .” de repente Will queria se agar rar a e le, implorar para que não fosse

embora. Sua casa não parecia mais aquela fortaleza impenetrável que sempre havia sido.

“Você f icará bem,” Merr iman falou gentilmente. “Acei te as coisas como elas se

apresentam. Lembre que o poder protege você. Não fa ça nada precipitado para lhe trazer

problemas, e tudo estará bem. E nos encontraremos em breve, prometo a você.”

“Tudo bem,” disse Will de modo incerto .

Uma estranha rajada de vento turbilhou ao redor deles, na manhã parada, e

f ragmentos de neve caíram das árvores ao lado da estrada. Merriman jogou sua capa em

volta de si mesmo, sua parte inferior fazendo um desenho na neve; ele deu um olhar f rio

para Wil l, de alerta e encorajamento misturados, puxou seu capuz sobre o seu rosto, e foi

descendo a est rada s em uma palavra. Desapareceu ao fazer a curva ao lado da Floresta

das Gralhas, no caminho para a Fazenda Dawsons.

Will deu um suspiro profundo, e correu para casa. A alameda estava silenciosa na

neve profunda e manhã cinza; nenhum pássaro se moveu ou chilr eou; nada se mexia em

lugar algum. A casa também estava completamente t ranqüila. Ele ti rou suas roupas de

sair, subiu os degraus s ilenciosos. Na plataforma no meio da escadar ia ele f icou olhando

os telhados brancos e campos. Nenhuma grande f loresta cobria a terra agora. A neve era

tão profunda, mas suave sobre os planos campos do vale, por todo o caminho até a curva

do Thames.

“Muito bem, muito bem,” disse James sonolento dentro do seu quarto.

De trás da porta seguinte, Robin deu um t ipo de rugido disform e e resmungou,

“Em um minuto. Estou indo.”

Gwen e Margaret vieram t ropeçando juntas saindo do quarto que elas dividiam,

vestindo camisolas, esfregando seus olhos. “Não é preciso gritar,” Margaret disse

reprovadoramente para Will.

“Gritar?” ele f icou olhando para ela.

“Acordem todos” ela disse com um gr ito zombeteiro. “Quero dizer, é feriado, pelo

amor de Deus.”

Will disse, “Mas eu . . .”

“Não se preocupe,” disse Gwen. “Vocês podem perdoá -lo por querer nos acordar

hoje. Afinal de contas, ele tem uma boa ra zão.” E ela se aproximou e deu um rápido

beijo no topo de sua cabeça.

“Feliz aniversário, Will,” ela disse.

36

arte Um: O Achado

Andarilho no Antigo Caminho

“Mais neve está para vi r, eles dizem,” falou a mulher gorda com a bolsa de alça

para o condutor do ônibus.

O condutor do ônibus, que era das Índias O cidentais , balançou sua cabeça e deu

um grande suspiro mal-humorado. “Clima louco,” disse ele. “Mais um inverno como

esse, e eu vol to para Porto de Espanha.”

“Anime-se, amor,” falou a mulher gorda . “Você não verá mais nenhum como esse.

Sessenta e seis anos eu vivo no Vale Thames, e nunca vi neve desse jeito , não antes do

Natal. Nunca.”

“Mil novecentos e quarenta e sete,” disse o homem sentado perto dela, um homem

magro com um longo nariz pontudo. “Aquele foi um ano para neve. Palavra que foi.

Montes mais altos do que sua cabeça, descendo por toda a Huntercombe Lane e Marsh

Lane e diretamente at ravés da Comunidade. Você não conseguia nem atravessar a

Comunidade por duas semanas. Tiveram que consegui r removedores de neve. Oh, aquele

foi um ano para neve.”

“Mas não antes do Natal,” disse a mulher gorda.

“Não, era Janeiro.” O homem assentiu lamentosamente. “Não antes do Natal,

não . . .”

Eles devem ter continuado assim por todo o caminho até Maidenhead, e talvez

tenham, mas Will subitamente notou que sua parada estava se ap roximando no

descaracter izado mundo branco lá fora. Ele f icou de pé, agarrando sacolas e caixas. O

condutor tocou o sinal para ele.

“Compras de Natal,” ele observou.

“Uh-huh. Três. . . quatro. . . cinco. . .” Will espremeu os pacotes contra seu peito , e

segurou-se no corrimão do ônibus sal titante. “Terminei todas agora,” ele disse. “Bem na

hora.”

“Gostaria que eu também tivesse,” disse o condutor. “Véspera de Natal amanhã

também. Sangue congelado, esse é meu problema. . . preciso de um pouco de clima quente

para me acordar.”

O ônibus parou, e ele segurou Will enquanto ele desceu. “Fel iz Natal, garoto ,”

Eles se conheciam das viagens de ônibus de Will indo e vindo da escola.

“Feliz Natal,” disse Wil l. Em um impulso ele gri tou para e le, enquanto o ônibus se

afastou. “Você terá um pouco de clima quente no Dia de Natal !”

O condutor abriu um largo sorriso branco. “Você vai a jei tar isso?” ele gritou de

volta.

37

Talvez eu pudesse, Will pensou, enquanto caminhou pesadamente pela estrada

principal em direção à Huntercombe Lane. Talvez eu pudesse. A neve estava funda

mesmo nas calçadas; poucas pessoas saíram para caminhar por el as nos últ imos dois dias.

Para Will eles tinham sido dias pacíf icos, indepen dente da lembrança do que tinha

acontecido antes. Ele havia passado um feriado alegre, com uma festa de família tão

tumultuada que t inha caído na cama e dormido com pouquíssimo pensamento no Escuro.

Depois disso, houve um dia de guerras de bola de neve e t obogãs improvisados com seus

irmãos, no campo inclinado atrás da casa. Dias cinzentos, com mais neve pairando sobre

as cabeças mas inexplicavelmente ainda não caindo. Dias si lenciosos; malmente um carro

desceu a alameda, exceto as vans do leiteiro e do pad eiro. E as gralhas es tavam quietas,

de vez em quando apenas uma ou duas delas desl izando lentamente para f rente e para

trás sobre sua f loresta.

Os animais, Will percebeu, não tinham mais medo dele. Na verdade, eles pareciam

mais afetuosos do que antes. Ap enas Raq, o mais velho dos dois collies, que gostava de

sentar com seu queixo descansando no joelho de Will, se afas tava dele às vezes sem

nenhuma razão aparente, como se propelido por um choque elétrico. Então ele espreitaria

pela sala inquieto por alguns momentos, antes de voltar para observar inqu isit ivamente o

rosto de Will, e f icar calmo novamente como antes. Will não sabia o que fazer quanto a

isso. Ele imaginou que Merr iman saberia; mas Merriman estava fora de alcance. O

círculo com a cruz em seu cin to tinha permanecido quente ao seu toque desde que ele

tinha retornado para casa duas manhãs antes. Ele enf iou sua mão debaixo de seu casaco

agora enquanto caminhava, para checar, e o círculo estava f rio; mas ele pensou que

deveria ser simplesmente porque estava do lado de fora onde tudo estava f rio . Tinha

passado a maior par te da tarde fazendo compras de presentes de Natal em Slough, a

cidade grande mais próxima deles; era um r itual anual, o dia antes da Véspera de Natal

ser o dia quando ele tinha cer teza de ter dinheiro como presente de aniversário de várias

tias e tios para gastar. Esse, entretanto, era o primeiro ano em que tinha ido sozinho. Ele

estava adorando; você podia pensar melhor nas coisas sozinho. O presente todo -

importante para Stephen – um livro sobre o Thames – havia sido comprado fazia muito

tempo, e postado para Kingston, Jamaica, onde seu navio estava no que era chamada a

Estação Caribenha. Will pensou que isso soava como um trem. Ele decidiu que dever ia

perguntar a seu amigo condutor como era Kingston; embora mesmo que o condutor do

ônibus tivesse vindo de Trinidad ta lvez pudesse ter sentimentos severos sobre outras

ilhas.

Ele sent iu novamente aquela pequena queda de espírito que tinha surgido nos

últimos dois dias, pois esse ano pela pri meira vez que ele podia lembrar não houve

presente de aniversár io de Stephen. E afastou o desapontamento pela centésima vez, com

o argumento de que a correspondência t inha se extraviado, ou o navio tivesse

repent inamente navegado em alguma missão urgente e ntre as ilhas verdes. Stephen

sempre lembrou; Stephen teria lembrado dessa vez, se alguma coisa não atrapalhasse.

Stephen não poderia possivelmente esquecer.

Na f rente dele, o sol es tava descendo, vis ível pel a primeira vez desde a manhã de

seu aniversár io . Ele brilhou gordo e laranja -dourado através de uma brecha nas nuvens, e

por toda parte o mundo prateado de neve cintilou com pequenos f lashes de luz. Depois

das ruas c inzentas de neve derretendo da cidade, tudo estava l indo novamente. Will foi

caminhando, passando por paredes d e jardins, árvores, e então o topo de uma pequena

trilha não pavimentada, malmente uma est rada, conhecida como Tramps' Al ley, que

brotava da estrada principal e eventualmente curvava para se unir a Huntercombe Lane

perto da casa dos Stantons. As crianças a usavam como atalho algumas vezes. Will olhou

para ela agora, e viu que ninguém estivera naquele caminho desde que a neve começou;

lá embaixo ela jazia intocada, suave, branca e convidativa, marcada apenas pelos

desenhos das pegadas dos pássaros. Terri tório inexplorado. Will achou isso irres ist ível.

38

Ele virou descendo na Tramps ' Al ley, pisando com vontade pela neve clara,

levemente incrustada, de modo que f ragmentos dela presos na borda das calças entraram

em suas botas. Ele perdeu o sol de vista de repente, bloqueado pela f loresta que estava

entre a pequena t rilha e as poucas casas no f inal do topo da Huntercombe Lane. Enquanto

atravessava a neve, ele segurou seus embrulhos contra o peito , contando -os novamente: a

faca para Robin, a f lanela de pele de ovelha para Paul, para limpar sua f lauta; o diário

para Mary, os sais de banho para Gwennie; as super -especiais canetas com ponta de

feltro para Max. Todos os seus outros presentes já estavam comprados e embrulhados. O

Natal era um fest ival complicado quando você era uma entre nove crianças .

A caminhada descendo a Tramps' Al ley logo começou a f icar menos diver tida do

que ele tinha esperado. Os joelhos de Will doíam do esforço de chutar um caminho

através da neve. Os embrulhos eram desaj ei tados para se carregar. O brilho vermelho -

dourado do sol morreu em um cinzento pálido. Ele estava com fome, e estava com frio .

Árvores erguiam-se alto à sua direi ta : na maioria elmos, com uma ocasional faia.

Do outro lado da trilha havia uma extensão de terras improdutivas, transformadas pela

neve de um confuso monte de ervas daninhas e moitas em uma paisagem lunar de vastas

ladeiras brancas e buracos sombreados. Por todo seu redor na tr ilha coberta de neve,

ramos e pequenos galhos jaziam espalhados, der rubados das árvores pelo peso da neve;

logo em frente, Will viu um enorme galho caído bem no meio de seu caminho. Ele olhou

para cima apreensivamente, imaginando quantos outros braços mortos dos grandes elmos

estavam esperando que o vento ou o peso da neve os derrubassem. Uma época boa para

colher lenha, e le pensou, e teve uma repent ina imagem tentadora do fogo salti tante que

ardera na lareira da grande sala: o fogo que tinha mudado seu mundo, ao desaparecer

com uma palavra de comando sua e então obedientem ente queimando vivo novamente.

Enquanto tropeçava pela f ria neve, uma súbita idéia alegre brotou em sua cabeça

surgindo do pensamento naquele fogo, e ele parou, rindo para si mesmo. Você vai ajeitar

isso? Bem, não, amigo, provavelmente eu não posso conseg uir para você um Dia de Natal

quente de verdade, mas agora eu poderia aquecer as coisas um pouquinho por aqui.

Olhou confiante para o galho morto caído diante dele, e agora com um fácil comando

usando o dom que sabia estar nele, disse suavemente, de forma travessa, “Queime!”

E ali na neve, o braço caído da árvore explodiu em ch amas. Cada polegada dele,

desde a espessa base podre até o menor ramo, ardeu com línguas de fogo amarelado.

Houve um som sibilante, e um alto feixe de brilho ergueu -se do fogo como um pilar.

Nenhuma fumaça saiu da queima, e as chamas eram constantes; ramos que deveriam ter

queimado e estalado brevemente e então caído em cinzas queimavam continuamente,

como se alimentadas por outro combustível interior. Parado ali sozinho, de repente W ill

sentiu-se pequeno e assustado; esse não era um fogo comum, e não seria controlado por

meios comuns. Ele não estava de forma alguma se comportando do mesmo modo que o

fogo na lareira t inha feito . Não sabia o que fazer com ele. Em pânico, focou sua mente

nele novamente e disse para se apagar, mas ele continuou, f irme como antes. Sabia que

tinha feito algo tolo, impróprio, perigoso talvez. Olhando para cima através do pilar de

luz bruxuleante, viu bem alto no céu cinzento quatro gralhas voando lentamente e m

círculo.

Oh, Merriman, ele pensou infel iz, onde você está?

Então ele engasgou, enquanto alguém o agarrou por trás, bloqueou seus pés que

chutavam em um remexer de neve, e dobrou seus braços pelos pulsos a trás de sua costa.

Os embrulhos se espalharam pe la neve. Wil l gritou com a dor em seus braços. O aperto

em seus pulsos afrouxou no mesmo instante, como se o atacante estivesse relutante em

causar -lhe algum mal de verdade; mas ele a inda estava seguro f irmemente.

39

“Apague o fogo!” disse uma voz rouca em s eu ouvido, rapidamente.

“Não consigo!” disse Will. “De verdade. Eu tentei, mas não consigo.”

O homem amaldiçoou e resmungou estranhamente, e ins tantaneamente Will soube

quem era. Seu terror desapareceu, como um peso liberado. “Andarilho,” e le disse, “Me

solte. Não precisa me segurar desse jeito .”

O aperto aumentou de repente. “Oh não, você não vai garoto. Conheço seus

truques. Você é o escolhido, tudo bem, agora eu sei, você é um Antigo Escolhido, mas eu

não confio em sua gente mais do que confio no Escu ro. Você é recém desperto, você é, e

deixe que eu diga algo que você não sabe . Quando você é recém desper to, não pode fazer

nada para ninguém a não ser que possa vê -lo com seus olhos. Então você não vai me ver,

isso eu sei.”

Will falou: “Não quero fazer nada a você. Realmente tem pessoas que podem ser

confiáveis, você sabe.”

“Poucos preciosos,” o Andarilho disse tris temente.

“Eu poderia fechar meus olhos, se você me soltar.”

“Hah!” o homem velho disse.

Will falou, “Você carrega o segundo Si gno. Dê para mim.” Houve um si lêncio. Ele

sentiu as mãos do homem se afastarem de seus braços, mas ele f icou onde estava e não se

virou. “Eu já tenho o primeiro Signo , Andar ilho,” ele disse. “Você sabe que tenho. Olhe,

estou abrindo minha jaqueta, e a colocarei para t rás, e você pode ver o primeiro cí rculo

no meu cinto.”

Ele colocou de lado seu casaco, ainda sem mexer sua cabeça, e estava ciente da

forma curvada do Andari lho deslizando para seu lado. A respiração do homem sibilou

através de seus dentes em um longo suspiro enquanto olhava, e e le virou sua cabeça para

cima observando Will sem cautela. Sob a luz amarela do galho que ardia constantemente

Will viu um rosto contorcido por emoções conflitantes : esperança, medo e a lívio unidos

fortemente por angustiada incert eza.

Quando o homem falou, sua voz es tava quebrada e simplória como a de uma

pequena criança triste.

“É tão pesado,” ele disse queixosamente. “E tenho carregado ele por tanto tempo.

Nem lembro porque. Sempre assustado , sempre tendo que fugir. Se ao menos eu pudesse

me livrar dele, se ao menos eu pudesse descansar. Oh, se ao menos ele fosse embora.

Mas não ouso arr iscar entregá -lo para a pessoa errada, não ouso. As coisas que

aconteceriam a mim se eu o f izesse, elas são terríveis demais, não podem ser desc ritas

em palavras. Os Antigos Escolhidos podem ser cruéis, cruéis. . . acho que você é a pessoa

certa, garoto, estive procurando por você um longo tempo, um longo tempo, para lhe

entregar o Signo. Mas como posso realmente ter cer teza? Como posso ter certeza de que

você não é apenas um truque do Escuro?”

Ele esteve com medo por tanto tempo, pensou Will, que esqueceu como parar. Que

horrível, f icar tão absolutamente soli tário . Ele não sabe como confiar em mim; faz tanto

tempo desde que ele conf iou em alguém, e le esqueceu como.. . “Olhe,” ele disse

gentilmente. “Você deve saber que não faço parte do Escuro. Pense. Você viu o

Cavaleiro tentar me derrubar.”

40

Mas o homem velho balançou sua cabeça miseravelmente, e Wil l lembrou como

ele tinha fugido da clareira gri tando no momento em que o Cavaleiro apareceu.

“Bem, se isso não ajuda,” e le disse, “o fogo não lhe diz?”

“O fogo quase,” disse o Andarilho. Ele olhou para ele esperançosamente; então

seu rosto se contorceu em renovado alarme. “Mas o fogo, ele os trará, gar oto, você sabe

disso. As gralhas já estarão guiando -os. E como eu sei se você acendeu o fogo porque é

um Antigo Escolhido recém desperto se divert indo, ou como um sinal para trazê -los at rás

de mim?” Ele resmungou para s i mesmo em angúst ia, e aper tou seus b raços ao redor de

seus ombros. Ele era um pobre desgraçado, Will pensou com pena. Mas de alguma forma

ele tinha que fazê -lo entender.

Will olhou para cima. Agora havia mais gralhas c irculando preguiçosamente, e ele

podia ouvi-las gri tando umas para as out ras de forma estridente. Estaria o homem velho

certo, os pássaros negros eram mensageiros do Escuro? “Andarilho, pelo amor de Deus,”

ele disse impacientemente. “Você deve confiar em mim . Se não confiar em alguém ao

menos uma vez, tempo o bastante para entr egar a ele o Signo, você o carregará para

sempre. É isso que você quer?”

O velho mendigo resmungou e emudeceu, olhando para ele com pequenos olhos

enlouquecidos; ele parecia preso em seus séculos de suspeita como uma mosca em uma

teia. Mas a mosca ainda tem asas que podem partir a teia ; dando a e le a força para batê -

las, só uma vez. . . Conduzido por alguma parte desconhecida de sua mente, sem saber

completamente o que estava fazendo, Will agarrou o círculo de ferro em seu cinto, e

f icou tão ereto e altivo q uanto podia e apontou para o Andarilho, e gri tou, “O último dos

Antigos Escolhidos surgiu, Andarilho , e está na hora. O momento de entregar o Signo é

agora, agora ou nunca. Pense apenas nisso , nenhuma outra chance surgirá. Agora,

Andarilho. A não ser que o carregue para sempre, obedeça os Antigos Escolhidos agora.

Agora!”

Foi como se a palavra liberasse uma mola. Em um instante, todo o medo e suspeita

no rosto velho contorcido relaxou em infantil obediência. Com um sorriso de quase tola

ansiedade o Andaril ho se at rapalhou com uma larga tira de couro que usava

diagonalmente sobre o peito , e retirou dela um círculo dividido idêntico ao que Will

usava em seu cinto, mas cinti lando com o pálido brilho marrom -ouro do bronze. Ele o

colocou nas mãos de Will, e deu uma pequena r isada de surpreendente a legria.

O galho em chamas amarelas na neve diante deles ardeu subitamente mais

brilhante, e apagou-se.

O galho jazia do mesmo jei to que estava quando Will desceu a Tramps ' Al ley pela

primeira vez: cinza, sem queimadura, f rio , como se nenhuma parte dele jamais tivesse

sido tocada por centelha ou chama. Segurando o círculo de bronze, Will olhou para a

casca áspera de madeira, caída ali na neve sem marcas. Agora que sua luz havia

desaparecido, o dia repentinamente parecia muito mais escuro, cheio de sombras, e ele

percebeu com um choque o quão pouco da tarde havia res tado. Era tarde. Ele devia i r. E

então uma clara voz disse, saindo da sombras em frente, “Alô, Will Stanton.”

O Andarilho guinchou de terror, um som f ino e f eio. Will enf iou rapidamente o

círculo de bronze em seu bolso, e deu um passo f irme em frente. Então ele quase sentou

na neve com al ívio, quando viu que o recém chegado era apenas Maggie Barnes, a

leiteira da Fazenda Dawsons. Nada s inis tro a respei to de Ma ggie, a admiradora de Max

com bochechas de maçã. Sua forma grande estava enf iada em casaco, botas e cachecol;

ela es tava carregando uma cesta coberta, e descendo em direção à estrada principal. Ela

olhou para Will, então observou acusadoramente o Andari lho .

41

“Porque,” ela disse, com sua voz de Buckinghamshire, “esse é aquele velho

vagabundo que esteve perambulando na quinzena passada. O Fazendeiro disse que ele

queria te ver pelas costas, velho. Ele estava incomodando você, jovem Will? Aposto que

agora estava.” Ela olhou para o Andarilho, que se encolheu silenciosamente em seu

casaco sujo semelhante a uma capa.

“Oh, não,” disse Will. “Eu estava apenas correndo vindo do ônibus de Slough, e

eu. . . esbarrei nele. Esbarrei de verdade. Derrubei todas as minhas co mpras de Natal,” ele

adicionou depressa, e se curvou para juntar seus embrulhos e pacotes que ainda estavam

espalhados na neve.

O Andari lho fungou, encolheu -se mais fundo dentro de seu casaco, e se arrastou

para passar por Maggie subindo a tr i lha. Mas qua ndo ele f icou ao nível dela, e le parou

abruptamente, empurrado para trás como se tivesse batido em alguma barreira invis ível.

Ele abriu sua boca, mas som algum saiu. Will se ergueu lentamente, observando, seus

braços cheios de pacotes. Uma terrível sensaçã o de inquietação começou a rastejar sobre

ele, como o calafrio causado por uma brisa f ria.

Maggie Barnes disse amavelmente: “Faz muito tempo desde o último ônibus de

Slough, jovem Will. Na verdade, eu acabei de sair para pegar o próximo. Você sempre

leva meia hora para fazer aquela caminhada de cinco minutos do ponto de ônibus, Will

Stanton?”

“Não acho que seja da sua conta quanto tempo eu levo para fazer qualquer coisa,”

Will disse. Ele estava observando o Andarilho congelado, e algumas imagens mui to

confusas estavam girando em sua cabeça.

“Modos, modos,” disse Maggie. “Que lindo rapazinho bem crescido você é,

também.” Seus olhos eram muito brilhantes, olhando para Will da cabeça envolta em

cachecol.

“Bem, adeus, Maggie,” disse Will. “Tenho que ir para casa. Já es tá passando da

hora do chá.”

“O problema com desagradáveis vagabundos sujos, como esse em quem você

acabou de esbarrar mas que não está te incomodando,” Maggie Barnes disse suavemente,

sem se mover, “o problema com eles é, que eles roubam coisa s. E esse aqui roubou algo

da fazenda outro dia, jovem Will, algo que pertence a mim. Um ornamento. Um grande e

colorido tipo de ornamento marrom -dourado, em forma de círculo, que eu usava em uma

corrente em meu pescoço. E eu o quero de volta. Agora!” A ú l t ima palavra tremulou

maldosamente, e então ela era toda delicadeza novamente, como se a sua voz gentil

nunca t ivesse mudado. “Eu o quero de volta, eu quero. E realmente acho que ele deve ter

simplesmente enf iado ele em seu bolso quando você não estava ol hando, quando esbarrou

nele. Se ele me viu chegando, quer dizer, como deve ter visto na luz daquela engraçada

fogueirinha que vi queimando aqui agorinha. O que você acha de tudo isso, jovem Will

Stanton, hein?”

Will engoliu em seco. O cabelo es tava se eri çando na costa de seu pescoço

enquanto ele a ouvia. Al i estava ela parada, parecendo a mesma de sempre, a

descomplicada garota de fazenda de bochecha rosada que operava a máquina de leite dos

Dawsons e cuidava dos bezerros menores; e ainda assim a mente da qual aquelas palavras

estavam saindo não poderia ser outra a não ser a mente do Escuro. Será que eles pegaram

Maggie? Ou Maggie sempre foi uma deles? Se era, o que mais ela poderia fazer?

42

Ele f icou parado encarando -a, uma das mãos segurando os embrulhos, uma

deslizando cautelosamente para dentro de seu bolso. O Si gno do Bronze estava f rio , f rio

ao seu toque. Ele invocou todo o poder de pensamento que podia encontrar para afastá -

la, e ela a inda permanecia ali , sorrindo friamente para ele. Mandou que ela fosse embora

com todos os nomes de poder que conseguia lembrar de Merriman ter usado: pela

Senhora, pelo Círculo, pelos Signos. Mas ele sabia que não tinha as coisas cer tas a dizer.

E Maggie r iu bem alto e moveu-se para f rente deliberadamente, olhando em seu rosto, e

Will descobriu que não conseguia mover um só músculo.

Ele estava preso, congelado da mesma forma que o Andari lho; imobilizado em

uma posição que não conseguir ia a l terar nem ao menos por uma polegada. Ele olhou

furiosamente para Maggie Barnes, em seu delicado cachecol vermelho e um modesto

casaco negro, enquanto ela calmamente enf iava sua mão no bolso de seu casaco e

reti rava o Signo do Bronze. Ela o segurou na f rente de seu rosto, e então rapidamente

desabotoou seu casaco, reti rou o cinto dele, e enf iou o cí rculo de bronze nele próximo ao

de ferro.

“Segure suas calças, Will Stanton,” ela disse zombetei ra.

“Oh, agora querido, você não consegue, s im, você consegue. . . Mas então você não

usava aquele c into para segurar suas calças de verdade, usava? Você o usava para manter

essa pequena. . . decoração. . . segura. . . ” Will notou que ela segurava os dois Signos tão

levemente quanto possível, e est remecia quando tinha que tocá -los com qualquer

f irmeza; o f rio que es tava saindo deles certamente deveria es tar queimando-a até os

ossos.

Ele observou em total desespero. Não havia nada que pudesse fazer. todo o seu

esforço e busca estava chegando ao f im antes que tivesse começado adequadamente, e

não havia nada que pudesse fazer. Ao mesmo tempo, queria gri tar com fúria e chorar. E

então, bem lá no fundo, algo se agitou em sua mente. Algum detalhe na memória

cint ilou, mas não conseguiu retê -lo . Ele só lembrou no momento em que Maggie Barnes

segurou o cinto diante dele com o primeiro e o segundo círculo enf iados jun tos a li , ferro

pálido e bronze cinti lante lado a lado. Olhando avidamente para os dois círculos, Maggie

irrompeu em um baixo murmúrio de risada sarcást ica que soou mais mal igno do que o

rosto rosado do qual ele veio. E Will lembrou.

“. . . E quando o círculo dele es tiver em seu cinto ao lado do primeiro, eu virei. . .”

No mesmo instante, fogo saltou do galho caído da árvore de elmo que Will t inha

acendido brevemente antes, e chamas es talaram do nada em um círculo de ardente luz

branca ao redor de Maggie Barnes, um círculo de luz mais alto do que a cabeça dela. Ela

se encolheu na neve de repente, submissa, com sua boca f rouxa de medo. O cinto com os

dois Signos juntos caiu de sua mão f lácida.

E Merriman estava ali . Altivo na longa capa escura, seu rosto escond ido na

sombra pelo capuz, ele estava ali ao lado da estrada, logo além do círculo f lamejante e

da garota agachada.

“Tire-a dessa es trada,” ele disse em uma voz al ta e c lara, e o círculo de luz

f lamejante moveu-se lentamente para um lado, forçando a garota Maggie a ir tropeçando

com ele, até que ele f lutuou no chão áspero perto da estrada. Então com um súbito som

de estalar ele se foi, e Will viu ao invés disso uma grande barrei ra de luz brotar em cada

lado da est rada, ladeando -a com um fogo crepitante em ambos os lados, estendendo -se ao

longe nas duas direções , muito mais longe do que a extensão da trilha que Will conhecia

como Tramps' Alley. Ele olhou para ela, um pouco assustado. Do lado de fora, na

obscuridade, ele podia ver Maggie Barnes desamparada enc olhida na neve, seus braços

43

protegendo os olhos da luz. Mas ele, Merriman e o Andari lho permaneciam em um

grande túnel inf ini to de f ria chama branca.

Will se abaixou e pegou seu cinto, e em uma espécie de gesto de alívio ele agarrou

os dois Signos em suas mãos, ferro em sua mão esquerda, bronze na direita. Merr iman

veio para seu lado, ergueu seu braço direito de modo que a capa desl izou dele como a asa

de algum grande pássaro, e apontou um longo dedo para a garota. Ele gr itou um longo

nome estranho, que Wi ll nunca t inha ouvido antes e não conseguiu guardar em sua

mente, e a garota Maggie urrou bem alto .

Merriman disse, com frio e mortal desprezo em sua voz, “Retorne, e diga a eles

que os Signos es tão além de seu toque. E se você cont inuar i lesa, não tente novamente

real izar sua vontade enquanto est iver em um de nossos Caminhos. Pois as est radas

antigas acordaram, e seu poder está vivo novamente. E dessa vez, e las não terão

nenhuma pena e nenhum remorso. Ele gritou o nome estranho novamente, e as chamas

ladeando a estrada saltaram mais a lto , e a garota gritou alto e guinchou como se

estivesse em grande dor. Então ela se arrastou para longe at ravés do campo nevado como

um pequeno animal curvado.

Merriman olhou para Wil l. “Lembre as duas coisas que o salvaram, ” ele disse, a

luz agora brilhando em seu nar iz curvado e profundos olhos debaixo da sombra do capuz.

“Primeiro, eu sabia o verdadeiro nome dela. O único modo de desarmar uma das cr iaturas

do Escuro é chamar ele ou ela pelo seu verdadeiro nome: nomes que e les mantêm bem

secretos. Então, assim como o nome, houve a est rada. Você sabe o nome dessa t rilha?”

“Tramps Alley .” Will falou automaticamente.

“Esse não é um nome verdadeiro .” Merriman disse com desgosto.

“Bem, não. Mamãe nunca o usaria, e nós também n ão deveríamos. É feio, ela diz.

Mas ninguém mais que eu conheça jamais a chamou de outra coisa. Eu me sentir ia bobo

se a chamasse de Oldway…” de repente Will parou, ouvindo e provando o nome

adequadamente pela pr imeira vez em sua vida. Ele disse lentamente , “Se eu a chamasse

pelo seu verdadeiro nome, Oldway Lane.”

“Você se sent iria bobo,” disse Merriman severamente. “Mas o nome que o teria

feito sentir-se bobo ajudou a salvar sua vida. Oldway Lane. Sim. E ela não foi nomeada

por algum distante Sr. Oldway. O nome simplesmente diz o que a est rada é, como os

nomes de est radas e lugares nas terras antigas mui to f reqüentemente fazem, se ao menos

os homens prestassem mais atenção a eles. Foi sorte sua qu e est ivesse em um dos

Antigos Caminhos, pisados pelos Ant igo s Escolhidos por cerca de t r ês mil anos, quando

fez sua pequena brincadeira com fogo, Will Stanton. Se estivesse em algum outro lugar,

em seu estado de poder não treinado, teria tornado a si mesmo tão vulnerável que todas

as coisas do Escuro que estão nessa terra teriam sido atraídas em direção a você. Como a

garota-bruxa foi conduzida pelas aves. Agora olhe bem para essa est rada, rapaz, e não a

chame por nomes vulgares novamente.”

Will engoliu em seco e olhou para o Caminho ladeado por chamas que se esten dia

na distância como alguma nobre es t rada do sol, e em um súbito impulso ele fez uma

pequena reverência desajei tada, curvando -se na cintura tanto quanto seus braços cheios

de pacotes o permitiria. As chamas saltaram novamente, e curvaram -se para dentro,

quase como se es tivessem se curvando em resposta. Então elas se apagaram.

“Bem feito ,” disse Merr iman, com surpresa e um toque de contentamento.

44

Will disse, “Jamais, jamais farei novamente qualquer coisa com o . . . o poder, a não

ser que tenha uma razão. Eu prometo. Pela Senhora e o velho mundo. Mas” – ele não

conseguiu resis tir – “Merriman, foi o meu fogo que trouxe o Andarilho até mim, não foi ?

E o Andarilho tinha o Si gno .”

“O Andarilho es tava esperando por você, garoto estúpido,”' disse Merriman

irritadamente. “Eu disse que ele o encontraria, e você não se lembrou. Lembre -se agora.

Nessa nossa magia, cada pequena palavra tem um peso e um signif icado. Cada palavra

que eu digo a você, ou que qualquer outro Antigo Escolhido possa dizer. O Andarilho?

Ele esteve esperando que você nascesse, e f icasse sozinho com ele e reclamasse o Si gno

dele, por um tempo além de sua imaginação. Você o fez bem, eu diria – era um problema

trazê-lo ao ponto de entregar o Signo quando a hora chegou. Pobre alma. Ele traiu os

Antigos Escolhidos uma vez, há muito tempo, e essa foi sua maldição.” Sua voz suavizou

um pouco.

“Tem sido uma era dif ícil para ele, carregar o segundo Si gno. Ele tem mais uma

parte em nosso trabalho, antes que ele possa ter descanso, se ele escolher. Mas não

ainda.”

Os dois olharam para a f igura imóvel do Andarilho, ainda presa em movimento

congelado ao lado da estrada como Maggie Barnes o tinha deixado.

“Essa é uma terrível posição desconfortável,” disse Wil l.

“Ele não sente nada,” disse Merr iman. “Nenhum m úsculo f icará nem mesmo

dolorido. Alguns pequenos poderes que os Antigos Escolhidos e as pessoas do Escuro

têm em comum, e um deles é essa captura de um homem fora do Tempo, por tanto tempo

quanto necessário. Ou no caso do Escuro, por tanto tempo quanto el es acharem

divert ido.”

Ele apontou um dedo para a f igura sem forma imóvel, e falou algumas rápidas

palavras suaves que Will não ouviu, e o Andari lho relaxou com vida como uma f igura de

um f ilme em movimento que tivesse sido pausada e então liberada novame nte.

Observando de olhos arregalados, ele olhou para Merriman e abriu sua boca, e fez um

cur ioso som seco sem palavras.

“Vá,” Merriman disse. O homem velho afastou -se, aper tando suas roupas

oscilantes ao redor de si, e cambaleou em uma meia -corrida subindo o est reito caminho.

Observando-o enquanto ele par tia, Will piscou, então est rei tou o olhar, e esfregou seus

olhos; pois o Andarilho parecia es tar desaparecendo, f icando estranhamente t ranslúcido,

de modo que você poderia ver as árvores at ravés de seu cor po. Então de repente ele t inha

sumido, como uma estrela encoberta por uma nuvem. Merriman disse, “Fei to meu, não

dele próprio. Ele merece paz por um tempo, eu acho, em outro lugar que não este. Esse é

o poder dos Ant igos Caminhos, Will. Você teria usado o truque para escapar da garota -

bruxa, muito faci lmente, se soubesse como. Você aprenderá isso, e os nomes verdadeiros

e muito mais mui to em breve agora.”

Will disse cur iosamente, “Qual é o seu verdadeiro nome?” '

Os olhos negros piscaram para ele dentro do capuz. “Merriman Lyon. Eu falei a

você quando nos conhecemos.”

“Mas acho que se esse fosse realmente o seu nome verdadeiro, como um Antigo

Escolhido, você não o teria dito a mim,” disse Will. “Pelo menos, não tão alto .”

45

“Você já es tá aprendendo,” disse Merriman alegremente. “Venha, está f icando

escuro.”

Eles parti ram juntos descendo a alameda. Will foi saltando ao lado da f igura

encapada de passos largos, agarrando suas bolsas e caixas. Eles falaram pouco, mas a

mão de Merr iman sempre estava lá para seg urá- lo se e le tropeçasse em qualquer buraco

ou monte. Assim que eles saíram na distante curva da t rilha entrando na grande abertura

de Huntercombe Lane, Will viu seu irmão Max caminhando alegremente até eles.

“Olhe, lá está Max!”

“Sim,” disse Merriman.

Max gri tou, acenando feliz, e então se aproximou. “Eu estava vindo encontrar com

você ao sair desse ônibus,” disse e le . “Mamãe estava f icando um pouco nervosa porque

seu bebezinho estava atrasado.”

“Oh, pelo amor de Deus,” disse Will.

“Porque você estava vindo por aquele caminho?” Max apontou na di reção de

Tramps ' Alley.

“Nós estávamos apenas . . .” Will começou, e quando virou sua cabeça para incluir

Merriman nos comentár ios ele parou, tão abruptamente que mordeu sua l íngua.

Merriman se fora. Na neve onde ele estivera parado um momento antes, nenhuma

marca de qualquer tipo foi deixada. E quando Will olhou para o caminho pelo qual eles

tinham caminhado até Huntercombe Lane, e descendo a curva no topo da trilha menor,

ele conseguiu ver apenas uma linha de pe gadas. . . as suas.

Ele pensou ter ouvido uma leve música, em algum lugar no ar, mas quando ele

ergueu sua cabeça para escutar, ela também tinha sumido.

46

arte Dois: O Aprendizado

éspera de Natal

Véspera de Natal. Era o dia em que o encanto do Natal realmente acendia na

família Stanton. Sugestões, vislumbres e promessas de coisas especiais, que t inham

brilhado para dentro e para fora da vida durante semanas antes, agora desabrochavam

subitamente em uma constante expectativa alegre. A casa estava cheia de cheiros

maravilhosos de assados da cozinha, em um canto da qual Gwen podia ser encontrada

dando os toques f inais à cobertura do bolo de Natal. Sua mãe tinha fei to o bolo três

semanas antes; o pudim de Natal, três meses antes disso.

Sem idade, a famili ar música de Natal permeava a casa onde quer que alguém

ligasse o rádio. O aparelho de te levisão não foi ligado de modo algum; ele havia se

tornado, nessa temporada, uma irrelevância. Para Will, o dia entrou em foco natural

muito cedo. Logo após o café da manhã – um acontecimento muito mais ao acaso do que

usual – havia o duplo ritual da Yule log* e da árvore de Natal.

O Sr. Stanton estava terminando o último pedaço de torrada. Wil l e James estavam

um de cada lado dele na mesa do café da manhã, inquietos. O pai deles segurava uma

casca esquecida em uma mão enquanto olhava a página de esportes do jornal. Will

também era apaixonadamente interessado na sorte do Chelsea Football Club, mas não na

manhã da Véspera de Natal.

“Você gostaria de mais um pouco de tor rada, Papai?” ele disse alto .

“Humm,” disse o Sr. Stanton. “Aaah.”

James falou, “Tomou bastante chá, Papai?”

O Sr. Stanton olhou para cima, girou ao redor sua redonda cabeça de olhos gentis

de um para o outro deles, e riu. Ele abaixou o jornal, bebeu su a xícara de chá, e enf iou o

pedaço de torrada em sua boca. “Vamos lá, então,” ele falou indist intamente, pegando

cada um deles por uma orelha. Eles urraram felizes, e correram para pegar botas,

jaquetas e cachecóis.

Eles foram descendo a estrada com o car rinho, Will, James, Sr. Stanton, e o alto

Max, maior do que seu pai, maior do que qualquer um, com o seu longo cabelo negro se

unindo em uma franja cômica saindo de um desonrado gorro velho. O que Maggie Barnes

teria pensado daquilo, Will imaginou alegreme nte, quando ela desse uma espiada pela

cortina da cozinha para encontrar os olhos de Max como de costume; e então no mesmo

instante ele lembrou sobre Maggie Barnes, e pensou em repentino alerta : O Fazendeiro

Dawson é um dos Antigos Escolhidos, ele deve ser alertado a respeito dela – e ele f icou

surpreso de não ter pensado nisso antes.

Eles pararam no quintal dos Dawsons, o velho George Smith saindo para encontrar

com eles com seu sorriso aberto. A caminhada foi mais fácil pela estrada essa manhã,

desde que uma máquina de t irar neve t inha passado; mas em toda parte a neve jazia

imóvel em um frio co rtante e cinza sem vento.

* Uma Yule log é uma grande tora que é queimada na lareira como parte de um ritual de Natal tradicional em algumas culturas. Pode

ser uma parte do festival do Solstício de Inverno, Véspera de Natal, Dia do Natal, a Décima Segunda Noite, etc.

47

“Vou lhes conseguir uma árvore para superar todas!” o Velho George gritou

alegremente. “Reta como um mastro, como a do Fazendeiro. Amba s árvores Nobres

novamente, eu suponho.”

“Nobres como vieram,” disse o Sr. Dawson, apertando seu casaco enquanto saiu.

Ele quis dizer isso literalmente, Wil l sabia; todo ano, um número de árvores de Natal

eram vendidas das plantações Crown ao redor do Cas telo Windsor, e muitas voltavam

para o vilarejo no caminhão da fazenda Dawson.

“Bom dia, Frank,” disse o Sr. Stanton.

“Bom dia, Roger,” disse o Fazendeiro Dawson, e sorr iu para os garotos. “Ei

rapazes. Levem o carrinho lá por trás.” Seus olhos desl izaram impessoalmente sobre

Will, sem muito mais do que uma leve atenção, mas Will t inha deixado sua jaqueta

aberta propositalmente de um jeito que agora era evidente que havia dois Signos com um

círculo atravessado por uma cruz em seu cinto, não um.

“Bom vê-los parecendo tão vigorosos,” disse animadamente o Sr. Dawson para

todos, enquanto eles moviam o carrinho por trás do celei ro; e sua mão pousou

brevemente no ombro de Will com uma leve pressão que disse a ele que o Fazendeiro

Dawson tinha uma boa idéia do que aconteceu nos últ imos dias. Ele pensou em Maggie

Barnes procurou apressadamente palavras para formar um aviso.

“Onde está sua namorada, Max?” ele disse, cuidadosamente al to e claro.

“Namorada?” disse Max indignado. Estando profundamente envolvido com u ma

estudante de tranças loiras em sua escola de arte em Londres, da qual car tas enormes em

envelopes azuis chegavam ao correio todo dia, ele estava totalmente desinteressado em

todas as garotas locais.

“Ho, ho, ho,” disse Will, insis tindo. “Você sabe.”

Fel izmente James adorava esse tipo de coisa, e se uniu a ele com entusiasmo.

“Maggie -maggie-maggie,” e le cantou alegremente. “Oh, Maggie a doce lei teira de Maxie

o grande artista, oooh - oooh. ..” Max o esmurrou nas costelas, e ele deu risadinhas

abafadas.

“A jovem Maggie teve que nos deixar ,” disse o Sr. Dawson friamente. “Doença na

família. Precisavam dela em casa. Ela arrumou as coisas e foi cedo essa manhã. Sinto

muito desapontar você, Max.”

“Não estou desapontado,” disse Max, f icando vermelho. “ São apenas esses

estúpidos pequenos . . .”

“Oooooh - oooooh,” cantou James, dançando fora do alcance dos braços. “Oooh

pobre Maxie, perdeu sua Maggie . . .”

Will não disse nada. Ele estava satisfeito .

A árvore alta de pinheiro, seus galhos amarrados com ti ras de fel puda corda

branca, foi colocada no carrinho, e com ela a áspera raiz velha de uma árvore faia que o

Fazendeiro Dawson tinha cortado mais cedo naquele ano, part ida ao meio, e colocada de

lado para fazer Yule logs para os Stantons e para ele mesmo. Tinha que ser a raiz de uma

árvore, não um galho, Will sabia, embora ninguém jamais t ivesse explicado porque. Em

casa, eles colocar iam a tora no fogo hoje à noite na grande lareira de ti jolos na sala de

estar, e e la queimaria lentamente por todo o anoitecer a té que eles fossem para cama.

48

Guardada em algum lugar estava um pedaço da Yule log do último ano, reservada para

ser usada como acendedor para sua sucessora.

“Aqui,” disse o velho George, aparecendo de repente ao lado de Will enquanto

todos eles empurravam o ca rr inho para fora do portão. “Vocês dever iam pegar um pouco

disso.” Ele empurrou para f rente um grande punhado de azevinho, pesado de f rutos.

“Muita bondade sua, George,” falou o Sr. Stanton. “Mas nós temos aquela grande

árvore de azevinho na porta da f ren te, você sabe. Se você souber de alguém que não

tenha . . .”

“Não, não, pegue.” O homem velho balançou seu dedo. “Não tem nem a metade

desses f rutos naquele arbusto de vocês. Esse é um azevinho especial.” Ele o depositou

cuidadosamente no carrinho; então rap idamente ele arrancou um ramo e o enf iou na casa

do botão superior do casaco de Will.

“E uma boa proteção contra o Escuro,” a velha voz disse baixo no ouvido de Will,

“se colocado sobre a janela,e sobre a porta.” Então o sorr iso de gengiva rosada partiu

sua enrugada face morena com uma antiga r isada, e o Antigo Escolhido era o Velho

George novamente, despedindo -se deles. “Feliz Natal !”

“Feliz Natal, George!”

Quando eles carregaram cer imoniosamente a árvore at ravés da porta da f rente, os

gêmeos a prenderam com três travessas e chaves de fenda, para dar a ela uma base. Do

outro lado da sala Mary e Bárbara sentavam em um farfalhante mar de papel colorido,

cortando-o em tiras, vermelha, amarela, azul, verde, e colocando -os em círculos

entrelaçados por corrent es de papel.

“Vocês deveriam ter fei to esses ontem,” disse Will. “Eles precisarão de tempo

para secar.”

“Você deveria ter feito ontem,” disse Mary ressentida, jogando para trás seu

cabelo longo. “Isso deveria ser trabalho para o mais jovem.”

“Cortei montes de tiras outro dia,” disse Wil l.

“Nós usamos aquelas horas a trás.”

“Eu as cortei, do mesmo jeito .”

“Além disso,” disse Bárbara pacif icadora, “ele estava fazendo compras de Natal

ontem. Então é melhor você calar a boca, Mary, ou ele pode decidir leva r de volta o seu

presente.”

Mary emudeceu, mas reduzida, e Will meio satisfei to uniu algumas correntes de

papel. Mas ele manteve um olho na porta, e quando viu seu pai e James aparecerem com

seus braços cheios de velhas caixas de papelão, ele escapuliu at rás deles discretamente.

Nada poderia impedi-lo de decorar a árvore de Natal.

Saindo das caixas surgiu todo tipo de decoração familiar que transformaria a vida

da família em um festival por doze noites e dias : a f igura de cabelos dourados para o

topo da árvore; as tiras de luzes coloridas. Então havia as f rágeis bolas de Natal de

vidro, preservadas com carinho por anos. Semi -esferas arrumadas como conchas do mar

vermelhas e verde-douradas, f inas setas de vidro, teias de aranha de linhas de vidro

49

prateadas e pérolas; nos galhos escuros da árvore elas pendiam e vi ravam lentamente,

tremeluzindo.

Havia outros tesouros, então. Pequenas es trelas de ouro e cí rculos de palha

trançada; leves sinos de papel prateado. Depois, uma mistura de decorações feitas por

diversas crianças dos Stanton, indo desde a infantil rena de escovas para l impar tubo de

Will até uma linda cruz trabalhada em metal que Max tinha feito de f io de cobre em seu

primeiro ano na escola de arte. Então havia ti ras de lantejoulas para serem colocada s em

qualquer espaço, e então a caixa estava vazia.

Mas não totalmente vazia. Passando seus dedos cuidadosamente pelo amontoado

de pedaços de embalagem, em uma velha caixa de papelão quase tão alt a quanto ele, Will

encontrou uma pequena caixa achatada não muito mais larga do que sua mão. Ela

chocalhou.

“O que é isso?” ele disse curiosamente, tentando abrir a tampa.

“Meu Deus,” disse a Sra. Stanton da cadeira de braços central. “Deixe -me ver isso

um momento, amor. Isso é. . . sim, é mesmo! Isso estava na ca ixa grande? Pensei que

tínhamos perdido anos atrás. Olhe só para isso, Roger. Veja o que seu irmão mais novo

encontrou. É a caixa de car tas de Frank Dawson.”

Ela aper tou uma presilha na tampa da caixa, então ela se abr iu, e Wil l viu dentro

um número de pequenos entalhes ornados feitos de alguma madeira suave que ele não

conseguia identif icar. A Sra. Stanton segurou um: uma curvada letra S, com as

lindamente detalhadas cabeça e corpo escamado de uma cobra, rodopiando em uma linha

quase invis ível. Então outr a: um M arqueado, com pontas como os pináculos gêmeos de

uma pequena catedral. Os entalhes eram tão del icados que era quase impossível ver onde

eles se uniam às linhas nas quais eles pendiam.

O Sr. Stanton desceu do degrau da escada, e enf iou um dedo gent il dentro da

caixa. “Bem, bem,” disse ele. “O esperto velho Will.”

“Nunca tinha visto elas,” disse Will.

“Bem, na verdade você viu,” disse sua mãe. “Mas faz tanto tempo que você não

lembraria. Elas desapareceram anos e anos atrás. Engraçado elas es tarem no fundo

daquela velha caixa todo esse tempo.”

“Mas o que elas são?”

“Ornamentos para árvore de Natal, é claro,” disse Mary, espiando por cima do

ombro de sua mãe.

“O Fazendeiro Dawson as fez para nós,” disse a Sra. Stanton.

“Elas são lindamente entalh adas, como podem ver. E exatamente tão velhas quanto

a família – em nosso primeiro Dia de Natal nessa casa Frank fez um R para Roger” – e la

o segurou – “e um A para mim.”

O Sr. Stanton reti rou duas let ras que pendiam juntas na mesma linha. “Robin e

Paul. Esse par veio um pouco mais tarde do que de costume. Não estávamos esperando

gêmeos. . . Realmente, Frank era incrivelmente bom. Fico imaginando se e le tem tempo

para algo como isso agora?”

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A Sra. Stanton ainda estava girando os pequenos anéis da madeira em seus dedos

f inos e fortes. “M para Max, e M para Mary. . . Frank f icou muito descontente conosco por

ter uma repetição, eu me lembro. . . Oh, Roger,” disse ela, sua voz subitamente

suavizando. “Olhe para esse.”

Will f icou ao lado de seu pai para olhar. Era u ma le tra T, entalhada como uma

esquisita arvorezinha projetando dois galhos largos. “T?” ele disse. “Mas nenhum de nós

começa com T.”

“Esse era Tom,” sua mãe disse. “Realmente não sei porque nunca falei sobre Tom

para vocês mais jovens”. Já faz tanto temp o.. . Tom foi seu pequeno irmão que morreu.

Ele tinha algo errado com seus pulmões, uma doença que alguns bebês novos pegam, e

ele só viveu por três dias após ter nascido. Frank já t inha a inicial entalhada para e le,

porque era nosso primeiro bebê e nós tínhamos dois nomes escolhidos; Tom se fosse um

garoto, Tess se fosse uma garota. . .”

Sua voz soou levemente abafada, e de repente Wil l se arrependeu de ter

encontrado as cartas. Ele deu um tapinha desajeitado no ombro dela. “Não se preocupe,

Mamãe,” disse ele.

“Oh, querido,” disse a Sra. Stanton vivamente. “Não estou tr iste, amor. Já faz

muito tempo. Tom seria um homem crescido agora, mais velho do que Stephen. E além

disso” – ela deu uma cômica olhada ao redor da sala, entulhada de pessoas e caixas –

“uma ninhada de nove deveria ser o bastante para qualquer mulher.”

“Pode dizer isso de novo,” disse o Sr. Stanton.

“Isso é resultado de ter ancestrais fazendeiros, Mãe,” disse Paul.

“Eles acreditavam em grandes famílias. Montes de trabalhadores grátis.”

“Falando em trabalho grátis, ” disse seu pai, “aonde foram James e Max?”

“Abrindo as outras caixas.” '

“Bom Deus. Quanta iniciativa!”

“Espírito de Natal,” disse Robin do degrau da escada. “Os bons cris tãos

regozi jam-se, e tudo isso. Porque alguém não coloca a lguma música?”

Bárbara, sentada no chão ao lado de sua mãe, pegou o pequeno T entalhado em

madeira da mão dela e a colocou em uma coluna de cada inicial em ordem que ela tinha

feito no carpete. “Tom, Steve, Max, Glen, Robin e Paul, eu, Mary, James,” ela d isse.

“Mas onde es tá o W de Will?”

“Will estava lá com todo o resto. Na caixa.”

“Na verdade não era um W, se você se lembra,” disse o Sr. Stanton. “Era uma

espécie de símbolo. Ouso dizer que Frank tinha se cansado de fazer iniciais.” Ele sorr iu

para Will .

“Mas ele não está aqui,” Bárbara disse. Ela segurou a caixa de cabeça para baixo,

e balançou-a. Então olhou solenemente para seu i rmão mais novo. “Will,” ela disse,

“você não existe.”

51

Mas Will es tava sentindo uma crescente inquietação que parecia brota r de alguma

parte dis tante muito profunda de sua mente. “Você disse que era um símbolo, não um

W,” ele falou casualmente. “Que tipo de símbolo, Pai?”

“Uma mandala, como eu me lembro,” disse o Sr. Stanton.

“Uma o quê?”

Seu pai deu uma r isada. “Não ligue, eu só estava brincando. Não imagino que

Frank a chamaria ass im. Uma mandala é um tipo de símbolo muito antigo datando da

época dos adoradores do sol e esse t ipo de coisa , qualquer símbolo feito de um círculo

com linhas radiais saindo ou entrando. O seu pe queno ornamento de Natal era um tipo

simples, um círculo com uma estrela dentro, ou uma cruz. Uma cruz, acho que era isso.”

“Não consigo imaginar porque ele não está ali com o resto,” disse a Sra. Stanton.

Mas Will conseguia. Se havia poder em saber os n omes verdadeiros das pessoas do

Escuro, talvez o Escuro pudesse em contra par tida fazer magia sobre outros usando alg o

que fosse o símbolo de um nome, como uma inicial entalhada. . . Talvez alguém tenha

pego o seu para tentar obter poder sobre ele des se jeito . E talvez, na verdade, fosse por

isso que o Fazendeiro Dawson tinha entalhado para ele não uma inicial, ma s um símbolo

que ninguém do Escuro poderia usar. Eles o tinham roubado de qualquer modo, para

tentar. . .

Um pouco mais tarde, Will escapuliu da decoração da árvore, subiu as escadas e

prendeu um ramo de azevinho sobre a porta e cada uma das janelas de seu quarto. Ele

enf iou um pedaço dentro do recém -remendado trinco da clarabóia também. Então ele fez

o mesmo com as janelas do quarto de James, q ue ele iria dividir na Véspera de Natal,

desceu as escadas e f ixou um pequeno cacho cuidadosamente sobre as portas da f rente e

de trás da casa. Ele ter ia feito o mesmo com todas as janelas, também, se Gwen não

tivesse atravessado a sala e notado o que ele estava fazendo.

“Oh, Will,” disse ela. “Não em todo lugar. Coloque pela pratelei ra da lareira ou

em algum lugar, assim será controlável. Quero dizer, caso contrár io poderemos ter f rutos

de azevinho debaixo dos pés toda vez que alguém puxar as cortinas.”

Uma típica atitude feminina, Will pensou com desgosto; mas ele não estava

incl inado em atrair atenção para seu azevinho fazendo qualquer grande protesto. Em todo

caso, ele ref let iu enquanto tentava arrumar o azevinho artis ticamente sobre a pratelei ra,

aqui em cima ele seria uma proteção contra a única entrada dentro da casa que ele t inha

esquecido. Tendo deixado seus dias de Papai Noel para trás, ele não tinha pensado na

chaminé. Agora a casa estava cintilando com luz, cor e excitamento. A Véspera de Natal

estava quase concluída. Mas para f inalizar tudo havia o canto natalino.

Depois do chá daquele dia, quando as luzes de Natal t inham sido acesas, e quando

os últimos sons de apressado desembrulhar de presentes estavam acabando, O Sr. Stanton

se es ticou em sua surrada poltrona de couro, tirou seu cachimbo, e olhou solenemente

para todos eles.

“Bem,” ele disse, “quem vai na caminhada esse ano?”

“Eu,” disse James.

“Eu,” disse Will.

“Bárbara e eu,” disse Mary.

52

“Paul, é c laro,” disse Will. A caixa da f lauta de seu irmão já estava pronta na

mesa da cozinha.

“Eu não sei se eu vou,” disse Robin.

“Sim, você vai,” disse Paul. “Não f ica bom sem um barítono.”

“Oh, tudo bem,” disse o seu gêmeo meio relutante. Essa breve t roca t inha se

repetido anualmente por três anos. Sendo grande, com uma mente mecânica e um

excelente jogador de futebol americano, Robin sentia que não era completamente

apropriado para ele mostrar ansiedade para qualquer a tividade semelhante a de uma

garota como o canto natalino. Na verdade, ele e ra genuinamente devotado à música,

como o resto deles, e tinha uma agradável voz negra.

“Ocupada demais,” disse Gwen. “Sinto muito.”

“O que ela quer dizer é,” disse Mary de uma distância segura, “que ela tem que

lavar seu cabelo para o caso em que Johnni e Penn possa aparecer.”

“O que quer dizer com – possa – ?” disse Max da poltrona perto de seu pai.

Gwen fez uma careta terrível para ele. “Bem,” ela disparou, “e quanto a você i r

cantar?”

“Muito mais ocupado do que você,” Max disse preguiçosamente. “Sin to muito.”

“E o que ele quer dizer é,” disse Mary, agora bem ao lado da porta, “que ele tem

que sentar em seu quarto e escrever outra car ta enormemente longa para sua ave loira em

Southampton.”

Max tirou uma de seus chinelos para jogar, mas ela tinha ido .

“Ave?” disse o seu pai. “Qual vai ser a próxima palavra para isso?”

“Bela preocupação, Pai!” James olhou para ele com horror. “Você realmente vive

na Idade da Pedra. Garotas são aves desde o ano um. Por terem quase tanto cérebro

quanto as aves também, se você me perguntar.”

“Alguns pássaros de verdade têm grande quantidade de cérebro,” Will falou

ref lexivamente. “Você não acha?” Mas o episódio das gralhas tinha sido tão efetivamente

removido da mente de James que ele nem notou; as palavras se perderam.

“Todos você irão,” disse a Sra. Stanton. “Botas, casacos grossos, e de volta às

oito e meia.”

“Oito e meia?” disse Robin. “Se nós cantarmos três músicas para a Senhorita Bell,

e a Senhori ta Greythorne nos convidar para tomar ponche?”

“Bem, nove e meia bem al i fora,” ela disse.

Estava muito escuro na hora em que eles part iram; o céu não tinha limpado, e

nenhuma lua ou nem mesmo uma s imples est rela brilhou através da escura noite. A

lanterna que Robin carregou em uma vara lançava um círculo de luz brilha nte na neve,

mas cada um deles tinha uma vela em um bolso do casaco de qualquer modo. Quando

eles chegaram à Mansão, a velha Senhorita Greythorne insisti ria que eles entrassem e

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f icassem em sua grande sala com entrada de pavimento de pedra com todas as lu zes

acesas, cada um segurando uma vela enquanto cantavam.

O ar estava congelante, e sua respiração projetava -se em uma nuvem espessa e

branca. De vez em quando um f loco de neve perdido mergulhava do céu, e Will pensou

na mulher gorda no ônibus e suas prev isões. Bárbara e Mary es tavam tagarelando tão

confortavelmente como se est ivessem sentadas em casa, mas por trás da conversa os

passos de todo o grupo soava f rio e duro na estrada congelada de neve. Will es tava feliz,

confortado pelo pensamento no Natal e no prazer do canto natalino; ele caminhou em um

contente estado de sonho, segurando a grande caixa coletora que eles carregavam em

ajuda para a pequena, antiga, famosa e rapidamente f ragmentada igreja de Saxon. Então,

ali em frente a eles es tava a Fazenda Dawsons com um grande monte d os azevinhos

cheios de f rutos presos sobre a porta de trás, e o canto natalino tinha começado.

Através do vilarejo eles cantaram: “ Nowell” para o pároco; “God Rest Ye Merry

Gentlemen” para o alegre Sr. Hut ton, o enorme homem d e negócios na nova imitação de

casa Tudor no f im do vilarejo, que sempre pareceu como se estivesse descansando muito

feliz, sem dúvida; “Once in Royal David 's City” para a Sra. Pettigrew, a viúva

responsável pelo correio, que pintou seu cabelo com folhas d e chá e mantinha um

pequeno cão manco que parecia um bolo de lã cinza. Eles cantaram “ Adeste Fideles” em

latim e “Les Anges dans nos Campagnes” em Francês para a pequena Srta. Bell, a

pequena professora aposentada do vilarejo, que tinha ensinado cada um de les a ler e

escrever, somar e subtrai r, falar e pensar, antes que eles fossem para outras escolas em

algum outro lugar. E a pequena Sr ta. Bell disse roucamente, “lindo, lindo,” colocou

algumas moedas das quais eles sabiam que ela não poderia dispor dentro da caixa de

coleta, deu um abraço em cada um deles, e – “Fel iz Natal, Feliz Natal !” – eles saíram

para a próxima casa na li sta.

Havia mais quatro ou cinco, uma delas a casa da lúgubre Sra. Horniman, que

“cuidava” da mãe deles uma vez por semana e t inha na scido e sido criada em uma região

ao leste de Londres até que uma bomba tinha explodido em pedaços sua casa t rinta anos

antes.

Ela sempre havia dado uma moeda prateada de seis pennies para cada um deles, e

ass im ela a inda fez, f riamente reclamando das mud anças no dinheiro atual. “Não seria

Natal sem os seis pennies,” disse a Sra. Horniman. “Eu guardei um bom estoque antes

que fôssemos enterrados com todos aqueles decimais, então eu guardei . Então posso

continuar em todo Natal do mesmo jeito que costumava, meus patinhos, e eu suponho que

esse meu estoque vai me ver cair, até que eu es teja bem fundo em meu túmulo e vocês

estejam cantando para outra pessoa nessa mesma porta. Feliz Natal !” E então lá estava a

Mansão, a última parada antes de casa.

“Here we come a-wassailing among the leaves so green,

Here we come a -wandering, so fair to be seen. . . ”

Eles sempre começavam com a antiga Wassail Song para a Srta. Greythorne, e esse

ano o trecho sobre as folhas verdes, Will ref letiu, es tava ainda mais inadequado do que

de costume. O coro seguiu por seu caminho e para o último verso , Will e James ergueram

a voz em um alto destaque que eles nem sempre usam para o f im pois exige muito fôlego.

“Good master and good mistress whi le you're sitt ing by the fire,

Pray think o f us poor children who are wandering in the mire. . . ”

Robin apertou o grande botão de metal da campainha, cujo profundo clangor

sempre encheu Will de um alarme obscuro, e enquanto eles espiralaram no último verso a

enorme porta se abriu, e lá estava parado o mordomo da Srta. Greythorne, no comprido

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casaco de cauda que ele usava sempre na noite de Véspera de Natal. Ele não era lá um

mordomo muito formidável; seu nome era Bates, um al to , curvado, homem carrancudo

que geralmente podia ser visto ajudando o velh o jardineiro com os vegetais no jardim

perto ao portão de trás da Mansão, ou discutindo sobre sua artri te com a Sra. Pettigrew

no Correio.

“Love and joy come to you

And to you your wassail too. . . ”

O mordomo sorriu e inclinou a cabeça polidamente para e le s e manteve a porta

aberta, e Wil l de repente engoliu sua última nota al ta, pois não era Bates; era Merr iman.

O coro terminou, e todos relaxaram, fungando na neve. “Encantador,” Merriman

falou gravemente, olhando para todos impessoalmente, e os altos tons imperiosos soaram

atrás dele. “Tragam -nos para dentro ! Tragam-nos para dentro ! Não os deixem esperando

na porta!”

Ela sentava al i no longo corredor de entrada, na mesma cadeira de encosto alto

que eles viam toda Véspera de Natal. Não era capaz de andar a nos após um acidente

quando era uma mulher jovem – o seu cavalo t inha caído e rolado sobre ela, dizia o

vilarejo – mas ela sempre recusava ser vista em uma cadeira de rodas. De roso f ino e

olhos claros, seu cabelo cinza sempre estava enrolado no topo da ca beça em um tipo de

nó, ela era uma f igura de completo mistér io em Huntercombe.

“Como está sua mãe?” Srta. Greythorne perguntou a Paul. “E seu pai?”

“Muito bem, obrigado, Srta. Greythorne.”

“Tendo um bom Natal?”

“Esplêndido, obrigado. Espero que você ta mbém esteja.” Paul, que sentia muito

pela Srta. Greythorne, sempre teve problemas em ser calorosamente polido; agora ele

tinha tornado claro que seus olhos não correram pela sala de teto alto enquanto ele

falava. Pois embora o cozinheiro e a cr iada est ives sem sorr indo parados no fundo da

sala, e é claro, houvesse o mordomo que abriu a porta da f rente, em toda essa grande

casa não havia traço de nenhum vis itante, árvore, decoração, ou qualquer outro sinal de

festividade de Natal, salvo por um enorme galho de azevinho cheio de f rutos pendurado

sobre a lareira.

“Uma estação incomum, essa,” disse a Srta. Greythorne, olhando para Paul

pensativamente. “Tão cheia de um número de coisas, como aquela detestável garotinha

no poema disse.” Ela virou subitamente para W i l l . “E você es tá tendo uma época ocupada

esse ano, não é , jovem?”

“Certamente es tou,” disse Will f rancamente, pego de surpresa.

“Uma luz para suas velas,” disse Merriman em respeitosos tons baixos, andando

para f rente com uma caixa de fósforos enormes. Rapidamente todos tiraram suas velas de

seus bolsos, e ele acendeu um fósforo e se move u cuidadosamente entre e les, a luz

transformando suas sobrancelhas em fantásticas divisas eriçadas e as linhas do nariz até

a boca em ravinas profundamente sombreadas. W ill olhou pensativamente para seu

casaco com cauda, que era par tido na cintura, e que ele usava com um t ipo de lenço no

pescoço ao invés de uma gravata branca. Ele estava sent indo alguma dif iculdade em

imaginar Merriman como um mordomo.

55

Alguém no fundo da sala desligou as luzes, deixando a sala iluminada somente

pelo grupo de chamas tremulantes em suas mãos. Houve a leve bat ida de um pé; então

eles começaram com a doce, suave canção de ninar, “ Lullay lullay, thou lit t le t iny

child . . .” f inalizando -a com um último verso sem palavras tocado apenas por Paul. O

claro, forte som da f lauta caiu através do ar como barras de luz e encheu Will com uma

estranha saudade dolorosa, uma sensação de algo esperando muito longe, que ele não

conseguia entender. Então , para contras tar , eles cantaram “God Rest Ye Merry,

Gentlemen”; em seguida “The Holly and the Ivy”. E logo estavam de volta em “Good

King Wenceslas”, sempre um grande f inal para Sr ta. Greythorne, e sempre fazendo Will

sentir muito por Paul, que uma vez havia obser vado que essa canção era totalmente

inadequada para esse tipo de música, que deve ter sido escrita por alguém que

desprezava a f lauta.

Mas era divert ido ser o pajem, tentando fazer sua voz combinar tão perfeitamente

com a de James que os dois soavam como um só.

“Sire, he lives a good league hence. . .”

. . .e Will pensou: es tamos realmente fazendo bem dessa vez, eu poderia jurar que

James não estava cantando se. . .

“Underneath the mountain . . .”

. . . se não fosse pelo fato de sua boca estar se mexendo. . .

“Right against the forest fence. . .”

. . . e ele olhou at ravés da escuridão enquanto cantava, e viu, com um choque tão

brutal como se alguém o tivesse golpeado no estômago, que de fato a boca de James não

estava se movendo, nem qualquer outra parte de Ja mes, nem de Robin ou Mary ou

qualquer um dos Stantons. Estavam ali imóveis, todos eles, presos fora do Tempo, como

o Andarilho tinha f icado na Oldway Lane quando a garota do Escuro o encantou. E as

chamas de suas velas não tremulavam mais, mas cada uma que imava com o mesmo

estranho, inconsumível pilar de ar branco luminoso que havia se e levado do galho

ardente de Will naquele outro dia. Os dedos de Paul não se mexiam mais em sua f lauta;

ele também estava imóvel, segurando -a em sua boca. A música, muito seme lhante mas

muito mais doce do que a música de uma f lauta, a inda continuou, e Will também,

cantando independente de s i mesmo, concluindo o verso. . .

“By Saint Agnes' fou. . . oun.. . tain. . .”

. . . E justamente quando ele começava a imaginar, através da est ranha doce música

de acompanhamento que parecia sai r do ar, como o próximo verso poderia ser feito , a

não ser que imaginassem que um garoto soprano soasse como o bom King Wenceslas

ass im como seu pagem, uma grande voz bela e profunda ecoou pela sala com as palavras

familiares, uma grande voz profunda que Will nunca tinha ouvido empregada na canção

antes e rapidamente reconhecida.

“ . . .Bring me flesh and bring me wine

Bring me pine-logs hither;

Thou and I wil l see him dine

When we bear them thither. . . ”

A cabeça de Will girou um pouco, a sala pareceu crescer e então encolher

novamente; mas a música continuou, e os pilares de luz permaneciam sobre as chamas

56

das velas, e assim que o próximo verso começou Merriman est icou -se casualmente e

pegou sua mão, e eles caminharam em frente, cantando juntos:

“Page and monarch forth they went,

Forth they went together,

Through the rude wind's wild lament

And the bitter weather.”

Eles caminharam descendo o longo saguão de entrada, para longe dos Stantons

imóveis, passando pela Srta. Greythorne em sua cadeira, pela governanta cozinheira, e a

empregada, todos imóveis, vivos e a inda assim suspensos fora da vida. Will sent iu como

se estivesse caminhando no ar, não tocando o chão, descendo o saguão escuro; nenhuma

luz estava em frente a eles, mas apenas um brilho vindo de trás. Dentro do escuro. . .

“Sire, the night is darker now,

And the wind blows stronger;

Fails my heart I know not how,

I can go no longer. . .”

Will ouviu sua voz tremer, pois as palavras eram palavras certas para o q ue estava

em sua mente.

“Mark my footsteps, good my page;

Tread thou in them boldly. . .”

Merriman cantou; e subitamente t inha algo mais em frente a Wil l do que o escuro.

Diante dele erguiam-se as grandes portas, as grandes portas entalhadas que ele

tinha vis to pela primeira vez em uma ladeira cheia de neve de Chiltern, e Merr iman

levantou seu braço esquerdo e apontou para elas com seus cinco dedos bem abertos e

retos. Lentamente as portas se abri ram, e a indef inível música dos Antigos Escolhidos

veio crescendo devagar para se unir ao acompanhamento do cor al, e então se perdeu

novamente. E ele seguiu em frente com Merriman para dentro da luz, dentro de um tempo

diferente e de um Natal diferente, cantando como se ele pudesse despejar toda a música

do mundo dentro dessas notas – e cantando tão confiante que o líder do coro da escola,

que era muito r igoroso no que diz respeito a cabeças erguidas e mandíbulas bem

mexidas, teria mergulhado em um orgulho mudo de deslumbramento.

57

arte Dois: O Aprendizado

Livro de Gramarye

Eles estavam em uma sala brilhante novamente, uma sala diferente de tudo que

Will já tinha vis to. Os tetos eram altos, pintados com imagens de árvores, f lorestas e

montanhas; as paredes tinham painéis de madeira dourada brilhante, acesas aq ui e ali por

estranhos globos luminosos. E a sala estava cheia de música, o seu próprio coro tomado

por muitas vozes, em uma reunião de pessoas vestidas como uma brilhante cena de um

livro de história. As mulheres, de ombros nus, usavam longos vestidos com laçadas

elaboradas e saias com folhos; os homens vestiam roupas parecidas com as de Merriman,

com casacos com caudas retangulares , compridas calças retas, com folhos ou gravatas de

seda negra no pescoço. Na verdade, agora que Will olhou de novo para Merri man,

percebeu que as roupas que ele usava nunca foram realmente as de um mordomo, mas

pertenciam completamente a esse outro século, qualquer que ele pudesse ser.

Uma senhora de vestido branco estava se dirigindo até e les para recebê-los, as

pessoas ao seu redor se afastavam respeitosamente para abrir espaço, e quando o coral

terminou ela gri tou: “Lindo! Lindo! Entrem, entrem!” A voz era exatamente a voz da

Srta. Greythorne saudando -os à porta da Mansão um pouquinho mais cedo, e quando Will

olhou para o rosto dela ele viu que de cer to modo essa era a Sr ta. Greythorne também.

Havia os mesmos olhos e rosto de ossos salientes, a mesma conduta amigável mas

imperiosa – apenas essa Sr ta. Greythorne era muito mais jovem e mais bonita, como uma

f lor que tivesse desabrochado do botão mas ainda não castigad a pelo sol, vento e pelos

dias.

“Venha, Will,” ela disse, e pegou sua mão, sorrindo para ele, e ele foi até ela; era

tão claro que ela o conhecia e que aqueles ao redor dela, homens e mulheres, jovens e

velhos, todos sorrindo e felizes, o conheciam também. A maioria da brilhante mul tidão

estava deixando a sala agora, casais e grupos conversando, na direção de um delicioso

cheiro de algo cozinhando que claramente indicava ceia em algum outro lugar da casa.

Mas um grupo de aproximadamente vinte permaneceu.

“Estávamos esperando por você,” disse a Srta. Greythorne, e o conduziu até o

fundo da sala onde um fogo ardia quente e amigável em uma lareira ornada. Ela estava

olhando para Merriman também, incluindo -o em suas palavras. “Estamos todos prontos,

não há nenhum.. . obstáculo.”

“Você tem certeza?” a voz de Merr iman surgiu rápida e profunda como uma batida

de martelo, e Will observou curiosamente. Mas o rosto com nar iz de falcão es tava tão

enigmático como sempre.

“Certeza absoluta,” disse a senhora. De repente ela ajoelhou ao lado de Will, sua

saia espalhando-se ao redor dela como uma grande rosa branca; agora ela estava ao nível

dos olhos dele, e ela segurou as suas duas mãos, olhando para ele, e falou suave e

rapidamen te. “É o terceiro Signo, Will. O Signo da Madeira. Nós o chamamos às vezes

de Signo do Aprendizado. Essa é a hora de refazer o Si gno. Em cada século desde o

princípio, Will, a cada cem anos, o Si gno da Madeira deve ser renovado, porque ele é o

único dos seis que não pode manter sua natureza imutável. A cada cem anos nós o temos

refeito , do modo que fomos ensinados pela primeira vez. E agora essa vai ser a úl tima

vez, pois quando o seu próprio século vier você o tomará por todo o tempo, para a união,

e então não será mais necessár ia a renovação.”

58

Ela se levantou, e disse claramente, “Estamos contentes em vê -lo , Will Stanton,

Buscador dos Signos. Muito, muito contentes.” E houve um retumbar geral de vozes,

baixas e altas, suaves e profundas, todas aprovando e concordando; era como uma

parede, Will pensou, você poderia se encostar nela e sentir apoio. Muito profundamente

ele podia senti r a força da amizade que surgia desse pequeno grupo de pessoas

desconhecidas e belamente vestidas; f icou imaginando se todos el es eram Antigos

Escolhidos. Olhando para Merriman ao seu lado, ele sorriu de contentamento, e

Merriman sorriu para ele com uma aparência de um relaxado prazer mais aberto do que

Will já t inha visto no rosto austero, quase severo.

“Está quase na hora,” Srt a. Greythorne disse.

“Primeiro um pouco de refresco para os recém chegados, talvez,” disse um homem

ao lado deles: um homem pequeno, não muito mais al to do que Will. Ele segurava um

copo. Will o pegou, olhando, e encontrou-se observando um rosto f ino e an imado, quase

triangular, de linhas espessas embora não fosse velho, com um par de assustados olhos

brilhantes olhando para ele e de algum modo dentro dele. Era um rosto perturbador, com

muito por trás dele. Mas o homem tinha se afastado dele, presenteando Will apenas com

uma costa l impa coberta por veludo verde, e estava oferecendo um copo para Merr iman.

“Meu senhor,” e le disse de forma diferente do que t inha feito , e curvou-se.

Merriman olhou para ele com um cômico franzir da boca, não disse nada, mas f ic ou

olhando zombeteiramente e esperou. Antes que t ivesse uma chance até mesmo de f icar

confuso com a saudação, o pequeno homem piscou e subi tamente pareceu recuperar seu

juízo, como um sonhador acordado repentinamente. Ele começou a rir.

“Ah, não,” ele disse cuspindo. “Pare. Eu tive o hábito por longos anos, depois de

tudo.” Merriman deu uma risada afetuosa, ergueu o copo para ele, e bebeu; e uma vez

que não conseguiu compreender esse est ranho intercâmbio Will bebeu também, e foi

preenchido com deslumbramen to por um sabor irreconhecível que era menos um gosto do

que um raio de luz, uma explosão de música, algo feroz e maravilhoso tomando conta de

todos os seus sentidos de uma vez só.

“O que é isso?”

O pequeno homem deu um giro e riu, seu rosto enrugado inc l inando todas as suas

l inhas para cima. “Metheglyn costumava ser o nome mais próximo,” disse ele, pegando o

copo vazio. Ele soprou dentro dele, disse inesperadamente, “Um Antigo Escolhido como

os olhos podem ver,” e o segurou; e olhando dentro da base clar a, Wil l de repente sent iu

que podia ver um grupo de f iguras de robes marrons fazendo o quer que fosse aquilo que

ele t inha acabado de beber. Ele olhou para cima para ver o homem de casaco verde

observando-o de perto, com uma expressão perturbadora que era como uma mistura de

inveja e sat isfação. Então o homem riu e rapidamente afastou o copo, e a Sr ta.

Greythorne estava chamando para que eles fossem até ela; os globos brancos de luz na

sala f icaram embaçados, e as vozes quietas. Em algum lugar da casa Will pensou que

ainda podia ouvir a música, mas ele não tinha certeza.

Srta. Greythorne f icou perto do fogo. Por um momento ela olhou para Wil l, então

para Merriman. Então ela se afastou deles e olhou para a parede. Ela olhou e olhou por

um longo tempo. Os painéis, a larei ra e a prateleira acima eram um só, todos entalhados

da mesma madeira dourada: muito plana, sem curvas ou f loreios, mas apenas uma rosa de

quatro pétalas colocada em um quadrado aqui e ali . Ela ergueu sua mão até um desses

pequenos entalhes de rosa no canto superior esquerdo da lareira, e ela pressionou o seu

centro. Houve um clique, e abaixo da rosa, ao nível de sua cintura, um buraco quadrado

59

escuro apareceu no painel . Will não viu painel algum deslizar ; o buraco simplesmente

estava, de repente, a li .

E a Srta. Greythorne pegou e reti rou um objeto com a forma de um pequeno

círculo. Era a imagem dos dois que ele mesmo tinha, e ele percebeu que sua mão, como

uma vez antes, já tinha se movido e estava segurando -os protetoramente. Houve silêncio

total na sala. Do lado de fora das portas Will certamente podia ouvir música agora, mas

não conseguia def inir a natureza dela.

O círculo-signo estava mui to f ino e escuro, e um de seus braços -cruzados

interiores estava par tido como ele observou. A Srta. Gre ythorne entregou-o a Merriman,

e mais um pouco se desfez em poeira. Will agora podia ver que era madeira, rúst ica e

gasta, mas com um grão correndo por ela.

“Isso tem cem anos de idade?” disse e le.

“A cada cem anos, a renovação,” disse ela. “Sim.”

Will disse impulsivamente, dentro da sala s ilenciosa, “Mas a madeira dura muito

mais do que isso. Vi algumas no Museu Britânico. Pedaços de velhos barcos que eles

escavaram no Thames. Pré-históricos . Com milhares de anos.”

“Quercus Britannicus,” disse Merr iman , severa e abruptamente, soando como um

professor rabugento. “Carvalho. As canoas às quais você se refere eram feitas de

carvalho. E mais ao sul, as pilhas de carvalho nas quais a a tual catedral de Winchester se

apóia foram colocadas cerca de novecentos an os at rás, e são tão f irmes hoje como

estavam então. Oh, sim, carvalho dura muito tempo, Will Stanton, e virá um dia em que a

raiz de uma árvore de carvalho terá uma parte muito importante em sua jovem vida. Mas

carvalho não é a madeira para o Si gno. Nossa madeira é uma que o Escuro não ama.

Tramazeira, Wil l, essa é a nossa árvore. Sorbus Aucuparia. Há qualidades na tramazeira,

como em nenhuma outra madeira na terra, que nós precisamos. Mas também há esforços

no Signo aos quais a t ramazeira não consegue sobr eviver como o carvalho consegue, ou

como ferro e bronze. Então o Signo deve ser renascido” – ele o ergueu, entre um dedo

comprido e um dedão profundamente curvado para trás – “a cada cem anos.”

Will concordou com a cabeça. Não disse nada. Encontrou -se muito consciente das

pessoas na sala. Era como se todos eles estivessem se concentrando muito em uma coisa,

e você pudesse ouvir a concentração. E de repente eles pareceram multiplicados,

inf initos, uma vasta mult idão estendendo -se além da casa e além desse século ou

qualquer outro.

Ele não entendeu completamente o que aconteceu em seguida. Merriman projetou

sua mão para f rente subitamente, par tiu o Signo da Madeira ao meio e o atirou no fogo,

onde uma grande tora como a Yule log deles estava queimada pela me tade. As chamas

saltaram. Então a Srta. Greythorne esticou -se em direção ao pequeno homem no casaco

de veludo verde, pegou dele o jarro prateado com o qual ele havia colocado os drinques,

e jogou o conteúdo do jarro no fogo. Houve um grande silvo e fumaça, e o fogo estava

apagado. E ela se incl inou para f rente em seu longo vestido branco e colocou seu braço

dentro da fumaça e das cinzas ardentes, e reti rou um pedaço parcialmente queimado da

grande tora. Era como um grande disco irregular.

Segurando a protuberância de madeira bem alto para que todos pudessem ver, ela

começou a retirar pedaços enegrecidos dela como se est ivesse descascando uma laranja;

seus dedos se moviam rapidamente, e as bordas queimadas caíram e restou o esqueleto da

peça de madeira: um c laro círculo liso, contendo uma cruz.

60

Não havia irregularidade alguma nele, como se nunca houvesse tido qualquer

outra forma a não ser essa. E nas mãos brancas da Srta. Greythorne não restava t raço de

fuligem ou cinza.

“Will Stanton,” disse ela, virando -se para ele, “aqui es tá o seu terceiro Signo. Não

devo entregá-lo a você nesse século. Sua busca deve ser completada dentro de seu

próprio tempo. Mas a madeira é o Signo do Aprendizado, e quando tiver terminado com o

seu próprio aprendizado individual você o encontrará. E posso deixar em sua mente os

movimentos que serão necessár ios.” Ela olhou f irme para Wil l, então est icou -se e enf iou

o estranho círculo de madeira no buraco escuro no painel. Com a outra mão, ela

pressionou a rosa entalhada na parede acima dele, e com o mesmo f lash cegante de antes

o buraco subi tamente não estava mais lá. A parede com painéis de madeira es tava lisa e

sem quebras como se não tivesse ocorrido mudança alguma.

Will observou. Lembre como isso foi feito , lembre. . . Ela havia pres sionado a

primeira rosa entalhada no canto superior esquerdo. Mas agora havia três rosas em um

grupo no canto; Qual deveria ser? Quando olhou mais de perto, ele viu com temeroso

assombro que agora toda a parede de painéis es tava coberta de quadrados de mad eira

entalhada, cada um contendo uma rosa de quatro pétalas. Elas tinham crescido nesse

momento, debaixo de seus olhos? Ou elas estiveram ali o tempo todo, invisíveis por

causa de uma ilusão da luz? Ele balançou sua cabeça assustado e procurou ao redor por

Merriman. Mas era tarde demais. Ninguém estava per to dele. A solenidade tinha deixado

o ar; as luzes estavam brilhantes novamente, e todo mundo estava conversando

alegremente. Merriman estava murmurando algo para Sr ta. Greythorne, curvando -se

quase em dobro para falar perto de seu ouvido. Will sentiu um toque em seu braço, e

virou-se.

Era o pequeno homem de casaco verde, acenando para ele. Perto das portas do

outro lado da sala, o grupo de músicos que tinha acompanhado o coral começou a tocar

de novo: um som gentil de f lautas, violinos e o que ele pensou que fosse um cravo. Era

outro coro que eles estavam cantando agora, um antigo, muito mais antigo do que o

século da sala. Wil l queria escutar, mas o homem de verde t inha agarrado seu braço e o

estava arrastando insis tentemente em direção a uma porta lateral. Will agüentou f irme,

rebelde, e virou em direção a Merr iman. A f igura alta levantou -se instantaneamente,

girando em volta para procurar por ele; mas quando viu o que estava acontecendo

Merriman relaxou, meramente erguendo uma mão em consent imento. Will sentiu a

conf iança colocada dentro de sua mente: vá em frente, está tudo bem. Eu seguirei.

O pequeno homem pegou uma lanterna, olhou casualmente para ele, então abriu

rapidamente a porta lateral o bastant e para que ele e Will passassem através dela. “Não

confia em mim, confia?” ele disse em sua voz aguda e convulsiva. “Bom. Não confie em

ninguém a não ser que seja preciso, garoto. Então você sobreviverá para fazer o que está

aqui para fazer.”

“Eu pareço saber sobre as pessoas agora, a maioria,” disse Will. “Quero dizer, de

algum modo posso dizer em quais eu posso confiar. Geralmente. Mas você . . .” ele parou.

“Bem?” disse o homem.

Will falou: “Você não se encaixa.”

O homem gri tou com uma risada, seus olho s desaparecendo nas rugas em seu

rosto, então parou abruptamente e ergueu sua lanterna. No círculo de luz oscilante, Wil l

viu o que parecia ser uma pequena sala, com painéis de madeira, sem mobília exceto uma

cadeira de braços, uma mesa, uma pequena escada , e uma grande estante embutida com

um espelho na f rente no centro de cada parede. Ele ouviu uma profunda batida uniforme

61

e viu, observando através da escuridão, que um grande relógio antigo es tava no canto. Se

a sala fosse dedicada apenas à leitura , como parecia ser, então ela guardava um medidor

de tempo que daria um aviso bem alto contra ler por tempo demais.

O pequeno homem empurrou a lâmpada na mão de Will. “Acho que tem uma luz

bem aqui . . . ah.” Começou um indef inível som de assobio que Will t inha not ado uma ou

duas vezes na porta seguinte da sala; então houve o estalo de um fósforo acendendo e um

alto “Pop!”, e uma luz apareceu na parede, queimando primeiro com uma chama

avermelhada e então expandindo em um dos grandes globos brancos brilhantes.

“Lanternas a gás,” ele disse. “Ainda muito novas em casas particulares, e mais

elegantes. Srta. Greythorne possui um bom gosto incomum, para este século .”

Will não es tava escutando. “Quem é você?”

“Meu nome é Hawkin,” disse o homem alegremente. “Nada mais. S omente

Hawkin.”

“Bem, olhe aqui, Hawkin,” disse Wil l. Ele estava tentando pensar em algo , e isso

o estava tornando mais inquieto. “Você parece saber o que está acontecendo. Diga -me

alguma coisa. Aqui es tou trazido ao passado, um século que já aconteceu, é parte dos

livros de história. Mas o que acontece se eu f izer algo para al terá -lo? Eu posso, eu

poderia. Qualquer coisinha. Eu estar ia tornando algo na história diferente, como se eu

realmente es tivesse ali .”

“Mas você esteve,” Hawkin disse. Ele tocou um acendedor na chama da lâmpada

que Will segurava.

Will disse confuso, “O quê?”

“Você es teve . . . está. . . nesse século quando isso aconteceu. Se alguém tivesse

escrito uma história regis trando esse momento aqui, essa noite, você e meu Senhor

Merriman estariam nela, descri tos. Inapropriadamente, entretanto. Um Antigo Escolhido

nunca deixa seu nome ser regist rado em lugar algum. Geralmente vocês conseguem afetar

a his tória de maneiras que nenhum homem jamais entende. . .”

Ele encostou o acendedor em chamas em um suporte para três velas na mesa ao

lado de uma das poltronas; a costa de couro da cadeira brilhou na luz amarela. Will

disse, “Mas eu não consegui . . . Não vejo . . .”

“Venha,” Hawkin falou rápido. “É claro que você não vê. É um mistério. Os

Antigos Escolhidos podem viajar no Tempo como escolherem; você não está preso pelas

leis do Universo como nós as conhecemos.”

“Você não é um?” disse Will. “Pensei que você devia ser. ”

Hawkin balançou sua cabeça, sorrindo. “Não,” disse e le. “Um homem pecador

comum.” Ele o lhou para baixo e deslizou sua mão sobre a manga verde de seu casaco.

“Mas um dos mais privi legiados. Pois como você, eu não per tenço a esse século, Will

Stanton. Fui t razido aqui apenas para poder fazer uma cer ta coisa, e então meu Senhor

Merriman me enviará de volta ao meu próprio tempo.”

“Onde,” disse a profunda voz de Merriman ao som do clique suave da porta se

fechando, “eles não têm tal coisa como veludo, que é o motivo pelo qual ele tem tanto

prazer em particular nesse lindo casaco. Um casaco bastan te elegante, pelo padrão atual,

eu devo dizer - lhe, Hawkin.”

62

O pequeno homem olhou para cima com um rápido sorriso, e Merriman colocou

uma mão em seu ombro afetuosamente. “Hawkin é uma criança do século treze, Wil l,”

ele disse. “Setecentos anos antes que você nascesse. Ele é de lá. Por feito meu, ele foi

trazido adiante saindo dele para esse dia, e então ele irá voltar novamente. Como poucos

homens comuns f izeram.”

Will correu uma das mãos dist raidamente pelo seu cabelo; ele sent iu como se

estivesse tentando organizar uma tabela de horários de uma est rada de ferro.

Hawkin riu suavemente. “Eu disse a você, Ant igo Escolhido. É um mistério.”

“Merr iman? ' disse Will. “De onde você é?”

O rosto escuro pontudo de Merriman olhou para e le sem expressão, como algum a

imagem entalhada há muito tempo. “Você entenderá em breve,” disse ele. “Nós temos

outro objetivo aqui diferente do Signo da Madeira, nós três. Eu sou de lugar a lgum e de

todo lugar, Will. Sou o primeiro dos Antigos Escolhidos, e eu est ive em todas as era s. Eu

existia. . . existo . . . no século de Hawkin. Lá, Hawkin é meu vassalo. Eu sou seu senhor, e

mais do que seu senhor, pois e le es teve comigo por toda sua vida, educado como se fosse

um f ilho, desde que eu o peguei quando seus pais morreram.”

“Nenhum f ilho jamais teve melhor cuidado,” Hawkin disse, um pouco rouco;

olhou para seus pés, e a jeitou sua jaqueta, e Wil l percebeu que mesmo com todas as

linhas em seu rosto Hawkin não era muito mais velho do que seu irmão Stephen.

Merriman disse, “Ele é meu amigo que me serve, e tenho profunda afeição por ele.

E o tenho em grande confiança. Tão grande que dei a ele uma parte vital para executar na

busca que todos nós devemos realizar nesse século . . . a busca pelo seu aprendizado,

Will.”

“Oh,” Will disse f racamente.

Hawkin sorr iu para ele; então saltou para f rente e inclinou -se fazendo uma

pequena reverência, deliberadamente quebrando a seriedade. “Devo agradecê -lo por ter

nascido, Ant igo Escolhido,” disse ele, “e por ter me dado a chance de correr como um

rato em outra época que não a minha própria.”

Merriman relaxou, sorrindo. “Você percebeu, Will, como ele adora acender as

lanternas a gás? Em seu dia, eles usam mal cheirosas velas fumacentas que na verdade

não são velas, mas s im juncos mergulhados em gordura.”

“Lanternas a gás?” Will olhou para o globo branco preso na parede. “É isso que

eles são?”

“É claro. Ainda não há eletricidade.”

“Bem,” disse Wil l defensivamente. “Eu nem sei que ano é esse, af inal de contas.”

“Anno Domini mil oitocentos e setenta e cinco ,” disse Merr iman. “Não é um ano

ruim. Em Londres, o Sr. Disraeli es tá fazendo o seu melhor para comprar o Canal de

Suez. Mais da metade dos barcos mercantes Britânicos que passarão por ele são barcos à

vela. A Rainha Vitória esteve no trono Britânico por trinta e oito anos. Na América, o

Presidente tem o esplêndido nome de Ulysses S. Grant, e Nebraska é o mais novo dos

trinta e quatro es tados da União. E em uma remota mansão em Buckinghamshire, i lust re

ou notória ao olho público apenas por sua posse da peq uena coleção de livros de

63

necromancia mais valiosa do mundo, uma senhora chamada Mary Greythorne está

real izando uma festa de Véspera de Natal, com corais e música, para seus amigos.”

Will moveu-se até a estante mais próxima. Os livros es tavam todos envoltos em

couro, a maioria marrom. havia bri lhantes volumes novos com pontas cinti lando em folha

de ouro; havia pequenos livros gordos tão antigos que o seu couro estava gasto e

reduzido a aspereza de tecido espesso. Ele olhou para alguns dos títulos: Demonol atry,

Liber Poenita lis, Discoverie of Witchcraf t, Mal leus Malef icarum .. . e continuando em

Francês, Alemão, e outras línguas das quais ele não conseguiu nem mesmo reconhecer o

alfabeto. Merriman balançou uma mão indiferente para eles, e para as estantes ao redor.

“Valem uma pequena fortuna,” disse ele, “mas não para nós. Essas são his tórias de

pessoas pequenas, alguns sonhadores e alguns homens loucos. Histórias de bruxaria e

coisas apavorantes que os homens uma vez f izeram às pobres almas simples que eles

chamaram de bruxas. A maioria delas eram inofensivos seres humanos comuns, apenas

uma ou duas realmente tinham relações com o Escuro. . . Nenhuma delas, é claro, t inha

algo a ver com os Ant igos Escolhidos, pois quase toda his tória que os homens contam

sobre magia, bruxas e coisas do t ipo é nascida da tolice, ignorância e doenças da

mente. . . ou é um modo de explicar coisas que eles não entendem. A única coisa da qual

eles não sabem nada, a maioria deles, é sobre o que nós somos. E isso es tá contido, Will,

apenas em um l ivro nesta sala. O resto são úteis de vez em quando como um lembrete do

que o Escuro pode realizar e os métodos negros que às vezes e le pode usar. Mas há um

livro que é a razão pela qual você voltou até esse século. Esse é o livro do qual você

aprenderá seu lugar como um Antigo Escolhido, e não há palavras para descrever o quão

precioso ele é. O l ivro das coisas escondidas, da verdadeira magia. Muito tempo atrás,

quando a magia era o único conhecimento escrito , nosso negócio era chamado apenas de

Saber. Más há coisas demais para conhecer em seu dia, em todos os assuntos sob o sol.

Então usamos uma palavra semi -esquecida, como nós mesmos, Antigos Escolhidos,

somos semi-esquecidos. Nós o chamamos gramarye .”

Ele se moveu pela sala em direção ao reló gio, fazendo sinal para eles irem atrás.

Will olhou para Hawkin, e viu seu f ino rosto confiante tenso de apreensão. Eles o

seguiram. Merr iman parou em frente ao grande relógio no canto, que es tava a dois pés

acima de sua cabeça, t irou uma chave de seu bols o, e abriu o painel f rontal. Wil l podia

ver o pêndulo ali dentro balançando lentamente, hipnoticamente para f rente. . . e para trás,

para f rente. . . e para trás.

“Hawkin,” disse Merriman. A palavra foi muito genti l , até mesmo carinhosa, mas

era um comando. O homem de verde, sem uma palavra, ajoelhou -se ao seu lado esquerdo

e f icou ali , bem parado.

Ele disse em um implorativo meio sussurro: “Meu senhor . . .” Mas Merr iman não

lhe deu atenção. Ele pousou sua mão esquerda no ombro de Hawkin, e es ticou sua mão

direita dentro do relógio. Muito cuidadosamente, ele desl izou seus dedos longos por t rás,

por um lado, mantendo -os tão eretos quanto possível para evitar tocar no pêndulo, e

então com um rápido movimento ele puxou um pequeno livro de capa negra. Hawkin

desabou em um pequeno amontoado, com um suspiro forçado pela garganta de um alívio

tão aterrador que Will olhou para ele surpreso. Mas Merriman o estava afastando. Ele fez

Will sentar-se na única cadeira na sala, e colocou o livro em suas mãos. Não havia t ítulo

algum em sua capa.

“Esse é o livro mais antigo no mundo,” ele falou simplesmente. “E quando você

t iver lido, ele será destruído. Esse é o Livro de Gramarye, escr ito na Língua Ant iga. Não

pode ser entendido por ninguém a não ser os Antigos Escolhidos, e mes mo se um homem

ou cria tura pudesse entender qualquer feitiço ou poder que ele contém, não poderia usar

suas palavras de poder a não ser que ele próprio fosse um Antigo Escolhido. Então não

64

houve grande perigo no fato de sua existência, nesses muitos anos. Ainda assim não é

bom manter uma coisa desse tipo além da data de seu dest ino, pois ele sempre estará sob

a ameaça do Escuro, e a inf inita ingenuidade do Escuro poderia ainda encontrar um meio

de usá-lo se o t ivessem em suas mãos. Nesta sala agora, entreta nto, o livro irá completar

seu propósito f inal, que é entregar a você, o últ imo dos Ant igos Escolhidos, o dom do

gramarye. . . e depois disso ele será destruído. Quando você tiver o conhecimento, Will

Stanton, não haverá mais qualquer necessidade de guardá - lo, pois com você o círculo

está completo.”

Will sentou imóvel, observando as sombras se moverem no severo rosto forte

acima dele; então ele deu uma balançada na cabeça, como que para acordar, e abriu o

l ivro. Ele disse, “Mas está em Inglês! Você disse . . .”

Merriman r iu. “Isso não é Inglês, Will. E quando falamos um com o outro, você e

eu, não usamos Inglês. Nós usamos a Língua Antiga. Nascemos com ela em nossas

línguas. Você pensa que es tá falando Inglês agora, porque o seu senso comum lhe diz

que essa é a única linguagem que você entende, mas se a sua família o escutasse eles

ouviriam apenas sons incoerentes. O mesmo acontece com esse livro.”

Hawkin estava de pé novamente, ainda que não houvesse cor alguma em seu rosto.

Respirando irregularmente, ele encostou contra a parede, e Will olhou para ele solidário.

Mas Merriman, ignorando -o, continuou, “No momento em que você ganhou seu

poder em seu aniversário, você conseguiu falar como um Ant igo Escolhido. E o fez, sem

saber que o es tava fazendo. Foi assim que o Cavaleiro o conheceu, quando você o

encontrou na es trada . . . você saudou John Smith na Língua Antiga, e ass im ele teve que

responder da mesma forma, e arriscar ser marcado como um Antigo Escolhido mesmo

embora o of ício de um ferreiro esteja fora dessa f i delidade. Mas homens comuns podem

falar essa língua também.. . como Hawkin aqui, e outros nessa casa que não são do

Círculo. E os Senhores do Escuro podem falar ela também, embora nunca sem um cer to

sotaque traidor deles mesmos.”

“Eu lembro,” Will falou lentamente. “O Cavaleiro realmente parecia ter um

sotaque, um sotaque que eu não conhecia. Apenas, é claro, pensei que ele estava falando

Inglês, e que ele devia ser apenas alguém de outra parte do país. Não me admira ele ter

vindo atrás de mim tão rápido.”

“Tão simples assim,” disse Merriman. Ele olhou para Hawkin pela primeira vez, e

colocou uma mão em seu ombro, mas o pequeno homem não se mexeu. “Agora escute,

Will. Nós o deixaremos aqui até que tenha lido o livro. Essa não será uma experiência

como a de ler um livro comum. Quando tiver terminado, eu voltarei. Onde quer que

possa estar, eu sempre sei quando o livro é aber to ou quando ele é fechado. Leia -o agora.

Você é dos Antigos Escolhidos, e assim você só tem que ler uma vez e ele estará em

você para todo o Tempo. Depois disso, faremos um f im.”

Will disse: “Hawkin está bem? Ele parece doente.”

Merriman olhou para a pequena f igura cambaleante de verde, e a dor atravessou

seu rosto. “Demais para pedir,” ele disse incompreensivelmente , colocando Hawkin

ereto. “Mas o livro, Will. Leia -o. Ele esteve esperando por você por um longo tempo.”

Ele saiu, apoiando Hawkin, de volta para a música e vozes na sala ao lado, e Will

foi deixado com o Livro de Gramarye.

65

arte Dois: O Aprendizado

raição

Mais tarde Will jamais foi capaz de dizer quanto tempo ele passou com o Livro de

Gramarye. Tanto entrou dentro dele de suas páginas e o mudou que a le itura deve ter

levado um ano; mesmo assim ela absorveu tanto sua mente que quando chegou ao f im ,

sentiu que naquele momento tinha apenas começado. Realmente esse não era um livro

como os outros. Havia títulos bastante simples em cada página: De Voar; De Desaf io;

Das Palavras de Poder; De Resistência; Do Tempo Através das Portas. Mas ao invés de

presenteá-lo com uma histór ia ou instrução, o livro daria s implesmente um trecho de

verso ou uma imagem bri lhante, que de alguma forma o colocava instantaneamente no

meio de qualquer experiência que estava envolvida.

Ele tinha que ler não mais do que uma linha . . . eu devo ter viajado como uma

águia . . . e subitamente estava voando para o alto como se tivesse asas, aprendendo

através do sentir, sentindo o jeito de descansar no vento girando pelas ascendentes

colunas de ar, de deslizar e planar, de olhar para baixo nos vales de retalhos verdes

encapados por árvores escuras, e um ondulante rio cinti lante entre e les. E ele soube

enquanto voava que a águia era uma das cinco únicas aves que conseguiam ver o Escuro,

e ins tantaneamente ele conheceu as outras quatro, e em retorno ele era cada um a delas. . .

Ele leu: . . . você vem ao lugar onde está a criatura mais antiga que exis te nesse

mundo, e ela que já foi muito mais longe do que se pode conceber, a Águia de

Gwernabwy . . . e Wil l estava lá em cima em um rochedo acima do mundo, descansando

sem medo em um cintilante pedaço de grani to negro -acinzentado, e seu lado direito

apoiava-se contra uma macia perna emplumada dourada e uma asa dobrada, e sua mão

repousava ao lado de uma cruel garra de rígido aço em forma de gancho, enquanto e m

seu ouvido uma voz áspera sussurrava as palavras que controlariam vento e tempestade,

céu e ar, nuvem e chuva, e neve e granizo . . . e tudo no céu exceto o sol e a lua, os

planetas e as es trelas.

Então ele estava voando de novo, livremente no céu negro -azul, com as estrela s

brilhando inf initamente ao redor de sua cabeça, e os padrões das es tre las tornaram -se

conhecidos para ele, de formas tanto semelhantes quanto diferentes das formas e poderes

atribuídos a elas por homens há muito tempo atrás. A Boieiro* passou, assentindo , a

brilhante est rela Arcturus* ao seu joelho; o Touro* rugiu, carregando o grande sol

Aldebarã* e o pequeno grupo de Plêiades* cantando em pequenas vozes melódicas, como

nenhuma voz que ele já tivesse ouvido. Para cima ele voou, e externamente, a través do

espaço negro, e viu as es tre las mortas, as est relas ardentes, a f ina dispersão de vida que

povoava o vazio inf inito além. E quando tinha terminado, ele conhecia cada estrela nos

céus, tanto pelos nomes quanto pelos pontos astronômicos, e novamente como al go mui to

mais do que um ou outro; e ele soube cada encanto do sol e da lua; ele conhecia o

mistér io de Urano e o desespero de Mercúrio, e tinha viajado na cauda de um cometa.

Então, descendo dos céus que o Livro trouxe para ele, com uma linha.

. . . the wrinkled sea beneath him crawls. . .

E ele veio despencando, descendo em direção da rastejante superf íc ie azul

enrugada que mudava, enquanto ele f icava mais perto e mais perto, para uma crescente

seqüência de grandes ondas golpeantes. Então ele es tava no mar , descendo do turbilhão,

* Grupos de estrelas. Boieiro é uma constelação cujo nome em inglês é Herdsman. Arcturos é a primeira estrela da constelação de

Boötes. Aldebarã é a mais brilhante da constelação de Touro. O aglomerado das Plêiades está localizado na constelação de Touro.

66

através da confusão verde, dentro de um espantoso mundo claro de beleza, impiedade e

desolada f ria sobrevivência. Cada uma das cr iaturas atacava a outra, nada es tava

completamente seguro. E aqui o Livro ensinou a Will os padrões de sobrevivência contra

a malevolência, e os feitiços do mar, rio e correnteza, lago, riacho e f iorde, e mostrou a

ele como a água era o único elemento que podia, em certa medida, desaf iar toda magia;

pois a água em movimento não toleraria magia alguma seja para o mal ou para o bem,

mas a eliminaria como se ela jamais t ivesse sido feita.

Através de mortais corais af iados o Livro o conduziu nadando, entre estranhas

ondas afetuosas de verde, vermelho e púrpura, entre peixes brilhantes como arco -íris que

nadavam até ele, observavam, balançavam uma nadadeira ou cauda e desapareciam.

Passando por grosseiros espinhos negros de ouriços -do-mar, passando por delicadas

cria turas ondulantes que não pareciam planta nem peixe; e então subindo para a areia

branca, espir rando através de poças rasas . . . para dentro das árvores. Densas árvores lisas

semelhantes a ra ízes corriam descendo dentro da água do mar ao redor dele em um tipo

de f loresta sem folhas, e em um f lash Will es tava fora daquela massa confusa e piscando

novamente para uma página do Livro de Gramarye.

. . . I am fire-fret ted and I fl irt with wind. ..

Então ele estava entre árvores, árvores da primavera suaves com o verde

incomparável das folhas jovens, e um sol claro cortando -as; árvores do verão cheias de

folhas, sussurrantes, massivas; pinheiros negros do inverno que não temiam mestre

algum e não deixavam luz alguma iluminarem suas f lorestas. Ele aprendeu a natureza de

todas as árvores, as magias part iculares que estão no pinheiro, faia e f reixo. Então, um

verso f icou sozinho em uma página do Livro:

He that sees blowing the wi ld wood tree,

And peewits c ircling their watery glass,

Dreams about Strangers that yet may be

Dark to our eyes, Alas!

E na mente de Wil l, fazendo -o girar em um vento que soprava através e ao redor

de todo o Tempo, surgiu a história dos Antigos Escolhidos. Ele os viu desde o início

quando a magia estava em abundância no mundo; magia que era o poder das rochas, fogo,

água e das coisas vivas, e ass im os primeiros homens viviam dentro dela e com ela, como

um peixe vive na água. Ele viu os Antigos Escolhidos, através das era dos homens que

trabalharam com rocha, com bronze, e com ferro, com cada um dos seis grandes Signos

nascidos em cada era. Ele viu uma raça após a outra vir atacar seu País, traz endo a cada

vez a malevolência do Escuro com eles, onda após onda de navios correndo

inexoravelmente nas praias. Em contra partida cada onda de homens f icava pacíf ica

quando conhecia e amava a terra, e ass im a Luz f lorescia novamente. Mas o Escuro

sempre es tava al i , crescendo e diminuindo, ganhando um novo Senhor do Escuro sempre

que um homem deliberadamente escolhia ser transformado em algo mais ameaçador e

poderoso do que seus companheiros. Tais criaturas não eram nascidas para seu destino,

como os Antigos Escolhidos, mas o escolhiam. Ele viu o Cavaleiro Negro em todas as

épocas desde o início.

Ele viu uma época em que o primeiro grande teste da Luz surgiu, e os Antigos

Escolhidos se dedicaram por três séculos a trazer sua terra para fora do Escuro, com a

ajuda de seu maior líder no f inal, perdido no salvamento a não ser que um dia ele

pudesse acordar e re tornar novamente.

Um declive se ergueu daquela época, coberto de grama e banhado de sol diante

dos olhos de Will, com o Signo do círculo com a cruz cortado em sua relva verde,

cint ilando ali imenso e branco na greda de Chiltern. Ao redor de um braço da cruz

67

branca, raspando nela com curiosas ferramentas parecidas com machados de lâminas

longas, ele viu um grupo de f iguras vestidas de verde: homens pequenos , que pareciam

menores ainda por causa do tamanho do grande S igno. Ele viu uma dessas f iguras

rodopiar como em um sonho saindo do grupo em direção a ele : um homem em uma túnica

verde com uma capa azul escura curta, e um capuz sobre a sua cabeça. O homem ab riu

seus braços, com uma pequena espada com lâmina de bronze em uma mão e um copo

brilhante semelhante a um cálice na outra; deu um giro, e desapareceu de rente. Então,

capturado pela página seguinte, Wil l estava andando por um caminho através de uma

espessa f loresta, com algumas ervas verde -escuras sob seus pés; um caminho que

estendia-se e passava dentro da rocha, uma rocha ondulante bastante desgastada

semelhante a calcário, e o conduzia para fora da f loresta até que ele estava caminhando

por uma ventilada cordilheira a lta, sob um céu cinzento, com um escuro vale cheio de

neblina abaixo. E por todo o caminho enquanto ele caminhava, ainda que ninguém

caminhasse com ele, f irmemente em sua mente vieram em procissão as palavras de poder

para os Antigos Caminhos, e as sensações e s inais a través dos quais ele saberia, de agora

em diante, em qualquer parte do mundo, onde o Antigo Caminho mais próximo passava,

tanto em substância ou como o fantasma de uma estrada. . .

Então isso cont inuou, até que Will percebeu que estava quase no f inal do Livro.

Um verso estava escrito diante dele.

I have plundered the fern

Through all secrets I spie;

Old Math ap Mathonwy

Knew no more than I.

Voltada em direção a capa, na última página, havia um desenho de seis Signos de

cruz dentro de um círculo, todas unidas em um círculo. E isso era tudo.

Will fechou o livro, lentamente, e f icou sentado olhando para o nada. Ele sentiu

como se tivesse vivido por cem anos. Para saber tanto, agora, para ser capaz de fazer

tantas coisas; isso deveria tê -lo excitado, mas ele se sent iu pesaroso, melancólico, com o

pensamento em tudo que tinha acontecido e tudo o que estava por vir.

Merriman surgiu at ravés da portas sozinho, e f icou olhando para ele. “Ah sim,”

ele disse suavemente. “Como eu lhe disse , isso é uma responsabilidade, um peso. Mas

aqui está, Will. Nós somos os Antigos Escolhidos, nascidos dentro do Círculo, e não há

como evitar i sso.” Ele pegou o livro, e tocou no ombro de Will. “Venha.”

Enquanto ele cruzava a sala em direção ao grande re lógio ant igo, Will seguiu, e

observou ele pegar a chave de seu bolso novamente e destrancar o painel f rontal. Ainda

lá estava o pêndulo, longo e lento, balançando como a batida do coração. Mas dessa vez,

Merriman não tomou o cuidado de evitar tocá -lo. Ele enf iou o braço para dentro com o

livro em sua mão, mas ele se moveu de uma forma estranha, como um ator fazendo o

papel de um homem desajeitado; e enquanto ele empurrava o livro para dentro, um canto

dele esfregou no longo braço do pêndulo. Will teve apena s o f lash de um momento para

ver a leve quebra no balanço. Então ele estava cambaleando para trás, suas mãos voando

até seus olhos, e a sala es tava cheia com algo que mais tarde ele nunca conseguiu

descrever . . . uma explosão sem o som, uma cegante chama de luz escura, um grande

rugido de energia que não podia ser visto nem ouvido e a inda ass im o fez sentir por um

instante que o mundo todo tinha explodido. Quando tirou as mãos do seu rosto, piscando,

ele percebeu que es tava encostado contra o lado da poltrona , a dez pés de onde ele estava

antes. Merr iman estava com os braços e pernas abertas contra a parede ao lado dele. E

onde o antigo relógio estivera, o canto da sala estava vazio. Não havia dano algum, nem

qualquer sinal de violência ou explosão. Não havia nada simplesmente.

68

“Foi isso, você percebe,” Merriman disse. “Essa foi uma proteção do Livro de

Gramarye, desde que nosso tempo começou. Se a coisa o protegendo fosse tocada, e la, o

livro e o homem tocando-o tornar -se-iam.. . nada. Somente os Antigos Escolhidos eram

imunes à destruição, e como você vê” – ele esfregou seu braço machucado – “até mesmo

nós, no evento, podemos ser machucados. A proteção tomou muitas formas, é claro – o

relógio era s implesmente para esse século. Então agora nós destruímos o Livro, da

mesma forma que nós usamos para preservá -lo por todos essas eras. Essa é a única forma

adequada de usar magia, como você deve ter aprendido agora.”

Will falou de forma trêmula, “Onde está Hawkin?”

“Ele não foi necessário dessa vez,” disse Merriman.

“Ele es tá bem? Ele parecia. . .”

“Muito bem.” Havia uma estranha nota na voz de Merriman, como tristeza, mas

nenhuma de suas novas ar tes poderia dizer a Wil l a emoção que a colocou ali .

Eles voltaram para a reunião na sala seguinte, onde o coral que tinh a iniciado

quando eles saíram somente agora estava chegando ao f im, e onde ninguém se

comportava como se eles t ivessem estado fora por mais do que um momento ou dois, ou

por algum tempo de verdade. Mas então, Will pensou, não estamos no tempo real; pelo

menos, estamos no tempo passado, e além disso nós parecemos ser capazes de es ticá -lo

como desejarmos, para fazê-lo ir mais rápido, ou devagar. . .

A mul tidão tinha crescido, e mais pessoas ainda estavam saindo da sala para ceia.

Will percebia agora que a maio ria dessas eram pessoas comuns, e que apenas o pequeno

grupo que havia permanecido na sala mais cedo eram Antigos Escolhido s. É claro, ele

pensou: somente eles ser iam capazes de testemunhar a renovação do Si gno.

Havia outros, e ele es tava virando para estu dá-los quando de repente a surpresa e

horror o ret irou de toda a ref lexão. Seus olho tinha encontrado um rosto bem no fundo da

sala, uma garota, não olhando para e le mas ocupada em uma conversa com alguém não

visto. Enquanto ele observava, ela balançou sua cabeça com uma claro riso auto -

consciente. Então ela es tava curvada escutando novamente, e então ela se foi, enquanto

outros convidados bloqueavam a visão do grupo. Mas tinha s ido tempo o bastante para

que Will visse que a garota risonha era Maggie Barnes , a Maggie da Fazenda Dawsons

daqui a um século. Ela não era nem semelhante a um ref lexo, como a Srta. Greythorne

Vitoriana era um tipo de eco da Srta. Greythorne que ele conhecia. Essa era a Maggie

que ele t inha visto em seu próprio tempo.

Ele se virou confuso, mas logo que encontrou os olhos de Merriman viu que ele já

sabia. Não havia nenhuma surpresa no rosto com nar iz de falcão, mas apenas o início de

um tipo de dor. “Sim,” ele disse fatigado. “A garota bruxa está aqui. E acredito que você

deveria f icar ao meu lado, Will Stanton, nesse próximo momento, e observar comigo,

pois não faço questão de ver i sso sozinho.”

Pensativo, Will f icou com ele no canto, sem ser notado. A garota Maggie ainda

estava oculta na multidão em algum lugar. Eles esperaram; ent ão vi ram Hawkin, em seu

casaco verde na moda, abrir caminho através da mul tidão até a Srta. Greythorne e

permanecer respeitosamente ao lado dela, do mesmo modo que um homem acostumado a

f icar disponível para ajudar.

Merriman endureceu levemente, e Will obs ervou; as linhas de dor tinham se

aprofundado no rosto forte, como se Merriman est ivesse antecipando algum grande

sofrimento que estava por vi r. Ele olhou novamente para Hawkin e viu seu sorriso alegre

brilhar com algo que a Srta. Greythorne havia dito; nã o mostrando agora sinal algum do

que o tinha af ligido na biblioteca, o pequeno homem tinha um brilho, como uma pedra

69

preciosa, que traria encanto para qualquer tr isteza. Will podia ver porque ele era quer ido

para Merr iman. Mas ao mesmo tempo ele tinha uma terrível convicção de desastre

pairando no ar.

Ele disse roucamente, “Merriman! O que foi?”

Merriman olhou, por sobre as cabeças, para o animado rosto pontudo. Ele disse,

sem expressão, “É perigo, Wil l, que está para vir a nós através de fei to meu. Grand e

perigo, at ravés de toda essa missão. Eu cometi o pior erro que um Antigo Escolhido pode

cometer, e o erro está prestes a cai r sobre minha cabeça. Colocar mais conf iança em um

mortal do que a força que ele é capaz de aceitar . . . é algo que todos nós aprend emos a

nunca fazer, séculos a trás. Muito tempo antes do Livro de Gramarye f icar sob meu

encargo. Ainda ass im, com a tolice , eu cometi esse erro. E agora não há nada que

possamos fazer para corrigi r isso, mas apenas observar e esperar pelo resul tado.”

“É Hawkin, não é? Algo a ver com a razão pela qual o trouxe aqui?”

“A magia de proteção para o Livro,” Merriman disse dolorosamente, “era em duas

partes, Wil l. Você viu a primeira, a proteção contra os homens . . . era o pêndulo, que os

destruiria se eles o tocassem, mas não destrui ria a mim ou qualquer outro Antigo

Escolhido. Mas eu entrelacei outra parte naquela magia que era uma proteção contra o

Escuro. Ela estabelecia que eu poderia tirar o Livro passando pelo pêndulo apenas se

estivesse tocando Hawkin com m inha outra mão. Sempre que o Livro fosse reti rado para

o último Antigo Escolhido, em qualquer século, Hawkin ter ia que ser t razido de seu

próprio tempo para estar a li .”

Will disse: “Não teria s ido mais seguro ter feito um Antigo Escolhido parte da

magia, não um homem comum?”

“Ah não, o propósito todo era ter um homem comum envolvido. Essa é uma fria

batalha em que es tamos, Will, e nela algumas vezes devemos fazer coisas f rias. Essa

magia foi trançada ao meu redor, como guardião do Livro. O Escuro não pode me

destruir, pois eu sou um Ant igo Escolhido, mas poderia talvez através de magia ter me

induzido a pegar o Livro. No caso disso acontecer, deveria haver algum modo pelo qual

os outros Antigos Escolhidos pudessem me impedir antes que fosse tarde demais. E les

também não poderiam me destruir, para me impedir de executar o t rabalho do Escuro.

Mas um homem pode ser destruído. Se houvesse acontecido o pior, e o Escuro tivesse me

forçado pela magia a pegar o Livro para eles, então antes que eu pudesse começar, a Luz

teria morto Hawkin. Isso ter ia mant ido o Livro seguro para sempre, pois nesse caso, eu

não poderia ter realizado a magia de liberação ao tocá -lo enquanto pegava o Livro. E

então eu não seria capaz de alcançar o Livro. Nem seria o Escuro, nem ninguém m ais.”

“Então ele arriscou sua vida,” Wil l disse lentamente, observando o caminhar

decidido de Hawkin enquanto ele cruzava o chão até os músicos.

“Sim,” disse Merriman. “Em nosso serviço ele estava protegido do Escuro, mas a

vida dele estava em r isco do m esmo jeito . Ele concordou porque era meu vassalo, e

orgulhoso disso. Gostaria de ter me cert if icado de que ele realmente sab ia o risco que

corria. Um risco duplo, pois ele poderia ter sido destruído hoje, por mim, se eu tivesse

tocado o pêndulo acidentalmente. Você viu o que aconteceu quando f inalmente eu o f iz.

Você e eu, como Antigos Escolhidos, fomos meramente sacudidos; mas se Hawkin

estivesse ali , sob meu toque, ele teria s ido morto em um f lash, desintegrado como o

próprio Livro.”

“Ele não deve ser ap enas muito corajoso, ele realmente deve amá -lo como se ele

fosse seu f ilho,” disse Will, “para fazer coisas como essa por você e pela Luz.”

70

“Mas ele a inda é apenas um homem,” disse Merriman, e sua voz era dura e a dor

profunda em seu rosto. “E ele ama com o um homem, exigindo prova de amor em retorno.

Meu erro foi ignorar o risco que isso poder ser. E como resultado, nesta sala nos

próximos poucos minutos, Hawkin vai me trair, t rai r a Luz e prejudicar todo o curso de

sua missão, jovem Will. Agora o choque d e realmente arriscar sua vida, por mim e pelo

Livro de Gramarye, foi demais para sua lealdade. Talvez você tenha visto seu rosto, no

momento em que eu segurei seu ombro e peguei o Livro de seu lugar perigoso. Foi

somente naquele momento que Hawkin compreen deu totalmente que eu estava pronto a

deixá-lo morrer. E agora que ele entendeu isso, nunca me perdoará por não amá -lo tanto

– em seus termos – quanto ele me amou, seu senhor. E ele se voltará contra nós.”

Merriman apontou at ravés da sala. “Veja onde isso começa.”

A música tocou alegremente, e os convidados começaram a formar pares para

dançar. Um homem que Wil l t inha reconhecido com o um Ant igo Escolhido moveu-se até

a Sr ta. Greythorne, fez reverência, e ofereceu seu braço; ao redor deles, pares se

juntaram em forma de um oito para a lguma dança que ele não conhecia. E le viu Hawkin

parado irresoluto, movendo um pouco sua cabeça com a batida da música; e então viu

uma garota em um vestido vermelho aparecer ao lado dele. Era a garota bruxa, Maggie

Barnes.

Ela disse a lgo a Hawkin, r indo, e fez a ele uma pequena reverência. Hawkin sorr iu

polidamente, incer to, e balançou sua cabeça. O sorriso da garota aumentou, ela balançou

seu cabelo de modo f lertivo e falou com ele novamente, os olhos dela f ixos nele.

“Oh,” d isse Will. “Se ao menos pudéssemos ouvir!”

Merriman olhou para e le sombriamente por um momento, seu rosto ausente e

pensativo.

“Oh,” disse Will, sent indo -se tolo. “É claro.” Isso exigir ia dele algum tempo,

claramente, para se acostumar a usar seus própri os dons. Ele olhou novamente para

Hawkin e a garota, e desejou ouví -los , e conseguiu ouvir.

“Realmente, Madam,” disse Hawkin, “Não desejo parecer rude, mas eu não

danço.”

Maggie pegou sua mão. “Porque você es tá fora de seu século? Aqui eles dançam

com suas pernas, da mesma forma que você a cerca de quinhentos anos. Venha.”

Hawkin olhou para e la assustado enquanto ela o conduzia para um grupo de

casais. “Quem é você?” ele sussurrou. “Você é um Antigo Escolhido?”

“Não para o mundo todo,” disse Maggie Barn es na Linguagem Antiga, e Hawkin

f icou totalmente branco e imóvel. Ela riu suavemente e disse em Inglês, “Chega disso.

Dance, ou as pessoas vão notar. É bastante fácil . Observe o homem ao lado, enquanto a

música começa.”

Hawkin, pálido e af lito , cambaleou pela primeira parte da dança; gradualmente ele

pegou os passos. Merriman falou no ouvido de Will, “Foi dito a e le que nenhuma alma

aqui saberia dele, e que sob dor de morte ele não deveria usar a Língua Ant iga para

ninguém a não ser você.” '

Então a conversa começou novamente.

“Você parece bem, Hawkin, para um homem que escapou da morte.”

71

“Como você sabe essas coisas, garota? Quem é você?”

“Eles o teriam deixado morrer, Hawkin. Como conseguiu ser tão estúpido?”

“Meu mestre me ama,” disse Hawkin, mas ha via f raqueza nisso.

“Ele usou você, Hawkin. Você não é nada para ele. Você deveria seguir mestres

melhores, que se importariam com sua vida. E a estenderiam através dos séculos, não a

confinar iam ao seu.”

“Como a vida de um Antigo Escolhido?” disse Hawki n, avidamente acordando em

sua voz pela primeira vez. Will lembrou do tom de inveja quando Hawkin tinha falado a

ele dos Antigos Escolhidos; agora também havia uma ponta de cobiça.

“O Escuro e o Cavaleiro são mestres mais benevolentes do que a Luz,” Maggi e

Barnes falou suavemente em seu ouvido, enquanto a primeira parte da dança terminou.

Hawkin f icou imóvel novamente e olhou para ela, até que ela deu uma olhada ao redor e

disse c laramente: “Preciso de uma bebida f resca, eu acho.” E Hawkin saltou e a levou

embora, de modo que agora, com sua atenção capturada e uma chance de conversar com

ele em part icular, a garota do Escuro teria um disposto ouvinte.

De repente Will sentiu-se doente com a deslealdade que se aproximava, e não

escutou mais. Ele encontrou Merriman, a seu lado, ainda contemplando o espaço.

“Então assim será,” disse Merriman. “Ele terá uma imagem doce do Escuro para

atrai-lo , como geralmente acontece com os homens, e ele colocará de lado todas as

demandas da Luz, que são pesadas e sempre serão . O tempo todo ele estará nutrindo seu

ressentimento pelo modo como eu devo ter feito e le desis tir da sua vida sem recompensa.

Pode estar cer to de que o Escuro não dá sinais de exigir qualquer coisa parecida . . . ainda.

Certamente, seus senhores nunca arrisc am requerer a morte, mas só oferecem uma vida

negra. . . Hawkin”, ele falou suavemente, desolado, “meu vassalo, como pode fazer o que

vai fazer?”

Repentinamente Will sentiu medo, e Merriman percebeu isso. “Chega disso,” ele

falou. “Já está claro como acontece. Hawkin agora será um furo no telhado, um túnel

dentro da cela. E assim como o Escuro não podia tocá -lo quando era meu vassalo, agora

que ele é vassalo do Escuro, não pode ser destruído pela Luz. Ele será o ouvido do

Escuro em nosso meio, nessa casa que tem sido nossa fortaleza.” Sua voz era f ria,

aceitando o inevitável; a dor tinha ido embora. “Embora a garota bruxa conseguisse

achar seu caminho de entrada, ela não conseguiria realizar nem um pouquinho de magia

sem ser destruída pela Luz. Mas agora semp re que Hawkin os chamar, o Escuro pode nos

atacar aqui assim como em qualquer outro lugar. E o perigo crescerá com os anos.”

Ele f icou parado, passando os dedos em seu estofado lenço branco no pescoço;

havia uma terr ível severidade em seu ameaçador perf il curvado, e o olhar que por um

momento ardeu sob as sobrancelhas arqueadas fez o sangue de Will correr espesso e

devagar. Era um rosto julgador, implacável, condenador.

“E a maldição que Hawkin lançou sobre si mesmo, com essa ação,” Merriman

falou sem exp ressão, “é a lgo pavoroso, que muitas vezes o fará desejar morrer.”

Will f icou surpreso, envolto em pena e susto. Ele não perguntou o que acontecer ia

com o pequeno Hawkin de olhos brilhantes, que tinha r ido para ele, ajudado e sido, por

um tempo tão curto, seu amigo; ele não queria saber. No salão, a música da segunda

parte da dança chegou ao f im, e os dançarinos f izeram r isonhas reverências uns para os

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outros. Will f icou imóvel e infeliz. O olhar congelante de Merriman abrandou, e ele se

esticou e o virou gent ilmente para encarar o centro da sala.

Will viu al i apenas uma brecha na multidão, e além dela o grupo de músicos.

Enquanto permaneciam ali , eles tocaram mais uma vez “Good King Wenceslas”, a música

que eles es tavam tocando quando ele entrou pela prim eira vez na sala, at ravés das Portas.

Todos se juntaram ao canto alegremente, então veio o próximo verso e a voz profunda de

Merriman estava ecoando pela sala, e Will percebeu, piscando, que o verso a seguir era

seu.

Ele tomou fôlego, e ergueu sua cabeça.

Sire he lives a good league hence,

Underneath the mountain. ..

E não houve nenhum momento de despedida, nenhum momento no qual ele viu o

século dezenove desaparecer, mas de repente, sem nenhuma consciência da mudança,

enquanto cantava ele soube que o Tem po de alguma forma tinha piscado, e outra voz

jovem estava cantando com ele, os dois quase tão s imultâneos que ninguém que não

pudesse ver os lábios se moverem teria jurado que era a voz de um garoto só. . .

Right against the forest fence,

By St Agnes' fou -ou-ntain. ..

. . . e ele soube que es tava com James, Mary e os outros, e ele e James estavam

cantando juntos, e que a música com suas vozes era a f lauta de Paul. Ele f icou ali no

escuro hall de entrada, com suas mãos erguidas diante de seu peito segurando a vela

acesa, e e le viu que a vela não tinha queimado um milímetro a mais do que quando ele

tinha olhado da última vez.

Eles terminaram o canto.

Srta. Greythorne disse, “Muito bom, muito bom mesmo. Nada como Good King

Wenceslas, sempre foi minha favorita .”

Will espiou além da chama de sua vela para olhar a forma imóvel dela na grande

cadeira entalhada; a voz era mais velha, dura, mais enri jecida pelos anos, e assim era seu

rosto, mas de outra forma ela era apenas como – a avó dela, será que aquela jovem Sr ta.

Greythorne tinha sido? Ou a bisavó dela? a Srta. Greythorne disse, “Os cantores de

Huntercombe têm cantado Good King Wenceslas nessa casa por mais tempo do que vocês

ou até mesmo eu posso lembrar, vocês sabem. Bem, agora, Paul, Robin e o resto de

vocês , que tal um pouco de ponche de Natal?” A pergunta era tradicional, e a resposta

também era.

“Bem,” disse Robin gravemente, “obrigado, Srta. Greythorne. Talvez só um

pouquinho.”

“Até o jovem Will também, esse ano,” disse Paul. “Ele tem onze agora, Srta.

Greythorne, você sabia?”

A governanta estava chegando com uma bandeja de copos brilhantes e uma grande

tigela de ponche marrom avermelhado, e quase todos os olhos na sala es tavam em

Merriman, adiantando-se para encher os copos. Mas a a tenção de Will estav a capturada

pelos olhos subitamente mais jovens e fortes da f igura na cadeira de encosto alto .

73

“Sim,” disse a Srta. Greythorne suavemente, com a mente quase ausente, “Eu me

lembro. Will Stanton teve um aniversário.” Ela se virou para Merriman, que já esta va se

movendo em direção a eles, e pegou dele os dois copos em suas mãos. “Um feliz

aniversário para você, Will Stanton, sétimo f ilho de um sétimo f ilho,” disse a Sr ta.

Greythorne. “E sucesso em todas as suas buscas.”

“Obrigado, senhora,” disse Wil l, pens ativo. E eles ergueram seus copos

solenemente um para o outro, e beberam, do mesmo modo que as cr ianças dos Stanton

f izeram na celebração de Natal no único dia do ano em que a todos era permitido beber

vinho no jantar.

Merriman estava ci rculando, e agora todos tinham um copo de ponche e estavam

bebendo satisfeitos. O ponche de Natal da Mansão sempre foi delicioso, embora ninguém

jamais tivesse imaginado o que havia dentro dele. Como os membros sênior da família,

os gêmeos caminharam f irmemente para convers ar com a Srta. Greythorne; Bárbara, com

Mary a reboque, foi direto até a Sr ta. Hampton, a governanta, e Annie a empregada,

ambas relutantes membros de um grupo de drama do vilarejo que ela tentava forçar a

ganhar vida. Merriman disse para James, “Você e se u pequeno irmão cantam muito bem.”

James sorriu. Embora fosse rechonchudo, ele não era mais al to do que Will, e não

era sempre que um est ranho o grat if icava ao reconhecê -lo como o superior irmão mais

velho. “Nós cantamos no coro da escola,” ele disse. “E solos em fest ivais de arte. Até

mesmo um em Londres no ano passado. O coordenador da música é muito exigente em

festivais de ar te.”

“Eu não,” disse Will. “Todas aquelas mães, observando.”

“Bem, você esteve no topo da sua turma em Londres,” disse James, “ então é claro

que todos elas te odiaram, derrotando seus pequenos queridinhos. Eu fui apenas o quinto

na minha,” ele disse para Merriman em tons de sinceridade. “Will tem uma voz muito

melhor do que a minha.”

“Oh, deixa disso,” falou Will.

“Sim, você tem.” James era uma pessoa imparcial ; ele genuinamente preferia a

real idade ao invés de sonhos. Até que nós separemos, de qualquer forma. Nenhum de nós

deverá ser tão bom.”

Merriman disse de forma meio distante, “Na verdade você se tornará um tenor

mais experiente. Quase de padrão prof issional. A voz de seu irmão será barítona .

Agradável, mas nada especial.”

“Suponho que deve ser possível,” disse James, polido mas duvidando. “É claro,

não há como alguém dizer, a inda.”

Will disse beligerantemente, “Mas ele . . .” e viu o olho escuro de Merriman e

parou. “Hummm, aaah,” e le disse, e James olhou para ele com surpresa.

Srta. Greythorne chamou Merr iman at ravés da sala, “Paul gostaria de ver as velhas

f lautas doces e f lautas. Leve -o para dentro, você o faria?”

Merriman inclinou-se em uma leve reverência. Ele disse casualmente para Will e

James, “Importam -se de vir também?”

74

“Não, obrigado,” disse James prontamente. Seus olhos es tavam na porta distante,

pela qual a governanta estava avançando com outra bandeja. “Eu si nto o cheiro das tortas

da Srta. Hampton.”

Will disse, compreendendo, “Eu gostaria mui to de ver.”

Ele seguiu com Merriman em direção a cadeira da Sr ta. Greythorne, onde Paul e

Robin estavam rígidos e meio desajeitados, um de cada lado, como sentinelas. “ Caiam

fora,” disse a Srta. Greythorne alegremente. “Você também vai, Will? É claro, você é

outra pessoa musical, eu estava esquecendo. Tem uma pequena coleção muito boa de

inst rumentos e mater ial lá dentro. Fico surpresa que você não tenha visto antes.”

Embalado pelas palavras, Will disse sem pensar, “Na biblioteca?”

Os olhos af iados da Srta. Greythorne brilharam para ele. “ A biblioteca?” ela disse.

Você deve estar nos confundindo com outras pessoas, Wil l. Não há biblioteca aqui. Uma

vez houve uma pequena, com alguns l ivros muito valiosos, eu acredito, mas ela queimou,

quase um século atrás. Essa par te da casa foi atingida por um raio. Fez muitos estragos,

eles dizem.”

“Oh, Deus,” disse Wil l um pouco confuso.

“Bem, isso não é conversa para o Natal,” diss e a Sr ta. Greythorne, e acenou para

eles. Olhando de volta para ela, enquanto ela virava para Robin com um brilhante sorriso

social, Will f icou pensando se as duas Srtas. Greythorne não eram uma só, af inal de

contas.

Merriman o levou, com Paul, para uma p orta lateral, e eles caminharam por uma

estranha passagem pequena com cheiro de mofo até uma sala brilhante que Will não

reconheceu de imediato. Foi somente quando viu a larei ra que ele percebeu onde ele

estava. Havia a grande lareira, e a sua larga pratel ei ra com seus painéis quadrados e

emblemas de rosas em esti lo Tudor entalhados. Mas ao redor do resto da sala os painéis

tinham sumido; ao invés disso as paredes eram pintadas de branco liso, e iluminadas aqui

e al i por algumas grandes pinturas de aparênci a improvável feitas em azuis e verdes

brilhantes. No local onde Will t inha uma vez entrado em uma pequena biblioteca, não

havia mais qualquer porta.

Merriman estava destrancando uma grande cabine com frente de vidro que f icava

apoiado em uma parede latera l.

“O pai da Srta. Greythorne era um cavalheiro muito musical,” ele disse com sua

voz de mordomo. “E artístico também. Ele pintou todos aqueles quadros nas paredes bem

ali. Nas Índias Ocidentais, acredito eu. Estes, entretanto” – ele ergueu um belo

inst rumento pequeno parecido com uma f lauta doce, prateada e preta no interior – “ele

realmente não tocava, eles dizem. Ele só gostava de olhar para e les.”

Paul es tava absorvido, observando através das velhas f lautas e f lautas doces

enquanto Merriman as re tirava do armário. Ambos eram muito solenes em seu manuseio;

eles colocariam cada um de volta cuidadosamente antes de reti rar o seguinte. Will se

virou para estudar os painéis ao redor da lareira; então pulou de repente quando ouviu

Merriman chamando-o silenciosamente. Ao mesmo tempo ele podia ouvir a voz de

Merriman al ta falando com Paul; era uma combinação estranha.

“Rápido, agora!” disse a voz em sua mente. “Você sabe onde procurar. Rápido,

enquanto você tem a chance. É hora de pegar o Si gno !”

75

“Mas. . .” d isse a mente de Will.

“Vá em frente!” Merriman rugiu silenciosamente.

Will olhou para t rás rápido sobre seu ombro. A porta pela qual e les tinham vindo

ainda estava semi -aber ta, mas seus ouvidos certamente o avisariam de qualquer um que

viesse pela passagem entre esta sala e a seguinte. Ele se moveu pisando suavemente até a

lareira, esticou-se, e colocou sua mão nos painéis.

Fechando seus olhos por um instante, ele apelou para todos os seus novos dons, e

o velho mundo de onde eles vieram. Qual dos painéis qu adrados tinha s ido? Qual rosa

entalhada? Ele estava confuso pela perda da parede com painéis ao redor; a prateleira da

lareira parecia menor do que antes. Estaria o Signo perdido, enterrado em algum lugar

por trás daquela lisa parede branca? Ele aper tou to da rosa que podia ver, ao redor do

canto superior esquerdo da lareira, mas nenhuma se moveu nem uma fração de uma

polegada. Então no último momento ele notou, bem no extremo do canto, uma rosa

parcialmente enterrada na massa, projetando -se da parede que claramente tinha sido

reparada assim como alterada nos últimos cem anos – dez minutos, ele pensou

furiosamente – desde que ele a viu pela última vez.

Velozmente Will est icou-se e press ionou seu dedão tão forte quando podia contra

o centro da f lor entalhada, como se ela fosse um botão de campainha. E assim que ele

ouviu o suave clique, ele estava olhando para um quadrado buraco negro na parede,

exatamente ao nível de seus olhos. Ele se es ticou e tocou o círculo do Si gno da Madeira,

e enquanto ele suspirou de alívio, seu dedo se fechando ao redor da madeira suave, ele

ouviu Paul começar a tocar uma das velhas f lautas.

Era um tocar mui to experimental : primeiro um lento arpeggio , então um hesitante

run ; e então, mui to suave e gent ilmente, Paul começou a tocar a melodia “Greensleeves”.

E Will f icou transf ixado, não apenas pela adorável alegria da ant iga melodia mas pelo

som dos próprios instrumentos. Pois embora a melodia fosse diferente , essa era sua

música, seu encantamento, o mesmo estranho tom distante que ele sempre ouvia, e então

sempre perdia, naqueles momentos que mais importavam em sua vida. Qual era a

natureza dessa f lauta que seu irmão estava tocando? Ela era parte dos Antigos

Escolhidos, pertencendo à sua magia, ou simplesmente muito semelhante, feita p or

homens? Ele re tirou sua mão do buraco na parede, que fechou instantaneamente antes

que ele pudesse press ionar a rosa novamente, e ele estava enf iando o Si gno da Madeira

em seu bolso enquanto se virava, perdido ouvindo a música. E então ele congelou.

Paul f icou tocando, pela sala, ao lado do armário. Merriman t inha sua costa virada

e suas mãos nas portas de vidro. Mas agora a sala mant inha mais duas outras f iguras. No

umbral da porta pela qual eles entraram estava Maggie Barnes, olhando não para Wil l

mas para Paul, com um olhar de ameaçadora malevolência. E perto, ao lado de Will,

muito perto, no local onde uma vez esteve a porta para a velha biblioteca, erguia -se o

Cavaleiro Negro. Ele estava dentro do alcance dos braços de Will, embora ele não se

movesse, mas permanecesse transf ixado, como se a música o tivesse prendido no meio do

passo. Seus olhos es tavam fechados, seus lábios se movendo silenciosamente; suas mãos

estavam est icadas apontando ameaçadoramente em direção a Paul, enquanto a doce

música sobrenatural continuava.

Will fez uma coisa mui to bem, vindo do instinto de seu novo aprendizado.

Instantaneamente ele lançou uma parede de resis tência ao redor de Merriman, Paul e dele

mesmo, fazendo com que os dois do Escuro oscilassem para trás com a força dela. Mas

no mesmo momento ele gr itou, Merriman! E quando a música foi interrompida, e Paul e

Merriman giraram em rápido horror, ele soube o que tinha feito de errado. Ele não tinha

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chamado como os Ant igos Escolhidos deveriam chamar um ao outro, através d a mente.

Ele havia comet ido o péssimo erro de gritar.

O Cavaleiro e Maggie Barnes desapareceram, instantaneamente. Paul es tava

correndo pela sala preocupado. “O que está acontecendo, Will? Você se machucou?”

Merriman disse rapidamente, suavemente, de trá s dele, “Ele tropeçou, eu acho,” e

Will teve o bom senso de contorcer o rosto de dor, curvar -se lentamente como se

estivesse em agonia, e agarrou forte em um braço.

Houve o som de pés correndo, e Robin irrompeu da passagem entrando na sala,

com Bárbara próxima a ele.

“Qual é o problema? Nós ouvimos o berro mais horrível. . .”

Ele olhou para Will e diminuiu até parar, confuso. “Você está bem, Will?”

“Hum ,” disse Will. “Eu . . . hum.. . apenas bati meu osso. Sinto muito. Doeu.”

“Parecia que alguém estava assas sinando você,” Bárbara disse repreensivamente.

Desavergonhadamente Will refugiou -se na rudeza, seus dedos se fechando em seu

bolso para ter cer teza de que o terceiro Si gno estava seguro.

“Bem, sinto mui to desapontar você,” ele falou petulante, “mas realm ente es tou

bem. Apenas me bati e gri tei, isso é tudo. Sinto muito se vocês se assustaram. Eu não

vejo o porquê de toda essa confusão.”

Robin olhou para ele. “Da próxima evite que eu tenha que vir correndo de

qualquer lugar para te salvar,” e le falou de mo do sarcástico.

“Conte sobre o garoto que gritava Lobo*,” disse Bárbara.

“Eu acho,” Merriman disse gent ilmente, fechando o armário e virando a chave,

“que todos deveríamos ir dar à Srta. Greythorne mais um canto.” E esquecendo

completamente que ele não era mais do que o mordomo, todos saíram obedientemente da

sala em f ila seguindo-o. Will falou at rás dele, em apropriado si lêncio dessa vez: “Mas eu

preciso falar com você! O Cavaleiro estava aqui! E a garota!”

Merriman falou dentro de sua mente, “Eu sei. Ma i s tarde. Eles têm maneiras de

ouvir esse tipo de conversa, lembre -se.” E ele seguiu em frente, deixando Will tremendo

de exasperação e tensão. No umbral da porta, Paul parou, agarrou Wil l f irme pelo ombro

e o virou para olhar em seu rosto. “ Você está bem mesmo?”

“Honestamente. Sinto muito pelo barulho. Aquela f lauta soou super.”

“Coisa fantástica.” Paul o deixou ir, virando para contemplar o armário.

“Realmente. Nunca ouvi nada como essa. E é claro nunca toquei uma. Você não faz

idéia, Will, não consigo descrever . . . é tremendamente velha, e ainda ass im sua condição

está boa, ela deve ser quase nova. E o tom dela . . .” Havia uma dor na voz dele e em seu

rosto que algo em Will respondeu com uma profunda e antiga s impatia. Um Antigo

Escolhido, ele de repente soube, es tava fadado a sentir sempre essa mesma necessidade

sem forma, sem nome, por algo fora de alcance, como uma parte sem f im da vida.

“Eu daria tudo,” disse Paul, “para ter uma f lauta como aquela um dia.”

* História de um garoto que dava alarme falso para se divertir com o pânico dos outros. Na ocasião em que ele deu um alarme

verdadeiro, ninguém acreditou. A moral dessa história é: Ninguém acredita em um mentiroso, mesmo quando ele está dizendo a

verdade.

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“Quase tudo,” Will falou gent ilmente. Paul o lhou para ele surpreso, e o Antigo

Escolhido em Will subitamente percebeu tardiamente que essa talvez não fosse a resposta

de um pequeno garoto; então ele sorr iu, colocou sua l íngua provocativamente para Paul,

e sal tou através da passagem, de volta aos rel acionamentos do mundo normal.

Eles executaram “The First Nowel l” ' como seu último canto; f izeram suas

despedidas; logo estavam do lado de fora novamente na neve e no ar f resco, com o

sorriso polido impassível de Merriman desaparecendo atrás das portas da Mansão. Will

f icou nos largos degraus de pedra e contemplou as estrelas. As nuvens tinham clareado

f inalmente, e agora as es tre las brilhavam como pequenos pontos de fogo branco no

buraco negro do céu noturno, em todos os estranhos padrões que tinham sido u m

complicado mistério para ele por toda sua vida, mas agora eram inf initamente

signif icantes. “Vejam como a brilhante Pleiades est á essa noite,” e le disse suavemente, e

Mary olhou para ele assombrada e disse, “A o quê?”

Então Will desviou sua atenção do f aiscante céu negro, e em seu próprio mundo

pequeno iluminado em amarelo, os cantores Stanton seguiram para casa. Ele caminhou

entre eles sem falar, como em um sonho. Eles achavam que ele estava cansado, mas

estava maravi lhado. Agora ele t inha t rês dos Sign os de Poder. Tinha, também, o

conhecimento para usar o Dom de Gramarye: um longo tempo de vida de descoberta e

sabedoria, entregue a ele em um momento de tempo suspenso. Ele não era o mesmo Will

Stanton que ele tinha sido muito poucos dias antes. Agora e p ara sempre, e le sabia, agora

habitava uma escala de tempo diferente daquela em que todos que ele conhecia ou

amava. . . Mas ele se esforçou para afastar seus pensamentos de todas essas coisas, até

mesmo das duas ameaçadoras f iguras invasoras do Escuro. Pois era Natal, que sempre foi

um tempo de magia, para ele e para todo o mundo. Esse era um brilhante festival

iluminado, e enquanto seu encantamento est ivesse no mundo o círculo encantado de sua

família e de seu lar ser ia protegido contra qualquer invasão exte rna.

Do lado de dentro, a árvore bri lhava e cint ilava, e a música do Natal estava no ar,

e cheiros temperados vinham da cozinha, e no largo centro da sala de estar a grande raiz

da Yule partida es talava e ardia enquanto queimava suavemente. Will apoiou su a costa

perto da lareira observando a fumaça girar subindo pela chaminé, e de repente estava

muito sonolento. James e Mary também estavam tentando não bocejar, e até mesmo

Robin parecia ter os olhos pesados.

“Ponche demais,” disse James, enquanto seu irmã o mais a lto est icava-se

boquiaberto em uma poltrona.

“Cai fora,” disse Robin amavelmente.

“Quem gostaria de uma torta?” disse a Srta. Stanton, entrando com uma vasta

bandeja de tortas de chocolate.

“'James já pegou seis,” disse Robin com afetada reprovação. “Na Mansão.”

“Agora são oito ,” falou James, segurando uma torta em cada mão.

“Sim.”

“Você vai f icar gordo,” disse Robin.

“Melhor do que já ser gordo,” falou James, de boca cheia, e olhou apontando para

Mary, para quem a forma rechonchuda já tinha se tornado recentemente a mais tr iste

preocupação. A boca de Mary caiu, então endureceu, e ela avançou para ele, fazendo um

som de rosnado.

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“Ho -ho-ho,” disse Wil l do chão sepulcralmente . “Boas cr iançinhas nunca brigam

no Natal.” E uma vez que Mary estava i rresis tivelmente perto dele, ele a agarrou pelo

tornozelo. Ela caiu por cima dele, urrando alegremente.

“Cuidado com o fogo,” disse a Sra. Stanton, por força do hábito de anos.

“Uau,” disse Will, e sua i rmã o golpeou no estômago, e ele rolou para longe , fora

de alcance. Mary parou, e sentou olhando para ele curiosamente. “Porque você tem tantas

f ivelas em seu cinto?” ela perguntou.

Will puxou seu suéter rapidamente sobre o seu cinto, mas era tarde demais; todos

tinham visto. Mary se aproximou e levanto u o suéter novamente. “Que coisas engraçadas.

O que são elas?”

“Só decoração,” Wil l disse de modo áspero. “Eu as f iz em trabalho de metal na

escola.”

“Nunca vi você,” disse James.

“Você nunca olhou, então.”

Mary enf iou um dedo no primeiro cí rculo no ci nto de Will e recuou com um urro.

“Ele me queimou!” ela gri tou.

“Muito provavelmente,” disse a mãe dela. “Will e seu cinto est iveram deitados

perto do fogo. E os dois estarão em cima dele se continuarem rolando desse jeito . Vamos

lá, agora.

Bebida de Véspera de Natal, Torta de Véspera de Natal . . . Cama de Véspera de

Natal.”

Will f icou de pé agradecido. “Vou pegar meus presentes enquanto a torta esfria.”

“Então eu também.” Mary o seguiu. Nas escadas ela disse, “Essas coisas de f ivelas

são bonitas. Você vai fazer uma como broche para mim no próximo período da escola?”

“Pode ser,” disse Will, e ele sorriu para si mesmo. A curiosidade de Mary nunca

era a lgo com o que se preocupar; ela sempre conduzia ao mesmo ponto.

Eles correram aos seus respectivos quartos , e desceram carregados com pacotes

para serem adicionados à pilha crescente debaixo da árvore. Will t inha tentado muito não

olhar para esse monte mágico desde que eles vieram do canto natalino, mas era muito

dif ícil , especialmente desde que ele conseguiu ver uma caixa enorme rotulada com um

nome que claramente começava com um W. Quem mais começa com W, af inal de

contas. . .? Ele forçou a si mesmo a ignorá -la, e resolutamente empilhou os embrulhos que

enchiam seus braços em um espaço ao lado da árvore.

“Você está olhando, James!” Mary s ibilou, atrás dele.

“Não estou,” falou James. Então ele disse, porque era Véspera de Natal, “Bem,

sim, acho que es tava. Sinto muito.” E Mary f icou tão surpresa que depositou seus

pacotes em si lêncio, incapaz de pensar em algo para dizer.

Na noite de Natal, Will sempre dormiu com James. As duas camas gêmeas ainda

estavam no quarto de James da época antes que Wil l t ivesse se mudado para o sótão de

Stephen. A única diferença agora era que James mantinha a velha cama de Will cheia de

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f iguras de op art*, e se referia a e la como “minha chaise longue**”. Havia algo na

Véspera de Natal, que ambos sentiam, que demandava companhia; cada um precisava de

alguém para sussurrar, durante os quentes e belos momentos de sonho estendido entre

pendurar a meia vazia na ponta da cama, e mergulhar na acolhedora abstração que

f lorescer ia na maravilha da manhã de Natal.

Enquanto James estava no banheiro tomando banho, Will ret irou seu cinto , enf iou -

o novamente nos três Signos, e os colocou debaixo de s eu travessei ro. Parecia prudente,

mesmo que ele a inda soubesse sem dúvida que nada nem ninguém o incomodaria em sua

casa durante essa noite. Esta noite, talvez pela última vez, ele era um garoto comum

novamente.

Fios de música e o suave barulho de vozes f lutuaram vindo de baixo. Em um ritual

solene, Will e James enrolaram suas meias de Natal sobre as pernas de suas camas:

preciosas e feias meias marrons de um material suave e espesso, usadas pela mãe deles

em algum distante tempo inimaginável e agora disfo rmes por anos de serviço como

recipientes de Natal. Quando cheias , elas se tornariam pesadas, e não poderiam mais

f icar penduradas, ao invés disso elas seriam encontradas magníf icas jogadas ao pé das

camas.

“Aposto que sei o que Mamãe e Papai darão a você ,” falou James suavemente.

“Aposto que é. . .”

“Não ouse,” Will sibilou, e seu irmão deu uma risadinha e mergulhou debaixo dos

cobertores.

“Boa noite, Will.”

“Boa noite. Feliz Natal.”

“Feliz Natal.”

E foi do mesmo jeito de sempre, quando ele dei tou enro lando feliz em suas

confortáveis cobertas, prometendo a si mesmo que f icaria acordado, até, até. . .

. . . até que ele acordou, na ofuscada manhã no quarto com um leve brilho de luz

arrastando-se ao redor da escura forma quadrada da janela acortinada, e não v iu nem

sentiu nada por um encantado momento de expectat iva, por que todos os seus sent idos

estavam concentrados na sensação de peso, sobre e ao redor de seus pés encobertos, de

estranhos cantos e formas que não estavam ali quando ele adormeceu. E era Dia d e Natal.

* Op art: tipo de pintura que explora a ilusão óptica. Geralmente é abstrata, e muitas usam apenas o preto e o branco. Dão a

impressão de movimento, clarões ou vibração, parecem inchar ou deformar-se. ** Chaise longue : Uma cadeira suficientemente

comprida para descansar as pernas, semelhante a um sofá, muito popular na Inglaterra no séc. XVIII.

80

arte Dois: O Aprendizado

ia de Natal

Quando ele se ajoelhou ao lado da árvore de Natal e arrancou o alegre papel de

embrulho da caixa gigante rotulada “Will”, a primeira coisa que ele descobriu foi que ela

não era uma caixa, mas um engradado de madeira. Um coro de Natal soou distante e

alegre do rádio na cozinha; esse era o momento “pós meias de Natal”, antes da reunião

da família para o café da manhã, quando cada membro abria apenas um de seus

“presentes da árvore”. O resto da pilha bril hante f icar ia ali até depois do jantar,

alegremente tentadora.

Will, sendo o mais jovem, era o primeiro. Ele t inha fei to um caminho direto até a

caixa, em par te porque ela era tão impressionantemente grande e em parte porque ele

suspeitava que ela veio de Stephen. Ele descobriu que alguém tinha reti rado os pregos da

tampa de madeira, para que ele pudesse abrí - la faci lmente.

“Robin retirou os pregos, Bar e eu colocamos o papel,” disse Mary ao seu ombro,

totalmente exci tada. “Mas não olhamos dentro. Vamos l á, Will, vamos lá.”

Ele tirou a tampa. “Está cheia de folhas mortas! Capim ou algo assim.”

“Folhas de palma,” disse o pai dele, olhando. “Para embalagem, eu suponho.

Cuidado com seus dedos, elas podem ter bordas af iadas.”

Will arrancou mãos cheias de ta los de palmas, a té que a primeira forma dura de

algo começou a aparecer. Era uma est ranha forma f ina curvada, marrom, plana, como um

galho; parecia ser feita de um tipo duro de papel machê. Era uma armação, parecida e

ainda assim diferente de uma armação d e um cervo. Wil l parou de repente. Uma sensação

forte e totalmente inesperada sal tou sobre ele quando tocou a armação. Não era uma

sensação que ele já teve antes na p resença da família ; era a mistura de excitamento,

segurança e prazer que tomava conta dele sempre que ele estava com um dos Antigos

Escolhidos.

Ele viu um envelope cair do lado da armação e o abriu. Aquele papel carregava o

belo cabeçalho do navio de Stephen.

Prezado Will: Feliz Aniversário. Feliz Natal. Eu sempre jurei nunca combinar os

dois, não jurei? E aqui es tou fazendo isso. Permita que eu explique porque. Não sei se

você entenderá, especialmente depois que tenha visto o que é o presente. Mas talvez

entenda. Você sempre foi um pouco diferente de todos os outros. Não quero dizer

maluco! Apenas diferente.

Foi desse jei to . Um dia eu estive na parte mais antiga de Kingston durante o

carnaval. O Carnaval nessas i lhas é um momento mui to especial . . . grande diversão, com

ecos fazendo um longo, longo caminho. De qualquer modo, eu me misturei a um a

procissão, todas as pessoas r indo, balançando ti ras de aço e dançar inos com roupas

radicais, e eu encontrei um velho. Ele era um velho muito impressionante, sua pele mui to

negra e seu cabelo muito branco, e ele meio que apareceu do nada, me pegou pelo br aço

e me tirou da dança. Nunca antes em minha vida eu tinha vis to ele, em lugar algum,

tenho certeza disso. Mas ele olhou para mim e disse, “Você é Stephen Stanton, da

Marinha de Sua Majestade. Tenho algo para você. Não para você mesmo, mas para seu

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irmão mais novo, o sétimo f ilho. Você mandará isso para e le como um presente, por seu

aniversário esse ano e pelo Natal, combinados em um. Esse será um presente de você,

seu i rmão, e ele saberá o que fazer com ele no momento apropriado, embora você não vá

saber.”

Tudo isso era tão inesperado que me tirou o equilíbrio. Tudo que pude dizer foi,

“Mas quem é você? Como você me conhece?” E o velho apenas olhou para mim com

profundos olhos muito escuros que pareciam estar olhando através de mim no dia depois

de amanhã , e e le disse, “Eu o conheceria em qualquer lugar. Você é irmão de Will

Stanton. Há uma cer ta aparência que nós, Antigos Escolhidos, temos. Nossas famílias

têm algo dela também.”

E foi isso, Will. Ele não disse outra palavra. Aquela última par te não faz s entido

algum, eu sei, mas foi isso que ele disse. Então ele simplesmente entrou no desf ile de

carnaval e saiu novamente, e quando saiu ele estava carregando . . . vestindo, na verdade , a

coisa que você encontrará nessa caixa.

Então aqui estou enviando isso p ara você. Como me foi dito. Parece louco, e

posso pensar em montes de coisas de que você teria gostado mais. Mas aqui es tá. Tinha

algo extraordinário naquele velho, e de alguma forma eu simplesmente tinha que fazer o

que ele me disse. Espero que goste de s eu presente maluco, colega. Estarei pensando em

você, nos dois dias.

Amor, Stephen.

Lentamente Will dobrou a carta e a colocou de volta em seu envelope. “Uma

aparência que nós, Ant igos Escolhidos, temos. . .” Então o círculo espalhava -se ao redor

do mundo todo. Mas é claro que ele se espalhava, de outro modo não haver ia sent ido. Ele

estava feliz em ter Stephen com parte do padrão; era certo, de algum modo.

“Oh, vamos lá, Will !” Mary estava esperando com curiosidade, seu vestido

balançando. “Abra, abra!”

De repente Wil l percebeu que sua família de mente tradicional estivera a li ,

pacientemente imóvel, esperando por cinco minutos enquanto ele lia sua carta. Usando a

tampa da caixa como uma bandeja, ele começou a tirar depressa mais e mais montes de

folhas de palma até que f inalmente o objeto dentro estava livre. Ele o reti rou,

cambaleando enquanto agüentava o peso, e todos engoliram em seco. Era uma cabeça de

carnaval gigante, brilhante e gro tesca. As cores eram luminosas e brutas, as

características feitas to scamente e facilmente reconhecíveis, todas feitas da mesma

substância leve e suave semelhante a papel machê ou um tipo de madeira sem

granulação. E não era a cabeça de um homem. Will nunca t inha visto algo ass im antes. A

cabeça da qual as armações galhadas saltavam tinha a forma semelhante a uma cabeça de

um cervo, mas as orelhas ao lado dos chifres eram as de um cão ou de um lobo. E o rosto

abaixo dos chifres era humano, mas com os olhos arredondados de uma ave. Havia um

forte nariz humano reto, uma f irme boca humana, formando um leve sorr iso. Não havia

mais nada que fosse puramente humano na coisa toda. O queixo era barbado, mas a barba

tinha uma forma que facilmente indicava que ele deveria ter sido mais o queixo de uma

cabra ou cervo do que o de um homem . O rosto poderia ter sido amedrontador; quando

todo mundo suspirou, o som que Mary emitiu e rapidamente abafou tinha s ido mais como

um pequeno gri to . Mas Will sentiu que o seu efeito dependeria de quem estivesse

olhando para ele. A aparência não era nada. Não era nem feio nem boni to, assustador

nem engraçado. Era uma coisa feita para chamar profundas respostas da mente. Era

realmente uma coisa dos Ant igos Escolhidos.

“Meu Deus!” disse o seu pai.

82

“É um tipo engraçado de presente,” disse James.

Sua mãe não disse nada.

Mary não disse nada, mas se afastou um pouquinho.

“Me lembra de alguém que eu conheço,” disse Robin, sorrindo.

Paul não disse nada.

Gwen não disse nada.

Max disse suavemente, “Olhe para esses olhos!”

Bárbara disse, “Mas pra que serve essa coisa?”

Will correu seus dedos sobre o grande rosto est ranho. Levou apenas um momento

para que ele descobrisse para o que ele estava olhando; era quase invis ível a não ser que

você es tivesse esperando por ele, gravado na testa, entre os chif res. A esta mpa de um

círculo, dividido por uma cruz.

Ele disse, “É uma cabeça de carnaval das Índias Ocidentais. É velha. É especial.

Stephen encontrou-a na Jamaica.”

James estava ao lado dele agora, olhando dentro da cabeça. “Tem uma espécie de

armação de arame que repousa em seus ombros. E uma fenda bem onde a boca abre um

pouco, acho que você olha através dela. Vamos lá, Will, coloque.” Ele ergueu a cabeça

por trás para coloca-la sobre os ombros de Will. Mas Wil l se afastou, como se uma outro

parte de sua mente f alasse si lenciosamente para ele. “Agora não,” ele disse. “Alguém

mais abra o seu presente.”

E Mary esqueceu a cabeça e sua reação com ela, no feliz momento em que

descobriu que era sua vez. Ela mergulhou na pilha de presentes da árvore, e as alegres

descobertas começaram novamente.

Um presente por vez; eles tinham quase terminado, e era quase hora do café da

manhã, quando surgiu a batida na porta da f rente. A Sra. Stanton es tava quase para pegar

o seu próprio embrulho no ritual; os braços dela caí ram para os lados, e ela olhou para

cima de modo vazio.

“Quem poderá ser?”

Todos olharam uns para os outros, e então para a porta, como se ela pudesse falar.

Isso es tava totalmente errado, como um trecho de música mudando no meio da melodia.

Ninguém nunca veio a té a casa nessa hora no Dia de Natal, não era o costume.

“Eu acho. . .” disse o Sr. Stanton, com uma leve suposição surgindo em sua voz; e

ele enf iou os pés mais f irmemente em seus chinelos e se levantou para abrir a porta da

f rente. Eles ouviram a porta ab rir. As costas dele encheram o espaço e os impediu de ver

o visitante, mas sua voz se ergueu em óbvio prazer. “Meu querido colega, que bom ver

você. . . entre, entre. . .” E quando se vi rou em direção à sala de estar ele es tava segurando

um pequeno pacote em uma das mãos que não estava ali antes, claramente um produto da

f igura alta que agora aparecia no umbral da porta, seguindo -o. O Sr. Stanton radiante e

sorridente, ocupado com apresentações, “Alice, amor, esse é o Sr. Mitothin. . . tão genti l ,

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todo esse caminho na manhã de Natal apenas para entregar. . . não dever ia ter. . . Mitothin,

meu f ilho Max, minha f ilha Gwen.. . James, Bárbara . . .”

Will ouviu a crescente polidez sem dar atenção; foi somente ao escutar a voz do

estranho que ele ergueu o olhar. Tinha algo fam iliar na profunda voz levemente nasal

com um pouco de sotaque, cuidadosamente repetindo os nomes: “Como você está, Sra.

Stanton. . . Saudações para vocês, Max, Gwen.. .” E Will viu o contorno do rosto, e o

comprido cabelo marrom avermelhado, e ele congelou. E ra o Cavaleiro. Esse Sr.

Mitothin, amigo de seu pai sabe lá de onde, era o Cavaleiro Negro de algum lugar fora

do Tempo.

Will agarrou a coisa mais próxima de sua mão, um brilhante tecido macio que era

o presente da Jamaica de Stephen para sua irmã Bárbara, e o jogou rapidamente sobre a

cabeça de carnaval para escondê- la de vis ta. Quando ele se vi rou novamente, o Cavalei ro

ergueu sua cabeça para olhar para dentro da sala, e o viu. Ele observou Will em aberto

desaf io triunfante, um pequeno sorr iso em seus lá bios. O Sr. Stanton fez um sinal,

balançando a mão, “Will, venha aqui um minuto . . . meu f ilho mais novo, Sr . . .”

Will era instantaneamente um Antigo Escolhido furioso, tão furioso que não parou

para pensar no que deveria fazer. Podia sentir cada polegada de si mesmo, como se

tivesse crescido três vezes o seu próprio tamanho com sua fúria. Esticou sua mão direi ta

com seus dedos es tendidos em direção a sua família, e os viu instantaneamente presos em

uma parada no tempo, congelados em todo movimento. Como está tuas de cera eles

f icaram rígidos e imóveis pela sala.

“Como você ousa entrar aqui!” e le gri tou para o Cavaleiro. Os dois f icaram

encarando um ao outro pela sala, os únicos objetos vivos e em movimento ali: nenhum

humano se movia, os pontei ros do relógio sobre a lareira não se moviam, e embora as

chamas do fogo tremulassem, elas não consumiam as toras que elas queimavam.

“Como você ousa! No Natal, na manhã de Natal ! Vá embora!” Era a primeira vez

em sua vida que ele tinha sentido tal fúria, e isso não era agradável, mas estava

revoltado que o Escuro tivesse ousado interromper esse r itual de família tão precioso.

O Cavaleiro disse suavemente, “Contenha -se.” Na Língua Ant iga, seu sotaque era

repent inamente mais acentuado. Ele sorriu para Will sem nenhum sin al de mudança em

seus f rios olhos azuis. “Eu posso cruzar sua solei ra, meu amigo, e passar pelo seu

azevinho, porque fui convidado. Seu pai, de boa fé, pediu que eu entrasse pela porta. E

ele é o senhor desta casa, e não há nada que você possa fazer a resp ei to .”

“Sim, tem sim,” Will disse. Olhando f ixamente para o sorriso confiante do

Cavaleiro, ele concentrou todos os seus poderes em um esforço para ver dentro da mente

dele, descobrir o que ele pretendia fazer a li . Mas bateu contra uma parede negra de

hostil idade, inquebrável. Wil l sentiu que isso não dever ia ser possível, e est remeceu.

Procurou fur iosamente em sua memória pelas palavras de destruição com as quais em

último recurso – mas somente em últ imo recurso mesmo – um Antigo Escolhido poderia

quebrar o poder do Escuro. E o Cavaleiro Negro riu.

“Oh não, Wil l Stanton,” ele disse tranqüilamente. “Isso você não fará. Não pode

usar armas desse tipo aqui, a não ser que você queira lançar toda sua família para além

do Tempo.” Ele olhou apontando para Mary, que estava imóvel perto dele, sua boca

semi-aberta, capturada fora da vida no meio de algo que diria para o pai dela.

“Isso ser ia uma pena,” disse o Cavalei ro. Então olhou de volta para Will, e o

sorriso sumiu de seu rosto como se ele o tivesse cuspido fo ra, e seus olhos se

estreitaram. “Seu jovem tolo, você acha que por causa de todos os seus Dons recebidos

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do Gramarye você pode me controlar? Mantenha -se em seu lugar. Você não é um dos

mestres ainda. Você pode fazer coisa s tão bem quanto possa inventar, m as os poderes

superiores ainda não são para seu domínio. E eu também não.”

“Você tem medo de meus mestres,” falou Wil l rapidamente, sem saber

completamente o que queria dizer, mas sabendo que era verdade.

O rosto pálido do Cavalei ro enrubesceu. Ele disse suavemente, “O Escuro está

surgindo, Antigo Escolhido, e dessa vez não permiti rá que nada obstrua seu caminho.

Esse é o momento para nossa ascensão, e esses próximos doze meses f inalmente verão

nos estabelecermos. Diga isso a seus mestres. Diga a eles que nada nos impedirá. Diga a

eles, que todas as Coisas de Poder que eles esperam possuir nós tomaremos deles, o

Graal, a Harpa e os Signos. Quebraremos o seu círculo antes mesmo que ele seja unido.

E ninguém impedirá o Escuro de se erguer!”

As últimas palavras foram emitidas em um alto som de triunfo, e Will tremeu. O

Cavaleiro olhou para ele, seus olhos pálidos cinti lando; então desdenhosamente ele

estendeu suas mãos em direção aos Stantons, e de uma vez eles ganharam vida

novamente e o a lvoroço do Natal es tava de vol ta, e não havia nada que Will pudesse

fazer.

“ . . . que serve aquela caixa?” disse Mary.

“ . . . Mitothin, esse é nosso Will. ” O Sr. Stanton colocou sua mão no ombro de

Will.

Will disse f riamente, “Como vai você?”

“Os cumprimentos da estação para você, Will,” o Cavalei ro disse.

“Desejo a você o mesmo que você des eja para mim,” disse Wil l.

“Muito lógico,” disse o Cavaleiro.

“Muito pomposo, se você me perguntar,” disse Mary, balançando sua cabeça. “Ele

é desse jeito às vezes. Papai, para quem é a quela caixa, a que ele t rouxe?”

“Sr. Mitothin, não "ele",” disse o pai dela automaticamente. “Para sua mãe, uma

surpresa,” disse o Cavaleiro. “Algo que não estava f inal izado ontem a noite em tempo de

seu pai t razer para casa.”

“De você?”

“Do Papai, eu acho,” disse a Sra. Stanton, sorrindo para seu marido. Ela virou

para o Cavaleiro. “Você tomará café conosco, Sr. Mitothin? ”

“Ele não pode,” disse Will.

“Will !”

“Ele parece es tar com pressa,” o Cavalei ro disse suavemente. “Não, eu agradeço,

Sra. Stanton, mas estou a caminho para passar o dia com amigos, e eu devo partir.”

Mary disse, “Para onde você vai?”

“Norte daqui. . . que cabelo comprido você tem, Mary. Muito bonito.”

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“Obrigada,” disse Mary convencida, balançando seus longos cabelos so ltos em

volta de seus ombros. O Cavaleiro se est icou e removeu delicadamente um cabelo solto

de sua manga. “Permita -me,” ele disse polidamente.

“Ela está sempre exibindo ele,” falou James calmamente. Mary mostrou sua língua

para ele.

O Cavaleiro olhou pela sala novame nte. “Aquela é uma árvore magníf ica. Uma

árvore local?”

“É uma árvore Real,” falou James, “Do Grande Parque.”

“Venha ver!” Mary agarrou a mão do Cavalei ro e o conduziu. Wil l mordeu seu

lábio, e deliberadamente retirou todo o pensamento da cabeça de carna val de sua mente

concentrando-se bastante no que ele provavelmente ter ia para o café da manhã. O

Cavaleiro, e le t inha quase certeza, podia ver dentro dos níveis mais al tos de sua mente

mas talvez não pudesse naqueles enterrados mais fundo do que isso.

Mas não houve perigo. Embora a grande caixa vazia e sua pilha de exótico

embrulho estivesse bem ao lado dele, O Cavaleiro, cercado pelos Stantons, simplesmente

olhou obediente e admirado para os enfei tes na árvore. Ele pareceu particularmente

interessado com as pequenas iniciais entalhadas da caixa do Fazendeiro Dawson.

“Lindo,” ele disse, girando distraidamente o M de Mary – o qual, Will notou vagamente,

estava pendurado de cabeça para baixo.

Então ele virou para os pais deles. “Eu realmente devo ir, e vocês devem tomar o

seu café da manhã. Wil l parece um pouco faminto, eu acho.” Houve um br ilho de malícia

enquanto eles olhavam um para o outro, e Will soube que es tava cer to quanto aos limi tes

da visão do Escuro.

“Realmente estou imensamente agradecido a você , Mitothin,” disse o Sr. Stanton.

“Sem problema, vocês es tavam bem no meu caminho. Cumprimentos da estação

para todos vocês . . .” Com um alvoroço de despedidas ele se foi, descendo pelo caminho.

Will quase não se arrependeu que sua mão fechasse a porta ante s que eles tivessem a

chance de ouvir o motor de um carro dar partida. Ele não achava que o Cavalei ro tinha

vindo de carro.

“Bem, meu amor,” disse o Sr. Stanton, dando um beijo em sua esposa e

entregando- lhe a caixa. “Aqui es tá o seu primeiro presente da árvore. Feliz Natal !”

“Oh!” disse a mãe deles, quando ela abriu. “Oh, Roger!”

Will se espremeu passando por suas entusiasmadas irmãs para dar uma olhada.

Aninhado em veludo branco, em uma caixa com o nome da loja de seu pai gravado,

estava o velho anel de sua mãe: o anel no qual e le t inha visto o Sr. Stanton procurar por

pedras soltas algumas semanas antes , o anel que Merriman tinha vis to na imagem que

tirou da mente de Will. Mas circulando ele havia algo mais: um bracelete feito como um

alargamento do anel, combinando exatamente. Uma mão de ouro, com três diamantes no

centro, e três rubis em cada lado, e gravado com um estranho padrão de círculos, l inhas e

curvas ao redor de todos eles. Will observou, imaginando porque o Cavalei ro poderia

querer ter isso em suas mãos. Pois com certeza isso deveria estar por trás da visita es ta

manhã; nenhum Senhor do Escuro precisava entrar em qualquer casa meramente para ver

o que tinha dentro.

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“Você o fez, Pai?” disse Max. “Um trabalho adorável.”

“Obrigado,” disse seu pai.

“Quem era aquele homem que o trouxe?” Gwen disse curiosamente. “Ele trabalha

com você? Que nome engraçado.”

“Oh, ele é um negociante,” disse o Sr. Stanton. “De diamantes, na maioria. Um

sujeito estranho, mas mui to agradável . Eu o conheço por cerca d e dois anos, eu suponho.

nós conseguimos um monte de pedras do pessoal dele . . . incluindo estas.” Ele colocou um

dedo gentilmente no bracelete. “Eu t ive que sair cedo ontem enquanto o jovem Jeffrey

ainda estava colocando as pedras , e aconteceu de Mitothin es tar na loja e se oferecer

para entregá-la para evitar que eu t ivesse que voltar. Como ele disse, i ria passar por aqui

essa manhã de qualquer modo. Ainda assim, foi bondade dele, ele não precisava ter

oferecido.”

“Muito gent il ,” disse sua esposa. “Mas vo cê é mais. Acho que ele é lindo.”

“Estou com fome,” disse James. “Quando vamos comer?”

Foi somente depois que o bacon e ovos, torrada e chá, marmelada e mel tinham

acabado, e os restos da primeira abertura de presentes t inham sido removidos, que Will

percebeu que a sua carta enviada por Stephen não podia ser encontrada em lugar algum.

Ele procurou na sala de estar, investigou os pertences de todos, raste jou debaixo da

árvore e ao redor da pilha de presentes que aguardavam ainda não abertos , mas ela não

estava ali . Ela poderia, é c laro, ter sido jogada fora inadvert idamente, confundida com

papel de embrulho; essas coisas às vezes aconteciam no Dia de Natal tumultuado deles.

Mas Will pensou que sabia o que tinha acontecido com sua carta. E ele f icou

imaginando se, af inal de contas, t inha sido a chance de invest igar o anel de sua mãe que

trouxe o Cavalei ro Negro até a casa , ou uma busca por algo mais.

Antes de muito tempo eles notaram que a neve estava caindo novamente.

Gentilmente mas inexoravelmente os f lo cos desciam tremulando, sem falhar nem uma

vez. As pegadas do Sr. Mitothin, no caminho lá fora, logo foram cobertas como se nunca

tivessem estado ali . Os cães, Raq e Ci, que tinham pedido para sair antes que a neve

começasse, vieram arranhar a porta de trá s novamente.

“Sou a favor de um Natal branco de vez em quando,” disse Max, olhando para fora

desanimado, “mas isso é ridículo.”

“Extraordinár io,” disse seu pai, olhando para fora por cima de seus ombros.

“Nunca tinha visto nada assim no Natal, em toda a minha vida. Se cair muito mais hoje,

haverá sér ios problemas de transporte por todo o Sul da Inglaterra.”

“Era isso que eu estava pensando,” disse Max. “Eu deveria i r para Southampton

depois de amanhã para f icar com Deb.”

“Oh, uou, uou,” disse James, aga rrando seu peito .

Max olhou para ele.

“Feliz Natal, Max,” falou James.

Paul apareceu na sala de es tar caminhando de botas desajeitado, abotoando seu

sobretudo. “Com neve ou sem neve, Estou saindo para tocar os sinos. Aqueles velhos

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sinos naquela torre não esperam por ninguém. Algum de vocês vem comigo até a igreja

essa manhã?”

“Os Nightingales vão aparecer,” disse Max, olhando para Will e James, que entre

eles const ituíam um terço do coro da igreja. “Isso quer dizer que vocês também

deveriam, vocês não acham?”

“Se vocês forem realizar a sua ação de caridade da temporada,” disse Gwen,

passando, “com alguma tarefa útil como descascar as batatas, então ta lvez a Mamãe

pudesse ir. Ela gosta de verdade, quando ela pode.”

O pequeno grupo empacotado que f inalm ente saiu para a neve espessa era formado

por Paul, James, Will, Sra. Stanton e Mary, que era, James disse indelicadamente mas

com razão, provavelmente mais interessada em evi tar t rabalho de casa do que em fazer

suas doações. Eles subiram penosamente a est rada, os f locos de neve descendo mais forte

agora e começando a grudar em suas bochechas. Paul t inha ido na f rente para se juntar

aos outros tocadores de sino, e logo as fortes notas dos seis doces s inos antigos que

f icavam pendurados na pequena torre quad rada começariam a repicar através do mundo

rodopiante ao redor deles, i luminando -o para o Natal novamente. O espír ito de Will se

ergueu um pouco com o som, mas não muito; a pesada persis tência da recente neve o

incomodava. Ele não conseguia afastar a suspe ita arrepiante de que ela estava sendo

enviada como precursora de algo mais, do Escuro. Ele enf iou suas mãos dentro dos

bolsos de sua jaqueta de pele de ovelha, e a ponta dos dedos de uma das mãos es tavam se

fechando ao redor de uma pena de gralha, esqueci da desde a terrível noite da Véspera do

Solstício de Inverno, antes do seu aniversár io.

Na est rada nevada, quatro ou cinco carros estavam do lado de fora da igreja; havia

mais, geralmente, na manhã de Natal, mas poucos moradores fora do alcance de

caminhada tinham decidido enfrentar esse rodopiante nevoeiro branco. Will observou os

gordos f locos f icarem determinados e sem derreter na manga de sua jaqueta; eles eram

muito f rios. Até mesmo dentro da pequena igreja, os f locos de neve permaneciam

obstinadamente, e levavam um longo tempo para derreter. Ele foi com James e o punhado

de outros coris tas debater -se dentro das túnicas na est rei ta passagem da sacr ist ia, e

então, quando os sinos se uniram no início do serviço, para fazer sua procissão descer a

coxia e subir na pequena galeria no fundo da pequena nave quadrada. Você podia ver

todos dali , e estava claro que a igreja de St James the Less não estava congestionada no

Natal desse ano, mas parcialmente cheia.

A ordem dos Morning Prayer , como era nessa Igreja da Inglaterra, pela

Autoridade do Parlamento, no Segundo Ano do Reinado do Rei Edward o sexto, seguiu

seu nobre caminho através dos enfei tes de Natal, conduzida pelo extrovertido e teatral

baixo-barítono do Pároco.

“O ye Frost and Cold, bless ye the Lord , praise Him, and magnify Him for ever ,”

disse Will, ref le tindo que o Sr. Beaumont tinha mostrado um certo humor torto ao

escolher o cântico.

“O ye Ice and Snow, bless ye the Lord, praise Him, and magnify Him for ever .”

De repente e le estava tremendo, ma s não por causa das palavras, nem por nenhuma

sensação de f rio . Sua cabeça rodopiou; ele se agarrou por um momento na borda da

galeria. A música por um breve instante pareceu tornar -se medonhamente descordenada,

estr idente em seus ouvidos. Então isso desap areceu e ela era como antes, deixando Will

abalado e arrepiado.

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“O ye Light and Darkness,” cantou James, olhando para e le . “Você es tá bem?

Sente-se. and magnify Him forever .”

Mas Will balançou sua cabeça impacientemente, e pelo res to do serviço ele

agüentou f irme, cantou, sentou, ou ajoelhou, e convenceu a si mesmo que não tinha

acontecido nada de errado exceto por uma vaga sensação de f raqueza, trazida pelo que

seus mais velhos gostavam de chamar de “super excitamento”. E então a est ranha

sensação de algo errado, de discordância, veio novamente.

Foi apenas mais uma vez, bem no f inalzinho do serviço. O Sr. Beaumont estava

fazendo a oração de St Chrysostom: “ . . .who dost promise, that when two or three are

gathered together in thy name thou wil t grant thei r requests. . .” Um barulho surgiu de

repente dentro da mente de Will, um estridente e terrível urro no lugar das cadências

familiares. Ele tinha ouvido isso antes. Era o som do Escuro sitiante, que ele tinha

escutado do lado de fora da Sala na Mansão onde e le t inha sentado com Merriman e a

Senhora, em algum século desconhecido. Mas em uma igreja? disse Wil l, o Angelical

garoto do coro, incrédulo: certamente você não pode sentir i sso dentro de uma igreja?

Ah, disse de forma infeliz Wil l, o Antigo Escolhido : qualquer igreja de qualquer rel igião

é vulnerável ao ataque deles, pois lugares como esse são onde os homens real izam

pensamentos em questões da Luz e do Escuro. Ele encolheu sua cabeça entre seus ombros

enquanto o barulho o atingia , e então ele desapareceu de novo, e a voz do Pároco estava

soando sozinha, como antes.

Will olhou rapidamente ao seu redor, mas estava claro que ninguém mais tinha

notado qualquer coisa errada. Através das dobras de sua túnica branca ele agarrou os t rês

Signos em seu cinto, mas não havia calor nem frio sob seus dedos. Para o poder de alerta

dos Signos, ele suspeitava, uma igreja era uma espécie de terra de ninguém; uma vez que

de fato nenhum mal poderia entrar por suas paredes, nenhum aviso contra ele ser ia

necessár io. Ainda que o mal est ivesse pairando logo ali fora. . .

O serviço estava encerrado agora, todos cantando “ O Come, All Ye Faithful” no

fervor de Feliz Natal, enquanto o coro fazia seu caminho descendo da galeria e indo até

o altar. Então as bênçãos do Sr. Beaumont foram espalhadas sobre as cabeças da

congregação: “ . . . the love of God, and the fellowship of the Holy Ghost. . . ” Mas as

palavras não podiam trazer paz a Will, pois ele sabia que algo estava errado, algo

surgindo do Escuro, algo esperando, lá fora, e que chegaria o momento em que ele

deveria encarar i sso sozinho, enfraquecido.

Ele viu todos formarem f ila saindo radiantes da igreja, sorrindo e acenando uns

para os outros enquanto agarravam suas sombrinhas e levanta vam seus colarinhos contra

a neve ondulante. Ele v iu o alegre Sr. Hutton, o diretor aposentado, remexendo as chaves

de seu carro, envolvendo a pequena Srta. Bel l, a antiga professora deles, na calorosa

oferta de uma carona para casa; e a trás dele o a legre Sr. Hutton, um galeão em uma

viagem alegre, fazendo o mesmo com a Sra. Pettigrew, a car tei ra. Diversas cr ianças do

vilarejo correram saindo pela porta, escapando de suas mães que usavam seus melhores

chapéus, correndo para guerra de bolas de neve e para o peru de Natal. A lúgubre Sra.

Horniman caminhou perto da Sra. Stanton e Mary, ocupada em profetizar o julgamento.

Will viu Mary, tentando não rir, voltando para se juntar a Sra. Dawson e sua f ilha

casada, com o neto de cinco anos empinando -se feliz em brilhantes botas novas de

caubói.

O coro, agasalhado e encapado, começou a par tir também, com gritos de “Feliz

Natal !” e te vejo Domingo, Vigár io!” para o Sr. Beaumont, que estaria fazendo apenas

esse serviço hoje e o resto em suas outras paróquias. O pároco, conversando com Paul

sobre música, sorriu e aceno u vagamente. A igreja começou a esvaziar, enquanto Will

esperava por seu i rmão. Ele podia sentir seu pescoço coçando, ass im como a eletr icidade

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que f lutua fortemente opressiva no ar antes de uma tempestade gigante. Ele podia sent í -

la em toda parte, o ar de ntro da igreja estava carregado dela. O pároco, ainda

conversando, esticou uma mão distraída e desligou a s luzes dentro da igreja, deixando -a

em uma fria escuridão cinza, brilhante apenas ao lado da porta onde a brancura da neve

ref letia. E Will, vendo alg umas f iguras se moverem em direção a porta para fora das

sombras, percebeu que a igreja não estava totalmente vazia. Descendo perto da pequena

fonte do século doze, e le viu o Fazendeiro Dawson, o Velho George, e o f ilho do Velho

George, John, o ferreiro, com sua s i lenciosa esposa. Os Antigos Escolhidos do Círculo

estavam esperando por ele, para ajudá -lo contra qualquer coisa que espreitava lá fora.

Will sentiu-se f raco por um momento enquanto alívio espalhava -se sobre ele em uma

grande onda aquecedora.

“Tudo pronto, Will?” disse o pároco cordialmente, colocando seu sobretudo. Ele

seguiu em frente, ainda preocupado, até Paul, “É claro, realmente concordo que o

concerto duplo é um dos melhores. Eu só queria que ele executasse as desacompanhadas

suites de Bach. Ouvi ele as fazer em uma igreja em Edinburg o uma vez, no Festival .

Maravilhoso .”

Paul, com olhar af iado, disse, “Tem alguma coisa errada, Wil l?”

“Não,” disse Will. “Quer dizer . . . não.” Ele es tava tentando desesperadamente

pensar em algum jei to de levar os dois para fora da igreja antes que ele próprio chegasse

perto da porta. Antes . . . antes que o que quer que pudesse acontecer realmente

acontecesse. Na porta da igreja ele podia ver os Ant igos Escolhidos se moverem

lentamente em um grupo bem unido, apoia ndo um ao outro. Ele podia sent ir a força agora

muito forte, muito próxima, ao redor, o ar estava espesso com ela, do lado de fora da

igreja havia destruição e caos, o coração do Escuro, e ele não conseguia pensar em nada

que pudesse fazer para afastá -lo . Então enquanto o pároco e Paul se viraram para

caminhar pela nave, ele viu os dois pararem no mesmo instante, e suas cabeças se

ergueram como as cabeças de cervo selvagens em alerta. Era tarde demais agora; a voz

do Escuro era tão alta que até humanos podi am sentir seu poder.

Paul estremeceu, como se alguém o tivesse golpeado no peito , e agarrou um banco

para se apoiar. “O que é isso?” ele disse rapidamente. “Pároco? O que é isso?”

O Sr. Beaumont tinha f icado muito branco. Havia um brilho de suor em sua t esta,

ainda que a igreja estivesse muito f ria agora. “Nada que seja da terra, eu acho, ta lvez,”

ele disse. “Deus me perdoe.” E ele cambaleou alguns passos aproximando -se da porta da

igreja, como um homem lutando contra ondas no mar, e inclinando -se para f rente

levemente fez um amplo sinal da Cruz. Ele balbuciou, “Defenda -nos teus humildes

servos de todos os ataques de nossos inimigos; que nós, cer tamente confiando em tua

defesa, não temeremos o poder de quaisquer adversár ios. . .”

O Fazendeiro Dawson falou m uito calmamente mas de forma clara do grupo ao

lado da porta, “Não, Pároco.”

O pároco pareceu não escutá -lo. Seus olhos es tavam arregalados, olhando para a

neve do lado de fora; ele f icou transf ixado, tremeu como um homem com febre, o suor

foi descendo pelas suas bochechas. Ele conseguiu erguer pela metade um braço e apontou

atrás dele: “. . . sacristia. . .” ele arfou. “. . . l ivro, na mesa. . . exorcizar. . .”

“Pobre colega valente,” disse John Smith na Língua Ant iga. “Essa batalha não é

para ser travado por ele. Está inclinado a acreditar que sim, é claro, estando em sua

igreja.”

90

“Calma, Reverendo,” falou a esposa dele em Inglês; sua voz era suave e gentil ,

acentuadamente do país. O pároco olhou para ela como um animal assustado, mas nesse

momento todos os seus poderes de fala e movimento tinham sido arrancados.

Frank Dawson disse: “Venha cá, Will .”

Fazendo força contra o Escuro, Will seguiu em frente lentamente; e le tocou Paul

no ombro enquanto passava, olhando dentro de olhos confusos em um rosto tão

contorcido e desamparado quanto o do pároco, e disse suavemente: “Não se preocupe.

Tudo vai f icar bem logo.”

Cada um dos Antigos Escolhidos o tocou genti lmente enquanto ele entrava no

grupo, como se unindo-o a eles, e o Fazendeiro Dawson o pegou pelo ombro. Ele d isse,

“Devemos fazer algo para proteger aqueles dois, Will, ou a mente deles se curvará. Eles

não podem suportar a pressão, o Escuro os deixará loucos. Você tem o poder, e o resto

de nós não.”

Essa foi a primeira intimação de Will que ele poderia fazer qu alquer coisa que

outro Antigo Escolhido não poderia, mas não havia tempo para f icar pensando; com o

Dom do Gramarye, ele fechou as mentes de seu irmão e do pároco atrás de uma barrei ra

que poder algum de qualquer tipo poderia at ravessar. Essa era uma empre itada perigosa,

uma vez que aquele que cr iava a barreira era o único que poderia removê - la, e se alguma

coisa acontecesse com ele os dois protegidos ser iam deixados como vegetais, incapazes

de qualquer comunicação, para sempre. Mas o risco tinha que ser ac ei to; não havia nada

mais a ser fei to . Seus olhos fecharam -se suavemente como se eles tivessem começado a

dormir tranquilamente; eles f icaram imóveis. Após um momento seus olhos se abriram

novamente, mas estavam calmos e vazios, ignorantes.

“Muito bem,” d isse o Fazendeiro Dawson. “Agora.”

Os Antigos Escolhidos f icaram na porta da igreja, seu braços unidos. Nenhum

disse uma palavra para o outro. Um ruído selvagem e turbulência se ergueram do lado de

fora; a luz escureceu, o vento rugiu e gemeu, a neve rodo piou e chicoteou seus rostos

com pedaços brancos de gelo. E de repente as gralhas es tavam na neve, centenas del as,

pequenas ondulações de malevolência , crocitando e grasnando, mergulhando no alpendre

em um ataque barulhento e então arremetendo para cima, p ara longe. Elas não podiam

chegar perto o bastante para arranhar e rasgar ; era como se uma parede invisível os

f izesse recuar a cerca de polegadas de seus alvos. Mas aquilo seria apenas pelo tempo

que a força dos Antigos Escolhidos pudesse agüentar. Em um a furiosa tempestade de

preto e branco o Escuro atacou, golpeando tanto suas mentes quanto seus corpos, e acima

de todos atacando com força o Buscador dos Signos, Will. E Will soube que se ele

estivesse sozinho a sua mente, mesmo com todos os seus dons de proteção, teria entrado

em colapso. Foi a força do Círculo dos Antigos Escolhidos que o manteve f irme agora.

Mas pela segunda vez em sua vida, nem o Círculo poderia fazer mais do que

manter o poder do Escuro encurralado. Mesmo juntos, os Antigos Escolhido s não podiam

fazê-lo re troceder. E agora não havia nenhuma Senhora para t razer a juda de uma forma

grandiosa. Will percebeu mais uma vez, impotente, que ser um Ant igo Escolhido era ser

muito velho antes do tempo apropriado, pois o medo que ele começou a sen ti r agora era

pior do que o terror cego que t inha conhecido em sua cama no sótão, pior do que o medo

que o Escuro t inha colocado nele no grande salão. Dessa vez, seu medo era adulto, feito

de experiência, imaginação e preocupação com outros, e i sso era o p ior de tudo. No

momento em que ele soube disso, ele também soube que ele, Wil l, era o único meio

através do qual seu próprio medo poderia ser vencido, e assim o Círculo fortif icou -se e o

Escuro se afastou. Quem é você? E le perguntou a si mesmo .. . e respondeu: você é o

91

Buscador dos Signos. Você tem três dos Signos, metade do círculo das Coisas de Poder.

Use-os.

Agora o suor estava espalhado em sua tes ta assim como ele tinha feito na testa do

pároco, embora agora o pároco e Paul estivessem em paz sorridente, inconscientes,

alheios a tudo que es tava acontecendo. Will conseguia ver o esforço nos rostos dos

outros, no do Fazendeiro Dawson mais do que todos. Lentamente ele moveu suas mãos

para dentro, trazendo as mãos de cada um seguras bem próximas uns dos outro s; A mão

esquerda de John Smith mais próxima da mão direita do Fazendeiro Dawson. E quando

eles es tavam próximos o bastante, e le uniu as mãos de seus vizinhos, t rancando a si

mesmo do lado de fora. Em um momento de pânico ele as agarrou novamente, como se

ele estivesse apertando um nó. Então ele soltou, e f icou sozinho.

Sem a proteção do Círculo, porém abrigado atrás dele, ele oscilou sob o impacto

da furiosa vontade maligna vinda do lado de fora da igreja. Então se movendo muito

cautelosamente, ret irou se u cinto com suas três cargas preciosas e enrolou em seu braço;

pegou a pena de gralha do seu bolso, e a prendeu no Si gno do centro: o c í rculo dividido

de bronze. Então pegou o cinto nas duas mãos, erguendo -o diante dele, e o moveu

lentamente ao redor até q ue f icou sozinho no pórtico da igreja, encarando o rugido, o

grito das gralhas, a escuridão gélida. Jamais tinha se sent ido tão soli tár io . Ele não fez

nada, não pensou em nada. Ficou ali parado, e deixou os Signos trabalharem por si

mesmos. E de repente, houve silêncio.

As aves t inham ido embora. Vento algum rugiu. O ameaçador murmúrio louco que

tinha preenchido o ar e as mentes também desapareceu. Cada nervo e músculo no corpo

de Will f icaram f lácidos ass im que a tensão desapareceu. Do lado de fora, a nev e ainda

caía tranqüilamente, ma os f locos eram menores agora. Os Antigos Escolhidos olharam

uns para os outros e ri ram.

“O círculo completo fará o verdadeiro trabalho,” disse o Velho George, “mas

metade de um círculo pode fazer muito, não é, jovem Will?”

Will olhou para os Signos em sua mão, e balançou a cabeça maravilhado.

O Fazendeiro Dawson falou suavemente, “Em todos os meus dias desde que o

cálice desapareceu, é a primeira vez que vejo alguma coisa além da mente de um dos

grandes escolhidos afastar o Escuro. Coisas, dessa vez. Eles o f izeram sozinhos, por toda

nossa vontade. Nós temos Coisas de Poder novamente. Já fazia um longo, longo tempo.”

Will ainda estava olhando para os Signos, observando, como se eles prendessem

seus olhos por a lgum motivo. “Esperem,” ele disse dist raidamente. “Não se mexam.

Fiquem parados por um momento.”

Eles f izeram uma pausa, assustados. O ferreiro disse, “Algum problema?” “Olhe

para os Signos,” disse Will. “Algo está acontecendo com eles. Eles es tão . . . eles estão

brilhando.”

Ele se virou lentamente, a inda segurando o cinto com os t rês Signos como antes,

até que seu corpo estivesse bloqueando a luz cinza da porta e suas mãos estivessem na

sombra da igreja; e os Signos foram f icando mais bri lhantes e mais brilhantes, cada um

deles brilhando com uma estranha luz interior.

Os Ant igos Escolhidos f icaram olhando. “Esse é o poder de afastar o Escuro?”

disse a esposa de John Smith em seu falar suave. “É algo neles que estava adormecido, e

começou a acordar agora?”

92

Will estava tentando inutilmente sentir o que os Signos es tavam lhe dizendo.

“Acho que é uma mensagem, signif ica algo. Mas não consigo captar. . .”

A luz saiu dos três Signos, preenchendo a pequena parte escura da igreja onde eles

estavam com brilho; era uma luz como raio de sol, quente e forte. Nervosamente, Will

esticou um dedo para tocar no círculo mais próximo, o Si gno do Ferro, mas ele não

estava quente nem frio .

O Fazendeiro Dawson disse de repente, “Olhem lá em cima!”

Seu braço es tava apontando para a cima, pa ra a nave, em direção ao altar. No

instante em que eles se viraram, viram o que ele tinha vis to: outra luz, saindo da parede,

justamente do mesmo modo como ao lado deles a luz escapava dos Signos. Brilhava

como a luz de uma grande tocha.

E Will entendeu. Ele disse alegremente, “Então é por isso.”

Ele caminhou em direção ao segundo rast ro de brilho, carregando o cinto e os

Signos de modo que as sombras sobre os bancos e nas vigas do teto se moviam com ele

enquanto ele andava. Enquanto as duas luzes iam f ic ando mais próximas e mais próximas

cada uma parecia f icar ainda mais bri lhante. Com a forma alt a e pesada de Frank Dawson

mostrando-se atrás dele, Will fez uma pausa no meio do feixe brilhante que escapava da

parede. Parecia como se uma janela rachada est i vesse deixando a luz passar vinda de

alguma inimaginável sala brilhante do outro lado. Ele viu que a luz estava vindo de algo

muito pequeno, tão longo quanto um de seus dedos, que estava ao lado.

Ele disse com segurança para o Sr. Dawson: “Devo pegá -lo rápido, você sabe,

enquanto a luz ainda brilha dele. Se a luz não estiver brilhando, ele não pode ser

encontrado.” E colocando o cinto com o Si gno do Ferro, o Signo do Bronze e o Signo da

Madeira nas mãos de Frank Dawson, ele seguiu em frente até a parede c om a f issura de

luz e esticou-se até a pequena fonte do feixe encantado.

A coisa brilhante saiu da parede facilmente de um pedaço quebrado do reboco

onde os blocos de Chiltern da parede apareciam. Ele jazia em sua palma: um círculo,

dividido por uma cruz. Ele não havia sido cortado naquela forma. Mesmo através da luz

nele, Will podia ver a suave redondeza dos lados que disseram a ele que ess a era uma

rocha natural, crescida na greda de Chiltern quinze milhões de anos atrás.

“O Signo da Pedra,” disse o Fazendeiro Dawson. Sua voz era gent il e reverente,

seus olhos negros ilegíveis. “Nós temos o quarto Si gno , Will.”

Eles caminharam juntos para unirem -se aos outros, carregando as brilhantes

Coisas de Poder. Os três Antigos Escolhidos observaram, em silêncio. Paul e o pároco

agora sentavam tranqüilos em um banco como se estivessem dormindo. Will f icou com

seus companheiros e pegou o cinto, e enf iou o Signo da Pedra nele para que f icasse junto

aos outros t rês. Ele teve que f icar com os olhos semi -cerrados para evitar que o brilho o

cegasse. Então quando o quarto Signo estava em posição próximo ao restante, toda a luz

neles morreu. Eles estavam escuros e quietos como estiveram antes, e o Si gno da Pedra

mostrou-se como uma coisa suave e bela com a superf íc ie cinza esbranquiçada de uma

rocha intacta.

A pena de gralha ainda estava enf iada no Si gno do Bronze. Will a re tirou. Agora

não precisava mais dela.

Quando a luz desapareceu dos Signos, Paul e o pároco se agitaram. Eles abriram

os olhos, f icaram assustados de en contrarem-se sentados em um banco quando um

93

momento atrás – assim pareceu a eles – estavam de pé. Paul deu um pulo

inst intivamente, sua cabeça se vi rando, procurando. “Foi embora!” ele d isse. Ele olhou

para Will, e uma peculiar expressão de confusão, surpr esa e temor surgiu em seu rosto.

Seus olhos viajaram até o cinto nas mãos de Will. “O que aconteceu?” ele disse.

O pároco f icou de pé, seu rosto liso e redondo contorcido em um esforço para

entender o incompreensível. “Certamente que foi embora,” ele diss e, olhando lentamente

ao redor da igreja. “Qualquer que fosse essa inf luência. Deus seja louvado.” Olhou para

os Signos no cinto de Will, e para cima novamente, sorrindo de repente, um sorriso

quase infantil de alívio e deleite. “Aquilo fez o trabalho, não fez? A cruz. Não a da

igreja, mas uma cruz Cristã, sem dúvida.”

“Muito ant igas, são as cruzes deles, pároco,” disse o Velho George

inesperadamente, f irme e c laro. “Fei tas um longo tempo antes do Cris tianismo. Muito

tempo antes de Cris to.”

O pároco sorriu para ele. “Mas não antes de Deus,” ele disse s implesmente.

Os Antigos Escolhidos olharam para ele. Não havia resposta que não o tivesse

ofendido, então ninguém tentou dar uma. Exceto, após um momento, Will.

“Na verdade não exis te nenhum antes e depois, existe?” ele disse. “Tudo que

importa está fora do Tempo. E vem de lá e para lá pode ir.”

O Sr. Beaumont virou -se para ele surpreso. “Você quer dizer inf inito , é claro , meu

rapaz.”

“Não completamente,” disse o Antigo Escolhido que era Will. “Quero dizer a

parte de todos nós, e de todas as coisas que pensamos e acredi tamos, que não tem nada a

ver com ontem, hoje ou amanhã porque pertence a um tipo de nível diferente. Ontem

ainda es tá lá, naquele nível. Amanhã está lá também. Você pode visi tar ambos. E tod os

os Deuses estão lá, e todas as coisas pelas quais eles sempre lutaram. E,” ele adicionou

com tristeza, “o oposto, também.”

“Will,” disse o pároco, olhando para ele, “Não tenho certeza se você deveria ser

exorcizado ou ordenado. Você e eu devemos ter al gumas longas conversas, muito em

breve.”

“Sim, devemos,” Wil l falou bem -humorado. Ele af ivelou seu cinto, pesado com a

sua preciosa carga. Estava pensando bastante e rapidamente enquanto o fazia, e a

principal imagem diante de sua mente não era das pertur badas hipóteses teo lógicas do Sr.

Beaumont, mas do rosto de Paul. Ele tinha vis to seu i rmão olhando para e le com um t ipo

de medo distante que o atingiu com a dor de uma chicotada. Era mais do que ele podia

agüentar. Os dois mundos dele não deveriam se enco ntrar tão próximos. Ele ergueu a

cabeça, juntando todos os seus poderes, es ticou os dedos de ambas as mãos e apontou

uma das mãos para cada um deles.

“Vocês esquecerão,” ele disse suavemente na Língua Antiga. “Esquecerão.

Esquecerão.” '

“ . . . uma vez em uma igreja em Edinburgo, maravilhoso,” o pároco disse a Paul,

esticando-se para fechar o botão superior de seu sobretudo. “The Sarabande na quinta

suite li teralmente me fez chorar. Ele é o maior violoncelista no mundo, sem dúvida.”

“Oh , sim,” disse Paul. “Oh sim, e le é.” Ele encolheu seus ombros dentro de seu

casaco. “A mamãe foi na f rente, Will? Ei, Sr. Dawson, olá, Fel iz Natal !” E ele acenou e

94

cumprimentou os outros, enquanto todos viraram em direção do alpendre da igreja e dos

f locos de neve que caíam.

“Feliz Natal, Paul, Sr. Beaumont,” disse o Fazendeiro Dawson gravemente. “Um

bom serviço, senhor, muito bom.”

“Ah, cumprimentos da temporada, Frank,” disse o pároco. “Uma maravilhosa

temporada também. Nada pode interferir com nossos serviços de Natal, nem mesmo toda

essa neve.” '

Rindo e conversando, eles entraram no mundo branco, onde a neve jazia

amontoada sobre as pedras das tumbas invis íveis e campos brancos estendiam-se até o

congelante Thames. Não havia som em lugar a lgum, nenhum dis túrbio, apenas o

murmúrio ocasional de um carro passando na distante Estrada Bath. O pároco se afastou

para encontrar sua motocicleta. O restante deles seguiram em frente, em um alegre

amontoado, para tomarem seus respectivos caminhos para casa.

Duas gralhas negras es tavam aninhadas sobre o portão telhado enquanto Will e

Paul se aproximavam; elas se ergueram no ar lentamente, meio -saltando, escuras formas

incongruentes contra a neve branca. Uma delas voou perto dos pés de Wil l e largou algo,

emitindo um grasnado depreciativo enquanto passava. Will o pegou; era uma brilhante

noz da f loresta das gralhas, tão f resca como se t ivesse s ido arrancada ontem mesmo. Ele

e James sempre colhiam esse t ipo de noz da f loresta no outono para seus jogos escolares

de conkers*, mas ele nunca t inha visto uma tão grande e arredondada como essa.

“Olha só agora,” disse Paul, surpreso. “Você tem um amigo. Trazendo a você um

presente de Natal extra.”

“Uma oferenda de paz, talvez,” disse Frank Dawson atrás deles sem nenhum traço

de expressão em sua profunda voz de Buckinghamshire. “E mais uma vez, ta lvez não.

Fel iz Natal, rapazes. Aprovei tem seu jantar.” E os Antigos Escolhidos se foram, subindo

a est rada.

Will pegou a noz. “Bem, eu nunca . . .” disse e le. Eles fecharam o portão da igreja,

derrubando uma chuva de neve de suas barras de ferro. Da esquina v ieram os rugidos

abafados de uma motocicleta enquanto o pároco tentava trazer sua montaria de volta à

vida. Então, alguns pés a f rente deles na neve pisoteada, a gralha desceu novamente. Ela

andou para trás e para f rente irresolutamente e olhou para Will.

“Caark,” ela disse, mui to gent ilmente, para uma gralha. “Caaark, caark, caark.”

Então ela caminhou alguns passos em frente até a cerca do terreno da igreja, saltou de

novo para dentro do terreno, e and ou de volta alguns passos como antes. Dif icilmente o

convite poderia ter s ido mais óbvio. “Caark,” disse a gralha novamente, mais alto . Os

ouvidos de um Antigo Escolhido sabiam que aves não falam com a precisão das palavras;

ao invés disso elas comunicam emoção. Há muitos tipos e graus de emoção, e há mui tos

tipos de expressão mesmo na linguagem de uma ave. Mas apesar disso Wil l poderia dizer

que a gralha estava obviamente pedindo a ele para i r olhar alguma coisa, ele não podia

dizer se a ave es tava sendo usada pelo Escuro ou não.

Ele fez uma pausa, pensando no que as gralhas t inham feito; então ele mexeu a

brilhante noz marrom em sua mão. “Tudo bem, ave,” ele disse. “Uma olhada rápida.”

Ele voltou através do portão, e a gralha, chiando como uma velha por ta

balançando, caminhou desajeitada na f rente dele subindo pelo caminho até a igreja e

dobrando a esquina. Paul observou, sorrindo. Então de repente ele viu Will f icar rígido

quando chegou na esquina; desaparecer por um momento, e então reaparecer.

* Conkers é o nome de um jogo no qual crianças usam as nozes de uma árvore chamada horse-chestnut(aesculus).

95

"Paul! Venha depressa! Tem um homem na neve!”

Paul chamou o pároco, que t inha começado a empurrar sua moto subindo a est rada

para dar a part ida nela de lá, e juntos eles vieram correndo. Will estava curvado sobre

uma f igura encolhida, caída no ângulo entre a pa rede da igreja e a to rre; não havia

movimento algum, e a neve já tinha coberto as roupas do homem com cerca de meia

polegada de espessura com seus f locos suaves e f rios. O Sr. Beaumont afastou Will para

o lado gentilmente e se ajoelhou, vi rando a cabeça do homem e procurando senti r seu

pulso.

“Ele está vivo, graças a Deus, mas muito f rio . O pulso não está muito bom. Ele

deve ter estado aqui tempo o bastante para a maioria dos homens morrer de exposição . . .

o lhem para a neve! Vamos levá - lo para dentro.”

“Na igreja?”

“Bem, é claro.”

“Vamos levá- lo para nossa casa,” disse Paul impulsivamente. “É logo dobrando a

esquina, af inal de contas. É quente, e muito melhor, pelo menos até que uma ambulância

ou algo ass im possa vir.”

“Uma idéia maravilhosa,” disse o Sr . Beaumont calorosamente. “Sua boa mãe é

uma Samaritana, eu sei. Até que o Dr. Armstrong possa ser chamado.. . certamente não

podemos deixar o pobre sujeito aqui . Não acho que tenha osso quebrado. Problema no

coração, provavelmente.” Ele enf iou suas pesadas luvas sob a cabeça do homem para

evitar seu contato com a neve, e Will viu o rosto pela primeira vez.

Ele disse assustado, “É o Andarilho!”

Eles vi raram para ele. “Quem?”

“Um velho mendigo que perambula por aí. . . Paul, não podemos levá - lo para casa.

Não podemos levá-lo para o consul tór io do Dr. Armstrong?”

“No meio disso?” Paul balançou uma das mãos para o céu que escurecia; a neve

girava ao redor deles, mais espessa novamente, e o vento es tava mais forte.

“Mas não podemos levá -lo conosco! Não o Andar ilho. Ele vai t razer de volta o . . .”

Ele parou de repente, no meio de um ganido. “Oh,” ele falou desanimado. “É claro, vocês

não conseguem lembrar, conseguem?”

“Não se preocupe, Wil l, sua mãe não vai se importar . Um pobre homem no

extremo.. .”. O Sr. Beaumo nt agora es tava com pressa. Ele e Paul carregaram o Andarilho

até o portão, como um amontoado de roupas velhas. Ele f inalmente conseguiu dar partida

na motocicleta, e eles colocaram a forma inerte nela de algum jeito; então meio

dirigindo, meio empurrando, o estranho pequeno grupo seguiu seu caminho até a casa dos

Stantons.

Will olhou para trás uma ou duas vezes, mas a gralha não podia ser vista em lugar

algum.

“Bem, bem,” disse Max fastidioso, enquanto descia à sala de jantar. “Agora eu

realmente encontrei um homem velho sujo.”

96

“Ele fedia,” disse Bárbara.

“Você diz isso a mim. Papai e eu demos um banho nele. Meu Deus, você dever ia

ter visto e le. Bem, não, não deveria ter vis to. Coloque o seu jantar de Natal. De qualquer

modo, agora ele está tão l impo quanto um bebê recém nascido. Papai até lavou seu

cabelo e sua barba. E Mamãe queimou suas horríveis roupas velhas, quando teve cer teza

de que não tinha nada val ioso nelas.”

“Sem muito perigo disso, eu diria ,” disse Gwen, em seu caminho vindo da

cozinha. “Aqui, mexa seu braço, esse prato está quente.”

“Deveríamos trancar toda a prata,” falou James.

“Que prata?” disse Mary murchando.

“Bem, as jóias da Mamãe então. E os presentes de Natal. Mendigos sempre roubam

coisas.”

“Esse não vai roubar muito por a lgu m tempo,” disse o Sr. Stanton, indo para seu

lugar na cabeceira da mesa com uma garrafa de vinho e um saca -rolha. “Ele es tá doente.

E dormindo profundamente agora, roncando como um camelo.”

“Você já ouviu um camelo roncar?” disse Mary.

“Sim,” disse o pai dela. “E montei um. Não importa. Quando o doutor virá, Max?

É uma pena interromper o jantar dele, pobre homem.”

“Não interrompemos,” disse Max. “Ele está fora cuidando de um bebê, e eles não

sabem quando ele estará de volta. A mulher es tava esperando gêm eos.”'

“Oh, Deus.”

“Bem, o velho rapaz deve estar bem se está dormindo. Só precisa descansar, eu

espero. Embora eu deva dizer que ele pareceu um pouco delirante, com toda aquela

conversa est ranha que soltou.”

Gwen e Bárbara trouxeram mais pratos de vege tais. Na cozinha a mãe deles estava

fazendo barulhos impressionantes com o forno. “Que conversa es tranha?” disse Wil l.

“Sabe Deus,” disse Robin. “Foi quando o levantamos pela primeira vez. Pareceu

uma linguagem desconhecida ao ouvido humano. Talvez ele ve nha de Marte.”

“Eu só gostar ia que viesse,” disse Will. “Então poderíamos mandá - lo de volta.”

Mas um gr ito de aprovação tinha surgido de sua mãe, curvada sobre o lust roso

peru marrom, e ninguém o escutou. Eles ligaram o rádio na cozinha enquanto estavam se

lavando.

“Neve pesada está caindo novamente sobre o Sul e Oeste da Inglaterra,” disse a

voz impessoal. “A tempestade que esteve castigando por doze horas o Mar do Norte

ainda es tá imobilizando toda a navegação nas costas ao Sudoeste. As docas de Londr es

fecharam essa manhã, devido às quedas de força e dif iculdades de transporte causadas

pela neve pesada e temperaturas se aproximando a zero. Montes de neve bloqueando

estradas isolaram vilarejos em muitas áreas remotas, e a Bri tish Rail* es tá enfrentando

numerosas falhas elé tricas e pequenos descarri lamentos causados pela neve. Um porta -

* British Rail: foi uma companhia ferroviária controlada pelo Estado Grã-Bretanha criada a 1 de Janeiro de 1948 resultante da fusão

dos "quatro grandes": LNER, LMS, GWR e SR.

97

voz disse essa manhã que o público está aconselhado a não viajar de trem exceto em

casos de emergência.”

Houve um som apressado de papel. A voz continuou: “Não é esperado que as

estranhas tempestades que têm cast igado intermitentemente o Sul da Inglaterra nos

últimos dias diminuam até depois do feriado de Natal, o Departamento Metereológico

disse essa manhã. A falta de combust ível tem piorado no Sudoeste, e tem sido solici tado

às pessoas em casas que não usem qualquer forma de aquecimento elétrico entre os

horários de nove da manhã e meio -dia , ou três e seis da tarde.”

“Pobre velho Max,” disse Gwen. “Sem trens. Talvez ele possa pedir carona.”

“Escutem, escutem!”

“Um porta-voz da Associação de Automóveis disse hoje que viajar pelas estradas

no momento era extremamente não recomendado em todas as estradas exceto nas auto -

estradas principais. Ele adicionou que motoristas presos em fortes tempestades de neve

deveriam, se possível, permanecer com seus veículos até que a neve pare. A não ser que

um motorista tenha certeza de sua localização e saiba que pode obter ajuda dentro de dez

minutos, o porta-voz disse, e le não dever ia de forma alguma deixar seu carro.”'

A voz continuou, entre exclamações e chiados, mas Will se afas tou; ele tinha

ouvido o bastante. Essas tempestades não poderiam ser eliminadas pelos Antigos

Escolhidos sem o poder de todo o círculo dos Signos , e ao enviar as tempestades, o

Escuro esperava impedi -lo de completar o círculo. Ele estava encurralado; o Escuro

estava espalhando sua sombra não apenas sobre sua busca mas sobre o mundo comum

também. A parti r do momento em que o Cavalei ro tinha invadido seu aconchegante Natal

naquela manhã, Will t inha observado os pe rigos crescerem; mas ele não tinha antecipado

esta ameaça tão ampla. Por dias agora, ele esteve muito envolvido em seus próprios

perigos para notar aqueles do mundo do lado de fora. Mas agora tantas pessoas estavam

ameaçadas pela neve e pelo f rio: os muito jovens, os muito velhos, os f racos, os

doentes. . . O Andari lho não terá um doutor essa noite, isso é certo, ele pensou. Ainda

bem que ele não es tá morrendo. . .

O Andarilho. Porque ele es tava aqui? Tinha que ter algum signif icado por trás

disso. Talvez ele estivesse apenas vagando por suas próprias razões, e tivesse sido

derrubado pelo ataque do Escuro na igreja. Mas se foi assim, porque ter ia a gralha, uma

agente do Escuro, trazido Will para salvá - lo de congelar a té a morte? Quem era o

Andarilho, af inal de contas? Porque poderiam todos os poderes do Gramarye não dizerem

completamente nada sobre o velho homem?

Havia coros natalinos no rádio novamente. Will pensou amargamente: Fel iz Natal,

mundo.

Seu pai, ao passar, bateu - lhe nas costas. “Anime -se, Will. Isso deve parar essa

noite, você estará descendo no tobogã amanhã. Vamos lá, hora de abr ir o resto dos

presentes. Se deixarmos Mary esperando mais tempo ela explodirá.”

Will foi juntar -se à sua alegre e barulhenta família. De volta para a brilhante e

aconchegante caverna da comprida sala com o fogo e a árvore cint ilante, era o intocável

Natal por um momento, do jeitinho que sempre tinha sido. E sua mãe, pai e Max tinham

se unido para dar a e le uma nova bicicleta, com guidão de corrida e onze catracas de

velocidades.

Will nunca esteve completamente certo se o que tinha acontecido naquela noite foi

um sonho.

98

Na parte mais escura da noite, nas pequenas horas f rias que são as primeiras do

dia seguinte, ele acordou, e Merriman estava al i . Ele estava parado altivo ao lado da

cama em uma luz f raca que parecia vir de dentro de sua própria forma; sua face estava

sombreada, inescrutável.

“Acorde, Will. Acorde. Há uma cerimônia que devemos atender.”

Em um instante Will estava de pé; ele descobriu que estava completame nte

vestido, com os Signos no cinto ao redor de sua cintura. Foi até a janela com Merriman.

Ela estava cheia de neve até a metade de sua altura, e os f locos ainda estavam caindo

calmamente. Ele falou, repent inamente desolado, “Não há nada que possamos faze r para

parar isso? Eles estão congelando metade do país, Merriman; pessoas morrerão.”

Merriman balançou sua cabeça de juba branca lentamente, pesadamente. “O

Escuro tem seu poder mais forte de toda a ascensão entre agora e o décimo segundo dia.

Essa é a preparação deles. A deles é uma força f ria, o inverno a al imenta. Eles a lmejam

quebrar o Círculo para sempre, antes que seja tarde demais para eles. Todos deveremos

encarar um duro teste em breve. Mas nem todas as coisas ocorrem de acordo com a

vontade deles. Muita magia ainda f lui intocad a, pelos Caminhos dos Antigos Escolhidos.

E deveremos encontrar mais esperança em um momento. Venha.”

A janela em frente a e les se abriu, para fora, dispersando toda a neve. Um fraco

caminho luminoso como uma larga faixa j azia em frente, es tendendo -se dentro do ar

manchado de neve; olhando para baixo, Will podia ver através dele, ver os contornos dos

telhados cobertos de neve, cercas e árvores abaixo. Ainda assim o caminho também era

substancial. Com um passo largo Merriman tinha alcançado ele através da janela e es tava

se afastando em grande velocidade com um sobrenatural movimento deslizante,

desaparecendo dentro da noite. Will saltou atrás dele, e o est ranho caminho também o

levou at ravés da noite, com nenhuma sensação de velocidade ou f rio . A noite ao redor

dele estava negra e espessa; nada podia ser visto exceto o reluzir do tênue caminho dos

Antigos Escolhidos. E então de repente eles estavam em alguma bolha do Tempo,

f lutuando, balançando no vento como Will t inha apren dido com sua águia do Livro de

Gramarye.

“Observe .” disse Merr iman, e sua capa enrolou -se ao redor de Will como que em

proteção.

Will viu o céu escuro, ou em sua própria mente, um grupo de grandes árvores, sem

folhas, erguendo-se sobre uma sebe sem folhas, gelada mas sem neve. Ele escutou uma

estranha, leve música, um eco alto acompanhado de uma pequena batida constante de um

tambor, tocando de novo e de novo uma simples melodia melancólica. Saindo do escuro

profundo e entrando no fantasmagórico jardim de árvores uma procissão surgiu.

Era uma procissão de rapazes, com roupas de algum tempo distante no passado,

túnicas e calças rústicas; eles tinham cabelos até os ombros e gorros semelhantes a sacos

de uma forma que ele jamais t inha visto antes. Eles eram mais velhos do que ele: com

cerca de quinze, e le achava. Eles t inham a expressão meio solene de jogadores em um

jogo de charadas, mesclando um sér io objetivo com efervescente senso de alegria. Na

frente vieram rapazes com cajados e fardos de ramos; atrás v inham os tocadores de f lauta

e tambor. Entre esses, seis rapazes carregavam um t ipo de plataforma fei ta de juncos e

galhos unidos por trançado, com um punhado de azevinho em cada canto. Era como uma

lite ira, pensou Wil l, exceto que eles a es tavam segurando na altura do ombro. A

princípio ele pensou que não era mais do que isso, e vazia; então ele viu que ela

carregava algo. Algo muito pequeno. Sobre uma almofada de folhas de hera no centro da

99

plataforma trançada estava o corpo de uma pequena ave: uma ave ma rrom, de bico curto.

Era uma Carr iça.

A voz de Merriman disse suavemente sobre a sua cabeça, saída das trevas: “É a

caça da Carriça, realizada todo ano desde que o homem consegue lembrar, no solstíc io.

Mas esse é um ano em particular, e devemos ver mais, se tudo estiver bem. Tenha

esperança em seu coração, Will, que possamos ver mais.”

E enquanto os rapazes e sua música tris te se moviam através das árvores e ainda

ass im não pareciam passar, Wil l viu perdendo seu fôlego que ao invés do pequeno

pássaro, est ava crescendo o turvo contorno de uma forma diferente sobre a plataforma. A

mão de Merriman agarrou seu ombro como um torno de aço, ainda que o grande homem

não emit isse nenhum som. Deitad a na cama de hera entre os quatro maços de azevinho

agora não estava mais um pequeno pássaro, mas uma pequena mulher de ossos f inos,

muito velha, del icada como uma ave, vestida em azul. As mãos es tavam dobradas sobre o

peito , e em um dedo brilhava um anel com uma grande pedra cor de rosa. No mesmo

instante Wil l viu o rosto , e soube que era a Senhora. Ele gritou de dor, “Mas você disse

que ela não estava morta!”

“Não está mais,” disse Merriman.

Os rapazes caminharam com sua música, a plataforma com a forma s i lenciosa

deitada al i se aproximou, e então afastou -se, desaparecendo com a procissão dentro da

noite, e a ecoante melodia triste e as batidas de tambor diminuíram atrás dela. Mas bem

no f inalzinho do desaparecimento, os três rapazes que estiveram tocando f izeram uma

pausa, abaixaram seus instrumentos, e vi raram para f ic ar olhando sem expressão para

Will.

Um deles disse: “Will Stanton, cuidado com a neve!”

O segundo disse: “A Senhora retornará, mas o Escuro está se erguendo.”

O terceiro, em um rápido tom de canção, cantou algo que Will reconheceu tão

logo começou:

“When the Dark comes rising, six shall turn it back;

Three from the circle, three from the track.

Wood, bronze, iron; water, f i re, stone;

Five wi ll return, and one go alone.”

Mas o rapaz não terminou ali , como Merriman tinha feito . Ele continuou…

“Iron for the birthday, bronze carried long;

Wood from the burning, stone out of song;

Fire in the candle-ring, water from the thaw;

Six signs the circle, and the grail gone before.”

Então um vento forte surgiu do nada, e em uma lufada de f locos de neve e

escuridão os rapazes haviam sumido, girando para longe, e Will também sentiu que

estava girando para trás, de volta at ravés do Tempo, de volta pelo br ilhante caminho dos

Antigos Escolhidos. A neve bateu em seu rosto. A noite estava em seus olhos, cegante.

Fora da escur idão ele ouviu Merriman chamando por ele, com urgência, mas com uma

nova esperança e ressonância em sua voz profunda: “O perigo se ergue com a neve, Wil l .

Seja cuidadoso com a neve. Siga os Signos, tenha cuidado com a neve. . .”

100

E Will estava de volta ao seu quar to, de volta em sua cama, caindo no sono com

aquela f rase ameaçadora ressoando em sua cabeça como o repicar do mais profundo sino

da igreja sobre a neve que se acumulava. “Tenha cuidado. . . tenha cuidado. . .”

101

arte Três: O Teste

chegada do Frio

No dia seguinte a neve ainda caía, o dia todo. E no dia seguinte também.

“Realmente queria que isso parasse,” disse Mary infel iz, olhando as cegas janelas

brancas. “É horrível o modo como isso simplesmente continua e cont inua . Eu odeio

isso.”

“Não seja es túpida ,” falou James. “É apenas uma tempestade muito longa. Não

precisa f icar histérica.”

“Essa é diferente. É assustadora.”

“Tolice. É apenas um monte de neve.”

“Ninguém nuca viu tanta neve antes. Olhem como ela está alta – você não poderia

sair pela porta de trás se não es tivéssemos ret irando ela desde que começou a cai r.

Seremos enterrados, é isso mesmo. Está nos espremendo – já quebrou até uma janela na

cozinha, sabiam disso?”

Will disse rapidamente, “O quê?”

“A pequena janela nos fundos, pe rto do fogão. Gwennie desceu essa manhã e a

cozinha estava f ria como gelo, com neve e pedaços de vidro naquele canto. A neve

empurrou a janela para dentro, o peso dela.”

James suspirou bem alto . “O peso não está aper tando. A neve é a tirada pelo vento

dire to naquele lado da casa, isso é tudo.”

“Não me importo com o que você diz, isso é horrível. Como se a neve estivesse

tentando entrar. ” Ela pareceu estar perto das lágr imas.

“Vamos ver se o An.. . o velho mendigo já acordou,” disse Wil l. Era hora de parar

Mary antes que ela chegasse per to demais da verdade. Quantas outras pessoas no país

estariam f icando assustadas desse je i to por causa da neve? Ele pensou furiosamente no

Escuro, e desejou saber o que fazer.

O Andarilho tinha dormido através do dia anter io r, dif icilmente se mexendo

exceto por ocasionais resmungos sem sentido, e uma ou duas vezes um pequeno gr ito

rouco. Will e Mary subiram até o quarto dele agora carregando uma bandeja, com cereal,

torrada, leite e marmelada. “Bom dia!” disse Will al to e cla ro assim que eles entraram.

“Você gostaria de um café da manhã?”

O Andarilho abriu um olho levemente e olhou para eles at ravés de seu cabelo

cinza desgrenhado, mais longo e rebelde do que nunca agora que estava limpo. Will

segurou a bandeja em direção a e le.

“Bah!” o Andari lho resmungou. Foi um barulho como o de cuspir. Mary disse,

“Bem!”

102

“Você quer alguma outra coisa ao invés disso, então?” falou Wil l. “Ou

simplesmente não está com fome?”

“Mel,” o Andarilho disse.

“Mel?”

“Mel e pão. Mel e pão. Mel e . . .”

“Tudo bem,” disse Will. Eles levaram a bandeja embora.

“Ele nem ao menos disse por favor,” falou Mary. “Ele é um velho desagradável.

Não vou mais chegar perto dele.”

“Fique à vontade,” disse Will. Deixado o sozinho, ele encontrou uma jarra de mel

no fundo da despensa, um tanto cris talina nas bordas, e o espalhou generosamente em

três pedaços de pão. Ele os levou, junto com um copo de leite, para o Andarilho que

sentou na cama com voracidade e engoliu tudo. Quando estava comendo, ele não era uma

visão agradável.

“Bom,” disse ele. Tentou t irar um pouco de mel de sua barba e lambeu a costa de

sua mão, olhando para Will. “Ainda nevando? Ainda caindo, não está?”

“O que você es tava fazendo lá fora na neve?”

“Nada,” o Andarilho falou de repente. “Não lemb ro.” Seus olhos se est reitaram

astutamente, e ele apontou para sua testa e disse em um tris te choramingo, “Bati minha

cabeça.”

“Você lembra onde nós o encontramos?”

“Não.”

“Você lembra quem eu sou?”

Muito prontamente ele balançou sua cabeça. “Não.”

Wi l l falou de novo suavemente, dessa vez na Língua Antiga, “Você lembra quem

eu sou?”

O rosto desgrenhado do Andarilho es tava inexpressivo. Will começou a achar que

talvez ele realmente t ivesse perdido sua memória. Curvou-se sobre a cama para pegar a

bandeja com seu prato e copo vazios, e subitamente o Andarilho soltou um grito agudo e

se afas tou dele, encolhendo -se no lado mais distante da cama. “Não!” ele guinchou.

“Não! Vá embora! Leve eles para longe!”

Com olhos arregalados e aterrorizados, estava olhan do para Will com repugnância.

Por um momento Wil l f icou confuso; então percebeu que seu suéter t inha levantado

quando esticou seu braço, e o Andarilho tinha visto os quatro Signos em seu cinto.

“Leve -os para longe!” o homem velho rugiu. “Eles queimam! Afa ste-os!”

Um pouco demais para memória perdida, pensou Wil l. Ele ouviu pés af litos

subindo as escadas, e saiu do quarto. Porque o Andarilho f icar ia assustado com os

Grandes Signos, quando ele mesmo tinha carregado um deles por tanto tempo?

103

Seus pais estavam sér ios. As notícias no rádio f icavam piores e piores enquanto o

f rio tomava conta do país e uma rest rição seguia outra. Em todos os regist ros de

temperatura a Inglaterra nunca tinha f icado tão f ria; rios que nunca tinham congelado

antes es tavam tão sólidos quanto gelo , e cada porto em toda a costa es tava congelado. As

pessoas podiam fazer pouco mais do que esperar que a neve parasse; mas a neve

continuava caindo.

Eles levam uma inquieta vida enclausurada – “como homens da caverna no

inverno”, disse o Sr . Stanton – e foi para cama cedo para economizar o fogo e

combustível. O Dia do Ano Novo veio e passou e mal foi notado.

O Andarilho deitou na cama atormentado, resmungando e se recusou a comer

qualquer coisa a não ser pão e leite, que agora era leite enl atado, diluído em água. A Sra.

Stanton disse gentilmente que ele estava recuperando suas forças, pobre homem. Will

f icou longe. Ele estava f icando cada vez mais desesperado enquanto o f rio apertava e a

neve cont inuava descendo e descendo; ele sentiu que se não saísse logo da casa

descobriria que o Escuro o tinha enclausurado para sempre. No f inal, a sua mãe lhe deu

uma saída. Ela f icou sem farinha, açúcar, e le ite enlatado.

“Sei que ninguém deveria sair da casa exceto em uma emergência,” ela disse

ansiosamente, “mas essa realmente conta como uma. Realmente precisamos de coisas

para comer.”

Os rapazes levaram duas horas para abrir um caminho at ravés da neve no seu

próprio jardim até a es trada, onde uma espécie de túnel sem telhado, da largura de uma

raspadora de neve, tinha sido mantido limpo. O Sr. Stanton tinha anunciado que apenas

ele e Robin deveriam ir até o vilarejo, mas durante as duas horas Wil l, ofegando e

cavando, implorou por permissão para ir também, e no f inal a res istência de seu pai

estava tão enfraquecida que ele concordou.

Eles usavam cachecóis sobre os ouvidos, pesadas luvas, e t rês suéteres cada um

sob seus casacos. Eles pegaram uma tocha. Era no mei o da manhã, mas a neve es tava

caindo tão inexoravelmente como nunca, e ninguém sabia quando eles podiam voltar para

casa. Do corte íngreme na estrada do vilarejo, pequenos caminhos irregulares t inham

sido pisoteados e feitos para as poucas lojas e a maioria das casas centrais; eles podiam

ver pelas pegadas que alguém tinha trazido cavalos vindo da Fazenda Dawsons para

ajudar a cavar um caminho até as casas de pessoas como a Sr ta. Bell e a Sra. Horniman,

que nunca poderiam ter feito isso para elas mesmas. Na loja do vilarejo, O pequenino cão

da Sra. Pettigrew estava enrolado em um contraído amont oado cinza em um canto,

parecendo mais f raco e infeliz do que nunca; o f ilho gordo da Sra. Pettigrew, Fred, que

ajudou a tocar a loja, t inha deslocado seu pulso ao cair na neve e t inha um braço em uma

tipóia, e a Sra. Pettigrew estava em um estado. Ela tre mia e se agitava de nervosismo,

derrubava coisas, procurava por açúcar e farinha sempre nos lugares errados e não

encontrava nenhum deles, e no f inal sentava de repente em uma cadeira, como uma

marionete solta de seus f ios, e explodia em lágrimas.

“Oh,” e la soluçava, “Sinto mui to, Sr. Stanton, é essa neve terrível. Estou tão

assustada, não sei. . . Tenho esses sonhos de que nós f icávamos isolados, e ninguém sabia

onde estávamos. . .”

“Nós já es tamos isolados,” disse o seu f ilho lugubremente . “Nem um carro passou

pelo vilarejo por uma semana. E nenhum suprimento, e todos es tão fugindo . Não há

manteiga, e nem mesmo nenhum leite em lata. E a farinha não vai durar muito; só tem

mais cinco sacos depois desse aqui.”

104

“E ninguém com um pouco de gasolina,” a Sra. Pet t igrew fungou. “E o pobre bebê

Randall doente com febre, a pobre Sra. Randall sem um pedaço de carvão, e só Deus sabe

quantos mais . . .”

A campainha da loja soou quando a porta se abriu, e no hábito automático do

vilarejo, todos se viraram para ver quem tinh a entrado. Um homem muito alto em um

volumoso sobretudo negro, quase uma capa, estava tirando seu largo chapéu de brim

para mostrar um tufo de cabelos brancos; olhos profundos olharam para eles sobre um

feroz nariz em forma de gancho.

“Boa tarde,” disse Merriman.

“Alô,” disse Will, sorr indo, seu mundo iluminou -se de repente.

“Tarde,” disse a Sra. Pettigrew, e sobrou forte seu nariz. Ela disse, abafada pelo

lenço, “Sr. Stanton, você conhece o Sr. Lyon? Ele está na Mansão.”

“Como vai?” disse o pai de Wil l .

“Mordomo da Srta. Greythorne,” disse Merriman, incl inando sua cabeça

respei tosamente. “Até que o Sr. Bates volte do feriado. Isso quer dizer, quando a neve

parar. No momento, é claro, não posso sair, e Bates não pode entrar.”

“Isso nunca vai parar,” l amentou a Sra. Pet tigrew, e e la caiu em lágr imas

novamente.

“Oh, Mamãe,” disse o gordo Fred com desgosto.

“Tenho algumas novidades para você, Sra. Pet tigrew,” disse Merriman em altos

tons suavizadores. “Ouvimos um anúncio na rádio local – nosso telefone está morto, é

claro, como o seu. Haverá o lançamento de combustível e comida no terreno da Mansão,

como o lugar mais facilmente visível do ar nessa neve. E a Srta. Greythorne es tá

perguntando se todos no vilarejo não gostar iam de se mudar para a Mansão, ne ssa

emergência. Será um pouco lotada, é claro, mas quente. E confortadora, talvez. E o Dr.

Armstrong estará lá – ele já está a caminho, eu acredito.”

“Isso é ambicioso,” Sr. Stanton disse ref lexivamente. “Quase feudal, você poderia

dizer.”

Os olhos de Merr iman estreitaram-se levemente. “Mas sem nenhuma intenção

desse tipo.”

“Oh, não, eu sei disso.” As lágrimas da Sra. Pettigrew pararam. “Que idéia

adorável, Sr. Lyon! Oh quer ido, seria um grande alívio estar com outras pessoas,

especialmente à noite.”

“Eu sou outra pessoa,” disse Fred.

“Sim, quer ido, mas. . .”

Fred disse impassível, “Vou pegar a lguns cobertores. E embrulhar algumas coisas

da loja.”

“Isso seria sábio,” disse Merriman. “O rádio diz que a tempestade f icará muito

pior mais esta noite. Então quanto mais cedo todos puderem se reunir, melhor.”

105

“Você gostar ia de alguma ajuda para dizer às pessoas?” Robin começou erguendo

seu colarinho novamente.

“Excelente. Isso ser ia excelente.”

“Todos ajudaremos,” disse o Sr. Stanton.

Will t inha virado para olhar pela janela com a menção da tempestade, mas a neve

descendo do sólido céu cinzento parecia tanto quanto antes. As janelas es tavam tão

embaçadas que era dif ícil ver o lado de fora através delas, mas ele pegou um relance de

algo se movendo do lado de fora. Havia a lguém lá na estrada nevada que cortava at ravés

de Huntercombe Lane. Ele viu claramente só por um segundo, quando a f igura passou

pelo f inal do caminho so ou como Pettigrews, mas um segundo foi tudo que ele precisou

para reconhecer o homem sentado ereto no grande cavalo negro.

“O Cavaleiro passou!” ele disse rápida e claramente na Língua Antiga.

A cabeça de Merriman se inclinou; então ele se recompôs e colocou o chapéu em

sua cabeça ostentosamente. “Ficarei muito agradecido em ter assistência. ”

“O que você disse, Will?” Robin, distraído, estava olhando para seu i rmão.

“Oh, nada.” Will foi até a porta, fazendo uma tremenda algazarra ao abotoar seu

casaco. “Só pensei ter visto alguém.” '

“Mas você disse algo em alguma linguagem engraçada.”

“É claro que não. Eu só disse "Quem é aquele lá fora?" Só que não era mesmo

ninguém.”

Robin ainda estava olhando para ele. “Você falou parecido com aquele velho

mendigo, quando ele estava murmurando no momento em que o colocamos na cama.. .”

Mas ele não costumava gastar tempo em conjecturas; ele balançou sua cabeça prática e

largou o comentário. “Oh, bem.”

Merriman procurou caminhar perto atrás de Will, enquanto es tavam saindo dos

Pettigrews para se espalhar e avisar o resto dos moradores do vilarejo. Ele fal ou

suavemente na Língua Antiga, “Leve o Andarilho para a Mansão se puder . Depressa. Ou

ele o impedirá de sair. Mas você deverá ter um pouco de problema com o orgulho de seu

pai.”

Na hora em que os Stantons chegaram em casa, depois de sua esforçada viagem no

vilarejo, Will quase tinha esquecido o que Merriman falou sobre o seu pai. Ele estava

ocupado demais tentando imaginar um meio com o qual eles pudessem levar o Andari lho

até a Mansão sem ter que carregá -lo. Ele só lembrou quando ouviu o Sr. Stanton fala ndo

na cozinha, enquanto eles ti ravam seus casacos e entregavam seus suprimentos.

“. . .a velha garota fez mui to bem, ter todo mundo lá dentro. É claro que eles têm o

espaço, e o fogo, e aquelas paredes antigas são tão espessas que elas mantêm o f rio do

lado de fora melhor do que as de ninguém. É a melhor coisa para as pessoas das casas

pequenas – a pobre Srta. Bell não teria durado tanto tempo.. . Ainda assim, é claro, nós

estamos muito bem aqui. Independentes. Não há motivo para se juntar à multidão na

Mansão.”

“Oh, Pai,” disse Will impuls ivamente, “não acha que devemos ir também?”

106

“Eu acho que não,” disse o seu pai, com a preguiçosa confiança que Will sabia

que ser ia mais dif ícil de quebrar do que qualquer fervor.

“Mas o Sr. Lyon disse que o per igo aumen taria mais tarde, porque a tempestade

está f icando pior.”

“Acho que posso fazer meu próprio julgamento do tempo, Will, sem a ajuda do

mordomo da Srta. Greythorne,” disse o Sr. Stanton de modo afável.

“Oh, uau,” disse Max com alegre modo rude. “Seu velho arrogante, escute só

você.”

“Vamos lá, não é o que eu queria dizer.” Seu pai jogou nele um cachecol molhado.

“Sem querer esnobar, muito pelo contrário. Eu simplesmente não vejo qualquer boa razão

para que nosso grupo saia para fazer par te da generosidade da Senhora da Mansão.

Estamos perfeitamente bem aqui.”

“Está certo,” disse a Sra. Stanton vivamente. “Agora fora da cozinha, todos vocês.

Quero fazer um pouco de pão.”

A única esperança, Wil l decidiu, era o próprio Andarilho. Ele escapuliu e subiu as

escadas até o pequeno quarto onde o Andarilho jazia na cama. “Quero falar com você.”

O homem velho virou sua cabeça no travesseiro. “Tudo bem,” ele disse. Ele

parecia mudo e infeliz. De repente Will sentiu muito por dele.

“Você está melhor?” ele disse. “Que ro dizer, você es tá doente de verdade agora,

ou você apenas está sentindo -se f raco?”

“Não estou doente,” o Andarilho falou indiferente. “Não mais do que de costume.”

“Você consegue andar?”

“Você quer me jogar lá fora na neve, é isso?”

“Claro que não,” disse Will. “Mamãe nunca deixar ia você sai r nesse tempo, e nem

eu, não que eu tenha muito a dizer quanto a isso. Eu sou o mais jovem nessa família,

você sabe disso.”

“Você é um Antigo Escolhido,” disse o Andarilho, olhando para ele com aversão.

“Bem, isso é diferente.”

“Não é diferente. Apenas signif ica que não há sentido em falar sobre você mesmo

para mim como se fosse apenas uma pequena criança em uma família. Eu sei muito bem.”

Will falou, “Você foi guardião de um dos Grandes Signos – Não vejo porque você

deveria parecer nos odiar.”

“Eu f iz o que eu fui feito para fazer,” o homem velho disse. “Você me pegou. . .

você me acolheu. . .” Sua tes ta se f ranziu, como se ele estivesse a lembrar de algo de um

longo tempo atrás; então ele f icou vago novamente. “Fu i feito para isso.”

“Bem, olha, não quero obriga - lo a fazer nada, mas tem uma coisa que todos nós

temos que fazer. A neve es tá f icando tão forte que todos no vilarejo estão indo para a

Mansão, como um tipo de albergue, porque será mais seguro e mais quent e.” Enquanto

107

falava ele sentiu como se o Andarilho já soubesse o que ele i ria d izer, mas era

impossível entrar na mente do homem velho; sempre que ele tentava, f icava se

debatendo, como se tivesse entrado no estofamento de uma almofada.

“O doutor estará l á também,” ele disse. “Então se você f izer todos acharem que

você precisava estar em outro lugar com um médico, todos poderíamos ir para a

Mansão.”

“Quer dizer que de outro modo vocês não i rão?” O Andarilho olhou para ele de

modo suspeito .

“Meu pai não vai deixar. Mas temos que ir, é mais seguro. . .”

“Eu também não irei,” disse o Andarilho. Ele vi rou sua cabeça. “Vá embora.

Deixe-me.”

Will falou suavemente, adver tindo -o, na Língua Antiga, “O Escuro virá buscar

você.”

Houve uma pausa. Então mui to lentame nte o Andarilho vi rou sua cabeça cinza

desgrenhada de volta, e Will recuou de horror quando viu o rosto. Por apenas um

momento, sua histór ia estava nua sobre ele. Havia profundidades sem fundo de dor e

terror nos olhos, as linhas de negra experiência estav am marcadas claras e terr íveis ; esse

homem tinha conhecido em algum lugar uma ameaça aterrorizante e angústia tamanha

que nada poderia realmente tocá -lo novamente. Seus olhos estavam bem abertos pela

primeira vez, arregalados, com seu conhecimento do horro r transparecendo.

O Andarilho disse de modo vazio, “O Escuro já veio me buscar.”

Will deu uma respirada profunda. “Mas agora o círculo da Luz surge,” ele disse.

Tirou o cinto com os Signos e o segurou diante do Andarilho. O homem velho se afastou,

contorcendo seu rosto, choramingando como um animal assustado; Wil l se sentiu doente,

mas não havia como evitar isso. Ele levou os Signos mais e mais perto do velho rosto

contorcido, até que, como um pedaço de f io se partindo, o auto -controle do Andarilho se

rompeu. Ele guinchou e começou a balbuciar e se agi tar, gr itando por socorro. Will

correu para fora e chamou seu pai, e metade da família veio correndo.

“Acho que ele está tendo algum tipo de ataque. Terr ível. Não deveríamos levá -lo

para o Dr. Armstrong na Mansão, Pai?”

O Sr. Stanton falou cheio de dúvida, “Poderíamos chamar o doutor aqui, talvez.”

“Mas ele poderia estar mui to melhor lá,” disse a Sra. Stanton, olhando para o

Andarilho preocupada. “O homem velho, quero dizer. Com o doutor observando -o – e

mais conforto e comida. Realmente, i sso é alarmante, Roger. Não sei o que fazer por ele

aqui.”

O pai de Will desist iu. Eles deixaram o Andarilho ainda tossindo e delirando, com

Max perto no caso de acidentes, e foram transformar o grande tobogã da família e m uma

maca móvel. Só uma coisa a tormentava a mente de Will. Tinha que ser sua imaginação,

mas no momento em que o Andarilho tinha deparado com a visão dos Grandes Signos, e

tornou-se um homem velho louco mais uma vez, e le pensou ter visto um f lash de tr iun fo

nos olhos cintilantes.

O céu estava cinza e pesado, esperando para nevar, quando eles foram para a

Mansão com o Andarilho. O Sr. Stanton levou os gêmeos com ele, e Will. Sua esposa

108

observou eles par tirem com incomum nervosismo. “Espero que tenha realme nte acabado.

Você realmente acha que Wil l deveria ir?”

“Às vezes pode ser útil ter alguém leve, nessa neve,” disse seu pai, por sobre os

resmungos de Will. “Ele vai f icar bem.”

“Você não vai f icar lá, vai?”

“É claro que não. O único objetivo do exercíci o é entregar o homem velho ao

doutor. Vamos lá, Alice, isso não combina com você. Não há perigo, você sabe.”

“Suponho que não,” disse a Sra. Stanton,

Eles part iram, arrastando o tobogã, com o Andarilho amarrado a e le tão enro lado

em cobertores que estava invis ível, uma espessa salsicha humana. Will saiu por último;

Gwen entregou a ele as tochas e um frasco. “Devo dizer que não sinto mui to por ver sua

descoberta i r,” disse ela. “Ele me assusta. Parece mais um animal do que um homem

velho.”

Pareceu um longo tempo antes que eles chegassem aos portões da Mansão. O

caminho tinha sido limpo, e pisoteado por muitos pés, e duas bri lhantes lâmpadas de

pressão es tavam penduradas na grande porta, i luminando a f rente da casa. Neve es tava

caindo novamente, e o vento começava a soprar gélido em seus rostos. Antes que a mão

esticada de Robin alcançasse a campainha, Merriman estava abrindo a porta. Ele olhou

primeiro para Will, embora ninguém mais notasse o brilho urgente de seus olhos. “Bem -

vindos,” ele disse.

“Boa noite,” Roger Stanton disse. “Não f icaremos. Estamos bem em casa. Mas tem

um velho camarada aqui que está doente, e ele precisa de um doutor. Por todas as coisas

consideradas, pareceu melhor trazê -lo aqui, do que ter o Dr. Armstrong indo pra lá e pra

cá. Então nós caímos fora antes da tempestade chegar.”

“Ela já está se erguendo,” disse Merriman, observando lá fora. Então ele parou e

ajudou os gêmeos a carregar a forma imóvel embrulhada do Andarilho para dentro da

casa. Na soleira o amontoado de cobertores deb ateu-se convulsivamente, e o Andarilho

podia ser ouvido abafado através de suas cobertas gritando, “Não! Não! Não!”

“O doutor, por favor,” disse Merriman para uma mulher que estava perto, e ela se

afastou depressa. A grande sala vazia onde eles tinham can tado suas músicas natal inas

estava cheia de pessoas agora, quente e alvoroçada, ir reconhecível.

O Dr. Armstrong apareceu, cumprimentando rapidamente por toda parte ; ele era

um pequeno homem agitado com uma franja de monge de cabelo cinza circulando sua

cabeça calva. Os Stantons, como toda Huntercombe, conheciam bem ele; ele tinha curado

todo problema de saúde na família por mais anos do que Will t inha vivido. Ele olhou

para o Andarilho, agora se contorcendo e resmungando em protesto. “O que é isso,

hein?”

“Choque, talvez?” disse Merriman.

“Ele realmente se comporta muito estranhamente,” disse o Sr. Stanton. “Ele foi

encontrado inconsciente na neve alguns dias a trás, e pensamos que ele estava se

recuperando, mas agora. . .”

A grande porta da f rente bateu fechando-se com o vento que aumentava, e o

Andarilho gri tou. “Hum,” disse o doutor, e fez sinal para que dois grandes jovens

109

ajudantes o carregassem para alguma sala inter ior. “Deixem ele comigo,” ele disse

alegremente. “Nó máximo, nós temos uma perna quebra da e dois tornozelos deslocados.

Ele fornecerá algo de diferente.”

Ele foi saltando atrás de seu paciente. O pai de Will virou para olhar at ravés de

uma janela que escurecia. “Minha esposa vai começar a se preocupar,” disse ele.

“Devemos ir. ”

Merriman fa lou gentilmente, “Se vocês forem agora, acho que partirão mas não

vão chegar. Provavelmente em pouco tempo . . .”

“O Escuro está se erguendo, vocês percebem,” disse Will.

Seu pai olhou para e le com um meio sorriso. “De repente você está tão poético.

Muito bem, esperaremos só um pouquinho. Eu poderia tomar um pouco de fôlego, para

dizer a verdade. Enquanto isso é melhor dizer olá para a Srta. Greythorne. Onde ela está,

Lyon?”

Merriman, o respei toso mordomo, mostrou o caminho pela multidão. Era a reunião

mais est ranha que Will já t inha vis to. De repente metade do vi larejo estava vivendo em

próxima intimidade, uma pequena colônia de camas, malas e cobertores. Pessoas os

saudaram de pequenos ninhos espalhados por toda a grande sala: uma cama ou colchão

enf iado em um canto ou atravessado por uma cadeira o duas. Srta. Bell acenou

alegremente de um sofá. Era como um hotel bagunçado com todos acampando no hall de

entrada. A Srta. Greythorne estava sentada f irme e ereta em sua cadeira de rodas ao lado

do fogo, lendo The Phoenix and the Carpet para um silencioso grupo de crianças. Como

todos na sala, ela parecia incomumente brilhante e alegre.

“Engraçado,” disse Wil l, enquanto eles abriam caminho. “As coisas es tão

absolutamente horríveis, e ass im mesmo as pessoas parece m muito mais fe lizes do que o

normal. Olhe para todos eles. Excitados.”

“Eles são Ingleses,” disse Merriman.

“Isso mesmo,” disse o pai de Will. “Esplêndidos na advers idade, tediosos quando

seguros. Nunca contentes, de fato. Somos um grupo estranho. Você não é Inglês, é?” ele

disse subitamente para Merr iman, e Will f icou surpreso em ouvir um leve tom hostil em

sua voz.

“Um mestiço,” falou Merriman genti lmente. “É uma longa his tória.” Seu

profundos olhos brilharam para o Sr. Stanton, e então a Srta. Greyth orne avis tou todos

eles.

“Ah, aí estão vocês! Boa noite, Sr. Stanton, rapazes, como estão? O que vocês

acham disso, hein? Não é uma diversão?” Enquanto ela baixava o livro, o círculo de

crianças se partiu para admiti r os recém chegados, e os gêmeos e seu pai foram

absorvidos pela conversa.

Merriman disse suavemente para Will, na Língua Ant iga, “Olhe dentro do fogo,

pelo tempo que lhe for necessário para t raçar a forma de cada um dos Grandes Signos

com sua mão direita. Olhe dentro do fogo. Torne -o seu amigo. Não mova seus olhos

durante todo esse tempo.”

Pensativo, Will moveu-se para f rente como se fosse se aquecer, e fez como lhe foi

dito . Olhando para as chamas salt itantes do fogo da tora na larei ra, ele correu seus dedos

gentilmente sobre o Signo do Ferro, o Signo do Bronze, o Signo da Madeira, o Signo da

110

Pedra. Ele falou com o fogo, não como ele tinha feito muito tempo atrás, quando

desaf iado a apagá- lo, mas como um Antigo Escolhido, saído do Gramarye. Ele falou a ele

do fogo vermelho no salão do rei, do fogo azul dançando sobre os pântanos, do fogo

amarelo aceso nas colinas para a Beltane* e o Hal loween; do fogo selvagem ** e do need-

f ire*** e do fogo frio do mar; do sol e das estrelas. As chamas saltaram. Seus dedos

atingiram o f inal de sua jornada ao re dor do último Signo. Ele olhou para cima. Ele

olhou, e viu. . . ele viu, não o grande amontoado de pessoas reunidas em uma moderna

sala al ta e com painéis, i luminada por lâmpadas elét ricas, mas a grande sala de pedra

sombreada com velas, com suas tapeçarias penduradas e de alto te lhado arqueado, que

tinha vis to uma vez antes, um mundo atrás. Ele olhou do fogo da tora que era o mesmo

fogo, mas agora ardendo em uma larei ra diferente, e e le viu como antes, vindas do

passado, as duas pesadas cadeiras entalhad as, uma em cada lado da lareira . Na cadeira a

direita sentava Merr iman, encapuzado , e na cadeira da esquerda sentava a f igura que ele

tinha visto pela última vez, nem um dia antes, dei tada em uma plataforma como se

estivesse morta. Ele se curvou rapidament e e ajoelhou-se aos pés da senhora idosa.

“Madame,” ele disse.

Ela tocou seu cabelo genti lmente. “Will.”

“Sinto mui to por ter quebrado o círculo, naquela pr imeira vez,” ele disse . “Você

está. . . bem... agora?”

“Tudo está bem,”' e la disse em sua clara voz suave. “E f icará, se conseguirmos

vencer a última batalha pelos Signos.”

“O que eu devo fazer?”

“Quebrar o poder do f rio . Parar a neve, o f rio e a geada. Liber tar esse país das

garras do Escuro. Tudo com o próximo do círculo, o Si gno do Fogo.”

Will olhou para e la desamparado. “Mas eu não consegui ele. Não sei como.”

“Um signo do fogo você já possui consigo. O outro aguarda. Ao obtê -lo, você

vencerá o f rio . Mas antes disso, nosso próprio círculo de chamas deve ser completado,

esse é um eco do Signo, e para fazer i sso você deve ret irar poder do Escuro.” Ela

apontou para o grande anel de soquetes para velas feito de ferro sobre a mesa, o círculo

dividido por uma cruz. Enquanto ela erguia seu braço, a luz brilhou no anel rosa em sua

mão. O anel de velas exte rior foi completo, doze colunas brancas queimando exatamente

como tinham queimado quando Will esteve na sala pela última vez. Mas os braços em

cruz ainda tinham soquetes vazios; nove furos abertos.

Will olhou para eles infel iz. Essa parte de sua busca o d eixava em desespero.

Nove grandes velas encantadas, saindo do nada. Poder a ser arrancado do Escuro. Um

Signo que ele já possuía, sem saber disso. Outro que ele deveria encontrar sem saber

onde ou como.

“Tenha coragem,” disse a senhora idosa. Sua voz es tava f raca e cansada; quando

Will olhou para e la, viu que ela mesma parecia f raca em seu contorno, como se não fosse

mais do que uma sombra. Ele esticou sua mão preocupado, mas ela afas tou seu braço.

“Ainda não. . . Ainda há um outro tipo de trabalho a ser feito , também.. . Você vê como as

velas queimam, Will.” A voz dela diminuiu, então se fortaleceu . “Elas mostrarão a

você.”

Will olhou para as chamas brilhantes das velas; o alto anel de luz capturou seus

olhos. Enquanto ele olhava, sentiu uma estranh a sensação de balanço, como se o mundo

todo tivesse es tremecido. Ele olhou para cima, e viu. . . e viu, quando ergueu seus olhos,

* Beltane: antigo feriado Celta celebrado por volta de primeiro de Maio. ** Fogo selvagem: resultante de causa natural, como de um

raio, por exemplo. *** Need-fire: superstição da região montanhosa da Escócia. É aceso por pastores para acabar com doenças em

seus rebanhos. Acreditam que para que ele funcione, todos os outros fogos devem ser apagados.

111

que estava de volta à Mansão d o tempo da Srta. Greythorne, do tempo de Will Stanton,

com as paredes com painéis e o m urmúrio de muitas vozes, e uma voz falando em seu

ouvido. Era o Dr. Armstrong.

“. . . perguntando por você,” ele estava dizendo. O Sr. Stanton estava ao lado dele.

O doutor fez uma pausa e olhou est ranhamente para Wil l. “Você está bem, meu jovem?”

“Sim . . . s im, estou bem. Sinto muito. O que foi que você disse?”

“Eu estava dizendo que seu velho amigo mendigo está perguntando por você. "O

sétimo f ilho”, ele colocou isso l iricamente, embora eu não possa dizer como ele sabia

disso.”

“Entretanto eu sou, não sou?” disse Will. “Eu não sabia até outro dia sobre o

pequeno irmão que morreu. Tom.”

Os olhos do Dr. Armstrong se afastaram por um momento.

“Tom,” ele disse. “O primeiro bebê. Eu lembro. Foi algum tempo atrás.” Seu olhar

retornou. “Sim, você é. Assim como s eu pai, para dizer a verdade.”

A cabeça de Will girou ao redor, e ele viu seu pai sorrir. “Você era um sétimo

f ilho, Pai?”

“Certamente,” disse Roger Stanton, seu rosado rosto redondo relembrando.

“Metade da família foi morta no último ano, mas uma vez ho uve doze de nós. Você sabia

disso, não sabia? Uma tribo peculiar, ela era. Sua mã e adorava, ser uma f ilha única.

Ouso dizer que foi por isso que ela teve todos vocês. Apavorante, em sua era super

populada. Sim, você é o sétimo f ilho de um sétimo f ilho . Nós costumávamos brincar com

isso quando você era um bebê. Mas não depois, para evi tar que você tivesse idéias sobre

ter alguma visão, ou seja lá como eles dizem.”

“Ha, ha,” disse Wil l com algum esforço. “Você descobriu o que está errado com o

velho mendigo , Dr. Armstrong?”

“Para dizer a verdade ele me deixou meio confuso,”' disse o doutor. “Ele deveria

tomar um sedativo em seu estado perturbado, mas ele tem o menor pulso e pressão do

sangue que eu já encontrei na vida, então eu não sei. . . Fisicamente não tem nada de

errado com ele, tanto quanto posso afirmar. Provavelmente só es tá com a mente confusa,

como grande parte desses velhos que perambulam . Não que você veja muitos deles nos

dias de hoje. Eles quase desapareceram. De qualquer modo, ele continua gritando para

ver você, Will, então se puder concordar com isso eu o levarei para dentro por um

momento. Ele está bastante inofensivo.”

O Andarilho estava fazendo um bocado de barulho. Ele parou quando viu Will, e

seus olhos se es tre itaram. Seu humor cla ramente havia mudado; ele es tava confiante

novamente, a lineada face tr iangular iluminou -se. Ele olhou por cima do ombro de Will

para o Sr. Stanton e o doutor. “Vão embora,” ele disse.

“Hum,” disse o Dr. Armstrong, mas levou o pai de Will com ele para per to da

porta, dentro do campo de visão mas fora do alcance do ouvido. No pequeno vestiário

que estava servindo como enfermaria, uma outra ocorrência – a perna quebrada – jazia na

cama, mas ele parecia estar dormindo.

“Você não pode me manter aqui,” o Andar ilho sibilou. “O Cavalei ro virá me

buscar.”

112

“Uma vez você f icou com medo do Cavalei ro,” disse Wil l. “Eu vi você. Esqueceu

disso também?”

“Não esqueci nada,” o Andari lho disse desdenhosamente. “Aquele medo se foi.

Ele se foi quando o Signo me deixou. Deixe-me i r, deixe-me ir para o meu povo.” Uma

curiosa formalidade f irme pareceu es tar surgindo em sua fala.

“Seu povo não se importou em deixá - lo para morrer na neve,” disse Will. “De

qualquer modo, não estou mantendo você aqui. Eu só trouxe você ao médico. Você não

pode esperar que ele o deixe sai r no meio de uma tempestade.”

“Então o Cavalei ro virá,” o velho disse. Seus olhos cinti laram, e ele ergueu sua

voz tanto que estava guinchando para todos na sala. “O Cavalei ro virá! O Cavaleiro

virá!”

Will o deixou, enquanto seu pai e o doutor vieram rapidamente até a cama.

“O que foi tudo isso?” disse o Sr. Stanton. O Andarilho, com o doutor curvando -se

sobre ele, t inha caído para trás e entrado em um resmungo furioso novamente.

“Só Deus sabe,” disse Wil l. “Ele es tava apenas falando bobagens. Acho que o Dr.

Armstrong está cer to, ele está um pouco confuso.” Ele olhou por toda a sala, mas não viu

sinal de Merr iman. “O que aconteceu com o Sr. Lyon?”

“Ele está em algum lugar,” seu pai falou vagamente. “Encontre os gêmeos, faria

isso, Will? Vou ver se a tempestade já diminuiu o bastante para nos deixar sair.”

Will f icou na sala a lvoroçada, enquanto pessoas iam e vinham com cober tores e

travessei ros, xícaras de chá, sanduíches da cozinha, pratos vazios voltando novamente.

Ele sent iu-se estranho, deslocado, como se estivesse suspenso no meio desse mundo

preocupado e ainda ass im não f izesse parte dele. Olhou para a grande lareira. Mesmo o

rugido das chamas não conseguia reduzir o uivo do vento do lado de fora , e o chicotear

da neve contra os vidros das janelas.

As chamas saltaram, prendendo os olhos de Will. De algum lugar fora do Tempo,

Merriman disse em sua mente: “Tome cuidado. É verdade. O Cavaleiro virá buscá -lo . Foi

por isso que eu pedi a você para trazê-lo aqui, para um lugar fortalecido pelo Tempo.

Caso contrário o Cavaleiro teria vindo para sua própria casa, e tudo o que vem com o

Cavaleiro também.. .”

“Will !” o imperioso contralto da Sr ta . Greythorne i rrompeu. “Venha aqui!” E Will

olhou de volta dentro do presente, e foi até ela. Ele viu Robin ao lado da cadeira dela, e

Paul se aproximando com uma longa caixa achatada de uma forma familiar em suas

mãos.

“Nós pensamos que poderíamos ter um tipo de concerto até que o vento reduza,”

disse a Srta. Greythorne vivamente. “Todos fazendo um pedacinho. Quer dizer, todos que

aprovarem a idéia. Um concer to, ou seja lá como os Escoceses os chamam.”

Will olhou para o brilho feliz no olho de seu irmão. “E Paul vai tocar aquela sua

velha f lauta que ele gosta tanto. ”

“No tempo apropriado,” disse Paul. “E vocês cantarão.”

“Tudo bem.” Will olhou para Robin.

113

“Eu,” disse Robin, “vou conduzir o aplauso. Haverá mui tos – nós parecemos ser

um vilarejo loucamente talentoso. Sr ta. Bell recitará um poema, três rapazes de Dor ney

têm um grupo de folk* . Dois deles até trouxeram suas guitarras. O Velho Sr. Dewhurst

fará um monólogo, apenas tentem detê -lo. A f ilhinha de alguém quer dançar. Isso não

tem f im.”

“Eu pensei, Will,” disse a Srta. Greythorne, “que talvez você começasse . Se você

simplesmente começasse cantando, você sabe, qualquer coisa que goste, então

gradualmente as pessoas parariam para escutar até que haveria um completo silêncio –

muito melhor do que eu tocando um sino ou algo e dizendo, "Agora todos teremos um

concerto”, você não concorda?”

“Eu suponho que sim,” disse Wil l, embora nada pudesse estar mais distante de sua

mente naquele momento do que a idéia de fazer música. Ele pensou rapidamente, e em

sua mente surgiu uma pequena canção melancólica que o mestre da escola de música

havia transposto para sua voz na escola justamente no período anterior, como uma

experiência. Sentindo -se como um grande ast ro, Will abriu sua boca onde estava, e

começou a cantar.

“White in the moon the long road lies ,

The moon stands b lank above;

White in the moon the long road lies

That leads me from my love.”

“Still hangs the edge without a gust,

S till , stil l the shadows stay ;

My feet upon the moonlit dust

Pursue the ceaseless way.”

A conversação ao redor dele caiu em silêncio. El e viu rostos virados em sua

direção, e quase errou uma nota ao reconhecer alguns que ele esperava ver, mas não

tinha encontrado antes. Lá es tavam eles, mantendo -se quietos ao fundo; Fazendeiro

Dawson, Velho George, John Smith e sua esposa, os Antigos Escol hidos prontos

novamente para fazer o seu círculo se assim fosse necessário. Perto estava o res to da

família Dawson, o pai de Will junto a eles.

“The world is round, so travellers tel l ,

And straight though reach the track,

Trudge on, trudge on, ' twil l all be well,

The way will guide one back.”

Com o canto de um olho ele viu, com um choque, a f igura do Andarilho; com um

cobertor enrolado em torno dele como uma capa, o velho es tava de pé na porta da

pequena enfermaria, escutando. Por um instante Wil l viu s eu rosto, e estava admirado.

Toda a diss imulação e terror tinha desaparecido daquele triângulo cheio de linhas; havia

apenas t ris teza, e desesperançosa espera. Havia até um reluzir de lágr imas nos olhos. Era

o rosto de um homem mostrando algo imensamente p recioso que tinha perdido.

Por um segundo, Will sent iu que com sua música poderia levar o Andari lho para

dentro da Luz. Olhou para e le enquanto cantava, fazendo das notas melancólicas um

apelo, e o Andarilho f icou mole e infeliz, olhando de vo lta.

“But ere the circle homeward hies

Far, far must it remove;

White in the moon the long road lies

* Folk: gênero de música à capela originada de escravos negros nos Estados Unidos que influenciou no desenvolvimento de outros

gêneros da música popular (especialmente a soul music).

114

That leads me from my love.”

A sala havia se acalmado dramaticamente enquanto ele cantava, e o claro soprano

dos rapazes que sempre pareceu pertencer a um est ranho elevou-se al to e remoto através

do ar. Agora havia um pequeno silêncio, a única parte da performance que realmente

signif icava algo para ele, e em seguida um monte de palmas. Will as ouviu de uma longa

distância. Srta. Greythorne chamou todos, “Nós p ensamos, para passar o tempo, que cada

um que sent ir vontade poderia fazer um pequeno entretenimento”. Para distrai r da a

tempestade. Quem gostar ia de participar?”

Houve um alegre som de vozes, e Paul começou a tocar a velha f lauta da Mansão,

muito suave e baixo. Sua gent il doçura encheu a sala, e Wil l f icou mais conf iante

enquanto ouvia e pensava na Luz. Mas no momento seguinte a música não conseguiu

mais lhe dar força. Ele nem conseguia ouví -la. Seu cabelo se er içou, seus ossos doeram;

ele soube que algo , alguém estava se aproximando, desejando desgraça para a Mansão e

todos dentro dela, e acima de tudo para ele.

O vento aumentou. Ele guinchou na janela. Houve um tremendo som de uma batida

na porta. Do outro lado da sala, o Andarilho deu um pulo, seu ros to estava contorcido

novamente, tenso com a espera. Paul tocava, sem escutar. A batida forte veio de novo.

Nenhum deles conseguia ouvir, Will percebeu de repente; embora o vento estivesse quase

o ensurdecendo, não era para os ouvidos deles, nem eles saberi am o que estava

acontecendo agora. A batida soou uma terceira vez, e ele soube que t inha que responder.

Ele caminhou através das pessoas distraídas a té a porta, segurou o grande círculo de

ferro que era a maçaneta, murmurou algumas palavras sob a sua resp iração na Língua

Antiga, e escancarou a porta.

Neve o atingiu, golpeando seu rosto, ventos assoviaram pela sala. Do lado de fora

na escur idão, o grande cavalo negro se ergueu sobre a cabeça de Will, cascos descendo,

olhos brancos rodopiando, a espuma voan do de seus dentes expostos. E acima dele

cint ilaram os olhos azuis do Cavaleiro e o vermelho incandescente de seu cabelo. No que

diz respei to a ele mesmo, Will gr itou, e levantou um braço instintivamente em auto -

defesa.

E o garanhão negro relinchou e recuou com o Cavalei ro para dentro da escuridão;

e a porta se fechou, e de repente não havia mais nada nos ouvidos de Will a não ser o

doce som da velha f lauta enquanto Paul tocava. As pessoas estavam sentadas e

espalhadas t ranquilamente do mesmo modo que esta vam antes. Will baixou seu braço

lentamente, ainda curvado defensivamente sobre sua cabeça, e quando o fez ele notou

algo que tinha esquecido totalmente. Na parte de baixo do antebraço, que havia f icado

virado em direção ao Cavalei ro Negro quando ele levan tou seu braço, es tava a cicatr iz

queimada do Signo do Ferro. Naquele outro grande salão, na primeira vez, ele tinha se

queimado no Signo quando o Escuro estava fazendo seu primeiro ataque a ele. A Senhora

tinha curado a queimadura. Will havia esquecido que ela estava al i . “Um signo do fogo

você já possui consigo. . .”

Então era isso que ela queria dizer.

Um signo do fogo tinha mant ido o Escuro encurralado; fazendo -o parar em seu

ataque mais forte, talvez. Will apoiou -se f raco contra a parede, e tentou respi rar mais

devagar. Mas assim que olhou através da multidão tranqüila que ouvia a música deles,

ele viu novamente uma f igura que transformou toda a sua confiança em nada, e o rápido

inst into do Gramarye lhe disse que havia sido ludibriado. Pensou que estava encarando

um desaf io, e realmente estava. Mas ao fazê -lo, t inha aberto a porta entre o Escuro e o

Andarilho, e isso de alguma forma havia fortalecido tanto o Andarilho que o velho t inha

ganho um poder pelo qual esteve esperando.

115

Pois o Andari lho agora es tava altivo, seus olhos brilhando, sua cabeça erguida, e

sua costa ereta. Ele manteve um braço erguido, e gritou em uma clara voz forte: “Venha

lobo, venha cão, venha gato, venha rato, venha Held, venha Holda, Eu os convido a

entrar! Venha Ura, venha Tann, venha Coll, venha Quert, venha Morra, venha Mestre, eu

os trago para dentro !”

As invocações continuaram, uma longa lis ta de nomes, todos familiares para Will

do Livro de Gramarye. Na sala da Sr ta. Greythorne, ninguém podia ver ou ouvir; todos

continuavam como antes, e durante o f inal da música de Paul, e o alto começo

determinado do monólogo do velho Sr. Dewhurst, nenhum dos olhos que estavam na

direção de Will pareciam vê-lo. Ele f icou imaginando se o seu pai, que ainda estava

parado conversando com os Dawsons, logo perceberia que seu f ilho mais jovem não

podia ser visto.

Mas rapidamente, enquanto as invocações do Andarilho continuavam e

continuavam, ele parou de imaginar, pois sob os seus sentidos a sala começou a mudar

subitamente; a velha sala da Senhora voltou para sua consciência e absorveu mais e mais

da aparência do presente. Amigos e família desapareceram; somente o Andarilho

permaneceu claro como antes, agora permanecendo no f inal da grande sala longe do

fogo. E enquanto Will continua va olhando para o grupo no qual seu pai estava, mesmo

enquanto ele desaparecia , viu tomar lugar a duplicação através do qual os Antigos

Escolhidos eram capazes de se mover para dentro e para fora do Tempo. Ele viu uma

forma de Frank Dawson sair facilmen te do primeiro, deixando seu outro eu desaparecer

como parte do presente; a segunda forma foi f icando mais clara e clara enquanto vinha

em sua direção, e depois dela , da mesma forma, vei o o Velho George, o Jovem John, e a

mulher de olhos azuis, e Wil l soube que essa tinha s ido a maneira de sua própria chegada

também.

Logo os quatro estavam agrupados ao redor dele no centro da sala da Senhora,

cada um virado para o lado de fora, quatro cantos de um quadrado. E enquanto o

Andarilho fazia suas longas invocaç ões do Escuro, a própria sala começou a mudar de

novo. Luzes est ranhas e chamas tremularam pelas paredes, obscurecendo as janelas e

cortinas. Aqui e al i ao som de um nome em particular, fogo azul dardejava no ar, chiava,

e morria novamente. Em cada uma das t rês paredes viradas para a lareira , três grandes

chamas sinis tras dispararam porém não morreram em seguida, mas permaneceram

dançando e curvando-se em um brilho agourento, enchendo a sala com luz f ria.

Diante da lareira, na grande cadeira entalhada que ele tinha ocupado desde o

início, Merriman estava sentado imóvel. Havia uma terr ível força repr imida em seu

sentar ; Wil l olhou para os ombros largos com um pressentimento, como se ele tivesse

olhado para um gigantesco inverno que deveria ser liberado a qu alquer momento. O

Andarilho cantava mais al to: “Venha Uath, venha Trui th, venha Eriu, venha Loth! Venha

Heurgo, venha Celmis, eu os trago para dentro. . .”

Merriman f icou de pé, um grande pilar negro emplumado de branco. Sua capa

estava enrolado ao seu redo r. Apenas o seu rosto entalhado em pedra estava visível, com

a luz emanando em sua massa de cabelo branco. O Andarilho olhou para ele e vaci lou.

Espessos ao redor da sala, os fogos e chamas do Escuro sibilaram e dançaram, todas

brancas, azuis e negras, sem nenhum dourado, vermelho ou aquecedor amarelo em

qualquer uma delas. As nove chamas maiores f icaram de pé como árvores ameaçadoras.

Mas o Andarilho pareceu ter perdido sua voz novamente. Ele olhou mais uma vez

para Merriman e recuou um pouco. E através d a mistura de desejo e medo nos olhos

brilhantes, de repente Will o reconheceu.

116

“Hawkin,” Merr iman falou suavemente, “ainda há tempo para voltar para casa.”

117

arte Três: O Teste

Hawk no Escuro

O Andarilho disse em um sussurro, “Não.”

“Hawkin,” Merr iman falou novamente, gentilmente, “todo homem tem uma última

escolha depois da pr imeira, uma chance de perdão. Não é tarde demais. Vire -se. Venha

para a Luz.”

A voz era quase inaudível , um mero respirar rouco. “Não.”

As chamas mantiveram-se paradas e g randiosas ao redor do grande salão. Ninguém

se moveu.

“Hawkin,” Merriman disse, e não houve comando algum no tom mas apenas calor

e súplica. “Hawkin, vassalo, afas te -se do Escuro. Tente lembrar. Houve amor e conf iança

entre nós, uma vez.”

O Andarilho olhou para ele como um homem condenado, e agora na pontuda face

lineada Wil l podia ver claramente os traços do pequeno, brilhante homem Hawkin, que

tinha sido trazido adiante para fora de seu tempo para a recuperação do Livro de

Gramarye, e t inha, at ravés do choque de encarar a morte, traído os Ant igos Escolhidos

para o Escuro. Ele lembrou da dor que esteve nos olhos de Merriman enquanto eles

observaram que a traição começava, e a terrível certeza com a qual ele havia

contemplado a desgraça de Hawkin.

O Andarilho ainda olhava para Merr iman, mas seus olhos não enxergavam. Eles

olhavam de volta at ravés do tempo, enquanto o velho redescobria tudo que havia

perdido, ou retirado de sua mente. Ele falou lentamente, com reprovação crescente,

“Você me fez arriscar min ha vida por um livro. Por um livro. Então porque eu procurei

por melhores mestre, você me enviou de volta para meu próprio tempo, mas não como eu

tinha sido antes. Você me deu então a maldição de carregar o Si gno .” Sua voz foi

f icando cada vez mais forte com dor e ressentimento enquanto ele recordava. “O Si gno

do Bronze, através dos séculos. Você me transformou de um homem em uma criatura

sempre correndo, sempre procurando, sempre caçado. Você me impediu de envelhecer

decentemente em meu próprio tempo, como todos os homens após suas vidas vão f icando

velhos, cansados e mergulham no sono da morte. Você t irou meu direito à morte. Você

me colocou em meu próprio século com o Si gno, mui to, muito tempo atrás, e você me fez

carregá-lo por seiscentos anos até essa é poca.”

Seus olhos est remeceram em direção a Will, e brilharam com ódio. “Até que o

último dos Antigos Escolhidos nascesse, para pegar de mim o Si gno. Você, garoto, isso

tudo é por você. Essa viagem no tempo, que tirou minha boa vida como homem, foi tudo

por sua causa. Antes que você nascesse, e depois. Pelo seu dom maldito do Gramarye, eu

perdi tudo que já amei.”

“Eu digo a você,” Merriman gritou, “você pode vir para casa, Hawkin! Agora! É a

última chance, e você pode passar para a Luz e ser como era.” Su a f igura orgulhosa,

altiva, inclinou-se para f rente, implorando, e Will sentiu dor por ele, sabendo que ele

sentia que foi seu próprio julgamento mal feito que havia levado seu servo Hawkin para

118

a traição e a vida do encolhido Andarilho, uma concha resmung ante comprometida com o

Escuro.

Merriman disse brevemente: “Rezo por você, meu f ilho.”

“Não,” o Andarilho disse. “Encontrei melhores mestres do que você.” As nove

chamas do Escuro ao redor das paredes saltaram frias e altas e queimaram com uma luz

azul, est remecendo. Ele apertou mais forte o escuro cobertor enrolado em volta dele, e

olhou de modo selvagem para a sala . Agudamente provocador, ele gr itou, “Mestres do

Escuro, eu os trago para dentro !”

E as nove chamas moveram-se para dentro, das paredes para o centro da sala,

aproximando-se de Will e dos quatro Ant igos Escolhidos. Will es tava cego pelos seus

brilhos branco-azulados; ele não conseguia mais ver o Andarilho. Em algum lugar a lém

das grandes luzes, a voz aguda cont inuava gritando, alta e enlouquec ida pela amargura.

“Você arr iscou minha vida pelo Livro! Você me fez carregar o Si gno! Você deixou o

Escuro me caçar através dos séculos, mas nunca me deixou morrer! Agora é a sua vez!”

“Sua vez! Sua vez!” ecoou o gr ito pelas paredes. A s nove chamas altas se moviam

chegando mais perto lentamente, e o s Ant igos Escolhidos permaneciam no centro do piso

e observavam elas se aproximarem. Ao lado da lareira , Merriman virou lentamente em

direção ao centro da sala. Will viu que seu rosto es tava impassível novamente, os

profundos olhos escuros e vazios e as linhas f irmes, e ele soube que ninguém ver ia

qualquer forte emoção que se mostrasse naquele rosto por um longo tempo. A chance do

Andarilho de retornar para a mente e coração de Hawkin havia surgido e sido rejeitada , e

agora ela se fora para sempre. Merr iman ergueu seus dois braços, e a capa caiu deles

como asas. Sua voz profunda chicoteou em meio ao silêncio – “Pare!”

As nove chamas pararam, e f icaram suspensas.

“Em nome do Círculo de Signos,” Merriman disse, clar o e f irme, “Eu ordeno que

deixem essa casa.”

A luz f ria do Escuro que estava ao redor de toda a sala por trás das grandes

chamas imóveis estremeceu e fez um estalo semelhante a uma risada. E saindo da

escuridão além, veio a voz do Cavalei ro Negro.

“O seu círculo não está completo e não tem essa força,” ele falou

desdenhosamente. “E o seu vassalo nos chamou para dentro dessa casa, como ele fez

antes, e pode fazer de novo. Nosso vassalo, meu senhor. O hawk está no Escuro. . . Você

não pode mais nos mandar embora daqui. Não com chama, nem força, nem poder

conjunto. Nós quebraremos seu Signo do Fogo antes que ele possa ser liberado, e o seu

círculo nunca es tará reunido. Ele se quebrará no f rio , meu senhor, no Escuro e no f rio . . .”

Will t remeu. Estava f icando re almente f rio na sala, mui to f rio . O ar era como uma

corrente de água gelada, vindo até e les de todos os lados. Agora o fogo na grande lareira

não emitia calor a lgum, nenhum calor que não fosse sugado pelas f rias chamas azuis do

Escuro ao redor. As nove chamas estalaram novamente, e enquanto olhava para elas, ele

podia ter jurado que não eram chamas mas gigantes pingentes de gelo, branco -azuladas

como antes mas sólidas, ameaçadoras, grandes pilares prontos a cair e esmagar todos eles

com o peso e o f rio .

“. . . f rio . . .” disse suavemente o Cavaleiro Negro das sombras, “. . . f rio .. .”

Will olhou para Merriman assustado. Ele sabia que cada um deles, cada Antigo

Escolhido na sala, es teve combatendo o Escuro com cada poder que ele possuía desde

119

que a voz do Cavalei ro começou, e ele sabia que nenhum deles havia surtido qualquer

efeito . Merriman falou suavemente, “Hawkin os deixou entrar, como fez em sua primeira

traição, e não podemos evi tar isso. Ele teve minha confiança uma vez, e i sso ainda dá a

ele esse poder mesmo que a confiança tenha acabado. Nossa única esperança é o que era

no começo: que Hawkin não seja mais do que um homem.. . Quando as magias do f rio

profundo são feitas, há pouco a ser fe ito contra e las.”

Ele f icou parado com as sobrancelhas f ranzida s enquanto o anel de fogo branco -

azulado tremulava e dançava; até mesmo ele parecia f rio , com a aparência um pouco

sombria ao redor dos ossos de seu rosto. “Eles trouxeram para dentro o f ri o profundo,”

ele disse, em parte para si mesmo. “O frio do vazio, d o espaço negro. . .”

E o f rio foi f icando mais e mais intenso, cortanto através do corpo até a mente.

Ainda assim as chamas do Escuro pareciam ao mesmo tempo tornarem -se opacas, e Will

percebeu que seu próprio século es tava desaparecendo novamente ao redor deles, e que

eles estavam de volta à mansão da Srta. Greythorne.

E o f rio estava ali também. Tudo estava mudando agora; o murmúrio de vozes

tinha caído de um som de animação para um silêncio ansioso, e a grande sala estava

f racamente iluminada, por velas em castiçais, copos e pratos, onde quer que houvesse

espaço. Todas as claras lâmpadas elétricas es tavam escuras, e os longos radiadores de

metal que aqueciam a maior parte da sala não emitiam calor algum.

Merriman passou rapidamente per to dele com a veloc idade de alguém que retornou

de uma rápida tarefa; sua capa estava levemente diferente, t ransformada no ondulante

sobretudo que ele tinha usado mais cedo naquele dia. Ele falou para Srta. Greythorne,

“Não há muito que possamos fazer lá embaixo, madame. O f orno está parado, é claro.

Todas as linhas de força elétrica es tão mortas. E também o telefone. Eu providenciei

para que todos os cobertores e colchas da casa fossem trazidos, e a Srta. Hampton está

fazendo quantidades de sopa e bebidas quentes.”

A Srta. Greythorne balançou a cabeça em rápida aprovação. “Muito bom que

tenhamos mantido os velhos fogões a gás. Eles queriam que eu trocasse, você sabe,

Lyon, quando tivemos a central de aquecimento concluída. Eu não tr ocar ia, entretanto.

Eletricidade, bah – sempre soube que a casa velha não aprovava.”

“Estou fazendo com que tanta madeira quanto possível seja trazida para manter o

fogo alto ,” disse Merriman, mas no mesmo instante, como que em zombaria, um grande

chiado e vapor vieram da grande larei ra, e os mais próximos dela se afastaram,

sufocando e cuspindo. Através da súbita nuvem de fumaça que entrou Will podia ver

Frank Dawson e o Velho George trabalhando para tirar algo do fogo.

Mas o fogo havia se apagado.

“Neve desceu pela chaminé!” gritou o Fazendeiro Dawson, tossindo.

“Precisaremos de baldes, bem depressa. Tem uma grande bagunça aqui.”

“Eu vou,” Will gritou, e disparou para a cozinha, contente com a chance de se

mexer. Mas antes que ele pudesse chegar até a porta através dos confusos grupos de

pessoas assustadas com frio , uma f igura se ergueu diante dele para bloquear seu

caminho, e duas mãos seguraram seus braços com um ap erto tão forte que ele ofegou com

uma dor súbita. Olhos brilhantes penetraram nos dele, c int ilando com louco triunfo, e a

voz f ina e al ta do Andarilho estava guinchando em seu ouvido.

“Antigo Escolhido, Antigo Escolhido, último dos Antigos Escolhidos, você sabe o

que vai acontecer com você? O frio está entrando, e o Escuro vai congelar você. Frio e

120

rigidez e todos vocês impotentes. Ninguém para proteger os pequenos Signos em seu

cinto.”

“Me larga!” Wil l debateu -se furiosamente, mas a pegada em seu pulso era o aperto

da loucura.

“E você sabe quem vai pegar os pequenos Si gnos, Antigo Escolhido? Eu pegarei.

O pobre Andari lho, eu os usa rei. Eles es tão prometidos a mim como recompensa por

meus serviços. Nenhum senhor da Luz jamais me ofereceu ta l prêmio . Ou qualquer

outro. . . Eu serei o Buscador dos Signos, eu serei, e tudo o que teria sido seu no f inal virá

para mim.. .”

Ele tentou agarrar o cinto de Will, seu rosto estava contorcido de triunfo, sal iva

caindo de sua boca como espuma, e Will gr itou por socorro. Em um instante John Smith

estava ao seu lado com o Dr. Armstrong perto logo atrás, e o grande ferreiro tinha

puxado as mãos do Andarilho para t rás de sua costa. O velho amaldiçoou e guinchou,

seus olhos ardendo de ódio para Will, e os dois homens tiveram que se esforçar para

afastá-lo . Após mui to tempo eles o tinham preso e inofensivo, e o Dr. Armstrong recuou

com um suspiro exasperado.

“Esse sujeito deve ser a única coisa quente no país,” disse e le. “Ficando agitado o

tempo todo, com pulso ou sem pulso vou colocá - lo para dormir por algum tempo. Ele é

um perigo para a comunidade e para e le mesmo.”

Will pensou esfregando seu pulso m achucado: se ao menos você soubesse

exatamente que tipo de perigo ele representa. . . Então de repente começou a ver o que

Merriman quis dizer. Nossa única esperança é o que era no começo: que Hawkin não

seja mais do que um homem.. .

“Mantenha -o ali , John, enquanto eu pego minha bolsa.” O doutor desapareceu.

John Smith, com um grande punho agarrando o ombro do Andarilho e com o outro seus

dois pulsos, piscou encorajadoramente para Wil l e balançou sua cabeça para a cozinha;

de repente Will lembrou de sua incumbência original, e correu. Quando ele veio

retornando com dois baldes vazios balançando em cada mão, houve uma nova agi tação na

lareira; um novo chiado tinha começado, fumaça saiu, e Frank Dawson retrocedeu

cambaleando.

“Maldição!” ele disse furiosamente. “Maldição! Você limpa a larei ra por um

momento e mais neve desce. E o f rio .. .” Ele olhou para ele desesperado. “Olhe para eles,

Will.”

A sala estava uma miséria e caos: pequenos bebês chorando, pais apertando seus

corpos em torno de suas cr ianças para man tê-las aquecidas o bastante para respirar. Will

esfregou suas mãos f rias, e tentou sentir seus pés e seu rosto através do entorpecimento

do f rio . A sala estava f icando mais f ria e mais f ria, e do mundo congelado lá fora não

havia som algum nem mesmo do ven to. A sensação de es tar dentro de dois níveis de

Tempo de uma só vez ainda f lutuava em sua mente, embora agora tudo o que ele pudesse

sentir da mansão antiga fosse a consciência, ameaçadora e persis tente, das nove grandes

velas de gelo cintilando ao redor de três lados da sala. Elas tinham sido como fantasmas,

malmente visíveis, quando ele encontrou -se pela primeira vez trazido de volta pelo novo

frio para o seu próprio tempo, mas enquanto o f rio f icava mais intenso, elas f icavam

cada vez mais claras. Wil l f icou olhando para e las. Ele sabia que de algum modo elas

incorporavam o poder do Escuro em seu ápice durante o Solstício de Inverno; e le

também sabia que elas eram parte de uma magia independente realizada pelo Escuro, que

como tudo mais em suas longas b atalhas poderia ser derrotada pela Luz apenas se a coisa

certa fosse feita no momento certo. Como? Como?

121

O Dr. Armstrong estava retornando em direção ao quarto dos doentes com sua

bolsa preta. Talvez possa haver um jeito af inal de contas, apenas um, de pa rar o Escuro

antes que o f rio pudesse atingir o ponto de destruição. Um homem, inconsciente,

ajudando a outro: esse pode ser o pequeno evento para colocar de lado toda fo rça

sobrenatural do Escuro. . . Will esperou, subitamente tenso com a excitação. O doutor se

moveu em direção ao Andari lho, que ainda amaldiçoava incoerentemente no aperto de

John, o ferreiro, e ele tinha enf iado e reti rado uma agulha rápida e habil idosamente de

seu braço antes que o velho soubesse o que ele estava fazendo. “Pronto,” ele diss e

acalmadoramente. “Isso vai a judá - lo . Durma um pouco.”

Ins tintivamente Will moveu -se para f rente para o caso em que houvesse

necessidade de ajuda, quando o fez ele viu que Merriman, o Fazendeiro Dawson e o

Velho George estavam se aproximando também. Do utor e paciente es tavam cercados por

um anel de Antigos Escolhidos, por todo lado, protegendo contra interferência.

O Andarilho avistou Will e rosnou como um cão, mostrando amarelados dentes

quebrados. “Congelar, vocês vão congelar,” ele cuspiu para e le, “e os Signos serão meus,

não importa o que. . . você tente. . . não importa. . .” Mas ele gaguejou e piscou, sua voz

caindo enquanto a droga começou a se espalhar sua sonolência sobre ele, e mesmo

quando a suspei ta começou a surgir em seus olhos, as pálpebras desc eram. Cada um dos

Antigos Escolhidos deu um p asso ou dois em frente, fechando o círculo. O velho piscou

novamente, mostrando o branco de seus olhos em um f lash horrendo, e então ele es tava

inconsciente.

E com a mente do Andari lho fechada, o caminho do Esc uro para dentro da casa

estava fechado também.

Instantaneamente houve uma diferença na sala, um afrouxar da tensão. O frio

estava menos feroz, a infelicidade e susto ao redor deles começou a diminuir como um

nevoeiro. O Dr. Armstrong f icou ereto, com uma expressão confusa de questionamento

em seus olhos; os olhos se arregalaram quando viu o círculo de rostos concentrados

circulando-o. Ele começou a dizer ind ignado, “O que. . . ?”

Mas o resto das palavras foram perdidas para Will, pois rapidamente Merrim an

estava chamando-os de dentro da mul tidão, urgentemente, silenciosamente, na linguagem

da mente que os homens não podiam ouvir. “ As velas! As velas do inverno! Tirem elas,

antes que desapareçam!”

Os quatro Antigos Escolhidos espalharam -se rapidamente na sala, onde os

estranhos cilindros branco -azulados ainda pendiam fantasmagoricamente ao redor das

três paredes, ardendo com suas mortais chamas f rias. Indo ligei ramente até as velas, eles

as agarraram, uma em cada mão; Will , menor, saltou depressa em uma c adeira para pegar

a última. Ela era f ria, suave e pesada ao seu toque, como gelo que não derreteu. No

momento em que a tocou ele f icou tonto; sua cabeça rodopiava. . .

. . . e ele es tava de volta ao grande salão daquele tempo anterior com os outros

quatro, e ao lado da lareira a Senhora estava sentada novamente em sua cadeira de

encosto alto , com os olhos azuis da esposa do ferreiro sentando aos pés dela. Estava

claro o que tinha que ser feito . Carregando as velas do Escuro, eles avançaram em

direção ao grande anel-mandala de ferro de suportes na grande mesa, e um a um

colocaram as velas nos nove soquetes que ainda permaneciam vazios na peça em cruz

central. Cada vela modif icou-se sutilmente ass im que foi colocada no lugar; sua chama

se ergueu mais f ina e al ta, assumindo um tom branco -dourado ao invés do f rio ,

ameaçador azul. Will, com sua vela, foi o último. Ele se est icou para colocá -la dentro do

último suporte bem no centro, e quando ele o fez as chamas de todas as velas subiram em

um triunfante cí rculo de fo go.

122

“A senhora idosa disse, em sua voz delicada, “Ali está o poder re tirado do Escuro,

Will Stanton. Por magia f ria e les chamaram as velas do inverno para destruição. Mas

agora que nós as reti ramos deles para melhores propósitos, as velas tornaram -se mais

fortes, capazes de trazer a você o Si gno do Fogo. Veja.”

Eles se afastaram, observando, e a última vela central que Will t inha colado no

lugar começou a crescer. Quando sua chama f icou alta acima do resto ela tomou cor,

tornando-se amarela, laranja, vermelho mercúrio; enquanto ela a inda crescia, ela mudou

e tornou-se uma estranha f lor em uma est ranha haste. Uma f lor curvada de muitas pétalas

brilhava ali , cada pétala com um diferente tom das cores de chama; lenta e graciosamente

cada pétala se abriu e caiu, voando para longe, derretendo no ar. E no f inal, na ponta da

longa haste curvada da planta vermelho -chama, um bri lhante receptáculo de semente

arredondado foi deixado, balançando gent ilmente por um momento e então abriu -se em

uma rápida e silenciosa eclosão, seus cinco lados desdobrando todos de uma vez como

espessas pétalas. Dentro estava um círculo vermelho -dourado de uma forma que todos

eles conheciam.

A Senhora disse: “Pegue -o, Will.”

Will deu dois passos pensat ivos em direção à mesa, e o grande talo esguio curvou-

se em direção a e le; quando ele colocou sua mão, o círculo dourado caiu nela.

Instantaneamente uma onda de poder invisível o atingiu, um eco do que ele tinha sent ido

na destruição do Livro de Gramarye – e enquanto ele cambaleou e se equi l ibrou

novamente, viu que a mesa estava vazia. Em um f lash de tempo, tudo que es tava sobre

ela desapareceu: a es tranha f lor, as nove velas ardentes e o suporte de ferro em forma de

Signo que continha todas elas. Sumiram. Tudo se foi: tudo exceto o Si gno do Fogo.

Ele estava em sua mão, quente ao toque, uma das coisas mais bonitas que ele já

tinha vis to. Ouro de mui tas cores diferentes t inha sido unido com grande habilidade para

fazer essa forma de cí rculo divido por uma cruz, e em todos os lados ele possuía

pequenas gemas, rubis, esmeraldas, saf iras e diamantes, em est ranhos padrões rúnicos

que pareciam estranhamente familiares a Will. Ele c int ilou e bri lhou em sua mão como

todos os tipos de fogo que haviam. Olhando mais de perto, ele viu algumas palavras

muito pequenas escri tas ao redor da extremidade exterior:

LIHT MEC HEHT GEWYRCAN

Merriman disse suavemente: “A Luz ordenou que eu deveria ser feito .”

Agora eles t inham quase todos a não ser um dos Sinais. Jubilante , Wil l lançou seu

braço no ar, segurando o Signo bem alto para que os outros vissem; e o c írculo de outro

trabalhado pegou o brilho de cada luz na sala, tremulando como se fosse feito de chama.

De algum lugar do lado de fora da sala, surgiu um grande rugido com um longo grito de

raiva at ravés dele. O som retumbou e rosnou e re tumbou novamente. . .

. . .e enquanto ele batia em seus ouvidos, de repente Will es tava de volta na sala da

Srta. Greythorne novamente, com todos ao redor dele os rostos familiares do vilarejo

viraram pensat ivos para o te to, e para o rugido murmurante a lém.

“Trovão?” alguém disse, confuso.

Luz azul tremulou em todas as janelas, e o trovão ribombou tão

ensurdecedoramente perto que todos recuaram. Novamente a luz veio, novamente o baque

do rugido, e em algum lugar uma cr ian ça começou a chorar, f ino e al to . Mas enquanto

toda a sala cheia esperava pela próxima batida, não houve nada. Nenhum f lash apareceu,

123

nenhum trovão, nada tão grande quanto um distante murmúrio. Ao invés disso, após um

pequeno silêncio sem respiração preenc hido apenas pelo chiado das c inzas na lareira,

surgiu um leve som de batidas do lado de fora, aumentando gentilmente, gradualmente,

para um inconfundível e suave staccato* contra as janelas, portas e teto.

A mesma voz anônima gri tou alegremente, “Chuva!”

Vozes ir romperam por todos os lados em excitação, rostos sérios sorriram; f iguras

correram para olhar do lado de fora pelas janelas escuras, acenando para os outros com

prazer. Um velho que Will nunca lembrou de ter visto antes em sua vida virou para ele

com um sorriso desdentado. “Chuva vai derreter essa neve!” ele assobiou. “Derreter em

pouco tempo!”

Robin apareceu saindo da multidão. “Ah, aí está você. Estou f icando maluco, ou

esta sala moribunda de repente parece aquecida?”

“Está aquecida,” disse Wil l , t irando seu suéter. Debaixo dele, o Si gno do Fogo

agora estava enf iado em seu cinto seguro com o resto.

“Engraçado. Estava tão terrivelmente f rio por um tempo. Suponho que eles

colocaram a central de aquecimento para funcionar de novo. . .”

“Vamos ver a chuva!” Um par de garotos passaram esbarrando neles indo até a

porta principal. Mas enquanto eles a inda se atrapalhavam com a maçaneta , uma série de

rápidas batidas al tas veio do lado de fora; e ali no degrau, quando a porta se abriu, seu

cabelo achatado em sua cabeça pela suave chuva que descia, estava Max.

Ele estava sem fôlego; eles podiam vê - lo engol ir o ar depressa para emitir as

palavras. “Srta. Greythorne es tá? Meu pai?”

Will sentiu uma mão em seu ombro e viu Merriman ao seu lado, e ele soube pela

inquietação em seus olhos que de alguma forma esse era o próximo ataque do Escuro.

Max o avistou e foi em frente, chuva escorrendo pelo seu rosto; e le se balançou como um

cachorro.

“Chame o Papai, Will, ” ele disse. “E o doutor se ele puder ser dispensado . Mamãe

sofreu um acidente, e la caiu nas escadas. Ainda está inconsciente, e achamos que ela tem

uma perna quebrada.”

O Sr. Stanton já tinha escutado; ele correu para a sala do doutor. Will olhou

infeliz para Max. Ele chamou Merr iman si lenciosamente, assustado, “Eles f izeram isso?

Eles f izeram? A Senhora disse…”

“É possível,” disse a voz respondendo em sua mente. “Eles não podem fer ir você,

verdade, e eles não podem destruir homens. Mas eles podem encorajar os ins tintos do

próprio homem para causar -lhe mal. Ou fazer uma inesperada batida de t rovão, quando

alguém está no topo de um lance de escadas. . .”

Will não ouviu mais do que aquilo. Ele estava saindo pela porta com seu pai,

irmãos e o Dr. Armstrong, seguindo Max até em casa.

* Staccato ou «destacado»: tipo de fraseio ou de articulação no qual as notas e os motivos das frases musicais devem ser executadas

com suspensões entre elas, ficando as notas com curta duração. É uma técnica de execução instrumental ou vocal que se opõe ao

legato.

124

arte Três: O Teste

Rei do Fogo e Água

James ainda parecia pálido e af lito , mesmo quando o doutor tinha chegado seguro

e es tava examinando a Sra. Stanton na sala de estar. Ele puxou para o lado seus i rmãos

mais próximos, que eram Paul e Will, e os levou para fora do a lcance do ouvido dos

outros. Ele disse infeliz, “Mary desapareceu.”

“Desapareceu?”

“Honestamente. Eu disse a ela para não ir. Não achava que ela fosse, pensei que

ela f icaria assustada demais.” A preocupação tinha feito o estóico James chegar perto das

lágrimas.

“Ir aonde?” disse Paul severamente.

“Sair para a Mansão. Foi após Max ir buscar vocês. Gwennie e Bar estavam na

sala de estar com a Mamãe. Mary e eu es távamos na cozinha fazendo um pouco de chá, e

ela f icou toda descontrolada e disse que Max tin ha ido muito longe e nós deveríamos ir

checar se algo tinha acontecido com ele. Eu disse a ela para não ser tão maluca, é claro

que nós não deveríamos ir, mas então Gwen me chamou para fazer o fogo lá dentro, e

quando eu voltei, Mary tinha sumido. E também seu casaco e botas.” Ele fungou. “Não

consegui ver nenhum sinal de onde ele foi, do lado de fora – a chuva tinha começado, e

não havia nenhuma pegada. Eu estava quase saindo atrás dela sem dizer nada, porque as

garotas já têm o bastante com o que se preoc upar, mas então vocês vieram, e eu pensei

que ela estivesse com vocês. Só que ela não es tava. Oh, Deus,” falou James

pesarosamente. “Ela é uma idiota.”

“Não se preocupe,” disse Paul. “Ela não pode ter ido longe. Simplesmente vá e

espere por um bom momento para explicar ao Papai, e diga a ele que eu fui pegá - la. Eu

levarei Will, nós dois estamos vestidos para isso.”

“Bom,” disse Will, que estava rapidamente tentando pensar em argumentos para

sua saída.

Quando eles estavam fora na chuva, a neve já começava a f icar branca-acinzentada

debaixo dos pés, Paul disse , “Você não acha que é hora de me dizer sobre o que é tudo

isso?”

“O quê?” disse Will, surpreso.

“No que você es tá met ido?” disse Paul, seus pálidos olhos azuis olhando

severamente at ravés dos pesad os óculos.

“Nada.”

“Olhe. Se a saída de Mary tiver a lgo a ver com isso, você tem absolutamente que

explicar.”

“Oh Deus,” disse Will. Ele olhou para a ameaçadora determinação de Paul, e f icou

imaginando como você explica para um irmão mais velho que um j ovem de onze anos não

125

era mais um jovem de onze anos, mas uma cr iatura suti lmente diferente da raça humana,

lutando por sua sobrevivência. . . Você não explica, é claro.

Ele disse, “São esses, eu acho.” Olhando cautelosamente para ele, ele abriu sua

jaqueta e o suéter livrando seu cinto e mostrando a Paul os Signos. “São ant iguidades.

Apenas f ivelas que o Sr. Dawson me deu por meu aniversário, mas eles devem ser

realmente valiosos porque duas ou três pessoas estranhas f icam aparecendo tentando

pegá-los. Um homem me perseguiu na Huntercombe Lane uma vez. . . e o velho mendigo

estava envolvido com eles de algum jeito . Foi por isso que eu não quis trazê -lo para

casa, naquele dia em que o encontramos na neve.”

Ele pensou no quanto tudo isso soava improvável.

“Humm,” disse Paul. “E aquele sujeito na Mansão, o novo mordomo? Lyon, não é

isso? Ele está envolvido com esses palhaços?”

“Oh, não,” disse Will rapidamente. “Ele é um amigo meu.”

Paul olhou para ele por um momento, inexpressivo. Will pensou em sua pacien te

compreensão naquela noite no sótão, no início, e no modo como ele tocou a velha f lauta

e soube que se houvesse qualquer um de seus i rmãos em que ele pudesse confiar, seria

Paul. Mas isso estava fora de questão.

Paul disse, “Obviamente você não me disse a metade disso tudo, mas isso terá que

servir. Acredi to que você pensa que esses caçadores de antiguidades devem ter raptado

Mary para usá- la como algum tipo de refém?”

Eles atingiram o f im da entrada. A chuva caindo sobre eles, forte, embora não

violenta; ela corria pelos bancos de neve, caía das árvores, virava a es trada para dentro

do início de uma corrente em movimento veloz. Eles olharam para cima e para baixo em

vão. Will disse, “Eles devem ter feito isso. Quero dizer, ela teria ido direto até a

Mansão, então porque não a vimos em nosso caminho para casa?”

“Iremos por aquele caminho de qualquer modo, para checar.” Paul balançou sua

cabeça de repente e olhou para o céu. “Essa chuva! É ridícula! Assim de repente,

surgindo de toda aquela neve . . . e está muito mais quente também. Não faz sent ido.” Ele

espirrou água da corrente que foi Huntercombe Lane e olhou para Will com um meio

sorriso confuso. “Mas um monte de coisas não estão mesmo fazendo mui to sentido para

mim no momento.”

“Ah,” disse Will. “Hum. Não. ” Ele espirrou a água de modo barulhento para

encobrir seu remorso, e procurou at ravés das poças de chuva por algum sinal de sua

irmã. O barulho ao redor deles agora estava assombroso: um oceano de ruídos de espuma

que se espalhava, pedregulhos sendo levad os e ondas quebrando, enquanto o vento trouxe

a chuva f luindo ritmadamente pelas árvores. Um barulho mui to mais antigo, como se eles

estivessem à beira de algum oceano enorme antes que os homens ou seus ancest rais

tivessem nascido. Eles foram subindo a est rada, procurando e gritando, ansiosos agora;

tudo que eles viam se tornava estranho repetidas vezes, enquanto a chuva cortava a neve

em novas ruas e montes. Mas quando eles chegaram a uma esquina, Will repentinamente

soube muito bem onde eles estavam. Ele viu Paul abaixar-se defensivamente por trás de

um braço erguido; ouviu o grasnado rouco e áspero que subitamente se elevou e então

sumiu; viu, mesmo através da chuva esvoaçante, o alvoroço de penas negras enquanto o

bando de gralhas desciam baixo passando por suas cabeças.

Paul se ergueu lentamente, observando. “Que diabos . . . ?”

126

“Vá para o outro lado da es trada,” disse Will, empurrando -o f irmemente para o

lado. “As gralhas f icam meio loucas às vezes. Já vi i sso antes.”

Outro bando de pássaros grasnando fo i em direção a Paul por trás, empurrando -o

para f rente, enquanto o primeiro mergulhou novamente para forçar Will contra o banco

de neve ao longo da borda da f loresta semi -enterrada. Elas vieram de novo, e de novo.

Will f icou imaginando, esquivando -se, se o seu irmão havia percebido que eles estavam

sendo conduzidos como ovelhas, levados para onde as gralhas queriam que eles fossem.

Mas mesmo enquanto ele pensava nisso, sabia que era tarde demais. O lençol cinzento de

chuva os tinha separado completamente; e le não tinha idéia para onde Paul tinha ido.

Ele gritou em pânico, “Paul? Paul!”

Mas como o Ant igo Escolhido nele assumiu o controle, acalmando o medo ele

parou de gr itar. Isso não era algo para seres humanos comuns, nem mesmo de sua própria

família; e le deveria es tar fel iz de estar sozinho. Agora ele sabia que Mary devia ter sido

capturada, em algum lugar, presa pelo Escuro. Somente ele t inha qualquer chance de

trazê-la de volta. Ele f icou parado na chuva, procurando por ele. A luz estava morrendo

rapidamente. Will desaf ivelou seu cinto e o enrolou em seu pulso direi to; então ele disse

uma palavra na Língua Ant iga e ergueu seu braço, e dos Signos um f irme caminho de luz

irradiou como se viesse de uma tocha. Ele brilhou na água marrom, onde a estrada estav a

se tornando um rio, mais fundo e f luindo rápido.

Ele lembrou que Merriman havia dito , muito tempo atrás, que o pico mais

perigoso do poder do Escuro viria na Décima Segunda Noite. Teria agora chegado aquele

momento? Ele havia perdido seu lugar nos dias, e les corriam uns dentro dos outros em

sua mente. Água batia na borda de sua bota enquanto f icava pensando; ele pulou para

trás rapidamente pra o banco de neve ao f inal da f loresta, e uma onda marrom no rio -

estrada arrancou um grande pedaço da parede d e neve na qual e le es tivera. Na luz dos

Signos, Wil l viu que agora outros pedaços de neve suja e gelo f lutuavam na água; que

enquanto passava f luindo, gradualmente raspavam os bancos deixados em ambos os lados

pela raspadora de neve, e carregavam para long e pedaços quebrados como icebergs em

miniatura.

Outras coisas es tavam ali no rio também. Ele viu um balde passar por ele

rodopiando, e um objeto estufado que parecia um saco de feno. A água deve estar

elevando-se alto o bastante para carregar coisas dos q uintais das pessoas , talvez as

próprias coisas dele entre elas. Como podia subir tão rápido? Como que em resposta, a

chuva martelou em sua costa, e mais neve se part iu sob seus pé s, e ele lembrou que o

chão debaixo dele ainda devia es tar congelado pelo gra nde f rio que tinha paralisado a

terra antes da chuva surgir. Em parte alguma essa chuva seria capaz de ser absorvida

pelo solo. O degelo da terra levaria muito mais tempo do que o derreter da neve , e nesse

meio tempo a água da neve não tinha para onde ir, nenhuma alternativa a não ser correr

sobre a superf íc ie congelada da região procurando por um rio ao qual se unir. As

inundações ser iam terríveis, pensou Will: piores do que elas já foram antes. Piores até do

que o f rio .. .

Mas uma voz ir rompeu sobre ele, um grito a través da água veloz e da chuva que

rugia. Ele foi tropeçando sobre os montes de neve parcialmente derretidos para olhar na

escuridão. O grito veio novamente. “Will ! Bem aqui!”

“Paul?” Wil l chamou esperançoso, mas ele sabia que essa não era a v oz de Paul.

“Aqui! Bem aqui!”

127

O grito veio do próprio rio -estrada, saindo do escuro. Will ergueu os Signos; sua

luz irradiou sobre a água turbulenta e mostrou -lhe o que ele pr imeiramente havia tomado

por nuvens de vapor. Então ele viu que a fumaça era ba forada de respiração: grandes

respirações profundas, de um cavalo enorme que estava com as quatro patas na água,

pequenas ondas passavam espumando em seus joelhos. Will viu a cabeça larga, a longa

crina marrom molhada colada ao pescoço, e ele soube que ess e era Castor ou Pollux, um

dos dois grandes cavalos da raça shire* da Fazenda Dawsons.

A luz dos Signos t remulou mais a lta; e le viu o Velho George, enf iado em uma

roupa de chuva, empoleirado alto na costa do cavalo maciço.

“Bem aqui, Will. Pela água, ant es que ela f ique rápida demais. Temos trabalho a

fazer. Vamos lá!”

Ele nunca tinha ouvido antes o Velho George soar tão exigente; esse era o Antigo

Escolhido, não a amável velha -mão da fazenda. Curvando -se contra o pescoço do cavalo,

o velho se aproximou através da água. “Vamos lá, Polly, venha, Sir Pollux.” E o grande

Pollux bufou lufadas de fumaça pelas suas largas nar inas e deu alguns passos f irmes em

frente de modo que Will foi capaz de se at irar dentro do rio -est rada e agarrar em sua

perna semelhante a uma árvore. A água chegou quase até suas coxas, mas ele já es tava

tão molhado pela chuva que isso fez pouca diferença. Não havia sela alguma no grande

cavalo, apenas um cobertor encharcado; mas com força surpreendente o Velho George se

abaixou e segurou em sua mão, e com muito esforço ele estava em cima. A luz dos

Signos amarrados em seu pulso não oscilou com todo a movimentação, mas permaneceu

direcionada f irmemente em frente no caminho em que eles deveriam ir.

Will deslizou e escorregou na costa larga, grande demais para a abertura de suas

pernas. George o colocou para sentar na f rente, enganchado no grande pescoço curvado.

“Os ombros de Polly já carregaram peso maior do que você,” ele gritou no ouvido de

Will. Então eles estavam oscilando em frente enq uanto o forte cavalo de carga part iu

novamente, espirrando água at ravés da correnteza crescente, para longe da f loresta das

gralhas, para longe da casa dos Stantons.

“Onde nós es tamos indo?” Will gritou, olhando temerosamente para a escuridão;

ele não conseguia ver nada em lugar algum, somente a água que rodopiava na luz dos

Signos.

“Temos que começar a Caça,” a velha voz entrecortada disse per to de seu ouvido.

“A Caça? Que Caça? George, tenho que encontrar Mary, eles estão com Mary, em

algum lugar. E eu perdi Paul de vista.”

“Temos que começar a Caça,” a voz em sua costa disse f irme. “Eu vi Paul, ele está

seguro em seu caminho para casa nesse momento. Você encontrará Mary na hora certa. É

hora do Caçador, Will, o cavalo branco deve vir a té o Caçador, você d eve levá-lo até lá.

Essa é a ordem das coisas, você esqueceu. O rio está vindo até o vale, e o cavalo branco

deve ir até o Caçador. E então veremos o que deveremos ver. Temos trabalho a fazer,

Will.”

E a chuva caiu mais forte sobre eles, e em algum lugar distante um trovão

ribombou na noite precoce, enquanto o grande cavalo shire, Pollux, galopava

pacientemente através do crescente rio marrom que uma vez havia sido Huntercombe

Lane.

Era impossível dizer onde eles estavam. Um vento estava aumentando, e Will

podia ouvir os sons das árvores osci lantes acima do barulho das patas agitadas de Pollux.

* Shire: raça Britânica de grandes cavalos de carga.

128

Uma luz apareceu f raca no vi larejo; ele supôs que a energia elé trica a inda dever ia estar

cortada, por acidente ou por agente do Escuro. Em todo caso, a maioria das pessoas

dessa parte do vilarejo ainda estava na Mansão. “Onde está Merr iman?” ele gritou

através da chuva barulhenta.

“Na Mansão,” George gritou em seu ouvido. “Com o Fazendeiro. Atacados.”

“Você quer dizer que eles es tão encurralados?” a voz de Will tornou-se aguda com

o susto.

O Velho George disse, assobiando perto, dif ícil de ouvir, “Eles at raem a atenção,

assim nós podemos trabalhar. E as inundações os ocupam também. Olhe para baixo,

rapaz.”

Na água agitada a luz dos Signos mostrava uma dispersão de objetos improváveis

que passavam ondulando: uma cesta de vime, muitas caixas de papelão se desintegrando,

uma clara vela vermelha, alguns montes de f itas emboladas. De repente Will reconheceu

um pedaço de f ita, de uma berrante cor púrpura e amarela, a ss im como uma f ita que ele

tinha visto Mary reti rar cuidadosamente de um pacote e enrolado no Dia de Natal. Ela

era uma grande colecionadora de coisas, como um esquilo; essa fazia par te da coleção

dela.

“Essas coisas são da nossa casa, George!”

“Também tem inundações lá,” o velho disse. “A terra está baixa. Sem perigo

entretanto, acalme-se. Apenas água. E lama.”

Will sabia que ele es tava certo, mas novamente ele desejou ver por si próprio.

Com pressa, eles deviam todos estar ; mexendo na mobília e tapetes , reti rando livros e

tudo que pudesse ser movido. Esses primeiros objetos f lutuantes devem ter escapado

antes que alguém notasse que a água estava carregando as coisas. . .

Pollux tropeçou pela primeira vez, e Will se agarrou na crina marrom molhada;

por um momento ele quase tinha escorregado e sido arrastado. George fez ruídos

acalmadores, e o grande cavalo suspirou e bufou através de seu nariz. Will agora podia

ver algumas luzes f racas que deviam vir das casas maiores em terreno al to no f inal do

vilarejo; i sso signif icava que eles deviam estar se aproximando da Comunidade. Se ainda

fosse a Comunidade, e não um lago.

Algo estava mudando. Ele piscou. A água parecia mais distante, dif íci l de ver.

Então ele percebeu que a luz dos Signos presos em seu pulso est ava f icando fraca,

desfazendo-se em nada; em um momento eles es tavam na escuridão. Logo que todas as

luzes tinham morrido, Velho George disse suavemente: “ Uou , Polly,” e o grande cavalo

shire fez uma parada e f icou imóvel a li com a água ondulando em suas p ernas.

George falou, “Aqui é onde eu tenho que deixá - lo , Will.”

“Oh,” disse Will, desanimado.

“Só há uma instrução,” disse Velho George. “Que você deve levar o cavalo branco

até o Caçador. Isso acontecerá, se você não t iver nenhum problema. E há dois co nselhos

para evitar que você tenha problemas, de mim para você. O primeiro é que você

encontrará luz suf iciente para enxergar se f icar parado e contar até cem depois que eu

tiver partido. O segundo é lembrar o que você já sabe, que água em movimento es tá l ivre

de magia.”

129

Ele bateu confortadoramente no ombro de Will. “Agora coloque os Signos em sua

cintura novamente,” ele disse, “e desça.”

Descer foi um negócio molhado, pior do que subir; Pollux f icava tão alto do chão

que Will espir rou água como um tijolo caindo. Mesmo assim ele não sent iu f rio algum;

embora a chuva ainda caísse sobre ele, ela era suave, e de algum modo curioso ela

parecia evitar que ele f icasse gelado.

Velho George disse novamente, “Eu vou começar a Caça,” e sem nenhuma palavra

de despedida ele fez Pollux cavalgar novamente em direção à Comunidade, e se foi.

Will subiu o banco de neve ao lado do rio -estrada, encontrou espaço para f icar de

pé sem perder o equilíbr io, e começou a contar a té cem. Antes que ele t ivesse alcançado

setenta, ele começou a ver o que Velho George quis dizer. Gradualmente, o mundo

escuro estava assumindo um brilho de luz de dentro de si próprio. A água que corria, a

neve esburacada, as árvores magras; ele podia ver tudo, em uma luz cinza morta como da

madrugada. E enquanto olhava ao redor, confuso, algo que passou por ele f lutuando na

veloz correnteza causou -lhe tamanha surpresa que ele quase caiu dentro da água de novo.

Ele viu as armações primeiro, girando preguiçosamente de um lado para o outro,

como se a grande cabeça es tivesse acenando para si mesma. Então as cores apareceram,

os azuis c laros, amarelos e vermelhos, do mesmo jei to como ele as tinha visto na manhã

de Natal. Não conseguia ver os detalhes do est ranho rosto, os olhos de pássaro, as

orelhas pontudas de lobo. Mas era a sua cabeça de carnaval sem dúvida, o inexplicável

presente que o velho Jamaicano havia dado a Stephen para entregar -lhe, o bem dele mais

precioso no mundo. Will emitiu um som como um soluço, e saltou para f rente

desesperadamente para agarra-la antes que a água a levasse para fora do alcance; mas ele

escorregou enquanto pulava, e no momento em que tinha recuperado o equilíbrio a

brilhante cabeça grotesca estava saltando para fora de vista. Will começou a correr pelo

banco; era uma coisa dos Antigos Escolhidos, e de Stephen, e ele t inha perdido; tinha

que recuperá- la a todo custo. Mas a memória o pegou no meio da ação, e ele parou. “A

segunda coisa,” Velho George havia dito , “é lembrar que água em movimento está livre

de magia.” A cabeça es tava na água em movimento, muito claramente. Enquanto ela

permanecesse ali , ninguém poderia causar -lhe dano ou usá-la para os f ins errados.

Relutantemente, Will colocou isso para fora de sua mente. A grande área da

Comunidade estendia -se diante dele, i luminada por um est ranho brilho próprio. Nada se

movia. Até mesmo o gado que normalmente pastava ali ano após ano, surgindo do nada

em dias de neblina como fantasmas sólidos, agora estavam escondido bem longe nas

fazendas, afastados por causa da neve. Will p rosseguiu, cuidadosamente. Então o barulho

da água que es teve em seus ouvidos por tanto tempo começou a mudar, f icando mais alto ,

diante dele a torrente que preenchia Huntercombe Lane virou para o lado, unindo -se a

uma pequena corrente local que agora tinha se transformado em um rio espumante corria

sobre a Comunidade, indo para longe. A estrada que tinha s ido o rio -estrada curvava-se,

desimpedida, sólida e c int ilante; Velho George, Will sentiu, t inha ido por aquele

caminho. Ele gostaria de ter seguido a estrada também, mas ele sentiu que deveria f icar

com o rio; através do sentido extra dos Ant igos Escolhidos, ele sabia que isso mostrar ia

como levar o cavalo branco até o Caçador.

Mas quem era o Caçador, e onde estava o cavalo branco?

Will seguiu em frente cautelosamente, pelos granulosos bancos de neve que

seguiam nas margens da nova corrente recém criada. Salgueiros a ladeavam, encolhidos e

cortados. Então de repente, surgindo da linha escura de árvores no lado mais distante da

corrente uma forma bran ca saltou. Houve um cintilar de prata, na escur idão que não era

totalmente escura, e em um jato de neve molhada a grande égua branca da Luz es tava

130

parada diante de Will, sua respiração formando nuvens pelas linhas de chuva. Ela era

alta como uma árvore, su a cr ina ondulava com o vento.

Will a tocou, genti lmente. “Você me carregará?” ele disse, na Língua Antiga.

“Como fez antes?”

O vento soprou enquanto ele falava, e um relâmpago cint ilou sal tando at ravés do

céu, mais perto do que realmente estava. O cavalo branco est remeceu, sua cabeça

balançando. Mas ela re laxou novamente quase instantaneamente, e Wil l também sent iu

inst intivamente que essa tempestade em formação não era uma tempestade do Escuro.

Isso era esperado. Era par te do que es tava por vir. A Luz es tava se erguendo, antes que o

Escuro pudesse fazê- lo.

Ele certif icou-se de que os Signos estavam seguros em seu cinto, e então como

uma vez antes ele est icou seus dedos ao vento no espesso pêlo longo da crina branca.

Imediatamente sua cabeça girou em uma v ertigem, e clara mas distante ele ouviu sua

mesma música semelhante a sinos e surpreendente, o mesmo trecho que capturava o

coração, a té que com um grande solavanco o mundo girou, a música desapareceu, e ele

estava sobre a costa da égua branca, e levado entr e os salgueiros.

Agora relâmpagos es tavam cintilando por todo o céu brilhante.

Músculos se contraíram na costa poderosa sob Will, e e le agarrou a crina longa

enquanto o cavalo saltou através da Comunidade, sobre os morros e desf iladeiros de

neve, seus cascos arranhando a superf ície deixando um rast ro de borrifos de gelo.

Através do vento que passava veloz ele pensou, enquanto se encostava no pescoço

arqueado da égua, que podia ouvir um estranho ruído no vento, como o som de gansos

que migravam voando alto . O som pareceu curvar -se ao redor deles, e então continuar em

frente, morrendo fora de alcance.

O cavalo branco saltava alto; Wil l segurou mais forte enquanto eles se erguiam

sobre cercas, est radas, paredes, todas emergindo da neve que derret ia. Então um novo

barulho mais a lto do que o vento ou o trovão estava em seus ouvidos, e ele viu um

espelho negro enrugado cintilando em frente e soube que t inham chegado ao Thames.

O rio aqui estava muito mais largo do que ele já tinha visto. Por mais de uma

semana ele es teve confinado e est re itado por paredes de gelo de neve saliente; agora

estava livre, espumando e rugindo, com grandes pedaços de neve e gelo debatendo -se

como icebergs. Isso não era um rio, era a fúria da água. Sibilava e urrava, não era

razoável. Assim que olhou, Will f icou assustado pelo Thames como nunca esteve; ele

estava tão selvagem quanto uma coisa do Escuro poderia ser, fora do conhecimento de

controle dele. Ainda assim ele sabia que ele não pertencia ao Escuro, mas além tanto da

Luz quanto do Escuro, uma das coisas ant igas do início do tempo. As coisas ant igas:

fogo, água, pedra. . . madeira. . . e então, após o surgimento do homem, bronze, e ferro. . . O

rio estava livre, e seguiria de acordo com sua própria vontade. “O rio virá até o val e. . .”

Merriman havia dito .

A égua branca fez uma pausa indecisa na borda da furiosa água f ria, então moveu -

se para f rente e saltou. Foi apenas quando eles se elevaram sobre o rio agitado que Will

viu a ilha, uma i lha onde ninguém estivera antes nessa torr ente ondulante, dividida por

estranhos canais reluzentes. Ele pensou, enquanto o cavalo branco o sacudiu até a terra

entre as árvores negras: é uma colina de verdade, um pedaço de chão alto separado pela

água.

E de repente ele sabia muito claramente que e ncontraria o grande per igo aqui.

Esse era o lugar de seu teste, essa ilha que não era uma i lha. Ele olhou para o céu mais

131

uma vez e silenciosamente, desesperadamente chamou por Merriman; mas Merriman não

veio, e nenhuma palavra ou sinal dele surgiu na ment e de Will.

A tempestade ainda não estava caindo, e o vento tinha reduzido um pouco; o

barulho do rio estava mais alto do que todos os outros. A égua branca dobrou seu

pescoço longo e Will desceu desajeitadamente.

Através da neve amontoada, às vezes gelo duro e às vezes suave o bastante para

enterrá-lo a té a coxa, ele foi explorar sua ilha estranha. Tinha pensado nela como um

círculo, nas tinha a forma semelhante a um ovo, com seu ponto mais al to na ponta onde a

égua branca f icou. Árvores cresciam ao r edor de seus pés; acima deles havia uma aberta

ladeira nevada; acima dela uma cober tura de arbusto s ásperos dominada por uma s imples

árvore de faia antiga retorcida. Saindo da neve aos pés dessa grande árvore, de modo

mais surpreendente, quatro correntes se guiam descendo sobre a ilha -colina, dividindo-a

em quatro partes. O cavalo branco permanecia imóvel. Um trovão retumbou no céu

tremulante. Will subiu até a velha árvore de faia, e f icou observando o jato de espuma

mais próximo sair debaixo de uma grande ra iz cheia de neve. E a cantoria começou.

Era sem palavras; vinha no vento; era um f ino, alto e f rio lamento sem tom ou

padrão def inível. Vinha de muito dis tante, e não era agradável de ouvir. Mas o manteve

hipnotizado, afastando seus pensamentos de sua di reção correta, afas tando -os de tudo

exceto da contemplação de seja lá o que fosse que est ivesse mais próximo. Will sentiu

que estava cr iando raízes, como a árvore acima dele. Enquanto ele ouvia a canção, viu

um ramo em um galho baixo da faia perto de s ua cabeça, que por razão alguma parecia

tão totalmente enfei tiçada que ele não conseguia fazer nada a não ser observar, como se

ela contivesse o mundo todo. Ele observou por tanto tempo, seus olhos se movendo tão

gradualmente até o pequeno ramo e de volta, que sentiu como se t ivessem passados

muitos meses, enquanto a alta e estranha canção continuava e cont inuava entrando pelo

céu desde o seu dis tante início. E então de repente ela parou e ele foi deixado surpreso

com seu nariz quase tocando um ramo de faia muito comum.

Ele soube então que o Escuro tinha seus próprios meios de colocar até mesmo um

Antigo Escolhido fora do Tempo por um espaço, se eles precisassem de espaço para sua

própria magia. Pois diante dele, perto do tronco da grande faia, estava Hawki n.

Agora ele era mais reconhecivelmente Hawkin, embora ainda fosse o Andarilho

em idade. Will sentiu que es tava olhando para dois homens em um. Hawkin ainda estava

vestido em seu casaco verde; ele ainda parecia novo, com um toque de um laço branco no

pescoço. Mas a f igura dentro do casaco não era mais asseada e f lexível, era menor,

curvada e encolhida pela idade. E o rosto tinha linhas e era gasto debaixo de longos

tufos de cabelo cinza; os séculos que tinham atingido Hawkin deixaram apenas seus

af iados olhos brilhantes intactos. Agora aqueles olhos olharam para Will com fria

hostil idade, além da neve amontoada.

“Sua irmã está aqui,” disse Hawkin.

Will não conseguia para r de olhar rapidamente ao redor da ilha. Mas ela estava

vazia como antes.

Ele disse f r iamente: “Ela não es tá aqui. Você não vai me pegar com um truque

idiota como esse.”

Os olhos se es tre itaram. “Você é arrogante,” Hawkin sibilou. “Você não vê tudo

que deve ser conhecido no mundo, Antigo Escolhido com o dom, e nem os seus mestres.

Sua irmã Mary es tá aqui, nesse lugar , ainda que ela não possa ser vista por você. Esse é

um encontro para a única barganha que meu senhor o Cavaleiro fará. Sua irmã pelos

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Signos. Você não tem muita escolha. Vocês são bons em arriscar a vida dos outros” – a

boca velha cruel curvou-se em um sorriso – “mas eu não acho que Will Stanton gostar ia

de ver sua irmã morrer.”

Will disse, “Não posso vê - la. Ainda não acredito que ela es teja aqui.”

Observando-o, Hawkin disse para o ar vazio, “Mestre?” E de repente o a lto cant o

sem palavras começou novamente, lançando Will de volta na lenta contemplação que era

quente e relaxante como o sol do verão, mas ao mesmo tempo horrível em sua suave

prisão da mente. Isso o transformou, enquanto ele estava ouvindo; o fez esquecer da

tensão de lutar pela Luz; mergulhou-o, dessa vez, no observar do modo como as sombras

e buracos formavam padrões em um caminho de neve per to de seus pés . Ele f icou ali

solto e re laxado, olhando para um ponto de gelo branco aqui, um buraco de escuridão ali ,

e o canto lamuriou em seu ouvido como o vento at ravés de fendas em uma casa caindo

aos pedaços.

Então parou novamente, e não havia nada, e Will viu com um choque como o f rio

súbito que ele es tava olhando não para um padrão de meras sombras na neve, mas para as

linhas e curvas do rosto de sua i rmã Mary. Ali jazia ela na neve, com as roupas que

usava quando ele a viu pela última vez; viva e i lesa, mas olhando de modo vazio para ele

sem qualquer sinal de que o reconhecia ou soubesse onde ela es tava. Na verdade, Will

pensou infel iz, ele também não sabia onde ela estava, pois embora lhe estivesse sendo

mostrada a aparência dela, era muito improvável que ela est ivesse realmente ali dei tada

na neve. Ele se moveu para tocá -la, e como ele esperava ela desapareceu comp letamente,

e apenas as sombras estavam na neve como antes.

“Você percebe,” disse Hawkin, imóvel ao lado da árvore de faia. “Tem algumas

coisas que o Escuro pode fazer, mui tas coisas, sobre as quais você e seus mestres não

possuem controle algum.”

“Isso é bastante óbvio,” disse Will. “Caso contrár io não haveria tal t ipo de coisa

como o Escuro, haveria? Nós podemos apenas dizer a ele para ir embora.”

Hawkin sorriu, sem irr itação. Ele disse suavemente, “Mas ele nunca irá embora.

Uma vez que ele surge, trans forma toda a resistência em nada. E o Escuro sempre virá,

meu jovem amigo, e sempre vence. Como você vê, temos sua irmã. Agora você vai me

entregar os Signos.”

“Entregá - los a você?” Will disse com desprezo. “Para um verme que ras tejou para

o outro lado? Nunca!”

Ele viu os punhos apertarem brevemente nas mangas da jaqueta de veludo verde.

Mas esse era um velho, velho Hawkin, não seria ludibriado; tinha a s i mesmo sob

controle agora que não era mais o Andarilho que f icava perambulando mas parte do

Escuro. Havia apenas uma pequena pitada de fúria na voz. “Você faria bem em negociar

com o mensageiro do Escuro, garoto. Se não o f izer, pode invocar mais do que gostaria

de ver.”

O céu tremeu e re tumbou, trazendo uma breve luz brilhante para a água que rugia

por todo redor, para a grande árvore que cobria a pequena ilha, para a f igura de jaqueta

curvada ao lado de seu tronco. Will disse, “Você é uma cr iatura do Escuro. Você

escolheu a tra ição. Você não é nada. Não vou negociar com você.”

O rosto de Hawkin se torceu enquanto olhava para ele maldosamente; então olhou

em direção à escura e vazia Comunidade e chamou: “Mestre!” Então de novo, dessa vez

com um guincho raivoso: “Mestre!” Will f icou parado, tranqüilo , esperando. No extremo

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da ilha ele viu a égua branca da Luz, quase invisível contra a neve, ergue r sua cabeça e

farejar o ar, bufando suavemente. Ela olhou uma vez em direção a Wil l como que em

notif icação; então virou na direção da qual eles tinham vindo, e galopou para longe.

Dentro de segundos, algo surgiu. Não houve som algum, ainda, apenas o rio

apressado e a tempestade resmungante e crescente. A coisa que apareceu era totalmente

silenciosa. Era grande, uma coluna de névoa negra como um tornado, gi rando em enorme

velocidade para cima entre a terr a e o céu. Em cada ponta e la parecia larga e sólida, mas

o centro ondulava, f icava delgado e então espesso novamente; ela se entrelaçava para

f rente e para trás enquanto vinha, em um tipo de dança macabra. Era um buraco no

mundo, esse espectro negro rodopiante; um pedaço do vazio eterno do Escuro tornado

visível. Enquanto vinha chegando mais perto e mais perto da ilha, curvando e retorcendo,

Will não conseguia evitar de recuar ; cada parte dele gr itava s ilenciosamente em alarme.

O pilar negro oscilou diante dele, cobrindo toda a ilha. Sua névoa s ilenciosa

rodopiante não mudou, mas separou-se, e parado dentro dela estava o Cavaleiro Negro.

Ele f icou com a névoa girando ao redor de suas mãos e cabeça, e sorriu para Will: um

frio sorriso desprovido de alegria, com as pesadas barras de sobrancelhas curvadas e

ameaçadoras acima. Ele es tava todo de preto novamente, mas as roupas eram

inesperadamente modernas; ele vest ia uma pesada jaqueta preta e ásperas calças de brim.

Sem um tremor sequer no gélido sorr iso ele se moveu um pouco para o lado, e para fora

da serpenteante névoa negra da coluna veio seu cavalo, a grande besta negra com olhos

ardentes, e em sua costa sentava Mary.

“Olá, Will,” Mary falou alegremente.

Will olhou para e la. “Alô.”

“Suponho que estava procurando por mim,” disse Mary. “Espero que ninguém

tenha f icado preocupado. Eu só saí para dar um pequeno passeio, só por um minuto ou

dois. Quero dizer, quando fui procurar por Max, e então encontrei o Sr. Mitothin e

descobri que Papai tinha enviado ele p ara procurar por mim, bem, obviamente estava

tudo bem. Eu f iz uma cavalgada adorável. Esse é um super cavalo. . . e que dia adorável

agora. . .”

O trovão retumbou, por trás da espessa nuvem negra -acinzentada. Will es t remeceu

descontente. O Cavaleiro, observando-o, disse bem alto , “Aqui está um pouco de açúcar

para o cavalo, Mary. Acho que ele merece, não acha?” E ele estendeu sua mão, vazia.

“Oh, obrigada,” disse Mary alegremente. Ela se inclinou para f rente sobre o

pescoço do cavalo e p egou o açúcar imaginário da mão do Cavaleiro. Então ela se esticou

até o lado da boca do garanhão, e o animal lambeu rapidamente em sua palma. Mary

sorriu. “Pronto,” e la disse. “Está bom?”

O Cavaleiro Negro ainda olhava para Will, seu sorriso alargando -se um pouco. Ele

abriu sua palma zombando de Mary, e nela Will viu uma pequena caixa branca, feita de

um vidro translúcido, com linhas de símbolos rúnicos gravados na tampa.

“Eu a tenho aqui, Antigo Escolhido,” disse o Cavaleiro, sua voz acentuadamente

nasa l levemente triunfante. “Presa pelas marcas do Velho Feitiço de Lir, que foi escrito

faz muito tempo atrás em um certo anel e então perdido. Você deveria ter olhado o anel

de sua mãe mais de perto, você e aquele seu pai simples artesão, e Lyon seu mestre

descuidado. Descuidado. . . Sob esse feitiço eu tenho sua irmã presa pelo totem mágico, e

você mesmo preso também, incapaz de resgatá - la. Veja!”.

134

Ele abriu a pequena caixa, e Wil l viu nela um arredondado e delicadamente

entalhado pedaço de madeira, com uma f rágil l inha de ouro amarrada. Com espanto ele

lembrou do único ornamento que es tava faltando da coleção de Natal entalhada pelo

Fazendeiro Dawson para a família Stanton, e o cabelo dourado que o Sr. Mitothin, o

visi tante de seu pai, havia ret irado com casu al cortesia da manga de Mary.

“Um s ímbolo de nascimento e um cab elo da cabeça são totens excelentes,” o

Cavaleiro disse. “Nos dias antigos quando éramos todos menos sof isticados, você

poderia, é claro, realizar a magia até mesmo at ravés do chão que o pé de um homem

t ivesse pisado.”

“Ou onde a sua sombra tivesse passado,” disse Will.

“Mas o Escuro não lança sombra alguma,” o Cavalei ro disse suavemente.

“E um Ant igo Escolhido não tem s ímbolo de nascimento,” disse Will.

Ele viu incerteza cinti lar sobre o conc entrado rosto branco. O Cavalei ro fechou a

caixa branca e a enf iou em seu bolso. “Bobagem,” ele disse de modo áspero.

Will olhou para ele pensativamente. Ele disse, “Os mestres da Luz não fazem nada

sem uma razão, Cavaleiro. Mesmo que a razão não seja com preendida por anos e anos.

Onze anos atrás o Fazendeiro Dawson, da Luz, entalhou um cer to s ímbolo para mim em

meu aniversário , e se ele tivesse feito o s ímbolo com a letra de meu nome, como era a

tradição, então talvez vocês pudessem ter usado ele para me apr isionar dentro de seu

poder. Mas ele o fez no s ímbolo da Luz, um círculo cortado por uma cruz. E como você

sabe muito bem, o Escuro não pode usar nada com aquela forma para seus próprios

objetivos. É proibido.”

Ele olhou para o Cavalei ro. Ele disse, “Acho q ue você está tentando me iludir

novamente Sr. Mitothin. Sr. Mithothin, Cavaleiro Negro do cavalo negro.”

O Cavaleiro fez uma careta. “Você ainda es tá impotente,” ele disse. “Pois eu

tenho sua irmã. E você não pode salvá -la a não ser me entregando os Sign os.” A maldade

brilhou de novo em seus olhos. “O seu grande e nobre Livro deve ter dito a você que eu

não posso ferir aqueles que são do mesmo sangue de um Antigo Escolhido , mas olhe para

ela. Ela fará qualquer coisa que eu sugerir que ela deve fazer. Até mesmo pular dentro

desse agitado Thames. Há partes do of ício que vocês negl igenciam, você sabe. É tão

simples persuadir pessoas a entrar em situações onde el as a traem acidente sobre si

mesmas. Como a sua mãe, por exemplo, tão descuidada.”

Ele sorriu de novo para Wil l. Will o encarou em retorno, odiando ele; então olhou

para o rosto feliz semi-consciente de Mary e sentiu por ela estar em tal lugar. Ele

pensou: e tudo porque ela é minha irmã. Tudo por minha causa.

Mas uma voz silenciosa disse dentro de sua mente: “Não por sua causa. Por causa

da Luz. Por causa de tudo que sempre deve acontecer, para evitar que o Escuro se erga.”

E com uma onda de alegria Will soube que não es tava mais sozinho; isso porque o

Cavaleiro estava longe de casa, Merriman também es tava perto novamente, l ivre para

fornecer a juda se fosse necessár io.

O Cavalei ro estendeu sua mão. “Esse é o momento para sua barganha, Will

Stanton. Entregue-me os Signos.”

Will deu a respirada mais profunda de sua vida, e deixou sair lentamente. Ele

disse, “Não.”

135

Admiração era uma emoção que o Cavalei ro Negro tinha esquecido muito tempo

atrás. Os penetrantes olhos azuis observaram Wil l em total incredul idade. “Mas você

sabe o que eu farei?”

“Sim,” disse Will. “Eu sei. Mas não entregarei os Signos a vo cê.”

Por um longo momento o Cavaleiro olhou para ele, do vasto pilar negro de névoa

rodopiante no qual e le es tava; em seu rosto incredulidade e fúria estavam mesclados com

um tipo de respeito maligno. Então ele virou para o cavalo negro e para Mary e gr it ou

algumas palavras em uma linguagem que Will deduziu, com o calafrio que elas

colocavam em seus ossos, devia ser a pronúncia de feitiço do Escuro, raramente usada

em voz al ta. O grande cavalo balançou sua cabeça, dentes brancos brilhando, e

projetados para f rente, com a feliz Mary sem juízo agarrando sua crina e rindo

abertamente. Ele se aproximou do banco de neve saliente que ladeava o rio , e parou.

Will aper tou os Signos no seu Cinto, em agonia pelo risco que estava correndo, e

com toda seu poder invoco u o poder da Luz para vir em seu auxílio .

O cavalo negro emitiu um rel incho, guinchando de modo lamurioso e saltou no ar

sobre o Thames. No meio do caminho em seu salto ele se curvou estranhamente, dando

um coice no ar, e Mary gri tou de terror, agarrando desesperadamente seu pescoço. Mas o

equilíbrio dela se foi, e ela caiu. Wil l pensou que ir ia desmaiar enquanto ela girava pelo

ar, seu r isco t ransformando -se em desastre; mas ao invés de mergulhar no rio , ela caiu na

neve macia em sua margem. O Cavaleiro N egro amaldiçoou selvagemente, sal tando para

f rente. Ele nunca a a lcançou. Antes que estivesse no meio do passo, um grande

relâmpago em forma de f lecha saiu da tempestade agora acumulada quase sobre as

cabeças, e um som de trovão gigantesco, e saindo do f la sh e do rugido uma intensa linha

branca correu sobre a ilha em direção a Mary, carregando -a de modo que em um instante

ela desapareceu, levada para longe, segura. Wil l mal conseguiu ver de relance a forma

incl inada de Merr iman, encapada e encapuzada, na ég ua branca da Luz, com o cabelo

loiro de Mary voando onde ele a segurava. Então a tempestade irrompeu, e o mundo todo

girou f lamejante ao redor de sua cabeça.

A terra tremeu. Por um instante ele viu o Castelo de Windsor delineado em preto

contra um céu branco. Relâmpago ofuscou seus olhos, t rovão retumbou em sua cabeça.

Então at ravés da cantoria em seus ouvidos confusos ele ouviu um est ranho chiado e

rangido perto. Ele se virou. Atrás dele, a grande árvore de faia es tava rachada ao meio,

ardendo em grandes chamas, e e le percebeu com assombro que a forte correnteza das

quatro correntes da ilha es tavam diminuindo e diminuindo, transformando -se em nada.

Ele olhou amedrontado para a coluna negra do Escuro, mas ela não podia ser vista em

lugar algum na tempestade furiosa, e a estranheza de tudo mais que estava acontecendo

tirou da mente de Will o pensamento a respei to disso.

Pois não foi apenas a árvore que tinha sido dividida e quebrada. A própria ilha

estava mudando, abrindo -se, afundando em direção ao rio . Wil l observou mudo, agora

f icando em uma borda de terra cheia de neve deixada pelas correntes desaparecidas,

enquanto em torno dele neve e a terra deslizou e desmoronou dentro do revolto Thames.

Acima dele, viu a coisa mais estranha de todas. Algo estava emergindo da ilha, enquanto

a terra e neve se desfaziam. Primeiro surgiu, do que havia sido a parte mais alta da ilha,

a cabeça de um cervo com forma tosca, de armação bem alta. Era dourada, cintilando

mesmo naquela luz f raca. Mais entrou no campo de visão ; agora Wil l conseguia ver o

cervo todo, uma linda imagem dourada, empinando -se. Então apareceu um cur ioso

pedestal curvado no qual ele estava, como que para saltar longe; então por trás dele uma

longa, longa forma horizontal, tão longa quanto a ilha, elev ando-se novamente na outra

extremidade em outro ponto alto de ouro -cinti lante, dessa vez tendo na ponta um tipo de

136

pergaminho. E de repente Will percebeu que ele estava olhando para um barco. O

pedestal era a sua alta proa curvada, e o cervo sua carranca.

Surpreso, ele se moveu em direção a ele, e imperceptivelmente o rio moveu -se

atrás dele, a té que não res tava nada da ilha mas apenas o comprido barco em um último

círculo de terra, com um último amontoado de neve que se erguia ao redor dele. Will

f icou observando. Nunca tinha visto tal t ipo de barco. As longas madeiras da qual ele foi

construído sebrepunham-se umas às outras como as madeiras de uma cerca, pesadas e

largas; elas pareciam carvalho. E não conseguia ver mastro algum. Ao invés disso havia

lugares para colunas e colunas de remadores, subindo e descendo por todo o

comprimento da embarcação. No centro es tava um t ipo de cabine que fazia o barco

parecer quase como a Arca de Noé. Não era uma est rutura fechada; seus lados pareciam

ter s ido cortados fora, deixando as vigas dos cantos e telhado como uma coberta. E do

lado de dentro, sob a cobertura, jazia um rei.

Will recuou um pouco ao vê-lo. A f igura enrolada estava imóvel, com espada e

escudo ao seu lado, e tesouros empilhados ao seu redor em mont es cintilantes. Ele não

usava coroa. Ao invés disso um grande elmo gravado cobria a cabeça e a maior parte do

rosto, adornado por uma pesada imagem de prata de um animal com um longo focinho

que, Will pensou, deveria ser de um porco selvagem. Mas mesmo sem u ma coroa esse era

claramente o corpo de um rei. Nenhum homem inferior poderia ter merecido os pratos de

prata e bolsas com jóias, o grande escudo de bronze e ferro, a bainha ornamentada, os

chif res com bordas de ouro, e os montes de adornos. Em um impulso Wil l ajoelhou-se na

neve e abaixou sua cabeça em respeito. Enquanto olhou para c ima novamente,

levantando-se, e le viu por sobre a amurada do barco algo que não havia notado antes.

O rei estava segurando algo em suas mãos, onde elas jaziam tranquilamente

dobradas sobre o seu peito . Era outro ornamento, pequeno e cintilante. E quando Will o

viu mais de perto, ele f icou imóvel como pedra, agarrando a alta borda de carvalho do

barco. O ornamento nas mãos sossegadas do rei do longo barco tinha a forma de um

círculo, dividido por uma cruz. Era f eito de vidro i ridescente, estampado com serpentes,

enguias e peixes, ondas e nuvens e coisas do mar. Ele chamou s ilenciosamente por Will.

Esse era sem qualquer dúvida o Si gno da Água; o último dos Seis Grandes Signos.

Will subiu pelo lado do grande barco e se aproximou do rei. Tinha que ter cuidado

com onde seus pés se moviam, ou ele esmagaria f inos trabalhos de couro estampado e

mantos bordados, jóias decoradas, colares e f ios de ouro. Ficou olhando para baixo po r

um momento no rosto branco meio escondido pelo elmo ornado, e então se esticou

reverentemente para pegar o Signo. Mas primeiro ele teve que tocar a mão do rei morto,

e ela estava mais f ria do que qualquer pedra. Will vaci lou e se afastou, hesi tante.

A voz de Merr iman disse suavemente, de perto, “Não tenha medo dele.”

Will engoliu em seco. “Mas . . . ele está morto.”

“Ele f icou aqui em seu cemitério por mil e quinhentos anos, esperando. Em

qualquer outra noite do ano ele não estaria aqui, ele ser ia pó. Sim, Will, essa aparência

dele é a da morte. O resto dele se foi além do Tempo, há muito.”

“Mas é errado roubar o tributo de um morto.”

“Esse é o Signo. Se ele não fosse o Si gno, e destinado a você, o Buscador dos

Signos, ele não estaria aqui para entreg á-lo. Pegue-o.”

Então Will se inclinou sobre o esquife e pegou o Si gno da Água do aperto f rouxo

das f rias mãos mortas, e de algum lugar distante um murmúrio de sua musica sussurrou

137

em seus ouvidos e então desapareceu. Ele vi rou para o lado do barco. Al i a o lado estava

Merriman, sentado na égua branca; ele estava encapuzado de azul escuro, com o seu

rebelde cabelo branco descoberto; os sulcos de sua face ossuda estavam escurecidos pel a

tensão, mas delei te cinti lava em seus olhos.

“Foi bem feito , Will,” ele d isse.

Will estava contemplando o Signo em suas mãos. O bri lho sobre ele era a

iridescência de toda madrepérola, todos os arco -íris; e luz dançou sobre ele enquanto

dançava na água. “É lindo,” ele disse . Meio relutante , af rouxou a ponta do cinto e enf iou

o Signo da Água, para f icar perto do cint ilante Si gno do Fogo.

“Esse é um dos mais antigos,” disse Merr iman. “E o mais poderoso. Agora que

você o possui, eles perderam seu poder sobre Mary para sempre . Aquele feitiço está

morto. Venha, devemos partir .”

Inquietação af iou sua voz; ele t inha visto Will agarrar rapidamente em uma viga

enquanto o longo barco, de repente, inclinou para um lado inesperadamente. Ele se

ergueu, balançou um pouco, então seguiu na direção oposta. Will viu, sub indo pelo lado,

que o Thames tinha se e levado ainda mais enquanto ele não estava olhando. A água

lambia ao redor do grande barco, e ele quase tinha f lutuado. Agora o rei morto não riria

repousar por muito tempo na terra que uma vez havia sido uma ilha.

A égua girou em direção a ele, bufando uma saudação, e no mesmo momento

encantado de música como antes Wil l es tava sobre o cavalo branco da Luz, sentado na

f rente de Merriman. O barco quicou e girou, agora f lutuando totalmente e o cavalo

branco saiu do seu caminho para aguard ar nas proximidades, observando, a água do rio

espumando ao redor de suas pernas robustas. Estalando e chocalhando, o longo barco

entregou-se à fúria do revolto Thames. E ra uma embarcação muito larga para ser

vencida; seu peso o mantinha estável mesmo naquela água rodopiante, uma vez que t inha

encontrado equil íbrio. Então o rei morto jazia imóvel com dignidade, em meio às suas

armas e brilhante tributo, e Will teve uma última visão do rosto branco semelhante a uma

máscara enquanto o grande barco moveu -se para longe r io abaixo.

Ele falou por sobre os ombros, “Quem era ele?”

Houve um grave respeito no rosto de Merr iman enquanto ele observava o longo

barco ir. “Um rei Inglês, das Eras Negras. Acho que não usaremos seu nome. As Eras

Negras eram nomeadas co rretamente, uma época sombria para o mundo, quando os

Cavaleiros Negros cavalgavam livres sobre toda nossa terra. Apenas os Antigos

Escolhidos e alguns nobres homens bravos como esse mantinham a Luz viva.”

“E ele foi enterrado em um barco, como os Vikings .” Wil l es tava observando o

cint ilar de luz sobre o cervo dourado da proa.

“Ele próprio era par te Viking,” disse Merriman. “Havia t rês grandes navios -

cemitério próximos a esse Thames, em dias passados. Um esteve enterrado no século

passado perto de Taplow, e destruído no processo. Um era esse barco da Luz, que não

estava destinado a ser encontrado pelos homens. E um era o maior barco, do maior rei de

todos, e esse eles não encontraram e talvez nunca encontrem. Ele jaz em paz.” Ele parou

abruptamente, e com um movimento de sua mão o cavalo branco virou, pronto para saltar

para longe do rio , para o sul.

Mas Will ainda es tava se esforçando para ver o longo barco, e a lgo de sua tensão

pareceu infectar o cavalo e mestre. Eles pararam. Naquele momento, um extrao rdinário

facho de luz azul surgiu rapidamente do leste, não do céu trovejante mas de algum outro

138

lugar do outro lado da Comunidade. Ele atingiu o navio. Um grande monte de chamas

estourou al i , sobre o largo rio e seus brancos bancos íngremes, e da proa até a popa o

barco do rei estava lineado por fogo salt itante. Will deu um chocante gr ito sem palavras,

e o cavalo branco tremeu inquieto, pisoteando a neve.

Atrás de Will, a forte voz profunda de Merriman disse, “Eles sopram seu rancor,

pois sabem que já é tarde demais. É muito fácil , agora e novamente, predizer o que o

Escuro fará.”

Will falou, “Mas o rei, e todas as suas belas coisas. . .”

“Se o Cavalei ro parasse para pensar, Will, ele saberia que sua explosão de malícia

não fez mais do que cr iar um correto e apropriado f im para esse grande barco. Quando o

pai desse rei morreu, ele foi colocado em um barco do mesmo jeito , com tod os os seus

pertences mais explêndidos ao redor dele, mas o barco não foi enterrado. Esse não era o

costume. Os homens do rei colocaram fo go nele e o enviaram queimando sozinho pelo

mar, uma tremenda pira navegante. E isso, veja, é o que nosso Rei do Último Si gno está

fazendo agora: navegando em fogo e água para seu longo descanso, descendo o maior rio

da Inglaterra, em direção ao mar.”

“E bom descanso para ele,” disse Will suavemente, f inalmente vi rando seus olhos

das chamas que saltavam. Mas por um longo tempo depois, para onde quer que fossem,

eles podiam ver o brilho do longo barco ardente clareando uma parte do escuro céu

tempestuoso.

139

arte Três: O Teste

Caçador Cavalga

“Venha,” disse Merr iman, “não devemos perder mais tempo!” E a égua branca

girou com eles para longe do rio e se ergueu no ar, espirrando a água espumante,

cruzando o Thames indo para o lado que era o f inal de Buckinghamshir e , o começo de

Berkshire. Ela saltou com desesperada velocidade, e a inda assim Merriman apressava -

lhe. Wil l sabia porque. Ele deu uma o lhada, a través das dobras f lutuantes da capa azul de

Merriman, a grande coluna do tornado negro do Escuro formou -se novamente ainda mais

larga do que antes, cruzando terra e céu, girando silenciosamente no brilho do barco em

chamas. Ela os estava seguindo, e estava se movendo muito rápido.

Um vento irrompeu do leste e chicoteou sobre eles; a capa deslizou para f rente ao

redor de Will, envolvendo -o, como se ele e Merr iman estivessem fechados em uma

grande tenda azul.

“Esse é o pico de tudo,” Merr iman gritou em seu ouvido, o mais alto que podia,

mas ainda assim mal podia ser ouvido em meio ao crescente rugido do vento. “você tem

os seis Signos, mas eles ainda não foram unidos. Se o Escuro puder pegá -lo agora, eles

pegam tudo que precisam para elevar -se ao poder. Agora eles tentarão ao máximo.”

Em seu galope, passavam por casas, lojas e pessoas desavisadas combatendo as

inundações; passaram por telhados e chaminés, sobre cercas, por campos, através de

árvores, nunca longe da terra. A grande coluna negra os perseguia, correndo com o

vento, e dentro dela e a través dela cavalgava o Cavaleiro Negro em seu cavalo negro com

mandíbula de fogo, apressado atrás deles, com os próprios Senhores do Escuro seguindo

no ombro dele como uma escura nuvem giratória.

A égua branca ergueu -se novamente, e Will olhou para baixo. Agora árvores

estavam por toda parte abaixo deles ; grandes carvalhos e spalhados e faias em campos

abertos, e então fechadas f lorestas cortadas por longas avenidas retas. Cer tamente agora

eles estavam galopando em um tipo de avenida, passando por pinheiros pesados de neve

aninhados, e saindo novamente em terra aberta. . . Relâm pagos bri lhavam ao lado

esquerdo dele, saltando nas profundezas de uma grande nuvem, e em sua luz ele viu a

massa escura do Castelo de Windsor erguendo -se bem próximo. Ele pensou: se esse é o

castelo, devemos estar no Grande Parque.

Começou a sent ir, também, que eles não estavam mais sozinhos. Duas vezes ele já

tinha escutado de novo aquele es tranho uivo alto no céu, mas agora havia mais. Seres de

seu próprio tipo estavam por aqui, em algum lugar, no Parque abarrotado de árvores. E

ele sentiu, também, que o maciço céu cinzento não es tava mais sem vida, e sim povoado

por criaturas nem do Escuro, nem da Luz, se movendo para f rente e para trás, agrupando -

se e separando-se, possuindo grande poder. .. Agora a égua branca estava de novo na neve

embaixo, os cascos pisando sobre caminhos com gelo, neve parcialmente derretida, de

forma mais deliberada do que antes. De repente Wil l percebeu que ela não es tava

respondendo a Merriman, como ele havia pensado, mas seguindo algum impulso profundo

dela mesma.

Relâmpagos cint ilaram de novo ao redor deles, e o céu rugiu. Merriman disse ao

lado de seu ouvido: “Você conhece o Carvalho de Herne?”

140

“Sim, é c laro,” Will disse prontamente. Ele havia conhecido a lenda local a sua

vida toda. “É onde nós estamos? A grande árvore de carvalho no Grande Parque onde. . .”

Ele engasgou. Como podia não ter pensado nisso? Porque o Gramarye havia

ensinado a ele tudo menos isso? Ele continuou, lentamente, “onde Herne, o Caçador,

deveria cavalgar na véspera da Décima Segunda Noite?” Então e le se virou olhando para

assustado para Merriman. “Herne?”

“Eu vou começar a Caça ,” havia dito o Velho George. Merr iman disse, “É claro.

Essa noi te o Caçador cavalga. E por que você fez bem a sua parte, essa noite pela

primeira vez em mais de mil anos o C açador terá uma caça.”

A égua branca reduziu o passo, farejando o ar. Ventos es tavam dividindo o céu;

uma meia-lua navegou al to através das nuvens, então desapareceu novamente.

Relâmpagos dançaram em seis lugares de uma vez, as nuvens rugiram e rosnaram. o pilar

negro do Escuro veio correndo em direção a eles, então parou, girando e ondulando,

f lutuando entre a terra e o céu. Merriman disse, “Um Antigo Caminho ci rcunda o Grande

Parque, o caminho at ravés de Hunter 's Combe. Eles levarão um tempinho para enco ntrar

um caminho para passar.”

Will es tava se esforçando para ver em frente através da escuridão. Na luz

intermitente e le podia divisar a forma de uma solitária árvore de carvalho, estendendo

grandes braços de seu tremendo tronco curto. Diferente da maior ia das outras árvores a

vista, ela não carregava o menor resto de neve; e uma sombra permanecia ao lado de seu

tronco, do tamanho de um homem.

A égua branca viu a sombra ao mesmo tempo. Ela soprou forte pelo nar iz, e

pisoteou o chão.

Will disse para si mesmo, muito suavemente, “O cavalo branco deve ir até o

Caçador. . .”

Merriman o tocou no ombro, e com rápida facilidade eles deslizaram para o chão.

A égua curvou sua cabeça para eles, e Will pousou sua mão no forte e suave pescoço

branco. “Vá, minha amiga, ” disse Merriman, e o cavalo virou e trotou ansiosa em direção

à grande e soli tár ia árvore de carvalho e da misteriosa sombra imóvel debaixo dela. A

cria tura que possuía aquela sombra era de imenso poder; Wil l recuou diante da sensação

dele. A lua entrou por trás das nuvens de novo; por algum tempo não houve relâmpago

algum; na escur idão eles não conseguiam ver nada se mover debaixo da árvore. Um som

surgiu através da escur idão: um relin cho de saudação da égua branca.

Como que em contraponto, um profundo ganido bufante saiu das árvores ao lado

deles; quando Will se virou, a lua pairou livre da nuvem novamente, e ele viu a grande

silhueta de Pollux, o cavalo shire da Fazenda Dawsons, com o Velho George alto em sua

costa.

“Sua i rmã está em casa, garoto,” dis se Velho George. “Ela se perdeu, você sabe, e

adormeceu em um velho celeiro, e teve um sonho est ranho que ela já está esquecendo. . .”

Will acenou com a cabeça agradecido e sorriu; mas ele estava olhando para uma

cur iosa forma arredondada, embrulhada, que G eorge segurava diante dele. “O que é

isso?” Seu pescoço estava formigando apenas por estar perto daquilo, seja lá o que fosse.

Velho George não respondeu; e le se inclinou para Merriman. “Está tudo bem?”

141

“Tudo vai bem,” disse Merriman. Ele est remeceu, e j ogou sua capa longa em torno

de si. “Entregue para o garoto.”

Ele olhou seriamente para Will com seus profundos olhos inescrutáveis, e Will,

pensativo, foi em direção ao cavalo de carga e f icou ao joelho de George, olhando para

cima. Com um rápido sorriso sem alegr ia que parecia mascarar grande tensão, o velho

abaixou a carga sombria em direção a ele. Tinha a metade da largura do próprio Will,

embora não fosse pesada; estava enrolada em sacos. Assim que colocou as mãos, Will

soube instantaneamente o que era. Não pode ser, ele pensou incredulamente; qual ser ia o

propósito? Trovões retumbaram novamente, por todo lado.

A voz de Merriman disse, profunda nas sombras at rás dele, “Mas é claro que é. A

água trouxe, em segurança. Então os Antigos Escolhidos ti raram da água no momento

apropriado.”

“E agora,” disse Velho George, de sua posição elevada sobre o paciente Pollux,

“Você deve levar até o Caçador, jovem Antigo Escolhido.”

Will engoliu nervosamente. Um Antigo Escolhido não tem nada a temer no mundo,

nada. Ainda assim, havia algo tão est ranho e surpreendente naquela f igura sombria

debaixo do carvalho gigante, a lgo que fazia alguém sentir -se desnecessário,

insignif icante, pequeno. . .

Ele colocou-se ereto. Desnecessário era a palavra errada, de qualquer modo; ele

tinha uma tarefa a cumprir. Erguendo sua carga como um estandar te, ele ret irou suas

cobertas, e a clara, estranha cabeça de carnaval que era metade homem, metade fera

emergiu tão suave e a legre como se tivesse acabado de chegar de sua ilha distante. As

armações f icavam elevadas orgulhosamente; ele viu que elas eram exatamente da mesma

forma daquelas no cervo dourado, a carranca do barco do rei morto. Segurando a máscara

diante dele, caminhou f irmemente em direção da sombra profunda do grande carvalho.

Perto dele, parou. Ele podia ver um brilho de branco vindo da égua, movendo -se

gentilmente em reconhecimento; ele podia ver que a égua tinha um cavaleiro. Mas isso

foi tudo.

A f igura no cavalo curvou-se até ele. Ele não viu o rosto, mas apenas sentiu a

máscara erguida de suas mãos . . . e suas mão despencaram como se tivessem sido

liberadas de um grande peso, ainda que a cabeça desde o início parecesse tão leve. Ele

recuou. A lua surgiu navegando de repente de t rás de uma nuvem, e por um momento

seus olhos foram ofuscados enquanto olhava dentro de sua f ria luz branca; então ela

desapareceu novamente, e o cavalo branco estava se movendo para fora da sombra, com a

f igura em suas costas transformada em seu co ntorno contra o céu pálido. Agora o

cavaleiro tinha uma cabeça que era maior do que a cabeça de um homem e com chifres

em armação como os de um cervo. E a égua branca, carregando esse monstruoso homem -

cervo, estava se movendo inexoravelmente em direção a Wil l.

Ele f icou imóvel, esperando, até que o grande cavalo se aproximou; seu nariz

tocou gentilmente seu ombro, uma vez, pela última vez. A f igura do Caçador erguia -se

sobre ele. A luz do luar agora cintilava clara em sua cabeça, e Will encontrou -se

contemplando estranhos olhos castanho -claros, amarelo -ouro, insondáveis, como os olhos

de algum pássaro enorme. Ele olhou dentro dos olhos do Caçador, e ouviu no céu aquele

estranho uivo alto começar de novo; com a dif iculdade de escapar de um encantamento,

ele desviou seu olhar para olhar adequadamente para a cabeça, a gr ande máscara com

chifres que havia sido entregue ao Caçador para que ele colocasse.

Mas ela era verdadeira.

142

Os olhos dourados piscaram, envoltos em penas e redondos, com o piscar

deliberado das fortes pálpebras de uma coruja; o rosto do homem no qual ele s se

encontravam estava vi rado totalmente para Will, e a f irme boca curvada sobre a leve

barba partida em um rápido sorriso. Aquela boca perturbava Wil l; não era a boca de um

Antigo Escolhido. Ela podia sorrir em amizade, mas havia também outras linhas ao redor

dela. Onde o rosto de Merriman estava marcado com linhas de tristeza e raiva, o do

Caçador, ao invés disso, mostrava crueldade, e um impiedoso impulso para vingança. Ele

realmente era metade fera. Os galhos escuros da armação de Herne curvaram -se sobre

Will , a luz do luar bri lhando no resplendor aveludado deles, e o Caçador sorriu

suavemente. Ele olhou para baixo, para Will, com seus olhos amarelos, em seu rosto não

havia mais uma máscara, mas algo vivo, e ele falou em uma voz como a de um tenor. “Os

Signos, Antigo Escolhido,” ele disse. “Mostre -me os Signos.”

Sem ti rar seus olhos da grandiosa f igura, Will se a trapalhou com sua f ivela e

segurou os seis cí rculos bem al to na luz da lua. O Caçador olhou para eles e baixou sua

cabeça. Quando a ergueu novamente, lentamente, a voz suave es tava meio -cantando,

meio-recitando palavras que Wil l já tinha ouvido antes.

“When the Dark comes rising, six shall turn it back;

Three from the circle, three from the track;

Wood, bronze, iron; water, f i re, stone;

Five wi ll return, and one go alone.”

“Iron for the birthday, bronze carried long;

Wood from the burning, stone out of song;

Fire in the candle-ring, water from the thaw;

Six Signs the circle, and the grail gone before.”

Mas ele também não parou onde Will esperava que p arasse; ele continuou. . .

“Fire on the mountain shall f ind the harp of gold

Played to wake the Sleepers, oldest of the old;

Power from the green witch, lost beneath the sea;

All shall f ind the light at last, silver on the tree.”

Os olhos amarelos olharam par a Will novamente, mas agora eles não o

enxergavam; tinham f icado frios, indiferentes, um fogo gélido se acumulando neles que

trouxe de volta as linhas cruéis ao rosto. Mas agora Will viu a crueldade como a feroz

inevitabilidade da natureza. Não era por mal ícia que a Luz e os servos da Luz sempre

caçariam o Escuro, mas pela natureza das coisas.

Herne, o Caçador, virou o grande cavalo branco, afastando -se de Will e da árvore

de carvalho, até que sua assustadora f igura est ivesse em campo aberto, sob a lua e a s

nuvens de tempestade que cont inuavam descendo. Ele ergueu sua cabeça, e deu um grito

ao céu que era como o chamado soprado por um caçador em um chifre para reunir os cães

de caça. O som do chifre de caça de sua voz pareceu crescer e crescer, encher o céu e vi r

de mil gargantas de uma só vez.

E Will viu que era ass im mesmo, pois de cada ponto do Parque, de trás de cada

sombra, árvore e saindo de cada nuvem, saltando pelo chão e através do ar, surgiu um

inf indável monte de cães de caça, ladrando, como os c ães de caça fazem quando estão

partindo atrás de um cheiro. Eram grandes animais brancos, fantasmagóricos na meia -

luz, t rotando, se empurrando e pulando juntos; e les nã o prestaram a mínima atenção aos

Antigos Escolhidos ou para qualquer coisa a não ser para Herne em seu cavalo branco.

Suas orelhas eram vermelhas, seus olhos vermelhos; eram cria turas feias. Will recuou

involuntariamente enquanto eles passavam, e um grande cão prateado quebrou o passo

143

para olhar para ele com uma curiosidade tão casual quanto s e ele fosse um galho caído.

Os olhos vermelhos na cabeça branca eram como chamas, e as orelhas vermelhas f icavam

eretas com uma ânsia ameaçadora, de modo que Will tentou não imaginar como seria ser

caçado por tais cães.

Ao redor de Herne e da égua branca eles la tiam e rosnavam, um mar ondulante de

espuma vermelha salpicada; então de repente o homem com os galhos f icou rígido, seus

grandes chifres apontando como um cão de caça aponta, e ele reuniu os cães com um

rápido chamado de reunião, o menèe , que envia um grupo atrás de sangue. Uma cacofonia

de lat idos elevou-se do amontoado de cães brancos, enchendo o céu, e no mesmo instante

a força total da tempestade ir rompeu. Nuvens part iram rugindo em meio a c laros

relâmpagos ir regulares enquanto Herne e o cavalo branco saltaram exultantes dentro da

arena no céu, com os cães de olhos vermelhos lançando -se dentro do ar tempestuoso

atrás deles em uma grande maré branca.

Mas então surgiu um súbito e sufocante s ilêncio terr ível, bloqueando todo o som

da tempestade. No momento desesperado de sua última chance, at ravessando a barrei ra

que o estava mantendo encurralado, o Escuro veio atrás de Will. Fechando o céu e a

terra, o mortal pilar giratório veio até ele, ameaçador em sua furiosa energia ondulante e

completa t ranqüilidade. Não havia tempo para o medo. Will f icou sozinho. E a grandiosa

coluna negra correu para envolvê - lo com todas as forças monstruosas do Escuro reunidas

em sua névoa retorcida, e em seu centro o grande garanhão com a boca espumante

ergueu-se com o Cavaleiro Negro, seus olhos eram dois pontos brilhantes de fogo azul.

Will chamou em vão cada magia de defesa ao seu comando, sabendo ainda que suas mãos

estavam impotentes para se moverem até os Signos procurando ajuda. Ele f icou onde

estava, desesperançado, e fechou seus olhos.

Mas dentro do si lêncio mortal abafador do mundo que o envolvia, surgiu um

pequeno som. Era o mesmo estranho barulho bem alto no céu, como o passar de muitos

gansos migrando em uma noite de outono, que ele tinha ouvido três vezes naqu ele dia.

Mais per to, mais a lto ele foi f icando, abrindo seus olhos. E então ele viu uma cena como

nada que ele já tinha visto antes, nem veria novamente. Metade do céu estava espesso e

ameaçador com o a fúria silenciosa do Escuro e o poder de seu tornado g iratório; mas

agora, cavalgando em direção a ele, vindo do oeste com a velocidade de pedras que

caem, surgiu Herne e a Caçada Selvagem *. Agora no auge de seu poder, gritando, eles

vieram rugindo da grande nuvem de tempestade negra, at ravés de relâmpagos e nuvens

púrpuras-acinzentadas, cavalgando sobre a tempestade. O homem de olhos amarelos

cavalgou rindo de forma terrível, gri tando o comando que reúne os cães em um ataque

total, e o seu brilhante cavalo branco -dourado indo em frente com a crina e a cauda

esvoaçando.

E ao redor deles e inf initamente at rás deles como um largo rio branco espalhavam -

se os Gritos dos Cães, os Uivadores, os Cães de Caça da Condenação, seus olhos

vermelhos queimando com mil chamas em advertência. O céu es tava branco com eles;

eles preenchiam o horizonte ao oeste; e e les cont inuavam vindo, inf initos. Ao som de

suas mil l ínguas semelhantes a s inos que gritavam, a magnif icência do Escuro se

escolheu, oscilou e pareceu tremer. Will avistou o Cavaleiro Negro mais uma vez, alto na

névoa escura; seu rosto estava contorcido de fúria, horror e malevolência congelada, e

por trás desses a consciência da derro ta. Ele girou seu cavalo com tanta ferocidade que o

maleável garanhão negro tremeu e quase caiu. Enquanto ele puxava as rédeas, o

Cavaleiro pareceu jogar algo impacientemente de sua cela, um pequeno objeto escuro que

caiu f lácido e livre até o chão, e f icou ali como uma capa descar tada.

Então a tempestade e o a veloz Caçada Selvagem estavam sobre o Cavaleiro. Ele

cavalgou subindo para dentro de seu refúgio negro rodopiante. O fantást ico pilar -tornado

do Escuro curvou-se e se contorceu, chicoteando como uma cobra em agonia, até que

* Caçada Selvagem(Wild Hunt): mito que havia na Europa no qual fantasmas de caçadores, cavalos, cães de caça, etc. seguiam em

louca perseguição através do céu, do chão ou pouco acima dele. Mortais que testemunhassem a caçada poderiam ser levados para a

terra dos mortos. Também era considerada uma maneira de explicar as tempestades.

144

f inalmente houve um grande ruído no céu, e ele começou a correr em furiosa velocidade

em direção ao norte. Sobre o Parque , a Comunidade e Hunter 's Combe ele voou, e atrás

dele foi Herne e a Caçada gri tando, uma longa cris ta branca na onda da tempestade.

O grito dos cães de caça morreu na distância, desaparecendo depois de todos os

sons da perseguição, e acima do Carvalho de Herne a meia lua prateada foi deixada

f lutuando em um céu salpicado de pequenos restos esfarrapados de nuvem.

Will deu um longo suspiro, e olhou ao redor. Merriman estava exatamente como

ele o tinha vis to da última vez, a lto e ereto, encapuzado, uma escu ra estátua sem forma.

Velho George tinha levado Pollux de volta para dentro das árvores, pois nenhum animal

comum poderia ter encarado a Caçada de tão perto e sobrevivido.

Will disse, “Está acabado?”

“Mais ou menos,” disse Merriman, sem rosto debaixo do capuz.

“O Escuro . . . está. . .” Ele não ousou so ltar as palavras.

“O Escuro está derrotado, f inalmente, nesse encontro. Nada pode resis ti r a essa

Caçada Selvagem. E Herne e seus cães perseguem sua caça tão longe quanto devem ir,

até os confins da terra. Então nos confins da terra os Senhores do Escuro devem

esconder -se, esperando por sua próxima chance. Mas da próxima vez, es taremos mui to

mais fortes, pelo Círculo completado, pelos Seis Signos e pelo Dom do Gramarye. Nos

tornamos mais fortes por sua busca com pletada, Will Stanton, e próximos de obter a

última vitória, no f inal de tudo.” Ele puxou para trás seu largo capuz, o rebelde cabelo

branco cintilando sob a luz do luar, e por um momento os olhos sombrios olharam dentro

dos olhos de Wil l com uma comunicação de orgulho que fez o rosto de Will se aquecer

de satisfação. Então Merriman olhou at ravés do terreno gramado salpicado de neve

derret ida do Grande Parque. “Só está faltando a união dos Signos,” ele disse. “Mas antes

disso, uma. . . pequena. . . coisa.”

Um curioso tremor surgiu em sua voz. Will seguiu, confuso, enquanto ele

caminhou em frente a passos largos se aproximando do Carvalho de Herne. Então ele viu

sobre a neve, na margem da sombra da árvore, a capa embolada que o Cavaleiro Negro

tinha deixado cai r enquanto se virava para fugir. Merriman parou, então se a joelhou ao

lado dela na neve. Ainda pensativo, Will observou mais perto, e viu com assombro que o

monte escuro não era uma capa, mas um homem. A f igura jazia com o rosto virado para

cima, contorcido em um ângulo terrível. Era o Andari lho; era Hawkin.

Merriman disse, sua voz profunda e inexpressiva. “Aqueles que cavalgam alto com

o Senhor do Escuro devem esperar cair. E homens não caem suavemente de tais al turas.

Acho que a costa dele está partida.”

Ocorreu a Wil l, olhando para o pequeno rosto imóvel, que dessa vez ele t inha

esquecido que Hawkin não era mais do que um homem comum. Não comum talvez – essa

não era a palavra para um homem que havia s ido usado tanto pela Luz quanto pelo

Escuro, e enviado por muitos caminhos através do Tempo, para tornar -se no f inal o

Andarilho desgastado por viajar através de seiscentos anos. Mas um homem sem dúvida,

e mortal. O rosto branco tremeu, e os olhos se abri ram. A dor surgiu dentro deles, e a

sombra de um diferente sofrimento relembrado.

“Ele me jogou,” disse Hawkin.

Merriman olhou para ele, mas não disse nada.

145

“Sim,” Hawkin sussurrou amargamente. “Você sabia que isso acontecer ia.” Ele

engasgou com a dor enquanto tentou mover sua cabeça; então o pânico surgiu em seus

olhos. “Só minha cabeça. . . eu sinto minha cabeça, por causa da dor. Mas os meus braços,

minhas pernas, eles não estão. . . não estão ali . . .”

Agora houve uma terrível e desoladora tris teza no rosto marcado. Hawkin olhou

para Merriman. “Estou perdido, ” ele disse. “Sei disso. Você me fará viver, com o pior de

todo o sofrimento vindo agora? O ú ltimo direi to de um homem é morrer. Você evitou

isso todo esse tempo; você me fez viver pelos séculos quando mui tas vezes eu ansiava

pela morte. E tudo por causa d e uma traição na qual caí porque eu não tinha a razão de

um Antigo Escolhido. . .” A mágoa e a súplica em sua voz eram intoleráveis; Wil l virou

sua cabeça.

Mas Merriman disse, “Você foi Hawkin, meu f ilho adotivo e vassalo, que t raiu seu

senhor e a Luz. Então tornou-se o Andarilho, para caminhar pela terra por tanto tempo

quanto a Luz exigisse. E assim você viveu, é verdade. Mas nós não o mantivemos desde

então, meu amigo. Uma vez que a tarefa do Andarilho estava realizada, você estava l ivre,

e poderia ter descansado para sempre. Ao invés disso você escolheu escutar as promessas

do Escuro e tra ir a Luz uma segunda vez. . . Dei a você a liberdade de escolher, Hawkin, e

eu não a ret ire i. Eu não posso. Ela ainda é sua. Nenhum poder do Escuro ou da Luz pode

tornar um homem mais do que um homem, uma vez que qualquer papel sobrenatural que

ele possa ter que real izar chegue ao final. Mas nenhum poder do Escuro ou da Luz pode

tomar seus direitos como homem, também. Se o Cavaleiro Negro disse a você que sim,

ele mentiu.”

O rosto contorcido o observou em crença agonizante. “Eu posso ter descanso?

Pode haver um f im, e descanso, se eu escolher?”

“Todas as suas escolhas devem ser apenas suas,” disse Merriman tristemente.

Hawkin concordou com a cabeça; um espasmo de dor cruz ou seu rosto e

desapareceu. Mas os olhos que olhavam para eles agora eram os olhos brilhantes e vivos

do início, do pequeno homem asseado no casaco de veludo verde. Eles viraram para Will.

Hawkin falou suavemente, “Use bem o dom , Antigo Escolhido.”

Então ele olhou de volta para Merr iman, um longo olhar part icular insondável, e

ele disse quase inaudivelmente: “Senhor. . .”

Então a luz se apagou por trás dos olhos brilhantes, e não havia mais ninguém ali.

146

arte Três: O Teste

A União dos Signos

Na ferrar ia de teto baixo Will permaneceu com sua costa para a entrada, olhando

dentro do fogo. Laranja, vermelho e branco amarelado feroz ele ardia, enquanto John

Smith empurrava os longos cabos do fole; o calor fez Will sentir -se confortável pela

primeira vez naquele dia. Não havia grande mal em um Antigo Escolhido f icar molhado

como um peixe em um rio gelado, mas ele estava alegre em sentir seus ossos aquecidos

novamente. E o fogo acendeu seu espírito , assim como acendeu toda a sala.

Mesmo assim ele não iluminava a sala adequadamente, pois nada que Will

conseguia ver parecia sólido. Havia um tremular no ar. Apenas o fogo parecia real; o

resto deve ter s ido uma miragem.

Ele viu Merriman observando -o com um meio sorr iso. “É aquela sensação de meio

mundo novamen te,” disse Will, perplexo. “A mesma daquele dia na Mansão quando

estivemos em dois tipo de Tempo de uma só vez.”

“É isso. Do mesmo jeito . E assim estamos.”

“Mas estamos no tempo da ferraria .” disse Wil l. “Nós passamos pelas Portas.”

Assim eles tinham feito; ele e Merriman, Velho George, e o grande cavalo Pollux.

Lá fora na molhada e escura Comunidade, quando a Caçada Selvagem havia afastado o

Escuro para longe no céu, eles t inham atravessado pelas Portas dentro do tempo de seis

séculos antes do qual Hawkin uma vez tinha vindo, e dentro do qual Will t inha

caminhado naquela nevada manhã de seu aniversário. Eles t inham trazido Hawkin de

volta ao seu século pela última vez, carregado na costa larga de Pollux; quando todos

eles tinham passado pelas Portas, Vel ho George t inha levado o cavalo embora,

carregando o corpo de Hawkin na direção da igreja. E Will sabia que agora, em seu

próprio tempo, em algum lugar no vi larejo, no terreno da igreja, coberto por sepulturas

mais recentes ou por um deslizamento de pedras na completa ilegibil idade, haver ia o

túmulo de um homem chamado Hawkin, que t inha morr ido em algum tempo no século

treze e al i jazia em paz desde então.

Merriman o conduziu até a f rente da ferraria, onde ela encarava a estreita t rilha de

terra dura através de Hunter 's Combe, o Antigo Caminho. “Escute,” ele disse.

Will olhou para a tri lha, as árvores densas do outro lado, a f ria faixa cinza do céu

quase matut ino, “Posso ouvir o rio!” ele disse, confuso.

“Ah,” disse Merr iman.

“Mas o rio f ica a milhas de distância, do outro lado da Comunidade.”

Merriman virou sua cabeça para o veloz e ondulante som da água. Tinha o som de

um rio que es tava cheio mas não transbordando, um rio correndo depois de mui ta chuva.

“O que estamos ouvindo,” disse ele, “não é o Tham es, mas o som do século vinte. Você

vê, Will, os Signos devem ser unidos por John Wayland Smith nessa ferraria, nesse

tempo, pois não muito tempo depois disso a ferraria foi destruída. Os Signos ainda não

foram reunidos até sua busca, que aconteceu d entro de seu próprio tempo. Então a união

147

deve ser feita em uma bolha de Tempo entre os dois, do qual os olhos e ouvidos de um

Antigo Escolhido conseguem perceber ambos. Não é um rio de verdade que escutamos. É

a água correndo em seu tempo descendo a Hunt ercombe Lane, do derretimento da neve.”

Will pensou na neve e em sua famíl ia perto a inundações, e de repente ele era um

pequeno garoto querendo muito estar em casa. Os olhos escuros de Merriman olharam

para ele compadecidos. “Falta pouco,” ele disse.

Um som de martelar surgiu atrás deles; eles se viraram. John Smith tinha acabado

de bombear os foles em seu fogo branco -avermelhado; ao invés disso ele estava

trabalhando na bigorna, enquanto as longas tenazes aguardavam prontas diante do brilho

do fogo. Ele não estava usando o seu costumeiro martelo pesado, mas outro que parecia

ridiculamente pequeno em seu grande punho; uma ferramenta delicada mais parecida com

aquelas que Wil l viu seu pai usar na joalheria. Mas então, o objeto no qual e le estava

trabalhando era muito mais delicado do que ferraduras; uma corrente dourada, com elos

largos, na qual os Seis Signos penderiam. Os elos estavam em uma coluna ao lado da

mão de John.

Ele olhou para cima, seu rosto avermelhado pelo fogo. “Estou quase pronto.”

“Muito bem, então.” Merriman os deixou e saiu para a es trada. Ele f icou ali

sozinho, alto e imponente na longa capa azul, o capuz puxado para trás de modo que seu

espesso cabelo branco cint ilou como neve. Mas não havia neve alguma aqui, e mesmo

através do som da água que Will ainda podia continuar ouvindo correr, nenhuma água

também.. .

Então a mudança começou. Merriman pareceu não ter se movido. Ele f icou ali com

sua costa para eles, suas mãos soltas em seus f lancos, paradas, sem o mínimo

movimento. Mas ao redor dele, o mundo estava começando a se mover. O ar agitou -se e

tremeu, os contornos das árvores, terra e céu tremularam, borraram, e todas as coisas

visíveis pareceram f lutuar e se misturar. Wil l f icou olhando para esse mundo ondulante,

sentindo-se um pouco tonto, e gradualmente ele começou a ouvir sobre o som do rio

estrada que corria invisível o murmúrio de muitas vozes. Como um lugar visto através da

trêmula distorção do calor, o mundo tremulante começou a se estabi lizar em contornos de

coisas visíveis, e e le viu que uma grande multidão indist inta de pessoas enchiam a

estrada e os espaços entre todas as árvores e tod as as áreas abertas diante da ferraria.

Eles não pareciam reais, nem f irmes; t inham uma qualidade fantasmagórica como se

pudessem desaparecer q uando tocados. Eles sorriram para Merriman, saudando -o onde

ele permanecia, seu rosto ainda vi rado para longe de Will. Atropelando -se ao redor dele,

eles olhavam ansiosamente em frente, para a ferraria, como espectadores prestes a

ass isti r a um jogo, mas a inda ass im nenhum deles pareceu ver Wil l e o ferreiro.

Havia uma inf inita variedade de rostos – alegres, sombrios, velhos, jovens,

brancos como papel, negros, e toda nuance e graduação de rosa e marrom entre elas,

vagamente reconhecíveis, ou totalmente es tranhos. Will pensou ter reconhecido rostos da

festa na Mansão de Sr ta. Greythorne, a festa no Natal do século dezenove que tinha

levado Hawkin ao desastre e e le mesmo ao Livro de Gramarye – e então ele soube. Todas

essas pessoas, essa multidão sem f im que Merriman havia invocado de alguma forma,

eram os Ant igos Escolhidos. De cada ilha, de cada parte do mundo, aqui e les estiveram,

para testemunhar a união dos Signos. Will de repente estava aterrorizado, desejando

afundar no chão e escapar da visão desse seu novo grande mundo encantado.

Ele pensou: Esses são meu povo. Essa é minha família, do mesmo modo que minha

família verdadeira. Os Antigos Escolhidos. Cada um de nós ligados, pelo maior objetivo

no mundo. Então ele viu um movimento na mult idão, correndo como uma ondulação pela

estrada, e a lguns começaram a se vi rar e deslocar como que para abrir caminho. E ele

148

ouviu a música: o som cadenciado, constante, quase cômico em sua simplicidade, das

f lautas e tambores que t inha ouvido em seu sonho que podia não ter sido um sonho.

Ficou rígido com suas mãos apertadas, esperando, e Merriman deu um giro e caminhou

para f icar ao lado dele, enquanto saindo da multidão, indo em direção a eles, surgiu a

pequena procissão do mesmo jeito que havia acontecido antes .

Através das f iguras aglomeradas, e cur iosamente parecendo mais sólidas , veio a

pequena procissão de rapazes: os mesmos em suas es tranhas túnicas e perneiras rúst icas,

cabelos compridos até a al tura dos ombros, e gorros esquisitos. Novamente aqueles que

estavam na f rente carregavam bastões e fardos de galhos, enquanto os que estavam atrás

tocavam sua simples melodia melancólica repetitiva, com f lautas e tambores. Novamente

entre aqueles dois grupos vinham seis rapazes carregando em seus ombros um esquife de

galhos e juncos trançados com um punhado de azevinh os em cada canto.

Merriman falou, mui to suavemente, “Primeiro no Dia de St . Stephen, o dia após o

Natal. Então na Décima Segunda Noite. Duas vezes ao ano, se este for um ano em

particular, acontece a Caçada da Carr iça.”

Mas agora Will podia ver o esquife claramente, e mesmo no começo, dessa vez,

não havia carriça alguma. Ao invés disso, aquela outra forma delicada jazia ali , a

senhora idosa, vestida em azul, com um grande anel cor de rosa em uma das mã os. E os

rapazes marchavam até a ferraria e muito gent ilmente colocaram o esquife no chão.

Merriman curvou-se sobre ela, estendendo sua mão, e a Senhora abriu seus olhos e

sorriu. Ele a ajudou a f icar de pé. Caminhando em frente na direção de Will, ela segurou

as duas mãos dele nas suas. “Bem feito , Will Stanton,” disse ela, e através de toda a

multidão de Antigos Escolhidos acotovelando -se na tr ilha, um murmúrio de aprovação se

ergueu como um vento cantando nas árvores.

A Senhora virou para encarar a ferr aria, onde John estava esperando. Ela disse,

“Em carvalho e em ferro, que os Signos sejam unidos.”

“Venha, Will, ” disse John Smith. Juntos eles se dir igi ram até a bigorna. Will

baixou o cinto que havia carregado os Signos durante toda a busca deles. “Em c arvalho e

em ferro?” ele sussurrou.

“Ferro para a bigorna,” disse o ferreiro suavemente. “Carvalho para seu pé. Essa

grande base de madeira da bigorna sempre é de carvalho – a raiz de um carvalho, parte

mais forte da árvore. Não ouvi alguém dizendo a você a natureza da f loresta algum

tempo atrás?” Seus olhos azuis piscaram para Wil l, e então ele virou para seu trabalho.

Ele pegou os Signos um a um e os uniu com anéis de ouro. No centro ele colocou os

Signos do Fogo e Água; de um lado deles os Signos do Fer ro e Bronze, e do outro, os

Signos da Madeira e Pedra. Em cada ponta ele f ixou um pedaço da robusta corrente de

ouro. Trabalhou rápida e delicadamente, enquanto Will observava. Do lado de fora, a

grande mul tidão de Ant igos Escolhidos ainda es tava f irme como grama que crescia. Por

trás das batidas do martelo do ferrei ro e o ocasional assobio dos foles, não havia som em

lugar algum apenas o da água do invisível rio -estrada correndo, séculos de distância no

futuro e ainda sim tão próximo.

“Está feito ,” disse John f inalmente.

Cerimoniosamente ele passou a Will a cintilante corrente de Signos unidos, e Will

engasgou com a beleza deles. Agora, segurando os Signos, de repente e le sentiu vindo

deles uma est ranha sensação assustadora como um choque elétr ico: Um a forte e arrogante

reaf irmação de poder. Will es tava confuso: o perigo tinha passado, o Escuro havia

fugido, qual o propósito disso? Ele caminhou até a Senhora, ainda ref letindo, colocou os

Signos em suas mãos, e ajoelhou-se diante dela.

149

Ela disse, “Mas i sso é para o futuro , Will, não percebe? É para isso que são os

Signos. Eles são a segunda das quatro Coisas de Poder, que f icaram dormindo durante

esses mui tos séculos, e eles são uma grande parte de nossa força. Cada uma das Coisas

de Poder foi feita em um ponto diferente no Tempo por um artesão da Luz diferente, para

esperar o dia em que ela ser ia necessária. Há um cálice dourado, chamado de Graal; há o

Círculo dos Signos; há uma Espada de Crista l, e uma Harpa de Ouro. O Graal, como os

Signos, foi encont rado e está em segurança. Os outros dois ainda temos que alcançar,

outras buscas para outros tempos. Mas uma vez que adicionarmos aqueles a esses, então

será quando o Escuro se erguerá para seu ataque f inal e mais terrível sobre o mundo,

deveremos ter espe rança e certeza de que podemos vencer.”

Ela levantou sua cabeça, olhando sobre a incontável mul tidão fantasmagórica de

Antigos Escolhidos. “When the Dark comes r ising ,” e la falou, inexpressiva, e as mui tas

vozes responderam a ela em um suave e surpreenden te r ibombar “six shall drive it back .”

Então ela olhou novamente para Will, as linhas ao redor de seus olhos sem idade

curvando-se de afeição. “Buscador dos Signos,” e la disse, “Com seu nascimento e seu

aniversário você descobriu a si mesmo, e o círculo do s Antigos Escolhidos f icou

completo, agora e para sempre. E com o bom uso do Dom do Gramarye, você completou

uma grande busca e provou-se mais forte do que o teste.

Até que nos encontremos novamente, como nos encontraremos, lembraremos de

você com orgulho.”

A multidão que se es tendia ao longe murmurou novamente, uma resposta

diferente, calorosa, e com suas f inas mãos pequenas, o grane anel rosa cint ilando, a

Senhora se curvou e colocou a corrente de Signos ao redor do pescoço de Will. Então ela

o beijou na tes ta gentilmente, o suave toque da asa de uma ave. “Adeus, Will Stanton,”

ela disse.

O murmúrio das vozes aumentou, e o mundo girou ao redor de Will em uma rajada

de árvores e chama, e sobrepondo -se a tudo isso estava o surpreendente som de sinos de

sua música, agora mais al to e mais alegre do que nunca. Ele repicava e soava em sua

cabeça, enchendo-o com tal deleite que fechou seus olhos e f lutuou em sua beleza; essa

música era, ele soube por uma fração de segundo, o espírito e essência da Luz . Mas então

ela começou a desaparecer gradualmente, a f icar distante e se despedir em uma pequena

melancolia, como sempre tinha acontecido antes, desaparecendo no nada, desaparecendo,

desaparecendo, com o som de água correndo aumentando para tomar seu lugar. Will

gritou de tr isteza, e abriu seus olhos.

E ele estava ajoelhado na neve f ria pisoteada na cinza luz morta do amanhecer, em

um lugar que não reconheceu ao lado da Huntercombe Lane. Árvores nuas erguiam -se da

molhada neve salpicada do outro lado da es trada. Embora a alameda propriamente dita

fosse uma vez mais uma clara es trada pavimentada, água corria furiosamente em cada

uma de suas sarjetas com o som semelhante ao de uma correnteza, ou até mesmo de um

rio. . . A estrada es tava vazia; ninguém podia ser visto em parte a lguma entre as árvores.

Will podia ter chorado com a sensação de perda; toda aquela aquecedora mul tidão de

amigos, a claridade, a luz e a celebração, e a Senhora: tudo se foi, tudo sumiu, deixando -

o sozinho.

Ele colocou sua mão em seu pescoço. Os Signos ainda estavam ali.

Atrás dele, a voz profunda de Merriman disse, “Hora de ir para casa, Wil l.”

“Oh,” disse Will infeliz, sem se vi rar. “Estou feliz que ainda es teja aí.”

150

“Você parece muito alegre,” Merriman falou secamente. “Contenha seu êxtase, eu

rezo por você.”

Sentando sobre seus calcanhares, Will olhou para ele sobre os seus ombros.

Merriman olhou para ele com imensa solenidade, seus olhos escuros semelhantes aos de

uma coruja, e de repente as emoções que estavam presas em um inqueb rável nó apertado

dentro de Will racharam e se par t iram, e ele se dissolveu em r isadas. A boca de

Merriman contraiu-se levemente. Ele estendeu a mão, e Will se levantou, ainda tossindo.

“Foi só. . .” disse Wil l, e parou, sem estar totalmente cer to se estava rindo ou

chorando.

“Foi. . . uma alteração,” disse Merr iman genti lmente. “Consegue caminhar agora?”

“É claro que consigo caminhar,” disse Will indignado. Ele f icou observando. Onde

o ferreiro estivera, havia uma construção semelhante a uma garagem em ruín as, e ao

redor dela ele conseguia ver traços de molduras f rias e amontoados de vegetais at ravés

da neve que derretia. Olhou para cima rapidamente e viu o contorno de uma casa

familiar . “É a Mansão! ele disse.

“A entrada t raseira,” disse Merriman. “Per to do vilarejo. Usada principalmente

por mercadores . . . e mordomos.” Ele sorriu para Will.

“Aqui é realmente onde a velha ferrar ia costumava estar?”

“Nos projetos da casa velha ela é chamada de Portão do Ferreiro,” disse

Merriman. “Historiadores de Buckinghamshire escrevendo sobre Huntercombe gostam

muito de especular a razão. Eles estão sempre errados.”

Will olhou at ravés das árvores para as al tas chaminés Tudor da Mansão e telhados

triangulares. “A Srta. Greythorne está lá?”

“Sim, ela es tá, agora. Mas vo cê não a viu na mult idão?”

“Na multidão?” Will percebeu que sua boca estava se abrindo tolamente, e a

fechou. Imagens conflitantes perseguiam umas às outras em sua cabeça. “Você quer dizer

que ela é um dos Antigos Escolhidos?”

Merriman ergueu uma sobrancelha. “Vamos lá, Will, seus sentidos lhe disseram

isso muito tempo atrás.”

“Bem.. . Sim, eles disseram. Mas eu nunca soube com certeza qual era a Srta.

Greythorne que pertencia a nós, aquela de hoje ou da festa de Natal. Bem. Bem, sim, eu

suponho que eu sabia disso também.” Ele olhou para Merriman hesitante. “Elas são a

mesma, não são?”

“Assim está melhor,” disse Merriman. “E a Srta. Greythorne me deu, enquanto

você e o Wayland Smith es tavam concentrados em seu trabalho, dois presentes para a

Décima Segunda Noite. Um é para seu irmão Paul, e um é para você.” Ele mostrou a Will

dois pequenos pacotes sem forma embrulhados no que parecia seda; então colocou -os

novamente debaixo de sua capa. “O de Paul é um presente normal, eu acho. Mais ou

menos. O seu é algo para ser usado apenas no futuro, em algum ponto em que seu

julgamento lhe disser que precisará dele.”

151

“Décima Segunda Noite,” disse Will. “Isso é hoje a noite?” Ele olhou para cima,

para o cinzento céu da manhã. “Merr iman, como você impediu que minha famí l ia f icasse

imaginando onde eu estive? A minha mãe está bem mesmo?”

“Claro que está,” disse Merr iman. “E você passou a noite na Mansão, dormindo. ..

Agora venha, essas são coisas pequenas. Sei todas as perguntas. Você terá todas as

respostas, uma vez que e stiver em casa, e de qualquer modo você realmente já sabe quais

são.” Ele vi rou sua cabeça para baixo em direção a Will, e os profundos olhos escuros

observaram hipnot izantes como os de uma basil isco*. “Venha, Antigo Escolhido,” ele

disse suavemente, “Lemb re-se. Você não é mais um pequeno garoto.”

“Não,” disse Will. “Não sou.”

Merriman falou, “Mas às vezes, sente o quão mais agradável a vida ser ia se você

fosse.”

“Às vezes,” disse Will. Ele sorriu. “Mas não sempre.”

Eles viraram e passaram sobre a peque na corrente na lateral da es trada para

caminharem juntos para a casa dos Stantons pela Huntercombe Lane.

O dia f icou mais claro, e a luz começou a introduzir -se pelo canto do céu diante

deles, onde o sol logo surgir ia. Uma f ina névoa pairava sobre a ne ve em ambos os lados

da estrada, entrelaçando -se ao redor das árvores nuas e das pequenas correntes. Era uma

manhã cheia de promessa, com um enevoado céu sem nuvens levemente t ingido de azul,

o tipo de céu que Huntercombe não t inha visto por muitos dias. E les caminharam como

velhos amigos caminham, sem falar muito, compartilhando o tipo de silêncio que não é

muito silêncio, como um tipo de comunicação muda. Suas pisadas emit indo ruídos sobre

a es trada molhada, fazendo o único som em toda parte do vilarejo e xceto pelo canção de

um pássaro negro, em algum lugar mais além, o som de alguém usando uma pá. Árvores

erguiam-se negras e sem folhas sobre a estrada de um lado, e Will viu que eles estavam

na curva que passava pela Floresta das Gralhas. Olhou para cima. Nenhum som veio das

árvores, ou dos grandes ninhos desordenados lá no alto dos galhos enevoados.

“As gralhas estão muito quietas,” ele disse.

Merriman disse, “Elas não estão ali .”

“Não estão? Porque não? Onde estão?”

Merriman sorriu, um pequeno sor r iso f irme. “Quando Os Caçadores Uivantes estão

caçando pelo céu, nenhum animal ou pássaro pode f icar dentro do campo de vista deles e

não ser afas tado pelo terror. Através de todo esse reino, pelo caminho de Herne e dos

Caçadores, os senhores não serão capazes de encontrar qualquer cria tura que estava solta

na última noite. Isso era bem conhecido nos dias ant igos. Homens do país em toda parte

costumavam trancar seus animais na Véspera da Décima Segunda Noite, para o caso de

acontecer a Caçada.”

“Mas o que acontece? Eles são mortos?” ' Wil l percebeu que independente do que

todas as gralhas tinham feito para o Escuro, e le não queria pensar em todas elas

destruídas.

“Oh, não,” disse Merr iman. “Dispersas. Espantadas através do céu por tanto tempo

quanto o caçador mais próximo escolher. Os Caçadores do Destino não são uma espécie

que mata criaturas vivas ou come carne. . . As gralhas retornarão eventualmente. Uma a

uma, abatidas, cansadas, sofrendo por si mesmas. Pássaros mais sábios que não tinham

* Basilisco: de acordo com Plínio, o Velho, é uma serpente com uma coroa dourada e, no macho, uma pluma vermelha ou negra. É

capaz de matar com um simples olhar.

152

laços com o Escuro devem ter se escondido bem longe na noite passada, debaixo de

galhos ou dos telhados das casas, fora de vis ta. Aquelas que o f izeram ainda estão aqui,

i lesas. Mas vai levar um tempo até que nossas amigas, as gralhas, se recuperem. Acho

que você não terá mais problemas com elas novamente, Will, embora eu nunca confiasse

em uma delas se eu fosse você.”

“Olhe,” disse Wil l, apontando em frente. “Há dois nos quais conf iar.”

O orgulho surgiu espesso em sua voz, enquanto descendo a estrada em direção a

eles vieram correndo e saltando os dois cães dos Stanton, Raq e Ci. Eles saltavam nele,

latindo e ganindo de alegria, lambendo suas mãos em uma saudação tão grandiosa quanto

se ele estivesse fora por um mês. Wil l inclinou -se para falar com eles e es tava envolv ido

em caudas balançando, mornas cabeças ofegantes, a grandes patas molhadas. “Saiam,

seus idiotas,” e le disse alegremente.

Merriman disse, mui to suavemente: “Calma, agora.” Instantaneamente os cães se

acalmaram e f icaram parados, apenas as suas caudas ba lançando entusiasticamente ;

ambos viraram para Merriman e olharam para ele por um momento, e então estavam

trotando tranqui lamente em silêncio ao lado de Will. Então a entrada para os Stanton

estava em frente, e o barulho de pás aumentou, e dobrando a esqu ina eles encontraram

Paul e o Sr. Stanton, agasalhados contra o f rio , l impando a neve derretida, folhas e

galhos de um dreno.

“Bem, bem,” disse o Sr. Stanton, e permaneceu curvado sobre sua pá.

“Alô, Pai,” disse Will a legremente, correu e o abraçou.

Merriman disse: “Bom dia.”

“Velho George disse que vocês apareceriam cedo,” disse o Sr. Stanton, “mas não

achei que ele queria dizer tão cedo assim. Entretanto você conseguiu acordá - lo?”

“Eu acordei sozinho,” disse Will. “Sim. Eu virei uma folha nova para o Ano Novo.

O que vocês es tão fazendo?”

“Revirando folhas velhas,” disse Paul .

“Ho, ho, ho.”

“Estamos mesmo. O descongelamento veio tão rápido que o chão ainda estava

congelado, e nada i ria ser drenado. E agora que os drenos estão começando a descongelar

também, a inundação deixou tudo entupido com o entulho carregado pela água. Como

esse.” Ele ergueu um embrulho gotejante.

Will disse, “Vou pegar outra pá e ajudar.”

“Você não gostar ia de tomar café primeiro?” disse Paul. “Mary es tá fazendo para

nós, acredite ou não. Tem um monte de folhas para revirar por aqui, enquanto o ano

ainda está novo.”

De repente Will percebeu que fazia muito tempo desde que ele tinha comido pela

última vez, e sentiu uma fome gigantesca. “Hummm,” ele disse.

“Vamos entrar e tomar um pouco de café, uma xícara de chá ou algo assim,” disse

o Sr. Stanton para Merriman. “É uma fria caminhada da Mansão a essa hora da manhã.

153

Realmente es tou extremamente agradecido a você por entregá - lo, sem falar em ter

tomado conta dele noite passada.”

“Merr iman balançou sua cabeça, sorrindo, e levantou o colarinho do que agora

Will t inha visto, transformara -se subitamente de uma capa para um pesado sobretudo do

século vinte. “Obrigado. Mas eu vou retornar.”

“Will !” uma voz soou, e Mary veio voando pel o caminho. Will foi ao seu

encontro, e ela foi para cima dele e o socou no estômago. “Foi divertido na Mansão?

Você dormiu em uma cama coberta de quatro colunas?”

“Não exatamente,” disse Wil l. “Você está bem?”

“Bem, é claro. Eu f iz uma super cavalgada no cavalo de Velho George, era um dos

maiores do Sr. Dawson, os cavalos da mostra. Ele me pegou na alameda, logo após eu ter

saído. Parece ter sido eras atrás, não noite passada .” Ela olhou para Will meio

embaraçada. “Eu acho que não deveria ter saído atrás de Max d aquele jeito , mas tudo

estava acontecendo tão rápido, e eu estava preocupado com Mamãe não ter ajuda . . .”

“Ela es tá bem de verdade?”

“Ela vai f icar bem, diz o doutor. Foi um deslocamento, não uma perna quebrada.

Ela também f icou nocauteada, entretanto, en tão tem que descansar por uma semana ou

duas. Mas ela es tá tão animada quanto pode estar, você verá.”

Will olhou para o caminho de entrada. Paul, Merr iman, e seu pai estavam

conversando e rindo juntos. Ele pensou que talvez seu pai t ivesse decido que Lyon, o

mordomo, era um bom sujeito af inal de contas, não meramente um empregado de mansão.

Mary disse, “Sinto muito por ter me perdido na f loresta. Foi tudo culpa minha. Na

verdade você e Paul devem ter estado bem perto de mim. Foi muito bom que Velho

George acabou sabendo onde todos estavam. Pobre Paul, preocupando -se por nós dois

estarmos perdidos, ao invés de apenas eu.” Ela deu uma r isadinha, então tentou parecer

arrependida, sem muito esforço.

“Will !” Paul se afastou do grupo, excitado, correndo em d ireção a eles. “Veja só !

A Srta. Greythorne chama isso de empréstimo permanente, que ela seja abençoada , veja!”

O rosto dele estava avermelhado de prazer. Ele segurava o pacote que Merriman esteve

carregando, agora aber to, e Will viu dentro dele a velha f lauta da Mansão.

Sentindo seu rosto se abrir em um grande, lento sorriso, ele olhou para Merriman.

Os olhos escuros olharam para ele de modo sério, e Merriman mostrou o segundo pacote.

“Esse, a Senhora da Mansão enviou para você.”

Will o abriu. Dentro es tava um pequeno chifre de caça, cinti lando, f ino com a

idade. Seu olhar desviou mais brevemente para Merriman, e desceu novamente.

Mary deu pulinhos, r indo. “Vá em frente, Will, sopre. Você poderia fazer barulho

por todo o caminho até Windsor. Vá em frente! '

“Mais tarde,” disse Will. “Tenho que aprender como. Você agradeceria mui to a ela

por mim?” ele disse para Merr iman.

Merriman inclinou sua cabeça. “Agora devo ir,” disse e le.

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Roger Stanton disse, “Não consigo dizer o quanto estamos agradecidos por to da

sua ajuda. Com tudo, durante esse tempo louco – e as crianças – você foi o mais

tremendamente. . .” ele perdeu as palavras, mas es tendeu seu braço e balançou a mão de

Merriman para cima e para baixo tão calorosamente que Wil l pensou que ele nunca ir ia

parar.

O rosto áspero e ameaçador suavizou; Merr iman pareceu agradecido e um pouco

surpreso. Ele sorriu e balançou a cabeça, mas não disse nada. Paul apertou as mãos dele,

e Mary. Então a mão de Will estava no forte aperto, e houve uma rá pida pressão e um

breve olhar dos profundos olhos escuros. Merriman disse, “Au revoir, Will .”

Ele ergueu sua mão para todos e caminhou descendo a alameda. Will foi atrás

dele. Mary disse, saltando ao seu lado, “Você escutou os gansos selvagens noite

passada?”

“Gansos?” disse Will secamente. Ele não estava realmente escutando. “Gansos?

Em toda aquela tempestade?”

“Que tempestade?” disse Mary, e continuou antes que ele pudesse piscar. “Gansos

selvagens, devia ter milhares deles. Migrando, eu acho. Não vimos eles . Só teve esse

incrível barulho, e antes de tudo um monte de grasnados daquelas gralhas malucas na

f loresta, e então um longo, longo tipo de barulho de lat ido pelo céu, muito alto . Foi

emocionante.”

“Sim,” disse Will. “Sim, deve ter s ido.”

“Não acho que você estivesse mais do que semi-acordado,” disse Mary com

desgosto, e ela foi pulando até o f im do caminho de entrada. Então ela parou de repente e

f icou imóvel. “Meu Deus! Will ! Veja!”

Ela estava olhando para algo atrás de uma árvore, escondido pelos restos de um

banco de neve. Will veio olhar, e viu, caída em meio ao matagal molhado, a grande

cabeça de carnaval com os olhos de uma coruja, o rosto de um homem, a armação de um

cervo. Ele olhou e olhou sem uma palavra em sua garganta. A cabeça es tava enrugada,

clara e seca, como sempre es teve e sempre estaria. Parecia com o contorno de herne, o

Caçador, que ele tinha visto contra o céu, e a inda assim diferente.

Ele continuou olhando, e não falou nada.

“Bem, eu nunca . . .” disse Mary claramente. “Você não acha que é sortudo por isso

ter f icado preso ali? Mamãe f icará contente. Ela já estava acordada nesse momento, foi

quando as inundações vieram de repente. Você não es tava lá, é c laro; a água entrou por

todo o chão e um monte de coisas foi carregada da sala de estar antes qu e nós

percebêssemos. Aquela cabeça foi uma delas . . . Mamãe estava descontente porque sabia

que você f icar ia. Bem, olha para aqui lo, engraçado que . . .”

Ela olhou a cabeça bem de perto, a inda tagarelando alegremente, mas Will não

estava mais escutando. A cabeça estava bem perto da parede do jardim, que ainda estava

enterrado na neve mas começando a emergir através dos montes em ambos os lados. E no

monte no outro extremo, cobrindo a beira da est rada e projetando a torrente que corr ia na

sarjeta, havia um bom número de marcas. Eram marcas de casco, feitas por um cavalo

parando, virando e saltando para longe sobre a neve. Mas nenhuma delas tinha a forma

de ferraduras. Elas eram círculos divididos por uma cruz: as marcas daquelas coisas que

John Wayland Smith, uma vez no início, t inha colocado na égua branca da Luz.

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Will olhou para as marcas, e para a cabeça de carnaval, e engoliu com força. Ele

andou alguns passos até o f im do caminho de entrada e olhou descendo a Huntercombe

Lane; ainda conseguiu ver a cos ta de Merriman, enquanto a f igura alta, vestida de negro,

caminhava para longe. E então seu cabelo se eriçou e os pulsos f icaram imóveis, pois de

trás dele veio um som mais doce do que parecia possível no pesado ar da f ria manhã

cinzenta. Era o suave e lindo tom de saudosismo da velha f lauta da Mansão; Paul, não

conseguindo resis tir, deve ter montado o instrumento para testá -lo . Ele estava tocando

“Greensleeves” mais uma vez. A est ranha canção encantada f luiu através da manhã no ar

parado; Will viu Merriman erguer sua cabeça branca assim que ouviu, embora não

interrompesse sua caminhada.

Enquanto olhava descendo a estrada parada, com a música tocando em seus

ouvidos, Will viu que lá fora, além de Merriman, as árvores, a névoa e a extensão da

estrada estavam balançando, tremendo, de um jeito que ele conhecia bem. E então

gradualmente, lá fora, ele viu as grandes Portas tomarem forma. Al i estavam elas, como

ele as tinha vis to no declive aber to e na Mansão: as altas portas entalhadas que

conduziam para fora do Tempo, estavam sozinhas e altivas no Antigo Caminho que agora

era conhecido como Huntercombe Lane. Muito lentamente, e las começaram a abrir. Em

algum lugar atrás de Wil l a música “Greensleeves” parou, com uma risada e algumas

palavras abafadas de Paul; mas não houve parada alguma na música que es tava na cabeça

de Will, pois agora ela havia se t ransformado naquela passagem semelhante ao som de

sinos que surgia sempre com a abertura das Portas ou qualquer grande mudança que

possa alterar as vidas dos Antigos Escolhidos. Will apertou seus punhos enquanto ouvia,

com aquele desejo saudoso indo em direção ao som convida tivo que era o espaço entre

acordar e sonhar, ontem e amanhã, memória e imaginação. Ele f lutuava adorável em sua

mente, então gradualmente foi f icando distante, desaparecendo, enquanto lá fora, no

Antigo Caminho, a f igura alta de Merriman, que agora se movia novamente em uma capa

azul, passou at ravés das Portas abertas. Atrás dele, os grandiosos e pesados pedaços de

carvalho giravam lentamente se juntando, juntando, até que silenciosamente elas se

fecharam. Então enquanto o último eco da música encantada morreu, elas desapareceram.

E em uma grande labareda de luz branca e amarela, o sol se ergueu sobre Hunter 's

Combe e o Vale do Thames.

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Aqui termina THE DARK IS RISING, segundo livro da seqüência de mesmo nome.

O primeiro livro foi chamado de OVER SEA, UNDER STONE. O tercei ro livro

GREENWITCH. O quarto THE GREY KING e o quinto SILVER ON THE TREE.