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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ELIZABETH CARDOSO DE OLIVEIRA Os Programas de Transferência Condicionada de Renda e a proteção social na América Latina: A experiência do Brasil, Argentina e Chile MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA SÃO PAULO 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ELIZABETH CARDOSO DE OLIVEIRA

Os Programas de Transferência Condicionada de Renda e a

proteção social na América Latina:

A experiência do Brasil, Argentina e Chile

MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA

SÃO PAULO

2015

ELIZABETH CARDOSO DE OLIVEIRA

Os Programas de Transferência Condicionada de Renda e a

proteção social na América Latina

A experiência do Brasil, Argentina e Chile

MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA

Dissertação apresentada à banca examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em Economia, sob a orientação da

Profa. Dra. Rosa Maria Marques.

SÃO PAULO

2015

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

__________________________________________________

__________________________________________________

Aos meus pais, José Lindolfo de Oliveira e Terezinha Cardoso de Oliveira,

amores mais sinceros e perenes da minha vida.

AGRADECIMENTOS

Se “a gratidão é a memória do coração”, como se atribui ao filósofo grego

Antístenes, que agradecer seja, então, um tipo de souvenir que se leva de recordação das

boas viagens feitas: ainda que aparentemente simples, contém em si bem mais do que sua

forma revela. Como souvenir dessa bela viagem que foi o meu Mestrado Acadêmico, a todos

que foram importantes, cada um à sua maneira, para que eu concluísse mais este percurso na

minha vida, quero manifestar meus agradecimentos.

A Deus, pela vida que me concedeu, pela saúde que me outorgou, pela perseverança

que me legou, pelos obstáculos que me impôs e pelo discernimento que me facultou.

A Santo Expedito, padroeiro dos estudantes e santo da minha devoção, que me

acompanha em todos os difíceis momentos da minha jornada, seja de vida ou acadêmica,

pelo ânimo e perseverança que constantemente me renova.

Aos meus pais José e Terezinha, causa e razão da minha vida, que todo o tempo e

em todos os momentos estão ao meu lado, ainda que fisicamente distantes, apoiando-me e

incentivando-me a prosseguir.

Ao meu irmão, de sangue e de coração, Eduardo (e à linda família que ele

constituiu), sempre presente, sempre solícito, sempre companheiro, em qualquer momento

e necessidade que se me apresentem.

Aos meus grandes amigos, Shana, Vanessa e Carlos, pelos ouvidos abertos e

ombros acessíveis aos meus desabafos, como também pelos sorrisos disponíveis às minhas

alegrias.

À minha orientadora Professora Rosa Maria Marques, docente e pessoa,

paradoxalmente simples, simplesmente complexa, que conquistou minha admiração e

respeito, pela oportunidade constante de aprender.

Ao professor Antônio Carlos de Moraes, mestre e amigo, solícito, sorridente,

contagiante, pela amizade, pelas palavras sempre convenientes e sábias.

À Soninha, secretária do Programa, pelos cafezinhos, pelas tardes em companhia,

pelas palavras amigas, enfim, pela amizade e pelo carinho.

Aos meus colegas discentes do curso de Mestrado – Ricardo Tamashiro, André

Galhardo, Daniel Garzillo, Gabriel Oliveira, André Paiva, Rodrigo Hisgail, Marcelo Moser,

Liliane Regina – que se tornaram amigos, que ultrapassaram os limites das edificações da

PUC-SP, para tomar parte também na minha vida.

Aos professores Marcel Guedes Leite e Áquilas Moreira Mendes, que compuseram

minha banca de qualificação e muito me auxiliaram na direção adequada a tomar neste

estudo.

Aos professores da minha banca de defesa, Maria Lúcia Garcia e Marcel Guedes

Leite, pela dedicação e leitura atenta ao meu estudo, pelas críticas construtivas e pelo bom

caminho apontado.

Ao corpo docente do curso de Mestrado do Programa de Estudos Pós-Graduados

em Economia Política, pelas importantes lições (não apenas) acadêmicas ensinadas,

devidamente aprendidas.

Aos colegas do núcleo de pesquisa Políticas para o Desenvolvimento Humano –

PDH, pelas sempre interessantes, produtivas e inspiradoras reuniões realizadas, fontes de

conhecimento nas quais frequentemente me apoiei e de onde me veio a inspiração primeira

para a construção deste trabalho.

Aos colegas do projeto de cooperação internacional – que envolve instituições do

Brasil, Chile e Cuba – indispensável ao desenvolvimento da minha dissertação e fonte

fundamental de pesquisa; pelos ensinamentos, pela dedicação e seriedade com que assumem

este projeto, pela sempre agradável convivência.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por tudo o que vivi e aprendi ao

longo desses dois anos como mestranda, pela receptividade com que fui e sou recebida por

todos, de professores, a funcionários e colegas de turma.

Ao Brasil, por me subsidiar durante o período de estudo, acreditando na formação

profissional e humana de seus cidadãos.

RESUMO

O objetivo que se persegue neste trabalho consiste em descrever, comparar e

analisar os principais Programas de Transferência Condicionada de Renda (PTCR) vigentes

no Brasil, Argentina e Chile, implantados a partir dos anos 2000, tendo como quadro

conceitual e referencial, principalmente mas não apenas, os trabalhos desenvolvidos por

Castel acerca do papel social do Estado, à vista da experiência do Welfare State nas

sociedades europeias ocidentais. Especificamente, os programas tratados neste estudo são o

Programa Bolsa Família (PBF), do Brasil; a Asignación Universal por Hijo (AUH) e a

Asignación por Embarazo (AEPS), pertencentes ao subsistema não contributivo do regime

de Asignaciones Familiares, da Argentina; e, do Chile, o Sistema Chile Solidario (SCS) e o

programa Ingreso Ético Familiar (IEF). Em última instância, busca-se – mediante a análise

dos referidos programas, da trama conceitual supracitada e a partir do debuxo dos sistemas

de proteção social dos países em foco – inferir se a inserção dos PTCR nesses países alterou

a lógica de seus respectivos sistemas de proteção social e em que medida isso é generalizável

para o continente latino-americano, diante de um contexto de reconfiguração do social – sob

a égide das condicionalidades e dos processos de mercantilização. Ademais, pretende-se

ainda expor e discutir, de maneira crítica ainda que sumariamente, a questão das

condicionalidades e a mercantilização do social por elas impostas e a natureza, bem como a

potencialidade, dos objetivos precípuos perseguidos por este tipo de programa. Ao fim da

pesquisa, conclui-se que a inserção dos PTCR nos três países em análise não implicou uma

alteração consistente na lógica de seus sistemas de proteção de social. Antes, o que se

conformou foi uma coexistência entre os mecanismos clássicos de proteção e os novos

instrumentos (os PTCR, neste caso). Configurou-se, assim, um gênero de proteção híbrida

nesses países.

Palavras-chave: PTCR, proteção social, condicionalidades, mercantilização

ABSTRACT

The goal is pursued in this paper is to describe, compare and analyze the main

Programs Conditional Cash Transfer (PTCR) now in force in Brazil, Argentina and Chile,

deployed from the 2000s, with the conceptual and referential framework, mainly but not

only, the work done by Castel about the State of the social role, in the light of experience of

the Welfare State in Western European societies. Specifically, the programs covered in this

study are the Bolsa Família Program (BFP) of Brazil; the Universal Asignación by Hijo

(AUH) and Asignación by Embarazo (AEPS), belonging to the non-contributory subsystem

of the allocations Family regime, Argentina; and Chile, Chile Solidario System (SCS) and

the Family Ethical Ingreso program (IEF). Ultimately, we seek - through the analysis of

these programs, the above conceptual plot and from the Sketching of social protection

systems of the focus countries - infer whether the insertion of PTCR in these countries

changed the logic of their respective systems social protection and to what extent it is

generalizable to the Latin American continent, before a reconfiguration of context the social

– under the aegis of conditionalities and the processes of mercantilization. In addition, we

intend to further expose and discuss critically albeit briefly, the issue of conditionalities and

the commodification of social which it imposes and the nature and the potential of the prime

objectives pursued by this type of program. At the end of the study, it is concluded that the

inclusion of the PTCR in the three countries under review did not result in a consistent

change in the logic of their social protection systems. Rather, what was conformed

coexistence between mechanisms classic protection and new instruments (the PTCR in this

case). Configured is thus a hybrid genre protection in these countries.

Keywords: PTCR, social protection, conditionalities, mercantilization

As fábricas encerradas,

Fechadas as oficinas;

Só estão escancaradas

As mil bocas pequeninas,

As mil bocas adoráveis,

Dos filhos dos miseráveis!

É o trabalho um dever

A que o Homem foi sujeito?

Nós julgamo-lo um direito.

Qual será maior pesar:

Pedir pão e não o ter,

Ou não ter onde o ganhar?

Roberto Eduardo da Costa Macedo

Escritor e poeta português.

SUMÁRIO

Lista de Quadros................................................................................................................ xiii

Lista de Gráficos................................................................................................................ xiv

Lista de Tabelas................................................................................................................. xvi

Lista de Figuras.................................................................................................................. xvii

Lista de Siglas e Abreviações............................................................................................ xviii

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 23

1. A QUESTÃO SOCIAL DO SOCIAL.............................................................. 29

1.1. O ideário liberal e o advento da questão social................................................... 30

1.2. O compromisso social......................................................................................... 34

1.3. O papel do social................................................................................................. 38

1.4. A crise do social.................................................................................................. 43

1.5. O social na América Latina................................................................................. 51

1.6. Os sistemas de proteção social do Brasil, Argentina e Chile................................ 62

1.6.1. O sistema de proteção social brasileiro................................................................. 63

1.6.2. O sistema de proteção social argentino................................................................ 74

1.6.3. O sistema de proteção social chileno................................................................... 79

2. OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA CONDICIONADA DE

RENDA NA AMÉRICA LATINA: A EXPERIÊNCIA DO BRASIL,

ARGENTINA E CHILE...................................................................................

85

2.1. Programa Bolsa Família – Brasil......................................................................... 86

2.1.1. Antecedentes históricos e origem........................................................................ 87

2.1.2. Aspectos legais e operacionalização.................................................................... 89

2.1.3. Público-alvo e benefícios..................................................................................... 90

2.1.4. Condicionalidades................................................................................................ 94

2.1.5. O Programa Bolsa Família em números.............................................................. 96

2.1.6. Impactos do Bolsa Família.................................................................................. 101

2.2. Asignación Universal: Familiar e para Protección Social – Argentina............... 113

2.2.1. Aspectos preliminares e origem........................................................................... 114

2.2.2. Subsistema contributivo....................................................................................... 116

2.2.3. Subsistema não contributivo................................................................................ 121

2.2.4. O subsistema não contributivo em números – AUH e AEPS................................ 127

2.2.5. Impactos da AUH e AEPS................................................................................... 132

2.3. Sistema Chile Solidario e Ingreso Ético Familiar – Chile................................... 135

2.3.1. Aspectos preliminares e origem........................................................................... 135

2.3.2. Chile Solidario..................................................................................................... 136

2.3.3. Ingreso Ético Familiar......................................................................................... 140

2.3.4. Chile Solidario e Ingreso Ético Familiar em números.......................................... 147

2.3.5. Impactos dos programas chilenos......................................................................... 148

3. OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA CONDICIONADA DE

RENDA SOB PERSPECTIVA COMPARADA............................................. 150

3.1. Análise comparativa dos programas..................................................................... 151

3.2. A proteção social e a inserção dos PTCR.............................................................. 161

4. AS CONDICIONALIDADES E OS OBJETIVOS DOS PTCR: ALGUMAS

CONSIDERAÇÕES........................................................................................... 164

4.1. As condicionalidades e a mercantilização do social............................................. 165

4.2. Redução e superação da pobreza.......................................................................... 167

4.2.1. O curto prazo: redução da pobreza....................................................................... 168

4.2.2. O longo prazo: superação da pobreza................................................................... 174

CONCLUSÕES................................................................................................................ 177

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 182

xiii

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Sistema de Proteção Social – Brasil........................................................... 74

Quadro 2 – Sistema de Proteção Social – Argentina.................................................... 79

Quadro 3 – Sistema de Proteção Social – Chile............................................................ 84

Quadro 4 – Valores dos benefícios do Programa Bolsa Família................................... 93

Quadro 5 – Condicionalidades do Programa Bolsa Família......................................... 95

Quadro 6 – Valores, público-alvo e condicionalidades da AUH e da AEPS................ 126

Quadro 7 – Valores dos benefícios do Ingreso Ético Familiar – 2014.......................... 145

Quadro 8 – Condicionalidades do Ingreso Ético Familiar............................................ 146

Quadro 9 – Panorama dos PTCR do Brasil, Argentina e Chile..................................... 158

xiv

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Evolução do gasto fiscal total com benefícios do PBF (2004-2014) –

valores correntes........................................................................................... 99

Gráfico 2 – Valor máximo do benefício mensal (R$) – valores correntes.................... 100

Gráfico 3 – Número de pessoas pobres e extremamente pobres................................... 102

Gráfico 4 – Número de residentes em domicílios pobres e extremamente pobres........ 103

Gráfico 5 – Taxa de fecundidade total – Brasil (1960-2010)........................................ 107

Gráfico 6 – Taxa de fecundidade durante a década de implantação do PBF (2003-

2014)............................................................................................................. 107

Gráfico 7 – Percentual de crianças com vacinação em dia e acompanhadas pelo SUS

– condicionalidades de saúde........................................................................ 109

Gráfico 8 – Percentual de crianças, de 6 a 15, com acompanhamento de frequência

escolar – condicionalidade de educação........................................................ 110

Gráfico 9 – Evolução do grau de desigualdade – Coeficiente de Gini.......................... 113

Gráfico 10 – Gasto total, em Pesos, com pagamento de benefício da AUH, segundo

tipo de prestação............................................................................................ 130

Gráfico 11 – Evolução dos valores da AUH, por tipo de benefício............................... 131

Gráfico 12 – Evolução da quantidade de beneficiárias na AEPS - mar./2011 a

dez./2011....................................................................................................... 132

Gráfico 13 – Influência da AUH na distribuição de renda: Coeficiente de Gini do

IPCF, com e sem AUH (2007-2012)............................................................. 134

Gráfico 14 – Bonos de protección – Chile Solidario (2006-2010)................................ 148

Gráfico 15 – População em condição de pobreza e indigência e Coeficiente de Gini

(1990-2009).................................................................................................. 149

Gráfico 16 – Nível de gasto e proporção da população atendida por PTCR não

contributivo, em países selecionados da América Latina – 2012................... 159

Gráfico 17 – América Latina e Caribe: incidência de extrema pobreza a US$1,25

dia/pessoa...................................................................................................... 170

xv

Gráfico 18 – América Latina e Caribe: incidência de pobreza a US$2,50 dia/pessoa... 170

Gráfico 19 – Argentina: incidência de extrema pobreza a US$1,25 dia/pessoa............ 171

Gráfico 20 – Argentina: incidência de pobreza a US$2,50 dia/pessoa......................... 172

Gráfico 21 – Chile: incidência de extrema pobreza a US$1,25 dia/pessoa................... 172

Gráfico 22 – Chile: incidência de pobreza a US$2,50 dia/pessoa................................. 173

Gráfico 23 – Brasil: incidência de extrema pobreza a US$1,25 dia/pessoa.................. 173

Gráfico 24 – Brasil: incidência de pobreza a US$2,50 dia/pessoa................................ 174

xvi

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Benefícios previdenciários emitidos (dez./2013)........................................ 65

Tabela 2 – Número de famílias beneficiárias do PBF, por região e UF (dez./2013).. 97

Tabela 3 – Evolução do PBF – 2004 a 2013................................................................. 98

Tabela 4 – População por estratos de renda – Brasil (2003 e 2011).............................. 104

Tabela 5 – Composição familiar por estrato de renda – Brasil (2003 e 2011)............... 106

Tabela 6 – Valores da AAFF – subsistema contributivo.............................................. 120

Tabela 7 – Distribuição da AUH, por faixas de idade (abril/2014)............................... 127

Tabela 8 – Cobertura dos menores de 18 anos (2011-2014)......................................... 128

Tabela 9 – Distribuição territorial da AUH, por região (dez./2011)............................. 129

xvii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Estrutra do Sistema Chile Solidario............................................................ 139

Figura 2 – Infográfico do Ingreso Ético Familiar: público-alvo e benefícios............... 142

Figura 3 – Pilares e caráter das transferências do Ingreso Ético Familiar.................. 143

xviii

LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

Siglas

AAFF Asignación Familiar por Trabajador

ADP Administrador de Datos de Personas

AEPS Asignación por Embarazo para Protección Social

AFIP Administración Federal de Ingresos Públicos

AFP Administradoras de Fondos de Pensiones

AIBF II Avaliação de impactos do Bolsa Família (2ª rodada)

ANSES Administración Nacional de la Seguridad Social

APS Aporte Previsional Solidario

APV Ahorro Previsional Voluntario

AUH Asignación Universal por Hijo para Protección Social

BIRD Banco Interamericano de Desenvolvimento

BVJ Benefício Variável Jovem

BNA Banco de la Nación Argentina

BPC Benefício de Prestação Continuada

BSP Benefício para Superação da Extrema Pobreza

CadÚnico Cadastro Único

CEF Caixa Econômica Federal

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe

CF Constituição Federal do Brasil (1988)

CIB Comissões Intergestores Bipartite

xix

CIT Comissão Intergestores Tripartite

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CNPS Conselho Nacional de Previdência Social

COEGEMAS Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social

COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

CONASEMS Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde

CONASS Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde

CONGEMAS Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social

CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

COSEMS Conselho de Secretários Municipais de Saúde

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social

EPH Encuesta Permanente de Hogares

FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura

FGS Fondo de Garantía de Sustentabilidad

FMI Fundo Monetário Internacional

FNAS Fundo Nacional de Assistência Social

FONASA Fondo Nacional de Salud

FONSEAS Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência Social

FPM Fundo de Participação dos Municípios

FPS Ficha de Protección Social

GEPM Garantía Estatal de Pensión Mínima

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IEF Ingreso Ético Familiar

xx

IGF Ingreso del Grupo Familiar

INDEC Instituto Nacional de Estadística y Censos

INSS Instituto Nacional de Seguro Social

IPCF Ingreso Per Capita Familiar

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ISAPRE Instituciones de Salud Previsional

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MDS-Ch Ministerio de Desarrollo Social (Chile)

MEC Ministério da Educação

MECON Ministerio de Economía y Finanzas Públicas

MF Ministério da Fazenda

MIDEPLAN Ministerio de Planificación

MINEDUC Ministerio de Educación

MINSAL Ministerio de Salud (Chile)

MINTRAB Ministerio del Trabajo y Previsión Social

MINVU Ministerio de Vivienda y Urbanismo

MPAS Ministério da Previdência Social

MS Ministério da Saúde

MSAL Ministerio de Salud (Argentina)

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

MTEySS Ministerio de Trabajo, Empleo y Seguridad Social

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMS Organização Mundial de Saúde

xxi

PAP Prestación Adicional por Permanencia

PASIS Programa de Pensiones Asistenciales

PBF Programa Bolsa Família

PBS Pensión Básica Solidaria

PBU Prestación Básica Universal

PCA Programa Cartão-Alimentação

PEN Poder Ejecutivo Nacional

PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PGRM Programa de Garantia de Renda Mínima

PIB Produto Interno Bruto

PMAS Pensión Máxima con Aporte Solidario

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNAS Política Nacional de Assistência Social

PTCR Programas de Transferência Condicionada de Renda

RGPS Regime Geral de Previdência Social

RMG Renda mínima garantida

SAGI Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação

SAP Servicio de Alcantarillado de Aguas Servidas

SCFV Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos

SCS Sistema Chile Solidario

SIMPLES Sistema Integrado de Pagamentos de Impostos e Contribuições das

Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte

SIPA Sistema Integrado Previsional Argentino

SMVM Salario Mínimo Vital y Móvil

SNAS Secretaria Nacional de Assistência Social

xxii

SPS Sistema de Pensiones Solidarias

SS Seguridade Social

SUAF Sistema Único de Asignaciones Familiares

SUAS Sistema Único de Assistência Social

SUF Subsidio Único Familiar

SUS Sistema Único de Saúde

UNFPA Fondo de población de las Naciones Unidas en Argentina

UO Unidade Orçamentária

Abreviações

Apud Citado por

et al. Entre outros

Ibid. Na mesma obra

n. Número

p. Página (s)

p.p. Pontos percentuais

vol. Volume

23

INTRODUÇÃO

Quando em 1776, Adam Smith lançou sua obra seminal, A Riqueza das Nações,

acreditava que a incipiente estrutura capitalista seria a chave para abrir as portas ao amplo

desenvolvimento dos Estados-nação. De fato, ao longo de seu percurso histórico, o

capitalismo engendrou imensas riquezas, opulentou pessoas, famílias, empresas,

governantes e governos, massificou produtos e consumos, mas, também, e vigorosamente,

exacerbou desigualdades e disseminou misérias.

Ampliar-se de maneira incessante, esta é a característica intrínseca do capital, como

ensinou Marx. E, para tal, não há barreiras geográficas, sociais, políticas ou mesmo morais.

Parece não haver empecilhos de qualquer natureza, obstáculos de qualquer gênero, que não

possam ser vencidos, transpostos, ultrapassados, excedidos, destruídos, subjugados.

Habitamos um mundo, nos dias atuais, onde as grandes corporações transnacionais

dominam as economias, ditam padrões desmedidos de consumo e de comportamento,

excluem milhões de trabalhadores do processo produtivo, cada vez mais poupador de mão

de obra, influenciam politicamente governos e organismos internacionais diversos, saqueiam

países com seus mecanismos de financeirização, comprometem as gerações futuras com a

ostensiva degradação ambiental em prol de uma produção massificada e aprisionam milhões

de pessoas na indigência. Eis a configuração contemporânea.

Dada tal configuração, uma antonímia se coloca. Antonímia que opõe o capitalismo

de seu limiar, “utópico”, “ideal”, idilicamente gerador e propagador de riquezas, ao

capitalismo contemporâneo concreto, concentrador de fortunas, produtor de desigualdades e

indigências, destruidor de suas forças produtivas, em prol de uma contínua acumulação.

Desta maneira, passados mais de duzentos anos desde o lançamento d’A Riqueza

das Nações, parece-nos que aquilo que o capitalismo mais tem desenvolvido é, ao contrário,

a “pobreza das nações”, um estado tal de disparidades, injustiças e insuficiências que pode

ser considerado como um empobrecimento múltiplo e generalizado das sociedades humanas.

A exacerbação da condição de pobreza (o pauperismo), derivada e ampliada do

desenvolvimento capitalista ao longo dos dois últimos séculos, engendrou problemáticas (de

24

conflitos, marginalização e exclusão) que se configuraram em uma verdadeira questão

social. O embate que historicamente se desenvolveu nas sociedades acerca desta questão

culminou, em última instância, na construção de sistemas de proteção social cada vez mais

institucionalizados e complexos, voltados a proteger os indivíduos dos riscos prementes de

natureza biológica e social. Estes sistemas encontraram plena institucionalização através da

atribuição ao Estado da proteção social, constituindo o que veio a ser chamado de Estado

Social, ou ainda Estado do Bem-Estar (Welfare State). A construção histórica da proteção

social contemporânea tem seu fundamento nas lutas e mobilizações dos trabalhadores

assalariados, que desde os estágios iniciais do capitalismo se manifestaram no mundo do

trabalho. Por outro lado, ao institucionalizar e assumir a proteção em seu papel social, o

Estado concorreu favoravelmente para a consolidação do próprio assalariado.

Desta forma, esta dissertação parte de uma explanação essencialmente centrada no

arcabouço conceitual construído por Castel (1995, 2010, 2011, 2011b), a respeito do

desenvolvimento histórico e da situação contemporânea da questão social, como da

construção do Estado Social, nas sociedades europeias ocidentais. Tal questão, segundo o

autor, corresponde ao dilema elementar acerca do qual a sociedade indaga-se sobre sua

própria coesão, sobre sua capacidade de manter-se enquanto um conjunto de indivíduos

vinculados por relações de interdependência. A questão social tem seu fundamento na

degradação das relações laborais, que degradam igualmente o laborante, lançando-o em uma

situação de vulnerabilidade social, quando não de miséria. A degradação dessas relações

resulta diretamente da excessiva exploração capitalista, marcante do advento e consequente

avanço da indústria nascente. A partir desta degradação, diversas foram, e continuam sendo,

as formas de enfrentamento a esta questão. A promoção do social pelo Estado, através do

compromisso social estabelecido no apogeu do capitalismo, constituiu-se como a via

principal de manutenção do laço social. Do papel social assumido pelo Estado, emergem

proteções sociais, pautadas na incondicionalidade e universalidade do direito e da cidadania.

Contudo, ao longo do tempo e decorrentes da própria dinâmica dos processos de

transformação do sistema capitalista, esse Estado passa a ter seu papel social

progressivamente deteriorado e reorientado. Em vista disso, a promoção do social tem sido

readaptada às novas configurações que ele vem adquirindo, implicando que as políticas

sociais, consequentemente, transformem-se e ganhem um caráter mercantil e condicionado,

o que corresponde, em grande medida, ao estado vigente de tratamento da questão social.

25

Consequentemente, surgem novos gêneros de política no âmbito do social. Neste contexto,

emergem os Programas de Transferência Condicionada de Renda (PTCR), como importante

instrumento de política social, particularmente nos países da América Latina, objetos deste

estudo. Esses programas representam uma outra lógica de concessão de proteção, vis-à-vis

as estruturas do social até então vigentes no continente.

Assim, o objetivo que se persegue nesta dissertação está vinculado a esse novo

gênero de política social e consiste em descrever, comparar e analisar os PTCR, na

configuração vigente da proteção social na América Latina. Busca-se analisá-los à luz da

construção conceitual supracitada, procurando adequá-la ao desenvolvimento histórico e à

conjuntura social particular do continente latino-americano. Pretende-se, em última

instância, a partir de tal comparação e análise dos programas, responder à pergunta que

orienta este trabalho: em que medida a introdução dos PTCR (que possuem uma lógica

própria e distinta) modifica a natureza da proteção social até então existente na América

Latina? Em outras palavras, os PTCR prestam-se a substituir ou a complementar as demais

políticas sociais?

Além disso, como objetivo secundário, pretende-se realizar uma explanação e

discussão acerca das condicionalidades e da mercantilização do social derivada de sua lógica

de “toma lá, dá cá”, como também abordar e controverter as premissas por trás dos objetivos

precípuos perseguidos por este tipo de programa.

Contudo, na impossibilidade de operar a descrição, comparação e análise dos PTCR

para cada país do continente, escolheram-se para este estudo três países, a saber Brasil,

Argentina e Chile. Examinam-se os seguintes PTCR: o Programa Bolsa Família (PBF), do

Brasil; os programas Asignación Universal por Hijo para Protección Social (AUH) e

Asignación por Embarazo para Protección Social (AEPS), integrantes do regime de

Asignaciones Familiares, da Argentina; e, finalmente, do Chile, o sistema Chile Solidario e

o programa Ingreso Ético Familiar. Estes três países foram escolhidos como

“representantes” ou “tipos exemplares” dos programas de transferência condicionada de

renda, implementados em diversos países latinos sob diferentes configurações, embora

assemelhados em seus elementos constitutivos fundamentais. A escolha dos países

mencionados explica-se por alguns critérios. No caso do Brasil, a escolha se pautou pelo fato

de o PBF constituir-se no programa de transferência condicionada de renda de maior

26

magnitude do continente, e do mundo, tanto pelo contingente de beneficiários atendidos,

quanto pela extensão territorial alcançada, como também pelo volume de recursos

monetários aplicados. Quanto ao Chile, por ter sido o primeiro país latino-americano a adotar

o modelo neoliberal, na esfera econômica e também social, mercantilizando sua proteção à

população. No que se refere à Argentina, o porquê de sua escolha se fundamenta no fato de,

ao contrário dos outros dois países citados, o PTCR argentino constituir-se em um direito e

não uma ação de assistência, não possuindo, em tese, restrições de vínculo político ou

orçamentário, motivo pelo qual é importante contrapô-lo aos demais.

Nesta dissertação, empregaram-se as pesquisas bibliográfica e documental,

fundamentando a investigação na ampla literatura afim ao tema, através de diversas obras,

estudos e fontes existentes – como artigos, livros, sites institucionais e governamentais, entre

outras fontes.

Para alcançar os objetivos propostos, foram adotados diversos métodos na

realização deste trabalho. Utilizaram-se, a saber, os métodos: histórico, por analisar,

também, mas não unicamente, fenômenos passados vis-à-vis os presentes; comparativo, por

realizar analogias entre tais fenômenos, comparar os diferentes programas entre si assim

como seus resultados, procurando suas similaridades e divergências; descritivo, por

descrever as características dos programas; analítico, por analisar as informações, dados,

conceitos, processos e fenômenos descritos; e, finalmente, estatístico, por pautar algumas

argumentações em certos dados empíricos.

Além desta introdução, a dissertação conta com mais quatro capítulos, subdivididos

em seções. No capítulo 1, intitulado “A questão social do social”, estrutura-se e explicita-se

o aparato conceitual sobre o qual o trabalho está alicerçado. Este capítulo está dividido em

seis seções. A primeira delas, refere-se à concepção liberal, enquanto embasamento

ideológico dos processos econômicos e sociais, e do advento da questão social, nas

sociedades europeias ocidentais do século XVIII. A questão social coloca-se pela exploração

capitalista imposta aos trabalhadores e pelo recrudescimento do pauperismo da população,

como produto da indústria em suas fases iniciais. Desse contexto emerge o dilema social

acerca da aptidão da sociedade em manter-se coesa ante o risco de rompimento de seu elo.

Este dilema, que representa a questão social, engendra, em última instância, o germe para o

processo de desenvolvimento e posterior configuração que tomará a proteção social. A

27

seguir, o capítulo se volta ao processo de construção do “pacto” entre capital e trabalho, que

teve lugar no período conhecido como “anos gloriosos” do capitalismo. O Estado

intermediou este compromisso, de onde deriva a função social que então passou a assumir.

Em sequência, na terceira seção, o objeto é a trajetória de evolução e institucionalização da

proteção social e do papel social que o Estado exerce. Após, na seção quatro, são tratados os

elementos que concorrem para a paulatina desconstrução, iniciada ao término dos anos de

ouro do capitalismo, do papel social do Estado e mesmo dos pilares embasadores da proteção

social. Na quinta seção, introduz-se a América Latina, no que concerne ao debate acerca da

formação e configuração atual dos sistemas de proteção social no continente. A nova

conformação desses sistemas incorpora um particular gênero de política, que são os

programas de transferência condicionada de renda (PTCR), implantados no continente a

partir da década de 1990, e os fundamentos sobre os quais tais programas se embasam. O

questionamento que se coloca é, em que medida, este novo gênero de política significa ou

não um novo paradigma para a proteção social existente na América Latina. Por isso, a

última seção é dedicada a apresentar um retrato, em linhas mais ou menos gerais, dos

sistemas de proteção social do Brasil, Argentina e Chile, de forma a favorecer o debate e a

análise acerca da mudança (ou não) da natureza desses sistemas, com a inserção dos PTCR.

No capítulo 2, cujo título é “Os Programas de Transferência Condicionada de Renda

na América Latina: a experiência do Brasil, Argentina e Chile”, são expostos os PTCR

selecionados, sob o aspecto de seu desenho institucional, assim como de seu marco legal,

operacionalização, público-alvo, benefícios e condicionalidades. Ademais, apresentam-se

alguns dados disponíveis sobre tais programas, acerca de sua dimensão, cobertura, resultados

e impactos, dentre outros. Trata-se de um capítulo essencialmente descritivo.

O capítulo 3 realiza uma análise comparativa de tais programas, a partir de seus

elementos constitutivos fundamentais, tais como descritos no capítulo precedente. O capítulo

divide-se em duas seções. Na primeira, cotejam-se três programas: o Programa Bolsa

Família – PBF (Brasil), a Asignación Universal por Hijo – AUH (Argentina) e o Ingreso

Ético Familiar – IEF (Chile). A segunda seção é dedicada a analisar, discutir e comparar a

inserção dos PTCR nos países em exame e o lugar que tais programas ocupam no respectivo

sistema de proteção social, de maneira a identificar se ocorreu ou não uma alteração

substancial nos referidos sistemas a partir da inserção dos PTCR em sua estrutura.

28

O quarto e último capítulo, enfim, coloca em debate alguns aspectos acerca das

condicionalidades e dos objetivos perseguidos pelos PTCR. Duas seções compõem o

capítulo. Na primeira, discutem-se as condicionalidades, suas premissas embasadoras, seu

papel no âmbito dos PTCR, a mercantilização do social que acarretam e a pretensão que

perseguem. A seção seguinte aborda e discute os dois principais objetivos preconizados

pelos PTCR: a diminuição da pobreza vigente e sua superação intergeracional. Ao fim,

encontram-se as conclusões, onde se busca realizar uma análise geral das questões abordadas

e debuxar algumas inferências acerca da pergunta orientadora deste trabalho.

29

1. A QUESTÃO SOCIAL DO SOCIAL

Este capítulo tem por objetivo apresentar o arcabouço conceitual, assim como os

fundamentos da construção e evolução da proteção social e do papel social assumido pelo

Estado, considerando principalmente as abordagens desenvolvidas por Castel (1995, 2010,

2011, 2011b) e por Marques (1997), porém, pontuando-as com contribuições de outros

autores afins ao tema.

O capítulo encontra-se dividido em seis seções. Na primeira, abordam-se o ideário

liberal e a questão social, no contexto das sociedades europeias ocidentais no século XVIII.

O ideário liberal fundamenta ideologicamente tanto a Revolução Industrial quanto a

Revolução Francesa, naquele período. A questão social, por seu turno, segundo a abordagem

aqui considerada, impõe-se devido à exploração exacerbada infligida aos operários, à

deterioração das relações laborais e ao consequente aprofundamento da pobreza e miséria

da população, que derivam do processo de advento e desenvolvimento da indústria em suas

fases iniciais. Estes fatores engendram o dilema social que o profundo pauperismo da

população trabalhadora da época coloca para as sociedades europeias. Criam-se, assim, as

raízes para o desenvolvimento e institucionalização que, posteriormente, a proteção social

alcançará. A segunda seção, por sua vez, trata sobre os determinantes da construção do

“compromisso social” que se estabeleceu entre capital e trabalho, no apogeu do capitalismo.

Este compromisso, ou pacto, foi intermediado pelo Estado, o que o levou a assumir um papel

social crescente. Em seguida, na terceira seção, abordam-se a evolução da proteção social,

assim como o papel social exercido pelo Estado. A seção seguinte apresenta os fatores que

implicam a progressiva desconstrução do papel social assumido pelo Estado, como também

dos próprios fundamentos que embasaram a proteção social durante o período de apogeu do

capitalismo. Na sequência, a quinta parte deste capítulo insere a América Latina na discussão

acerca da construção, avanço e (re)configuração contemporânea da proteção social. Esta

(re)configuração considera o novo gênero de política, corporificado nos programas de

transferência condicionada de renda (PTCR), que se implantam no continente a partir da

década de 1990, e os fundamentos sobre os quais tais programas se embasam. O

questionamento que se coloca é, em que medida, a inclusão dos PTCR implica, ou não, um

novo paradigma para a proteção social existente na América Latina. Uma vez que se coloca

30

tal questionamento, cumpre conhecer a configuração dos sistemas de proteção social nos

países considerados neste estudo, para fornecer parâmetros de cotejo e inferência à questão

levantada, a saber, se a inclusão dos PTCR altera ou não a natureza dos referidos sistemas.

Deste modo, a sexta seção deste capítulo realiza uma apresentação sintética dos sistemas de

proteção social do Brasil, Argentina e Chile.

1.1. O ideário liberal e o advento da questão social

A partir do século XVIII, as concepções liberais ganharam prevalência e tornaram-

se dominantes no pensamento econômico. Estas concepções preconizavam a noção de um

mercado autônomo, naturalmente regulado e regulador “natural” das relações produtivas e

sociais. De maneira que a posição de cada indivíduo no conjunto social, assim como as

relações entre eles estabelecidas, definiam-se pela forma como estes se encontravam

inseridos no processo produtivo desse mercado. Ao Estado, apenas caberia o papel de

garantir a ordem e a segurança, para a manutenção da propriedade privada (CUNHA &

CUNHA, 2008, p.11).

O ideário liberal de então, pontificado pelos economistas clássicos (e que será

retomado a partir da década de 1970 sob a alcunha de “neoliberalismo”), apregoava uma

economia capitalista utópica, ideal, uma economia de pleno emprego dos recursos e da força

de trabalho, autorregulável, geradora e propagadora de riquezas, mas que não encontrava

respaldo na realidade.

Como considerou Keynes (2013, p.29), dois séculos mais tarde, referindo-se a esses

economistas clássicos, como também aos seus coetâneos cujas análises econômicas

fundamentavam-se na mesma matriz teórica clássica, eles eram:

(...) cândidos, que, tendo se retirado do mundo para cultivarem seus jardins, nos

ensinam que tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis (...). Pode ser

que a teoria clássica represente o caminho que desejaríamos que a nossa economia

seguisse. Mas supor que na realidade ela se comporta desse modo é supor que

todas as dificuldades foram afastadas.

Keynes, portanto, já no século XX, chama a atenção para algo que desde o princípio

do capitalismo se mostrava patente, qual seja, que o pensamento ortodoxo, apesar de sua boa

estética, não reflete a realidade do funcionamento econômico. Por isso, ao contrário do que

31

propunha a concepção liberal, no lugar da plena utilização dos recursos e do pleno emprego

da força de trabalho, o que de fato se propagou, concomitantemente ao desenvolvimento da

incipiente indústria capitalista, foram o pauperismo e a miséria da parcela da população sem

posses, nas sociedades europeias ocidentais dos séculos XVIII e XIX.

O advento da Revolução Industrial implicara novas formas de produção e de

participação no processo produtivo. Estas novas relações eram essencialmente opressoras,

instigadas pelo espírito maximizador dos capitalistas e favorecidas pela falta de qualquer

controle, por parte do Estado, das atividades produtivas e laborais. Infligia-se, desse modo,

à população um grave estado de vulnerabilidade1 social. Como destaca Castel (2011, p.37),

ao expor a situação do operariado na indústria nascente, havia naquele período:

1 O termo “vulnerabilidade” aparece referenciado em diversos autores afins à temática do social, bem como

referido em documentos de política social e nas próprias definições adotadas por diversos programas no que

concerne ao seu público-alvo e objetivos. O conceito de vulnerabilidade, porém, não encontra pleno consenso

na literatura. Em vista disso, optou-se neste estudo por adotar uma abordagem mais ampla para tal conceito,

consoante à Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, assumida pela Política Nacional de

Assistência Social (PNAS) e pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) em suas

ações socioassistenciais. Para melhor esclarecimento acerca dessa concepção, segue trecho de documento

elaborado pelo MDS:

“Não há um significado único para o termo vulnerabilidade. (...) Por esse motivo, diversas teorias, amparadas

em diferentes percepções do mundo social e, portanto, com objetivos analíticos diferentes, foram

desenvolvidas.

(...) As situações de vulnerabilidade podem decorrer: da pobreza, privação, ausência de renda, precário ou nulo

acesso aos serviços públicos, intempérie ou calamidade, fragilização de vínculos afetivos e de pertencimento

social decorrentes de discriminações etárias, étnicas, de gênero, relacionadas à sexualidade, deficiência, entre

outros, a que estão expostas famílias e indivíduos, e que dificultam seu acesso aos direitos e exigem proteção

social do Estado. Com intuito de subsidiar a reflexão sobre o conceito de vulnerabilidade adotado pela

PNAS/2004, seguem algumas considerações de diferentes autorias:

Kaztman: o autor elabora a concepção “ativos-vulnerabilidades” – a qual é utilizada pela Comissão Econômica

para América Latina e Caribe - CEPAL. Segundo essa compreensão, as vulnerabilidades resultam da relação

entre duas variáveis: estrutura de oportunidades e capacidades dos lugares (territórios). Compreende-se por

estrutura de oportunidades a composição entre: a) mercado; b) sociedade; e c) Estado. Já o conceito de

capacidades dos lugares (territórios) diz respeito às possibilidades de acesso a condições habitacionais,

sanitárias, de transporte, serviços públicos, entre outros - fatores que incidem diretamente no acesso diferencial

à informação e às oportunidades e, consequentemente, no acesso a direitos. Nessa perspectiva, são as diferentes

combinações entre ambas variáveis que originam tipos e graus de vulnerabilidade diferenciados. Os atores

sociais, portanto, não dependem somente de sua capacidade de gerenciamento de ativos, mas de um contexto

histórico, econômico e social formado de oportunidades e precariedades, bem como da intermediação/proteção

da estrutura estatal para que consigam usufruir dos diferentes tipos de ativo necessários para responder às

situações de vulnerabilidade.

Dieese – Unicamp: segundo o DIEESE, o termo vulnerabilidade define a zona intermediária instável que

conjuga a precariedade do trabalho, a fragilidade dos suportes de proximidade e a falta de proteção social.

Assim, se ocorrer algo como uma crise econômica, o aumento do desemprego e a generalização do

subemprego, a zona de vulnerabilidade dilata-se, avança sobre a zona de integração e gera a desfiliação. As

situações de vulnerabilidade social devem ser analisadas a partir da existência ou não, por parte dos indivíduos

ou das famílias, de ativos disponíveis e capazes de enfrentar determinadas situações de risco. Logo, a

vulnerabilidade de um indivíduo, família ou grupos sociais refere-se à maior ou menor capacidade de controlar

as forças que afetam seu bem-estar, ou seja, a posse ou controle de ativos que constituem os recursos requeridos

para o aproveitamento das oportunidades propiciadas pelo Estado, mercado ou sociedade: a) físicos – meios

32

(...) uma vulnerabilidade de massa que afeta grandes camadas populares. Em

particular, a maior parte dos assalariados de então era condenada a uma

precariedade permanente e a uma insegurança cotidiana pela ausência de um

mercado organizado de trabalho. Os mais vulneráveis desses vulneráveis

oscilavam entre a mendicância e a vagabundagem (...).

Segundo o autor, a doutrina da Revolução Francesa, que se seguiu à Revolução

Industrial, servindo-lhe de aparato ideológico, difundia a tese de que o livre acesso ao

trabalho (isto é, a um mercado de trabalho não regulado) melhoraria a condição de vida dos

trabalhadores, permitindo que todos encontrassem trabalho e, ainda, possibilitaria que o

capitalismo incipiente se desenvolvesse de forma livre pela própria dinâmica de

funcionamento do mercado. Entretanto, no que concerne aos trabalhadores, isto não ocorreu

(CASTEL, 2010, p.65-66).

Deste modo, no limiar do capitalismo2, no lugar da promessa dos clássicos ou da

esperança propagada pela Revolução Francesa, o que se assistia era a uma deterioração das

já antes deterioradas condições de trabalho dos trabalhadores urbanos da época. A diferença

para o bem-estar – moradia, bens duráveis, poupança, crédito; b) humanos: trabalho, saúde, educação

(capacidade física e qualificação para o trabalho); e c) sociais – redes de reciprocidade, confiança, contatos e

acessos à informação. Assim, a condição de vulnerabilidade deve considerar a situação das pessoas e famílias

a partir dos seguintes elementos: a inserção e estabilidade no mercado de trabalho, a debilidade de suas relações

sociais e, por fim, o grau de regularidade e de qualidade de acesso aos serviços públicos ou outras formas de

proteção social.

Marandola Jr. e Hogan: o termo vulnerabilidade é chamado para compor estudos sobre a pobreza enquanto um

novo conceito forte, na esteira dos utilizados no passado, tais como: exclusão/inclusão, marginalidade,

apartheid, periferização, segregação, dependência, entre outros. Enfatiza-se também que o termo

vulnerabilidade tem sido empregado para tratar do cerceamento dos bens de cidadania – seja em função de

uma diminuição de renda ou de perda de capital social.

A partir desse breve percurso sobre a concepção de vulnerabilidade, pode-se afirmar que a abordagem adotada

pela PNAS, ao dialogar com as análises mencionadas, possibilita à assistência social uma visão menos

determinista e mais complexa das situações de pobreza, pois dá um sentido dinâmico para o estudo das

desigualdades, a partir da identificação de zonas de vulnerabilidades, possibilitando um maior poder

explicativo de uma realidade social, composta por uma heterogeneidade de situações de desproteção social.

Nessa direção, pode-se afirmar: a) A vulnerabilidade não é sinônimo de pobreza. A pobreza é uma condição

que agrava a vulnerabilidade vivenciada pelas famílias; b) A vulnerabilidade não é um estado, uma condição

dada, mas uma zona instável que as famílias podem atravessar, nela recair ou nela permanecer ao longo de sua

história; c) A vulnerabilidade é um fenômeno complexo e multifacetado, não se manifestando da mesma forma,

o que exige uma análise especializada para sua apreensão e respostas intersetoriais para seu enfrentamento; d)

A vulnerabilidade, se não compreendida e enfrentada, tende a gerar ciclos intergeracionais de reprodução das

situações de vulnerabilidade vivenciadas; e) As situações de vulnerabilidade social não prevenidas ou

enfrentadas tendem a tornar-se uma situação de risco” (MDS, 2012, p.12-15).

2 O limiar do capitalismo, enquanto sistema hegemônico, equivale ao advento da indústria, a partir do século

XVIII. A indústria capitalista comanda o capitalismo durante os séculos XVIII e XIX. Ao fim do século XIX,

será o capital a juros que predominará no capitalismo, até a Crise de 1929. A partir do fim da Segunda Guerra

Mundial, como próprio resultado do pós-Guerra, o capitalismo industrial retomará a dominância no sistema,

atingindo seu ápice nos trinta anos seguintes ao término da Segunda Guerra, período conhecido como os “anos

gloriosos” ou “anos de ouro” do capitalismo.

33

é que, como alega Castel (2010, p.66-67), com o advento da indústria capitalista e do livre

mercado de trabalho, passava a existir o contrato de trabalho, uma ordem contratual, que

legitimava a exploração do trabalhador por parte do capitalista, sem conceder nenhum

estatuto jurídico ao trabalho.

A liberdade do então novo livre mercado de trabalho do capitalismo nascente

submetia a população a um estado de precariedade inexorável, implicando sua crescente

exploração, pauperização e miséria. Sob este cenário, emerge a questão social, que, nas

palavras de Castel (1995, p.18), trata-se de:

(...) uma aporia [dilema] fundamental sobre a qual uma sociedade experimenta o

enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura. Ela é um desafio que

interroga, que põe em questão a capacidade de uma sociedade de existir enquanto

um conjunto ligado por relações de interdependência.3 (Tradução nossa)

A questão social, portanto, coloca-se diante do risco de fratura social, da ameaça de

rompimento da coesão de uma sociedade, quando esta se encontra abalada em seu alicerce,

enquanto um conjunto de pessoas vinculadas por interdependências. Desta maneira, o

problema da questão social passa a se evidenciar quando a existência crescente de indivíduos

não incorporados (ou mal incorporados) ao mercado de trabalho engendra pressões sociais,

ameaçando a estabilidade do corpo social (CODES, 2008, p.7).

Uma das formas pelas quais tais pressões se manifestavam consistia nas frequentes

greves e conflitos que tiveram lugar nas sociedades da Europa Ocidental, quando da indústria

capitalista emergente. Marx e Engels (2002, p.37) descrevem a natureza dos embates que

então ocorriam:

Inicialmente, operários entram em luta isoladamente; em seguida, operários de um

setor industrial, em um mesmo local, contra um mesmo burguês, que os explora

diretamente. Dirigem seus ataques não somente contra as relações burguesas de

produção; dirigem-nos também contra os próprios instrumentos de produção;

destroem as mercadorias estrangeiras concorrentes, quebram máquinas,

incendeiam fábricas (...).

Sob este contexto, e por ele, surgiram e se desenvolveram os movimentos

revolucionários de caráter socialista, ameaçando a recém-conquistada hegemonia do

3 “(...) une aporie fondamentale sur laquelle une société expérimente l’énigme de sa cohésion et tente de

conjurer le risque de sa fracture. Elle est un défi qui interroge, remet en question la capacité d’une société à

exister comme un ensemble lié par des relations d’interdépendance.” (CASTEL, 1995, p.18).

34

capitalismo, colocando a sociedade diante do risco de sua fissura, ao questionar-se de sua

capacidade em sustentar os vínculos de interdependência das relações que a fundamentam.

Todas as sociedades repousaram no antagonismo entre classes opressoras e

oprimidas. Mas, para se oprimir uma classe, é necessário assegurar-lhe condições

para que possa, no mínimo, prolongar sua existência servil. (...) O operário

moderno em vez de elevar-se com o progresso da indústria, decai cada vez mais,

abaixo das condições de sua própria classe. O operário transforma-se em

indigente, e a miséria cresce mais rápido do que a população e a riqueza.

Evidencia-se, assim, que a burguesia é incapaz de permanecer por mais tempo

como classe dominante (...). É incapaz de dominar, pois é incapaz de assegurar a

seu escravo a própria existência no âmbito da escravidão, porquanto é compelida

a precipitá-lo numa situação em que tem que alimentá-lo em vez de por ele ser

alimentada. (MARX & ENGELS, 2002, p.44)

Em suma, a questão social tem seu âmago na questão laboral. Emerge da exploração

do capitalismo sobre a classe trabalhadora urbana, ao imprimir-lhe uma forte degradação,

não apenas no que concerne aos aspectos do trabalho, mas também de sua condição social e

humana, situando-a em uma posição de profunda vulnerabilidade, ampliando seu

pauperismo e sua miséria.

1.2. O compromisso social

Diante da questão social que se impunha, o desenvolvimento dos sistemas de

proteção social ganhou ênfase no mundo do trabalho, como instrumentos de redução da

situação precária em que viviam os trabalhadores. Tal desenvolvimento tem sua base na

iniciativa dos próprios trabalhadores assalariados vinculados à indústria, que se

“organizaram na forma de ‘ajuda mútua’, buscando promover a cobertura de riscos tais

como: a doença, o desemprego, a morte e a velhice” (MARQUES, 1997, p.14), de maneira

a amenizar a demasiada precariedade que lhes atingia. Nesse momento, nem o Estado e

tampouco os empregadores contribuíam com mecanismos significativos de proteção. Os

trabalhadores por seu poder organizativo, principalmente através dos sindicatos, promoviam

sua “autoproteção”.

Como esclarece Marques (1997, p. 36), os mecanismos primários de proteção social

desenvolvidos no âmbito das organizações sindicais procuravam realizar dois objetivos

precípuos:

35

De um lado, tratavam de preencher o vazio ocasionado pela destruição das antigas

formas de solidariedade, associadas às corporações de ofício e à vida no campo,

provocado pelo rápido crescimento da indústria e das cidades. Naquele momento,

dada a situação em que viviam os trabalhadores, mesmo a família e a vizinhança

não conseguiam se colocar como efetiva rede de proteção. De outro lado, serviam

como garantia mínima para que os trabalhadores não ficassem completamente à

mercê das condições, de trabalho e salário, oferecidas pelos capitalistas.

Isto posto, tem-se que o grau do poder organizativo dos operários, expresso pelas

organizações sindicais, refletia diretamente tanto a existência quanto a capacidade de

cobertura promovida pelos instrumentos rudimentares de proteção social que puderam ser

construídos pelos trabalhadores ainda nos estágios incipientes do capitalismo, nos séculos

XVIII e XIX.

Segundo Marques (1997), o avanço e a expansão dessa ação organizada dos

trabalhadores, através dos sindicatos e dos mecanismos de proteção, levam o Estado a

progressivamente encarregar-se da incumbência de promover as proteções sociais, a partir

do início do século XX. Por conseguinte, o papel social que o Estado passará a assumir, o

que lhe valerá o adjetivo de “Social”, deriva essencialmente da pressão que a organização

trabalhista e sua presença política exercem nas sociedades.

Ao atribuir-se um papel social crescente, o Estado é colocado como uma espécie de

intermediador, do que Castel (2010) chama de “compromisso social”. Trata-se de um tipo

de “pacto” implícito que se celebra entre capitalistas e trabalhadores. Este pacto se

apresentou como uma opção reformista, não revolucionária (ou, ainda, antirrevolucionária),

para equilibrar os interesses do capital e do trabalho. Tal pacto consistia na mudança do

status do trabalho (que será então incorporado ao âmbito do direito) e na institucionalização

da proteção social. Sendo assim, esse compromisso social que se engendra no interior do

capitalismo, a partir do início do século XX e que se consolida no período dos “anos

gloriosos”, nas sociedades europeias ocidentais, debilitou as forças revolucionárias, assim

como enfraqueceu a dicotomia capital x trabalho, burguesia x operariado. A diferenciação

entre grupos e segmentos sociais passou a centrar-se essencialmente nos diferenciais de

salários e não mais em classes antagônicas (CASTEL, 2010, p.19).

Além disso, tal compromisso concorreu para a própria formação do assalariado, ao

tornar o assalariamento “atraente” ao trabalhador – nas palavras de Marques (1997, p.38) –

em função da mudança no status do trabalho e das proteções que passam a ser asseguradas

pelo Estado, o que “possibilitou a transformação em massa da força de trabalho despossuída

36

em trabalho assalariado” (LENHARDT & OFFE, 1984, p.17). Estruturou-se, assim, uma

sociedade salarial. Nas palavras de Castel (2011b, p.285), a sociedade salarial:

(...) não é somente uma sociedade na qual a maioria da população é assalariada,

ainda que seja verdade. (...) Mas uma sociedade salarial é sobretudo uma sociedade

na qual a maioria dos sujeitos sociais têm sua inserção social relacionada ao lugar

que ocupam no salariado, ou seja, não somente sua renda, mas também seu status,

sua proteção, sua identidade.

Segundo Castel (2010), o capitalismo, durante os referidos “anos gloriosos” (entre

o fim da Segunda Guerra Mundial e os anos de 1970), alcançou o seu apogeu e obteve êxito

em promover este tipo de compromisso social, que fora capaz de amenizar o peso das

desigualdades e controlar os abusos patronais. A essência das relações entre capitalistas e

trabalhadores, todavia, não se alterou, mas passaram a ser mediadas por regras, direitos e

deveres. Tal compromisso tornou-se possível pelo estabelecimento de uma nova condição

salarial e laboral para os trabalhadores, consubstanciada no estatuto do emprego e na

proteção social, que passava a lhes conceder garantias fundamentais.

A consolidação e consistência dessa nova condição laboral, doravante apoiada e

assegurada pelo estatuto do emprego e pela proteção, basearam-se na estruturação coletiva

dos trabalhadores. Ocorrera um processo de “desindividualização”, ou “coletivização”,

como nomeia Castel (2010, p.24). O “coletivo” era o seu alicerce: os coletivos sindicais, as

convenções e regulações coletivas, e, principalmente, o Estado Social, o “coletivo por

excelência”, nas palavras do autor, orquestrando tal aparato, concedendo um aspecto legal

ao equilíbrio que então se estabelecia entre os distintos interesses do capital e do trabalho e

constituindo-se em peso favorável ao trabalho para nivelar tal relação.

Como considera Castel (2010), o trabalhador isoladamente, assim como o seu

trabalho, não possuía qualquer importância frente ao poder do capital. Por isso, a organização

coletiva dos trabalhadores foi o elemento crucial na transformação que sua própria condição

de trabalho alcançou no período dos anos gloriosos. A partir desse período, ao inserir-se “nos

sistemas de garantias coletivas do estatuto do emprego e da proteção social”4, o trabalhador

deixava de estar em absoluta desvantagem ante sua relação com o capitalista. Portanto, por

intermédio do direito do trabalho que então lhe embasara, o trabalhador extravasava o

domínio do mero utilitarismo econômico infligido pelos capitalistas e ascendia à esfera da

4 Castel, 2010, p.24. Tradução nossa.

37

cidadania social, através das proteções e direitos aos quais se encontrava doravante

vinculado.

O compromisso social estabelecido, portanto, alcançava repelir a ameaça de fratura

da sociedade, equilibrando os interesses em disputa. Sendo assim, ao Estado, enquanto

intermediador desse pacto, fora incumbido o papel de assegurar a coesão da sociedade,

diante da questão social com a qual se defrontava. Tal papel é exercido pelo Estado pela via

do direito, ao inserir o trabalho e a proteção social neste âmbito. Desta forma, o Estado Social

que se consolida nesse compromisso fundamenta-se sob um princípio universalista, da

promoção incondicional de direitos (CASTEL, 2010).

Este compromisso social, que possibilitou ao trabalho e à proteção social tornarem-

se matéria de direito, teve sua intermediação e consolidação sob incumbência do Estado. Tal

tarefa concedeu a ele a atribuição de principal agente econômico e social nos países

capitalistas. Logo, outorgou-se ao Estado uma função cada vez maior na determinação das

trajetórias da economia e da proteção social nas sociedades modernas. O econômico e o

social tornaram-se, em consequência, objetos de política.

A maior determinação nos rumos da economia e da proteção social encontravam

respaldo teórico na influência do pensamento keynesiano. A construção teórica de Keynes

defendia um papel-chave para a atuação estatal no estímulo ao crescimento econômico e na

geração de empregos, como saída para o colapso no qual o sistema capitalista entrara após a

Crise de 1929. Tal evento e suas consequências no cenário mundial colocaram a

credibilidade da doutrina liberal ortodoxa em xeque. Diante da ineficácia do ideário ortodoxo

em propor respostas a tais problemas, as propostas de Keynes ganharam espaço, por fornecer

uma solução para a crise tanto na esfera teórica da economia quanto no campo político.

Assim, sob a validade das propostas keynesianas, o Estado e sua função social ganharam

força, consolidando-se através do compromisso social no período que se seguiu ao término

da Segunda Guerra (BURGINSKI, 2013).

Assim, por recapitulação, infere-se que o compromisso social, que se estabelece a

partir do início do século XX e que se consolida nos anos de ouro do capitalismo, tendo o

Estado por intermediário, tem sua gênese nos conflitos entre capital e trabalho na defesa de

seus distintos interesses. Como produto do processo histórico de lutas e mobilização dos

trabalhadores, o trabalho alcançará um novo status, assim como as proteções sociais serão

38

progressivamente institucionalizadas, ao serem assumidas pelo Estado. De maneira que o

estatuto do emprego e os sistemas de proteção social, que se firmarão sob a tutela do Estado

Social, devem ser considerados como conquistas dos trabalhadores e dos movimentos sociais

em prol de melhores condições de vida e de trabalho (MARQUES, 1997, p.46).

Contudo, importa frisar que apesar de constituir-se como resultado de embates entre

as classes burguesa e proletária e dos movimentos e organização dos trabalhadores, os

produtos gerados pelo compromisso social – quais sejam, a mudança do status do trabalho e

a institucionalização da proteção social – prestar-se-ão a favorecer o desenvolvimento tanto

do capitalismo industrial quanto do assalariado. Assim, o direito do trabalho e as proteções

sociais institucionalizadas serão, simultaneamente, “produtos” da mobilização dos

assalariados da indústria e também “insumos” da própria condição laboral e legal que

concorrerá para a consolidação da sociedade salarial e do desenvolvimento da indústria.

1.3. O papel do social

A partir do compromisso social, o Estado é levado a assumir um crescente papel

social que se solidifica por meio de regulações do trabalho e das proteções, de maneira a

assegurar o caráter universal e incondicional da cidadania ao conjunto da população,

concorrendo para a manutenção do elo da sociedade. Manutenção essa que fora um resultado

de todo o processo e não a sua motivação. Por este papel que lhe é colocado, o Estado desloca

o social para o domínio do público, alçando-o ao patamar de política. Em consequência, a

proteção social angaria a configuração de política pública, descolando-se da esfera da

benevolência primária e familiar de assistência aos necessitados.

Sabe-se que todas as sociedades humanas desenvolveram formas, em diferentes

épocas e sob distintas concepções, de enfrentar e lidar com as vicissitudes e riscos de

natureza biológica ou social da vida. Estas formas representam os sistemas de proteção

social, de menor ou maior grau de institucionalização, existentes nas diferentes sociedades

e períodos históricos (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2012, p.17).

Um primeiro gênero de tais sistemas equivale às proteções primárias e locais, cujo

encargo cabe ao entorno social imediato e adjacente, no qual instâncias especializadas, de

39

caráter público (o Estado) ou privado (o mercado), não intervêm. Neste sentido, quando não

plenamente institucionalizada, a proteção social corresponde, segundo Castel (1995, p.34),

ao conceito de sociabilidade primária (sociabilité primaire), que corresponde a:

(...) sistemas de regras que ligam diretamente os membros de um grupo à base de

seu pertencimento familiar, de vizinhança, de trabalho, tecendo redes de

interdependência sem mediação de instituições específicas.5 (Tradução nossa).

Como o autor pontifica, a partir do conceito de sociabilidade primária, seria lícito

pensar a existência de sociedades sem o social. Em outras palavras, sociedades onde

instituições especializadas de proteção social estivessem ausentes e o Estado, embora

existente, não exercesse a função de agente protetor (CASTEL, 2010, p.146). Neste caso, a

proteção dos membros mais vulneráveis dependeria tão somente da generosidade e

filantropia de seus próximos. Ao longo da história, a sociabilidade primária foi mantida pela

tradição e exercida pela família, vizinhos e amigos.

Posteriormente, o desenvolvimento das sociedades e a complexificação das

relações sociais levaram a proteção a exceder os vínculos primários, pois ela adquire um

caráter social mais amplo e a sociedade passa a agir sobre si mesma para proteger-se das

contingências. Neste sentido, como aborda Castel (1995, p.41), pode-se falar de uma

sociabilidade secundária (sociabilité secondaire), uma vez que se tratam de sistemas

desalinhados dos vínculos familiares e de proximidade. Assim, emerge o caráter social das

entidades religiosas e filantrópicas que também passam a encarregar-se das proteções em

diversas sociedades.

Pode-se considerar que os sistemas de proteção social desenvolvidos através da

organização dos trabalhadores nas primeiras etapas da indústria capitalista situam-se entre a

sociabilidade primária e a secundária, pois originam-se nas relações de proximidade do

trabalho, mas também as excedem por meio da progressiva expansão da cobertura das

proteções aos trabalhadores de cada setor industrial, via sindicatos e organismos coletivos,

segundo o grau de desenvolvimento organizativo dessas entidades.

5 “(...) les systèmes de règles liant directement les membres d’un groupe sur la base de leur appartenance

familiale, de voisinage, de travail, et tissant des réseaux d’interdépendances sans médiation de institutions

spécifiques.” (CASTEL, 1995, p.34).

40

Atualmente, as sociabilidades primária e secundária se configuram na atuação da

sociedade civil (uma sociabilidade terciária, poder-se-ia dizer), que engloba as entidades de

generosidade primária (familiar e de proximidade), mas também aquelas de generosidade

privada ou mercantil (instituições sociais privadas, com ou sem fins lucrativos).

De acordo com Castel (1995), a partir do desprendimento dos vínculos primários

de generosidade, formas de proteção cada vez mais complexas vão se desenvolvendo e

engendrando estruturas assistenciais mais sofisticadas. Deste modo, nas sociedades

contemporâneas capitalistas, a proteção social adquire uma crescente formalização, através

de “sistemas e organizações complexas totalmente dedicadas a prever e sanar riscos de

natureza biológica (...) bem como riscos de natureza social”, como expressam Silva, Yazbek

e Giovanni (2012, p.18).

A formalização e institucionalização do social retira-o, portanto, do puro domínio

da generosidade e passa a incluí-lo, progressivamente, no âmbito do direito. Este processo

ocorre sob a condução do Estado, que ao assumir o caráter de provedor e garantidor de

direitos e proteções, a partir do compromisso social que se consolida nos anos gloriosos,

encarrega-se da promoção do social nas sociedades. Deste modo, o Estado em seu papel

social assegura para cada indivíduo o direito coletivo adquirido.

O Estado Social que se solidifica nos anos de ouro do capitalismo, tendo por função

fundamental, segundo a abordagem de Castel (2010), zelar pela coesão da sociedade, busca

rechaçar os riscos que a ameaçam de fratura, mediante a proteção a seus membros mais

vulneráveis. Contudo, para exercer devidamente esta função, promovendo proteções aos

indivíduos diante das eventualidades de ordem natural ou social da vida, foi preciso que

instrumentos específicos fossem desenvolvidos, aptos a atender as diferentes necessidades

sociais. Estes aparatos concorreram tanto para formalizar e institucionalizar o social, quanto

decorreram de sua própria complexificação.

De acordo com Castel (2010), a complexidade do social se corrobora pela

heterogeneidade das populações atendidas. Tais populações se definem, essencialmente,

pela forma como se vinculam ao trabalho, distinguindo-se em duas categorias basilares:

válidos e inválidos.

41

Todos aqueles impossibilitados de trabalhar, por limitações físicas, etárias ou

mentais – os inválidos – encontram-se isentos desta obrigação, por possuírem motivos

socialmente considerados legítimos. A estes, a proteção social se coloca como um

imperativo moral da sociedade, que entende a necessidade de protegê-los, desde seus mais

remotos sistemas de proteção. Assim, a emergência do Estado Social, para este segmento de

assistidos, não fez mais que institucionalizar a proteção, que formalizar a assistência,

legalizando no âmbito do direito (retirando-a, por conseguinte, da esfera da mera

generosidade e da dependência) o que já se encontrava desde antes socialmente legitimado.

Por outro lado, no que concerne a todos aqueles que apesar de não possuírem

restrições (físicas, etárias ou mentais) para trabalhar, não conseguem fazê-lo ou o fazem sob

condições extremamente precárias – os válidos – e que, por isso, não possuem recursos

suficientes para subsistirem por si mesmos e tampouco para fazerem frente às vicissitudes

da vida, tal legitimidade social não se verifica. Por esta razão, a promoção do social para os

pobres e indigentes aptos ao trabalho se revelou uma tarefa de árdua concretização para o

Estado Social. Para esse segmento da população, precisou-se desenvolver uma nova

categoria de social, com mecanismos diferentes de proteção, distintos da assistência clássica

destinada aos inválidos. Tais mecanismos fundaram-se nas proteções e direitos sociais

vinculados ao trabalho, consubstanciados no estatuto do emprego e nos sistemas de proteção

social, que foram o alicerce do compromisso estabelecido no apogeu do capitalismo.

Entretanto, esta então nova modalidade do social, ao incorporar o trabalho, toca em

um ponto nevrálgico do ideário liberal capitalista, que é a premissa de livre funcionamento

do mercado. Não por outro motivo, a tarefa de institucionalizar esta modalidade foi muito

mais laboriosa ao Estado Social e, por isso, de realização mais tardia que a modalidade

clássica de assistência. Afinal, a assistência clássica – direcionada aos inválidos – não

detinha qualquer dificuldade maior à sua implantação, pois, além de moralmente legitimada,

não se imiscuía ao econômico, uma vez que seus beneficiários tratam-se justamente daqueles

isentos da obrigação de trabalhar (CASTEL, 2010). Portanto, aos assistidos desprendem-se

diferentes tratamentos, em virtude das distintas maneiras como estejam colocados em

relação ao trabalho.

Ainda de acordo com Castel (2010), a despeito da objeção capitalista quanto à nova

categoria do social, o Estado conseguiu promover as proteções para a totalidade da

42

população. Foi possível realizar tal feito em função da força que o Estado Social adquiriu

em sua construção. Ele se constituiu, no auge do capitalismo, enquanto um Estado-nação6

sólido e autônomo, responsável pelo desenvolvimento econômico e social da sociedade.

Semelhante responsabilidade assumida pelo Estado Social, imputa-lhe um papel

social mais amplo, que extravasa a promoção das proteções e assistências sociais. Por este

motivo, o Estado Social incumbe-se também da oferta de bens e serviços públicos, que, pela

sua própria natureza, são indispensáveis ao desenvolvimento social e de interesse geral da

sociedade, cuja execução plena escapa à esfera privada, por esta dedicar-se a interesses

particulares. Tais bens e serviços são tradicionalmente identificados nas áreas de educação

e de saúde e constituem elementos de alta relevância no que tange, para além do

desenvolvimento socioeconômico, à função do Estado de manutenção da coesão social. Ao

promover um sistema de bens e serviços públicos, o Estado exerce um importante papel

social, pois complementa o sistema de proteção que oferece. Pela proteção social, os

indivíduos têm proteções vinculadas ao seu trabalho, a seu ciclo de vida e à assistência. Pela

oferta pública, os indivíduos têm acesso a bens e serviços coletivos, de crucial importância

social. Tanto o sistema de proteção social como os bens e serviços públicos funcionam,

conjunta e complementarmente, como elementos fundadores da cidadania social (CASTEL,

2010, p.157).

O Estado Social, assim configurado (enquanto mediador do pacto do capitalismo e

promotor de proteções, bens e serviços sociais), encontrou sua primeira e mais acabada

expressão nas sociedades europeias ocidentais, em virtude do desenvolvimento industrial

pioneiro, da mobilização e organização trabalhista que os operários alcançaram e da posição

política e econômica privilegiada em que se encontravam em relação ao mundo. Tal

configuração do Estado Social, contudo, não é uma regra para todos os continentes e regiões

do planeta. Do mesmo modo como é possível pensar em sociedades sem o social, anteriores

ao advento do Estado de Bem-Estar, baseadas unicamente em sociabilidades primárias, há

ainda hodiernamente sociedades onde não se manifesta a presença ou mesmo a existência

deste modelo de Estado, como em alguns países africanos, conforme Castel (2010). Na

América Latina, alguns países, como Argentina e mesmo o Brasil, desenvolveram sistemas

6 O Estado Social apoia-se no Estado-nação construído no auge do capitalismo, mas, do ponto de vista do

desenvolvimento do social, contraditoriamente, isso foi feito já na fase imperialista, fase de crises e revoluções.

43

de proteção social mais complexos7, embora não equiparáveis aos europeus. Por

conseguinte, pode-se inferir que o Estado Social se edifica por um processo histórico,

vinculado às especificidades sociais, políticas, econômicas e até culturais sob as quais ele é

erigido, possuindo, por esta razão, estrutura, força e amplitude distintas entre as diferentes

sociedades.

1.4. A crise do social

A crise que abalou o sistema capitalista na década de 1930 repercutiu por algumas

décadas na economia mundial e somente após a Segunda Guerra finalizou-se de fato, quando

se inaugurou uma fase de prosperidade no sistema. Essa crise implicou o repensar dos

fundamentos ideológicos do capitalismo e levou à ascensão teorias e políticas favoráveis a

uma maior intervenção estatal no âmbito econômico e social, propostas por Keynes, o que

coadunado à crescente pressão trabalhista, à ameaça do socialismo e à questão social que se

fundara no advento e desenvolvimento do capitalismo industrial, favoreceram as

circunstâncias sob as quais o Estado Social emergiu. Este Estado consolidou-se e

predominou durante o período conhecido como “anos gloriosos”, que correspondem aos

trinta anos seguintes ao término da Segunda Guerra Mundial, período no qual o capitalismo

atingiu seu ápice. O Estado de Bem-Estar Social configurado nesse período representou, nas

palavras de Esping-Andersen (1995, p.73):

(...) um esforço de reconstrução econômica, moral e política. Economicamente,

significou o abandono da ortodoxia da pura lógica do mercado, em favor da

exigência de extensão da segurança do emprego e dos ganhos como direitos de

cidadania; moralmente, a defesa das ideias de justiça social, solidariedade e

universalismo. Politicamente, o Welfare State foi parte de um projeto de

construção nacional, a democracia liberal contra o duplo perigo do fascismo e do

bolchevismo.

Logo, em última instância, o Estado Social foi um produto do pós-Guerra, advindo

da necessidade de reconstrução social, política e econômica das sociedades capitalistas, ao

término do conflito mundial.

7 Tais sistemas serão, sucintamente, apresentados na seção 6 deste capítulo.

44

De acordo com Marques (1997), o rápido e expressivo crescimento econômico que

os países avançados alcançaram nesse período forneceu as bases materiais para o

desenvolvimento e consolidação do próprio papel social do Estado, pois propiciou uma fonte

crescente e sólida de recursos fiscais, mediante os quais as proteções puderam ser

promovidas e ampliadas. Não apenas os benefícios garantidos pela seguridade como também

aqueles ligados ao trabalho fundamentavam-se tanto em contribuições dos empregados e

empregadores, com o concurso do Estado (a França é o país mais emblemático), como a

partir de recursos fiscais (países nórdicos). Em um primeiro momento, tais benefícios

dirigiam-se essencialmente aos trabalhadores urbanos. Porém, em função das pressões

sociais e favorecidas pelo acelerado crescimento econômico da época, as proteções foram

progressivamente estendidas, ampliando não apenas o leque de riscos cobertos como

também o público abarcado, passando a incluir aqueles sem capacidade de contribuição ao

sistema. Alcançava-se, assim, a universalização da cobertura na proteção social. Por isso,

pode-se considerar que, se por um lado, o Estado Social favoreceu a condição de

assalariamento, ao torná-la atrativa ao trabalhador por meio do estatuto jurídico do trabalho

e das proteções sociais, por outro, tanto o Estado Social como as proteções sociais foram

favorecidos pela expansão que o assalariamento auferiu, abrangendo o conjunto das

atividades humanas, através do célere crescimento econômico e do elevado nível de emprego

que as economias apresentaram no período dos anos gloriosos.

Todavia, um novo sismo estremeceu o capitalismo mundial na década de 1970,

debilitando as economias e acarretando que as políticas econômica e social de caráter

expansivo, implementadas pelo Estado Social, fossem perdendo sua eficácia, como também

o seu espaço. Segundo argumenta Marques (1997, p.58), o determinante último dessa crise

que abala o sistema capitalista, a partir dos anos setenta, é o “fim da onda larga”, isto é, o

esgotamento do ciclo de expansão que caracterizou o período dos anos de ouro do

capitalismo. Este esgotamento resultou da exaustão dos próprios mecanismos de acumulação

do período, o que passou a exigir um novo paradigma tecnológico para sua superação. A

produção e as atividades econômicas em geral serão, a partir daí, reestruturadas sob uma

nova base tecnológica, cimentada precipuamente no desenvolvimento da microeletrônica e

da informatização, que se constituirão como técnicas altamente poupadoras de mão de obra,

principalmente na indústria.

45

Ainda de acordo com Marques (1997), diante dessa nova conjuntura econômica e

tecnológica, as sociedades passaram a conviver com níveis elevados de desemprego,

contrastando sobremaneira com a situação anterior vivida nos anos gloriosos. Ademais, em

razão da própria natureza desse novo paradigma tecnológico, a persistência do desemprego

em patamar elevado ameaça consolidar-se, conformando uma nova configuração

contemporânea para o mundo do trabalho. Neste processo, as bases materiais de

financiamento e promoção das proteções sociais começam a ser tolhidas.

Sobre o conjunto deste cenário adverso que se coloca com a crise do capitalismo,

iniciada na década de 1970, avolumaram-se as críticas à proposta keynesiana, implicando o

fortalecimento da ortodoxia, que se (re)estabeleceu enquanto pensamento hegemônico, sob

a alcunha de neoliberalismo (BURGINSKI, 2013; GALLARDO & ANYUL, 2008; LIMA,

SICSÚ & PAULA, 1999). Como o define Draibe (1993, p.86,88-90):

O neoliberalismo não constitui um corpo teórico próprio, original e coerente. Esta

ideologia dominante é principalmente composta por proposições práticas e, no

plano conceitual, reproduz um conjunto heterogêneo de conceitos e argumentos,

“reinventando” o liberalismo mas introduzindo formulações e propostas muito

mais próximas do conservadorismo político e de uma sorte de darwinismo social

(...). As “teorizações” (...) neoliberais são geralmente emprestadas do pensamento

liberal ou de conservadores e quase que se reduzem à afirmação genérica da

liberdade e da primazia do Mercado sobre o Estado, do individual sobre o coletivo.

E, derivadamente, do Estado mínimo, entendido como aquele que não intervém

no livre jogo dos agentes econômicos. (...) Também no domínio das políticas

sociais, o fôlego teórico neoliberal é bastante reduzido. Suas proposições

compõem, negativamente, um conjunto de argumentos de ataque ao Estado de

bem-estar social e, positivamente, um conjunto de propostas de reformas dos

programas sociais, movendo-se sobretudo num campo mais prático de prescrições

para as políticas públicas no setor social.8

Isto posto, com o revigoramento da doutrina ortodoxa, o ideário neoliberal passa a

ocupar uma posição predominante na condução das políticas econômica e social, o que

concorrerá diretamente para o processo de progressiva desconstrução do papel social do

Estado, em vista do posicionamento ideológico e das “recomendações” práticas propagadas

por esta vertente.

O discurso neoliberal, que passa a vigorar, defende um novo modelo de acumulação

pautado sob um mercado de trabalho flexível. Segundo seus proponentes, esta seria a forma

de equilibrar a procura e a demanda por trabalho neste mercado, o que contribuiria para a

8 Grifos da autora.

46

redução do desemprego. No entanto, como já ressaltado, a própria natureza do paradigma

tecnológico implica que mesmo as novas vagas que pudessem ser geradas não compensariam

os empregos destruídos pela economia de mão de obra. Dessa forma, a flexibilização do

mercado de trabalho, defendida pela ortodoxia, poderia propiciar uma recomposição dos

lucros capitalistas, em uma tentativa de recuperar os níveis de lucratividade vigentes nos

anos de ouro, mas não asseguraria infalivelmente a recuperação das condições e dos níveis

de emprego.

A flexibilização do mercado de trabalho pretende tornar maleáveis as garantias

sociais vinculadas a ele, o que, em outras palavras, significa derrogar o estatuto jurídico do

emprego, erodir os direitos e proteções enleados ao trabalho. O estatuto do emprego vai

sendo, assim, paulatinamente enfraquecido. Este enfraquecimento do estatuto do emprego

reflete-se na crescente precarização do trabalho, nos obstáculos que têm se colocado para a

seguridade e para as proteções diversas a ele vinculadas. Tal ameaça ao estatuto do emprego

abala profundamente o principal sustento, o principal pilar, no qual a função protetora do

Estado foi edificada.

Na presença desse quadro de hegemonia do neoliberalismo e das evidentes e

crescentes dificuldades financeiras que o Estado Social enfrenta para sustentar as proteções

sociais, em vista da ameaça de consolidação de níveis elevados de desemprego e

precarização do trabalho, o que concorre diretamente contra a base contributiva que mantém

parte da seguridade, acentua-se o debate em torno do futuro dos sistemas de proteção, assim

como do próprio papel social do Estado (MARQUES, 1997). Neste cenário, emergem e

ganham força as propostas de renda mínima garantida (RMG), como opção substitutiva ou

suplementar (dependendo da vertente de pensamento que a defenda), para o conjunto de

proteções, benefícios e serviços promovido pelo Estado. De acordo com Marques (1997,

p.89), o entendimento da RMG e de sua necessidade, em função das diferentes correntes de

pensamento, distinguem-se essencialmente do seguinte modo:

Entre os neoliberais [a RMG] está associada à ideia de Estado mínimo e às

propostas de desregulamentação do trabalho e de redução ou extinção dos

encargos sociais, como condição para que as taxas de desemprego recuem, e como

requerimento da chamada globalização. No campo progressista, está associada à

construção de um novo conceito de solidariedade, entendida como necessária para

dar conta da situação criada pelo novo nível de produtividade e do novo mundo

do trabalho.

47

A autora ressalta que vários defensores da RMG advogam sua necessidade e

importância levando em conta uma tendência, que consideram inevitável, de superação da

sociedade salarial. Esta tendência se confirmaria em vista da persistência das elevadas taxas

de desemprego e da nova configuração que o mundo do trabalho tem tomado, através da

crescente precarização do emprego e das tentativas de enfraquecimento de seu estatuto. Não

obstante, aponta a autora, a pressuposição de um inevitável colapso da sociedade salarial

desatenta à possibilidade de retomada do crescimento do trabalho, seja como resultado da

mobilização trabalhista pela redução da jornada de trabalho e pela manutenção dos direitos

conquistados, seja como resultado de um novo ciclo de expansão do sistema que venha a

suscitar um aumento na demanda de mão de obra, ou seja ainda por intermédio de políticas

públicas sociais de estímulo à geração de emprego. Deste modo, a derrocada da sociedade

salarial não é um fato determinado, pelo menos não sob um ponto de vista dinâmico, que

exceda a análise estática da conjuntura atual.

No entanto, o risco de tal colapso está colocado, o que não é sinônimo de sua

inevitabilidade histórica. Entretanto, esse risco se agrava sob um cenário onde o Estado

Social, principal promotor e garantidor dos direitos coletivos e sociais no capitalismo

contemporâneo, encontra-se cada vez mais questionado e reprimido em sua função social.

Como considera Castel (2010), o Estado Social, característico do apogeu dos anos dourados

do capitalismo, tem sido combalido. Ele perde paulatinamente sua relativa autonomia ao

inserir-se em uma dinâmica de competição internacional cada vez mais acirrada, que se

avoluma com a intensificação dos processos globalizadores. Para seguir competitivo frente

às exigências da globalização e dos mercados financeiros mundializados, o Estado precisa,

diante da redução de suas receitas fiscais, eliminar custos, eleger prioridades e, neste ponto,

são os salários, as proteções e as vantagens sociais a ele vinculadas que aparecem como as

principais variáveis de ajuste.

Diante desse contexto, o Estado social perde sua força, vis-à-vis a robustez que

alcançara no apogeu do capitalismo. A promoção do social, como também a oferta de bens

e serviços públicos são coagidas, dando lugar para a crescente mercantilização que é

instigada pela doutrina neoliberal. Desse modo, não apenas o Estado Social é elanguescido,

mas o próprio papel social do Estado.

48

Concomitantemente à retomada da doutrina ortodoxa como pensamento

hegemônico, e decorrente disso, um processo de descolectivização da sociedade, como

Castel (2010) denomina, consolida-se de maneira progressiva. O caráter do “coletivo”, sob

o qual o Estado Social embasara as proteções, rui ante o crescente rogo à individualização.

“A exortação a ser um indivíduo se generaliza”9 (CASTEL, 2010, p.25). A sociedade

coletivizada, sob o Estado Social, descoletiva-se, individualiza-se. Desponta uma “sociedade

dos indivíduos” (ELIAS, 1994). Porém, a “exortação a ser um indivíduo” negligencia o fato

de que sê-lo não é um dado. Tornar-se um indivíduo é o cerne do problema, pois o indivíduo

não é algo acabado, uma “substância”, nas palavras de Castel (2010). O indivíduo é uma

construção social e histórica, e que, portanto, precisa de alicerce, de recursos para construir-

se enquanto tal.

Em face desta nova configuração de uma sociedade individualizada, as relações de

trabalho alteram-se sobremaneira. Segundo Castel (2010), cada vez mais são exigidas do

trabalhador mobilidade, adaptabilidade, responsabilidade, autonomia, tanto no que concerne

à atividade laboral e ao seu percurso profissional, quanto à sua própria vida. Daqui em diante,

cada indivíduo deve valer-se por seu mérito. A meritocracia torna-se a medida da trajetória

pessoal, profissional e social de cada um.

Sob a guarida do mérito, como o autor também ressalta, alguns indivíduos saem-se

bem, livres das “amarras” coletivas e do “peso” dos regimentos. Mas outros tantos, não

possuindo os recursos necessários para enfrentar as novas exigências, não conseguem se

inserir e, não havendo mais o coletivo (promovido pelo Estado Social) que os favorecia,

acabam por tornarem-se inválidos sociais, sem papel, sem função a exercer. Há, portanto,

um contingente amplo de indivíduos que não consegue responder adequadamente às novas

exigências impostas pelo processo de crescente individualização da sociedade.

Pode-se considerar, mesmo a partir de uma perspectiva liberal respaldada na

abordagem de Sen (2005), que tais indivíduos não possuem os “funcionamentos” necessários

para atender a esses requisitos. Os funcionamentos correspondem aos estados e ações do

indivíduo, como, por exemplo, a condição de nutrição, de educação ou mesmo seu

comportamento social. Segundo esta abordagem, é o conjunto de funcionamentos que

9 Tradução nossa.

49

determina se um indivíduo tem ou não capacidade para adquirir ou participar de algo, pois a

disponibilidade de um bem ou serviço não significa que a pessoa tenha capacidade de

adquiri-lo ou de participar dele. Deste modo, a ausência ou insuficiência de determinados

funcionamentos implica menor capacidade de resposta dos indivíduos às demandas sociais,

inclusive e principalmente do mercado laboral. Por tal perspectiva, os mais desvalidos

socialmente constituem-se em “incapacitados” a possuir ou participar de determinados bens

e serviços vinculados à vivência da sociedade. O Estado Social, enquanto promotor de bens

e serviços públicos, promove a formação desses funcionamentos ao conjunto desses

indivíduos desvalidos, tornando-os “capacitados” à tal participação social. Mas ao ter sua

função social enfraquecida, o Estado deixa de agir sobre tais sujeitos, que passam a ter que

atender por si mesmos às exigências da nova configuração do mercado.

Como argumenta Castel (2010), ao propiciar recursos e direitos basilares aos

indivíduos desprovidos de propriedade privada, o Estado, no apogeu do capitalismo, edificou

uma espécie de propriedade social, que proveu tais sujeitos de cidadania, ao valer-lhes

inserção social pela via do trabalho e das proteções e serviços sociais. Contudo, a emergência

desta “sociedade dos indivíduos” tem cada vez mais destruído a propriedade social, gerando

assim não mais indivíduos cidadãos, mas indivíduos “por defeito”, posto que são indivíduos

em termos fisiológicos e psicológicos, mas não o são no sentido social pleno, uma vez que

carecem dos recursos necessários para inserirem-se de modo adequado nas exigências do

novo regime. Logo, a sociedade dos indivíduos “maximiza as possibilidades de uns e

invalida as de outros”10 (CASTEL, 2010, p.27).

Perante esse processo, a própria questão social se metamorfoseia. Originalmente

fundada sobre a indagação acerca da capacidade da sociedade em manter-se coesa, ante os

problemas sociais que emergiam, a questão social de então teve como resposta a integração

social dos desprovidos por intermédio do emprego, alterando o status do trabalho,

embasando-o sobre direitos e garantias e promovendo a proteção social de caráter universal.

Neste sentido, o trabalho exerce o papel de ente integrador, pois através dele os sujeitos

puderam auferir um conjunto de direitos que lhes fornece garantias fundamentais,

integrando-os e habilitando-os à participação na sociedade, por meio da cidadania que

passaram a dispor. Contudo, com a fragilização do estatuto do emprego e, por consequência,

10 Tradução nossa.

50

a crescente precarização do trabalho, segundo Castel (2011b, p.281), a nova questão social

“parece ser o questionamento dessa função integradora do trabalho na sociedade”. Porém,

cabe interrogar se haveria “outros suportes da utilidade social e outros fundamentos

legítimos de reconhecimento social fora do trabalho”11 (CASTEL, 2010, p.70).

A ética do trabalho, enquanto construção histórica do capitalismo, pontifica que o

trabalho é a principal via de integração social (MARQUES, 1997, p.99). Ele não perdeu sua

centralidade social, apesar do processo de deterioração ao qual os fundamentos da sociedade

salarial têm sido submetidos. O significado de deterioração, neste sentido, implica

justamente que a estrutura deste tipo de sociedade se mantém, enquanto que seu sistema de

regulações se debilita, como explica Castel (2010, p.78). Sendo assim, ainda segundo o

autor, embora a sociedade salarial em sua configuração contemporânea mostre-se

globalmente deteriorada, as sociedades humanas atuais permanecem ao abrigo de seu marco

teórico, prático e político, pois a maior parte da vida social cotidiana segue-se exercendo em

torno da consistência do trabalho assalariado.

Diante da configuração vigente das sociedades capitalistas modernas, cada vez mais

individualistas, meritocráticas e mercantilizadas, a atuação do Estado deve ser reorientada,

para que seu papel social não seja completamente suprimido. A partir desta reorientação,

novos imperativos são colocados para o Estado. Segundo Castel (2010, p.164), o primeiro

deles é o da proximidade, que pontifica que a atuação do social deve ocorrer em nível mais

próximo ao beneficiário das proteções e serviços. Em outras palavras, isso equivale a retirar

o social do Estado e legá-lo à esfera do localismo. É o argumento da descentralização da

gestão e promoção do social, enquanto, teoricamente, a forma mais eficiente de promovê-lo.

O segundo imperativo é o da participação do usuário. Este imperativo defende a

atuação conjunta do beneficiário em relação ao benefício que lhe é concedido. Significa que

o Estado não deve mais atuar como um distribuidor de recursos incondicionais. Ao contrário,

ele deve exigir uma contraprestação do beneficiário do social (quando este não for

pertencente ao grupo dos isentos do trabalho), de modo a torná-lo responsável por si e por

seu desenvolvimento, por sua “recuperação”. É a lógica da condicionalidade, da

11 Tradução nossa.

51

contrapartida, do “toma lá, dá cá” (CASTEL, 2010). Assim, uma espécie de mercantilização

alcança a esfera do social.

Além de não mais distribuir recursos e proteções de maneira incondicional, o

Estado não deve, igualmente, fazê-lo de modo universal. É preciso distinguir os usuários,

não apenas por suas posições em relação ao trabalho, mas em suas necessidades e nas causas

destas. Contudo, ao diferenciar os beneficiários, o social torna-se seletivo, em oposição ao

universal. O critério de atendimento progressivamente deixa de ser a cidadania e passa a ser

a necessidade ou o mérito. O social, cada vez mais, abandona o domínio do universal e migra

para o campo do focalizado. A focalização avulta-se em detrimento da universalidade.

Deste modo, ao ter que se adaptar às exigências impostas pelo novo regime pautado

no predomínio da doutrina ortodoxa e na crescente individualização da sociedade, o Estado

Social tem sua própria natureza abalada. Originalmente erigido sob uma vocação

universalista, almejando a universalidade de direitos e proteções sociais incondicionais a

todo o conjunto da sociedade, o Estado Social tem sua atuação reorientada para uma postura

seletiva, centrada na focalização, nas condicionalidades e no localismo, que doravante

devem, crescentemente, pautar o social e suas ações.

Em resumo, a crise do social perpassa diferentes âmbitos. Compreende, em última

instância, a crise da própria sociedade salarial onde as raízes da função social do Estado

foram plantadas. Diante das dificuldades que esta crise impõe e das novas exigências que

passam a figurar no ideário dominante e na conformação das sociedades, o Estado Social é

impingido a adaptar-se, assumindo gradativamente novas premissas para sua atuação. Não

obstante, nessa adaptação acaba por alterar muito de sua própria natureza.

1.5. O social na América Latina

O Estado Social, tal qual o construído historicamente nas sociedades europeias

ocidentais, não alcançou idêntica conformação nas sociedades em desenvolvimento,

inclusive na América Latina, objeto deste estudo. Por isso, não se pode dizer que se

consolidou um Estado Social nos países deste continente. Nestes países, os sistemas de

proteção social têm sua implantação e sua estrutura muito recentes e frágeis, quando

52

cotejados ao modelo europeu. Há, porém, nos países latino-americanos instituições sociais

especializadas e um nível relativamente elevado de desenvolvimento do social; como não o

há, por exemplo, segundo Castel (2010), em alguns países do continente africano ainda nos

dias atuais. Como o autor alega (2011b, p.279), a diferença entre a proteção social na

América Latina e o Estado Social na Europa Ocidental parece ser mais de grau do que de

natureza. Por conseguinte, a apreciação do Estado Social europeu se presta como

fundamento à compreensão e à análise do caso latino, pois os sistemas de proteção social na

Europa Ocidental e na América Latina são diferentes, mas não incongruentes.

Há distinções importantes no que concerne à construção histórica da proteção social

nas sociedades europeias e nas latinas. Nas sociedades europeias, o Estado Social nasce, em

última instância, do compromisso social estabelecido entre capital e trabalho, como produto

das pressões políticas exercidas pela organização trabalhista via sindicatos e partidos e

consolidado no pós-Guerra com o intuito de reconstruir socioeconômica e politicamente as

sociedades, confrontando-se à questão social que as ameaçava de fratura. Constituiu-se, no

decorrer do tempo, em um Estado forte e autônomo, que opera por meio de instrumentos e

aparatos legais, através do estatuto do emprego e da institucionalização da proteção social.

Por outro lado, nas sociedades latino-americanas, a questão social fundante teve sua

base na colonização e o pacto colonial foi a resposta para manter a coesão da sociedade. A

questão social nas sociedades latinas apenas se assemelhará à questão social europeia com o

advento da industrialização na América Latina (WANDERLEY, 2011). Contudo, o próprio

processo industrial se dá tardiamente neste continente, apresentando vigor real somente após

a Segunda Guerra, quando um franco movimento de internacionalização do capital, em

seguida à recuperação da Europa no pós-guerra, passa a se direcionar para as economias

periféricas. A industrialização na maioria dos países latinos ocorrerá, portanto, de forma

associada ao capital estrangeiro. A presença deste capital, assim como a atração dele para

tais países, impõe como pré-condição a exigência de estabilidade e de uma conjuntura

econômica favorável a esses investimentos. Pressupõe-se, assim, “a prévia cristalização de

uma ordem capitalista regulada por um Estado nacional estável” (LESSA & DAIN, 1984,

p.221). Em consequência, o Estado passa a ter um papel econômico crescente, enquanto

dinamizador da expansão desse capitalismo industrial, nas sociedades latino-americanas.

Deste modo, o Estado nestas sociedades vai se assemelhando à configuração do Estado

Social europeu, no que se refere ao caráter de provedor e articulador do desenvolvimento

53

socioeconômico, porém, sob outro embasamento e origem, pois na América Latina esse

Estado primeiro se configura sob regimes ditatoriais, enquanto que na Europa fundou-se, em

sua maioria, sobre instituições democráticas. Neste processo, a própria questão social latino-

americana se metamorfoseia, aproximando-se da questão europeia. Como explicita

Wanderley (2011, p.65-66):

A questão social latino-americana põe-se, no espaço e no tempo, diferentemente

da realidade europeia (...). Poder-se-ia ainda dizer que, convergindo com a

concepção clássica elaborada nas latitudes da Europa, ela assumirá na América

Latina características semelhantes às de lá a partir da efetivação da

industrialização e da implementação do capitalismo tardio em nosso continente;

com a presente fase da mundialização do capitalismo (...), ela vai identificar-se de

forma crescente, em diversos aspectos, com o formato de sua constituição nos

países do chamado Primeiro Mundo.

Assim, para responder às demandas colocadas pela questão social que se

transmutara em função do advento desse “capitalismo tardio”, o Estado, na maioria dos

países latino-americanos, engendra um aparato legal de garantias, proteções e serviços

sociais semelhantes, embora não equiparáveis, ao modelo europeu. Longe de representar

uma sorte de benevolência do Estado para com sua população, porém, a construção e

desenvolvimento da proteção social nas sociedades latinas foi antes um resultado da pressão

política que a organização dos trabalhadores exerceu. À semelhança do processo histórico

de construção e institucionalização das proteções sociais na Europa Ocidental, também na

América Latina os primeiros instrumentos de proteção social coletiva foram desenvolvidos

pelos próprios trabalhadores (MARQUES, 1997). Logo, o crescimento e avanço desses

mecanismos foram cruciais para torná-los objeto de regulação estatal, quando então

migraram para o âmbito do direito.

Contudo, cabe destacar que na América Latina os sistemas de proteção construídos

voltam-se para o mercado formal, relegando o acesso ao social a todos os trabalhadores em

informalidade. Isso é uma diferença crucial entre os sistemas latinos e o europeu. Na Europa,

a sociedade salarial consolidou-se através da extensão do assalariamento a todos os setores

de atividades, o que não aconteceu na América Latina. Neste continente, o que se conformou

foi a existência estrutural de um mercado informal de trabalho, cujos trabalhadores não

tinham (e ainda não têm) qualquer acesso à proteção e tampouco, qualquer direito.

Posteriormente, os processos de redemocratização, pelos quais muitos países

latinos passaram, principalmente a partir dos anos de 1980, e as lutas sociais que tais

54

processos instigaram, concorreram diretamente para a configuração atual que o social

alcança no continente. Entretanto, como destacam Silva, Yazbek e Giovanni (2012, p.20-

21), referindo-se ao caso brasileiro, mas que é perfeitamente aplicável à América Latina em

sua quase totalidade:

(...) mesmo com a redemocratização da sociedade, a possibilidade de

constituição de um Estado de Bem-Estar Social, orientado pela cidadania, é

colocada na contramão da história, com o estabelecimento da hegemonia do

projeto neoliberal. Chega-se, portanto, ao século XXI, com um Sistema de

Proteção Social marcado pelos traços da reforma dos programas sociais, sob

orientação de organismos internacionais como o Banco Mundial e o Banco

Interamericano de Desenvolvimento, expresso pela descentralização,

privatização [uma face da mercantilização] e focalização dos programas sociais.

Portanto, a edificação de um Estado Social pleno, na América Latina, foi malograda

pela emergência da hegemonia das políticas neoliberais no continente, como também pela

própria inexistência de uma sociedade salarial consolidada. O que acabou se construindo

nesta região foi uma espécie de Welfare State às avessas, onde a meritocracia prevalece sobre

a universalidade.

Sabe-se que os países da América Latina têm um passado histórico de domínio e

exploração, sob a égide da colonização ibérica. Eles compartilham o aprofundamento da

pobreza, o desmonte de seus Estados e a degradação de suas economias, decorrente das

décadas de hegemonia neoliberal, nos anos de 1980 e 1990 principalmente. Por estes fatores,

tais países possuem hoje um legado de mazelas sociais, de dependência econômica e de

atraso tecnológico.

Contudo, é importante considerar que a “realidade latino-americana é una e

diversa” (WANDERLEY, 2011, p.56), por isso:

Se [a realidade latino-americana] comporta características comuns, (...) ela se

compõe simultaneamente de um mosaico diferenciado de elementos derivados dos

modos como os povos construíram e estão construindo suas trajetórias de vida.

(WANDERLEY, 2011, p.56)

Desta forma, o social que emerge na América Latina, apesar de possuir certas

características gerais paralelas às de seu predecessor europeu, conserva especificidades

próprias nos diferentes países em que se estabeleceu. Isto posto, corrobora-se a importância

de manter ressalvas às “generalizações que sejam aplicáveis a esta parte da América, tendo

em vista a diversidade de espaços, tempos e forças sociais em cada Estado-nação”, como

frisa Wanderley (2011, p.56).

55

Cumpre salientar que, por um lado, se o sistema de proteção social na América

Latina instaura-se de maneira tardia em relação ao europeu, por outro, ele se degrada mais

rapidamente (CASTEL, 2011b). Em consequência, este modelo de Estado e seu papel social

nos países latinos logo acomodam-se aos novos parâmetros do social, que se fundam na

focalização, nas condicionalidades e no localismo. Estes parâmetros decorrem da

reorientação da função social do Estado, exigida pela configuração contemporânea das

sociedades capitalistas, que se alicerçam sobre os pilares da doutrina neoliberal e do processo

de individualização.

Um então singular gênero de políticas sociais, pautado nos novos parâmetros do

social, terá lugar no continente latino-americano, a partir da década de 1990, expandindo-se

consideravelmente a partir dos anos 2000. Antes de conformarem o desenho institucional

que virão a ter, o debate inicial em torno destas políticas envolveu, em alguma medida, as

propostas de renda mínima garantida (RMG), que já era uma pauta madura nos debates

europeus. Contudo, enquanto que na Europa a RMG perpassava uma discussão profunda

sobre a própria desconstrução ou destruição do papel social do Estado (embora isto não tenha

se efetivado), no contexto latino-americano a RMG advinha do diagnóstico de profunda

pobreza e desigualdade que afetava o continente e da necessidade de enfrentá-las com

instrumentos mais eficazes e menos dispendiosos que as políticas então vigentes. Em um

primeiro momento, as propostas de RMG aventavam a universalidade de sua concessão ao

conjunto da sociedade, constituindo-se em benefícios incondicionais. Todavia, o desenho

que estas políticas assumirão, por fim, será uma amálgama dos fundamentos de combate à

pobreza preconizados pela RMG, somados aos novos parâmetros do social, quais sejam,

focalização, condicionalidades e descentralização (que pode ser considerada um gênero de

localismo). Em alguns programas desse novo gênero de política perdurarão certos elementos

do caráter incondicional da RMG12.

As raízes históricas dessas políticas datam de 1980 e residem na própria conjuntura

socioeconômica do continente, bem como na sua posição subsidiária em relação às

economias avançadas e aos organismos multilaterais. Na década de 1980, os países latino-

americanos enfrentaram graves turbulências econômicas, consubstanciadas na crise da

dívida externa e no agravamento do processo inflacionário. Para promover o ajustamento

12 Como se verá nos capítulos 2 e 3.

56

estrutural e a estabilização de suas economias, foram adotadas nestes países, nas décadas de

1980 e 1990 (e a partir dos anos noventa sob forte “recomendação” do Consenso de

Washington13), políticas neoliberais amplamente embasadas na redução de gastos públicos

e sociais. Contudo, a estabilização monetária que ao fim foi alcançada teve um alto custo.

Ao contrário da retomada do crescimento econômico e da redução das desigualdades, como

previam seus defensores, as políticas neoliberais resultaram na persistência (e mesmo no

aumento) da miséria e da pobreza na América Latina (MATTEI, 2010; MARQUES, 2013).

Em outras palavras, as políticas neoliberais de estabilização, ao recrudescer a pobreza e a

indigência no continente, aprofundaram a questão social.

Além disso, na década de 1990, a proposta neoliberal no âmbito da proteção era a

de privatizar a saúde e a previdência, deixando a encargo do Estado, a concessão de cobertura

para os mais pobres. Juntamente a isso, desenvolveram-se políticas focalizadas no campo

assistencial.

Porém, diante do cenário de agravamento da pobreza – decorrente das políticas

recessivas aplicadas desde os anos de 1980 – a partir de 2000, os próprios organismos

proponentes das políticas neoliberais (quais sejam, o Fundo Monetário Internacional (FMI)

e o Banco Mundial, principalmente), sob a pressão de órgãos como a CEPAL e outros,

passam a admitir a ineficácia das políticas neoliberais quanto ao tratamento da pobreza. Não

que reconhecessem que tais políticas agravaram a pobreza, mas sim que elas eram ineficazes

ou insuficientes para reduzi-la, ou mesmo para controlá-la.

Assim, políticas específicas de enfrentamento à pobreza passaram a ser necessárias.

Nesse momento, a discussão sobre a RMG já está colocada. No entanto, ao invés da RMG,

13 “Conjunto de trabalhos e resultados de reuniões e economistas do FMI, do BIRD e do Tesouro dos Estados

Unidos realizadas em Washington D.C. no início dos anos 90. Dessas reuniões surgiram recomendações dos

países desenvolvidos para que os demais, especialmente aqueles em desenvolvimento, adotassem políticas de

abertura de seus mercados e o ‘Estado Mínimo’, isto é, um Estado com um mínimo de atribuições (privatizando

as atividades produtivas) e, portanto, com um mínimo de despesas como forma de solucionar os problemas

relacionados com a crise fiscal: inflação intensa, déficits em conta corrente no balanço de pagamentos,

crescimento econômico insuficiente e distorções na distribuição da renda funcional e regional. O resultado

mais importante dessas políticas (pelo menos no que se refere à América Latina) tem sido o êxito no combate

à inflação nos países em que, durante os anos 80 e mesmo no início dos anos 90, ela atingia níveis intoleráveis.

Além disso, o livre funcionamento dos mercados, com a eliminação de regulamentações e intervenções

governamentais, também tem sido uma das molas mestras dessas recomendações. Embora os países que

seguiram tal receituário tenham sido bem-sucedidos no combate à inflação, no plano social as consequências

foram desalentadoras: um misto de desemprego, recessão e baixos salários, conjugado com um crescimento

econômico insuficiente, revela a outra face dessa moeda (...)” (SANDRONI, 2007, p.179).

57

o que se conformará serão políticas que mesclam algumas preocupações da RMG com os

novos imperativos da atuação social do Estado. Estas novas políticas vão se consubstanciar

nos Programas de Transferência Condicionada de Renda (PTCR). O desenho desses

programas para a redução da pobreza será então sugerido pelos mesmos organismos

multilaterais promotores das políticas neoliberais que agravaram a pobreza.

As novas políticas de enfrentamento à pobreza passam a se fundamentar na

concentração dos gastos sociais, a partir da focalização destes gastos na parcela mais pobre

da população. Como explicitam Brown e Pérez (2013, p.4), “entendendo que atender a

problemática social com os sistemas clássicos na América Latina [em certa medida

universais] comprometem grande parte dos recursos públicos, os organismos internacionais

recomendam focalizar-se nos mais pobres (...)”14. Assim, tais políticas diferem

substancialmente daquelas empregadas no período anterior, no qual se procurou construir

um sistema de proteção social universal (MATTEI, 2010, p.3).

A partir de meados da década de 1990, portanto, alguns países latino-americanos

começaram a implantar programas focalizados de transferência de renda. Em um primeiro

momento, os programas focalizados possuíam um caráter restritivo, atendendo a segmentos

populacionais específicos. Todavia, a partir dos anos 2000, advém uma segunda geração

destes programas, tornando-os políticas sociais massivas, isto é, de abrangência nacional

(SOLANO, 2009, Apud. MARQUES, 2013).

Estes programas são impulsionados e, em alguns casos, financiados por organismos

multilaterais, como FMI e Banco Mundial, e tendem a exigir algum tipo de contrapartida por

parte de seus beneficiários, enquanto contraprestação para o recebimento das prestações

monetárias (BROWN & PÉREZ, 2013, p.2)15. As políticas focalizadas possuem, portanto,

um caráter condicional, que implica o cumprimento de contraprestações por parte de seus

14 Tradução nossa.

15 A critério de informação, cabe aqui distinguir os conceitos de condicionalidade e contraprestação, como os

definem Brown e Pérez (2013, p.3): “As condicionalidades se vinculam a certas características dos

beneficiários: ser pobres, desempregados, informais, etc., enquanto que as contraprestações fazem referência a

atividades que estes têm que realizar como contrapartida do subsídio recebido". Apesar desta distinção formal

dos conceitos, o termo “condicionalidade” é frequentemente empregado com o sentido de contraprestação, na

literatura afim. Neste trabalho, condicionalidade é também utilizada, em diversas passagens, como sinônimo

de contraprestação. Ademais, são empregados, alternativa e indistintamente, outros sinônimos constantes na

literatura, tais como: contrapartidas e corresponsabilidades.

58

beneficiários como requisito para receberem o benefício. Este caráter condicional constitui-

se como um componente basilar dos Programas de Transferência Condicionada de Renda

(PTCR).

Os PTCR representam, atualmente, em vários países da América Latina, um

elemento importante (quando não fundamental ou mesmo central) de suas políticas sociais.

Tais programas diferem quanto a seus desenhos, formas de operacionalidade, critérios de

acesso, nível de benefícios e cobertura, grau de institucionalidade e quanto à legislação que

os embasa. Contudo, eles se assemelham em seus objetivos principais, além de possuírem

alguns elementos essenciais que os caracterizam.

Como objetivos precípuos, os PTCR pretendem: i) promover a diminuição dos

níveis de pobreza e de indigência e ii) romper com a transmissão intergeracional da pobreza,

através do fomento à acumulação de “capital humano”16 (BROWN & PÉREZ, 2013). Para

realizar tais objetivos, estes programas têm como elementos característicos três

componentes: i) a focalização nas famílias pobres e extremamente pobres, ii) a concessão de

prestações em dinheiro e iii) a exigência de condicionalidades, que impõem contrapartidas a

serem cumpridas pelos beneficiários e suas famílias. Segundo seus proponentes, as

condicionalidades consistem, justamente, no meio através do qual os PTCR pretendem

operar a acumulação e o desenvolvimento de capital humano nos membros das famílias

assistidas, especificamente, nas crianças e adolescentes destas famílias.

Portanto, enquanto instrumento de política social, os PTCR caracterizam-se por

objetivar a diminuição dos níveis de pobreza e de indigência – o que se faz através da

transferência monetária – e o rompimento da transmissão intergeracional da pobreza,

mediante o estímulo à acumulação de “capital humano” – o que se busca realizar por meio

das condicionalidades. Assim, pode-se inferir que existe uma dicotomia temporal quanto ao

tratamento da condição de pobreza dos beneficiários: sua condição atual e sua condição

futura. Por um lado, combate-se a pobreza em busca de resultados presentes, isto é, a redução

do contingente populacional sob pobreza e indigência. Trata-se, pois, de uma abordagem

imediata: reduzir os níveis de pobreza e miséria vigentes. De outro lado, enfrenta-se a

pobreza em seu componente basilar, naquilo que se acredita ser o seu elemento

16 Capital humano é o termo que os próprios organismos proponentes dos PTCR empregam para designar o

nível de escolaridade e qualificação profissional de um indivíduo.

59

fundamentador e reprodutor, qual seja, a baixa escolaridade característica dessa população.

Trata-se, pois, de uma abordagem futura: o aumento da escolaridade das crianças e jovens

pobres, para que, a médio ou longo prazo, elas possam superar a pobreza.

À vista disto, é possível apreender a existência de um “diagnóstico” implícito

quanto à condição de pobreza do público-alvo destes programas. Tal condição seria derivada

da pouca ou nenhuma escolaridade dos membros-chefes das famílias pobres. Assume-se,

por conseguinte, a renda como uma função crescente do nível de instrução do indivíduo.

Logo, fomentar a acumulação de capital humano nas crianças e adolescentes destas famílias,

de acordo com a referida visão, é possibilitar que no futuro, com maior nível de instrução,

elas venham a ter melhor inserção laboral, logo maior renda e, consequentemente, superem

a pobreza. A quebra de sua transmissão intergeracional será consequência da melhor

condição educacional, pois parte-se da premissa de que o nível de educação que os pais têm

é o “piso” do nível de educação que os filhos terão. Desta maneira, aumentando o nível

educacional das crianças hoje, ao se tornarem chefes de família amanhã, seus filhos no futuro

terão um nível educacional superior, uma vez que será pelo menos igual ao dos pais (que

foram as crianças e adolescentes beneficiárias dos PTCR). Assim, quebrar-se-ia

definitivamente a transmissão intergeracional da pobreza.

Considera-se, aqui, que tal abordagem, ao entender que a pobreza resulta do baixo

nível de instrução, na verdade inverte a causação do problema, uma vez que a experiência e

a história mostram que não se é pobre porque se estuda pouco, mas se estuda pouco porque

se é pobre. Contudo, esta abordagem constitui-se como contemporaneamente hegemônica e

embasa o desenho institucional deste gênero de política. Tal visão é consistente com o

pensamento predominante, decorrente do processo de individualização da sociedade, no qual

o indivíduo é responsabilizado por sua condição pessoal, social, econômica e também

profissional. Porém, o que se pretere neste pensamento, como dissertam Rego e Pinzani

(2013, p.81-82), é o fato de que:

(...) nenhum membro da sociedade é uma ilha. Sua personalidade, inclusive suas

capacidades e seus talentos, só se desenvolvem no contexto social no qual está

inserido. Nada do que alcança é completamente fruto de ação individual, mas

depende sempre do espaço de manobra que o contexto social lhe deixa. O exercício

da atividade profissional, o desenvolvimento de certo estilo de vida, o cultivo dos

gostos pessoais: tudo isso depende de tal contexto. (...) Um dos maiores êxitos da

ideologia neoliberal consiste precisamente em ter ocultado esses aspectos,

exaltando o mito do sujeito que é capaz de dominar plenamente sua vida sozinho

e que, portanto, é responsável por tudo o que obtém nela.

60

Em função da dominância de tal pensamento, cobra-se do beneficiário da política

social um papel ativo no seu processo de “recuperação”, através do cumprimento de

condicionalidades. A condicionalidade imposta ao beneficiário revela-se como um processo

de permuta, de uma lógica mercantil, um gênero de mercantilização que se insere no

funcionamento da política social. O social coaduna-se ao raciocínio de mercado, a um

sistema de “toma lá, dá cá”, como pontifica Castel (2010). Ao mercantilizar desta forma a

promoção de suas proteções, o social desloca a cidadania, enquanto base de seu atendimento,

em favor da meritocracia. Os beneficiários devem fazer valer o auxílio que recebem,

precisam mostrar-se responsáveis e assumir responsabilidades no processo de “melhoria” de

sua condição. Contudo, como ressalta Castel (2010), exigir do beneficiário a

responsabilidade por seu próprio processo de recuperação, pode significar muitas vezes pedir

muito a quem nada tem. A promoção do social deve, antes, tratar o indivíduo como cidadão,

como sujeito de direito, que possui deveres e direitos incondicionais (como o de ser

“socorrido” em sua necessidade), sendo, assim, digno de receber auxílio mesmo que não

possa dar nada em troca.

Como outra característica fundamental desses programas, a focalização é acentuada

em prejuízo da universalidade. Destarte, de acordo com Silva, Yazbek e Giovanni (2012,

p.229), a luta pela universalização de direitos sociais vai sendo enfraquecida, pois “o

movimento pela universalização cede lugar à implantação de programas focalizados na

pobreza e na extrema pobreza”.

Enfim, diante do deslocamento da cidadania para o mérito e da universalidade para

a focalização, que em certa medida as políticas focalizadas e condicionadas acabam por

promover no social, a indagação que surge é se a introdução dos PTCR, a partir da década

de 1990 na América Latina, altera a lógica da proteção social no continente. A resposta a

este questionamento perpassa a base sobre a qual está cimentada a origem dos PTCR.

Pode-se considerar que os PTCR têm seu fundamento nos debates acerca da RMG,

inicialmente colocados nos países de economia avançada. Contudo, há diferenças cruciais

entre os debates nos países avançados e nos latinos. Nos avançados, a justificativa para a

RMG residia no diagnóstico de um inelutável fim da sociedade salarial e na consequente

necessidade de substituição dos sistemas de proteção social tal como existentes. No caso da

América Latina, a RMG surgia como opção, mais viável e eficaz, de combate ao

61

recrudescimento da pobreza e desigualdade vigentes, frente aos efeitos sociais nocivos

gerados pelas políticas neoliberais de estabilização implantadas desde a década de 1980 e

também diante das alterações promovidas nos sistemas de proteção social de alguns países,

sob o mesmo contexto neoliberal. Deste modo, na América Latina, a concepção dos PTCR

não se colocava, a priori, como uma opção substitutiva dos sistemas de proteção social em

si, mas como uma estratégia de enfrentamento ao elevado patamar de pobreza. Por isso, o

que se conformou, ao fim, foi um gênero de política que miscigena elementos de uma

garantia de renda mínima com os novos parâmetros que a doutrina ortodoxa tem receitado

para o social, resultando em um tipo de política “híbrida” que constituem os PTCR.

Porém, a partir da década de 1990, concomitantemente a esses debates, alguns

países latino-americanos implantaram reformas de cunho neoliberal em seus sistemas de

proteção social. Como descreve Marques (2014, p.1-2):

Durante os anos de 1990 e início dos 2000, o pensamento neoliberal em matéria

previdenciária - divulgado principalmente pelo Banco Mundial - teve eco na

América Latina, de modo que em diversos países foram promovidas reformas de

seus sistemas, substituindo no todo ou em parte os regimes públicos de repartição

por regimes privados de capitalização. Depois da reforma chilena, em 1981, que

serviu de experiência para as reformas que se seguiram, foi a vez do Peru (junho

de 1993) e da Colômbia (abril de 1994), que introduziram um regime privado de

capitalização em paralelo ao público, com contribuição definida e benefício

indefinido. A seguir, houve a reforma na Argentina (1994) e no Uruguai (1996),

com a introdução de um sistema misto. Na sequência, a Bolívia (1997), o México

(1997) e El Salvador (1998) introduziram a aposentadoria privada e de

capitalização, o que tomou o lugar da aposentadoria pública. Para finalizar a onda

de reformas, em maio de 2001, Costa Rica introduz um sistema misto; em 2003, a

República Dominicana substitui o regime público pelo privado, de capitalização;

em 2004 o mesmo é feito na Nicarágua e, em janeiro de 2004, o Equador cria um

sistema misto. Nos demais países da América Latina, as mudanças realizadas nos

regimes de aposentadoria, embora tenham alterado as condições de acesso à

aposentadoria, não deram lugar à substituição do regime público pelo privado,

mesmo que parcialmente. De todos os países da região que seguiram os preceitos

do Banco Mundial, somente a Argentina voltou atrás, extinguindo o regime

privado de capitalização que havia criado em 1994.

Diante dessas reformas, alguns dos países referidos passaram a adotar os PTCR

como forma substitutiva aos instrumentos clássicos de proteção social, uma vez que a

proteção fora mercantilizada e restringia, em grande medida, o acesso à população mais

pauperizada desses países. Neste caso, os PTCR operam como instrumentos de garantia de

um nível básico de proteção social à essa população. Porém, no que diz respeito aos países

tratados nesta dissertação (Brasil, Argentina e Chile), a inserção dos PTCR não terá os

mesmos efeitos.

62

Logo, a resposta ao questionamento inicialmente colocado – se a introdução dos

PTCR altera a natureza da proteção social na América Latina – parece não ser unânime.

Buscando-se instrumentos de análise de permitam uma inferência acerca desta questão, cabe

realizar uma descrição, comparação e análise dos PTCR (que será realizada nos capítulos 2

e 3), bem como proceder uma breve explanação a respeito dos sistemas de proteção social

latino-americanos, para favorecer o exame da questão levantada. Como já ressaltado, na

impossibilidade de investigar o conjunto dos países do continente, por isso serão

considerados aqui apenas três, e no intuito de fornecer maiores elementos a esta análise,

apresenta-se, na próxima seção, uma descrição sucinta dos sistemas de proteção social do

Brasil, Argentina e Chile, escolhidos como “amostra” para este estudo, por razões já

anteriormente apontadas.

1.6. Os sistemas de proteção social no Brasil, Argentina e Chile17

A presente seção tem a finalidade de esboçar os principais traços dos sistemas de

proteção social dos três países considerados nesta dissertação – Brasil, Argentina e Chile.

Uma vez que se coloca o questionamento sobre a existência (ou não) de uma mudança

consistente na lógica de tais sistemas (a partir da introdução dos PTCR) é oportuno descrevê-

los, ainda que sucintamente, de modo a elucidar a configuração que possuem.

Esta seção, não por acaso, antepõe-se ao capítulo que descreve os PTCR, com o

intuito de esclarecer a conformação que os sistemas de proteção assumem com a inserção

dos programas condicionados, levando-se em conta o lugar que esses programas ocupam nos

referidos sistemas. Desta maneira, são descritos os sistemas de proteção social do Brasil,

Argentina e Chile, respectivamente.

17 Esta parte se beneficiou da pesquisa Análise dos Sistemas de Proteção Social em países da América Latina

- 034/2013 - Capes (período 2013-2015), pois integro a equipe do Programa de Estudos Pós-graduados em

Economia Política da PUC-SP que participa do projeto, com outras instituições brasileiras e estrangeiras.

63

2.1. O sistema de proteção social brasileiro

No Brasil, o sistema de proteção social compreende a Seguridade Social (SS), que

– como tipificado na Constituição Federal (CF) de 1988 (BRASIL, 2001, Art.194) – está

cimentada sobre três ramos: previdência, saúde e assistência social públicas. A SS tem como

objetivo a prevenção e a cobertura dos riscos à saúde, a substituição de renda no caso de

morte, invalidez, doença, velhice, entre outros – para os segurados do mercado formal de

trabalho – e a garantia de uma renda a portadores de deficiência incapacitante ao trabalho e

a idosos de baixa renda.

Assumindo-se um conceito mais amplo de seguridade, pode-se considerar ainda

outro componente da SS brasileira que, apesar de não a compor constitucionalmente, é

fundamental a uma proteção social integradora, como é o caso do seguro-desemprego, que

por sua vez pertence ao rol de “direitos previstos nos sistemas de proteção social na maioria

dos países desenvolvidos” (MARQUES et al, 2014, p.4). O seguro desemprego, voltado aos

trabalhadores do mercado formal, não está incluído na SS, embora seja tratado pelos

especialistas como integrante do corpo da proteção social brasileira.

Segundo a CF, a organização da SS, por parte do Poder Público, deve fundamentar-

se nos seguintes objetivos: a) universalidade da cobertura e do atendimento; b) uniformidade

e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; c) seletividade e

distributividade na prestação dos benefícios e serviços; d) irredutibilidade do valor dos

benefícios; e) equidade na forma de participação no custeio; f) diversidade da base de

financiamento; g) caráter democrático e descentralizado da administração, com participação

dos trabalhadores, empregadores, aposentados e governo (BRASIL, 2001). Contudo, como

observam Marques et al (2014), esses objetivos não são globalmente observados em todos

os ramos da SS.

A) Previdência

O ramo previdência da SS abrange dois subsistemas, o Regime Geral de

Previdência Social (RGPS) e os Regimes Próprios de Previdência Social, sendo o primeiro

direcionado exclusivamente a trabalhadores formais do setor privado e os últimos, a

64

servidores públicos e militares, da União, dos estados e dos municípios. Nota-se, portanto,

que a universalidade de acesso não se aplica aos beneficiários dos subsistemas da

Previdência Social, pois seu acesso destina-se unicamente a trabalhadores inseridos no

mercado formal de trabalho e exige contribuição prévia. Ambos os subsistemas possuem

caráter contributivo, de filiação obrigatória e operam sob o regime de repartição simples, no

qual as contribuições dos ativos custeiam os benefícios dos aposentados e demais

beneficiários.

O RGPS e os Regimes Próprios garantem uma renda de substituição em casos de

velhice, morte, doença, acidente de trabalho, maternidade e reclusão para os trabalhadores

do mercado formal. Para ter direito a essa proteção é necessário estar inscrito no Instituto

Nacional de Seguro Social (INSS). Os benefícios, por seu turno, agrupam-se em três grandes

categorias, a saber: aposentadorias, pensões e auxílios. Na sua maioria, tais benefícios são

calculados pela média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição, mas há

um piso de valor igual ao salário mínimo. Para ter acesso aos benefícios, é exigido em geral

um período mínimo de contribuições (período de carência). Em 2014, o máximo a ser

recebido equivalia a R$ 4.159,00, correspondendo a 6,3 salários mínimos.

As aposentadorias são pagamentos mensais vitalícios, realizados ao segurado por

motivo de idade, tempo de contribuição, invalidez ou insalubridade. No caso da

aposentadoria por idade, cumprida a carência, é concedida ao segurado que alcançar a idade

mínima de 60 anos, se mulher, e 65 anos, se homem. Os trabalhadores rurais têm direito ao

benefício cinco anos mais cedo. O tempo mínimo de contribuição é de 15 anos, se inscrito a

partir de 25 de julho de 1991, e de 13 anos e 6 meses, no ano de 2008, para os inscritos até

24 de julho de 1991. A grande maioria das aposentadorias por idade é concedida a

trabalhadores rurais.

A aposentadoria por tempo de contribuição, por sua vez, é concedida ao segurado

que contribuir por 35 anos, se homem, e 30 anos, se mulher. Os professores da educação

infantil e do ensino fundamental e médio têm o seu tempo de contribuição reduzido em cinco

anos. A partir de 1999, houve alteração na fórmula de cálculo do valor do benefício,

passando a ser aplicado um fator redutor em função da expectativa de sobrevida do

trabalhador.

65

Já a aposentadoria por invalidez é concedida ao segurado incapacitado para o

trabalho que tenha contribuído pelo menos por 12 meses. Há exceção no caso do trabalhador

ter sofrido acidente ou ser acometido por doença de qualquer natureza.

As pensões são concedidas aos dependentes do segurado por motivo de

falecimento. Já os auxílios são concedidos aos segurados em caso de doença (auxílio

doença), quando há comprometimento físico ou mental que os impeçam de trabalhar. Em

caso de reclusão ou prisão, o benefício é pago aos dependentes do segurado; de acidente, é

pago quando o segurado perde a capacidade de trabalhar; e de maternidade, a mulher

segurada tem direito ao salário-maternidade por 120 dias.

A tabela 1 apresenta a quantidade de benefícios previdenciários (previdenciários

propriamente ditos e acidentários) emitidos em dezembro de 2013. Pode-se ver na referida

tabela que as aposentadorias abrangem mais de 66% do total de benefícios. O peso das

aposentadorias no total do gasto é similar a outros sistemas previdenciários maduros, que

existem há razoável tempo. No ano, o valor médio dos benefícios concedidos foi de R$

899,30, isto é, 1,24 salário mínimo.

Tabela 1

Benefícios previdenciários emitidos (dez./2013)

Benefícios Quantidade %

Aposentadorias 17.351.730 66,35

Idade 9.165.014 35,05

Invalidez 3.122.374 11,94

Tempo de contribuição

p

5.064.342 19,37

Pensão por morte 7.159.242 27,38

Auxílio-doença 1.457.433 5,57

Salário-maternidade 91.448 0,35

Outros 91.106 0,35

Acidentários 858.052 3,28

Total 26.150.959 100

Fonte: MPAS, 2014.

66

Em 2013, o RGPS foi financiado largamente com recursos provenientes das

contribuições de empregados e empregadores, calculadas sobre a folha de pagamentos e

outros rendimentos do trabalho; mas também com recursos originários do Sistema Integrado

de Pagamentos de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno

Porte (SIMPLES), calculado sobre o faturamento, com recursos da Contribuição Social

sobre Lucro Líquido, entre outros recursos. No entanto, desde 14 de dezembro de 2011,

mediante a Lei 12.546 e por iniciativa da presidente Dilma, iniciou-se o processo de

desoneração da folha de pagamento de setores da economia brasileira. Essa desoneração

implica a eliminação da atual contribuição previdenciária dos empregadores (20% sobre a

massa salarial) e sua substituição por uma nova contribuição sobre a receita bruta das

empresas (descontando as receitas de exportação) com duas alíquotas: de 1 ou 2 %. Em

termos de valores pagos, a substituição não é completa, pois “contempla uma redução da

carga tributária (...), porque a alíquota sobre a receita bruta foi fixada em um patamar inferior

àquela alíquota que manteria inalterada a arrecadação – a chamada a alíquota neutra” (MF,

2012, p.1).

A gestão participativa, democrática e descentralizada é garantida pela existência do

Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) e dos Conselhos de Previdência Social

(no âmbito dos municípios, de caráter consultivo e de assessoramento ao CNPS). O CNPS é

um órgão superior de deliberação colegiada, composto por seis representantes do governo

federal e nove da sociedade civil, sendo três aposentados e pensionistas, três trabalhadores

ativos e três empregadores. Sua principal função é atuar no acompanhamento e na avaliação

dos planos e programas que são realizados pela administração. Quaisquer alterações no plano

de benefícios e de custeio necessita ser aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela

presidência da República.

B) Saúde

No que concerne à saúde pública, o Art.196 da CF declara-a como um “direito de

todos e dever do Estado”, de acesso universal, igualitário e gratuito. Ainda segundo a CF,

em seu artigo 198, “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada

e hierarquizada e constituem um sistema único”. Desta forma, em 1990, pela Lei Orgânica

8.080, foi regulamentado o Sistema Único de Saúde (SUS), entidade que responde pela

67

política nacional de saúde no Brasil (MARQUES & PIOLA, 2014). A organização do SUS

embasa-se em três diretrizes constitucionais, a saber, i) descentralização: distribuição das

responsabilidades de oferta dos serviços de saúde entre todas as esferas de governo; ii)

integralidade do atendimento: garantia de atendimento em diferentes níveis de

complexidade, priorizando, porém, as atividades preventivas mas sem prejuízo dos serviços

assistenciais; iii) participação comunitária: garantia de participação populacional, na

formulação bem como no controle de execução das políticas de saúde.

A participação da comunidade é garantida nos conselhos: Conselho Nacional de

Saúde; Conselhos Estaduais (27) e Conselhos Municipais (5.569). Os conselhos deliberam,

vigiam e monitoram as políticas de saúde pública. Pertencem às suas atribuições, dentre

outras, aprovar o orçamento de saúde, acompanhar a execução orçamentária e aprovar, a

cada quatro anos, os Planos Nacional, Estadual e Municipal, de acordo com seus âmbitos.

A composição dos conselhos é de 50% de representantes dos usuários, 25% dos

trabalhadores e 25% dos provedores de serviços e gestores.

A cada quatro anos é realizada uma Conferência Nacional de Saúde (precedida por

Conferências estaduais e municipais, realizadas em todo o país), com o objetivo de avaliar a

situação do SUS e propor diretrizes para a formulação de políticas de saúde. A Conferência

é convocada pelo Executivo (MS) ou pelo Conselho Nacional de Saúde.

Com o objetivo de pactuar a organização e o funcionamento das ações e serviços

de saúde entre os entes federados, o SUS conta com as Comissões Intergestores Bipartite

(CIB), na esfera dos estados e vinculadas às Secretarias de Saúde, e com a Comissão

Intergestores Tripartite (CIT), no âmbito federal. As CIB são constituídas paritariamente por

representantes do governo estadual, indicados pelo Secretário do Estado da Saúde, e dos

secretários municipais de Saúde, indicados pelo órgão de representação conjunta dos

municípios do estado (Conselho de Secretários Municipais de Saúde – Cosems). A CIT é

integrada por gestores do SUS das três esferas de governo - União, estados, DF e municípios.

Ela detém composição paritária formada por 15 membros, sendo cinco indicados pelo

Ministério da Saúde (MS), cinco pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde

(CONASS) e cinco pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde

(CONASEMS). A representação de estados e municípios nessa Comissão é regional, sendo

68

um representante para cada uma das cinco regiões do país. Nesse espaço, as decisões são

tomadas por consenso e não por votação. A CIT está vinculada à direção nacional do SUS.

O financiamento do SUS é realizado mediante recursos de contribuições sociais, na

esfera federal, e de impostos, nas esferas estadual e municipal. Em 2011, a participação dos

Estados e Municípios representou 55% do total do gasto. De acordo com a Lei

Complementar nº 141/2012, que regulamentou a Emenda Complementar nº 29, os estados e

o Distrito Federal devem aplicar em ações e serviços públicos de saúde no mínimo 12% de

sua receita disponível, isto é, dos recursos arrecadados e das transferências constitucionais

recebidas; os municípios, por sua vez, devem aplicar 15%. A União deve aplicar montante

correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, acrescido de, no

mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB)

ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual. Tendo em vista que o SUS é regido

pela diretriz da descentralização, os recursos federais são transferidos aos governos

subnacionais.

Cumpre ressaltar que, embora exista a garantia constitucional de acesso universal e

gratuito aos serviços do SUS e a possibilidade de participação complementar no sistema de

saúde por entidades privadas sem fins lucrativos (mediante contratos e convênios com entes

federados), há no Brasil uma concorrência, e não apenas uma complementação, dos serviços

do setor privado, através dos planos e seguros de saúde, em relação ao público. Em 2010,

apesar da existência do SUS, a participação do gasto público no total do gasto com saúde no

país era de apenas 47%. Nesse mesmo ano, o gasto privado direto, isto é, out off pocket,

representou 57,8% do gasto privado em saúde (30,6% do gasto total com saúde, sendo o

gasto com Planos e Seguros de Saúde de 21,4%)18 (OMS, 2013). Assim, no Brasil, os planos

e seguros de saúde não são complementares e sim se duplicam em relação ao SUS. Em 1998,

segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), na pesquisa suplementar

Saúde, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 24,5% da

população estava coberta por um plano de saúde, seja privado (operadoras comerciais e

empresas com plano de autogestão), seja organização como assistência ao servidor público

civil e militar.

18 O total do gasto público com o privado não atinge 100% por problemas de arredondamento.

69

Dessa forma, em que pese a universalidade garantida pelo SUS, é bastante

significativo o segmento privado da saúde no Brasil. Em 2011, segundo Ocké-Reis (2013,

Apud MARQUES & PIOLA, 2014), a renúncia fiscal empreendida, seja nas deduções do

imposto de renda de pessoa física e jurídica, seja com instituições sem finalidade lucrativa,

entre outros, atingiu R$15.807 milhões, o equivalente a 22,55% do gasto realizado pelo

governo federal com o SUS.

C) Assistência Social

A assistência social, bem como os serviços e prestações que são promovidos em

seu âmbito, possui caráter não contributivo e se constitui como um dever do Estado e direito

de todo cidadão que dela precise. Logo, o acesso às ações e serviços da Assistência pressupõe

a necessidade por parte do indivíduo requerente, seja esta velhice, incapacidade, pobreza,

etc. À semelhança da Saúde, através do SUS, a Assistência também está estruturada sobre

um sistema único, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que se trata de um modelo

de gestão organizado de forma descentralizada e participativa com foco nos serviços

socioassistenciais19. Sua forma compartilhada de gestão é composta pelo poder público e

pela sociedade civil. Este sistema organiza-se a partir das diretrizes constitucionais de

descentralização político-administrativa e de participação popular, tanto no que diz respeito

à formulação das políticas quanto ao controle das ações. Ademais, os marcos regulatórios

constitutivos da política de assistência social brasileira são, além da Constituição Federal de

1988, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), de 1993, atualizada e alterada pela Lei

nº 12.435, de 2011, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), de 2004, a Norma

Operacional Básica de Assistência Social, de 2012, e a Norma Operacional Básica de

Recursos Humanos, de 2006 (MDS, 2013).

Os objetivos em torno dos quais a Assistência Social se orienta visam: i) à proteção

da família, da maternidade, da infância, da adolescência e da velhice; ii) ao amparo de

menores carentes; iii) à integração ao mercado laboral; iv) à habilitação e reabilitação dos

portadores de deficiência e à sua integração na vida comunitária; e, v) à garantia de um

19 Em dezembro de 2013, 99,8% dos municípios brasileiros estavam habilitados em um dos níveis de gestão

do SUAS.

70

salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que

comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua

família (BRASIL, 2001, Art.203).

A PNAS e o SUAS estabelecem para a assistência três funções: a Defesa dos

direitos, a Vigilância socioassistencial e a Proteção social. Esta última divide-se em Proteção

Básica e Especial. A primeira, de caráter preventivo, tem como equipamento principal os

Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). Já a segunda se divide em ações de

média e alta complexidade, tendo como principal equipamento os Centros de Referência

Especializado de Assistência Social (CREAS), que atendem as situações de violações de

direitos.

A Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) é a unidade do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)20, organizada por meio do SUAS, que

responde pela gestão da PNAS. O SUAS estabeleceu uma ruptura com o modelo

assistencialista, ancorado na filantropia e benemerência, que até então havia caracterizado a

assistência social no país.

Entre os órgãos colegiados que contam com maior participação do MDS estão o

Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e o Conselho Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional (Consea). A participação da comunidade é garantida nos conselhos:

CNAS; Conselhos Estaduais (27) e Conselhos Municipais (5.565). Entre as suas

competências destacam-se: aprovar a PNAS, regular a prestação de serviços públicos e

privados de assistência social, zelar pela efetivação do sistema descentralizado e

participativo de assistência social e convocar ordinariamente a Conferência de Assistência

Social. É de responsabilidade do Conselho nas três esferas, entre outros, aprovar o orçamento

da assistência social, acompanhar a execução orçamentária e aprovar, a cada quatro anos, os

Planos Nacional, Estadual e Municipal, de acordo com seus âmbitos. A composição dos

conselhos é de 50% de representantes da sociedade civil e 50% de representação

20 As políticas de Assistência Social, de Segurança Alimentar e Nutricional e de Renda de Cidadania integram

a estrutura do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) organizado em seis secretarias,

além do Gabinete da Ministra: Secretaria Executiva (SE), Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS),

Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC), Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional (SESAN), Secretaria Extraordinária de Superação da Extrema Pobreza (SESEP) e Secretaria de

Avaliação e Gestão da Informação (SAGI).

71

governamental. Em 2013, o CNAS compunha-se por 18 membros, sendo nove

representantes governamentais e nove da sociedade civil. O órgão é sempre presidido por

um de seus integrantes, eleito pelos próprios membros do Conselho, com mandato de um

ano e possibilidade de estendê-lo por mais um.

De quadro em quatro anos21 é realizada uma Conferência Nacional de Assistência

Social (precedida por Conferências estaduais e municipais, realizadas em todo o país), com

o objetivo de avaliar a situação do SUAS e propor diretrizes para a formulação de políticas

de assistência social. A Conferência é convocada pelo Executivo (MDS) ou pelo CNAS.

A fim de que sejam pactuadas a organização e o funcionamento das ações e serviços

de assistência social entre os entes federados, o SUAS conta com as Comissões Intergestores

Bipartite (CIB), no âmbito dos estados e vinculadas às Secretarias de Assistência Social, e

com a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), no âmbito federal. As CIB são constituídas

paritariamente por representantes do governo estadual, indicados pelo Secretário do Estado

da Assistência Social, e dos secretários municipais de Saúde, indicados pelo Colegiado

Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social (COEGEMAS).

A CIT é integrada por gestores do SUAS das três esferas de governo – União,

estados, DF e municípios. Ela tem composição paritária formada por representantes do MDS,

pelo Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência Social (FONSEAS) e pelo

Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (CONGEMAS).

A Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei 8.742/93) estabelece que o

financiamento à Assistência, de responsabilidade da União, seja feito com os recursos

aportados no Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS (BRASIL, 1993, Art. 28). A

LOAS define que as transferências de recursos da União para estados, DF e municípios

sejam feitas mediante prévia comprovação de efetiva instituição e funcionamento de: i)

conselhos de assistência social de composição paritária entre governo e sociedade civil; ii)

fundos de assistência social com orientação e controle dos respectivos conselhos de

assistência social; iii) planos de assistência social; e, iv) comprovação de aporte de recursos

próprios alocadas nos respectivos fundos de assistência social (BRASIL, 1993, Art.30).

21 Excepcionalmente poderão ser convocadas Conferências extraordinárias a cada 02 (dois) anos.

72

As receitas do FNAS podem ser compostas por recursos da União; eventuais

doações de pessoas jurídicas ou pessoas físicas; contribuição social dos empregadores;

recursos provenientes de concursos, sorteios e loterias, no âmbito do Governo Federal;

receitas de aplicações financeiras de recursos do Fundo; receitas provenientes da alienação

de bens móveis da União, no âmbito da assistência social e transferências de outros fundos.

O FNAS foi regulamentado pelo Decreto 1.605/95, e atualizado pelo Decreto 7.788, de 2012.

Seus recursos são aplicados no pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC); no

apoio técnico e financeiro aos serviços e programas de assistência social aprovados pelo

CNAS; no atendimento de ações socioassistenciais de caráter emergencial, em conjunto com

o Distrito Federal, os estados e os municípios; na capacitação de recursos humanos e no

desenvolvimento de estudos e pesquisas relativos à área de assistência social.

Quanto aos benefícios e ações promovidos pela Assistência Social, há diversas

iniciativas implementadas nos diferentes âmbitos de governo, voltadas principalmente para

o atendimento a riscos biológicos, como velhice e incapacidade mental ou motora, como

também a riscos sociais, como pobreza e indigência. No âmbito federal, há duas grandes

políticas de assistência, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa Bolsa

Família (PBF). O BPC é um benefício de caráter não contributivo e de valor igual ao salário

mínimo. Ele é concedido a pessoas com deficiência, de qualquer idade, incapacitadas para a

vida independente e para o trabalho, e aos idosos com 65 anos ou mais, cuja renda familiar

per capita bruta seja inferior a 25% do salário mínimo vigente. Em março de 2012, o BPC

beneficiou 1,9 milhões de pessoas com deficiência e 1,7 milhões de idosos (MDS, 2014f).

Este benefício não se trata de um programa social, tampouco de uma mera política, mas de

um direito previsto constitucionalmente, cuja concessão a qualquer cidadão elegível é

obrigatória. O PBF, por outro lado, é um Programa de Transferência Condicionada de Renda

(PTCR), que possui critérios de elegibilidade e condicionalidades específicos. Sua concessão

está vinculada não apenas à elegibilidade do demandante, como também à disponibilidade

de recursos orçamentários, não se constituindo, portanto, em um direito.

D) Considerações gerais sobre a Proteção Social no Brasil

O Brasil, por meio da promulgação da Constituição Federal de 1988, indicava uma

tendência universalizante no campo das políticas sociais, demonstrando uma tentativa

73

similar às experiências europeias. Não obstante à nova constituição, o país adotou medidas

neoliberais preconizadas pelo Consenso de Washington, processo que incentivou a

ampliação do setor privado na cobertura de riscos sociais. O resultado disso foi o

crescimento, no campo da Saúde, dos planos e seguros de saúde e dos fundos de pensão

abertos, na área previdenciária. Embora esses últimos não tenham sido tratados nas partes

anteriores, sabe-se que parcelas cada vez maiores de trabalhadores, principalmente daqueles

vinculados a sindicatos mais organizados, participam de fundos de pensão fechados ou

aderem às modalidades abertas.

No caso da saúde, ao lado do sistema público (e em seu prejuízo), floresce o

privado, principalmente na forma de planos e seguros de saúde. Sua expansão, que beneficia

principalmente segmentos populacionais de renda mais elevada, é significativamente

financiada mediante renúncia fiscal. Essa e outras práticas que vigoram no país indicam que,

de fato, não houve a opção do público em matéria de saúde.

Na área previdenciária, responsável pela organização e concessão de

aposentadorias, à parte os grandes avanços introduzidos no momento da elaboração da

Constituição de 1988 (introdução do piso de valor igual ao salário mínimo e eliminação das

desigualdades de acesso entre os trabalhadores rurais e urbanos), não houve avanços

posteriores. Em grande parte, isso se deve ao fato de o mercado de trabalho brasileiro

continuar segmentado, no qual a presença da informalidade permanece alta. Isso porque,

como a Previdência Social é financiada por contribuições e não por impostos, a expansão de

sua cobertura é função do aumento da formalização do mercado de trabalho e não de uma

política previdenciária. Além disso, é digna de nota a introdução do fator previdenciário

como elemento inibidor da demanda de aposentadoria: uma vez que ele funciona como um

redutor do valor da aposentadoria, o segurado é incentivado a continuar trabalhando. Em

consequência, em que pese a existência do BPC, na Assistência, parcela significativa da

população brasileira não tem, na velhice, nenhum tipo de renda de substituição garantido

pelo Estado. Desta forma, conquanto os constituintes realizassem esforços em construírem

uma proteção social que garantisse direitos ao conjunto da população, ela permanece parcial

e não universal.

74

O quadro 1 sintetiza, de forma esquemática, os componentes da SS brasileira a

partir de algumas de suas características, como forma de acesso e caráter do benefício ou

ação, bem como lista genericamente os benefícios e programas que lhes correspondem.

Quadro 1

Sistema de Proteção Social – Brasil

Seguridade Social Acesso Caráter Regimes/Sistemas Benefícios/Programas

Previdência Social Meritocrático Contributivo

RGPS

Regimes Próprios

Aposentadorias

Pensões

Auxílios

Saúde Pública Universal Não contributivo SUS

Atendimento integral

Assistência Social Seletivo Não contributivo SUAS

Ações assistenciais

BPC

PBF

Fonte: BRASIL, 2001; MARQUES et al, 2014.

Elaboração própria.

1.6.2. O sistema de proteção social argentino

O sistema de proteção social na Argentina, segundo documento da Organização

Internacional do Trabalho – OIT (2012, p.2), “conta com uma complexa matriz de estruturas

e programas que cobrem os diversos riscos sociais de grande parte da população, embora

não de forma universal: velhice, invalidez, falecimento e acesso a serviços de saúde,

desemprego, maternidade, riscos de trabalho e enfermidades profissionais”22 (tradução

22 “La protección social cuenta con una compleja matriz de esquemas y programas que cubren los diversos

riesgos sociales de gran parte de la población aunque no en forma universal: vejez, invalidez, fallecimiento y

75

nossa). Ainda segundo o referido documento, os riscos velhice, invalidez e falecimento são

cobertos por programas previdenciários, já a cobertura de saúde vincula-se à seguridade

social e a sistemas públicos dos governos locais.

A) Previdência

A previdência constitui um subsistema da seguridade social e é regulada pelo

Sistema Integrado Previsional Argentino (SIPA). Este órgão foi criado em novembro de

2008, através da Lei 26.425, para unificar os dois regimes previdenciários (público de

repartição e privado de capitalização) que existiam na Argentina desde a reforma da

previdência promovida pelo governo Menem em 1993. A criação da SIPA, pelo governo de

Néstor Kirchner, funcionou como uma “reforma da reforma” e (re)estatizou a previdência

no país. Assim, com a instituição da SIPA o regime previdenciário argentino torna-se único,

público e de repartição, em oposição ao regime misto que funcionara entre os anos de 1993

e 2008 (MARQUES, 2014; ANSES, 2010).

Tal como em vários países, junto a SIPA coexistem regimes especiais (militares,

policiais, serviços penitenciários, entre outros), caixas previdenciárias profissionais, caixas

de empregados municipais e 13 caixas de empregados públicos dos Estados não transferidos

ao governo central (SABAÍNI, CETRANGÓLO & MORÁN, 2014).

O SIPA é um sistema de repartição, de adesão obrigatória para todos os

trabalhadores do setor formal (privado e público)23 e é administrado pela Administración

Nacional de la Seguridad Social (ANSES). É financiado mediante recursos de contribuições

(de 10,17% a 12,71% para os trabalhadores; de 27% para os autônomos e “monotributistas”

– uma modalidade de inserção tributária que se assemelha ao SIMPLES; e de valor fixo para

os trabalhadores domésticos) e de impostos de destinação específica. Entre estes, destacam-

se o IVA (percentual de sua arrecadação) e o imposto sobre a renda. Vale dizer, ainda, que

o Estado também transfere recursos do Tesouro Nacional como coparticipante (de 15% sobre

acceso a servicios de cuidados de salud, desempleo, maternidad, riesgos de trabajo y enfermedades

profesionales” (OIT, 2012, p.2).

23 Nisso difere do sistema brasileiro, pois os servidores públicos não integram o RGPS, bem como os militares.

76

a arrecadação bruta livre, isto é, sem vinculação. A arrecadação bruta refere-se a impostos

internos e ao lucro mínimo presumido).

Os benefícios são formados de uma Prestación Básica Universal (PBU), de valor

igual a todos que tenham direito à aposentadoria, e de uma Prestación Adicional por

Permanencia (PAP), determinada pela média das remunerações durante os últimos 10 anos.

As condições de acesso são 30 anos de contribuição e 60 anos, mulheres, e 65, homens.

Antes mesmo da unificação do regime privado e do público, e principalmente devido

à situação social provocada pela desestruturação do mercado de trabalho durante o auge da

aplicação das políticas neoliberais e pela crise de 2001, o governo Néstor introduziu uma

série de “reformas” que permitiu o acesso a quem não pode contribuir devidamente nos anos

anteriores (as contribuições faltantes são deduzidas dos benefícios recebidos, em até 60

parcelas).

O SIPA também concede benefícios por crianças e adolescentes, tanto para as

famílias de contribuintes como para famílias de desempregados ou que exerçam trabalhos

domésticos ou atividade junto ao setor informal. Assim, parte das ações de assistência estão

incorporadas nas atividades previdenciárias.

B) Saúde

O sistema de saúde argentino é descentralizado, cabendo a cada estado (comunas)

a decisão de suas diretrizes. É um sistema bastante segmentado e heterogêneo na sua forma

de organização, financiamento e acesso. Baseia-se em seguros de saúde (obra social), de

caráter privado ou público, onde os usuários realizam contribuições para financiar o sistema,

com cobertura garantida ao contribuinte e ao seu grupo familiar. Todo cidadão do país deve,

por lei, estar vinculado a alguma obra social, mas para aqueles que não possuem nenhum

seguro de saúde é possível o acesso a serviços públicos, através de planos e programas

específicos, como, por exemplo o Programa SUMAR, entre outros. Este programa é uma

estratégia federal que visa melhorar o atendimento em saúde nas instituições públicas dos

estados (comunas) para os segurados do setor público, mas também oferece atendimento e

acesso a serviços de saúde para pessoas em situação de vulnerabilidade e que não tenham

uma obra social que lhes assista (MSAL, 2014; MSAL, 2013; OIT, 2012). Ao fim, a

77

cobertura atinge o conjunto da população, pois todos têm direito ao serviço público,

independentemente de terem vínculo com uma Obra Social ou acesso a um serviço privado.

A Obra Social não é, a princípio, um plano de saúde, pois de início essa instituição

não exigia que o segurado optasse por um nível de atendimento. Na verdade, a Obra Social

guarda relação, na sua origem, com as Associações de Ajuda Mútua e não por acaso os

sindicatos estão envolvidos em sua organização e administração. O vínculo a uma Obra

Social tradicionalmente é dado por sua inserção profissional. Todavia, durante os anos de

1990, quando a presença da medicina pré-paga e privada se ampliou fortemente, as normas

de filiação a uma ou outra Obra Social se flexibilizaram, permitindo maior liberdade de

eleição. Atualmente, no entanto, a fronteira entre a Obra Social e os planos de saúde está

muito tênue, pois as primeiras estão oferecendo cada vez mais um serviço básico, e, mediante

novos aportes, serviços mais complexos.

Às Obras Sociais, instituições nacionais, estão vinculados os trabalhadores do

mercado formal e os servidores públicos de âmbito nacional, bem como seus dependentes.

Elas são financiadas por contribuições (3% paga pelo trabalhador e 6% paga pelo

empregador; valores fixos no caso de monotributistas e trabalhadores domésticos, não

havendo obrigatoriedade de contribuição no caso dos trabalhadores autônomos). Parte

desses recursos se destina ao Fondo Solidario de Redistribución, com o objetivo de financiar

doenças de alto custo e baixa incidência, e visando redistribuir recursos para Obras Sociais

de menor capacidade financeira.

Os servidores dos estados não estão aí incluídos, sendo cobertos por instituições

estaduais. Já os aposentados são cobertos pelo Instituto Nacional de Servicios Sociales para

Jubilados y Pensionados (conhecido por PAMI).

O financiamento da saúde pública, que é descentralizada em todos os sentidos,

provém das receitas gerais de cada jurisdição.

C) Asignaciones Familiares

Outro elemento importante que compõe a proteção social argentina são as

Asignaciones Familiares, que constituem um regime de prestações monetárias destinados às

78

famílias que possuam menores ou incapacitados de qualquer idade, sob sua dependência. O

regime de Asignaciones Familiares24 faz parte da seguridade social e está a cargo da

Administración Nacional de la Seguridad Social (ANSES), órgão também responsável pela

previdência e pela SIPA. Tal regime possui dois subsistemas, um contributivo e outro não

contributivo, com pretensão a atender universalmente a todas os menores e incapacitados do

país. O subsistema contributivo de Asignaciones Familiares (AAFF) é voltado a famílias de

trabalhadores formais do mercado laboral. Por outro lado, o subsistema não contributivo é

direcionado a famílias de trabalhadores do mercado informal, do setor doméstico,

desempregados e ainda a gestantes em situação de vulnerabilidade social. Este subsistema é

composto por duas políticas específicas, a Asignación Universal por Hijo (AUH) e a

Asignación por Embarazo (AEPS). Ambas as políticas realizam transferências monetárias

às famílias atendidas, contudo, possuem condicionalidades para o recebimento integral das

prestações.

D) Considerações gerais sobre a Proteção Social na Argentina

Do ponto de vista da organização do sistema, das normas de acesso e da cobertura,

a proteção social argentina é mais fragmentada, quando cotejada à brasileira. No campo

previdenciário, nota-se a manutenção de regimes de funcionários públicos, a despeito do

SIPA propor-se a contemplar todo os servidores, além dos trabalhadores do mercado formal.

Ao mesmo tempo, o reconhecimento da desestruturação e da precarização do mercado de

trabalho, efetuado durante os anos 1990 e na crise do início dos anos 2000, permitiu que as

regras de acesso fossem flexibilizadas para dar conta daqueles que estiveram desempregados

por longa período ou em atividade sem garantia de direitos. Igualmente, cabe notar o cuidado

em relação às crianças e adolescentes, garantindo a todas, independentemente da situação

laboral de seus pais, uma renda mensal. Como se verá mais adiante, esse benefício, ao

contrário do que ocorre no Brasil com o Programa Bolsa Família, constitui um direito.

A fragmentação é bem mais sentida no campo da Saúde. Diferentemente do Brasil,

que unificou as instituições (Institutos) ligadas aos sindicatos, que, entre outros benefícios,

garantiam a cobertura do risco doença, a Argentina manteve as Obras Sociais, de modo que

24 Este regime será tratado em mais pormenores na seção 2.2, do próximo capítulo.

79

os serviços e ações oferecidos não são homogêneos, dependendo da capacidade financeira

da respectiva Obra Social. Ao mesmo tempo, o serviço público se desenvolveu em paralelo.

Mais recentemente, principalmente durante os anos 1990, desenvolveram-se os planos de

saúde e a saúde privada, a tal ponto que atualmente muitas Obras Sociais se organizam como

se fossem planos, oferecendo níveis diferentes de atenção mediante aportes maiores.

O quadro 2 esboça a estrutura da proteção social argentina.

Quadro 2

Sistema de Proteção Social – Argentina

Seguridade Social Acesso Caráter Regimes/Sistemas Benefícios/Programas

Previdência Social Meritocrático Contributivo SIPA

Aposentadorias

Pensões

Auxílios

Saúde

Privado: seletivo

Público: universal

Contributivo Seguro social

Atendimento integral

Asignaciones

Familiares Universal Híbrido

Contributivo

Não contributivo

AAFF

AUH e AEPS

Fonte: ANSES, 2010; OIT, 2012; MSAL, 2013; MSAL, 2014; MARQUES, 2014.

Elaboração própria.

1.6.3. O sistema de proteção social chileno

No Chile, segundo Farías (2013, p.13), o sistema de proteção social “consiste em

uma rede de serviços e políticas contributivas e não contributivas desenhada para ofertar

proteção estatal ao longo da vida para diferentes grupos socioeconômicos”. Ainda em

consonância com a autora, este sistema engloba políticas relacionadas à seguridade social, à

80

saúde, à educação e à assistência social, que abarca as transferências monetárias e em espécie

realizadas pelo Estado (direcionadas à população sob pobreza e vulnerabilidade), além de

outras ações sociais.

A proteção social no Chile articula um rol de políticas sociais, voltadas a diferentes

públicos e geridas, em sua maioria, pelo Ministerio de Desarrollo Social (MDS-Ch). Esta

articulação é permitida pelo Sistema Intersectorial de Protección Social, entidade criada em

2009 através da Lei 20.379, e composta por distintos subsistemas, dentre os quais se

encontram o Sistema Chile Solidario e o Sistema de Protección Integral a la Infancia Chile

Crece Contigo, que operam como sistemas de gestão para um conjunto de ações

assistenciais. Com o objetivo de promover esta articulação, como destaca Farías (2013,

p.13), foi criada a Secretaría Ejecutiva de Protección Social, órgão pertencente ao MDS-

Ch, cuja responsabilidade é coordenar as atividades entre os diferentes ministérios e

instituições promotores de ações e programas sociais, como o Ministerio de Salud

(MINSAL), Ministerio de Educación (MINEDUC), Ministerio de Vivienda y Urbanismo

(MINVU) y Ministerio del Trabajo y Previsión Social (MINTRAB).

A) Previdência

Quanto ao sistema previdenciário chileno, trata-se de um sistema privado de

capitalização individual. Este modelo substituiu o então sistema público de repartição, na

reforma neoliberal empreendida no país, em 1981. A administração das contribuições

recebidas, bem como dos benefícios concedidos, fica a cargo das Administradoras de

Fondos de Pensiones (AFP). No entanto, como esclarece Farías (2013, p.21):

Os resultados da reforma de 1981 geraram uma série de críticas quanto às lacunas

resultantes em termos de equidade, de rentabilidade e na taxa final de substituição

das rendas. Em 2006, mais de 33% do total de ocupados não quotizavam no

sistema de seguridade social e se estimava que a metade dos quotistas não

conseguiriam financiar uma aposentadoria mínima ao término de sua vida laboral.

Devido a isso, nesse ano se iniciou uma série de discussões para reformar o

sistema.25 (Tradução nossa)

25 “(...) los resultados de la reforma de 1981 generaron una serie de críticas en cuanto a las brechas resultantes

de equidad, de rentabilidad y en la tasa final de sustitución de los ingresos. En 2006, más del 33% del total de

ocupados no cotizaba en el sistema de seguridad social y se estimaba que la mitad de los cotizantes no iban a

81

Deste modo, em 2008, o sistema previdenciário chileno sofreu uma “reforma da

reforma”. Em conformidade com Farías (2013, p.21), a partir desta reforma, o sistema

passou a se estruturar sobre três componentes, que perfazem pilares específicos: i)

capitalização individual compulsória – pilar contributivo; ii) Ahorro Previsional Voluntario

(APV)26 – pilar voluntário; e iii) Sistema de Pensiones Solidarias (SPS) – pilar solidário. Os

objetivos almejados na reforma contemplam a articulação entre os elementos contributivos

e não contributivos da proteção social, assim como a melhora em sua cobertura e em seu

acesso.

No sistema de capitalização individual, a reforma de 2008 operou modificações,

dentre as quais destacam-se: a responsabilidade do Seguro de Invalidez y Sobrevivencia, que

deixou de ser do empregado e passou ao empregador; a eliminação da comissão fixa das

AFP cobrada dos filiados, como forma de aumentar a concorrência entre elas; o

aperfeiçoamento do marco regulatório e a criação de instituições voltadas a melhorar a

informação disponível aos filiados para favorecer suas decisões previdências.

O pilar voluntário, por seu turno, busca fomentar a poupança previdenciária

voluntária, mediante uma política de incentivo à criação e à ampliação de APV, de natureza

individual ou coletiva, permitindo também a contribuição do empregador.

O Estado passa, no pilar solidário, a se responsabilizar pelo financiamento e a

concessão de uma aposentadoria básica, de nome Pensión Básica Solidaria (PBS), não

contributiva e dirigida à população sem meios, e pelo Aporte Previsional Solidario (APS),

voltado à velhice e invalidez do mesmo segmento populacional.

B) Saúde

A cobertura do risco doença no Chile é garantida pelo Estado e por empresas

privadas, isto é, constitui um sistema misto. O primeiro está organizado no Fondo Nacional

de Salud (FONASA), cujo financiamento é sustentado por recursos fiscais e por

alcanzar a financiar una pensión mínima al final de su vida laboral. Debido a ello, en ese año se inició una serie

de discusiones para reformar el sistema”.

26 Fundo previdenciário voluntário (tradução nossa).

82

contribuições dos segurados (7% da renda, mediante um teto); o segundo é formado pelas

Instituciones de Salud Previsional (ISAPRE)27, para as quais as pessoas contribuem em

média com 7% de sua renda. A adesão dos trabalhadores e dos inativos é obrigatória, ao

FONASA ou a uma ISAPRE.

As duas modalidades constituem um seguro, mas o FONASA trabalha com um

sistema de repartição, isto é, não há diferenciação de ações e serviços em decorrência do

nível de contribuição efetuada e do número de dependentes. Já no caso das ISAPRES, o

seguro de saúde é baseado em contratos individuais firmados com os seguros, de modo que

as ações e serviços dependem diretamente do montante aportado. É interessante registrar que

serviços privados como hospitais, clínicas e profissionais independentes atendem tanto os

segurados do FONASA como das ISAPRE.

Segundo Lara e Silva (2014b), os contribuintes ao FONASA podem escolher entre

duas modalidades de atenção: institucional (atenção fechada) e de livre escolha (atenção

aberta). Tanto em uma modalidade como em outra, o segurado efetua, no momento da

prestação do serviço, um copagamento que varia de acordo com o nível de sua renda. No

caso da renda ser inferior a um mínimo definido, as pessoas estão isentas desse copagamento.

Os indigentes e não contribuintes que integram o FONASA não têm direito à modalidade de

livre escolha. Além disso, em 2004, foi definida uma lista de patologias a que todos os

chilenos têm garantido acesso universal. Tanto o FONASA como as ISAPRE devem prestar

os serviços necessários, nesse caso.

C) Assistência Social

Na Assistência estão compreendidos diversos programas e ações que fazem parte

das políticas de combate à pobreza e de atendimento à infância, dentre outros. Neste ramo,

encontram-se o Sistema Chile Solidario (SCS)28, o Sistema Chile Crece Contigo, o Ingreso

27 Foram instituídas em 1980, praticamente junto com a reforma previdenciária. Entre os argumentos então

utilizados, destaca-se a liberdade de escolha do serviço a ser buscado, principalmente hospitalar.

28 O Chile Solidario, que inicialmente realizava transferências monetárias, atualmente funciona como um

sistema de gerenciamento de algumas ações assistenciais. Agora, as transferências são feitas exclusivamente

pelo IEF.

83

Ético Familiar (IEF)29 e demais programas e subsídios estatais voltados a populações em

indigência, pobreza ou vulnerabilidade.

Diversos programas, pertencentes ao âmbito da Assistência, compartilham uma

arquitetura semelhante, na qual tem relevo o componente de apoio psicossocial e laboral aos

domicílios, com destacada ênfase na reinserção produtiva dos membros da família.

Para além dos benefícios monetários vinculados a alguns programas (como o Bono

de Protección e os bonos condicionados do IEF), existem subsídios estatais destinados a

famílias em situação de vulnerabilidade e pobreza e que atendem a diferentes demandas e

necessidades, como, por exemplo, o Subsidio Único Familiar (SUF) – pago às famílias

pertencentes aos 40% mais pobres da população total – e o Subsidio de Discapacidad Mental

– que outorga uma prestação mensal a sujeitos maiores de 18 anos e que tenham distúrbios

mentais – dentre outros (FARÍAS, 2013).

O financiamento de todas as prestações e subsídios estatais concedidos na esfera da

Assistência advém de recursos do orçamento nacional. Essas prestações monetárias são

entendidas como altamente progressivas, posto que beneficiam, em geral, populações de

baixa renda, pertencentes aos segmentos mais pauperizados do país.

D) Considerações gerais sobre a Proteção Social no Chile

A proteção social chilena apresenta um maior grau de mercantilização, quando

confrontada aos respectivos sistemas de proteção social do Brasil e da Argentina. Mesmo

após a “reforma da reforma” no setor previdenciário, empreendida em 2008, a natureza

privada do sistema não mudou, tampouco alterá-la era o intuito pretendido. Antes, tal

reforma foi realizada visando agregar quotistas ao sistema de capitalização, mesmo aqueles

que não possuíssem poder contributivo suficiente, colocando-se o Estado como

complementador dessas contribuições, através do pilar solidário.

De modo geral, tanto a área da Saúde quanto a da Previdência mantêm os traços

fundamentais da reforma neoliberal promovida no país do início da década de 1980. A partir

29 Tanto o SCS quanto o IEF serão tratados na parte 3 do capítulo 2.

84

daí, o país tem assistido a uma profusão de programas, ações e subsídios assistenciais

diversos, direcionados a populações sob indigência, pobreza ou vulnerabilidade, justamente

aquelas mais atingidas pelos efeitos recessivos das políticas neoliberais, bem como aquelas

que menos acesso podem ter aos serviços privados de proteção. Deste modo, a Assistência

chilena reflete um enfoque muito mais “compensatório” do que propriamente “cidadão” em

sua atuação social. Este último aspecto é mais desenvolvido adiante.

O quadro 3 delineia, em traços gerais, a proteção social chilena.

Quadro 3

Sistema de Proteção Social – Chile

Seguridade Social Acesso Caráter Regimes/Siste

mas

Benefícios/Programas

Previdência Social:

Pilar contributivo

Pilar voluntário

Pilar solidário

Meritocrático Contributivo AFP

Aposentadorias

Pensões

Auxílios

Saúde Privado: seletivo

Público: universal

Contributivo FONASA

ISAPRES

Atendimento integral

Assistência Social Universal Não

contributivo

Chile Solidario

IEF

Subsídios estatais

Bono de Proteção

Bonos condicionados

Fonte: LARA & FLORES, 2014b; FARÍAS, 2013.

Elaboração própria.

85

2. OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA CONDICIONADA DE RENDA NA

AMÉRICA LATINA: A EXPERIÊNCIA DO BRASIL, ARGENTINA E CHILE

Este capítulo dedica-se a descrever os Programas de Transferência Condicionada

de Renda (PTCR), no intento de fornecer elementos concretos para a discussão acerca da

configuração vigente dos sistemas de proteção social na América Latina. Deste modo, são

descritos os principais programas do gênero de determinados países latino-americanos.

Examinam-se os PTCR do Brasil, Argentina e Chile. A saber, o Programa Bolsa Família

(PBF) do Brasil; a Asignación Universal por Hijo para Protección Social (AUH) e a

Asignación por Embarazo para Protección Social (AEPS), dentro do regime de

Asignaciones Familiares da Argentina, além do subsistema contributivo do referido regime;

e os programas Chile Solidario e Ingreso Ético Familiar (IEF), do Chile. Estes três países

foram escolhidos como tipos exemplares dos PTCR, implantados em diversos países latinos

sob diferentes configurações, embora assemelhados em seus elementos constitutivos

fundamentais.

Alguns critérios fundamentam a opção pelos três países referidos. Para o Brasil, a

escolha é praticamente autoexplicativa, pois, na atualidade, o PBF é o maior PTCR não

apenas do país, como do continente e mesmo do mundo, considerando-se tanto o contingente

de beneficiários abrangidos, quanto a extensão territorial alcançada, dentre outros critérios

possíveis. Quanto ao Chile, sua escolha orienta-se por ter sido o primeiro país latino-

americano a adotar o modelo neoliberal, na esfera econômica e também na social,

mercantilizando sua proteção social e assistência à população. Quanto à Argentina, a opção

se fundamenta no contraponto que sua política de transferência coloca frente às políticas dos

outros dois países, pois, ao contrário daqueles, o PTCR argentino constitui-se como um

direito e não uma ação de assistência, pontual ou continuada, não possuindo, em tese,

restrições de vínculo político ou orçamentário, motivo pelo qual considera-se relevante

cotejá-lo aos demais.

O capítulo é composto por três seções, de maneira que cada uma corresponde a um

dos países ora tratados. Cada seção, por sua vez, divide-se em subseções, onde se procura

apresentar e descrever alguns elementos importantes dos PTCR. Os elementos referentes a

cada PTCR que se buscou contemplar neste trabalho são: i) os antecedentes históricos e/ou

86

os elementos explicativos de sua origem; ii) aspectos legais e estruturas de

operacionalização; iii) público-alvo e tipos de benefícios concedidos e, finalmente, iv) as

condicionalidades exigidas. Além disso, realizou-se um esforço para apresentar a dimensão

e “tamanho” dos programas nesses países, quanto ao contingente de beneficiários, à

cobertura territorial e ao volume de gastos fiscais implicados. Por fim, procurou-se mostrar

alguns resultados alcançados por, ou com, a contribuição desses programas, no que se refere

principalmente à redução da pobreza, da desigualdade e a aspectos relacionados à saúde,

educação e mercado laboral. Entretanto, em função da escassez ou mesmo da inexistência

de alguns dados importantes, em certos casos, foi inviável realizar a descrição de cada

elemento arrolado para todos os programas aqui considerados, como será possível perceber

ao longo do capítulo. Particularmente, a descrição dos programas chilenos foi a mais

prejudicada, pois muitos dados e informações importantes sobre tais programas ou são de

acesso restrito ou inexistem. O PBF é o que mostra melhor apresentação, uma vez que há

fácil acesso às informações e existem diversas instituições que disponibilizam seus dados.

A Argentina encontra-se no meio termo, pois possui certa quantidade de dados e o acesso a

eles não é restrito, na maioria das vezes.

Cabe ressaltar que este capítulo centra-se em expor os componentes constitutivos,

como também alguns dados relacionados aos programas, mas não se ocupa de analisá-los ou

compará-los, pois esta é a tarefa que se persegue no capítulo seguinte, o terceiro e último

deste trabalho, no qual procurou-se empreender uma análise comparativa entre os programas

e os países tratados.

2.1. Programa Bolsa Família – Brasil

Esta seção apresenta e descreve o Programa Bolsa Família (PBF). Parte-se de uma

breve explanação sobre seus antecedentes históricos e sua construção. Em seguida, são

apresentados elementos de seu desenho institucional: marco legal, operacionalidade,

público-alvo, benefícios e condicionalidades. Ademais, acrescentam-se à exposição alguns

dados acerca da dimensão do programa, bem como determinados impactos sociais por ele

gerados ao longo de sua implementação.

87

2.1.1. Antecedentes históricos e origem

O Programa Bolsa Família (PBF) denota a consolidação, no Brasil, do novo modelo

de política de enfrentamento à pobreza, introduzido na América Latina a partir da década de

1990. Principalmente a partir dos anos 2000, essas políticas disseminam-se fortemente na

região. Este novo modelo de política social de combate à pobreza consiste nos programas de

transferência condicionada de renda (PTCR).

Tais programas surgem no país derivados diretamente da discussão e da proposta

acerca da renda mínima garantida (RMG), apresentada pelo Senador Eduardo Suplicy. Em

1991, foi aprovado o Projeto de Lei propondo o Programa de Garantia de Renda Mínima

(PGRM), “destinado a todos os brasileiros residentes no país, maiores de 25 anos de idade e

que auferissem uma renda que corresponda, a cerca de três salários-mínimos nos valores de

2007” (SILVA, YAZBEK e GIOVANNI, 2012, p.17). Como explica Marques (1997, p.184),

já no ano de 1996, apesar da proposta de Suplicy não ter sido até então apreciada pela Câmara

dos deputados, ela havia sofrido diversas alterações e acabara por inspirar diversos outros

programas que foram implantados à época. Assim, a partir da segunda metade da década de

1990, vários programas de transferência de renda de iniciativa municipal tiveram início no

país, inspirados no PGRM. Muitos deles, porém, continham condicionalidades, o que se

opunha à proposta da RMG, que pontificava, em última instância, um benefício

incondicional e universal.

Em 2004, contudo, como resultado do debate em torno dos programas

condicionados e da persistência da proposta de Suplicy, foi sancionado pelo Presidente o

Programa Renda de Cidadania, que prevê a concessão de um benefício para atender às

necessidades basilares com alimentação, saúde e educação de cada pessoa, destinado a todos

os brasileiros e estrangeiros residentes legais no país há mais de cinco anos. Portanto, o

Programa Renda de Cidadania trata-se de um benefício incondicional. Embora, em tese,

incondicional, sua implantação ficou condicionada a iniciar-se pelos mais pobres (SILVA,

YAZBEK e GIOVANNI, 2012, p.7). Mais de uma década após ter sido sancionado, porém,

este programa não foi, até o momento, implantado.

Ao contrário do fundamento inicial de uma renda mínima garantida (RMG), que se

baseava na incondicionalidade e universalidade, o que de fato se concretizou no país foram

iniciativas de programas essencialmente focalizados e condicionados. Estes programas

88

tiveram início no Brasil a partir de 1995. Primeiramente, ocorreram como experiências

municipais e somente em um segundo momento começam a se desenvolver também em

âmbito federal. Segundo Soares (2010) e Silva, Yazbek e Giovanni (2012), as primeiras

experiências desse tipo de política foram desenvolvidas nas cidades paulistas de Campinas,

Santos e Ribeirão Preto e também no Distrito Federal.

O primeiro programa em nível federal foi criado em 1996, denominado Programa

para a Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Todavia, sua abrangência era restrita, pois

fora implantado somente em alguns municípios do país. No entanto, no início da década

seguinte, especificamente em 2001, os PTCR ganharam maior abrangência nacional (mas

ainda não uma cobertura universal), através da implantação do Bolsa Escola. Pouco tempo

depois, surgiu também, na esfera federal, o Bolsa Alimentação. A esses programas seguiram-

se outros, nos diferentes níveis de governo. De modo que, como argumentam Soares e Sátyro

(2010, p.31), “a situação dos programas de transferência de renda condicionada em 2003

[ano de criação do PBF] era simples: o caos”, considerando-se que os diferentes programas

possuíam distintas formas de operacionalidade, conflitavam quanto aos seus objetivos e

superpunham-se quanto ao público que visavam. Além disso, não havia comunicação entre

os diferentes sistemas de informação dos programas federais, tampouco dos municipais.

Estes problemas engendravam dificuldades imensas na focalização adequada da população

a ser atendida, levando a que algumas famílias fossem beneficiadas por diferentes

programas, enquanto outras em situação similar não dispusessem de nenhum benefício.

Em 2003, foi criado o PBF, tendo por finalidade, como consta na lei que o

regulamenta, “a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de

transferência de renda do Governo Federal e do Cadastramento Único do Governo Federal”

(BRASIL, 2004b, Art.3º). Assim, de acordo com Silva, Yazbek e Giovanni (2012), a

instituição do PBF prestou-se a unificar as ações federais de assistência social de caráter não

contributivo, que, no início da década de 2000, caracterizavam-se por serem fragmentadas e

superpostas, tanto no que concerne aos seus objetivos, quanto ao público-alvo e, ainda, aos

mecanismos de operacionalização, representando, portanto, desperdício de recursos e má

focalização. Por esta razão, quatro programas federais de transferência de renda, os

chamados programas remanescentes, foram unificados sob a égide do PBF, a saber: o Bolsa-

Escola e o Bolsa-Alimentação, ambos condicionais; o Auxílio-Gás e o Programa Cartão-

89

Alimentação (PCA), que não exigiam condicionalidades de seus beneficiários. O PBF

herdou as condicionalidades dos programas remanescentes.

Ademais, como destacam os autores referidos, as iniciativas de programas de

transferências de renda em nível municipal e estadual, que tiveram lugar em algumas

localidades do país nos anos de 1990 e início dos 2000, anteriores (e algumas concomitantes)

às ações federais do gênero, também foram sendo desativadas ou incorporadas ao PBF, a

partir de sua implantação em 2003. De fato, “a proposta de unificação teve como propósito

mais amplo manter um único Programa de Transferência de Renda, articulando programas

nacionais, estaduais e municipais em implementação” (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI.

2012, p.142). Destarte, a unificação dos programas federais, assim como a desativação ou

incorporação dos programas precursores municipais e estaduais, sob a égide do Bolsa

Família, conformaram-no como o cerne da política focalizada de transferência condicionada

de renda no Brasil.

2.1.2. Aspectos legais e operacionalização

O PBF foi criado pela Medida Provisória nº 132, de 20 de outubro de 2003.

Posteriormente, a MP 132 foi convertida na Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Esta lei

foi, então, regulamentada pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, o qual rege,

atualmente, o Bolsa Família. Como consta no parágrafo único do Art.1º da Lei 10.836/2004,

a criação do PBF teve por finalidade “a unificação dos procedimentos de gestão e execução

das ações de transferência de renda do Governo Federal” (BRASIL, 2004).

Quanto aos seus objetivos básicos, conforme tipificado no Art.4º da Lei 5.209/2004

(BRASIL, 2004b), o PBF almeja:

i) promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação

e assistência social; ii) combater a fome e promover a segurança alimentar e

nutricional; iii) estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em

situação de pobreza e extrema pobreza; iv) combater a pobreza; e v) promover a

intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do Poder

Público.

No domínio gerencial, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

(MDS) responde pela coordenação e gestão global do programa. Entretanto, sua implantação

e operacionalização são descentralizadas, realizadas no âmbito dos municípios, junto aos

90

gestores estaduais e municipais. Uma das atribuições do MDS consiste em promover a

articulação entre a esfera federal e as demais esferas do poder público na gestão global e

local do PBF, além de acompanhar e fiscalizar o Programa em todas as esferas (MDS,

2014b).

As operações de pagamento dos benefícios às famílias assistidas, assim como as

operações de processamento de dados cadastrais dos beneficiários (enviados pelos

municípios) são efetuadas pela Caixa Econômica Federal (CEF), que atua como agente

pagador e operador do PBF.

Quanto ao seu financiamento, o PBF consta como uma rubrica do Orçamento

Público Federal. Seus recursos provêm da receita tributária da Seguridade Social, no âmbito

da execução do Orçamento destinada à função Assistência Social, tendo como Unidade

Orçamentária (UO) o MDS. Segundo Salvador (2011, p.16), para o período de 2001 a 2011,

a fonte com maior participação no financiamento da função Assistência Social foi a

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), respondendo por mais

de 77% do montante total de recursos no período considerado.

2.1.3. Público-alvo e benefícios

No que se refere ao público-alvo do PBF, constitui-se em famílias30 classificadas

como pobres, detentoras de renda mensal31 per capita entre R$154,00 e R$77,01, e que

possuam crianças de até 15 anos, gestantes ou nutrizes, ou, ainda, adolescentes de 16 ou 17

anos; e famílias classificadas como extremamente pobres, que possuam renda per capita de

30 A Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o PBF, considera família, para efeitos de elegibilidade ao

programa, como “a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços

de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém

pela contribuição de seus membros” (BRASIL, 2004, Art. 2º, § 1º, inciso I). Este conceito de família aplicava-

se também aos programas remanescentes que foram unificados ao PBF.

31 O inciso III, do § 1º do Art. 2º da Lei 10.836/2004, define renda mensal familiar como “a soma dos

rendimentos brutos auferidos mensalmente pela totalidade dos membros da família, excluindo-se os

rendimentos concedidos por programas oficiais de transferência de renda” (BRASIL, 2004).

91

até R$77,00, independentemente da composição familiar. Estes valores passaram a vigorar

a partir de abril de 201432 (BRASIL, 2014).

Para participar do PBF, além do critério de renda, é preciso que todos os membros

das famílias a serem assistidas possuam registro no Cadastro Único (CadÚnico). O Cadastro

Único é um banco de dados de âmbito federal, coordenado pelo MDS, que identifica e

caracteriza as famílias de baixa renda, isto é, aquelas que detenham renda mensal de até meio

salário mínimo por pessoa ou renda mensal total de até três salários mínimos. Constitui-se

obrigatoriamente no instrumento empregado para a seleção de beneficiários das ações de

política social federais, como o PBF (MDS, 2014c). A partir do perfil da família registrado

no CadÚnico é que se embasa a concessão dos benefícios, pois consideram-se as

informações sobre renda mensal per capita e composição familiar, constantes no referido

perfil. Cumpre frisar, no entanto, que apesar da obrigatoriedade de toda família beneficiária

do Bolsa Família, assim como cada um de seus membros, estar registrada no Cadastro Único,

nem toda família constante neste Cadastro é beneficiária do PBF, pois o CadÚnico é um

sistema abrangente, no qual há outros programas e ações sociais que o utilizam como

instrumento para seleção de seus beneficiários. A seleção dos beneficiários do Bolsa Família

é feita pelo MDS de maneira automática através de um software especialmente desenvolvido

para esta finalidade, respeitando-se o critério da renda per capita, a partir das informações

constantes no CadÚnico e que são inseridas, pela CEF, através dos setores responsáveis pelo

programa nos municípios.

Os benefícios do PBF são de diversos tipos e valores distintos. Sua concessão

vincula-se aos critérios de renda familiar per capita e de composição das famílias. De

maneira que a soma dos diferentes benefícios concedidos, em função da renda e composição

familiar, constitui a prestação mensal outorgada às famílias assistidas. Por este motivo, as

famílias beneficiárias do PBF não recebem prestações monetárias idênticas, pois estas

variam em função das características de cada família.

Às famílias extremamente pobres destinam-se dois tipos de benefícios exclusivos a

elas, ou seja, que não são outorgados às famílias classificadas como pobres. Estes são o

32 Os valores apresentados, para os benefícios e faixas de renda, passaram a viger em função da Lei nº 8.232,

de 30 de abril de 2014, que altera o Decreto 5.209/2004, que regula o PBF.

92

Benefício Básico e o Benefício para Superação da Extrema Pobreza (BSP). Ambos os

benefícios independem da composição familiar, isto é, são transferidos ainda que a família

não possua crianças, jovens, nutrizes ou gestantes. O Benefício Básico é de R$77,00,

limitando-se a um benefício por família. Tal valor equivale a 10,6% do valor do salário

mínimo brasileiro, que corresponde a R$724,00, para o ano de 2014. Já o BSP é concedido

quando, mesmo após receber todos os outros benefícios pertinentes à sua situação, a família

continua abaixo da linha de extrema pobreza. No caso deste benefício, seu valor varia em

conformidade com a condição familiar, pois seu cálculo compreende o montante necessário

para que a família em questão ultrapasse a linha monetária definidora de extrema pobreza.

Logo, o BSP trata-se de um mecanismo para extinguir a extrema pobreza no país, pelo menos

no que concerne ao critério de renda considerado no PBF.

O terceiro tipo de benefício do Bolsa Família é o Benefício Variável que, como seu

nome sugere, varia em função da composição familiar. Este benefício é concedido tanto às

famílias classificadas como extremamente pobres quanto às famílias pobres. Ele se divide

em quatro tipos, de acordo com o membro familiar ao qual esteja vinculado. Assim, o

Benefício Variável vincula-se: i) à criança de 0 a 15 anos; ii) à gestante; iii) à nutriz e iv) ao

adolescente de 16 ou 17 anos. Aos três primeiros corresponde o valor de R$35,00 por

benefício, que equivale a 4,8% do valor salário mínimo, restringindo-se a cinco benefícios

no total por família. Já o benefício vinculado ao adolescente, denominado Benefício Variável

Jovem (BVJ), consiste em R$42,00, equivalente a 5,8% do salário mínimo, atendo-se ao

máximo de dois benefícios deste tipo por família. O quadro 4 sintetiza o tipo e a quantidade

de benefícios atribuíveis às famílias, conforme a composição familiar e sua situação quanto

à renda per capita.

Como é possível apreender do quadro 4, as famílias em condição de pobreza podem

receber transferências que variam de um mínimo de R$35,00 (se tiverem uma criança, ou

uma gestante, ou uma nutriz) até o máximo de RS259,00 (se tiverem pelo menos cinco

membros entre crianças, gestantes e nutrizes, mais dois adolescentes de 16 ou 17 anos).

Logo, para as famílias classificadas como pobres, o benefício total concedido pelo PBF não

ultrapassa 36% do valor do salário mínimo brasileiro. Para as famílias extremamente pobres,

porém, as transferências do PBF oscilam entre o mínimo de R$77,00 (Benefício Básico) e o

máximo de R$336,00 (Benefício Básico somado ao valor máximo atribuível à composição

familiar), correspondente a 46,4% do valor do salário mínimo, desde que tais famílias

93

superem a linha da extrema pobreza a partir destas transferências. Do contrário, cada família,

em função de sua necessidade, recebe um acréscimo de renda (correspondente ao BSP) para

ultrapassar tal linha.

Quadro 4

Valores dos benefícios do Programa Bolsa Família

Tipo de benefício Valor por benefício

(R$)

Regra para concessão

Benefício básico 77,00

Máximo por família: 1 Apenas famílias extremamente

pobres, independentemente da

composição familiar

Benefício para superação da extrema pobreza Caso a caso

Benefício

variável

vinculado

À criança de 0 a 15 anos

35,00

Máximo por família: 5

Famílias extremamente pobres

e famílias pobres

À gestante

À nutriz

Ao adolescente de 16 ou 17 anos 42,00

Máximo por família: 2

Fonte: MDS, 2014d.

Elaboração própria.

O tempo de concessão dos benefícios monetários outorgados às famílias assistidas

pelo PBF é de, no mínimo, dois anos. No entanto, a continuidade do vínculo da família

beneficiária ao programa e o acesso às prestações monetárias condicionam-se a uma

avaliação, realizada a cada dois anos, da condição socioeconômica da família. De maneira

94

que o vínculo ao programa e a concessão33 dos benefícios são garantidos enquanto a

condição da família assistida for compatível com os requisitos, de composição familiar e

renda, exigidos pelo PBF. Este sistema de avaliação bienal permite que as famílias

mantenham-se ligadas ao PBF, pelo menos, durante o período mínimo estabelecido, sem

prejuízo de seu vínculo ao programa em função da volatilidade monetária característica de

famílias sob pobreza (SOARES, 2010, p.185). Considerando-se este aspecto, pode-se

argumentar que o PBF também atende a famílias não se encontram todo o tempo abaixo da

linha de pobreza, mas que gravitam ao seu redor.

2.1.4. Condicionalidades

“O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com

condicionalidades”, tal como o define o próprio MDS (2014d). As condicionalidades são

algumas contrapartidas exigidas das famílias assistidas pelo programa. Elas funcionam como

contraprestações, pois o recebimento dos benefícios monetários condiciona-se ao seu

cumprimento. Tais condicionalidades centram-se nas áreas de educação, saúde e assistência

social e variam segundo o perfil dos beneficiários da família.

Na área de educação, exige-se que as crianças e adolescentes de 6 a 15 anos estejam

matriculados em estabelecimento regular de ensino e que apresentem frequência mensal

mínima de 85% das horas-aula. Para os adolescentes de 16 e 17 anos, tal exigência é de 75%.

Quanto à área de saúde, as condicionalidades estabelecidas concernem ao

acompanhamento do cartão de vacinação, do crescimento e do desenvolvimento de crianças

menores de 7 anos, da saúde de gestantes, nutrizes e de seus bebês.

Na esfera da assistência social, as contrapartidas que são dispostas dizem respeito

às crianças e adolescente de até 15 anos de idade, que estejam em risco de trabalhar ou que

tenham sido retiradas do trabalho pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).

Estas devem participar de atividades socioeducativas, oferecidas pelos Serviços de

Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) do PETI, obtendo a frequência mínima

33 Note-se que se trata da garantia de concessão, não de recebimento do benefício, pois o recebimento somente

é garantido mediante o cumprimento das condicionalidades do programa.

95

de 85% da carga horária mensal. O quadro 5 lista e descreve as condicionalidades, segundo

cada área, impostas às famílias assistidas pelo programa.

Quadro 5

Condicionalidades do Programa Bolsa Família

Educação

Crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos devem estar devidamente matriculados e com

frequência escolar mensal mínima de 85% da carga horária. Já os estudantes entre 16 e 17

anos devem ter frequência de, no mínimo, 75%.

Saúde

Acompanhamento do calendário vacinal, do crescimento e desenvolvimento das crianças

menores de sete anos. Acompanhamento da saúde de gestantes (que devem fazer o pré-

natal), nutrizes e de seus bebês.

Assistência

social

Crianças e adolescentes de até 15 anos, em risco de trabalhar ou retiradas do trabalho infantil

pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), devem participar dos Serviços

de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) do PETI e obter frequência mínima

de 85% da carga horária mensal.

Fonte: MDS, 2014e.

A gestão e controle das condicionalidades são realizados articuladamente pelo

MDS, o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Saúde (MS), através de sistemas

alimentados pelos setores responsáveis pelo Programa nos municípios. Quando se identifica

o não cumprimento de alguma condicionalidade, por parte da família, isto pode acarretar

inicialmente o bloqueio, posteriormente a suspensão e, persistindo a reincidência do não

cumprimento, até mesmo o cancelamento do benefício. Este processo é denominado, na

literatura, de “repercussão gradual” e impede que a família seja punida com a perda imediata

do benefício em função do não cumprimento de alguma condicionalidade. Como alega

Soares (2010, p.185), quando se identifica que determinada família não cumpriu certa

contrapartida, o desenho do PBF prescreve que deve ser designado um profissional da

96

assistência social do município para verificar os motivos pelos quais o descumprimento

ocorreu, atuando, pois, diretamente no auxílio à família.

Parece haver uma natureza dual nas condicionalidades, uma vez que, como

destacado pelo MDS (2014e), elas são impostas às famílias, mas, concomitantemente,

também impelem e responsabilizam o poder público a promover os serviços necessários aos

beneficiários, para que tenham meios de cumprir as devidas contrapartidas. No entanto, não

há um sistema de controle e gestão das condicionalidades no que concerne à

responsabilidade da oferta de tais serviços por parte do poder público, tal qual há para o

monitoramento das famílias assistidas.

Por fim, mais um importante aspecto do PBF é a articulação que ele desenvolve

com outros ministérios e organismos (para além daqueles pertinentes à sua gestão e

operacionalização) no intuito de garantir aos seus beneficiários acesso a ações e programas

complementares, como alfabetização de adultos e capacitação profissional. A participação

nos programas complementares não constitui uma contrapartida obrigatória do PBF, não se

constituindo, portanto, em uma ação direta do Programa, tampouco em uma

condicionalidade (SOARES, 2010, p.185).

2.1.5. O Programa Bolsa Família em números

A dimensão do PBF pode ser mensurada através de alguns de seus números

representativos. Em 2013, ano de seu decênio, o Bolsa Família ultrapassou o montante de

14 milhões de famílias assistidas, em um total exato de 14.086.199, em dezembro do referido

ano. Assumindo-se, à semelhança de Marques (2013) e outros autores, uma média de quatro

membros por família, é possível estimar um público total superior a 56 milhões de pessoas

abrangidas. Logo, cerca de 28% da população brasileira depende em certa medida das

transferências de renda promovidas pelo Programa. A região Nordeste concentra o maior

percentual de famílias atendidas pelo Programa, com 50% do volume total de famílias. O

estado com maior número de famílias assistidas também se localiza no Nordeste, é a Bahia,

com mais de um milhão e oitocentas mil famílias beneficiárias. A cobertura do PBF abrange,

atualmente, a totalidade do território nacional, alcançando todos os 5.570 municípios

brasileiros. A tabela 2 expõe o número de famílias beneficiárias do PBF, por região e unidade

97

federativa (UF), apontando também a participação percentual de cada região no volume total

de benefícios concedidos pelo Programa, em dezembro de 2013.

Tabela 2

Número de famílias beneficiárias do PBF, por região e UF (dez./2013)

Região/UF Nº de famílias %

Sul 1.030.254 7

Paraná 430.182

Rio Grande do Sul 455.421

Santa Catarina 144.651

Sudeste 3.598.035 26

Espírito Santo 201.671

Minas Gerais 1.177.574

Rio de Janeiro 852.237

São Paulo 1.366.553

Norte 1.655.676 12

Acre 78.050

Amazonas 358.836

Amapá 53.608

Pará 860.572

Rondônia 117.832

Roraima 46.713

Tocantins 140.065

Nordeste 7.033.597 50

Alagoas 438.656

Bahia 1.800.055

Ceará 1.095.316

Maranhão 962.011

Paraíba 506.450

Pernambuco 1.147.423

Piauí 451.195

Rio Grande do Norte 361.550

Sergipe 270.941

Centro-Oeste 768.637 5

Distrito Federal 93.272

Goiás 340.341

Mato Grosso do Sul 147.021

Mato Grosso 188.003

Brasil 14.086.199 100

Fonte: MARQUES, 2013; MDS, 2014.

98

Ao longo dos dez anos desde sua implementação, o PBF foi sendo ampliado

progressivamente, seja por questões orçamentárias e de operacionalidade, seja quanto ao

contingente de beneficiários e ao volume de recursos destinados ao pagamento de benefícios.

A tabela 3 apresenta a evolução do Programa, no que concerne ao número de famílias

assistidas e ao volume de gastos fiscais com os benefícios concedidos, para os valores

referentes ao mês de dezembro de cada ano, de 2004 a 2013.

Tabela 3

Evolução do PBF – 2004 a 2013

Ano

Nº de

famílias

(dezembro

de cada ano)

Contingente

de pessoas

assistidas*

Percentual da

população

total

Gasto anual** com

benefícios (R$) –

valores correntes

Percentual

do PIB

2004 6.571.839 26.287.356 14,4 3.791.785.038,00 0,19

2005 8.700.445 34.801.780 18,9 5.691.667.041,00 0,26

2006 10.965.810 43.863.240 23,4 7.524.661.322,00 0,32

2007 11.043.076 44.172.304 23,2 8.965.499.608,00 0,34

2008 10.557.996 42.231.984 22,2 10.606.500.193,00 0,35

2009 12.370.915 49.483.660 25,8 12.454.702.501,00 0,38

2010 12.778.220 51.112.880 26,8 14.372.702.865,00 0,38

2011 13.352.306 53.409.224 27,3 17.360.387.445,00 0,42

2012 13.902.155 55.608.620 28,2 21.156.744.695,00 0,48

2013 14.086.199 56.344.796 28,0 24.890.107.091,00 0,51

* Considerando-se uma média de quatro membros por família.

**SAGI, 2014b.

Fonte: SAGI, 2014; IPEADATA, 2014; IBGE, 2014.

Elaboração própria.

99

A tabela 3 evidencia que o PBF tem sido paulatinamente expandido, tanto na

quantidade de benefícios outorgados quanto ao montante despendido com os benefícios, o

que implica uma maior abrangência de cobertura à população pobre, extremamente pobre e

sob vulnerabilidade. Note-se que apesar de haver duplicado, entre 2004 e 2013, o percentual

da população assistida, em termos de gastos o PBF representou um pouco mais que 0,5% do

PIB do país, em 2013. Portanto, o Bolsa Família se mantém como uma política de custo

fiscal relativamente baixo, a despeito da grande expansão que apresentou em sua cobertura.

O volume de gastos do PBF com o pagamento de benefícios foi multiplicado por

cerca de 4,8, desde sua implantação, como pode ser verificado no gráfico 1, que exibe o

valor total corrente, em bilhões, repassado às famílias, no período de janeiro de 2004 a julho

de 2014. Observe-se que mesmo com este importante aumento no gasto fiscal com

benefícios, ele se mantém baixo, enquanto percentual do PIB.

Gráfico 1

Evolução do gasto fiscal total com benefícios do PBF (2004-2014) – valores correntes

Fonte: SAGI, 2014b.

R$ 0,00

R$ 0,40

R$ 0,80

R$ 1,20

R$ 1,60

R$ 2,00

R$ 2,40

jan

/04

jul/

04

jan

/05

jul/

05

jan

/06

jul/

06

jan

/07

jul/

07

jan

/08

jul/

08

jan

/09

jul/

09

jan

/10

jul/

10

jan

/11

jul/

11

jan

/12

jul/

12

jan

/13

jul/

13

jan

/14

jul/

14

Bil

es

100

Outro dado que também dimensiona o PBF é o valor máximo mensal do benefício

que uma família pode receber, em função de sua renda e composição familiar. A evolução

do “teto” do PBF acompanha a inclusão de alguns benefícios, bem como a expansão de

outros, refletindo as alterações ocorridas em seu desenho institucional ao longo de seu

funcionamento. A inclusão corresponde ao benefício vinculado aos adolescentes de 16 e 17

anos, o Benefício Variável Jovem (BVJ), que foi criado apenas em dezembro de 2007

(SOARES et al, 2010, p.28). Quanto à expansão, como explicam Silva, Yazbek e Giovanni

(2012, p.145), trata-se da ampliação de três para cinco do número-limite de benefícios

vinculados aos menores de 16 anos, às gestantes e/ou nutrizes, por família, a partir de 2011.

Estas alterações concorreram para o aumento do valor máximo do benefício total que pode

ser pago mensalmente às famílias assistidas. Tais valores são apresentados no gráfico 2.

Gráfico 2

Valor máximo do benefício mensal (R$) – valores correntes

Fonte: CESTARI, 2014.

Elaboração própria.

Em vista disso, o quadro que se tem para o PBF é de um programa que, desde sua

criação em 2003, vem evoluindo e se expandindo de diferentes maneiras. Já em 2005, o PBF

alcançou a totalidade dos municípios brasileiros, com 100% de cobertura nacional. Contudo,

continuou a estender sua cobertura por meio de alterações em seu desenho institucional,

95,00 95,00 95,00112,00

182,00200,00 200,00

306,00 306,00 306,00

336,00

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

101

como a criação do BVJ e o aumento do número-limite, por família, de benefícios vinculados

à criança e ao adolescente de até 15 anos, acima referidos. Estes fatores, além da criação (em

2013) do BSP, explicam a progressiva expansão dos gastos fiscais com benefícios, assim

como o aumento de seu valor máximo mensal atribuível por família.

2.1.6. Impactos do Bolsa Família

O Bolsa Família vem sendo, ao longo de seus dez anos de implementação, um dos

principais objetos de estudo e análise na área de políticas sociais no Brasil. Dentre as

inúmeras análises das quais tem sido alvo, aquelas que se debruçam sobre seus impactos são

de especial relevância, pois permitem averiguar e, em certa medida, mensurar os efeitos do

PBF nas famílias beneficiárias, como também na população em geral.

Por inserir-se no gênero de políticas sociais enquanto um PTCR, pode-se dizer que

os objetivos precípuos do PBF equivalem à redução da pobreza e indigência vigentes, assim

como à quebra de sua transmissão intergeracional. Sendo assim, cumpre averiguar os efeitos

obtidos na queda do contingente de pobres e extremamente pobres, assim como os resultados

nas áreas de educação e saúde, potencialmente derivados das condicionalidades do

Programa. Ademais, há resultados atribuíveis ao Bolsa Família no que concerne à queda da

desigualdade, fecundidade, entre outros.

A) Redução da pobreza e indigência

A redução do contingente populacional em condição de pobreza e extrema pobreza

(ou indigência) é um dado verificável a partir de diferentes metodologias de determinação

das respectivas linhas definidoras dessas condições. Um tipo de metodologia para mensurar

pobres e extremamente pobres é a adotada pelo Ipeadata. Segundo esta metodologia, a linha

de extrema pobreza corresponde a uma estimativa do valor de uma cesta de alimentos com

o mínimo de calorias necessárias para suprir adequadamente uma pessoa, com base em

recomendações da FAO (Food and Agriculture Organization – Organização das Nações

Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e da OMS (Organização Mundial de Saúde). A

linha de pobreza, por sua vez, é o dobro da linha de extrema pobreza (IPEADATA, 2014b).

102

O gráfico 3 apresenta o número de pessoas pobres e extremamente pobres, a partir da referida

metodologia. No gráfico em questão, nota-se que, a partir de 2003, há uma queda mais

acentuada no contingente de pessoas pobres e também de extremamente pobres. A população

sob pobreza extrema reduziu-se em 59,1%, entre 2003 e 2013. Já o contingente populacional

sob pobreza apresentou queda de 51,1%, no mesmo período.

Gráfico 3

Número de pessoas pobres e extremamente pobres

Fonte: IPEADATA, 2014b.

Sob outra metodologia de mensuração do contingente de pobres e extremamente

pobres, adotada pelo IBGE, a queda observada a partir de 2003 é igualmente notória, como

pode ser observado no gráfico 4. Neste gráfico, apresentam-se os números de pessoas

residentes em domicílios pobres e extremamente pobres, definidos a partir de critérios de

renda familiar per capita: i) domicílios extremamente pobres, de R$0,00 a R$70,00 e ii)

domicílios pobres, de R$70,01 a R$140,00. À semelhança do gráfico anterior, pode-se notar

que a partir de 2003 o declínio no número de pobres e extremamente pobres se acentua.

Entre 2003 e 2012, o número de pessoas residentes em domicílios pobres apresentou uma

queda de 62,5%, enquanto o de residentes em domicílios extremamente pobres a queda

correspondeu a 55,3%.

9

19

29

39

49

59

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013

Mil

es d

e p

esso

as

Nº pobres Nº extremamente pobres

103

Gráfico 4

Número de residentes em domicílios pobres e extremamente pobres

Fonte: SAGI, 2014c.

Ambas as metodologias para a obtenção das linhas de pobreza e extrema pobreza,

do Ipeadata e do IBGE, empregam a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),

dos respectivos anos. A diferença entre elas é importante, pois a primeira consiste em uma

metodologia que privilegia a questão nutricional, enquanto a segunda considera o aspecto da

renda. São, portanto, duas abordagens sobre a pobreza, embora ambas estejam sobre a

perspectiva da subsistência; a primeira, do mínimo nutricional requerido para sobreviver; a

segunda, do mínimo de renda requerido para adquirir o necessário para subsistir. Em ambas,

contudo, a redução do contingente populacional vivendo em condição de pobreza e extrema

pobreza é inconteste.

Trabalho de Souza e Osorio (2013), a partir de dados da PNAD de 2003 e 2011,

comparou as características de estratos sociais definidos como extremamente pobres, pobres,

vulneráveis e não pobres, categorizados pelos próprios autores para efeitos de seu estudo.

Tais estratos foram classificados por renda familiar per capita, sendo os extremamente

pobres aqueles que possuem renda inferior a R$70,00; os pobres, entre R$70,00 e R$140; os

vulneráveis, entre R$140,00 e R$560,00; e os não pobres, renda superior a R$560,00. O

estudo mostra que não apenas houve queda no contingente de pobres e extremamente pobres,

0

5

10

15

20

25

30

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012

Mil

es d

e p

esso

as

Nº de pobres Nº de extremamente pobres

104

com simultâneo aumento dos não pobres, como também seu perfil mudou quando

comparados os dois anos referidos. Na tabela 4 é possível observar a queda no percentual de

pobres e pobres extremos, assim como o aumento dos não pobres, segundo o método

aplicado pelos autores referidos. O percentual de pessoas em situação de pobreza foi o que

apresentou a maior queda, equivalente a 9,6 pontos percentuais (p.p.) entre os dois anos

considerados. Outro notório resultado consiste no aumento da participação das famílias

brasileiras entre os não pobres, que foi de 16,2 pontos percentuais. Segundo a análise dos

autores, esses resultados derivam do aumento da renda per capita brasileira no período

retratado, assim como da queda da desigualdade que ocorreu no mesmo período. Ambos os

processos decorrem, em diferentes medidas, da valorização real do salário mínimo, do

crescimento econômico, da geração de empregos e do aumento do gasto social,

principalmente através do PBF.

Tabela 4

População por estratos de renda – Brasil (2003 e 2011)

Pessoas Famílias

Estratos 2003(%) 2011(%) Variação(p.p.) 2003(%) 2011(%) Variação(p.p.)

Extremamente pobres 8,0 3,4 -4,7 5,5 2,6 -2,9

Pobres 15,9 6,3 -9,6 12,0 4,4 -7,7

Vulneráveis 50,3 49,1 -1,2 50,5 44,8 -5,6

Não pobres 25,9 41,3 15,4 32,00 48,2 16,2

Total 100,0 100,0 - 100,00 100,00 -

Fonte: SOUZA & OSORIO, 2013.

No período analisado, de acordo com os autores, a participação da renda do trabalho

para os extremamente pobres decresceu e aumentou a participação das transferências,

destacadamente o Bolsa Família. Esse decréscimo explica-se, primeiramente, pela própria

redução dos extremamente pobres e pobres que se deslocaram para estratos mais elevados,

em função tanto do crescimento do mercado de trabalho quanto da valorização do salário

mínimo. Contudo, aqueles “cujas conexões com o mundo do trabalho são muito precárias”

(SOUZA & OSORIO, 2013, p.145) e que não conseguiram inserir-se laboralmente, tiveram

105

renda assegurada pelo PBF. Assim, o Bolsa Família é um dos elementos, dentre outros (como

crescimento econômico, geração de empregos, ganhos reais no salário mínimo, queda da

desigualdade), que concorreu para a redução da pobreza e extrema pobreza, assim como para

o aumento dos não pobres no período. Porém, ele é o principal elemento a aliviar a miséria

daqueles que não conseguiram se beneficiar dos demais elementos de crescimento.

B) Perfil da população pobre e composição familiar

Ao alterar o nível de pobreza, altera-se o próprio perfil da população pobre, pois a

diminuição da pobreza ocorre por meio da, e implica, modificação em seus determinantes.

Deste modo, o perfil da população em pobreza e extrema pobreza apresentou importantes

mudanças ao longo do período de implantação do PBF, concomitantemente ao processo de

redução pelo qual tem passado.

Segundo Souza e Osorio (2013), houve aumento da participação dos segmentos

mais pauperizados da população em todos os níveis de escolaridade, principalmente no

ensino fundamental e médio. A própria composição familiar desses segmentos também tem

se alterado, apresentando redução tanto no tamanho médio das famílias quanto no número

de crianças por família, além de ter aumentado o percentual de famílias sem crianças,

principalmente entre os extremamente pobres. Note-se que são os extremamente pobres que

apresentam maior redução no tamanho médio das famílias, embora todos os demais estratos

também apresentem diminuição nesse critério. Novamente são os extremamente pobres que

detêm maior queda no número de crianças por família e no percentual de famílias com quatro

crianças ou mais, bem como possuem o maior aumento percentual na participação de

famílias sem crianças. Estes dados podem ser visualizados na tabela 5, que apresenta a

composição familiar por estrato de renda para os dois anos (2003 e 2011) tratados no referido

estudo.

106

Tabela 5

Composição familiar por estrato de renda – Brasil (2003 e 2011)

Estratos de renda

Tamanho médio

das famílias

Crianças por

família

Famílias sem

crianças (%)

Famílias com 4

crianças ou mais (%)

2003 2011 2003 2011 2003 2011 2003 2011

Extremamente pobres 5,1 4,1 2,7 1,9 10,3 21,9 27,9 13,9

Pobres 4,6 4,5 2,0 2,1 12,0 14,2 12,5 15,6

Vulneráveis 3,5 3,4 1,0 1,0 41,6 39,6 2,1 2,5

Não pobres 2,8 2,7 0,5 0,4 65,9 70,2 0,2 0,1

Total 3,5 3,1 1,0 0,8 44,1 52,8 4,2 2,2

Fonte: SOUZA & OSORIO, 2013.

C) Fecundidade

Um importante aspecto, bastante polêmico em programas como o Bolsa Família,

consiste no seu desenho potencialmente pró-natalista. Alves e Cavenaghi (2013) realizam

uma revisão da literatura dedicada a estudar os potenciais impactos do PBF sobre a

fecundidade e, consequentemente, sobre a composição familiar. Os autores demonstram que

apesar de possuir um desenho pró-natalista, pois o valor do benefício concedido aumenta na

medida em que é maior o número de filhos, o PBF não aumentou a natalidade nas famílias

beneficiárias. Ao contrário, mesmo nas famílias pobres a taxa de fecundidade tem decrescido

(principalmente nas famílias extremamente pobres), como ocorre com as famílias de maior

renda. A diferença é que a taxa de fecundidade é, ainda, mais alta nas famílias pobres, porém,

passa por igual processo de redução como nas demais famílias, o que se deve ao fato de que

está em curso no país um processo de transição demográfica, “que não é um fenômeno

exclusivo da população rica” (ALVES & CAVENAGHI, 2013, p.237). Como ressaltam os

autores, tal transição é favorecida pelo crescimento da urbanização, pelo acesso às políticas

públicas de educação e saúde e pelo aumento da inclusão social. Sob estes aspectos, cabe

considerar o PBF como favorecedor da queda na fecundidade e não o contrário. Assim, os

107

diferenciais de fecundidade tende a convergir e a se reduzir progressivamente, como tem

ocorrido. O gráfico 5 mostra a trajetória da taxa de fecundidade total no Brasil, nos últimos

50 anos, de acordo com dados dos Censos Demográficos, elaborados pelo IBGE.

Gráfico 5

Taxa de fecundidade total – Brasil (1960-2010)

Fonte: ALVES & CAVENAGHI, 2013.

Na última década, a taxa de fecundidade permaneceu em trajetória declinante,

assumindo, hodiernamente, um valor abaixo da taxa de reposição populacional (que é de

2,1). Em particular, no período correspondente ao funcionamento do PBF, a fecundidade

declinou de 2,2 para 1,7, entre 2003 e 2014. As taxas de fecundidade referentes ao período

em questão, disponibilizadas pelo IBGE, constam no gráfico 6.

Gráfico 6

Taxa de fecundidade durante a década de implantação do PBF (2003-2014)

Fonte: IBGE, 2014b.

6,35,8

4,4

2,92,4

1,9

1960 1970 1980 1991 2000 2010

2,20 2,14 2,09 2,04 1,99 1,95 1,91 1,87 1,83 1,80 1,77 1,74

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

2,50

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

108

Desta forma, tem-se que o desenho pró-natalista do PBF não favoreceu um aumento

da fecundidade, como muitos imaginavam. Na verdade, desde a implementação do

Programa, a fecundidade tem caído tanto quanto nos demais períodos da história recente do

país, refletindo um processo espontâneo de transição demográfica, presente em todas as

classes sociais.

D) Saúde

Os impactos do PBF são destacados no trabalho de Jannuzzi e Pinto (2013), no qual

os autores apresentam uma síntese dos principais resultados obtidos na segunda rodada da

pesquisa de Avaliação de Impactos do Bolsa Família (AIBF II), realizada entre 2009 e 2012.

Trata-se de uma pesquisa específica, desenhada para medir os resultados socioeconômicos

atribuíveis às ações do Programa e cuja primeira rodada foi realizada em 2005.

Na área de saúde, os autores salientam, como observado na AIBF II, que o

Programa implicou melhorias concretas na saúde das crianças beneficiárias, pois promoveu

melhor acesso à alimentação, o que, em consequência, reduziu o patamar de desnutrição

infantil. Como resultado das condicionalidades impostas, garantiu-se ainda que o calendário

vacinal fosse mais regularmente observado e que o contingente de crianças acompanhadas

pelo SUS crescesse progressivamente. O gráfico 7 apresenta a evolução do percentual de

crianças beneficiárias acompanhadas pelo SUS e com controle de vacinação em dia, para o

período de 2005 a 2013. Note-se o salto quantitativo no acompanhamento das crianças,

durante o período. Como o acompanhamento da saúde infantil e o controle vacinal das

crianças são condicionalidades impostas pelo PBF, seu cumprimento está diretamente

relacionado à própria manutenção no Programa, o que explica, em grande medida, os

expressivos resultados alcançados neste âmbito.

Estes fatores concorreram positivamente, como demonstram Rasella et al. (2013),

para a diminuição da taxa de mortalidade infantil – principalmente, quando associada à causa

desnutrição – entre menores de 5 anos, como também reduziu drasticamente a taxa de

hospitalização em crianças nessa faixa etária.

109

Gráfico 7

Percentual de crianças com vacinação em dia e acompanhas pelo SUS

– condicionalidades de saúde

Fonte: CESTARI, 2014.

Ainda no que tange à saúde infantil, a AIBF II mostrou que bebês de mães

beneficiárias apresentaram maior peso ao nascer que aqueles de mães não beneficiárias,

3,26kg e 3,22kg, respectivamente. Este fato, como frisam Jannuzzi e Pinto (2013, p.185),

deriva em boa parte da maior realização de visitas de pré-natal (1,6 visitas a mais) das mães

beneficiárias do que das não beneficiárias (em situação socioeconômica semelhante),

resultado da queda de 19% para 5% das gestantes beneficiárias que não recebiam cuidados

pré-natais.

E) Educação

Para a área de educação, um dos impactos do Bolsa Família, identificados pela

AIBF II e apontados por Jannuzzi e Pinto (2013, p.184), compreende a maior progressão

escolar, da ordem de 6 p.p., das crianças beneficiárias em relação às não beneficiárias de

mesmo perfil socioeconômico. Também são destacados impactos positivos no aumento da

frequência escolar das crianças beneficiárias, principalmente no Nordeste. Além disso, os

autores apontam resultados do PBF sobre a diminuição da probabilidade de repetência por

3,443,1

51,1

62,7

68,7

69,0

71,0

73,1

73,0

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

Percentual de crianças

110

parte de alunos beneficiários, quando comparados a não beneficiários de mesma condição

socioeconômica, tendo aqueles 11% menos chances de reprovação do que esses.

Quanto à condicionalidade de frequência escolar mínima de 85% para os menores

de até 15 anos, os dados disponibilizados pela Secretaria de Avaliação e Gestão da

Informação (SAGI), do MDS, apontam elevado percentual das crianças beneficiárias com

frequência escolar adequada, como ilustrado no gráfico 8.

Gráfico 8

Percentual de crianças, de 6 a 15, com acompanhamento de frequência escolar

– condicionalidade de educação

Fonte: SAGI, 2014d.

O gráfico 8 revela um fato que contraria (ou, no mínimo, constrange), de certa

maneira, uma das justificativas das condicionalidades de educação, qual seja, a de que as

crianças pobres trocariam as salas de aula por trabalhos precários como forma de

complementar a renda familiar, de maneira que ter seus filhos estudando seria um grande

custo de oportunidade para as famílias. Opostamente à condicionalidade de saúde – que

85

,6

84

,5 85

,7

87

,7

89

,7

82

,7 83

,5

85

,7

89

,4

89

,6

85

,5 86

,4 87

,6

88

,2

88

,1

88

,7

87

,7 89

,2

89

,5

89

,3

87

,7

86

,2 87

,4

92

,4 93

,9

mar

/09

mai

/09

jul/

09

set/

09

no

v/0

9

jan/1

0

mar

/10

mai

/10

jul/

10

set/

10

no

v/1

0

jan/1

1

mar

/11

mai

/11

jul/

11

set/

11

no

v/1

1

jan/1

2

mar

/12

mai

/12

jul/

12

set/

12

no

v/1

2

jan/1

3

mar

/13

mai

/13

jul/

13

set/

13

no

v/1

3

Percentual de crianças

111

promovera um aumento superior a vinte vezes (mais de 2.000%) no controle da saúde infantil

(entre 2005 e 2013) – no caso da educação, este aumento foi da ordem de 9% apenas, ao

longo do período retratado. Isto porque já havia um percentual elevado de crianças pobres

com taxa de frequência escolar adequada.

F) Trabalho

Jannuzzi e Pinto expõem os efeitos do Bolsa Família, identificados na AIBF II,

sobre a oferta de trabalho e o mercado laboral. Segundo os autores, o PBF não provoca o

“efeito preguiça” que lhe foi atribuído desde sua implantação pela crítica conservadora, de

que promoveria algum tipo de desestímulo à procura de trabalho por parte dos beneficiários

em idade ativa. Os resultados indicam que “os chefes de famílias beneficiárias, de 30 a 55

anos de idade, apresentam nível de atividade, ocupação e jornada muito próximos aos de

chefes de nível socioeconômico equivalente” (JACCUZZI & PINTO, 2013, p. 186). Há, na

verdade, como ressaltam os autores, um aumento de participação no mercado laboral para

os beneficiários adultos, principalmente as mulheres. O estudo de Tavares (2008), citado

pelos referidos autores, alega que ocorre não apenas o aumento da participação de mães

beneficiárias do PBF no mercado laboral, mas que também este aumento é acompanhado de

uma elevação da jornada trabalhada.

Portanto, o PBF não provoca qualquer tipo de enfraquecimento da oferta de

trabalho, como sugere certo estigma que persegue seus beneficiários. Ao contrário, o

Programa tem uma contribuição importante para o dinamismo da economia do país, pois ao

transferir renda a populações pobres promove e estimula o consumo dessas populações, o

que, consequentemente, fomenta o comércio e investimento, principalmente, em seu

entorno, favorecendo em certo nível tanto a oferta quanto a demanda de trabalho. Isto ocorre

em função da alta propensão marginal a consumir, próxima ou igual a um, característica de

populações mais pobres (JACCUZZI & PINTO, 2013; KEYNES, 2012). Ademais, no caso

do PBF, as transferências realizadas pelo programa são extremamente importantes para

diversos municípios, principalmente os menores e mais pobres do Norte e Nordeste do país.

As transferências do PBF superam, em muitos casos, os recursos correspondentes ao Fundo

de Participação dos Municípios (FPM), bem como de outras fontes. Foi mostrado que quanto

menos desenvolvido o município, maior é a importância relativa das transferências do PBF

112

no nível de recursos e de atividade econômica de tais cidades (MARQUES, 2005). Estes

fatos evidenciam o impacto das transferências monetárias do Bolsa Família no consumo das

famílias beneficiadas, bem como na economia local.

G) Desigualdade de renda

Por fim, cabe destacar o papel do Bolsa Família no que concerne à queda da

desigualdade de renda observada desde o início da década de 2000. Embora o tratamento da

desigualdade não pertença aos objetivos específicos e diretos do PBF, ele acaba por inserir-

se quase que naturalmente em seu contexto, pois a condição de pobreza, objeto do Programa,

é uma função (dentre diversas outras) do grau de desigualdade existente. O gráfico 9 expõe

a trajetória do grau de desigualdade no país, mensurado pelo Coeficiente de Gini. É possível

observar no gráfico a aceleração no declínio desse coeficiente, a partir de 2003.

A importância do PBF sobre a queda da desigualdade constitui-se em um dos pontos

mais pacíficos na literatura afim. Há um elevado número de trabalhos dedicados à análise da

contribuição do Bolsa Família na queda da desigualdade. São destacados dois aqui. Em

estudo realizado em 2010, Soares et al. já identificavam a contribuição do Programa no

processo de declínio da desigualdade de renda que se desenvolvia desde o princípio da

década de 2000. Segundo os autores, o PBF respondia por 16% da redução global observada

no coeficiente de Gini durante a década de 2000, o que surpreende posto que o programa

não atingia 0,8% da renda das famílias (2010, p.41). A relevância do PBF para a queda do

grau da desigualdade de renda, medida pelo Gini, também é atestada em estudo de Hoffmann

(2013). Nesse trabalho, o autor argumenta que as rendas associadas a programas sociais

federais possuem razão de concentração negativa e, por isso, elevada progressividade.

Dentre os programas que o autor considera em seu estudo, o Bolsa Família é o que detém a

maior medida de progressividade, motivo pelo qual é o programa de transferência de caráter

não contributivo que mais concorre para a redução da concentração de renda (HOFFMANN,

2013, p.209).

113

Gráfico 9

Evolução do grau de desigualdade – Coeficiente de Gini

Fonte: IPEADATA, 2014c.

Em síntese, ao longo de sua implementação, o PBF gerou, e tem gerado, impactos

diversos em diferentes âmbitos da vida social e pessoal de seus beneficiários, mas também

de outros segmentos da população. O Programa engendrou efeitos positivos nas áreas de

saúde e educação, bem como no mercado laboral e no âmbito macroeconômico.

2.2. Asignación Universal: Familiar e para Protección Social – Argentina

Nesta segunda seção é exposto e descrito o Regime de Asignaciones Familiares da

Argentina, em seus dois subsistemas: o contributivo e o não contributivo. Ambos os

subsistemas são apresentados para favorecer a compreensão da totalidade do regime. À

semelhança do percurso estabelecido na seção anterior, buscou-se para as Asignaciones

Familiares apresentar e delinear os elementos de seu desenho institucional: marco legal e

operacionalização, público-alvo, tipos de benefícios concedidos e condicionalidades

exigidas. Contudo, interessa à discussão aqui proposta analisar essencialmente o subsistema

não contributivo, particularmente a Asignación Universal por Hijo para Protección Social

(AUH), que é um dos programas que compõem este subsistema. Por isso, são apresentados

alguns dados sobre a dimensão e cobertura desse programa. Por fim, procurou-se identificar

0,50

0,52

0,54

0,56

0,58

0,60

0,62

0,64

0,66

198

1

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

2

199

3

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

200

1

200

2

200

3

200

4

200

5

200

6

200

7

200

8

200

9

201

1

201

2

114

alguns efeitos atribuíveis à AUH, no que tange aos seus beneficiários. Adicionalmente,

procurou-se também apresentar alguns dados (sempre que disponíveis, tendo em vista a

escassez de estudos e pesquisas afins) relativos à Asignación por Embarazo para Protección

Social (AEPS), segundo componente do subsistema não contributivo.

2.2.1. Aspectos preliminares e origem

Na Argentina, há um amplo sistema de transferências, voltado para o auxílio às

famílias. Tal sistema consiste em um regime universal de Asignaciones Familiares (abonos-

família) e compõe-se, basicamente, de dois subsistemas: um contributivo e um não

contributivo.

O subsistema contributivo teve origem em 1996 e é voltado para atender a famílias

dependentes de trabalhadores do mercado formal de trabalho. Somente treze anos depois,

em 2009, o regime foi estendido, quando o subsistema não contributivo foi então adotado,

visando assistir as famílias de trabalhadores não formalizados do mercado laboral, com foco

em seus dependentes menores. A adoção do subsistema não contributivo – que se deu pela

criação em 2009 da AUH (seu primeiro componente) – enquadra-se no contexto de

“retomada pelo Estado da responsabilização da proteção social, cujo marco maior foi a

(re)estatização34 das aposentadorias, pensões e demais benefícios, em dezembro de 2008”

(MARQUES, 2013, p.306).

O subsistema não contributivo constitui-se como uma extensão do direito

concedido aos trabalhadores formais e seus dependentes, almejando favorecer segmentos

34 Para contextualizar, cumpre esclarecer que a medida de reestatização da proteção social na Argentina foi

tomada diante da grave situação que o país enfrentava na época. “Quando se inicia o governo Néstor, o mercado

de trabalho argentino apresentava elevado nível de desocupação e de trabalho informal, resultado de décadas

de aplicação das políticas neoliberais no país e da crise de 2001. Ao mesmo tempo, o número de aposentados

havia se reduzido, pois os trabalhadores não conseguiam cumprir com o tempo exigido de contribuição:

enquanto, em 1996, havia 2,36 milhões de aposentados e pensionistas, em 2004, eram apenas 1,652 milhão.

Além disso, o regime público amargava há anos dificuldades financeiras, decorrentes da redução de recursos

provocada pela transferência de 75% dos contribuintes para o regime de capitalização e pela redução das

contribuições dos empregadores. [Após uma série de medidas para fazer frente a essas situações e recuperar o

contingente de contribuintes] (...) Em 20 de novembro de 2008, o Senado argentino sancionou o projeto de lei

enviado pelo executivo (aprovado pela Câmara de deputados com algumas emendas), dando origem a Lei

26.425. Dessa forma, foi criado o Sistema Integrado Previsional Argentino (SIPA), que eliminou as AFJP e

unificou os dois regimes (público e privado) em um único, público e de repartição”. (MARQUES, 2014)

115

sociais antes não cobertos pelo regime de asignaciones. Tal extensão fundamenta-se na

concepção de uma proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes, estabelecida

pela Lei 26.061/2005, a qual passou a impor aos órgãos governamentais do Estado o dever

de observar e garantir tais direitos (ARGENTINA, 2005). Deste modo, a incorparação dos

menores de idade (assim como dos incapacitados, sem restrição etária), cujos responsáveis

legais não estejam inseridos no mercado formal de trabalho, ao regime de asignaciones

familiares, constitui uma forma concreta de efetivação dos direitos sociais da infância e

adolescência, formalmente reconhecidos e tipificados na Lei 26.061. É possível, assim,

entender tal incorporação como uma abordagem de “universalização”, inserida na

focalização. Focalizam-se os responsáveis legais em situação de desemprego, informalidade

ou trabalho no setor doméstico, para, com isso, abranger a todas as crianças e adolescentes

(natos, naturalizados ou residentes no país), antes apenas parcialmente abarcados pelas

asignaciones. Esta concepção de “universalidade” aparece explicitamente colocada em

documentos da própria ANSES:

É tarefa intransferível do Estado, de acordo com esta ideia de universalidade,

garantir a todos os cidadãos o acesso às prestaões sociais que asseguram um nível

e uma qualidade de vida considerados básicos, em virtude do caráter universal da

cidadania. A AUH é a expressão concreta deste conceito no âmbito definido dos

direitos das crianças e adolescente menores de dezoito anos.35 (ANSES, 2011, p.3)

Além disso, o reconhecimento de que “(...) subsistem situações de exclusão de

diversos setores da população que se mostra necessário atender”36 (ARGENTINA, 2009,

Preâmbulo), atesta que um grande contingente populacional encontra-se tolhido em seus

direitos e excluído de assistência quando esta impõe o emprego formal como critério de

elegibilidade.

Portanto, sobre estes fundamentos alicerça-se a ampliação do regime de

asignaciones familiares, segundo um subsistema de caráter não contributivo, visando à

35 Tradução nossa. “Es tarea indelegable del Estado, de acuerdo com esta idea de universalidad, garantizar para

todos los ciudadanos el acceso a las prestaciones sociales que aseguran un nivel y una calidad de vida

considerados básicos, en virtud del carácter universal de la ciudadanía. La AUH es la expresión concreta de

este concepto en el ámbito definido de los derechos de los niños, niñas y adolescentes menores de dieciocho

años”.

36 Tradução nossa.

116

integralidade da proteção dos direitos das crianças e adolescentes, assim como de seus

responsáveis legais, ainda que estes não estejam vinculados ao mercado formal de trabalho.

2.2.2. Subsistema contributivo

A) Marco legal e operacionalização

O subsistema contributivo, denominado Asignación Familiar por Trabajador

(AAFF), foi implementado pela Lei 24.714/1996. Sua gestão e operacionalização são

essencialmente centralizadas e, assim como o subsistema não contributivo, estão a cargo da

Administración Nacional de la Seguridad Social (ANSES), órgão criado em 1991, pelo

Decreto 2.741 daquele ano, ligado ao Ministerio de Trabajo, Empleo y Seguridad Social

(MTEySS).

Os benefícios pagos por este subsistema são financiados por recursos de

contribuições patronais, no montante de 9,0% do total da remuneração de cada trabalhador

registrado. Desses 9,0%, 7,5% são destinados exclusivamente para o financiamento das

asignaciones, enquanto que os 1,5% restantes são direcionados para o Fondo Nacional del

Empleo (ARGENTINA, 1996, Art.5º). O pagamento das asignaciones é realizado

diretamente pela ANSES através do Sistema Único de Asignaciones Familiares (SUAF),

que possibilita que os pagamentos sejam efetivados por meio de “bancos, correios ou

mediante crédito em contas bancárias ou contas-salário. Os empregados recebem, assim, as

Asignaciones Familiares sem intermediários”37 (ANSES, 2014b).

B) Público-alvo e benefícios

A AAFF é direcionada a famílias de trabalhadores formalmente empregados. Além

disso, este subsistema também abrange e beneficia os aposentados e pensionistas, vinculados

ao Sistema Integrado Previsional Argentino (SIPA), e aos afastados do trabalho por

37 Tradução nossa.

117

invalidez, sem caráter contributivo para quaisquer destes (ARGENTINA, 1996, Art. 1º,

alínea b).

Por seu caráter contributivo, a AAFF não impõe condicionalidades ou limite de

dependentes para o seu recebimento. O benefício pode ser concedido sob diferentes formas:

i) mensal: a trabalhadores com filhos ou dependentes legais (menores de 18 anos) ou

incapacitados (sem restrição de idade); ii) anual: a beneficiários que tenham dependentes

matriculados em estabelecimentos oficiais, públicos ou privados, de ensino, a critério de

ajuda escolar; iii) pagamento único: concernente a algumas circunstâncias da vida familiar

do trabalhador. Tais circunstâncias funcionam como um fato-gerador do direito a estes

benefícios específicos e são: o pré-natal, a matermidade, o nascimento ou a adoção de um

filho e o matrimônio.

Os valores concedidos variam em função da faixa de rendimento da família do

trabalhador beneficiário, do número de dependentes sob sua tutela e da zona geográfica em

que resida. As faixas de rendimento, elegíveis ao recebimento do benefício, foram ampliadas

pelo Decreto 614/2013, do Poder Ejecutivo Nacional (PEN), e alterado pelo Decreto

1.282/2013, passando a vigorar os limites mínimo e máximo de $200,0038 e $30.000,00,

respectivamente, que – em termos do salário mínimo argentino (Salario Mínimo Vital y

Móvil39 - SMVM), equivalente a $3.600,00 (em 2014) – correspondem a 5,5% e 833%.

Além disso, um novo critério de exclusão também foi adicionado, consistindo na

eliminação ou na não inclusão do grupo familiar no recebimento das asignaciones familiares

se um de seus membros perceber renda superior a $15.000,00, ainda que a renda familiar

agregada não ultrapasse o limite máximo da faixa estabelecida (ARGENTINA, 2013,

Art.2º). A tabela 5 relaciona os benefícios e seus valores por dependente, para cada tipo de

fato-gerador, com a periodicidade dos pagamentos.

38 Nesta seção, os valores monetários são expressos em termos de Pesos ($) argentinos.

39 Seu valor foi estabelecido em $3.600,00, pela Resolução 4/2013 do Ministerio de Economía y Finanzas

(MECON), para o ano de 2014, passando a vigorar em 1º de janeiro.

118

Quanto à distribuição espacial, há um valor geral, pago nacionalmente, e outros

valores definidos para áreas específicas40, distribuídas em quatro zonas geográficas, para

fins de pagamento dos benefícios. Em algumas categorias, esses valores são mais elevados

que o valor geral. Esta distinção pecuniária almeja, precipuamente, amenizar as disparidades

regionais do país. Contudo, para os fins pretendidos neste trabalho, faz-se referência apenas

ao valor geral.

O benefício por dependente menor de 18 anos possui caráter mensal e subdivide-se

em quatro faixas de rendimento, assumindo valores crescentes para faixas de menor renda.

Assim, o valor mais elevado do benefício41, que é de $644,00 (17,9% do SMVM) por

dependente menor, destina-se à faixa de menor renda, qual seja, entre $200,00 e $5.300,00

(147,2% do SMVM). Por outro lado, à faixa de maior renda, entre $8.600,01 (238,9% do

SMVM) e $30.000,00, compreende o benefício de menor valor, que corresponde a $132,00

(3,7% do SMVM), por dependente menor de idade.

De modo semelhante, o benefício por dependente com incapacidade, também pago

mensalmente, encontra-se alocado segundo três faixas de rendimento. A faixa inferior

compreende rendas familiares42 de até $5.300,00, cujo valor do benefício é de $2.100,00

(58,3% do SMVM), por dependente incapacitado. Já a faixa superior abrange rendas

familiares acima de $6.600,00 (183,3% do SMVM), correspondendo a uma prestação de

$936,00 (26% do SMVM), por dependente com incapacidade.

A prestação referente ao pré-natal é concedida às gestantes durante o período que

engloba da concepção ao nascimento. A gestação deve ser comprovada, mediante atestado

médico, entre o terceiro e quarto mês de gravidez. É exigido da gestante uma anterioridade

de, no mínimo, três meses no emprego; assim como, sua permanência no referido emprego,

40 Tais áreas correspondem às províncias de: Chubut, Neuquen, Rio Negro, Santa Cruz, Terra do Fogo,

Antártida e Ilhas do Atlântico Sul, Pampas e o Partido de Carmen dos Patagões da Província de Buenos Aires.

41 Todos os valores referentes às asignaciones (Familar e para Protección Social) aqui reportados referem-se à

vigência de 01/06/2014 a 30/09/2014, pois tais valores são reajustados periodicamente.

42 A noção de renda familiar empregada para a concessão desses benefícios é a de IGF – Ingreso del Grupo

Familiar (Renda do Grupo Familiar), que compreende a soma das rendas de todos os trabalhadores formais da

família, inclusive a asignación por maternidade e as demais prestações assistenciais ou previdenciárias que,

porventura, recebam.

119

por pelo menos três meses após o parto. As faixas de rendimento, como também os valores

concedidos, são os mesmos daqueles atribuídos ao benefício por dependente menor.

A asignación por maternidade, por seu turno, não imponhe qualquer restrição de

rendimento por faixas, não havendo limites de renda para a percepção deste benefício. Ele é

pago durante o intervalo que corresponde à licença legal, equivalendo ao montante da

remuneração bruta que a gestante receberia caso estivesse em atividade.

Os benefícios referentes tanto à adoção quanto ao nascimento de um filho, como

também ao matrimônio, são pagos em parcela única, no mês em que o trabalhador

beneficiado comprovar, junto ao seu empregador, o fato-gerador do benefício. Os montantes

concedidos cifram-se em $1.125,00, $4.500,00 e $750,00 para o matrimônio, a adoção e,

ainda, o nascimento de um filho, respectivamente. Estes valores, em termos de salário

mínimo argentino, correspondem a 31,25%, 125% e 20,8%. Tais benefícios são atribuíveis

a trabalhadores cuja renda familiar se encontre entre $200,00 e $30.000,00.

Finalmente, a asignación para ajuda escolar concede uma soma, no valor de

$510,00, igual a 14,2% do SMVM, por dependente menor ou incapacitado, cujo pagamento

é realizado anualmente no mês de março. Para o recebimento da ajuda escolar por

dependente menor, a renda familiar deve estar entre $200,00 e $30.000,00. No caso da ajuda

escolar por dependente incapacitado, não há restrição ou limite de renda. O benefício é

concedido apenas por dependente menor que frequente, de forma regular, estabelecimentos

de ensino de educação básica ou polimodal43, ou, ainda, estabelecimentos de educação

especial no caso de dependente incapacitado, sem critério de idade (ARGENTINA, 1999,

Art. 3º).

A tabela 6 sintetiza e lista os diferentes tipos de benefícios concernentes à AAFF,

assim como as respectivas faixas de renda, os valores e periodicidade dos pagamentos.

Há ainda uma asignación por cônjuge, para os beneficiários vinculados à SIPA. O

valor desta asignación é de $100,00 (2,8% do salário mínimo argentino) e é paga a

43 Educação polimodal: equivale ao ensino médio, no caso do Brasil.

120

beneficiários cuja IGF esteja entre $200,00 e $30.000,00 (ARGENTINA, 1996, Art.15,

alínea a; ANSES, 2014).

Tabela 6

Valores da AAFF – subsistema contributivo

Asignaciones Familiares – AAFF Faixa de renda – IGF Valor geral Pagamento do

benefício

Dependente menor

Entre $200,00 e $5.300,00 $644,00

Mensal Entre $5.300,01 e $6.600,00 $432,00

Entre $6.600,01 e $8.600,00 $260,00

Entre $8.600,01 e $30.000,00 $132,00

Dependente com incapacidade

Até $5.300.00 $2.100,00

Mensal Entre $5.300,00 e $6.600,00 $1.485,00

Superior a $6.600,00 $936,00

Pré-natal

Entre $200,00 e $5.300,00 $644,00

Da concepção

ao nascimento

Entre $5.300,01 e $6.600,00 $432,00

Entre $6.600,01 e $8.600,00 $260,00

Entre $8.600,01 e $30.000,00 $132,00

Maternidade Sem limite Remuneração

bruta

Durante a

licença legal

Nascimento Entre $200,00 e $30.000,00 $750,00 Único

Adoção Entre $200,00 e $30.000,00 $4.500,00 Único

Matrimônio Entre $200,00 e $30.000,00 $1.125,00 Único

Ajuda escolar Entre $200,00 e $30.000,00 $510,00 Anual

Ajuda escolar (filho com incapacidade) Sem limite $510,00 Anual

Fonte: ANSES, 2014.

121

2.2.3. Subsistema não contributivo

A) Marco legal e operacionalização

O subsistema não contributivo foi concebido como uma extensão do direito de

recebimento das asignaciones, até então concedido apenas às famílias dos trabalhadores

formais. Segundo a ANSES (2013, p.3), esta “política social reconhece a seus titulares como

sujeitos portadores de certos direitos humanos básicos e ao Estado como responsável de

torná-los efetivos”44. Buscou-se com a criação deste subsistema universalizar a cobertura da

proteção social às crianças e adolescentes, tornando-a consonante à Lei 26.061/2005, que

estabelece a proteção integral dos direitos da infância e adolescência no país. Contudo,

apesar de sua concepção perfazer um direito, este subsistema impõe condicionalidades (para

o recebimento integral da transferência monetária) e limite de beneficiários, diferentemente

do subsistema contributivo. Deste modo, uma distinção fundamental entre os benefícios

concedidos por ambos os subsistemas é o caráter condicionado assumido pelo subsistema

não contributivo.

Este subsistema compõe-se de dois tipos de políticas: a Asignación Universal por

Hijo para Protección Social (AUH) e a Asignación por Embarazo para Protección Social

(AEPS). A AUH foi criada em 2009, através do Decreto 1.602 do PEN, e está em vigência

na Argentina desde novembro do referido ano, quando foi incorporado ao Regime Universal

de Asignaciones. A AEPS, por sua vez, foi implementada pelo Decreto 446/2011, passando

a vigorar a partir de maio daquele ano.

Ambas as políticas não contributivas são financiadas pela ANSES, através das

mesmas fontes de recursos do subsistema contributivo, com o acréscimo dos rendimentos

anuais do Fondo de Garantía de Sustentabilidad (FGS).

Inicialmente, o subsistema não contributivo compunha-se apenas pela AUH, sobre

o fundamento da efetivação da proteção integral à infância e à adolescência. Posteriormente,

a AEPS foi incluída a esse subsistema, tendo por alicerce diversas considerações expostas

44 Tradução nossa.

122

no preâmbulo do Decreto que lhe deu origem. Estas considerações reconhecem, entre outros

apontamentos:

Que é obrigação do Estado Nacional adotar políticas públicas que permitam

melhorar a situação dos grupos familiares em situação de vulnerabilidade social.

(...) Que no marco da política social que o governo está levando a cabo e

considerando os resultados positivos que gerou a incorporação da citada

Asignación Universal por Hijo para Protección Social no que concerne à redução

da pobreza, resulta conveniente continuar ampliando a cobertura das asignaciones

familiares, otimizando progressivamente os benefícios que oferece o Sistema de

Seguridade Social. (...) Que a mortalidade materna é um indicador da injustiça

social, da iniquidade de gênero e da pobreza, já que o problema se vincula

estreitamente às dificuldades de acesso à educação e aos serviços de atenção

médica especializados.45 (ARGENTINA, 2011, Preâmbulo).

Deste modo, a AEPS surge como uma política específica de combate à pobreza,

diferentemente da AUH cujo fundamento primário é a extensão do direito às asignaciones a

todas as crianças e adolescentes do país, antes não cobertos pelo subsistema contributivo,

visando à integralidade de sua proteção.

B) Público-alvo e benefícios

Asignación Universal por Hijo – AUH

A AUH tem por público-alvo crianças e adolescentes menores de 18 anos ou

incapacitados, sem restrição de idade, dependentes de pais ou outros responsáveis legais que

sejam trabalhadores informais, do serviço doméstico ou que estejam desempregados. Para

fazer jus ao benefício, os trabalhadores desempregados não podem estar recebendo o seguro

desemprego e os demais não podem perceber um rendimento superior a um salário mínimo,

que na Argentina chama-se Salario Mínimo Vital y Móvil (SMVM) e equivale a $3.600,00,

em 2014 (MECON, 2013). Tanto os dependentes quanto seus responsáveis devem ser

45 Tradução nossa. “Que es obligación del Estado Nacional adoptar políticas públicas que permitan mejorar la

situación de los grupos familiares en situación de vulnerabilidad social. (...) Que en el marco de la política

social que está llevando a cabo el gobierno y considerando los resultados positivos que ha generado la

incorporación de la citada Asignación Universal por Hijo para Protección Social en lo concerniente a la

reducción de la pobreza, resulta conveniente continuar ampliando la cobertura de las asignaciones familiares,

optimizando progresivamente los beneficios que brinda el Sistema de Seguridad Social. (...) Que la mortalidad

materna es un indicador de la injusticia social, la inequidad de género y la pobreza, ya que el problema se

vincula estrechamente con las dificultades de acceso a la educación y a los servicios de atención médica

especializados”.

123

residentes na Argentina, ser natos ou naturalizados ou possuir residência legal no país não

inferior a 3 anos.

Este benefício é pago mensalmente a um dos responsáveis (de preferência, a mãe)

pela criança, adolescente ou incapacitado assistido, até o limite de cinco dependentes por

família. O valor46 do benefício é de $644,00 por cada filho menor de 18 anos e $2.100,00

por filho com incapacidade. Em termos de SMVM, estes valores correspondem a 17,9%, no

caso do benefício de dependente menor de idade, e a 58,3%, no caso do benefício

direcionado aos dependentes incapacitados. Dessa maneira, uma família beneficiária pode

receber desde o mínimo de $644,00 (se tiver um dependente menor de idade), até o máximo

de $3.220,00 (se tiver até cinco dependentes menores), valor que corresponde a 89,4% do

SMVM. Caso haja algum dependente incapacitado, esse valor será maior, respeitando-se o

limite de cinco dependentes (entre menores e incapacitados) por grupo familiar beneficiário.

A prestação é dividida em duas partes: 80% do valor do benefício mensal são pagos

diretamente ao responsável e os 20% restantes são mantidos em uma conta bancária,

podendo ser retirados somente uma vez ao ano, sob o critério de cumprimento de algumas

condicionalidades exigidas nas áreas de educação e saúde. Os pagamentos mensais,

referentes aos 80% do valor da prestação, são de atribuição da própria ANSES, realizados

através do SUAF. Já os pagamentos dos outros 20%, acumulados ao longo do ano, estão sob

incumbência do Banco de la Nación Argentina (BNA).

Asignación por Embarazo – AEPS

A AEPS foca-se no atendimento a gestantes em situação de vulnerabilidade social.

Para pleitear o benefício, a gestante deve ser residente no território argentino, ser nascida ou

naturalizada no país, ou, ainda, caso estrangeira, possuir residência legal no país de, no

mínimo, três anos.

46 Valores vigentes de 01/06/2014 a 30/09/2014.

124

O pagamento deste benefício é mensal, no montante47 de $644,00, sendo realizado

durante o período que compreende da décima segunda semana de gestação até o nascimento

ou a interrupção da gravidez, o que compreende, em geral, um período de seis meses ou,

ainda, seis parcelas a serem pagas. A gestante recebe o valor referente a apenas um benefício,

ainda que esteja grávida de mais de um filho. Por outro lado, a beneficiada pode acumular

dois benefícios referentes à AEPS, caso ela esteja vinculada a duas atividades distintas de

trabalho. A AEPS é compatível com o recebimento da AUH, o que significa que a gestante

beneficiária pode receber as prestações referentes a ambas as políticas. Isto posto, tem-se

que uma gestante beneficiada pelo AEPS e simultaneamente pela AUH, em razão de seus

dependentes, pode receber desde um mínimo de $1.288,00 (01 benefício da AUH para

dependente menor, mais 01 benefício da AEPS), que corresponde a 35,8% do SMVM, até

um máximo de $4.508,00 (05 benefícios da AUH para dependente menor, mais 02 benefícios

da AEPS), valor superior ao SMVM em 25,2%. Obviamente, havendo dependentes

incapacitados os valores concedidos serão maiores.

Similarmente às prestações da AUH, o pagamento das prestações da AEPS também

é dividido em duas partes. São pagos mensalmente 80% do valor do benefício, da décima

segunda à última semana de gestação, isto é, durante seis meses. Os 20% restantes são

acumulados e pagos, em única parcela, apenas ao término da gravidez, quando do parto ou

por interrupção. Contudo, o recebimento do montante acumulado, a partir dos 20% do valor

da prestação mensal, condiciona-se ao cumprimento de condicionalidades na área de saúde,

que exigem o seguimento dos controles médicos preconizados pelo Programa SUMAR

(antigo Plan Nacer), do Ministerio de Salud (MSAL).

C) Condicionalidades

Asignación Universal por Hijo – AUH

No caso da AUH, para que o titular do benefício resgate o montante dos 20% de

cada prestação mensal retido e acumulado durante o ano é preciso que ele e sua família

executem as contrapartidas impostas pelo programa. São exigidas condicionalidades nas

47 Valor vigente de 01/06/2014 a 30/09/2014.

125

áreas de saúde e educação, que correspondem: i) ao cumprimento dos controles sanitários e

de vacinação, para os dependentes de até quatro anos de idade, e ii) à comprovação de

frequência em estabelecimentos públicos de ensino, para os dependentes de cinco a dezoito

anos de idade.

Asignación por Embarazo – AEPS

A AEPS impõe condicionalidades na área de saúde para o recebimento integral do

benefício. Contudo, a primeira condicionalidade diz respeito à própria inclusão na AEPS,

pois para ser incluída é preciso que a grávida esteja previamente inscrita no Programa

SUMAR, um programa federal de atenção à saúde voltado, principalmente, para gestantes,

parturientes e crianças. Em agosto de 2012, o Programa SUMAR surgiu como expansão do

Plan Nacer, ao qual as beneficiárias da AEPS estavam previamente vinculadas. Através do

Programa SUMAR, e somente por ele, a gestante recebe o atestado médico48 que comprova

e situa temporalmente sua gestação, para que ela seja, então, incluída na AEPS.

A gestante assistida pela AEPS deverá cumprir o rol de controles médicos

estabelecidos pelo Programa SUMAR, para fazer jus ao recebimento integral do benefício

concedido pela AEPS. Tais controles incluem consultas regulares de pré-natal, participação

em seções de orientação de saúde sexual e de cuidados com sua saúde e a do recém-nascido

e, também, exames diversos e um roteiro de vacinação, para si e para seu filho.

O quadro 6 sintetiza o conjunto de informações referentes aos valores, público-alvo

e condicionalidades exigidas tanto pela AUH quanto pela AEPS.

Para além dos subsistemas contributivo e não contributivo, há um mecanismo

indireto de assistência (que não integra o sistema de Seguridad Social), em vigor desde

março de 2013, concedido aos responsáveis por menores de 18 anos. Este “benefício” é

direcionado a favorecer os dependentes legais dos contribuintes do imposto de renda, cujos

rendimentos anuais superem o valor mínimo não tributável (CURCIO & BECCARIA, 2013,

p.10). Concede-se uma dedução no imposto de renda no valor de $8.640,00 anuais por

48 Este atestado (chamado “alta”) é, unicamente, concedido pelos médicos vinculados ao Programa SUMAR

(Plan Nacer), como requisito indispensável para a inclusão da gestante na AEPS.

126

dependente menor, isto é, $720,00 mensais. Neste caso, a gestão do benefíco não pertence à

ANSES, mas está sob encargo da Administración Federal de Ingresos Públicos (AFIP).

Quadro 6

Valores, público-alvo e condicionalidades da AUH e da AEPS

AUH

Público-alvo

Crianças e/ou adolescentes menores de 18 anos ou incapacitados (sem

restrição de idade), dependentes de pais ou outros responsáveis legais que

sejam trabalhadores informais, do serviço doméstico (cujos rendimentos

não sejam superiores a 01 SMVM) ou que estejam desempregados (e sem

receber seguro-desemprego)

Valores

Dependente menor $644,00 Máximo de 05

dependentes

por família Dependente com incapacidade $2.100,00

Condicionalidades

Educação: Comprovação de frequência em estabelecimentos públicos de

ensino, para os dependentes de 05 a 18 anos de idade

Saúde: Cumprimento dos controles sanitários e de vacinação, para os

dependentes de até 04 anos de idade

AEPS

Público-alvo

Gestantes em situação de vulnerabilidade social, vinculadas a alguma

atividade de trabalho, previamente inscritas no Programa SUMAR (antigo

Plan Nacer) do Ministerio de Salud

Valores Gestante, por vínculo de trabalho: $644

Condicionalidades

Saúde: Estabelecidas pelo Programa SUMAR:

Inscrever o récem-nascido no Programa SUMAR e também todos

os menores de 06 anos

Receber todos os controles e cuidados de saúde durante a

gravidez (inclusive, consultas regulares de pré-natal)

Acompanhar e manter em dia o esquema vacinal para todos os

menores de 18 anos

Acompanhar os controles de saúde de crianças e adolescentes

Fonte: ANSES, 2013; ANSES, 2014; ANSES, 2014c; MSAL, 2013.

Elaboração própria.

127

2.2.4. O subsistema não contributivo em números – AUH e AEPS

Para dimensionar o tamanho e alcance da AUH e da AEPS, apresentam-se alguns

dados e números alcançados por esses programas ao longo de sua implementação.

Asignación Universal por Hijo – AUH

Segundo o Boletín Cuatrimestral49, edição 2014-I (ANSES, 2014d), no mês de abril

de 2014 a AUH abrangia o contingente de 3.348.032 beneficiários, número apenas 2% maior

que o alcançado no mesmo mês do ano anterior (abril/2013), quando foram beneficiados

3.283.656 dentre menores e incapacitados, cujos responsáveis legais enquadram-se nos

critérios do programa. A faixa etária com maior participação de dependentes beneficiários é

a que compreende crianças entre 0 e 5 anos, com 41,3%. Por outro lado, os dependentes de

18 anos ou mais de idade compreendem apenas 0,4% dos benefícios da AUH. Estes dados

podem ser observados na tabela 7, que apresenta a distribuição da AUH, para quatro distintas

faixas de idade.

Tabela 7

Distribuição da AUH, por faixas de idade (abril/2014)

Faixa etária Número de

beneficiários %

0 – 5 1.381.624 41,3

6 – 11 1.098.998 32,8

12 – 17 853.995 25,5

18 em diante 13.415 0,4

Total 3.348.032 100

Fonte: ANSES, 2014d.

Elaboração própria.

49 Informativo publicado quadrimestralmente pela ANSES, desde o terceiro quadrimestre de 2010.

128

No que tange à cobertura do programa, segundo o Boletín Cuatrimestral, edições

de 2011 a 2014, do total de menores de dezoito anos na Argentina constantes no

Administrador de Datos de Personas (ADP) – uma espécie de cadastro único da seguridade

social – em 2014, 27% desses menores encontravam-se cobertos pela AUH. Ademais, 6%

do total de menores não estavam cobertos pelo regime de asignaciones, como apresentado

na tabela 8.

Tabela 8

Cobertura dos menores de 18 anos (2011-2014)

Menores de 18 anos (no ADP) 2011 % 2012 % 2013 % 2014 %

Total 11.466.481 100 11.663.016 100 12.088.598 100 12.252.190 100

Outras Asignaciones Familiares 3.530.669 31 3.337.172 29 4.386.645 36 4.393.402 36

AUH 3.507.223 30 3.314.179 28 3.478.267 29 3.348.032 27

Não elegíveis 3.542.555 30 4.258.399 37 3.561.938 30 3.832.117 31

Sem cobertura 886.034 8 753.266 6 661.748 5 678.639 6

Fonte: ANSES, 2011, 2012b, 2013b, 2014d.

Elaboração própria.

Quanto à distribuição regional da AUH, considerando cinco grandes regiões50,

estudo da ANSES (2012), com base em dados censitários do Instituto Nacional de

Estadística y Censos (INDEC), para dezembro de 2011, registra que mais de 55% dos

beneficiários encontram-se na região do Centro y Buenos Aires, perfazendo à epoca quase 2

milhões de beneficios apenas nessa região. Esse resultado é tal como seria esperado, pois

50 O referido estudo considera as regiões: i) NOA - Noroeste Argentino; ii) NEA - Nordeste Argentino; iii)

Nuevo Cuyo; Patagónica; Centro y Buenos Aires. Esta regionalização corresponde à classificação adotada pela

Dirección de Información y Análisis Regional do MECON, conforme nota constante em ANSES (2012).

129

45,8% da população argentina está concentrada nessa região (UNFPA, 2009). A tabela 9

reproduz os dados do referido estudo.

Tabela 9

Distribuição territorial da AUH, por região (dez./2011)

Região

Beneficiários População menor de 18 anos Cobertura

Quantidade Percentual Quantidade Percentual Percentual

NOA 555.676 15,0 1.407.406 11,4 39,5

NEA 524.609 15,8 1.131.272 9,2 46,4

Nuevo Cuyo 296.166 8,4 979.496 7,9 30,2

Patagónica 160.122 4,6 743.749 6,0 21,5

Centro y Buenos Aires 1.943.027 55,4 8.071.823 65,4 24,1

Sem identificação 27.623 0,8 - - -

Total 3.507.223 100,0 12.333.747 100,0 28,4

Fonte: ANSES, 2012.

No que concerne ao gasto fiscal com pagamento de benefícios, o Boletín

Cuatrimestral (ANSES, 2014d), edição 2014-I, apresenta a evolução do montante

despendido. Como o gráfico 10 evidencia, considerado o período de agosto de 2010 a abril

de 2014, o volume de dispêndio fiscal tem aumentado progressivamente, tanto com

benefícios para dependentes menores de idade quanto para dependentes com incapacidade.

Ao longo do período considerado, o gasto com benefícios para dependentes menores

aumentou em 155%, enquanto o gasto com dependentes com incapacidade expandiu-se em

260%.

130

Gráfico 10

Gasto total, em Pesos, com pagamento de benefício da AUH, segundo tipo de prestação

Fonte: ANSES, 2014d.

Elaboração própria.

Quanto aos valores pagos pela AUH, é possível verificar a trajetória dos aumentos

concedidos anualmente, por tipo de benefício. Esta trajetória pode ser observada no gráfico

11. Entre 2009 e 2010, tanto o benefício por dependente menor de idade quanto o benefício

por dependente com incapacidade tiveram aumento de 22% em seus valores. No ano

seguinte, 2011, ambos os tipos de benefício também sofreram variação idêntica, de 23%.

Contudo, em 2012 e 2013, o benefício por dependente incapacitado apresentou menores

reajustes em relação ao benefício por dependente menor. Em 2012, seu reajuste foi de 11%,

enquanto o benefício por dependente menor de idade foi da ordem de 26%. No ano seguinte,

2013, o benefício por dependente menor apresentou aumento de 35% e o benefício por

incapacitado, de 25%. O último reajuste, de 2014, foi de 40% para ambos os tipos de

benefícios.

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

0,00

200,00

400,00

600,00

800,00

1.000,00

1.200,00

1.400,00

Mil

har

es

Mil

har

es

Menor de idade Com incapacidade

131

Gráfico 11

Evolução dos valores da AUH, por tipo de benefício

Fonte: ANSES, 2012; ANSES, 2014; CIFRA, 2012.

Asignación por Embarazo – AEPS

Acerca da AEPS, em estudo realizado em 2012, a ANSES apresenta a expansão da

inserção de beneficiárias no programa ao longo do ano de 2011, primeiro ano de sua

implementação. Essa trajetória corresponde ao aumento da participação de gestantes,

nutrizes, parturientes e de seus filhos menores de seis anos no Plan Nacer, uma vez que

apenas pela prévia inscrição nesse plano é que a usuária pode inserir-se na AEPS.

Atualmente, o Plan Nacer foi estendido, passando a constituir o Programa SUMAR. Quando

teve início sua implementação, em maio de 2011, a AEPS contava com 5.170 beneficiárias.

Em dezembro do mesmo ano, isto é, sete meses após, o programa já contava com 68.580

gestantes beneficiárias, representando uma ampliação de mais de doze vezes no contingente

de assistidas. Esse resultado muito se deveu à busca ativa realizada no âmbito do Plan Nacer.

O gráfico 12 reproduz a trajetória de ampliação do número de gestantes beneficiárias na

AEPS, em 2011, seu primeiro ano de funcionamento.

A expansão do contingente de beneficiárias na AEPS não cessou nos anos

seguintes. Como resultado da política de busca ativa de populações vulneráveis e sem obra

0

500

1000

1500

2000

nov/09 nov/10 nov/11 nov/12 nov/13 nov/14

180 220 270 340460

644720

8801.080 1.200

1.500

2.100

Pes

os

($)

Dependente menor Dependente com incapacidade

132

social (seguro social de saúde) – realizada no âmbito do Plan Nacer e, posteriormente, no

Programa SUMAR, seu substituto – o número de gestantes inscritas no programa e

beneficiadas pela AEPS, desde sua criação, atingia, em 2013, a cifra de 450 mil mulheres

(MSAL, 2013, p.15).

Gráfico 12

Evolução da quantidade de beneficiárias na AEPS – mar./2011 a dez./2011

Fonte: ANSES, 2012.

2.2.5. Impactos da AUH e AEPS

Apesar de seu período relativamente curto de implementação – 5 anos da AUH e 3

anos da AEPS – os programas do subsistema não contributivo de asignaciones familiares da

Argentina já possuem certos impactos a eles atribuíveis. São apontados alguns desses efeitos.

O tratamento da pobreza, bem como o rompimento de sua transmissão

intergeracional, mediante o fomento ao acúmulo de capital humano das crianças e jovens

beneficiários, são os objetivos precípuos perseguidos pelos PTCR. A AUH insere-se nesse

gênero de políticas sociais, como descrito pela ANSES (2012, p.20):

A AUH apresenta as características de um conjunto de programas conhecidos

como Transferências Monetárias Condicionadas, cujas modalidades de pagamento

5.170

36.191

48.805

54.743

59.282

63.576

67.527

68.580

0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 60.000 70.000

mai/11

jun/11

jul/11

ago/11

set/11

out/11

nov/11

dez/11

133

se ajustam ao cumprimento por parte dos pais de certos requisitos que atuam como

incentivos para o investimento no capital humano de seus filhos

(fundamentalmente, educação e saúde).51 (Tradução nossa).

Sendo assim, a redução da pobreza e indigência vigentes, assim como quebra de

sua transmissão intergeracional são objetivos perseguidos pelos programas do subsistema

não contributivo de asignaciones familiares. Deste modo, importa apontar seus efeitos na

redução da pobreza e indigência, como também os resultados potencialmente derivados das

condicionalidades nas áreas de educação e saúde. Podem ser também apontados impactos

atribuíveis à AUH no domínio macroeconômico e sobre a concentração de renda.

Os impactos da AUH sobre o nível de pobreza e indigência foram estimados em

trabalho do MECON (2009). Segundo o referido trabalho, a partir de dados da Encuesta

Permanente de Hogares (EPH), realizada pelo INDEC, a incidência da pobreza sobre o

contingente populacional dos aglomerados urbanos se reduziria em 32,6% com a

participação da AUH, declinando de um patamar de 14,1% para 9,5% de pessoas sob

pobreza, considerando a linha de pobreza definida pelo INDEC. Outrossim, quanto à

incidência de pessoas em condição de extrema pobreza (ou indigência), o estudo defende

que o impacto da AUH implicaria uma queda de 3,8% para 1,2% na proporção de indigentes,

perfazendo uma redução de 68,4%.

Quanto aos efeitos da AUH sobre o nível de desigualdade, Curcio e Beccaria (2013,

p.22) mensuraram o Coeficiente de Gini, relativo à renda per capita familiar (Ingreso Per

Capita Familiar – IPCF), sob dois cenários: ausência e presença da AUH, para o período de

2007 a 2012. A partir desse exercício contrafactual, os autores mostram que o valor do Gini

é sempre maior na ausência da AUH. Logo, pode-se inferir que a presença desta transferência

concorre, em alguma medida, para que o grau de desigualdade decline. O gráfico 13 reproduz

os resultados obtidos pelos autores.

51 “La AUH presenta las características de un conjunto de programas conocidos como de Transferencias

Monetarias Condicionadas, cuyas modalidades de pago se ajustan al cumplimiento por parte de los padres de

ciertos requisitos que actúan como incentivos para la inversión en el capital humano de sus hijos

(fundamentalmente, educación y salud)”.

134

Gráfico 13

Influência da AUH na distribuição de renda:

Coeficiente de Gini do IPCF, com e sem AUH (2007-2012)

Fonte: CURCIO & BECCARIA, 2013.

No que tange à AUH e à AEPS, cabe frisar que há certa escassez de trabalhos

voltados à análise de seus impactos, quando cotejados ao volume de publicações dedicadas

a descrever os referidos programas, particularmente a AUH. Esses programas contam com

relativo pouco tempo de implementação, o que dificulta análises mais aprofundadas acerca

de seus efeitos. Por isso, apresentaram-se aqui apenas algumas estimativas dos potenciais

efeitos dessas políticas.

135

2.3. Sistema Chile Solidário e Ingreso Ético Familiar – Chile

Esta terceira seção do capítulo 2 é dedicada a tratar os PTCR chilenos. Consideram-

se, para efeitos deste estudo, o Sistema Chile Solidario (SCS) e o programa Ingreso Ético

Familiar (IEF). Semelhantemente às duas seções anteriores, foram empreendidos esforços

para debuxar e expor o desenho institucional desses programas, procurando observar seus

elementos constitutivos fundamentais, como: marco legal e operacionalização, público-alvo,

tipos de benefícios concedidos e condicionalidades exigidas. Também se pretendeu

apresentar dados acerca da dimensão e cobertura dos programas considerados, assim como

alguns impactos a eles atribuíveis. No caso do Chile, no entanto, como se verá ao longo da

seção, o acesso e mesmo a existência de dados e informações adequados revelaram-se

bastante restritos, quando cotejados à Argentina e, principalmente, ao Brasil.

2.3.1. Aspectos preliminares e origem

Os PTCR chilenos surgem no contexto de uma busca do Estado por políticas

específicas para o enfrentamento à extrema pobreza, no início dos anos 2000. Segundo

Larrañaga (2010, p.203), diante do estancamento da queda da extrema pobreza na segunda

metade da década de 1990 que, após ter se reduzido de 12,9% a 5,7% entre 1990 e 1996,

permanecera praticamente inalterada entre 1996 e 2000, elaborou-se uma conjetura de que

existiria um núcleo-duro de pobreza no país, que não conseguia responder ao crescimento

econômico, tampouco às políticas sociais então vigentes. A busca por uma nova estratégia

de enfrentamento à extrema pobreza foi dirigida pelo Ministerio de Planificación

(MIDEPLAN) e seu desenho proposto pela Dirección de Presupuestos, com assessoria do

Banco Mundial.

No início da década de 2000, havia no Chile diversos programas e ações de

assistência social, que se caracterizavam por serem dispersos e segmentados, cuja

implantação e operacionalização cabia a diferentes ministérios e órgãos públicos. Ainda

segundo Larrañaga (2010, p.204), a dispersão dos programas e ações sociais teria sido um

dos empecilhos a um melhor acesso dessas políticas por parte da população extremamente

pobre, concorrendo para a estagnação observada na queda da extrema pobreza, durante a

segunda metade dos anos noventa. Deste modo, concluía-se que havendo um melhor acesso

136

da população mais pobre ao sistema de proteção social existente, seria possível reduzir a

extrema pobreza. Assim, partindo das experiências de políticas já existentes no país,

estruturou-se um programa que pretendia superar a dispersão das ações sociais, buscando

“oferecer um sistema interconectado de prestações sociais dirigido aos mais pobres”

(LARRAÑAGA, 2010, p.204). Este programa seria o Chile Solidario, que, segundo o

referido autor, não se trata propriamente de um programa, mas de um sistema que articula

um conjunto de ações sociais.

Além disso, no cenário de predomínio das políticas neoliberais que, desde a década

de 1980, enfatizavam a redução dos gastos públicos e sociais, a dispersão de diferentes

programas representava desperdício de recursos, não alcançando a população indigente. Por

isso, a focalização do atendimento à população mais pobre e a concentração das políticas

vigentes, sob uma “janela única”52 tornaram-se uma estratégia predominante.

Uma década mais tarde, em 2012, será implantado no país o programa Ingreso Ético

Familiar, que, ao contrário do Chile Solidario, constitui-se como um PTCR propriamente

dito.

2.3.2. Sistema Chile Solidario

A) Marco legal e operacionalização

No Chile é implantado, em 2002, o Chile Solidario, iniciativa que consiste em um

sistema de proteção social cujo objetivo é, como definido na lei que o regulamenta,

“promover a incorporação a redes sociais e acesso a melhores condições de vida para as

famílias em situação de pobreza extrema”53 (CHILE, 2004, Preâmbulo).

Criado e instituído em maio de 2002, o Chile Solidario somente foi regulamentado

por legislação específica em maio de 2004, com a Lei 19.949. Como alega Larrañaga (2010,

p.204), o funcionamento do Chile Solidario não dependia de sua tipificação em termos

52 “Ventanilla única” (LARRAÑAGA, 2010, p.204).

53 Tradução nossa. “(...) la ley Nº 19.949, que crea el sistema de protección social denominado “Chile

Solidario”, dirigido a las familias y sus integrantes en situación de extrema pobreza, cuyo objetivo es promover

su incorporación a las redes sociales y su acceso a mejores condiciones de vida”.

137

legais, posto que já operava há dois anos, mas, além de lhe conceder maior legitimidade, a

legislação favorece uma maior estabilidade política, temporal e conjuntural para a ação.

O Chile Solidario foi constituído como um sistema, englobando diversas ações

sociais, antes desvinculadas, buscando criar um sistema interconectado de serviços sociais,

focado nos mais pobres (ou extremamente pobres). Deste modo, o sistema Chile Solidario

consiste, como o define Larrañaga (2010, p.201), em uma estrutura que “articula o acesso

dos participantes a um numeroso conjunto de programas e benefícios sociais, adstritos a

diferentes ministérios e serviços públicos”54. Trata-se, portanto, de um sistema que pretende

vincular os beneficiários à oferta pública de serviços, através da articulação de diversos

programas e ações de proteção social.

A gestão e coordenção central do Sistema Chile Solidario (SCS) eram, inicialmente,

de incumbência do MIDEPLAN. Em outubro de 2011, através da Lei 20.530, este órgão foi

substituído pelo Ministerio de Desarrollo Social (MDS-Ch), que então passa a responder

pela coordenação do SCS. Sua operacionalização, porém, é descentralizada e realizada em

nível local, nos municípios, através das Unidades de Intervención Familiar (UIF).

B) Estrutura

Como afirmam Lara e Flores (2014b), quatro componentes cimentavam o SCS, a

saber: i) o apoio psicossocial; ii) o acesso preferencial à rede de serviços e ações sociais; iii)

a garantia de acesso aos subsídios monetários estatais pertinentes e iv) a transferência

monetária através do Bono de Protección. A partir de 2012, porém, a configuração do Chile

Solidario muda, pois ele deixa de ter o componente de transferência, que migrará para o IEF.

O apoio psicossocial estabelece um trabalho direto com as famílias assistidas.

Realizam-se visitas periódicas aos lares, através de monitores profissionais específicos. Sua

função é realizar um diagnóstico da situação familiar, no que tange às suas condições

socioeconômicas; definir estratégias e metas que os membros da família devem perseguir

para melhorar sua situação de extrema pobreza, construindo o contrato familiar; ajudar na

54 Tradução nossa.

138

reorganização familiar; auxiliar à família na vinculação com as redes de serviços públicos e

ações sociais disponíveis e, ainda, avaliar os êxitos obtidos ao término do período de

intervenção. Este acompanhamento é realizado durante dois anos, tempo no qual a família

permanece vinculada ao programa. Após este período, a família ainda é acompanhada

durante três anos, para avaliação de seus resultados. (LARA & FLORES, 2014b;

LARRAÑAGA, 2010).

O segundo componente do Chile Solidario promove o acesso prioritário aos

programas e ações sociais do Estado como também a serviços públicos, principalmente nos

âmbitos de saúde, educação, moradia, emprego e renda, entre outros. Através do Chile

Solidario, os beneficiários também podem acessar programas de intervenção e ajuda

psicossocial, como o Programa Puente, dirigido a famílias em situação de extrema pobreza;

o Programa Vínculos, voltado a adultos em vulnerabilidade ou pobreza; o Programa Calle,

direcionado a adultos moradores de rua e o Programa Camino, que tem como público

crianças cujas famílias possuam algum membro encarcerado.

O componente seguinte do SCS visa garantir às famílias assistidas o acesso rápido

aos subsídios monetários estatais, que lhes sejam pertinentes. Segundo Lara e Flores (2014b,

p.6), tais subsídios compreendem: Subsidio Único Familiar (SUF); Subsidio de

Discapacidad Mental; Subsidio Cédula de Identidad; Subsidio al Consumo de Agua Potable

y Servicio de Alcantarillado de Aguas Servidas (SAP); Subvención Preferencial y Pro-

Retención Escolar e Pensión Básica Solidaria.

Por fim, o quarto componente do Chile Solidario era a transferência de renda

realizada através do pagamento do Bono de Protección, que de 2012 em diante tem sido

paga no âmbito do IEF. Este bono é uma prestação monetária condicional, paga em valor

decrescente às famílias assistidas, durante um período total de dois anos. O recebimento

desta prestação condiciona-se ao cumprimento, por parte da família, do contrato familiar,

isto é, das estratégias e metas estabelecidas, através do apoio psicossocial, para a melhora da

situação de extrema pobreza na qual a família atendida se encontra.

De acordo com Larrañaga (2010), o Chile Solidario não é propriamente um

programa, tampouco um PTCR, justamente por seu componente de transferência de renda

ser secundário dentro de seu desenho institucional, principalmente quando comparado a

139

outras políticas do gênero. A figura 1 expõe esquematicamente a estrutura do Sistema Chile

Solidario, a partir de seus quatro componentes.

Figura 1

Estrutra do Sistema Chile Solidario

Fonte: LARA & FLORES, 2014b; LARRAÑAGA, 2010.

Elaboração própria.

Chile Solidario

Apoio psicossocial

Diagnóstico familiar

Contrato familiar

Vinculação com redes de serviços públicos e ações

sociais

Acesso preferencial

Programas e ações sociais do Estado

Serviços públicos

Subsídios monetários

Subsidio Único Familiar

Subsidio de Discapacidad Mental

Subsidio Cédula de Identidad

Subsidio al Consumo de Agua Potable

Pro-Retención Escolar

Pensión Básica Solidaria

Transferência de renda

Bono de Protección

140

Em 2009, através da Lei 20.379, são criados o Sistema Intersectorial de Protección

Social e o Subsistema de Protección Integral a la Infancia Chile Crece Contigo. O Chile

Solidario é, então, incorporado ao Sistema Intersectorial de Protección Social, passando a

constituir, juntamente com o Chile Crece Contigo, um de seus subsistemas.

Lara e Flores (2014b, p.7) frisam que, ainda no ano de 2009, quando da crise

econômica que abalou o Chile (reflexo da crise financeira mundial de 2008), o governo

implementou transferências extraordinárias de renda, que integravam o Plan de Estimulo

Económico e visavam conter o aumento da pobreza. Estas transferências denominavam-se

Bono de Apoyo a la Familia e focavam as famílias com rendas médias e baixas (no caso,

rendas mensais inferiores a US$845,47), beneficiárias de Asignación Familiar ou do Chile

Solidario. Todavia, apesar de sua natureza excepcional, estas transferências foram,

posteriormente (em 2012), convertidas em um programa regular de prestações monetárias

de caráter não contributivo, denominado Ingreso Ético Familiar.

2.3.3. Ingreso Ético Familiar

A) Marco legal e operacionalização

Em maio de 2012, com a promulgação da Lei 20.595, o programa Ingreso Ético

Familiar (IEF) é criado. O IEF compõe-se de um conjunto diversificado de transferências

monetárias, tanto de caráter condicionado como não condicionado. As transferências

condicionadas vinculam-se à obtenção de êxitos e/ou ao cumprimento de deveres, nas áreas

de educação, saúde e trabalho.

A estrutura e a operacionalização do IEF herdaram os traços gerais de seu

predecessor, o Chile Solidario. Ademais, o Ingreso Ético substitui o Chile Solidario no

componente de transferência de renda, passando a responder pelo pagamento do Bono de

Protección, como também de outras transferências.

A gestão do Ingreso Ético Familiar, como das demais políticas e ações sociais do

Estado, está a cargo do Ministerio de Desarrollo Social do Chile (MDS-Ch).

141

B) Público-alvo e benefícios

O programa Ingreso Ético Familiar volta-se ao atendimento de famílias

extremamente pobres, como também de populações sob vulnerabilidade, ainda que não

estejam, necessariamente, em situação de pobreza extrema. Tais populações vulneráveis55

correspondem a: i) idosos, em situação de pobreza, vivendo sozinhos ou com uma pessoa;

ii) menores, cujo adulto responsável seja presidiário; iii) moradores de rua.

A identificação das famílias beneficiárias do Ingreso Ético é realizada pelo MDS-

Ch, através da Ficha de Protección Social (FPS). A partir da identificação e seleção das

famílias a serem assistidas, é designado um gestor familiar, que irá até à residência da família

para elaborar, junto com ela, o respectivo Plan de Intervención, que se trata de um

documento no qual se estabelecem metas e deveres que a família deverá cumprir para fazer

jus aos benefícios monetários oferecidos pelo programa.

Este programa se estrutura sobre três pilares fundamentais: o pilar da dignidade, o

dos deveres e o dos êxitos. Cada pilar estabelece dois tipos de benefícios distintos. O pilar

da dignidade, de caráter não condicionado, concede benefícios monetários a todas as famílias

em situação de pobreza extrema. Estes são os benefícios-base, ou básicos, para as famílias

assistidas, compreendendo o bono56 base familiar e o bono de proteção (antes concedido no

âmbito do Chile Solidario). O segundo pilar, o dos deveres, confere prestações a famílias

sob pobreza extrema e lhes impõe como condicionalidades o cumprimento dos controles de

saúde da criança e a observância da frequência escolar de 85%. Para cada condicionalidade

cumprida neste pilar, a família faz jus, respectivamente, ao bono de controle da saúde da

criança e ao bono de frequência escolar. Finalmente, o terceiro pilar, referente aos êxitos,

direciona-se aos 30% das famílias de renda mais baixa da população chilena e condiciona o

recebimento dos benefícios ao sucesso escolar, para as famílas de alunos que obtenham nota

igual ou superior a 7,0, e ao trabalho da mulher, ambos entendidos como êxitos pessoais.

Estes últimos benefícios funcionam como um tipo de estímulo e prêmio pelo sucesso. A

55 Nota-se que as ditas populações vulneráveis equivalem, em grande medida, àquelas antes atendidas na esfera

do Chile Solidario pelos programas Vinculos, Camino e Calle, respectivamente.

56 “Bono” equivale a benefício, para fins deste trabalho.

142

figura 2 apresenta o público-alvo e os benefícios. Em seguida, a figura 3 exibe os três pilares

e sintetiza os tipos de transferências monetárias, em função das condicionalidades.

Figura 2

Infográfico do Ingreso Ético Familiar: público-alvo e benefícios

Fonte: MDS-Ch, 2014.

143

Figura 3

Pilares e caráter das transferências do Ingreso Ético Familiar

Fonte: LARA & FLORES, 2014.

Elaboração própria.

Os benefícios monetários concedidos às famílias beneficiadas pelo IEF têm duração

de 12 a 24 meses, dependendo da situação da família, não podendo estender-se por mais

tempo. Os montantes recebidos por cada família variam em função de sua composição, do

cumprimento dos deveres e da obtenção dos êxitos, condicionantes ao recebimento de alguns

dos benefícios. Além disso, as famílias assistidas por este programa podem receber outros

auxílios monetários do Estado.

Os valores dos diferentes benefícios (bonos) possuem diversos critérios para sua

determinação. Segundo informações do MDS-Ch (2014), os bonos do pilar dignidade (bono

base familiar e bono de proteção), de caráter incondicional, são pagos mensalmente. O bono

base familiar não possui valor específico, pois seu cálculo engloba dados relativos aos

subsídios percebidos pela família, além de dados da Pesquisa CASEN e da FPS, o que

determina diferentes valores para cada família assistida. O bono de proteção, por sua vez, é

pago durante o período de execução do apoio psicossocial, por no máximo 24 meses, e

Ingreso Ético Familiar

1º pilar

Dignidade

Transferências não condicionadas:

A todas as famílias sob extrema pobreza

Bono base familiar

Bono de proteção

2º pilar

Deveres

Transferências condicionadas:

A famílias extremamente pobres, cujos filhos estejam com controle de saúde e frequência escolar em dia

Bono de saúde da criança

Bono de frequência escolar

3º pilar

Sucessos

Transferências condicionadas:

Aos 30% das famílias com menores rendas

Rendimento escolar

Trabalho da mulher

144

obedece a quatro faixas temporais e de valores. Assim, nos seis primeiros meses a família

recebe um montante mensal no valor de $14.834,0057; nos seis meses seguintes, $11.303,00;

entre o 13º e 18º mês, $7.770,00; e, nos últimos seis meses, $8.426,00. Em termos de salário

mínimo58, esses valores representam, respectivamente: 6,6%, 5%, 3,4% e 3,7%.

Por outro lado, os bonos do pilar dos deveres (saúde da criança e presença escolar),

de caráter condicionado, são destinados a famílias que participem do apoio psicossocial e

que possuam entre seus integrantes menores de 18 anos. O bono de saúde da criança é

direcionado a crianças menores de 6 anos de idade, sendo concedido somente mediante a

comprovação do cumprimento dos controles de saúde do menor. Já o bono de frequência

escolar destina-se aos membros da família, entre 6 e 18 anos de idade, que frequentem

estabelecimentos de ensino oficialmente reconhecidos e que comprovem frequência mínima

de 85% da carga horária escolar. Ambos os bonos têm periodicidade de pagamento mensal

e seus valores são de $7.000,00 por menor. Como percentual do salário mínimo chileno, em

2014, esse valor corresponde a 3,1%.

O terceiro pilar, o dos sucessos, outorga dois tipos de bonos de valorização do

esforço individual, o bono de rendimento escolar e o bono ao trabalho da mulher. De acordo

com o MDS-Ch (2014), o primeiro bono volta-se para famílias que tenham em sua

composição pessoas cursando entre o 5º ano básico e o 4º médio (do ensino chileno), que

pertençam aos 30% mais vulneráveis da população (de acordo com a Ficha de Protección

Social – FPS) e que se encontrem entre os 30% de melhor desempenho escolar. Este

benefício é pago uma vez ao ano e seu valor varia em função do referido desempenho. Deste

modo, do total de alunos, dentre os 30% mais vulneráveis da população, à metade com

melhor rendimento escolar cabe o benefício no valor de $51.500,00; à outra metade, o de

$30.900,00. Esses valores representam 22,9% e 13,7% do salário mínimo chileno,

respectivamente.

O bono ao trabalho da mulher, por seu turno, visa atender a mulheres inseridas no

mercado laboral, compreendidas na faixa etária de 25 a 59 anos e que se encontrem entre as

57 Pesos chilenos, em 2014.

58 O salário mínimo no Chile, referente ao segundo semestre de 2014, equivale a $225.000 (pesos chilenos).

Fonte: Luís Nassif Online (http://jornalggn.com.br/blog/frederico-fuellgraf/com-aumento-de-7-chile-paga-

segundo-melhor-salario-minimo-na-america-do-sul).

145

30 % mais vulneráveis da população, segundo a FPS. O valor deste bono não é fixo e seu

cálculo considera o nível de rendimentos da trabalhadora e o tempo proporcional a partir da

solicitação do benefício. Este benefício também abrange um subsídio que é concedido ao

empregador, com o intuito de estimular a contratação de mulheres pertencentes a segmentos

populacionais de maior vulnerabilidade social. A trabalhadora beneficiária pode perceber

este bono por até 4 anos consecutivos. O empregador, por outro lado, pode receber o subsídio

correspondente por no máximo 24 meses. O quadro 7 sintetiza os tipos de bonos e seus

valores correspondentes, bem como os critérios de concessão.

Quadro 7

Valores dos benefícios do Ingreso Ético Familiar – 2014

Pilar Bono Critério Valor

Dignidade

Base familiar Por família Variável

Proteção

Mês 1 a 6 $14.834,00

Mês 7 a 12 $11.303,00

Mês 13 a 18 $7.770,00

Mês 19 a 24 $8.426,00

Deveres

Saúde da criança Por criança menor de

6 anos de idade $7.000,00

Frequência escolar Por estudante menor

entre 6 e 18 anos $7.000,00

Sucessos Rendimento escolar

Primeira metade dos

alunos com melhor

rendimento

$51.500,00

Segunda metade dos

alunos com melhor

rendimento

$30.900,00

Trabalho da mulher Por trabalhadora Variável

Fonte: MDS-Ch, 2014.

Elaboração própria.

146

C) Condicionalidades

O IEF impõe condicionalidades para a concessão das transferências monetárias às

famílias em dois de seus pilares, o pilar dos deveres e o dos sucessos. O pilar da dignidade,

por sua vez, é incondicional, ou seja, as famílias não precisam cumprir qualquer

contrapartida para receber as prestações monetárias que lhes são correspondentes.

O quadro 8 apresenta esquematicamente as condicionalidades exigidas, em cada

pilar, como contraprestações no programa Ingreso Ético Familiar.

Quadro 8

Condicionalidades do Ingreso Ético Familiar

Pilar Benefício Condicionalidade

Dignidade

Bono base familiar Nenhuma

Bono de proteção Nenhuma

Deveres

Bono de saúde da

criança

Comprovação dos controles de saúde das crianças menores de 6

anos, mediante carnê de saúde em dia

Bono de frequência

escolar

Frequência mensal mínima de 85% da carga horária escolar, para os

menores de 6 a 18 anos

Sucessos

Bono de rendimento

escolar

Desempenho escolar com nota igual ou superior a 7,0, para

estudantes do 5º ano básico ao 4º médio e pertencentes aos 30%

mais vulneráveis da população

Bono ao trabalho da

mulher

Inserção no mercado de trabalho, para mulheres pertencentes às

30% mais vulneráveis da população

Fonte: MDS-Ch, 2014.

Elaboração própria.

147

As condicionalidades referentes ao pilar dos deveres centram-se nas áreas de

eduação e saúde do menor. Na área de educação, os menores entre 6 e 18 anos, das famílias

assistidas, devem possuir frequência mensal de 85% ou mais da carga horária escolar. No

âmbito da saúde, exige-se que a família atendida comprove, na esfera de seu município e

dentro dos períodos estabelecidos pelo MDS-Ch, os controles de saúde para os dependentes

menores de 6 anos, mediante a apresentação do carnê de saúde da criança em dia.

No pilar dos sucessos, para fazer jus às prestações monetárias equivalentes, as

condicionalidades requeridas concernem às áreas de educação e trabalho e direcionam-se

impreterivelmente às mulheres e aos estudantes pertencentes à parcela dos 30% mais

vulneráveis da população chilena. No campo da educação, exigem-se dos estudantes notas

iguais ou superiores a 7,0. No âmbito laboral, por seu turno, o requisito para concessão do

bono correspondente é a inserção no mercado de trabalho por parte da beneficiária.

2.3.4. Chile Solidario e Ingreso Ético Familiar em números

No que concerne à cobertura dos programas, segundo Larrañaga (2010), o Chile

Solidario alcançava, em 2008, um total de 309.388 famílias, podendo-se estimar um

contingente superior a 1,2 milhões de pessoas assistidas, se considerada uma média de quatro

membros por família. Ainda no âmbito do Chile Solidario, de acordo com Farías (2013),

foram pagos, no ano de 2010, 217 mil Bonos de Protección, sem contar com os subsídios

estatais a que os beneficiários do programa têm acesso prioritário. Podem-se observar, no

gráfico 14, a quantidade de Bonos de Protección pagos entre 2006 e 2010, no domínio do

Chile Solidario. Vale ressaltar que a partir de 2012, este bono passou a ser outorgado no

âmbito do programa Ingreso Ético.

O IEF, por sua vez, atingia, em 2012, o contingente de 640.000 pessoas

beneficiárias, que corresponde a cerca de 80% da população que vive em condição de

extrama pobreza no país (FARÍAS, 2013).

Conquanto não haja muitos dados disponíveis nos sítios oficiais do país acerca dos

programas chilenos, realizou-se aqui um esforço para dimensioná-los. Não raramente, as

148

informações empregadas a respeito do Chile e seus programas advêm de fontes não

domésticas ou de estudos empreendidos por organizações multilaterais.

Gráfico 14

Bonos de protección – Chile Solidario (2006-2010)

Fonte: FARÍAS, 2013.

2.3.5. Impactos dos programas chilenos

Semelhantemente à subseção anterior, também, e principalmente, quanto aos

impactos dos programas, a disponibilidade de informações é exígua. O trabalho de Farías

(2013), contudo, apresenta alguns dados acerca da condição de pobreza e indigência da

população e, ainda, acerca do potencial efeito dos programas no grau de desigualdade. Esses

dados estão sintetizados no gráfico 15.

Neste gráfico, é possível notar uma aceleração no declínio do percentual da

população sob pobreza, implicando uma queda de 38,5%, entre 2003 e 2009. O percentual

de indigentes também declinou no mesmo período, mas foi uma redução mais modesta, da

ordem de 23,4%. O referido período corresponde à implementação do Chile Solidario e

pode-se considerar que este programa operou efeitos positivos nesse processo de redução da

pobreza, posto que à época alcançava mais de um milhão de beneficiários, dos quais cerca

de 58% pertenciam aos 20% mais pobres da população total (FARÍAS, 2013). Obviamente,

o IEF não está retratado nos dados, uma vez que fora implantado somente em 2012, enquanto

os dados se limitam a 2009.

183

202 205

218 217

2006 2007 2008 2009 2010

Em milhares

149

Gráfico 15

População em condição de pobreza e indigência e Coeficiente de Gini (1990-2009)

Fonte: FARÍAS, 2013.

Quanto à desigualdade, o gráfico mostra que o Gini sofreu um importante declínio

entre 2000 e 2006. Porém, o Coeficiente de Gini de renda primária (Gini ingreso primario)

voltou a aumentar, a partir de 2006. Como Farías (2013, p.11) esclarece, este coeficiente não

considera as transferências e subsídios sociais estatais. Por outro lado, o Coeficiente de Gini

de renda total – que engloba todas as rendas, inclusive as transferências e subsídios pagos

pelo Estado – não sofreu aumento a partir de 2006. Isto significa que as transferências sociais

do governo, mediante os bonos do Chile Solidario e os subsídios sociais, impediram um

agravamento da desigualdade de renda no período.

Enfim, à semelhança do Brasil e da Argentina, a despeito dos efeitos percebidos

quanto à redução da pobreza e dos impactos em alguns de seus determinantes, também o

Chile possui um longo caminho a percorrer. Esses países ainda detêm um elevado percentual

de suas populações sob pobreza, alto grau de desigualdade de renda e disparidades regionais,

assim como falhas no acesso pleno aos serviços e instrumentos de proteção social.

150

3. OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA CONDICIONADA DE RENDA SOB

PERSPECTIVA COMPARADA

O objetivo deste terceiro capítulo é realizar uma análise comparativa dos PTCR

apresentados ao longo deste estudo. Busca-se cotejar os diferentes aspectos dos programas

considerados, bem como os contextos específicos sob os quais emergiram e as trajetórias

diversas que eles seguiram desde sua implantação. Além disso, pretende-se embasar a

discussão e análise a respeito da nova configuração que estes programas tenham potencial

ou efetivamente incitado na proteção social latino-americana.

Para alcançar as pretensões expostas, o capítulo foi organizado em duas seções. Na

primeira seção, realizam-se comparações entre diversos elementos dos PTCR do Brasil,

Argentina e Chile, descritos no capítulo 2, identificando e analisando as similitudes e

divergências existentes entre eles. A saber, os elementos cotejados são: ano e motivação da

criação, marco legal, abrangência territorial, caráter das transferências, natureza legal, órgão

responsável e lugar ocupado no sistema de proteção, mecanismos e critérios de seleção,

operacionalidade, maior ou menor foco na infância, tempo de permanência, objetivo

principal enfatizado, público-alvo, valores das transferências, valor do benefício como

percentual do salário mínimo de cada país, condicionalidades, existência ou ausência de

componentes não condicionados de transferência monetária, gasto fiscal com o programa

em relação ao PIB e, finalmente, cobertura.

Na seção seguinte, busca-se discutir e cotejar a introdução dos PTCR nos três países

em estudo e seus impactos sobre os respectivos sistemas de proteção social. Procura-se

identificar a ocorrência, ou a falta dela, de uma mudança substantiva na lógica dos referidos

sistemas. Uma vez que já se tenham apresentado os sistemas de proteção social (capítulo 1

– seção 6), assim como os PTCR de cada país (capítulo 2) e que também já se tenha operado

uma análise comparativa entre eles (capítulo 3 – seção 1), é lícito realizar uma discussão

acerca desses aspectos, no intuito de responder à pergunta inicialmente formulada nesta

dissertação.

151

3.1. Análise Comparativa

Após a descrição dos PTCR dos países em exame, realizada no capítulo 2, convém

empreender uma análise comparativa pormenorizada, embora não exaustiva, entre tais

programas, na tentativa de esboçar um panorama acerca de sua situação e deste tipo de

política pública no contexto contemporâneo da América Latina. Deste modo, analisam-se,

nesta parte, os programas59 Bolsa Família (PBF), Asignación Universal por Hijo (AUH) e

Ingreso Ético Familiar (IEF), para o Brasil, Argentina e Chile, respectivamente.

Hodiernamente, os PTCR constituem, em diversos países latino-americanos, um

componente fundamental de suas políticas sociais. Esses programas são distintos em alguns

de seus elementos, como desenho institucional, operacionalização, critérios de acesso e

elegibilidade, nível de benefícios e cobertura, grau de institucionalidade e quanto à

legislação que os fundamenta. Por outro lado, eles se aproximam em função de seus

objetivos principais e detêm certos elementos cruciais que os caracterizam.

Como elucida Soares (2010, p.174), os PTCR:

(...) são claramente identificados por seus dois objetivos – alívio da pobreza em

curto prazo e quebra da transmissão intergeracional da pobreza em longo prazo –

e por três características básicas: i) a existência de mecanismos de focalização; ii)

a exigência de contrapartidas, por parte das famílias, para que possam receber o

benefício, as chamadas corresponsabilidades, mormente nas áreas de saúde e

educação, para estimular a acumulação de capital humano das crianças; e iii) o

fato do benefício ser pago em dinheiro e não em espécie. A esse conjunto de

características podem-se somar as seguintes especificidades que estão inter-

relacionadas: o fato do titular do benefício ser, em geral, a mãe ou a mulher

responsável pela criança e um foco no bem-estar das crianças.

O PBF, a AUH e o IEF emergem no contexto do que se pode chamar de segunda

geração dos PTCR, vigente a partir dos anos 2000, quando esse tipo de política angaria um

caráter massivo em oposição à natureza segmentada e restritiva que a maioria dos PTCR

então existentes possuíam na década de 1990.

Dentre os três programas ora considerados, o PBF é o precursor, sendo criado em

2003, pela Medida Provisória 132, convertida na Lei 10.836 em 2004. Sua criação prestou-

59 No caso da Argentina, optou-se, nesta parte, pela AUH em detrimento da AEPS, por ser o primeiro um

programa mais representativo dentro do subsistema de asignaciones no qual ambos estão inseridos. Já no caso

chileno, escolheu-se o IEF em detrimento do Chile Solidario, em função deste último não se constituir em um

PTCR propriamente dito, como já salientado na terceira seção do capítulo 2.

152

se a unificar quatro programas federais de transferência de renda então existentes, que eram

segmentados ou coincidentes tanto em sua operacionalização quanto no atendimento do

público-alvo, ocorrendo muitas vezes sobreposição de objetivos, má focalização e, em

consequência, desperdício de recursos. Como já destacado anteriomente na dissertação, o

intento mais amplo da unificação operada pelo PBF foi o de conservar um PTCR único no

país, apto a articular as ações e programas sociais então implantados nas diferentes esferas

de governo (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2012, p.142). Porém, merece relevo o fato de

que a criação do PBF promoveu muito mais do que apenas a unificação dos remanescentes,

pois ele, além de unificar esses programas, estendeu a cobertura a todo o país. Ademais,

através do PBF foi introduzido um componente de transferência sem condicionalidade, o

Benefício Básico. Outro aspecto extremamente relevante é que o PBF não determina o

destino que a família deve dar ao dinheiro recebido – como acontecia com o Auxílio Gás,

por exemplo; a família tem autonomia para gastar o benefício da maneira que melhor lhe

atender.

No caso argentino, a AUH foi criada em 2009, pela Lei 1.602, mas sob outra

motivação. Inserida no contexto de retomada pelo Estado da responsabilidade de promover

a proteção social, a partir de fins de 2008, a criação da AUH tem seu fundamento em uma

concepção de direito. Este programa constitui-se como uma extensão do direito ao

recebimento de um benefício estatal a todas as crianças e adolescentes do país, de maneira a

efetivar a proteção integral aos direitos da infância, preconizada pela Lei 26.061, instituída

no país em 2005. O regime de Asignaciones Familiares até então existente privilegiava

apenas os dependentes menores ou incapacitados de responsáveis inseridos no mercado

formal de trabalho, relegando tal direito a todas as crianças cujos pais não se encontrassem

nessa situação. A partir da criação da AUH, os dependentes menores ou incapacitados, cujos

responsáveis estejam desempregados, trabalhem no setor doméstico ou atuem no mercado

informal de trabalho (desde que não detenham rendimento mensal superior a 1 salário

mínimo argentino), passaram a ter também direito à asignación. Deste modo, ao estender o

direito de recebimento da asignación aos menores dependentes de pais não inseridos no

mercado formal, a Argentina forjou uma universalidade na assistência à infância no país,

ainda que sob uma política focalizada.

O Ingreso Ético Familiar, por seu turno, foi criado em 2012 através da Lei 20.595.

Este programa é derivado de uma política de transferência de renda de caráter excepcional,

153

denominada Bono de Apoyo a la Familia, que teve lugar no Chile em 2009, como forma de

amenizar o recrudescimento da pobreza diante do abalo econômico que estremecera o país,

em função da crise financeira mundial iniciada no ano anterior. Ademais, o IEF absorveu o

componente de transferência monetária do Chile Solidario, o Bono de Protección, que

passou a ser realizado em seu âmbito, junto com outros benefícios que compõem o programa.

O IEF, em relação ao Chile Solidario, amplia significativamente o tipo e o valor das

transferências monetárias (CECCHINI; FARÍAS; VARGAS, 2012).

Todos os três programas em questão – PBF, AUH e IEF – constituem políticas

focalizadas em segmentos pauperizados da população e impõem algumas condicionalidades,

que funcionam como contraprestações para o recebimento integral das transferências

monetárias. Outrossim, eles possuem abrangência nacional e são políticas sociais de caráter

não contributivo. Para além dessas características, esses três programas, enquanto programas

de transferência condicionada de renda, apresentam dois objetivos precípuos, como

previamente destacado, segundo Soares (2010), quais sejam, promover o alívio (ou redução)

da pobreza vigente, no curto prazo, e favorecer a quebra do círculo vicioso da pobreza (ou

sua transmissão intergeracional), mediante o fomento ao acúmulo de capital humano das

crianças pobres, no longo prazo. Contudo, cada programa pode conceder maior ênfase a

determinado objetivo, o que é possível verificar através das diferenças em seus desenhos

institucionais.

Quanto à gestão dos programas, tanto o PBF quanto o IEF estão inseridos no âmbito

dos respectivos ministérios de desenvolvimento social de seus países. Esses ministérios são

responsáveis pelas políticas e ações socioassistenciais implantadas em nível federal pelos

respectivos governos brasileiro e chileno. Logo, os referidos programas integram o domínio

da Assistência Social, dentro do sistema de proteção social vigente em cada país. A AUH,

contudo, difere neste ponto, pois sua gestão cabe à ANSES, órgão responsável pela

seguridade social e previdência na Argentina. Portanto, a AUH está situada na esfera

previdenciária dentro da proteção social do país. Esta localização dos programas é relevante,

pois indica a natureza que eles possuem na proteção social. Por um lado, o PBF e o IEF,

vinculados à Assistência, são políticas sociais que não constituem um direito exigível por

todos aqueles que se enquadrem nos critérios de elegibilidade, pois esse programas

dependem de adesão, seleção e recursos orçamentários por parte do ente promotor/gestor.

154

Por outro, a AUH, enleada à Previdência, constitui-se em um direito que, consequentemente,

é passível de ser exigido por todos que atendam aos critérios de elegibilidade.

Uma vez que o PBF e o IEF não são direitos, mas políticas de assistência e que

dependem de recursos orçamentários para seu funcionamento, seus beneficiários efetivos

são selecionados dentre os indivíduos ou famílias elegíveis. Para o PBF, a seleção ocorre por

intermédio do Cadastro Único (CadÚnico), um banco de dados federal onde famílias em

situação de vulnerabilidade são identificadas e registradas para fins de atendimento em

programas e ações socioassistenciais diversas. No caso do IEF, o instrumento pelo qual

ocorre a seleção de beneficiários é a Ficha de Protección Social (FPS), que, à semelhança

do CadÚnico, também presta-se a identificar e registrar as famílias e indivíduos socialmente

vulneráveis do país. Distinta é a situação quanto ao acesso à AUH. Como se trata de um

direito, todos aqueles elegíveis podem solicitar o recebimento do benefício, bastando para

isso que estejam com seus dados familiares e domiciliares atualizados junto à ANSES.

No que concerne à operacionalização dos programas, o PBF e o IEF assemelham-

se. Ambos os programas são operacionalizados de forma descentralizada, em nível dos

municípios. A AUH, opostamente, tem sua operacionalização centralizada, em âmbito

federal pela ANSES.

O público-alvo desses programas não são exatemente os mesmos, embora integrem

ou constituam os segmentos mais pauperizados da população. O PBF e o IEF enfatizam os

critérios de renda e de condição socioeconômica para delimitar sua assistência, atendendo a

públicos sob indigência, pobreza ou vulnerabilidade. Já a AUH considera a condição laboral

como balizador de seu público, abrangendo desempregados e trabalhadores do setor

doméstico ou em informalidade. Todos os programas são voltados às famílias, enquanto

categoria de assistência. Todavia, o IEF também considera o indivíduo como categoria.

Há, enquanto característica adicional de grande parte dos PTCR atualmente

existentes na América Latina, conforme assinalado anteriormente, um foco no atendimento

à infância. O PBF e a AUH possuem este foco claramente exposto, enquanto o IEF, por outro

lado, não o enfatiza, apesar de também assistir crianças e adolescentes. O foco no

atendimento à infância indica uma maior preocupação com o objetivo de romper a

transmissão intergeracional da pobreza, ou o seu círculo vicioso, mediante a acumulação de

capital humano, que se pretende operar nas crianças e adolescentes através das

155

condicionalidades, principalmente em educação. Deste modo, pode-se considerar que tanto

o PBF quanto a AUH enfatizam este objetivo em seus desenhos institucionais. Além disso,

outro elemento importante de seus desenhos aponta para esta preocupação. Trata-se do

tempo de permanência no programa, que é de no mínimo 2 anos para o PBF (renováveis por

outros iguais períodos) e indeterminado para a AUH, evidenciando uma ênfase de mais

longo prazo em suas estratégias de combate à pobreza. O IEF, ao contrário, não possui um

foco explícito no atendimento à infância, embora almeje estimular o acúmulo de capital

humano nas crianças através de suas condicionalidades na área de educação. Porém, o tempo

de permanência no programa, que é de no máximo 2 anos, é exíguo para pautar uma

estratégia de longo prazo como a requerida a uma pretensa “quebra” da transmissão

intergeracional da pobreza. Ademais, o principal elemento do programa compreende um

plano de estratégias e metas – o Plan de Intervención – pelo qual as famílias devem realizar

“por si mesmas” os esforços para a melhoria de sua situação socioeconômica. Este plano

constitui um elemento de relativo curto prazo, com foco na (re)inserção produtiva e laboral

dos membros da família. Por conseguinte, o IEF afigura-se como um programa cuja

preocupação maior parece ser o auxílio imediato às famílias durante o período no qual elas

estejam se “recuperando” ou buscando esta recuperação.

Obviamente, a existência de uma maior ênfase em determinado objetivo não exclui

a preocupação com o outro. Os PTCR caracterizam-se justamente por possuírem esses dois

objetivos precípuos – alívio/redução da pobreza vigente e quebra de sua transmissão

intergeracional. Contudo, pode ocorrer, e a opinião ora exposta é de que ocorre, certa

prioridade ou ênfase em um desses objetivos, sem prejuízo absoluto do outro, o que se

evidencia por alguns elementos do desenho institucional dos programas, como apontado.

Os valores dos benefícios concedidos não são idênticos para todas as famílias

assistidas pelos programas em questão. No caso do PBF e da AUH, o benefício total pago à

família beneficiária relaciona-se diretamente à sua composição familiar e também à sua

renda. Outrossim, o IEF também considera a composição familiar e a renda para a formação

do montante a ser pago. No entanto, este programa “bonifica” ainda os méritos (ou

êxitos/sucessos) obtidos pelas famílias, de maneira que o valor final do benefício possui um

determinante a mais em relação aos outros programas. De modo geral, para os três programas

ora tratados, quanto maior for a quantidade de filhos menores dependentes (até certo

156

número-limite) e quanto menor for a renda familiar, maior será o montante transferido à

família.

No que concerne ao valor relativo dos benefícios, a Argentina lidera, pois outorga

prestações monetárias cujos montantes são superiores aos concedidos pelo Brasil e Chile.

Considerando-se, por exemplo, o benefício mínimo que uma família pode receber em cada

programa, o PBF outorgaria o valor de R$35,00 (equivalente a 01 Benefício Varíavel,

vinculado à criança de até 15 anos, à gestante ou à nutriz); a AUH, $644,0060 (correspondente

a 01 benefício por dependente menor); e o IEF, $7.000,0061 (relativo a 01 benefício por

frequência escolar ou 01 benefício por controle da saúde da criança). Como proporção do

salário mínimo vigente (em 2014) em cada país, esses valores correspondem a 4,8% (salário

mínimo equivalente a R$724,00), no caso do Brasil; 17,9% (salário mínimo equivalente a

$3.600,00), no caso da Argentina; e 3,1% (salário mínimo equivalente a $225.000,00), no

caso do Chile. Em dólares, os referidos valores equivalem a US$13,48 (PBF), US$74,78

(AUH) e US$11,14 (IEF). Se a taxa de inflação nesses países fosse idêntica, obviamente, o

programa argentino seria o de maior influência na redução e alívio da pobreza, o que só

ratifica a importância da conjuntura macroeconômica. Porém, à parte esta questão (ainda que

importante, mas que exigiria uma análise distinta da que aqui se propõe), a superioridade

relativa do valor dos benefícios da AUH parece indicar uma maior preocupação em outorgar

às famílias beneficiárias uma renda mais próxima de uma renda de cidadania, menos distante

do mínimo atribuível a qualquer trabalhador do país. Enquanto que no PBF o máximo que

uma família beneficiária pode receber corresponde a 46% do salário mínimo brasileiro, na

AUH, este valor é de quase 90% do salário mínimo argentino, podendo mesmo ultrapassá-

lo se houver dependente incapacitado na família.

Os benefícios pagos, em geral, estão associados ao cumprimento de algumas

condicionalidades, as quais desempenham o ofício de contraprestações, pois precisam ser

devidamente realizadas e comprovadas para que o usuário faça jus ao recebimento integral

da prestação monetária. As condicionalidades exigidas pelos três programas em exame

centram-se nos campos de educação e saúde, conquanto haja outras áreas contempladas,

como a assistência social, no caso do PBF, e trabalho, para o IEF. Entretanto, nos três

60 Pesos argentinos.

61 Pesos chilenos.

157

programas existe um componente não condicionado de transferência, ou seja, que não requer

o cumprimento de uma contraprestação. Este componente designa-se às famílias em extrema

pobreza, tanto no PBF quanto no IEF. Já para a AUH, este componente não condicionado

está inserido na própria prestação, uma vez que 20% do valor mensal do benefício devido

aos usuários, são retidos e somente podem ser recebidos sob comprovação das

condicionalidades exigidas. Assim, 80% do valor do benefício da AUH é incondicional.

Cabe frisar, todavia, que as condicionalidades em alguns programas sujeitam não apenas o

recebimento da prestação monetária como também a própria permanência no programa,

como é o caso do PBF.

Enfim, o quadro 9 sintetiza os elementos dos programas discutidos nesta parte,

procurando oferecer um panorama geral a respeito deste tipo de política pública, na América

Latina. Certamente, esses programas não encerram as diferentes arquiteturas que os PTCR

podem assumir, e assumem, nos vários países da região onde estão implantados, mas

expressam modelos diferentes de uma mesma categoria ou instrumento de política social,

favorecendo o reconhecimento de seus elementos característicos e a identificação das formas

distintas como eles podem estar relacionados no sistema de proteção social dos países.

Além dos elementos basilares constitutivos de seus desenhos institucionais, outros

aspectos relevantes que devem ser incorporados à análise comparativa concernem ao

tamanho e à cobertura dos programas tratados. Em seu relatório sobre a proteção social no

mundo, para o biênio 2014/2015, a OIT (2014, p.20) apresenta o nível de gasto (como

percentual do PIB) e a proporção da população (em percentual de indivíduos e de lares)

assistida por algum PTCR de caráter não contributivo, para determinados países latino-

americanos. A OIT empregou informações disponibilizadas na base de dados da CEPAL,

utilizando as informações para os últimos anos disponíveis. Sendo assim, no que interessa à

análise ora realizada, os dados do Brasil e da Argentina referem-se ao ano de 2012 e do

Chile, aos anos de 2011 e 2012. Tais informações são expostas no gráfico 16. Destacam-se,

em amarelo, os países ora examinados – Brasil, Argentina e Chile – e seus PTCR.

158

Quadro 9

Panorama dos PTCR do Brasil, Argentina e Chile

País Brasil Argentina Chile

Programa PBF AUH IEF

Criação 2003 2009 2012

Marco legal MP 132/2003

Lei 10.836/2004

Lei 1.602/2009 Lei 20.595/2012

Abrangência Nacional Nacional Nacional

Caráter Não contributivo Não contributivo Não contributivo

Natureza Não direito Direito Não direito

Órgão responsável MDS ANSES MDS-Ch

Seleção CadÚnico Não há FPS

Operacionalização Descentralizada, em nível

dos municípios

Centralizada, em nível

federal

Descentralizada, em nível

dos municípios

Público-alvo Famílias pobres e

extremamente pobres,

segundo as linhas de

pobreza e extrema

pobreza definida para o

PBF

Famílias que possuam

menores ou

incapacitados

dependentes de

trabalhadores

desempregados, do setor

doméstico ou do

mercado informal de

trabalho

Famílias extremamente

pobres, pessoas e

famílias sob

vulnerabilidade

Foco na infância Sim Sim Não

Tempo de

permanência

Mínimo de 2 anos Não definido Máximo de 2 anos

Objetivo

enfatizado

Quebra do círculo vicioso Quebra do círculo vicioso Alívio da pobreza

Valores dos

benefícios

Variam de acordo com a

renda e a composição

familiar

Variam de acordo com a

renda e a composição

familiar

Variam de acordo com a

renda, a composição

familiar e a obtenção de

“êxitos”

Condicionalidades

Áreas de educação, saúde

e assistência social

Áreas de educação e

saúde

Áreas de educação, saúde

e trabalho

Componente

incondicional

Sim – Benefício Básico Sim – 80% do benefício Sim – Pilar Dignidade

Fonte: MDS, 2014d; MDS, 2014e; BRASIL, 2003; BRASIL, 2004; ANSES, 2013; ANSES, 2014; ANSES,

2014c; ARGENTINA, 2009; MSAL, 2013; LARA & FLORES, 2014; LARA & FLORES, 2014b;

LARRAÑAGA, 2010; MDS-Ch, 2014; CHILE, 2012.

Elaboração própria.

159

Gráfico 16

Nível de gasto e proporção da população atendida por PTCR não contributivo, em países

selecionados da América Latina – 2012*

*No caso do Chile, os dados são referentes aos anos de 2011 e 2012.

Fonte: OIT, 2014.

Segundo o gráfico 16, o nível de gasto empreendido pelo PBF foi de 0,47% do PIB

brasileiro. A esse nível de gasto, o PBF conseguiu atender, no mesmo ano considerado, cerca

de 30% da população total e de 25% dos domicílios do país. A Argentina, por sua vez, possui

um gasto relativo à AUH de 0,54% de seu PIB, contra uma cobertura que se aproxima a 9%

da população e a cerca de 15% das residências do país. Essa diferença – maior nível de gasto

em relação ao PIB associado a uma cobertura menor da população – entre o PBF e a AUH

explica-se pelo valor monetário superior dos benefícios relativos à AUH e a um percentual

menor da população dentro dos critérios de elegibilidade. Enquanto uma família beneficiária

da AUH pode perceber um benefício total de até $3.220,0062 (se possuir o número-limite de

62 Pesos argentinos.

160

5 dependentes menores, não considerando incapacitados, o que perfaria um montante maior),

valor que corresponde a 89,4% do SMVM (Salario Mínimo Vital y Móvil – o salário mínimo

argentino) em 2014, uma família beneficiária do PBF contaria com um benefício máximo

de R$336,00 (desde que classificada como extremamente pobre, montante equivalente ao

Benefício Básico somado ao valor máximo atribuível à composição familiar – pelo menos 5

membros entre crianças, gestantes e nutrizes, mais 2 adolescentes de 16 ou 17 anos), valor

total correspondente a 46,4% do salário mínimo brasileiro, em 2014 (caso tais famílias

superem a linha de extrema pobreza a partir destas transferências, do contrário, cada família

recebe um acréscimo de renda, correspondente ao BSP, para ultrapassar tal linha). Em

dólares, o valor máximo referente à AUH equivale a US$376,00 e o referente ao PBF, a

US$124,00, o que perfaz um montante mais de três vezes inferior ao primeiro.

O IEF está representado junto com o Chile Solidario, nos dados referentes ao gasto

dos programas e à cobertura. Assim, o Chile apresenta, para essas duas políticas somadas,

um de 0,29% de seu PIB e uma cobertura que compreende cerca de 9% dos domicílios e

11% da população. Dentre os três países ora tratados, é o Chile que detém o menor dispêndio

(como proporção do PIB) com seus programas de transferência condicionada, mas também

é aquele que exibe a menor cobertura. O Brasil é o país que apresenta a melhor relação gasto

x cobertura, exibindo um bom equilíbrio entre ambos os elementos.

Em síntese, o rol de elementos apontados e cotejados dos programas em foco –

PBF, AUH e IEF – evidencia que eles detêm diferentes conformações e divergem em certos

aspectos de seus desenhos institucionais. Entretanto, eles possuem os componentes

constitutivos fundamentais característicos deste gênero de política, que são: a focalização na

parcela mais pauperizada da população, as transferências monetárias e as condicionalidades

em educação e saúde para o recebimento das prestações e, em certos casos, a permanência

no programa. Ademais, também evidenciam-se importantes pontos de similitude entre eles,

como o caráter não contributivo de seus benefícios e a existência de um componente não

condicionado de transferência.

161

3.2. A proteção social e a inserção dos PTCR

Embora não tenha chegado à edificação de um Estado Social na América Latina

análogo ao modelo europeu, a proteção social que emergiu no continente latino vocacionava-

se nos parâmetros do referido modelo, quais sejam, universalidade e incondicionalidade,

pois, como lembrava Castel (2011b), já referido no capítulo 1, a diferença entre os sistemas

europeu e latino-americano parecia ser mais de grau do que de natureza.

Segundo Mattei (2010), procurou-se construir na América Latina uma proteção de

caráter universal e incondicional. Apesar dessa aspiração, o que acabou se constituindo foi

uma proteção parcial, que não alcançou verdadeiramente a universalidade. Isto porque, na

América Latina, ao contrário da Europa Ocidental, não se formou uma sociedade salarial

plena. Considerando-se que o Welfare State fundamentara-se sobre as bases do estatuto do

emprego, de uma sociedade onde o assalariamento se consolidou, isto é, onde se estruturou

uma sociedade salarial de fato, é nítido o porquê da distância entre a proteção aqui construída

e o seu modelo “ideal”. No continente latino, como característica estrutural, o mundo do

trabalho sempre foi segmentado e marcado por altas taxas de informalidade e desocupação.

A proteção social nas sociedades latino-americanas foi erigida para o mercado formal de

trabalho, do qual grande parte da população do continente não fazia e não faz parte. Em vista

disso, o social na América Latina nunca conseguiu ser efetivamente universal.

Persistia a aspiração à universalidade, porém, como argumentam Silva, Yazbek e

Giovanni (2012), tal pretensão foi colocada de lado, quando do assentamento da doutrina

neoliberal no continente, a partir da década de 1980, mas, principalmente, nos anos de 1990.

Em muitos países latinos, o social era ainda bastante embrionário quando o afluxo neoliberal

de privatização se fez sentir. Os sistemas mais frágeis cederam à mercantilização de suas

proteções. Nesses sistemas, quando os PTCR são introduzidos (a partir de meados da década

de 1990, mas principalmente nos anos 2000), como instrumento de combate à pobreza, eles

assumem um papel destacado como política pública e impõem sua conformação como nova

configuração do social. Há, portanto, uma alteração da lógica da proteção nesses países, onde

o social é parcial ou totalmente mercantil. Ao Estado cabe voltar-se aos cuidados com os

inválidos, se miseráveis, e aos miseráveis, se válidos, mas a estes últimos o fará por meio

dos PTCR, condicionando a concessão de seus benefícios.

162

A introdução dos PTCR equivale à inserção de uma outra lógica na concessão das

proteções na América Latina. Enquanto que a lógica prévia, a do Estado Social, tem por

parâmetros a universalidade, incondicionalidade e cidadania; esta outra lógica, a dos PTCR,

pauta-se na focalização, condicionalidade e necessidade. O ponto é se a introdução desta

outra lógica anula, altera ou apenas coabita com a lógica precedente. Como já indicado, no

caso de alguns países do continente, a introdução da nova lógica altera a antiga. Entretanto,

esse não é o caso dos países aqui examinados.

Para o Brasil, Argentina e Chile, a inclusão dos PTCR não determinou uma

substituição de outros componentes do social; ao contrário, esse tipo de programa opera de

maneira complementar aos sistemas. No caso do Brasil, o PBF abrange populações que

geralmente não são contempladas pela proteção clássica, uma vez que esta, como já

ressaltado, direciona-se essencialmente a trabalhadores com vínculos formais ou

contributivos. Trabalhadores informais ou precarizados, assim como suas famílias, não têm

acesso a rendas substitutivas. Neste sentido, programas de transferência não contributiva,

como o PBF, promovem uma garantia de renda mínima de subsistência. Mesmo se

considerada a área da Saúde, sendo de acesso universal e gratuito, com frequência seus

serviços não chegam a certas populações muito pauperizadas e residentes em regiões pobres.

No entanto, através do PBF pode ser possibilitado um melhor acesso a essas populações,

posto que um de seus componentes fundamentais trata-se justamente das condicionalidades

em saúde, que exigem contrapartidas das famílias, bem como, o que é crucial para a

ampliação da oferta, a responsabilização do poder público em promover as condições

necessárias para que as famílias tenham acesso ao sistema e possam realizar as

condicionalidades requeridas. O social no Brasil permanece pautado sobre um sistema

essencialmente público, com participação privada complementar ou concorrencial,

atendendo nos ramos de previdência, saúde e assistência. Com a introdução de um

instrumento de transferência condicionada, representado pelo PBF, adiciona-se ao sistema

de proteção um componente de assistência a famílias não cobertas, ou com acesso precário,

aos demais componentes do social. Portanto, não há uma mudança na natureza própria do

sistema.

De modo similar, o programa argentino, a AUH, também funciona como um

complemento ao sistema de proteção social do país. Tal programa é voltado especificamente

para aquelas famílias desvinculadas do mercado formal e que, por isso, não tinham acesso a

163

determinados mecanismos de proteção. Também neste caso, à semelhança do Brasil, a AUH

é complementar ao sistema e não substitutiva. No entanto, há uma diferença fundamental

entre o PBF e a AUH. O primeiro está inserido no ramo da Assistência e sua natureza legal

é de um não direito, funcionando como uma política pública não contributiva. O segundo,

diferentemente, consiste em um direito exigível e está configurado no ramo previdenciário.

Desta forma, a AUH, vis-à-vis o PBF, encontra-se melhor institucionalizada no sistema de

proteção social de seu país. Assim, nota-se que a introdução de um PTCR na Argentina, a

AUH no caso, não alterou a natureza do social em si. A proteção no país manteve sua

estrutura e seus parâmetros gerais, muitos deles recuperados com a (re)estatização de parte

do sistema operada em 2008.

Quanto ao Chile, sua proteção social é distinta em relação aos outros dois países

tratados, pois é de caráter misto, isto é, com simultânea promoção estatal e privada de

mecanismos de proteção. O Estado oferta proteções principalmente às populações mais

pauperizadas e também àquelas que não têm acesso aos meios e serviços oferecidos pelo

mercado. Neste sentido, o PTCR existente no país – o IEF, no caso – efetiva mais um tipo

de política estatal focalizada nessas populações. É, portanto, um complemento ao sistema,

não alterando substancialmente sua natureza. Se houve alteração na natureza da proteção

chilena, esta foi operada antes da introdução dos PTCR, quando da privatização de parte de

seu sistema, na década de 1980, pela reforma neoliberal então realizada.

Há, portanto, uma coexistência, no caso dos três países tratados, entre políticas de

caráter universal e políticas de caráter focalizado. A inclusão dos PTCR não significou uma

mudança substantiva na natureza do social nesses países. Configurou, de fato, um tipo de

proteção híbrida, mesclando-se o público e o privado, o universal e o focalizado, o

incondicional e a contraprestação, o direito e o obséquio.

Por outro lado, pode-se considerar que, concernente a uma outra considerável parte

da região latino-americana (principalmente, nos países mais pobres onde os sistemas de

proteção social, mesmo antes das reformas, eram muito embrionários e frágeis) tal alteração

ocorreu ou é mais pronunciada.

164

4. AS CONDICIONALIDADES E OS OBJETIVOS DOS PTCR: ALGUMAS

CONSIDERAÇÕES

Neste último capítulo, discorre-se acerca das condicionalidades – enquanto

característica medular da arquitetura dos PTCR – e dos dois objetivos principais que este

tipo de programa almeja. O objetivo, então, é realizar uma análise adicional, pontuando

algumas considerações acerca desses elementos (condicionalidades e objetivos principais),

por considerá-los de crucial relevância no desenho dos PTCR.

Duas seções compõem o presente capítulo. A primeira é dedicada ao debate a

respeito das condicionalidades exigidas pelos PTCR, no papel que desempenham como

contraprestações obrigatórias para o recebimento do benefício monetário. A partir das

condicionalidades, impõe-se a discussão acerca do processo de permuta que a

contraprestação determina, uma vez que por ela se estabelece uma espécie de

mercantilização do social, onde a lógica de mercado insere-se em seu domínio, sob um

sistema de “toma lá, dá cá”. Por outro lado, discute-se também o objetivo perseguido pelas

condicionalidades (segundo a concepção de seus proponentes), qual seja, romper a

transmissão intergeracional da pobreza, ou o seu “círculo vicioso”, mediante o acúmulo de

capital humano nas crianças e adolescentes das famílias assistidas, de forma que, no futuro,

elas superem a condição de pobreza na qual suas famílias se encontram hodiernamente. Esta

concepção entende que a pobreza é determinada pela baixa escolaridade dos chefes das

famílias pobres e que o aumento da escolaridade das crianças de hoje permitiria que elas se

tornassem adultos não pobres amanhã. Em suma, as condicionalidades nos PTCR enfatizam

a educação como um determinante da pobreza e o mérito, no lugar da cidadania, como

condição para recebimento integral do benefício.

A seção seguinte apresenta e analisa dados sobre os dois principais objetivos

almejados pelos PTCR, que são a diminuição da pobreza vigente e sua superação

intergeracional. Discutem-se esses objetivos a partir do enfoque temporal que pressupõem:

de curto prazo, no intuito de promover a diminuição da pobreza vigente; e de longo prazo,

no intento de alcançar a superação da pobreza, através do rompimento de sua transmissão

entre gerações.

165

4.1. As condicionalidades e a mercantilização do social

Uma das características fundamentais dos PTCR – além da focalização nos

segmentos mais pauperizados da população e das transferências em dinheiro – consiste

justamente na existência de condicionalidades enleadas ao pagamento das prestações

pecuniárias. As condicionalidades correspondem a certas contrapartidas impostas às famílias

atendidas, cujo cumprimento é compulsório para o recebimento da transferência e, em alguns

casos, também para a permanência no programa. Como já explicitado em diversas

oportunidades ao longo do trabalho, as condicionalidades desempenham o papel de

contraprestações, pois a percepção (parcial ou integral) do benefício condiciona-se ao

cumprimento e comprovação dessas “corresponsabilidades” ante os órgãos encarregados de

controlá-las.

De acordo com a noção admitida por seus idealizadores, as condicionalidades nos

PTCR almejam promover a quebra da transmissão intergeracional da pobreza – o que

corresponde a um dos objetivos cruciais desses programas – rompendo seu círculo vicioso e

alcançando, enfim, sua superação, através do fomento ao acúmulo de capital humano nas

crianças e adolescentes das famílias beneficiárias. O entendimento por trás dessa pretensão

considera a pobreza como determinada pelo baixo grau de escolaridade dos chefes das

famílias, uma vez que supõe a renda como função crescente do nível de instrução formal.

Assim, a atenção dedicada às crianças pobres de hoje, através das condicionalidades

(principalmente em educação), para que tenham maior escolaridade quando adultos amanhã

e consigam (como pontifica tal premissa) uma melhor inserção laboral (vis-à-vis seus pais),

possibilitar-lhes-á a superação da pobreza, no futuro. A educação, portanto, emerge nesse

contexto como um determinante da condição de pobreza.

Ademais, o mérito, o esforço e a responsabilidade individual ascendem à posição

de dever para fazer jus ao auxílio da política social, em detrimento da cidadania e da

solidariedade como seus determinantes de outrora. Esta conformação do social é congruente

com o pensamento atualmente hegemônico, resultante do processo de crescente

individualização da sociedade, onde o sujeito é responsável e responsabilizado por sua

situação nos diferentes âmbitos da vida, como o pessoal, o socioeconômico e o laboral.

Sob este cenário, ao atuarem como contraprestações aos benefícios monetários dos

programas, as condicionalidades acarretam um tipo de transação entre a necessidade do

166

usuário e a assistência do social. O que previamente encontrava-se, não sem conflitos e

conquistas árduas, no domínio do direito e da solidariedade transfere-se para o campo da

permuta, da lógica mercantil; mercantiliza-se, assim, o social.

No que tange aos PTCR considerados neste trabalho, a lógica mercantil das

condicionalidades se afirma. No caso da AUH, o deslocamento do campo do direito para o

da permuta é nítido. Este programa pertence ao subsistema não contributivo do regime de

Asignaciones Familiares argentino, o qual também realiza transferências de caráter

contributivo em seu outro subsistema. As transferências de ambos os subsistemas

constituem-se em direitos exigíveis pelo público elegível. Todavia, aqueles que se encontram

sob o subsistema não contributivo, conquanto possuam o direito às prestações integrais (à

semelhança dos usuários do outro subsistema), devem cumprir as condicionalidades

determinadas para “merecerem” o recebimento integral do benefício.

O PBF e o IEF, embora não conformem direitos, exigem igualmente o

“merecimento” por parte dos beneficiários para fazer jus às transferências monetárias. Este

merecimento exprime-se pela obrigatoriedade no cumprimento das contrapartidas em

educação e saúde das crianças e mediante o esforço individual expresso por bom rendimento

escolar e iniciativa de trabalho, especificamente no caso do IEF. Uma vez que estes

programas abrangem famílias e indivíduos não incapacitados e, em geral, em idade laboral,

com exceção dos menores, a assistência a eles não se encontra socialmente legitimada, ao

contrário da assistência aos deficientes, idosos e enfermos. Desse modo, há um gênero de

pensamento social que condena o auxílio “gratuito” a pessoas que poderiam, ou deveriam,

estar trabalhando. Logo, as condicionalidades representam também este esforço, ou

“retribuição”, que certa ideologia social exige como justificativa para a assistência estatal

válidos pobres ou socioeconomicamente vulneráveis.

O papel de retribuição ou de compensação – em outras palavras, de “moeda de

troca” – pelo benefício estatal concedido é habilmente desempenhado pelas

condicionalidades. Elas conseguem justificar e legitimar socialmente (embora não sem

resistências) a concessão do auxílio monetário, à medida em que se propõem não somente

como tarefa a ser cumprida pelos beneficiários mas também, e principalmente (consoante ao

pensamento de seus idealizadores), como tratamento ao suposto imo da condição de pobreza,

167

qual seria, a pouca instrução que caracteriza os chefes das famílias pobres e que condena

seus filhos a um ciclo inexorável de carências.

Conquanto o papel (pode-se dizer acessório) de “moeda de troca” seja bem operado

pelas condicionalidades, seu objetivo fundamental – romper a transmissão intergeracional

da pobreza – não é passível de um julgamento de mesma espécie, até o momento. Isto porque

a própria natureza desse objetivo impõe uma estratégia de longo prazo aos programas e, em

consequência, à atuação das condicionalidades sobre as famílias e indivíduos beneficiários.

Em vista disso, como os programas ora tratados são políticas relativamente jovens, torna-se

ínvio avaliá-los nessa esfera.

4.2. Diminuição e superação da pobreza

Esta seção pretende analisar e discutir os dois objetivos cruciais perseguidos pelo

PBF, AUH e IEF e que são característicos dos PTCR, enquanto gênero de política social.

Tais objetivos consistem na redução da pobreza vigente e na sua superação, através do

rompimento de sua transmissão intergeracional. A redução da pobreza configura uma

preocupação de curto prazo, almejando o alívio da intensidade da pobreza bem como sua

diminuição em termos de contingente populacional. Contrariamente, sua superação

representa uma meta de médio a longo prazo, pois implica um processo de acúmulo de

capital humano nas crianças beneficiárias dos programas. Em vista disso, evidencia-se uma

bifurcação temporal no que diz respeito à estratégia de enfrentamento da condição de

pobreza que afeta os beneficiários. Como anteriormente exposto neste trabalho, tem-se que,

de um lado, combate-se à pobreza, através das prestações pecuniárias outorgadas às famílias,

visando ao declínio do contingente populacional sob pobreza e indigência. De outro,

procura-se confrontar, mediante as condicionalidades, a raiz e fonte de reprodução da

pobreza, que consistiria na baixa escolaridade caracterizadora dessa população.

Sob este contexto, busca-se avaliar os objetivos perseguidos pelos PTCR, partindo-

se de seu enfoque temporal, através de uma breve exposição de alguns dados afins, bem

como de um ensaio de discussão e análise em torno dos objetivos, premissas e estratégias

empreendidas, para os três países considerados bem como para os programas ora tratados.

168

4.2.1. O curto prazo: diminuição e alívio da pobreza vigente

O enfoque de curto prazo dos PTCR reside no objetivo de alívio imediato da

pobreza vigente, buscando-se elevar o orçamento da família assistida, mediante a

transferência monetária. Conquanto o valor dos benefícios varie bastante, não apenas de país

para país como também entre as famílias beneficiárias, o valor médio das prestações

concedidas é, em geral, baixo quando cotejado à renda média das famílias não pobres, como

observa Mattei (2010, p.14).

Nos últimos trinta anos, segundo o referido autor (2010, p.18), principalmente como

produto das políticas neoliberais implantadas na década de 1980, a América Latina enfrentou

frequentes crises econômicas, associadas a baixo crescimento, aumento da precarização e do

desemprego, etc.; são aspectos conjunturais que se somam ao componente estrutural da

pobreza marcante e histórica do continente. Esse cenário afetou profundamente a condição

social da região, recrudescendo a pobreza e indigência nos países latino-americanos.

Em consonância ao que já fora exposto na seção 6 do capítulo 1, a partir dos anos

de 1980, os sistemas de proteção social na América Latina, em diversos de seus países,

começaram a sofrer processos de mercantilização, tendo sido privatizados, em parte ou

totalmente, ou ainda abertos à participação do mercado (MARQUES, 2014). Quase que

invariavelmente, tais processos produziram uma massa populacional desprotegida, sem

acesso – ou com acesso insuficiente – a serviços básicos de saúde e previdência, agravando

sobremaneira a pobreza e indigência na região. Diante desse cenário, na década de 1990, os

primeiros PTCR emergem em alguns países da América Latina, porém, com um caráter

fortemente segmentado e compensatório, para minimizar as mazelas que a adoção de

políticas neoliberais, tanto de cunho econômico quanto social, já faziam sentir no continente.

A partir da década de 2000, porém, esse gênero de programas adquiriu um caráter massivo,

abrangendo não apenas segmentos populacionais pauperizados, mas contingentes cada vez

maiores da população pobre e vulnerável. Em vista disso, em diversos países latinos, os

PTCR passaram a representar uma forma de garantir minimamente o acesso a serviços

básicos de proteção social (saúde e educação, principalmente), por meio das

condicionalidades e outras ações vinculadas aos programas.

Sob esse quadro conjuntural, consoante a Mattei (2010, p.19), no início do século

XXI, a América Latina experimenta um novo ciclo de expansão econômica e passa a

169

vivenciar reduções no contingente populacional sob pobreza e indigência. No entanto, como

pondera o autor, a diminuição observada no patamar de pobres e indigentes não deve ser

unicamente creditada ao crescimento experimentado, uma vez que diversos PTCR já

operavam desde a década de 1990. Esses programas constituíram-se em elementos

importantes nesse processo de redução da pobreza e indigência no continente. Ao que parece,

a existência desses programas não apenas colaborou, em alguma medida, para a redução da

pobreza ao longo da década, como também, concorreu para que não houvesse piores

agravamentos da pobreza, quando das crises econômicas que alguns países latino-

americanos enfrentaram no início dos anos 2000.

Dados dos últimos anos da década de 2000 corroboram o processo de diminuição

no patamar de pobreza na América Latina. Segundo Mattei (2010), em termos de população

e espaço, em 2008 os PTCR alcançavam aproximadamente 28,5 milhões de famílias, ou

cerca de 114 milhões de pessoas, nos 18 países latino-americanos onde estavam então

implantados. Sendo a população da América Latina, naquele ano, da ordem de 564 milhões

de habitantes (WORLD BANK, 2014), infere-se que mais de 20% da população encontrava-

se vinculada a algum programa de transferência condicionada de renda. Desse ano até o

presente, muitos PTCR ampliaram sua cobertura e abrangência, alcançando um número cada

vez maior de famílias elegíveis. Este é o caso, por exemplo, do PBF que, como exposto em

sua descrição no capítulo 2, abarca atualmente (2014) mais de 14 milhões de famílias,

quando em 2008 (dezembro) esse número era da ordem de 10,5 milhões. Logo, no contexto

recente da América Latina, os PTCR mostram-se uma realidade presente na vida de milhões

de pessoas em estado de indigência, precariedade e pobreza, que deles dependem de maneira

vital.

Como destacado por Mattei (2010) e Cecchini & Madariaga (2011), esses

programas têm importante participação no processo recente de redução dos níveis de pobreza

e indigência observados na América Latina e Caribe, na última década. Podem-se observar

no gráfico 17 tanto a taxa de incidência de extrema pobreza quanto a população

extremamente pobre (ou indigente), que diminuíram em 62% e 48%, respectivamente,

durante o período de 1990 a 2011, atingindo o patamar (para o último ano disponível) de

4,6% e 27,6 milhões de pessoas sob extrema pobreza no continente, segundo dados do Banco

Mundial.

170

Gráfico 17

América Latina e Caribe: incidência de extrema pobreza a US$1,25 dia/pessoa

Fonte: WORLD BANK, 2014.

Gráfico 18

América Latina e Caribe: incidência de pobreza a US$2,50 dia/pessoa

Fonte: WORLD BANK, 2014.

Semelhantemente à indigência na região, o patamar de pobreza também apresentou

declínio, ao longo do período de 1990 a 2011, considerando a linha de US$2,50 ao dia por

53,4 52,5 53,660,1 62,7

47,6

36,932,3

27,6

12,211,4 11,1

11,9 11,9

8,7

6,5

5,5

4,6

0

2

4

6

8

10

12

14

0

10

20

30

40

50

60

70

1990 1993 1996 1999 2002 2005 2008 2010 2011

Ta

xa

de

inci

dên

cia

(%

) d

e ex

trem

a

po

bre

za

(in

dig

ênci

a)

Mil

es

Milhões de pobres extremos (indigentes) Percentual de pobres extremos (indigentes)

128,3 128,5 132,4 139,4 143,6

116,4

90,5 83,2 79,4

29,427,9 27,4 27,5 27,2

21,2

15,914,3

13,3

0

5

10

15

20

25

30

35

0

20

40

60

80

100

120

140

160

1990 1993 1996 1999 2002 2005 2008 2010 2011

Ta

xa

de

inci

dên

cia

(%

) d

e p

ob

reza

Mil

es

Milhões de pobres Percentual de pobres

171

pessoa, preconizada pelo Banco Mundial. O gráfico 18 expõe os dados. No período retratado,

a queda no percentual de pobres foi em torno de 55%, enquanto que a queda na quantidade

de pessoas em pobreza foi da ordem de 38%.

Tais processos de redução nos contingentes populacionais vivendo sob indigência ou

pobreza (considerando as linhas de US$1,25 e US$2,50, respectivamente, empregadas pelo

Banco Mundial), na América Latina, são similarmente notados nos três países analisados

neste trabalho, como se pode observar nos gráficos 19 a 24. Apresentam-se os gráficos

relativos à Argentina, Chile e, por fim, ao Brasil.

Gráfico 19

Argentina: incidência de extrema pobreza a US$1,25 dia/pessoa

Fonte: WORLD BANK, 2014b.

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

14,0

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

4,0

4,5

5,0

Ta

xa

de

inci

dên

cia

(%

) d

e ex

trem

a p

ob

reza

(in

dig

ênci

a)

Mil

es

Milhões de pobres extremos (indigentes) Percentual de pobres extremos (indigentes)

172

Gráfico 20

Argentina: incidência de pobreza a US$2,50 dia/pessoa

Fonte: WORLD BANK, 2014b.

Gráfico 21

Chile: incidência de extrema pobreza a US$1,25 dia/pessoa

Fonte: WORLD BANK, 2014c.

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

Ta

xa

de

inci

dên

cia

(%

) d

e p

ob

reza

Mil

es

Milhões de pobres Percentual de pobres

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

0,0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

1990 1992 1994 1996 1998 2000 2003 2006 2009 2011 Ta

xa

de

inci

dên

cia

(%

) d

e ex

trem

a p

ob

reza

(in

dig

ênci

a)

Mil

es

Milhões de pobres extremos (indigentes) Percentual de pobres extremos (indigentes)

173

Gráfico 22

Chile: incidência de pobreza a US$2,50 dia/pessoa

Fonte: WORLD BANK, 2014c.

Gráfico 23

Brasil: incidência de extrema pobreza a US$1,25 dia/pessoa

Fonte: WORLD BANK, 2014d.

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

1990 1992 1994 1996 1998 2000 2003 2006 2009 2011

Ta

xa

de

inci

dên

cia

(%

) d

e p

ob

reza

Mil

es

Milhões de pobres Percentual de pobres

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

14,0

16,0

18,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

Ta

xa

de

inci

dên

cia

(%

) d

e ex

trem

a p

ob

reza

(in

dig

ênci

a)

Mil

es

Milhões de pobres extremos (indigentes) Percentual de pobres extremos (indigentes)

174

Gráfico 24

Brasil: incidência de pobreza a US$2,50 dia/pessoa

Fonte: WORLD BANK, 2014d.

Diante das considerações colocadas e dos dados apresentados, pode-se afiançar que

o enfoque de curto prazo dos PTCR aponta para resultados positivos, no que tange ao seu

propósito de alívio imediato da pobreza vigente pela via das transferências monetárias às

famílias atendidas. Este objetivo constitui-se em uma meta de curto prazo viável e já tangível

em diversos países onde esse tipo de programa funciona. Outrossim, os três países

examinados nesta dissertação apresentam importantes declínios na pobreza e indigência,

para os quais os PTCR existentes contribuíram.

4.2.2. O longo prazo: superação da pobreza

Na esfera temporal de longo prazo, os PTCR possuem um objetivo que pode ser

adjetivado como “ambicioso”. Eles pretendem alcançar a superação da pobreza,

desenvolvendo o capital humano das famílias assistidas, principalmente de seus membros

menores de idade. Como afirmado em trechos anteriores deste trabalho, busca-se operar tal

desenvolvimento através das condicionalidades exigidas pelos programas, precipuamente

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

Ta

xa

de

inci

dên

cia

(%

) d

e p

ob

reza

Mil

es

Milhões de pobres Percentual de pobres

175

daquelas pertencentes à área de educação. Sustenta este objetivo a premissa de que a renda

seria uma função crescente do nível de instrução do indivíduo e que, em consequência, a

pobreza derivaria da pouca ou nenhuma formação educacional dos sujeitos pobres e

vulneráveis, pois, impossibilitar-lhes-ia uma boa inserção no mercado laboral. Havendo o

pressuposto de que o nível educacional dos filhos tem como um de seus determinantes o

respectivo nível dos pais, o que implica a transmissão da pobreza entre gerações, engendra-

se a necessidade de quebrar tal transmissão. O rompimento da transmissão intergeracional

da pobreza ocorrerá uma vez que as crianças pobres assistidas hoje, ao acumular capital

humano e maior grau de escolaridade, tornar-se-ão adultos com melhor condição

educacional, em oposição aos seus pais, tendo acesso a melhores colocações no mercado de

trabalho e, consequentemente, a maiores rendas, superando a pobreza. Por esta fórmula é

que se pretende quebrar a transmissão da pobreza entre as gerações, superando-a de maneira

definitiva.

Não obstante, para além da prevalência da educação, enquanto determinante da

pobreza (segundo a referida abordagem), o objetivo de longo prazo dos PTCR pressupõe o

esforço e o mérito individual como motores da condição socioeconômica do indivíduo. Esta

perspectiva é concorde ao pensamento hodiernamente dominante – cujo alicerce está

cimentado no processo corrente de individualização da sociedade e na preponderância da

doutrina (neo)liberal – o qual postula que o indivíduo deve ser responsável (e também

responsabilizado) por sua condição pessoal, socioeconômica e ainda profissional.

Não se pretende negar ou inabilitar os impactos que os PTCR, efetiva e

potencialmente, possuem ou exercem (via condicionalidades), precipuamente, nos aspectos

relacionados à saúde e à educação das famílias atendidas. Além disso, esses programas

tendem não apenas a ampliar a participação das famílias nessas áreas, como também a

expandir a própria oferta de serviços públicos de saúde e educação, garantindo, em certa

medida, o acesso à proteção social para a parcela mais pauperizada da população. Isto

porque, frequentemente, a operacionalização desses programas impõe aos municípios ou

províncias a responsabilidade pela concessão dos serviços referidos.

No entanto, o postulado assumido pelo enfoque de longo prazo dos PTCR é

insuficiente para alcançar o objetivo “ambicioso” a que esses programas se propõem, pois

passa ao largo de aspectos estruturais da pobreza no continente latino-americano, como a

176

própria constituição histórica da região e a questão da concentração de renda. A América

Latina possui como legado comum um passado histórico de exploração colonial, sujeita por

longo período ao domínio ibérico. Desde seu limiar, a pobreza instala-se no continente em

oposição à opulência dos colonizadores e proporcionalmente à exploração metropolitana.

No decorrer do tempo, a pobreza apenas foi evidenciando seu caráter estrutural,

confirmando-se na paisagem da região sob os diferentes modos de produção, regimes

políticos, tipos de Estado, conjunturas econômicas e mesmo graus de institucionalização do

social pelos quais passara o continente.

Outrossim, a concentração de renda coloca-se como característica estrutural (e

também um legado histórico) da América Latina, região que possui algumas das mais

elevadas taxas de desigualdade do mundo, ainda atualmente. A desigualdade de renda em

alto patamar é um determinante substancial da pobreza, na medida em que reflete a má

distribuição da riqueza gerada e a estrutura tributária regressiva (marcantes nesses países),

em prejuízo dos mais pobres.

Isto posto, parece escapar aos adeptos da doutrina (neo)liberal e aos proponentes

dos PTCR que as raízes da pobreza constituem-se em elementos histórico e socialmente

incrustados nas estruturas mesmas das sociedades latino-americanas. Ademais, as direções

de políticas, tanto as econômicas quanto as sociais, ao longo das três últimas décadas

particularmente, concorreram sobremaneira para o recrudescimento ou no mínimo para a

manutenção da pobreza, enquanto um traço distintivo do continente. Deste modo, o aspecto

conjuntural também é importante na determinação da magnitude da pobreza. Ambos os

aspectos da pobreza, o estrutural e o conjuntural, associam-se de maneira fundamental em

sua determinação, para além do que possa representar uma suposta incapacidade individual

ou carência de capital humano. A ordem de causação é justamente a oposta da sugerida pelo

discurso prevalente. A falta ou escassez de capitais humanos, característica dos pobres, não

é o fator que determina sua condição de pobreza. Ao contrário, é a pobreza do pobre que lhe

impede, ou lhe dificulta, acumular tais capitais e fazer frente às exigências que o capital “não

humano” impõe. Portanto, infere-se que a superação da pobreza pela via das

condicionalidades, responsabilizando unicamente os sujeitos por sua condição, é um

objetivo pretencioso e distante de ser efetivado, pois desconsidera as causas mais

elementares e profundas que determinam o status de instituição que a pobreza e a miséria

desfrutam na América Latina.

177

CONCLUSÕES

Desde o orto das sociedades humanas, a proteção social está presente. Sob

diferentes formas e nas diversas épocas, as eventualidades e riscos de natureza biológica e

mesmo social – como a morte, a doença, a velhice, a miséria – sempre foram objeto de

alguma espécie de cuidado por parte do entorno social (seja este a tribo, a família, a

vizinhança, a igreja, etc.). De formas primitivas a formas sofisticadas, os sistemas de

proteção social foram se desenvolvendo juntamente com as sociedades nas quais emergiram.

O desenvolvimento desses sistemas levou-os a uma progressiva institucionalização, cuja

plenitude fora alcançada sob a configuração do Estado Social, nas sociedades europeias

ocidentais dos anos de ouro do capitalismo. A institucionalização do social, sob o Estado de

Bem-Estar, alçou-o ao patamar de direito, retirando-o do domínio da generosidade e da

dependência. Deste modo, o social passou a ter na cidadania o fundamento de sua atenção,

promovendo proteções universais e incondicionais.

Entretanto, desde a década de 1970, quando os anos gloriosos do capitalismo deram

lugar a uma crise sistêmica do próprio modo de produção – assim como à retomada da

hegemonia (neo)liberal e à paulatina desconstrução do “coletivo” (edificado no pacto social

do pós-Guerra) – o modelo de proteção social de caráter universal e incondicional,

conformado no Welfare State, passou a ser crescentemente questionado e ideologicamente

combatido.

A nova feição que o mundo do trabalho tem assumido desde então – caracterizada

por desemprego de longa duração, precarização laboral e informalidade – ao concorrer

diretamente contra a base contributiva que sustenta parte das proteções, coloca-se como um

empecilho concreto ante a natureza universalista do Estado Social. Ademais, acrescida a

dominância ideológica do neoliberalismo, tem-se como resultado o progressivo acirramento

do debate acerca do porvir dos sistemas de proteção social, bem como do próprio papel social

do Estado.

Em face das dificuldades impostas pela crise do sistema, das novas demandas que

se afiguram no ideário prevalente e do processo de individualização da sociedade, o social é

impelido a reorientar sua atuação. Novos parâmetros são, assim, colocados para o social. No

178

lugar da universalidade, a focalização; da incondicionalidade, a contrapartida; da cidadania,

a necessidade; e do direito, o obséquio.

Segundo a concepção neoliberal, há uma senda para viabilizar o social

contemporaneamente: mercantilizar sua atuação, via mercado, e focalizar suas ações apenas

naqueles indivíduos incapacitados para o trabalho e naqueles sob indigência, sendo que aos

últimos, deve condicionar os benefícios que lhes conceder.

Nesse quadro, emergiram e se propagaram as propostas de uma renda mínima

garantida, enquanto uma opção substitutiva (para a vertente neoliberal) ou complementar

(para a vertente progressista) ao conjunto de proteções, benefícios e serviços promovido pelo

Estado Social. Em um primeiro momento, as propostas de renda mínima apresentaram um

caráter universalista, mas logo voltaram-se à focalização nos mais pauperizados. Essa renda

mínima, uma vez focalizada nos indigentes, deve exigir uma contrapartida.

Nos países avançados, onde o Estado Social se consolidou fortemente, o social tem

mantido sua natureza universalizante, embora já não com a força de outrora e cada vez mais

circunvalado pelos novos imperativos que lhe são colocados. Nos países em

desenvolvimento, contudo, e na América Latina, particularmente, onde nem mesmo se

configurou um Estado de Bem-Estar propriamente dito, os apelos neoliberais à privatização

do social e à focalização são mais audíveis, bem como são menores as resistências. Por isso,

já na década de 1980, iniciou-se na América Latina um processo de privatização do social,

que se alastrou por diversos países da região nas duas décadas seguintes. Esses países

privatizaram parte ou a totalidade de seus sistemas de proteção social, reduzindo o papel

social do Estado, como bem ensina a doutrina neoliberal. Aos Estados “sobrou” o ofício de

atender aos incapacitados e aos miseráveis. Aos primeiros, a prestação do social é um

imperativo e um direito, pois são inaptos ao trabalho. Aos outros, a prestação do social é

uma opção política, uma “benesse” de governo, uma sorte de “cortesia”. Além disso, aos

não incapacitados qualquer benefício monetário deve ter uma contrapartida por parte do

beneficiado, toda prestação deve exigir uma contraprestação. O benefício, assim, constituirá

uma renda mínima de subsistência, enleada a certas condicionalidades para o seu

recebimento. Esse desenho de política conformará os PTCR, que já a partir da década de

1990 estarão presentes, mas principalmente a partir dos anos 2000, disseminar-se-ão por

diversos países do continente latino-americano.

179

Até a década de 1980, quando o pensamento neoliberal começou a se fazer

assentido na América Latina, havia-se procurado construir na região sistemas de proteção

social de cunho universalista. No entanto, a introdução dos PTCR, pautados na focalização

e nas condicionalidades, contradiz a natureza universal e incondicional dessa proteção que

se procurava edificar no continente. De onde deriva a preocupação em saber em que medida

a inserção dos PTCR, enquanto um gênero de polícia social, representa uma mudança na

natureza da proteção na América Latina.

Dada a impossibilidade de investigar os processos afins em todos os países da

região, optou-se por descrever, comparar e analisar neste trabalho os PTCR de três deles –

Brasil, Argentina e Chile, buscando-se entender se a inserção de tais programas opera ou

não uma alteração na natureza de seus sistemas de proteção social, pretendendo-se, ainda,

algum grau de generalização para o continente latino-americano quanto a essa questão.

Contudo, o que ficou nítido ao longo da pesquisa é a dificuldade de operar inferências mais

genéricas em relação ao continente.

Quanto aos PTCR tratados neste estudo, o processo de descrição e comparação

entre os programas considerados mostrou importantes similitudes entre eles, para além das

características fundamentais (focalização, condicionalidades e transferência monetária) e

objetivos precípuos (redução/alívio da pobreza vigente e quebra da transmissão

intergeracional da pobreza) que compartilham enquanto gênero de política. Similitudes tais

como a abrangência nacional, o caráter não contributivo e a existência de um componente

não condicionado de transferência.

Por outro lado, as divergências existentes não são menos importantes – como o foco

na infância, o tempo de permanência no programa e a sua natureza, ao constituir-se ou não

um direito. No tocante a estes aspectos, o programa argentino diverge sobremaneira daqueles

dos outros dois países. No caso da AUH, o benefício conforma um direito que visa à

integralidade da proteção à infância. Mesmo o lugar que tal programa ocupa no sistema de

proteção social do país é distinto, uma vez que pertence ao âmbito previdenciário, enquanto

os programas do Brasil e do Chile pertencem à esfera da Assistência e não constituem um

direito exigível, ainda que o indivíduo ou família atenda aos critérios de elegibilidade. Além

disso, outro aspecto que merece destaque é o fato de que o programa argentino, ao possuir

um tempo de permanência indeterminado, indica uma preocupação maior e uma estratégia

180

mais coerente para com o almejado rompimento do “círculo vicioso” da pobreza, uma vez

que esta pretensão pressupõe uma perspectiva de longo prazo. O Brasil adota uma estratégia

diferente mas que aponta para preocupação semelhante, estabelecendo um período de

permanência mínimo de 2 anos. O caso do Chile é bastante distinto, posto que adota um

tempo máximo de 2 anos. Essa diferença é fundamental, pois mostra claramente a maior ou

menor preocupação de cada programa com o longo prazo e, portanto, com a pretensão de

oferecer maiores subsídios à pretendida superação da pobreza.

No que concerne a uma possível mudança na natureza da proteção social na

América Latina decorrente da inserção dos PTCR no continente, revelou-se, ao longo dos

estudos aqui empreendidos, que é similarmente difícil elaborar generalizações para o

conjunto do continente acerca desse questionamento. Isto porque, para alguns países (mas

não para a totalidade do continente), a introdução dos PTCR parece ter alterado a natureza

de seus sistemas de proteção. Enquadram-se neste aspecto aqueles países cujos sistemas de

proteção social eram muito incipientes e onde o neoliberalismo alcançou êxito em privatizar

parte ou o conjunto da proteção, “deixando” para o Estado a função de atender aos inválidos

e aos miseráveis (a estes últimos através dos PTCR). Neste contexto, os PTCR impõem seus

parâmetros – focalização, condicionalidades, necessidade – como nova lógica para a

proteção social, em detrimento da universalidade, incondicionalidade e cidadania, enquanto

pilares vocacionais do social. A proteção social, nos referidos países, torna-se

essencialmente mercantil, praticamente inexistem proteções universais ou incondicionais e

os PTCR constituem a política estatal voltada aos mais pauperizados, como forma de

controlar, ou de amenizar, a pobreza.

Entretanto, no que diz respeito aos três países – Brasil, Argentina e Chile –

considerados nesta pesquisa, pode-se admitir que os PTCR não substituem os demais

componentes da proteção social, antes, complementa-os. No caso brasileiro e no argentino,

os PTCR atuam como complemento ao social, pois abrangem uma parcela da população que

frequentemente não é alcançada pelos mecanismos formais e clássicos de proteção. Nesses

dois países, o social mantém, em parte, uma vocação universal e incondicional, ainda que

efetivamente opere uma proteção parcial.

No caso do Chile, por outro lado, os PTCR são instrumentos voltados a assegurar o

acesso a uma proteção básica às populações mais pauperizadas que não dispõem de recursos

181

para utilizar os mecanismos mercantis de proteção. O social no Chile constitui um sistema

misto, uma vez que Estado e setor privado atuam na promoção das proteções. O Estado

assegura às populações mais pobres o acesso a certos serviços sociais. Parte desses serviços

são garantidos via sistema de proteção estatal, mas também outra parcela é promovida pelos

PTCR. Ademais, há um conjunto de políticas públicas sociais, de caráter não condicionado,

que compõem a assistência social e, portanto, fazem parte da proteção. Semelhante

configuração do social permite afirmar que os PTCR são complementares neste sistema.

Para os países examinados, portanto, pode-se inferir que coexistem políticas

universais, representadas pelos sistemas clássicos de proteção, e as focalizadas,

representadas pelos PTCR. A introdução dos PTCR nesses países não alterou de forma

substancial a natureza ou a lógica de seus sistemas de proteção. O que se conformou, na

verdade, parece ter sido uma espécie de proteção híbrida, onde coexistem no social o público

e o privado, a universalidade e a focalização, a incondicionalidade e a contrapartida, a

cidadania e a necessidade.

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