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Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 1 Os potentados do Ouro e as estratégias de ascensão social. Como tornar-se nobreza nos trópicos. (Minas Gerais século XVIII) Cláudia OTONI Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais E-mail: [email protected] 1 INTRODUÇÃO Ao se traçar um perfil dos potentados do ouro em Minas Gerais do século XVIII, alguns já inventariados pela historiografia, percebe-se que eram conquistadores ou descendentes de algum conquistador, tinham cargos de mando na Câmara e na administração, possuíam títulos, como o de cavaleiros de ordens importantes, tinham sob seu comando escravos, índios, mulatos, mamelucos, homens livres e pobres e estabeleciam redes com vários segmentos sociais, num mandonismo local que possuía além da força, a capacidade de negociação com as camadas subalternas. Embora os potentados em Minas Gerais do final do século XVII e início do século XVIII fossem considerados pelos governadores como opositores ao governo, devido à sua independência em relação ao poder central português, a maioria acabou sendo agraciada com honras e mercês porque prestaram algum tipo de serviço à Coroa. De acordo com Luciano Raposo de Almeida Figueiredo: é necessário deixar claro que esses Grandes, a despeito da facúndia com que reclamavam direitos imemoriais e estrilavam contra a usurpação, não pareciam alimentar planos mais sérios do que comover os sentimentos do Rei em busca de melhores condições de barganha. Do soberano continuavam a esperar honras e distinções, mercês e hábitos, gêneros valorizados de modo especial por súditos que habitavam as fímbrias das conquistas ultramarinas. (FIGUEIREDO, 2001, p. 237).

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Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 1

Os potentados do Ouro e as estratégias de ascensão social.

Como tornar-se nobreza nos trópicos.

(Minas Gerais – século XVIII)

Cláudia OTONI

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

E-mail: [email protected]

1 INTRODUÇÃO

Ao se traçar um perfil dos potentados do ouro em Minas Gerais do século XVIII,

alguns já inventariados

pela historiografia, percebe-se que eram conquistadores ou

descendentes de algum conquistador, tinham cargos de mando na Câmara e na administração,

possuíam títulos, como o de cavaleiros de ordens importantes, tinham sob seu comando

escravos, índios, mulatos, mamelucos, homens livres e pobres e estabeleciam redes com

vários segmentos sociais, num mandonismo local que possuía além da força, a capacidade de

negociação com as camadas subalternas.

Embora os potentados em Minas Gerais do final do século XVII e início do século

XVIII fossem considerados pelos governadores como opositores ao governo, devido à sua

independência em relação ao poder central português, a maioria acabou sendo agraciada com

honras e mercês porque prestaram algum tipo de serviço à Coroa.

De acordo com Luciano Raposo de Almeida Figueiredo:

é necessário deixar claro que esses Grandes, a despeito da facúndia com que

reclamavam direitos imemoriais e estrilavam contra a usurpação, não

pareciam alimentar planos mais sérios do que comover os sentimentos do Rei

em busca de melhores condições de barganha. Do soberano continuavam a

esperar honras e distinções, mercês e hábitos, gêneros valorizados de modo

especial por súditos que habitavam as fímbrias das conquistas ultramarinas.

(FIGUEIREDO, 2001, p. 237).

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Cláudia Otoni

2 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011

A questão de maior problema entre os potentados e a Coroa se deu quando o governo

passou a estender os tributos ao sertão. Os grandes proprietários não aceitavam pagar estes

impostos alegando o direito de conquista e os riscos que haviam corrido neste desbravamento.

Na medida em que a ordem pública avançava, eclodiam sedições contra tal avanço,

nas quais os proprietários buscavam ter seus direitos respeitados. E muito embora houvesse

um espaço privilegiado para a ordem privada, os motins aconteciam sempre que se rompia

com os acordos costumeiros entre os colonos e a Metrópole. E de fato, os propósitos da Coroa

na maioria das vezes eram contrários à prática cotidiana da população local.

A Coroa que possuía uma economia dependente das receitas da colônia brasileira

procurava agir politicamente com bastante cuidado devido ao descontentamento com a sua

política tributária, ocasionando uma relação instável entre os súditos e o governo ultramarino.

Entretanto, em vários momentos ocorreria uma cumplicidade entre a Coroa e os

potentados na manutenção da ordem pública, “afinal, tais potentados se viam como vassalos

Del rey e tinham a ganhar na repressão de outros régulos. Isto lhes permitia destruir bandos

adversários, ampliar seu poder nas localidades, além de estabelecer dons e contradons com

Lisboa”.(FRAGOSO, 2005, p.147).

2 ORIGEM E TRAJETÓRIA DOS POTENTADOS

De acordo com o dicionário histórico do Brasil Colonial o potentado é “um homem

poderoso, grande proprietário de terras que, principalmente nos sertões, exercia seu mando

de forma quase sempre autônoma, fugindo às tentativas de controle

metropolitano”.(BOTELHO, 2008, p.156).

As origens dos potentados em Minas Gerais se reportam às origens da descoberta do

ouro. As gentes que foram para as minas naquele momento eram principalmente os

negociantes de gado dos sertões do São Francisco, os comerciantes de escravos da Bahia, os

paulistas com prática em apresamentos indígenas e os portugueses.

Estes povoadores e conquistadores abriram perspectivas econômicas e de mando, com

a promessa do Império Luso de retorno financeiro e de mercês. Contando com milícias

privadas de escravos armados - o que lhes conferia respeito e vantagens - se transformaram

em poderosos locais, os chamados potentados.

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Assim é que, os potentados requeriam o privilégio de primeiros descobridores e

povoadores das minas, o que lhes rendia sesmarias, ordens de Cristo, cargos e patentes

atribuídos pela Coroa Portuguesa. Uniam-se a ouvidores, juízes, militares e constituíam redes

clientelares de modo a garantir seus privilégios.

No início dos descobrimentos do ouro a Coroa não possuía um corpo militar capaz de

enfrentar os grandes potentados, desta forma uma das estratégias para desarticular este poder

era a cooptação dos poderosos através da concessão de mercês, num processo de negociação,

no qual as revoltas não eram muitas vezes reprimidas, mas negociadas com postos civis e

militares, honrarias e perdão aos amotinados.

Os potentados que ajudavam a conter os motins também eram agraciados com

benefícios. Portanto, o recuo e a cooptação também eram formas utilizadas pela administração

colonial diante das revoltas, na tentativa de desarticular as redes clientelares estabelecidas

pelos potentados.

Fazendo negócios importantes com perigo de vida e utilizando as rendas de suas

próprias fazendas, os potentados se deslocavam entre colaboradores ou opositores da Coroa

Portuguesa. Ora colaboravam visando à obtenção de privilégios, ora se mantinham

independentes, facilitando os descaminhos do ouro ou encabeçando motins.

Se num primeiro momento os potentados se confrontaram com a Coroa em seus

“territórios de mando” e de violência, abriram também espaços para contribuir com a

metrópole através da contenção de motins, da defesa do território, do auxílio na cobrança dos

quintos reais e da disponibilização de seus subordinados a serviço dos interesses

metropolitanos.

Não bastava ser parte de um grupo econômico privilegiado com vastas regiões de

terras e muitos cativos, fazia-se necessário ser aceito socialmente e não apenas pela população

local ou sob o domínio da violência.

A organização do poder de mando através das redes de solidariedade lhes conferia

reconhecimento social fazendo surgir uma cultura política caracterizada pela dominação

privada e sustentada por uma tradição cultural baseada na honra, valentia e vingança,

normalmente aceita pelos povos locais.

Esta sociabilidade de tradição ibérica barroca se articulava através da linguagem e dos

gestos para a conquista do poder regional e do mandonismo rural. De acordo com a autora

Célia Nonata da Silva a honra, como forma de afirmação social, é tipicamente ocidental e

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européia principalmente no setecentos europeu, no qual os gestos eram feitos para serem

apreciados. Porém, enquanto na França, por exemplo, a honra ligava-se à elegância, à

sensibilidade, a sobriedade e ao comedimento, em Portugal ela se voltava para o desejo do

heroísmo e da ostentação.

Se em Portugal a honra se relacionava à virtude e a fidalguia, na América portuguesa

agregava-se outros valores como a vingança e os desafios. Desta forma, esse tipo de honra

ibérica se estendeu aos sertões mineiros primeiramente com os bandeirantes conquistadores,

recompensados com títulos de distinção dados pelo rei, depois nas vilas e arraiais, locais onde

a demonstração da força viril era evidenciada através da ostentação, da bajulação, da agressão

física e verbal, dos homicídios e dos motins, reafirmando o desejo de afirmação pessoal para

se obter o respeito social.

Só era possível existir dentro deste sistema a partir de seu código de honra

caracterizado por uma ética de conflitos. Diante deste quadro a justiça costumeira

ultrapassava a lei e na Capitania de Minas Gerais a masculinidade e a valentia eram suportes

para a credibilidade.

Este tipo de cultura favoreceu o surgimento de potentados como Nunes Viana, que no

contexto histórico das Minas setecentistas “foi uma das maiores mostras dos conflitos de

jurisdição entre o poder público e o poder privado na história do Império português”

(NONATA, 2007, p.192), já que perseguido pelo governo do Conde de Assumar tornou-se

uma espécie de potentado marginal e rebelde, mas nunca abandonado pela comunidade local

que o admirava por seus rituais mágicos de poder.

Nunes Viana, que ficou conhecido pela fama de corajoso e honrado passou a ser

admirado por seus atos de valentia que se iniciaram na Bahia, sendo aclamado governador em

terras mineiras. Não era considerado inimigo do rei, mas dos opressores e era acessível às

pessoas de qualquer classe. Controlando seus aliados tornou-se um poderoso potentado de

terras e gados.

Além disso, Nunes Viana que possuía o Hábito de Cristo, conseguiu várias mercês

reais pelos serviços prestados por desbravar os sertões e conquistar gentios. Era alcaide-mor,

mestre de campo e escrivão da ouvidoria na Vila de Sabará.

3 A NOBILITAÇÃO

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A nobilitação era uma espécie de “moeda de troca” da monarquia junto aos súditos,

sem precisar despender muitos gastos, já que quem recebia se contentava com as suas honras

e privilégios. Este tipo de mercês apareceu inicialmente na colônia brasileira ligada a

atividades militares – apropriação de territórios ou expulsão de estrangeiros no litoral -,

vinculando-se depois à busca do ouro ou para recompensar os que ajudavam à Coroa do seu

próprio bolso em momentos de crise.

Como se viu a nobreza da terra na América portuguesa requeria o direito de sê-la

através da prestação de serviços à Coroa pela conquista e manutenção de territórios,

aproximando-se da ideia de nobreza vinda do processo da Reconquista em Portugal,

concluído no século XV.

A nobreza na colônia se formou a partir das mercês dadas pelos monarcas, não era

uma nobreza de sangue e hereditária, mas individual e vitalícia, às vezes sendo transmitida

aos membros da família.

Este tipo de sociedade foi implementado nas Minas Gerais no setecentos através da

atividade do ouro ou pela busca dele. A precedência na conquista tornou-se um requisito da

nobreza e o código de acesso aos cargos de governo assim como às primeiras posições da

hierarquia social.

A nobilitação na colônia possuía o caráter da multiplicidade de mercês, desta forma a

nobreza poderia receber simultaneamente vários benefícios, como o foro de fidalgo real, os

hábitos de ordens militares, a inserção no Santo Ofício, os postos de oficiais–auxiliares e os

cargos municipais.

Inserir-se nas câmaras – as primeiras instaladas em Minas são de 1711 - era um dos

principais caminhos para a nobilitação, o que facilitava o acesso a outros privilégios e aos

seus signos de distinção. Esta importância se devia a função da câmara, porta voz da opinião

pública e também representante da população frente à Coroa, constituindo-se num dos

principais órgãos da administração local. Para os potentados a câmara era uma assembléia da

nobreza principal da terra para se discutir o governo da capitania. Desta forma, o seu exercício

deveria ser exclusividade da nobreza, baseado no direito adquirido na conquista.

Os sinais exteriores da nobreza estavam também na qualidade de vida que a

diferenciava do resto da população, nos quais estava o serviço dos escravos. Mas além de

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escravos e da abastança, a nobreza deveria ter criados, cavalos e armas, ou seja, tudo que

pudesse agregar valores na evidência de sua condição de nobre.

Com o objetivo de engrandecer as suas próprias casas, alguns potentados utilizavam-se

de diferentes estratégias na manutenção de sua posição, como o casamento, um dos principais

meios de aliança.

Os integrantes de antigas redes de controle político e econômico locais no período

colonial que se deslocaram para Minas Gerais na época do ouro, mantiveram-se no período

imperial através de seus filhos e netos, do casamento e do compadrio, reorientando as

estratégias de alianças.

As antigas famílias do século XVIII que controlavam os poderes locais estenderam sua

influência para além dos limites provinciais em direção ao poder central no século XIX,

permanecendo no processo de decisão dos acontecimentos políticos e econômicos. A posse de

cargos e mercês no período imperial demonstra uma sólida base da estrutura de controle

social vinda do século XVIII.

O poder destes homens se manteve assim, por sua capacidade de oferecer e retribuir

benefícios, nas suas práticas informais paralelas às estruturas formais de governo, adaptando-

se às novas estruturas, mas mantendo o universo cultural existente desde os potentados do

início do século XVIII.

A adaptação permanente às transformações políticas do século seguinte é o que

garantiu de fato a sobrevivência política, econômica e social dessas elites. A despeito do

declínio das fortunas e lideranças de várias famílias de potentados, os principais nomes da

administração e da política no Império têm origens no período colonial, são antigos grupos

que conseguiram sobreviver às rupturas do processo histórico brasileiro.

Essas elites até então acostumadas ao seu reconhecimento ligado ao status econômico

e militar pela conquista do território, tiveram que se especializar e se profissionalizar através

do desenvolvimento intelectual e da criação dos meios de acesso à informação.

A Universidade de Coimbra era o destino dos filhos e netos destas famílias na busca

do reconhecimento social, Figueiredo lembra que:

[...] durante 40 anos, os mineiros vinham, mandando os seus filhos para a

Universidade de Coimbra: em 1786, havia doze mineiros entre vinte e sete

brasileiros matriculados nesta universidade; em 1787, eram de Minas dez

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dos dezenove estudantes do Brasil lá matriculados.(FIGUEIREDO, 2001,

p.397).

Além da preparação educacional principalmente através da Universidade de Coimbra,

das alianças matrimoniais, da aquisição de títulos e da representação em órgãos

administrativos, outras estratégias para a manutenção do poder foram utilizadas por estas

elites no período seguinte à “era dos potentados”, tais como a diversificação de atividades

econômicas e as associações a setores emergentes, combinando a modernidade econômica e a

sociabilidade tradicional.

4 FAMÍLIAS DE PODER

Na análise do trabalho de alguns historiadores ligados ao tema é possível verificar a

trajetória de famílias de potentados que além de utilizarem várias estratégias de ascensão

social em busca da nobilitação, também conseguiram manter e estender seu domínio a partir

do poder local de patriarcas potentados que deixaram como legados a fortuna e o comando

político para seus descendentes. Este é o caso de Maximiliano de Oliveira Leite, demonstrado

no texto “Uma nobreza da terra com projeto imperial”, de Carla Maria C. Almeida (2007).

Esta autora busca analisar a trajetória familiar do paulista Maximiliano de Oliveira

Leite, que ao longo dos anos conseguiu reconhecimento para seus descendentes tanto

localmente como nas regiões centrais do império português.

A pesquisa da autora faz parte do mapeamento do grupo de homens listados como os

mais ricos de Minas Gerais em 1756 e se concentra nas Comarcas de Vila Rica e do Rio das

Mortes, observando as práticas de sociabilidade e as formas de inserção política bem como as

suas atividades econômicas.

A história familiar de Maximiliano de Oliveira Leite começa na verdade, com seu avô,

Fernão Dias Paes, um paulista que realizou várias empreitadas às próprias custas no

apresamento de índios como também no auxílio à Coroa para o descobrimento das minas em

1664; e com seu tio Garcia Rodrigues Paes, um dos primeiros povoadores de Minas,

Cavaleiro Fidalgo da Casa real, Capitão-mor e administrador das entradas e descobrimentos

das minas, que durante a invasão francesa ao Rio de janeiro ficou responsável por

salvaguardar o ouro da Casa da Moeda, recebendo sesmaria em Borda do Campo.

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Maximiliano era casado com Inácia de Arruda Pires e juntos construíram uma família

considerada de nobreza. Seus filhos – José Pires Monteiro Oliveira e Francisco Paes de

Oliveira Leite - estudaram em Coimbra, sendo que José Pires tornou-se Juiz de Fora do

Loure, auditor do Regimento de Cascais e conservador da Universidade de Coimbra.

Um de seus netos, Antonio Pires da Silva Pontes Leme também estudou em Coimbra e

participou de diversas expedições de demarcação das fronteiras brasileiras; em 1795 foi

censor da Mesa de Consciência e Ordens e era protegido de D. Rodrigo de Souza Coutinho, o

Conde de Linhares.

Maximiliano juntamente com seu cunhado Caetano Álvares Rodrigues tornou-se um

potentado temido e respeitado da região da Vila do Carmo, criando redes relacionais, nas

quais seus descendentes puderam se beneficiar em cargos e importância.

Caetano Álvares Rodrigues era um português que havia chegado ao Brasil em 1710

com 23 anos e uma bem sucedida vida militar passada na Índia, o que lhe rendeu a concessão

de várias mercês, como o Hábito da Ordem de Cristo, Coronel das Ordenanças de São Paulo,

Guarda-mor das Minas de Vila do Carmo, vereador da Câmara e Juiz Ordinário.

Seu único filho José Caetano Rodrigues Horta casou-se com a filha de Maximiliano,

Inácia Maria Pires de Oliveira. Por sua vez, a filha deste casal, Ana Joaquina de Oliveira

casou-se em primeiras núpcias com o Guarda-mor Gregório Caldeira Brant e se tornou mais

tarde mãe de Felisberto Caldeira Brant, o Marquês de Barbacena; e em segundas núpcias com

seu primo, o Sargento-mor Garcia Rodrigues Paes Leme, fidalgo da casa Real, deste

casamento nasceu Pedro Dias Paes Leme, o futuro Marquês de Quixeramobim e futuro

marido de Francisca de Paula Lis Furtado de Mendonça, filha do Senador Jacinto Furtado de

Mendonça.

Indo um pouco mais à frente no tempo, verifica-se que Felício Muniz Pinto Coelho da

Cunha, tataraneto de Maximiliano casou-se e separou-se de Domitila de Castro, a Marquesa

de Santos e amante de D. Pedro I, sendo que Francisca, filha dos dois acabou se casando com

um dos irmãos de Domitila, tornando-se dama da imperatriz.

Os genros de Maximiliano eram todos Cavaleiros da Ordem de Cristo e possuíam altos

cargos nas forças militares e nas Câmaras locais, títulos que definem o mando e o poder da

família.

De acordo com Carla Maria C. Almeida, a união das casas de Maximiliano e Caetano

Álvares demonstra a estratégia dos casamentos endogâmicos como forma de reforçar a

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condição de nobreza que passou de geração a geração e de manter intactos os bens familiares,

evitando a dispersão do patrimônio, o que por sua vez mantinha também o poder local.

5 CONCLUSÃO

A pesquisa historiográfica possui o privilégio de, em desvendando o passado, nos

oferecer as suas várias faces. Diversas análises sobre o poder metropolitano nas Minas

setecentistas examinaram a questão de sua eficácia, transformando-a numa das questões mais

levantadas pela historiografia tradicional brasileira.

Em se tratando especificamente do tema dos potentados em Minas Gerais no século

XVIII observou-se que a atuação do poder público necessitou criar vias de contato com o

grande poder privado destes poderosos, possuidores de fortunas, terras e gentes.

No enfrentamento com o poder central metropolitano a “fraqueza” dos potentados

parecia estar justamente em seu poder, já que para mantê-lo necessitou adaptá-lo às mudanças

conjunturais dos períodos posteriores ao auge de sua atuação.

A análise desta específica parte da história colonial brasileira constitui-se num

interessante tópico que caminha na direção de uma cultura política instalada na sociedade de

então, na qual a nobilitação e as mercês eram partes fundamentais.

Para além das questões econômicas, a manutenção do poder e do status configurou-se

como o ponto mais importante para os potentados e suas famílias. Ser respeitado e temido

implicava na aplicação dos valores estabelecidos para o período em que se vivia: a violência e

a autonomia num momento, a negociação em outro.

A despeito da necessidade de inúmeros outros levantamentos historiográficos sobre

este tema, a trajetória de muitos destes potentados deixa claro que o seu poder foi estendido

sob outras orientações, diferentes daquelas do período a que se convencionou chamar de “era

dos potentados”.

A longo prazo, a organização formal das vilas e arraiais pela administração

metropolitana minimizou de fato o poder privado dos potentados, se considerarmos o

isolamento de suas áreas de atuação e a “necessária” violência em que embasavam as suas

ações.

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Porém, se considerarmos os valores que permeavam a sociedade colonial

perceberemos que uma mudança substancial não ocorreu, já que manter seu poder através da

nobilitação continuou a ser a questão mais importante.

Os códigos de acesso a esse poder mudaram com o tempo, mudando também a

sociabilidade entre os potentados, mas o seu poder de mando não sofreu nenhuma ruptura,

pois permaneceram efetivando-o na extensão a seus descendentes, através de uma cultura

política baseada nas redes clientelares, típica do sistema político brasileiro desde a sua

inserção no mundo lusitano.

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Cláudia Otoni

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