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24 ESCOLA MODERNA Nº 16•5ª série•2002 C onto-vos uma história simples. Trabalhei três anos com a mesma turma, e, durante este tempo, houve quatro processos eleitorais. Aproveitámos estes processos para discutir re- presentatividade, política e intervenção recor- rendo a alguns instrumentos matemáticos. Cada conclusão, cada intervenção foi sempre publicada, em cartaz ou como notícia no Jor- nal da Turma. Este jornal, sucessivamente «Jornal dos alunos do 2.º ano», «Jornal dos alu- nos do 3.º ano» e «Jornal dos alunos do 4.º ano» pode ser consultado, como grande parte dos diálogos aqui referidos, na Página Electrónica (Turma do Pascal, 2001) que construímos ao longo de dois anos. Entretanto os alunos foram-se familiarizando com percentagens, com gráficos e com interpretação de dados. Quando chegaram ao 4.º ano aperceberam-se de que os números não revelam verdades mas que a verdade é construída, recorrendo à lin- guagem, neste caso, matemática. A história é simples, a maior parte do trabalho faz-se com caneta e papel, contá-la pode ser mais difícil. No início da história, os alunos têm 6 a 7 anos, no fim têm 9 a 10 anos. Neste último ano, ga- nhámos também alguns novos alunos um pouco mais velhos. Um trabalho que começa em anos anteriores Como a nossa turma esteve sempre de olho para o exterior, os políticos acabaram por se tornar muitas vezes presentes no nosso traba- lho. Também foi essa a razão pela qual estu- dámos um pouco a matemática que os move: classificações e resultados de eleições. Porque trabalham na Sic? Em fins de Setembro de 1999, estávamos no 2.º ano de escolaridade, quando colei no quadro as fotografias de figuras políticas de destaque. Os alunos reconheciam logo Jorge Sampaio, António Guterres, Paulo Portas e Carlos Carvalhas. Não conheciam Durão Bar- roso (mas conheciam o nome PSD); desconhe- ciam Francisco Lousã (e o Bloco de Esquerda). São homens que aparecem na televisão e nos cartazes na rua. O que são? Não são ven- dedores nem artistas. Eles trabalham muito na televisão ou numa casa grande. Mas o que são eles? Espera: o Ivan lembra-se: são políticos. Políticos? Sim. Mas o que fazem? Surge a lista a seguir num bocado de papel de cenário: Pensamos que os políticos: – pensam e «puxam pela cabeça»; – trabalham; Os políticos: como contam e o que nos contam Pascal Paulus* * 1.º Ciclo do Ensino Básico.

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Conto-vos uma história simples. Trabalhei três anos com a mesma turma, e, durante

este tempo, houve quatro processos eleitorais.Aproveitámos estes processos para discutir re-presentatividade, política e intervenção recor-rendo a alguns instrumentos matemáticos.Cada conclusão, cada intervenção foi semprepublicada, em cartaz ou como notícia no Jor-nal da Turma. Este jornal, sucessivamente«Jornal dos alunos do 2.º ano», «Jornal dos alu-nos do 3.º ano» e «Jornal dos alunos do 4.º ano»pode ser consultado, como grande parte dosdiálogos aqui referidos, na Página Electrónica(Turma do Pascal, 2001) que construímos aolongo de dois anos. Entretanto os alunosforam-se familiarizando com percentagens,com gráficos e com interpretação de dados.Quando chegaram ao 4.º ano aperceberam-sede que os números não revelam verdades masque a verdade é construída, recorrendo à lin-guagem, neste caso, matemática. A história ésimples, a maior parte do trabalho faz-se comcaneta e papel, contá-la pode ser mais difícil.No início da história, os alunos têm 6 a 7 anos,no fim têm 9 a 10 anos. Neste último ano, ga-nhámos também alguns novos alunos umpouco mais velhos.

Um trabalho que começa em anosanteriores

Como a nossa turma esteve sempre de olhopara o exterior, os políticos acabaram por setornar muitas vezes presentes no nosso traba-lho. Também foi essa a razão pela qual estu-dámos um pouco a matemática que os move:classificações e resultados de eleições.

Porque trabalham na Sic?

Em fins de Setembro de 1999, estávamosno 2.º ano de escolaridade, quando colei noquadro as fotografias de figuras políticas dedestaque. Os alunos reconheciam logo JorgeSampaio, António Guterres, Paulo Portas eCarlos Carvalhas. Não conheciam Durão Bar-roso (mas conheciam o nome PSD); desconhe-ciam Francisco Lousã (e o Bloco de Esquerda).

São homens que aparecem na televisão enos cartazes na rua. O que são? Não são ven-dedores nem artistas. Eles trabalham muito natelevisão ou numa casa grande. Mas o que sãoeles? Espera: o Ivan lembra-se: são políticos.

Políticos? Sim. Mas o que fazem? Surge alista a seguir num bocado de papel de cenário:

Pensamos que os políticos:– pensam e «puxam pela cabeça»;– trabalham;

Os políticos: como contam e o que nos contam

Pascal Paulus*

* 1.º Ciclo do Ensino Básico.

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– viajam;– protegem as pessoas.

Pensamos que trabalham:– na SIC;– numa casa muito grande;– no escritório.

O que queremos perguntar aos políticos:Como fazem todo o trabalho? Porque

são políticos? Porque trabalham na SIC?

Recebem muito no fim do mês? Como con-seguem este trabalho? Onde trabalham?

Entretanto fizemos um gráfico a partir dassondagens do jornal O Expresso para as legis-lativas em preparação.

E interpretámos: em cada 100 votos, o PSrecebe 42, o PSD 29, o PP 6, a CDU 5, o BE 2.Em cada 100 votantes, 15 ainda estão indecisos.

Os alunos formulam o que perceberamtambém: O PS vai muito à frente; o PSD e o PSsão os grandes; se todos os indecisos votassemnum dos pequenos, eles não ganhavam àmesma.

Explicitámos que uma sondagem de umjornal, é só o que «os jornalistas pensam».

Na semana a seguir, enviámos uma cartaaos partidos dos quais encontrámos um ende-reço: PS, PSD, PCP, PP, BE e MPT.

Olá senhores políticos,Somos alunos da Escola de Outurela e Portela.Juntamos perguntas.Podem mandar as vossas respostas?Adeus, um abraço e obrigado.A turma 2.º C.

As nossas perguntas:1. Como fazem todo o vosso trabalho?

2. Porque são políticos?

3. Porque trabalham na SIC?

4. Recebem muito no fim do mês?

5. Como conseguem este trabalho?

6. Onde trabalham?

Mencionámo-lo no primeiro jornal de turma(ver Ilustração 1).

No dia 11 de Outubro, não tivemos aulasde manhã, por causa da limpeza a seguir aodia de votação. Quando os alunos chegaram àtarde, já eu tinha recolhido um boletim de votoesquecido, uma fotocópia do edital com os re-sultados da secção da nossa sala e aproveitei aampliação dum modelo de boletim de votopara apresentar este quadro. (Ver Tabela 1).

A primeira reacção de alguns alunos é quehá partidos que nem sequer conhecem.

Dois dias depois, com os resultados do jor-nal, os resultados da sala e a sondagem, cons-truí um quadro muito aproximativo em per-centagem, arredondando os pequenos valorespara cima. Apresentei-o com a menção «em cada100 pessoas» e comparámos. (Ver Tabela 2).

Discutimos e descobrimos:– Na nossa sala o P.S. teve mais 6 votos (em

100) do que no país;– Na nossa sala o 2.º partido foi a C.D.U.,

no país não;– Na nossa sala o PP teve menos votos (em

cada 100) do que no país.

Na semana seguinte, recebemos a primeiraresposta à nossa carta, vinda do PCP, respostaque transcrevo aqui:

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Gráfico 1: Comparação de estimativas

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Olá!Foi com muita atenção e com muito carinho, que

as pessoas que fazem parte da Comissão Concelhiade Oeiras do Partido Comunista Português, recebe-ram e leram as vossas perguntas.

Vamos procurar satisfazer o vosso interesse e cu-riosidade.

As nossas respostas:Quanto à 1.ª e 4.ª pergunta:– O nosso trabalho é voluntário, não recebendo

qualquer dinheiro. Muitas vezes ainda gastamosdinheiro do nosso bolso.

Quanto à 2.ª pergunta:– Todo o ser humano é político. Os partidos de-

fendem políticas diferentes e os militantes destespartidos podem chamar-se políticos activos, ha-vendo muitas pessoas que não fazem parte de qual-quer partido e também são políticos activos. No casodos comunistas, nós somos activos porque lutamospara que todas as crianças e todas as famílias vi-vam melhor e com mais felicidade. Não queremos oracismo, a destruição da natureza e não queremos aguerra entre os povos. Achamos que a riqueza queexiste no planeta deveria ser mais bem distribuídapor todas as pessoas, fazendo com que todos pu-dessem viver melhor. Acreditamos na amizade entreas pessoas e que todos unidos teremos mais força.

Quanto à 5.ª e 6.ª pergunta:– O partido comunista português tem algumas

dezenas de pessoas que são empregados do partido.Mas a larga maioria dos seus apoiantes tem outrosempregos e é nos seus locais de trabalho e depois,nos bairros onde moram, que fazem política e con-seguem fazer este trabalho porque se dedicam a fa-zer acções que procuram ajudar a melhorar a vidadas pessoas mais humildes e dos trabalhadores,ajudando-os a perceber que a democracia é tantomais forte, quanto mais pessoas, todos os dias, fa-çam acções úteis e ajudem as outras pessoas.

Quanto à 3.ª pergunta:– Os políticos não trabalham na Sic, nem em

outras televisões. É conveniente que vocês saibamque os partidos não mandam nas televisões. Ouseja, os donos das televisões convidam quem enten-dem para aparecerem nas imagens e falarem. E é

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Ilustração 1: Jornal n.º 1

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também por isto que muitas vezes, vemos mais unsdo que outros.

Bons estudos e felicidades para todos Vós.

Três semanas depois, recebemos mais umaresposta, desta vez do Bloco de Esquerda. Acarta é de mais fácil acesso, porque é maiscurta e concisa. Transcrevo:

Carta à turma 2.º C.As perguntas que nos enviaram são muito inte-

ressantes e colocam problemas importantes em rela-ção ao o que é a política. Por exemplo, quando per-guntam porque somos políticos, a nossa resposta éque somos políticos porque vivemos em sociedade,juntos com outras pessoas, e por isso tentamos me-lhorar as coisas para todos. É por isso que, se ca-lhar, todos temos que ser políticos e tentar mudar oque achamos que está mal. Se achares que algumacoisa não está bem na tua escola e tentares mudar,isso que estás a fazer já é política, porque políticanão é só o que se passa na televisão.

Assim o lugar onde nós fazemos política não é sóna televisão, no parlamento, mas é também onde

quer que a gente esteja: nas escolas, nos nossos tra-balhos, enfim em todos os lados onde pensamos queexistem injustiças.

Obrigado ao 2.º CPelo bloco de esquerda

Decidimos não esperar mais tempo por ou-tras cartas e agrupámos as respostas obtidaspor baixo das perguntas formuladas.

1. Como fazem o vosso trabalho?

PC: O nosso trabalho é voluntário. Fa-zemo-lo porque gostamos de o fazer.

BE: Tentamos mudar o que está mal.

2. Porque são políticos?

PC: Todas as pessoas são políticos. Os par-tidos juntam pessoas que pensam mais ou me-nos da mesma maneira sobre as coisas.

BE: Somos políticos porque vivemos emgrupo: a sociedade.

3. Porque trabalham na Sic?

PC: Os políticos não trabalham na Sic. São

Tabela 1: Legislativas 1999 – resultados locais

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convidados de vez em quando para falar sobreo que acontece no país.

BE: A política não é só televisão.

4. Recebem muito no fim do mês?

PC: Não. Muitas vezes pomos dinheiro donosso bolso.

5. Como conseguem este trabalho?

PC: Ajudamos as pessoas no bairro ondevivemos. Quando são muitos podem votarpara nós.

6. Onde trabalham?

PC: Alguns trabalham como empregadosno partido. Outros têm os seus trabalhos e fa-zem política nos tempos livres.

BE: Trabalhamos em todo lado, junto dasoutras pessoas.

Todo o trabalho foi publicado em cartazes,que afixámos à porta da sala, no placar pú-blico. Depois da reunião de pais em Dezem-bro, ficou arquivado em álbum, na bibliotecada escola. (Ver Ilustração 2).

Entretanto, tivemos a oportunidade de con-tactar políticos por causa de um problema ro-doviário ao pé da escola, e por causa de umproblema com emigrantes portugueses.

Eleições presidenciais

Uma carta...

Lembrando-se da boa experiência do anolectivo anterior, a turma decidiu enviar, no iní-cio de Novembro de 2000, uma carta para oscandidatos à presidência. Esta carta diz o se-guinte:

Olá,Somos alunos do terceiro ano da Escola de

Outurela e Portela.Queremos saber porque é que quer ser

presidente.Também queremos saber o que vai fazer se

for eleito presidente.Um beijinho de todos.

Enquanto esperámos o resultado do nossoenvio, fomos coleccionando algumas indica-ções de voto acerca das presidenciais. Mas acampanha foi tão morna, que até os meus alu-nos se entusiasmaram menos do que no anopassado pelas legislativas.

.... e as respostas.

Quinze dias depois, tivemos uma respostade Joaquim Ferreira do Amaral, escrita à mão.

Tabela 2: Comparações estimativas/realidade

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Lisboa, 28.11.2000

Olá, alunos da turma do prof. Pascal,Eu quero ser presidente da República porque

julgo que sou capaz de fazer bem a Portugal e aju-dar os portugueses. Outros também julgam omesmo e por isso é que há eleições, para que as pes-soas escolham aquele que julgam que faz melhor.

As minhas ideias para Portugal andam à voltado seguinte:

Não se consegue nada sem esforço, não se con-segue nada sem ter objectivos e não se conseguenada sem valores.

Sem valores os objectivos são ilusões e sem ob-jectivos ninguém está disposto a fazer esforços.Quando não há estas três coisas, todos perdemos etodos andamos para trás. E eu não quero que Por-tugal ande para trás. Porquê? Precisamente porcausa de vocês. É uma obrigação nossa, dos maisvelhos, que vocês venham a ter uma vida melhor doque a que tivemos nós, assim como vocês hão-dequerer o mesmo para os que venham a seguir.

Muitos beijinhos para todos,Joaquim Ferreira do Amaral

Quinze dias depois, recebemos tambémesta carta de António Abreu.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2000

Desejo ser Presidente da República para ajudara tornar melhor a vida dos portugueses.

Se for eleito, vou falar com o Governo e pergun-tar se o que está a fazer ajuda a melhorar a vida dosportugueses, vou perguntar se todas as crianças vãoà escola, se as escolas estão bonitas, se os professo-res e todas as pessoas que trabalham nas escolasganham bem, se as crianças mais pobres conseguemestudar e comer na escola, se os pais das criançastêm emprego e se ganham bem, se as pessoas têmliberdade e se o Governo ouve as suas opiniões.

Se o Governo disser que estas coisas não estão aser feitas, vou dizer-lhe que as tem que fazer e vouà Televisão dizer o mesmo.

Para todos vocês, beijos deAntónio Abreu

Os alunos animam-se perante estas duasrespostas. A Ana Paula diz logo: «Gosto maisdo segundo, porque explica melhor o que vaifazer».

Eu vejo com os alunos alguns conceitosreferidos, como «valor», «objectivo», «fazer es-forço», comparando até com o trabalho quetemos estado a desenvolver sobre a Natureza,publicado na nossa página de Internet.

Aliás, a este respeito os alunos concorda-ram logo em mandar um exemplar do nosso«Jornal Especial» aos dois candidatos.

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Ilustração 2: O trabalho dos políticos

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Antes das eleições: algumas interpretações.

Uma das tabelas (ver tabela 3) mais acessí-veis para perceber as sondagens, é uma querecortámos do Jornal O Público, e que inter-pretámos em conjunto, fazendo algumas per-guntas. Lembrei aos alunos que % quer dizer«em cada 100»

Tivémos uma discussão baseada em algu-mas perguntas:

1. O que aconteceu de Dezembro para Janeiro?

Ivan: Jorge Sampaio, Garcia Pereira e AntónioAbreu subiram.

Bruno: Ferreira do Amaral e Fernando Rosasdesceram.

Marlene: Os outros desapareceram! Porquê?

Ana Margarida: Será que já não querem ser?Marlene: Talvez. Eram muitos, Pascal?Eu: Não sei muito bem, mas ainda eram dois

ou três.Ana Paula: Mesmo assim, teriam tido mais do

que o Garcia Pereira e do que o Abreu.Eu: Talvez! Não é certo que os votos sejam

exactamente como a sondagem prevê.

2. Quem esteve em 3.º lugar em Dezembro?

E em Janeiro?

Marlene: Em Dezembro era o Fernando Rosas.Eu: Porque?

Marlene: Porque é o terceiro nome na tabela.Eu: Tens a certeza que é por causa disso? O que

se passa em Janeiro?

Sérgio: Ah! Já não é o Rosas, é o Abreu.Eu: Mas porquê? A Marlene acaba de dizer

que é o Rosas que está em terceiro lugar.Sérgio: Mas não é o nome na tabela, Pascal. É

o número. Primeiro o António Abreu ti-nha 17 e agora tem 22.

Gisela: Mas isto não está certo! Porque o Fer-nando Rosas tinha 2 e agora tem dezoito.O Abreu sempre teve mais do que ele.

Eu: Acham então que o jornal errou em pôr oRosas em terceiro lugar?

Margarida: Espera! Não está lá 17 ou 18 ou 22,está lá um tracinho entre os números.

Eu: Um tracinho?

Bruno: Não, não é. É uma vírgula.Eu: Então, há aqui números esquisitos, com

uma vírgula no meio. O que é que istoquer dizer?

Tiago: Talvez seja engano, Pascal.Ivan: Não, são números de vírgula. Podes di-

zer um vírgula 5.Eu: E isto quer dizer o quê?

Ivan: Eu não sei, mas com os Euros dá, a mi-nha mãe é que disse.

Eu: Mas aqui não estamos a falar do Euro, poisnão?

Ivan: Não, isto era de votos. Quantas pessoasvotam...

Eu: ... em?...Vários: ... em cada cem.Eu: Para?

Tatiana: ... para os candidatos.Eu: Então?

Marlene: Então... não sabem muito bem. Po-dem ser 1 ou 8 a votar no Rosas, e era 1 ou7 em Dezembro no António Abreu.

Gisela: Não, porque não pode ser 2 ou 2.Margarida: Ah! Então era 1 e 7 e 1 e 8 e 2 e 2.Rui: Não, porque para os outros números põe

a conta.Eu: Aliás, se fosse 1 e 7, provavelmente estava

escrito de outro maneira. Como se escreveuma adição?

Vários: Com um +.Eu: Lembram-se do nosso trabalho do ano

passado, com a planta da sala (aponto).

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Tabela 3: Sondagem Público 18/01/2001

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Lembram-se o que tivemos que fazer parafazer a planta.

Vários: Tornar mais pequeno!Eu: Reduzir, sim.Margarida: Ah! Já sei! Não é bem 1, é um e

qualquer coisa. Também não é dois, é doise qualquer coisa. (A Margarida lembra-semesmo do problema do armário que ficouem 7,5 quadrados no plano que fizemos.)

Eu: Pronto. Vamos voltar a falar de númeroscom vírgulas. Mas agora, quero ver as res-postas que encontraram para as outrasperguntas, e que tinham a ver com esta se-gunda tabela (ver Tabela 4).

3. Qual é o partido que vota em menos candi-datos diferentes? E qual em mais?

Ruben: Não temos que ver a primeira coluna.Eu: Porque é que dizes isso?

Ruben: A primeira coluna não é partido, é opaís.

Eu: Acho que a dica do Ruben é boa. Podemosnão olhar para a primeira coluna. E nas ou-tras colunas, como é que é?

Sérgio: São partidos.Leila: Pascal, o que quer dizer PCP?

Eu: Quer dizer Partido Comunista Português.Leila: Este não estava da outra vez.Gisela: Estava sim senhor, que recebemos uma

carta deles.Leila: Mas não estavam nas eleições!Eu: Mas estava outro grupo, que agora não

aparece.Gisela: Ah! A CDU.Eu: Muito bem Gisela. Mas então, que respos-

tas têm para esta pergunta?

Paula: No PS há um 100 no Jorge Sampaio emais nada. Os outros são zeros.

Eu: Então o que é que isto quer dizer?Ivan: Que em 100, 100 votam em Jorge Sam-

paio.Eu: Dito de outra maneira? Votam em muitos

ou em poucos candidatos diferentes?

Vários: Poucos!!!Rui: Até só votam num!Ruben:Os do PSD votam em dois.Marlene: Os do CDS também. CDS? O que é

CDS?

Hugo: É do Paulo Portas!Bruno: Não é nada! Isto é o Partido Popular.

Não tem C.Eu: Este partido já se chamou CDS, CDS-PP e

PP. Pelos vistos, agora é outra vez CDS.Não tenho a certeza disso.

Margarida: O PCP é que vota em muitos. Emtodos! Ah, não. Não votam no último.

Eu: Então em quantos candidatos diferentes éque votam as pessoas do PCP?

Margarida: Em 4!Eu: Portanto, o PS vota em menos candidatos

diferentes, o PCP em mais candidatos di-ferentes.

Ivan: Ó Pascal, não estou a perceber. O último,que é o Garcia Pereira, prontos, há pessoasque votam nele, mas não são de nenhumpartido?

Eu: Não, aqui no jornal só puseram os partidosque têm deputados na Assembleia da Re-pública, e destes partidos ninguém votaem Garcia Pereira. Mas há muitas pessoasno país que não são membros de nenhumdestes partidos.

4. Jorge Sampaio é o mais votado por todos osgrupos?

Vários: Sim!! Em coro.Eu: Têm a certeza disso?

Paula: Sim Pascal, todos votam em Sampaio?

Eu: Mas é o mais votado por todos?

Ivan: Sim, Pascal, até tem 67 votos em 100.Eu: Mas a pergunta não é esta. Vejam bem.– ...

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Tabela 4: Percentagens dos candidatos

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Ruben: Espera. «Todos os grupos» quer dizer«todos os partidos»?

Eu: Sim.Ruben: Ah! Agora estou a perceber. Então o

PSD vota mais para o, ai, aquele que nosescreveu o postal.

Eu: Portanto, é o mais votado por todos osgrupos?

Vários: Não!!!

Depois das eleições, análise de resultados.

Com o edital dos resultados da secção devoto na nossa sala, afixado à porta da escola eos resultados das outras secções de voto daescola, construí um quadro (ver Tabela 5) queapresentei aos alunos.

Ivan: Isto é outra vez em cada cem, não é?

Eu: Porque é que perguntas isso?

Ivan: Porque tem estas duas bolinhas e o traçodepois dos números.

Eu: Tens toda a razão. Sérgio: É outra vez em cada cem.Gisela: Ii! Na nossa sala houve muito mais a

votar em António Abreu, do que nas ou-tras salas.

Margarida: Mas Freitas do Amaral teve maisum pouco!

Bruno: Pascal, isto tem outra vez estes núme-ros esquisitos, com vírgulas.

Eu: Já vamos falar disso.Marlene: O que quer dizer abstenções?

Eu: São as pessoas que não foram votar.Paula: Como quando dizemos no Conselho

«quem é que não votou»?

Eu: É isso mesmo. Deixem-me mostrar-vostambém os resultados no país. Fiz estequadro com o que vinha neste jornal.

Apresento o quadro com as comparações en-tre o previsto e os resultados reais (ver Tabela 6).

Voltámos a ter uma discussão acerca daspercentagens (o que quer dizer 55%?). Con-trolámos primeiro quantas pessoas votaramna sala. Foram > ou < que 100? Descobrimosque foram mais do que 100 (ver Tabela 7). Sóem Sampaio foram 300. E no país? Vemos nojornal que foi um número grande. Só em Sam-paio foi um número maior do que um milhão!

Tabela 5: Resultados locais das presidenciais

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Proponho então, em vez de pensar em to-dos, só pensarmos em 100 pessoas. Um poucocomo quando fizemos a planta da sala: pensá-mos em fazer todas as medidas dez vezesmais pequenas. Aqui fazemos muito mais pe-queno, para só pensarmos em 100 pessoas.

Eu: Garcia Pereira teve muitos ou poucos votos?

Sérgio: Poucos! Só teve 6.Eu: Mas quando fazemos este resultado mais

pequeno, não é 1 voto em 100, mas tam-bém não é 0 votos em 100.

Bruno: É qualquer coisa entre os dois!Eu: Exacto! E a vírgula é para mostrar que o

número a seguir é qualquer coisa entre osdois.

Fomos dividir uma recta numérica em 10partes, entre os números 0 e 1: 1/10 de, 5/10de, etc. Digo que isto se chama décimas.

Bruno: Isto é a mesma coisa como dos políticos.Gisela: Pode-se juntar décimas?

Eu: Claro!Margarida: Então 0,4 mais 0,2 é 0,6.Tiago: 0,3 mais 0,7 é 0,10Eu: Não: 7 + 3 é dez, mas 3/10 mais 7/10 é

uma unidade!

Esta discussão dará início a um trabalhomais sistematizado com o material Cuisenairee com o geoplano, acerca de fracções.

Finalmente, deixo esta tabela para completar:

Depois de alguma hesitação, a Gisela des-cobre que 3 + 37 dá 40 e 11 + 9 da 20, o quedá 60. Insisto que continue a pensar assim eque pode juntar 1 ao 199 e tirar 1 ao 60, o quefacilita a conta.

Ruben descobre que 22 e 278 também sãoengraçados, porque dá mesmo 300. Proponhoa mesma compensação com 9 e 66 como pro-pus à Gisela para o 199 e o 60.

Eles passam a palavra. Vão procurando es-quemas que facilitam o cálculo mental e só al-guns sentem necessidade em recorrer ao algo-ritmo.

Nos cálculos horizontais, o Bruno observalogo que a conta do Sampaio é muito fácil: 300+ 277 + 200, e a conta do Pereira também é«canja».

O Ivan descobre que a soma total horizon-tal e a soma total vertical é a mesma.

Demora um pouco até a Margarida dizer:«Pois, juntamos os mesmos números!»

Este trabalho todo será a base para conver-ter os votos em percentagens, com ajuda deuma máquina calculadora, o que faz exclamara Gisela: «Então foi assim que o Pascal fezaquela tabela que nos deu no outro dia!» É«aquela tabela», com alguns comentários, queserá publicada no Jornal da Turma n.º 12, de2001 (ver Ilustração 3). Mas também houveuma pequena exposição, à porta da sala, queretomámos, quando apresentámos o trabalho«à nossa volta…» com uma outra turma de 3.ºano, em que falámos da visita ao presidente da

Tabela 6: Comparação entre o real e o previsto

Tabela 7: Votação nas três salas

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Ilustração 3: Jornal n.º 12, Janeiro 2001

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Junta de Freguesia. Naquela altura, houvemães que se admiraram de que os seus filhostivessem enviado uma carta aos políticos eque estes tivessem respondido.

Descobertas no quarto ano

Quando começámos a organizar o ano es-colar de 2001 – 2002, os alunos estavam inte-ressados em saber quantas sextas-feiras íamoster, e quantas semanas completas, para preve-rem quando e quantas vezes iam ser presi-dente do Conselho de Turma. Assim, desco-briram que ia haver outra eleição, para asautarquias desta vez. Concordaram em voltara perguntar aos políticos porque se candidata-vam, mas desta vez, houve um desenvolvi-mento inesperado. O candidato da CDU àpresidência da Câmara propôs visitar-nos, nanossa sala, para falar acerca das eleições. Agra-deceram, e combinaram o dia e a hora. Atranscrição da entrevista foi um trabalho co-lectivo, a partir de apontamentos e relatos, efoi publicado no jornal n.º 19, de Dezembrode 2001.

Entrevista a um candidato

Enviámos, no início de Novembro, uma cartapara todos os grupos políticos que concorrem às elei-ções autárquicas de Oeiras. Em vez de responderpor carta, o Arnaldo e a Isabel, da CDU, vieram ànossa sala, falar connosco. Até 10 de Dezembro,não recebemos outras respostas. Fica aqui o relatoda nossa conversa:

A visita de Arnaldo Pereira e da Isabel Valdez.

Ontem, dia 3 de Dezembro, por volta das 2horas e 30 minutos, tivemos uma visita. Doispolíticos da CDU vieram à sala: Maria IsabelValdez e Arnaldo Pereira. A Isabel é candidataa presidente de Carnaxide, e o Arnaldo é can-didato de Oeiras. O Arnaldo tem 55 anos, o

Tavares da Cruz 73 e a Isabel tem 47 anos. Eleé candidato do CDU a Presidente da Câmarade Oeiras. A Isabel é candidata à Junta de Fre-guesia de Outurela e de Carnaxide.

Fizémos o rectângulo do nosso Conselho.

Nós conversámos, fizemos perguntas e elesresponderam a algumas. Gostámos muito,como a Margarida disse: «Foi bué de fixe».

Eles disseram que os políticos da CDU que-rem bem para a cidade e ajudar as pessoas.Disseram que gostavam da política já desdepequenos.

O Isaltino Morais é o presidente de Oeiras.O Arnaldo esteve a falar um pouco sobre oIsaltino e disse o que ele faria de diferente:falou de humanizar Oeiras, isto quer dizer tor-nar Oeiras mais para as pessoas.

Perguntámos o que é que eles iam fazercom as pessoas que vivem nas ruas da cidade.

O Arnaldo disse «Temos que ajudar as pes-soas que não têm casa. Podemos construir umCentro de Apoio» em Oeiras.

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Ilustração 4: Jornal n.º 19, Dez. 2001

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Querem dar um abrigo às pessoas que mo-ram na rua. Fazer coisas para as pessoas po-bres. Fazer por exemplo um Centro de Acolhi-mento, para as pessoas não viverem na rua.

Pensamos que assim as pessoas ficam con-tentes e se elas acreditam nele e disserem queele deveria ser presidente de Oeiras, e ele disseque queria ser, ele fica na Câmara de Oeiras.

Mas, foi assim: fizemos mais de 10 per-guntas.

Primeiro perguntamos como eles se chama-vam; disseram Arnaldo e Isabel.

A segunda pergunta foi: «Porque decidiramser candidatos?»

Responderam que não decidiram ser políti-cos, mas que todos nós o somos. Vem umaideia à nossa cabeça para melhorar algumacoisa e já está.

Mas pensam que podem ajudar as pessoase então fizeram-se candidatos.

E a terceira pergunta foi: «Quem vos deu aideia?»

A Isabel disse que foi a Isabel que deu aideia a si própria e ao Arnaldo foi também elepróprio.

Depois perguntámos:«O que se tem que fazer para ser candi-

dato?»Responderam: «Ter idade para votar, 18

anos, ser proposto por um partido, ou poruma lista de pessoas que os propõem.»

E perguntámos:– Qual é a vossa idade?

Soubemos que a idade da Isabel é 47, a doArnaldo é 55 anos.

E depois perguntámos:– Qual é a idade que se tem que ter para ser

candidato?

35 para Presidente da República, 18 para oresto.

E também perguntámos:– É preciso alguma prova para ser político?

– Não.– É preciso ir à universidade? De que tipo?

– Não é preciso ir à universidade.– O que pensam fazer para as pessoas que

vivem na rua?

– Damos um abrigo. Deve-se construirCentros de Acolhimento.

E perguntámos:– É preciso votar?Eles disseram que não é obrigatório, mas

que é importante votar. Em democracia todosos cidadãos devem participar nas eleições.

– Porque há eleições todos os anos?

É de 5 em 5 anos para o Presidente da Re-pública, de 4 em 4 para as outras.

– Se forem eleitos, o que fazem para ascrianças?

Nós perguntamos também se podem impe-dir pessoas de levarem crianças escravas.

O Arnaldo disse que felizmente não hácrianças escravas aqui em Portugal. Mas háoutra coisa grave, que é o trabalho infantil.São crianças que trabalham em fábricas de cal-çado por exemplo, e não vão à escola.

E disse que é importante fazer com que to-das as crianças continuem na escola, pelo me-nos até o 9.º ano, e de preferência mais tempo.O Bruno contou que o primo dele deixou a es-cola para ir trabalhar. Mas depois conseguiu ti-rar o 9.º ano.

Aprendemos algumas coisas novas.

– Que Polis quer dizer cidade, por exemplo.O Arnaldo Pereira disse que Polis quer di-zer cidade em grego, e também que as pa-lavras «polícia» e «política» vêm de Polis. Ele disse que não é preciso uma provapara ser político. Qualquer cidadão podeser político e trabalhar para a Polis, isto é,para a cidade, e até disse que todos nóssomos políticos.

– Sabemos agora também que para ser can-didato não é preciso ir à universidade,

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mas para ser candidato a Presidente da Repú-blica, é preciso ter 35 anos. Para a autarquiatem que se ter 18 anos.

– Pode-se votar a partir de 18 anos, masnão é obrigatório votar. Talvez se possavotar a partir dos 16 anos de aqui algunsanos.

– CDU quer dizer Coligação DemocráticaUnitária.

Antes de se despedirem, ofereceram-nosauto-colantes e canetas e também umas folhascom as fotos dos candidatos. Deram-nos tam-bém um livrinho, que conta o que a CDU querpara a Câmara de Oeiras.

Nós oferecemos 4 jornais, um era «Os di-reitos da criança», o outro era «À nossavolta...» e os jornais de Outubro e Novembro.

No fim, a Tatiana Helena escreveu: «Eu gos-tei muito de vocês, porque gosto de pessoasque ajudam as pessoas pobres. O que dão àspessoas pobres que vivem na rua? Dão abrigoe dão comida no abrigo, e assim não morrem.»

A turma

Eleições democráticas

Buescu (2001) provoca com «O princípio [...]de «um homem – um voto», conhecido por «votaçãoplural», não é o processo mais justo de proceder auma eleição.» No artigo «Viva o Festival da Can-ção», ele demonstra como a votação apenas nocandidato favorito, pode não reflectir correcta-mente o conjunto das opiniões dos eleitores.

Aproveitei simular a «eleição de vereado-res» para a nossa sala. O relato completo de 4sessões de trabalho ao longo de duas semanasestá descrito em «Discussões Matemáticas»(Paulus, 2002).

Propus 4 votações diferentes e seguidas, to-das secretas, das quais só íamos ver os resulta-dos, depois das 4 votações.

Assim, houve quatro vezes distribuição deboletins de voto, com as seguintes regras:

1. Escolhe 1 nome de entre todos os nomesda sala, para ser a tua vereadora ou o teuvereador preferido. (segunda coluna dográfico 2).

2. Escolhe 3 nomes de entre todos os dasala, sendo a tua escolha de há um mo-mento a primeira, juntando dois outrosnomes. Escreve os três nomes por ordemde preferência no papel (primeira colunado gráfico 2).

3. Agora, os partidos políticos indicaram aspessoas que podem ser eleitas. São (A) oIvan, (B) a Ana Paula e (C) a Margarida.Escolhe o teu favorito. (quarta coluna dográfico 2)

4. Os partidos continuam a propor estesmesmos 3 nomes, na mesma ordem.Mas agora, podes, a seguir ao teu favo-rito, escrever os dois outros concorren-tes, por ordem de preferência (terceiracoluna no gráfico 2).

Depois de uma primeira apreciação, contá-mos os quatro montes de votos. Para a 1.ª e a3.ª maneira, contámos 1 voto por pessoa. Paraa 2.ª e a 4.ª maneira, atribuímos 3 pontos aoprimeiro nome, 2 pontos ao segundo nome,1 ponto ao terceiro nome.

Na semana seguinte, analisámos os resultados:

Regra 1Naomi 3 votosRuben 3 votosGisela 3 votosAna Paula 2 votos

Regra 2Naomi 14 pontosRuben 14 pontosAna Paula 12 pontosGisela 11 pontos

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Regra 3Ana Paula 7 votosAna Margarida 3 votosIvan 2 votosBrancos 4 votos

Regra 4Ana Paula 25 pontosAna Margarida 23 pontosIvan 18 pontosBrancos 30 pontos

Eis os comentários mais importantes:Marlene: Quando não podemos escolher quem

queremos, não é justo, porque a Naomipor exemplo, com ela não é justo.

Ana Margarida: Mas a Naomi também temmais votos quando só escolhemos umapessoa.

Ana Paula: A Gisela, uma vez tem mais, outravez tem menos.

Eu: quando é que ela tem mais?

Ana Paula: Quando ela tem 3 tem mais.Tiago: Eh? Quando tem 11 tem mais.Ana Paula: Não, porque tem mais do que eu,

e depois tem menos.Eu: Espera um pouco. Quando ordenámos, de-

mos pontos. Quantos pontos é que cadaum podia dar ao todo?

Marlene: 6.Ivan: Não, sim, seis.Eu: como sabes?

Marlene: é 3 + 2 + 1.Eu: Então, quantos pontos foram ao todo?

Ana Margarida: 6 x 16, é...Eu: exacto. 6 x 16, porque foram 16 a partici-

par. Isto dá?

Algum cálculo mental e algumas máquinas decalcular.

Vários: 96.Eu: E quando votaram numa pessoa só, quan-

tos votos foram ao todo?

Vários: 16.Eu: Então a Gisela teve 11 votos em 96 ou

11/96 numa votação e 3/16 noutra.

Lembram-se o que o traço significa?

Margarida: São 11 partes de 96.Ivan: É uma multiplicação, não espera...Adramane: É uma conta de dividir.Ivan: É isto que ia dizer.Eu: então se queremos comparar os dois resul-

tados, podemos dividir. O resultado seráum número grande ou pequeno?

Vários: Pequeno.Ruben: Muito pequeno.Eu: Porquê?

Ruben: porque divides com um número grande.Eu: E?

Marlene: E o outro número é pequeno.Eu: Então, façam lá, com a máquina de calcu-

lar.

Aparecem os resultados: 0,1145833 e0,1875. Controlámos também os resultados deAna Paula, dando respectivamente 0,4375 e0,2604166. Aproveitei para voltar a lembrarcomo é que se comparavam os resultados emeleições. Depois de algum tempo, a Giseladisse: «Ah, não era com aquela coisa por cem?»

Eu: Exacto, comparamos por cada grupo decem, ou por cem.

Margarida: Foi! E isso dá porcentos.Eu: É. Agora, vejam os resultados das nossas

divisões, estes números pequenos. Nãosão assim tão fáceis de ler.Então, os matemáticos propõem multi-plicá-los por 100, o que vai dar exacta-mente a percentagem.

Vários: aaah!Eu: Pois. Assim como é que mudamos os nú-

meros da Ana Paula?

Ruben: É multiplicar por cem? Temos que jun-tar 2 zeros.

Eu: ...Margarida: Não, espera, temos que mudar a

vírgula?

Eu: Porquê?

Marlene: É aquilo da grelha.Rui: É para a esquerda. Não para a direita, não,

não, para esquerda.

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Eu: Então?

Bruno: Dá 43,75 porcento e...Tatiana Helena: 26 vírgula... tem que se ler

tudo isso?

Eu: Não, podemos arredondar, e só ficar comdois algarismos a seguir à vírgula.

Marlene: 26,04 porcento.Eu: Bom, assim posso já mostrar-vos um grá-

fico que o computador fez a partir dos re-sultados:

Os comentários já são poucos. Só achamque é mais fácil de ver do que os números, eque é muito parecido com os gráficos que fi-zemos por causa da estrada e dos gráficos dosinquéritos dos projectos.

Os resultados compilados num só gráfico.(Ver Gráfico 2).

O «jogo» merece um comentário: na nossasala, conseguimos montar uma estratégia paraconstruir uma maioria absoluta, com alguémque à partida não era a pessoa mais votada.Mesmo na seriação dos três candidatos pro-

postos, ela não tem a maioria relativa. Os alu-nos, sem escolhas preferidas, preferem nãoatribuir voto, aumentando os «não atribuídos.

Com a sabedoria adquirida, proponho umafolha de resultados das eleições autárquicas.(Ver Tabela 8).

Pergunto: Então, inscritos, quer dizer o quê?

Ana Paula: Inscritos para serem eleitos.Ruben: Não, inscritos para votar.Eu: E a inscrição é obrigatória ou não?

Coro: É obrigatória.Eu: Lembram-se a partir de que idade?

Ivan: Espera, o Arnaldo disse. É 16, não 18anos, mas pode ser que mude para 16.

Procurámos saber como foi feita a votação:descobrimos que houve três mesas, e não qua-tro, como pensava o Tiago no início, porque oTotal é «o total do país» disse o Ivan. «Não,não pode ser,» disse a Marlene, porque no paíssão mais.

Ruben descobre que é o total das três mesas.Controlamos: 1012 + 1017 + 1001 = 3030.

Gráfico 2: Mais justo; menos justo

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Pergunto quantas pessoas destas votaram.Há vários que respondem logo «933». Quandopergunto se são muitas ou poucas pessoas, aideia é que poucos foram votar.

Também confirmámos:

Eu: 933 fica perto de que número mais fácil?Margarida: perto de 1.000Eu: E 3030?

Marlene: Perto de 4.000.Eu: Não há um mais perto?

Marlene: de 3.000 quero eu dizer.Ivan: De 3.000? Ah! sim, de 3.000Ruben: Então isto é 1000/3000

Eu: E isto dá quanto, quando dividimos asduas partes por 1000?

Rui: dá 100, não dá 1.Eu: E o 3000, fica em quanto?

Adramane: Em 3.Marlene: Então, só votou um em três, Pascal?Ana Paula: Chii, assim não vale a pena votar.

Apresento a tabela 9 e faço mais algumasperguntas.

Eu: São sempre votos?

Margarida: Não, não são.Eu: Porque não?

Tabela 8: Resultados das autarquias – votos

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Margarida: porque têm vírgulas.Eu: Então não são votos?

Ana Paula: Ó Pascal, não podem ser pessoas,com vírgulas!

Ruben: Mas são votos, mas não o número devotos.

Eu: Então é o quê?

Ruben: devem ser porcentos.Eu: Pois. Vejam o que está escrito lá em cima:

em percentagem.

Para terminar

Este trabalho não tem um início. Nem temum fim. O que descrevi aqui são vários mo-mentos de um processo de formação, de umainvestigação e de um trabalho.

Há duas preocupações sempre presentes,neste como em todas as actividades desenvol-vidas com a turma. Manter o trabalho rele-vante e manter uma base para facilitar a aqui-sição de saberes e competências previstas naorganização curricular do ensino básico.

A relevância do trabalho passa pelo signifi-cado que ele tem para o grupo. Desde a ino-cente pergunta «Quem são estas pessoas», no2.º ano, passando pela vivência em que «os po-líticos» algumas vezes nos foram úteis paranos esclarecer, para nos ajudar a resolver umproblema na estrada em frente à escola, e quealgumas vezes não foram úteis (não responde-ram quando pedimos apoio para as mulheresafegãs e deram uma «não-resposta» quandoalertámos para o problema das crianças escra-vas), até à percepção do «jogo das votações»,houve sempre uma vontade de saber mais.

Esta vontade decorre do próprio processode trabalho, em que publicamos o que fize-mos e fazemos porque somos solicitados a sa-ber mais sobre um assunto. Os porquês colec-tivos e individuais, que surgem depois dasleituras dos nossos próprios jornais, depois deouvir as pessoas que nos fazem perguntas nasexposições, depois de vermos que «do outrolado» há quem esteja disposto a responderquando fazemos perguntas, fazem com queretomemos regularmente o fio do trabalho, dainvestigação em curso.

Tabela 9: Resultados das autarquias – percentagem

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A aquisição das competências previstas nocurrículo nacional faz-se em permanência,através do trabalho desenvolvido. Por sucessi-vas e repetidas aproximações, os alunos vão-seapropriando da linguagem matemática e dastécnicas necessárias para poder interpretar osdados que voltam a aparecer em cada novaronda de eleições. Procurámos sempre relacio-nar o que aprendemos de novo com as aquisi-ções e percepções anteriores, no âmbito damesma investigação ou em outras que recor-reram a técnicas parecidas ou que precisaramde uma utilização da linguagem (matemáticaou outra) que vai no mesmo sentido.

Com estas duas preocupações em mente,insisto em que os alunos apresentem o traba-lho realizado à família e à comunidade. Obrigá--los a apresentar, fora do contexto da sala e a

outros, que não estiveram envolvidos no pro-cesso, obriga-os também a reflectir sobre oque fizeram, sobre o que perceberam e sobrecomo apresentar e transmitir esta sabedoria.Ou não será que a competência ganha tam-bém se testemunha através da capacidade demostrar e explicitar o que se fez?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUESCU, Jorge (2001). O Mistério do Bilhete deIdentidade e Outras Histórias. Lisboa: Gra-diva.

PAULUS, Pascal (2002). «Discussões Matemáti-cas». Educação e Matemática, n.º 69, pp. 19--21.

Turma do Pascal (2001). www.minerva.uevora.pt/praticapascal