os policiais podem ser controlados
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Os Policiais Podem Ser ControladosTRANSCRIPT
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Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 23, jan./abr. 2010, p. 142-175
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Os policiais podem ser controlados?
Resumo
A atividade policial na democracia impe a questo sobre o controle dos policiais, ou seja, como assegurar que eles, em sua tarefa de assegurar a ordem pblica, no violaro os direitos dos cidados. A organizao policial inclina-se em direo aos mecanismos formais de controle como as normas e os procedimentos, mas essas formas de regulao de conduta podem ser insuficientes, devido am-pla margem de liberdade que os guardas desfrutam nas ruas. Tomando-se como referncia os discursos de oficiais policiais militares da Bahia, este artigo discute a prtica policial na sociedade democrtica e a percepo elaborada pelos policiais dos mecanismos de controle de seus pares e conclui enfatizando os obstculos que podem ser encontrados na tarefa de controle dos policiais, empecilhos cuja superao torna-se difcil porque tm origem na prpria atividade policial.
Palavras-chave: Polcia. Policiamento. Democracia. Cidadania. Estado de Direito.
* Professor da UFBA e Doutor em Cincia Poltica pela USP.
Antonio oliveirA*
DOSSI
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Introduo
atividade policial na sociedade democrtica impe
a questo do controle dos agentes policiais, ou seja,
como assegurar que os detentores imediatos da fora
pblica no violaro os direitos civis. Alguns dos meios
institucionalizados para garantir essa regulao so os
mecanismos institudos pela prpria organizao: os controles internos.
A organizao policial inclina-se em direo aos mecanismos formais de
controle, como as normas e os procedimentos, mas esses modos de re-
gulao de conduta podem ser insuficientes, devido ampla margem de
liberdade que os guardas desfrutam nas ruas, autonomia que deriva, em
larga medida, da prpria natureza da tarefa de policiamento. Este artigo
discute os mecanismos de controle do policiamento na sociedade de-
mocrtica com o objetivo de apresentar argumentos sobre os obstculos
impostos regulao da conduta dos policiais nas esquinas da cidade,
argumentos derivados de reflexes tericas e de dados produzidos pela
pesquisa para a tese de doutorado em que foram entrevistados em pro-
fundidade 41 oficiais policiais militares de todos os postos. O texto est
dividido em quatro sees. Na primeira e na segunda, analisa-se o debate
acadmico sobre a regulao dessa atividade, a fim de assinalar-se que as
dificuldades impostas a essa regulao no podem ser reduzidas a ques-
tes locais e conjunturais, pois elas tm razes na prpria ocupao profis-
sional. Na terceira seo, discutem-se os mecanismos de controle e seus
limites e recorrem-se s falas de oficiais da Polcia Militar da Bahia para
servirem de referncia aos argumentos; e a concluso enfatiza os empe-
cilhos aos controles externo e interno dos agentes que patrulham as ruas.
A
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A regulao dos agentes policiais
A funo da fora pblica1 marcada pela ambivalncia, pois a repres-
so do, e a proteo ao, cidado decorrem da mesma ao policial. Isso
sublinhado por Jos Vicente Tavares dos Santos: o exerccio da coero fsica
legtima e o desempenho de uma funo social marcada pelo consenso, isto
, o exerccio de funes de bem-estar social ou de relacionamento com
as coletividades ou comunidades locais (TAVARES DOS SANTOS, 1997, p.
161). No entanto, essa ambivalncia algo com que o corpo social tem de
conviver, enquanto a violncia empregada pelo agente for legtima.
O pblico em geral e as autoridades polticas demandam ao policial,
algumas vezes, prticas abusivas contra os transgressores da lei e os promo-
tores de desordens. A admisso da justia particular em relaes privadas
gera pedidos de atos abusivos quando a desordem se instaura, ou ameaa
instaurar-se, na esfera pblica: o arbtrio e a violncia podem ser a respos-
ta do policial a demandas da populao especialmente de baixa renda
(PAIXO; BEATO,1997, p. 246). O contexto social em que se inscreve o
abuso do policial mais complicado do que se sugere e a violncia desse
agente tem, no raras vezes, a conivncia da populao. Teresa Pires Cal-
deira (1991) analisou essa cumplicidade quando abordou o desprezo da
sociedade brasileira em relao aos direitos civis e humanos. Esta pesquisa-
dora discute um fenmeno mais geral que perpassa o imaginrio coletivo
no Brasil e que ajuda a compreender o uso excessivo de fora da parte de
agentes pblicos: a representao social do corpo. Para ela, o corpo con-
cebido pela sociedade brasileira como um espao onde a inflio de dor e
outras formas de interveno so largamente permitidas:
1 Este artigo trata apenas do policiamento ostensivo nas cidades, que, no Brasil, tarefa de polcias militares estaduais.
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(...) o corpo incircunscrito desprotegido por direitos indivi-duais e, na verdade, resulta historicamente da sua ausncia. No Brasil, onde o sistema judicirio publicamente desa-creditado, o corpo (e a pessoa) em geral no protegido por um conjunto de direitos que o circunscreveriam, no sentido de estabelecer barreiras e limites interferncia ou abuso de outros (CALDEIRA, 2000, p. 370).
Se h essa concepo social do corpo e se a ela se junta a complica-da questo da avaliao de dado comportamento ser ou no transgressor da lei (BLACK, 1979), torna-se difcil a consolidao de mecanismos que imponham obstculos agresso fsica ilegtima praticada pelos policiais, pois este tipo de coero empregado contra criminosos e marginalizados pode no ser percebido pela sociedade em geral como abuso de poder, mas como merecido castigo aplicado ao desviante. E, nesses casos, a co-letividade no denuncia, nem quer testemunhar contra o guarda que, a seus olhos, agiu corretamente (quanto ao apoio dos cidados aos abusos do policial, ver tambm BRICEO-LEN et al. 1999). Com estas observa-es, no se pretende isentar de responsabilidade as autoridades policiais pelas prticas ilegais cometidas por elas prprias e por seus subalternos. Apenas se evidencia a complexidade do cenrio onde ocorrem os exces-sos e a necessidade de criar-se mecanismos institucionais que no lhes permitam responder s demandas autoritrias dos cidados, ainda que haja dificuldades para a consolidao desses mecanismos.
A discusso do mau uso do poder policial orientada quase sempre pelo recurso agresso fsica. Embora seja a mais dramtica e visvel for-ma de excesso, ela no a mais frequente. Os abusos mais comuns, pro-vavelmente, concentram-se nos encontros de pouca visibilidade entre o agente pblico e os cidados de segunda classe e envolvem vrios tipos de coero ilegal. Alm disso, h mais um problema que no contemplado pela discusso sobre a fora ilegtima: a polcia dispe de uma fonte de suspeitos, ou seja, um conjunto de pessoas que ela pe a sua disposio e a quem ela recorre quando necessita produzir culpados e resolver em
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pouco tempo alguma ocorrncia criminal, sobretudo as de grande reper-cusso social. A polcia utiliza arbitrariamente essas pessoas para a reso-luo de casos, para apresentar ao pblico as provas de sua eficincia, e, no raras vezes, essa prtica tem a aprovao das autoridades polticas, elas mesmas ciosas de exibirem resultados ao pblico. Essa produo de uma fonte de suspeitos pela polcia universal, assim como universal tambm o perfil dos eleitos: indivduos pobres membros de algum grupo marginalizado e os criminosos, ou seja, as pessoas que nos esteretipos vigentes preenchem as caractersticas de um bandido e algum infrator conhecido que negocia confisses em troca de favores ou para no ser alvo da violncia do policial.
As medidas que podem reduzir o emprego do constrangimento f-sico nos encontros mais visveis no implicam inibir nem este tipo de coero em situaes pouco iluminadas nem os outros abusos, como o indicado anteriormente. Pelo fato de serem muito pouco expostos luz, os excessos praticados na penumbra so objeto de difcil apreenso, di-ficultando tanto a anlise das situaes em que eles ocorrem quanto a elaborao de propostas para sua soluo. Devido ao fato de as pesquisas empricas sobre a conduta indevida do guarda nos encontros de pouca visibilidade serem escassas no Brasil, a discusso terica aqui apresentada permanece restrita ao uso da violncia na atividade policial neste texto, identificada exclusivamente com agresso fsica e s dificuldades de seu controle2. Talvez, de forma indireta, se exponham os empecilhos
2 Os dados que servem para argumentar que h uso excessivo de fora so os de homicdios, porque so as cifras mais precisas sobre a agresso fsica. Isto no significa que todos esses assassinatos foram ilegtimos, mas a quantidade deles pode ser evidncia da necessidade de melhor qualificao dos profissionais. Na cidade de So Paulo, entre 2001 e 2003, os policiais militares assassinaram 1887 pessoas, o que corresponde a 14% do total de homicdios dolosos ocorridos no perodo na capital paulista (os dados para os policiais so da Folha de S. Paulo (03/10/02; 11/02/04), e os dos homicdios em geral, da SENASP). Para a cidade de Salvador, h dados para os anos de 1999 e 2000: os patrulheiros foram responsveis por 208 mortes, o que correspondeu a 17% dos homicdios dolosos nessa capital (os dados para os policiais so da Corregedoria da PMBA e os dos homicdios dolosos, da SSP-Ba).
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regulao das truculncias e da corrupo em geral, principalmente em encontros pouco visveis dos cidados com os policiais.
necessrio enfatizar que violncia e brutalidade no so termos in-tercambiveis. A ltima implica uma srie de comportamentos indevidos do guarda (agresso verbal, gestos obscenos, rispidez etc.), enquanto a agresso fsica uma entre as vrias formas de tratamento imprprio que ele pode dispensar s pessoas. A fora excessiva um risco na ocupao de um profissional que lida com o perigo e treinado para, e autorizado a, usar a fora, inclusive a fatal. A questo que permanece o quantum de violncia justificvel e em quais situaes.
As prescries legais so muito vagas e gerais para servirem de guias precisos aos policiais que, nas ruas, enfrentam situaes ambguas e devem responder a elas de imediato. Por isto, algumas agncias de polcia elabo-ram regras mais claras e restritivas para o uso da fora letal na atividade de policiamento, discriminando as situaes em que esse tipo de violncia no permitido, porm no h a mesma cautela com relao fora no fatal. A falta de claro padro para o recurso agresso fsica em geral faz com que o agente pblico dependa de sua discricionariedade para decidir se deve ou no exercer este seu direito em determinado encontro (REISS, 1971). Todavia, no se deve atribuir negligncia das autoridades policiais a falta de prescries precisas e inequvocas para o uso da violncia em geral, sobretudo da fora no letal, pois essas providncias talvez no possam ser tomadas devido natureza da ocupao policial: o quantum de fora deve usar-se e em que situao. A pergunta parece ser irrespondvel, enquanto a situao a ser confrontada pelo agente permanecer em aberto, e a noo de fora necessria, vaga. O recurso coero fsica como um meio de re-
soluo de conflitos envolve essa complexa questo estrutural que no ser
superada com as perplexidades e a genuna revolta da populao diante
dos excessos dos detentores imediatos da fora pblica.
Alm disso, os policiais frequentemente concebem a si mesmos
como a tnue linha que separa a ordem da desordem. Este senso de que
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sua misso combater a desordem, os grupos perigosos e os desregrados
pode dar conta de muitos de seus abusos, pois, no af de tornar o mundo
melhor ou mais limpo, o policial pode enveredar pelo caminho da ilegali-
dade, desde que este lhe parea mais eficiente para atingir os fins por ele
prescritos (quanto a essa prtica na polcia civil, ver KANT DE LIMA, 1995;
BRETAS; PONCIONI, 1999). Alm desse sentimento de dever para com
a boa sociedade, aprende-se, na socializao informal, que os colegas re-
compensam as aes agressivas e punem o comportamento cauteloso: po-
liciais cautelosos so vistos como parceiros de risco, pois expem ao perigo
o colega (LESTER, 1996). Os agentes da fora pblica que no confrontam
o cidado quando este os desafia so reprovados pelos seus pares:
Existe forte crena subcultural que o policial, ao ignorar os de-safios dos cidados, perde o respeito do conjunto da popu-lao e torna difcil a outros policiais trabalharem no local. O cdigo policial probe dar as costas (REISS, 1971, p. 150).
Outro componente da cultura ocupacional que favorece o abuso
do poder o fato de o policial conceber os desafios dos cidados como
um desacato sua pessoa (BECKER, 1991), ou seja, ele no percebe sua
autoridade como funcional: o policial pensa a si mesmo no como um
instrumento do governo, mas como uma pessoa em interao com outra
pessoa (TOCH, 1996). A personalizao da relao entre o profissional e
o cidado pode ter efeito negativo, pois o fato de o guarda dar as costas
ao tratamento incivil que lhe foi dispensado pelo cidado pode ser visto
pelos parceiros como aceitao da humilhao, e no como evitao de
um confronto que pode desencadear atos violentos de consequncias
imprevisveis, e o resultado desse modo de perceber as coisas pode ser o
conflito que deveria ter sido evitado pelo policial.
Nesse debate acerca do controle da coero fsica no policiamento,
costuma-se fazer distino entre a regulao da fora letal e a da no fatal.
Ainda que o recurso fora mortal seja tido como de mais fcil controle,
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os estudos revelam que se sabe muito pouco sobre as condies e as situ-
aes em que ela usada (WAEGEL, 1984; GELLER; SCOTT, 1992). Mas,
aps comparar o uso da fora letal entre vrias unidades de polcia, Geller
e Scott sugerem que este uso est associado reverncia vida humana
nutrida pela cultura organizacional da agncia e que os administradores
da polcia podem estimular este princpio, atravs da adoo de uma po-
ltica clara e consistente de restrio ao uso da fora mortal; uma poltica
em que so relevantes o treinamento, o desenvolvimento de tticas e de
instrumentos alternativos, a liderana, a poltica de pessoal e a declarao
constante e firme em defesa da vida.
O trabalho de Waegel dirigido s representaes dos policiais
quanto ao emprego da violncia letal, e o autor sublinha tanto as cren-
as prospectivas que influenciam sua deciso de usar as armas quanto
as interpretaes retrospectivas dos eventos ocorridos. As primeiras so
valores e princpios defendidos pelo agente e que lhe permitem violar
tanto as proibies gerais quanto as regras especficas da agncia policial,
fornecendo a justificativa para a conduta indevida; as segundas so inter-
pretaes particulares do acontecimento em que o agente se envolveu e
revelam os modos especficos de as pessoas justificarem suas aes quan-
do requeridas a faz-lo (WAEGEL, 1984, p. 145).
Esses mecanismos de justificao da conduta ilegal podem ser de-
nominados de tcnicas de neutralizao, ou seja, racionalizaes que ne-
gam a existncia da vtima e a da agresso ao olhar a outra pessoa como
algum que merece a injria aplicada e, por conseguinte, absolvem da
pena aquele que inflige o dano:
A prpria indignao moral e a dos outros so neutralizadas por uma insistncia na afirmao de que a injria no era errada luz das circunstncias e em relao a quem ela foi aplicada, ao contrrio, ela era um modo correto de reta-liao ou de punio; a injria no foi de fato uma injria (SYKES; MATTA,1957, p. 668; traduo livre).
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As pessoas categorizadas por esteretipos so vistas como diferentes
em uma forma essencial dos cidados respeitveis. Em alguns casos elas
so percebidas como subumanas quando rotuladas de anormais; impu-
tado a elas a inferioridade moral, o que as torna merecedoras do trata-
mento abusivo aos olhos tanto de quem aplica a punio quanto, muitas
vezes, da sociedade em geral. Essas tcnicas de neutralizao utilizadas
pelos delinquentes so apropriadas para interpretar-se a conduta do po-
licial infrator, uma vez que, ao infringir o cdigo penal, ele se torna um
ofensor, e no parece haver razo para interpretar-se o comportamento
delinquente do guarda de modo diferente ao que se emprega na compre-
enso da conduta de outros transgressores. Se, por um lado, os policiais
adotam tcnicas de neutralizao da culpa, por outro lado, eles esto
dispostos a reconhecer seus erros em alguns casos em que recorreram
fora mortal. Todavia, a maioria deles acredita que os enganos so inevi-
tveis devido especial natureza de seu trabalho, principalmente porque
eles devem decidir sobre o emprego da arma em fraes de segundo (Id
rather be judged by twelve than carried out by six; WAEGEL, 1984, p.
147). Eles alegam que seus encontros com o pblico so invariavelmente
complexos e ambguos, tornando a culpabilidade de qualquer guarda em
dada situao difcil de ser avaliada. Desde que os mtodos duvidosos
sirvam ao propsito de fazer justia, eles caem dentro da definio do
comportamento aceitvel pelos profissionais:
A presteza a dispensar justia nas ruas est enraizada em trs crenas amplamente compartilhadas: 1) atirar em suspeitos dispensa uma verso de justia no comumente dispensa-da pelas cortes; 2) o pblico quer que a polcia atire em suspeitos quando eles so vistos cometendo um crime; 3) atirar em suspeitos tem o efeito de dissuaso que beneficia os cidados respeitadores da lei (WAEGEL,1984, p. 149).
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Devido constatao do peso das regras informais na conduta do
agente e natureza do policiamento, que se desenrola frequentemen-
te em condies de pouca visibilidade, os resultados do debate sobre o
controle da ao policial talvez no permitam muito otimismo. Alguns
pesquisadores inspirados no interacionismo simblico so cticos quanto
eficcia de qualquer controle externo inclusive o da hierarquia da
polcia , porque a atividade policial seria orientada basicamente pelas
regras informais derivadas da cultura ocupacional e pelas situaes do
encontro entre o agente pblico e o cidado, ou seja, pelo tipo de inte-
rao que se d entre os dois atores no curso do evento, e isso poria em
dvida o controle dos policiais mediante as regras formais. Diversos so os
trabalhos que fornecem indcios que confirmam essa reflexo. Contudo,
pode apontar-se um problema com esse ceticismo. Quando os especia-
listas afirmam que os policiais esto sempre preocupados em encontrar
cobertura, ou seja, em produzir aparncia de legalidade para seus atos,
afirma-se, indiretamente, que eles tm de observar as regras formais, pois,
caso eles as ignorem todo o tempo, ou delas afastem-se muito, haver
dificuldades para cobrirem-se. Esquece-se tambm que a cultura profis-
sional no construda sobre um vazio social, ou seja, a cultura policial
incorpora elementos das normas, dos princpios, dos valores e das leis
vigentes na sociedade e na corporao em que o agente est inserido.
Na discusso deste tema, ou seja, o do peso da cultura ocupacional
na conduta do agente, vale sublinhar a contribuio de Clifford Shearing e
Richard Ericson, pois eles frisam que a transmisso da cultura policial no
um processo automtico de internalizao das regras. Ela se d atravs
de uma coleo de histrias e de aforismos que instruem os policiais so-
bre como ver o mundo e agir nele (discutindo a prtica policial no Brasil,
Roberto Kant de Lima (1989) aponta o uso corriqueiro de histrias atravs
das quais os policiais apresentam as suas concepes sociais). As histrias
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e os aforismos, atravs de suas mltiplas reticncias, reservam o espao
para a interpretao e a criao dos policiais individuais, pois elas proveem
os agentes com instrumentos que eles podem empregar em seu trabalho,
entretanto sem minimizar o fato de que isto ainda requer sua iniciativa
(SHEARING; ERICSON, 1991, p. 489-492). Essa reflexo enfatiza o papel
ativo dos agentes e, ao faz-lo, mostra que o policial individual o rbitro
final ou o mediador das influncias estrutural e cultural da ocupao. Isto
indica que as presses ocupacionais so mediadas pelas experincias indi-
viduais (CHAN, 1996), e, portanto, que a cultura policial dependente do
ambiente poltico, social, legal e organizacional no qual ela se desenvolve.
A proposio segundo a qual as aes do guarda so bastante afetadas pela
cultura ocupacional verdadeira, mas a de que esta cultura moldada
apenas pela prtica de trabalho, no. As aes externas podem influenciar
a cultura profissional e, por conseguinte, as prticas dos agentes, por isso
outros analistas acreditam que os controles exteriores podem influenciar
positivamente a conduta do agente nas ruas, ainda que se reconhea a per-
tinncia dos argumentos dos autores que enfatizam a situao do encontro
como principal indutor do comportamento do guarda.
O debate sobre a regulao do poder policial est longe de ser es-
gotado e os termos em que ele posto envolvem os meios de controles
interno e externo.
A eficincia dos mecanismos de controle
O controle externo sobre a polcia tem limitaes como ser visto
adiante, mas alguns pesquisadores o considera indispensvel. Analisando
a agresso policial, Paulo de Mesquita Neto indica a pertinncia da regu-
lao exterior, mas sublinha o controle interno, pois este traz embutida a
necessidade de profissionalizao da agncia e de melhoria da formao
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dos guardas, o que poderia repercutir tanto na qualidade dos servios
prestados quanto no controle da violncia policial (MESQUITA NETO,
1999). Essa relevncia dos controles internos, principalmente a qualifica-
o profissional, enfatizada pelos pesquisadores norte-americanos. Isto
no significa recusar os mecanismos externos de controle, sempre defen-
didos, mas reconhecer que essas formas so insuficientes diante do grau
de discricionariedade do agente da polcia, da fluidez de seu mandato e
da dificuldade de demonstrar-se o uso da fora excessiva no julgamento
civil/penal ou nos vrios tipos de reviso de sua conduta, sobretudo quan-
do se trata do emprego da fora no letal contra cidados marginalizados
em encontros pouco visveis. Por causa dessa complexidade, os meca-
nismos empregados para o controle do policial tendem a ser mltiplos,
como argumenta David Bayley ao apresentar diversos mecanismos de re-
gulao adotados por diferentes pases, mas sempre uma combinao de
mtodos externos e internos (BAYLEY, 1996, p. 286-290; 1998).
A m conduta do policial difcil de ser demonstrada por vrias ra-
zes: a ausncia de uma teoria da fora excessiva que permita identificar
sem equvoco o abuso do policial; a suspeio dos denunciantes perante
o tribunal; a maior credibilidade do agente pblico frente ao acusado
de crime; a relutncia de testemunhos policiais; e a indisposio pblica
de aplicar aos funcionrios da lei as penas reservadas aos delinquentes
(KLOCKARS, 1996). Podem acrescentar-se ao rol desses empecilhos, a
identidade de interesses entre a polcia e os promotores e a necessidade
de manuteno de boas relaes de trabalho (...) (CHEH, 1996, p. 252).
Outro fato que minimiza o efeito das aes judiciais sobre o uso da fora
excessiva indicado por Albert Reiss: Quando ocorre a m conduta po-
licial, a organizao no atingida, por isso ela no precisa temer a m
conduta, exceto em casos escandalosos (REISS, 1992, p. 75). A lei crimi-
nal no tem como agir sobre a agncia de polcia e sua organizao, por-
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tanto as fontes sistmicas do mau comportamento individual no sofrem
perturbaes, ou seja, os fatores organizacionais que favorecem a condu-
ta indevida permanecem intocveis, a exemplo das formas de promoo
e da distribuio de prmios que privilegiam a bravura e o destemor.
Jerome Skolnick e James Fyfe sugerem que a raridade das conde-
naes de policiais em processos criminais advm do fato de que leigos
no so adequados para julgar delitos decorrentes da m conduta ocupa-
cional, pois falta-lhes a competncia tcnica necessria para avaliarem se
houve prtica inadequada:
No menos difcil para os jurados em julgamentos cri-minais concluir, alm de qualquer dvida razovel, que as aes profissionais da polcia foram criminosas ao invs de medidas defensivas apropriadas. Os promotores sabem dis-to e eles no gostam de perder. Os promotores so relu-tantes a agir contra a prpria polcia, sua parceira usual em procedimentos criminais (SKOLNICK; FYFE, 1993, p. 199).
De fato, difcil o julgamento da conduta indevida de qualquer
profissional na execuo de seu trabalho, uma vez que a profisso des-
fruta o reconhecimento social de que s os expertos sabem como exe-
cutar determinada tarefa, o que exclui, portanto, o leigo de julgar com
competncia o modo como o profissional, enquanto especialista, agiu no
cumprimento de sua misso, exceto quando h erro bvio e grosseiro,
a exemplo do bisturi que esquecido dentro do paciente. Nos demais
casos, a prpria Justia, para emitir seu juzo, recorre ao parecer tcnico
dos colegas de quem est sob julgamento. Esses empecilhos avaliao
do mau comportamento do agente de polcia fizeram com que Carl Klo-
ckars sugerisse uma teoria da fora excessiva; uma teoria que servisse de
referncia para avaliar se a coero usada pelo policial em determinado
evento foi a necessria e nada alm disso.
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No se pode identificar com exatido a fora excessiva, exceto em ca-sos bvios e raros. A definio oferecida pela mais alta corte norte-america-na de apelo insuficiente para os pesquisadores dos Estados Unidos (basta citar que um dos itens exigidos por essa corte para caracterizar-se a violn-cia como abusiva o seu carter manifestamente sdico). A distino feita pelos tribunais brasileiros entre fora e violncia tambm no satisfatria por ser vaga demais: a primeira a fora necessria; a segunda, a excessiva. Assim sendo, para Klockars, tornar-se-ia indispensvel elaborar a teoria da fora excessiva, a fim de que se pudessem adotar medidas reguladoras do uso da agresso fsica. Para elaborar essa teoria, a polcia deve tomar como referncia seus profissionais mais altamente qualificados: Fora excessiva dever ser definida como o uso de mais fora que um policial altamente qualificado consideraria necessrio usar naquela situao particular (KLO-CKARS, 1996, p. 8). A partir dessa definio, poder-se-ia avanar na discus-so do controle da violncia, pois ela engloba tanto os casos de abusos j definidos em leis e regulamentos quanto aqueles de menor visibilidade e os decorrentes da falta qualificao profissional.
Estas observaes sobre os mecanismos de controle so judiciosas, pois mostram que a transferncia justia comum do julgamento dos abusos e crimes de policiais militares no Brasil pode no ter impacto signi-ficativo no uso da fora3, principalmente no da no letal e contra cidados de segunda classe, que, uma vez agredidos, no se sentem vontade em
denunciar e, quando denunciam, tm pouca credibilidade perante as
3 Os policiais militares esto sob a legislao civil para os crimes de homicdio desde 1996 e alguns deles continuam assassinando com a mesma desenvoltura do perodo anterior lei que transferiu o julgamento de guardas homicidas para o tribunal civil. Quando menos, a Polcia Militar de So Paulo no reduziu suas taxas de assassinato (1996, p. 368; 1997, p. 436; 1998, p. 466; 1999, p. 577; 2001, p. 590; 2002, p. 541; 2003, p. 756). Isto refora a tese defendida por alguns especialistas de que as decises do judicirio e a lei criminal no tm muito impacto sobre a violncia policial, inclusive sobre o uso da fora letal. A mdia anual de homicdios praticados pelos milicianos paulistas, entre 1990 e 1992, era de 1030; depois do escndalo do Carandiru, a mdia entre 1993 e 1996 caiu para 388 (Folha de S. Paulo, 27/04/2000), o que indica a importncia dos controles internos e, provavelmente, dos informais.
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agncias pblicas e prpria sociedade. Ademais, como pesquisadores
americanos argumentam, as aes judiciais no cobem o uso excessivo
da fora no letal:
Nem a prtica e a teoria nem a realidade e a percepo coin-cidem sempre, e a concepo geral da influncia das Cortes sobre a atividade policial exagerada. A exclusionary rule no inibe prticas abusivas (SKOLNICK; FYFE, 1993, p. 94).
Alm disso, o controle do crime , frequentemente, visto pelos jui-
zes como um interesse maior, e, quando a fora percebida como neces-
sria para coibir a infrao penal, ela vista tambm como legtima, ainda
que seja legalmente discutvel. Em poca de sentimento de insegurana
exacerbado e de aumento da criminalidade, os meios heterodoxos de
obteno de provas so tomados como legtimos pelas cortes. Na d-
cada de 1980, a Suprema Corte norte-americana sancionou a violao
de procedimentos legais na obteno de provas, a exemplo de permitir
que o acusado fosse interrogado sem ter sido avisado de seus direitos, ou
ento ser interrogado na ausncia do advogado (SKOLNICK; FYFE, 1993,
captulo 3). Os juizes no parecem muito dispostos a recusar punio a al-
gum reconhecidamente culpado por causa do comportamento indevido
do policial durante a priso ou a investigao (KLOCKARS, 1991, p. 426);
para uma reflexo mais aprofundada sobre a tenso, dentro do sistema
penal, entre o modelo de controle do crime e o modelo do respeito s
regras do direito (ver PACKER, 1968).
O impacto do judicirio sobre a atividade policial no muito gran-
de, o que se pode inferir depois de anos de pesquisa e reflexo em um
pas de democracia consolidada e de judicirio eficiente, quando menos,
mais eficiente que o brasileiro. Estas observaes no refutam a legitimi-
dade da pretenso de julgarem-se os milicianos na justia comum, mes-
mo porque o mtodo democrtico adotado no por ser o mais eficiente,
mas por garantir o tratamento equnime dos cidados, o qual um dos
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pilares da democracia. Alm disso, uma chave no desenvolvimento da
polcia como profisso foi a mudana de sua identificao como fora
militar empregada para propsitos de segurana interna, ela passou a ser
definida como uma agncia especializada e autnoma, distinta do exr-
cito, para gerenciar os conflitos internos e passou a ser uma organizao
vinculada ao sistema legal ordinrio, e seus integrantes tornaram-se sub-
metidos legislao e ao procedimento jurdico que atingem os outros
cidados. As observaes apresentadas sobre os limites da interveno
do judicirio na ao policial apenas pretendem ressaltar a complexidade
da violncia policial e a de seu controle. Os autores americanos parecem
inclinar-se defesa da qualificao profissional como meio mais eficaz
para reduzir o uso excessivo de fora, pois esto convencidos de que h
correlao entre o recurso s formas ilegais de ao e a incompetncia
tcnica para resolver-se adequadamente o conflito.
Neste debate acerca do controle da atividade policial, no se pode
ignorar o hbito corrente entre as autoridades polticas e policiais da emis-
so do chque en gris, expresso cunhada por Jean-Paul Brodeur (1991)
para nomear a prtica da prescrio de ordens muito vagas e gerais que
permitem ao emissor isentar-se de culpa em casos de abuso da parte
de quem as executou, com o argumento plausvel de que no emitiu
aquela ordem. Porm, o chque en gris possibilita ao executante tambm
afirmar que sua conduta estava de acordo com dada interpretao da
ordem recebida. Desta forma, todos se isentam de responsabilidade: as
autoridades polticas, o comandante/chefe de polcia e os policiais subal-
ternos. Alis, esta declarao de iseno de culpa muito comum po-
lcia. Os agentes desta corporao so notrios defensores da autonomia
profissional, todavia nunca aceitaram a responsabilidade que a segue. Sua
reivindicao de autonomia acompanhada da imputao de culpa
sociedade em geral desajuste familiar; desemprego; falta de educao;
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crise dos valores; permissividade quando eles fracassam na execuo de
suas tarefas, inclusive na tarefa de regulao da conduta de seus pares nas
ruas. Diante das constantes denncias de agresso policial veiculadas pela
imprensa e dos dados de homicdios praticados pelos agentes da fora p-
blica, talvez seja relevante discutirem-se os mecanismos de regulao luz
dos discursos daqueles que, dentro da organizao, so os responsveis
pela formao, pela superviso e pela punio desses agentes: os oficiais.
Os mecanismos elaborados pela PMBA
Nos anos de 1990, os administradores da PMBA iniciaram um pro-
cesso de reforma organizacional e operacional, a fim de produzir uma
agncia mais eficiente e agentes mais civis no trato com os cidados. Os
dirigentes adotaram como estratgia o policiamento comunitrio, que
pretende envolver a populao na definio das tarefas da Corporao,
ao mesmo tempo em que esta se torna mais responsvel perante aquela.
Como sabido atravs das notcias transmitidas pela imprensa, o milicia-
no frequentemente acusado de comportamento desrespeitoso dos di-
reitos individuais e de uso excessivo de fora. Logo, a forma de regulao
da conduta dos agentes adotada pela PMBA pea fundamental para a
implementao de uma fora pblica que cumpre seu papel constitu-
cional de assegurar os direitos fundamentais, entre eles, o da integridade
fsica das pessoas, que no deve ser ameaada, sobretudo, pelo Estado. A
regulao do trabalho policial esbarra em dificuldades impostas pela na-
tureza desta atividade, porm empecilhos no implicam impossibilidade,
quer dizer, o fato de que o guarda usufrui de ampla margem de manobra
nas ruas no significa que os regulamentos e as normas organizacionais as-
sim como as polticas de recompensa e de punio adotadas e defendidas
pela Administrao no interfiram em sua conduta ocupacional.
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Na pesquisa emprica, os oficiais foram interrogados sobre as formas
de controle da atividade policial mantidas pela PMBA, sobretudo no que
diz respeito s praas, pois so elas que vigiam as esquinas da cidade. Alm
da superviso do trabalho pelos superiores hierrquicos, a exemplo das
rondas dos oficiais, a Corporao instituiu um mecanismo de reviso inter-
na da conduta: as corregedorias. Cada Companhia tem uma corregedoria
e um setor de informaes que deve no s verificar as denncias contra
os policiais mas ter a iniciativa de investigar a conduta dos agentes na rea
de sua atuao. Existe ainda a Corregedoria Geral para onde o cidado se
pode dirigir, caso sinta-se constrangido em denunciar o guarda em seu local
de trabalho. Em princpio, esses mecanismos internos de reviso de con-
duta so adequados para apurarem as denncias do pblico e proporem
medidas corretivas, pois eles so formas de investigao que envolvem os
agentes da prpria Instituio, o que facilita os trabalhos de apurao do
comportamento denunciado, como comprovam as pesquisas que compa-
ram os resultados obtidos pela reviso interna e pela reviso externa das
aes do guarda. Afirmar que as corregedorias so um mecanismo ade-
quado de regulao da conduta no significa dizer que elas tm eficcia
concreta no caso da PMBA, apenas se afirma que a experincia tem tes-
temunhado a importncia dos mecanismos internos de reviso, sobretudo
quando eles so comparados aos externos (PEREZ; MUIR, 1996).
Mas, se essas formas de regulao da atividade policial so necessrias,
elas no so suficientes. Para que se possa melhor argumentar, decidimos
reproduzir alguns discursos dos agentes sobre outros modos de controle:
Eu acho que o Ministrio Pblico, apesar de ostentar essa ban-deira do controle externo da atividade policial, mas ele atua de uma forma tmida. Eu penso que ele teme se comprometer, acho que ele diz assim: que se ele atuar muito prximo da pol-cia, ele vai se comprometer, ou vai se contaminar, vamos dizer. uma viso sem nenhuma fundamentao, apenas na base do achismo, mas ele no exerce efetivamente (Cel. B).
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J que somos uma instituio que lida com a violncia, com ficar face-a-face com o perigo o tempo todo, eu acharia que o Estado deveria dotar a polcia, tanto a militar quanto a ci-vil, de um departamento de apoio psicolgico que atuasse, por exemplo, quando um policial nosso, ele se envolvesse com confronto que houvesse morte, ou que houvesse aque-la tenso, aquela adrenalina toda, aquela carga toda, que ele, ao invs de voltar diretamente pro servio, que ele fos-se ter acompanhamento psicolgico, porque tm situaes que acabam viciando (Ten. I).
O tenente I indica um problema institucional para regular a ao
do agente: a falta de uma assistncia especializada ao policial que, por
alguma razo, se envolveu em episdios de violncia, gratuita ou no.
O tenente toca na delicada questo de a violncia tornar-se um hbito
provocado pela profisso, sobretudo porque o agente pode acreditar que
as leis no colaboram com seu trabalho e isto pode induzi-lo justia
privada. O problema de policiais envolverem-se em atos infracionais e
fazerem disso um hbito foi discutido por Gary Marx (1988). O enten-
dimento desse problema no estranho Administrao da PMBA, pois
seu Estatuto prev o acompanhamento social e psicolgico de agentes
que se envolveram em problemas mais srios, como nos casos de homic-
dios, mas parece que essas medidas no foram atualizadas, como indica
a fala do tenente e que foi comprovada pela nossa pesquisa. H alegao
da falta de recursos, mas o problema principal pode ser o da importncia
conferida pela Administrao ao tema, pois a milcia dispe de um qua-
dro de profissionais especializados assistentes sociais e psiclogos que
poderiam estabelecer o diagnstico, indicar a terapia adequada e acom-
panhar os policiais. Ao argumento de que a retirada dos guardas para se-
rem submetidos a esse acompanhamento provocaria falta de pessoal nas
ruas, pode responder-se que, se a retirada deles provocar esvaziamento,
h, ento, policiais demais envolvidos com prticas de violncia, tenha
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sido ela necessria ou no, e, alm de esses agentes serem uma ameaa
ao pblico e no uma garantia de segurana, a Corporao deve repensar
seu modo de preparao dos guardas, pois, ainda que os atos de violncia
praticados tenham sido legais, eles podem indicar a incompetncia tc-
nica dos agentes, que no saberiam empregar meio alternativo coero
fsica na resoluo do conflito, sobretudo no que se refere ao uso da fora
letal. Nesses casos, a requalificao profissional pode ser de mais valia do
que a simples punio, ou seja, deve-se sublinhar a responsabilidade da
organizao pelo comportamento de seus agentes.
No debate pblico sobre o tema comum assinalar-se a necessidade
de rgos oficiais que tenham a funo de fiscalizar o trabalho policial, ou
seja, a defesa do controle externo. Mas, o coronel B indica a existncia
de um srio problema quanto a esse controle: o Ministrio Pblico no
cumpriria seu dever legal por temer agir muito prximo da polcia, por te-
mer contaminar-se, talvez porque a polcia lida com o lixo da sociedade e,
pode complementar-se a fala do coronel B, adota mtodos sem os quais
o sistema penal teria dificuldades para funcionar, mas que so recursos
legal e moralmente dbios, e, assim sendo, a imagem pblica negativa
da polcia poderia ser transposta para o Ministrio Pblico. A questo
central aqui no a de o discurso do agente revelar ou no a realidade,
e sim que ele encontra eco nas reflexes tericas. Egon Bittner (2003)
com uma anlise sociolgica apurada e Casamayor (1973) com uma
interpretao mais filosfica discutiram o porqu de os juizes relutarem
em trabalhar mais prximo da fora pblica, inclusive para fiscaliz-la: o
sistema criminal necessita dos meios pouco ortodoxos empregados, s
vezes, pelos policiais na deteno do infrator e na apurao dos fatos
(por exemplo, sem a suspeio do guarda, que pode ferir os direitos civis
e a dignidade humana, os ofensores s seriam detidos em atos visveis de
flagrante delito, ou seja, muitos delinqentes que respondem a processos
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ou que esto na cadeia no teriam sido apanhados; sem esquecer os m-
todos de obteno de provas e de confisses que serviro de guia aos ma-
gistrados em sua apreciao do processo, procedimentos que nem sempre
seguem s boas regras do direito mas que esclarecem os fatos). Os juizes
sabem disso, reconhecem em silncio essa necessidade e, exatamente por
isso, preferem manter-se distante da polcia, a fim de assegurar a imagem
imaculada do judicirio dentro de um sistema que est longe de ser virtu-
oso. Verdade que as anlises desses dois autores referem-se ao judicirio,
mas elas podem ser transpostas sem dificuldades para a relao entre a
promotoria e a polcia e elas permitem entrever os obstculos ao controle
externo da atividade policial pelas instncias superiores do sistema criminal.
Outra forma de estimular o bom comportamento na ponta do sistema,
isto , nas ruas, seriam as formas de recompensas para os milicianos mais
destacados. Contudo, o trabalho na rea operacional no o mais valorizado
pela Administrao. A pesquisa revelou que os policiais que atuam na rea
administrativa, ou fora da Corporao, ganham mais, tm mais prestgio e
so promovidos mais rapidamente do que seus pares que asseguram a tran-
qilidade nas esquinas da cidade. Se o guarda se destaca pela boa conduta e
pela eficincia nas ruas, e, por causa disso, os superiores acham que ele deve
ser recompensado, seu nico prmio pode ser o de ir para a administrao,
ou para algum rgo fora da Instituio, isto , se algum policial se destaca
por ser um bom patrulheiro, a populao corre o risco de perd-lo. Portanto,
esse mecanismo de controle recompensa para induzir boa conduta que
a Administrao poderia dispor para regular os agentes na via pblica no
eficiente pela simples razo de ele no existir.
Se os oficiais concebem os mecanismos internos de controle
como adequados e defendem alguns externos, existiria, porm, um
fator que ditaria o comportamento dos guardas e imporia obstculos
ao controle institucional:
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Cabe sociedade formar pessoas menos preconceituosas, e isto muito difcil. A PM recebe homens prontos, que j to formados. A gente d formao tcnica e tenta melhorar essa pessoa como ser humano, mas se ela no tiver recepti-va a isso, nada vai fazer ela mudar (Ten. A).
A, a gente pega uma pessoa desta da sociedade, que pensa que a polcia pode tudo, entra no curso de formao, aquela formao, por ser no espao de tempo pequeno, no d pra trabalhar este homem, at pra mostrar a realidade dos fatos, das coisas, dos acontecimentos. Ento, ele entra na Corpo-rao achando que polcia pode tudo, no ? (TCel. B).
Sem pr em dvida que a imagem de uma fora pblica que pode
tudo seja decorrente tanto de uma histria de autoritarismo poltico que
sempre caracterizou o pas quanto da percepo que vigora na sociedade
brasileira, de acordo com a qual os direitos individuais e humanos so
privilgios (CALDEIRA, 1991), h, nessas falas, uma tendncia de o oficial
eximir-se da responsabilidade pela conduta dos subordinados, uma vez
que eles no teriam como agir sobre as pessoas que chegam Instituio
com atitudes autoritrias. Alm dessa inclinao a isentar-se de respon-
sabilidade porque as pessoas j chegam adultas , h a imagem que os
oficiais constroem das praas e que pode ter impacto nos mecanismos de
regulao que os primeiros estabelecem para os segundos.
A origem social e a qualificao profissional das praas so distintas
das dos oficiais. Estes, em geral, pertencem s famlias de renda superior
quelas e, mais importante, so submetidos ao curso de formao profis-
sional reconhecido como de nvel superior, o que implica distino clara
entre os dois estamentos no interior da Corporao. Quando interrogados
se, alm das atitudes concebidas fora da PMBA, a origem social das praas
dificultava o seu controle, eles responderam que sim.
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A percepo de que a origem social das praas favorece sua m
conduta pode ser inserida na viso amplamente compartilhada pela so-
ciedade que associa pobreza ao crime e violncia. No cabe aqui dis-
cutir a pertinncia dessa correlao, mas devem analisar-se suas possveis
conseqncias na regulao da atividade policial. Na medida em que se
atribui a conduta indevida dos agentes a fatores externos Instituio,
h a probabilidade de os fatores organizacionais que podem influenciar
o mau comportamento a formao tcnica deficiente, as formas de re-
compensa que no levam em considerao a conduta do agente em seu
trato com o pblico e a excessiva distncia entre quem planeja e quem
executa o trabalho serem negligenciados frente aos elementos exterio-
res que favorecem a atuao inadequada dos atores. No se duvida de
que pessoas de comportamento desviante adentrem a milcia e aprovei-
tem o poder do qual so investidas para praticarem abusos, contudo a
questo essencial no esta, mas, sim, os mecanismos que a Corporao
dispe para no permitir, ou para punir, a m conduta do agente e as
formas de ela premiar a boa conduta deles nas ruas, ou seja, o foco do
debate acerca da conduta do policial nas ruas deve ser deslocado do in-
divduo (a famosa ma podre no cesto sadio) para a organizao, como
judiciosamente assinalam Reiss (1992) e Bayley (1996).
Quando interrogados sobre a responsabilidade da organizao na
conduta desviante dos agentes, os oficiais argumentam que se adotam re-
gulamentos disciplinares rigorosos e adequados. Os modos de regulao
defendidos pelos oficiais assentam-se nas regras formais e na fiscalizao,
o que compatvel com sua viso legalista da profisso e com sua defesa
da disciplina e da hierarquia militares como forma de controle. Porm
essa concepo dos agentes deve ser mais discutida.
As organizaes policiais nutrem a viso legalista do ofcio que pra-
ticam, mas elas reconhecem a ampla margem de manobra permitida pela
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atividade policial (MONJARDET, 1996), o que pe em dvida a efetivi-
dade das regras e dos procedimentos formais para controlar a conduta
do agente que est nas ruas; efetividade suposta pela percepo legalista
do trabalho policial, pois, se este restringe-se a aplicar a norma legal, os
regulamentos e os procedimentos formais podem dar conta do compor-
tamento dos guardas, para isso suficiente comparar a ao deles que,
pela concepo legalista, se deveria restringir execuo da lei com as
normas e os procedimentos previstos para aquela atuao, e, caso haja
discrepncia, podem recorrer-se aos cdigos formais para efetuar a devi-
da punio. No parece que os oficiais da PMBA ignorem esse dilema,
isto , que essa viso legalista se choca com o fato de a atividade policial
promover a autonomia dos executores, porque estes lidam com eventos e
contextos que os cdigos no podem dar conta, ou seja, o trabalho poli-
cial no , nem parece que possa ser, o de simples aplicao da lei. Como
os oficiais reconhecem a discricionariedade do policial, h a probabilida-
de de que a defesa acentuada da disciplina militar e a declarao de que
a tarefa policial a de simples execuo do estatuto legal sejam recur-
sos de que eles lanam mo para reduzir sua responsabilidade pela m
conduta do subalterno: uma vez que a organizao assenta-se em uma
disciplina rigorosa e a profisso apresentada como adstrita letra da lei,
o mau comportamento deve ser atribudo, sobretudo, ao desvio individu-
al, que por sua vez pode ser explicado pela origem social do desviante.
As fontes sistmicas da conduta indevida podem ser negligenciadas em
favor da explicao que toma como referncia os fatores individuais que
promovem o abuso dos atores; e, tambm, camuflam-se os obstculos ao
controle da ao policial que so inerentes ao ofcio.
Mas deve-se discutir um pouco mais a relevncia da disciplina e da
hierarquia militares na tarefa de controle da atividade policial.
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A necessidade da disciplina militar no trabalho policial no auto-
evidente, a suposio desta necessidade est baseada na transposio de
uma realidade de trabalho para outra bem diferente. As atividades coti-
dianas do patrulheiro e do soldado no so comparveis entre si, exceto
em termos gerais de que ambas asseguram a soberania do Estado com o
recurso fora. A discricionariedade do policial e a fluidez de seu manda-
to pem em dvida a eficcia de um modo de disciplina concebido para
profissionais que atuam coletivamente sobre um objeto e em situaes
mais bem definidos e que so diretamente fiscalizados pelo supervisor,
como o caso dos militares. Claro, no se pode afirmar que essa disci-
plina seja desnecessria ao trabalho policial (parece que ela relevante
para assegurar o bom comportamento do agente dentro dos quartis, o
que por si s positivo), apenas se sublinha a pertinncia da discusso
sobre o modo mais eficiente de garantir a boa conduta do miliciano na
via pblica, pois a forma at hoje tida como a mais apropriada pode ser
decorrente de uma poca em que, em vrias partes do mundo, a polcia
se pretendia apresentar como uma agncia que controla seus agentes,
adotando o modelo de disciplina do exrcito, sem interrogar se isso cor-
respondia realidade da operao policial.
Se a prtica profissional dos militares pode ser controlada por esse
tipo de disciplina, pode no ser o caso do trabalho policial, que, ao con-
trrio da atividade da armada, se caracteriza pela ao individual e de
pouca visibilidade, caracteres estes que favorecem a discricionariedade
dos atores. Alm do qu, deve-se sublinhar, os principais insumos do po-
der discricionrio do policial so a necessidade de o agente ter de adaptar
a ordem normativa s ordens cotidianas e o reconhecimento social de que
ele pode negociar com alguns violadores da lei de modo a evitar o uso da
coero fsica e para promover a paz social, dados estes que no carac-
terizam a atividade do militar, pois quando este experto sai dos quartis
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, em geral, para impor a ordem normativa e no para adequ-la reali-
dade; e o soldado no dispe da mesma liberdade do policial no que se
refere negociao com os transgressores da ordem pblica. Diante de
atividades to distintas, abre-se a discusso acerca da adequao de um
mesmo modo de regulao dos atores que a elas se dedicam. Debate esse
que se torna premente perante o fato de, at a presente data, a disciplina
e a hierarquia militares no parecerem ser suficientes para assegurar a boa
conduta dos policiais nas ruas, a acreditar no nmero de homicdios por
eles praticados e nas constantes denncias de mau comportamento regis-
tradas na imprensa e por organizaes de defesa dos direitos humanos.
Mas, apesar do apego hierarquia militar e da viso legalista dos
oficiais, a atividade policial por eles percebida como dependente da
situao, do resultado do face-a-face entre o guarda e o cidado, o que
faz com que a habilidade, a experincia e o discernimento sejam decisi-
vos no policiamento e que, aos olhos deles, esses atributos sejam to re-
levantes quanto as leis e os procedimentos formais na ocupao policial.
Em suma, os oficiais reconhecem e aceitam a police discretion, por causa
da natureza de seu trabalho. Sabe-se, porm, que esse poder provoca
abusos. Como ele no pode ser extirpado, pois est inscrito na atividade
de policiamento, resta saber como evitar ou reduzir os excessos que a
margem de liberdade do guarda nas ruas pode gerar.
As ruas constituem a principal zona de incerteza da organizao
policial, pois a hierarquia pode fazer muito pouco em relao ao contro-
le imediato dos patrulheiros. Estes, alm de desfrutarem ampla margem
de autonomia na via pblica, porque podem selecionar os eventos que
merecem sua ateno e esto longe do supervisor, contam com o reco-
nhecimento dos superiores, ao menos informalmente, de que sua discri-
cionariedade necessria ao ofcio que praticam. Parece ser devido, so-
bretudo, natureza da atividade de policiamento que os oficiais apostam
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na qualificao profissional como meio mais adequado de regular a condu-
ta dos agentes, pois a qualificao permitiria ao policial atuar de modo mais
condizente com as regras e os procedimentos formais impostos pela organi-
zao, o que reduziria os desvios. Mas a formao profissional no parece
ser tambm suficiente para os oficiais, e isto evidenciado quando eles so
interrogados sobre o mecanismo que eles particularmente concebem como
mais eficiente para assegurar o bom comportamento dos policiais na via
pblica. Mais uma vez, cabe reproduzir parcialmente algumas falas:
Ns j pensamos em controle eletrnico. No radiopatrulha-mento existem estudos de controle atravs de satlite, mas o homem p complexo. O policiamento ostensivo p, ele se tornou difcil de ser fiscalizado, ento, eu vou pela questo da conscientizao (Maj. E).
Olha, eu me reporto na educao, na conscientizao. Eu acho que todo caminho se traduz na educao. Por que na educao? Porque voc mostra ao policial a importncia dele, conscientiza ele da necessidade dele fazer um bom policiamento (Cap. F).
preciso ele ter respeito, ele saber: olhe, esse pedao aqui, se eu sair e tiver um assalto, a responsabilidade no s minha, eu vou trazer um problema pra Corporao, eu sou parte deste processo, o sucesso da Corporao depende de mim, eu tenho responsabilidade (TCel. E).
Pode ver-se que, ao fim e ao cabo, apela-se conscincia de um
profissional que os oficiais sabem que atua isolado e no pode ser acom-
panhado de perto pelo fiscal ento, como confiar na disciplina militar,
que supe a superviso direta e imediata dos atores em ao? , e que
se defronta com situaes complexas que os regulamentos e os procedi-
mentos no do, nem podem dar, conta ento, como apostar na viso
que sustenta ser o trabalho policial o de simples aplicao da lei? Como
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os oficiais so policiais, eles sabem que no podem jogar todas as suas
fichas nem na disciplina militar nem nas regras formais como meios de
garantir a boa conduta do guarda nas esquinas, por isso h o recurso a sua
conscincia. No se trata de uma particularidade da PMBA, pois o apelo
virtude dos agentes que patrulham as ruas o recurso ltimo dos que
administram o aparelho policial, como pode ver-se no comentrio de
Dominique Monjardet (1996, p. 283-289).
O apelo conscincia profissional um recurso de todos os admi-
nistradores, mas ele tem particular importncia quando a funo que o
agente desempenha no , nem parece que possa ser, claramente defi-
nida, como o caso do mandato policial, o qual se refere manuteno
da ordem pblica, algo por demais vago e fludo; quando a execuo
do mister muito dependente das circunstncias que a envolvem e, por
causa disso, no pode ser prescrita com detalhes, ao contrrio do que
acontece com outros ofcios cujas tarefas tm contedos previamente es-
pecificados com clareza, o que permite estabelecer com preciso a forma
de elas serem efetivadas, forma que independe da ideologia do executor
e que orientada por uma teoria; quando se fica merc da iniciati-
va do agente, porque ele pode selecionar os eventos que merecem sua
ateno; quando o executor est longe do olhar do supervisor; quando
o processo pelo qual se executa o trabalho mais importante do que o
produto gerado; quando h o problema da reviso do trabalho efetivado:
um produto mal feito ou uma prestao de servio mal conduzida podem
ser corrigidos, a ao do policial que altera a vida cotidiana, e at mesmo
o destino, dos cidados, muito mais difcil de ser revisada, o patrulheiro
pode ser punido, mas isso no anula nem atenua o dano por ele provoca-
do; e, sobretudo, quando os princpios e os valores individuais e de grupo
jogam papel decisivo na execuo do ofcio, pois os policiais lidam com
assuntos de ordem moral que causam a reprovao e a repugnncia social
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ou que dizem respeito ajuda a pessoas em dificuldades, e a resoluo des-
sas questes envolve a apreciao subjetiva orientada pelos valores morais
dos que as devem resolver, e no h meio de evitar isso. O conjunto dessas
situaes assinala o trabalho policial, por isso o apelo virtude do agente
torna-se to essencial, e a questo de sua regulao, to complexa.
Concluso
Os mecanismos de controle externo da atividade policial so uma
necessidade bvia, contudo no se devem ignorar nem a natureza dessa
atividade nem que se est diante de uma profisso. Negligenciar a natu-
reza do trabalho policial pode servir apenas para produzirem-se mecanis-
mos de regulao incuos, como a proposta de unificao das polcias mi-
litar e civil, pois no se v como tal medida reduziria a ampla margem de
manobra que os guardas desfrutam nas esquinas da cidade e como uma
organizao mais complexa e, portanto, mais opaca teria mais controle
sobre seus agentes. Por outro lado, os atores externos que pretendem
intervir na corporao policial no se devem comportar como se ela fosse
um mero instrumento que pudesse ser reformado a qualquer momento
e em qualquer direo, bastando para isto apelar ao chamado interesse
pblico. Eles devem lembrar-se que esto lidando com uma profisso,
que tem interesses privados, e que, por causa disso, o aparelho escapa a
seu controle, no sentido de que as reformas que eles pretendem impor
instituio podero encontrar resistncias internas que dificilmente sero
vencidas. A insistncia em no reconhecer que o aparelho policial tem
autonomia porque movimentado por uma profisso, e que isto no
pode ser eliminado, s pode induzir negao ou camuflagem dos
problemas inerentes atividade policial.
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SOCIOLOGIAS 171
Quanto regulao interna das aes do miliciano, h a inclinao
para a responsabilizao individual. Embora isso possa ser imputado ten-
tativa de o superior livrar-se da responsabilidade pela conduta do subal-
terno, tal imputao deve ser matizada. A atividade policial personaliza a
relao entre o agente e o pblico, personalizao que no decorrente
de uma apropriao indbita da funo pblica como sugere Hans Toch
(1996), ou no o exclusivamente, mas do fato tanto de o miliciano ser o
agente do poder pblico que chamado a intervir nas relaes privadas e
na vida ntima das pessoas quanto de, em sua tomada de deciso, ele levar
em conta os indivduos com seus dramas e com suas circunstncias concre-
tas (MUIR, 1977), sem que nenhuma teoria ou prescrio organizacional
possa orient-lo. Este estado de coisas produz a personalizao da relao
entre o policial e o cidado isso, sem dvida, gera efeitos negativos, pois
afeta a imparcialidade dos agentes pblicos, mas, como decorre da nature-
za da atividade, no parece que possa ser eliminado; se que seria desej-
vel tal coisa, pois esta eliminao implicaria que os policiais no deveriam
levar em conta a dimenso humana nos eventos em que eles intervm , o
que, aos olhos do guarda, torna a atividade muito dependente do indivduo
que a executa, ou seja, de seu equilbrio, de sua astcia, de sua formao
moral, de seu temperamento e de suas atitudes, por causa disso, no uni-
verso policial, privilegia-se a responsabilizao individual, porm, embora
seja compreensvel essa concepo que os agentes elaboram a partir de
sua situao de trabalho, isto pode desviar a ateno das fontes sistmicas
da conduta incivil, isto , isentar de responsabilidade a organizao pelos
profissionais que forma e supervisiona.
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SOCIOLOGIAS172
Is it possible to control police officers?
Abstract
In a democracy, police activity requires control of the police officers, to make sure that in their task of ensuring public order they will not violate the citizens rights. The police organization leans toward the formal mechanisms of control, such as rules and procedures, but these forms of conduct regulation may be insufficient, due to the large margin of freedom the officers have on the streets. Examining the discourse of military police officers from the state of Bahia, this article discusses the police practice in a democratic society, and the officers per-ception of the mechanisms used to control their colleagues. In the conclusion, the paper emphasizes the obstacles that can be found in the task of controlling police officers, obstacles that are difficult to overcome because they have their origin in the police activity.
Keywords: Police. Policing. Democracy. Citizenship. Rule of law.
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Recebido: 17/12/2007
Aceite final: 26/08/2008