os perigos do relativismo

Upload: paulo-anchieta-f-da-cunha

Post on 25-Feb-2018

228 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 7/25/2019 Os perigos do relativismo

    1/11

    OS PERIGOS DO RELATIVISMO1

    Lus R. Ca e d o s o d e O l i v e i r a

    Sem sombra de dvida, a monografia de Needham coloca pro-blemas interessantes, em relao ao conhecimento das sociedades e

    da natureza humana, que ainda no foram devidamente enfrenta-dos pela antropologia social e disciplinas afins. Nesta resenha, ten

    tarse dar uma idia sinttica do livro, analisandose aquelesproblemas que nos parecem mais relevantes e as concluses doautor.

    Partindo da pergunta feita por Wittgenstein; a crena umaexperincia? ( Is belief an experience? ) e com auxlio de mate-rial etnogrfico, o autor desenvolve uma reflexo sobre as alterna-

    tivas e possibilidades de investigao das capacidades essenciais dohomem, que a seu ver, foram negligenciadas pela antropologia social,

    atravs de uma perspectiva comparativa.

    Segundo Needham, a categoria b e l i e f s encontrada, com fre-

    qncia, na literatura antropolgica utilizada de maneira acrtica

    e sem uma definio explcita sobre o seu significado, provocandoconfuses e perdendo o seu valor substantivo; muito comum di-

    zerse que tal povo believe (cr) nisto e naquilo, ou que temestas e aquelas beliefs (crenas), mas no se consegue saber ao

    certo o que o interlocutor quer dizer com isto. Algumas vezes, como

    no caso do trabalho de EvansPritchard sobre a religio dos Nuer,citado por Needham (p. 14), afirmase tratarse de um estado in-

    1 Resenha do livro de Rodney Needham: Belief, Language and Experience

    editado por Basil Blackwell, Oxford, 1972, 269 pp.2 Preferimos utilizar o conceito em ingls, ao invs de traduzilo por crena,

    por acreditarmos que, assim fazendo, estamos sendo mais fiis ao pen-samento do autor, que enfatiza a especificidade do conceito na lnguainglesa (p. 171 e seguintes).

  • 7/25/2019 Os perigos do relativismo

    2/11

    terior da mente ou de uma experincia espiritual, mas o mistrio

    continua. Afinal, pergunta o autor, que estado interior este, ou

    que experincia esta vivida pelos Nuer quando afirmam que

    believe (creem) em suas entidades espirituais?

    Para responder a estas questes fundamentais, Needham divideo seu empreendimento em duas etapas: a) primeiramente, procura

    desvendar o significado de belief na lngua inglesa, tentando iden-

    tificar a que tipo de experincia o conceito se refere; e, depois, b)

    investiga a rentabilidade do conceito quando aplicado a outras

    sociedades e/ou a existncia desta presumida capacidade funda-

    mental do homem. Na primeira etapa o autor recorre, principal-

    mente, ao trabalho dos filsofos, onde sobressai o trabalho de

    Wittgenstein que, ao lado de LevyBruhl, teve grande influncia na

    confeco deste livro.Em busca de uma definio operacional para belief, o autor

    utiliza quatro captulos (4, 5, 6 e 7) 3 desenvolvendo uma longa e

    sistemtica discusso sobre o assunto. Comea fazendo uma verda-

    deira arqueologia do conceito, investigando sua origem lingstica

    e tentando captar todas as suas significaes. Feito isto, uma pequena

    apresentao do pensamento de seis filsofos (Hume, Hampshire,

    Kant, Wittgenstein, Griffiths e Mayo) introduz sua discusso quanto

    aos critrios para a definio do conceito. Nesta seo, tentando

    desvendar este suposto modo de discriminao da experincia e

    os aspectos comuns que caracterizam o conceito em todas as suas

    utilizaes, Needham procura enfrentar o problema de diversas

    maneiras; mas no nos parece que ele tenha sido bem sucedido em

    nenhuma. Belief no se confunde com a faculdade de desejar,

    no se relaciona com o sentimento de necessidade, no diz res-

    peito realidade (veracidade) das coisas, e assim por diante.

    Concluindo pela inexistncia de critrios da determinao desta

    experincia o autor questiona o conceito como tal. Se um con-ceito a idia de uma classe de objetos, que classe seria esta cuja

    caracterstica comum dos objetos nela integrados seria ausncia de

    critrios para definilos?

    ... O nome da classe que estamos examinando belief .Quais so as caractersticas definidoras desta classe? No fomoscapazes de descobrir qualquer critrio distintivo, e ficou pro

    s Nos trs primeiros captulos o autor se limita a introduzir o problemaque norteia a sua investigao.

  • 7/25/2019 Os perigos do relativismo

    3/11

    vado ser difcil conceber que a palavra, realmente, denotequalquer classe homognea de objetos fenomnicos, sejam elesproposies, estados interiores, ou sinais externos. *

    Atacando a posio de que os membros de uma classe tm que

    ter, pelo menos, um aspecto comum, Needham se apoia na afirmao

    de Wittgenstein de que alguns conceitos so constitudos atravs de

    um processo denominado family likness (p. 112), promovendo

    uma discusso interessante sobre o tpico. Para dar um exemplo

    deste processo, utiliza uma anlise de Wittgenstein do conceito de

    jogo cuja semelhana com belief o fa to de caracterizar uma

    classe de objetos que no se definem por um aspecto comum, isto ,

    no existe uma caracterstica comum a todos os tipos de jogos mas,

    apenas uma semelhana entre eles:

    E o resultado deste exame : ns vemos uma complicada redede similaridades se sobrepondo e se entrecruzando: s vezessimilaridades totais, s vezes similaridades de detalhe.

    Entretanto, belief no pode ser enquadrado nesta perspectiva

    (fam ily likeness) pois, como o autor mostra nos captulos anteriores,

    (e ao contrrio do que ocorre com o conceito de jogo ) no existemcritrios para definir o conceito, isto , nenhum aspecto atribudos

    a belief resiste a um questionamento mais sitemtico.

    Frente a esta dificuldade de definir o conceito ( be lief ) ,

    Needham procura atacar o problema atravs da linguagem:

    A fora convencional das expresses de belief o fato deserem tomadas como comunicadoras de uma experincia dis-tinta e especfica; entretanto, os resultados cumulativos de

    nossa investigao argumentam, com insistncia, que ns pe-gamos esta idia, no da introspeco experimental, mas da

    * .. .The name of the class that we are examining is belief . Whatare the defining feature of this class? We have not been able todiscover any distinctive criteria, and it has proved hard to concievethat the word really denotes any homogeneous class of phenomenalobjects, whether these be propositions inner states, or external signs...(p. 109).

    5 Neste ponto, Needham discute a posio de Wittgenstein ao lado da

    de Vygotsky cuja reflexo tambm foi inspirada na composio foto-grfica de Galton (p. 110).6 And the result of this examination is: we see a complicated network

    of similarities overlapping and crisscrossing: sometimes overall simi-larities, sometimes similarities of detail (p. 1 15 ).

  • 7/25/2019 Os perigos do relativismo

    4/11

    palavra e das convenes lingsticas pelas quais sua utilizao governada, i

    e, mais adiante, citando Wittgenstein;

    A gramtica nos diz que tipo de objeto alguma coisa , *

    Aqui, tambm, a concluso acaba sendo a mesma negativa.Tentando substituir belief por outros conceitos (expectativa, su-posio, incerteza, etc...), nas frases em que utilizado, descobre

    se que a substituio parcial e que sempre se perde algo impor-

    tante da idia original contida nas frases de belief. O autorainda pergunta quanto possibilidade de se estudar o fenmeno,atravs deste mtodo, naquelas sociedades (ou lnguas) onde no

    existe um conceito especfico que contenha a idia de belief.Nestes casos, a melhor alternativa seria lanar mo do conceito

    de covert categories desenvolvido por Whorf, de acordo com oqual existem algumas noes latentes, com significado sutil e

    no devem ter overt mark alm de certas reatncias distintivascom certas formas overtly marked. Contudo, parece que, alm

    da possibilidade formal, este caminho tambm no desperta novasesperanas para a resoluo do problema.

    Em determinado momento desta discusso, sobre as utilizaes

    de belief na linguagem, Needham cita, mais uma vez, Wittgensteinacentuando que os problemas, at aqui encontrados, so comuns

    situao de outros verbos psicolgicos (psychological verbs):

    ... Seu uso sempre aparece confuso, tambm, mas a este res-peito meramente semelhante a outros verbos psicolgicos,e, com tais verbos, nem poderamos esperar qualquer outracoisa... 10

    Este problema de semelhana entre os verbos psicolgicos nos

    introduz ao captulo 8 (Resemblances) que, a nosso ver, faz a tran-

    1 The conventional force of expressions of belief is that they are takento report a distinct and specific experience; yet the cumulative resultsof our investigation argue insistently trat we get this idea, not fromexperimental introspection, but from a word and from de linguisticconventions by which its use is governed (p. 122).

    8 Gramar tells us what kind of object something is (p. 126).9 ... may have no overt mark other than certain distintive reactances

    with certain overtly marked forms (p. 128).io ... Its use often appears confused, also, but in this regard it is

    merely like others psychological verbs, nor , with such verbs, can weexpect anything else . . . (p. 123).

  • 7/25/2019 Os perigos do relativismo

    5/11

    sio entre as duas partes do livro que mencionamos acima. Se, at

    aqui, a perspectiva comparativa esteve presente ao longo da dis-

    cusso sobre o significado de belief, somente agora que o autor

    coloca como tarefa discutir a questo da universalidade de belief.

    Discorrendo sobre as capacidades essenciais do homem (aquelas queso encontradas em indivduos de todas as sociedades), Needham

    assinala a dificuldade do empreendimento e questiona a possibili-

    dade de constatao de um estado interior de be lief , comparando

    o conceito com outros verbos psicolgicos.11

    Assim como belief, believe, pensar, imaginar, e prometer

    so verbos psicolgicos que representam capacidades fundamentais

    do homem e que, tambm, apresentam dificuldades de definio

    por no terem um substrato emprico. Todavia, ao contrrio debelief, afirma Needham, a existncia destas faculdades no

    posta em dvida. Em relao capacidade de pensar, embora o

    autor no aprofunde o problema, chama a ateno para o fato de

    que existem muitos sinais indicando a sua realidade e poderamos

    dizer que a capacidade de pensar um prrequisito para a comu-

    nicao entre os homens.13 O caso de imaginar semelhante ao

    de pensar mas, aqui, os indcios de que se trata de uma caracters-

    tica universal do homem ainda so mais palpveis. No h dvida

    de que, quando falamos em imaginao, estamos nos referindo a

    um estado especfico da mente e no seria difcil para nenhum ser

    humano exercitar a sua imaginao, a partir de qualquer objeto ou

    observao da realidade, conforme a sua vontade. Quanto facul-

    dade de prometer, apesar de no se encontrar indcios de sua ma-

    nifestao ao nvel do indivduo, seria difcil visualizarmos o fun-

    cionamento de uma sociedade cujos indivduos interagissem sem se

    comprometer com a realizao de tarefas (ou aes), uns para com

    os outros, independentemente de suas vontades. Mesmo sem dis-criminar um tipo de experincia especfica, o ato de prometer ,

    de certa forma, uma capacidade natural do homem, na medida m

    11 Antes de entrar nesta discusso, o autor aponta a existncia de capa-cidades fundamentais do homem cuja universalidade pode ser cons-tatada empricamente atravs da experincia e da observao do pes-quisador. Alguns exemplos seriam os sentimentos de dor e de amorque se manifestam atravs de gestos, expresses faciais, tonalidades da

    voz, etc... (pp. 138143).12 fato que os animais que pelo menos, teoricamente, no possuemesta capacidade tambm se comunicam, mas o nvel de comunicaoque caracteriza a humanidade no seria possvel se os homens nopensassem.

  • 7/25/2019 Os perigos do relativismo

    6/11

    que um prrequisito para a vida em sociedade. um artificio

    criado pelo homem cuja presena se faz notar em todas as socie-

    dades humanas.

    Por outro lado, de acordo com Needham, nem todos os verbos

    psicolgicos tm significaes confusas e complicadas como as men-

    cionadas acima.

    Como vimos, o ato de crer ( believe ) no caracteriza uma ex-

    perincia especfica, no necessrio para o funcionamento da

    sociedade, nem passvel de definio atravs de um raciocnio

    lgico sobre a sua utilizao na linguagem. Portanto, como conclui

    Needham, no pode ser identificado como um trao (resemblance)

    natural do homem:

    [ belief ] no o reconhecimento de um fenmeno corporal,no discrimina um modo distinto de conscincia, no temnenhuma argumentao lgica para ser includo num vocabu-lrio psicolgico universal, e no uma instituio necessriapara a conduta da vida social. Belief no constitui umacaracterstica (resemblance) natural entre os homens. 13

    A seguir o autor questiona a viabilidade da utilizao do con-

    ceito de belief nos trabalhos etnogrficos e discute as implicaes

    que isto pode trazer para o entendimento das sociedades estudadas.

    Na realidade a pergunta subjacente investigao de Needham

    diz respeito suposta homogeneidade da mente humana, que se

    transformou num axioma das cincias sociais. Para questionar esta

    posio o autor recorre obra de LvyBruhl sobre a lgica do

    pensamento (mentalidade) primitivo, destacando a importncia dos

    problemas levantados pelo discpulo de Durkheim. De acordo com

    Needham, Lvy Bruhl no acreditava que a estrutura mental dos

    primitivos fosse diferente da nossa nem que seu pensamento fosse

    ilgico, apenas atribua uma lgica diferente, que deveria ser in-vestigada :

    ... O que ele (LevyBruhl) queria mostrar era que, a despeitoda identidade estrutural de todas as mentes humanas, comoele coloca, existiam certos princpios do pensamento primitivo

    is It is not the recognition of a bodily phenomenon, it does not discriminatea distinct mode of consciousness, it has no logical claim to inclusionin a universal psychological vocabulary, and it is not a necessary

    institution for the conduct of social life. Belief does not constitute anatural resemblance among men (p. 151).

  • 7/25/2019 Os perigos do relativismo

    7/11

    os quais diferiam dos nossos a tal ponto que nossa psicologa enossa lgica tradicionais eram impotentes para expliclos... **

    Para exemplificar as idias do pensador francs, Needham uti-

    liza a famosa lei da participao que, em ltima instancia, traz

    consigo uma crtica ao nosso conceito de experincia e sua utilizaono estudo das sociedade primitivas. Em linhas gerais, de acordo comLevyBruhl, os primitivos no fazem o mesmo corte epistemolgico,

    fortemente marcado em nossa sociedade, entre experincia (no sen-tido de teste, realidade positiva) e belie f (em relao ao mstico

    e ao sobrenatural). O que, para ns, tido como uma experincia

    mstica (irreal), para eles pode estar no mesmo plano de realidade

    que os fatos e fenmenos empricamente comprovados pela nossa

    cincia.A crtica de LevyBruhl se refere ao perigo da aplicao ime-

    diata de nosso aparato conceituai no estudo de sociedades (povos)primitivas que, nem sempre, representam a sua experincia a

    partir das mesmas categorias utilizadas por ns. Neste sentido, pese

    em questo a suposta imparcialidade da anlise formal e, comoassinala Needham, sugerese uma mudana de perspectiva nos tra-balhos etnogrficos:

    Este estmulo transfere a responsabilidade de julgamento daanlise externa para a compreenso interna... is

    Neste momento, a anlise de Needham assemelhase postura

    de Dumont analisando o sistema de castas da ndia (1972, pp. 367),embora o objeto de pesquisa das duas investigaes no seja exata-

    mente o mesmo. A importncia da compreenso interna do sistema

    de pensamento e dos valores do universo estudado est presente em

    ambos os estudos onde o modelo nativo um dado fundamental

    e um prrequisito para uma explicao satisfatria do objeto pes-quisado. Alm disto, notamos, tambm, a preocupao com o movi-

    mento de retorno para nossos valores e/ou conceitos implcitos nesta

    perspectiva; no caso exemplificado por Needham (sobre a posiode LevyBruhl), uma reavaliao do nosso conceito de experincia

    e, em relao ao trabalho de Dumont, um melhor equacionamento

    i* " ... What he was concerned to show was that in spite of the structuralidentity of all human minds, as he put it, there were certain principles

    of primitive thought which differed from our own to such a pointthat our traditional psychology and logic were powerless to explainthem... (p. 164).

    is This stimulation transfers the burden of judgement from externalanalysis to internal comprehension... (p. 174).

  • 7/25/2019 Os perigos do relativismo

    8/11

    dos nossos valores de democracia, igualdade e liberdade. Por outro

    lado, enquanto Dumont prope um questionamento de nossos va-

    lores, atravs de uma abordagem comparativa, para possibilitar uma

    melhor compreenso de nossa sociedade, Needham, como veremos

    mais adiante, tem uma posio mais pessimista e conclui o seu

    trabalho afirmando a impossibilidade de compreenso da experin-

    cia humana (p. 246).16

    Depois de colocar o problema levantado por LevyBruhl e de

    relacionlo com a estrutura lingstica, apoiado nos trabalhos de

    Benveniste sobre o pensamento gr eg o,17 Needham parte para uma

    posio de extremo relativismo, bloqueando todas as possibilidades

    e alternativas de conhecimento da experincia humana. Embora

    ressalve que no se deve permitir a absolutizao de qualquer me-

    todologia neste tipo de estudo (p. 203), o autor no percebe queo outro lado da moeda o relativismo , se levado s ltimas

    conseqncias, como ele faz, implica numa absolutizao dos pro-

    blemas encontrados no processo de conhecimento do objeto que, em

    ltima instncia, preconiza o imobilismo.

    Cabe esclarecer que a posio de Needham mais radical em

    relao s categorias psicolgicas em oposio s categorias sociais,

    pois, enquanto estas podem ser estudadas em relao s instituies

    e fazem parte de um sistema, possibilitando a constituio de critriosformais de anlise, aquelas no se definem pelos mesmos critrios

    e no permitem a elaborao de um sistema metodolgico formal

    que d conta de todas as suas manifestaes (p. 187). Isso, se no

    marca o relativismo de Needham, pelo menos, define o seu estilo

    absolutista: se somos aptos a formalizar, sabemos; se no logramos

    formalizar, no chegaremos a qualquer conhecimento.

    A conseqente absolutizao dos problemas que atribumos a

    Needham uma caracterstica sistemtica de sua reflexo ao longo

    do livro; est presente na sua tentativa de estabelecer critrios

    para definir belief, na sua anlise sobre o status conceituai de

    belief, e chega ao pice na sua discusso final sobre a linguagem

    i Gostaramos de lembrar, como, alis, assinala Needham, que esta no a concluso de LevyBruhl. Segundo o autor francs, as leis dopensamento primitivo podem ser compreendidas e devem ser estabe-lecidas.

    i? Neste trabalho, Benveniste chega concluso de que as categorias aris-

    totlicas refletem a estrutura de classes de uma lngua particular(Needham, 1972, p. 209).

  • 7/25/2019 Os perigos do relativismo

    9/11

    enquanto objeto e instrumento de investigao das capacidades

    essenciais do homem.

    Depois de mostrar a importncia da lngua como objeto e ins-

    trumento de investigao para a apreenso das capacidades essen-

    ciais do homem, Needham apresenta barreiras intransponveis parao conhecimento. certo que qualquer traduo traz prejuzos em

    relao verso original e que isto se agrava quando atribumos a

    um grupo social uma capacidade mental que ele no possui (o caso

    de be lief ). Mas Needham vai mais longe. Segundo o seu racio-

    cnio, mesmo quando restringimos o significado de belief, por

    exemplo, explicitando, exatamente, o que queremos dizer com isto,

    criase um duplo problema: a) embora tenhamos percebido, cor-

    retamente, o fenmeno pesquisado e julguemos procedente a utili-

    zao do conceito ( be lief ) na sua caracterizao, dentro dos li-

    mites estabelecidos por ns, no podemos impedir que o leitor,

    devido grande confuso em torno da definio do conceito e

    amplitude do campo em que atua, deixe de identificar no fenmeno

    caractersticas e significaes que no atribumos a ele; b) por

    outro lado, se procuramos encontrar no fenmeno uma experincia

    ou um significado especfico, semelhante ao que encontramos em

    nossa sociedade, mesmo que esta experincia tambm seja vivida

    pelos indivduos da sociedade pesquisada, este esforo de identi-

    ficao impede a apreenso de outros aspectos, como se uma

    parte da realidade permanecesse encoberta para o pesquisador ,

    empobrecendo a descrio etnogrfica e a anlise do objeto. Apesar

    destas observaes serem pertinentes, seria absurdo (ou mesmo im-

    pensvel) abdicarmos, totalmente, de nosso aparato conceituai para

    realizarmos nossas pesquisas e comunicarmos seus resultados. Con-

    tanto que tenhamos conscincia dos problemas apontados por

    Needham, podemos chegar a resultados satisfatrios em nossas pes-quisas e reduzir, sensivelmente, a margem de confuses deste gnero

    na comunicao de seus resultados.

    Todavia, o relativismo de Needham no pra a e a transcrio

    de um trecho do final do livro nos d uma boa idia dos enigmasa que estamos sujeitos, se seguirmos as concluses do autor:

    Devemos estar convencidos, pela analogia e experincia, pelalgica e experimento, que existem tais universais da naturezahumana; mas, quando tentamos estabelecer quais so eles,nossas descobertas so, inevitavelmente, tendenciosas ou ga-nham conotaes estranhas pelos termos da lngua na qualso formulados. Estes obstculos so suficientes para impedir

  • 7/25/2019 Os perigos do relativismo

    10/11

    sucesso da empresa, mas existe ainda, uma outra fonte deimpedimento, a saber, a dvida e a incerteza na significaonas palavras de nossa prpria lngua... i

    e mais adiante, citando Wittgenstein;

    ... Filosofia uma batalha contra o enfeitiamento do nossoentendimento por meio de nossa lngua. 19

    Desta forma, se a linguagem no representa com eficincia nossospensamentos, sentimentos e idias pois, como assinala o autor,

    o conhecimento do significado das palavras no fundamental para

    a comunicao, devido capacidade do homem de construir sm-bolos (p. 242, citando Wittgenste in) , no se pode contar com ela

    (a linguagem ) para a compreenso da experincia humana. De resto,

    a concluso final do autor, quanto impossibilidade de compre-enso da experincia humana, perfeitamente coerente com areflexo desenvolvida ao longo do livro, embora discordemos dela

    Pois, como j dissemos, a absolutizao dos problemas que enfren-tamos nesta rea do conhecimento, alm de distorcer a realidade(atribuindo uma importncia e um alcance desmedido a estes pro-blemas), nos leva a um relativismo radical e improdutivo.

    Para finalizar, gostaramos de lembrar alguns pontos enfatizados

    pelo autor e que nos parecem relevantes para qualquer trabalho

    etnogrfico:

    a importncia do conhecimento da lngua nativa;

    a nossa ignorncia sobre as capacidades essenciais dohomem;

    as vantagens da atitude de nativ it perante o objeto depesquisa;

    as vantagens da compreenso in tem a do objeto (antes dese fazer inferncias sobre ele), ou, a importncia do modelo

    nativo na explicao do antroplogo.

    "We may be convinced by analogy and experience, by logic and ex-periment, that there are such universais of human nature; but assoon as we try to state what they are, our findings are inevitablybiassed or given extraneous connotations by the terms of the languagein which they are formulated. These are obstacles enough to thesuccess of the enterprise, but there remains yet a further source ofhindrance, namely the doubtfulness and uncertainty in the significationof the words of our own language... (p. 224).

    i ... Philosophy is a battlo against the bewitchment of our understandingby means of our language. (p. 226).

  • 7/25/2019 Os perigos do relativismo

    11/11

    BIBLIOGRAFIA

    DUMONT, Louis. Homo Hierarchicus, Londres, Paladin, 1973.