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Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> 1 OS NOMES PRÓPRIOS E SUAS IMAGENS NOS DICIONÁRIOS ILUSTRADOS BERNARD BOSREDON Sorbonne Nouvelle Paris 3, SYLED Traduzido por GRECIELY CRISTINA COSTA Introdução A problemática da relação entre texto/imagem é uma problemática transversal mas desigualmente compartilhada. Ela interessa os semioticistas e os semiólogos, ela envolve muitas áreas da mídia e da comunicação em geral, mas permanece fora ou à margem das pesquisas linguísticas ou das práticas lexicográficas, especialmente na França. No entanto, desde a virada discursiva das ciências da linguagem, a análise linguística oferece novas perspectivas quando se aplica a objetos de linguagem híbridos ou multimodais, contanto que se leve em conta as condições semântico-pragmáticas de sua produção. Este é, por exemplo, o breve balanço que se pode fazer de uma análise especificamente linguística dos títulos de pintura: se a variação formal dos títulos de pinturas pode ser descrita de maneira adequada no quadro analítico das ciências da linguagem, ela só pode ser realmente compreendida se o modelo teórico dá peso suficiente para as condições pragmáticas nas quais se efetua a nomeação das pinturas (Bosredon, 1997). A análise semântico-pragmática das ilustrações de dicionários apresenta algumas afinidades com a análise da titulação de pinturas. Observamos, com efeito, alguns elementos comuns, notadamente o da etiquetagem na forma da copresença de uma figuração (representação em pintura) e de sua designação (título e/ou nome da obra). Três dicionários usuais ilustrados publicados recentemente na França - Dictionnaire Hachette (ed. 2011), Le Petit Larousse illustré (ed. 2012), Le Robert illustré & Dixel (ed. 2013) - oferecem a oportunidade de se interrogar a natureza das relações entre textos e imagens, a variedade dos tipos de legendas utilizadas e, sobretudo, as restrições pragmáticas impostas por um dispositivo técnico. Alain Rey sublinha oportunamente essa dimensão técnica no prefácio da edição de 2013 do Robert illustré lembrando que o dicionário de língua ilustrado constitui "uma encenação de vocábulos, nomes, imagens, fatos, ideias, todos identificáveis por palavras que a ordem alfabética torna fácies de encontrar ou recuperar. "Etiquetagem, legendas, dispositivo de ligação de um texto com uma figuração de objetos integrado ou não com o artigo, muitas semelhanças com os títulos de pintura certamente, mas que necessitam também ser examinados de perto pois o objeto "dicionário ilustrado" exige uma abordagem específica. Começarei com observações gerais sobre as ilustrações de dicionários. Até onde sei, há poucos trabalhos referentes às ilustrações de dicionários, na França. Além de

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Page 1: OS NOMES PRÓPRIOS E SUAS IMAGENS NOS DICIONÁRIOS … · OS NOMES PRÓPRIOS E SUAS IMAGENS NOS DICIONÁRIOS ILUSTRADOS BERNARD BOSREDON Sorbonne Nouvelle – Paris 3, SYLED Traduzido

Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br>

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OS NOMES PRÓPRIOS E SUAS IMAGENS NOS

DICIONÁRIOS ILUSTRADOS

BERNARD BOSREDON

Sorbonne Nouvelle – Paris 3, SYLED

Traduzido por

GRECIELY CRISTINA COSTA

Introdução

A problemática da relação entre texto/imagem é uma problemática transversal

mas desigualmente compartilhada. Ela interessa os semioticistas e os semiólogos, ela

envolve muitas áreas da mídia e da comunicação em geral, mas permanece fora ou à

margem das pesquisas linguísticas ou das práticas lexicográficas, especialmente na

França. No entanto, desde a virada discursiva das ciências da linguagem, a análise

linguística oferece novas perspectivas quando se aplica a objetos de linguagem híbridos

ou multimodais, contanto que se leve em conta as condições semântico-pragmáticas de

sua produção. Este é, por exemplo, o breve balanço que se pode fazer de uma análise

especificamente linguística dos títulos de pintura: se a variação formal dos títulos de

pinturas pode ser descrita de maneira adequada no quadro analítico das ciências da

linguagem, ela só pode ser realmente compreendida se o modelo teórico dá peso

suficiente para as condições pragmáticas nas quais se efetua a nomeação das pinturas

(Bosredon, 1997).

A análise semântico-pragmática das ilustrações de dicionários apresenta algumas

afinidades com a análise da titulação de pinturas. Observamos, com efeito, alguns

elementos comuns, notadamente o da etiquetagem na forma da copresença de uma

figuração (representação em pintura) e de sua designação (título e/ou nome da obra).

Três dicionários usuais ilustrados publicados recentemente na França - Dictionnaire

Hachette (ed. 2011), Le Petit Larousse illustré (ed. 2012), Le Robert illustré & Dixel

(ed. 2013) - oferecem a oportunidade de se interrogar a natureza das relações entre

textos e imagens, a variedade dos tipos de legendas utilizadas e, sobretudo, as restrições

pragmáticas impostas por um dispositivo técnico. Alain Rey sublinha oportunamente

essa dimensão técnica no prefácio da edição de 2013 do Robert illustré lembrando que o

dicionário de língua ilustrado constitui "uma encenação de vocábulos, nomes, imagens,

fatos, ideias, todos identificáveis por palavras que a ordem alfabética torna fácies de

encontrar ou recuperar. "Etiquetagem, legendas, dispositivo de ligação de um texto com

uma figuração de objetos integrado ou não com o artigo, muitas semelhanças com os

títulos de pintura certamente, mas que necessitam também ser examinados de perto pois

o objeto "dicionário ilustrado" exige uma abordagem específica.

Começarei com observações gerais sobre as ilustrações de dicionários. Até onde

sei, há poucos trabalhos referentes às ilustrações de dicionários, na França. Além de

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algumas observações nos prefácios ou no cotexto de dicionários, o que temos é

constituído de um pequeno número de artigos, de algumas páginas de trabalhos cujo

objeto é dicionário em geral. Este é especialmente o caso de análises já antigas como as

de J. Rey-Debove (1971) e de J. Pruvost (1994). Elas irão servir de ponto de partida

para nossa reflexão. Munido dessa bagagem inicial, proponho primeiramente lembrar o

essencial dessas primeiras reflexões, depois, em um segundo momento, analisar um

caso particular de ilustrações, as ilustrações de dicionários relativas aos nomes próprios,

e especialmente, as que ilustram os nomes das pessoas.

1. Observações Gerais

Como observa Josette Rey-Debove em sua obra de referência sobre os

dicionários: "Há tradições lexicográficas nacionais; o dicionário de língua é, na França,

desprovido de ilustrações [...]. A tradição americana não pratica essa dicotomia. A

enciclopédia está profundamente entrelaçada com a língua e a ilustração sempre

desejada"(Rey-Debove, 1971: 34). Jean Pruvost nota, de sua parte, 20 anos mais tarde:

"Apenas muito recentemente alguns dicionaristas franceses, no entanto, sucumbiram a

essa tentação" (Pruvost, 1994: 742). Assim os dicionários ilustrados, não sem relutância,

no início, dos fabricantes de dicionários franceses, acabaram impondo essa forma

compacta usual que nós conhecemos hoje, ou seja, entre 15.000 e 125.000 definições de

um lado e, entre 3.000 e 5.000 ilustrações de outro (imagens reprimidas por tanto tempo

ocupando um espaço considerável)1. Cruzando as reflexões de Rey-Debove e as de

Pruvost, é possível afirmar que a questão da ilustração lexicográfica ou é uma questão

muito específica, ou é uma questão relativamente secundária para os analistas,

enquanto, paradoxalmente, constatamos hoje um forte desenvolvimento comercial da

fórmula ilustrada do dicionário de língua.

1.1. Ilustrações de “technolectes” nos dicionários semasiológicos

(PRUVOST, 1994)

Comecemos por Pruvost, que, aparentemente, adquiriu a necessidade de ilustrar

artigos e inicia uma análise em prol do desenvolvimento lexicográfico. Certamente,

Jean Pruvost considerou a dimensão, há 20 anos, do papel cada vez mais importante da

ilustração na confecção de dicionários. Porém sua atenção se concentrou

especificamente no papel das imagens (desenhos, pranchetas, fotografias etc.) que

acompanham artigos incluindo os termos técnicos ou “technolectes”. Decorre daqui,

Louis Guilbert, segundo o qual, a significação de “technolectes” pode ser dada de modo

mais eficaz por um desenho ou uma imagem do que por palavras, a ponto de afirmar

que "[...] nas obras técnicas o desenho ou a fotografia está para nome técnico como o

sinônimo está para a palavra comum"(Guilbert, 1973: 10 apud Pruvost, 1994). Neste

contexto, artigos, imagens de dicionários e legendas derivam da tradição enciclopédica

com seus arranhões, suas telas etc. repletos de termos científicos e técnicos. Pruvost

retoma distinções feitas antes dele por Josette Rey-Debove (1971), como a oposição

entre as ilustrações totais e as ilustrações parciais que são apenas uma parte do objeto a

1 Ver em Pruvost (1994) o detalhe histórico desse desenvolvimento editorial.

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ilustrar. Ele elabora, enfim, uma terminologia adaptada à complexidade das ilustrações2.

Este trabalho se apresenta como um primeiro projeto, focado sobre um domínio

delimitado por sua especificidade (o domínio de "technolectes") e, por conseguinte,

como uma interpretação inicial da questão.

1.2. A invasão de imagens ou como "apreender" a mistura semiótica (J. Rey

Debove 1971)

As observações de Josette Rey-Debove de 1971 são muito interessantes: a

ilustração apresenta, na opinião da autora, algo de heterogêneo com relação ao

dicionário. Mas essa heterogeneidade é preocupante e a autora dá as razões dessa

preocupação com base na poderosa teorização que ela produz referente à compreensão

do dicionário de língua. Logo, suas indicações são como pistas, questões a se investigar.

Na grande introdução de sua obra, não há nada dito sobre a imagem. Oito seções

constituem a primeira parte do livro e é preciso esperar a seção 1.7., apenas duas

páginas densas dedicadas à ilustração. Na sequência, uma oitava seção de apenas uma

página dedicada à ilustração enquanto "mistura de gêneros", no sentido da oposição

clássica, entre informações enciclopédicas de um lado e, lexicográficas ou puramente

linguísticas, de outro. Nós a deixamos para voltar à secção 1.7., composta por duas

subseções 1.7.1 e 1.7.2, que convém detalhar em virtude de nosso propósito.

1.2.1. O caráter material da ilustração (Subseção 1.7.1)

A ilustração constitui um sistema significante secundário que às vezes pode

completar o artigo. A ilustração não é portanto sistemática como a entrada ou o artigo;

Ela também fica fora deste último. É esse deslocamento tipográfico que dá sua

autonomia fora do artigo. Afigura-se que a ilustração não está necessariamente

integrada ao sistema entrada-artigo. O que lhe confere um caráter opcional que encontra

sua utilidade na composição do livro: as ilustrações são removidas para ganhar espaço.

No entanto, Josette Rey-Debove considera que a ilustração faz parte da microestrutura

do dicionário. Ela destaca a polissemia do termo ilustração uma vez que pode

denominar um desenho, uma fotografia, um diagramas, isolados ou agrupados em telas

ao mesmo tempo. A autora salienta que, contrariamente à ordem do texto, a imagem é

gráfica, isto é, tem duas dimensões. Isso significa que a imagem é um elemento superior

ao texto? A autora não pensa assim. Inserida em um dispositivo textual de definições de

língua e de informações enciclopédicas, a imagem do dicionário só existe sob o controle

do texto. Como compreender de fato as imagens que coexistem com diferentes escalas

("o tentilhão3, a galinha d'Angola

4 e o pinguim são representados do mesmo tamanho

em uma mesma página", escreve Rey-Debove) se elas não tivessem se tornado

coerentes pelo seu estatuto de ilustração de uma entrada. A autora afirma que o mundo

assim representado não tem nenhuma coerência. Pois, justamente não trata de uma

representação parcial do mundo, mas de uma exibição que coloca em cena uma entrada

2 Desenvolvida parcialmente a partir das primeiras observações realizadas por J. Rey-Debove

inicialmente. 3 N.T. trata-se de um pequeno pássaro da Europa, de colorido bastante vivo e canto agradável.

4 N.T. é uma ave grande também conhecida como criaille guinea, originária da África e da Arábia, tem

pernas robustas, sua plumagem é escura com pontilhados brancos.

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e um referente representado por uma imagem. É, portanto, a ordem própria do

dicionário que rege as imagens.

1.2.2. Representar as coisas pela ilustração para completar a informação

(subseção 1.7.2)

A autora lembra que a ilustração concerne a coisa nomeada (o referente) e

jamais a coisa nomeante (o signo). É preciso que a coisa nomeada seja representável, e,

portanto, concreta e visível. É por isso que, de acordo com Rey-Debove, as ilustrações

do Petit Larousse, que ela escolheu para analisar, incluem nomes, objetos em vez de

ações, qualidades ou relações. Ela enfatiza que cada ilustração é acompanhada de um

lembrete de entrada. Os três dicionários ilustrados que constituem nosso corpus

empírico apresentam essas características, às vezes, com cores diferentes de acordo com

o dicionário para distinguir os nomes dos outros tipos de entrada5. Segue uma série de

observações coletadas interessantes que constituem um esboço de um verdadeiro

programa de trabalho a ser realizado. Reservamo-nos a ideia de que a imagem nunca é

redundante na relação com a legenda e que o complexo ilustração/legenda fornece

informações adicionais para o artigo sem que se instale uma forma de repetição. Em

certo sentido, a parte ilustração-legenda da ilustração é totalmente diferente de uma

determinada titulação clássica da pintura que pode, por exemplo, aceitar de forma

coerente e natural o título o filho e sua mãe... sob a representação de uma criança nos

braços de uma mãe.

Ao reler estas páginas fortes sobre a avaliação comparada dos méritos do texto e

da imagem na economia do dicionário, o leitor é sensível à preocupação da autora em

dar autonomia total para a língua. A época é também a de um gênero de dicionário, o do

dicionário de língua. É também, e, sobretudo, a época de um paradigma de

conhecimento: o estruturalismo. Este contexto histórico é, certamente, uma das razões

para confinar à imagem um papel complementar. Assim somente o texto pode definir a

língua e o conhecimento das coisas. Por outro lado, a imagem não pode definir, nem

uma nem o outro ("Nenhuma ilustração é definidora", escreve Rey-Debove). Apenas

observações. Entretanto, a autora atravessa, sem muito desenvolver, um dos segredos

positivos da ilustração de dicionário: "A ilustração mais exemplifica do que define".

Trata-se de uma das propriedades pouco visíveis, mas presente que caracteriza este tipo

de imagem, sua encenação pelo texto do dicionário constitui a definição por um lado e,

por outro, a legenda da imagem. Na microestrutura do dicionário, após a entrada e a

definição seguem de fato os exemplos de discursos e/ou o exemplo por ilustração.

Encontrar-se-á aqui, sem dúvida, a profunda razão do caráter opcional da ilustração que

seria somente uma das modalidades de exemplo, sua modalidade icônica.

Concluirei este ponto dizendo que as indicações de Rey-Debove são importantes

pistas para se retomar hoje. E me proponho a investigar uma delas, a partir da reflexão

de Josette Rey-Debove, breve, leve, mas intrigante. A indicação que me interessa se

situa no início do pequeno parágrafo introdutório, no qual a autora enuncia que existem

três espécies de ilustração: a fotografia, o desenho e o diagrama. Em seguida, afirma

que "A fotografia é mais apropriada para o nome próprio" (p. 34). Pode essa observação

5 Nomes próprios em azul, outras entradas em preto no Dictionnaire Hachette.

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abrir uma janela inesperada sobre o impacto do referente na escolha de ilustrações de

dicionário?

2. O nome próprio: artigo, imagem e legenda

Nos limites desse artigo,vamos focar nossa atenção essencialmente, por um lado,

na imagem e, por outro, na legenda.

2.1. Natureza e função das imagens nos três dicionários

2.1.1. Imagem ou Ilustração?

Utilizarei a palavra imagem a fim de manter uma certa "neutralidade" em relação

ao dispositivo do dicionário, para o qual nós usamos o termo específico ilustração (cf. as

expressões dicionários ilustrados, ilustrações de dicionários, telas de ilustrações etc.).

A questão surge todavia para saber qual especificidade possui o termo ilustração na

relação com o termo imagem?

Se falamos "a imagem de um objeto", não nos referimos "a ilustração de um

objeto" numa mesma relação semântica. A imagem de um objeto é a representação de

um "objeto referente" enquanto que a ilustração de um objeto é a representação de um

referente "visado por uma definição" e, portanto, uma representação construída por um

texto e trabalhado por um discurso.

Nessas condições, o termo ilustração não é apenas uma palavra relacional

("imagem de um objeto"), é também um termo que se refere a uma função: "construir a

imagem de um objeto correspondente a um referente descrito e construído por um

texto". Nessas condições, as ilustrações são, portanto, imagens de um determinado

gênero, imagens integradas ao discurso, escolhidas para e "motivadas" por um sítio

textual específico, cuja dimensão pragmática é dupla: produzir representações pela

linguagem e dar definições no domínio específico dos dicionários. Observamos

"montagens" bimodais semelhantes em certos manuais, em alguns livros didáticos,

livros populares ou enciclopédias especializadas. No entanto, notamos que essas

montagens textos/imagens específicas estabelecem relações semânticas e referenciais

diferentes das que nós observamos na titulação das pinturas, nas quais os títulos

designam o que as pinturas mostram, nomeando-as.

2.1.2. Primeiramente as fotografias...

Os nomes de pessoas exercem uma atração particular. As fotografias são

realmente ilustrações privilegiadas para complementar os artigos de dicionário. Talvez

esse seja o caso nas outras áreas, não só na imprensa, mas também na edição, às vezes

na "contracapa" , às vezes sobre a própria capa de livros, onde o nome do autor indica

uma "assinatura visual", ou seja, a cabeça daquele ou a cabeça daquela que leva o nome

e assina o livro.

Antes da existência da fotografia, os documentos utilizados para ilustrar os

nomes de personagens são, em sua maioria, os retratos em pintura, as iluminuras, as

esculturas (busto do personagem inteiro às vezes com seu cavalo de cerimônia ou seu

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cavalo de guerra) e até mesmo as cerâmicas. Em suma, utilizamos toda a iconografia

disponível em função dos meios disponíveis e do que a época nos deixou, o que mostra

a iconografia abaixo através de imagens de objetos pertencentes a diferentes registros:

Figura 1 - Chardin (retrato, Hachette)

Figura 2 - Charlemagne (iluminura, Robert)

Figura 3 - Charlemagne (escultura (busto), Larousse)

Figura 4 - Charlegmane (escultura equestre, Hachette)

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Figura 5 - Héracles (vaso, Hachette)

O método é, portanto, regressivo. Ele utiliza os modos de representação visuais

disponíveis, mas privilegia como padrão a fotografia quando existe, usando o que a

história nos deixou. Constatamos também escolhas editoriais específicas de acordo com

os dicionários. Hachette e Larousse privilegiam fotografias que se aproximam mais do

formato e do enquadramento da fotografia de identidade6. Este formato, como veremos,

pode evoluir em relação a alguns personagens, mas a orientação geral é a de um módulo

de meia-coluna e de uma fotografia que segue desde o enquadramento da foto de

identidade até a de um busto inteiro. Resumidamente, podemos dizer que um

personagem de dicionário é representado, portanto, através da ilustração de uma cabeça,

uma cabeça vista frontalmente exceto como vemos na série de ilustrações abaixo

retiradas do Dictionnaire Hachette. O efeito de contiguidade produzido pela

justaposição de duas imagens devido à ordem alfabética das entradas, como é o caso

aqui, produz efeitos engraçados ou perturbadores que fazem da consulta a um dicionário

ilustrado uma experiência atópica ao mesmo tempo lógica e "parasurrealista".

Figura 6 - Hitler e Hobbes (juntos na mesma coluna, Hachette)

6 N.T. foto do registro, documento de identidade, cuja face é enquadrada. No Brasil, corresponde ao

Registro Geral (RG).

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Figura 7 - Hitler e Hobbes (em duas páginas próximas, Larousse)

Figura 8 - General Hoche (Revolução Francesa) e Presidente Ho Chi Min (Vietnã) (Larousse)

2.1.3. Fotografias que fixam o personagem representado

Que a fotografia ou uma representação icônica de uma outra espécie imobiliza,

nada de mais normal (a escultura imobiliza de maneira mais incerta). Esta fixação,

porém, toma diferentes formas. A fixação pode vir da particularidade da imagem, por

exemplo, uma fotografia. A ilustração é datada em ambos os sentidos da palavra: a

imagem de uma determinada época junto da data propriamente dita permite visualizar a

idade do personagem. É possível identificar uma época através de detalhes, as roupas, o

corte de cabelos ou os tipos de bigodes... (os diversos tipos de corte de cabelo dos

homens são reconhecíveis em tempos diferentes). A fixação pode também se realizar na

representação de um título ou de um estatuto específico que permite definir o nome da

pessoa (cargo presidencial - militar - ou vestimenta e grau de comandante etc...). A

ilustração participa, então, do gênero de representação do personagem histórico.

Finalmente a fixação no papel com os atributos da função, da profissão, etc. que

constituem junto às características simbólicas do personagem muitos dos traços ou

propriedades definitórias do indivíduo. De maneira mais ou menos sóbria, e em uma

encenação fotográfica (ou mais amplamente iconográfica) explícita, os dicionários

ilustrados escolhem ilustrações abrangendo atributos simbólicos do personagem: uma

coroa para um busto, um cavalo para um comandante, uma vestimenta que imortaliza o

personagem em o momento escolhido de sua vida e da história. Esse tipo de fixação

desempenha um papel particular no caso de artistas. Especialmente nas artes do

espetáculo. Descobrimos o personagem a partir do que acompanha a representação

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espontânea comum que constitui elementos de identificação marcantes, como podemos

ver abaixo:

Figura 9 - Alfred Hitchcock em 1963, foto montagem com dois pássaros (Hachette)

Figura 10 - Alfred Hitchcock durante a filmagem de seu filme Os Pássaros (1963) (Larousse)

Figura 11 - Hitchcock dirigindo Rod Taylor em Os Pássaros (1963) (Robert)

Deixamos, então, o formato da fotografia de identidade. A este respeito, há um

deslocamento muito interessante para observar entre Hachette e Robert. Se o

personagem é de fato representado frequentemente ou figurativamente, ele também

pode estar ausente. A ilustração torna-se um fragmento de seu trabalho, a ilustração faz

referência por meio da metonímia a um autor. Outra alternativa, o fragmento também

pode incluir a representação do personagem; temos, assim, ao mesmo tempo a

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referência metonímica e a referência direta ao personagem, (autorretratos em ação de

alguma forma):

Figura 12 - Audrey Hepburn em Bonequinha de

Luxo, de Blake Edwards (1961) foto (Robert)

Figura 13 - Chaplin interpretando Carlitos no filme

O Garoto (1921) - foto (Larousse)

Figura 14 - Katherine Hepburn (foto de identidade,

Hachette)

Figura 15 - Cyd Charisse e Gene Kelly em Hollywood

(foto, Robert)

2.1.4. Integração mais ou menos consistente da ilustração

Quando a ilustração tem um formato próximo ao da fotografia de identidade -

que é o caso mais comum (Hachette e Larousse) - a integração com artigo é forte,

mesmo quando se trata de artistas. Observamos diferentes opções de módulos, um

módulo modesto (na forma de um pequeno pavé) em Hachette (1,5 cm ou mais de

altura), muito modesto, no qual duas personagens podem ser dispostas paralelamente

na mesma posição da coluna. Cores diferentes indexam imediatamente as fotografias no

bom artigo, com exceção de Larousse que constitui um conjunto autônomo para os

nomes próprios em uma segunda parte do dicionário. O Dictionnaire Hachette usa cores

diferentes para as entradas de nomes próprios e a legenda da ilustração é da mesma cor

(azul) para lembrar a ligação com o nome próprio da entrada. O Robert illustré utiliza

uma cor específica (marrom) para as entradas, mas insere um lembrete discreto quando

a ilustração não está associada ao artigo, um índice é colado acima da ilustração e

distingue da legenda o que está na imagem.

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2.2. Legenda

Ela apresenta o seguinte formato: nome do personagem (sobrenome ou primeiro

nome + sobrenome). Le colonel Kadhafi (O coronel Kadhafi), no Hachette, está com o

chapéu de comandante que conhecemos. A legenda faz referência unicamente ao seu

nome através do título de Coronel e não pelo seu nome propriamente dito M' uammar

Kadhafi ou Al Kadhafi. Na mesma linha, encontramos l’Amiral Nelson (O Almirante

Nelson). Mas Cousteau torna-se modestamente Jacques-Yves Cousteau (Hachette).

Alguns tem um nome, outros apenas são identificados pela primeira letra do nome, e às

vezes aparece somente o sobrenome, pode-se pensar que a notoriedade serve de critério.

Porém, estranhamente Hitler é precedido por um simples "A" (Hachette).

No Robert Illustré, diferente do quadro restrito do Hachette (a fotografia de

identidade) seguimos em direção a uma legenda que situa a fotografia, frequentemente

com muitos detalhes. O leitor pode até encontrar uma reportagem fotográfica pequena

(cf. Robert Illustré para De Gaulle): três fotografias e três frases. As duas primeiras em

preto e branco colocadas uma sob a outra, a mais antiga acima. A terceira, colorida,

sozinha ocupando a mesma superfície que as duas primeiras reunidas que lhe são

adjacentes. Cada fotografia ilustra uma das três fases da vida do personagem, cada

legenda sucessivamente é seguida pelas seguintes frases que lhe dão identidade e

interpretação: (1) Em 18 de junho de 1940, o General de Gaulle fez, de Londres, seu

famoso apelo à resistência. (2) Em 4 de setembro de 1963, De Gaulle leva uma grande

multidão com o chanceler Adenauer, em Bonn. (3) De Gaulle e sua esposa em

temporada na Irlanda, em junho de 1969, após o fracasso do referendo de 27 de Abril.

Não é a aparência física do que o nome próprio denomina que é apresentado ao leitor.

Esta é a escansão heroica de um destino histórico em três episódios chave da vida do

personagem.

A legenda é um comentário, profundamente enraizada na realidade histórica das

cenas assim representadas. Nós não estamos diante de uma simples etiquetagem por um

nome próprio, da efígie, da fotografia ou do autorretrato do pintor. Com efeito, é

necessário analisar os artigos na relação com referente, ou melhor, na sua relação com a

ilustração junto de sua legenda, sendo este conjunto bimodal imagem/texto detalhado,

em geral, no artigo. A observação pode identificar a diferenciações sutis e não

necessariamente controladas igualmente pelos redatores na articulação das legendas

com as ilustrações. Podemos, assim, identificar recorrências estruturais nos padrões das

legendas, como abaixo:

1) o formato mais simples:

T. Hobbes (escrito em azul)

Alfred Hitchcock (escrito em azul) em 1963

2) formatos mais complexos:

Hercules (escrito em azul) matando a hidra de Lerna: vaso antigo, Século V

a.C. Museu do Louvre

Chardin (escrito em azul) Autorretrato ao cavalete: pastel, 1776, Museu do

Louvre (escrito em preto e em itálico).

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Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br>

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A última legenda com o título da pintura que ela integra poderia ser uma legenda

de catálogo de pinturas.

2.3. Microestrutura do dicionário ilustrado

Ao final ou quase dessa exploração acerca de alguns dicionários ilustrados, é

possível sugerir algumas pistas para trabalhos futuros em relação à estrutura do artigo

de dicionário. O artigo é composto de três elementos, os dois primeiros são obrigatórios:

(1) a entrada, (2) o artigo propriamente dito. A ilustração ou módulo (3) é opcional. Ele

pode seguir imediatamente o artigo ou ser inserido depois. Está, portanto,

tipograficamente separado. Deve-se verificar se a falta de ilustrações tem um impacto

sobre a forma e sobre o conteúdo do artigo. O dicionário permaneceria suficiente se

removêssemos todas as ilustrações? A resposta pode variar. Em contraposição,

ilustrações sozinhas nunca constituiriam mais do que uma reserva de imagens. Enfim, o

distanciamento tipográfico da ilustração, a sua posição fora do artigo, concede

autonomia à ilustração. Devemos, portanto, refletir sobre a relação de

complementaridade possível entre a imagem e o texto se quisermos chegar a um

conjunto verdadeiramente híbrido.

Para concluir

Estas variações da legenda, a evolução do dispositivo ilustração/legenda em

relação ao artigo, o caráter opcional da ilustração cuja presença ou ausência indica um

estado específico da notoriedade do referente, etc. todos esses elementos fazem parte de

uma semio-pragmática enraizada em uma "atualidade" histórica flutuante incluindo os

conhecimentos comuns. Os dicionários semasiológicos ilustrados nos convidam a

aprofundar as análises multimodais em uma perspectiva que eu aproximaria da

Sinalética7. Na verdade, a maneira de denominar e descrever os monorreferentes em

situações de coerção (a questão do dicionário aqui) não é neutra sem dúvida. Ela está

sujeita a várias restrições externas ao sistema da língua e de uma natureza diferente: um

dispositivo semiótico específico escripto- visual por um lado, um real social e histórico

por outro, que impactam as configurações possíveis das designações e legendas e que

desenham assim um mapa de conhecimentos aceitos como usuais e compartilhados, de

que a teoria pragmática da nomeação enquanto sinalética pode se apropriar.

Referências

GUILBERT, Jean (1973). « La spécificité du terme scientifique et technique », Langue

française, n° 17, Les Vocabulaires techniques et scientifiques, dirigé par L. Guilbert et J.

Peytard, Paris, Larousse, p. 10.

PRUVOST, Jean (1994) . « L’illustration dictionnairique dans les dictionnaires

sémasiologiques », Meta : journal des traducteurs / Meta : Translators’ Journal,

vol.39, n° 4, p. 741-756.

7 Ver Bosredon, 1997: 234-266.

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Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br>

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REY-DEBOVE, Josette (1971). Etude linguistique et sémiotique des dictionnaires

français contemporains, coll. « Approaches to Semiotics », n° 13, The Hague / Paris,

Mouton.

Dicionários

Dictionnaire Hachette, 2011

Le Petit Larousse illustré 2012

Le Robert illustré, 2013