os mais belos versos de josé de anchieta

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  • 8/13/2019 Os mais belos versos de Jos de Anchieta

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    Os versos de Jos de Anchieta

    Jefferson E. da P. Barbosa 20/03/12

    Este um passeio pela poesia de Jos de Anchieta. Catequizador sob a misso de

    trazer os smbolos da cristandade para vestir, cobrir o nu, para fazer do selvagem aimagem e semelhana de Deus, do homem europeu. Mas poeta e, para alm dosmistrios e autos,deu tambm ao selvagem, que bem a recebera, a prola de sua poesia.

    Jos de Anchieta, nosso primeiro poeta, traz em sua palavra a missomedievalizadora da ideologia contra-reformista, que tinha por fim restaurar do abalo atradio e a verdade da Igreja Catlica. O Barroco a esttica veiculadora dos smbolos,da ordem e poder eclesistico. Foi sob o pretexto de erigir catedrais para a glria deDeus que artistas davam curso a seu xtase criativo. Vemos, atravs da exuberncia desua arte, o sublime e a fora do dogma. Os artistas que esto inseridos na viso barrocado mundo enchem seus espectadores com imagens imponentes, de inquietude esensualidade exacerbada. Arrebata-nos o sensvel. Jos de Anchieta, poeta barroco, nosconduz, em alguns de seus versos, pelo sabor, pelo sensual, como no seuDo SantssimoSacramento:

    que po. que comida. que divino manjar.Se nos d no santo altarcada dia!

    O divino descoberto no sensvel, ou o sensvel alado ao divino. um trnsito.O poeta, sua poesia, est entre. o amor do poeta e padre que se faz condutor para omundo eterno. So versos erticos. No discurso socrtico do amor, Diotima, de Erosentendida, expe a teoria: comea-se amando as coisas sensveis, decadas do mundodas Formas puras, mas pelo Amor, deus ou demnio, miramos o impalpvel, o divinosustentando a carne.

    que divino manjar

    Deus est no sabor com que a lngua, o paladar, se embebeda. Anchieta brio,em xtase; o padre que goza divinamente. O Barroco incorpora a anttese, e a imagem,o ato sacramental da eucaristia muito bem vindo. O esprito de Cristo metamorfoseadoem alimento, sendo este no apenas uma necessidade da alma, mas um manjar que

    proporciona um profundo prazer sensorial:

    nos deleites deste po,com que nosso coraotem fartura

    seja minha refeio

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    e todo meu apetite.............................. que divino bocadoque tem todos os sabores!..............................Quem viu nunca tal comida,Que sumo de todo bem?

    O barroco nos lana fascas de gozo. As imagens gozam. Sua linguagem gozoza, por que tem nsias de fundir-se com infinito, com o imenso, com o sublime,que resiste representao. O sublime dilacera o homem. O Barroco no se contm, inquieto, deixa o inapreensvel extravasar na forma. o aniquilamento diante daGrandeza. Anchieta, o santo, se inquieta, quer morrer, se anular:

    Morra eu, por que vivervs possais dentro de mim

    A tenso a diviso. Anchieta morre de desejos. Quer retornar a uma anteriorunidade existencial. Para com o Uno fundir-se e viver a paz e o gozo eternos. a pulsode morte. Mais uma vez o jogo das antteses se faz presente. Tempo e eternidade secontrastam. A tenso entre a fragilidade da vida e seu desejo de imortalidade; a tristezado desengaoaparece com grande beleza no poemaEm meu Deus, meu Criador:

    No h cousa segura:tudo quanto se v se vai passando.A vida no tem durao bem se vai gastando,toda criatura passa voando

    Deseja-se a imortalidade e a Graa de Deus, a transubstanciao da carne; a almapurificada da corrupo. o morro por no morrer da enamorada Santa Teresa.Huma fome de imortalidade e uma aparente alegria perante a certeza de uma vida

    posterior:

    Contente assim, minhalma,do doce amor de Deustoda ferida,o mundo deixa em calma,

    buscando a outra vidana qual deseja ser absorvida.

    (Em Deus, meu Criador)

    Os versos incensam uma beatitude serena. Anchieta o mundo deixa em calma.

    Logo se deve salvar a alma. A vida no tem dura. uma fatdica procisso de

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    fantasmas. Da sua fome de eternidade, de conservar-se na pureza, como nas palavrasapaixonadas do espanhol Miguel de Unamuno: Ser, ser sempre, ser sem fim! Sede deser, sede de ser mais! Fome de Deus! Sede de amor eternizante e eterno! Ser sempre!Ser Deus!

    Em Deus, meu Criador um poema grave, pois traz uma reflexo que todohomem deve fazer, de modo a no ser um monstro, como dizia Pascal. Difcil escapar questo de nossa permanncia. O poema finda, conclui-se com a carne abnegada, mas introduzido com o fardo do sentimento de morte, de brevidade, do curto tempo quetemos. Toda criatura passa voando. H, no fundo, uma tristeza, uma dor. o drama

    barroco to difundido nas abordagens didticas. O xtase de Anchieta mortificador,perigoso at mesmo por jogar com os limites, com a sensualidade. Naquele que ,talvez, o seu mais belo poema, Do Santssimo Sacramento, temos uma sucesso de

    belas imagens que jogam com esse xtase:

    mitigador do desejocom que a vs suspiro e gemoesperana do que temode perder

    Veja-se os verbos suspirar e gemer, que geralmente usamos para descreversensaes de gozo, de prazer violento, de morte. o Barroco. Nele, a santidade goza.As imagens no so firmes, desfalecem, desmaiam. Em Bernini, O xtase de SantaTeresa, seu peito aberto recebendo a seta do amor; o gozo vai do seu semblante aocomplexo panejamento de seus trajes.

    As imagens da poesia de Anchieta, sendo poeta barroco, tm caractersticascomuns ao seu estilo de poca. O Barroco imagem. Inclusive, o que se comunica dasartes pictricas e escultricas para a arte literria no seno a imagem barroca, seuimpacto. Sua beleza envolvida de contrastes e no de uma harmonia linear. Nesses

    arte barroca. Anchieta tambm pe em jogo imagens contrastantes:

    As chagas cruentas das mos[delicadas

    vm mais rubicundas que todas[as rosas

    Os sinais do martrio de Cristo, as chagas de seu sofrimentotransmudadas em rosas. Dor metaforizada, as feridas so cobertas com a finura e adelicadeza das rosas. O poeta ao estabelecer uma relao, instaura um mundo, cria umatrama de significaes. Cria para seres distantes uma ponte; condio em que so nosendo eles prprios. uma costura de signos. Anchieta lana rosas sobre as chagas de

    Cristo e as embeleza. As coisas postas no mundo esto abertas a aproximarem-se umas

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    das outras. Claro que no livremente, mas segundo a convenincia, a similaridade, aanalogia; segredos dos poetas. Enfim, os seres se relacionam, se imitam, segundomotivaes obscuras, mas nunca arbitrariamente. Assim o poeta traz o mundo para alinguagem. As chagas so as rosas, bem como o sangue perfumado.

    Terminamos aqui nosso curto passeio. So versos sensuais os que compemnosso mnimo florilgio. Se pudemos destacar o xtase de Anchieta, foi cumprido nossointento.