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MARIA HELENA CORDEIRO INSSA OS LOUROS DE LOURENÇO: GENEALOGIA E VIDA DO DR. LOURENÇO RIBEIRO DE ANDRADE (1724-1799). Monografia apresentada à disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade do Paraná. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Andreazza CURITIBA 2000

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Page 1: OS LOUROS DE LOURENÇO: GENEALOGIA E VIDA DO DR. … · que focalizaram a principal instituição da época. Escreveram sobre a história da família. Com este tema, várias abordagens

MARIA HELENA CORDEIRO INSSA

OS LOUROS DE LOURENÇO: GENEALOGIA E VIDA DO DR.

LOURENÇO RIBEIRO DE ANDRADE (1724-1799).

Monografia apresentada à disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade do Paraná. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Andreazza

CURITIBA

2000

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SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS ....................................................................................................... iii

INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 - GANHASTE PERPETUA HONRA, NOBRECESTES VOSSO

REINO .............................................................................................................................................. 4

CAPÍTULO 2 - OS ORNADOS COM LOURO ............................................................. 17

BOM APELIDO E NOME GRACIOSO ............................................................................ 17

DECISÕES AMBICIOSAS E REMOTAS: A RECUPERAÇÃO DA LINHAGEM ........ 20

Os bisavós ........................................................................................................................... 20

Os avós ................................................................................................................................ 26

Os pais ................................................................................................................................. 36

ENFIM UM DOUTOR: LOURENÇO RIBEIRO DE ANDRADE ................................... 49

CONCLUSÃO ................................................................................................................... 62

FONTES ............................................................................................................................. 63

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 64

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – FAMÍLIA JOÃO RODRIGUES SEIXAS .................................................. 22

TABELA 2 – RELAÇÃO DE COMPADRIO - LOURENÇO DE ANDRADE ......... 27 , 32

TABELA 3 – FAMÍLIA JOÃO RIBEIRO DO VALLE .................................................... 30

TABELA 4 – FAMÍLIA LOURENÇO DE ANDRADE .................................................... 30

TABELA 5 – FAMÍLIA MANOEL SOARES ................................................................... 31

TABELA 6 – RELAÇÃO DE COMPADRIO - JOÃO RIBEIRO DO VALLE ................ 32

TABELA 7 – FAMÍLIA ANTONIO RODRIGUES DE ANDRADE ............................... 34

TABELA 8 – FAMÍLIA AGOSTINHO DE ANDRADE .................................................. 35

TABELA 9 – FAMÍLIA MIGUEL RODRIGUES RIBAS ................................................ 46

TABELA 10 – FAMÍLIA MIGUEL RIBEIRO RIBAS ..................................................... 48

TABELA 11 – NASCIMENTO, CASAMENTO E ÓBITO DOS FILHOS DE

LOURENÇO RIBEIRO DE ANDRADE ........................................................................... 58

TABELA 12 – FAMÍLIA LOURENÇO RIBEIRO DE ANDRADE ................................. 59

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INTRODUÇÃO

O período colonial brasileiro foi estudado pela historiografia sobretudo por análises

que focalizaram a principal instituição da época. Escreveram sobre a história da família.

Com este tema, várias abordagens e possibilidades de investigação foram utilizadas,

desvendando comportamentos, atitudes e valores em várias regiões do país, bem como

distinguindo as categorias sociais existentes. Nestes trabalhos, encontrou grande espaço de

atuação um método que adotava a demografia como suporte das considerações a que

chegava a pesquisa. Assim, foi quantificada uma parcela da população colonial.

No Paraná não foi diferente. O estudo acerca da população de Curitiba no século

XVIII teve representação, especialmente, na obra de Ana Maria Burmester.1 Com base nos

registros de batismo, casamento e óbito que dispunha o arquivo da Catedral de Nossa

Senhora da Luz, a autora coletou e contabilizou os primeiros dados sobre os habitantes da

capital paranaense.

Se as estatísticas e conclusões trazidas por tais estudos demográficos tornaram-se

leitura obrigatória para os estudantes da história da família, outros métodos de análise

também começaram a se impor.

O trabalho presente se propôs a acompanhar os caminhos percorridos por uma

família composta por homens-bons, co-fundadores da elite regional. Trata-se da família do

Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade, Capitão-mor da Vila de Curitiba entre os anos de 1765 a

1799.

Objetivando perceber as razões que levaram a sua nomeação, bem como

compreender o alcance político e social que obtinha Dr. Lourenço no final do século

XVIII– a ponto de ser o seu filho Antonio Ribeiro de Andrade o seu sucessor no comando

da Vila - , desenvolveu-se este estudo.

Mais do que uma trajetória pessoal, interessou-me perceber a maneira pela qual se

consolidou, ao longo dos anos, seu prestígio. No entanto, entendendo um indivíduo como

pertencente a uma linhagem e que justamente esta fundamentava as qualificações dos

1 BURMESTER, Ana Maria. A população de Curitiba no século XVIII: 1751-1800. Segundo os

registros paroquiais. Curitiba, 1974. Tese (Mestrado) – Departamento de História, Universidade Federal do Paraná.

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homens da Colônia e do Reino, foi reconstituída a genealogia do Dr. Lourenço Ribeiro de

Andrade, desdobrando as gerações que o antecederam.

Dessa forma, o primeiro capítulo deste trabalho abordou os comportamentos e

ideais que justificavam a importância da linhagem, destacando-se a vontade dos homens em

integrar a nobreza. Demonstrou-se, ainda, as formas com que a honra e a virtude estiveram

presentes na lógica do pensamento moderno, bem como o desdobramento dos anseios de

prestígio que tinham os portugueses chegados na Colônia e o seu repassar aos homens que

aqui viviam.

No segundo capítulo, pela reconstituição da família, foram analisados os caminhos

que cada chefe de família percorreu de modo a permitir e intensificar uma ascensão social e

política dos seus descendentes. Assim, observou-se a atuação do antepassado mais remoto

do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade em Curitiba. Chegando em fins do século XVII, seu

bisavô João Rodrigues Seixas iniciou, ainda que insipidamente, uma jornada rumo ao

prestígio e à distinção social.

Em seguida, foi analisada a família formada pelo seu avô Lourenço de Andrade e as

relações de parentesco que este estabeleceu, de maneira a fortalecer o seu grupo de

afinidade.

Da trajetória de seu pai, Miguel Rodrigues Ribas, foram discutidas as formas de sua

inserção no poder público, as adaptações de um reinol na Vila de Curitiba, a dependência

do indivíduo ao grupo de apoio pertencente, e a transmissão dos seus anseios de êxito e

reconhecimento social para seus filhos.

Os louros da família, no entanto, foram aclamados com a nomeação de Lourenço

Ribeiro de Andrade, licenciado em Coimbra, para ocupar a função de Capitão-mor da Vila.

Imbuído de idéias que remetiam ao desejo de civilização, o Dr. Lourenço Ribeiro de

Andrade, porém, não encontrou respaldo para seus sonhos de iluminar a vida e o cotidiano

dos moradores da região.

Com uma proposta de análise microscópica, este trabalho pretendeu fazer o

chamado jogo entre as escalas de observação2, ou seja, discutindo com a historiografia e

percebendo os comportamentos, ou o conjunto de normas que regiam a sociedade e que

2 REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. In: _____ (Org.) jogos de escalas: a

experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getulio Vargas, 1998. p. 15-38.

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pressionavam as decisões e escolhas individuais. Imersos numa perspectiva estrutural, mas

focalizados sob uma ótica micro, desvelou-se a história desta família.

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CAPÍTULO 1

GANHASTE PERPETUA HONRA, NOBRECESTES VOSSO REINO.*

Rodrigo Cezar de Menezes, Governador e Capitão General da Capitania de São

Paulo deveria, por ordem de Dom João V, por graça de Deos Rey de Portugal e dos

Algarves daq.m e dalem mar, repassar às Câmaras sob sua jurisdição cópia da carta régia,

datada de 9 de Julho de 1725. A vila de Curitiba, assim, fica a par da preocupação do

monarca em reservar os altos postos das companhias de ordenanças a pessoas qualificadas.

Advertia El Rey que

se tem entendido que muitas pessoas pella sua vaidade pertemdem os postos assim de Coroneis como os do Regimento das ordenanças desse Governo, por ficarem com o desvanecimento do honorifico que trazem comsigo as d.as nomeações, no qual se comprehendem tambem suas mulheres pl.º tratamento q' por este respeito lhes dão, e se prouem em pessoas indignas e de quem se não tem tanto conhecimento da sua nobreza e prestimo, o q' hé em gn.do damno da republica, e p.ª que este se euite: Me pareceo ordenar-uos que daqui em diante se tenha grande attenção neste p.ar e as pessoas que nelles se nomearem sejão das de toda a nobreza, e capacidade conforme dispõem as minhas reaes ordens.1

Em 14 de Outubro de 1726, outra carta reiterava o mesmo propósito. Nela, D. João

V ordenava que as pessoas, q' se nomearem p.ª os postos das Ordenanças dessa Capp.nia

fossem dos de toda Nobreza na forma q' dispoem as minhas reaes ordens. Mais adiante,

expressava a seriedade da ordem régia e o cuidado que deveria ser observado acerca da

nobilitação do oficial, determinando que

vendo q' algús sogeitos, a quem se havião mandado passar, não tinhão aquelles requezitos necess.os para os exercitarem, por q' alem da falta de nobreza, e capacidade se fazião

* Sentido de enobrecer no século XVI descrito por Duarte Galvão em sua Crónica de D. Afonso

Henriques, prólogo, p. 29, ed. de 1906. In: MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa. v. II. Lisboa: Editorial Confluência, 1952-59. p. 1587.

1 Carta régia sobre os postos de milicia serem dados sómente a gente nobre. BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITYBA. Documentos para a história do Paraná. v. XIV: Provimentos de corrreições. Resoluções, ordens e provisões. 1722-1828. Curityba : Impressora Paranaense, p. 68.

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indignos dos d.os empregos pelos indecentes off.os e neg.os de q' tratavão, não só lhas não confirmareis, mas lhes mandareis dar baixa, parecendo q' com esta demonstração serião pelo tempo ao diante não só apetecidos mas estimados os d.os postos, vendo que os não daveis mais q' aos que por merecim.º e pessoa, e de serviços se habilitassem para os servir.2

De forma bastante explícita, estas cartas expressam o desejo da metrópole

portuguesa ser representada na Colônia somente por homens que fossem considerados

dignos e merecedores dos cargos que ocupavam. Mais do que isso, exigia-se que tais

homens fossem dotados de linhagem e comportamento nobre, observando, assim, se a

nobreza da sua família era reconhecida socialmente e, ainda, se eram capazes de dominar

sentimentos inferiores que causavam tanto dano à Coroa, tais como a vaidade e a cobiça.

Àqueles que guardavam qualidades superiores eram permitidas honrras, previlegios,

liberdades, izencoins e franquezas, sendo, desse modo, considerados aptos para ocupar

cargos de confiança do monarca.

Recorrendo a dicionários da língua portuguesa de publicação mais antiga, pode-se

identificar as qualidades atribuídas ao nobre, bem como as definições que tal vocábulo

admitiam em Portugal. Desse modo, a etimologia da palavra nobre revela que seu termo em

latim, nobile, no seu sentido primitivo, designa aquilo que se pode conhecer, fácil de

conhecer; conhecido, e daí as expressões bem conhecido, que tem notoriedade, célebre,

famoso, nobre.3 Cândido de Figueiredo4 aponta para uma mesma definição, indicando que

o nobre, além de notável e célebre, era conhecido também por proceder de estirpe ilustre,

sendo nobre por nascimento ou por graça do Rei. Era, ainda, magestoso, generoso, bizarro

(no sentido de nobre procedimento), valente, elevado e sublime. Antonio de Morais Silva5,

por sua vez, ressalta não somente as qualidades morais do nobre, mas também as suas

qualidades físicas. Acrescentando, portanto, outros significados ao termo, descreve o nobre

como o ser que tem grande aparência; sendo imponente, grandioso, distinto. Era o que

honrava o título que lhe pertencia.

2 Documentos interessantes..., p. 77. 3 MACHADO, op. cit., p. 1587. 4 FIGUEIREDO, Cândido de. 1846-1925. Novo dicionário da língua portuguesa. v. II, 9. ed.

Lisboa: Livraria Bertrand, 1937. p . 442. 5 MORAIS SILVA, Antonio. 1755-1824. Novo dicionário compacto da língua portuguesa. v. IV,

10. ed. Lisboa: Confluência, 1945. p. 77.

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A analogia entre a nobreza e a honra constituía-se num valor profundamente

arraigado em diversas culturas do Antigo Regime, encontrando-se presente, também, na

cultura portuguesa.

Pode-se atribuir à honra a consideração que cada indivíduo tinha de si e do próximo.

Ou seja, ela consistia numa apreciação do valor pessoal, que conferia legitimidade à

pretensão dos homens em conquistar orgulho, estima e glória. Era entendida, portanto,

como um sentimento. Além desta conotação, a honra expressava, ainda, a admissão pela

sociedade da excelência dos que a possuíam e do direito destes ao orgulho. Assim, também

evidenciava-se a honra por modos de conduta e formas de tratamento diferenciados, os

quais foram estabelecidos para os honrados. Deste fato, provinha o fácil reconhecimento

dos nobres pela sociedade.

Considerando que o direito ao orgulho associava-se ao direito a uma posição social

específica e de que esta estabelecia-se pelo reconhecimento de uma certa identidade social,

a honra, neste sentido, era partilhada por aqueles que detinham maior respeito ou

representação numa dada sociedade. Para entrar neste círculo fechado, o pretendente à

honra deveria convencer os outros, caso contrário, a pretensão passaria a ser simples

vaidade, objeto de ridículo ou desprezo.6 Provavelmente, D. João V estava fazendo

referência exatamente a esta questão quando, nas cartas enviadas à Colônia, dispunha que

somente os homens dignos ocupassem cargos na governança.

Analisando textos medievais espanhóis que abordavam este tema, Júlio Baroja

sintetizou os meios pelos quais se convencia o outro de que esta pretensão às honrarias era

justa. Nestes documentos, encontrou um relato do século XVI, que definia o que fazia de

um homem verdadeiramente honrado nesse período. Assim, para o espanhol Huarte de San

Juan, a quem o autor se refere, a honra consistia no valor da própria pessoa em prudência,

justiça, ânimo, valentia; na nobreza e antiguidade dos antepassados; na dignidade ou

emprego (ofício) honroso; no bom apelido e nome gracioso; na boa apresentação pessoal.7

Assim, revelava-se necessário que, aliado a uma norma de conduta e de qualidades

específicas, este indivíduo procedesse de uma família que, de igual modo, desdobrasse a

6 PITT-RIVERS, J. Honra e posição social. In: PERISTIANY, J.G. (Org.) Honra e vergonha:

valores das sociedades mediterrânicas. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1971. p. 14. 7 BAROJA, J.C. Honra e vergonha: exame histórico de vários conflitos. In. PERISTIANY, J.G.

(Org.) Honra e vergonha: valores das sociedades mediterrânicas. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1971. p. 87.

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sua honradez. Em ambos os casos, a honra tem sua expressão social naquilo que se chama

fama e a desonra, por sua vez, na infâmia. Desta maneira, a fama se traduz no

reconhecimento social das atitudes e da procedência do indivíduo, bem como ao grupo a

que pertence. Em contrapartida, a infâmia dava-se quando se rompiam as normas que

estruturavam a sociedade, como por exemplo, quando se desrespeitava o estatuto ou a

hierarquia social, real e familiar. A honra poderia ser maculada, ainda, pela desobediência à

lei e pela prática de vícios ou de atividades mal vistas pela sociedade, tais como

sustentavam os alcoviteiros, sodomitas, adúlteros, traidores, usurários, ladrões, entre

outros.8 Em todo caso, era a vergonha que regulava as ações que levavam à honra e à

desonra.

Este estado de acanhamento era evitado, no entanto, não somente pelo indivíduo no

seu cotidiano particular, mas também pelo grupo a qual este pertencia. Neste sentido, a

historiografia tem revelado que as solidariedades sociais possuíam uma honra coletiva da

qual os seus membros participavam. Desse modo, a conduta desonrosa de um refletia na

honra de todos. Assim, quer na família quer na monarquia uma só pessoa simboliza o

grupo cuja honra colectiva nela está investida. Os membros devem um tipo de obediência e

de respeito que compromete perenemente a sua honra individual.9

A esta idéia de honra coletiva intercalava-se, também, o conceito de valer mais, ou

seja, a disputa do grupo por melhor prestígio e poder social. Dessa forma, cada linhagem,

em conjunto, pretendia valer mais que as sua concorrentes que, vencidas, valiam menos.

Assim, numa sociedade construída sobre esta base luta-se de modo obcessivo [sic] para

alcançar tantas honras e honrarias (...) públicas quantas existam, pois estas passam

imediatamente a ser bens transmitidos hereditariamente dentro da linhagem.10

Observa-se, portanto, que os privilegiados, ou os que valiam mais, eram aqueles que

pertenciam a uma família cujo respeito e fama era reconhecido socialmente, e que acima de

tudo, fosse preservado por seus descendentes. Ainda que esta regra encontrasse brechas na

prática social cotidiana, o que definia a participação no grupo dirigente era o prestígio. O

que valia era a honra social e, para isso, buscava-se distinguir-se dos demais. Desse modo,

"procurava-se sempre estar o mais próximo possível da fonte de todo poder e prestígio:

8 Ibid., p. 66-68. 9 PITT-RIVERS, op. cit., p. 25. 10 BAROJA, op cit., p. 70.

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além da administração, o rei também centralizava a distinção".11 Essa busca por distinção,

por sua vez, tornou-se sinônimo da vontade de integrar-se à nobreza.

Havia duas possibilidades de um indivíduo tornar-se um nobre, mas fundamental a

ambas, seria o fato de este ser honrado. Ainda, proceder de família virtuosa que, ao longo

de sua existência, tivesse demonstrado devoção e lealdade ao monarca surge como quesito

tão fundamental quanto provar ser bom vassalo e bom cristão.12 Em meados do século

XVII, sobretudo, questões sobre a linhagem ainda acompanhavam as exigências relativas à

limpeza de sangue, ou seja, um período em que era forte a restrição à nobreza aos

descendentes de judeus ou mouros, pelo menos por linha paterna. 13

A primeira maneira de alcançar a nobilitação seria, portanto, a herança do título

através dos laços de sangue. Neste caso, ela era chamada de nobreza natural, nativa ou

generativa, pois independia de concessão explícita do príncipe. Para certificar-se da

permanência da condição de nobre, utilizava-se o critério da fama.14 Nesta categoria, eram

incluídos o príncipe; os titulares* e fidalgos de solar**; os fidalgos razos*** e os que

descendiam de antepassados nobres, mas que ainda não estavam assentados nos livros da

casa real. Contudo, a estes últimos era exigido que fossem tidos por nobres pela opinião

comum e vulgar, pelo costume da região, por sentença ou por monumento ou instrumento

antigo.15

A segunda forma de nobilitação seria, obviamente, aquela em que havia a

necessidade do Rei em outorgar o privilégio. Esta era chamada de nobreza política ou

dativa, que se adquiria por concessão do poder político. Decorrendo do direito civil, era

considerado nobre quem desempenhasse as funções na república. Esta nobreza organizava-

se, por seu turno, segundo a sua origem, que podia ser a ciência ou o letramento – doutores,

11 SILVEIRA, M. A. O universo do indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas (1735-

1808). São Paulo : Hucitec, 1997. p. 46. 12 Como revelam SILVEIRA, op. cit.,: MARQUES, A. H. O. Breve história de Portugal. 3. ed.

Lisboa: Editorial Presença, 1998. SOUZA, L. de M. e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas Gerais no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.

13 HESPANHA, A.M. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal - século XVII. Coimbra: Almedina, 1994. p. 319.

14 Ibid., p. 344. * Os titulares eram os duques, marqueses, barões e condes. ** Aqueles que possuíam senhorio de terras com jurisdições. *** Nobres matriculados nos livros de matrícula da casa real, bem como os seus descendentes. 15 HESPANHA, op. cit., p.345-346.

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licenciados e magistrados – , o privilégio (desembargadores), a milícia e o ofício, sendo

estes últimos os principais.

A milícia constituiu-se numa das grandes características da nobreza, pois funcionou

durante anos como um dos principais mecanismos de manutenção da virtude. Esta atividade

permitia, ainda, que se expressassem outros sentimentos e comportamentos que

legitimavam o ser nobre, tais como a força, o heroísmo, a honra e o uso da violência.16

Além disso, o direito de participar da hierarquia militar trazia muitos benefícios que

contribuíam para o acréscimo de privilégios.

A Cavalaria, por exemplo, surgia como um dos principais espaços ocupados por

nobres, pois afirmava-se que esta, por sua natureza, era nobre e próprio da nobreza, e de

grande importância à conservação dos exércitos, e defensa dos Reinos17. Eram os nobres,

portanto, os responsáveis pela proteção da nação, embora participassem da milícia também

homens sem títulos. Além disso, contribuíam para que se reproduzisse, no exercício militar,

um sistema de hierarquia já fundamentado na sociedade portuguesa. Ou seja, quanto mais

nobre e honrado, mais alto seria o posto militar exercido.

Estudos revelam, ainda, que na época moderna, a posse de cavalos teria se

convertido num valor simbólico da nobreza, abandonando, pois, a idéia de funcionalidade

que estes animais traziam no serviço militar. Dessa forma, a posse de cavalo e o hábito de

se deslocar a cavalo era, antes de mais, um sinal exterior de prestígio, quando não, pura e

simplesmente, de riqueza capaz de nobilitar.18

Fora estas questões, havia outra preocupação que fazia com que os nobres fossem os

escolhidos para integrar as funções militares, que era justamente o fato de que estes

deveriam pagar tanto os seus uniformes, como os instrumentos necessários para o posto a

ser ocupado. Assim, iniciar uma carreira visando exercer os altos comandos militares

demandava, também, possuir bens que permitissem financiar tal projeto.19

Na Colônia, os cargos oferecidos pela milícia eram procurados pelos homens que

visavam enobrecer ou que já se consideravam nobres. Para tanto, precisavam ser eleitos

pela Câmara Municipal local, cuja exigência era de que estes fossem homens principais da

16 SILVEIRA, op. cit., p.29; CUNHA, Rui Vieira da. Estudo da nobreza brasileira I: cadetes. Rio

de Janeiro: Arquivo Nacional, 1996. p. 13. 17 CUNHA, p. 13. 18 HESPANHA, op. cit., p. 311. 19 SILVA, M. B. N. da. Vida privada e quotidiano no Brasil. Lisboa: Estampa, 1993. p. 87-89.

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terra, e que tenham partes e qualidades para os ditos cargos.20 Além disso, requeria-se que

os oficiais residissem na capitania pela qual foi eleito.

No topo da hierarquia militar, o capitão-mor encarregava-se de engajar a população

no serviço das Ordenanças, bem como visitar e determinar a formação das companhias.

Tinha poderes, ainda, para demitir os oficiais que considerasse inaptos ao exercício de seus

postos, assim como podia impor degredo a seus subordinados.

As companhias de milícia formadas deveriam compor 250 homens, distribuídos em

dez esquadras de 25 homens, sob o comando de um capitão-de-Companhia. Este oficial,

por sua vez, subordinava-se diretamente ao capitão-mor e tinha em sua Ordenança um

alferes, um sargento, um meirinho, um escrivão, dez cabos-de-esquadra e um tambor.

Contudo, na ausência do capitão-mor, serviria em seu lugar o sargento-mor da Vila.21

Na primeira metade do século XVIII, entretanto, as companhias sofreram

modificações em sua composição. Segundo recomendação régia, as vilas com até cem

moradores não deveria eleger capitão-mor, mas apenas o capitão-de-Companhia. Assim,

cada companhia passava a comportar somente um capitão, um alferes, um sargento, bem

como os cabos-de-guerra necessários. Nas vilas onde o capitão-mor ainda atuava, o período

de serviço deste oficial foi prolongado, tornando-se vitalícios e não mais trienais como

antes. Segundo Graça Salgado, a vitalicidade do capitão-mor representou, na verdade, a

perpetuação nesse posto de um oficial de confiança do rei ou do governador-geral, o que

servia para eliminar os "dissabores" de sucessivas eleições.22

Se os nobres sempre integraram a milícia, foi, contudo, o exercício das funções

administrativas ou burocráticas, tanto do Reino quanto do Império, que se apresentou como

a melhor maneira de novos indivíduos pertencerem à nobreza. A estes oficiais era

concedido uma série de privilégios, como, por exemplo, os que integravam as Câmaras

Municipais, os quais

não podiam ser presos arbitrariamente, nem sujeitos à tortura judicial, nem acorrentados, a não ser nos casos (como a alta traição) que implicavam a pena de morte e em relação aos quais os fidalgos não estavam também isentos. Eram também dispensados do serviço militar, execpto no caso em que a sua cidade fosse directamente atacada. Estavam isentos

20 SALGADO, Graça (Coord.) Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 100. 21 Ibid., p. 101. 22 Ibid., p. 112.

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de terem oficiais e soldados da Coroa alojados em suas casas, e de terem o seus cavalos, carroças, etc., confiscados para serem utilizados ao serviço da Coroa. 23

Contudo, para ocupar os ofícios do Estado e usufruir os privilégios que este

concedia, era necessário que o pretendente ao cargo fosse um homem-bom. Segundo

descrição de David Carneiro, o homem-bom era aquele capaz de votar de acordo com a

vontade de El Rei, das autoridades e segundo a tradição. Ainda, deveria ser limpo de mãos,

estar quite com o fisco, ter pago seus impostos, possuir uma representação social que o

fizesse digno de usar essa denominação, e merecer o prestígio da tarefa e da

responsabilidade que se lhe outorgava.24

Observa-se, portanto, que o indivíduo que desejasse receber o título de homem-bom

deveria ser fiel ao rei e aos seus representantes, como todo bom vassalo. Deveria, também,

estar livre de qualquer acusação que comprometesse sua reputação social ou moral. Por

fim, deveria ser reconhecido merecedor de tal título não apenas por seu superior, mas

também pela sociedade a qual pertencia. Este merecimento, por sua vez, poderia vir de duas

frentes, ou pela sua linhagem, ou pelo bom serviço prestado à Coroa, representado tanto por

seus feitos militares, quanto pelo exercício da função burocrática e administrativa.

Nas Câmaras Municipais, os homens-bons exerciam vários cargos como o de juiz

ordinário, que era o responsável pela aplicação da lei e pela fiscalização dos demais

funcionários das vilas ou cidades. Ocupava a função de presidente da Câmara. Geralmente,

este cargo era composto por não letrados e tinha uma avaliação fiscal baixa, fazendo com

que, muitas vezes, se acumulasse a este, o cargo de juiz de órfãos25. A este último, por sua

vez, competia organizar o cadastro dos órfãos e vigiar a administração dos seus bens pelos

respectivos tutores. Ainda, deveriam ordenar os inventários dos menores, prover quanto à

criação, educação e casamento dos órfãos e julgar os feitos cíveis em que estes se

envolvessem.26

Além dos juízes, compunham a Câmara, os procuradores, escrivãos, almotacés e

vereadores27. Aos primeiros, cabia zelar os bens da municipalidade, sendo auxiliados pelo

tesoureiro, oficial responsável pela arrecadação das rendas locais. Aos escrivãos, cabia,

23 BOXER, C. O Império colonial português: 1415-1825. Lisboa: Edições 70, 1969. p. 266. 24 CARNEIRO, D. Galeria de ontem e de hoje. Curitiba: Editora Vanguarda, 1963, p.119. 25 HESPANHA, op. cit., p. 173. 26 Ibid., p. 189.

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obviamente, documentar as atas ou qualquer outro processo burocrático. Poderiam exercer

os cargos de escrivão da Câmara, da almotaçaria, de órfãos, de sisas, etc. Os almotacés,

por seu turno, eram encarregados de fiscalizar o abastecimento de gêneros alimentícios e as

obras das vilas ou cidades, especialmente no que diz respeito à coisa pública, urbana.

Os vereadores tinham as funções de determinar os impostos, fiscalizar os oficiais da

municipalidade, bem como a aplicação da lei pelos juízes ordinários. Além disso, tinham o

dever de elaborar as posturas e os editais, o que correspondia, portanto, ao caráter

normativo das Câmaras. Outra atribuição do vereador seria, ainda, zelar pelo estado dos

caminhos da comunidade concelhia. Assim, sua função exigia, por sua natureza, a posse de

cavalo para os percursos. Logo, aqueles homens bons, que por motivo de riqueza tinham

cavalos, seriam afinal os mais aptos e melhores para exercerem a administração

concelhia, encaminhando rectamente os homens no sentido do bem público.28 O interesse

pelo bem público, no entanto, não era maior do que o desejo de garantir a permanência e a

promoção de homens-bons nestes serviços.

As Câmaras Municipais estavam subordinadas a várias instâncias superiores.

Entretanto, dentre os funcionários régios mais próximos da Vila contava o Capitão-mor.

Nomeado pelos Capitães-generais da capitania e, num segundo momento, pelos vice-reis, o

Capitão-mor intervinha na governação da terra, concedendo sesmarias, recebendo os

proventos ligados aos forais de doação e, ainda, provia alguns ofícios e encargos

secundários da justiça e da fazenda pública. Na questões jurídicas, contudo, sua atuação

limitava-se ao distrito da povoação em que residia, já que esta subordinava-se ao Ouvidor-

geral da Comarca. Na Vila superintendia, exclusivamente, os negócios policiais, militares,

de recrutamento, de obras públicas e concorria, também, com a Câmara e juízes em todos

os casos graves que necessitava de sus intervenção. 29Com poderes de ordem militar, civil e

por vezes jurídica, o Capitão-mor transformou-se na figura política de maior expressão das

vilas ou cidades. *

27 SALGADO, op. cit., p. 71. 28 COELHO, M. H.; MAGALHÃES, J. R. O poder concelhio: das origens às cartas constituintes.

Notas da história social. Coimbra: Edição do Centro de Estudos e Formação Autárquica, 1986. p. 16. 29 CARNEIRO, David. O Paraná na história militar do Brasil. Curitiba: Travessa dos Editores.

Coleção Farol do Saber, 1995. p. 86-87. * David Carneiro descreveu em sua obra, ainda, as insígnias que distinguiam o Capitão-mor. Ficando

suspensas em um cinturão largo de cor vermelha, ornamentado por fios dourados, tinha o espadim como

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No momento da eleição dos homens-bons, era preciso que um corregedor

escolhesse de duas a três pessoas das mais antigas, das mais nobres e que habitualmente

andassem na governança, para listar os homens que tivessem qualidade e condição de

concorrer aos ofícios. Esta relação era chamada de rol da nobreza ou arruamento. Neste,

fixava-se a gente importante da terra, a quem se reservava a capacidade eleitoral. Depois,

chamava-se a nobreza e o povo para eleger seis eleitores do rol, os quais ocupariam os

cargos de juízes, vereadores, procuradores e escrivãos. No século XVII, contudo, foi

retirada a participação popular.30

Ressalta-se, novamente, a condição de que estes eleitos deveriam ser das pessoas

mais nobres e da governança da terra, ou que houvessem sido seus pais e avós.31 Além

disso, é importante destacar que estes cargos eram geralmente avaliados em função da

honra (prestígio social) que dava o seu exercício.

Esta exigência constante de nobreza era justificada pela conservação da justiça e do

respeito, pois como revela a historiografia, o respeito público é, pois, um atrativo do nobre

e como tal só por si expectativa segura de bom cumprimento dos cargos municipais. Além

de outras qualidades de condições que garantiam a «habilidade» para os ofícios da

república.32

Mas a sociedade portuguesa não era tão inflexível assim. À medida que se

formavam grupos de poder, fechados que ficavam em seus privilégios, surgia a necessidade

destes em alargar seus domínios, bem como impedir o seu confinamento excessivo. A

historiografia aponta, nessa questão, que para a possibilidade de ingresso de novos

indivíduos, respeitava-se entre as funções administrativas uma certa hierarquia, ou ainda,

preferências pessoais dos homens-bons há muito instalados. Nesse sentido, o cargo de

almotacé33 apresentava-se bastante estratégico, incorporando e pondo à prova a capacidade

dos que desejavam participar dos ciclos de poder.

Já o cargo de escrivão parecia reservado para gente nobre de recursos modestos ou

empobrecido, pois este posto mostrava-se não somente o mais rendoso – pelas propinas,

símbolo da autoridade militar e um bastão ou bengala que representava sua autoridade civil. CARNEIRO, O Paraná..., p. 91.

30 Ibid., p. 45. 31 Ibid., p. 44. 32 Ibid., p. 47. 33 Ibid. ; PEREIRA, M. R. O direito de almotaçaria. No prelo.

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coimas e emolumentos – como o que dava mais possibilidades de enriquecimento,

sobretudo onde se acumulavam as funções de escrivão da Câmara com as de escrivão da

almotaçaria, órfãos, sisas, etc.34 Participando em todos os negócios, este tinha uma posição

de enorme ascendência, já que os demais oficiais eram, na maioria das vezes, iletrados.35

No século XIV, teria havido um interesse muito grande do povo miúdo em lutar por

um lugar na vereação em busca de maior distinção, o que era muitas vezes apoiado pelo

monarca, a quem interessava contrabalançar poderes, para melhor se impor36. Contudo,

embora as Câmaras portuguesas dessem certo espaço para este povo miúdo participar como

candidatos e eleitores, o poder municipal estava nas mãos de uma elite dirigente, fosse ela

fidalga ou não, mas poderosa economicamente e distinta socialmente.* Tudo dependia do

contexto em que se encontrava cada localidade e da maneira como funcionava cada

Câmara.

Na cidade do Porto, por exemplo, nos homens-bons da vereação verificava-se uma

presença mais freqüente e atuante dos mesteirais**, já que esta era uma cidade em que a

concentração de comerciantes e mercadores era muito intensa. Ainda que não fossem

nobres, estes eram dignos de ocupar funções na Câmara porque eram reconhecidos pela

sociedade em sua atividade, bem como pelos seus superiores. Além disso, representavam

um segmento social que abrangia grande parte da população, e por isso contavam com seu

apoio. Na Colônia, entretanto, não era permitido que os homens-bons exercessem ofícios

mecânicos.

Algumas Câmaras, como acontece no Porto, tinham uma forma de representação

dos trabalhadores que se baseava no sistema de corporações. Assim, os mesteres, ou

mesteirais, elegiam anualmente dentre os membros da sua corporação, doze representantes.

Estes eram chamados de os Doze do Povo. Deste conjunto, quatro tinham o direito de

34 COELHO, p. 49. 35 Id.; HESPANHA, op. cit., p. 168; 176. 36 COELHO, op. cit., p. 25. * Mesmo com a possibilidade de atuação no poder local pelos homens pertencentes a uma camada

social menos destacada, os cargos que dão mais prestígio e honra (poder) ficaram com os de maior representação social, segundo COELHO, op. cit., p. 32.

** Estes são formados por trapeiros, esteireiros, sapateiros, ferradores, ourives, arneiros, alfagemes, caldeireiros, cutileiros, pintores, tosadores, curtidores, peliteiros, borceiros, seleiros, alfaiates, carniceiros e comerciantes - tendeiros, marceiros, corretores e mercadores. COELHO, op. cit., p. 23-25.

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assistir a todos as reuniões do Conselho e a votar em todos os assuntos que afectassem as

guildas e as corporações de artífices, e a vida econômica da vila ou cidade.37

Em Coimbra, os mesteirais também atuam politicamente, mas não em tão grande

proporção. Nesta região, a burocracia estava nas mãos da pequena nobreza, de proprietários

rurais e mercadores. Eles detinham o poder administrativo, que lhes permitia legislar

conforme os seus interesses, bem como o poder econômico, arrematando a cobrança de

rendas e impostos citadinos e cuidando dos circuitos econômicos do comércio e da

produção. Dominavam, ainda, o campo, servindo de intermediários entre os senhores e os

exploradores da terra, bem como ditavam as leis do mercado, especulando com os gêneros

armazenados.38

Esses dois exemplos refletem uma sociedade em que a participação pública do

indivíduo dependia da sua função social, assim como da sua representação. Revela, ainda,

que para a formação e a continuação do seu exercício no poder local, era preciso que o

grupo exercesse frequentemente os cargos que ofereciam o concelho. Seja participando da

Câmara Municipal, seja atuando em outras funções burocráticas do Reino. Contudo, para

esta conformação de uma elite dirigente, adotava-se uma série de estratégias que permitiam

a sua permanência no poder, fazendo com que os seus objetivos fossem atendidos

primeiramente.

A historiografia revela que uma situação bastante freqüente encontrada em Portugal

era o fato de que em suas Câmaras adotava-se um sistema rotativo na ocupação dos cargos,

ou seja, geralmente eram as mesmas pessoas que assumiam os diferentes postos, sendo

substituídos posteriormente por membros da sua família. Constituía-se, assim, um ciclo de

vereação, ou um ciclo burocrático cada vez mais fechado, tendo a acumulação de exercícios

de cargos um acréscimo do poder pessoal e/ou familiar. 39

Para tanto, desenvolvia-se também uma prática que objetivava o estabelecimento de

alianças. O interesse era consolidar e estabelecer relações de afinidade e de parentesco no

interior do grupo dominante, a fim de garantir a sua permanência dentro do mesmo. Tal

política de casamentos e alianças – muitas vezes sendo estas relações de compadrio – foram

fundamentais para o fortalecimento da elite portuguesa.

37 BOXER, Charles. O império colonial português: 1415-1825. Lisboa: Edições 70, 1969. p. 264. 38 COELHO, op. cit., p. 27-28. 39 Para estas questões ver COELHO, op. cit. ; SILVEIRA.; BOXER, p. 267.

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Ainda que houvesse, por vezes, tensões entre esses homens da governança, era forte

a sua coesão. Estudos têm revelado que, ao mesmo tempo em que os grupos de poder local

se apoiavam e se uniam através dessa política de alianças, estas uniões não conferiam um

estado de solidariedade absoluta, já que objetivava-se alcançar interesses pessoais ou

familiares, e não tanto coletivas, em sua abrangência. As oligarquias eram solidárias e

coesas na medida em que respeitavam o seu status social, que se davam

nomeadamente pelo casamento, e pelas práticas de mando, subordinação e proteção das populações. Mas são em absoluto independentes uns dos outros, enquanto dominadores de áreas delimitadas. E de espaço para espaço há equilíbrios de forças, pois não havia quem fosse suficientemente poderoso para romper em benefício próprio o tecido social. Uma qualquer tentativa de alteração ao que vigorava iria subordinar oligarquias a oligarquias (...) e ninguém estava na disposição de um real sacrifício.40 Essa relação de dependência e de solidariedade entre as oligarquias, embora as

divergências existentes, colaborou para a consolidação de uma sociedade que delegava

poder nas mãos de poucos privilegiados que, por sua vez, se reconheciam enquanto tais.

Esta condição de favorecimento aos que se revelavam merecedores, contribuiu para que se

constituísse uma fortíssima identidade estatutária, que fazia com que um nobre português

se sentisse mais próximo de um nobre castelhano do que de um peão português.41 Ou seja,

interessava conviver e estabelecer relações de sociabilidade, políticas e familiares com

indivíduos que se reconhecessem e pertencessem a um mesmo status social.

Contudo, o século XVIII trouxe uma série de modificações na conjuntura

portuguesa, fazendo com que os laços de afinidade e a participação política de novos

membros se ampliassem. As necessidades que apresentavam o Reino, desde final do século

anterior, eram bastante distintas e a elas se devem a realização de uma nova política que

promovia a modernização. Tais alterações seriam uma maior centralização e fortalecimento

do poder central e o incremento da máquina burocrática na metrópole e nas colônias. Além

disso, o governo português preocupou-se com o desenvolvimento da agricultura, do

comércio e da indústria, com a melhoria do sistema de transportes e comunicação.

40 COELHO, p. 35. 41 NOGUEIRA, A.C.; HESPANHA, A.M. A identidade portuguesa. In: MATTOSO, J. (dir.)

História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), v.4. Lisboa : Editorial Estampa, 1998. p. 25.

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Incentivou tanto o estudo das primeiras letras como os estudos universitários, e promoveu

reformas no âmbito militar*.42

Tais medidas visavam erradicar a crise econômica pela qual atravessava Portugal,

crise esta, precedida pela destruição de Lisboa, atingida por terremoto e incêndios ocorridos

em 1755. Além do custo da reconstrução da capital do Reino, a crise portuguesa coincidiu –

e em parte foi causada por – duas guerras excessivamente onerosas com a Espanha pelo

controle das vastas fronteiras entre São Paulo e o Rio da Prata. Contava, ainda, com uma

queda virtiginosa da renda, tanto pública quanto privada, iniciada em 1760.43

O governo português precisava, também, possibilitar melhores condições à

população, que havia sofrido um surto demográfico bastante intenso e que presenciava o

crescimento de uma burguesia industrial e mercantil. Embora a maioria desta burguesia já

pertencesse à aristocracia (ou ao clero) mediante cartas de nobilitação, grande foi a corrida

por tal posição. A compra de terras também foi outra característica de muitos negociantes e

burocratas, os quais desejavam ampliar o seu patrimônio.44 Como conseqüência, a elite

acabou por ser também representada pelos oficiais do exército e da marinha, pela burguesia

industrial e pelos negociantes.

Já no fim do século XVII, o aumento da fortuna fez com que os grandes

proprietários detivessem o poder, conflitanto com antigos senhores que possuíam somente

o título da nobreza, os quais eram chamados de fidalgos. Foi, contudo, na segunda metade

do XVIII, que o governo português posicionou-se oficialmente perante a ascensão social e

política dos afortunados e dos que não correspondiam à fidalguia.

Segundo Elizabeth Kuznesof, foi expedida em três de Agosto de 1770, uma Real

Carta de Lei dos Morgados, cuja ordem era de que as qualificações daquelas pessoas

sejam consideradas, que conquistaram a nobreza através de serviços prestados à Coroa,

por armas, ou cartas, ou através da útil e louvável dedicação ao comércio, agricultura ou

* Estas reformas dizem respeito especialmente às atribuições dos militares, que se converteram nos

técnicos da época, ou seja, eram "os oficiais do exército e da marinha quem planeava fortificações e edifícios públicos, superintendia na instalação de novas indústrias ou estudava meios de abastecer com água uma cidade".

42 MARQUES, op. cit., p. 373. 43 ALDEN, Dauril. O período final do Brasil Colônia, 1750-1808. In: BETHELL, L. (Org.)

História da América Latina: a América Latina colonial. São Paulo: EDUSP, 1999. p. 548. 44 MARQUES, op. cit., p. 372-374.

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as artes liberais.45 Contudo, a riqueza não havia substituído a importância da

hereditariedade, mas havia sido acrescida à lista das qualificações necessárias à nobilitação.

Verificou-se nesse período, portanto, uma renovação gradual da alta e da média nobreza,

demonstrando a representação e a infiltração de novos membros nesta sociedade. Este fato

causava a divisão da nobreza em dois grandes grupos: um, ligado ao passado, olhando para si próprio em termos de sangue e de linhagem, defendendo os velhos métodos de governação e de actividade económica, realçando o papel da propriedade rural e da agricultura; o outro, mais progressivo e aberto, aceitando a promoção à nobreza dos burocratas, homens de letras e até burgueses, importando-se menos com a linhagem, interessado em desenvolver o comércio e a indústria para deles tirar o seu quinhão.46

Representativo nesta disputa por poderes é o caso ocorrido em Guimarães no ano de

1768. Contrários à eleição de um corregedor que há tempos permanecia no poder, um grupo

formado por advogados, licenciados e bacharéis reclamavam o direito de também assumir

postos na governança. A sua justificativa era de que

não basta para o bom governo da republica, ser fidalgo, ou nobre, he precizo que concorra o temor de Deus, o zelo de servir a V. Magestade e o do bem comum, e as mais virtudes como he a humildade em que todas se estabelesem e não na soberba, he precizo capacidade, literatura, isto não nasce com a nobreza, e com a fidalguia. [Assim sugerem que] não faltão na ditta villa condecorados e com nobreza bastante para grandes empregos e a pode suprir a inteireza, limpeza de maons, e boa capacidade que nem todos os que andão naquelle giro, tem a que se persuadem, nem as virtudes que são as precizas, e que fazem merecedoras as pessoas para os empregos.47

A reivindicação de incorporarem ao grupo de homens-bons da vila de Guimarães

aponta para uma tentativa de penetração e alargamento do grupo dirigente, com especial

destaque para os que tinham graus acadêmicos. Contudo, o serviço real continuou

carregado por princípios de fidelidade e amor à ordem, de virtude e honra, de respeito a

Deus e à hierarquia, mesmo que permitisse certo apego aos livros e às artes liberais.

Como recorda Marco Antonio Silveira48, se a maioria dos súditos jamais

correspondeu a este modelo que se apresentava ideal nos serviços régios, o fato é que

45 KUZNESOF, Elizabeth Anne. A família na sociedade brasileira: parentesco, clientelismo e

estrutura social. (São Paulo, 1700-1980). Família e grupos de convívio, São Paulo, n. 17, p. 37-63, set. 1988/ fev. 1989. p. 51.

46 Ibid., p. 366. 47 COELHO, op. cit., p. 53-54.

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esteve presente na vida cotidiana das variadas regiões do Império e do Reino, estabelecendo

referenciais para o conjunto de valores e comportamentos da sociedade. Tais valores

também tiveram sua expressão na Vila de Curitiba no século XVIII, como ocorre com o Dr.

Lourenço Ribeiro de Andrade e sua família, analisado neste estudo.

48 SILVEIRA, op. cit., p. 54.

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CAPÍTULO 2

OS ORNADOS COM LOURO

Aqueles que conhecem apenas sua própria geração estão destinados a permanecer para

sempre crianças. Cícero.

BOM APELIDO E NOME GRACIOSO

No dia 24 de Setembro de 1724, mais uma criança iniciou e prolongou as

idealizações de seus pais. Recebeu o nome de Lourenço, que significa a celebridade de um

só louro, aquele que é ornado com louro1, ou o que triunfa, o vitorioso2. Se seus pais

sabiam ou não da simbologia que carregava seu nome, é impossível saber. Tanto menos se

este foi escolhido por devoção a São Lourenço. Em todo caso, a designação que se optou

acabou coincidindo com os desejos de sua família em aumentar seu prestígio e fama, na

medida em que esta criança acabou por tornar-se figura pública de grande expressão na

Vila de Curitiba, na segunda metade do século XVIII. Lourenço Ribeiro de Andrade

exerceu o posto de capitão-mor entre os anos de 1765 a 1799, ano em que falece.

Embora nomear um indivíduo seja tarefa das mais subjetivas, pode-se notar alguns

indícios que determinavam a escolha da designação. No caso do Dr. Lourenço Ribeiro de

Andrade, este não fora o primeiro a receber tal nominação na família. Tratou-se, portanto,

de uma homenagem a seu avô materno, Lourenço de Andrade. A mesma situação ocorre

com relação a seu irmão, Miguel Ribeiro Ribas, que recebe um nome semelhante ao de seu

pai, Miguel Rodrigues Ribas.

Este hábito de agraciar os antepassados atribuindo seus nomes às novas gerações foi

bastante freqüente no Brasil colonial, muito presente, também, em Curitiba. Num trabalho

de levantamento das genealogias das famílias que constituíram a população livre do 1º

Planalto paranaense, desde fins do século XVII a praticamente todo século XVIII, e que

1 GUÉRIOS, R.F.M. Dicionário etimológico de nomes e sobrenomes. 2. ed. São Paulo: Ed. Ave

Maria, 1973. p. 147.

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teve como base as obras de Francisco Negrão, Ermelino de Leão e David Carneiro3,

percebeu-se que os prenomes masculinos e femininos, não raro, eram iguais aos que tinham

seus pais ou avós, tanto maternos quanto paternos, pelo menos em um dos filhos.*

Se a recorrência de prenomes era evidente, o mesmo não era válido quanto aos

sobrenomes. Sobretudo no período inicial da ocupação da Vila de Curitiba, em fins do

seiscentos e início do setecentos, a inconstância das terminações nominais da população

branca livre era muito comum. Estudos que se ocuparam com a realização de reconstituição

de famílias do Brasil colonial também apontaram para a limitação que este trabalho

acarretava, visto que, ora os membros de uma mesma família apresentavam os mesmos

nomes e sobrenomes, ora adotavam sobrenomes distintos, dificultando, pois, a localização e

a identificação dos indivíduos dentro do quadro familiar.4 Tais estudos, indicaram, ainda, a

possibilidade dos colonos brasileiros nominarem suas filhas dando-lhes o mesmo nome ou

sobrenome que trazia sua mãe.**

Assim, verificou-se que enquanto alguns optavam pelo sobrenome paterno, outros

admitiam o do lado materno ou o dos avós. Outros, ainda, incorporavam à sua identificação

sobrenomes que não apresentavam relações com nenhum outro antepassado localizado.

Muitas vezes, nesses casos, a designação do indivíduo era correspondente a alguma

devoção religiosa, atributo físico, localização de moradia ou naturalidade, adoção de

prenome como sobrenome, ou ainda, algum feito que tenha marcado sua existência, tanto

2 MACHADO, J.P. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Lisboa: Editorial Confluência,

1952-59. p. 1360-1361. v. 2. 3 NEGRÃO, F. Genealogia paranaense. v. I, II. Curityba: Impressora Paranaense, 1926-1950.

LEÃO, E. de. Dicionário histórico e geográfico do Paraná. Curitiba: Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1994. 6 v. CARNEIRO, D. Galeria de ontem e de hoje. Curitiba: Vanguarda, 1963.

* Tive oportunidade de realizar este levantamento enquanto bolsista do Prolicen, com projeto ligado ao CEDOPE, Centro de Documentação e Pesquisa - Paraná século XVIII, do Departamento de História da UFPR.

4 Ver, por exemplo, BURMESTER, A.M. A população de Curitiba no século XVIII: 1751-1800, segundo os registros paroquiais. Curitiba, 1974. Tese (Mestrado) – Departamento de História, Universidade Federal do Paraná. BACELLAR, C. de A. Família, herança e poder em São Paulo: 1765-1855. São Paulo: CEDHAL, 1991. FARIA, S. de C. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. NADALIN, S.O. A demografia numa perspectiva histórica. Belo Horizonte: ABEP, 1994.

** Estudos apontaram, ainda, que o fato das meninas apresentarem-se com as nominações maternas, mesmo após casadas, talvez indicasse a maior importância social, seja politicamente, seja financeiramente, da mãe do que do pai. Assim, teoricamente, seria maior a facilidade de se encontrar pretendentes adequados às suas filhas, ou seja, que pertencesse a uma mesma categoria social. No que concerne a inconstância dos sobrenomes, os estudos revelaram que esta prática também era encontrada em regiões de Portugal.

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em sua ocupação, como em sua vida social. Tais fatores poderiam converter-se nos

sobrenomes transmitidos aos descendentes. *

A homenagem feita aos antepassados através da nominação, no entanto, remete à

idéia de que o nome pessoal era indicador da linhagem a qual se pertencia, visto que era

passado de geração em geração, ainda que admitisse mudanças ao longo dos anos. Dessa

forma, a aplicação de um certo sobrenome, Ribeiro de Andrade, por exemplo, parecia

implicar no reconhecimento social da participação do indivíduo na família a que pertencia,

já que trazia consigo a lembrança dos feitos e da origem de seus predecessores. Ainda que

muitas vezes as linhagens transitassem por várias nominações diferentes, sobretudo no

início do estabelecimento de alianças de interesses, a hereditariedade não passava

despercebida.

Assim, estes indivíduos, se preocupados em manter a honra, a boa fama, e uma certa

estabilidade econômica e política da família, articulavam-se para melhor preservar e

expandir seu poderio. Aliado a esse desejo de prestígio e fortuna que, por sua vez, estava

muito relacionado às aspirações dos portugueses ou de outros emigrantes em encontrar, no

Brasil Colônia, uma possibilidade de adquirir títulos nobiliárquicos, riqueza, e de constituir

família5, constava-se, também, um sentimento que lhes era natural, qual seja, o desejo de

perpetuar-se através dos seus filhos. Como lembra Michel Foucault6, os indivíduos

possuem um desejo contínuo de prolongar sua existência no mundo dos vivos e, para tanto,

nada melhor e mais concreto do que ter na filiação o reflexo do que se deseja. Assim, a

imortalidade encontrou respaldo na união dos seres que, através do casamento, geravam

descendentes e perpetuavam a existência de um nome que representava a família

fundadora.

Acompanhando a genealogia do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade, pode-se

perceber as variações dos sobrenomes pela qual passou sua família, sobretudo devido a

inserção de novos membros familiares pelo matrimônio, bem como a formação e a

* Como exemplos de tais nominações podem ser citados, respectivamente, Antonia Espírito Santo,

Luiz Rodrigues Velho, João Ribeiro do Vale, Catharina Luiz, Antonio Luiz Tigre e Manoel Picam de Carvalho.

5 BOXER, C. A idade de ouro no Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 34-38. NADALIN, S.O. História do Paraná: ocupação do território, população e migrações. Curitiba, 1999. No prelo.

6 FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. 8. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998. p. 121.

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transmissão das aspirações de fortuna, nobreza e prestígio dos membros que imortalizaram

sua linhagem.

DECISÕES AMBICIOSAS E REMOTAS: A RECUPERAÇÃO DA LINHAGEM

Os bisavós

Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade provinha de uma das primeiras famílias que

ocuparam o território curitibano. Segundo Vieira dos Santos, o qual sintetizou, nas

primeiras décadas do século XIX, os relatos dos moradores mais antigos da região acerca

da origem de Curitiba, a Vila teve como seu primitivo morador um tal de F... Soares do

Valle. Este teria tido um bom motivo para estabelecer-se nos sertões então vazios de

Curitiba. Tratava-se de um fugitivo. Casado e com família em São Paulo*, teria se

desentendido com o governador desta capitania em meados do século XVII. Já

estabelecido, dirigiu-se certa vez à Paranaguá, donde escreveu ao sogro, também morador

em São Paulo, para que trouxesse sua mulher e filhos.7

Mais adiante, o texto de Vieira dos Santos tornou-se um pouco confuso. F... Soares

teria, finalmente, recebido sua família nos campos de Curitiba. Contudo, esta não teria

vindo sozinha. Acompanhavam-na, não se sabe ao certo, se o próprio Soares ou o seu

sogro. Além destes, migraram para a região Lourenço Rodrigues de Andrade com sua

mulher, e hua filha cazada com hum F... Seixas; e um outro irmão de nôme (sic) Antonio

Rodrigues de Andrade, que, contudo, seguiu para Santa Catarina.8

Assim, segundo o autor, as três principais e primárias famílias curitibanas eram

constituídas pelos Andrades, Soares e Seixas**. Estas seriam formadas, ainda, por alguns

* Ainda que a região onde atualmente situa-se o Estado do Paraná pertencesse à capitania de São

Paulo, e assim tenha permanecido até meados do século XIX, o local de moradia de F... Soares do Vale e de sua família encontrava-se fora dos limites do que é hoje o Paraná.

7 VIEIRA DOS SANTOS, A. Memória historica: chrónologica topographica, e descriptiva da Villa de Morretes e do Porto Real, vulgarmente Porto de Çima, 1851. Curitiba: Cecção de História do Museu Paranaense, 1950. p. 14.

8 Id. ** Neste relato, no entanto, não são citados os mesmos personagens ou pioneiros que relata Romário

Martins. Este último destaca como principais figuras Eleodoro Ébano Pereira, Matheus Martins Leme e

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colonos europeus que teriam se estabelecido numa região que, até o tempo de Vieira dos

Santos, conservava o nome vulgar de Morro dos Andrades9.

Embora a narrativa de Vieira dos Santos não seja muito clara, pode-se, recorrendo

aos trabalhos dos genealogistas Francisco Negrão e Ermelino de Leão10, identificar uma

possível troca de termos nesta narrativa que comprometeram a sua significação.*

Assim, enveredando no campo das possibilidades, é provável que Lourenço

Rodrigues de Andrade tenha chegado a Curitiba na segunda metade do seiscentos com sua

esposa Isabel Rodrigues mas, contudo, sem descendência. Isabel era quem teria vindo

acompanhada por seu pai, que seria o dito F... Seixas**, ou seja, João Rodrigues Seixas.

Além de Isabel, este também trouxe seu outro filho, Antonio Rodrigues Seixas.

Esta versão fundamenta-se no fato de que os pais de Lourenço de Andrade, reinol de

Ornellas, bispado de Vizeu, chamavam-se Marcos de Andrade e Catharina Luiz e não se

tem conhecimento de que teriam aportado no Brasil. Quanto aos pais de João Rodrigues

Seixas, também natural de Portugal, da Vila de Vianna, estes eram Antonio Rodrigues

Seixas e Catharina Martins e, igualmente, não se obteve maiores informações sobre sua

procedência ou migração à Colônia.11

Sogro de Lourenço de Andrade e bisavô do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade, João

Rodrigues Seixas foi fundador de uma família que se estabeleceu na Vila de Curitiba em

busca de melhores condições de vida e novas oportunidades. Num período em que eram

escassos os recursos e a população detinha somente bens e produtos de consumo básicos

para sua sobrevivência, era fundamental instituir relações de afinidade para melhor se

estabelecer. Segundo Elizabeth Kuznesof, nos séculos XVI e XVII

o que era importante para os paulistas era a proximidade do grupo social no qual eles se baseavam para obter ajuda e realizar a troca – o clã familiar. A precária economia de

Balthazar Carrasco dos Reis. MARTINS, R. Terra e gente do Paraná. Curitiba: Travessa dos Editores, 1995.

9 VIEIRA DOS SANTOS, op. cit., p. 14. 10 NEGRÃO, op. cit.; LEÃO, op. cit. * A história oral requer alguns cuidados enquanto recurso metodológico na medida em que exige

compreensão exata da narração por parte do interlocutor. Ressalta-se, ainda, o problema e a atenção a ser observada a respeito da própria narrativa, já que o locutor, por vezes, inclui em seu relato novos elementos constitutivos, os quais alteram os acontecimentos.

** É provável que Vieira dos Santos, na dúvida quanto ao nome da pessoa citada, tenha utilizado a letra F... para indicar Fulano Seixas, já que da mesma forma cita F... Soares do Valle.

11 Id.

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subsistência, a agricultura, apoiava-se e protegia-se através de um sistema de troca de grupo e ajuda mútua. Essas não eram relações de mercado, nem relações baseadas em um sistema de reciprocidade específico, mas sim, um sistema de apoio generalizado para todos os membros do grupo.12

O caminho mais eficaz para suprir esta carência de auxílio e solidariedade seria,

justamente, a instituição do casamento, que pela união de duas famílias permitia a

configuração de um relacionamento de assistência mútua. Além disso, criava, num certo

sentido, uma relação de dependência entre os cônjuges e os membros das duas linhagens,

visto que o desejo era que esta aliança não somente garantisse a subsistência das famílias,

mas que também ampliasse os seus domínios territoriais. Tais interesses eram

acompanhados, ainda, por um outro querer, que seria o de adquirir, com o tempo, maior

representação social e política na sua localidade. Desse modo, era importante escolher os

cônjuges que favoreciam os interesses pessoais de ambos os noivos e suas respectivas

famílias.

PAIS FILHOS / SOGROS

Antonio Rodrigues

Seixas e

Catharina Martins

Isabel Rodrigues

Lourenço de Andrade

Marcos de Andrade

Catharina Luiz João Rodrigues Seixas

e

Maria Maciel Barbosa _____

Antonio Rodrigues Seixas

Maria Soares Paes

Manoel Soares

Maria Paes

* PAI FILHOS CUNHADOS

Maria Maciel Barbosa

e

Luiz Rodrigues Velho

Domingos Rodrigues da

Cunha _____

Garcia Rodrigues Velho

1-Isabel Bicuda de Lara

2- Maria Benita **

Tabela 1 – Família João Rodrigues Seixas. (*) 2º casamento de Maria Maciel Barbosa. (**) 1ª e 2ª

esposa de Garcia Rodrigues Velho.

12 KUZNESOF, E. A. A família na sociedade brasileira: parentesco, clientelismo e estrutura social.

(São Paulo, 1700-1980). Família e grupos de convívio, São Paulo, n. 17, p. 37-63, set. 1988/ fev. 1989. p. 40.

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Embora não seja conhecida a linhagem pela qual João Rodrigues Seixas aliou-se

pela via matrimonial, sabe-se que sua esposa, Maria Maciel Barbosa, era natural de

Cananéa, São Paulo, local onde vivia com seu marido antes da vinda a Curitiba. Com o

falecimento de João em Abril de 1700, Maria contrai segundas núpcias com Luiz Rodrigues

Velho, irmão do capitão Garcia Rodrigues Velho.13 Conhecido sertanista da região, Garcia

Rodrigues tornou-se detentor de um número significativo de servitos – índios – nas últimas

décadas do século XVII, o que lhe conferia certo destaque social.*

Estudos têm apontado que o aprisionamento de indígenas, ou guerra justa, como é

chamado, manifestou-se como elemento básico na formação e reprodução da sociedade

colonial e sua manutenção garantiu e legitimou a continuidade de escravização dos povos

indígenas.14 No Rio de Janeiro seiscentista, ao menos, a montagem das fortunas das

famílias mais poderosas da região dependeu da guerra contra o gentio em prol de

conquistas de novos espaços. Desse modo, a posse de indígenas tornou-se um dos

mecanismos fundamentais na formação do processo produtivo colonial. Segundo João

Fragoso, o patrimônio agrário carioca – que posteriormente teve nos escravos africanos a

mão-de-obra principal – num primeiro momento constituiu-se e reproduziu-se pela doação

de sesmarias, índios cativos e crédito, aos quais [as famílias mais poderosas] tinham

acesso exatamente por suas estreitas relações com o poder, o que lhes conferia a

possibilidade de ocupar importantes cargos de comando na colônia.15

Ainda que não conste nenhum registro de batismo cujo proprietário de servitos fosse

Luiz Rodrigues Velho, sua ligação com seu irmão Garcia Rodrigues extrapolava o grau de

parentesco na medida em que obtiveram conjuntamente uma sesmaria em 1668, concedida

13 LEÃO, op. cit., v. II, p. 742-743. NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 91. * Isto pode ser observado analisando a presença de grande número de servitos de sua propriedade que

recebiam o sacramento do batismo. Segundo os registros de batismo do período de 1688 a 1691, Garcia Rodrigues Velho possuía um total de 17 servitos. Destacavam-se no período, ainda, Mateus Martins Leme, capitão-mor povoador da região de Curitiba, com 24 servitos e 2 servos entre os anos de 1685 a 1698; João Rodrigues França, capitão-mor de Paranaguá, com registro de 22 servitos entre 1687-1695; e Manoel Soares e João Leme que possuíam 18 servitos cada um, entre 1685-1696. No entanto, tais índices ficam comprometidos na medida em que não se tem conhecimento se tais servitos permaneceram realmente em seus poderes ao longo dos anos. (Relação dos habitantes de Curitiba, segundo os registros de batismo informatizados no software SYGAP (Système de Gestion et d' Analyse de Population) - de acordo com arquivo elaborado pelo DEHIS. 1684-1730. Arquivo CEDOPE.

14 ALMEIDA, M.R.C. de. Considerações sobre a presença indígena na economia do Rio de Janeiro colonial. Cativeiro & Liberdade, Rio de Janeiro, v. 4, p. 46-58, jul. / dez. 1996. p. 46.

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pelo capitão-mor povoador Gabriel de Lara. Esta sesmaria, denominada matto do Caririhó,

ficava próxima ao Rio Grande, entre o Rio Apiahuma, ou Passaúna, e outro ribeirão que

desaguava no Rio Grande.16

Além do irmão, seu pai Domingos Rodrigues da Cunha também pareceu destacar-se

na região na segunda metade do seiscentos. Este teria sido um dos dezoito signatários da

Ata do levantamento do pelourinho na povoação de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, a 4

de Novembro de 1668.17

Assim, neste caso específico, não somente o pai como o irmão de Luiz Rodrigues

Velho garantiam a viabilidade de uma aliança matrimonial que se apresentava bastante

interessante para ambas as famílias. Ainda que fosse escasso o número de mulheres brancas

e livres para o casamento nesse período18, Maria Maciel Barbosa apresentou-se como uma

possibilidade que trazia benefícios para as duas linhagens. Enquanto a família Rodrigues

Velho possuía bens materiais, o grupo dos Rodrigues Seixas possuía um bem intelectual.

Seus membros dominavam as letras.

Além de uma aliança política vantajosa, a agregação de novos membros na

linhagem dos Rodrigues Seixas garantiu uma certa proteção e uma melhor inserção social

destes. Desse modo, em 1713, quando já participavam de um mesmo grupo de afinidade,

Garcia Rodrigues constituiu como seu procurador Antonio Rodrigues Seixas, filho de

Maria Maciel Barbosa, para, em Curitiba, representá-lo no inventário e herança por

testamento de sua primeira esposa, Izabel de Lara.19

Percebeu-se, assim, alguns indícios que determinaram a escolha de Antonio neste

processo. Além de implicar uma relação de confiança entre os dois envolvidos, ou como

sugere Elizabeth Kuznesof, um princípio de lealdade pessoal20, atentou-se também para o

lado prático, ou processual, que exigia tal operação. Ou seja, era preciso saber ler para fazer

15 FRAGOSO, Apud : Almeida, op. cit., p. 54. FRAGOSO, João. A espera das frotas: hierarquia

social e formas de acumulação no Rio de Janeiro, século XVII. In: Cadernos do laboratório interdisciplinar de pesquisa em História Social. Rio de Janeiro IFCS/ UFRJ, 1995. p. 53-62.

16 Id. 17 MARTINS, op. cit., p. 22. 18 VAINFAS, R. Moralidades brasílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade

escravista. In: História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 221-273.

19 BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITYBA. Documentos interessantes para a história do Paraná: fundação da Villa de Curityba. 1668 a 1745. Curityba: Livraria Mundial, 1924. Nota 8. p. 49.

20 KUZNESOF, op. cit., p. 45.

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cumprir o que determinava tal documento. Indicou-se, portanto, que a proximidade entre os

membros das famílias, ainda que não demandasse nenhuma consanguinidade direta entre

estes, fundamentava-se num relacionamento de colaboração contínua e de troca de favores.

Analogias entre as duas famílias ocorreram, contudo, não somente depois do

casamento de Maria Maciel Barbosa e Luiz Rodrigues Velho. No período anterior a esta

união, tanto Garcia Rodrigues Velho quanto Antonio Rodrigues Seixas, haviam sido

signatários da ata da elevação da Vila de Curitiba em 24 de Março de 1693, sendo o dito

Antonio escrivão do documento.21 *

Cinco dias após esta data, teriam se reunido os povoadores para aclamarem os seis

homens de sã consciência para que estes nomeassem as autoridades da administração e da

justiça da Vila. Dessa forma, os eleitores aclamados foram Agostinho de Figueiredo, Luiz

de Góes, Garcia Rodrigues Velho, João Leme da Silva, Gaspar Carrasco dos Reis e Paulo

da Costa Leme.22 Para compor o primeiro grupo de homens-bons da Câmara de Curitiba,

foram nomeados entre os vereadores, Garcia Rodrigues Velho**. Entre os juízes, Manoel

Soares, sogro de Antonio Rodrigues Seixas. Para escrivão da Câmara, João Rodrigues

Seixas. Vale destacar que Luiz Rodrigues Velho também assumiu cargos na administração

da nova vila. Foi eleito vereador por três anos,1696, 1697 e 1700.23

João acumulou as funções de tabelião de notas e escrivão dos órfãos até sua morte,

em 1700. Talvez aqui se confirme a conclusão encontrada pela historiografia a respeito da

possibilidade de enriquecimento que trazia a ocupação de escrivão, bem como a posição de

ascendência social que trazia o exercício deste cargo, já que, em sua maioria, os homens-

bons da Vila eram iletrados.24 Em todo caso, contundente foi o fato de que, mesmo sem

instrutores de primeiras letras na região naquele período, João Rodrigues Seixas transmitiu

21 MARTINS, op. cit., p. 235, 237. * Além de escrivão, Antonio Rodrigues Seixas exerceu o cargo de vereador entre os anos de 1698,

1701 e 1703. Em 1705 foi nomeado juiz ordinário, ocupando-o novamente em 1707 e 1710. Em 1713 retorna a fazer parte da vereança, e nos anos de 1716 e 1717 foi o procurador da municipalidade. Em 1720, foi juiz ordinário e em 1726 findou sua participação do poder público como procurador. Faleceu aos 65 anos de idade, em 1735. LEÃO, op. cit. v. I, p. 252.

22 MARTINS, op. cit., p. 204. CARNEIRO, op. cit., p. 18. ** Posteriormente, Garcia Rodrigues Velho exerceu o cargo de juiz ordinário da Câmara nos anos de

1696 e 1697. LEÃO, op. cit., v. I, p. 252. 23 LEÃO, op. cit., v. I, p . 252-253. 24 COELHO, M.H.; MAGALHÃES, J.R. O poder concelio: das origens às cartas constituintes.

Notas da história social. Coimbra: Edição do Centro de Estudos e Formação Autárquica, 1986. p. 49. HESPANHA, A.M. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal – século XVII. Coimbra: Almedina, 1994. p. 168; 176.

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seus conhecimentos ao seu filho, Antonio Rodrigues Seixas, o qual pode desfrutar da

mesma ocupação posteriormente.*

Assim, verificou-se que desde o início da organização administrativa da Vila de

Curitiba, os antepassados mais remotos do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade exerceram o

comando do poder público na Vila. Ainda que tal posição outorgasse respeito em Portugal,

seus bisavós, no caso, não encontraram no Brasil respaldo para seus sonhos de

enriquecimento e ascensão na nova sociedade. O desejo de fortuna, prestígio e distinção

social exigia um investimento a longo prazo. A família precisava manter-se no poder local

e, sobretudo, merecer participar da elite colonial que se formava.

Os avós

A descendência de João Rodrigues Seixas tomou dois rumos distintos, configurando

duas famílias que, embora o parentesco, identificavam-se de forma desigual. Assim,

Antonio Rodrigues Seixas deu prosseguimento ao sobrenome que herdou do pai,

desdobrando-o também na sua filiação.** Sua irmã Isabel Rodrigues, no entanto, gerou

descendência que adotava tanto a nominação recebida paternalmente, quanto

maternalmente. Desse modo, seus três filhos, Antonio Rodrigues de Andrade, Maria

Rodrigues de Andrade e Agostinho de Andrade, conferiam legitimidade ao pai, Lourenço

de Andrade, e à mãe, Isabel Rodrigues.

Como João Rodrigues Seixas, Lourenço de Andrade era português e acompanhou

seu sogro na vinda para Curitiba na segunda metade do século XVII. De igual modo,

participou do corpo político da Vila, exercendo sempre um mesmo cargo, que seria o de

vereador da Câmara Municipal, entre os anos de 1701, 1704, 1706, 1707, 1708 e 1710.25

* Em carta régia de 21 de Maio de 1722 foram fixados os vencimentos anuais dos juízes ordinários e

mais oficiais da Villa de Curityba. Assim, os juizes ordinários que serviam de inquiridores e contadores, cada um receberia 8$000. O juiz mais velho, por ser de Orphãos, também 8$000. Alcaide e Carcereiro levavam 15$000 e o Escrivão de tudo receberia o maior montante, de 40$000. Em Paranaguá, no entanto, o escrivão de tudo ganhava 80$000. NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 87.

** Antonio Rodrigues Seixas casou-se com Maria Soares Paes, filha de Manoel Soares e de Maria Paes, por sua vez, filha de Balthazar Carrasco dos Reis e de Izabel Antunes. Tiveram 4 filhos: tenente Manoel Rodrigues Seixas, João Rodrigues Seixas, o moço, Ignez Rodrigues Seixas e Juliana Rodrigues. LEÃO, op. cit., v. I, p. 114. NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 92-93.

25 LEÃO, op. cit., v. I, p. 253-254.

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Notou-se, entretanto, que entre esse período de dez anos, intercalaram-se no poder tanto

Lourenço de Andrade quanto seu cunhado Antonio Rodrigues Seixas. Tendo ocupado os

postos da municipalidade conjuntamente apenas em 1703 e 1707, em todos os outros anos

dessa década, foram nomeados ou Lourenço, ou Antonio para integrar a Câmara.

Constituiu-se, portanto, um ciclo de vereação no qual uma relação de parentesco fazia-se

presente.

Além da sua inserção no poder público, observou-se, também, alguns indícios da

rede de sociabilidade que Lourenço de Andrade alcançou. Analisando os registros de

batismo da época, verificou-se uma constante no seu comportamento social. Lourenço

apadrinhou sete crianças entre os anos de 1704 a 1711 – período coincidente ao seu

exercício administrativo – sendo cinco meninos e apenas duas meninas, porém todos

provindos de uniões legítimas.26 Verificou-se, ainda, que no último batismo registrado, a

madrinha da criança era a própria esposa de Lourenço de Andrade, Isabel Rodrigues.

DATA BATIZANDO SEXO PAIS PADRINHOS

28-12-1704 Luzia F Bento Pires Leme

Maria de Syq.ra

Lourenço de Andrade

Anna Leme da Sylva

09-09-1705 Anna F Miguel Alz.

Maria Luís

Lourenço de Andrade

Ignez Dias

08-09-1706 Manoel M Thomas Alz. Frutuozo

Juliana de Assunção

Lourenço de Andrade

Mª Pais

28-01-1707 Salvador M Salvador Nunes Abreu

An ta Roiz

Lourenço de Andrade

Catherina Souto

27-11-1707 Pedro M Seb. am Pais de Almeida

Leona de Escudr º

Lourenço de Andrade

Joana de Burga Cide

19-05-1710 Sebastião M Jozeph Teyxeyra

Maria Fé Cide

Lourenço de Andrade

Anna Bicuda

14-05-1711 Antonio M Pedro Leme Delgado

Maria Moreyra

Lourenço de Andrade

Izabel Roiz

Tabela 2 - Relação de compadrio – Lourenço de Andrade.

26 Segundo as fichas de batismo elaboradas pelo CEDOPE. Baseados no arquivo da Catedral de

Nossa Senhora da Luz. Livro I – fichados registros de batismo de 1704 a 1713. Livro II – fichados anos de 1728 a 1747. Arquivo CEDOPE.

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Entre os pais de seus afilhados, contudo, não se percebeu grande notoriedade.

Assim, uma conclusão possível seria a de que pais em busca de respaldo social para si e

para os filhos, encontravam no estreitamento dos laços sociais, transformados em laços

espirituais, um caminho para reforçar ou estabelecer alianças com os homens que se

destacavam na Vila. Assim, o fato de Lourenço de Andrade apadrinhar meninos, em sua

maioria, talvez revele a necessidade masculina em contar com auxílio que contribuísse para

a sua posterior ascensão social.*

Mais do que uma prática cristã, o sacramento do batismo proporcionava a

aproximação entre membros de famílias distintas, gerando uma relação chamada de

compadrio. Segundo Antonio Augusto Arantes, tal prática fundamentava-se na justa

escolha dos padrinhos, já que o compadrio previa a formação moral e religiosa dos

afilhados, sendo proibidos o casamento e relações sexuais entre as pessoas ligadas

ritualmente.27 Os benefícios trazidos pelo parentesco ritual foram estudados, também, sob

uma ótica menos vinculada ao cristianismo. Citados pelo mesmo Antonio Arantes,

Redfield, Mintz & Wolf e Foster sugeriram que a função primordial do compadrio era criar

vínculos de solidariedade entre os seus participantes, expressas através da cooperação

econômica e da lealdade política. Carvalho Franco, por sua vez, fundamentou sua análise

na existência de uma ambivalente relação de poder e sujeição que se estabelecia entre

padrinhos, pais do batizando e batizando.28

Dentre os descendentes de Lourenço de Andrade e Isabel Rodrigues, contudo,

somente foi possível localizar o registro de batismo de sua filha, Maria Rodrigues de

Andrade. Batizada na Igreja de Nossa Senhora da Lux dos Pinhais de Curytiba em 15 de

agosto de 1706, recebeu por padrinho M el Alz. Pedroso e por madrinha Anna Glz.29

* Maria Luiza Andreazza encontrou em seu estudo acerca da família Siqueira Cortes, residente em

Santo Antonio da Lapa no século XVIII, o indicativo de que o apadrinhamento ocorria tanto entre escalas sociais distintas como semelhantes. Os notáveis da região, assim, ocasionalmente serviam-se do batismo para reforçar ou estabelecer parentesco com a família a qual se desejava aproximar, no caso, a família Siqueira Cortes. ANDREAZZA, M.L. Casamento, solidariedade e compaixão. Curitiba, 2000. No prelo.

27 ARANTES, Antonio Augusto. "Pais, padrinhos e o Espírito Santo: um estudo do compadrio." In: ALMEIDA, M. S.K. et al. Colcha de retalhos. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 195.

28 Ibid., p. 195-196. 29 Segundo fichas de batismo elaborados pelo CEDOPE. Baseados no arquivo da Catedral de Nossa

Senhora da Luz. Livro I – fichados registros de batismo de 1704 a 1713. Arquivo CEDOPE.

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A decisão dos pais por Manoel Alvares Pedroso como padrinho de sua única filha

pareceu bem interessante. Além de também signatário da ata de elevação da Vila de

Curitiba em 169330, Manoel era casado com Antonia Luiz Maris ou Marim (?-1714), filha

de Antonio Motta Maris de Oliveira e de Maria Pina, residentes em Paranaguá. Antes de

casar-se com Manoel Alvares Pedroso, sua mulher Antonia Luiz tinha sido a primeira

esposa de Antonio de Lara, filho do capitão-mor Gabriel de Lara* e de sua mulher Brigida

Lourença Gonçalves. Sendo filha de Antonio Motta Maris, era também irmã do capitão

Antonio Luiz Tigre, famoso paulista, povoador dos Campos Gerais, signatário da ata de

1693, juiz ordinário em 1700 e 1702, vereador em 1710 e procurador do concelho em 1711,

1715 e 1718.31

Quanto à madrinha, Anna Glz era filha de Manoel Soares** e de Maria Paes, sendo

casada com o capitão Francisco Teixeira de Azevedo (?-1726), filho de Luiz Palhano e de

Maria de Sevanos (ou de Vera). A escolha de Anna Gonçalves como madrinha parece ter

respondido a um estreitamento dos laços familiares, já que membros da família Soares

acompanharam membros dos Rodrigues Seixas e até mesmo Lourenço de Andrade na

chegada a Curitiba no século XVII.

No entanto, não somente através do batismo de Maria Rodrigues de Andrade pode-

se perceber as relações existentes entre seus pais e a família de Manoel Soares, ainda que

não se possa entendê-la como sendo esta família um grupo homogêneo e harmônico. Mas

perceptível era que Manoel Soares, além de sogro de Antonio Rodrigues Seixas e de

Francisco Teixeira de Azevedo, integrava à sua família um homem que também

relacionava-se com os Andrades. Tratava-se de João Ribeiro do Valle (1669-1759), que era

casado com Izabel Soares Paes (1685-1760), filha de Manoel Soares e de Maria Paes, e que

tinha, por outro lado, sua filha Maria do Valle casada com Antonio Rodrigues de Andrade,

primogênito de Lourenço de Andrade.

30 MARTINS, op. cit., p. 236. * Gabriel de Lara (1640-1682) foi representante oficial dos donatários da capitania; patrono da

elevação do povoado de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais à categoria de vila em 1668; governador e ouvidor-mor da vila de Paranaguá até 1672. MARTINS, op. cit., p. 22; 35. LEÃO, op. cit., v. II, p. 729-738. NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 45-47.

31 LEÃO, op. cit., v. I, p. 92-95. ** Em 1683, Manoel Soares requereu sesmaria de terras no Butiatuba, entre as terras de seu sogro, o

capitão Balthazar Carrasco dos Reis, e o Rio Passaúna. Foi juiz em 1694, vereador em 1696, 1697, 1700, 1703. Procurador em 1704. LEÃO, op. cit., v. III, p. 1242. NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 308-309.

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João Ribeiro do Valle, reinol de Valongo, bispado do Porto, exerceu os principais

cargos da governança de Curitiba, servindo como almotacé, procurador do concelho,

vereador, juiz ordinário, alferes, tenente e capitão das ordenanças da Villa.32 Embora

Ermelino de Leão afirme que a união de João e Izabel tenha gerado nove filhos, foram

encontrados apenas quatro, recorrendo à genealogia feita por Francisco Negrão33 e mais

uma criança, Joanna, nascida em 12-05-1725, segundo pesquisa de Ana Maria Burmester.*

PAIS FILHOS

Maria do Valle

Antonio Rodrigues de Andrade Domingos Francisco

e

Maria do Valle Escolastica Soares do Vale

Simão Gonçalves de Andrade

Bento Ribeiro do Vale

Maria Antunes

Manoel Soares do Vale

Maria Pires de Camargo

João Ribeiro do Valle

e

Izabel Soares Paes Manoel Soares

e

Maria Paes

Joanna do Vale

Tabela 3 – Família João Ribeiro do Valle.

A família de Lourenço de Andrade era composta pelas seguintes pessoas:

PAIS FILHOS / SOGROS

Antonio Rodrigues Andrade

Maria do Valle

João Ribeiro do Valle

Izabel Soares Paes

Marcos de Andrade

e

Catharina Luiz Maria Rodrigues de Andrade

Miguel Rodrigues Ribas _____

Lourenço de

Andrade

e

Isabel Rodrigues João Rodrigues Seixas

e

Maria Maciel Barbosa

Agostinho de Andrade

Gertrudes Pereira Telles

Francisco Diniz Pinheiro

Clara Pereira Telles

Tabela 4 – Família Lourenço de Andrade.

32 LEÃO, op. cit., v. III, p. 991. 33 NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 533. * Fichas de união – relação dos habitantes da Vila de N. S. da Luz dos Pinhais de Curitiba – segundo

os registros de batismo, casamento e óbito – século XVIII. Arquivo Profª. Ana Maria Burmester. Arquivo CEDOPE.

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31

PAIS FILHOS

Izabel Soares

João Ribeiro do Valle

Gonçalo Soares Paes

Maria Leme da Silva

Joanna Gracia Soares

Sebastião Santos Pereira

Maria Soares Paes

Antonio Rodrigues Seixas

Gonçalo Soares

e

Anna Gonçalves

Anna Gonçalves Soares

Francisco Teixeira Azevedo

Juliana Maria das Neves

Thomaz Alves Fructuoso

Maria das Neves

Manoel Garcia da Costa

Maria Paes

Manoel Martins Soares

Maria Cardoso

Isabel Paes

Manoel Soares

e

Maria Paes

Balthazar Carrasco dos

Reis

e

Izabel Antunes

Domingos Soares Paes

Maria Leite da Silva

Tabela 5 – Família Manoel Soares.

Comparando os componentes das famílias João Ribeiro do Valle, Lourenço de

Andrade e Manoel Soares, pode-se perceber a integração existente entre seus membros.

Contudo, indícios de que esta relação era mais forte e mais complexa surgiram quando

analisados os compadres e comadres estabelecidos entre estes, especialmente entre João e

Lourenço.*

* Segundo as fichas de batismo elaborados pelo CEDOPE. Baseados no arquivo da Catedral de Nossa

Senhora da Luz. Livro I – fichados registros de batismo de 1704 a 1713. Arquivo CEDOPE.

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32

DATA BATIZANDO SEXO PAIS PADRINHOS

23-07-1705 Maria F João Ribeiro do Valle

Isabel Soares

Antonio Rodrigues Seixas

Mª Soares

08-07-1708 Escolastica F João Ribeiro do Valle

Isabel Soares

Gonçallo Soares

Mª Pais

06-08-1711 Bento M João Ribeiro do Valle

Isabel Soares

Thomaz Alz

Jolianna Soares

05-03-1710 Maria F Bento Pires Lemes

Maria de Siqueira Cortes

João Ribeiro do Valle

Maria Luiz

07-09-1710 Antonio M Anto. Soares

Anna Barboza

João Ribeiro do Valle

Maria do Soutto

13-03-1712 Albano M Thomas Alz. Fructuozo

Julianna Assumpção

João Ribeiro do Valle

Izabel Soares

Tabela 6 – Relação de compadrio – João Ribeiro do Valle.

E, novamente, observando a relação dos afilhados de Lourenço de Andrade, tem-se :

DATA BATIZANDO SEXO PAIS PADRINHOS

28-12-1704 Luzia F Bento Pires Leme

Maria de Syq.ra

Lourenço de Andrade

Anna Leme da Sylva

09-09-1705 Anna F Miguel Alz.

Maria Luís

Lourenço de Andrade

Ignez Dias

08-09-1706 Manoel M Thomas Alz. Frutuozo

Juliana de Assunção

Lourenço de Andrade

Mª Pais

28-01-1707 Salvador M Salvador Nunes Abreu

An ta Roiz

Lourenço de Andrade

Catherina Souto

27-11-1707 Pedro M Seb. am Pais de Almeida

Leona de Escudr º

Lourenço de Andrade

Joana de Burga Cide

19-05-1710 Sebastião M Jozeph Teyxeyra

Maria Fé Cide

Lourenço de Andrade

Anna Bicuda

14-05-1711 Antonio M Pedro Leme Delgado

Maria Moreyra

Lourenço de Andrade

Izabel Roiz

Tabela 2 - Relação de compadrio – Lourenço de Andrade.

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Confrontando estes quadros, percebeu-se a recorrência de pais ou padrinhos

aparentados, e em sua maioria, com relação direta à família Soares. Somente o casal

Thomaz Alves Fructuoso e Juliana Maria das Neves, ou Assunção, ou Soares apareceu três

vezes, seja batizando seus filhos, seja apadrinhando outros. João Ribeiro do Valle também é

ilustrativo nesse sentido. Dos três registros de batismo encontrados de seus filhos, todos

tiveram como padrinhos os cunhados(as) de João.

A incursão de membros das famílias dos genros de Manoel Soares também foi

percebida, como era o caso de Francisco Teixeira de Azevedo, casado com Anna Glz,

madrinha de Maria Rodrigues de Andrade. Seu irmão, Jozeph Teixeira* e sua esposa Maria

Fé Cide tem Lourenço de Andrade como padrinho de seu filho Sebastião.34

Se para o compadrio optou-se por pessoas conhecidas da família e da região,

nuances foram encontradas na escolha dos cônjuges dos filhos. No período colonial

brasileiro, os arranjos matrimoniais eram fundamentais para a preservação do estigma

social das famílias, pois prevalecia o desejo de sacramentar uniões cujos cônjuges

pertencessem a um mesmo segmento social. Isto foi bastante visível no interior paulista,

por exemplo, onde a endogamia social era critério essencial na escolha conjugal, já que o

casamento (...) buscava a construção, concentração, manutenção e transmissão de

fortunas.35 Na Vila de Curitiba, ao menos na família Andrade, parece ter ocorrido o mesmo.

Os filhos homens casaram-se com filhas de pessoas conhecidas da região, participantes do

poder público, os quais poderiam trazer benefícios futuros tanto para os noivos quanto para

seus pais. Tal proximidade social e regional permitia, ainda, conhecer a honra da família a

qual estava se unindo, ou seja, se traria bom nome aos descendentes.

Dessa forma, Antonio Rodrigues de Andrade (1699-1769), primogênito de

Lourenço de Andrade e Isabel Rodrigues, casou-se em 25-10-1734 na Igreja Matriz de N.

S. da Luz com Maria do Valle (1705-1774), filha de João Ribeiro do Valle e Izabel Soares

Paes36. Embora os interesses familiares, não se descarta a possibilidade da existência de um

relacionamento afetivo entre Antonio e Maria do Valle, dada a proximidade das duas

* Tanto José Teixeira de Azevedo quanto Manoel Soares tinham o mesmo sogro, Balthazar Carrasco

dos Reis, já que a primeira esposa de José fora Domingas Antunes Cortes. Balthazar foi um dos principais moradores da região de Curitiba no final do século XVII.

34 NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 411-412; 595. 35 BACELLAR, C. , op. cit., p. 57. 36 NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 98.

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famílias, justificando também sua união. Tiveram cinco filhos entre os anos de 1735 a

1744:

PAIS FILHOS / SOGROS

Joam _____

Izabel Maria de Andrade

Antonio Martins Luztoza

Francisco Martins Lustoza

Maria Soares

Lourenço de Andrade

e

Izabel Rodrigues Pedro Ribeiro de Andrade

Luiza Vaz Torres

Manoel Vaz Torres

Josepha Alvares de Araujo

Lourenço Ribeiro Andrade

Genoveva do Rosario Santos _____

Antonio

Rodrigues de

Andrade

e

Maria do Valle

João Ribeiro do Valle

e

Izabel Soares Paes Antonio José de Andrade

Ana Gertrudes Espírito Santo

João Baptista Diniz

Luiza de Araujo

Tabela 7 – Família Antonio Rodrigues de Andrade.

Seu irmão, Agostinho de Andrade (1709-1767), filho mais novo de Lourenço de

Andrade, casou-se com Gertrudes Pereira Telles (1721-?), filha do sargento-mor Francisco

Diniz Pinheiro*, reinol de Cascaes, e de Clara Pereira Telles, natural de Nazareth, São

Paulo, também residentes em Curitiba.37

Observando atentamente os novos membros que a família Andrade admitiu, pode-se

perceber a inserção de uma nova linhagem, a da família Diniz. Enquanto Gertrudes Pereira

Telles uniu-se em 1741 a Agostinho de Andrade, seu irmão João Baptista Diniz** casou

sua filha Anna Gertrudes Espírito Santo com Antonio José de Andrade, filho de Antonio

Rodrigues de Andrade e Maria do Valle. Além de Anna Gertrudes, João B. Diniz e sua

mulher Luiza de Araujo tiveram outro filho, Salvador Baptista Diniz, o qual contraiu

* Francisco Diniz Pinheiro foi tabelião de notas entre 1717 a 1720. LEÃO, op. cit., v. II, p. 687. 37 NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 99; 542. ** João Baptista Diniz era natural de Paranaguá, vindo a Curitiba antes de seu casamento em 1743

com Luiza de Araujo. Vivia da criação do gado, residindo na fazenda de Sant´Anna, a 20 léguas de Curitiba e a 13 léguas do Tamanduá. Exerceu os cargos de almotacé em 1748, 1755 e 1756. Ainda, foi tenente da milícia em 1755, sendo promovido posteriormente a capitão e a sargento-mor. LEÃO, op. cit., v. III, p. 954-955.

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matrimônio com Escolastica Soares, filha de Izabel Martins Valença e do tenente Manoel

Rodrigues Seixas, primogênito de Antonio Rodrigues Seixas e Maria Soares Paes.*

PAIS FILHOS / SOGROS

Clara Pereira Telles

Ignacio Pires de Lima Pereira

João Pires de Santiago

Anna Maria do Prado

Maria Rodrigues das Neves

Antonio Teixeira de Freitas

Antonio Teixeira Freitas

Catharina de Oliveira

Anna Maria de Andrade

1-Manoel Ignacio Fonseca

2-Antonio Ferreira dos Santos

1-Manoel Abreu Pereira

Bernardina de Senne /

2-Antonio Rdgs dos Santos

Ursula Maria Borges/

Lourenço de

Andrade

e

Isabel Rodrigues

José de Andrade

Joanna Mª de Jesus ou Lima

Miguel Gonçalves Lima

Maria Paes dos Santos

Ivo José de Andrade

1-Mª Francisca Andrade

2-Anna Maria (?)

3-Maria dos Passos

1- _____

2- Gertrudes de Souza.

3- _____

Antonio Andrade Pereira

Anna Victoria Santos _____

Miguel Andrade Pereira

Ignacia Martins Araujo

Manoel Martins Valença

Maria Araujo

Manoel Andrade Pereira Telles

Maria Custodia de Barros

Jeronymo Antunes Maciel

Thereza Leite de Barros

Agostinho de

Andrade

e

Gertrudes

Pereira Telles

Francisco Diniz

Pinheiro

e

Clara Pereira Telles

Izabel Rodrigues Andrade

Antonio Guedes de Carvalho

Manoel Guedes Carvalho

Maria Antunes de Souza

Tabela 8 – Família Agostinho de Andrade.

Assim, verificou-se que as alianças feitas através do compadrio e do casamento

expandiram a família de Lourenço de Andrade, estabelecendo e constituindo um grupo que

* A ligação entre Antonio Rodrigues Seixas e a família Diniz era, na verdade, mais antiga. Em 1727,

Antonio comprou terras antes pertencentes a Francisco Diniz Pinheiro, pai de João Baptista Diniz. O sítio em questão localizava-se em Campo Magro, sendo explorada a lavra d´ouro da Conceição. LEÃO, op. cit., v. I, p. 283-284.

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se apresentava coeso nas suas relações de parentesco, o que provavelmente contribuiu,

também, nas relações sociais e políticas com as quais a família se envolveu.

Já no que se refere ao esposo da única filha, Maria Rodrigues de Andrade, optou-se

por estabelecer contrato matrimonial com um homem não natural da Colônia. Miguel

Rodrigues Ribas era mais um reinol que integrava a família.

Os pais

Em 1721, sendo criada ouvidoria própria em Paranaguá*, a Vila de Curitiba, agora

desvinculada da ouvidoria de São Paulo, recebeu, assim como Paranaguá, a visita do

Ouvidor Geral Dr. Raphael Pires Pardinho. Atuando como juiz e fiscal administrativo,

Pardinho ditou os provimentos a serem seguidos pelas ditas vilas. Assim, em síntese,

Em Curitiba ele regularizou a ocupação urbana, recomendando ruas retas e casas contíguas ao invés de construídas a esmo; determinou a edificação da casa de Câmara e cadeia e a conservação do caminho do Itupava. Limitou os valores dos impostos, proibiu a preação dos silvículas, regulou por miúdo a ação dos juízes e tabeliães nos processos judiciais, em que havia roubos e desordens; regulou a gestão dos bens dos órfãos (que os juízes maltratavam), os processamentos dos inventários, a partilha dos espólios, a eleição das autoridades militares, havendo baixado outras medidas que organizaram a vida local. (...) De Curitiba, rumou a Paranaguá, onde investigou alguns assassínios, criou mais duas Companhias militares e postos de vigia ao longo da costa para a segurança da vila; regulou o exercício de almotacel, dos tabeliães, dos juízes, a eleição dos capitães-mores de ordenanças, e disciplinou a ocupação do solo, condicionando a doação de terras públicas a sua efetiva utilização; (...) vedou o lançamento de novos impostos; recomendou zelo na cobrança dos quintos d´ El Rei e, de modo geral, organizou a vida local.38

As ordens trazidas por Pardinho constituíram a primeira legislação escrita e oficial

da qual a Vila de Curitiba passou a atender. O último preceito que trouxe o documento

referia-se, justamente, à importância do cumprimento das ordens régias transmitidas. De

forma bastante clara, determinou-se que a partir daquela data

* O Governo-Geral era composto por três cargos. O primeiro deles era o de Governador-geral,

funcionário régio responsável pela administração da Colônia. Havia, ainda, o Provedor-geral, encarregado dos assuntos da fazenda e o Ouvidor-geral, que resolvia as questões relacionadas à justiça. Em 1699 foi criada ouvidoria própria na Capitania de São Paulo, antes subordinada ao Rio de Janeiro. Curitiba, por sua vez, desde essa data estava vinculada à ouvidoria paulista. LACERDA, Arthur V. de. O ouvidor Rafael Pardinho. Boletim do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, Curitiba, v. L, 1999. p. 33-35.

38 LACERDA, op. cit., p. 36-37.

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O escrivão da Camera será obrigado todos os annos quando entrarem de novo os juizes e officiaes da Camera a ler-lhes estes Provimentos, de que passarã certidão ao pé delles: e por cada vez que o deyxar de fazer, e senão achar a dita certidão pagarã oito mil reis, pella sobredita maneira; e o treslado delles dará o dito escrivão da Camera a qualquer pesoa do povo que lhos pedir e quizer ter, pagando-lhe a sua escrita a raza.39

Dizendo estar a contento e por essas leis quererem reger-se e governar, e

prometendo cumprir o que determinava El Rei, os juízes e oficiais da Câmara da Villa de N.

Snr.ª da Luz, pessoas da governança e do povo que estavam presentes, assinaram

legitimando os ditos provimentos. Nesta relação, entre os homens-bons, constava-se pela

primeira vez o nome de Miguel Rodrigues Ribas. Incluíam o rol, ainda, alguns dos

membros da família que acabou de formar, já que Miguel casou-se com Maria Rodrigues

de Andrade um ano antes da visita do Ouvidor Pardinho, ou seja, em 1720. Assim, embora

não se saiba os motivos nem a data em que ele teria chegado a Curitiba, sabe-se que, logo

após seu casamento, Miguel Rodrigues Ribas integrou o grupo dos homens principais da

Vila. Junto a ele assinaram, também, os já citados Francisco Teyxera (de Azevedo),

Antonio Rodrigues Seyxas, Gracia Rodrigues Velho, Lourenço de Andrade e João Ribeyro

do Valle..

A relativa ordem imposta pelo Ouvidor Pardinho era necessária à Coroa lusitana na

medida em que interessava a ela centralizar seu poder, sobretudo devido à necessidade de

proteger e defender o território português de espanhóis ou corsários. Além disso, a

descoberta de campos auríferos entre os séculos XVII e XVIII, especialmente nas Minas

Gerais, levou a um desenvolvimento da economia colonial, e juntamente a isso, a formação

de fortunas e de poderes familiares. No entanto, gerou, também, uma concentração

populacional no local, ocasionando carência de gêneros alimentícios e expandindo a

situação de pobreza.40

A organização das Câmaras Municipais nas regiões de fronteira, como era o caso de

Curitiba, bem como de regiões onde o ouro pouco ou não existia, permitiu, favoreceu e

incentivou o cultivo de produtos agrícolas e da pecuária que, além da subsistência, tentava

suprir a carência mineira. Os excedentes, no entanto, atendiam ainda outros setores que

39 BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITYBA. Documentos interessantes para a

história do Paraná: fundação da Villa de Curityba. 1668 a 1745. v. VII. Curityba: Livraria Mundial, 1924. p. 48.

40 SOUZA, Laura de Mello e; BICALHO, Maria Fernanda B. 1680 - 1720: o império deste mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 26-37.

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precisavam ser mantidos pela metrópole, como era o caso da manutenção da guarda militar.

Em casos de guerra ou expedições militares, as Vilas eram responsáveis pelo seu

suprimento alimentar, bélico e de locomoção.

O ciclo das tropas teve seu início em Curitiba por volta do ano de 1731, quando se

abriu a chamada Estrada da Laguna, caminho que permitia a passagem das tropas que

percorriam o sentido Viamão – Sorocaba. Assim, se no período anterior a esta data a região

de Curitiba encontrava-se numa situação de isolamento, após 1731 ela passa a integrar a

rota do gado, que era uma das rotas comerciais mais lucrativas da Colônia.*

Além de uma maior circulação monetária, outra mudança bastante significativa

decorrente do tropeirismo foi sentida na Vila. O trânsito constante de homens ligados ao

comércio pecuário intensificou as relações entre estes e a população local, alterando seu

cotidiano, principalmente devido a fixação definitiva de muitos tropeiros na região.

Segundo levantamento feito por Ana Maria Burmester, o Planalto paranaense – Villa de

Curitiba, Freguesia de São José, Freguesia de Santo Antonio e Povoação do Yapó –

comportava, em 1720, um total de 1400 pessoas de confissão. Em 1772, este número sofreu

um acréscimo expressivo. Viviam na região 4.245 pessoas.41 Contudo, vale destacar que o

aumento no índice populacional decorreu, também, das medidas tomadas pelo Marquês de

Pombal. Com o declínio do ouro na segunda metade do XVIII, Pombal implantou medidas

a fim de estimular o comércio e ampliar o número de habitantes, de modo a desenvolver a

produção e deslocar parte da população para as regiões de fronteira de importância

estratégica ou zonas de disputa entre Portugal e outras nações coloniais.42

A Câmara tornou-se, entre tantas modificações, fundamental para o bom

cumprimento das determinações superiores a qual todos estavam submetidos. No entanto,

esta teve seu poder limitado na medida em que, ciente dos provimentos da sua ouvidoria e

* Em 1721, o comércio curitibano dependia basicamente dos seus negócios com Paranaguá.

Enquanto Curitiba comercializava gado, trigo e erva-mate, Paranaguá vendia vinho, cachaça, vinagre, azeite e sal. BALHANA, A.; MACHADO, B.P.; WESTPHALEN, C. História do Paraná. Curitiba: Grafipar, 1969.

41 BURMESTER, Ana Maria; BONI, Maria Ignes de.; SCHAAF, Mariza. A população de Curitiba no século XVIII. In: COLÓQUIOS DE ESTUDOS REGIONAIS, comemorativo do I Centenário de Romário Martins, 1974, Curitiba. Anais... Curitiba: UFPR, 1974. p. 68-70.

42 MARCÍLIO, Maria Luiza. A população do Brasil colonial. In: BETHELL, L. (Org.) História da América Latina: a América Colonial. São Paulo: EDUSP, 1999. p. 323.

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das punições advindas do seu não cumprimento, os moradores e oficiais da Câmara não

tinham mais pleno poder de ação, pois estavam sujeitos a uma legislação superior.43

A ocupação de cargos na governança das Vilas trouxe, porém, alguns problemas

sobretudo quanto ao direito dos homens no exercício de sua função pública. Ou seja,

discutia-se quem era merecedor do posto que concedia poder. A historiografia tem

apontado, nesse sentido, dois pólos distintos. Um era representado pelos bandeirantes, bem

como pelos filhos da terra, que se julgavam dignos porque estavam no Brasil há mais

tempo, tendo dedicado sua vida em prol do soberano. Por outro lado, reivindicavam postos

de confiança do monarca os portugueses, ou estrangeiros, que chegavam à Colônia ávidos

por prestígio, dinheiro e poder.

Segundo Charles Boxer, era habitual haver bastante antipatia e desconfiança mútua

entre estas duas categorias de vassalos da Coroa, pois os imigrantes monopolizavam muitas

das oportunidades que os filhos da terra poderiam usufruir. Os reinóis não raro eram

favorecidos pelos funcionários do governo, cuja grande maioria era formada de outros

europeus. Além disso, tiravam vantagem por serem, em grande número, dotados de

instrução. Estes, quando aqui chegavam, empregavam-se rapidamente tornando-se, de

preferência, escriturários, caixas, balconistas, ou vendedores ambulantes, trabalhando por

conta própria ou à base de comissões.44 Chegando geralmente pobres e esfarrapados, estes

acumulavam haveres através de auxílio de algum parente ou conhecido que emigrara antes

e que já havia se estabelecido.*

O casamento se apresentou fundamental nesta fase de adaptação. Na Bahia e no Rio

de Janeiro, por exemplo, os reinóis casavam-se com mulheres locais, geralmente com

mistura de sangue de cor. Contudo, estes preferiam casar as filhas com um reinol, mesmo

que este fosse de baixo nascimento. Segundo Boxer, isto teria assegurado a predominância

43 BALHANA, op. cit. 44 BOXER, op. cit., p. 36. * Durante o setecentos, cerca de 400 mil portugueses vieram para o Brasil, apesar dos esforços da

Coroa para impor rígidas restrições à emigração. Os reinóis vinham especialmente da região do Minho, província de maior densidade populacional, e eram de todas as classes sociais e ocupações, desde camponeses até membros da pequena nobreza, incluindo artesãos, comerciantes, padres e muitos sem qualquer ocupação definida. MARCÍLIO, op. cit., p. 322.

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portuguesa na elite local, especialmente quando o pai reinol conseguia pôr o nome do

genro reinol nas listas de voto para a Câmara e para a Misericórdia.45

Contrários às facilidades que encontravam os portugueses, os filhos da terra

mobilizaram-se, ao menos no Rio de Janeiro, entre a segunda metade do XVII e a primeira

metade do XVIII. Desse modo, a Câmara fluminense tentou limitar a admissão de

funcionários a indivíduos nascidos no Brasil, excluindo deliberadamente os mercadores

nascidos em Portugal, mesmo nos casos em que estes últimos eram casados com raparigas

brasileiras de boa posição social. Desta disputa, obtiveram resposta positiva da Coroa nos

decretos reais de 1709, 1711 e 1746, os quais acentuavam que os reinóis que haviam se

estabelecido no Rio de Janeiro com opulência, inteligência e bom comportamento deveriam

ser colocados nas listas de voto em pé de igualdade com os indivíduos nascidos no Brasil

que estivessem qualificados para ocupar esse cargo.46

Laura de Mello e Souza e Maria Fernanda Bicalho apontaram que as rivalidades

entre os colonos, em seu estudo representado pelos paulistas, e os emboabas, nome vulgar

dado pelos bandeirantes designando os portugueses, revelava um desejo em formar uma

sociedade em que os interesses pessoais, ou do grupo, fossem atendidos. Segundo as

autoras, para os poderosos locais, dinheiro só já não bastava: queriam participar da

administração local, deitando suas raízes na região em que viviam – mesmo que tivessem

chegado pouco tempo antes e que as zonas fossem novas, recentemente abertas à ocupação

portuguesa.47

Em todo caso, a historiografia tem apontado para um mesmo sentido. Filhos do

Reino ou filhos da terra, ambos sustentavam um desejo semelhante. Almejavam valer mais,

o que significava fortalecer a sua base familiar, política, econômica, social. Desejavam

enobrecer e transmitir a fama e a honra conquistada aos seus descendentes. Em Minas

Gerais, os grandes proprietários no século XVIII mostravam-se cada vez mais ávidos de

títulos, honras e postos militares, tanto por motivos de poder como de prestígio48.

Almejava-se a distinção, ainda que não se correspondesse a isso.

45 BOXER, Charles. O Império colonial português. 1415 - 1825. Lisboa: Edições 70, 1969. p.

270. 46 Id. 47 SOUZA, op. cit., p. 69. 48 BOXER, O Império..., p. 296.

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Em Curitiba, percebeu-se que reinóis sempre estiveram presentes na linhagem

pertencente ao Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade. Seu bisavô João Rodrigues Seixas, seu

avô Lourenço de Andrade, seu pai Miguel Rodrigues Ribas e os três genros que teve,

analisados mais adiante, todos eram naturais de Portugal.

Miguel Rodrigues Ribas era reinol de São Miguel de Villa Franca de Vianna,

arcebispado de Braga. Tendo casado em 1720, os primeiros registros de sua participação no

poder público da Vila, no entanto, se deram alguns anos mais tarde. Em 1729, Miguel foi

eleito juiz ordinário da Câmara, exercendo o mesmo cargo somente nos anos de 1741,

1743, 1747 e 1749.49 Em 1748 foi vereador. Em 1733 foi promovido Capitão-de

Companhia na milícia regional, título que passou a sustentar desde então.50

Em 31 de Dezembro de 1735, o Capp.am Miguel Rodrigues Ribas deixou o posto de

Thezoureiro dos Orphaons, sendo substituído pelo Capp.am Sebastiam dos Santos Perera,

que, como ele, deveria ficar no cargo por um tempo de dois anos.51 Dias antes, em quatro

de Dezembro de 1735, o Ouvidor Geral Dr. Manoel dos Santos Lobato ordenou que se

forrasse a Capella mór da Vila e, para tanto,

nomeava para Tesoureiro dellas (...) àô Capitão Miguel Rodrigues Ribas e que para se prinçipiar com a dita obra logo desse o procurador e Tesoureiro da Camara sem mil reis ao dito Capitão Miguel Rodrigues Ribas que com seu reçibo se levara, em conta ao dito procurador e Thesoureiro nos que der de seu recebimento; e que a dita obra que se faça pello arbitrio, e â juste que fizer o dito Capitão Miguel Rodrigues Ribas com os carpinteiros, pedreiros ou intalhadores.52 No entanto, foi somente em seis de Fevereiro de 1736 que o dito Capitão recebeu o

dinheiro, como registrou o termo de vereança a seguir. Estando os oficiais da Câmara

reunidos

Mandaram chamar ao Capp.am Miguel Rodrigues Ribas e aparesendo em Camara lhe mandaram os officiais da Camara entregar cem mil reis em dinheiro pertencente a esta Camara para ajuda do Conserto da Igreja Matriz desta villa em virtude do provimento e determinação do Doutor Ouvidor Geral Manoel dos Santos Lobato (...) que deixou provido em correição que fez nesta villa, e de como o Capp.am Miguel Rodrigues recebeu he

49 LEÃO, op. cit., v. I, p. 257-258. 50 BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITYBA. v. IX, p. 93-94. A partir desta

referência, será utilizada a sigla B.A.M.C. para indicar BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITYBA.

51 B. A. M. C., v. XII. p. 102. 52 B. A. M. C., v. VIII, p. 60.

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asignou neste termo com os ditos officiais da Camara e eu Ant.º Alz´ Fr.e escrivam escrevi.53 O interessante neste fato foi que, anos mais tarde, em 13 de Julho de 1738, foi

cobrado o dinheiro entregue ao dito Capitão pela Câmara da Vila, surgindo um impasse

entre Miguel Rodrigues Ribas e os oficiais da governança. Assim, o Capp.am Sebastiam dos

Santos Pereira e o Capp.am Salvador de Albuquerque, procuradores da fatura da obra da

Igreja Matriz, requereram aos oficiais da Câmara que notificassem o Capitão Ribas para

que este devolvesse os ditos cem mil reis. A Câmara recebeu, no entanto, setenta e três mil.

Justifica o Capitão que

tinha em seu poder setenta e tres mil reis, e tinha despendido vinte e sete mil reis em quatro duzias e meya de taboado e elles ditos procuradores Repugnaram aseitar o dito Taboado por se achar alguns incapazes, e nam receberam o dito dr.º athe virem dous louvados; e como sendo que digo e sendo que se os avaliadores viessem e achassem que estavam as taboas boas que os ditos procuradores receberiam o dito dr.º , e com efeito ajustaram entre si que ficasse obrigado o official que fez os taboados a por o que tivesse dano. Determinaram os oficiais, nesta questão, que

sendo assim se obrigasse o dito official das taboas a dar o que tivesse dano e sendo assim determinaram mandarem os ditos officiais entregar os ditos setenta e tres mil reis digo os officiais da Camara entregar os ditos setenta mil, digo os setenta e tres mil reis que logo o dito Capp.am. Miguel Rodrigues entregou em dr.º de contado o qual dr.º recebeo o Thezoureiro do cofre de Orphaons o Capp.am Sebastiam dos Santos Pereira, e ficou desobrigado o dito Capp.am Miguel Rodrigues Ribas, desobrigados dos ditos cem mil reis, por os ditos Procuradores da dita Igreja, e ficou encarregado Vitorino Teixeira a fazer bom todo taboado que tivesse dano, e nisto receberam os vinte e sete milreis (sic) no dito taboado; de tudo mandaram fazer este termo de exibição do dr.º que assignaram os ditos officiais da Camara e mais procuradores da Igr.ª e eu Ant.º Alvres Fr.e escrivam que escrevi. 54

Embora não se saiba as razões reais para o saldo incompleto apresentado pelo

Capitão Ribas – e ele poderia realmente ter sido sincero quanto à má qualidade das tábuas –

instigou o fato de que, embora os oficiais não tenham recorrido a nenhuma testemunha,

puniram o dito Capitão, já que a responsabilidade pelo dinheiro foi transmitida a outra

pessoa. Por outro lado, tal punição, ou precaução, apresentou-se branda na medida em que

o fato pareceu não sofrer maiores conseqüências. Ou seja, se houve realmente má fé de

Miguel Rodrigues Ribas, este fora protegido, abafando, portanto, piores situações.

53 B. A. M. C., v. XIII, p. 63-64.

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Amparado ou não, a querela provavelmente suscitou sentimentos de desconfiança, ou

estranhamento, por parte dos oficiais. Da parte de Miguel, talvez a sua vergonha, ou a sua

honra, ou ainda, o seu orgulho.

Segundo Marco Antonio Silveira, a corrupção era um problema incrustado na

burocracia portuguesa. Além dos desvios de rendas para as mãos de particulares e

funcionários, o apadrinhamento e as mercês (...) faziam dos órgãos administrativos centros

de gente ociosa sustentada pelo Estado. No entanto, este Estado parecia fazer vistas grossas

para o ato. Reformas ocorreram, nesse sentido, justamente no século XVIII, numa tentativa

de restringir sua prática. Mas, como foi dito, não se pode dizer que tenha sido um ato ilícito

o que ocorrera com o Capitão Miguel Rodrigues Ribas.55

Tendo este fato ocorrido em 1738, não se constitui na primeira controvérsia da qual

Miguel Rodrigues Ribas participava. Nos anos intermediários a este caso, ou seja, entre

1736 a 1737, ele havia ocupado o cargo de almotacé, cuja atividade incluía visitas às

vendas e tabernas, bem como a averiguação das condições das casas de morada da Vila.

Aos treze dias do mês de Novembro de 1737, estando a vereança composta,

apareceu Ant.º Francisco de Siquera, o qual apresentou despacho do Doutor Ouvidor da

Comarca Manoel dos Santos Lobato, em que se mandava restituir dois mil réis ao dito

Antonio, cujo valor era a metade da condenação em que foi condenado pello Almotacel o

Capp.am Miguel Rodrigues Ribas que o condenou em quatro mil reis o qual estava

carregado ao Procurador do Conselho.56

Neste caso não foi especificado o motivo da retratação. Constituiu mais um

momento, entre vários, em que Miguel sofreu algum tipo de retaliação. No entanto,

surgiram alguns indícios de que tais reclamações alcançaram, também, um nível pessoal.

Em trinta de Dezembro de 1739, por exemplo, ele requereu à Câmara que fosse absolvido

de uma condenação de quatro mil réis imposta pelo almotacé Ant.º Francisco de Siquera, o

mesmo da citação anterior. Alegava Miguel que fora condenado porque

tendo levantado huns esteyos na Rua desta villa pegados a suas cazas para fabricar cazas; a fora notificado pello dito Almotacel que no termo de oito dias fizesse as cazas e nam as

54 B. A. M. C., v. XV, p. 6. 55 SILVEIRA, Marco Antonio. O universo do indistinto: Estado e sociedade nas Minas

setecentistas (1735-1808). São Paulo: Hucitec, 1997. p. 54. 56 B. A. M. C., v. XIII, p. 83-84.

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fazendo botasse os esteyos in terras e nam podendo fazer dentro do dito tempo saindo outravez o dito Almotacel de correiçam o condenou nos ditos quatro mil reis.57

Neste dia, foi absolvido assim como também o foi seu cunhado Agostinho de

Andrade, punido pelo mesmo almotacé em quatrocentos réis. Este último livrou-se da

condenação por rezam de não haver edital pera a dita correicam e elle estava auzente de

caza.

Em seis de Janeiro de 1743, o Capitão Ribas foi nomeado, novamente, juiz

ordinário. Em nove de Março do mesmo ano, passou por outro processo. Numa apelação

conjunta, o Alferes Domingos Ribeyro da Silva e Francisco Ribeyro da Silva e Paullo da

Rocha e Antonio Soares e Antonio Gomes e Francisco dos Reis e Joam da Costa Rosa

requereram à Câmara quanto ao prejuízo que tinham recebido suas casas devido às

cavalgaduras e porcos. Estes animais eram, especialmente, do Capitão Miguel Rodrigues

Ribas o qual

não atendendo a hum edital que mandou publicar a dita Camara pera que Recolhesem as cavalgaduras que faziam prejuizo a esta villa sehouve o dito Capp.am Miguel Rodrigues com pouco cuidadado (sic) a mandar retirar humas egoas suas vindas do Rio grande e sem atender ao dito edital dos ditos officiais da Camara que mandarão publicar.58

Foram condenados o Capitão Ribas e Manoel Martins de Farias, pelo mesmo

motivo, em seis mil réis cada um.

Em dez de Agosto de 1743, juntou-se a vereança da Vila para apurar somente

reclamações quanto às punições do almotacé Miguel Rodrigues Ribas. Amaro Fernandes,

negociante, Manoel Rodrigues Porto, sapateiro, e Joseph Nunes Collares foram absolvidos

da condenação de cinco testoins por terem sido almotaçados sal e açúcar, produtos que

estavam isentos de taxas. Reivindicaram, ainda, Manoel Pereyra Vidal, Fran.co da Cunha,

Furtuoso da Costa Braga, Antonio Gomes Setuvel, Fran.co Furtado, Antonio Rodrigues dos

Santos.59 Todos geralmente apresentavam duas punições, sendo dispensados de uma delas.

Tais petições indicaram, também, a falta de recursos que enfrentava a população, que pedia

isenção das multas aplicadas, mesmo daquelas que eram cobradas justamente.

57 B. A. M. C., v. XV, p. 29. 58 B. A. M. C., v. XVI, p. 50-51. 59 B. A. M. C., v. XVI, p. 58-60.

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O último documento referente às atividades de Miguel Rodrigues Ribas demonstrou

um pouco do seu temperamento. Em vinte e seis de Agosto de 1743, o mesmo escrivão do

termo de vereança acima citado, Manoel Borges de Sam Payo, requereu à Câmara que

durante uma audiência do almotacé o Tenente Manoel Alvres Fontes, na sua correição a

Francisco Nunes de Oliveira, o Capitão Ribas reclamava de uma condenação sua,

considerada por ele injusta. Embora não sejam escritos mais detalhes sobre o fato, conta o

escrivão que

por nan ter mandado rezistar o escrito de Almotacaria e por cauza desta condenação o dito Capp.am Miguel Rodrigues Ribas entrando onde seu companheiro Almotacel o Tenente Manoel Alvres Fontes estava em audiencia em os passos do Conselho comessou alterar vozes pondo culpa ao dito Manoel Borges de Sam Payo escrivam de Almotacaria mandando logo, que fosse preso o d.º escrivam e que queria autuar elle d.º escrivam e alem disso mandou ao mesmo condenado Francisco Nunes de Oliveira, que servisse de escrivam pera formar auto delle d.º escrivam, e as mais rezoins descomedidas na mesma audiencia em occasiam que estavam tambem em audiencia Ant.º Gomes Setubal e o dito Francisco Nunes de Oliveira os quais tambem nesta veriança asistiram edebaxo de juramento confirmaram que tudo o que o dito escrivam tinha proposto e requerido neste termo era verdade e requereu tambem o dito escrivam que se lhe mandasse passar este termo com seu requerimento p.ª em todo tempo pedir por sertidam, e se lhe passar de tudo mandaram os ditos officiais da Camara fazer este termo de requerimento que asignaram com o dito escrivam e os sobreditos Ant.º Gomes Setubal e Francisco Nunes de Oliveira e eu Ant.º Alvres Fr.e escrivam eleito pera este termo que o escrivi.60

Demonstrando irritação e ameaçando o escrivão pela sentença recebida, bem como

pelas vezes em que foi chamado a prestar esclarecimentos enquanto oficial da Câmara e

como morador da Vila, Miguel Rodrigues Ribas revelou-se figura impulsiva e inusitada,

mas sobretudo com orgulho de reinol. Ermelino de Leão cita que, em 1755, morando

Miguel no Rocio, recebeu visita do procurador Henrique Ferreira de Barros, que requereu

um mandado da Câmara para cobrar os foros atrasados, allegando que não pagava foros e

vivia no Rocio despoticamente. A Câmara, então, resolveu colher informações e solicitou

sua presença. O Capitão Ribas jurou que seu sítio ficava nos fundos do terreno do seu

sogro Lourenço de Andrade. Feita a vistoria, ficou provado que o sítio estava fora dos

terrenos do sogro, sendo o Cap. condenado a pagar os foros atrazados.61 Mais uma vez,

obrigou-se a lembrar: o Brasil não era o El Dorado prometido.

60 B. A. M. C., v. XVI, p. 61-62. 61 LEÃO, op. cit., v. IV, p. 1310.

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Miguel Rodrigues Ribas (1694-1774), de sua união com Maria Rodrigues de

Andrade (1706-1730), teve seis filhos.

PAIS FILHOS / SOGROS

Isabel Ribeira Ribas _____

Francisco _____ _____

Miguel Ribeiro Ribas

Mª Clara Domingues Moraes

Amaro Borba Pontes

Isabel Cardoso Moraes

Lourenço Ribeiro de Andrade

Isabel de Borba Pontes

Amaro Borba Pontes

Isabel Cardoso Moraes

Maria Ribeiro Ribas _____

Miguel Rodrigues

Ribas

e

Maria Rodrigues de

Andrade Lourenço de Andrade

e

Isabel Rodrigues Thereza _____

Tabela 9 – Família Miguel Rodrigues Ribas.

Francisco, Maria e Thereza, por não constar mais informações além das datas de

batismo, respectivamente, 1722, 1726, 1727, imaginou-se que teriam falecido ainda

crianças. Isabel Ribeira Ribas, batizada em 24-02-1721 faleceu em estado de solteira em

21-08-1793, aos 72 anos de idade. Dos filhos que geraram descendência à família, Miguel

nasceu em 25 de Maio de 1722 e Lourenço em 24 de Setembro de 1724.

O varão mais velho integrou o corpo de milícias da Comarca. Em 21-01-1745,

Dom Luiz Mascarenhas Capitão General da Capitania de S. Paulo promoveu o já Capitão

Miguel Ribeiro Ribas para o posto de Cappitão de uma das companhias de Infanteria da

Ordenança da Villa de Curiytiba que se achava vago. Por este cargo, não havera soldo

algum mas gozará de todas as onras previlegios liberdades e exençõens e franquezas que

em rezão do dito posto lhe pertencerem.62

Ainda em 1775 Miguel atuava como Capitão. Nesse momento, no entanto,

intensificaram-se as agitações e expedições de defesa do território português. Em

substituição ao Governador General da Capitania de São Paulo Dom Luiz Antonio de

Souza Botelho de Mourão – o Morgado de Mateus –, Martim Lopes Lobo de Saldanha

conferiu nova característica à Capitania nos anos de 1775 a 1782. Absorvido mais com a

organização militar do que com a administração civil, mobilizou forças militares para se

62 B. A. M. C., v. XII, p. 34-35.

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integrarem ao exército do Sul, em defesa do Rio Grande.63 Preocupado, ainda, com a

infestação de indígenas e com o domínio dos espanhóis, transformou o Pouso do Yapó em

freguesia. Assim, em 1789 foi elevada a Vila Nova de Castro.

Considerado o mais severo dos Capitães Generais da capitania, Martim Lopes Lobo

de Saldanha parecia comportar-se de forma mais branda nas suas cartas ao Capitão Miguel

Ribeiro Ribas. Impressões à parte, na leitura das missivas remetidas às diversas Vilas,

mesmo a Paranaguá, termos mais ríspidos eram utilizados. Preocupado com os altos índices

de deserção dos soldados paranaenses, o Capitão general ameaçava e repudiava a

negligência e incompetência dos oficiais responsáveis. Ao Cap. Miguel, no entanto, a

retaliação restringia-se a um nam estou bem satisfeito, porque observey, e V. M. o confeça,

que se recrutarão na Plébe que como tal tem dado já mostras de o ser, por terem dezertado

não poucos, que espero me não escapem em parte algua.64

Assim, no intento de melhorar os integrantes da milícia, foram convocados os filhos

das pessoas nobres da capitania. Na carta de 31 de Agosto de 1775, advertia Lobo de

Saldanha que não era preciso o Cap. Miguel Ribeiro Ribas oferecer seu filho para que se

conheça sua honra.65 Em 11 de Outubro do mesmo ano, respondeu à mensagem recebida

por Ribas, ratificando que seu filho ainda que não tivesse a lesão que V. M. me dis, Sempre

seria izento como mandey dizer a V. M. antes de Saber della.66 Embora não se saiba qual

dos filhos estava fisicamente impedido, a sua família tinha a proteção do chefe maior da

capitania.

Outros cargos exerceu Miguel Ribeiro Ribas além das atividades militares. Foi

almotacé, juiz ordinário em 1751, 1755, 1783 e 1787 e vereador.67 Depois de 1750, ainda,

tomou posse do sertão do Tibagy em nome da Câmara de Curitiba, bem como as margens

meridionais do Itararé e do Paranapanema.68

Miguel Ribeiro Ribas casou-se com Maria Clara Domingues de Moraes, filha do

Capitão paulista Amaro Borba Pontes e de Isabel Cardoso de Moraes. Seus sogros, no

63 RODERJAN, Roselys Vellozo. Os curitibanos e a formação de comunidades campeiras no

Brasil meridional (séculos XVI a XIX). Curitiba: Works Informática, 1992. p. 85. 64 DOCUMENTOS INTERESSANTES PARA A HISTÓRIA DE SÃO PAULO: ofícios do Capitão

general Martim Lopes Lobo de Saldanha aos diversos funcionarios da capitania, 1975-1776. v. LXX, p. 36. 65 DOCUMENTOS INTERESSANTES..., v. LXXIV, p. 82-83. 66 DOCUMENTOS INTERESSANTES..., v. LXXIV, p. 230. 67 LEÃO, op. cit., v. I, p. 258, 260. 68 Ibid., v. IV, p. 1307.

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entanto, são os mesmos adquiridos pelo seu irmão Lourenço Ribeiro de Andrade, casado

com Isabel de Borba Pontes. Assim, Amaro Borba Pontes casou suas duas únicas filhas

com membros de uma mesma família, a Ribeiro de Andrade.

PAIS FILHOS / SOGROS

Victor Mariano Ribas

Mariana Ferreira Prestes

Antonio Ferreira de Faria

Maria Prestes de Aguiar

Antonia Maria Rodrigues

Manoel José Ferreira

José Ferreira

Domingas Francisca

Benedicta Maria Rodrigues

Francisco Adão _____

Gertrudes Maria Rodrigues

Manoel Alves Gusmão

Mathias Alvares Gusmão

Maria da Silva Pinheiro

Joaquim Mariano Ribas

Mº Rita Ferreira Bueno

Francisco Xavier Pinto

Rita Ferreira Bueno

Miguel Rodrigues

Ribas

e

Maria Rodrigues de

Andrade

José Maria Ribeiro Ribas _____

Maria Clara Ribeiro Ribas

Tomé José Monteiro Barros _____

Gabriel Ribeiro Ribas

_____

Clara Maria Rodrigues

Francisco José Almeida _____

Rafael Ribeiro Ribas _____

Serafim Ribeiro Ribas _____

Cordula Mª Rodrigues Ribas _____

Victoriana _____

Miguel Ribeiro

Ribas

e

Maria Clara

Domingues de

Moraes Amaro Borba Pontes

e

Isabel Cardoso de

Moraes

Maria _____

Tabela 10 – Família Miguel Ribeiro Ribas.

Miguel Ribeiro Ribas faleceu em 26 de Setembro de 1795.

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ENFIM UM DOUTOR: LOURENÇO RIBEIRO DE ANDRADE

O filho mais ilustre do Capitão Miguel Rodrigues Ribas e de Maria Rodrigues de

Andrade percorreu um caminho bastante distinto dos demais homens da Vila. Enquanto seu

irmão ocupou-se dos cargos oficiais que ofereciam a Câmara e o exercício militar,

Lourenço Ribeiro de Andrade, antes de também ocupar postos no poder público, tornou-se,

provavelmente, o primeiro filho da terra curitibano a estudar em Portugal. Estudou na

Universidade de Coimbra, recebendo o título de licenciado por volta do ano 1747.69

Ainda que não se saiba quantos anos o agora Doutor Lourenço tenha convivido na

metrópole portuguesa, muitas mudanças do Reino ele provavelmente acompanhou. Na

primeira metade do século XVIII, reinava D. João V, monarca conhecido pelo

desenvolvimento cultural que promoveu entre os anos de 1706 a 1750. Segundo Oliveira

Marques, teria ocorrido mesmo uma revolução cultural em Portugal nesse período, e que

significou, sobretudo, a substituição da influência espanhola pelas influências francesa,

inglesa, italiana e alemã.70

Tal negação às influências espanholas decorreu de um desejo bastante forte do

Reino português. Ele almejava civilizar-se. Para tanto, a Espanha surgia como um

obstáculo situado entre ele e o resto da Europa, qualquer coisa a obstruir o caminho, a

impedi-lo de comunicar facilmente com a França e os demais países. Assim,

gradualmente, Portugal foi-se tornando menos ibérico e mais europeu.71 Em outras

palavras, um pouco mais iluminado.

Desse modo, novos comportamentos foram incentivados e vivenciados. A língua

espanhola, por exemplo, segunda mais falada em Portugal, entrou em declínio a favor do

francês já no final do XVII, intensificando-se no século seguinte. Surgiram, ainda, os

primeiros dicionários e gramáticas que auxiliavam no conhecimento de outras línguas

européias. A produção cultural de vários países também encontrou espaço no Reino, sendo

69 LEÃO, op. cit., v. III, p. 1168-1169. 70 MARQUES, A.H. de Oliveira. Breve história de Portugal. 3. ed. Lisboa: Presença, 1998. p. 377. 71 Ibid., p. 378.

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encenadas peças de teatro de autores sobretudo franceses e italianos. A literatura e o teatro

espanhóis, por sua vez, passaram a ser considerados como algo antiquado e de mau gosto.72

Dom João V, consciente de que o estado de civilização almejado dependia muito do

grau de instrução dos seus súditos, promoveu uma série de reformas no âmbito

educacional* do Reino, bem como apoiou e criou instituições que proporcionassem ao

lusitano maior contato com outras civilizações.

Desse modo, foi fundada em 1715 a Gazeta de Lisboa, que revelou interesse

crescente pelos assuntos e modas européias. Em todo o XVIII, várias outras gazetas

surgiram e eram lidas, sobretudo, por estrangeiros, pela nobreza palaciana, pelos homens de

letras e mercadores. Tais textos davam uma idéia das coisas do mundo e sua difusão surgia

com fins políticos, econômicos e culturais. Contudo, desde de 1750, o jornalismo foi

limitado pela censura imposta pelo Estado.73

Um suporte maior à difusão das letras e das vantagens trazidas pelo conhecimento

tomou forma em 1716, quando foi reformada e ampliada a biblioteca da Universidade de

Coimbra, principal centro de formação de que dispunha o Reino naquela época.**

Freqüentavam-na estudantes do Brasil e também de Angola, inscritos nos cursos de

Teologia, Cânones, Leis e Medicina. No entanto, ao que parece, no Brasil o curso mais

procurado era o de Leis. Segundo Maria Beatriz Nizza da Silva, ao menos no início do

século XIX, dos 112 estudantes baianos matriculados em Coimbra, 90 pretendiam seguir a

carreira de magistratura, enquanto que apenas nove optaram pelos estudos de Medicina. Do

restante, 21 inscreveram-se em Matemática e 22 em Filosofia, cursos fundados somente no

final do XVIII.74

72 Ibid., p. 379. * Embora a iniciativa de D. João V, foi no reinado de D. José (1750-1777), através das prerrogativas

do Marquês de Pombal, que as alterações maiores ocorreram na área da educação. 73 SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: a restauração e a monarquia absoluta

(1640-1750). 2. ed. Lisboa: Verbo, 1980. p. 411. MARQUES, op. cit., p. 381. ** Em 1684, esta universidade contava com seis professores de Teologia, sete de cânones, dez de

Direito Civil, cinco de Medicina, dois de Matemática e um de Música. Somente em 1772, sob novo estatuto, foram fundadas as faculdades de Matemática e Filosofia Natural (Ciências), dotadas de um observatório astronômico, um museu de história natural, laboratórios de física e química, um teatro de anatomia (laboratório médico), uma farmácia e um jardim botânico. Introduziu-se, também, disciplinas como história do direito e história eclesiástica e a Medicina ganhou um caráter mais prático. MARQUES, op. cit., p. 383.

74 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Vida privada e quotidiano no Brasil. Lisboa: Estampa, 1993. p. 91-92.

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Ressaltou-se no período joanino, ainda, a criação da Academia Real da História em

1720, reconhecida como um dos maiores títulos de glória da realeza de D. João V. Segundo

decreto de fundação, a nova instituição recebia o encargo de compor "a historia

eclesiastica destes Reinos e depois tudo o que pertencesse à historia delles e de suas

conquistas", ao mesmo tempo que estimulava a investigação ao nível provincial, de modo a

fazer-se da história o espelho da grandeza do Reino. Dessa forma, seguindo o exemplo da

França, era a história a realização da vontade divina na pessoa dos reis e pela acção

heróica dos homens.75

A criação desta academia revelou, assim, o interesse real em preservar e resgatar um

pouco da história portuguesa. Em 1721, foi expedido novo decreto régio, o qual outorgava

que ninguém podia destruir monumentos, estátuas e mármores, nem estragar moedas e

medalhas, ficando as Câmaras e Vilas do país responsáveis pela sua conservação.76

Em expressão usada por Marco Antonio Silveira, o século XVIII foi um século onde

emergiram novas sensibilidades. Em virtude das alterações trazidas pela burguesia, um

refinamento nos hábitos foi sentido. Observando a si mesmos e aos demais, o clero, a

nobreza e igualmente a burguesia estavam interiorizando a moral da ordem e do

controle.77 Segundo Johan Huizinga, citado pelo mesmo Silveira,

nos períodos aristocráticos (...) ser representante da verdadeira cultura significa, por meio da conduta, dos costumes, das maneiras do vestuário, do porte, dar a ilusão do ser heróico, cheio de honra e dignidade, de sabedoria e, em todos os casos, de cortesia. Isto parece ser possível por meio da referida imitação de um passado ideal. O sonho da passada perfeição enobrece a vida e as suas formas, enche-as de beleza e atualiza-as como formas de arte. A vida é regulada como um nobre jogo.78 Na chegada das Luzes, a influência francesa na cultura portuguesa foi a mais

destacada. Até mesmo nos usos e costumes adotados pelo lusitano isso foi percebido. No

entanto, a importação de novos hábitos sofreu críticas por forjar-se uma civilização não

original, falseando uma realidade tão distinta quanto era a lusa e a francesa. Joaquim Serrão

exemplificou esta questão com o depoimento de um suíço, César de Saussure, que estava

em 1730 em Lisboa. Criticava este que os portugueses eram vaidosos no convívio e no

vestuário, querendo aparentar cultura. Assim, declarou que os eclesiásticos, os homens de

75 SERRÃO, op. cit., p. 426. 76 Id. 77 BURKE, Peter. Apud: SILVEIRA, op. cit., p. 38.

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leis, os médicos e outros, mesmo quando andavam nas ruas, a cavalo ou de coche, traziam

sempre óculos para mostrarem que a literatura lhes enfraquecera os olhos. Para Saussure,

os portugueses não passavam de ignorantes, ainda que tivessem espirito e vivacidade.79

Para chegar à condição de civilização almejada, Portugal precisava adaptar-se aos

vícios de um Império antigo e decadente. O Reino não se entendia isolado das questões de

sangue que há tanto tempo preservou. Linhagens e bens de família eram preocupações

ainda muito fortes e determinavam o seu cotidiano. Segundo Charles Boxer80, estes fatores

contavam muito mais do que a cultura e a literatura que D. João V tentava expandir. Dessa

forma, para escapar de vícios como ignorância e ambição fortuita, o Reino difundiu formas

de fidalguia para estes aproximarem-se da civilização e do Rei. Assim, em Portugal ser

civilizado dependia do título adquirido ou do papel desempenhado na estrutura

burocrático-patrimonialista; porém significava, acima de tudo, ser um "bom vassalo" e um

"bom cristão".81 Ser um fiel vassalo, por sua vez, traduzia-se no fato de ser forte, robusto e

sempre pronto a servir; mas também fino, sensível e humano.

Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade foi o único na sua época a sair da Vila de N. S. da

Luz dos Pinhais de Curitiba a tomar um banho de civilização. Certamente, grande foram os

contrastes encontrados na sua viagem de ida a Coimbra. Mas principalmente a sua volta

deve tê-lo marcado ainda mais. Chegando por volta de 1747, encontrou uma região que há

pouco teve um caminho de acesso aos principais núcleos urbanos da Colônia. Afinal, o

ciclo das tropas começara em 1731. Mas mudanças no comportamento social e na

mentalidade dos homens que aqui viviam, isso ele não deve ter encontrado. Não encontrou

o desejo de civilização, mas o desejo de prestígio, de fortuna, de fama, de sobrevivência.

Deparou-se com os vícios que o Reino queria minar. *

O primeiro registro que se tem notícia da presença de Lourenço novamente na Vila

data de 1750, quando exerce a função de juiz ordinário da Câmara. Mas não se sabe muito a

78 HUIZINGA, Johan. Apud: Silveira, op. cit., nota 2, p. 29-30. 79 SERRÃO, op. cit., p. 413. 80 BOXER, Apud : SILVEIRA, op. cit., nota 11, p. 48. 81 SILVEIRA, op. cit., p. 49. * Em 1780 este estado de vícios também foi reprovado em Minas Gerais. Assim, Teixeira Coelho

comentou que a "relaxação dos costumes" dos habitantes de Minas, "onde a virtude é sufocada pela ambição, pela soberba, e pelo orgulho; a riqueza é que faz a honra, e a veneração popular; a vingança é que adquire, e estabelece o respeito; e a grandeza do fausto é o único caráter da Nobreza, e Fidalguia."TEIXEIRA COELHO, Apud : SILVEIRA, p. 66-67. TEIXEIRA COELHO. Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais. [1780], RAPM, 8:399-581, 1903.

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esse respeito, somente que não chegou a exercê-lo outras vezes. Contudo, o título

conquistado em Coimbra era por todos lembrado. Chamava-se agora Licenciado Lourenço

Ribeiro de Andrade.

Embora pouco atuante nos ofícios da Câmara, a distinção que conseguiu através do

licenciamento contribuiu para o aumento de sua fama, sendo considerado capaz de exercer

um cargo superior. Em 1765, já casado, Lourenço tornou-se o Capitão-mor da Vila, cargo

máximo a que poderia chegar, e nesta condição permaneceu até seu falecimento em 1799,

aos 75 anos de idade. Havia substituído Rodrigo Félix Martins, nomeado em 1748 e que

deixou o cargo em 1765 alegando residir longe e fora da Vila, uma distância de cinco dias.*

No entanto, o êxito advinha, também, de outros fatores. Para o Estado português era

bastante interessante sustentar um letrado na administração de uma Vila situada numa

região de fronteira e que, além disso, estivesse ciente dos objetivos da Coroa no que tange à

necessidade de proteger o território, sobretudo dos espanhóis, bem como na possibilidade

de conduzir os homens a uma vida menos bruta, mais civilizada – ainda que o interesse

metropolitano em melhorias correspondesse ao desejo de maior produção e enriquecimento

do Reino com base nos produtos da Colônia. Letramento e instrução pareciam servir como

suportes do poder num momento em que se tentava fazer com que o uso da violência

convivesse com o uso da razão.

Embora não localizado o termo de posse do Dr. Lourenço, seu antecessor o Capitão-

mor Rodrigo Félix Martins foi nomeado pelo Exm.º Snr. Governador e Capp.am general da

Capitania de Sam Paullo.82 Assim, para serem reconhecidas suas qualidades e virtudes, o

merecimento pessoal do escolhido dependia da honra e fama demonstrada não somente por

ele, mas pelo grupo que pertencia, bem como por sua família. Neste caso, o Dr. Lourenço

Ribeiro de Andrade teve uma família que se articulou e estabeleceu alianças desde finais do

século XVII, estando seus membros sempre presentes no poder local. A fama da sua

linhagem já comportava quatro gerações. Ainda que seu pai Miguel Rodrigues Ribas tenha

se envolvido algumas vezes em situações embaraçosas, nada disso corrompeu o poder que

* O Capitão-mor Rodrigo Félix Martins foi casado com D. Maria de Lemos Conde, viúva do Cap.

Manoel de Lemos Conde. Estabeleceu-se em Pitanguy, tendo fazenda pastoril, localizada a cinco dias de viagem da Vila de N. S. da Luz. LEÃO, op. cit., v. V, p. 1994.

82 B. A. M. C., v. XII, p. 16.

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o seu grupo de afinidade detinha sobre a Vila de Curitiba, fazendo com que um dos

membros desse grupo os liderasse.

António Manuel Hespanha desdobrou esta questão do merecimento individual e do

grupo. Segundo o autor, na sociedade portuguesa, ou melhor, no pensamento social do

Antigo Regime, vigorava uma concepção corporativa e organicista da sociedade. Em outras

palavras, a idéia de que há múltiplas funções sociais e de que seus portadores devem estar

organizados de forma adequada à sua realização e ter um estatuto social correspondente.83

Tal lógica compreendia dois pensamentos distintos, embora semelhantes. O primeiro deles

era o de que o indivíduo era definido a partir da representação organicista, ou seja, a partir

da consideração das suas funções sociais e da sua natureza. Logo, os elementos em que a

sociedade se analisa não são os indivíduos, mas os grupos de indivíduos portadores da

mesma função e titulares de um mesmo estatuto.

A integração grupal dos indivíduos era definida, por sua vez, pela tradição. Assim,

ocupava-se o mesmo lugar social antes reservado aos seus antepassados. Neste caso,

considerou-se que o estatuto social não decorria tanto da situação atual das pessoas, mas

sobretudo de uma posse de estado estabelecida pela tradição familiar, pelo uso e pela fama.

Embora não tenha suprimido a mobilidade social, verificou-se uma ossificação das

estruturas sociais, reforçada pela idéia de que uma virtude decisiva – a honra – consiste

na permanente observância por cada um dos deveres e direitos do seu estado. À idéia de

sociedade naturalmente estratificada corresponde a uma "sociedade ordenada".84

Sob esta ótica, o letramento do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade não foi

incentivado à toa por seu pai. Fora descoberto, afinal, uma maneira insuspeita de se

conservar e fortalecer o estatuto do seu grupo de afinidade. Sendo o único diplomado na

Vila, detentor de um conhecimento inexistente na região e membro de uma família imersa

no poder local há anos, dificilmente um outro grupo poderia tirar-lhe o espaço conquistado.

As letras, assim como fora com seu bisavô João Rodrigues Seixas, novamente permitiu

ascensão social dos componentes da linhagem. Tais são os louros que a família conquistou.

Além destas questões, a ciência transformou-se, também, em critério de nobilitação,

sendo enquadrada na chamada nobreza natural, nativa ou generativa. Assim, o direito

concedia privilégios de nobreza a certas profissões intelectuais. Aos doutores,

83 HESPANHA, op. cit., p. 307.

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a lei nacional concedia certos privilégios quanto à fé pública dos seus escritos (Ord. Fil., III, 29; III, 59, 15), quanto à impenhorabilidade dos seus livros (Ord. Fil., III, 87, 23), quanto à não sujeição, em geral, a tortura e à prisão (Ord. Fil., V, 120; V, 134, 3), quanto à isenção de tributos pessoais (Ord. Fil., I, 66, 24), exclusão de prisão por dívidas e à possibilidade de efectuar substituição pupilar militar, etc. Depois, os licenciados e "magistriartium", a quem a doutrina estendia os mesmos privilégios dos doutores.85 Mais uma vez, o seu desejo de distinguir-se socialmente dos demais encontrou

respaldo na sua atividade intelectual, que reafirmava, portanto, a condição de nobreza que

lhe concedia.

Como Capitão-mor da Vila, Lourenço Ribeiro de Andrade teve o encargo de

fomentar a agricultura, nomeando em cada bairro prepostos seus encarregados de examinar

as lavouras e estimular a nobre profissão de Cincinato, que no seu dizer era o primeiro

movel da felicidade do povo. Assim, relata Ermelino de Leão que o Dr. Lourenço

conseguiu da Câmara que certa zona do rocio fosse considerada livre para a lavoura, na

qual seria prohibida a creação de gado; e que outra fosse destinada a indústria pastoril,

de forma que os danos causados pelos animais nas roças, deixassem de ser uma constante

preocupação dos lavradores e uma fonte de contendas e queixas.86 Relata, ainda, Leão que

a postura da Câmara descriminando zonas agrícolas e pastoris, dentro em breve deixou de ser observada; e quando os pobres roceiros reclamavam contra este estado de cousas, denunciando os infractores da postura, colhiam além dos danos, as custas das denúncias. Esta situação impedia o desenvolvimento da agricultura, fazendo com que, nos dizeres de Lourenço Ribeiro Ribas, "que os pobres afrouxem no seu trabalho e a república perca a utilidade que lhe podia resultar". O capitão-mor, não querendo ser corresponsável desses factos, representou à Câmara, pedindo providências e requerendo que o seu offício fosse transcripto no livro de vereanças, obtendo despacho favorável a 22 de setembro de 1798.87 Tal atenção pela correto desenvolvimento e necessidade de se fazer melhor uso do

solo remeteram não somente ao fato de ser enquadrada a agricultura – bem como a

fisiocracia – numa forma de se alcançar meios um pouco mais civilizados de sobrevivência,

produzindo não somente produtos para consumo básico, mas para a produção de excedentes

a serem comercializados. Assim, para uma melhor captação de dinheiro, uma melhor

84 Ibid., p. 308.

85 Ibid., p. 346. 86 LEÃO, op. cit., v. III, p. 1168-1169.

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condição de vida. A atividade agrária justificava-se, ainda, pela responsabilidade das

Câmaras em amparar as guardas militares, fornecendo alimentos. Além do mais, tal prática

proporcionava a fixação do indivíduo no solo, atendendo, portanto, outro interesse da

Coroa, que era o de elevar o índice populacional para defender melhor seu território. Por

esses motivos, a administração colonial também incentivou tal prática.88

Várias cartas foram remetidas à Comarca de Curitiba pelo Illm.º e Exm.º Snr. Gn.al

D. Luiz Antonio de Souza, as quais explicitaram o desejo régio pelo desenvolvimento da

lavoura. No entanto, uma deixou bem clara a sua intenção. Datada de 17 de Fevereiro de

1766, determinava que

Com toda brevidade fação publico, nesta Villa, que cada hum dos moradores da mesma, eseo destricto deve plantar, (alem do que tiver) quantidade de mandioca para effeito de quando for percizo, poder se fazer copioso numero de alqueires de farinha, sem que tenha lemite a duração da ditta planta porquanto colhida a quantidade que estiver capaz, para isso seha plantando, mais pera o futuro, se sepersizar a execução desta Ordem recomendo muito a vossas merces, que com toda a brevidade amandarão publicar.89 Embora o Capitão-mor Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade tenha tentado promover o

as mudanças das quais a Vila necessitava, no final do seu governo, e também da sua vida –

faleceu em 1799 –, ainda se mostrou bastante insatisfeito com a realidade presente. Numa

carta enviada ao Snr.. Coronel Luiz Antônio Neves de Carvalho em 30 de Novembro de

1797, em razão de acompanhar a lista nominativa dos habitantes de Curitiba no dito ano90,

o Dr. Lourenço demonstrou algumas das razões do seu desânimo.

Primeiramente, seu desapontamento pareceu inscrever-se na sua própria perspectiva

pessoal. Ou seja, o texto por ele escrito por vezes denotou que o sonho das luzes era muito

pouco compartilhado na Colônia. Ele, licenciado, tinha poucas oportunidades de transmitir

seu conhecimento. Assim, nesta carta, Dr. Lourenço não somente descreveu os productos

naturais, e artificiais deste Pais e dos Bugres bravos vezinhos como requereu o dito

Coronel Luiz Antonio, como resolveu relatar a história da Vila. Por influência dos tempos

acadêmicos, justificou Lourenço na primeira parte do seu texto – e para cada tema

87 Id. 88 SILVEIRA, op. cit. CARNEIRO, David. O Paraná na história militar do Brasil. Curitiba:

Travessa dos Editores. Coleção Farol do Saber, 1995. 89 B. A. M. C., v. XVI, p. 18-19. 90 MARTINS, op. cit., p. 244-248.

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comentado, um título próprio – que para Satisfazer com algua notta, fundamental (ainda

q'e paressa faztidioso) intendi q' não obrava mal, dando nua noção das vitilidez, q'

moverão aos antigos Sertatistaz p.a o descobrimento, e povoação deste destricto.91

Após 34 anos exercendo o cargo máximo da Vila, ele havia percebido que

mudanças de comportamento e de mentalidade não era tarefa das mais fáceis. Muito pelo

contrário. Deste fato justificou ele a importância da força e da intimação para que os

homens da Colônia despertassem. Disse ele sobre a agricultura que

A necefsid.de p.ª o Suztento, e veztuario a forSa de perSuaSoiñsE intimaçoinz fez q' o Povo Se aplicasse aLavoura; pª. oq' Cooperou m.to o Exmº. S.or Francisco da Cunha Menezes determinando Se não recultase p.ª Prafsa aquelles q'Se occupaSem na agricultura, e vtilid.e publica; izto féz naquelle tempo de mineram.to, a libertinage, e aumentar a agricultura Como Se Vê no tempo prez.te q' della jâ Se extrae p.ª a Marinha bastante trigo, feijão, algua vez milho, fumo ou tabaco de Corda, TonSinho e a erva chamada Congonhas q' a terra produz.92

Preocupação corrente , também, foi o estado de pobreza ou o pouco enriquecimento

dos homens da Vila. Alegou, dessa forma, que os criadores que tinham campos e

exportavam bois, potros e algumas bestas eram, em sua maioria, donos das principais

fazendas de Paranaguá, Santos e São Paulo, Sendo Só dos moradores desta o pouco q' pode

rezultar das Campinas, reziduos Comq' ficarão. Concluiu dizendo: Não pofso affirmar q' o

Povo no tempo prez.te, Com aLavoura esteja maiz rico do q' no tempo da mineraão; porem

maiz Luzido hê manifesto; eq' tal seria antes?93

No final da missiva, Lourenço Ribeiro de Andrade novamente aludiu ao fato da

pouca lucidez dos colonos com os quais convivia. Assim, ao mesmo tempo que justificou a

contribuição singela da Vila ao Reino, alegou que na sua missão de providenciar a

quantificação da população em 1797: Se não cheguei a verdadr.a intelig.a delle, não foi

por falta de cuid.oa Sim o deq.m pudefse aprender. E reiterou seu desejo de melhores

condições com uma pontinha de otimismo. Acreditava que o aumento doz Povoz anima as

nofas esperanças de melhorar de ventura, eq' Serâ hegado o tempo anunciado das grd.es

91 Ibid, p. 245. 92 Ibid., p. 247-248. 93 Ibid., p. 248.

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felicidades, desta terra.94 Sua felicidade, no entanto, esbarrava sempre na ignorância dos

demais.

Da data de seu casamento, igualmente a seu irmão Miguel Ribeiro Ribas, não foi

encontrado na documentação pesquisada. No entanto, calculou-se que tenha contraído

matrimônio com Isabel de Borba Pontes entre 1756 a 1758, pois o registro de batismo de

seus filhos de data mais recuada indica 1759 e em um dos filhos não há informação alguma.

Isabel faleceu em 1771, mas não são conhecidas as causas de sua morte.

FILHOS SEXO NASCIM. CASAMENTO Idade ÓBITO Idade Anna Maria

F 1759 08-10-1781 22 1793 34

Antonio

M 13-07-1762 19-07-1797 35 27-07-1829 67

Francisco de Paula

M 1764 _____ __ _____ __

Maria Angela

F 1766 15-01-1786 20 08-09-1852 86

Francisca de Paula

F 1768 27-06-1785 17 05-11-1803 35

Manoel José

M 1770 17-07-1786 16 1831 61

José Antonio

M _____ _____ __ _____ __

Tabela 11 – Nascimento, casamento e óbito dos filhos de Lourenço Ribeiro de Andrade e Isabel de Borba Pontes.

Por esta tabela, verificou-se que a média da idade ao casar das filhas de Lourenço e

Isabel, 19,6 anos, incluía-se na média encontrada pelo trabalho de Ana Maria Burmester.

Segundo esta autora, metade das mulheres curitibanas no setecentos estavam casadas antes

de completar 20 anos de idade. Tal lógica encontrava respaldo, por sua vez, no longo

período de vida reprodutiva, se for considerada a idade de 45 anos como encerramento da

vida fértil feminina.95 Das três filhas, todas se casaram com reinóis. Dos filhos, no entanto,

são escassas as informações trazidas pelos genealogistas consultados.

94 Id. 95 BURMESTER, Ana Maria. A nupcialidade em Curitiba no século XVIII. História: Questões &

Debates, Curitiba, ano 2, n.2, junho de 1981. p. 67.

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PAIS FILHOS / SOGROS

Ana Maria Espírito Santo Ribas

João Antonio Pinto Sá Menez.

Manoel Antonio Faria

L.? Mendonça

Antonio Ribeiro de Andrade

Francisca de Paula Carneiro

Francisco Carneiro Lobo

Mª de Jesus Vasconcelos

Francisco de Paula Ribas

Maria Joaquina Marcondes _____

Miguel Rodrigues

Ribas

e

Maria Rodrigues de

Andrade Maria Angela Euphrosina Ribas

José Antonio Mendes Vieira

Santos José Mendes

Jeronyma Vieira

Francisca de Paula Ribas

João Antonio da Costa

Manoel da Costa

Marcelina Josepha de Sá

Manoel José Taborda Ribas

Maria Rita de Lima

José Nabo de Medeiros

Maria Francisca de Lima

Dr. Lourenço

Ribeiro de Andrade

e

Isabel de Borba

Pontes

Amaro Borba Pontes

e

Izabel Cardoso de

Moraes José Antonio Ribeiro Andrade

Joanna Maria de Jesus _____

Tabela 12 – Família Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade.

Observou-se, ainda, que as filhas de Lourenço Ribeiro de Andrade faleceram muito

novas, o que comprometeu sua descendência. Anna Maria do Espírito Santo Ribas casou

aos 22 anos e faleceu aos 34. De sua união com o quartel-mestre João Antonio Pinto de Sá

Marques Menezes, fidalgo da Villa de Ocanha, bispado de Lamego, teve três filhos, sendo

que dois faleceram ainda crianças. Somente vingou Lourenço Pinto de Sá Ribas, casado

com Joaquina Francisca da Purificação em 1816.

Francisca de Paula Ribas casou-se com João Antonio da Costa, reinol da prelazia de

Thomar, aos 17 anos, falecendo aos 35. Desta união, tiveram seis filhos, contudo, somente

um sobreviveu aos quinze anos, casando-se posteriormente. Chamava-se Anna Maria Sá

Ribas, casada com o comendador Manoel Mendes Leitão em 1815.

Maria Angela Euphrosina ou Fulgina Ribas foi a única a falecer em idade mais

avançada, com 86 anos. Contraiu matrimônio aos 20 anos de idade com o capitão José

Antonio Mendes Vieira, reinol de Braga. Contudo, não tiveram descendência e daí se

justificou sua longevidade.

Dos filhos, não são conhecidas muitas informações a respeito de José Antonio

Ribeiro de Andrade. A única informada trazida por Francisco Negrão revelou que este fora

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o único filho ausente no inventário de sua mãe, datado de 11 de Outubro de 1771.96 No

entanto, tal inventário não foi localizado.

De igual forma, pouco se conheceu sobre o tenente-coronel Francisco de Paula

Ribas casado com Maria Joaquina Marcondes. Esta união, no entanto, gerou dois filhos.

Francisco Ribas, falecido em estado de solteiro em 1806, e Francisco de Paula Ribas, o

qual foi casado com Maria de Souza Dias Negrão em 1837.

O filho mais novo da família, Manoel José Borba ou Taborda Ribas, também

conhecido como Capitão Nano, casou-se com Maria Rita de Medeiros de Lima em 1786.

Foi grande proprietário e fazendeiro na freguesia do Iguassú e Tatuquara, onde residia.

Tiveram 10 filhos. Informa Negrão que Manoel José Taborda foi assassinado em 1831 em

uma emboscada que lhe armou um compadre e vizinho, por questões de família.97

Quanto ao mais velho, Antonio Ribeiro de Andrade, dentre os irmãos, foi o que se

aliou com a família mais distinta. Casou-se com Francisca de Paula Carneiro, filha do

capitão Francisco Carneiro Lobo, reinol de Vianna do Castelo, e de sua segunda mulher

Maria de Jesus Vasconcelos, por sua vez, filha de Leão de Mello e Vasconcellos, reinol de

Elvas, Capitão-mor de Curitiba de 1743 a 1748 e de Rosa Jesus, natural de Taubaté.98 Desta

união, contudo, Antonio e Francisca não geraram nenhum descendente. No entanto,

segundo Ermelino de Leão, no testamento de Antonio Ribeiro de Andrade, datado de 27 de

Julho de 1829, declarou este ser seu neto Americo Pedroso Ribas, que dizia ser filho natural

de Joaquim Marianno Ribas (sendo então seu primo, filho de Miguel Ribeiro Ribas). Leão

concluiu, com base nas certidões dos autos, que tanto Americo quanto Joaquim foram

expostos. Contudo, provavelmente, somente Americo constituísse num exposto. Em todo

caso, interessante foi a declaração de Antonio Ribeiro Ribas em seu testamento. Confessou

ele não ter filhos naturaes, mas, que, mesmo que o fossem, elle como Ajudante gozava de

nobreza tanta quanto bastava para excluir os filhos naturaes; que o Capitão-Mór, como

seus ascendentes, se tratavam com decencia e honra e eram dos principais personagens da

Villa.99

96 NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 446. 97 NEGRÃO, op. cit., v. II, p. 524-525. 98 NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 537; 542. LEÃO, op. cit., v. I, p. 108-110. CARNEIRO, Galeria..., p.

94-95. 99 LEÃO, op. cit., v. I, p. 108-109.

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Antonio Ribeiro de Andrade sucedeu seu pai no cargo de Capitão-mor da Vila,

permanecendo no poder de 1800 a 1821. Assim, somando os anos em que tanto o pai

Lourenço Ribeiro de Andrade, quanto o filho Antonio permaneceram no poder, contou-se

55 anos.

As conseqüências do poder de mando desta família em Curitiba – embora este

estudo não tenha analisado a atuação de Antonio Ribeiro de Andrade como Capitão-mor –

podem ser pensadas, no entanto, recorrendo às narrativas feitas pelo viajante Auguste de

Saint-Hilaire e por Antonio Vieira dos Santos.

Saint-Hilaire100 permaneceu no Brasil de 1816 a 1822. Nesse período, em visita a

Curitiba, hospedou-se na casa do Capitão-mor da Vila. Sendo considerada pelo autor como

uma das melhores paragens, dada a acolhida e cortesia com que foi recebido, Saint-Hilaire,

no entanto, não citou em nenhum momento o nome do Capitão que tanto admirou. Pelo

período coincidente, correspondia a Antonio Ribeiro de Andrade. Esta omissão sugeriu,

desse modo, que o título de Capitão-mor era tão importante e maior nesse momento, que o

nome fora suprimido. Não se identificava mais por Antonio, mas pelo título que dispunha e

que o representava.

Vieira dos Santos, por sua vez, recuperou a história da origem de Curitiba com base

nos relatos dos seus moradores mais antigos. Ainda que não se identifique as famílias às

quais pertenciam os narradores escolhidos, verificou-se que estes, na sua versão da

fundação da Vila, citaram F... Soares do Valle, F... Seixas, Lourenço Rodrigues de Andrade

e até mesmo Antonio Rodrigues de Andrade, que seria irmão do dito Lourenço e que teria,

contudo, seguido para Santa Catarina.101

O depoimento atentou, sobretudo, pelo fato de não serem lembrados outros homens

que chegaram na região antes mesmo dos Soares, Seixas e Andrades e que tiveram papel

social e político mais relevante no XVII. No entanto, independente dos motivos que

levaram a omissão de Eleodoro Ébano Pereira, Balthazar Carrasco dos Reis ou Matheus

Martins Leme, principais personagens citados pela historiografia paranaense, foram os

nomes da família Ribeiro de Andrade que permaneceram na memória local. Tais foram os

louros de Lourenço.

100 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela comarca de Curitiba. Curitiba: Fundação Cultural

de Curitiba. Coleção Farol do Saber, 1995. 101 VIEIRA DOS SANTOS, op. cit., p. 14.

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CONCLUSÃO

A análise da genealogia e da vida do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade, Capitão-

mor de Curitiba entre os anos de 1765 a 1799, permitiu compreender não apenas

mecanismos de articulação social e política, mas também a importância das experiências

individuais na trajetória desta família, cuja característica era o de integrar homens-bons e,

acima de tudo, letrados.

Desde a chegada dos homens que compuseram a primeira geração no século XVII,

ou seja, desde João Rodrigues Seixas, percebeu-se que a regra de sobrevivência e ascensão

social dependia do uso das habilidades pessoais que cada um continha. No caso dos

Rodrigues Seixas, o início do seu prestígio se fundamentou no conhecimento das letras,

possibilitando o ingresso nos ofícios oferecidos pela Câmara Municipal. Nesta geração,

ainda, percebeu-se o início de alianças matrimoniais, as quais atenderam os interesses de

prosperidade, proteção e auxílio mútuo.

Na família formada por Lourenço de Andrade, constatou-se a expansão dos grupos

de apoio que, através do parentesco, seja pela via matrimonial e do compadrio, seja pelos

laços de sangue, levaram a um fortalecimento maior do grupo. Contudo, além da integração

de membros alheios à linhagem, notou-se a coesão existente dentro da própria família, que

se articulava internamente para melhor se impor na Vila de N. S. da Luz dos Pinhais de

Curitiba. Ciclos de vereança comportando relações de parentesco também foram notados.

Acompanhando a trajetória da família de Miguel Rodrigues Ribas, observou-se,

sobretudo, que o êxito individual dependia do êxito do grupo a que se pertencia. Desse

modo, por mais freqüentes que fossem as situações onde a honra pudesse ser ameaçada, o

grupo, sendo coeso, garantia a viabilidade da permanência dos seus integrantes no poder.

Através da análise da vida do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade, verificou-se o

resultado das medidas tomadas pelos seus antepassados em adquirir prestígio e honra. Dr.

Lourenço consagrou-se como Capitão-mor da Vila por pertencer a uma família já

participante da elite colonial, bem como por consistir num licenciado. Dotado de instrução

superior e imbuído de idéias influenciadas pelo espírito das luzes, não encontrou respaldo,

contudo, para atender seu desejo de civilizar seu local de origem.

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FONTES LEÃO, Ermelino de. Dicionário histórico e geográfico do Paraná. 6v. Curitiba: Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1994. NEGRÃO, Francisco. Genealogia paranaense. v. I, II. Curityba: Impressora Paranaense, 1926-1950. BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITYBA. Documentos interessantes para a história do Paraná. Volumes VIII, IX, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII. Curityba: Impressora Paranaense, 1924-25. DOCUMENTOS INTERESSANTES PARA A HISTÓRIA DE SÃO PAULO: oficios do Capitão general Martim Lopes Lobo de Saldanha aos diversos funcionarios da capitania, 1775-1776. v. LXX; LXXIV. São Paulo: Tip. Do Globo, 1946. Fichas de batismo elaborados pelo CEDOPE. Baseados no arquivo da Catedral de Nossa Senhora da Luz. Livro I – fichados registros de batismo de 1704 a 1713. Livro II – fichados anos de 1728 a 1747. Arquivo CEDOPE. Relação dos habitantes de Curitiba, segundo os registros de batismo informatizados no software SYGAP (Système de Gestion et d´Analyse de Population) - de acordo com arquivo elaborado pelo DEHIS. 1684 - 1730. Arquivo CEDOPE. Fichas de união - relação dos habitantes da Vila de N. S. da Luz dos Pinhais de Curitiba – segundo os registros de batismo, casamento e óbito – século XVIII. Arquivo Profª. Ana Maria Burmester. Arquivo CEDOPE. Carta do Dr. Lourenço Ribeiro de Andrade ao Sr. Coronel Luiz Antonio Neves de Carvalho em 30 de Novembro de 1797. In: MARTINS, Romário. Terra e gente do Paraná. Curitiba: Travessa dos Editores. Coleção Farol do Saber, 1995. p. 244-248.

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REFERÊNCIAS

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