os limiares demográficos na caracterização

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Os Limiares Demográficos na Caracterização das Cidades Médias * Oswaldo Bueno Amorim Filho PUC Minas/TIE José Irineu Rangel Rigotti PUC Minas/TIE INTRODUÇÃO Em Minas Gerais, um grupo de cidades vem sendo objeto de um crescente interesse, a partir dos anos 1970, seja por seu comportamento demográfico (têm tido um crescimento populacional mais significativo do que o dos demais níveis hierárquicos urbanos no Estado), seja pelo papel crucial que desempenham no funcionamento das redes urbanas e das regiões de Minas. Essas cidades, tanto em grupo, quanto em monografias individuais, têm sido pesquisadas nas instituições governamentais e principalmente nas grandes universidades, com destaque neste caso para a UFMG (em Belo Horizonte) para a UFU e a UFJF, (respectivamente em Uberlândia e Juiz de Fora) e, mais recentemente, na PUC-Minas. Nos estudos realizados em Minas, assim como na França – país pioneiro no tema das cidades médias – e em muitos outros países, duas dificuldades maiores sempre se apresentam: as da definição qualitativa e da delimitação demográfica dessas cidades. O presente texto busca refletir sobre essas questões e, para isso, se serve principalmente de uma teoria pouco conhecida e divulgada nos meios acadêmicos brasileiros. Trata-se da teoria das descontinuidades, desenvolvida pelo geógrafo francês Roger BRUNET, desde a segunda metade da década de 1960. Nesta teoria, os limiares (threshold, em inglês e seuil, em francês) merecem uma reflexão profunda. * Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.

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  • Os Limiares Demogrficos na Caracterizao das Cidades Mdias*

    Oswaldo Bueno Amorim Filho PUC Minas/TIE

    Jos Irineu Rangel Rigotti PUC Minas/TIE

    INTRODUO

    Em Minas Gerais, um grupo de cidades vem sendo objeto de um crescente interesse, a

    partir dos anos 1970, seja por seu comportamento demogrfico (tm tido um crescimento

    populacional mais significativo do que o dos demais nveis hierrquicos urbanos no Estado),

    seja pelo papel crucial que desempenham no funcionamento das redes urbanas e das regies

    de Minas.

    Essas cidades, tanto em grupo, quanto em monografias individuais, tm sido

    pesquisadas nas instituies governamentais e principalmente nas grandes universidades, com

    destaque neste caso para a UFMG (em Belo Horizonte) para a UFU e a UFJF,

    (respectivamente em Uberlndia e Juiz de Fora) e, mais recentemente, na PUC-Minas.

    Nos estudos realizados em Minas, assim como na Frana pas pioneiro no tema das

    cidades mdias e em muitos outros pases, duas dificuldades maiores sempre se apresentam:

    as da definio qualitativa e da delimitao demogrfica dessas cidades.

    O presente texto busca refletir sobre essas questes e, para isso, se serve principalmente

    de uma teoria pouco conhecida e divulgada nos meios acadmicos brasileiros. Trata-se da

    teoria das descontinuidades, desenvolvida pelo gegrafo francs Roger BRUNET, desde a

    segunda metade da dcada de 1960. Nesta teoria, os limiares (threshold, em ingls e seuil, em

    francs) merecem uma reflexo profunda.

    *Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associao Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.

  • 1. A IMPORTNCIA DAS CIDADES MDIAS E AS DIFICULDADES PARA SUA

    CARACTERIZAO

    1.1. Um Breve Balano da Trajetria dos Estudos das Cidades Mdias

    A preocupao com o grupo de cidades chamadas mdias desenvolveu-se a partir dos

    anos 1950 e 1960, na Europa Ocidental e, especialmente, na Frana. Esta preocupao foi

    compartilhada desde ento por acadmicos, planejadores e, esporadicamente, pela mdia de

    quase todos os pases do mundo.

    AMORIM FILHO e SERRA (2001, p. 5) afirmam que trs grandes problemas

    geogrficos e socioeconmicos, entre outros, estiveram na raiz da preocupao com o tema

    das mdias e pequenas cidades:

    a exacerbao de problemas de desequilbrios urbano-regionais, cujo tipo clssico foi amplamente descrito na obra de GRAVIER (1958) sobre Paris e o deserto

    francs;

    o agravamento das condies de qualidade de vida nas grandes aglomeraes urbanas, bem como um aumento acelerado dos problemas sociais a verificados;

    a frgil organizao hierrquica das cidades e, obviamente, o fluxo insuficiente das informaes e das relaes socioeconmicas nas redes urbanas da maior parte

    dos pases do mundo, com reflexos negativos sobre o funcionamento dos sistemas

    poltico-econmicos.

    Vrios estudos, acadmicos ou no, realizados nas dcadas de cinqenta e sessenta,

    principalmente na Frana com o gegrafo Michel ROCHEFORT, mostraram que as cidades

    de porte mdio em geral desempenhavam um papel fundamental no equilbrio e no

    funcionamento das redes urbanas nacionais e, sobretudo, regionais.

    Posteriormente, estudos realizados na Universidade de Bordeaux III por AMORIM

    FILHO (1973) e LAJUGIE (1974), demonstraram que aspectos ligados s funes de

    intermediao dentro da rede urbana, assim como posio geogrfica da aglomerao so

    to ou mais importantes do que o tamanho demogrfico na caracterizao das cidades mdias.

    A partir de 1955, graas contribuio de PERROUX, entre outros, desenvolvia-se

    um outro conceito primordial da economia, com uma projeo geogrfica muito significativa:

    o de plo de crescimento.

    2

  • Os conceitos de cidade mdia e de plo de crescimento foram, ambos, incorporados e

    aplicados, no caso francs, nos anos 1970, pela poltica de planejamento urbano-regional do

    amnagement da territoire.

    Durante a segunda metade da dcada de setenta e nos primeiros anos da de oitenta, o

    Brasil, em geral, e Minas Gerais, em particular, tambm desenvolveram com maior ou menor

    sucesso polticas de planejamento tendo por objetos as cidades mdias.

    Na maior parte dos anos oitenta, porm, essas polticas foram esvaziadas e o prprio

    princpio do planejamento urbano-regional foi bastante enfraquecido em favor de polticas

    pblicas mais pontuais e voltadas para temas mais sociais e menos estratgicos regionalmente.

    J na dcada de noventa, renasce fortemente o interesse pelas cidades mdias mas,

    nestes ltimos anos, no mais apenas em funo de seu papel na regio ou na rede urbana de

    que fazem parte. AMORIM FILHO e SERRA (2001) identificam trs outros grupos de razes

    para o renascimento atual do interesse pelas cidades mdias:

    a boa qualidade de vida, quase sempre mais presente nesse grupo de cidades do que em outros nveis da hierarquia urbana;

    a maior facilidade de conservao dos patrimnios ambientais e arquitetnicos nesse grupo de cidades, favorecendo a manuteno da memria e da identidade

    coletivas, neste mundo marcado pelos nivelamentos da globalizao, cujos

    principais emissores e difusores se encontram nas grandes metrpoles e nas

    megalpoles;

    o fato das cidades mdias representarem um foco privilegiado das percepes, valores, motivaes e preferncias sociais e individuais, aspectos correlacionados

    com a intensidade e o direcionamento dos fluxos tursticos de massas humanas

    cada vez maiores.

    Um reflexo desse interesse renovado pelas cidades mdias tem sido o aumento

    considervel de publicaes (teses, livros e artigos) e de reunies cientficas sobre esse grupo

    de cidades. Entre essas ltimas e de maneira bastante incompleta, podem ser citados os

    encontros de Macon (1995), na Frana, sob a direo de Nicole COMERON; de La Serena

    (1996) e Chilln (2000), no Chile, sob a coordenao de Edelmira GONZALEZ e Ddima

    3

  • FARAS e, no Brasil, em Presidente Prudente (2001), sob a coordenao de Maria da

    Encarnao SPOSITO.

    1.2. Dificuldades na Definio das Cidades Mdias

    Tanto as pesquisas empricas e reflexes acadmicas, quanto os projetos de aplicao

    das polticas pblicas para as cidades mdias tem enfrentado grandes dificuldades na

    caracterizao do grupo que compe esse nvel de cidades.

    Em um primeiro momento, acreditou-se que a identificao daquelas cidades que, em

    um certo conjunto maior, apresentassem tamanho demogrfico mdio, seria suficiente para a

    definio das cidades mdias.

    Apesar do uso deste parmetro em funo de sua aparente comodidade na maior

    parte dos projetos elaborados pelas polticas pblicas, o mximo que se conseguia definir era

    um grupo de cidades de porte mdio, noo certamente importante, mas que no coincide

    necessariamente com a de cidade mdia, bem mais complexa. Desse ponto de vista, alis, o

    termo ciudades intermdias, usado por nossos vizinhos hispanoamericanos parece bem mais

    feliz que aquele usado comumente por franceses, alemes, americanos e brasileiros.

    O pesquisador e planejador francs Jerome MONOD (1974, p.) chega mesmo a dizer

    que seria vo buscar uma definio cientfica para as cidades mdias, tendo em vista sua

    complexidade e variabilidade de um pas para outro, ou de uma regio para outra.

    Por seu turno, o j referido professor da Universidade de Bordeaux, Joseph LAJUGIE

    (1974, p. 11) mais cautelosamente ainda, diz que o mximo que se pode tentar determinar

    uma faixa no interior da qual se situa um certo nmero de cidades que podem pretender

    qualidade de cidades mdias (...).

    Em sua obra de 1974 LAJUGIE (p. 12), depois de uma srie de reflexes, diz que a

    cidade mdia se define, antes de tudo, por suas funes, pelo lugar que ela ocupa na rede

    urbana, entre a metrpole, com vocao regional, e os pequenos centros urbanos, com

    influncia puramente local.

    Essa mesma preocupao com uma melhor caracterizao da cidade mdia levou

    AMORIM FILHO (1976, p. 7e 8) a propor uma conceituao mais abrangente, baseada na

    presena dos seguintes atributos:

    4

  • interaes constantes e duradouras tanto com seu espao regional, quanto com aglomeraes urbanas de hierarquia superior;

    tamanho demogrfico e funcional suficientes para que possam oferecer um leque bastante largo de bens e servios ao espao microrregional a elas ligado;

    capacidade de receber e fixar os migrantes de cidades menores ou da zona rural, atravs do oferecimento de oportunidades de trabalho, funcionando, assim, como

    pontos de interrupo do movimento migratrio na direo das grandes cidades, j

    saturadas;

    condies necessrias ao estabelecimento de relaes de dinamizao com o espao rural microrregional que as envolve;

    diferenciao do espao intra-urbano, com um centro funcional j bem individualizado e uma periferia dinmica, evoluindo segundo um modelo bem

    parecido com o das grandes cidades, isto , atravs da multiplicao de novos

    ncleos habitacionais perifricos;

    aparecimento, embora evidentemente em menor escala, de certos problemas semelhantes aos das grandes cidades, como, por exemplo, a pobreza das

    populaes de certos setores urbanos.

    Como se pode notar, sendo vlidos teoricamente tais critrios, nem toda cidade de

    porte mdio possui as qualidades que podem fazer dela uma cidade funcionalmente mdia.

    Assim, alguns anos mais tarde, AMORIM FILHO, BUENO e ABREU (1982),

    aplicando tais critrios ao primeiro estudo que buscou identificar todas as cidades mdias de

    Minas Gerais, no somente confirmaram a complexidade do conceito de cidade mdia, como

    tambm, e sobretudo, chegaram concluso de que esta noo no cobre apenas um nvel

    nico de cidade. Para alm de uma ampla tipologia, chegaram a identificar em seu estudo pelo

    menos quatro nveis hierrquicos dentro das cerca de 100 cidades mdias de Minas Gerais:

    grandes centros regionais: apenas uma cidade (Juiz de Fora) se encontrava neste nvel, verdadeiro limiar j marcando a faixa de transio para um patamar hierrquico

    superior quele das cidades mdias; neste nvel, provavelmente as cidades deixaram

    de ser apenas cidades mdias e j pertencem ao grupo das grandes cidades;

    5

  • cidades mdias de nvel superior: neste patamar, Minas Gerais apresentava, em 1982, algumas cidades pertencentes ao grupo de mais alta hierarquia, formado por

    cidades mdias bem consolidadas, incluindo algumas em condies de, num

    futuro no muito distante, mudar de hierarquia;

    cidades mdias propriamente ditas: este um grupo bastante numeroso, de que fazem parte aquelas cidades que apresentam, com maior clareza, os atributos

    teoricamente caractersticos das cidades mdias mais tpicas;

    centro urbanos emergentes: neste patamar, encontra-se um nmero bastante considervel de cidades pertencentes faixa de transio entre as pequenas e as

    mdias cidades; elas pertenceriam, assim, tanto ao limiar inferior das cidades

    mdias, quanto ao limiar superior das pequenas cidades.

    O mrito desse estudo foi trazer discusso acadmico-terica a questo dos limiares,

    que balizam, na base e no topo, o grupo to diferenciado das cidades mdias. Embora o limiar

    superior tenha, evidentemente, sua importncia, a ateno dos pesquisadores se concentra

    muito mais no limiar inferior (dos centros emergentes), isto , o que marca a passagem das

    pequenas para as mdias cidades.

    2. A TEORIA DAS DESCONTINUIDADES COMO FUNDAMENTO

    EPISTEMOLGICO PARA O ESTUDO DOS LIMIARES

    Em meados do sculo XX, no apenas vrios gegrafos mas, igualmente intelectuais

    ligados a outros campos do conhecimento, continuavam excessivamente atrelados a uma

    lgica de acumulao gradual e contnua ou de uma linearidade tranqila para explicar as

    trajetrias dos processos no tempo ou das superfcies em suas extenses espaciais.

    Para questionar essas posies h muito tempo estabelecidas e arraigadas, o gegrafo

    Roger BRUNET (1970) desenvolveu, na tese complementar de seu doutorado, um estudo

    pioneiro sobre as descontinuidades em geografia.

    A principal idia que defendia, ento, o pesquisador francs era a de que as

    descontinuidades tinham um papel crucial tanto na evoluo temporal, quanto nas

    diferenciaes espaciais analisados pelos gegrafos. BRUNET chegava mesmo a dizer que

    rupturas poderiam aparecer mesmo sem a presena de perturbaes exgenas, pelo simples

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  • efeito da dinmica interna de um processo, ou de um sistema. Para este gegrafo, as

    descontinuidades hierrquicas, temporais, espaciais, etc, correspondem a uma espcie de zona

    de impreciso, cuja manifestao marcada pela transposio de um ou mais limiares. Assim,

    a descontinuidade tem uma identificao mais abstrata, enquanto o limiar uma manifestao

    mais evidente e concreta.

    Para BRUNET (1970, p. 13), as descontinuidades, no mbito de uma evoluo, so

    marcadas pela presena de limiares. A existncia de pontos no espao ou no tempo a

    partir dos quais uma evoluo d bruscamente um salto, mudando de ritmo, de sentido ou de

    natureza, tem sido evidenciada em vrias cincias (...). Em vrias delas, registram-se valores

    crticos que os cientistas se esforam por medir e caracterizar. Foi assim com o ponto de

    congelao da gua, com a velocidade crtica necessria para vencer a atrao terrestre ou

    com as mutaes biolgicas, entre outros. As cincias sociais tem fornecido muitos

    exemplos de transformaes bruscas, a partir de um momento crtico. Uma revoluo pode

    ser considerada como um desses saltos, longamente preparados, atravs dos quais uma

    organizao social assume repentinamente outras formas.

    Em resumo, uma descontinuidade seria, para o autor desse estudo pioneiro, algo como

    uma zona de passagem, difcil de ser caracterizada em toda a sua complexidade, mas que

    marca sempre a transio de um sistema ou subsistema a um outro, mas cujo(s) limiar(es)

    pode(m) se reduzir espessura de uma linha.

    2.1. Tipologias das Descontinuidades

    A primeira grande distino que faz BRUNET entre as descontinuidades dinmicas,

    presentes nas evolues consideradas em seu aspecto temporal, e as descontinuidades

    espaciais, identificadas em muitas diferenciaes que se do em termos de regies, reas ou

    paisagens.

    Uma diferenciao importante feita desde os anos sessenta por BRUNET (P. 34)

    entre as descontinuidades que resultam de uma perturbao provocada do exterior

    (descontinuidades exgenas) e aquelas que aparecem sem perturbaes exteriores

    (descontinuidades endgenas).

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  • Outras tipologias apresentadas originalmente por BRUNET (1970, p. 14 a 21)

    caracterizam os limiares de:

    Manifestao, segundo o qual, um fenmeno no pode se manifestar seno quando os fatores do movimento tenham ultrapassado um valor mnimo (...). o

    que se admite implicitamente quando se escreve: a partir de um certo ponto...

    Pertencem a este tipo de limiares o desencadear dos fenmenos de eroso ou a

    decolagem de uma determinada economia;

    Extino, que corresponde ao momento em que uma quantidade se torna to pequena relativamente que o fenmeno considerado cessa bruscamente, como,

    por exemplo, certos limiares demogrficos para a manuteno de determinados

    servios, ou limiares de distncias, a partir dos quais deixam de ocorrer migraes

    para certas cidades, etc;

    Desacelerao, que ocorre quando, a partir de um certo ponto, um movimento tem sua velocidade diminuda bruscamente. Vrias desaceleraes representadas

    em curvas demogrficas e econmicas exemplificam esses limiares...;

    Inverso ou oposio, quando a ruptura to forte que o movimento muda de

    sentido... o caso ilustrado por um grande nmero de curvas em U ou em V nos

    grficos de evoluo. Esses tipos de limiares ocorrem com certa freqncia na

    evoluo das bolsas de valores, por exemplo...;

    Saturao, quando a presena excessiva de uma certa quantidade desencadeia uma acelerao ou uma mudana importante em um determinado processo. o

    que ocorre, por exemplo, com o limite de infiltrao de gua de um dado solo.

    Para alm deste limite, pode-se desencadear o fenmeno dos deslizamentos...

    2.2. Condies e Princpios das Manifestaes das Descontinuidades

    Aps longas reflexes sobre os fenmenos das descontinuidades, BRUNET, j ao final

    da dcada de 1960, estabelecia alguns princpios que teoricamente deveriam presidir o

    aparecimento dos limiares e as prprias rupturas. Entre esses princpios, podem-se destacar

    os seguintes:

    8

  • a ruptura , geralmente, o resultado de uma longa preparao; assim, para BRUNET, a continuidade que cria a descontinuidade (p. 28)

    a descontinuidade se manifesta, freqentemente, aps a interveno de um catalisador; em geopoltica, por exemplo, sabe-se que o incidente poltico,

    inofensivo em outras circunstncias, que pode desencadear a revoluo (...).

    Porm, as condies para a ruptura j existiam (...) e o catalisador s serviu para

    apressar o movimento. (p. 29).

    a descontinuidade se produz, freqentemente, em um ponto ou lugar de fraqueza; a ruptura ocorre em pontos de menor resistncia, como as crises econmicas de

    um pas ou de um bloco de pases, que tendem a comear na regio ou na nao

    mais frgil (p. 29);

    um novo perodo de evoluo lenta ou normal sucede a ruptura. Um bom exemplo o tipo de tempo que se instala em uma regio aps as perturbaes

    causadas pela passagem de uma frente (p. 30);

    a ruptura o resultado de uma interao. Uma evoluo envolve sempre vrios fatores, que reagem uns sobre os outros (p. 33) e essas interaes podem assumir

    as mais diferentes formas, com ritmos variados.

    2.3. Os Limiares e as Dimenses das Aglomeraes

    Ainda em sua obra seminal de 1970, BRUNET contempla os limiares e as

    descontinuidades observveis nas hierarquias das cidades pertencentes ou no a uma rede

    urbana. Desde meados do sculo XX, multiplicaram-se, por toda parte, com fins acadmicos

    ou de aplicao ao planejamento urbano e regional, os estudos das redes e hierarquias das

    cidades.

    Algumas das questes mais delicadas de tais pesquisas so as do estabelecimento dos

    nveis hierrquicos e dos cortes que separam tais nveis. BRUNET (1970, P.56) afirma a esse

    respeito:

    Mesmo que seja difcil a classificao, ela corresponde, entretanto, a uma hierarquia

    real. A experincia mostra que a dimenso da aglomerao (dada por sua populao) vem se

    9

  • mantendo como o principal fator de diferenciao. E seguindo-se a srie crescente de

    tamanhos das aglomeraes observa-se toda uma sucesso de mutaes qualitativas. (...)

    Em condies iguais, o dinamismo das aglomeraes , em parte, funo de sua

    dimenso. (...) Mas, a natureza das cidades, seu tamanho e seu nvel hierrquico so,

    evidentemente ligados natureza da regio que elas dominam.

    Como se v, sem negligenciar vrios outros fatores fundamentais, BRUNET chama a

    ateno para o papel desempenhado pela dimenso demogrfica na identificao dos

    patamares das hierarquias urbanas. Porm, para se chegar aos nveis hierrquicos, h que se

    caracterizar, primeiramente, os limiares que os separam.

    3. OS LIMIARES E A CARACTERIZAO DAS CIDADES MDIAS

    Certamente, o critrio demogrfico tem sido um dos mais utilizados para a

    classificao de tamanhos de cidades. Embora facilite, sobremaneira, o trabalho do

    pesquisador, este critrio engloba, em uma mesma categoria, cidades com as mais diversas

    caractersticas. Alm disso, os limites populacionais definidores do pequeno e do mdio no

    so universais ou ubquos. As sees anteriores mostraram o quanto complexa a definio

    de cidades mdias.

    Deve-se lembrar ainda que apenas um critrio arbitrrio como o volume populacional

    pode implicar em considerveis modificaes durante um dado perodo de tempo, haja vista a

    freqncia relativamente alta com que as cidades podem ascender ou descender na hierarquia

    do tamanho demogrfico. Este o caso, especialmente, das cidades mdias, pois muitas vezes

    elas possuem os requisitos para a criao e desenvolvimento de plos tecnolgicos e tambm

    se mostram como alternativas excessiva concentrao industrial das regies metropolitanas,

    fatores que normalmente atraem populao. Da ser bastante comum o papel de destaque

    desempenhado pelas migraes, uma vez que o crescimento vegetativo da populao um

    processo mais lento e regular do que as flutuaes resultantes dos fluxos migratrios1.

    1Este argumento s faz sentido quando se contrapem crescimento vegetativo e crescimento via saldos migratrios em uma perspectiva de mais curto prazo, pois muitas vezes uma queda acelerada da fecundidade (como ocorrida no Brasil) pode trazer forte impacto sobre o crescimento demogrfico no decorrer de poucas dcadas.

    10

  • Tendo em vista estas questes, a seguir passaremos a descrever as variaes dos

    tamanhos populacionais definidores das cidades mdias em alguns pases do mundo, o caso

    especial da Frana na medida em que apresenta vrias classificaes, dependendo da regio

    onde as cidades esto inseridas e as transformaes ocorridas no Brasil, em geral, e Minas

    Gerais, em particular.

    3.1. As variaes em alguns pases do mundo

    Dada a variabilidade entre as posies e o relacionamento das cidades com a regio e a

    rede urbana da qual fazem parte, os limiares demogrficos que separam as pequenas e as

    mdias cidades so muito diferentes nos diversos pases do mundo. Por exemplo, dentro da

    Amrica do Sul h vrios tamanhos de cidades considerados como mdios:

    Cidades Mdias da Amrica do Sul *

    CIUDAD POBLACIN URBANA (1992)

    La Serena (Chile) 109.293

    Osorno (Chile) 142.368

    Talca (Chile) 218.842

    Chilln (Chile) 145.759

    Ovalle (Chile) 56.067

    San Miguel de Tucuman (Argentina) 654.000 (1991)

    Formiga (Brasil) 61.755 (1991)

    Mrida (Venezuela) 171.756 (1990) (*) IPGH / UNIVERSIDAD DE LA SERENA (editores: Hugo BODINI CRUZ-CARRERA y Edelmira

    GONZALEZ): GEOESPACIOS SERIE CIUDADES INTERMEDIAS, desde 1990.

    Nota-se que h um leque variado de cidades, cuja populao varia de pouco mais de

    50 mil habitantes Ovalle, no Chile at mais de 600 mil habitantes, como San Miguel de

    Tucuman, na Argentina. Como informa CAILLOU (1997), a Argentina adota um critrio no

    qual o tamanho populacional pode variar de 50 mil a 1 milho de residentes2.

    2CAILLOU, Martha: San Miguel de Tucuman. Geoespacios 11 (Serie Ciudades Intermedias), La Serena, Universidad de La Serena / IPGH, 1997, P. 14.

    11

  • Em outro pas da Amrica do Sul, a Bolvia, o intervalo do tamanho das cidades

    mdias, embora varivel, no apresenta a mesma amplitude do caso argentino. Mesmo assim,

    h desde cidades que seriam consideradas pequenas em muitas partes do mundo, como

    Tiquipaya, com 3 mil pessoas, como outras com mais de 50 mil habitantes, caso de Montero.

    Cidades Mdias da Bolvia *

    CIUDAD POBLACIN (1992) Achacachi 5.602 Viacha 19.036 Patacamaya 5.960 Caranavi 7.533 Challapata 6.661 Tupiza 20.137 Capinota 3.955 Quillacollo 19.419 Tiquipaya 3.037 Vinto 9.493 Sacaba 36.905 Shinahota 3.149 Bermejo 21.394 Cotoca 9.229 La Guardia 5.468 Warnes 10.866 San Ignacio 12.565 Villa Busch 8.585 Camiri 27.971 Montero 52.021 Mineros 11.181 San Borja 11.702 Rurrenabaque 4.959 (*) PACO, Felix Patzi: Desarrollo rural integrado a ciudades intermedias. La Paz, EDCON Editores,

    1997, 171 p. (*) PEREIRA, Ren Morato: Urbanizacin y desarrrollo em Bolivia. In: Revista de Sociologia, n 10,

    UMSA, La Paz,. 1987.

    12

  • J uma pequena amostra de cidades mdias em Burkina Faso, na frica, apresenta

    exemplos que se enquadrariam na tipologia boliviana: Gaoua, possua pouco mais de 10 mil

    residentes em 1985, enquanto Koudougou tinha quase 52 mil pessoas. A diferena estaria nas

    cidades com menos de 10 mil habitantes, presentes apenas na amostra de cidades da Bolvia.

    De fato, descrevendo a Costa do Marfim, COTTEN (1973), citado por AMORIM FILHO

    (1984), informa que neste pas as cidades mdias compreendem cidades na faixa de 20 mil a

    50mil habitantes, mas ressalta que cidades com menos de 20 mil residentes podem exercer a

    funo de cidade mdia.

    Cidades Mdias de Burkina Faso (frica) *

    VILLES MOYENNES POPULATION (1985) Koudougou 51.926 Banfora 35.319 Ouahigouya 38.902 Fada NGourma 20.857 Kaya 25.814 Gaoua 10.657 COMPAORE, Georges: Analyse Comparative et Specificits de Six Villes Secondaires du Burkina Faso.

    In: Villes Africaines Activits et Structures (sous la direction de Pierre VENNETIER). Bordeaux, Ceget, 1993, p. 12-30

    No caso da sia, as cidades com populao entre 20 mil e 250 mil pessoas so

    consideradas mdias, como ocorre na Malsia (OSBORN, 1974), enquanto na Europa

    Ocidental os limiares mais comuns pertencem faixa de 20 mil at 100 mil habitantes, como

    salienta HOFMEISTER (1976) para o caso da Alemanha. KHOREV (1974) dizia que na

    antiga Unio Sovitica as cidades mdias eram aquelas cuja populao variava de 50 mil a

    100 mil habitantes, mas o prprio autor ressaltava que alguns gegrafos urbanos como

    DAVIDOVICH e KONSTANTINOV consideravam o limite inferior de 20 mil pessoas como

    o mais adequado3.

    Um contraste interessante pode ser observado ao considerarmos o caso dos Estados

    Unidos. Como ressalta ABRAMOVAY (2000), o peso cada vez menor do emprego na

    agricultura tem levado as mais importantes estatsticas a considerarem a separao entre reas

    metropolitanas e no-metropolitanas, mais do que urbanas e rurais. H cdigos do continuum 3Autores citados por AMORIM FILHO (1984).

    13

  • rural-urbano (rural-urban continuum code) e cdigos de influncia urbana (urban influence

    codes).

    Aprofundando esta classificao, um trabalho de GHELFI e PARKER (1997), apud

    ABRAMOVAY (2000) procura entender a dinmica espacial com base no tamanho das

    aglomeraes populacionais dos condados e a maneira como se ligam a centros mais

    dinmicos. Neste estudo, as reas metropolitanas so divididas em grandes e pequenas:

    - Metropolitana grande = mais de 1 milho de habitantes.

    - Metropolitana pequena = entre 50 mil e 999 mil habitantes.

    As reas no-metropolitanas so classificadas em trs:

    - Adjacentes a uma grande rea metropolitana

    - Adjacentes a uma pequena rea metropolitana

    - No adjacentes a uma grande rea metropolitana

    As duas reas no-metropolitanas adjacentes so ainda subdivididas segundo o

    tamanho de suas cidades (as aspas so dos prprios autores) em:

    - Com cidades: ncleo urbano com mais de 10 mil habitantes

    - Sem cidades: ncleo urbano com menos de 10 mil habitantes

    - Com town: aglomerado com populao entre 2.500 e 9.999 habitantes

    - Totalmente rurais: aglomerados com menos de 2.500 habitantes

    Enfim, como se depreende dos estudos citados, o critrio baseado no tamanho

    populacional apresenta diferentes classificaes de cidades mdias. Para completarmos este

    quadro vamos descrever a caso da Frana.

    3.2. O caso especial da Frana

    Se tomarmos uma amostra de algumas cidades mdias tpicas da Frana, notamos que

    o tamanho da populao varia, essencialmente, de 100 mil a 150 mil habitantes, como

    mostrado a seguir:

    14

  • Caracterizao Demogrfica de algumas Cidades Mdias Francesas em Estudo Recente (1999)*

    Cidades Mdias Tpicas (Seleo de toda

    a Frana, pgina 9) Populao

    Amiens 131.880 Angers 141.354 Avignon 87.011 Bayonne 101.558 Bsanon 113.835 Caen 112.872 Dijon 146.723 Le Mans 145.439 Limoges 133.469 Metz 119.598 Mulhouse 108.358 Nmes 128.549 Orlans 105.099 Pau 82.200 Perpignan 105.869 Reims 180.611 (*) COMMERON, Nicole et GEORGE, Pierre: Villes de Transition. Paris, Anthropos, 1999, 221 p.

    V-se que para o ano de 1999, das 16 cidades mdias selecionadas de toda a Frana,

    apenas duas possuam populao com menos de 100 mil habitantes, casos de Avignon (87 mil

    habitantes) e Pau (82 mil habitantes). Nas demais, a populao vai de 102 mil habitantes em

    Bayonne at 180 mil em Reims.

    Quando se observam separadamente as regies da Frana, no entanto, percebe-se que a

    classificao segundo o critrio do tamanho populacional pode variar consideravelmente. De

    fato, a regio Poitou-Charentes possui cidades mdias de nvel superior com tamanhos bem

    prximos aos exemplos listados anteriormente. Com exceo de Niort, com populao de 66

    mil habitantes em 1991, as demais possuem populao variando de 100 mil a 108 mil pessoas.

    15

  • Caracterizao Demogrfica de algumas Cidades Mdias Francesas em Estudo Recente (1999)*

    Villes Moyennes dans les Rseaux Urbains Rgionaux POITOU-CHARENTES

    VILLES MOYENNES (Niveau Suprieur)

    POPULATION (1991)

    Poitiers 107.625 hab. Angoulme 102.908 hab. La Rochelle 100.264 hab. Niort 65.792 hab.

    VILLES MOYENNES (deuxime niveau)

    Chtelleraut 36.298 hab. Rochefort 35.598 hab. Royan 29.194 hab. Cognac 27.468 hab. Saintes 27.003 hab.

    VILLES MOYENNES (petits ples)

    Bressuire 18.430 hab. Parthenay 18.250 hab. Thouars 17.103 hab.

    (*) COMMERON, Nicole et GEORGE, Pierre: Villes de Transition. Paris, Anthropos, 1999, 221 p.

    No entanto, nesta mesma regio existem cidades mdias de menor tamanho (deuxime

    niveau), entre 27 mil e 36 mil habitantes, bem como pequenos plos, com cidades mdias de

    17 e 18 mil habitantes.

    Na Alsace, em contrapartida, as cidades mdias praticamente englobam estes dois

    tipos de centros urbanos presentes em Poitou-Charentes, pois as cidades apresentam

    populao entre 14 mil e 34 mil residentes.

    16

  • Caracterizao Demogrfica de algumas Cidades Mdias Francesas em Estudo Recente (1999)*

    Villes Moyennes dans les Rseaux Urbains Rgionaux

    ALSACE

    VILLES MOYENNES POPULATION

    Haguenau 33.730 hab. Saint-Louis 33.531 hab. Thann-Cernay 28.890 hab. Guebwiller-Soutz 25.998 hab. Molshein Mutzig 17.106 hab. Slestat 15.537 hab. Saverne 14.986 hab.

    SANE

    VILLES MOYENNES POPULATION (1990)

    Chalon 77.769 hab. Mcon 46.714 hab. Bourg-en-Bresse 55.792 hab. Villefranche 55.249 hab.

    (*) COMMERON, Nicole et GEORGE, Pierre: Villes de Transition. Paris, Anthropos, 1999, 221 p. (**) PINCHEMEL G. et Ph.: La Face de la Terre lments de Gographie. Paris, 1995, A. Colin, 518 p.

    Por outro lado, a regio Sane, em 1990, continha cidades mdias com uma categoria

    de tamanho populacional de 55 mil at 78 mil habitantes, portanto uma classificao diferente

    das outras duas.

    Percebe-se que o tamanho das cidades mdias pode variar bastante de pas para pas, e

    tambm entre regies de um mesmo pas, como exemplificado para o caso da Frana.

    3.3. Minas Gerais e os Centros Urbanos Emergentes

    No caso do Brasil, pas populoso e com um imenso territrio marcado por profunda

    heterogeneidade social, cultural e econmica no poderamos esperar outra coisa seno

    17

  • grande variabilidade na hierarquia e no relacionamento das cidades com a regio e com o

    sistema urbano dos quais fazem parte.

    Contudo, dada a grande concentrao do crescimento demogrfico nas regies

    metropolitanas, compreende-se a supremacia destas unidades espaciais nos estudos realizados

    pela demografia brasileira. Isso no quer dizer que no houve interesse em relao a outras

    categorias de tamanho populacional. Para citarmos apenas alguns poucos exemplos, Martine e

    Camargo (1984) apontaram para o relativo esvaziamento da classe de pequenas cidades, com

    menos de 20 mil habitantes (at 10 mil habitantes e 10 mil a 20 mil habitantes), e aumento das

    categorias com populao maior do que 20 mil habitantes, nas dcadas compreendidas entre

    1940 a 1980. Neste estudo, as classes de tamanho eram:

    - 10 a 20 mil habitantes,

    - 20 mil a 50 mil habitantes,

    - 50 mil a 100 mil habitantes,

    - 100 a 500 mil habitantes,

    - mais de 500 mil habitantes.

    Bremaeker (1992) centrou seu estudo nas implicaes dos movimentos migratrios

    nas mesmas categorias de tamanho, mas enfocando os municpios e no as cidades4. Neste

    trabalho, os municpios de porte mdio eram considerados como sendo aqueles com

    populao compreendida entre 10 mil e 50 mil habitantes.

    Baeninger (1998), ao abordar as relaes entre deslocamentos de populao,

    urbanizao e regionalizao no interior do estado de So Paulo, faz meno ao papel

    desempenhado pelos pequenos aglomerados urbanos (cidades com menos de 5 mil habitantes,

    de 5 mil a 10 mil habitantes e de 10 mil a 20 mil habitantes), cidades de porte intermedirio

    (20 a 50 mil habitantes), cidades mdias (50 mil a 100 mil habitantes) e cidades com mais de

    100 mil habitantes.

    Enfocando o crescimento populacional e as migraes internas em Minas Gerais,

    Matos (1997) trabalha com os 50 principais municpios do estado em termos de tamanho

    populacional, no perodo 1960-1991. Ainda que a unidade espacial no seja a cidade, com

    4A categoria de municpios com menos de 10 mil tinha mais subdivises: at 5 mil habitantes e 5 a 10 mil habitantes.

    18

  • exceo de Belo Horizonte, que pode ser considerada uma grande cidade por quaisquer

    critrios de tamanho demogrfico, todos os outros se enquadrariam tranqilamente na maioria

    das classificaes de cidades mdias discutidas at agora em 1991, o tamanho populacional

    destes 49 municpios variava de 50 mil at 280 mil habitantes.

    A variao dos limiares demogrficos referentes ao tamanho das cidades mdias no

    Brasil perfeitamente compreensvel, na medida em que se trata de um espao bastante

    heterogneo, como j referido anteriormente e, alm disso, a escolha das classes de volume

    populacional depende dos objetivos particulares de cada estudo.

    No entanto, deve-se sempre ter em mente que elas no formam um grupo homogneo.

    Levando este fato em considerao, os quatro nveis hierrquicos de cidades mdias em

    Minas Gerais identificados por AMORIM FILHO e ABREU (2000)55 possuem os seguintes

    tamanhos populacionais:

    Nvel 1: capitais regionais, com mais de 500 mil habitantes

    Nvel 2: cidades mdias de nvel superior, com populao maior do que 200 mil

    pessoas;

    Nvel 3: cidades mdias propriamente ditas, incluindo desde cidades com menos de 50

    mil habitantes at algumas com mais de 160 mil;

    Nvel 4: cidades mdias de nvel inferior, os centros emergentes, cuja populao pode

    variar de 10 mil a 50 mil habitantes.

    Recentemente, Costa de S (2001) focou seu estudo no ltimo nvel hierrquico, isto ,

    nos centros emergentes, uma unidade relativamente pouco explorada no mbito dos estudos

    populacionais. Estes foram aqueles que apresentavam populao urbana compreendida entre

    10 mil e 50 mil habitantes. Por este critrio, Minas Gerais apresentou 80 centros emergentes.

    Como os critrios para a identificao dos centros emergentes utilizados por Costa de

    S (2001) foram os mesmos adotados por trabalho anterior de AMORIM FILHO, BUENO e

    ABREU (1982), podemos verificar a expressividade do aumento destes centros, pois, em

    1982 havia 45 centros emergentes.

    5 Este trabalho de AMORIM FILHO e ABREU foi realizado, em parte, para atualizar o estudo de 1982, de AMORIM FILHO, BUENO e ABREU, j citado no presente texto (p. 4)

    19

  • Em suma, esta seo teve a inteno de contribuir para o debate voltado aos volteis

    limiares demogrficos da definio de cidades mdias. Acreditamos que o momento

    bastante oportuno, pois este um tema que merece investigaes mais detalhadas, inclusive

    para aprofundar o entendimento do padro migratrio no Brasil. Sua complexidade e

    relevncia no atual contexto da dinmica demogrfica brasileira certamente o colocam em um

    lugar de destaque entre as prioridades dos estudiosos interessados em aspectos como

    hierarquia urbana, redes e sistemas de cidade.

    4. CONSIDERAES FINAIS

    A terceira seo do presente texto mostrou, com uma riqueza muito grande de dados

    demogrficos, quo variveis so, no mundo, na Amrica do Sul e no Brasil, os balizamentos

    quantitativos das cidades consideradas mdias.

    Uma relativa regularidade na identificao de faixas demogrficas que incluam as

    cidades mdias s encontrada, e mesmo assim com dificuldade, em pases europeus, como a

    Frana e a Alemanha. Algum consenso existe, mesmo nesses casos, apenas para os nveis

    mais centrais do amplo leque representado por esse grupo de cidades. Este consenso parece

    existir, nesses pases, no que se refere quelas cidades com populaes oscilando de 50.000 a

    300.000 habitantes.

    Em pases desenvolvidos da Amrica do Norte e da sia, por exemplo, e mesmo em

    pases latino-americano como o Mxico, a Argentina e, at mesmo o Brasil, o patamar

    superior das cidades mdias, quando se consideram tais pases como um todo, fica bastante

    alto, chegando a 500.000 habitantes ou mais.

    J no patamar inferior, e de um modo mais generalizado em termos de pases, a

    impreciso e a falta de consenso so grandes quanto ao nmero padro de habitantes para uma

    aglomerao aspirar qualidade de cidade de mdia.

    nesse ponto que as classificaes baseadas meramente em limites demogrficos no

    so suficientes, necessitando de um cruzamento com dados de outra natureza, cobrindo, por

    exemplo, aspectos como posio regional e na rede urbana, estrutura econmica, relaes

    funcionais externas, alcance da influncia polarizadora, caractersticas scio-econmicas e

    20

  • demogrficas da rea de influncia e, at, organizao e dinmica morfolgicas internas das

    cidades.

    Aqui, cabe tambm chamar a ateno para dois pontos fundamentais. Em primeiro

    lugar, as importantes contribuies que a teoria das descontinuidades de BRUNET, com sua

    nfase na noo de limiar pode dar para caracterizaes epistemologicamente mais vlidas da

    faixa de transio existente entre as pequenas e as mdias cidades e da faixa de transio entre

    as mdias e as grandes cidades .

    Em seguida, com base nos princpios dessa teoria (discutidos na seo 2 do presente

    texto), o necessrio aprofundamento da noo de centros urbanos emergentes, desenvolvida

    desde 1982 para contemplar justamente os limiares urbanos que separam as pequenas das

    mdias cidades.

    O melhor conhecimento dos limiares demogrficos e de outras naturezas, que

    permitem identificar os centros emergentes mais dinmicos, com vocao certa para chegar ao

    nvel das cidades mdias, constitui-se em conhecimento estratgico essencial tanto para

    acadmicos, quanto para governantes, planejadores e empreendedoras da iniciativa privada.

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