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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS ANDRÉ VINÍCIUS LOPES CONEGLIAN OS JUNTIVOS CAUSAIS E CONCESSIVOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO NA PERSPECTIVA COGNITIVO-FUNCIONAL: uma análise da ligação conceptual dos elementos gramaticais em uso nessa zona adverbial SÃO PAULO – SP 2015

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS

ANDRÉ VINÍCIUS LOPES CONEGLIAN

OS JUNTIVOS CAUSAIS E CONCESSIVOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO NA PERSPECTIVA COGNITIVO-FUNCIONAL: uma análise da ligação conceptual dos elementos gramaticais em uso nessa zona

adverbial

SÃO PAULO – SP 2015

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS

ANDRÉ VINÍCIUS LOPES CONEGLIAN

OS JUNTIVOS CAUSAIS E CONCESSIVOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO NA PERSPECTIVA COGNITIVO-FUNCIONAL: uma análise da ligação conceptual dos elementos gramaticais em uso nessa zona

adverbial

Dissertação de mestrado apresentado ao programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana

Mackenzie como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras.

Orientador: Prof. Dra. Maria Helena de Moura Neves

SÃO PAULO – SP 2015

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ANDRÉ VINÍCIUS LOPES CONEGLIAN

OS JUNTIVOS CAUSAIS E CONCESSIVOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO NA PERSPECTIVA COGNITIVO-FUNCIONAL: uma análise da ligação conceptual dos elementos gramaticais em uso nessa zona

adverbial

Dissertação de mestrado apresentado ao programa de

Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para a obtenção

do título de Mestre em Letras.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Prof. Dra. Maria Helena de Moura Neves (Orientadora)

Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM

______________________________________________________ Prof. Dra. Diana Luz Pessoa de Barros (Examinador interno)

Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM

______________________________________________________ Prof. Dra. Lilian Vieira Ferrari (Examinador externo)

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

______________________________________________________ Prof. Dr. José Gaston Hilgert (Suplente interno) Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM

______________________________________________________

Prof. Dra. Neusa Salim Miranda (Suplente externo) Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF

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A meus pais, que me ensinaram o amor aos livros

e ao Verbo.  

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Agradecimentos O texto de uma dissertação não pode ser escrito da noite para o dia; na verdade, é

necessário ver o sol nascer várias vezes – apesar de se ter a sensação de que em algumas delas ele não vai nascer. Esta dissertação é o resultado do trabalho coletivo de quem a escreveu, de quem a orientou e de quem deu o suporte necessário para que as noites em claro fossem suportadas – às vezes essas categorias se misturam, já que nada, nem na linguagem, nem na cognição, é precisamente delimitado. A todos que participaram desse processo direta ou indiretamente, muito obrigado!

Meus agradecimentos vão, em primeiro lugar, à professora Maria Helena de Moura Neves, pela orientação segura, pela generosidade, pelo suporte e pelo encorajamento em todas as etapas deste trabalho. A cada orientação e conversa, eu ficava mais convencido de que ela tem mais conhecimento na palma de uma das mãos do que qualquer outra pessoa tem nas duas juntas.

Agradeço, também, à professora Eve Sweetser, que tão prontamente aceitou me orientar em meu estágio na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e que, desde a minha graduação, tem me encorajado na pesquisa linguística.

Agradeço às professoras Diana Barros e Lilian Ferrari não só pelos valiosos comentários no exame de qualificação mas também pelo incentivo no desenvolvimento deste projeto. As contribuições feitas por elas foram fundamentais.

Indispensável à minha formação acadêmica foi o professor (e amigo, até hoje) Juliano Desiderato Antonio, meu orientador durante os anos da graduação. Foi ele quem me ensinou a dar os primeiros passos no território da linguagem.

As conversas com a Beatriz Decat, com a Taísa Oliveria e com o professor Gaston sobre linguagem e linguística, por mais informais que fossem, sempre foram estimulantes. Não posso me esquecer de que foi a Taísa quem me trouxe à atenção a oportunidade da bolsa de pesquisa no exterior da FAPESP (muitíssimo obrigado, Taísa!).

Minha família e meus amigos foram mais do que encorajadores no desenvolvimento do trabalho e mais do que compreensíveis com todas as minhas ausências. Minha família, meus pais, Jé, tia Su, Ivan e Rô, e meus amigos, Thiago, Ricardo e Bruna, Andrey e Camila, Thais, Karie, Oana, Ana, são os grandes responsáveis pela “manutenção da minha sanidade” (como alguns deles diriam) quando as muitas letras me fizeram delirar – o que não era difícil acontecer.

Meus pais, César e Leci, são merecedores de toda a minha gratidão. Eles, desde o início, foram os que mais me encorajaram e confiaram em mim. Não há como agradecer tanto tempo, carinho (e dinheiro – vocês são mais generosos comigo do que qualquer agência de financiamento jamais será!) investidos ao longo da minha formação. É a vocês dois que dedico este trabalho!

Agradeço à FAPESP pelas duas bolsas outorgadas (processos 2012/23239-6 e 2014/03509-4) para o desenvolvimento deste trabalho. Sem esse financiamento, muito dificilmente esta pesquisa teria sido realizada.

Finalmente, agradeço a Deus, que toma a mais ordinária das palavras e nela sopra seu poder. A Ele, minha eterna gratidão!

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Language is an instrument for communication. The language which can with the greatest ease make the finest and most numerous distinctions

of meaning is the best. It is better to have like and love than to have aimer for both.

C. S. Lewis, Studies in words

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CONEGLIAN, André Vinícius Lopes. Os juntivos causais e concessivos do português brasileiro na perspectiva cognitivo-funcional: uma análise da ligação conceptual dos elementos gramaticais em uso nessa zona adverbial. Dissertação. Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015. Resumo: Numa perspectiva funcionalista que se combina à perspectiva cognitivista dos espaços mentais, o estudo se dirige à língua em uso como guia para estrutura do sistema conceptual humano. O objetivo geral desta pesquisa é verificar, dentro da zona adverbial de causalidade-condicionalidade-concessividade, como se manifestam no português brasileiro as relações gramaticais, e, a partir daí, configurar a contraparte da rede dos espaços mentais estabelecida nesse território. Os objetivos específicos são verificar e interpretar: a) a ligação conceptual das categorias de causa e concessão; b) a materialidade linguística dos juntivos e sua pré-configuração de espaços mentais; c) o uso dos elementos juntivos nos diferentes domínio conceptuais (conteúdo, epistêmico, atos de fala e metalinguístico); d) o uso dos tempos e modos verbais específicos aos juntivos e a configuração da rede de espaços mentais por eles estabelecida; e) a ordenação dos segmentos nas construções adverbiais e a configuração da rede de espaços mentais por eles estabelecida. A partir da lista de itens juntivos apresentada em Neves (2000) foram selecionados três itens juntivos de cada relação: entre os causais se analisaram já que, uma vez que e visto que; entre os concessivos, se analisaram ainda que, mesmo que e se bem que. Neste estudo, foram considerados dados de língua escrita e de língua falada coletados no banco de dados do Corpus do Português. As análises abrangeram os pontos de investigação propostos: (i) a natureza morfossemântica dos itens juntivos causais e dos itens juntivos concessivos; (ii) a ordenação dos segmentos adverbiais em relação aos segmentos nucleares; (iii) a correlação entre tempo e modo dos verbos nessas construções adverbiais; (iv) a presença de traços de (inter)subjetividade nas construções adverbiais de causa e de concessão. O encaminhamento das análises, a partir dos objetivos traçados, convergiu na hipótese central de que o item juntivo utilizado na explicitação das relações adverbiais particulariza a relação entre o segmento nuclear e o segmento adverbial. Quanto aos objetivos específicos, verificou-se que: a) a ligação conceptual entre causalidade e concessividade se explica a partir das noções do sistema cognitivo de dinâmica de forças; b) a base lexical dos itens juntivos, ligada às propriedades das categorias de causa e de concessividade; c) esses itens mostraram uma preferência por domínios específicos, ainda que os itens juntivos sejam pragmaticamente ambíguos por ocorrerem nos diversos domínios conceptuais; d) a correlação modo-temporal nas construções causais e concessivas tem as funções mais gerais de tanto marcar a postura epistêmica do falante como de marcar o encaixamento e a hierarquia dos espaços mentais ativados; e) a ordem nas construções causais e concessivas é motivada pela função semântica e pela função pragmática exercidas pelos segmentos adverbiais. O estudo revelou que a complexidade estrutural dessas construções é um reflexo de sua complexidade semântica e pragmática quanto às funções semântico-discursivas que essas construções exercem no discurso e quanto à configuração dos espaços mentais elaborados, construídos e evocados por elas. Palavras-chave: Causalidade; Concessividade; Espaços mentais; Linguística Funcional.

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CONEGLIAN, André Vinícius Lopes. Causal and concessive connectives in Brazilian Portuguese - a cognitive-functional perspective: an analysis of the conceptual connection of grammatical elements in usage in this adverbial zone. MA Thesis. Mackenzie Presbyterian University, São Paulo, 2015. Abstract: In a functional perspective combined to the cognitive perspective of mental spaces, this study focuses on language use as a guidepost to the structure of human conceptual system. The main goal of this research is to verify how grammatical relations are held within the adverbial zone of causalities and, based on that, configure the mental spaces network evoked by these constructions. The specific goals of this project are verifying and analyzing: a) the conceptual connection between the categories of cause and concession; b) the linguistic elements in the construal of the connective and its mental spaces configuration; c) the usage of connectives relative to conceptual domains (content, epistemic, speech act and metalinguistic); d) the usage of tense and mood related to specific connectives and how these categories configure mental spaces; e) the order in these adverbial constructions. Based on the list provided by Neves (2000), it were selected three adverbial conjunctions in each domain: in the causal domain, já que, uma vez que and visto que; in the concessive domain, ainda que, mesmo que, se bem que. In this study, the corpus came from spoken and written language data available at Corpus do Português. The analyses considered the following points: (i) the morphosemantic nature of the causal and concessive connectives; (ii) the order of the clauses in the adverbial constructions; (iii) the tense and mood correlations in these constructions; (iv) the presence of traits of (inter)subjectivity in these constructions. These analyses converged on the main hypothesis that the connective used to express causality or concessivity particularizes the relation between adverbial and matrix clause. Regarding specific goals, it was found that: a) the conceptual connection between causality and concessivity lies in more fundamental notions of force dynamics; b) the lexical base of the connectives bears relation to categorial properties of causality and concessivity; c) the connectives show preference for conceptual domains, even though they are pragmatically ambiguous; d) the tense and mood correlations concessive and causal constructions serve to more general functions of signaling epistemic stance and mental spaces embedding; e) the order in these constructions is motived and constrained by the sematic and discursive functions of the adverbial clause. This study revealed that structural complexity in these constructions is a consequence of their semantic and pragmatic complexity with respect to their semantic-pragmatic functions in discourse and with respect to the mental spaces network configuration. Key-words: Causality; Concessivity; Mental Spaces; Functional linguistics.

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Lista de tabelas Tabela 2.1. Número de palavras no CDP por tipo de texto .............................................54

Tabela 2.2. O universo das ocorrências causais e das concessivas ................................. 57 Tabela 7.1. Distribuição dos itens juntivos causais já que, uma vez que e visto que nos domínios conceptuais ......................................................................................................145 Tabela 7.2. Distribuição dos itens juntivos concessivos ainda que, mesmo que e se bem que nos domínios conceptuais ........................................................................................149 Tabela 7.3. A ordem do segmento adverbial nas construções causais ...........................159

Tabela 7.4. A ordem do segmento adverbial nas construções concessivas ...................163 Tabela 7.5. Correlação modo-temporal nas construções causais ...................................170

Tabela 7.6. Correlação modo-temporal nas construções concessivas ...........................172

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Lista de gráficos

Gráfico 7.1. Distribuição dos itens juntivos causais já que, uma vez que e visto que nos domínios conceptuais ......................................................................................................146

Gráfico 7.2. Distribuição dos itens juntivos concessivos ainda que, mesmo que e se bem que nos domínios conceptuais ........................................................................................150

Gráfico 7.3. A ordem do segmento adverbial nas construções causais .........................158 Gráfico 7.4. A ordem do segmento adverbial nas construções concessivas ..................164

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Lista de quadros Quadro 2.1.Conectivos causais e concessivos no português brasileiro ...........................55

Quadro 2.2. Os itens juntivos causais e concessivos conforme a base lexical ................55 Quadro 3.1. Relações de significado causal, condicional, concessivo-condicional e concessivo..........................................................................................................................77 Quadro 4.1. A definição de concessividade de acordo com a RST .................................83

Quadro 5.1. Valor de verdade da conjunção .................................................................. 97 Quadro 5.2. Valor de verdade da disjunção .................................................................... 97

Quadro 5.3. Valor de verdade da negação ...................................................................... 97 Quadro 5.4. Valor de verdade da implicação material ................................................... 97

Quadro 5.5. Itens juntivos causais e concessivos ..........................................................100 Quadro 5.6. Classificação dos itens juntivos adverbiais complexos causais e concessivos segundo a forma ..............................................................................................................101 Quadro 5.7. Classificação dos itens juntivos adverbiais complexos causais e concessivos segundo a semântica da base lexical ...............................................................................102 Quadro 6.1. Os itens juntivos causais e concessivos conforme a base lexical ..............108

Quadro 6.2. Função semântica dos itens juntivos causais e concessivos ......................110

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Lista de diagramas Diagrama 1.1. A Joana viajou para São Paulo ...............................................................30

Diagrama 1.2. Rede de mesclagem conceptual ...............................................................32 Diagrama 1.3. Se chover amanha, eles cancelarão o jogo ..............................................34

Diagrama 1.4. Base Comunicativa (BCSN) ....................................................................47 Diagrama 4.1. Espaço genérico da Rede Concessividade ...............................................85

Diagrama 4.2. Espaços input da Rede Concessividade ...................................................87 Diagrama 4.3. Rede da Concessividade ......................................................................... 87

Diagrama 6.1. Rede de espaços mentais do advérbio ainda .........................................130 Diagrama 6.2. Mesmo se o Congresso aprovar o empréstimo da CEF, o presidente do Itaú não se sente seguro do ponto de vista jurídico .......................................................135 Diagrama 6.3. Mesmo que ela ocorresse e baixasse para 8% a 10% ao ano (...), as exportações continuam crescendo menos. ......................................................................136

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Lista de figuras

Figura 3.1. A zona da causalidade ...................................................................................78 Figura 6.1. Modelo de evidencialidade proposto por Chafe (1986) ..............................123

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Sumário

Introdução .......................................................................................................................15

Parte I – As bases teórico-metodológicas ........................................................................19

Capítulo 01 – Língua, uso e cognição: a interface sintaxe-semântica-pragmática em

perspectiva cognitivo-funcional.................................................................20

Capítulo 02 – A seleção dos dados e os procedimentos de análise .................................53

Parte II – As entidades de análise ....................................................................................59

Capítulo 03 – A causalidade na cognição e na linguagem ..............................................60

Capítulo 04 – A concessividade: definições linguísticas e caracterização conceptual ....80

Capítulo 05 – O estatuto categorial dos itens juntivos complexos causais e concessivos:

propriedades funcionais e cognitivas ........................................................95

Parte III – As análises ...................................................................................................107

Capítulo 06 – A composição dos itens juntivos causais e concessivos: uma análise das

bases lexicais ...........................................................................................108

Capítulo 07 – A configuração sintática, semântica e pragmática das construções causais

e das concessivas: os dados e as análises ................................................143

Conclusões .....................................................................................................................176

Referências bibliográficas ............................................................................................181

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Introdução

Na linha de estudos funcionalistas, tanto a relação de concessividade quanto a

relação de causa e de condição são vistas como construções hipotáticas adverbiais em que

a oração principal e a oração causal, ou a concessiva, comportam certo grau de

dependência com sua oração principal. Como aponta Givón (2001, p.327), essa

propriedade não é “discreta”, já que a relação que se estabelece pode exibir maior ou

menor (in)dependência. Nessa direção está a proposta de Halliday (1994), segundo a qual

a hipotaxe adverbial (dessa zona concessiva, causal e condicional) é uma expansão de

realce, pois com ela se qualifica o conteúdo da oração principal quanto a algum tipo de

circunstância.

No funcionamento das conjunções complexas concessivas, causais e condicionais,

pouco se conhece quanto à sua efetiva contribuição para a expressão dessas noções e

sobre as estruturas de espaços mentais evocadas pelas construções adverbiais, em

especial no português do Brasil. Nesse último campo, as conjunções condicionais são as

que receberam mais extenso tratamento (DANCYGIER; SWEETSER, 1996, 1997, 2005;

DANCYGIER,1988a, 1988b; SWEETSER 1996), e o que se tem verificado é que, de

maneira geral, elas estabelecem espaços alternativos e contrafactuais (FAUCONNIER,

1994, 1996).

Esses estudos sobre as condicionais na perspectiva da configuração dos espaços

mentais permitiram que se elaborasse uma explicação cognitiva para a fluidez dentro das

categorias de condicionalidade e concessividade (HASPELMATH; KÖNIG, 1998;

DANCYGIER; SWEETSER, 2005), e também permitiu que fosse explicitada a relação

entre causalidade e concessividade (KÖNIG; SIEMUND, 2000; VERHAGEN, 2000),

que são exatamente o foco deste projeto. Há também os estudos de Sanders, Sanders e

Sweetser (2009, 2012) sobre as conjunções causais em holandês, os quais propõem que o

aspecto universal das conjunções causais seria o de elaborar espaços já existentes, e não o

de construir novos espaços, como é o caso das conjunções condicionais.

Tendo em vista tais bases de reflexão, esta pesquisa se apresenta como uma

tentativa de articular as interfaces sintática, semântica, pragmática em perspectiva

cognitivo-funcional na descrição do funcionamento de alguns itens juntivos causais e

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concessivos, a saber, respectivamente: já que, uma vez que e visto que; ainda que, mesmo

que e se bem que. As relações causal e concessiva, objetos de estudo desta pesquisa, são relações de

natureza conceptual, mas linguisticamente instanciadas, geralmente pelo processo da

combinação de orações, em que o segmento adverbial circunstancia o segmento nuclear

em termos de causalidade ou de concessividade. Na tradição dos estudos do discurso, a

manifestação linguística dessas relações é o meio pelo qual se estuda a construção da

coerência discursiva. Encontradas no discurso geralmente na forma de construções

adverbiais, e geralmente marcadas por um item juntivo, essas relações conceptuais estão

abrigadas em uma zona cognitiva altamente fluida, formando um continuum categorial: a

“zona da causalidades” (NEVES, 2010, 2012).

O objetivo geral desta pesquisa é verificar, dentro da zona adverbial de causalidade-

condicionalidade-concessividade, como se manifestam no português brasileiro as

relações gramaticais, e, a partir daí, configurar a contraparte da rede dos espaços mentais

estabelecida nesse território. Dentro da zona adverbial em análise, propõe-se estabelecer

um paralelo específico entre o processamento cognitivo causal e o processamento

cognitivo concessivo a partir da noção de que o pensamento concessivo tem sua

constituição básica na negação da causalidade (HERMODSSON, 1994,; KÖNIG;

SIEMUND, 2000; NEVES, 2000, 2002b, 2012). Para que isso seja possível, foram fixados os seguintes objetivos específicos:

A. Verificar, com base nas características ligadas à materialidade linguística dos juntivos

causais e concessivos, os diferentes espaços pré-estabelecidos por cada um desses

elementos. B. Identificados os espaços pré-estabelecidos pelos juntivos, verificar a especificação

desses elementos para ocorrência nos diferentes domínios conceptuais: domínio de

conteúdo, domínio epistêmico, domínio dos atos de fala e domínio metalinguístico. C. A partir da noção de que tempo e modo verbais desempenham papel fundamental na

forma de configuração dos espaços mentais, verificar a existência de restrições quanto

ao uso modo-temporal dos verbos em construções com os elementos juntivos causais e

concessivos. D. Com respaldo nas incursões indicadas de A) a C), verificar a dinâmica da rede de

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espaços mentais no discurso, atentando especificamente para o espaço de “ponto de

vista”, com hipótese de que os juntivos causais e concessivos, discursivamente,

funcionam como estruturas que viabilizam o acesso a outros espaços já configurados. E. Nesse complexo, verificar as relações de subjetividade específicas aos juntivos

causais e concessivos, com a hipótese de que, associado a esses elementos gramaticais,

está um alto grau de subjetividade que pode ser explicado por meio da configuração

das redes de espaços mentais estabelecidas. O encaminhamento das análises, a partir dos objetivos traçados, busca convergir na

hipótese central de que o item juntivo utilizado na explicitação das relações de causa e de

concessão particulariza a relação entre o segmento nuclear e o segmento adverbial. As análises apresentadas nesta pesquisa abrangem os pontos de investigação

propostos: (i) a natureza morfossemântica dos itens juntivos causais e dos itens juntivos

concessivos; (ii) a ordenação dos segmentos adverbiais em relação aos segmentos

nucleares; (iii) a correlação entre tempo e modo dos verbos nessas construções

adverbiais; (iv) a presença de traços de (inter)subjetividade nas construções adverbiais de

causa e de concessão. O exame desses pontos de (i) a (iv) tem como ponto de partida nos itens juntivos

causais e concessivos a fim de configurar o modo como se sustentam as relações

gramaticais na zona adverbial de causalidades, que abriga as ‘subzonas’ da causalidade,

da condicionalidade e da concessividade. Com base no modo de organização funcional

dessas relações, será possível verificar o entrecruzamento das zonas de causalidade e de

concessividade de acordo com a proposta que se estabelece nesta pesquisa. Conforme

discutido nos capítulos da segunda parte desta dissertação, admite-se que a zona

adverbial de causalidades seja altamente fluida, com limites difusos e com um espectro

categorial em que se percebem áreas de sobreposições semântico-funcionais de contraste

e de neutralização. Quanto à organização, esta dissertação está dividida em três partes. Da primeira,

fazem parte os capítulos que explanam o referencial teórico e estabelecem os

procedimentos metodológicos. Da segunda, fazem parte os capítulos nos quais se

discutem as entidades em análise, com encaminhamentos específicos para a configuração

linguística e conceptual da zona de causalidades e das relações de causa e de concessão,

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abrigadas nessa zona. Da terceira parte fazem parte os capítulos que apresentam as

análise a que se procedeu nesta pesquisa. Compõem a primeira parte os capítulos 01 e 02. O capítulo 01 apresenta os pontos

teóricos centrais que conduzem a pesquisa, tais como a concepção de língua, o processo

de articulação de orações e a relação entre gramática e cognição, buscando sempre

articular a proposta do funcionalismo à proposta do cognitivismo, dado que esta pesquisa

está inserida no quadro teórico da linguística cognitivo-funcional. O capítulo 02 apresenta

os procedimentos metodológicos para composição do córpus de análise, levantamento e

apuração dos dados.

Compõem a segunda parte desta dissertação os capítulos 03, 04 e 05.

Os capítulos 03 e 04 tratam, respectivamente, da natureza linguística e da natureza

conceptual da causalidade e da concessividade. O capítulo 03, com o pano de fundo na

experiência humana da causalidade, discute a formação de uma categoria conceptual

causal e apresenta as suas implicações para a manifestação linguística da causalidade,

seja por meio de construções causais, seja por meio de construções concessivas, ficando

evidente, assim, a constituição de uma zona de causalidade como uma categoria

linguístico-conceptual formada de uma rede construções adverbiais, tais como causa,

condição e concessão. O capítulo 04, com base nas noções de dinâmica de forças e nas

propriedades funcionais da zona de causalidade, dedica-se à investigação da categoria da

concessividade e dos componentes semânticos que formam o “cenário concessivo” com a

finalidade de caracterizar a essa categoria a partir de noções próprias.

Compõem a terceira parte desta dissertação os capítulos 06 e 07. No capítulo

06, propõe-se uma análise das bases lexicais presentes nos conectivos complexos

selecionados para estudo na pesquisa (os causais já que, uma vez que e visto que; os

concessivos ainda que, mesmo que e se bem que). O capítulo 07 apresenta uma análise

quantitativa e qualitativa da distribuição dos itens juntivos causais e concessivos nos

domínios conceptuais, da ordenação dos segmentos nas construções causais e

concessivas, e da correlação modo-temporal dos verbos nessas construções.

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PARTE I A BASE TEÓRICO-METODOLÓGICA

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Capítulo 01 Língua, uso e cognição: a interface sintaxe-semântica-pragmática na visão cognitivo-funcional

1.1 As preliminares

A base teórica desta pesquisa é construída a partir de dois paradigmas linguísticos

complementares: o funcionalismo e o cognitivismo. Tanto neste paradigma quanto

naquele estão abrigadas ramificações e subespecificações teóricas. Serão considerados

pontos do funcionalismo de Dik (1997), de Givón (2001), de Halliday (1994) e de

Matthiessen e Thompson (1988), e serão considerados pontos do cognitivismo de

Fauconnier (1994, 1997), de Fauconnier e Turner (2002), de Lakoff (1987), de Lakoff e

Johnson (1999, 2003), de Langacker (1987,1991) e de Talmy (1988, 2000).

Da combinação desses dois paradigmas linguísticos resultam engajamentos teóricos

e particularidades analíticas que, principalmente nos últimos anos, têm sido abrigados sob

o rótulo de Linguística cognitivo-funcional (NUYTS, 2007).

Nuyts (2007) assume que há pontos de convergência e de divergência entre esses

paradigmas. O maior ponto de divergência estaria na ênfase conferida à investigação dos

domínios da linguagem por cada paradigma. O cognitivismo enfatiza, principalmente, a

investigação da estrutura semântica da língua, que abrange os processos de categorização,

de esquematização e de organização conceptual de entidades. O funcionalismo enfatiza a

investigação da estrutura linguística, na qual estão integrados os componentes sintático,

semântico e pragmático da gramática da língua. Dentre os pontos de concordância, o que

este trabalho erige como o mais importante, é a preocupação com a “vivência da

linguagem”1. No funcionalismo, essa “vivência” representa o próprio uso da língua em

diversos contextos comunicativos socioculturais; no cognitivismo, a “vivência” é a

emersão da língua a partir sistema conceptual que a organiza.

                                                                                                               1 Este termo é utilizado por Neves (2010), que conduz toda a sua obra na direção de valorizar a

vivência da linguagem na análise linguística.

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Na visão cognitivo-funcional, não se dissocia a linguagem da experiência cotidiana

nem do sistema conceptual humano. Comparando o funcionalismo e o cognitivismo,

Nuyts (2007, p.549) conclui que, em relação a alguns “princípios filosóficos”, esses

paradigmas, naturalmente, diferem, contudo não haveria motivo para tratá-los como

substancialmente diferentes. Assim ele estabelece o princípio básico de investigação da

linguística cognitivo-funcional:

a partir da observação de que a linguagem é (primeiramente) um instrumento de comunicação, considera-se como objetivo da pesquisa linguística descobrir o que isso significa em termos de organização da infraestrutura cognitiva responsável pela produção e interpretação da linguagem, e como ela está situada na mente humana (NUYTS, 2002, p.434)2.

O propósito deste capítulo é justamente apresentar os conteúdos e temas tanto da

Linguística cognitiva quanto da Linguística funcional relevantes para o desenvolvimento

deste trabalho, articulando-os de tal modo que fiquem claras as zonas de intersecção entre

essas duas vertentes da linguísticas. Para tanto, o capítulo organiza-se da seguinte

maneira: na seção 1.2, delimitam-se as concepções de língua e de gramática,

relacionando-as aos processos cognitivos e comunicativos; nas seções 1.3 e 1.4,

caracteriza-se o processo de combinação de orações nas perspectivas funcional e

cognitiva; por fim, na seção 1.5, definem-se os rumos desta pesquisa.

1.2 A concepção de língua (e linguagem) que sustenta a investigação

Nesse grande quadro teórico cognitivo-funcional, a língua serve a duas funções

distintas, mas complementares: (i) a organização do sistema conceptual humano e (ii) a

comunicação da experiência entre indivíduos que compartilham do mesmo sistema

linguístico (TOMASELLO, 2003). Givón (2001) refere-se a essas duas funções como

“representação” e “comunicação”, respectivamente. Elas são complementares pois a

                                                                                                               2 Tradução deste autor. Texto original: “… starting from the observation that language is

(primarily) a means of communication, it [cognitive-functional approach] considers the goals of language research to find out what it means in terms of organization of the cognitive infrastructure responsible for producing and interpreting language, and how it is situated in the human mind in general”.

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função comunicativa da linguagem do ser humano é o resultado de suas experiências3 no

mundo sociocultural.

Essas duas funções ligam-se diretamente à natureza simbólica da linguagem.

Afirma Tomasello (2003) que tal natureza diz respeito à adjunção de significados às

formas linguísticas. Ou seja, às convenções simbólicas (arbitrárias) de uma comunidade

falante da mesma língua acoplam-se significados, que surgem a partir da experiência

física (sensorial e motora, por exemplo) e cultural comum aos falantes daquela

comunidade (GIVÓN, 2001, 2002).

Partilham da noção de comunicação tanto os funcionalistas quanto os cognitivistas,

cada paradigma com os seus direcionamentos específicos. Em linhas gerais, a

comunicação é a verbalização da experiência entre indivíduos de uma mesma

comunidade linguística, por meio de símbolos linguísticos convencionais construídos

intersubjetivamente (ou mutuamente). Dik (1997) define o processo comunicativo, a que

chama de interação verbal, como uma atividade estruturada na qual os falantes da língua

mutuamente constroem e reconstroem suas informações pragmáticas, que constituem o

seu conhecimento de mundo.

No processo comunicativo, os símbolos linguísticos se associam formando padrões

regulares de combinação. Aponta Tomasello (2003) que do constante e repetido uso

desses símbolos linguísticos na comunicação da experiência são estabelecidos os padrões

linguísticos, e também os padrões gramaticais. Esses padrões linguísticos constituem

‘construções gramaticais’ que instauram em si mesmas um significado, formado, em

parte, pelos próprios componentes lexicais e, em parte, pelo resultado da combinação

entre esses componentes. As construções gramaticais, afirma Goldberg (1995), são,

então, o pareamento entre uma forma linguística e um significado4. Fauconnier e Turner

(2002, p.5), estendendo a concepção de forma para além da estrutura linguística (ficando

incluídas a música, a matemática e as artes) afirmam que os seres humanos possuem as

                                                                                                               3 Essas experiências são experiências mentais que tornam-se relevantes na investigação da

estrutura semântica de uma língua (LANGACKER, 1987, p.99). 4 Na visão Fauconnier e Turner (2002, p.5-6), a forma em si não apresenta significado, mas ela

“seleciona” as regularidades do processo significativo. O que a forma faz é suscitar significados e, por trás dela, está o “poder humano” de construir significações.

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formas mais elaboradas porque possuem as habilidades mais eficazes de construir

significações.

Nessa mesma direção, Nuyts (2002, p.437) afirma que as construções gramaticais

codificam não apenas o significado conceptual (informação conceptual) mas também os

“efeitos de condições funcionais do contexto comunicativo”, os quais estão relacionados

às determinações contextuais da interação verbal, ou seja, na língua em uso.

1.2.1 A estrutura da língua e a vivência da linguagem: o funcionalismo e o

cognitivismo da língua em uso

O ponto central de convergência entre o funcionalismo e o cognitivismo, do qual

todos os outros pontos derivam, é a rejeição da autonomia da língua. Ou seja, a língua

não pode ser descrita, explicada, analisada como um sistema autônomo: ela é um sistema

que naturalmente emerge da comunicação e da cognição, e por elas é moldado (GIVÓN,

1995). Em sua formulação mais extremada, tal autonomia implica não apenas a

dissociação entre língua, comunicação e sistemas cognitivos mas também, em

decorrência disso, a existência de um conjunto de primitivos puramente gramaticais

requeridos para a descrição sintática (LANGACKER, 2013).

Givón (2001) considera a autonomia da língua como uma noção precedente e

determinante para o surgimento das teorias cognitivo-funcionais. A autonomia da língua

encontrou abrigo principalmente na teoria gerativo-transformacional de Chomsky (1957,

1965, por exemplo), teoria que possibilitou a análise de uma gramática livre de

“condições gramaticalmente irrelevantes”.

A teoria linguística tem antes de mais como objeto um falante-ouvinte ideal, situado numa comunidade linguística completamente homogênea, que conhece a sua língua perfeitamente e que, ao aplicar o seu conhecimento da língua numa performance efetiva, não é afectado por condições gramaticalmente irrelevantes tais como limitações de memória, distracções, desvios de atenção e de interesse, e erros (causais ou característicos). (CHOMSKY, 1975, p.83, ênfase acrescida)5

                                                                                                               5 Texto original: “Linguistic theory is concerned primarily with an ideal speaker-listener, in a

completely homogeneous speech-community, who knows its language perfectly and is unaffected by such grammatically irrelevant conditions as memory limitations, distractions,

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Esses componentes que Chomsky rotula como “condições gramaticalmente

irrelevantes” – limitações de memória, distrações, focos de atenção e de interesse – são

chamados por Tomasello (1999, 2003) de “habilidades sócio-cognitivas”6, habilidades

que não só predispõem o individuo à aquisição da linguagem, como também possibilitam

o amadurecimento de sua competência comunicativa. Nesse sentido, essas seriam

condições relevantes para a constituição e para o uso das estruturas gramaticais da língua.

A abstratização da língua em regras algebraicas que organizam sintaticamente a

construção de orações nesse paradigma formal resolve-se, no paradigma cognitivo-

funcional, pela verificação da maneira como as estruturas de que a língua dispõe são

utilizadas de modo a alcançar a comunicação eficiente entre falantes. É característica

desse paradigma a consideração de fatores semânticos e pragmáticos intervenientes na

organização sintática da estrutura linguística. Como define Neves (2006, p. 11), a

gramática de uma língua natural “organiza as relações, constrói as significações e define

os efeitos pragmáticos”7. É compatível com a visão de Neves (2006), a visão de

Langacker (2013, p.6), segundo a qual a gramática não pode ser completamente predita a

partir de um conjunto de fatores independentes (precisamente a semântica e a pragmática)

mas a estrutura, a significação e os efeitos comunicativos são componentes interligados.

Givón (1995, p.9) apresenta um conjunto de premissas que devem ser

consideradas no estudo da língua em uso:

• a linguagem é uma atividade sociocultural; • a estrutura serve à função cognitiva e comunicativa; • a estrutura é não arbitrária, motivada e icônica; • a mudança e a variação estão sempre presentes; • o significado é dependente do contexto e não atômico;

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         shifts of attention and interest and errors (random or characteristic) in applying his knowledge of the language in actual performance.”

6 Tomasello (2003) classifica as habilidades sócio-cognitivas em dois grupos: no primeiro grupo, estariam aquelas habilidades específicas da leitura de intenção (intention reading), como a habilidade de compartilhar e direcionar a atenção sobre objetos e eventos no mundo; no segundo grupo, estariam aquelas habilidades específicas do estabelecimento de padrões, como a habilidade de agrupar em categorias objetos e eventos similares. Para esse autor, essas habilidades começam a aparecer na criança a partir dos nove meses de idade.

7 Nesta definição, a autora explicita a inter-relação dos componentes sintático (organização de relações), semântico (construção das significações) e pragmático (definição de efeitos pragmáticos) na organização gramatical da língua.

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• as categorias não são discretas; • a estrutura é maleável, não rígida; • as gramáticas são emergentes; • as regras de gramática permitem violações.8

Esses princípios são compatíveis com um modelo no qual a língua seja vista pela

sua função representativa, ou simbólica, nos termos de Langacker (1987, 2008), e pela

sua função comunicativa.

Para Halliday (1994, p.xvi), a linguagem apresenta três (meta)funções: a)

ideacional, b) interpessoal e c) textual. Essas metafunções são entendidas como a

propriedade que a gramática tem de construir o significado do discurso. A metafunção

ideacional é entendida como a maneira pela qual a língua é utilizada para elaborar as

experiências vividas pelo falante. A metafunção interpessoal é vista como o

estabelecimento da interação entre os falantes no processo comunicativo. Essas duas

primeiras metafunções relacionam-se à construção do mundo natural (ideacional) e do

mundo social (interpessoal), respectivamente. Por fim, a metafunção textual é a

articulação, no plano linguístico, das duas primeiras metafunções. É no plano textual que

se analisa a maneira como o discurso é construído bem como os recursos gramaticais

utilizados para estabelecer a interação entre os falantes.

No âmbito do cognitivismo também se fizeram considerações que compartilham do

mesmo espírito. Contudo, nessa perspectiva, a construção do significado não precisa,

necessariamente, manifestar-se no discurso, podendo a construção dos mundos natural e

social ficar apenas no nível da conceptualização.

As metafunções ideacional e interpessoal de Halliday (1994), em linhas gerais,

correspondem à natureza simbólica da gramática, conforme descrita por Langacker

(1987, 2008), segundo a qual o símbolo é o pareamento de uma estrutura semântica a

uma estrutura fonológica (ou gráfica, dependendo do suporte do enunciado). Esse

pareamento é o resultado daquilo que Halliday (1994) chama de “construção do mundo

                                                                                                               8 Tradução deste autor. Texto original: “language is a social-cultural activity; structure serves

cognitive and communicative function; structure is non-arbitrary, motivated, iconic; change and variation are ever-present; meaning is context-dependent and non-atomic; categories are less-than-discreet; structure is malleable, not rigid; grammars are emergent; rules of grammar allow some leakage”.

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natural”. Com respeito à terceira metafunção, diz Langacker (2001) que é no

desenvolvimento do discurso que estruturas conceptuais provenientes das duas primeiras

metafunções da língua são progressivamente construídas e modificadas, e, portanto, é no

discurso que se observa a gramática da língua, que é flexível, variável e altamente

determinada pelo contexto discursivo, em seu funcionamento. Afirma ainda esse autor

que as estruturas semânticas, resultantes do processo de conceptualização do indivíduo,

consolidam-se no discurso por meio de estruturas gramaticais (e lexicais) refletindo a

intrínseca organização da situação comunicativa em que se encontram os falantes.

1.2.2 Um nível abaixo da representação linguística: representações conceptuais e

experiência mental na estrutura semântica

A caracterização dos paradigmas funcional e cognitivo bem como a inter-relação

desses princípios de análise, feitas na seção anterior, centraram-se, principalmente, na

estrutura linguística e no seu funcionamento na interação verbal. Nesta seção, busca-se

um aprofundamento teórico, descendo-se “um nível abaixo da linguagem”, para chegar às

representações conceptuais e às experiências mentais que organizam e motivam as

estruturas semânticas da língua.

A ênfase de investigação do cognitivismo é o domínio linguístico da semântica. É

própria a esse tipo de investigação a verificação da maneira pela qual o significado é

construído na linguagem a partir de experiências sócio-físico-culturais. Langacker (1987,

p.97) define significado como um “fenômeno mental que deve ser descrito fazendo-se

referência ao processamento cognitivo”9 da experiência, e há a observar que essa

definição constitui um ponto comum a praticamente todos os cognitivistas, no que diz

respeito à construção do significado na mente humana10. O autor defende a necessidade

                                                                                                               9 Langacker (1987), com base em Chafe (1970), assinala que essa definição adota uma

perspectiva “ideacional”, ou “conceptual”. Texto original: “... a mental phenomenon that must eventually be described with reference to cognitive processing”.

10 Esse entendimento é partilhado por alguns funcionalistas que incorporaram o cognitivismo à sua investigação linguística, como é o caso de Chafe (1994) e Givón (1995). O funcionalismo de Halliday, que é essencialmente uma teoria sociocultural sobre a linguagem, mais tardiamente, também mostrou preocupação com o “componente” cognitivo da linguagem humana. Para Halliday e Matthiessen (1999, p.1), a construção da experiência é o que constitui o componente significativo da linguagem, contudo seu centro de investigação é a própria

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de fazer referência ao polo semântico das estruturas simbólicas da linguagem, na

descrição de construções gramaticais. O polo semântico de uma expressão linguística

compreende a estrutura conceptual, organizada em termos de uma estrutura semântica

que é “moldada” para propósitos simbólicos de acordo com as convenções linguísticas.

Para ele, a estrutura semântica é uma “conceptualização talhada para a especificações das

convenções linguísticas” (p.99).

As estruturas semânticas são formadas na mente do ser humano11. Na ciência

cognitiva, a mente é tida como processamento mental, e os pensamentos são ocorrências

neurológicas e eventos eletroquímicos. Os eventos, por sua vez, são ocorrências

cognitivas de qualquer grau de complexidade (desde a ativação de um único neurônio até

uma ativação em grande escala). Finalmente, experiência mental é um fluxo de eventos

cognitivos. Todos esses processos cognitivos, certamente, se estendem à percepção, que

não são fenômenos passivos, mas ativos, visto que a experiência mental é uma atividade

de “solução de problemas” (ARNHEIN, 1969 apud LANGACKER, 1987, p.101).

O sistema neuronal e os mecanismos cognitivos que viabilizam a percepção

constituem o mesmo aparato responsável pela organização do sistema conceptual humano

e de todas as capacidades de razoar12 (em inglês, reason) dos indivíduos. Por isso, na

ciência cognitiva (LAKOFF; JOHNSON, 1999), descarta-se a ideia de que a mente

humana seja modular, nos termos de Chomsky (1957) e de Fodor (1983), mas defende-se

que ela é corporificada (em inglês, embodied), pois, conforme explicam Lakoff e Johnson

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         linguagem, não as experiências mentais ou os processamentos cognitivos, visto que é por meio da linguagem que os indivíduos armazenam e trocam experiências.

11 A caracterização da estrutura semântica como um fenômeno essencialmente mental e dependente das noções de “mente”, “pensamento” e “evento” são compatíveis com avanços recentes na ciência cognitiva, principalmente no ramo da Neuro-teoria da Linguagem (FELDMAN, 2006; LAKOFF; JOHNSON, 1999, apêndice). Essa teoria é construída com base em duas premissas: a primeira é a de que o pensamento é uma atividade neural estruturada; a segundo é a de que a linguagem está imbricada no pensamento e na experiência (FELDMAN, 2006, p.3).

12 O termo razoar será utilizado aqui conforme as acepções de Lakoff e Johnson (1999, p.3-4, tradução nossa), segundo os quais o termo abrange “não apenas a nossa capacidade de inferências lógicas, mas também nossa habilidade de conduzir um a investigação, de resolver problemas, de avaliar, de criticar, de deliberar sobre o modo como devemos agir, de chegar a um entendimento sobre nós mesmos, sobre outros e sobre o mundo” Texto original: “[Reason includes] not only our capacity for logical inference, but also our ability to conduct inquiry, to solve problems, to evaluate, to criticize, to deliberate about how we should act, and to reach an understanding of ourselves, other people, and the world”.

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(1999, p.16), a arquitetura da estrutura neuronal dos indivíduos determina os conceitos

que serão formados e o tipo de arrazoamento que os indivíduos poderão fazer.

A questão que surge diante desses fatos é a existência de relação entre gramática e

cognição. Para Talmy (2000, p. 21), a gramática de uma língua determina a maior parte

da estrutura das representações cognitivas, o “esqueleto” para o material conceptual

(conteúdo) especificado pelo léxico. Ressalta Fauconnier (1994, p. XVIII) que a gramática

é o elo visível entre os “misteriosos bastidores” da cognição (ou o sistema conceptual) e o

comportamento linguístico dos seres humanos. A gramática da língua funciona, nesse

sentido, como uma ponte que liga os expedientes linguísticos aos elementos conceptuais.

Já foi mencionado que, na interação verbal, os falantes se valem de construções

gramaticais, que são o pareamento entre forma e significado. As regras gramaticais são

mais bem definidas como padrões recorrentes de uso linguístico, conforme Langacker

(2008, p.24). Visto que são padrões recorrentes do uso na combinação de elementos

simbólicos da linguagem, as regras são em si mesmas simbólicas e esquemáticas. O

conhecimento desses padrões, portanto, reside em um amplo conjunto de entidades

simbólicas, que variam em seu grau de complexidade e de esquematicidade.

1.2.3 Os espaços mentais e a construção da significação por meio da linguagem

Na seção precedente, ficou assentado que a gramática de uma língua funciona como

a ponte entre as unidades linguísticas e as estruturas conceptuais por elas codificadas.

Nesse sentido, a gramática é altamente experiencial e é projetada de modo a fornecer o

“esqueleto” dessa experiência, ou “representações conceptuais”13, nos termos de Talmy,

2000). A teoria dos Espaços Mentais (FAUCONNIER, 1994, 1997, 1998) provê um

modelo geral para explicar a relação entre a linguagem e as representações cognitivas.

Espaços mentais14 são modelos mentais “parciais e locais de alguma situação no

mundo, ou de alguma interação verbal, ou de alguma linha de raciocínio”

(DANCYGIER; SWEETSER, 1996, p.84, tradução nossa, ênfase acrescida). Segundo

                                                                                                               13 Do termo inglês, conceptual representations. 14 Hoje, sabe-se que o que Fauconnier chamou de espaços mentais são, na verdade, ativações

neuronais (NARANAYAN, 1997; FELDMAN, 2006; BERGEN, 2012). Essas ativações podem fortalecer-se, criando padrões de ativação que se entrincheiram (entrentch) na mente humana. São elas que possibilitam a produção e a compreensão da linguagem, e, também, é por meio delas que se criam representações conceptuais e, portanto, representações semânticas.

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Lakoff (1987), os espaços se estruturam por meio de modelos cognitivos idealizados, que

são representações mentais relativamente estáveis de algum aspecto do “mundo”.

Conforme o discurso se desenvolve, novos espaços mentais são estabelecidos, e espaços

já acessíveis são elaborados e modificados. Dessa forma, as representações conceptuais

evocadas pela linguagem, no discurso, e, portanto, a construção da significação

discursiva não residem apenas em um espaço mental, mas, sim, em uma rede dinâmica de

espaços mentais.

Para Fauconnier (1997, p.49), a manutenção do discurso ocorre da seguinte forma:

estruturação dos elementos dos espaços; estruturação interna dos espaços;

estabelecimento de conexão entre os espaços por conectores; indicação do espaço que

constitui foco; acesso a elementos e sua contraparte correspondente (nomes, descrições,

anáforas); ligação a papéis (roles) e valores (values), ligação que pode ser feita pela

cópula, por exemplo, entre outros procedimentos. Nessa dinâmica, a atenção do autor vai

para três noções: espaço base, espaço de ponto de vista e espaço de foco.

A configuração básica de uma rede de espaços mentais deve partir de um espaço

base (base space) que leva à construção e à configuração de novos espaços e que pode ser

entendido como aquele que ancora todas as informações relevantes para o ato discursivo.

O espaço de “ponto de vista” 15 , ou ponto de vantagem (vantage point em

LANGACKER, 1999), é o espaço pelo qual as informações discursivas são acessadas.

Em uma narrativa infantil, por exemplo, se o narrador disser O papai ainda não havia

chegado em casa, o ponto de vista adotado obviamente será o da criança que espera o pai

chegar a casa. Para Sweetser (2012), esse fenômeno de “ponto de vista” é nada trivial,

porque o ser humano só tem experiência do mundo por meio do seu “equipamento de

ponto de vista”, que é o seu próprio corpo, seus sentidos. O argumento da autora se

sustenta no fato de que o ser humano não tem uma experiência objetiva do mundo, como

já se pensou, mas constrói a realidade por meio de experiências corporificadas. Todos

esses fatores que contribuem para a formação dos conceitos previamente estabelecidos

são cultural e biologicamente determinados (TOMASELLO, 1999).

                                                                                                               15 A linguística cognitiva lançou luz sobre esse estudo nos últimos anos e estruturas de ponto de

vista têm sido analisadas em diferentes tipos de discurso e modalidades (DANCYGIER; SWEETSER (orgs.), 2012; EPISTEIN, 1996; SANDERS; REDDEKER, 1996).

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Por fim, o espaço de foco é o espaço ao qual se adicionam informações no ato

discursivo. Fauconnier (1997) atenta para o fato de que, em determinadas situações

discursivas, o espaço base, o “ponto de vista”, e o foco são um mesmo espaço, pois não é

necessário que cada um desses constitua um espaço diferente.

Em uma sentença como A Joana viajou para São Paulo, o espaço base e o espaço

“ponto de vista” são o mesmo (espaço M) e o espaço foco é o espaço N, conforme a

representação abaixo:

Diagrama 1.1. A Joana viajou para São Paulo.

A gramática da língua fornece pistas de como tais configurações acontecem, no

entanto a gramática por si só não determina o significado de certa expressão linguística,

embora sirva de guia para a construção do sentido. Dessa forma, verifica-se, por

exemplo, que: elementos gramaticais como pronomes e adjuntos adnominais servem de

conectores de espaços; itens negativos constroem espaços alternativos (SWEETSER,

2006; DANCYGIER, 2012), pois o espaço negado inevitavelmente evoca a sua

contraparte, que é o espaço positivo; itens copulares também são tidos como conectores

de espaços, por estabelecerem a relação entre valor e papel (SWEETSER, 1997). Nesse

exemplo representado no Diagrama 1.1, a forma pretérita do verbo viajar evoca um

espaço N encaixado no espaço base M ao mesmo tempo que essa forma verbal muda o

foco de M para N.

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Em Fauconnier (1997, p. 149), fica assentada a ideia de que, por meio da

linguagem, os indivíduos manipulam e criam redes mentais. Essas redes se desenvolvem,

no decorrer do discurso, por meio de espaços mentais – pacotes conceptuais criados cujo

propósito é o entendimento e a ação. Esses espaços podem relacionar-se uns com os

outros de modo a construir novos espaços em que se observam estruturas parcialmente

herdadas de outros espaços. Esse mecanismo de inter-relação entre espaços é chamado de

mesclagem ou integração conceptual. Fauconnier (1997) caracteriza esse processo como

uma operação ‘teoricamente’ simples, mas que , na prática, gera um sem-número de

possibilidades.

O ponto nevrálgico é que a mente humana não opera senão por meio de mesclagens

conceptuais (FAUCONNIER; TURNER 2002, p.12-15), uma operação que é central na

capacidade criativa humana, e também facilitadora do desenvolvimento científico e

tecnológico16. Ela pode ser verificada tanto na arte17, vista em poemas e narrativas,

quanto na ciência, vista em números complexos na teoria matemática.

A criação de mesclagens é guiada por pressões cognitivas e princípios de

operacionalização. Qualquer rede de mesclagem conceptual é composta de quatro

espaços mentais: um espaço genérico, dois inputs, e um espaço mescla. Nessa operação,

os inputs suscitam um novo espaço, o espaço-mescla. Além desses espaços, existem,

ainda, operações de ligação e projeção de estruturas entre espaços. Em linhas gerais, no

processo são os seguintes elementos (FAUCONNIER; TURNER, 2002, p.40-42)18:

a) inputs: são dois espaços mentais, cada qual com sua estrutura correspondente a algum

conteúdo conceptual;

b) mapeamento entre-espaços: um mapeamento parcial entre-espaços conecta elementos

a suas contrapartes nos inputs;

                                                                                                               16 Imaz e Benyon (2006) é um exemplo de investigação que vale-se dos princípios da mesclagem

conceptual aplicados ao desenvolvimento de computação gráfica e de softwares. Nesse estudo, verifica-se os meios pelos quais os seres humanos “criam sentido” para aplicativos de câmeras digitais, de computadores e outros dispositivos tecnológicos.

17 Um novo campo de investigação na ciência cognitiva é a Poética Cognitiva. Nessa linha de investigação, busca-se verificar os mecanismos cognitivos envolvidos na construção do sentido em textos literários. As contribuições em Brône e Vandaele (Org., 2009) são o marco na articulação da teoria da crítica literária com a teoria ciência cognitiva sobre a significação linguagem.

18 A terminologia em português foi adaptada de Fauconnier e Turner (2002) por Ferrari (2011).

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c) espaço genérico: fornece a organização e estrutura básicas comuns aos inputs,

definindo o mapeamento entre os elementos desses espaços;

d) espaço-mescla: contém estruturas parcialmente projetadas dos inputs;

e) estrutura emergente: contidas no espaço-mescla, são estruturas não providas pelos

inputs; sua emersão dá-se de três modos inter-relacionados:

e1) composição: tomadas em conjunto, as projeções dos inputs estabelecem novas

relações que não existiam nos inputs separadamente;

e2) completamento: estruturas compartilhadas, como frames e modelos cognitivos

idealizados, não ativados nos inputs, são recrutados para estruturar o espaço-

mescla, e com a instauração dessas estruturas compartilhadas o espaço-mescla

está, de fato, integrado;

e3) elaboração: as estruturas do espaço-mescla podem ser elaboradas (processo

denominado running the blend) por meio de atividades cognitivas relacionadas

ao próprio espaço-mescla, respeitando-se a lógica interna desse espaço.

Na representação esquemática (Diagrama 1.2), abaixo, os pontos indicam os

elementos de cada espaço, as linhas pontilhadas indicam as conexões entre os inputs e

outros espaços, as linhas sólidas indicam o mapeamento entre os inputs. No espaço

mescla, as estruturas dentro do quadrado são as estruturas emergentes desse espaço.

Diagrama 1.2. Rede de mesclagem conceptual.

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1.3 O processo de (con)junção em linguagem: pressupostos cognitivo-funcionais

Segundo Halliday e Hasan (1976, cap.5), nos textos se verifica o processo da

conjunção, que é coesivo por natureza, e por meio do qual o que segue está ligado

(“sistemicamente”) com o que vem antes. Esse processo se dá entre segmentos textuais

de qualquer natureza, como orações, frases, trechos e parágrafos, que são representações

mentais do falante. Da combinação desses segmentos emergem relações lógico-

semânticas, como tempo, causa, condição, concessão, etc. Essas relações, afirmam

Sanders et al (1992), transcendem a natureza linguística do discurso, pois são

cognitivamente estabelecidas, constituindo representações cognitivas que não se dão

apenas no nível da linguagem.

Esse processo de conjunção entre orações e frases definido como articulação de

orações é colocado como centro das considerações nesta seção. Primeiro, retoma-se o

tratamento tradicionalmente conferido a esse tema. Em seguida, expõem-se os princípios

funcionalistas que regem esse processo.

1.3.1 A (con)junção de orações: pressupostos da tradição gramatical

A Gramática Tradicional tem a oração como unidade de análise. Uma única oração

constitui um período simples, enquanto duas ou mais orações constituem um período

composto, cuja noção é o ponto de partida para o que, no funcionalismo, se convencionou

como o processo de articulação de orações.

As gramáticas tradicionais falam de dois processos sintáticos na constituição do

período composto: a coordenação e a subordinação, que são caracterizados com base na

noção de dependência sintática. Segundo essa noção, as orações independentes são

aquelas que não exercem função sintática em outra oração, e as orações dependentes são

as que participam da estrutura sintática de outra oração. O período composto por

coordenação é formado de orações independentes, que compartilham do mesmo estatuto

sintático. O período composto por subordinação é formado por uma oração principal e

uma oração subordinada.

Tanto as orações coordenadas quanto as orações subordinadas podem ser ligadas

umas às outras por meio de uma conjunção. As orações coordenadas podem estar ligadas

entre si sem que haja uma conjunção, ou seja, apenas por justaposição. Quando, no

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período composto por coordenação, as orações estão ligadas por meio de uma conjunção,

o período é classificado do mesmo modo que a conjunção que a inicia: aditiva,

adversativa, alternativa, conclusiva ou explicativa.

Na estrutura do período composto por subordinação, a oração da qual depende uma

oração subordinada é denominada oração principal. Assim, a oração subordinada é

classificada de acordo com a função sintática que exerce na oração principal: como termo

integrante ou essencial da oração principal (orações substantivas), ou como termo

acessório (orações adjetivas e orações adverbiais).

No período composto por subordinação, o verbo da oração subordinada pode

aparecer na sua forma finita (com inflexões de pessoa, modo e tempo) ou na sua forma

nominal (infinitivo, gerúndio e particípio). As orações subordinadas cujo verbo esteja na

forma finita são consideradas, na tradição, como orações desenvolvidas, e as orações

subordinadas cujo verbo esteja na forma nominal são consideradas como orações

reduzidas.

A tradição reconhece como marcas de subordinação a presença de uma conjunção

subordinativa e a presença de certas formas verbais que são determinadas ou pela

conjunção subordinativa ou pela oração principal19. Quirk et al (1985) apontam que as

conjunções são o mais importante mecanismo de subordinação, principalmente para

orações finitas. De acordo com Bechara (2009), as marcas de subordinação, no português,

são evidenciadas pelo elemento gramatical que. Daí as locuções conjuntivas (conforme o

rótulo da tradição) serem formadas a partir da combinação do elemento que com um

vocábulo ou de natureza adverbial ou de natureza preposicional, em geral.

Bechara (2009, p.324-325) aponta que as locuções conjuntivas no português podem

formar-se segundo o padrão preposição+que ou segundo o padrão advérbio+que.

Assinala que as formações a partir de preposições não são propriamente locuções

conjuntivas, pois a preposição é responsável pela sinalização da relação circunstancial.

São locuções conjuntivas, propriamente, aquelas formações a partir de um advérbio, visto

que o conjunto advérbio+QUE funciona como um conjunto unitário, no qual o significado

do advérbio é alterado, “motivado pelos significados dos lexemas que entram na oração e

por uma interpretação suplementar, contextual, do falante calcada na sua experiência de

                                                                                                               19 Ver Bechara (2009, p.462) e Cunha e Cintra (2008, p.618).

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mundo” (p.325). Na comparação das três frases a seguir percebe-se, na locução

conjuntiva, a “alteração” de significado do advérbio “ainda”.

(01) O João ainda está brincando lá fora. (temporalidade) (02) Ainda tenho muito futebol para dar, disse Bebeto. (persistência)

(CDP:19:N:Br:Bahia)

(03) Ainda que corresse, não haveria tempo de faltar. (concessividade) (CDP:19:Fic:Br:Louzeiro:Pixote)

O que se apresentou nesta seção constitui uma caracterização geral da junção de

orações pelo prisma teórico da Gramática Tradicional, segundo o qual a coordenação e a

subordinação são processos sintáticos cuja distinção é precisamente estabelecida. A

seguir, são apresentados os princípios cognitivo-funcionais que guiam a análise desse

processo de articulação de orações. Adiante-se que, no modelo funcional, a análise do

processo de (con)junção extrapola os limites da oração, e a articulação de orações é vista

como um processo discursivo-textual, não simplesmente sintático.

1.3.2 A (con)junção de orações: a visão funcionalista da articulação interoracional

Em uma orientação funcionalista, a descrição e a caracterização dos processos de

(con)junção extrapolam, pois, o nível oracional e partem, principalmente, para a

observação e para a consideração de fatores pragmático-discursivos. Portanto, o contexto

no qual os enunciados estão inseridos é de especial relevância na definição das funções

exercidas por esses enunciados. Givón (2001b, p.343), por exemplo, considera que

orações (adverbiais) pospostas tendem a ter conexões mais locais com sua oração

principal e, portanto, estão mais semanticamente integradas à oração principal.

Considera, ainda, que as orações (adverbiais) prepostas têm conexões mais globais com

seu contexto discursivo e, que, portanto, entre a oração subordinada e a sua principal

opera-se uma ligação mais pragmática do que semântica20.

Além disso, em uma investigação funcionalista, que implica a desconsideração de

divisões rígidas entre categorias, as fronteiras entre a coordenação e a subordinação são                                                                                                                20 Para Givón (2001b, p.343), a conectividade semântica é característica das orações pospostas, e

a conectividade pragmática é característica das orações prepostas.

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relativizadas, principalmente quando uma oração não faz parte da estrutura sintática de

outra oração, caso das adverbiais. Halliday (1994, cap. 7) propõe uma organização

sistêmica de relações que regulam e regem o processo de articulação de orações.

Na gramática sistêmico-funcional de Halliday (1994), são dois os “sistemas”

(eixos) de interpretação para as relações semântico-funcionais: a) um sistema de

interdependência, chamado de tático, no qual são possíveis as relações paratáticas e as

relações hipotáticas; b) um sistema lógico-semântico, de ‘expansão’ ou de ‘projeção’.

No sistema tático, o de interdependência, a parataxe é caracterizada pela articulação

de elementos de igual estatuto – um inicia e o outro continua –, enquanto a hipotaxe é a

articulação de dois elementos de diferentes estatutos, em que um dos elementos é o

dominante e o outro é o dependente. O sistema tático aplica-se não somente à articulação

de orações como também à articulação de sintagmas e frases dentro da própria estrutura

sintática da oração.

No sistema lógico-semântico, a expansão pode ser: a) por elaboração, em que uma

oração elabora o significado de outra (o modelo de conjunção é isto é); b) por extensão,

em que uma oração amplia o significado de outra, adicionando um novo elemento (o

modelo de conjunção é e); c) por realce, em que uma oração expande o significado de

outra, qualificando-a quanto a tempo, causa, condição (as conjunções típicas são assim,

então). Na projeção, uma oração projeta-se a partir de outra instanciando ou uma locução

(que vem representada por “...”) ou uma ‘ideia’ (que vem representada por ‘...’).

Na proposta hallidayiana, as tradicionais “orações adverbiais” encontram-se

abrigadas na combinação do eixo da hipotaxe com o eixo da expansão, mais

especificamente, uma expansão de realce. As orações hipotáticas de realce são, então,

aquelas que apresentam uma relativa dependência de outra oração, a qual qualificam por

meio da atribuição de uma circunstância.

Não estão incluídas no eixo tático as relações de encaixamento (embedding), que

são aquelas relações em que uma oração funciona como constituinte da estrutura de um

sintagma (um sintagma verbal, por exemplo) que, por sua vez, é constituinte de outra

oração . São exemplos de encaixamento as orações subordinadas substantivas e as

orações adjetivas restritivas (em termos tradicionais). O encaixamento é um mecanismo

de constituência, ao passo que a parataxe e a hipotaxe são processos de relação.

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Halliday e Matthiessen (2013) destacam que a distinção entre parataxe e hipotaxe

está ligada ao desenvolvimento das estratégias retóricas dos textos. Essa visão tem uma

contraparte importante na proposta de Matthiessen e Thompson (1988), para quem a

caracterização da relação de interdependência das orações fica ainda mais esclarecida se

considerado o ambiente discursivo em que as orações estão inseridas. Para esses autores,

a organização do processo de articulação de orações é um reflexo da organização global

do discurso, no qual se observam as relações multinucleares (que são análogas às relações

paratáticas) e as relações núcleo-satélite (que são análogas às relações hipotáticas).

Nessas últimas reconhece-se a existência de uma porção mais central para os propósitos

comunicativos (núcleo) e a existência de uma porção suplementar (satélite). Nessa linha,

a hipótese defendida é a de que o processo de articulação de orações no discurso reflete a

gramaticalização de unidades retóricas, definidas como relações retóricas. Nesse sentido,

as orações hipotáticas de realce são a gramaticalização de relações retóricas do tipo

núcleo-satélite na organização discursiva21.

Outra proposta que se relaciona aos princípios hallidayianos de articulação de

orações é a de Hopper e Traugott (1993). Esses autores partem do sistema tático de

Halliday (1994) e propõem um continuum na articulação de oração, com três pontos de

agrupamento, que indicam três diferentes estágios na tendência de as orações se

gramaticalizarem. Na obra, estão caracterizados esses três grupos a partir de dois traços:

dependência [dep] e encaixamento [enc]. Em um dos polos está a parataxe, caracterizada

pela relativa independência das orações [-dep] e pelo não encaixamento [-enc]. No outro

polo do continuum está a subordinação, ou encaixamento, no qual se verifica completa

dependência [+dep] e completa inclusão [+enc] de uma oração na estrutura de outra. A

zona intermediária entre os polos é a hipotaxe, na qual se verifica uma relativa

dependência entre as orações [+dep], mas não se verifica a integração da oração

hipotática a um outro núcleo [-enc].

                                                                                                               21 Esta proposta serve de base para muitas investigações sobre a natureza cognitiva das relações

de coerência, como é o caso da proposta de Sanders et al. (1992). Todos os trabalhos subsequentemente desenvolvidos a partir de Sanders et al. (1992) partem do pressuposto de que a coerência discursiva é um epifenômeno, que é linguisticamente instanciado, mas cognitivamente determinado.

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Para Hopper e Traugott, o nível de integração entre as orações reflete o

isomorfismo entre a conectividade semântico-pragmática e a dependência sintática. É

nessa direção que Givón (2001b, p.328) estabelece que, nesse continuum funcional de

“interdependência”, as propriedades semânticas e proposicionais da integração de eventos

gradualmente se tornam propriedades pragmático-discursivas de coerência entre eventos,

afirmando que “Quanto mais forte for a conectividade semântica ou pragmática entre dois

eventos/estados tanto mais forte será a dependência sintática entre as duas orações que os

codificam”22 (p.328). Nesse sentido, o maior grau de dependência sintática das orações

encaixadas é resultado da complexidade “semântico-cognitiva” de um evento.

Neste mesmo espírito, está a proposta de Lehmann (1988), na qual se estabelece um

conjunto de seis parâmetros 23 que, de modo geral, permitem verificar o grau de

autonomia e o grau de integração entre orações. O denominador funcional comum a esses

seis parâmetros é o continuum que vai da máxima elaboração até a máxima compressão.

Segundo o autor, a visão funcionalista da articulação de orações implica analisar as

orações em combinação como um único estado de coisas complexo (compressão)24, cujos

eventos são altamente interligados, ou como um único estado de coisas composto de dois

estados de coisas (elaboração) (p. 217).

Nessa linha de reflexão, fica assentado que a articulação de orações não se resolve

na dicotomia entre coordenação e subordinação. Pelo contrário, nesse processo de

combinação de orações está em jogo um conjunto de parâmetros que permitem identificar

os diferentes graus de integração (sintática, semântica e discursiva) entre orações. Os

parâmetros em si mesmos são contínuos e fluidos, como também o são os expedientes

linguísticos por meio dos quais se codificam orações em articulação. Givón (2001b)

                                                                                                               22 Tradução deste autor. Texto original: “The stronger is the semantic or pragmatic connectivity

between two events/states, the stronger will be the syntactic depend between the two clauses that code them”.

23 São estes os parâmetros apresentados por Lehmann (1988): a) declínio hierárquico da oração subordinada; b) estatuto sintático da oração subordinada em relação à oração principal; c) dessentencialização da oração subordinada; d) gramaticalização do verbo da oração principal; e) interligação das duas orações; f) explicitação da ligação. Cada um desses parâmetros apresenta-se como um continuum estabelecido entre dois polos.

24 Uma grande diferença entre a proposta de Lehman e as outras apresentadas está em que esse autor considera tanto a hipotaxe quanto o encaixamento como tipos de subordinação. A hipotaxe é apresentada como um tipo de sintagma subordinado, enquanto o encaixamento é apresentado com um tipo de relação de subordinação.

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salienta que, tomada no discurso, nenhuma oração é, de fato, independente, ou funciona

autonomamente, pois todas estão ligadas a porções discursivas anteriores e posteriores,

participando da construção tanto da coerência local, na sua relação com orações

adjacentes, quanto da coerência global, na sua relação com porções maiores de discurso.

Apesar do estabelecimento desses parâmetros, a zona linguística que envolve o

processo de articulação de orações ainda apresenta áreas de indeterminação. Na verdade,

o processo de articulação de orações mostra-se um fértil território de investigação de

fluidez das categorias e de suas superposições funcionais.

No caso das orações concessivas consideradas nesta pesquisa, a questão do grau de

dependência entre a oração hipotática adverbial e sua principal pode ser exemplificada

por meio de (04), a seguir, em que o âmbito de incidência da oração concessiva não é

uma oração principal, mas, sim, toda uma porção de texto precedente. Em casos como

esse, percebe-se uma integração mais frouxa entre o segmento subordinado e o segmento

nuclear, evidenciada até mesmo pela forma de modo indicativo do verbo viver, em

destaque.

(04) todo mundo vive período de de: - festa de natal de fim de ano de ano por exemplo - mas fim de ano não é só natal pra quem é católico - é: pra quem é protestante é pra quem bate bombo bom - é pra toda essa série de pessoas - se bem que uns - vivem mais aquele período - outros menos - mas - se tem aquilo - como realmente o dia do nascimento de Cristo - e eu acho até que isso é muito importante essa data porque - se aceite ou não aceite - é um período que o povo - éh::

(CDP:19Or:Br:LF:Recife)

As orações tradicionalmente chamadas de adverbiais são consideradas, na linha

funcionalista, como um tipo de hipotaxe de realce. A função desse tipo de oração é

qualificar outra oração conferindo uma circunstância de tempo, de lugar, de causa, de

condição, etc.

Nesta pesquisa, faz-se uso dos termos construção causal e construção concessiva,

quando se fala das relações de causalidade e de concessividade de todos os níveis, seja

entre sintagmas, orações, frases, ou, ainda, porções de texto. As construções são formadas

de um segmento nuclear e um segmento hipotático (causal ou concessivo). Dessa forma,

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em uma construção causal como (05), tem-se como segmento nucelar as financeiras

optaram pelo prazo mais estendido, e como segmento causal já que não há dinheiro no

bolso; em uma construção concessiva como (06), tem-se como segmento nuclear não

haveria tempo de faltar, e como segmento concessivo ainda que corresse.

(05) Já que não há dinheiro no bolso, as financeiras optaram pelo prazo mais estendido. (CDP:19Or:Br:Intrv:Com)

(05) Ainda que corresse, não haveria tempo de faltar.

(CDP:19:Fic:Br:Louzeiro:Pixote)

1.4 A articulação de orações e os processos cognitivos da linguagem

Pela perspectiva do discurso, os itens juntivos podem ser considerados como

operadores de instruções, por meio dos quais o falante direciona a interpretação do

ouvinte para uma determinada relação entre eventos. Cognitivamente, os itens juntivos

são considerados ‘gatilhos’, cuja função é a de construir ou de evocar ou, ainda, de

elaborar um determinado espaço mental 25 (FAUCONNIER, 1997; DANCYGIER;

SWEESTER, 1996, 2005). Nessa perspectiva, deve-se fazer uma distinção entre esses

processos de construir um novo espaço, evocar um espaço já acessível e elaborar um

espaço mental ativo.

Quando o papel de um item juntivo é o de construir um espaço novo ou evocar um

já acessível, esses elementos são considerados construtores de espaços. Compartilham

dessa mesma função, de acordo com Fauconnier (1997): adjuntos temporais, como no

ano de 1975; orações cujo verbo indique algum tipo de crença ou ciência, como ‘Joana

acredita que’ . Em uma oração como No ano de 1985, faleceu Carlos Drummond de

                                                                                                               25 Espaços mentais são um “modelo parcial e local de algum conteúdo mental [...], ou de alguma

interação verbal, ou de alguma linha de raciocínio” (DANCYGIER; SWEETSER, 1996, p.84, ênfase acrescida). Texto original: “[...] a partial local model of some aspect of mental content, [...], or some speech act interaction or some reasoning process”. Se o falante constrói um espaço a partir do adjunto “no ano de 1985”, o contexto histórico global (ou amplo) dos eventos que se passaram naquele ano não faz parte do seu raciocínio. Na verdade, faz parte do seu raciocínio, um acontecimento limitado a uma determinada estrutura/evento no mundo, nesse caso, o falecimento de Carlos Drummond de Andrade. Essa interpretação “limitada” a uma determinada estrutura/evento no mundo é o que confere aos espaços mentais, conforme a definição de Dancygier e Sweetser (1996), esse caráter de modelos “parciais e locais”.

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Andrade, o adjunto temporal (no ano de 1985) serve à função de construir um novo

espaço mental, diferente do espaço base. Portanto, a interpretação da informação faleceu

Carlos Drummond de Andrade acontece dentro desse novo espaço construído26.

O mecanismo da construção de espaços mentais pode ser exemplificado pela

conjunção condicional se. Em construções condicionais preditivas (ou hipotéticas), o

falante faz uma predição ou levanta uma hipótese, apresentando-a em um segmento

nuclear, com base na informação do segmento condicional (DANCYGIER, 1998;

DANCYGIER; SWEETSER, 1996, 2000). Em uma construção condicional como Se

chover amanhã, eles cancelarão o jogo27, o segmento condicional constrói dois espaços a

partir do espaço base (Diagrama 1.3). No espaço base, não há nem chuva, nem o

cancelamento do jogo. A partir do espaço base, são construídos dois outros espaços,

alternativos, ambos futuros. Em um desses espaços, acontece a chuva e, portanto, o

cancelamento do jogo, enquanto no outro espaço não acontece a chuva e, portanto, o jogo

não é cancelado. Este último espaço é chamado de “espaço contrafuturo” (DANCYGIER;

SWEETSER, 1996, p.85), pois se opõe à predição feita naquele outro espaço, que é o

“espaço futuro” propriamente dito, no qual acontecem tanto a chuva quanto o

cancelamento do jogo. A representação desse exemplo segue no Diagrama 1.3.

                                                                                                               26 Essa dinâmica de construção de espaços, reforça a coerência localista dos espaços mentais, não

global. 27 Exemplo retirado de Dancygier e Sweetser (1996, p.85), “If it rains tomorrow, they’ll cancel

the game”.

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Diagrama 1.3. Se chover amanhã, eles cancelarão o jogo. *Adaptado de Dancyger e Sweetser (1996, p.85)

Diferentemente do que ocorre nas construções condicionais, nas construções

causais os segmentos que indicam causa elaboram espaços mentais anteriormente

acessados, nos quais a relação de causalidade se dá. A diferença entre as construções

causais e as construções condicionais se explica, funcionalmente, com base no fato de o

segmento condicional geralmente restringir a asserção feita na oração principal,

diferentemente do segmento causal, que pode adicionar a consequência, ou algum tipo de

explicação, de motivação para o que é dito no segmento nuclear, sem que haja a

modificação do conteúdo desse segmento (FORD, 1993; DANCYGIER; SWEETSER,

2000).

Na rede de espaços mentais, as várias funções dos itens juntivos (como a de

construir, a de evocar novos espaços e a de elaborar espaços mentais já ativados) são

desempenhadas em espaços mentais específicos, os quais constituem, na verdade,

domínios cognitivos. Na proposta de Sweetser (1990), são três os domínios: o domínio

de conteúdo, o domínio epistêmico e o dos atos de fala. Os domínios conceptuais são, na

verdade, espaços mentais disponíveis em qualquer situação de interação (DANCYGIER;

SWEETSER, 2005). Nessa medida, um juntivo causal pode servir à função de elaborar

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um espaço de conteúdo, ou um espaço epistêmico, ou, ainda, um espaço de ato de fala,

por exemplo.

1.4.1 A interpretação das construções causais e concessivas e os domínios cognitivos

Fica assentado em Sweetser (1990) que uma variedade de itens linguísticos, como

os verbos modais, os verbos de percepção, etc., pode ser usada em três domínios

cognitivos diferentes (de conteúdo, epistêmico e de ato de fala).

Essas categorias linguísticas, propostas originariamente em Lyons (1977), foram

reapresentadas em Sweetser (1990), para quem essa multifuncionalidade dos segmentos

adverbiais – e também de outros tipos de construções linguísticas – poderia ser explicada

em termos dessas categorias, que corresponderiam a domínios cognitivos 28 ,

representativos do processamento conceptual dos conteúdos enunciados. À relação entre

estados de coisas, corresponde o domínio de conteúdo; à relação entre proposições, que

evidenciam os processos de razoar do falante, corresponde o domínio epistêmico; à

relação entre frases, pela qual o falante faz o gerenciamento da situação comunicativa,

corresponde o domínio dos atos de fala. É possível ainda outro domínio, que não estava

na proposta original de Sweetser (1990), mas que foi apresentado por Dancygier (1998)

como um domínio metalinguístico29, no qual a relação entre os segmentos de uma

construção adverbial serve para a manutenção das formas linguísticas utilizadas pelo

falante.

A teoria dos espaços mentais permite tratar essas categorias como espaços pelos

quais se acessa o conteúdo das construções causais e concessivas.

                                                                                                               28 A Gramática Discursivo Funcional (HENGEVELD; MACKENZIE, 2008), uma extensão da

Gramática Funcional de Dik (1997), propõe quatro níveis de organização para o componente gramatical da língua: o nível interpessoal (pragmática), o nível representacional (semântica), o nível morfossintático e o nível fonológico. Assumem Hengeveld e Mackenzie (2008, p. 13-14), que a pragmática governa a semântica, e que essas duas governam a morfossintaxe, e que a pragmática, a semântica e a morfossintaxe governam a fonologia. Essa organização segue um modelo top-down, pois inicia-se no nível mais alto (o interpessoal) para chegar ao mais baixo (fonológico).

29 Um exemplo de construção metalinguística é “Ele e a namorada, se essa for a palavra certa, foram ao cinema”. O segmento condicional em destaque não tem representação semântica, mas serve à propósitos de gerenciamento da forma linguística em questão, “namorada”.

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Conforme Sweetser (1990), a causalidade do “mundo real” é estabelecida no

espaço de conteúdo30. Esse tipo de relação, que se dá entre os conteúdos das orações,

pode ser vista em (07), a seguir.

(07) Os três estados, que têm perspectiva de crescimento econômico, estão em dificuldades financeiras porque não conseguiram enxugar a máquina administrativa.

(CDP:19N:Br:Cur)

Na ocorrência (07), a relação de causalidade entre o segmento nuclear e o segmento

causal se estabelece entre os eventos/estados representados na construção. Segundo o

falante-escritor, a situação financeira dos três estados mencionados é consequência de

não se ter enxugado a máquina administrativa, e a construção causal fornece pistas que

licenciam essa interpretação.

Diferentemente do que acontece em (07), na ocorrência (08) percebe-se que a

relação de concessividade não se dá entre fatos em um “mundo real”, configurando,

portanto, uma construção que não está no domínio de conteúdo, mas no domínio de dois

atos de fala.

(08) Ué, era só ter perguntado. Se bem que eu também não sei muito bem. (CDP:19Or:Intrv:Web)

Em (08), o documentador acaba de dizer para o informante que havia ficado com

dúvidas sobre afirmações feitas anteriormente e reclama a falta de esclarecimentos por

parte do informante. O informante, para o gerenciamento do contexto do ato de fala,

adverte o documentador de que era necessário ter sido perguntado e, em seguida, faz uma

ressalva, na qual deixa claro que não poderia oferecer maiores explicações, por falta de

conhecimento. Nesse contexto, o segmento concessivo configura um ato de fala, uma vez

que, por meio dele, constroem-se representações do próprio cenário sociointerativo. Esta

interpretação no domínio de ato de fala relaciona-se diretamente com a função dessa

construção no discurso, a de fazer uma ressalva. Como diz Fauconnier (1994), aspectos

                                                                                                               30 Sanders (1997) define relações desse tipo como aquelas que relacionam eventos que já

aconteceram, portanto, não há como contestar o seu “valor de verdade”.

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composicionais particulares a essa construção concessiva, por exemplo o fato de o verbo

da oração aparecer no modo indicativo (sei), e não no subjuntivo, fornecem as pistas

linguísticas que evidenciam o estabelecimento do significado.

Dancygier e Sweetser (2005, p.16-17) resumem a diferença entre o espaço de

conteúdo e o espaço de ato de fala considerando que neste tipo de espaço são feitas

representações sobre a construção da cena enunciativa, ao passo que naquele tipo de

espaço são feitas representações sobre o conteúdo de que se fala na interação.

Além do espaço de conteúdo e do espaço de ato de fala, há, também, o espaço

epistêmico, no qual está envolvido o razoar do falante. Em (09), a relação de causalidade,

ao contrário do que ocorre em (07) e em (08), não se dá entre conteúdos descritos nos

segmentos, mas se estabelece entre crenças do falante sobre fatos possíveis. Pode-se

entender essa relação de causalidade como se o conhecimento do falante sobre o veto da

lei o tivesse levado a levantar a possibilidade de controvérsias acontecerem. Nas

construções causais epistêmicas, o que se verifica é que, na prótase [p], está uma

premissa que leva à conclusão apresentada na apódose [q]. Outros expedientes

linguísticos entram em jogo na condução do arrazoamento do falante, como é o caso do

verbo modal epistêmico poder, nessa ocorrência.

(09) Podem ocorrer controvérsias em temas ainda não resolvidos, como o do açúcar, sensível para nós, já que o Congresso votou uma lei [...] que o presidente Menem vetou por considera-la contrária aos interesses do Mercosul.

(CDP:19Or:Br:Intrv:ISP)

Para Sanders (1997), as relações epistêmicas apresentam-se como uma tentativa do

falante de “argumentar” sobre alguma coisa que acredita ser verdadeira; nesse tipo de

relação, geralmente se marca linguisticamente a perspectiva avaliativa do falante, ou de

algum outro sujeito de conceptualização. Esse tipo de raciocínio do falante, em que ele

parte de um fato para levantar possibilidades ou conclusões, marca o domínio epistêmico

tanto nas construções causais quanto nas construções concessivas.

Os espaços de conteúdo, epistêmico, de ato de fala e metalinguístico formam uma

rede dinâmica, pois, como dizem Dancygier e Sweetser (2005), esses espaços mentais

estão “gratuitamente” acessíveis em qualquer situação de processo comunicativo.

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Portanto, qualquer relação de causalidade ou concessividade pode ser prontamente

configurada, em qualquer um desses espaços. A essa rede dinâmica de espaços mentais

chama-se, segundo a proposta de Sanders et al (2009) Base Comunicativa (em inglês,

Basic Communicative Space Network, BCSN). A seguir, apresentam-se seus princípios

de funcionamento.

1.4.2 A dinamicidade da rede de espaços mentais e a construção cognitiva da

interação verbal: a Base Comunicativa (BCSN)

Conforme já posto, os parâmetros específicos de intepretação das construções

adverbiais passam, em primeiro lugar, por sua localização nos domínios conceptuais –de

conteúdo, ou epistêmico, ou de ato de fala, ou, ainda, metalinguístico (DANCYGIER,

1998; DANCYGIER; SWEETSER, 2005; SWEETSER, 1990) –, que são espaços básicos

e acessíveis “gratuitamente” em qualquer situação de interação. De acordo com

Dancygier e Sweetser (2005), de qualquer cenário sociointerativo fazem parte o par

falante-ouvinte, o contexto do ato de fala (espaço de ato de fala), os processos mentais

do falante e do ouvinte (espaço epistêmico), o conteúdo dos estados descritos (espaço de

conteúdo), e o mapeamento de formas e sentidos que são contextualmente acessíveis

tanto para o falante quanto para o ouvinte (espaço metalinguístico).

Essa configuração é uma extensão da noção de ground (cenário enunciativo),

utilizada por Langacker (1999, p.219), que corresponde ao complexo do evento

comunicativo, seus participantes e suas circunstâncias imediatas. A utilização das

expressões linguísticas, afirma Langacker (1990, 1999), está determinantemente

associada a um sujeito de consciência (doravante, SoC31), que, na interação, tanto pode

ser o falante (F) quanto o ouvinte (O). Nesse sentido, toda construção linguística assume

uma perspectiva, visto que a conceptualização do evento descrito no enunciado está

atrelada a um SoC.

Sanders et al (2009) formalizaram o conceito de Base Comunicativa (doravante,

BCSN) que inclui a representação do conteúdo linguístico em relação ao ground. O

Diagrama 1.4 a seguir, é uma representação da Base Comunicativa.

                                                                                                               31 Do termo em inglês, Subject of Consciousness (SoC).

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Diagrama 1.4. Base Comunicativa (BCSN) *Adaptação de Sanders et al (2009)

A Base Comunicativa é o centro dêitico da comunicação, pois nela estão

representados F, O e as respectivas condições contextuais nas quais a interação verbal se

dá.

Essa rede está dividida horizontalmente e verticalmente. Na divisão vertical, ao

lado direito estão os espaços de ato de fala e o epistêmico, com o sujeito de consciência

implícito; ao lado esquerdo está o espaço de conteúdo, com o sujeito de consciência

explícito.  Na divisão horizontal, o nível linguístico está diferenciado do nível conceptual.

Neste nível está a base de conhecimento, na qual se encontram o conhecimento

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enciclopédico, o pragmático, bem como o léxico disponível e os processos de razoar. A

base de conhecimento diferencia-se da noção de “conhecimento de mundo”, pois, na

BCSN, estão abrigados também o conhecimento compartilhado específico a F e a O32. No

nível linguístico, está a representação que licencia as interpretações para as construções

adverbiais aqui analisadas.

Na maneira como foi configurada, essa Base Comunicativa permite relacionar o

sujeito de conceptualização ao evento conceptualizado, e dessa forma é possível atribuir a

um determinado SoC a responsabilidade pela construção da relação entre os eventos.

Nessa medida, com base no esquema apresentado na BCSN, é possível analisar também o

nível de subjetividade dos enunciados causais e concessivos. Uma expressão linguística é

tomada como mais subjetiva quando se faz referência implícita ao ground.

A proposta seminal de Sanders et al (2009, 2012) apresenta uma análise dos

conectivos causais em holandês, por meio da qual os autores explicam a funcionalidade e

o uso desses conectivos, destacando suas diferenças e particularidades. Na análise de

Ferrari e Sweetser (2012), as autoras valem-se da dinâmica da Base Comunicativa para

explicar a subjetivização33 de determinadas construções linguísticas em inglês, como as

construções modais com o verbo must.

O processo interativo entre F e O implica o gerenciamento intersubjetivo das

construções linguísticas (VERHAGEN, 2005), ou seja, os estados mentais de F entram

em coordenação com os estados mentais de O34. Muitos fatos linguísticos, portanto, só

são explicados considerando-se que F e O são SoCs que se engajam cognitivamente na

conceptualização do mesmo evento, e cujos estados mentais se coordenam no processo

de conceptualização.

                                                                                                               32 Por exemplo, se F e O interagem sobre o último romance de Milton Hatoum que foi lançado,

outro participante que se engajar no meio da interação entre F e O não terá os mesmos conhecimentos compartilhados naquela situação interativa.

33 As autoras seguem as noções de Langacker (1990) para falar de subjetivização, mas valem-se principalmente dos estudos de Traugott (1982, 1989, 1995), os quais relacionam gramaticalização com o aumento de subjetividade das expressões linguísticas. É por esse caminho que Ferrari e Sweetser (2012) explicam o sentido epistêmico do verbo modal inglês must, que antes assumia apenas o significado modal deôntico.

34 Essa coordenação é bem explicada se comparada ao modelo de interação verbal de Dik (1997), no qual F antecipa a informação pragmática (os estados mentais) de O, que, por sua vez, reconstrói a informação pragmática (os estados mentais) de F.

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Assume-se, aqui, que as construções causais podem muito bem ser explicadas em

termos da relação subjetiva entre o SoC e o evento conceptualizado. Por outro lado, para

as construções concessivas, que são dialógicas, assume-se que elas devem ser explicadas

levando-se em consideração a coordenação de mentes dos SoCs envolvidos na interação.

1.4.3 Da relação entre domínios cognitivos e níveis estruturais linguísticos

Em algumas propostas que relacionam descrição gramatical com aspectos

cognitivos, fica assentado que os espaços de conteúdo, epistêmico e de atos de fala

corresponderiam aos níveis estruturais que formal e semanticamente organizam qualquer

construção linguística. Esses níveis estruturais foram propostos por Dik (1997) em sua

Gramática Funcional.

As construções adverbiais, de modo geral, assumem variadas funções no discurso.

Elas podem expressar circunstâncias entre estados de coisas, entre proposições, que são

fatos possíveis, ou ainda entre atos de fala, em que o segmento adverbial se refere

especificamente à ‘motivação’ (ou ainda, à intencionalidade) da frase enunciada. Em Dik

(1997) fica assentado que esses diferentes níveis possíveis de expressão são camadas de

organização semântica e formal da estrutura da frase.

Dik (1997a) correlaciona as unidades estruturais que compõem a frase e o tipo de

entidade que elas representam. No nível estrutural mais baixo, está o predicado (nível 1),

que se aplica a um conjunto de termos específicos. O predicado designa as propriedades e

as relações, enquanto os termos se referem a entidades. Da aplicação desse predicado a

um conjunto apropriado de termos, tem-se a predicação (nível 2), que pode ser

interpretada como um conjunto de estados de coisas. Na predicação, há elementos que

são requeridos pela semântica do predicado (os argumentos35) e há elementos que provêm

informações adicionais (os satélites). Revestida de força ilocucionária, a predicação

passa, então, a ser uma proposição (nível 3), que se refere à entidade dos fatos possíveis.

E também a predicação pode ser emoldurada em outra força ilocucionária, constituindo,

assim, a frase (nível 4), que corresponde ao ato de fala36.

                                                                                                               35 Nessa proposta, as tradicionais ‘orações substantivas’ funcionam como argumentos do

predicado, visto que são obrigatórias e que são caracterizadas por um conjunto de funções semânticas.

36 Esquematicamente, tem-se a seguinte correspondência (adaptado de Dik, 1997a, p.50):

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Nessa proposta de Dik (1997b, p. 82), a hipotaxe adverbial encaixa-se na categoria

dos satélites circunstanciais, que assumem as posições periféricas na organização da

oração, visto que incidem sobre a predicação já configurada. Desse modo, em uma

ocorrência como (10), a oração temporal (satélite temporal) enquanto eu estiver bem

incide sobre a predicação central eu continuo, enquanto a oração causal (satélite causal)

porque eu gosto incide sobre toda a predicação, inclusive sobre o satélite temporal.

(10) Quanto ao basquete, não dá para fazer previsões. As pessoas me perguntam se eu vou parar esse ano, no ano que vem, mas eu não sei. Enquanto estiver bem, eu continuo, porque eu gosto, me dá muito prazer.

(CDP:19Or:Intrv:Cid)

A interpretação desses satélites pode variar (por exemplo, temporal, causal,

condicional, concessiva, etc.). Mas fica assumido que essa variação não é uma questão de

distintos significados semânticos, mas de diferentes interpretações pragmáticas, co-

dependentes de pistas contextuais e situacionais, visto que a função semântica geral

desses satélites é a de circunstanciar (DIK, 1997b, p. 82). Apesar de diferenças

terminológicas, Givón (2001b, p.330ff), no mesmo espírito de Dik, fala de variados elos

semânticos entre a oração (hipotática) adverbial e sua oração principal. Esses elos

semânticos são estabelecidos, como diz ele, ‘localmente’, pois a relação se dá entre dois

segmentos adjacentes, independentemente de sua organização ‘global’ no contexto

discursivo.

Nesta pesquisa são levados em consideração os elos causais como em (05) e os

concessivos como em (06) entre a oração hipotática e sua principal.

(05) Já que não há dinheiro no bolso, as financeiras optaram pelo prazo mais estendido. (CDP:19Or:Br:Intrv:Com)

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         Unidade estrutural Tipo de entidade Nível Frase ato de fala 4 Proposição fato possível 3 Predicação estado de coisas 2 Termo entidade 1 Predicado propriedade/relação

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(05) Ainda que corresse, não haveria tempo de faltar. (CDP:19:Fic:Br:Louzeiro:Pixote)

Neves (2002a, 2002b) sugeriu uma relação entre os domínios conceptuais e os

níveis estruturais de Dik aplicada à análise das construções adverbiais causais e

concessivas. Trata-se de uma relação possível, mas deve ficar claro que os domínios

conceptuais e os níveis estruturais diferem quanto à sua natureza: estes são de natureza

estrutural e hierárquica, próprios para a descrição gramatical da constituição da oração, e

aqueles são de natureza cognitiva, não-hierárquicos, porém ordenados de modo a

constituir a Base Comunicativa disponível em qualquer situação de interação.

Crevels (2000) realizou um estudo tipológico das construções concessivas com

base na proposta de Dik (1997), apresentada no início desta seção, conferindo a elas um

tratamento de quatro níveis semânticos: nível do conteúdo, nível epistêmico, nível

ilocucionário e nível textual. A autora, tal como Neves (2002a, 2002b), assume uma

possível relação dos níveis semânticos com os domínios de Sweetser (1990), com

exceção do nível textual, que não configura um domínio.

Crevels (2000) defende a existência de uma correspondência entre o nível de

ocorrência e a expressão formal da construção concessiva, considerando os critérios de

presença/ausência de conectivo, ordem das orações e tipo de conjunção concessiva

marcadora da relação. Os resultados apresentados mostram que, enquanto as construções

dos níveis de conteúdo e epistêmico são, quase sempre, sindéticas e com a prótase

precedendo (anteposta a) a apódose, as construções do nível textual são, quase sempre,

assindéticas e com a prótase seguindo (posposta a) a apódose. Para a autora, quanto maior

o nível semântico de uma construção, menor o grau de dependência entre os segmentos.

1.5 Os rumos da pesquisa

Partindo de tais pressupostos básicos e gerais, esta pesquisa objetiva mostrar que

os padrões de uso linguístico (ou “construcionais”) das construções adverbiais causais e

concessivas – suas características sintáticas, semânticas e pragmáticas – são um reflexo

da interação entre a organização conceptual da experiência e as condições comunicativas

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em que essas construções se inserem, e também que essas relações “lógico-semânticas”,

em sua natureza, estão conceptualmente interligadas.

No que diz respeito ao embasamento de teoria linguística para esta pesquisa, o

funcionalismo apresenta uma sólida teoria descritiva para a articulação de orações, na

qual se estuda a forma em sua relação com o significado e o efeito pragmático definidos

no discurso. Pode-se parear essa perspectiva àquela proposta pelo cognitivismo, na qual

as construções servem para evocar representações mentais, ou espaços mentais, estruturas

que viabilizam a interpretação e a construção da coerência local nas situações

comunicativas.

As relações causal e concessiva, objetos de estudo desta pesquisa, são relações de

natureza conceptual, mas linguisticamente instanciadas, geralmente pelo processo da

combinação de orações, em que o segmento adverbial circunstancia o segmento nuclear

em termos de causalidade ou de concessividade. Na tradição dos estudos do discurso, a

manifestação linguística dessas relações é o meio pelo qual se estuda a construção da

coerência discursiva. Encontradas no discurso geralmente na forma de construções

adverbiais, e geralmente marcadas por um item juntivo, essas relações conceptuais estão

abrigadas em uma zona cognitiva altamente fluida, formando um continuum categorial: a

“zona da causalidades” (NEVES, 2010, 2012).

As construções causais e as construções concessivas apresentam padrões

construcionais específicos, nos quais se observam formas gramaticais que se

especificaram na construção dos significados causal e concessivo, entretanto uma análise

dessas construções mostra que há áreas em que causalidade e concessividade se

sobrepõem funcional e semanticamente, refletindo o fato de que essas duas relações se

encontram abrigadas em uma zona semântica mais abrangente, a zona de causalidades37.

São considerados padrões construcionais tanto aspectos construturais internos à estrutura

dessas construções quanto aspectos organizacionais discursivos.

 

                                                                                                               37 Os capítulos 03 e 04 deste relatório de qualificação, apresentam uma discussão sobre a zona de

causalidade.

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Capítulo 02 A seleção dos dados e os procedimentos de análise

2.1 Preliminares

De acordo com Butler (2003, p. XVIII), qualquer estudo que siga princípios

funcionalistas para explicar os fenômenos gramaticais da língua deve, necessariamente,

valer-se de um “material textual autêntico”, que, como caracterizam Halliday &

Matthiessen (2013, p.3), nada mais é senão linguagem contextualizada em função. Esse

direcionamento metodológico encontra abrigo no comprometimento teórico geral do

funcionalismo, como postulam Givón (1995) e Schiffrin (1987), para quem a língua e,

portanto, sua estrutura não podem ser explicadas ou descritas sem que seja considerado o

contexto no qual estão inseridas.

O córpus de análise nesta pesquisa é o Corpus do Português (CDP, doravante)

(DAVIES; FERREIRA, 2006) 1 , um córpus formado de 45 milhões de palavras,

constituído de textos de diferentes registros, como oral, ficção, jornalístico e acadêmico.

O CDP2 apresenta as variedades da língua portuguesa de Portugal e do Brasil, que

abrangem os séculos XIII a XX.

Para a seleção de ocorrências no CDP, foram considerados três grupos de fatores:

a) tipo de texto (conversação oral, escrito de ficção, etc.); b) variedade idiomática

(português de Portugal ou português do Brasil); c) período histórico (séculos XIII a XX).

Foram estabelecidos os seguintes critérios para a seleção das ocorrências que

compõem o conjunto de dados a ser analisado no desenvolvimento desta pesquisa:

A) Tipo de texto

Quanto ao tipo de texto, fez-se a escolha pelos textos orais, ficcionais e

jornalísticos. Preferiu-se não incluir, no conjunto dos dados, as ocorrências de textos

acadêmicos, formados de teses, dissertações e artigos científicos, a fim de evitar a grande

carga de metalinguagem, que é utilizada nesses tipos de texto.                                                                                                                1 Disponível eletronicamente em www.corpusdoportugues.org . 2 O site do CDP fornece uma lista com o nome e a fonte de todos os textos que constituem o

córpus.

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O conjunto de textos orais é formado de entrevistas e diálogo entre informantes. Na

categoria de textos ficcionais, estão os romances e obras literárias escritas em prosa. Aos

textos jornalísticos pertencem a notícia e o artigo de opinião.

B) Variedade do idioma

No que diz respeito às variedades do português, optou-se apenas pela variedade do

português brasileiro.

C) Período dos textos

Quanto ao período histórico dos textos, limitou-se a amostra às ocorrências de

textos do século XX, já que o interesse maior desta pesquisa é uma análise sincrônica dos

fatos linguísticos.

A partir dessa seleção, a Tabela 2.1 apresenta o número de palavras referente

apenas aos conjunto de textos do século XX da variedade brasileira e dos tipos textuais

de notícia, ficção e oral. No total, são 6,924,034 palavras.

Tipo textual Século Variedade Número de

palavras Notícia XX Brasil 2,816,802 Ficção XX Brasil 3,028,646 Oral XX Brasil 1,078,586

Tabela 2.1. Número de palavras no CDP por tipo de texto

A localização dos exemplos foi feita imediatamente após cada citação e consta do

século, seguido da abreviatura ou sigla do tipo de texto do córpus. Nas ocorrências de

textos orais, faz-se indicação da natureza do texto oral (ou entrevista, ou diálogo). Nas

ocorrências de textos ficcionais, faz-se indicação da obra a que o trecho pertence, bem

como do autor da obra.

2.2 A delimitação do universo de investigação: os itens linguísticos articuladores de

relações de causalidade e concessividade

Buscaram-se, em gramática de referência da língua portuguesa do Brasil, a

Gramática de usos do português (Neves, 2000), os itens juntivos documentados que

explicitam as relações de causalidade e concessividade. Sistematizados no quadro a

seguir estão aqueles destacados pela autora em sua gramática.

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Causais porque, como, pois, porquanto, que (porque), já que, uma vez que, dado que, desde que, visto que, visto como, pois que, tanto mais que, por causa que, por isso que

Concessivos embora, conquanto, mesmo que, ainda que, posto que, apesar (de) que, se bem que, por mais que, por muito que, por menos que

Quadro 2.1. Conectivos causais e concessivos no português brasileiro *Adaptado de Neves (2000, p. 802-3, 862-3).

Nesta pesquisa, optou-se pelos “conectivos complexos” ou “conjunções

complexas”, segundo denominação de Neves (2006, p.260) e de Halliday (1994, p.215),

por dois motivos: a) a fim de comparar elementos de mesma natureza gramatical, optou-

se pelos “conectivos complexos” ou “conjunções complexas”; b) esses itens estão menos

gramaticalizados do que estão as conjunções porque e embora, e são, portanto, menos

opacos. Esses itens, aqui chamados de “itens juntivos” 3 , conforme justificado na

explicação teórica fornecida no capítulo 01, geralmente são formados, na base, de um

item lexical e da partícula subordinativa que. Genericamente, esses juntivos complexos

respeitam a formulação BASE-LEXICAL + QUE.

A partir da lista de itens juntivos apresentada em Neves (2000) foram selecionados,

para esta pesquisa, três itens de cada relação: entre os causais se analisam já que, uma vez

que e visto que; entre os concessivos, se analisam ainda que, mesmo que e se bem que.

A partir da proposta de Neves (2006, p. 261), os itens juntivos foram categorizados

de acordo com o item lexical componente da base desses itens. Obtém-se o seguinte

quadro.

Base verbal Base adverbial Base mista Causais visto que

já que

uma vez que -

Concessivas - ainda que mesmo que

se bem que

Quadro 2.2. Os itens juntivos causais e concessivos conforme a base lexical.

                                                                                                               3 Veja-se o capítulo 05 para um tratamento categorial desses itens.

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Como o objetivo principal desta pesquisa (conforme anunciado na Introdução) é

verificar as relações gramaticais na zona da causalidade e da concessividade, é necessário

verificar, também, a relação semântica entre a causalidade e a concessividade. A fim de

chegar a esse objetivo maior, é necessário analisar os mecanismos gramaticais pelos

quais são instanciadas essas relações conceptuais de causa e de concessão. Nesse sentido,

o exame dos itens juntivos selecionados permite a formulação de generalizações no que

diz respeito ao funcionamento das estruturas gramaticais nas zonas causal e concessiva.

A divisão apresentada no Quadro 2.2 possibilita cotejarem-se as estruturas linguísticas

utilizadas na constituição dos itens juntivos em análise4.

Feita essa divisão, percebe-se o caminho pelo qual se deve fazer incursões a fim de

chegar à análise da ligação conceptual entre as zonas da causalidade e da concessividade.

Quanto à formação dos itens juntivos selecionados, a base adverbial é a mais recorrente.

Quanto à natureza semântica dos elementos adverbiais utilizados, uma vez tem natureza

frequentativa, mesmo tem natureza escalar, e ainda e já têm natureza temporal. Lembra-

se aqui que essas relações são de natureza conceptual, contudo é a partir do exame da

materialidade linguística desses juntivos que se torna possível levantar generalizações

sobre seus princípios de funcionamento.

O exame previsto dos itens juntivos refere-se àqueles que constam no Quadro 2.2

apresentado anteriormente. Contudo, quando necessário, serão considerados, para

comparação, outros itens juntivos causais e concessivos (como tanto mais que, por mais e

menos que e nem que, causal e concessivos, respectivamente) bem como as conjunções

que exprimem essas relações, porque e embora, respectivamente.

2.3 A delimitação do universo de investigação: os itens juntivos relacionados para

análise

Na Tabela 2.3, a seguir, está apresentado, quantitativamente, o universo de

ocorrências que constituem objeto de análise nesta pesquisa. É importante destacar que

são analisadas todas as ocorrências dos itens juntivos causais e concessivos delimitados

para esta pesquisa; portanto, analisa-se o conjunto de dados total presente no CDP de

cada um desses elementos.

                                                                                                               4 A esse respeito, veja-se o capítulo 6, seção 6.1.

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Tabela 2.3. O universo das ocorrências causais e das concessivas

2.4 A relevância de uma análise quantitativa5

A investigação linguística a que se procede neste trabalho implica buscar a relação

entre os traços semânticos e pragmáticos das construções causais e das construções

concessivas bem como a composicionalidade formal dessas construções, atentando-se,

primariamente, para os itens juntivos complexos que encabeçam as construções

adverbiais de causa e de concessão. Portanto, contemplam-se, nesta pesquisa, a

construção do significado e a obtenção de efeitos pragmáticos instanciados pela estrutura

linguística. Por si só, esse seria um procedimento que não contemplaria o levantamento

quantitativo dos dados analisados, visto que tanto estruturas semânticas quanto efeitos

pragmáticos são inter-subjetivamente construídos na interação e, portanto, são muito

variáveis.

Entretanto, como apontam Sanders, Stukker e Verhagen (2009, p.125), os modelos

de análise linguística preocupados com o uso (como o são o cognitivismo e o

funcionalismo) assumem tanto que a variação é inerente ao sistema linguístico e ao uso

da linguagem quanto que há uma estabilidade nesse sistema, e que, portanto, deve-se

explicar os padrões recorrentes de variação e de estabilidade à luz do uso e de

mecanismos cognitivos.

É exatamente esse o objetivo desta pesquisa, ao conferir um tratamento quantitativo

aos dados levantados a partir de um exame das ocorrências e às variáveis levadas em

consideração.

                                                                                                               5 Com base em pesquisas empíricas, Glynn (2010) apresenta uma discussão teórica, sobre o papel da quantificação no tratamento de dados linguísticos de córpus. O autor levanta tanto os pontos fortes quanto os pontos fracos do tratamento quantitativo dos dados.

Item juntivo N. de ocorrências no CDP

Frequência relativa no CDP

Cau

sal já que 790 0,0001141

uma vez que 182 0,00002629 visto que 61 0,0000081

Con

ces ainda que 260 0,00003755

mesmo que 280 0,00004044 se bem que 100 0,00001444

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2.5 A quantificação dos dados segundo os parâmetros definidos para análise

Ficaram estabelecidos quatro parâmetros para a análise das construções causais e

concessivas introduzidas por itens juntivos complexos: (i) os domínios conceptuais nos

quais essas construções ocorrem; (ii) a correspondência modo-temporal entre os verbos

dos segmentos adverbial e nuclear; (iii) a ordem na qual aparecem os segmentos na

construção; e (iv) os graus de (inter)subjetividade das construções. Desses quatro

parâmetros, os três primeiros serão vistos tanto quantitativa quanto qualitativamente, ao

passo que o último parâmetro será considerado apenas qualitativamente.

O capítulo 07 desta dissertação dedica-se à análise quantitativa e qualitativa dos

dados obtidos referentes a esses parâmetros.

 

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PARTE II AS ENTIDADES DE ANÁLISE

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Capítulo 03 A causalidade na cognição e na linguagem

   3.1 Preliminares

A noção de causalidade, junto com a noção de condicionalidade, talvez seja uma

das noções que tenha sido mais explorada no campo da lógica, da filosofia da linguagem

e da metafísica. Nesses campos, estados de coisas causais encerram, por um lado, leis de

causalidade e, por outro, elos causais entre os eventos. Duas questões com as quais os

filósofos se preocupam, nesse território de causalidade, é, em primeiro lugar, a relação

das leis de causalidade com elos causais e, em segundo lugar, a relação desses elos

causais com estados de coisas não causais (SOSA & TOOLEY, 1993).

Ainda que as propriedades tidas como “lógicas” sejam válidas dentro de um

modelo cognitivo-funcional, a conceituação e caracterização da causalidade não pode se

restringir a essas propriedades.

Uma caracterização dentro de um modelo cognitivo-funcional permite que a

causalidade seja tratada como categoria conceptual e linguística. Como categoria

conceptual, a causalidade é vista mais amplamente do que apenas como uma relação de

“causa-efeito”; como categoria linguística, a causalidade constitui uma zona de

significação que abriga as relações (adverbiais) causais, condicionais e concessivas.

Esse cenário permite que se considere a concessividade como categoria conceptual

e também como categoria linguística. A tarefa de conceituar e de caracterizar a

concessividade segundo a sua natureza conceptual e linguística se reserva para o capítulo

04, mas neste capítulo ficam assentadas as noções básicas que viabilizarão tal tarefa.

3.2 A natureza conceptual da causalidade

3.2.1 A centralidade do arrazoamento causal: uma explicação cognitiva

Nesta pesquisa assume-se a centralidade do pensamento causal para exame da

relação concessiva. A afirmação da posição central da causalidade no processamento

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cognitivo humano tem uma base filosófica1 – pois abrange discussões mais generalizadas

sobre a constituição sócio-cognitivo-cultural dos indivíduos – mas certamente apresenta

suas implicações linguísticas. Estudos linguístico-tipológicos, como o de Kortmann

(1997), mostram que todas as línguas dispõem de expedientes linguísticos para marcar a

relação de causalidade. Com base nos resultados da pesquisa de Hopper e Thompson

(1980) sobre o fato de a maioria das línguas do mundo serem transitivas e causativas,

Tomasello (1999) assenta a noção de que o processamento da causalidade constitui um

aspecto fundamental da cognição humana. O autor conclui que “a estrutura linguística é

um resultado histórico (não a causa) do pensamento causal” (p. 183).

A noção de causalidade é essencial à cognição humana. Prever possíveis efeitos a

partir de causas conhecidas, ou, ainda, prever possíveis causas (desconhecidas) a partir de

efeitos conhecidos são operações cognitivas essenciais à sobrevivência humana e à

realização até de tarefas simples. Fauconnier e Turner (2002, cap.05) apresentam

evidência de que a cognição humana, ao longo de sua evolução, especializou-se em

“particionar” eventos complexos reduzindo-os a cadeias de causalidade. Os autores

exemplificam essa afirmação utilizando os conceitos de “morte” e “vida”. Esses dois

conceitos são assombrosamente misteriosos em quase todas as culturas do mundo2, se

não em todas. O que os indivíduos fizeram para entender esses conceitos foi “reduzir” a

noção de ‘morte’ a uma cadeia causal: pela perspectiva dos médicos, por exemplo, a

morte é apresentada como o estágio final de uma cadeia de sucessivas causas como

falência celular, metabolismo danificado, etc. De acordo com os autores, esses exemplos

podem ser levantados facilmente. Citando-se como exemplo, as ciências exatas, cujo

                                                                                                               1 Lakoff & Johnson (1999, cap.11) trazem uma discussão sobre a maneira como a mente humana

estrutura eventos e os relaciona em termos de causalidades. Para eles, a noção de “evento” e “causa”, na mente humana, não é estruturada por outro meio que não por metáforas. Concordam os autores, no entanto, em que a noção prototípica de causalidade é aquela que abriga a “manipulação de um objeto por uma força, o uso volitivo de uma força para mudar algo fisicamente por meio do contato direto com o ambiente”.

2 A Linguística Cognitiva toma como central o estudo do modelo cultural da linguagem, isto é, a maneira como culturalmente são entendidos discurso e interação. Sweetser (1987) aponta que as máximas de Grice (1975) e as condições de felicidade de Searle (1969) são modelos que parcialmente explicam como culturalmente os indivíduos compreendem o processo discursivo e a interação em si. Modelos culturais não ficam apenas no nível do discurso mas se estendem à caracterização semântica de palavras, como se vê no estudo de Sweetser (1987) que apresenta considerações a cerca do conceito de mentira (lie, em inglês).

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avanço e desenvolvimento só foram possíveis a partir do momento em que matemáticos e

filósofos conseguiram “desintegrar” eventos unificados em uma cadeia de causalidades.

Exemplos como esses revelam que é responsabilidade dos indivíduos determinar,

na cadeia de causalidades, o que pode ser considerado causa e o que pode ser considerado

efeito/consequência. Para isso são necessários critérios que possibilitem a categorização

de eventos e de causas, entretanto essa categorização não é discreta, e, sim, fluida.

Apontam Fauconnier e Turner (2002, p.175) que nesse processo de categorização pode

acontecer de causa e efeito se mesclarem em um único espaço3, dificultando a tarefa de

fazer uma distinção.

Segundo a Física teórica, não existem causas no mundo externo. Fala-se, na

verdade, de forças e de uma orgânica relação entre essas forças, sendo possível

determinar quais delas levaram a mudanças de estado ou, ainda, “originaram” outras

forças (WACHTER; HOEBER, 2006). Na dimensão cognitivo-perceptiva, pesa, sobre os

indivíduos, então, a responsabilidade de categorizar “forças” e eventos para que se

estabeleçam as devidas relações causais entre elas.

A percepção de eventos sucessivos pode suscitar a relação de causalidade entre

eles. Na língua, os falantes utilizam construções nas quais a simples adjunção de dois

eventos pode sugerir uma leitura causal. Neves (2012) propõe a existência de uma

correspondência básica entre as construções (hipotáticas) causais, introduzidas pela

conjunção porque, e as construções (paratáticas) aditivas, introduzidas por e. A

ocorrência (01), retirada de Neves (2012, p.169), foi reescrita pela autora em (01’).

(01) Não sabia, e isso o torturava mais do que tudo. (CEN)

(01’) Isso torturava-o mais do que tudo porque não sabia.

A construção cognitiva da cena representada em (01) é primitiva. Ambos os eventos estão

ordenados como temporalmente sucessivos, primeiro não sabia e, depois, isso (o não

                                                                                                               3 O mecanismo de mesclagem causa-efeito é descrito pelos autores como um mecanismo de

compressão, e, justamente por ser um mecanismo dessa natureza, a tarefa de “decompor” eventos em suas causas e efeitos. Na visão desses autores, isso pode ser problemático para o pensamento científico, pois, uma vez constatado o efeito, é possível conferir à causa o mesmo estatuto do efeito: por exemplo, para efeitos improváveis, esperam-se causas improváveis, etc. (FAUCONNIER; TURNER, p.175).

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saber o torturava mais que tudo). Essa representação cognitiva é expressa por meio de

expedientes linguísticos que deixam marcada a iconicidade básica entre os eventos (a

conjunção e). Não existe vínculo causal afirmado entre esses dois eventos que compõem

a cena em (01). No entanto, por implicatura, em termos griceanos (GRICE, 1975), pode-

se licenciar essa leitura em (01’). Inverter a ordem dos eventos, escolhendo manter a

construção (paratática) aditiva, incorreria na mudança da representação dos eventos feita

por F4.  

Segundo uma pesquisa realizada por Diessel (20045), construções (paratáticas)

aditivas com e são as primeiras construções adquiridas por crianças entre 2 a 4 anos de

idade. Essas construções expressam diversas relações semânticas além da adição, como

temporalidade, condicionalidade, causalidade e contrariedade. Durante o processo de

aquisição, observado em crianças de 3 a 5 anos, o autor verificou que, uma vez “fluentes”

nessas construções aditivas, as crianças começam a utilizar construções (hipotáticas)

causais, com as conjunções inglesas because e so, para referir-se, na maioria das vezes, a

“causas psicológicas e explicações” (p. 160), mas também para expressar a “causa

lógica” e a “causa física”.

Estudos como o de Dissel (2004) conduzem à consideração do pensamento causal

como um tipo de raciocínio básico e constitutivo dos processos cognitivos dos

indivíduos, e o processo de aquisição da linguagem é uma evidência disso. Ao interagir

com o mundo físico, os indivíduos constroem modelos cognitivos que, ao longo do

tempo, se tornam entrincheirados (entrenched). A partir desses modelos, os indivíduos

são capazes, por exemplo, de prever causas possíveis que levariam a prováveis

consequências, ou, ainda, por analogia, de aplicar modelos de causalidade conhecidos a

outras situações de interação e a eventos antes desconhecidos (FAUCONNIER &

TURNER, 2002).

Propõem Lakoff & Johnson (2003 [1980], cap. 14) que a causalidade seja

considerada como uma gestalt experiencial. Eles afirmam que um entendimento

                                                                                                               4 R. Lakoff (1971), Sweetser (1990), entre tantos outros, já notaram que esse princípio da

iconicidade da adição inerente à conjunção e explicaria a multiplicidade de sentidos que essa conjunção pode estabelecer. Neves (2012, p.169, nota 4) também faz indicações na mesma direção.

5 Esse estudo foi realizado principalmente para a língua inglesa. Nele, o autor pesquisou a aquisição de construções encaixadas, adverbais e coordenadas.

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adequado do que seja a causalidade requer que ela seja vista como um conjunto de

propriedades que formam uma gestalt, ou seja, “um todo que que nós, seres humanos,

consideramos mais básico que suas partes”6 (p. 70). Ou seja, o conceito de causalidade,

em si, apresenta-se como mais básico do que se apresentam as propriedades.

Segundo esses autores, no conjunto de propriedades que melhor caracterizam a

noção prototípica de causalidade estão as seguintes:

a) O agente tem como objetivo que o paciente sofra alguma mudança de estado. b) A mudança de estado é física. c) O agente possui um “plano” para atingir seu objetivo. d) O plano requer o uso do programa motor do agente. e) O agente está no controle de seu programa motor. f) O agente é o maior responsável por colocar o plano em prática. g) O agente é a fonte de energia (isto é, o agente direciona suas energias em direção

ao paciente) e o paciente é o alvo da energia (isto é, a mudança do paciente deve-se à fonte externa de energia).

h) O agente toca o paciente ou com seu corpo ou com um instrumento (isto é, existe uma superposição espaço-temporal entre o agente e aquilo que ele faz sobre o paciente).

i) O agente é bem sucedido em seu plano. j) O agente monitora a mudança no paciente por meio da percepção sensorial. k) Existe um único agente e um único paciente específicos.

(LAKOFF & JOHNSON, 2003, p.70-71)

Esse conjunto de propriedades seria o que caracteriza a “manipulação prototípica”,

e esses casos constituiriam a causalidade por excelência.

Observe-se que às propriedades de a) a k) estão intimamente associadas noções

como volição, agentividade, responsabilidade, controle sobre objetos e sobre

instrumentos, etc., noções que são reconhecidas como essenciais para a descrição e para a

explicação de construções causativas nas diversas línguas do mundo. Um reflexo disso é

o fato de que muitas línguas dispõem de elementos gramaticais que codificam essas

noções conceptuais por meio de casos e papeis semânticos (SHIBATANI, org., 20027).

                                                                                                               6 Tradução deste autor. Texto original: “a whole that we human beings find more basic than the

parts.” 7 O conjunto de estudos organizados em Shibatani (org., 2002) provêm uma amostra de como as

línguas do mundo codificam a gramática da causalidade e da manipulação interpessoal. Nesse volume, todas as contribuições têm como foco as construções causativas instanciadas por itens lexicais, não por combinações de orações, como é o caso desta pesquisa.

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Nessa linha de investigação que assume a causalidade como uma gestalt

experiencial, é pertinente verificar a relação desses fatores (experienciais) com a

manifestação linguística da relação de causalidade, principalmente nas construções em

que se tem um segmento nuclear e um segmento causal ligados por meio de um item

juntivo. Essa verificação, já feita em diversas línguas (como o holandês, o francês e o

alemão8) conduz à consideração de que, de fato, os indivíduos são responsáveis por

categorizar os eventos e as experiências de modo a estabelecer possíveis relações de

causa entre eles. Um exame cuidadoso, no qual sejam consideradas as estruturas mentais

relacionadas à produção linguística, pode suscitar resultados que, mais genericamente, se

estendam e se apliquem a mecanismos mais gerais como o da categorização.

Segundo estudos de Pander Maat & Sanders (2000), algumas línguas, como o

holandês, não possuem um conectivo mais geral que marca a causalidade entre

segmentos, do mesmo modo que o português tem a conjunção porque. Elas possuem

diferentes conectivos que, apesar de marcarem a causalidade, não são intercambiáveis

entre si ou, até mesmo, não podem ser comutados por um conectivo mais genérico. No

holandês, existem três conectivos causais mais frequentes, daardoor, daarom e dus, e sua

distribuição não pode ser plausivelmente explicada considerando-se restrições sintáticas,

mas, como apontam os autores, a distinção feita no uso desses três conectivos tem como

base os conceitos semânticos de volição e responsabilidade: o conectivo daardoor pode

expressar apenas relações de causa não-volitiva que se dá no domínio de conteúdo

(causa-consequência); daarom, mais frequentemente, expressa relações de causa volitiva,

no domínio de conteúdo e no epistêmico (razão-ação); dus pode expressar causa

epistêmica e volitiva (no domínio de conteúdo). No mesmo espírito, Pit (2003)9 analisou

a distribuição dos conectivos causais em francês e alemão, além do holandês, e verificou

que os falantes também consideram os parâmetros de volição e de responsabilidade na

escolha do conectivo que explicite a relação de causa entre os segmentos.

Com base em estudos dessa natureza, Pander Maat & Degand (2001) tratam a

causalidade em termos de subjetividade construtural, que diz respeito ao envolvimento do

                                                                                                               8 Há um conjunto de estudos já realizados sobre essas línguas. Mencione-se o estudo mais

extenso e mais representativo desse conjunto é a tese de Pit (2003). 9 Pit (2003) selecionou, com base na frequência do corpus, os seguintes conectivos: do holandês,

omdat, want e doordat; do francês, parce que, car e puisque; do alemão, wiel, denn e da.

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falante no estabelecimento da relação causal. Nessa visão, o envolvimento do falante na

construção cognitiva de uma cena (evento ou estado) é visto como uma questão de escala,

em cujos polos estão o grau máximo e o grau mínimo de envolvimento falante. Define-se

esse envolvimento como “o grau em que o falante está implicitamente10 envolvido no

estabelecimento da relação causal” (p.214)11.

A Base Comunicativa (BCSN), apresentada na seção 1.4.3, é um modelo de rede de

espaços mentais na qual estão incorporados os domínios conceptuais, e por meio da qual

é possível determinar o nível de envolvimento do falante em termos de subjetividade,

conforme a noção apresentada em Langacker (1990, 1999). A rede de espaços da BCSN

permite ao analista atribuir a um sujeito de consciência (SoC) específico (por exemplo, ao

falante, ao ouvinte) a responsabilidade da construção da relação de causalidade entre as

proposições, e, assim, determinar o grau de envolvimento do falante com o perfilhamento

da construção.

Dancygier (2009, p.113) aponta que a relação do SoC com o objeto de

conceptualização pode ser ou descritiva (subjetividade) ou argumentativa

(intersubjetividade). Na linha de estudos sobre subjetividade, fica proposta a

configuração básica de conceptualização de um evento, da qual fazem parte o SoC, o

objeto de conceptualização e o ‘ground’ (a configuração do cenário interativo). O

fenômeno da subjetividade é tomado, nesse caso, como essencialmente descritivo do

objeto de conceptualização. Na interação verbal o ouvinte toma as construções

linguísticas como instruções para construção do objeto de conceptualização

(VERHAGEN, 2005, p.12). Na linha de estudos sobre intersubjetividade, por seu lado,

parte-se da premissa de que a língua é essencialmente argumentativa e de que os

expedientes linguísticos são essencialmente inferenciais (VERHAGEN, 2005). Enquanto

na configuração subjetiva havia apenas uma ‘mente’ explicitamente responsável pela

                                                                                                               10 São exemplos de estruturas linguísticas que, entre outras estruturas, fazem referencia implícita

a SoC e ao contexto comunicativo: desinências temporais de verbos; verbos e advérbios modais epistêmicos.

11 Esse tratamento de Pander Maat e Degand (2001) pressupõe a noção de subjetividade de Langacker (1990, p.10), que compreende a menção implícita ao falante, ao ouvinte e à cena comunicativa da interação verbal. Nessa visão de Langacker, a construção cognitiva de um evento (o objeto de conceptualização) depende primariamente de um sujeito de conceptualização (SoC). Afirma esse autor que quanto mais implícita for a referencia aos processos cognitivos de um SoC tanto mais será subjetiva a construção conceptual do evento.

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conceptualização de um evento, a configuração básica intersubjetiva é formada por dois

sujeitos de consciência o objeto de conceptualização e o ‘ground’. Nessa configuração

existe o gerenciamento de duas ‘mentes’ entre as quais há uma aparente assimetria.

Para Dancygier (2009, p.113), a configuração intersubjetiva capta justamente a

assimetria entre as ‘mentes’ envolvidas, especificada por meio de expedientes

construcionais. A configuração subjetiva da construção linguística é muito bem

representada no modelo da Base Comunicativa de Sanders et al. (2009, 2012), pois

permite atribuir a cada sujeito de consciência a responsabilidade pela conceptualização

do evento. Na visão de Dancygier (2009, p.92), esse modelo explicita o papel do SoC

como “locus of mind”, onde se origina a construção de uma relação.

Verhagen (2005, p.22) bem resume a diferença entre subjetividade e

intersubjetividade. No primeiro fenômeno, a linguagem é essencialmente informativa, ao

passo que, no segundo, a linguagem é primeiramente argumentativa. Os estudos na linha

da subjetividade não excluem os estudos na linha da intersubjetividade; pelo contrário, é

necessário incorporar de maneira integrada as duas categorias, subjetividade e

intersubjetividade, ao modelo da rede de espaços mentais, para que seja possível

determinar a dinâmica de cada uma delas fenômenos nas representações mentais e nas

linguísticas.

Com base nas considerações de Dancygier (2009) e de Verhagen (2005), seria

plausível assumir que a causalidade seja subjetiva e a concessividade seja intersubjetiva,

dada, principalmente, a natureza conceptual dessas relações. Contudo, o que se propõe

nesta pesquisa é que traços de intersubjetividade podem ser encontrados em construções

causais, sendo o item juntivo, que é responsável por ligar o segmento nuclear ao causal,

uma das “pistas linguísticas”, que permite observar a negociação de perspectivas. No que

diz respeito à concessividade, a consideração de sua propriedade intersubjetiva não é,

necessariamente, novidade, observados, por exemplo, os estudos de Verhagen (2000,

2005). Acredita-se, no entanto, que existe uma contraparte subjetiva inerente à

concessividade que pode ser observada a partir da escolha do item juntivo e de todas as

determinações construcionais que essa escolha traz em si, por exemplo, a seleção do

modo verbal.

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3.2.2 A causalidade como dinâmica de forças

Finalmente, indispensável ao tratamento cognitivo da causalidade é a categoria

semântico-conceptual da dinâmica de forças12, proposta inicialmente por Talmy (1988,

2000), que diz respeito à maneira pela qual entidades interagem em relação a um

dinamismo de forças. Segundo o autor, a noção de dinâmica de forças poderia ser

genericamente entendida por meio da noção linguística de construção causativa13.

Entretanto, essa categoria semântico-conceptual não é verificada apenas em

construções causativas. Para Talmy (1988, 2000), ela está dissolvida na linguagem e

participa ativamente na constituição semântica de itens lexicais (como adjetivos e

advérbios), de itens gramaticais (como conjunções e preposições), participando e na

constituição semântica do processo da modalização, seja a deôntica, seja a epistêmica.

Participa ainda essa categoria na estruturação do discurso, principalmente na sua

construção argumentativa, traçando o caminho para as expectativas e para as

contraexpectativas geradas pelo processo argumentativo.

Talmy (1988) destaca que a dinâmica de forças pode dizer respeito tanto a forças

físicas quanto, por extensão metafórica, a forças psicológicas, sociais, de pressão, etc.

Isso significa que ‘entidades de força’ não se encontram sempre no domínio do conteúdo,

mas estendem-se aos domínios epistêmico e de ato de fala. Sweetser (1982, 1990)

mostrou que esse é o caminho conceptual percorrido na gramaticalização dos verbos

modais ingleses may e must, cujo significado primário era o deôntico14.

Para Talmy de modo geral, a DF [dinâmica de forças] emerge como um sistema nocional fundamental estruturador de material conceptual pertencente de um modo

                                                                                                               12 Na literatura da Linguística Cognitiva é vasta a aplicação dessa noção na descrição de

construções gramaticais: a) a construção movimento-causado, em Goldberg (1995); b) os verbos modais, em Achard (1996), Sweetser (1982, 1990); c) os adjetivos, em Langacker (1999), entre outros.

13 Exemplifica Talmy (1988) que, no grupo de construções causativas, estão aquelas que se encaixam nos frames de letting, hindering, helping. Esses frames, segundo o autor, possibilitam analisar a “causação” em primitivos semânticos mais refinados.

14 No estudo de Sweetser (1982, 1990) é claro o argumento de que um sistema metafórico coerente está no centro do uso de vocabulário que denota o mundo sócio-físico (externo) para referir-se a domínios psicológicos e cognitivos. Essa tendência pode ser considerada também como o processo de subjetivização de construção linguísticas, conforme proposto por Traugott (2010), por meio do qual uma dada construções adquire um significado mais calcado nas atitudes mentais de F.

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comum à interação de forças através de um espectro linguístico: domínios mentais de referência e concepção de modelo físico, psicológico, social, inferencial e discursivo (TALMY, 1988, p.50)15.

A identificação de forças e a maneira como elas se relacionam com entidades

constituem habilidades cognitivas básicas do ser humano. Essa percepção é incorporada à

estrutura semântica da língua, pois, como afirma Langacker (1987, p.99), na explicitação

de como o significado se constrói na língua é necessário que sejam levados em

consideração a experiência mental e o processamento cognitivo dos indivíduos.

Talmy (1988, 2000) propõe que, na organização básica da categoria, estejam

presentes duas entidades (ou forças) em interação. Uma delas é tida como o foco de

atenção, podendo mostrar tendência à manifestação do seu potencial de força ou à sua

superação por outra entidade, chamada agonista. A segunda entidade – chamada

antagonista – é considerada a partir do efeito sobre a primeira força, a qual pode ser

neutralizada, sobrepujada ou, ainda, vencida. Essas entidades mostram uma propriedade

de força intrínseca, que revela sua tendência à ação ou ao descanso. Da interação dessas

forças, resultam dois vetores: um deles é o balanço de forças, a partir do qual se verifica

qual das entidades é a mais forte e qual delas é a mais fraca; o outro é propriamente o

resultado da interação de forças, a partir do qual se verifica a ação ou o descanso da

entidade. Existe uma correspondência entre a propriedade intrínseca de uma força e o

resultado da interação de forças. Apesar de todas as entidades possuírem uma tendência

ou à ação ou ao descanso, isso não necessariamente significa que essa tendência se

concretize uma vez que as entidades interagirem entre si. Uma dada entidade que mostre

tendências à ação, ao interagir com outra entidade que seja mais forte, no balanço de

forças, pode resultar em descanso, e não em ação.

O mapeamento e a mudança dessas variáveis resulta em quatro diferentes

combinações, conforme propôs Talmy (1988, 2000). Essas quatro combinações podem

ser agrupadas em dois padrões gerais, o padrão because (02 e 03) e o padrão despite (04 e

05). Os exemplos a seguir foram retirados de Talmy (1988, p.55):

                                                                                                               15 Tradução deste autor. Texto original: Overall, FD emerges as a fundamental notional system

that structures conceptual material pertaining to force interaction in a common way across a linguistic range: the physical, psychological, social, inferential, discourse, and mental-model domains of reference and conception.

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(02) The ball kept rolling (ago) because of the wind blowing on it. 16 (ant)

(03) The log kept lying on the incline (ago) because of the ridge there. (ant)

(04) The ball kept rolling (ago) despite the stiff grass. (ant)

(05) The shed kept standing (ago) despite the gale wind blowing against it. (ant)

Nas situações retratadas em (02) e (03), o antagonista é mais forte que o agonista.

Explica Talmy (1988) que, nesses casos, o agonista mostra ou tendência ao descanso,

como é o caso em (02), ou tendência à ação, como é o caso em (03), mas o estado

resultante da interação entre as entidades é contrário à tendência original do agonista. Em

(02), a tendência da bola era ao descanso, mas, devido ao vento, a bola continuou

rolando; em (03), a tendência da viga no plano inclinado era à ação, mas, devido ao sulco

no plano, ela permaneceu estática. Nas situações retratadas em (04) e (05) percebe-se um

padrão diferente de interação daquele mostrado em (02) e (03); nele, o agonista é mais

forte que o antagonista, havendo, dessa forma, a preservação de sua tendência natural.

Em (04), o agonista tem sua tendência à ação preservada apesar da força exercida pelo

antagonista. O mesmo pode ser dito de (05), em que se observa a permanência da

tendência ao descanso, apesar da força exercida pelo antagonista17.

A relação entre os padrões because e despite, conforme proposta pelo autor, é

bastante direta. O que os diferencia está na persistência do agonista em manter a sua                                                                                                                16 (02) A bola continuou rolando porque o vento soprava nela.

(03) A viga continuou em repouso no plano inclinado porque lá havia um sulco. (04) A bola continuou rolando apesar da grama grossa. (05) O barracão continuou de pé apesar do forte vento soprando contra. (tradução nossa)

17 Apesar de esse não ser o foco principal desta pesquisa, vale notar que a categoria semântica da dinâmica de forças traz implicações também para a organização do fluxo de informação no discurso, relacionando-se às noções de figura e fundo. Na tradição dos estudos do discurso, tomando-se Matthiessen e Thompson (1988) como medida, as orações principais são sempre figura e as orações subordinadas, sempre fundo. Note-se, nos exemplos de (02) a (05), que a oração principal, tida como figura, perfila o agonista, ao passo que a oração subordinada, tida como fundo, perfila o antagonista. Lembra-se aqui que a distinção feita entre ‘agonista’ e ‘antagonista’ está no jogo de focalização, no qual o agonista está em foco e o antagonista, não.

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tendência original. A natureza semântica do padrão emergente da interação de forças

observado em (04) e em (05), que é o padrão ‘concessivo’ despite, estende-se às

construções concessivas de forma mais geral (contudo Talmy, ao falar desse padrão, não

faz generalizações acerca das construções concessivas, apenas considera que a conjunção

inglesa although compartilha desse mesmo padrão).

As generalizações que Talmy propôs não contemplam alguns fenômenos

observados no uso linguístico, principalmente no que diz respeito às construções

concessivas. Uma operação básica que caracteriza essas construções é a polaridade, por

meio da qual se vai do “sim” ao “não” caminhando pelo processo da modalização, que

vai do “certo” ao “impossível” (NEVES, 2006). Tome-se a ocorrência (06) a seguir como

uma amostra da operação de negação em construções concessivas, e (07) como uma

amostra de que a negação não precisa, necessariamente, ser feita pelo advérbio de

negação não.

(06) A internet abriu espaço para todos nós, mesmo que muitos zineiros não tenham acesso a ela (...)

(CDP:19Or:Br:Intrv:Web) (07) Mesmo que a licença seja “grátis”, os custos operacionais são grandes.

(CDP:19Or:Br:Intrv:Web)

Em termos de dinâmica de forças, a expectativa que é gerada no segmento

concessivo das construções está ligada à noção de que a força exercida pelo antagonista,

representada nesse segmento, é suficiente para que a tendência do agonista se altere.

Como essa expectativa não se mantém, aciona-se a operação da negação em um dos

segmentos da construção, seja ela por meio de um advérbio, seja ela por meio de

processos pragmáticos, como implicação e pressuposição, como é o caso de (07’), que

reescreve (07)18.

(07’) Mesmo que a licença seja “grátis”, os cursos operacionais não são pequenos.

                                                                                                               18 A pressuposição em (07) é a de que a licença gratuita resultaria em pequenos gastos

operacionais.

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Até esse ponto, estão em questão apenas duas entidades, agonista e antagonista,

representadas, respectivamente, nos segmentos nuclear e concessivo. Contudo, na

ocorrência (08), a seguir, está em jogo uma zona entre o “sim” e o “não”, a modalização.

(08) O ouvinte do outro lado da linha lá, mesmo que a gente tenha o controle de quem tá ligando, pode ser absolutamente irresponsável.

(CDP:19Or:Br:Intrv:Web)

Em ocorrências desse tipo, não apenas estão em jogo as entidades representadas no

segmento nuclear e no segmento concessivo, mas estão também representadas possíveis

entidades sóciofísicas (para preservar os termos de Talmy (1988). Visto que o falante não

pode afirmar nem negar que todos os ouvintes sejam irresponsáveis, essa informação é

apresentada como relativizada por meio do verbo modal poder. A relativização não é

simplesmente o reflexo de uma escolha pragmática, mas serve principalmente à

manutenção da coerência global da experiência de interação entre as forças, como se vê

em (08a) e (08b)

(08a) Mesmo que a gente tenha o controle de quem está ligando, o ouvinte do outro lado da linha não é absolutamente irresponsável.

(08b) Mesmo que a gente não tenha o controle de quem está ligando, o ouvinte do

outro lado da linha é absolutamente irresponsável.

Perceba-se que as formas reescritas de (08) em (08a,b) são incoerentes, não pela

falta de clareza sintática ou semântica, mas porque não preservam a estrutura básica da

experiência daquela situação nelas descrita. Essa “incoerência” deve-se ao fato de o

radialista não ter controle absoluto sobre o perfil de espectador que participa do

programa. Nesse sentido, o processo de modalização verificado nas construções

concessivas pode estar relacionado à própria natureza das entidades de forças em

interação.  

3.3 A zona da causalidade na linguagem: sobreposições e contrastes

3.3.1 A imprecisão de limites categoriais

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Tanto a linguagem quanto a cognição humana estão conceptualmente organizadas

por meio de categorias, cujos limites não são discretos e, portanto, cujos membros

frequentemente se sobrepõem. Berlin e Kay (1969), entre outros, verificaram essa

imprecisão na categorização de cores; Rosch (1975) verificou essa imprecisão na

categorização de móveis domésticos e de tipos de pássaro; Lakoff (1987) analisou três

casos dessa imprecisão de fronteiras (dois dos quais pertencentes ao domínio gramatical)

e suas implicações para o uso da linguagem. Um sem-número de estudos já verificou essa

imprecisão entre limites, e a conclusão a que chegam é a de que a fluidez entre os limites

das categorias conceptuais é um fenômeno cognitivamente motivado, que se estende às

categorias linguísticas, sendo ele observável na gramática das línguas naturais.

Nessa direção, Langacker (1987, p.370) afirma que “os fatos da língua ditam um

tratamento não-reducionista para a categorização” 19. Assim o é porque a perspectiva de

que a língua é tanto uma estrutura simbólica (por meio da qual as estruturas conceptuais

humanas se organizam) quanto um instrumento de comunicação de experiências

conceptualizadas implica o não discretismo e a gradiência das categorias de que a língua

dispõe, bem como a gradiência de pertencimento dos itens linguísticos e gramaticais a

essas categorias.

Como aponta Bybee (2010), esse caráter gradiente das categorias linguísticas e a

presença da variação na língua não são argumentos contra o estudo e a descrição dos

padrões linguísticos que emergem no uso; pelo contrário, a descrição das generalizações,

a partir de semelhanças e de traços comuns encontrados nos membros das categorias, é

essencial ao estudo gramatical, visto que a “categorização estabelecida faz parte

conhecimento de um falante sobre convenções linguísticas”20 (LANGACKER, 1987,

p.370).

Essa visão de uma linguagem que compreende categorias fluidas não exclui uma

sistematização da organização categorial na gramática da língua; exclui, apenas, a

premissa de que o significado da linguagem reside em um “check-list” de propriedades

submetidas a valor de verdade (FILLMORE, 1975). Defende Lakoff (1987) que, na visão

                                                                                                               19Tradução deste autor. Texto original: “The facts of language […] dedicate a nonreductive approach to categorization”. 20 Tradução deste autor. Texto original: “[…] established categorization is part of a speaker’s

knowledge of linguistic conventions”.  

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cognitiva, a gramática como “pura forma” é incompatível com as realidades cognitiva e

comunicativa, pois o significado produzido na linguagem a partir da gramática – isto é, a

propriedade semântica da gramática – emerge justamente do componente experiencial e

imaginativo da cognição humana, componentes esses que determinam a formação e a

organização de categorias conceptuais.

Para esta pesquisa, a imprecisão de limites categoriais põe-se como um fenômeno

básico na investigação dos fatos linguísticos, visto que o que se propõe é justamente

verificar, por meio da análise dessas construções (adverbiais) introduzidas por itens

juntivos complexos, áreas nas quais a categoria de causa e a categoria de concessão se

sobrepõem. Por exemplo, uma construção concessiva como (09) pode muito bem

licenciar a contraparte causal de (10) e a condicional de (11), ainda que, para isso, entrem

em jogo outras categorias linguísticas, como a negação (que é dispensada nos dois

últimos exemplos) e a correspondência modo-temporal entre os verbos de cada segmento.

(09) Embora o tribunal seja eventualmente desrespeitado por alguns ministros, é preciso que os demais defendam a dignidade do país.

(CDP:19Or:Intrv:ISP)

(10) É preciso que os demais defendam a dignidade do país porque o tribunal é eventualmente desrespeitado por alguns ministros.

(11) Se o tribunal, eventualmente for desrespeitado por alguns ministros, é preciso

que os demais defendam a dignidade do país.

Outras construções concessivas (12) podem manter com a causalidade (13) um

vínculo mais forte do que com a condicionalidade (14). Nesses casos, a leitura causal é

perfeitamente licenciada, a leitura condicional, contudo, é inconsistente. Um dos motivos

pelos quais essa leitura é inconsistente é a falta de correspondência entre os tempos e

modos dos verbos do segmento condicional e do segmento nuclear.

(12) Tínhamos muitas portas de acesso aos acontecimentos, ainda que [...] não pudéssemos passar esse conhecimento à frente.

(CDP:19Or:Intrv:ISP) (13) Porque tínhamos muitas portas de acesso aos acontecimentos, podíamos

passar esse conhecimento à frente.

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(14) ?? Se tínhamos muitas portas de acesso aos acontecimentos, podíamos passar

esse conhecimento à frente.21

Ocorre que, como lembra Dancygier (1998), tomados na perspectiva cognitivo-

funcional, todos os aspectos estruturais (e, portanto, composicionais) das construções

gramaticais ‘co-laboram’ no estabelecimento do sentido global da construção, por meio

de expedientes já convencionalizados da estrutura linguística. Segundo a autora, a tarefa,

nessa perspectiva, é descobrir como se mapeiam sentidos às formas gramaticais, isto é,

como forma e sentido interagem na obtenção de efeitos pragmáticos. Nesta pesquisa, a

análise da maneira como os sentidos se mapeiam às formas gramaticais de modo a obter

efeitos pragmáticos está centrada, principalmente, na análise dos parâmetros de

investigação: o tipo de item juntivo que introduz o segmento adverbial; a correspondência

de tempo e modo verbais; a ordem dos segmentos; e o grau de (inter)subjetividade das

construções.

As construções adverbiais mostram-se um território frutífero para a investigação da

interação entre sintaxe, semântica e pragmática (investigação própria do funcionalismo)

na linguagem em uso, pois para elas a língua dispõe de um sem número de expedientes

que cooperam na construção simbólica do significado.

Com base nesses conceitos e princípios de funcionamento da linguagem, o que se

faz, no restante deste capítulo, é inserir as categorias de causalidade e de concessividade

numa zona categorial mais ampla, a zona de causalidades, a qual abarca também a

categoria condicional, por meio de um exame da inter-relação das construções

linguísticas pertencentes a essa grande zona categorial (NEVES, 2012).

3.3.2 A zona semântica de causalidades

Nos capítulos anteriores, ficou assentado que as relações de causa e de concessão

são, primariamente, relações de natureza conceptual, cuja manifestação linguística

geralmente se dá por meio de um complexo oracional, formado de um segmento nuclear

e um segmento causal ou concessivo. Nesse complexo, pode, ou não, haver a presença de

                                                                                                               21 Reconhece-se que essa correlação seja licenciada em algumas variações dialetais.

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um item juntivo22 que explicite a relação de causa ou de concessão estabelecida entre os

segmentos23. Essas relações formam, juntamente com a de condição24, um continuum

categorial, altamente fluido, referido na literatura, principalmente por Neves (2010,

2012), pelo termo zona de causalidades.

Para Kortmann e Couper-Kuhlen (2000), essas três relações podem ser

conceptualizadas umas em relação às outras, a condicionalidade sendo a hipotetização de

uma causa, e a concessividade, a sua negação. Respaldados por estudos como o de Harris

(1988) e os de König (1986, 1988), esses autores afirmam que causa e concessão são

relações altamente imbricadas uma na outra, sendo a concessividade a expressão da

inoperância da causalidade.

Compartilham dessa perspectiva König e Siemund (2000) e Verhagen (2000,

2005), que trazem uma definição para concessividade se ancora, principalmente, na

interação do pensamento causal com a operação da negação.

É possível, contudo, entender essas relações tomando-se outra perspectiva. Estudos

como os de Neves (2000, 2010, 2012), assumem a condicionalidade como o ponto de

articulação entre a causalidade e a concessividade, sendo a causa conceptualizada em

termos de condições preenchidas, e a concessividade em termos de condições

insuficientes, preenchidas ou não.

Em uma construção concessiva introduzida pela conjunção embora, como a que

segue, observa-se um modelo básico de causalidade.

(15) Embora a maior parte da programação ainda seja gravada no sistema tradicional, a emissora dispõe de câmeras digitais e ilhas de edição e já realizou vinhetas e alguns programas com a nova tecnologia.

(CDP:19N:Br:SP)

                                                                                                               22 A principal alegação dos estudos discursivos – como o de Taboada (2009) e o conjunto de

estudos em Sanders et al (orgs. 2001) – segundo a qual não é necessário haver um item juntivo explicitando a relação entre segmentos, visto que o conteúdo proposicional de cada segmento já é o suficiente para que o ouvinte construa uma representação cognitiva dessa relação.

23 Nesta pesquisa, contudo, estão em foco apenas as construções marcadas por meio de um item juntivo.

24 Há estudos que, à zona de causalidades, acrescenta as categorias de finalidade e de consecução, como é o caso de Gálan Rodriguez (1999). Para esta pesquisa, contudo, essas duas categorias não serão levadas em consideração.

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Nessa construção, gravar no sistema tradicional pressupõe25 que a emissora não

disponha da tecnologia necessária para gravar no sistema atual. Nesse sentido, a

pressuposição do segmento concessivo licenciaria a correspondência com a relação de

causa em A emissora grava no sistema tradicional porque não dispõe de câmeras

digitais.

Portanto, nas construções concessivas, está em jogo um conjunto de

pressuposições, acessíveis a partir de “modelos cognitivos idealizados” (LAKOFF,

1987), que licenciam a relação entre concessividade e a causalidade. Nas construções

concessivas, o contraste estabelecido entre o segmento nuclear e o segmento concessivo

nasce justamente da pesagem verificativa que o falante dos modelos idealizados,

conforme será mostrado mais adiante. A correspondência com uma expressão de

condicionalidade26, por outro lado, como em Se eles tivessem câmeras digitais, eles

gravariam em tecnologia atual é uma correspondência subsidiária, derivada dos modelos

cognitivos idealizados de causa.

König e Siemund (2000) sistematizam o continuum categorial causa-condição-

concessão valendo-se das noções de duas dicotomias: harmonia versus dissonância e

hipotético versus factual. É o que sistematiza o Quadro 3.1 abaixo.

Quadro 3.1. Relações de significado causal, condicional, concessivo-condicional e concessivo *Adaptado de König e Siemund (2000, p. 342)

Verticalmente, no quadro, estão as categorias da harmonia e da dissonância, que

dizem respeito à possível co-ocorrência e à possível concomitância das situações

descritas nos segmentos nuclear e adverbial, sendo harmônicas as situações

                                                                                                               25 Entenda-se pressuposição de acordo com as noções pragmáticas (LEVINSON, 1983), segundo

as quais a pressuposição é um tipo de inferência pragmática que se mantém sob negação. 26 São traços básicos do pensamento condicional a predição e a alternância, como propõem

Dancygier (1998) e Dancygier & Sweetser (1996). Explicam essas autoras que tais traços só são possíveis porque os indivíduos constroem “modelos [cognitivos] idealizados” do mundo, podendo, então, fazer previsões e levantar hipóteses sobre outras realidades a partir daquilo que é tomado como conhecido.

Hipotético Factual Harmonia Condicional Causal Dissonância Concessivo-condicional Concessivo

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concomitantes, e dissonantes as situações opostas. Horizontalmente, estão as categorias

do hipotético e do factual. Tanto as construções causais quanto as construções

concessivas asseveram a veracidade da factualidade dos segmentos em combinação,

enquanto as condicionais e as concessivo-condicionais hipoteticizam a veracidade dos

segmentos em combinação.

Nesse direcionamento, a causalidade e a concessividade são sempre factuais, ao

passo que a condicionalidade é totalmente hipotética. A condicionalidade é explicável

pelos traços de harmonia e de hipoteticidade entre as situações. Colocam-se nesse quadro

de relações, as construções concessivo-condicionais, cujo significado é explicável pela

hipoteticidade e pela dissonância entre as situações descritas nos segmentos. Tanto as

construções concessivas quanto as concessivo-condicionais, nas quais se observa uma

aparente oposição entre as situações descritas nos segmentos, pertencem à categoria da

dissonância.

Observando-se o Quadro 3.1, verifica-se que o fator relevante na distinção entre a

causalidade e a concessividade é a dissonância, ou a “oposição” aparente entre os

segmentos.

Neves (2000, p.867), nesse mesmo espírito dos autores, propõe a seguinte

representação para a zona da causalidades.

Figura 3.1. A zona da causalidade

* Adaptado de Neves (2000)

A zona concessivo-condicional, em português, geralmente assume construções com

o item juntivo mesmo se, mas também podem ser consideradas as construções como

indica Bechara (2009, p.498) de onde se retiraram os exemplos seguintes:

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(16) Quer estudes, quer não, aprenderás facilmente a lição.

(17) Ou estudemos medicina, ou sejamos advogados, conquistaremos na sociedade

um lugar de relevo.

Na visão de König (1988, p.146), cuja análise se apoia em noções pragmáticas, as

construções causais podem ser analisadas em termos de uma condição contrafactual,

sendo possível determinar a relação causal entre o segmento nuclear e o segmento causal.

Em uma construção causal como no exemplo oferecido por König (1988, p.)

(18) I did not go out because it was raining27

a relação entre o segmento nuclear q [I did not go out] e o segmento causal p [because it

was raining] pode ser analisada por vias de uma relação condicional contrafactual do tipo

Se não estivesse chovendo, eu teria saído, por meio da qual fica estabelecido o vínculo

causal hipotetizado. Para a análise das construções concessivas, propõe o autor que o

vínculo causal seja evidenciado por meio de uma pressuposição (ou implicatura

convencional), inerente ao próprio pensamento concessivo. Dessa forma, em uma

construção concessiva como

(19) Although John had no money, he went to this expensive restaurant28

o segmento concessivo p [Although John had no money] levanta a pressuposição x [quem

não tem dinheiro, normalmente, não vai a restaurantes caros]; a pressuposição x,

contudo, é negada pela asserção feita no segmento nuclear q [he went to this expensive

restaurant]. Conclui o autor que, nas construções concessivas, a relação entre os

segmentos se dá por meio de uma pressuposição, e, nas construções causais, por meio de

um acarretamento.

                                                                                                               27Tradução: (18) Eu não saí porque estava chovendo. 28Tradução: (19) Embora John não tivesse dinheiro, ele foi a um restaurante caro.

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Capítulo 04 A concessividade: definições linguísticas e caracterização conceptual

4.1 Preliminares1

O termo “concessivo” faz parte de uma lista de relações semânticas que as

gramáticas tradicionais atribuem a um tipo de construções adverbiais, geralmente,

marcado pela conjunção embora. Nessa moldura tradicional, o significado de

“concessividade”, instanciado por essas construções, é descrito como expressando uma

“contrariedade a uma expectativa” ou uma “barreira” que impediria a realização da

oração nuclear.

Na moldura dos estudos cognitivo-funcionais, a concessividade é explicada a partir

de sua relação semântica com outras zonas de significação: a causalidade-

condicionalidade, e a adversidade. Quanto à sua relação com essa última zona, estudos

textual-discursivos mostram que, apesar de essas construções desempenharem funções

semelhantes (como a de restrição e a de correção, segundo Barth, 2000), existem

restrições de ordem semântica que implicam os diferentes modos de organização da

informação nessas construções (NEVES, 2000). Quanto à sua relação com a causalidade-

condicionalidade, a concessividade implica tanto o arrazoamento causal quanto o

condicional, ficando constituída uma zona de causalidades (NEVES, 2010, 2012),

conforme discutido no capítulo 03.

Explicar o significado concessivo a partir de sua relação com outras zonas de

significação certamente lança luz ao funcionamento das construções adverbiais

concessivas, no entanto esse direcionamento restringe a descrição do significado

concessivo, visto que ele não é descrito em seus próprios termos e a partir de suas

próprias propriedades semânticas.

Michaelis (1993, 1996) sugere que a concessividade apresenta três componentes

semânticos indispensáveis e que esses componentes, combinados, formam o “cenário

concessivo”, como a autora chama. Esse “cenário concessivo” é a própria categoria                                                                                                                1 Este capítulo apresenta os resultados das investigações realizadas durante estágio sanduíche na

Universidade da Califórnia, em Berkeley, sob orientação da professora Eve Sweetser (processo FAPESP número 2-14/03059-4).

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semântica, conceptual, da concessividade. A sugestão da autora vai na direção de

considerar que os elementos linguísticos empregados na expressão do significado

concessivo possuem em sua estrutura semântica traços de significação dos componentes

desse cenário concessivo.

Nesse sentido, deixam de ser necessárias as definições metafóricas para a

concessividade, nos termos de uma “barreira” ou de um “obstáculo”, e a caracterização a

partir a relação da concessividade com outras zonas de significação é apenas derivativa

das propriedades conceptuais que essa categoria apresenta. A definição de concessividade

é feita com base em componentes semânticos que são verificáveis nas construções

linguísticas que expressam esse significado.

A principal ideia defendida neste capítulo é a de que essas propriedades que

constituem o cenário concessivo estão inter-relacionadas e se organizam em um cenário

conceptual mais amplo, o da dinâmica de forças.

Primeiramente, na seção seguinte, faz-se uma avaliação das noções que foram

usadas para a definição de concessividade tanto no domínio dos estudos gramaticais

quanto no domínio dos estudos linguísticos. Depois, é apresentada uma proposta de

definição para concessividade que leva em consideração categorias cognitivas, como a

dinâmica de forças e a estrutura de eventos.

4.2 As (múltiplas) noções para a concessividade: as definições linguísticas

Diferentemente das noções de causa e de condição, que receberam um tratamento

extensivo tanto na filosofia quanto na lógica, a noção de “concessão” tem sido estudada

mais amplamente no domínio da gramática e da linguística. O fato de as construções

concessivas terem aparecido relativamente tarde2 nas línguas pode explicar a falta de

interesse dos filósofos e dos lógicos pela concessividade.

Tanto no domínio da Gramática quanto no domínio da Linguística as definições

para concessividade geralmente se valem de noções como “contrariedade a uma

expectativa”, “obstáculo/barreira”, “incompatibilidade”. Os gramáticos e os linguistas,

                                                                                                               2  Segundo König (1985), as construções concessivas começaram a aparecer nas línguas no século

18.  

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em sua maioria, tratam mais especificamente das construções concessivas e não se

preocupam tanto em fornecer uma conceituação para a concessividade.

No domínio gramatical, a definição para as construções concessiva é geralmente

feita com base em critérios semânticos, e, no domínio linguístico, essa definição é feita

também com base em critérios pragmáticos, como é o caso dos estudos de orientação

textual-discursiva.

Nas gramáticas, o termo “concessivo” está relacionado às noções de

“impedimento” e de “obstáculo”. De acordo com Cunha (1990) e Rocha Lima (1973),

uma oração concessiva expressa um fato real ou hipotético que serve de “barreira” para a

realização do fato expresso na oração principal. Na mesma direção Bechara (2009, p.496)

diz que uma oração subordinada adverbial concessiva é aquela que expressa um

“obstáculo” real ou imaginário que não impede a realização do evento da oração

principal. Semelhantemente, Gilly y Gaya (1980, 311) enfatiza a noção de “obstáculo” na

sua definição para as orações concessivas. Esse último gramático afirma que o obstáculo

expresso nessa oração adverbial é insuficiente para impedir a realização do fato expresso

na oração principal.

Além dessas noções de “obstáculo” e de “impedimento”, alguns gramáticos se

valem da noção de “contraste”, de “adversidade” e de “expectativa contrária” para definir

a concessividade. Um exemplo é Said Ali (1964), que oferece uma definição bastante

elaborada para a noção de concessividade. Segundo esse gramático,

A oração CONCESSIVA exprime um fato que, podendo determinar ou contrariar a realização de outro fato principal, deixa entretanto de produzir o esperado ou possível efeito.

Esta ocorrência secundária pode ser suposta ou real, e em linguagem antiga distinguia-se pelo uso ora do conjuntivo, ora do indicativo. Hoje servimo-nos do conjuntivo para um e outro caso. (SAID ALI, 1994, p.138)

Em sua definição, Said Ali (1964) introduz a noção de “contrariedade à uma

expectativa” ao dizer que o fato expresso na oração subordinada não produz o resultado

esperado ou possível. Na mesma direção, Cunha e Cintra (2008, p.600) afirmam que as

conjunções concessivas introduzem uma oração subordinada em que se admite um fato

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contrário ao fato expresso na oração principal, mas que não é capaz de impedi-lo.

Consoante a essas duas definições é a definição de Quirk et al (1985, p.1098), segundo a

qual a oração concessiva indica que o fato expresso na oração principal é contrário a uma

expectativa criada pelo fato expresso na oração adverbial concessiva.

Nos estudos de orientação textual-discursiva, como a Teoria da Estrutura Retórica

(RST)3, a concessividade é considerada uma relação textual que se sustenta entre duas

porções de texto, uma delas, a porção nuclear, e a outra, é o satélite concessivo. A

concessividade é um tipo de relação textual cujo efeito pretendido pelo falante é o de

aumentar uma inclinação positiva no ouvinte. Nessa visão, há condições semânticas no

núcleo e no satélite individualmente e, também, há condições na combinação do núcleo e

do satélite. É esse conjunto de condições semânticas e o efeito pretendido pelo falante

que define a relação de concessividade.

A partir definição detalhada apresenta no Quadro 4.1, a concessividade é

apresentada como uma relação discursiva interacional, com ênfase nas intenções do

falante e na percepção dos objetivos do falante por parte do ouvinte (MANN &

THOMPSON, 1987). O quadro adiante apresenta a definição dessa relação.

Nome da relação

Condições em S ou N, individualmente

Condições em N+S Intenção do falante

Concessiva em N4: F possui atitude positiva5 face a N em S: F não afirma que S não está certo

F reconhece uma potencial ou aparente incompatibilidade entre N e S; reconhecer a compatibilidade entre N e S aumenta a atitude positiva de O face a N

A atitude positiva de O face a N aumenta

Quadro 4.1. A definição de concessividade de acordo com a RST. (Adaptado de Mann e Taboada, 2010)

Segundo consta no Quadro 4.1, a condição em N é que o falante possui uma atitude

positiva face a N, e a condição em S é que o falante não afirma que o satélite não está

                                                                                                               3 Para uma explicação sobre a RST, veja-se a seção 1.3 do capítulo 01. 4 N: núcleo; S: satélite; F: falante; O: ouvinte. 5 A “atitude positiva” (positive regard, no inglês) diz respeito aos variados objetivos que o falante

busca alcançar quando usa uma porção textual: aumentar crença, criar desejo ou intento de ação, etc (MANN & THOMPSON, 1987, p.438).

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certo. Em outras palavras, isso significa que o falante se engaja com um ponto de vista

que vem expresso em N, sem desconsiderar o ponto de vista que vem expresso em S

(FORD, 2000).

Consoante à proposta de definição apresentada pela RST é a proposta de Verhagen

(2000, 2005), que destaca justamente o caráter interacional da relação de concessividade,

pois trata de pontos de vista sendo negociados. A novidade na proposta de Verhagen

(2005) é o fato de ele tratar a concessividade como altamente intersubjetiva, em

decorrência da negociação de perspectivas entre falante e ouvinte.

Uma avaliação dessas diferentes propostas de definição do significado concessivo

permite chegar à consideração de que elas, de fato, captam a noção geral de

concessividade e dão conta, obviamente, de explicar como esse significado é instanciado

por meio das construções adverbiais concessivas. No entanto, as noções discutidas ao

longo desta seção não caracterizam suficientemente a concessividade quanto à sua

realidade cognitiva, até mesmo porque não foi preocupação desses estudos atestar a

realidade de categoria conceptual da concessividade.

As próximas duas seções são dedicadas justamente à investigação e à

caracterização da concessividade como categoria conceptual e como categoria linguística.

A proposta que este trabalho defende é a de que o “cenário concessivo” (MICHAELIS,

1996), e seus componentes semânticos, estão organizados a partir de sistemas cognitivos

mais básicos, como o da dinâmica de forças (TALMY, 2000) bem explicados em termos

de uma rede de espaços mentais em mesclagem.

4.3 A (dinâmica) “rede da concessividade”: uma caracterização conceptual

Nesta seção, propõe-se que a categoria da concessividade está cognitivamente

organizada e estruturada de acordo com o sistema de dinâmica de forças6 e que os

componentes semânticos dessa categoria naturalmente se configuram a partir das noções

desse sistema cognitivo.

                                                                                                               6 Veja-se seção 3.2.2, no capítulo 03, para uma discussão do sistema de dinâmica de forças.

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Essa proposta é operacionalizada de acordo com o mecanismo de integração (ou,

mesclagem) conceptual de espaços mentais7, na qual o espaço genérico se estrutura a

partir da moldura (frame) mais geral de “estrutura de evento” (LAKOFF & JOHNSON,

1999), os espaços input se estruturam a partir das molduras de “dinâmica de forças”

(TALMY, 2000), e o espaço-mescla se estrutura a partir dos elementos projetados dos

outros espaços. O que se faz nesta seção é apresentar uma nova proposta de organização

conceptual para o “cenário concessivo”.

Uma rede de integração conceptual de espaços mentais apresenta, no mínio quatro

espaços: um espaço genérico, (pelo menos) dois espaços input e um espaço-mescla. Na

rede de integração conceptual da concessividade, ou “Rede Concessiva”, o espaço

genérico é estruturado por molduras (frames) de “estrutura de evento”. O diagrama 4.1

esquematiza a estruturação desse espaço. Nesse diagrama, os pontos representam eventos

e as linhas pontilhadas representam conexões possíveis entre os eventos.

Diagrama 4.1. Espaço genérico da Rede Concessividade

É possível, mas não necessário, que eventos específicos estejam representados no

espaço genérico. O espaço genérico, como o próprio nome já indica, deve captar as

abstratizações e as generalizações das estruturas de eventos. Desse modo, o espaço

genérico deve estar estruturado de tal modo que contenha um sem-número de

possibilidades de interação e de interconexão entre eventos.

Com base em Narayanan (1997), Lakoff e Johnson (1999, p.176) explicam que

seres humanos estruturam eventos do mesmo modo pelo qual eles estruturam os

movimentos corporais. Nesse sentido, a estrutura de eventos é corporificamente

                                                                                                               7 Veja-se seção 1.2.3, no capítulo 01, para uma discussão do mecanismo de integração conceptual.

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construída, isso significa que não há eventos no “mundo real” fora da percepção

cognitiva humana. A percepção de interconectividade entre os eventos é possível porque

os seres humanos arrazoam sobre eventos e porque eles percebem regularidades na

interação entre eventos (LANGACKER, 1987). Lakoff e Johnson (1999) provêm o

seguinte “esqueleto” para a concepção da estrutura de um evento:

Estado inicial: condicição inicial que é satisfeita.8 Início: a incepção do evento. Final do início: o encerramento da incepção do evento e o início do

processo principal. Processo principal: o aspecto central do evento. Interrupções possíveis: interrupções possíveis do processo principal. Continuação ou iteração: a perpetuação ou repetição do processo

principal. Estado resultante: estado resultante do processo principal.

(LAKOFF & JOHNSON, 1999, p.176)

Esse “esqueleto” proposto pelos autores é a própria estrutura de um evento e

representa a própria organização do espaço genérico, onde estão contidos os padrões mais

genéricos de causa-efeito, etc.

Nesse “esqueleto”, o estado inicial pode ser entendido como as condições

requeridas para que um evento seja iniciado. Preenchida essa condição, ou conjunto de

condições, o evento pode se iniciar. Pode-se dizer, portanto, que um evento é “causado”

por outro evento. As possíveis interrupções do processo principal podem ser entendidas

como “barreiras” ou “obstáculos” que impedem a realização da ação principal. Pode-se

dizer que, em sua natureza, essas possíveis interrupções são “concessivas” se o processo

principal do evento continuar apesar dessas interrupções.

A percepção de eventos e a percepção do modo pelo qual esses eventos se

relacionam é produto do arrazoamento corporificado (embodied) humano. Nesse sentido,

os eventos e a interconexão entre os eventos podem ser analisados por meio de

arrazoamentos mais abstratos como o raciocínio causal, condicional e concessivo.

Esse tipo de arrazoamento que envolve as diferentes noções da causalidade, e por

meio do qual os seres humanos percebem eventos, suas estruturas e suas conexões, é                                                                                                                8 Lakoff e Johnson (1999) alertam para o fato de que nem em todos os eventos essas fases são

claramente perceptíveis e rigidamente dividias.

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motivado por sistemas cognitivos, como o da dinâmica de forças. Nesse sentido, os

espaços inputs são estruturados de acordo com as categorias do sistema cognitivo de

dinâmica de forças.

Na Rede da Concessividade, os espaços input podem ser representados segundo o

esquema apresentado no Diagrama 4.2, a seguir.

Diagrama 4.2. Espaços input da Rede da Concessividade.

Nesse diagrama, assim como naquele do espaço genérico (Diagrama 4.1), os pontos

representam eventos e a linha pontilhada representa o mapeamento entre os eventos do

espaço input 1 e do espaço input 2. Ainda no diagrama, o primeiro espaço é estruturado a

partir de uma das categorias do sistema de dinâmica de forças, o agonista, ao passo que o

segundo espaço é estruturado a partir da categoria antagonista. Cada um desses espaços

herdam todas as propriedades no que diz respeito às forças, tendências ao repouso e ao

movimento de cada uma dessas categorias.

Uma vez definidas as estruturas do espaço genérico e dos espaços inputs, é possível

fazer os mapeamentos devidos entre esses espaços. As estruturas de evento do espaço

genérico são mapeadas nas categorias dos espaços input, agonista e antagonista. A

interação entre esses eventos pode ser a das mais variadas, de acordo com os padrões de

interação no sistema de dinâmica d forças. No padrão de interação da concessividade, o

agonista é mais forte do que o antagonista mas essa entidade não pode sobrepujar a

tendência natural daquela entidade.

Muitos elementos da moldura dos espaços input são projetados para o espaço-

mescla (FAUCONNIER & TURNER, 2002). Dois desses elementos relevantes para a

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interação das forças são a escalaridade e a persistência, que são os próprios componentes

do cenário concessivo, como sugere Michaelis (1996). O elemento da escalaridade diz

respeito à intensidade das forças em interação, e o elemento da persistência diz respeito à

resistência da força do agonista em face à força exercida pelo antagonista.

Para o espaço-mescla são projetados os elementos dos outros espaços e nele nova

estrutura emerge. Há um componente da moldura da interação entre as forças que emerge

como parte da própria estrutura desse espaço, o contraste. Esse elemento diz respeito à

discrepância entre as forças em interação, uma exerce maior força que a outra, mas, ainda

assim há permanência de tendências originais de cada evento.

Finalmente, descritas as estruturas de cada um dos espaços mentais envolvidos na

integração conceptual da concessividade, a “Rede da Concessividade” se constitui como

uma rede dinâmica de integração conceptual, representada no Diagrama 4.3, adiante.

Diagrama 4.3. “Rede da Concessividade”.

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Outras operações acontecem nessa integração conceptual, mas descrevê-las em

detalhe está além dos propósitos deste trabalho. Duas dessas operações que acontecem na

integração dos espaços mentais envolvidos são a compressão e a descompressão de

eventos. Essas operações acontecem porque o ser humano necessita fazer as distinções

entre eventos e forças ao mesmo tempo que precisa mapear esses elementos uns aos

outros. Essas distinções e discriminações são extremamente necessária necessárias para a

elaboração do espaço-mescla (FAUCONNIER & TURNER, 2002).

4.4 A formação do “cenário concessivo”: os componentes conceptuais em interface

com a estrutura linguística

Na seção 4.3, propôs-se que os componentes semânticos da concessividade (a

escalaridade, a persistência e o contraste) emergem da integração conceptual de eventos

que interagem entre si segundo as noções da dinâmica de forças. Propôs-se, também, que

esses componentes pertencem à moldura maior do sistema de dinâmica de forças.

Os componentes semânticos analisados nas subseções adiante não pertencem

exclusivamente ao domínio da concessividade, mas esses componentes, vistos em

combinação e em interface entre si, configuram o “cenário concessivo” (MICHAELIS,

1996).

4.4.1 O componente “escalaridade”

Segundo Israel (1997), a noção de escalaridade deve ser entendida dentro de uma

moldura pragmática. Esse autor explica que uma “escala pragmática” é um conjunto

ordenado de elementos associado a um esquema proposicional. Dentro de um modelo

escalar, a maior implicação dessa associação entre os elementos é a de que a ordenação

deles deve sustentar as inferências que surgem entre eles. Por exemplo, em uma escala

numérica crescente, é licenciada a inferência de que o número seguinte a x deve

apresentar um valor maior que o de x. Nesse sentido, pode-se dizer que modelos

escalares, geralmente, estão associados à lógica.

A criação de modelos escalares e a ordenação de entidades de modo que essa

ordenação licencie inferências escalares entre essas entidades figuram entre as

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habilidades cognitivas mais básicas. Inúmeras expressões linguísticas são usadas na

expressão de esquemas escalares. Entre os operadores escalares na língua estão os itens

de polaridade, os advérbios aspectuais e alguns adjetivos.

De acordo com Langacker (1987, p.132), modelos escalares não são um fenômeno

linguístico e a criação de modelos escalares a partir de arrazoamentos só é possível

devido à habilidade cognitiva básica de abstração, a qual está relacionada a noção de

esquematicidade, mencionada no início desta seção. Segundo explica o autor, a abstração

diz respeito ao nível de especificidade com a qual uma situação é representada. Essa

definição está diretamente relacionada à noção de esquematicidade, que é a riqueza de

detalhes com a qual uma situação é caracterizada.

Langacker (1987, p.132) aponta para o fato de que um dado esquema é considerado

como abstrato se não apresentar qualquer tipo de elaboração. A titulo de exemplificação,

o autor compara o adjetivo “alto” com “1,80 metros” e “1,90” metros. Segundo ele, o

adjetivo tanto é abstrato quanto é esquemático, pois não há níveis de especificações no

que diz respeito à escala de “altura”, ao passo que as expressões “1,80 metros”, “1,90

metros” são mais precisas e, portanto, menos abstratas e esquemáticas.

Langacker (1987) apresenta três considerações a respeito da importância da

esquematicidade para a estrutura linguística. Em primeiro lugar, as expressões

linguísticas são, em sua maioria, mais precisas do que abstratas, ainda que a elaboração

de um dado esquema seja altamente impreciso. Em segundo lugar, a esquematicidade é

uma propriedade relativa, portanto existe um arranjo ordenado dos elementos de um

esquema. Em terceiro lugar, restrições podem ser impostas irregularmente sobre os

valores de qualquer esquema. Com base nessas três considerações, o autor conclui que é

típico que, em qualquer nível de esquematicidade de uma hierarquia, várias entidades

contrastarem entre si quanto às suas especificações sem deixar de serem coerentes com o

esquema superordenado (LANGACKER, 1987, p.133). Em outras palavras, o autor

conclui que ainda que existam incompatibilidades entre as diferentes entidades de um

dado esquema ou de uma dada escala, essas entidades ainda são coerentes com o

esquemas mais abstrato, ou mais geral.

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Tendo como pano de fundo a caracterização conceptual da escalaridade, pode-se

verificar a maneira como esse componente é incorporado à estrutura semântica da

concessividade.

Nas línguas do mundo, é comum que partículas escalares se tornem marcadores de

concessividade (KÖNIG, 1985; HASPELMATH & KÖNIG, 1998). Por exemplo, a

partícula cūng, da língua vietnamita, pode tanto ter o significado análogo ao do advérbio

still, em inglês, quanto pode ter o significado de even, no inglês, dependendo de fatores

contextuais (MICHAELIS, 1994). Outro exemplo são as partículas –mo, do japonês, e a –

to, do coreano, que expressam escala numérica, mas que, dado fatores contextuais,

podem ser usadas como marcadores (não canônicos) de concessividade (LEE, 2004).

No português brasileiro, algumas partículas escalares servem de base para a

composição de itens juntivos complexos que expressam concessividade, como é o caso

de mesmo em mesmo que9, ou o caso de nem em nem que.

O item nem é um conjunção aditiva negativa. Observe-se os exemplos (01) e (02)

adiante.

(01) Até hoje ele não nos enviou nem das candidatas nem das vencedoras. (CDP:19Or:Br:Intrv:Cid)

(02) Você vê a estrutura do Governo atuando nas eleições contra companheiros

nossos, você vê estrutura de Governo indo até atrás de Presidência de Conselho Municipal de Secretário de Saúde. Nem isso o PDT tem direito de disputar.

(CDP:19Or:Br:Intrv:ISP)

Em (01), o item nem marca a conjunção de dois sintagmas, “das candidatas” e “das

vencedoras”. Em (02), o item mesmo opera a conjunção, no entanto fica estabelecida uma

escala e que a porção sobre a qual ele opera “isso o PDT tem o direito de pedir” é posto

como o nível mais baixo da escala, o que cria a implicação de que qualquer elemento que

esteja em um nível cima de “isso” na escala está automaticamente desconsiderado. O

significado escalar de nem é verificado também em expressões “minimizadoras”, do tipo

“nem um pouco”, como mostra o exemplo (03), a seguir.

                                                                                                               9  O item mesmo que será detalhadamente analisado no capítulo 06.

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(03) Lidava com pessoas esquisitas, que viviam me dando cantadas, cheias de más intenções, e eu não era nem um pouco política.

(CDP:19Or:Br:Intrv:WEB) A respeito do item juntivo concessivo nem que, Miranda (2008) considera que eles

são introdutores de segmentos concessivos de polaridade negativa. Segundo a autora, o

item juntivo implica um modelo escalar em que se negocia com a polaridade dos

segmentos da construção, como se observa na ocorrência (04).

(04) A maior ambição de um cineasta é contar a história do próprio país, nem que

seja um pedacinho dela. (CDP:19Or:Br:Intrv:ISP)

Além do item juntivo nem que, há outros itens juntivos concessivos que também

expressam noção de escalaridade, como por mais que, por muito que, por menos que. No

entanto, uma discussão mais aprofundada sobre esses itens excede os objetivos deste

trabalho.

4.4.2 O componente “contraste”

A noção de contraste está intimamente associada à noção de comparação. Por

exemplo, a inter-relação entre essas duas noções pode ser observada no desenvolvimento

histórico da conjunção adversativa mas no português brasileiro contemporâneo. Ainda

que essa relação entre contraste e comparação tenha sido reconhecida anteriormente, elas

ainda são tratadas desconexas em muitos estudos. Nesta seção, ficará evidente que o

contraste só pode existir em decorrência de “atos de comparação” (LANGACKER,

1987), a relação entre contraste e comparação, portanto não se dá apenas no território da

linguagem, mas se dá, principalmente, no domínio das habilidades cognitivas e

perceptuais.

O processo (ou evento) de comparação é uma das habilidades básicas do sistema

cognitivo humano. Por meio de “atos de comparação”, os seres humanos são capaz de

discriminar entidades e de registrar incompatibilidades entre elas. Langacker (1987,

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p.100) sugere que a habilidade de se fazer “comparações eficazes subjaz a detecção de

regularidades e a imposição de estruturas na atividade cognitiva”10.

Os “atos de comparação” estão abaixo do nível da consciência no arrazoamento

humano. Esses atos são realizados constantemente por meio do sistema cognitivo, mas

somente quanto esses atos suscitam julgamentos de comparação, que, por sua vez,

resultam em julgamentos de discriminação é que a experiência do evento começa a ser

estruturada. Nesse sentido, os “atos de comparação” é fundamental para a modelação da

experiência humana.

Assumindo um ponto de vista discursivo alinhado ao ponto de vista cognitivista,

Vogt (2009 [1977]) afirma que (atos de) comparação consiste de julgamentos

(arrazoamentos) mais primitivos por meio dos quais o ser humano se “localiza” no

“mundo real”.

Tendo como pano de fundo a caracterização conceptual do contraste (e da

comparação), pode-se verificar a maneira como esse componente é incorporado à

estrutura semântica da concessividade.

O contraste é um componente semântico da concessividade que não

necessariamente aparece em um item juntivo, mas é um componente verificado na

construção concessiva, tanto é que Halliday e Hasan (1976) colocam as construções

concessivas no campo nocional da “adversidade”.

4.4.3 O componente “persistência”

O componente “persistência” está diretamente relacionado às tendências naturais

das entidades de forças no sistema da dinâmica de forças (TALMY, 2000). O padrão de

interação da concessividade é o de que a força do agonista é maior do que a força

exercida pelo antagonista, sem que seja sobrepujada. Fica, assim, evidente a continuidade

(persistência) de uma tendência.

Para Talmy (2000), o advérbio still, em inglês, análogo ao ainda, em português, é

um dos melhores itens lexicais que instancia o significado de persistência. Michaelis

(1993, 1996) explica que o esquema semântico do advérbio still implica a manutenção de

                                                                                                               10 Tradução deste autor. Texto original: “effective comparisons underlies the detection of

regularityand the imposition of structure on cognitive activity”.

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uma configuração de um evento (ou um estado) e essa manutenção evoca um resultado

esperado.

Se comparado aos outros componentes, o da persistência é o que menos recebeu

tratamento na literatura não só em termos cognitivos mas também em termos linguísticos.

A discussão desse componente associado ao item juntivo ainda que será reservada

para o capítulo 6, adiante.

4.5 Considerações finais

Como se pode observar na caracterização de cada um dos componentes semânticos

da concessividade, apenas o “contraste” foi mais amplamente discutido dentro de uma

moldura da ciência cognitiva, que possibilita tratar o contraste em termos de

conceptualização. Os componentes “escalaridade” e “persistência” foram discutidos

dentro de uma moldura linguística, visto que pouco se conhece, no domínio da ciência

cognitiva a respeito dessas duas noções11. De todo modo, uma caracterização minuciosa

de cada componente na perspectiva da ciência cognitiva foge ao propósito deste trabalho.

Diante desses cenários linguístico e conceptual, chega-se à indicação de que o

componente “escalaridade” é essencial à configuração do significado concessivo. Como

ficará evidente ao longo da caracterização dos outros dois componentes, a “escalaridade”

é o componente mais genérico dos três, visto que tanto o “contraste” quanto a

“persistência” também implicam noções escalares.

                                                                                                               11 Mark Turner (comunicação pessoal) sugeriu que um dos desafios da teoria dos espaços

mentais é dar conta dos fenômenos de persistência e, principalmente de escalaridade, considerando os traços cognitivo-perceptuais desses fenômenos, não apenas sua manifestação linguística.

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Capítulo 05 O estatuto categorial dos itens juntivos complexos causais e concessivos: propriedades funcionais e cognitivas

5.1 Preliminares1

Um encaminhamento dos estudos gramaticais atuais que têm por objetivo explicitar

a maneira como a língua é usada consiste em prover explicações coerentes e válidas para

as categorias linguísticas a partir do que se conhece sobre a relação entre cognição e

linguagem. Mais especificamente no que diz respeito à gramática, cumpre investigar o

uso sistêmico de estruturas linguísticas na construção do significado e na comunicação

eficiente. Tal tarefa é coerente com as mais gerais assunções funcionalistas de que a

gramática de uma língua organiza as relações (sintaxe), constrói as significações

(semântica) e determina os efeitos pragmáticos (pragmática) (NEVES, 2006, p.1). Por

meio da consideração desses três componentes da língua, em interface, é possível

explicar a gramática dentro de um modelo em que se privilegia o uso e, portanto, explicar

a organização do conhecimento linguístico dos falantes (CROFT, 2001, p.28).

Nesse modo de condução, as categorias e as relações gramaticais se colocam como

relevantes para explicitação da estrutura das categorias conceptuais. A categoria

linguística das construções adverbiais causais e concessivas e a categoria gramatical dos

itens juntivos adverbiais complexos, fixadas como zona de investigação deste estudo, são

vistas como “janelas”2 por meio das quais se pode vislumbrar a organização das

categorias conceptuais de causa e de concessão. O modo como se sustentam as relações

gramaticais nessas zonas adverbiais apresentam evidências para a estruturação conceptual

da causalidade e da concessividade.

No capítulo 01, especificamente na seção 1.3, discutiu-se o processo de

organização dos enunciados, que é o processo da conjunção, ou o da conexão de

significados (NEVES, 2006, p.223). Neste capítulo, faz-se um estudo do estatuto                                                                                                                1 Parte deste capítulo apresenta os resultados das investigações realizadas durante estágio

sanduíche na Universidade da Califórnia, em Berkeley, sob orientação da professora Eve Sweetser (processo FAPESP número 2-14/03059-4).

2 Esse termo é atribuído a Sanders e Sweetser (2009b, p.1).

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categorial dos itens juntivos adverbiais causais e concessivos considerando tanto fatores

de ordem funcional quanto fatores de ordem cognitiva. Os fatores funcionais, que

acomodam propriedades morfossintáticas e distribucionais, dizem respeito à natureza

linguística desses itens juntivos, enquanto os fatores cognitivos, que acomodam noções

essencialmente perceptuais, dizem respeito à natureza conceptual desses mesmos itens

juntivos. Em conjugação, esses fatores funcionais e cognitivos dão conta de explicitar

coerentemente a inter-relação entre a natureza conceptual e a natureza linguística desses

itens gramaticais. A apresentação e discussão dos estatuto categorial dos itens juntivos

adverbiais (complexos), neste capítulo, visa à condução de um tratamento das categorias

linguísticas (e conceptuais) de causa e de concessão a partir da natureza semântica desses

itens.

5.2 As propriedades lógicas dos conectivos (itens juntivos)

No campo da lógica 3 , os conectivos são elementos de “composição”

(HUMBERSTONE, 2011, p.47), isto é, são elementos que combinam fórmulas

proposicionais de modo a formar novas fórmulas (mais complexas) que expressam a

lógica proposicional. Nessa visão, os conectivos são dispositivos formais por meio dos

quais se combinam proposições (p e q) as quais, por sua vez, formam uma proposição

complexa (KEARNS, 2011, p.24). Esses conectivos, lógicos, apresentam uma

propriedade verifuncional, que diz respeito à calculabilidade do valor de verdade das

proposições que eles combinam. Os principais conectivos são aqueles que expressam

conjunção (^), disjunção (∨), negação (¬) e implicação material (→). No português, a

expressão da conjunção está, geralmente, associada a e, a da disjunção, a ou, a da

negação, a não, e a da implicação material, a se.

Essa propriedade verifuncional é a razão pela qual, na visão lógica, a negação é

incluída como uma operação lógica e também é a razão pela qual conectivos como

porque não são considerados conectivos lógicos. No caso de conectivos como porque e

de proposições complexas que denotam causalidade, os seus valores de verdade não

poderiam ser calculados pois esse cálculo dependeria de mais fatores do que apenas a

                                                                                                               3 Para se preservar a terminologia da lógica filosófica, esta seção utiliza o termo “conectivo” no

lugar de “item juntivo”, que tem sido usado nesta pesquisa.

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veracidade ou a falsidade das proposições que são combinadas pelo conectivo (KEARNS,

2011, p.25), fatores esses que, pela lógica, não são considerados.

O valor de verdade de uma proposição complexa deve ser calculado a partir do

valor de verdade das proposições combinadas sem que se faça referência ao conteúdo das

proposições. O valor de verdade das proposições complexas conectadas por conectivos

lógicos pode ser determinado a partir das possíveis combinações de valor de verdade,

veracidade (V) ou falsidade (F), das proposições p e q, listadas em um “quadro de

verdade” (KEARNS, 2011, p.26-29). Para cada um dos conectivos lógicos, estão

mostrados seus quadros de valor verdade, a seguir.

p q p^q V V V V F F F V F F F F

Quadro 5.1. Valor de verdade da conjunção

p q p∨q V V V V F V F T V F F F

Quadro 5.2. Valor de verdade da disjunção

p ¬p V F F V

Quadro 5.3. Valor de verdade da negação

p q p→q V V V V F F F T V F F V

Quadro 5.4. Valor de verdade da implicação material

Segundo a lógica, todas as possibilidades de combinação de valores de verdade de

proposições complexas vêm apresentadas nos quadros de verdade (Quadro 5.1, 5.2, 5.3,

5.4). Kearns (2011) esclarece que, no caso da conjunção, a ordem das proposições não

faz diferença para o cálculo do valor de verdade, ao passo que, no caso da disjunção e da

implicação material, a ordem das proposições altera o cálculo do valor de verdade.

A lógica proposicional não trata a relação de causalidade do mesmo modo com que

trata as outras relações, como a implicação material, que é a condicionalidade. Isso não

significa dizer, no entanto, que a relação de causalidade não apresente uma lógica. O

cálculo da relação de causalidade leva em consideração a implicação material e a negação

bem como probabilidade estatística e temporal de ordenação de eventos (SALMON,

1993).

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De semelhante modo, a relação de concessividade não recebe o mesmo tratamento

que as outras relações, pois seu cálculo de sentido dependeria de outros fatores que não

apenas a veracidade ou a falsidade das proposições. Foi na linguística funcional (KÖNIG,

1985, 1986, 1988) que essa relação foi descrita em termos lógico-semânticos, de acordo

com as operações de implicação material e de negação.

Por fim, deve-se observar que as propriedades lógicas dos conectivos são

verificáveis no uso dessas operações semânticas. No entanto, é necessária a descrição das

propriedades desses conectivos que não são contempladas no cálculo dos valores de

verdade. As propriedades funcionais e cognitivas dos conectivos, que são apresentadas

nas duas seções seguintes a esta, explicam não apenas as propriedades lógicas dos

conectivos mas também aquelas “não lógicas”.

5.3 As propriedades funcionais dos itens juntivos adverbiais complexos

Segundo Kortmann (1991), itens juntivos adverbiais são “formas livres ou

morfemas adverbiais presos que especificam algum tipo de relação semântica

interoracional entre uma oração subordinada, sobre a qual eles operam, e uma oração

matriz”4. Esses itens podem ser descritos a partir de características funcionais, que

confirmam seu estatuto categorial de item juntivo adverbial, e a partir de características

morfossintáticas, que discriminam sua composição formal. Segundo Kortmann (1997a,

p.102), um item juntivo adverbial “ideal5” apresentaria as seguintes características: a) ser

forma não flexionada6; b) operar sobre uma oração finita; c) não preencher nenhuma

função sintática na oração; d) ter posição fixa na margem da oração sobre a qual opera; e)

não pertencer a um registro específico; e) preceder a oração sobre a qual opera 7.

Além desses critérios funcionais, que definem o estatuto categorial dos itens

juntivos adverbiais, há também o critério morfossintático, segundo o qual se faz uma

distinção entre os itens morfossintaticamente simples e os itens morfossintaticamente

                                                                                                               4 Tradução deste autor. Texto original: “free forms or bound adverbial morphemes which specify

some semantic Interclausal relation between the subordinate clause over which they operate and the matrix clause”.  

5 Kortmann (1997a) usa o adjetivo “ideal” como sinônimo de “prototípico”. 6 Esse critério diz respeito às propriedades funcionais da flexão, não às morfossintáticas. 7 Kortmann (1997a, p.72) acrescenta essa característica especificamente para aquelas línguas em

que a oração subordinada não apresenta posição fixa em relação à principal.

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complexos8. São exemplos, no português brasileiro, de itens simples a conjunção causal

porque e a conjunção concessiva embora, ao passo que os itens já que e ainda que são

complexos. Como se pode observar no Quadro 5.5, os itens complexos seguem a

formulação genérica: BASE LEXICAL + PARTÍCULA SUBORDINATIVA9. No caso do português

brasileiro, essa partícula subordinativa é que.

Itens juntivos complexos

causais

Itens juntivos complexos concessivos

já que ainda que uma vez que posto que

dado que mesmo que desde que nem que visto que por mais que pois que por muito que

tanto mais que por menos que por causa que apesar (de) que por isso que se bem que

Quadro 5.5. Itens juntivos complexos causais e concessivos.

Kortmann (1997a, p.73) propõe três condições para que uma expressão complexa

seja considerada um item juntivo (complexo). A primeira condição é que deve haver um

mínimo de fusão entre a base lexical e a partícula subordinativa; a segunda condição é

que algumas das propriedades do sintagma original devem ser opacizadas; e a terceira

condição é que as expressões complexas devem apresentar pelo menos uma interpretação

adverbial que não seja plenamente reconstruível a partir do significado de suas partes.

Essas três condições serão levadas em consideração na explicitação da funcionalidade e

da natureza semântica dos itens juntivos causais e concessivos eleitos como objeto de

análise neste estudo10.

O fato de os juntivos serem morfossintaticamente simples ou complexos não altera

sua funcionalidade e, portanto, não altera seu estatuto categorial. O que os itens juntivos

                                                                                                               8 Nos critérios de Kortmann (1997a, p.102), o critério para complexidade é a quantidade de

palavras que formam o item juntivos. Em sua pesquisa, o autor verificou que, nas línguas indo-europeias, juntivos formados de uma única palavra representavam 56,4% da totalidade dos dados.

9 Bechara (2009) usa o termo “complementizador” (veja-se seção 1.3, do capítulo 01). 10 As análises dos itens juntivos causais e concessivos são apresentadas no capítulo 06.

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morfossintaticamente complexos fazem é especificar a natureza semântica da relação

entre o segmento adverbial e o segmento nuclear, isto é, eles expressam um elo semântico

mais estreito entre os segmentos, segundo sugere Montolío (2000).

Kortmann (1997a) propõe ainda dois tipos de classificação para os itens juntivos

adverbiais simples e complexos, um deles relacionado à forma e o outro, ao significado.

O primeira deles é uma classificação segundo a forma, que determina a complexidade

estrutural e a natureza lexical das bases, possibilitando a identificação das categorias a

que as bases pertencem, além da categoria adverbial. No caso dos itens juntivos

complexos, uma classificação segundo a forma já vem proposta em Halliday (1985,

1994) e operacionalizada para o português brasileiro por Neves (2006, p.259).

Os juntivos adverbiais complexos do português brasileiro podem ser abrigados sob

três categorias diferentes, de acordo com a natureza morfossintática da base lexical, como

mostra o Quadro 5.6 a seguir. Segundo o que consta no Quadro 5.6, verifica-se que as

três classes morfossintáticas “incorporadas” (KORTMANN, 1997a, p.102) à base dos

itens juntivos causais e concessivos no português brasileiro são os verbos, as preposições

e os advérbios, sendo essas duas últimas classes as mais produtivas para juntivos

complexos.

Base participial Base preposicional Base adverbial

caus

al visto que

dado que desde que

por isso que por causa que

já que uma vez que

tanto mais que

conc

essi

vo dado que

posto que por mais que por muito que por menos que apesar (de) que

ainda que mesmo que se bem que

Quadro 5.6. Classificação dos itens juntivos adverbiais complexos causais e concessivos segundo a forma.

(Adaptado de Neves, 2006, p.259)

Assim como no português brasileiro, em outras línguas as bases preposicionais e

adverbiais são as mais produtivas para a formação de itens juntivos adverbiais

(KORTMAN, 1997a, p.108). Conforme aponta Neves (2006, p.259), as preposições são

acionadoras de funcionamento de satélites e os advérbios são os protótipos desses

satélites.

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A base participial também é bastante frequente, no entanto seu domínio de

ocorrência é restrito às relações da zona de causalidade, causa, condição e concessão,

que, como já foi discutido em outros capítulos desta dissertação, estão semanticamente

relacionados. Um exame dos juntivos de base participial das línguas indoeuropeias que

constam no levantamento de Kortmann (1997b) revela que esse tipo de base, de fato,

ocorre exclusivamente nos domínios de causalidade, condicionalidade e concessividade.

Isso pode explicar-se pelo fato de que os valores causais “se ligam à telicidade do

particípio passado” (NEVES, 2006, p.261), um aspecto que semanticamente implica

esquemas mais genéricos de dinâmica de forças e de interação causal (CROFT, 2012).

Se, por um lado os itens juntivos adverbiais complexos podem ser classificados

segundo a sua forma, por outro, eles podem ser classificados de acordo com o seu

significado. Kortmann (1997a) assinala que, para a classificação dos itens juntivos

complexos segundo o significado, leva-se em consideração a natureza semântica da base

lexical dos juntivos. Esse tipo de classificação também já vem proposto em Halliday

(1985, 1994) e operacionalizado para o português brasileiro por Neves (2006, p.261). No

caso dessa língua, a autora identificou quatro categorias semânticas de base lexical, a

saber: consequência/conclusão, tempo, modo e intensificação, conforme mostra o Quadro

5.7 a seguir.

Consequência/ conclusão

Tempo Modo Intensificação

caus

al dado que

visto que por isso que

por causa que

já que desde que

uma vez que

- tanto mais que

conc

essi

vo dado que

posto que ainda que apesar (de) que

mesmo que nem que

por mais que por muito que por menos que

Quadro 5.7 Classificação dos itens juntivos adverbiais complexos causais e concessivos segundo a semântica da base lexical.

(Adaptado de Neves, 2006, p.261)

Kortman (1992, p.445) também operacionalizou essa classificação para itens

adverbiais de base participial nas línguas indoeuropeias. Segundo os dados por ele

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apresentados, os domínios semânticos de percepção visual e de assunção servem de fonte

para itens juntivos causais, e os domínios de oposição/obstrução, de atividade visual, de

assunção e de concordância servem de fonte para os itens juntivos concessivos11. Esse

autor interpreta essa correspondência entre domínios-fonte e as relações causal e

concessiva como caminhos de mudança semântica, que envolvem a opacização e o

apagamento de determinados traços semânticos das bases lexicais dos domínios-fonte. A

opacização e o apagamento de traços semânticos preenchem a segunda condição proposta

por esse autor para que uma expressão complexa seja considerada um item juntivo

adverbial complexo.

Por fim, as propriedades funcionais dos itens juntivos adverbiais complexos são

definidas com base em critérios classificatórios segundo a forma e segundo o significado.

A primeira diz respeito à composição morfossintática dos itens juntivos, a segunda diz

respeito à função semântica das bases lexicais que compõe esses itens. Na próxima seção,

serão apresentadas e discutidas as propriedades cognitivas dos itens juntivos complexos,

que organicamente se articulam com essas funcionais.

5.4 As propriedades cognitivas dos itens juntivos adverbiais complexos12

Uma definição inicial de subordinação segundo os princípios cognitivistas permitirá

a descrição das propriedades cognitivas dos itens juntivos adverbiais complexos.

A subordinação13, na perspectiva cognitivista, é definida a partir de noções de

Gestalt e de noções perceptuais (CROFT, 2001; TALMY, 2000), ou, ainda, a partir de

certas assunções a respeito do perfilamento 14 dessas construções complexas

                                                                                                               11 Kortmann (1992, p.443) fornece os seguintes exemplos:

a) domínio de percepção visual: see (inglês), voir (francês); b) domínio de assunção: assume, suppose, presume (inglês); c) domínio de oposição/obstrução: obstare (latim), withstand (inglês). d) domínio de atividade visual: considerare, providere, repicere (latim), foresee (inglês); e) domínio de concordância: grant, admit, agree, according (with) (inglês).

12 No campo da Linguística Cognitiva, o estatuto categorial da subordinação e dos itens juntivos adverbais nunca gerou muito interesse de pesquisa. São dois os autores que mais intensamente lidaram com a definição do estatuto categorial dessas categorias: Croft (2001) e Langacker (1991a, 2008a, 2008b, 2009, 2014).

13 Veja-se a seção 1.3 do capítulo 01. 14 “Perfilamento” diz respeito à construção cognitiva e linguística de um evento (veja-se capítulo

01, seção 1.2).

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(LANGACKER, 1991a, 2008b). Essas noções e assunções implicam uma assimetria

entre os eventos codificados nas orações em combinação: à “oração nuclear” é atribuída

maior proeminência cognitiva na estruturação da cena de evento, enquanto à “oração

subordinada” é atribuída menor proeminência no perfilamento de um evento complexo. A

diferença na atribuição de proeminência está associada à distinção entre “figura”, papel

desempenhado pela oração nuclear, e “fundo”, papel desempenhado pela oração

subordinada (CROFT, 2001; TALMY, 2000).

Considerando essa distinção como basilar na verificação da assimetria entre os

eventos codificados em sentenças complexas, Langacker (2008, p.139) explica que a

marcação dessa distinção é inerente a itens linguísticos como when, while, before,

although, since, if, no inglês, e seus correspondentes em outras línguas. Nesse sentido, a

oração que eles encabeçam (a subordinada) é, marcadamente, menos proeminente,

cognitivamente, do que a oração não marcada (a nuclear).

Construções em que se verifica subordinação por complementação ou relativização

implicam uma relação de continência simbólica da oração subordinada na oração nuclear,

ao passo que as construções em que se verifica subordinação adverbial não implicam essa

relação de continência simbólica. Devido ao fato de não ficar implicada essa relação em

construções subordinadas adverbiais, percebe-se uma relação de hierarquização menos

evidente entre as orações. Essa não continência simbólica, própria das construções

adverbiais, é tipo de “subordinação funcional” (LANGACKER, 2014) verificada nas

construções complexas adverbiais.

A respeito da relação de continência simbólica da oração adverbial na oração

principal, Langacker (2014, p.64) esclarece que, ainda que essa continência seja

verificada no plano morfossintático da relação de subordinação, a oração adverbial

preserva, cognitivamente, seu próprio perfilamento aparecendo, portanto, em seu próprio

nível básico de atenção.

O autor explica esse fato cotejando as orações adverbiais e os adjuntos adverbiais

(não oracionais), visto que existe uma correspondência semântica entre esses dois tipos

de construção. Segundo Langacker (2014), o adjunto adverbial, que, na forma de um

sintagma preposicionado, perfila tanto o esquema semântico da preposição quanto o

esquema semântico da base nominal desse sintagma, se liga a uma estrutura oracional que

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em si perfila um evento e, consequentemente, elabora a estrutura esquemática desse

evento perfilado por uma oração simples. Nesse sentido, o adjunto adverbial está

simbolicamente contido na estrutura esquemática do evento. A oração adverbial, por sua

vez, constitui em si mesma o perfilamento de um evento, o que não acontece com o

adjunto adverbial, justamente porque esse tipo de estrutura não constitui uma predicação.

Nesse sentido, o evento perfilado por uma oração adverbial exibe uma autonomia

cognitiva, justamente por ter a estrutura esquemática de um evento, entretanto um evento

que é assimétrico em relação ao evento perfilado pela oração principal, justamente

porque o da oração adverbial especifica, com alguma capacidade, o evento da oração

principal.

Nessa perspectiva, uma construção subordinada adverbial – a qual tem uma oração

(ou um segmento) nuclear e uma oração (ou um segmento) subordinada adverbial – tem

dois eventos perfilados, e não um único evento. Com base nesse duplo perfilamento,

Langacker (2014, p. 68) afirma que não se verifica, nessas construções, aquele tipo

clássico de continência, ainda que fique verificada uma assimetria na conceptualização

desses eventos.

Como já foi indicado no início desta seção, os conectivos (itens juntivos)

adverbiais marcam a diferença de proeminência entre os eventos perfilados em uma e em

outra oração. Essa é a função básica desses elementos. Langacker (1991a, p.429)

acrescenta que esses juntivos adverbiais podem variar quanto ao seu grau de

esquematicidade e de conteúdo: itens juntivos como after e while, no inglês, perfilam

relações mais objetivas15 e diretas do que juntivos como if, although e whereas, que são

mais dependentes da maneira como o falante avalia contingências e continências.

Langacker (1991a, p.429), ao falar dessa variação na esquematicidade e no

conteúdo dos juntivos adverbiais, deixa apenas sugerido que aqueles formados de uma

base lexical mais uma partícula subordinativa, que são os itens juntivos complexos

considerados nesta pesquisa, realçam e salientam a esquematicidade e a relação que se

sustenta entre os eventos das orações.

Como ficará evidente nas análises dos capítulos subsequentes deste estudo, são

apresentadas evidências para o fato de que o conteúdo semântico das bases lexicais dos

                                                                                                               15 A respeito da noção de “objetividade”, veja-se a seção 3.2, no capítulo 03.

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itens juntivos complexos causais e concessivos não apenas especificam a relação (de

causa ou de concessão) entre os segmentos mas também determinam, até certo ponto, a

configuração das propriedades sintáticas, semânticas e pragmáticas das construções

adverbiais (de causa e de concessão).

5.5 A questão da categorização e do estatuto categorial dos itens juntivos adverbiais

complexos

A discussão a respeito das propriedades lógicas, funcionais e cognitivas dos itens

juntivos adverbiais que acaba de ser proposta teve como objetivo caracterizar o estatuto

categorial desses itens juntivos, a partir dessas propriedades. Os estudos que servem de

base para este capítulo geralmente assumem apenas as propriedades funcionais ou as

cognitivas para definição do estatuto categorial dos itens juntivos adverbiais. Por um

lado, um exame fixado apenas nas propriedades lógicas dá conta de explicar uma parte

dos usos das conjunções, contudo falha em captar as nuanças das sobreposições

funcionais verificadas no uso desses itens juntivos. A conjugação dos conjuntos de

propriedades funcionais e cognitivas provêm uma definição mais ampla e mais acurada

para o estatuto categorial desses itens.

Nesse modo de condução, figura como altamente importante a capacidade de

categorização, básica e necessária aos seres humanos, não só porque possibilita o

arrazoamento conceptual mas também porque possibilita a ação por meio da linguagem.

As categorias, em uma moldura cognitivo-funcional, não têm limites rígidos, mas, sim,

imprecisos e fluidos. Essa fluidez é verificada tanto em categorias conceptuais quanto em

categorias linguísticas, que são, em grande parte, um reflexo da arquitetura conceptual

humana.

No que diz respeito às categorias linguísticas, Talmy (2000) sugere que há aquelas

categorias que provêm o conteúdo conceptual e experiencial, como substantivos,

adjetivos e verbos, e aquelas categorias que proveem o “esqueleto” da experiência, a

sustentação das relações, como preposições e conjunções. Essas categorias que provêm o

“esqueleto” experiencial, na gramática da língua, são classificadas de “classes fechadas”,

enquanto aquelas categorias que proveem o conteúdo conceptual, na gramática, são

classificadas como “classes abertas”. O que é evidente, no caso dos itens juntivos

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adverbiais complexos, é que um conjunto de elementos linguísticos pertencentes às

classes abertas compõe a estrutura morfossintática de elementos pertencentes às classes

fechadas. A esse respeito, Kortmann (1992, p.449) explica que entidades lexicais e

entidades gramaticais não são autônomas entre si, mas admitem zonas de sobreposição e

de intersecção.

A direção de análise dos capítulos que compõem a próxima parte é justamente a de

explicitar a inter-relação entre propriedades funcionais e propriedades cognitivas dos

itens juntivos causais e dos concessivos mediante a verificação de como se sustentam as

relações gramaticais nas construções adverbiais causais e concessivas no uso linguístico.

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PARTE III AS ANÁLISES

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Capítulo 06 A composição dos itens juntivos causais e dos concessivos: uma análise das bases lexicais

6.1 A diretriz de análise: forma, sentido e uso conjugados

Em uma análise de itens juntivos adverbiais na língua em uso, um dos caminhos a

percorrer é ir à natureza morfossemântica desses itens (KORTMANN, 1997), que

consiste na conjugação entre forma e sentido, verificada, em última instância, em relação

a seu uso. Este procedimento consiste, portanto, em verificar a relação existente entre a

natureza morfossintática dos itens juntivos e a sua função semântica. Visto que, nesta

pesquisa, os itens juntivos respeitam a formulação, genericamente definida como BASE-

LEXICAL+QUE, vai-se à natureza morfossemântica das bases lexicais dos itens juntivos

causais e concessivos. O que esses juntivos de natureza morfossemântica complexa

fazem é especificar a natureza da relação – seja ela de causalidade, seja ela de

concessividade – entre o segmento nuclear e o segmento adverbial; isto é, eles expressam

uma relação muito mais específica e restrita entre a prótase (segmento adverbial) e a

apódose (segmento nuclear) (MONTOLÍO, 2000, p.143).

Uma das maneira de classificar os itens juntivos causais e concessivos é dividi-los

quanto ao estatuto morfossintático do componente lexical formador do item, com base

nos critérios de Halliday (1994), e na operacionalização de Neves (2006) para o

português brasileiro. Essa classificação aparece sistematizada no Quadro 6.1, abaixo.

Base participial Base adverbial Base mista

Causal visto que já que uma vez que

-

Concessiva - ainda que mesmo que

se bem que

Quadro 6.1. Os itens juntivos causais e concessivos conforme a base lexical1.

                                                                                                               1 Neves (2006, p.259) apresenta, ainda, outros conectivos, os quais não serão considerados nesta

pesquisa: a) Causais: dado que (base participial); desde que, por isso que e por causa que (base

preposicional); tanto mais que (base adverbial). b) Concessivas: dado que e posto que (base participial); por mais que, por muito que, por

menos que e apesar (de) que (base preposicional).

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*Adaptado de Neves (2006, p.259)

No Quadro 6.1 fica posto que os itens juntivos causais já que e uma vez que têm

base adverbial, e o item juntivo visto que, base participial. Os itens juntivos concessivos

ainda que e mesmo que têm base de natureza adverbial; o item juntivo se bem que, apesar

de também apresentar um advérbio (bem) como base lexical, tem em sua composição a

conjunção condicional se, que contribui para a formação geral do valor concessivo do

juntivo, e, por esse motivo, considera-se que a base de se bem que é mista.

Para Halliday (1994, p.215-216), os conectivos cuja base lexical é formada com um

verbo representam, originariamente, “projeções”, evidenciando, assim, a sobreposição

semântica entre expansão e a projeção2. Ainda segundo o autor, os conectivos cuja base

lexical apresenta um item adverbial expressam, originariamente, a extensão até onde a

circunstância do segmento adverbial é válida. Nas análises que se apesentam adiante,

serão retomadas essas duas definições semânticas propostas por Halliday.

As considerações pelo viés funcionalista feitas por Halliday (1994) podem ser

adjungidas às considerações cognitivistas que serão feitas ao longo da análise. Para

exemplificar brevemente a relação entre o funcional e o cognitivo na natureza

morfossemântica dos itens juntivos, tome-se o juntivo causal visto que. No que diz

respeito a esse elemento, será proposto que ele não apenas funciona como um conectivo

oracional causal mas também funciona como um marcador evidencial, por meio do qual

fica estabelecida, ainda que genericamente, a fonte da informação do falante, dado o

próprio esquema semântico evocado pela base lexical do elemento. Esse argumento

encontra base na teoria da metáfora conceptual de Lakoff e Johnson (2003 [1980], 1999),

segundo a qual, partindo de esquemas imagéticos sinestésico-motores, “VER é

CONHECER”. Em última instância, o que se propõe para esse item juntivo é que o papel

de fonte de informação é a própria ancoragem para o engajamento intersubjetivo do

falante com o ouvinte.

Uma segunda maneira de classificar os itens juntivos causais e concessivos é

dividi-los quanto à função semântica de sua base lexical, como fez Neves (2006, p.261).                                                                                                                2 Para Halliday (1994, p.215), essa sobreposição entre expansão e projeção se dá no domínio do

irrealis. Halliday e Matthiessen (2013, p.484) apontam que as conjunções complexas cuja base seja formada a partir de um verbo seguem um padrão semântico do tipo “digamos que” (let us say/ think that...).

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Causa/consequência Tempo Modo

Causal visto que já que uma vez que

-

Concessiva - ainda que

mesmo que se bem que

Quadro 6.2. A função semântica dos itens juntivos causais e concessivos3. *Adaptado de Neves (2006, p.261)

De acordo com o que o Quadro 6.2 apresenta, as três grandes funções semânticas às

quais pertencem os itens juntivos aqui analisados são causa, tempo e modo. Pertencem à

função semântica de tempo os itens juntivos cuja base lexical é, obviamente, uma palavra

adverbial com acepção temporal (já, ainda e uma vez). À função semântica de modo

pertencem os itens juntivos cuja base lexical são os advérbios focalizadores mesmo e

bem. À função semântica de causa, pertence o item juntivo cuja base lexical é o

particípio4 verbal, visto, que, segundo Neves (2006, p.261), tem seu valor causal ligado à

telicidade do particípio passado. Oportunamente, serão tecidas considerações a respeito

da relação entre a forma e a função semântica aqui apresentada.

Nota-se que, nem nesta divisão do Quadro 6.2, nem naquela apresentada por Neves

(2006, p.261), cuja amostra de itens juntivos é consideravelmente mais ampla, há itens

juntivos causais cuja função semântica seja a de modo, fortemente associada à natureza

dos advérbios focalizadores, no caso dos juntivos concessivos aqui em análise. Por outro

lado, apesar de não constarem no Quadro 6.2, há itens juntivos concessivos que

apresentam função semântica de causa (ou consequência), como posto que, que também

se liga à telicidade do particípio verbal, que é ‘corrigida’, como explica Neves (2006),

pelo subjuntivo do verbo.

A divisão apresentada no Quadro 6.2, feita conforme os critérios de Neves (2006),

abre a possibilidade para dois tipos de análise, às quais se procederá nesta pesquisa:

                                                                                                               3 Novamente, a divisão de Neves (2006, p.261) abrange conectivos não contemplados nesta pesquisa:

a) Causais: dado que, por isso que e por causa que (consequência/causa); desde que (tempo); tanto mais que (intensificação)

b) Concessivas: dado que e posto que (consequência/causal); apesar (de) que e nem que (modo); por mais que, por muito que, por menos que (intensificação).

4 Kortmann (1997) considera que os particípios verbais que funcionam como conjunção passaram pelo mecanismo de reanálise completa.

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(i) cotejando-se os itens juntivos pertencentes a um mesmo domínio conceptual (por

exemplo, o domínio causal) mas que apresentam funções semânticas distintas (por

exemplo, a de causa versus a de tempo), verificar quais as especificações impostas na

vinculação semântica entre o segmento nuclear e o segmento adverbial;

(ii) cotejando-se os itens juntivos que apresentam a mesma função semântica (por

exemplo, a função de tempo – já que e ainda que), mas pertencem a domínios diferentes

(por exemplo, o causal e o concessivo), verificar qual o ponto de encontro entre as

relações conceptuais causal e concessiva.

Dessas duas operacionalizações, pode-se esperar que se chegue às seguintes

considerações, respectivamente:

(i) o fato de os itens juntivos apresentarem diferentes funções semânticas, apesar de

pertencerem a um mesmo domínio conceptual, pode refletir as diferentes maneiras de

conceptualização da relação bem como as diferentes maneiras de organização funcional

das construções adverbiais; no que concerne a este estudo, o que se faz são incursões na

própria estrutura e organização categorial das categorias de causa e de concessão,

verificando-se a maneira pela qual os diferentes itens juntivos representam diferentes

nuanças dessas categorias;

(ii) apesar de pertencerem a domínios conceptuais diferentes, os conectivos que

apresentam a mesma função semântica são o meio pelo qual se pode verificar a natureza

conceptual dos domínios relacionais em cotejo; no presente estudo, isso significa fazer

incursões na natureza conceptual das categorias de causa e de concessão a partir da

função semântica da temporalidade, linguisticamente codificada pelos itens juntivos já

que e ainda que.

Das análises e explicações apresentadas em (i) e (ii), respectivamente, o que se faz,

em última instância, é explicitar os traços semântico-pragmáticos, combinados aos traços

formais dos itens juntivos causais e concessivos, a partir de uma incursão na natureza

categorial e conceptual dessas relações, confirmando, assim, o caráter cognitivo-

funcional da pesquisa. A operacionalização concede um tratamento categorial às relações

de causa e de concessão, alinhada à assunção de que a zona adverbial na linguagem é

altamente fluida, como, dentre tantos autores, afirmou Harris (1990, p.307)

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De fato, nós podemos [...] afirmar que os inúmeros significados frequentemente codificados [...] por orações adverbiais parecem ser apropriadamente descritos em termos de uma (fluida) rede de foci semânticos [...].5

O fato que mantém os dois procedimentos de análise bem como as respectivas

explicações feitas a partir de cada procedimento unidos diz respeito à fluidez de

categorias e ao não-discretismo dos expedientes linguísticos tanto na organização

conceptual da experiência (que remete à organização conceptual da experiência por meio

da linguagem) quanto na comunicação da experiência conceptualizada (que diz respeito à

funcionalidade e à organização discursiva da linguagem). Em última instância, portanto,

as análises a que se procede nesta pesquisa permitem, também, levantar e instaurar

discussões teóricas no que concerne à categorização, às construções adverbiais e à

relação entre gramática e cognição em contextos de interação verbal.

Neste capítulo, o que se apresenta é uma análise de itens juntivos que, pertencentes

a um mesmo domínio relacional (o de causa e o de concessão), entretanto apresentam

distintas funções semânticas, verificando-se a contribuição do significado da base lexical

de cada item juntivo para a expressão da causalidade e da concessividade.

No capítulo seguinte a este, apresenta-se a distribuição quantitativa dos itens

juntivos causais e dos concessivos no que diz respeito à sua ocorrência nos domínios

cognitivos conceptuais (propostos, originariamente, em Sweetser, 1990, e referidos na

seção 1.4), à ordenação dos segmentos na construção e à correlação modo-temporal dos

verbos dessas construções. Por fim, articulam-se os resultados obtidos nos passos

anteriores e os traços categoriais de cada domínio conceptual.

Nas próximas duas seções, são analisadas as bases lexicais que formam os itens

juntivos causais selecionados para estudo (já que, uma vez que e visto que) e os itens

juntivos concessivos selecionados para estudo (ainda que, mesmo que e se bem que).

                                                                                                               5 Tradução deste autor. Texto original: “Indeed, we can […] assert that the range of meanings

frequently encoded […] by adverbial clauses appears to be appropriately described in terms of a (fluid) network of semantic foci […]”.

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Para analisar a base lexical dos itens juntivos em uma perspectiva cognitivo-

funcional, deve-se partir das seguintes assunções: a primeira, de que o significado6 dos

itens lexicais é equivalente à sua conceptualização, ou seja, à construção cognitiva da

experiência; e a segunda, de que a maioria dos itens lexicais, como destaca Langacker

(1991, p.2), possui uma gama de significados associados a seu uso convencional. À

primeira assunção diz respeito o fato de que, sendo o significado conceptualmente

estabelecido, ele é, portanto, esquematicamente organizado; à segunda assunção diz

respeito o fato de que, dentre os múltiplos significados de um item lexical, haverá um

significado determinado como central (prototípico).

Ainda que não seja o objetivo desta análise fazer um levantamento dos múltiplos

significados7 dos itens lexicais que constituem a base dos conectivos causais e dos

concessivos, serão levados em consideração os significados desses itens lexicais para

determinar se existe, ou não, “interferência” ou “contribuição” do significado do item

para o significado global das construções causais e das concessivas.

 

6.2 Uma análise da base lexical dos itens juntivos causais8

A relação básica expressa pelas construções causais é a de causa-efeito, ou de

causa-consequência. Configurada desse modo a relação causal, tem-se uma cena em que

o falante descreve estados de coisas relacionados entre si por um elo de causatividade

que configura a relação “p causa q”, dentro do esquema lógico-semântico da construção;

essa configuração é montada a partir de um determinado ponto de vista de algum sujeito

                                                                                                               6 Essa é uma premissa básica (e unânime) dos estudos cognitivistas (vejam-se Lakoff, 1987;

Langacker, 1987, 1990b, 2013; Talmy, 1988, 2000; entre outros). Nessa corrente, não é feita distinção entre léxico e gramática, que formam um continuum. Para a maioria das correntes funcionalistas, entretanto, há uma distinção entre léxico e gramática (por exemplo, Givón, 1995, 2001). No funcionalismo de Halliday (1994), postula-se uma lexicogramática, que representa exatamente a assunção de um continuum entre léxico e gramática.

7 Esse levantamento demandaria uma outra pesquisa a ser desenvolvida separadamente, na qual teriam de ser levados em consideração tanto os significados cada item lexical diacrônica e sincronicamente.

8 No capítulo 07, seção 7.2, serão apresentadas evidências quantitativas das ocorrências de cada item juntivo causal nos domínios conceptuais.

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de consciência (SoC) 9 responsável pela conceptualização dessa cena, o qual pode ou não

ser o Falante, como em:

(01) Já que não há dinheiro no bolso, as financeiras optaram pelo prazo, captando

recursos com jurus baratos de 6% ao ano e aplicando na praça dos 8% de juros ao mês, ganhando bruto 96% em um ano.

(CDP:19Or:Br:Intrv:Com)

(02) Ele observa, porém, que trabalha apenas com carros que não dão trabalho, uma vez que faz uma inspeção rigorosa antes de coloca-los à venda.

(CDP:19N:Br:PA)

(03) Em face das peculiaridades do local, o sítio fora escolhido para abrigar a escola da comunidade, sem qualquer objeção da parte de Nonô, visto que ele mesmo tinha oito filhos, todos em idade escolar e ansiosos para beber os ensinamentos ministrados pelos paulistas.

(CDP:19:Fic:Br:Cabral:Xamboia) Em cada uma dessas ocorrências, acontece que o falante, independentemente de

quem ele seja, apresenta, em cada um dos segmentos nucleares, uma situação que,

obviamente, constitui a consequência/efeito da situação apresentada em cada um dos

respectivos segmentos adverbiais; ou seja, a relação de causalidade em cada um desses

exemplos se dá no domínio conceptual de conteúdo. A diferença entre uma construção e

outra, contudo, reside no tipo de marcação dessa relação, isto é, reside no item juntivo

responsável por marcar a relação causal, o qual confere à construção uma especificação

na interpretação da causalidade, ainda que cada uma das ocorrências apresente,

estritamente, a relação entre causa-consequência/efeito.

Essa diferença de marcação do estatuto da causalidade é observada, também, em

construções causais em que os segmentos nuclear e causal não codificam estados de

coisas, mas, sim, entidades de outra ordem:

a) uma conclusão e um argumento, configurando, pois, construções pertencentes ao

domínio conceptual epistêmico, como nas ocorrências (04) a (06):

(04) Na verdade a reeleição é comum em qualquer parte do mundo, em países

civilizados. Na minha opinião, já que a federação é ampla, deveria acontecer em todas as esferas.

                                                                                                               9 Vejam-se seções 1.4.3, do capítulo 01, e 3.2, do capítulo 03, para uma discussão a respeito do sujeito de consciência (SoC).

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(CDP:19Or:Br:Intrv:Pov)

(05) A economista acredita que as exportações tenderão subir até setembro, uma vez que, nesse período, começa a comercialização dos principais produtos básicos, como café e soja.

(CDP:19N:Br:SCat) (06) Portanto, queremos ressaltar a importância do trabalho de habilitação e

reabilitação da pessoa portadora de necessidades especiais desde os primeiros anos de vida, visto que nesta fase as condições de recuperação são bem maiores.

(CDP:19N:Br:Cur) b) uma justificativa para o ato de fala realizado por meio do segmento nuclear,

configurando, pois, construções pertencentes ao domínio conceptual dos atos de fala,

como as ocorrências (07) a (09):

(07) Por que se convocou a votação da emenda da reeleição antes das reformas, já

que se vem discutindo tanto a urgência e necessidade das reformas? (CDP:19Or:Br:Intrv:Pov)

(08) Com relação à carta da vereadora Nely Almeida, gostaria de dar minha

opinião, uma vez que além de possuir quatro cães, algumas vezes os levo para um passo no Parque Birigui (sempre com guias).

(CDP:19N:Br:Cur) (09) – Visto que o senhor quer, vá; [...]

(CDP:19:Fic:Br:Rocha:Dusa) Por meio de um processo de natureza semântico-pragmática de abstratização,

construções causais epistêmicas e de ato de fala distanciam-se da configuração básica da

causalidade, na qual se estabelecem relações entre efeitos e causas em um ‘mundo real’.

Desse modo, fica evidente um crescente nível de subjetividade, que já se inicia nas

construções de conteúdo, consideradas como mais objetivas, e passa pelas de ato de fala,

chegando até as construções epistêmicas, consideradas as mais subjetivas. Entretanto,

essa escala de subjetividade encontra respaldo em estudos como os de Traugott e Dasher

(2002), Traugott (2010), Sanders et al (2009), entre inúmeros outros. Apesar de fortes

argumentos a favor de que as construções de ato de fala sejam consideradas as mais

subjetivas, justamente por estarem ancoradas nos propósitos comunicativos do falante,

será proposto neste trabalho que, pelo menos para os juntivos causais em análise nesta

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pesquisa se postule um crescente nível de intersubjetividade, pois a seleção que o falante

faz do elemento juntivo implica, acima de tudo, o engajamento interativo entre falante e

ouvinte.

Independentemente do grau de subjetividade observada nas construções causais, o

que, por si só, apresenta determinações para a organização da rede de espaços mentais

construídos e acessados na interação verbal, deve-se lembrar que, tipologicamente, os

juntivos causais funcionam como elaboradores 10 de espaços mentais. Ou seja, os

segmentos adverbiais introduzidos por itens juntivos causais tendem a localizar-se em

espaços mentais já estabelecidos na interação.

O que a análise nesta seção procura mostrar é que os juntivos causais de natureza

morfossemântica complexa, como já que, uma vez que e visto que não operam da mesma

maneira na elaboração dos espaços mentais. A distinção básica, por exemplo, entre o

juntivo já que e os outros dois é que esse item instancia o contexto enunciativo na

construção causal, enquanto os outros dois são enuncivos; por outro lado, o juntivo uma

vez que estabelece um vínculo causal de “automatismo” entre os segmentos, porque seu

significado está associado à noção de “ocasião”, própria da sua base. As propriedades de

cada um desses juntivos são analisadas a seguir.

6.2.1 A base lexical de já que: perfectividade e instanciação enunciativa

Castilho e Ilari (2008, p.423) 11 consideram o advérbio já como um advérbio

aspectual indicador de perfectividade. Castilho (2010, p.424) pontua como propriedade

do aspecto perfectivo indicar uma predicação encerrada, sem que haja qualquer menção

fasal. Na ocorrência (10), vê-se que a pontualidade da predicação além de estar marcada

pela forma verbal tiveram, vem reforçada pelo advérbio já.

(10) “Estamos tentando compensar com a participação nos lucros”, diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Paulo Pereira da Silva. A participação nos resultados, segundo ele, passou a ser a principal reivindicação dos metalúrgicos, ao lado do aumento de emprego. " Como a produtividade cresceu, as empresas não têm apresentado muita resistência à idéia ", afirma.

                                                                                                               10 Veja-se a discussão teórica apresentada na seção 1.4.1. 11 Esses autores alocam a classe dos advérbios aspectuais na categoria mais ampla dos advérbios

predicativos.

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  117

Segundo levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no entanto, os salários já tiveram uma boa recuperação no ano passado. O salário real médio manteve-se em alta ao longo de 1996.

(CDP:19N:Br:Bahia)

Explica Comrie (1976, p.52) que o aspecto perfectivo se diferencia dos outros tipos

de aspecto porque, enquanto outros expressam a estrutura temporal interna de um evento

(ou estado)12, o perfectivo expressa a relação entre dois marcos temporais, um dos quais é

o “estado resultante” de uma situação anterior, e o outro é o tempo da referida situação

anterior. De modo geral, o que o aspecto perfectivo faz, na visão desse autor, é indicar

uma continuidade presente de uma situação passada. À luz dessa primeira explicação,

pode-se dizer que, na ocorrência (10), o estado resultante é o de os salários terem se

recuperado no ano anterior.

O advérbio já difere de outros advérbios aspectuais que também expressam

perfectividade. Advérbios como completamente, na ocorrência (11), e rapidamente13, na

ocorrência (12), têm como âmbito de incidência verbos que em si mesmos expressam

telicidade e perfectividade (estiver desenvolvido e transformou-se, respectivamente).

Esses advérbios além de marcarem perfectividade, marcam também a maneira pela qual,

internamente, a predicação foi realizada, portanto, são descritivos a respeito da

predicação.

(11) O Atlantic, avaliado no campo de provas da montadora norte-americana, em Phoenix, no Arizona, mostra a seguinte conclusão: o carro é um modelo que proporciona mais prazer a quem olha do que a quem dirige. Pelo menos enquanto o conjunto mecânico não estiver completamente desenvolvido.

(CDP:19N:Br:Recf)

(12) A radiostronomia, descoberta por acaso, rapidamente transformou-se no maior auxiliar da Astronomia para detectar astros muitos distantes cuja luz visível não alcança o nosso planeta.

(CDP:19N:Br:Bahia)

                                                                                                               12 Aqui está evidenciada a forte presença da noção de “fases” na categoria “aspecto”. 13 Os advérbios completamente e rapidamente são apresentados em Castilho (2010, p.425)

funcionando como advérbios aspectuais perfectivos. Os exemplos que o autor oferece são “A juventude absorveu completamente a moda do cabelo comprido” e “Eu pus camarão naquele refogado... rapidamente... só mexi o camarão”.

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Comparada a ocorrência (10) com as ocorrências (11) e (12), percebe-se que o

advérbio já não possui o caráter descritivo que completamente e rapidamente possuem.

Além disso, o advérbio já pode ancorar toda a proposição no momento da enunciativo,

visto que a configuração da proposição se sustenta até o momento da enunciação. Apesar

disso, nesse tipo de uso, o advérbio já não tem valor dêitico, pois não ‘aponta’ para a

cena enunciativa, deixando apenas estabelecido que a configuração da proposição sobre a

qual incide é válida até o momento da interação.

O fato de que esse advérbio instanciar a enunciação traz algumas implicações para

as construções causais com o item juntivo já que, principalmente as construções de ato de

fala, que serão analisadas no capítulo a seguir, na seção 7.3. Nota-se que, nessas

construções, o segmento causal introduzido por esse juntivo tem a particular função de

trazer o foco de atenção do ouvinte para um aspecto particular do cenário enunciativo. É

o que acontece em (13). Nessa ocorrência, o segmento causal já que estou falando muito

não apresenta valor de conteúdo, e o que o falante traz à atenção do ouvinte, por meio do

segmento causal, é um traço da interação verbal.

(13) [...] então já que estou falando muito vou lembrar uma coisa – realmente apesar de nós termos escola de medicina – depois escola de engenharia – porque a escolas de engenharia () – escola de segundo grau – se transformou em politécnica [...]

(CDP:19Or:Br:LF:Recf)

Nesse tipo de construção, a ordenação dos segmentos adverbial e nuclear tem papel

fundamental: o segmento adverbial aparece sempre em anteposição, não porque apresente

uma informação ‘velha’ (ou conhecida) para o ouvinte (pois, como foi dito, esse

segmento não apresenta valor informativo), mas porque representa uma estratégia de

coordenação comunicativa com o ouvinte, por parte do falante. De modo semelhante, a

anteposição do segmento causal não implica a configuração de um novo espaço mental,

mas representa uma tentativa de o falante introduzir explicitamente um aspecto da

configuração do cenário interativo; nessa medida é que o uso desse tipo de construção se

torna uma estratégia de coordenação cognitiva e comunicativa.

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Por outro lado, construções causais de ato de fala com já que nas quais o segmento

adverbial aparece em posposição não têm o mesmo papel comunicativo, como se vê em

(14).

(14) E [o assunto da imigração] é importante para mim pessoalmente, já que

descendo de uma família que veio da Ilha Maurício. (CDP:19Or:Br:intrv:ISP)

A diferença observável entre (13) e (14), a par da ordenação dos segmentos, é o

fato de que o segmento causal em (14) apresenta um valor informacional. A ocorrência

(14) poderia ser reescrita, sem alteração da relação de causalidade, com o segmento

adverbial precedendo o segmento nuclear, como se vê em (14’). Entretanto, no caso de

anteposição do segmento adverbial, há estranheza na construção, pois o segmento

preposto apresenta alto valor informacional.

(14’) Já que descendo de uma família que veio da Ilha Maurício, o assunto da imigração é importante para mim pessoalmente.

No córpus, as construções causais com já que cujo segmento adverbial aparece em

anteposição estão mais frequentemente configuradas no modelo da ocorrência (13), no

qual esse segmento é uma estratégia de introduzir no discurso um aspecto do cenário

enunciativo.

Dado esse caráter enunciativo do advérbio já, incorporado nos traços semântico-

pragmáticos do juntivo já que, fica condicionada uma menor integração entre os

segmentos da construção causal em que esse juntivo ocorre. Por natureza, ele tem um

forte papel pragmático de afterthought, ou adendo em relação àquilo que está posto no

segmento nuclear, como se vê em (15), a seguir.

(15) Ora, nada mais justo, e até mesmo cordial, já que pensávamos ser também uma honra para uma dessas instituições patrocinar um artista da sociedade para representar o país num evento de tanta importância.

(CDP:19Or:Br:Intrv:Com)

6.2.2 A base lexical de uma vez que: marcação da “obviedade”

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  120

A base lexical desse juntivo é um sintagma nominal composto de dois elementos:

uma e vez. Juntos, esses dois elementos lexicais constituem um advérbio aspectual que

pode expressar reiteração, o qual diz respeito ao número de vezes que um evento (ou

estado) se repete. Contudo, esse sintagma nominal apresenta uma interpretação

problemática, de acordo com Ilari (2002, p.169), ligada ao item vez. Para esse autor, são

duas as possibilidades de interpretação de vez: (i) a primeira corresponde propriamente à

reiteração cíclica de um evento ou de um estado; e (ii) a segunda corresponde à noção de

“ensejo”, “ocasião”, “oportunidade” (que será sempre representada, nesta análise, pelo

termo “ocasião”). À noção de ‘reiteração cíclica’ estão associadas expressões do tipo

“várias vezes”, “três vezes [por semana]”, etc. À noção de “ocasião”, estão associadas

expressões como “uma vez” ou “certa vez”, por meio das se quais introduz uma narrativa

de episódios. Essas duas noções, obviamente, mesclam-se, tornando difícil a tarefa de

fazer uma clara distinção entre os usos.

Fica posta uma diferença fundamental entre as bases já e uma vez, a partir do

estabelecimento de que o sintagma uma vez apresenta a noção de ‘ocasião’. Tanto já

quanto uma vez são aspectuais, contudo, enquanto aquele item mantém uma relação mais

estreita com a instanciação do momento enunciativo14, este item é mais enuncivo, pois se

liga à organização e à introdução de eventos narrados no universo discursivo.

Em (16), percebe-se que a expressão uma vez (em destaque) corresponde à

expressão “certa vez”, ou, ainda, “certa ocasião”.

(16) A filatelia deu a Luiz Passos a possibilidade de fazer inúmeros amigos através

do mundo. Ele exibe, por exemplo, fotos de um filatelista alemão com a família com o qual costuma se corresponder. Uma vez recebeu da mesma pessoa um recorte de jornal da Alemanha no qual aparece uma foto do Elevador Lacerda de Salvador.

(CDP:19N:Br:Bahia)

                                                                                                               14 O termo “enunciativo” está ligado à noção de “enunciação”, que pode ser definida por

diferentes vieses teóricos. Para se manter a coerência teórica neste trabalho, entende-se “enunciação” nos termos de uma semiótica cognitiva de Brandt (2013). Segundo a autora, enunciação é “o ato de produção linguística, em um dado contexto situacional, manifestada estrutural e pragmaticamente como significado intencional e dependente da interação” (BRANDT, 2013, p.47, ênfase original).

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Nesse contexto é que se verifica a função semântica temporal da base do juntivo

uma vez que. Em contextos de anteposição15, é licenciada uma leitura temporal para o

segmento causal.

(17) No tempo de revolução podia pensar num combate com uma leve sensação de desfalecimento ; ficava todo o tempo com uma impressão de quase medrosa expectativa.. Mas uma vez que o tiroteio começava, era tomado duma espécie de embriaguez, duma alegria quase selvagem, dum ímpeto que não conhecia esmorecimento. Havia, porém, uma coisa que não suportava.

(CDP:19:Fic:Br:Verissimo:Resto) É importante, nessa perspectiva, esclarecer a concepção de evento narrado, ou

narrativa, cuja noção fundamental está em Labov e Fanshel (1977, p.105). Os autores

definem de narrativa como o meio de representação de uma experiência passada, por

meio da ordenação de eventos articulados em uma linha temporal própria. Nessa

concepção, os eventos narrados ligam-se ao passado em relação ao momento da

enunciação, mas possuem uma linha temporal própria, na qual se organizam e se

ordenam os eventos. Nessa configuração, o momento da enunciação e o momento dos

eventos não coincidem.

A partir desse conceito de narratividade, o que se percebe é que o significado do

sintagma uma vez associado à noção de ocasião está, na verdade, ancorado no uso em

contextos narrativos, enquanto o significado de reiteração cíclica, não. A base uma vez do

juntivo causal uma vez que conserva mais o significado narrativo do sintagma nominal do

que o significado reiterativo cíclico. Essa ligação do sintagma uma vez a contextos de

narratividade permite prever qual seja o comportamento do juntivo causal formado a

partir dessa base: uma primeira predição diz respeito ao domínio conceptual no qual as

relações de causalidade se sustentarão; a segunda predição diz respeito às restrições de

tempo impostas aos verbos dos segmentos nuclear e causal; a terceira predição diz

respeito ao tipo de sequência textual em que ele ocorre.

Primeiramente, pode-se prever que as construções causais com uma vez que sejam

mais frequentemente usadas no domínio de conteúdo. A narratividade, conforme a

                                                                                                               15 São raras as ocorrências de uma vez que nas quais o segmento causal aparece em anteposição.

Para um levantamento quantitativo, veja-se a Tabela 7.3.

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definição de Labov e Fanshel (1977), está associada a eventos que aconteceram, e,

portanto, a narratividade prototípica seria aquela em que os eventos aconteceram no

‘mundo físico’, no domínio do conteúdo. É possível prever, pois, que as construções

causais cujo segmento adverbial seja introduzido por uma vez que expressem uma relação

de causalidade que se sustenta no domínio conceptual de conteúdo. A ocorrência (18) é

um exemplo de construção do domínio de conteúdo.

(18) Nós tivemos, há pouco tempo, um problema sério aqui e agimos imediata e corretamente. Agora, mais uma vez, tecnicamente, resolvemos os empecilhos da barreira, uma vez que a barreira sanitária obrigava que o Brasil tivesse rastreamento de carne e nós não tínhamos como fazer esse rastreamento. Aí, entra o papel da pesquisa. Ela foi estimulada por uma barreira sanitária, nem tão sanitária assim.

(CDP:19Or:Br:Intrv:Web)

Em segundo lugar, parece possível prever que o tempo verbal das construções

causais com uma vez que seja o pretérito16. Essa predição, contudo, confirmou-se apenas

parcialmente17. Nas construções do domínio de conteúdo, há prevalência do pretérito e há

também um grande número de ocorrências com o presente, visto que o presente também

pode ser narrativo. Nesse domínio e no domínio epistêmico, é virtualmente nulo o

número de ocorrências com tempo futuro, cujo uso, entretanto, é licenciado nas

construções de ato de fala, pois, nesse tipo de construção, há o rompimento do vínculo

com o contexto enunciado. A ocorrência (19) é um exemplo de construção de ato de fala

cujo segmento adverbial apresenta verbo no futuro, e a ocorrência (20) é um exemplo de

construção de ato de fala com verbo no presente.

(19) Somente depois que ele for embora é que estudaremos uma trégua, uma vez que isso significará o fim da Guerra.

(CDP:19N:Br:SP) (20) Para quem curte um panorama bem descontraído, a cidade é o destino certo,

uma vez que ainda apresenta a maioria das ruas de terra batida.

                                                                                                               16 Os aspectos perfectivo versus imperfectivo não implicam grandes diferenças nesse caso, já que

perfectividade e imperfectividade mantêm relação com a organização de figura e fundo na narrativa.

17 Veja-se a Tabela 7.5.

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(CDP:19N:Br:Recf)

Em terceiro e último lugar, pode-se prever que o juntivo uma vez que ocorra

predominantemente em sequências textuais narrativas. Semelhantemente à segunda

predição, essa se confirmou parcialmente, o que, na verdade, só confirma o estatuto

gramatical desse item juntivo18. A ocorrência (19) é um exemplo de que construção em

sequência dissertativa.

6.2.3 A base lexical de visto que: entrecruzamento de causalidade e evidencialidade

Duas coisas devem ser levadas em consideração ao analisar-se a base de visto que:

(i) o valor lexical do verbo ver, que está metaforicamente associado a evidencialidade;

(ii) o valor participial de visto, cuja telicidade, como aponta Neves (2006), favorece a

noção de causalidade.

A análise do item juntivo visto que difere das outras análises apresentadas em 5.2.1

e em 5.2.2 e difere até mesmo das análises das bases concessivas que serão apresentadas

nas seções de 5.3, a seguir. A razão disso está no fato de que a base lexical desse juntivo

implica uma nuança metafórica não presente na estrutura semântica das outras bases

lexicais. A base lexical de visto que é o particípio da forma verbal ver, cujo esquema

semântico serve de (domínio) fonte para um sem número de metáforas associadas à

noção de “conhecimento” (domínio alvo).

A relação entre “visão” (atuando como domínio fonte) e “conhecimento” (atuando

como domínio alvo), num complexo metafórico, foi primeiramente apresentada em

Lakoff e Johnson (1980), entretanto foi expandida e elaborada, em detalhes, em Sweetser

(1990)19, dentro de um modelo cognitivo que considera que parte do significado

linguístico está ancorado naquilo que os falantes experiencializam do mundo físico e que,

                                                                                                               18 Uma das condições para um elemento linguístico ser considerado como gramatical, nas teorias

cognitivo-funcionais, é que ele não pode ocorrer especificamente apenas em um tipo de texto ou em um gênero textual.

19 Sweetser (1990, cap. 02) fez um estudo diacrônico, verificando principalmente a mudança semântica dos verbos de “percepção”, no contexto das línguas indo-europeias. O principal argumento da autora, a respeito da mudança semântica dos verbos de percepção, é o de que tanto os dados diacrônicos quanto os dados sincrônicos apontam para o mesmo direcionamento de análise cognitiva dos domínios semânticos (p.23)

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a partir dessa experiência, cria-se uma vinculação metafórica nada trivial entre conceitos

mais concretos (domínio fonte) e conceitos mais abstratos (domínio alvo) .

Em linhas gerais, o domínio da VISÃO20 , que envolve todo um conjunto de

percepções e sensações físicas, atua como fonte para a organização do domínio do

CONHECIMENTO, que é mais abstrato21. Explica Sweetser (1990, p.33) que a relação

metafórica entre ‘visão física’ e ‘intelecto’ encontra seus fundamentos no entendimento

de que o sentido da visão é a fonte primária de informação. Por isso, não é incomum a

expressão “Eu vi com meus próprios olhos”, cuja função comunicativa é a de prover forte

evidência ‘concreta’ para um determinado tipo de informação. Nessa medida, deixa claro

a autora que esse mapeamento entre o domínio da VISÃO e o do CONHECIMENTO mantém

fortes relações com um domínio ainda mais abstrato, o da evidencialidade.

A fim de esclarecer essa relação com a evidencialidade, retoma-se, aqui, o esquema

de Chafe (1986, p.263), que organiza essa categoria a partir da noção de ‘conhecimento’,

que é central do esquema e que representa o ‘conteúdo’ que será modificado por uma

expressão evidencial.

Figura 6.1. Modelo evidencial proposto por Chafe (1986).

                                                                                                               20 Essa notação gráfica em versalete é o padrão utilizado para representar um domínio conceptual,

não um conceito ou termo lexical. 21 Apresentar os mapeamentos metafóricos entre o domínio da VISÃO e o domínio do

CONHECIMENTO está além do propósito deste trabalho.  

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Nesse modelo, o item juntivo visto que entra justamente na zona da indução, cuja

fonte de conhecimento é a evidência. Seguindo-se o raciocínio de Chafe (1986, p. 263)22,

a configuração da construção causal com visto que é esta: o estabelecimento do elo causal

entre os conteúdos é o ‘conhecimento’, ao qual o falante chegou por meio de mecanismos

de ‘indução’, com base em algum tipo de evidência; nesse esquema, o próprio falante,

independentemente de quem seja, apresenta-se como “validador” desse conhecimento

indutivo.

O caráter evidencial de visto que traz implicações para a organização da rede de

espaços mentais construída na interação verbal. A primeira dessas implicações diz

respeito à questão da perspectiva, que, como definem Sanders e Reddeker (1996, p.293),

é “a introdução de um ponto de vista subjetivo que restringe a um sujeito (pessoa)

específico a validade da informação apresentada no discurso”23.

A segunda implicação diz respeito à estruturação do espaço mental no qual se

sustenta a relação de causalidade marcada por visto que.

Com base nessa relação metafórica entre os dois domínios, pode-se esperar24 que,

nas construções causais cujo segmento adverbial aparece introduzido por visto que, o

vínculo de causalidade entre os conteúdos causais seja mais abstrato e, portanto, mais

epistêmico do que nas outras construções. Isso não significa dizer que não possa haver

construções com esse juntivo no domínio conceptual de conteúdo ou no domínio de ato

de fala.

6.3 Uma análise da base lexical dos itens juntivos concessivos

Em seu estudo tipológico sobre as construções concessivas, Crevels (2000)

verificou que elas podem ocorrer em quatro níveis semânticos diferentes: o nível do

                                                                                                               22 Chafe (1986, p.263) apresenta o seguinte exemplo: I feel something crawling up my leg [Eu

sinto alguma coisa subindo na minha perna]. Ele explica que a ideia de ter alguma coisa subindo a perna é o conhecimento; nesse caso, o modo de conhecimento é a indução com base na evidência sensorial.

23 Tradução deste autor. Texto original: “[perspective is the] introduction of a subjective point of view that restricts the validity of the presented information to a particular subject (person) in the discourse”.

24 Essa predição mostra-se correta, neste trabalho. Conforme a análise que se mostrará no Capítulo 07, até mesmo quantitativamente as ocorrências no domínio epistêmico são maiores do que com nos outros domínios.

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conteúdo, o epistêmico, o ilocucionário e o textual. Além disso, a autora verificou

também que, nos três primeiros níveis semânticos, as construções tendem a ser

“sindéticas” (isto é, há a presença de um juntivo concessivo conjungindo os segmentos),

enquanto as construções do último nível, o textual, tendem a ser assindéticas.

É incontestável o fato de que as construções concessivas, assim como as causais,

podem ocorrer em diferentes níveis semânticos, ou diferentes domínios conceptuais (para

ser fiel à proposta desta pesquisa).

Conforme já foi dito a respeito das construções causais, na introdução da seção 5.2,

o item juntivo responsável por explicitar a relação de concessividade entre os segmentos

influencia a configuração do significado concessivo da construção. No caso dessas

construções, a diferença entre um juntivo e outro é ainda mais evidente, sendo quase

impossível comutar um juntivo por outro, como se percebe comparando-se as

ocorrências a seguir.

(21) O fato de Monje querer ele mesmo ser o líder da revolução, ainda que recusando-se a ir para o lugar onde se travava a luta principal, é questão de pormenor.

(CDP:19Or:Br:Intrv:Com) (22) Isso tudo mostra que as cotas funcionam, mesmo que alguns partidos não as

tenham preenchido. (CDP:19Or:Br:Intrv:Cid)

(23) Eu sempre tive muitos livros, apesar de morar na favela. Mas eu não tenho

nenhuma vergonha disto. Tem muita favela lá no Rio que é melhor que estas coisas que estão fazendo agora. Se bem que eu aluguei um cantinho pra escritório da firma que tenho com o Leonel. Eu vi até um anúncio agora, no intervalo daquela novela, o " Espigão

(CDP:19Or:Br:Intrv:Web)

O que a análise nesta seção procura mostrar é que os diferentes juntivos

concessivos, como ainda que, mesmo que e se bem que, não operam da mesma maneira

na configuração do significado concessivo.

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6.3.1 A base lexical de ainda que: temporalidade, persistência e escalaridade

O item juntivo ainda que enquadra-se na função semântica temporal (cf. Quadro

5.2). O advérbio ainda pode tanto ter o significado temporal, como pode expressar

conclusão, inclusão, exclusão, concessão e intensidade25.

A discussão que segue centra-se nas acepções temporal e concessiva desse

advérbio, argumentando, principalmente, com base nos estudos de Michaelis (1996),

Ranger (2007) e Talmy (1988), que a acepção concessiva, que emerge no discurso, é

derivada da acepção temporal.

Investigando o correlato do advérbio ainda no inglês, o advérbio still, Michaelis

(1996) faz uma distinção entre seu uso temporal e o não temporal26, relacionando-se com

esta última categoria o significado concessivo, ou adversativo. Explica Michaelis (1996,

p.182, ênfase acrescida) que o esquema geral do significado temporal de ainda implica a

“manutenção” da configuração de um dado estado de coisas em sequências de “loci

escalares”, e que esse esquema evoca um “resultado esperado”. Dentro de tal esquema, a

configuração do item não se situa no ponto extremo da escala que serve como referência.

Argumenta a autora que a coexistência do significado temporal com os significados não

temporais desse advérbio deve-se à ligação desses significados ao esquema escalar (mais

abrangente), de continuidade temporal. As ocorrências (24) e (25), abaixo, ilustram o uso

temporal e o não temporal de ainda, respectivamente:

(24) Temporal

Fale diretamente com o Jorge, em meu nome. Ainda são quatro da tarde. A operação de resgate dos corpos e da patrulha está em andamento.

(CDP:19:Fic:Cabral:Xambioa)

(25) Não temporal27 Por sorte, seu pai acreditava que, apesar de seu sexo, ela poderia conquistar o que quisesse em sua vida. Mas Haifa ainda sofreu muita pressão para

                                                                                                               25 As acepções apresentadas no Dicionário UNESP de Português Contemporâneo (BORBA et al,

2002) remetem a esses campos de significado. 26 Na análise de Michaelis (1996), aos significados não temporais se adiciona o significado, que

vem chamado de “marginal”. Still expressa ‘marginalidade’ em exemplos como “Death Valley is still in California”, em que o advérbio é utilizado para expressar a localização de uma entidade na “margem” de uma categoria gradual.

27 Ocorrência adaptada de “Mulher de Arábia Saudita é primeira diretora de cinema do país”. Disponível em << http://correiodobrasil.com.br/mulher-da-arabia-saudita-e-primeira-diretora-de-cinema-do-pais/533629/#.UJNJ_Gl26nc>>. Acessado em 22 de abril de 2014.

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abandonar seus planos profissionais.

Com base em König (1977) e em Kay (1990), Michaelis apresenta duas

considerações sobre o valor temporal advérbio ainda. Considera, em primeiro lugar, que

o ainda (still) temporal é um “operador de escopo”, cujo âmbito de incidência é uma dada

asserção. No caso de (25), que aqui vem retomado, “Fale diretamente com o Jorge, em

meu nome. Ainda são quatro da tarde. A operação de resgate dos corpos e da patrulha

está em andamento.”, a asserção sobre a qual o advérbio incide é “São quatro da tarde”.

A autora enfatiza, em segundo lugar, o fato de o ponto temporal determinado pelo

advérbio coincidir com o tempo de referência da asserção. No caso de (25), o tempo de

referência é o presente, indicado pela forma “são”. Nessa perspectiva, o advérbio ainda é

considerado como articulador de duas proposições, uma que é asseverada e outra que é

pressuposta. A proposição asseverada funciona como figura, enquanto a proposição

pressuposta funciona como fundo. Michaelis (1996), conjugando essas duas

considerações, formula da seguinte maneira o significado temporal de ainda:

(26) asseverado: [[configuração-X] obtida no tempo t]

pressuposto: [[configuração-X] obtida no tempo t-1]

A ocorrência em (24) pode ser representada como: (27) asseverado: [[São 4 horas] obtido no tempo t]

pressuposto: [[São 4 horas] obtido no tempo t-1]

O que se nota, com base nos esquemas (26) e (27), é que o advérbio ainda liga dois

conteúdos, um dos quais é o próprio conteúdo proposicional codificado na construção

linguística (asserção, nos termos do esquema [26]), e outro que é o conteúdo “pré-

construído” (pressuposição, nos termos do esquema[26]). Em outras palavras, esse

advérbio perfila, na construção linguística, a configuração-X como idêntica a, e contínua

a uma configuração anterior (RANGER, 2007).

Essa noção de conteúdo “pré-construído” aparece principalmente em Ranger

(2007), que trata o advérbio inglês still pela perspectiva da enunciação argumentativa. Na

ocorrência (28), a seguir, estão destacadas duas configurações, segundo o esquema em

(26). Nela se percebe o uso concessivo (ou argumentativo, na terminologia de Ranger,

2007) do advérbio ainda. Observa-se que, no segmento 1 “Mesmo com a possibilidade da

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  129

recuperação de Edmundo”, o item mesmo é condicionante para o uso concessivo

(argumentativo) de ainda. O que o advérbio ainda faz é justamente expressar a

continuidade de uma configuração apresentada no segmento 2 que é idêntica à

configuração (temporalmente) anterior.

(28) 1[Mesmo com a possibilidade da recuperação de Edmundo], 2[o Bahia ainda

ficará desfalcado de Eduardo], que cumpre suspensão pelo terceiro cartão amarelo, e do lateral-esquerdo Vanderlei, entregue ao departamento médico por causa de uma contusão na virilha.

(CDP:19N:Br:Bahia)

A interpretação concessiva no contexto dessa ocorrência se deve, principalmente, à

oposição que emerge da manutenção da configuração apresentada no segmento [2], a

despeito da configuração apresentada no segmento [1]. Isto é, pode-se entender (28) que

a possibilidade de recuperação de Edmundo seria suficiente para que o time não ficasse

desfalcado desse jogador, contudo o time continuará desfalcado apesar da possibilidade

de recuperação do jogador. A oposição em si, contudo, não é suficiente para suscitar o

significado concessivo, pois se assim fosse, não haveria diferença entre adversidade e

concessividade. O modelo no qual a oposição emerge é um modelo em que o argumento

apresentado no segmento [1] seria “forte” o suficiente para “neutralizar” o argumento

apresentado no segmento [2], mas o argumento apresentado em [2] prevalece, a despeito

do argumento apresentado em [1] (TALMY, 1988)28.

À luz da teoria dos espaços mentais, ocorre que o significado do advérbio ainda

implica uma compressão de espaços mentais em um único espaço, conforme a

representação no Diagrama 6.1 a seguir.

                                                                                                               28 Essa explicação fundamenta-se nas noções básicas de dinâmica de forças, apresentadas em

Talmy (1988, 2000). Veja-se o capítulo 04, especificamente, seção 4.4.3.

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Diagrama 6.1. Rede de espaços mentais do advérbio ainda.

*Com base em Michaelis (1996) Cada espaço que serve de input para a estrutura geral da mesclagem apresenta uma

estrutura própria: há um determinado tempo t e há a configuração de um evento x (ou de

um estado), que é mantida através dos espaços. No espaço mescla, no qual está realizada

a compressão, apenas tn é o tempo relevante a ser projetado para o espaço mescla, visto

que, como aponta Michaelis (1996), o ponto temporal de ainda coincide com o tempo de

referência da asserção.

Consideram Traugott e König (1982, p.178) que a relação entre o significado

temporal e o concessivo de ainda é evidência para a “forte relação entre ‘continuidade’ e

‘concessividade’29 ”. Com base na proposição desses autores, afirma Michaelis (1996,

p.194) que o esquema geral para a concessividade é a continuidade de uma configuração-

x (veja-se a fórmula em [26]) de um dado estado de coisas apesar de, contextualmente,

haver uma situação “militante” contra a continuidade dessa configuração. A essa

continuidade a autora chama de persistência. Michaelis (1996) destaca, portanto, nesse

modelo, dois componentes esquemáticos do significado de still que, segundo ela,

compõem o “cenário concessivo”: a persistência e a escalaridade30. Explica a autora que

a persistência é um modelo que faz parte do esquema (mais genérico) da escalaridade.

                                                                                                               29 Texto original: “strong relationship between ‘continutation’ and ‘concessiveness’ ”. 30 Há ainda um terceiro componente do cenário concessivo, o contraste, que será discutido mais

adiante.

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A análise de Michaelis (1996) do advérbio still, bem como as outras nas quais a

autora se fundamenta, resume-se à verificação da funcionalidade desse advérbio em

diferentes contextos, sem considerá-lo como parte integrante de uma conjunção, até

mesmo porque, em inglês, não se verifica um conectivo concessivo cuja base lexical seja

o advérbio still, ou seja, um conectivo exatamente correspondente a ainda que. Esse fato

não invalida e não descarta a possibilidade de verificar as mesmas propriedades

semântico-pragmáticas na sua contraparte portuguesa ainda, na forma do conectivo

concessivo ainda que. O mesmo se pode apontar para o item juntivo mesmo que, que será

analisado a seguir.

6.3.2 A base lexical de mesmo que: focalização e escalaridade

Enquanto o advérbio ainda, apesar de polissêmico, pertence apenas à classe dos

advérbios, o item lexical mesmo pode funcionar tanto como advérbio quanto como

pronome. Em sua função pronominal (demonstrativo), mesmo indica que entidades

comparadas são idênticas, e opera como um reforçador de identidade (29) ou como um

indicador de identidade idêntica (30) (NEVES, 2000, p.492; CASTILHO, 2008, p.126,

2010, p.499). Em sua função adverbial, mesmo é focalizador, expressando uma

verificação de coincidência com um protótipo31 (31) (ILARI, 2002; CASTILHO, 2010).

(29) Boa parte desta postura pode ser explicada com a chegada definitiva da

maturidade e de um novo olhar para si mesmo. (CDP:19N:Br:Bahia)

(30) Era um edifício doente, contaminado, quase terminal. Mas continuava no

mesmo lugar, ainda não tinha desmoronado. (CDP:19:Fic:Br:Abreu:Onde)

(31) Eu não quero o bem só para mim, mesmo porque, as coisas só estão boas

quando são generalizadas. Eu faço o que posso. (CDP:19Or:Br:Intrv:Cid)

Tanto nas ocorrências (29) e (30), nas quais o item mesmo funciona como pronome,

quanto na ocorrência (31), na qual o item funciona como advérbio, percebe-se que o traço

                                                                                                               31 Explica Castilho (2010, p.572,) que essa verificação de coincidência com um protótipo diz

respeito aos “usos que podem indicar que uma propriedade ou relação se realiza de maneira ‘prototípica’ ou ‘exemplar’ ”.

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de identificação de “identidade” é o que perpassa os usos do item lexical mesmo. Com

base em Castilho (2010, p.499), pode-se dizer que esse item é em si comparativo, ainda

que essa comparação seja de uma entidade com si mesma. O grau de identificação das

entidades expresso por mesmo é total, ou pleno. Assim, o esquema semântico desse item

lexical implica o que se pode considerar como “a permanência da identidade total” de

uma determinada identidade.

O modelo escalar está implicado no esquema semântico do item mesmo; contudo,

diferentemente da escalaridade temporal de ainda, a escalaridade de mesmo diz respeito à

identidade, ou projeção identitária32. Semelhante à escala de ainda, que tem a referência

temporal do enunciado como ponto máximo da escala, a escala de mesmo tem como

ponto máximo a identificação total (ou plena) de uma entidade. Importante é destacar que

o item lexical mesmo, funcionando como um pronome de identidade idêntica, atua

também como operador de foco, visto que o âmbito de incidência desse operador é ou um

sintagma pronominal (29) ou um sintagma nominal (30).

Na ocorrência (32), percebe-se que a asserção sobre a qual o item mesmo incide (a

possibilidade da recuperação de Edmundo) é posta em foco. Dessa focalização, emerge

um contraste entre os segmentos em destaque.

(32) Mesmo com a possibilidade da recuperação de Edmundo, o Bahia ainda ficará

desfalcado de Eduardo, que cumpre suspensão pelo terceiro cartão amarelo, e do lateral-esquerdo Vanderlei, entregue ao departamento médico por causa de uma contusão na virilha.

(CDP:19N:Br:Bahia)

O que se faz nesta análise quanto à constituição do juntivo concessivo mesmo que,

e quanto ao caso de ainda que, é incorporar as propriedades semântico-pragmáticas das

bases lexicais quase de maneira “automática” à construção concessiva global. Isto é, o

significado de persistência de ainda e o significado de focalização de mesmo, ambos

                                                                                                               32 Para Mark Turner (comunicação pessoal) ainda é necessário desenvolver um modelo, com base

na teoria dos espaços mentais, que trate da escalaridade de modo genérico. A indicação feita por ele é de que esse modelo deva envolver os mecanismos de compressão e descompressão de espaços mentais. Como não é objetivo principal desta pesquisa percorrer tal caminho, não serão apresentados diagramas que tratem especificamente de escalas, com exceção da representação apresentada no Diagrama 6.1, que é uma adaptação das representações encontradas em Michaelis (1996).

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advérbios que compartilham de um esquema semântico mais básico, o de escalaridade,

“contribuem” para o significado global da construção concessiva. Nesse sentido, notam-

se semelhanças e diferenças quanto ao uso desses itens juntivos. A semelhança está,

principalmente, na função pragmática do segmento concessivo em relação ao segmento

nuclear, a de preterir. A diferença está, principalmente, na organização da informação e

do comprometimento do falante com a veracidade daquilo que é apresentado na

construção.

Em ambas as construções, a proposição do segmento concessivo pretere a

proposição asseverada no segmento nuclear, isto é, o obstáculo aparente, apresentado no

segmento concessivo, é ignorado, e a situação do segmento nuclear se sustenta. Esse

esquema remonta à noção básica de concessividade, segundo a qual uma circunstância

desfavorável, incluída na configuração da prótase, relaciona-se à apódose

(HASPELMATH, KÖNIG, 1998, p.567), que pode ser ilustrada nas construções

concessivas a seguir:

(33) Ainda que se trate de pura ficção, sua literatura remete o leitor diretamente à

realidade brasileira. (CDP:19Or:Br:Intrv:ISP)

(34) Também, na policia, não consegui informação sobre o paradeiro do

investigador Max. Este é um homem precioso para nós. Além de judeu, ainda que seja conhecido na delegacia como Alemão, é um profissional competente, um verdadeiro Sherlock.

(CDP:19:Fic:Br:Beltrao:Greve)

(35) A PM só tem condição de fazer o trabalho que faz porque é militarizada. É esta condição que impede o soldado de recusar uma ordem, mesmo que ponha em risco a vida.

(CDP:19:Or:Br:Intr:ISP)

(36) Eu não sinto, até agora, que haja uma redução na magnitude de crescimento das importações. Mas mesmo que ela ocorresse e baixasse para 8% a 10% ao ano – significativamente menos do que vinha crescendo até aqui – as exportações continuam crescendo menos.

(CDP:19Or:Br:Br:Intrv:ISP) A diferença notável entre as construções concessivas com ainda que e as

construções com mesmo que diz respeito à factualidade das proposições que constituem

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os segmentos da construção concessiva. As construções concessivas com ainda que

apresentam sempre um traço mais factual, ao passo que as construções concessivas com

mesmo que apresentam um traço mais eventual. No esquema concessivo, lembram

Haspelmath e König (1998, p.567), tanto o segmento concessivo quanto o segmento

nuclear são acarretados, isto é, entre esses segmentos se sustenta uma relação de

consequência lógica, nos termos de Levinson (1983, p.174). Dessa forma, em uma

construção como

(37) Even though it was pouring down, John went for a walk.

[Embora estivesse chovendo muito, John saiu para caminhar]. (HASPELMATH; KÖNIG, 1998, p. 567)

o falante se compromete tanto com a verdade de “Estava chovendo” quanto com a

verdade de “John saiu para caminhar”. Nesse esquema, portanto, são tomados como

factuais tanto o segmento concessivo quanto o nuclear. Se aplicado este esquema à

ocorrência (33), tem-se que “a literatura é pura ficção” e que “a literatura remete o leitor

à realidade brasileira”. O mesmo pode ser dito sobre a ocorrência (34), na qual se admite

tanto que “ele é conhecido como Alemão” quanto que “ele é judeu”.

Esse esquema de acarretamento e factualidade funciona perfeitamente para as

construções com ainda que, mas, para as construções com mesmo que, a organização do

esquema é diferente.

Em primeiro lugar, na análise do item juntivo mesmo que, deve-se considerar que

ele preserva um vínculo com o item condicional-concessiva mesmo se . Ambos têm sido

considerados como marcadores prototípicos das construções concessivas hipotéticas,

cujo sentido invoca, simultaneamente, o significado contrastivo e o significado

condicional (MATEUS et al, 1989, p.308), como se vê na ocorrência (38), a seguir:

(38) O banqueiro Roberto Setúbal, do Itaú, disse não ter mais certeza de que

comprar o Banerj seja um negócio tão bom. Ele não confirma a participação do Itaú no leilão do Banerj, adiado novamente. Mesmo se o Congresso aprovar o empréstimo da CEF, o presidente do Itaú não se sente seguro do ponto de vista jurídico. Ele quer ter mais garantias de que, no futuro, o banco que comprar o Banerj não terá de pagar passivos trabalhistas.

(CDP:19N:Br:SCat)

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Consideram Dancygier e Sweeter (2005, p.155) que a interpretação básica das

construções condicional-concessivas é esta: independentemente do que vem dito na

prótase, o está dito na apódose se sustenta. Nesse sentido, na ocorrência (38) lê-se que

“com ou sem a aprovação do congresso, o presidente do Itaú não se sente seguro”. Nesse

modelo de interpretação, há a implicação de uma cadeia causal “normal”, na qual, a

partir do segmento concessivo-condicional (p), espera-se a contraparte negativa do

segmento nuclear (não-q); em outras palavras, a situação da apódose q se sustenta

cumprindo-se ou não a condição apresentada na prótase p. Há também que se lembrar

que as construções concessivo-condicionais são escalares por natureza, (KÖNIG 1986;

HASPELMATH; KÖNIG, 1998). A escala estabelecida nessas construções é formada por

uma série de condições (C), cujo ponto máximo escalar é aquele apresentado no

segmento concessivo-condicional.

Tanto a cadeia de causalidades quanto a escalaridade de condições são traços

semântico-pragmáticos dessas construções que determinam a estrutura da rede de espaços

mentais por elas evocada. Seguindo-se os mesmos princípios da análise de Dancygier e

Sweetser (2005), representa-se, no Diagrama 6.2 a seguir, a rede de espaços mentais de

uma construção concessivo-condicional como (38):

Diagrama 6.2. Mesmo se o Congresso aprovar o empréstimo da CEF, o presidente do Itaú

não se sente seguro do ponto de vista jurídico.

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Pode-se concluir que a chave da interpretação das construções condicional-

concessivas é esta: além do espaço mental construído pelo segmento concessivo-

condicional e sua extensão, é também evocado um espaço mental implícito, no qual se

sustenta a expectativa da dependência condicional.

Nas construções concessivas com mesmo que há também a evocação de um espaço

implícito daquilo que era esperado, contudo a relação concessiva não se dá entre o espaço

“mesmo que” e uma extensão deste espaço; pelo contrário, a concessividade se sustenta

no próprio espaço mesmo que, visto que o falante o constrói como “factual”, ainda que

ele seja preditivo, ou hipotético.

A ocorrência (36) está representada no Diagrama 6.3, a seguir, por meio do qual se

verifica a diferença das relações estabelecidas entre os espaços evocados por mesmo que

e entre os espaços evocados por mesmo se, representados no Diagrama 6.2.

Diagrama 6.3. Mesmo que ela ocorresse e baixasse para 8% a 10% ao ano (...), as

exportações continuam crescendo menos.

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As semelhanças entre as configurações da rede de espaços mentais de mesmo se e

mesmo que residem no fato de que: (i) em ambas as redes, o item juntivo constrói um

espaço mental diferente do espaço base; (ii) em ambas as redes, é evocado um espaço

alternativo (implícito) no qual estão representadas as expectativas.

A diferença reside em que, na rede de espaços de mesmo se, a apódose

‘consequência’ (“o presidente do Itaú não se sente seguro”) é construída na extensão do

espaço mesmo se, enquanto a prótase ‘condição’ permanece em outro espaço mental; na

rede de espaços de mesmo que, a prótase ‘causa’ (“as exportações continuam crescendo”)

é construída dentro do mesmo espaço em que está a apódose ‘consequência’ (“a redução

do crescimento da importação ocorreu”), sendo, então, uma elaboração do próprio

espaço.

6.3.3 A base lexical de se bem que: marcação de uma objeção forte

Nas seções 6.3.1 e 6.3.2, nas quais se analisaram os juntivos ainda que e mesmo

que, ficou estabelecido seu padrão lógico-semântico, segundo o qual a configuração

dessas construções apresenta um jogo de pressuposições e de asserções. Ficou posto,

também, que, pragmaticamente, tanto as construções concessivas com ainda que quanto

as construções com mesmo que têm a função de preterir um determinado argumento de

um caráter mais factual, no caso do primeiro, e um argumento de caráter mais eventual,

no caso deste último juntivo.

A função pragmática de preterição que se vê nos juntivos ainda que e mesmo que

não é observada em construções concessivas com se bem que, como (39), a seguir, cuja

função semântica notável é a de ressalva.

(39) [a galinha de granja] come minhoca come milho - come: - o que aparecer na frente dela - então dizem que a galinha de capoeira - é a galinha mais gostosa que tem - né? já ouvi dizer demais isso - e que a galinha de granja não tem gosto de nada - se bem que eu acho que eu só como galinha de granja ultimamente [...]

(CDP:19Or:Br:LF:Recf)

Nessa ocorrência, percebe-se que a condução argumentativa do falante a respeito da

qualidade e do sabor da carne de galinha de granja, principalmente no trecho “e que a

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galinha de granja não tem gosto de nada” poderia levar o ouvinte a concluir que o

falante não consome esse tipo de carne. A fim de prevenir esse tipo de inferência por

parte do ouvinte, o falante introduz uma ressalva no segmento concessivo “se bem que eu

acho que eu só como galinha de granja ultimamente”. Dada essa configuração

construcional, a comutação do juntivo se bem que por ainda que ou por mesmo que

implicaria uma mudança na configuração pragmática da construção concessiva.

O segmento concessivo em (39) tem como âmbito de incidência não uma “oração

nuclear”, como é típico nas construções com ainda que e com mesmo que, mas uma

porção textual. Além disso, nesse caso, especificamente, a asserção feita no segmento

concessivo se relaciona com um conjunto de inferências licenciadas a partir do que está

posto na porção textual do segmento nuclear, ou seja, com o que está implícito. Essa

configuração é recorrente nas construções concessivas com se bem que, mas também não

é incomum a configuração em que a asserção do segmento adverbial se relaciona com o

que está asseverado explicitamente no segmento nuclear, como ocorre em (40).

(40) numa tribo o cara sabe que usa - caça tanto - ou usa - - sei lá - colar de dente de não sei o quê - também tem um certo valor todo mundo olha ele meio assim - se bem que ai acho que é mais - mais espontâneo porque é mais primitivo né?

(CDP:19Or:Br:LF:SP)

Neste ponto, a fim de clarificar a funcionalidade de se bem que, invocam-se alguns

conceitos sobre concessividade até aqui não considerados e explicitam-se outros apenas

mencionados anteriormente.

Ssegundo Hermodsson (1994), a relação concessiva pode ser caracterizada, por um

viés semântico, como uma relação não-causal (inkausal, do alemão), pois a causalidade

prevista, a partir do que está posto no segmento adverbial, é anulada pelo que aparece

dito no segmento nuclear. Essa caracterização semântica foi explorada, neste trabalho,

para a descrição dos juntivos ainda que e mesmo que, analisados nas duas seções

precedentes a esta, em termos de pressuposição e acarretamento.

Junto com essa face semântica da concessividade, há que considerar, também, a

configuração pragmática dessa relação, que, invariavelmente, é verificada como

característica da relação conceptual da concessividade. A avaliação pragmática do

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esquema concessivo feita em Neves (2002b) implica a noção de objeção33, que é

argumentativa em sua natureza. Bechara (1954, p.8, ênfase acrescida) esclarece que

a concessão deve ter nascido no momento em que as declarações do falante sentiram o peso da argumentação contrária do interlocutor. [...] A prática cotidiana habilitou o homem a pressupor, no correr de suas asserções, a objeção iminente. Enunciar o pensamento contando e obstruindo os obstáculos que o interlocutor ou interlocutores apresentariam era o propósito da ideia concessiva. Da objeção real do ouvinte para a hipotética do falante o caminho era assaz curto e o que era rebate à crítica passou, com o uso generalizado, à ênfase da ideia expressa na oração principal.

Nessa linha de consideração do caráter pragmático da concessividade, vê-se

fortemente que, na construção concessiva, o falante assume a objeção do ouvinte, mas

declara que essa objeção não será suficiente para modificar o que é posto no segmento

nuclear. Com base no que o autor aponta no trecho em destaque da citação, pode-se

inferir que a argumentatividade e a dialogicidade são o cerne do pensamento concessivo.

Cognitivamente, essa característica da concessividade vem explicada como uma

estratégia de coordenação e alinhamento de “estados mentais” 34 , ou, ainda, de

perspectivas (VERHAGEN, 2000, 2005).

Nesta pesquisa, toma-se o esquema pragmático de objeção das construções

concessivas como de caráter gradiente, isto é, considera-se que há construções em que a

objeção é fortemente expressa, na forma de uma ressalva, como acontece nas ocorrências

(39) e (40), e que há construções em que a objeção pode aparecer amenizada, na forma de

uma preterição, como ocorre com as construções com ainda que e mesmo que.

                                                                                                               33 Nessa linha de considerações, é válida a comparação feita por Neves (2002b, p.564-565, ênfase

original) entre as construções (coordenadas) adversativas e as construções (subordinadas) concessivas. A autora explica que no esquema concessivo está prevista a refutação de uma possível objeção, enquanto no esquema adversativo está prevista a admissão ou o assentimento de um argumento. Esses esquemas são ilustrados pela autora com a seguinte ocorrência:

L1 ah... é requinte embora seja um requinte... às vezes de baixo custo, mas é requinte (D2-POA-37:107-108)

ESQUEMA CONCESSIVO (refutação de uma possível objeção): embora seja um requinte às vezes de baixo custo, (é requinte). ESQUEMA ADVERSATIVO (admissão/assentimento): (é um requinte às vezes de baixo custo), mas é requinte.

34 Veja-se capítulo 03, seção 3.2.

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Nesse sentido, pode-se prever que as construções marcadas por uma objeção do

tipo da ressalva ocorram, mais frequentemente, no domínio conceptual dos atos de fala, e

que as construções marcadas por objeção amenizada do tipo da preterição ocorram, mais

frequentemente, nos domínios de conteúdo e epistêmico. Portanto, o juntivo se bem que

seria mais eficiente no domínio conceptual dos atos de fala, enquanto os itens ainda que e

mesmo que seriam mais úteis no domínio de conteúdo e no domínio epistêmico. Essa

predição justifica-se com base no fato de que, no domínio de conteúdo e no domínio

epistêmico, a relação entre os eventos é mais direta do que no domínio dos atos de fala,

ou seja, a relação entre os eventos respeita os modelos cognitivos, havendo menos espaço

para que o falante manipule (ou “manobre”) essa relação. Por exemplo, no domínio de

conteúdo há um limite até o qual o falante pode amenizar e relativizar os eventos

relacionados, e no domínio do conhecimento há limites para intervenção do falante. Os

dados obtidos da distribuição desses juntivos nos domínios cognitivos apontam para a

confirmação dessa predição, conforme consta na Tabela 7.3 e 7.4, apresentadas no

capítulo 07, a seguir.

As construções concessivas com se bem que apresentam padrões construcionais

diferentes das construções com os outros dois juntivos. Dois traços construcionais de se

bem que já foram anunciados nos parágrafos anteriores: o nível de integração entre os

segmentos e o âmbito de incidência do segmento adverbial.

No que diz respeito à questão do nível de integração, essas construções se

encontram, obviamente, na zona da hipotaxe de realce35 que abriga construções que

apresentam uma relação de dependência mais frouxa entre o segmento adverbial e o

segmento nuclear. É um exemplo disso a ocorrência (41) a seguir.

(41) – E que tal é o relacionamento com eles? - perguntou Gil. – Ah, são todos jovens , alegres e divertidos. O relacionamento é ótimo - disse

Kiner. – Se bem que eles são um pouco folgados pro meu gosto - acrescentou Padilha,

mordaz. (CDP:19:Fic:Br:Cabral:Xamboia)

O segundo traço construcional diz respeito ao âmbito de incidência do segmento

                                                                                                               35 Veja-se a seção 1.3 do capítulo 01.

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concessivo. Como já foi exemplificado a partir da ocorrência (39), uma das

possibilidades é que o segmento nuclear não configure uma oração como unidade

sintática, mas configure um trecho ou uma porção textual. Por esse motivo, não é

possível determinar a correlação entre os tempos e modos do verbo dos segmentos

nuclear e adverbial36. Outra possibilidade é que o segmento nuclear constitua uma oração

(como unidade sintática), como ilustra a ocorrência (42), a seguir.

(42) E nessa sombra obstinada ela reconheceu o farmacêutico, que todas as noites, de longe, rondava silenciosamente sua casa . No DIA SEGUINTE Sílvio amanheceu realmente doente. O tempo continuava enevoado, se bem que não chovesse mais. Recostado numa pilha de travesseiros, durante largo espaço de tempo ele manteve os olhos fixos na vidraça que o vento de vez em quando fazia estremecer.

(CDP:19:Fic:Br:Cardoso:Dias)

O modo do verbo dos segmentos adverbiais introduzidos por se bem que é outro

traço construcional que merece investigação.

Na maioria dos casos em que o segmento adverbial tem como âmbito de incidência

uma oração pode ocorrer de o verbo desse segmento aparecer no modo subjuntivo, como

em (42). Em casos assim, o modo subjuntivo do verbo não marca eventualidade ou

hipoteticidade, mas marca um distanciamento epistêmico por parte do falante, nos termos

de Fauconnier (1997). Pelo contexto em que o segmento adverbial está inserido em (42),

nota-se que uma forte ressalva é introduzida por esse segmento.

Há também casos em que o verbo do segmento adverbial aparece no modo

indicativo, como acontece nas ocorrências (39), (40) e (41). Sintaticamente, essas

construções mostram um nível de integração menor entre o segmento adverbial e o

segmento nuclear, enquanto as construções do tipo de (42), com o modo subjuntivo no

segmento adverbial, mostram um maior nível de integração sintática entre os segmentos.

Essa conclusão sobre os diferentes níveis de integração entre segmentos nas

construções concessivas tem respaldo nas considerações apresentadas por Bybee et al.

                                                                                                               36 Veja-se a Tabela 7.5, na qual constam os dados da correlação modo-temporal dos verbos das

construções concessivas com ainda que e mesmo que. Conforme já ficou indicado na seção 2.5, do capítulo 02, os dados para o juntivo se bem que não constam, justamente porque o segmento nuclear é geralmente constituído de um conjunto de orações.

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(1994, p. 212), onde se aponta que o modo subjuntivo ocorre especialmente em contextos

de subordinação37.

Independentemente do modo do verbo do segmento concessivo, o que se verifica é

que as construções concessivas com se bem que, invariavelmente, apresentam a função

pragmática de ressalva.

6.4 Os encaminhamentos da análise

Neste capítulo, apresentou-se uma análise-piloto das bases lexicais dos itens

juntivos causais já que, uma vez e visto que e dos itens juntivos concessivos ainda que,

mesmo que e se bem que, verificando-se a contribuição do significado dessa base para a

configuração semântica das relações de causa e de concessão, respectivamente expressas.

Ao longo da análise foram levantadas algumas predições a respeito da maneira

como se configurariam sintática, semântica e pragmaticamente as construções causais e

as concessivas introduzidas pelos conectivos complexos analisados, apontando-se as

implicações dessa configuração para a rede de espaços mentais dessas construções

adverbiais.

No próximo capítulo, essas predições são vistas à luz dos dados da distribuição dos

itens juntivos em análise nos domínios conceptuais, os dados da posição do segmento

adverbial em relação ao nuclear e os dados da correlação modo-temporal nas construções

causais e concessivas.

   

                                                                                                               37 Para Bybee et al. (1994, p.213), a análise do modo subjuntivo é controversa porque não se

chega a um consenso se ele carrega significado, ou se ele é semanticamente vazio e aparece em contextos subordinação puramente por exigência sintática para marcar essa subordinação.

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Capítulo 07 A configuração sintática, semântica e pragmática das construções causais e das concessivas: os dados e as análises

7.1 Preliminares

No capítulo anterior, foi oferecida uma análise de cada item juntivo causal e

concessivo, a partir da qual se verificou as são as contribuições semânticas das bases

lexicais dos itens juntivos já que, uma vez que e visto que, e dos itens juntivos ainda que,

mesmo que e se bem que para a expressão do significado causal e concessivo,

respectivamente. Foram também feitas predições a respeito das propriedades sintáticas,

semânticas e pragmáticas das construções causais e concessivas introduzidas por esses

itens juntivos, por exemplo, quanto ao domínio conceptual de ocorrência e de

especialização desses itens juntivos.

Neste capítulo, analisam-se quantitativa e qualitativamente 1 as características

formais e semântico-pragmáticas das construções causais e concessivas introduzidas

pelos itens juntivos no que diz respeito à (i) distribuição desses itens nos domínios

conceptuais, (ii) à posição do segmento adverbial causal ou concessivo em relação ao

segmento nucelar e (iii) à correlação modo-temporal dos verbos dos segmentos adverbial

e nuclear.

Este capítulo se organiza da seguinte forma: cada parâmetro de análise (i-iii) dispõe

de duas seções: na primeira, são oferecidas as diretrizes de análise de acordo com as

propriedades sintáticas, semânticas e pragmáticas dos fatos linguísticos com base no

interface cognitivo-funcional, na segunda seção, os dados obtidos por meio de uma

análise quantitativa do córpus são apresentados e discutidos. Inicia-se pela distribuição

dos itens juntivos nos domínios conceptuais, nas seções 7.2 e 7.3, depois parte-se para a

ordenação dos segmentos nas construções adverbiais causais e concessivas, nas seções

7.4 e 7.5, e, em seguida, para a correlação modo-temporal dos verbos nas construções

adverbiais, nas seções 7.6 e 7.7.

 

                                                                                                               1 A respeito da relevância da quantificação como método de análise, veja-se o capítulo 02.

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7.2 A primeira diretriz de análise: os itens juntivos causais e concessivos nos

domínios conceptuais

Na proposta seminal de Sweetser (1990, cap. 4), fica determinado que os itens

juntivos2 são pragmaticamente ambíguos, isto é, que o ‘significado-semântico’ de um

juntivo permanece o mesmo (por exemplo, o significado causal), alterando-se os efeitos

pragmáticos resultantes do uso do juntivo. Esses diferentes efeitos pragmáticos

relacionam-se à ocorrência dos juntivos nos diferentes domínios conceptuais: o domínio

de conteúdo, o domínio epistêmico e o domínio dos atos de fala. Em última instância,

pode-se entender que

a conjunção pode ser interpretada em relação a (pelo menos) um dos três domínios; e que a escolha de uma interpretação “correta” depende não da forma, mas de uma escolha pragmaticamente motivada entre considerar as orações ligadas por conjunção como representações de unidades de conteúdo, entidades lógicas ou atos de fala3. (SWEETSER, 1990, P.78, ênfase acrescida)

A partir da afirmação em destaque no trecho acima fica claro que, nessa proposta, a

“correta” interpretação de uma construção de conjunção interoracional reside,

plenamente, na identificação das escolhas pragmaticamente motivadas para o uso dos

itens juntivos, sendo irrelevante a consideração da forma da construção. Este argumento

foi contestado por Lang (2000)4, que defende a necessidade da consideração dos aspectos

formais da construção para que se chegue à “correta” interpretação (se é que ela existe,

como diz o autor).

                                                                                                               2 A autora examina, principalmente, as conjunções subordinadas causais e as coordenadas

aditivas, adversativas e alternativas. 3 Tradução deste autor. Texto original: “[My point, then, is that] conjunction may be interpreted

as applying in one of (at least) three domains; and that the choice of a “correct” interpretation depends not on form, but on a pragmatically motivated choice between viewing the conjoined clauses as representing content units, logical entities, or speech acts”.

4 Para subsidiar seu argumento, Lang (2000) analisa principalmente as construções com a conjunção adversativa alemã aber e aquelas com a conjunção inglesa but. Em linhas gerais, a análise do autor utiliza como parâmetros, principalmente, a ordem das orações, como sendo relevante para a interpretação, principalmente para diferenciar as construções de conteúdo das construções epistêmicas; utiliza também como parâmetro as categorias de aspecto e modo verbais das construções. Na análise que se faz nesta pesquisa, tanto a ordem quanto as categorias verbais são consideradas, de igual modo, como parâmetros de interpretação.

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Nas análise das construções causais e das concessivas que se apresentam nesta

pesquisa, toma-se a proposta dos domínios conceptuais de Sweetser (1990), bem como

suas extensões, como centrais. Contudo, considera-se também, com Lang (2000), que a

descrição da forma é essencial para o estabelecimento do domínio conceptual no qual a

construção ocorre.

A seguir, tomam-se como exemplo as seguintes construções com o juntivo já que,

nas quais a ordem dos segmentos interfere na interpretação da construção causal.

(01) MT – A Varig e a United Airlines vão juntas para o mercado. OP – A parceria com a United Airlines rompe o acordo existente com a Delta? MT – Sim, rompe. A Delta deixa de voar na Varig a partir do dia 15 de junho. OP – Já que a Varig está assinando hoje (3/4) o acordo com a United Airlines,

e em junho deixa de operar com a Delta, por que só no dia 26 de outubro começam a funcionar os voos da parceria Varig/United?5

(CDP:19Or:Intrv:Com)

(02) Não há um temor de que esse crescimento tenha sido sem critérios, comprometendo a imagem do partido, já que alguns dos novos afiliados, como o governador Amazonino Mendes e o do Acre, Orleir Cameli, foram denunciados por irregularidades?

(CDP:19Or:Intrv:Com)

Em linhas gerais, as diferenças entre as ocorrências são estas6: a) em (01), o

segmento causal preposto tem um âmbito de incidência maior sobre o segmento nuclear,

alcançando toda a pergunta iniciada pelo pronome interrogativo “por que”, além disso, a

anteposição do segmento causal é uma estratégia utilizada pelo falante-entrevistador para

estabelecer um contexto informativo comum com o seu interlocutor e, então, realizar o

ato de fala interrogativo; b) em (02), a posposição do segmento causal restringe o seu

âmbito de incidência à oração em destaque, portanto, o ato de fala interrogativo em si não

está no escopo do segmento adverbial.

                                                                                                               5 Neste texto, OP é o entrevistador e MT é o entrevistado. 6 Pode-se entender (10) da seguinte maneira:

OP – “Com base nessa informação, que, agora está contextualmente disponível para mim e para você, eu realizo a pergunta x”. Pode-se entender (11) da seguinte maneira: “A imagem do partido está comprometida, já que alguns dos novos afiliados foram denunciados por irregularidades”.

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Dificilmente é possível substituir um item juntivo por outro sem que haja alteração

no significado da construção. Por exemplo, na análise que segue, verifica-se que apesar

de já que, uma vez que e visto que pertencerem à categoria de itens juntivos causais, não

expressam todos eles o mesmo nível de causalidade. O mesmo pode-se dizer sobre os

juntivos concessivos ainda que, mesmo que e se bem que. As línguas naturais podem

prover aos seus falantes tanto itens juntivos altamente específicos e especializados em

determinados contextos de uso quanto itens genéricos que expressam a ligação

conceptual entre os segmentos de maneira mais frouxa (PANDER MAAT; SANDERS,

2000; NEVES, 2014). As tarefas que permanecem é a de determinar se os itens juntivos

de uma língua são específicos a contextos de uso ou se são genéricos e menos específicos

às condições contextuais, bem como a de determinar quais as regularidades formais

encontradas nessas construções.

7.3 Os dados do primeiro parâmetro no córpus: a distribuição dos itens juntivos

causais e concessivos nos domínios conceptuais

Fazem parte do conjunto total de ocorrências causais 1033 ocorrências, das quais

790 são introduzidas por já que, 182 por uma vez que, e 61, por visto que. Fez-se o

levantamento quantitativo de ocorrências causais segundo os domínios conceptuais. A

Tabela 7.1 apresenta o resultado desse levantamento.

Domínios

conceptuais já que uma vez que visto que

conteúdo 297 37,60% 101 55,49% 11 18,03% epistêmico 280 35,44% 61 33,51% 38 62,30% atos de fala 212 26,84% 20 11% 12 19,67% metalinguístico 01 0,12% 00 0% 00 0% Total 790 100% 182 100% 61 100%

Tabela 7.1. Distribuição dos itens juntivos causais já que, uma vez que e visto que nos domínios conceptuais.

Os resultados da Tabela 7.1 podem ser bem visualizados no Gráfico 7.1 adiante:

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Gráfico 7.1. Distribuição dos itens juntivos causais já que, uma vez que e visto que nos domínios

conceptuais.

Verifica-se, pela Tabela 7.1 e respectivo Gráfico 7.1, que o item juntivo causal já

que apresenta uma distribuição quase homogênea nos domínios de conteúdo (37,60%) e

epistêmico (35,44%), com uma diferença de apenas 2,16% entre um domínio e outro. É

relativamente alta também a porcentagem de ocorrências deste juntivo no domínio dos

atos de fala (26,84%). Por outro lado, pode-se considerar que, para o domínio dos atos de

fala, a porcentagem de ocorrências é alta pois esse domínio não configura como uma

categoria da causalidade7, diferentemente do que ocorre no domínio de conteúdo e no

domínio epistêmico, em que se configura um modo de organização da interação.

Conforme mostrará a análise adiante, esses juntivos desempenham, além de um papel

organizacional de categorização, um papel de gerenciamento da interação verbal.

As ocorrências em (03) a (05) exemplificam as construções causais nos domínios

de conteúdo, epistêmico e de atos de fala no córpus de análise:

(03) Domínio de conteúdo

                                                                                                               7 Lembre-se, aqui, que, conforme Stukker, Sanders e Verhagen (2009), são parâmetros da

categoria de causalidade o domínio de conteúdo, que pode apresentar, ainda, os traços de volição e não-volição, e o domínio epistêmico.

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a. Já que não há dinheiro no bolso, as financeiras optaram pelo prazo, captando recursos com juros baratos de 6% ao ano e aplicando na praça juros de 8% ao mês, ganhando bruto 96% em um ano.

(CDP:19Or:Br:Intrv:Cid) b. Uma vez que não arredavam pé de suas exigências, o time governista passou a

buscar formas de justificar a imoralidade e foi assim que se chegou à espantosa desculpa: com o acordo, o país vai economizar 19 bilhões em seis anos, em troca de uns míseros 100 milhões desviados para o bolso desse pessoal.

(CDP:19N:Br:Cur)

c. Aceitei o preço oferecido, visto que pagam em duas vezes e me oferecem de graça o último andar do bloco da frente.

(CDP:19Fic:Br:Vieira:Mais) (04) Domínio epistêmico

a. A intenção do Governo é equilibrar as quatro holdings em termos de tamanho, até pela concorrência, já que num horizonte de cinco anos as novas empresas poderão entrar umas nas áreas das outras, embora no princípio elas fiquem restritas às suas áreas definidas.

(CDP:19Or:Br:Intrv:ISP)

b. Viu que ali, naquela espécie de crítica da religião, estava expressa uma reserva ao que ele próprio vinha fazendo na vida, fosse com seu diário interminável ou com suas velas acesas na nave da igreja. Um tipo de religião, uma vez que se tratava de um louvor de si mesmo.

(CDP:19:Fic:Br:Carvalho:Bebados) c. As obscuras determinações das cousas, acertadamente, haviam-no erguido até ali,

e mais alto levá-lo-iam, visto que só ele, ele só e unicamente, seria capaz de fazer o país chegar aos destinos que os antecedentes dele impunham.

(CDP:19:Fic:Br:Barreto:Bruz) (05) Domínio dos atos de fala

a. Já que estamos falando em preconceito e estamos vivendo uma situação engraçada, que é o “hypeo” do funk carioca?

(CDP:19Or:Br:Intrv:Web)

b. Por que [a mulher] não participa mais da vida pública, uma vez que o Brasil enfrenta os mesmos problemas?

(CDP:19Or:Br:Intrv:ISP) c. Para finalizar, o que você acha da iniciativa de transformar o percurso

Barra/Ondina no circuito do Carnaval, visto que grande parte dos artistas e das bandas estão transferindo-se para lá?

(CDP:19Or:Br:Intrv:Web)

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No conjunto de ocorrências apresentadas em (03), a relação causal entre os

segmentos se sustenta no domínio do conteúdo. A relação de causalidade, nesse domínio,

expressa uma relação simples de ‘causa-consequência’, ou ‘causa-efeito’. Em (03a), o

fato de não haver dinheiro no bolso causa as financeiras optarem pelo prazo. Em (03b), o

time de governistas passar a buscar formas de justificar imoralidade é consequência, no

mundo real, de eles não arredarem o pé de suas exigências. Em (03c), o falante aceitar o

preço oferecido é consequência das condições de pagamento e da oferta do último andar.

O elo causa-consequência entre os dois segmentos é sustentando no “mundo real”

(SWEETSER, 1990, p.77).

O conjunto de ocorrências apresentadas em (04) exemplifica a relação de

causalidade que se sustenta no domínio epistêmico, o domínio do arrazoamento do

falante. A relação de causalidade, nesse domínio, acontece na forma de uma ‘premissa-

conclusão’, a premissa é apresentada no segmento causal e a conclusão é apresentada no

segmento nuclear. O conjunto de ocorrências em (05), por sua vez, indica a relação de

causalidade entre dois atos de fala. A relação de causalidade, nesse domínio, acontece na

forma de uma ‘competência’ (enablement, Sweetser, 1990) ou ‘motivação’, o segmento

causal é a motivação para a realização do ato de fala contido no segmento nuclear.

Os dados sugerem uma possível especialização dos diferentes juntivos causais em

domínios conceptuais específicos. Essa especialização está intimamente relacionada à

base lexical do item juntivo, que não apenas determina a natureza da informação

codificada na construção causal e o seu nível de informatividade, como também

determina em qual espaço mental da rede em elaboração se sustentará a relação de

causalidade entre os segmentos da construção. No capítulo anterior, seção 6.2, foram

levantadas predições a respeito dos itens juntivos uma vez que e visto que quanto à sua

distribuição nos domínio cognitivos. Previu-se que uma vez que seria mais frequente no

domínio de conteúdo e que visto que seria mais frequente no domínio epistêmico. Apesar

de ocorrerem nos demais domínios, esses juntivos, de fato, ocorrem com maior

frequência naqueles indicados.

No córpus, foi encontrada apenas 01 ocorrência de construção causal pertencente

ao domínio metalinguístico. Essa construção é introduzida pelo item juntivo já que.

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(06) O Algarve português, a 300 quilômetros de Lisboa, é encantador. Província

mais meridional de Portugal, recebe no verão mais de quatro milhões de turistas. Toda a costa do Algarve – que significa Ocidente, em árabe, já que os mouros andaram por ali durante muito tempo – é uma sucessão de ótimas praias, entrecortadas por rochas e paisagens muito bonitas.

(CDP:19N:Br:Recf)

Em (06), o segmento causal apresenta uma justificativa para a significação do nome

“Algarve”. O fato apresentado no segmento causal não vincula uma relação de

causalidade no “mundo real” com o segmento nuclear, típica do domínio de conteúdo,

tampouco vincula uma relação de causalidade entre “argumento-e-crença”, como é típica

ao domínio epistêmico. Pelo contrário, o segmento causal instaura a negociação do

significado de uma forma linguística. Assim, a construção causal aloca-se no domínio

metalinguístico.

Como essa foi a única ocorrência da construção causal no domínio conceptual

metalinguístico, não serão tecidas outras considerações a respeito dessas construções

nesse domínio.

No que diz respeito aos dados a respeito dos itens juntivos concessivos, fazem parte

do conjunto total de ocorrências concessivas 640 ocorrências, das quais 260 são

introduzidas por ainda que, 280, por mesmo que, e 100, por se bem que que. Fez-se o

levantamento quantitativo de ocorrências concessivas nos domínios conceptuais. A

Tabela 7.2 apresenta o resultado desse levantamento.

Domínios

conceptuais ainda que mesmo que se bem que

conteúdo 76 29,24% 117 41,79% 12 12% epistêmico 120 46,15% 119 42,50% 03 3% ato de fala 27 10,38% 31 11,07% 54 54% metalinguístico 37 14,23% 13 4,64% 07 7% metaespacial 00 0% 00 0% 24 24% Total 260 100% 280 100% 100 100%

Tabela 7.2. Distribuição dos itens juntivos concessivos ainda que, mesmo que e se bem que nos domínios conceptuais.

Os resultados da Tabela 7.2 podem ser bem visualizados no Gráfico 7.2 adiante:

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Gráfico 7.2. Distribuição dos itens juntivos causais ainda que, mesmo que e se bem que nos domínios conceptuais.

A partir dos resultados apresentados na Tabela 7.2 e no seu respectivo gráfico,

nota-se que a distribuição dos juntivos concessivos nos domínios conceptuais não é de

todo regular. O conectivo mesmo que é o que está mais regularmente distribuído entre os

domínios de conteúdo e epistêmico, enquanto na distribuição de ainda que se verifica

uma diferença significativa entre os domínios de conteúdo e epistêmico. Esses dados

mostram que o juntivo se bem que funciona diferentemente dos itens ainda que e mesmo

que. A distribuição de se bem que nos domínio de conteúdo e epistêmico é muito pequena

se comparada com os outros dois domínios, o metalinguístico e o metaespacial. Observa-

se, ainda, que todos os três juntivos são passíveis de leitura no domínio metalinguístico,

aquele em que está em negociação a forma e/ou o significado linguístico.

As ocorrências em (07) a (11) exemplificam as construções causais nos domínios

de conteúdo, epistêmico, de atos de fala, metalinguístico e metaespacial no córpus de

análise:

(07) Domínio de conteúdo

a. Para os médicos, o esquema também compensa: primeiro, mantêm uma clientela fiel; segundo, porque, ainda que cobrem menos pelos serviços, de acordo com a tabela da AMB, estarão recebendo, em prazo menor, o mesmo valor que receberiam de um convênio.

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%

100%

ainda que mesmo que se bem que

d. metaespacial

d. metalinguístico

d. atos de fala

d. epistêmico

d. conteúdo

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(CDP:19:N:Br:Cur)

b. Mesmo que se façam outras faixas, mais carros irão usá-las. (CDP:19Or:Br:Intrv:ISP)

c. Pois ultimamente já era quase um costume seu abandonar a tarefa apenas

começada enquanto a amiga terminava tudo. Entretanto, Áurea não se queixava de coisa alguma, se bem que as peças se amontoassem e o trabalho aumentasse extraordinariamente nos últimos tempos.

(CDP:19:Fic:Br:Cardoso:Dias) (08) Domínio epistêmico

a. Ainda que o chefe de governo fosse o mais idôneo e o mais sábio dos homens, a sua permanência no poder, para além de seu mandato, seria a negação da democracia.

(CDP:19Or:Br:LF:Recf)

b. Não preciso nem devo mexer no câmbio e nos juros porque tem efeito fiscal perverso e, mesmo que faça com certo cuidado, posso machucar o processo de recomposição dos investimentos, que é muito importante.

(CDP:19Or:Br:Intrv:ISP) c. no decênio de trinta -- - é republicado o livro de Vicente Licínio Cardoso A

filosofia da Arte – que havia se originado num curso de arte feito aos arquitetos – e – ao qual apenas eu vou me referir – porque se bem que ele tenha no panorama no panorama geral brasileiro muita importância – é um livro que não - -- - apresenta nenhuma originalidade.

(CDP:19Or:Br:LF:Recf) (09) Domínio dos atos de fala

a. O senhor não considera a proposta da CND como inspiradora de medidas não convencionais? Ou o governo não cogita mais de reduzir a jornada de trabalho ainda que seja para 45 horas?

(CDP:19Fic:Br:Beltrao:Greve)

b. E mesmo que se interessassem, isso importava? (CDP:19:Fic:Br:Lemos:Espaço)

c. Eu sempre tive muitos livros, apesar de morar na favela. Mas eu não tenho

nenhuma vergonha disso. Tem muita favela lá no Rio que é melhor que estas coisas que estão fazendo agora. Se bem que eu aluguei um cantinho para escritório da firma que tenho com o Leonel.

(CDP:19Or:Br:Intrv:Web)  (10) Domínio dos metalinguístico

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a. Não há maior dor moral que a da morte súbita, ainda que aparente, da nossa mais viva esperança.

(CDP:19:Fic:Br:Rocha:Dusa)

b. Aprovando as reformas, mesmo que sejam meias-solas, teremos uma rearrumação benéfica das contas públicas no ano crítico de 1999.

(CDP:19Or:Br:Intrv:ISP)

c. é: a gente pode considerar [animal] de grande porte né? se bem que não não é muito porque tem os os camelos [...]

(CDP:19Or:Br:LF:Recf)  (11) Domínio metaespacial

a. [a galinha de capoeira come de tudo] – come minhoca come milho – come: - o que aparecer na frente dela – então dizem q ue a galinha de capoeira – é a galinha mais gostosa que tem – né? Já ouvi dizer demais isso – e que a galinha de granja não tem gosto de nada – se bem que eu acho que eu só como galinha de granja ultimamente que eu – não sei onde tem terreiro para eu ir atrás de galinha – e depois porque eu não mato galinha [...]

(CDP:19Or:Br:LF:Recf)

Já foi apontado em estudos anteriores, como o de Sweetser (1990) e, para o

português, o de Zamproneo (1998, p.48)8, que o número de ocorrências concessivas no

domínio de conteúdo seria baixo, fato esse que se explicaria pela consideração de que a

concessividade é fruto de uma “elaboração mental” do falante. Os dados da presente

pesquisa confirmam quantitativamente o que os estudos de Sweetser (1990) e de

Zamproneo (1998) propõem. Contudo, o juntivo mesmo que pode se apresentar como

uma evidência contrária a esse fato, dada a sua distribuição equilibrada entre os domínios

de conteúdo e epistêmico.

Nenhum outro estudo, até onde se sabe, verificou a possibilidade de construções

concessivas no domínio metaespacial9. Esse domínio é brevemente apresentado no estudo

que Dancygier e Sweetser (p.136-137) fazem sobre as construções condicionais. Segundo

                                                                                                               8 Nenhum desses estudos objetivava apresentar um levantamento quantitativo da distribuição dos

juntivos concessivos nos domínio conceptuais. O que as autoras corretamente afirmam está fundamentado em assunções sobre a natureza semântica da concessividade. É importante destacar que o estudo feito em Zamproneo (1998) considera um sem-número de parâmetros para analisar as construções concessivas no português brasileiro escrito, que permitiram a autora caracterizar de modo quase completo essas construções. Esse estudo é a referência nos estudos sobre concessividade em português.

9 Teoricamente, pouca coisa foi dita sobre o domínio metaespacial.

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as autoras, apesar da existência de domínios automaticamente disponíveis na interação10

(como o são o de conteúdo, o epistêmico e o de ato de fala), há aqueles domínios que

precisam ser contextualmente construídos.

7.4 A segunda diretriz de análise: a ordem dos segmentos nas construções adverbiais

causais e concessivas

A segunda diretriz de análise diz respeito à questão da ordem dos segmentos nas

construções adverbiais causais e concessivas, mais especificamente à posição do

segmento adverbial em relação ao segmento nuclear.

Na direção de uma pragmática cognitiva, Givón (2001b, p.343) assume a existência

de uma conectividade discursivo-pragmática11 entre segmentos (oracionais) que formam

uma construção adverbial. Por meio dessa conectividade, estabelece-se o elo de

encadeamento desses segmentos de modo a obter-se um texto (discurso) coerente. Esse

encadeamento é um reflexo da maneira como a mente humana integra eventos e da

maneira como esses eventos estão armazenados na forma de memória episódica (GIVÓN,

2005, p.179). Ademais, esse encadeamento, no domínio das construções adverbiais, diz

respeito precisamente à posição do segmento adverbial em relação ao segmento nuclear.

De acordo com Diessel (2001), as línguas apresentam dois padrões mais comuns de

ordenação dos segmentos que compõem uma construção adverbial, nos quais (i) o

segmento adverbial pode tanto preceder como seguir o segmento nuclear ou (ii) o

segmento adverbial, quase sempre, precede o segmento nuclear, ficando clara a

flexibilidade na ordenação desses segmentos. Segundo ele, não é comum uma língua

apresentar um terceiro padrão, rigidamente fixo, no qual o segmento adverbial quase

exclusivamente segue o segmento nuclear, visto que, se, em uma língua, o segmento

adverbial pode vir em posição final, então, ele também pode vir em posição inicial

(GREENBERG, 1966).

Com base nos diversos estudos realizados sobre a ordem nas construções adverbiais

no português brasileiro, verifica-se que essa língua apresenta o padrão no qual o

segmento adverbial pode tanto preceder (anteposição) como seguir (posposição) o                                                                                                                10 A esse respeito, veja-se a seção 1.4. 11 Givón (2001b, p.343) assume ainda a existência de uma conectividade semântica, por meio da qual se

estabelecem elos semânticos causal, condicional ou concessiva, etc., entre os segmentos conectados.

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segmento nuclear (são exemplos: Decat, 2001; Neves, 2000, 2002a, 2002b, 2006, 2012;

Paiva, 2001; Stassi-Sé, 2012; Zamproneo, 1998)12. As ocorrências em (12) e (13)

exemplificam a ordenação dos segmentos nas construções causais e concessivas

introduzidas por já que e ainda que, respectivamente.

(12) Anteposição

a. Sou contra os incentivos fiscais, mas [já que há uma guerra fiscal]SUB, [teremos de fazer parte dela] NUC.

(CDP:19Or:Br:Intrv:Com)

b. As “causas históricas”, sobre as quais o titular da Indústria, Comércio e Trabalho silenciara, - pensava o magistrado Rolim vinham da fase de euforia que o País vivera sob um governo de exceção, no qual, [ainda que não houvesse liberdade política]SUB, [campeara a licença econômica] NUC.

(CDP:19:Fic:Beltrao:Greve)

(13) Posposição a. [Não era dado a luxos extravagantes]NUC, [já que de descendência humilde tinha

vindo] SUB. (CDP:19:Fic:Br:Novaes:Mao)

b. Peço-te que reflitas com calma sobre o que te digo, e que não te precipites,

[ainda que tudo pareça tão extremo e chocante]SUB. (CDP:19:Fic:Br:Carvalho:Bebados)

A respeito da flexibilidade de ordem dos segmentos de uma construção adverbial,

Neves (2006, p.233) explica que, uma vez que os segmentos adverbiais funcionam como

satélites13 da predicação e apresentam, portanto, caráter opcional, eles estão “ligados às

escolhas dos falantes, na sua busca natural do melhor cumprimento de funções no seu

enunciado”. A autora acentua que fica evidente o baixo nível de restrições que o sistema

impõe a variações construcionais nessa zona com amplo espaço para manipulação do

falante.

                                                                                                               12 Todos esses estudos citados se inserem no campo de investigação do funcionalismo. Deve-se lembrar que

já na tradição gramatical brasileira falava-se em uma “liberdade” ou “flexibilidade” de colocação no português (NEVES, 2002c).

13  No capítulo 01 (seção 1.3.2), foi explicado que os segmentos adverbiais, numa visão de gramática que se organiza em camadas (DIK, 1997), funcionam como satélites, termos que não são argumentos do predicado, mas que trazem informações adicionais à predicação.  

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Devido a essas restrições que o sistema impõe se percebem regularidades no que

diz respeito à posição do segmento adverbial em relação ao segmento nuclear. Ora,

pesquisas tipológicas direcionadas justamente à questão da ordem de segmentos

subordinados adverbiais (por exemplo, Diessel, 2001) verificaram a posição preferencial

do segmento adverbial em relação ao segmento nuclear. Os estudos dessa direção

associados àqueles de orientação discursivo-textual (DU BOIS, 1985; RAMSAY, 1987;

THOMPSON, 1985, 1987), assumem a existência de fatores sintáticos, semânticos e

pragmáticos em competição14 entre si que restringem e que motivam a posição do

segmento adverbial em relação ao segmento nuclear.

Diessel (2005) propõe que esses três fatores sejam vistos em interface com a

motivação e a restrição da ordem dos segmentos em uma construção adverbial. Esse autor

propõe que sejam consideradas três motivações em competição: (i) a primeira é o

processamento sintático, (ii) a segunda é o funcionamento discursivo-pragmático, e (iii) a

terceira é o funcionamento semântico do segmento adverbial. Diessel (2008) sugere ainda

que a esses três fatores possa ser adicionado um quarto fator, o da iconicidade, que

transita entre as zonas da semântica e da pragmática.

A motivação de ordem sintática, o processamento, diz respeito à distribuição e à

ordem dos constituintes em uma construção linguística. Com base na teoria sobre ordem

dos constituintes de Hawkins (1988, 1994, 2004), Diessel (2005) sugere que a ordem dos

constituintes em uma construção só é relevante quando há mais de uma possibilidade de

ordenação. Nesse sentido, o processamento está diretamente relacionado à estrutura e à

distribuição sintática dos segmentos na construção adverbial.

Hawkins (1994) prevê que, em termos de processamento, o segmento adverbial

deve sempre seguir o segmento nuclear, visto que a ordem inversa pode gerar uma

aparente complexidade no processamento de uma construção adverbial. Partindo da

assunção de Hawkins (1994), Diessel (2005) sugere que essa complexidade seria devida

                                                                                                               14 Motivações em competição têm um papel central na explicação funcional da estrutura linguística. Neves

(2012, p.54) explica que a linguagem, meio de negociação entre os falantes, é resultante de motivações de uso e de necessidades comunicativas. Às motivações e às necessidades estão associadas a informatividade e a economia, que, respectivamente, refletem o interesse do ouvinte em receber informações claras e precisas, o que requer grande quantidade de material linguístico, e o interesse do falante em produzir enunciados dispensando o menor esforço possível, o que prevê o uso de enunciados com pouco material linguístico (DIESSEL, 2005).  

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ao próprio item juntivo e explica isso invocando a estrutura do domínio de

reconhecimento das construções adverbiais, como mostram os esquemas em (14) e em

(15). O esquema (14) ilustra a anteposição do segmento adverbial e o esquema (15), a

posposição desse segmento.

(14) Segmento adverbial anteposto [X……………]SUB […………………]NUC

(15) Segmento adverbial posposto

[…………………]NUC [X……………]SUB

A leitura desses esquemas mostra que, nas construções em que há anteposição do

segmento adverbial, o domínio de reconhecimento de uma construção adverbial, indicado

pelo traço com as hastes, é maior do que aqueles casos em que o segmento adverbial

segue o nuclear. Assim, as construções adverbais em que o segmento adverbial aparece

anteposto demandariam mais esforço e maior tempo de processamento (DIESSEL, 2005).

Nesse sentido, com base no processamento dos constituintes, o autor prevê que a

posposição do segmento seja a ordem preferencial.

Os esquemas representados em (14) e (15) podem ser representados por meio de

estruturas distribucionais15 esquematizadas em (16) e (17), respectivamente.

(16) Segmento adverbial anteposto (17) Segmento adverbial posposto

                                                                                                               15 O modo de representação das estruturas gramaticais no modelo de Hawkins (1994, 2004) seguem as

indicações de um modelo gerativo-transformacional, por isso são utilizadas, em (05) e em (06), essas estruturas. Nessas estruturas, “X” corresponde ao item juntivo adverbial, “SNUC” e “SADV” correspondem, respectivamente, a segmento nuclear e segmento adverbial, e “CADV” corresponde à construção adverbial. Essas notações não são o padrão utilizado nos estudos de Hawkins (1994, 2004), mas são utilizados, nestes exemplos, para se preservar coerência com a terminologia utilizada nesta dissertação.

CADV CADV

domínio de reconhecimento

domínio de reconhecimento

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Uma leitura dos esquemas (16) e (17) revela que, no esquema em que o segmento

adverbial segue o segmento nuclear, (16), o item juntivo adverbial, representado por X

nos esquemas, estabelece um nódulo CADV imediatamente após o processamento do

segmento nuclear e imediatamente antes do acesso ao segmento adverbial, o que significa

que ambos os segmentos são constituintes imediatos de um nódulo superior, o CADV. Por

outro lado, nos casos em que o segmento adverbial precede o segmento nuclear (17), o

item juntivo adverbial estabelece um nódulo CADV antes que o segmento adverbial seja

acessado e antes que o segmento nuclear seja processado16.

Nessa perspectiva, portanto, o processamento sintático de uma construção adverbial

motivaria apenas a posposição do segmento adverbial, devido ao menor esforço

demandado do ouvinte nesse processamento17.

Em suma, no que diz respeito ao processamento sintático, a posposição seria ordem

preferida para o segmento adverbial, em relação ao segmento adverbial, visto que há

menos esforço processual envolvido. Essa motivação não explica, contudo a anteposição

de segmentos adverbiais em relação a segmentos nucleares, que seria motivada por

fatores discursivo-pragmático e semântico, de acordo com Diessel (2005, 2008),

Essa dominância do (discursivo) pragmático e do semântico sobre o

(processamento) sintático retoma, na verdade, as mais básicas lições funcionalistas e

cognitivistas (CROFT, 2001; NEVES, 1997). No funcionalismo, há uma hierarquia na

organização da gramática da língua: a pragmática tem domínio sobre a semântica, que

tem domínio sobre a sintaxe (NEVES, 1997). Na mesma linha, o cognitivismo admite

que os fatores conceptuais, os componentes semântico e pragmático, dominam o

componente da sintaxe (a estrutura), ainda que fique reconhecida a relativa autonomia e

arbitrariedade desse último componente (CROFT, 2001).

Visto que as motivações discursivo-pragmática e semântica são específicas a cada

uma das relações adverbiais, uma discussão mais aprofundada dessas ficou reservada

para a seção seguinte, na qual também é feita análise dos dados levantados do córpus.                                                                                                                16 Existem outros fatores operando no processamento de construções adverbiais. Um desses fatores,

amplamente discutidos tanto na literatura formalista (por exemplo, Frazier & Rayner, 1988) como na literatura funcionalista (por exemplo, Givón, 2001b) é a correferenciação.

17 A teoria sobre ordens de constituintes de Hawkins (1988, 1994, 2004), na qual está proposta a motivação ligada ao processamento, toma como base o ouvinte (a recepção), não o falante (a produção).

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Desse modo, serão feitas considerações específicas a respeito dessas motivações com

base nos dados do córpus.

7.5 Os dados do segundo parâmetro no córpus: a ordenação do segmento adverbial

em construções causais e concessivas

As tabelas 7.3 e 7.4, adiante, contêm os dados levantados do córpus referentes à

posição do segmento adverbial causal e concessivo. Por meio dos dados apresentados nas

tabelas, é possível obter-se uma visão geral de como estão encadeados os segmentos

construcionais para cada item em análise, a partir do entrecruzamento do eixo horizontal

(os itens juntivos) com o eixo vertical (a sua posição).

O levantamento quantitativo da posição do segmento causal em relação ao

segmento nuclear. A Tabela 7.3 apresenta o resultado desse levantamento.

Posição já que uma vez que visto que Anteposto 87 11,01% 14 7,69% 02 3.28%

Intercalado 01 0,12% 00 0% 00 0% Posposto 702 88,87% 168 92,31% 59 96.72%

Total 790 100% 182 100% 61 100% Tabela 7.3. A ordem do segmento adverbial nas construções causais.

Os resultados da Tabela 7.3 podem ser visualizados no Gráfico 7.3 adiante:

Gráfico 7.3. A ordem do segmento adverbial nas construções causais.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

já que uma vez que visto que

posposto

intercalado

anteposto

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Verifica-se, pela Tabela 7.3 e Gráfico 7.3, que a posposição do segmento causal em

relação ao segmento nuclear é a ordem mais frequente para os três tipos de itens juntivos

causais. Como revelam os dados percentuais da Tabela 7.3, a anteposição do segmento

causal tem baixa frequência no córpus, assim como a intercalação do segmento causal,

que é praticamente nula.

A preferência pela posposição é compatível com os resultados de Neves (2002a).

No estudo do português falado conduzido pela autora, verificou-se a anteposição apenas

dos segmentos causais introduzidos pelo item juntivo como e a posposição dos segmento

causais introduzidos por outros itens juntivos, porque, já que e desde que. A preferência

pela posposição do segmento causal também é compatível com os resultados de estudos

feitos em outras línguas18. Essa preferência é coerente com a função semântica dos

segmentos adverbiais causais, que, geralmente, servem para elaborar a informação

contida no segmento nuclear (FORD, 1993).

No estudo conduzido por Neves (2002a), encontraram-se casos de anteposição do

segmento causal apenas para as construções com já que e com porque. No caso das

construções com porque, a anteposição do segmento adverbial, geralmente, aconteceu em

casos de clivagem e pseudo-clivagem. Essa é uma das evidências de que a anteposição de

segmentos causais pode estar diretamente ligada à motivação discursivo-pragmática, a

que gorverna as funções de gerenciar a interação e de construir a coesão discursiva

(FORD, 1993; GIVÓN, 2001b, 2005).

O gerenciamento da interação é claramente verificado nas construções causais com

já que em (18) e (19), adiante, ambas exemplos de construções causais no domínio dos

atos de fala. Em (18), o segmento causal, que segue o segmento nuclear, apresenta uma

informação nova e serve como “evidência” para a pergunta feita pelo falante. Em (19), o

segmento causal, que antecede o segmento nuclear, não acrescenta nenhum tipo de

informação, apenas instala, na comunicação, a configuração do cenário interativo entre

falante e ouvinte.

                                                                                                               18 São exemplos de estudos que contemplam dados sobre a ordem dos segmentos causais: Dancygier

(2009), para o inglês e para o polonês; Dancygier e Sweetser (2000, 2005), para o inglês; Stukker, Sanders e Verhagen (2009), para o holandês; Helbig e Buscha (2013), para o alemão; Ford (1993), para o inglês conversacional.

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(18) O que a sociedade brasileira pode esperar dessa situação, já que não há uma harmonia entre os poderes?

(CDP:19Or:Br:Intrv:Pov)

(19) Doc. - já que você está falando em inseticida - eu perguntaria quais as doenças transmitidas pelos animais?

(CDP:19Or:Br:LF:Recf)

Ocorrências em que o segmento causal instala o cenário interativo mediante um

aspecto da configuração interacional, como acontece em (19), são encontradas com

frequência no córpus. Esse tipo de construção está associado à modalidade da língua

falada. São outros exemplos desse fato as ocorrências (20) e (22).

(20) Doc. - já que você está falando ((pigarreia)) do mar - poderia lembrar outros

animais -que existem no mar? Inf. - lembro - peraí - bom o: o:: animal que me lembra mar - logo assim de início é a lesma - que chamam de tinteiro - sabe qual é?

(CDP:19Or:Br:LF:Recf)

(21) Doc.- já que falou em mulher Inf. - hein? Doc. - que poderia dizer sobre a mulher e o carro? Inf. - a mulher no carro? Doc. - e o carro  

(CDP:19Or:Br:LF:Recf)

(22) Já que estamos falando em preconceito e estamos vivendo uma situação engraçada, que é o “hypeo” do funk carioca?

(CDP:19Or:Br:Intrv:Web)

Nas ocorrências (20), (21) e (22), o falante, por meio do segmento causal, resgata

um tópico imediato da interação e, a partir dessa moldura, realiza um ato de fala,

geralmente, interrogativo. No caso de (22), o falante acrescenta um traço do cenário

interativo não diretamente relacionado à interação imediata, “[já que] estamos vivendo

uma situação engraçada”. Por meio desses segmentos causais, o falante gerencia

diretamente a interação verbal e conduz essa interação instalando do cenário

comunicativo, e, assim, ficam marcados e delimitados os papeis do falante e do ouvinte

na interação (FORD, 1993).

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Verifica-se, no córpus, que ocorrências semelhantes àquelas apresentadas em (19) a

(22), nas quais o segmento causal tem a função de gerenciamento da interação exercida,

são introduzidas apenas pelo item juntivo já que. A provável justificativa para essa

escolha dos falantes é que o item juntivo já que, como discutido na seção 6.2.1,

pressupõe a validade do segmento causal no espaço base do falante, o que significa que a

instalação de um traço da situação de interação entre falante e ouvinte tem de vir indicada

por um item juntivo que marque a validade desse traço no espaço base do leitor e do

ouvinte. Nesse sentido, pode-se dizer que, justamente por marcar essa validade para o

falante e para o ouvinte, em seus respectivos espaços base, esse é um tipo de construção

altamente intersubjetiva, pois implica o alinhamento dos espaços do falante e do ouvinte

(DANCYGIER, 2009).

Os casos de anteposição do segmento causal com o item juntivo uma vez que (14

ocorrências) apresentam funcionalidade diferente daquela verificada nos segmentos

causais antepostos com já que. Se, por um lado, o segmento causal com já que anteposto

serve à função de instalar um aspecto do cenário interacional, o segmento causal com

uma vez que anteposto, por outro lado, serve à função de construir a coesão discursiva

por meio do estabelecimento de um elo anafórico entre uma porção de discurso

precedente e o segmento nuclear, como se verifica em (24) e (25), a seguir.

(24) Era Marieta, que a observava em silêncio, penetrando-lhe a alma com os olhos acendidos. A convalescença de Dulce demorou mais do que supunha. Tempos depois continuava abatida, embora comesse bem e dispusesse de frutas e leite com abundância. Já saía, porém, até a igreja, onde levava horas rezando. Uma vez que se decidira a renunciar ao amor de Raul, apegava-se à religião como quem se entrega sem nada pedir.

(CDP:19:Fic:Br:Carvalho:Somos)

(25) Durante a ditadura, confundiram-na com a irmã guerrilheira e, sem saber o que responder às perguntas que lhe pareciam as mais estapafúrdias e que se referiam a gente de quem ela nunca tinha ouvido falar, foi obrigada a passar toda uma noite numa câmara frigorífica e, uma vez que o método não parecia resultar em nada, enfiaram-lhe um cano pela vagina adentro, com açúcar na ponta, por onde fizeram passar dezenas de baratas, até ela falar, aos berros, e contar histórias ainda mais estapafúrdias do que lhe pareciam as perguntas, sem pé nem cabeça, […]

(CDP:19:Fic:Carvalho:Iniciantes)

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Tanto em (24) como em (25), o segmento causal estabelece um elo anafórico com a

porção de texto precedente, no entanto a estratégia utilizada para o estabelecimento desse

elo difere de uma ocorrência para a outra. Em (24), o segmento causal é uma menção

direta ao contexto precedente narrado, que discorre sobre os efeitos da decisão da

personagem de renunciar ao amor de Raul. Por outro lado, em (25), o nome “método”

encapsula toda a descrição feita na porção de texto precedente ao segmento casual. Essas

duas estratégias, a primeira, menção direta à informação discursiva precedente, e a

segunda, menção indireta, convergem na função exercida pelo segmento adverbial de

prover o “pano de fundo” para o segmento nuclear (FORD, 1993).

Deve-se considerar que o segmento causal com uma vez que anteposto pode

“deslizar” à zona da temporalidade. Isso se deve precisamente pela natureza semântica da

base lexical desse item juntivo, conforme discutido na seção 6.2.2. Considerem-se as

duas ocorrências (26) e (27), a seguir:

(26) Não lhe faltava coragem física, essa que nos leva a enfrentar decididos o perigo, a medir forças com outros homens. No tempo de revolução podia pensar num combate com uma leve sensação de desfalecimento ; ficava todo o tempo com uma impressão de quase medrosa expectativa. Mas uma vez que o tiroteio começava, era tomado duma espécie de embriaguez, duma alegria quase selvagem, dum ímpeto que não conhecia esmorecimento.

(CDP:19:Fic:Br:Verissimo:Resto)

(27) Marques preferia que eu lhe pedisse dinheiro a experimentar o seu prestígio junto aos seus poderosos amigos, solicitando uma colocação para mim. Uma vez que lhe falei a respeito, esforçou-se por me mostrar que era impossível enquanto os seus amigos estivessem por baixo.

(CDP:19:Fic:Barreto:Caminha)

Numa escala de complexidade cognitiva, e levado em conta o nível de

abstratização, a noção de causa é mais complexa do que a noção de tempo, que é, na

verdade, a mais básica das noções adverbiais que se expressam por meio de uma oração

(KORTMANN, 1991). No entanto, existe uma relação direta entre essas duas noções e,

na gramática do português, essa relação aparece preservada no item juntivo uma vez que,

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em que transparece mais temporalidade do que em já que, marcadamente aspectual,

segundo foi apurado nas análises do capítulo 06.

No córpus foi encontrado apenas um caso de segmento causal em posição de

intercalação, que vem mostrado a seguir, em (28), em que o segmento causal atua

diretamente sobre o SN “desautorizadas” da oração nuclear. O segmento causal, nesse

contexto, auxilia o mecanismo de topicalização de um termo do segmento nuclear.

(28) [As vendas, desautorizadas]NUC, [já que os lotes estão embargados]SUB, [têm

sido efetuadas principalmente em Quissama]NUC. Embora os ecologistas estejam empenhados em denunciar o comércio fraudulento, os incautos continuam comprando terrenos onde não podem construir e que não podem usar.

(CDP:19:N:Br:Cur)

Viu-se até este ponto da seção que: a) a posposição é a ordem predominante,

portanto não marcada, para os segmentos causais, independentemente do item juntivo que

a introduza; b) a anteposição é a ordem marcada dos segmentos causais e é licenciada em

contextos discursivo-pragmáticos específicos; c) a anteposição dos segmentos causais

serve a diferentes funções, que são determinadas pelo item juntivo que os introduz.

Quanto aos dados obtidos referentes à ordenação do segmento concessivo, o

levantamento quantitativo da posição do segmento concessivo em relação ao segmento

nuclear. A Tabela 7.4 apresenta o resultado desse levantamento.

Posição ainda que mesmo que se bem que Anteposto 95 36,68% 120 42,55% 13 13%

Intercalado 39 15,06% 27 9,57% 32 32% Posposto 125 48,26% 135 47,88% 55 55%

Total 259 100% 282 100% 100 100% Tabela 7.4. A ordem do segmento adverbial nas construções concessivas.  

Os resultados da Tabela 7.4 podem ser visualizados no Gráfico 7.4 adiante:

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  165

Quadro 7.4. A ordem do segmento adverbial nas construções concessivas.

Verifica-se, pela Tabela 7.4 e respectivo gráfico 7.4, que a posposição do segmento

concessivo é a ordem predominante nas construções concessivas introduzidas pelos três

itens juntivos aqui considerados. Ainda que essa seja a ordem predominante para os itens

juntivos ainda que e mesmo que, a anteposição do segmento concessivo é também

bastante frequente, principalmente para esse último item juntivo, que apresenta uma

diferença de 5,33% (15 ocorrências), no exame dessas duas possibilidades de posição. A

anteposição dos segmentos concessivos com se bem que apresenta baixa frequência

(13%) se comparada com a frequência dos outros dois itens juntivos.

A preferência pela posposição do segmento concessivo é compatível com os

resultados obtidos por Zamproneo (1998) em seu estudo do português escrito

contemporâneo. As diferentes literaturas analisadas pela autora, a dramática, a técnica e a

oratória, favorecem a posposição do segmento concessivo. Essa preferência também é

compatível com os resultados obtidos por Neves (2002b) em seu estudo da língua falada

culta. Segundo Zamproneo (1998, p.154)., o segmento concessivo posposto funciona

como adendo (afterthought)19 do segmento nuclear, podendo manter a unidade temática

do segmento nuclear (29), quebrar o tema do segmento nuclear (30), ou, ainda, manter a

progressão temática, por meio da introdução de informação nova (31).

                                                                                                               19 Veja-se seção 1.3, no capítulo 01.

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%

100%

ainda que mesmo que se bem que

posposto

intercalado

anteposto

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  166

(29) todo mundo vive período de de: - festa de natal de fim de ano de ano por exemplo - mas fim de ano não é só natal pra quem é católico - é: pra quem é protestante é pra quem bate bombo bom - é pra toda essa série de pessoas - se bem que uns - vivem mais aquele período - outros menos - mas - se tem aquilo - como realmente o dia do nascimento de Cristo - e eu acho até que isso é muito importante essa data porque - se aceite ou não aceite

(CDP:19Or:Br:LF:Recf)

(30) Como iria fazer para que fosse embora? Com jeito, tinha de mandá-la de volta, ainda que tivesse de arrombar-lhe a porta da apartamento. E se a Flávia teimasse em querer ficar ali? - Meto-a num táxi, despacho-a para um hotel, mesmo que tenha de me responsabilizar pelas despesas.

(CDP:19:FicBr:Montello:Silencio)

(31) A decisão do Supremo Tribunal Federal concedendo aumento de 28,86% aos 11 funcionários que, abrindo caminho, pleitearam equiparação ao reajuste privilegiado que o governo o governo Collor presenteou os militares, caiu sobre a cabeça do presidente Fernando Henrique Cardoso como uma bomba, cujos estilhaços se espalham pelos governos estaduais e municipais, e até pelos áridos espaços da oposição. Inútil espernear , embora compreenda-se o desespero da equipe econômica e de quantos torcem pelo Real, ainda que tenham suas mágoas do governo e impliquem com o estilo imperial do candidato à reeleição. O que está feito, está feito. Os funcionários comemoram e formam fila para entrar na Justiça e depois esperar, com a paciência dos que sabem que o resultado é certo.

(CDP:19:N:Br:Cur)

Inversamente ao que acontece com os segmentos concessivos em posposição, que

funcionam como um adendo (afterthought), os segmentos adverbiais que aparecem em

anteposição geralmente, estabelecem o elo coesivo entre uma porção discursiva

precedente e o segmento nuclear. Nesse sentido, como explica Givón (2005),

informativamente o segmento concessivo em anteposição estabelece um elo anafórico

com uma porção de discurso precedente e um elo catafórico com o segmento nuclear. São

exemplos disso as ocorrências (32) a (34) a seguir.

(32) Estado - Em 1982, houve no Festival de Toronto uma grande mostra do cinema brasileiro. Acha que, a curto prazo, haveria espaço para uma mostra semelhante? Puerta - Sim, claro. Em breve vai ter até uma grande mostra de 50 filmes brasileiros no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Acho que é

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  167

um momento propício para fazer uma grande mostra do cinema brasileiro na América do Norte. Acho também que a alta qualidade dos filmes vai atrair muito interesse de distribuição comercial. Mesmo que eles não tenham atores de reconhecimento internacional, isso não inviabiliza a possibilidade comercial dos filmes que estou vendo este ano, porque, se é verdade que eles não são conhecidos internacionalmente, são atores que em breve o serão.

(CDP:19Or:Br:Intrv:ISP)

(33) CAPRICÓRNIO: Este será um momento bem positivo, com possibilidades de realizações muito grandes em termos pessoais. Ainda que você não queira, isso vai determinar novo rumo para sua vida íntima. Satisfação no amor.

(CDP:19N:Br:PA)

(34) A principal plataforma da Liga é um programa ecológico, visando proteger diversos vales edênicos da Inglaterra, ameaçados pela especulação imobiliária. Daí para a dendrolatria, é um passo. Afinal de contas, cultuar árvores também era uma prática da mitologia celta.

Se bem que ser chegado a uma fada, em princípio, não faz mal à saúde nem exige sacrifícios iguais aos desses cultos americanos cujos seguidores pegam carona em rabos de cometa, recomenda-se um mínimo de cautela aos seus futuros apóstolos tupiniquins. Além da pouca intimidade com ela (nossas fadas são os orixás, o boitatá), não estamos acostumados a pronunciar seu nome sem pensar em coisas nada religiosas.

(CDP:19N:Br:SP)

Além da anteposição e da posposição do segmento adverbial, verificou-se a

interposição do segmento concessivo.

Em trabalhos anteriores, como o de Neves (2002b) e o de Zamproneo (1998),

também se verificou que os segmentos adverbiais causais concessivos podem aparecer

em posição de intercalação, entre os constituintes do segmento nuclear, como

exemplificam as ocorrências (35) a (37) a seguir.

(35) Todos estavam com os olhos fixos nele. – [A digital que o Zeca tirou do

“presunto”] NUC, [ainda que um pouco imprecisa]SUB, [indicou que se trata da nossa já conhecida assaltante de bancos Alice, cujo verdadeiro nome é Dinalva Outeiro Trajano.] NUC

(CDP:19:Fic:Br:Cabral:Xamboia)    

(36) [O plano tem dado certo e o governador] NUC, [mesmo que não seja candidato à reeleição]SUB, deve estar rindo à toa.

(CDP:19N:Br:Recf)

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  168

(37) [Essas informações sobre os débitos em conta] NUC, [mesmo que indiquem

movimentação alta de valores]SUB, [podem se referir a um volume pequeno movimentado mais de uma vez] NUC.

(CDP:19N:Br:SCat) De acordo com Zamproneo (1998, p.152), a intercalação do segmento concessivo

tem como objetivo auxiliar a topicalização de um elemento do segmento nuclear. Nas

ocorrências (35) a (37), os segmentos concessivos atuam sobre os sintagmas nominais,

respectivamente, “A digital que o Zeca tirou do ‘presunto’”, “o governador” e “essas

informações sobre os débitos em conta”. Nas três ocorrências, a intercalação do segmento

concessivo serve à topicalização de um elemento do segmento nuclear.

7.6 A terceira diretriz de análise: modo e tempo verbais nas construções causais e

concessivas

A terceira e última diretriz de análise diz respeito à correlação modo-temporal dos

verbos nas construções causais e nas concessivas introduzidas pelos itens juntivos

complexos.

Tradicionalmente, as funções canônicas das categorias de tempo e de modo verbal

são, respectivamente, a de indicar o momento em que se situa a ação e de expressar as

atitudes subjetivas dos falantes em relação à ação verbal. Nessa visão, as categorias de

tempo e de modo verbais apresentam um valor ligado apenas à semântica proposicional

(KEARNS, 2011).

Na perspectiva cognitivo-funcional, as funções canônicas de tempo e modo verbais

estão associadas a funções que dizem respeito aos processos cognitivos envolvidos na

conceptualização dos eventos. O tempo verbal possibilita não apenas o rastreamento da

temporalidade dos eventos como também o rastreamento da postura epistêmica do falante

em relação aos eventos, e o modo verbal possibilita o rastreamento dos pontos de vista

associados à conceptualização dos eventos. (FAUCONNIER, 1997; GIVÓN, 2001a;

MEJÍAS-BAKANDI, 1996). Em termos dos espaços mentais, tempo e modo verbais são

recursos linguísticos que indicam o encaixamento e a relação de dependência entre os

espaços mentais sendo negociados (FAUCONNIER, 1997; DANCYGIER &

SWEETSER, 2005).

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Assumindo uma orientação funcional, Givón (2001a) defende a ideia de que tempo

verbal é fundamentalmente pragmático, não semântico-proposicional, ainda que as

flexões de tempo sejam parte da estrutura oracional, pois a função do tempo verbal é a de

ancorar uma proposição em um ponto temporal relativo ao contexto discursivo, portanto

fora de si mesma. A respeito da categoria de tempo verbal, Fauconnier (1997, p.73)

enfatiza que a marcação de tempo verbal serve à organização da configuração discursiva

para a negociação de ponto de vista e de foco.

Em uma análise da categoria de tempo verbal, uma noção extremamente importante

é a de “postura epistêmica” (FILLMORE, 1990). “Postura epistêmica” diz respeito ao

comprometimento do falante com o estatuto de realidade de um evento/estado em

relação ao outro. Essa postura pode ser positiva, negativa ou neutra. Na língua, essa

postura pode aparecer marcada por advérbios, conjunções e, principalmente pela

categoria de tempo verbal. Por exemplo, Dancygier e Sweetser (2005, p.28) verificaram

que, no inglês, construções condicionais preditivas com formas verbais no passado

indicam uma postura epistêmica negativa do falante em relação à probabilidade de um

evento acontecer.

De acordo com Bybee et al. (1994), a análise do modo subjuntivo é controversa,

porque não é claro se as formas subjuntivas, de fato, carregam significado ou se elas são

semanticamente vazias e aparecem em contextos de subordinação devido a um

requerimento sintático. No que diz respeito ao uso do subjuntivo em orações adverbiais,

esses autores verificaram, com base numa amostra grande de línguas, que esse modo

ocorre apenas em orações finais, concessivas e condicionais.

Além desses fatores semânticos e pragmáticos associados às categorias de tempo e

de modo verbal, há fatores de ordem sintática também associados a essas categorias,

principalmente à categoria do modo verbal, mais especificamente à do modo subjuntivo,

que é considerado um modo “governado” e tipicamente restrito a contextos em que se

verifica uma relação de dependência sintática da oração com verbo no modo subjuntivo

(PERINI, 2010).

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  170

7.7 Os dados do terceiro parâmetro no córpus: a ordenação do segmento adverbial

em construções causais e concessivas

O exame do córpus revela que é grande a variedade de correlações modo-temporal

nas construções causais e concessivas. A partir dos dados levantados, verificaram-se 50

correlações diferentes nas construções causais e 26 correlações nas construções

concessivas. Para o levantamento dos dados foram considerados apenas as construções

causais em que ambos os segmentos fossem oracionais. Portanto, foram excluídas as

ocorrências do córpus em que ou o segmento nuclear ou o segmento causal fossem de

natureza sintagmática.

Ressalve-se que uma análise detalhada de todas as correlações encontradas no

córpus está além do propósito deste trabalho, que foca apenas as correlações que

apresentam maior número de ocorrências.

Na Tabela 7.5, adiante, constam os dados levantados para as construções causais.

Construção causal Itens juntivos Segmento nuclear

Segmento causal

já que (T=737)

uma vez que (T=174)

visto que (T=58)

Presente indicativo

Presente indicativo

Pret. perf. indicativo

Pret. imp. indicativo

Pret. m. q. perf. ind.

Fut. pres. indicativo

Fut. pret. indicativo

263

62

12

15

04

33,30%

7,85%

1,52%

1,90%

0,50%

59

11

06

01

04

01

32,54%

6,01%

3,29%

0,55%

2,18%

0,55%

14

03

01

22,95%

4,92%

1,64%

Pret. perf. indicativo Presente indicativo

Pret. perf. indicativo

Pret. imp. indicativo

Pret. m. q. perf. ind.

Fut. pres. indicativo

Fut. pret. indicativo

34

41

35

07

07

4,30%

5,19%

4,43%

0,90%

0,90%

13

14

02

02

01

7,10%

7,65%

1,09%

1,09%

0,55%

04

02

04

02

6,56%

3,28%

6,56%

3,48%

Pret. imp. indicativo Presente indicativo

Pret. perf. indicativo

Pret. imp. indicativo

Pret. m. q. perf. ind.

Fut. pres. indicativo

Fut. pret. indicativo

11

08

41

13

01

1,39%

1,01%

5,19%

1,65%

0,12%

01

13

04

01

03

0,55%

7,10%

2,18%

0,55%

1,64%

03

08

01

4,92%

13,11%

1,64%

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  171

Pret. m. q. perf. ind. Pret. imp. indicativo

Pret. m. q. perf. ind.

Fut. pret. indicativo

Presente subjuntivo

02

01

01

0,25%

0,12%

0,12%

01

01

0,55%

0,55%

01

1,64%

Fut. pres. indicativo Presente indicativo

Pret. perf. indicativo

Pret. imp. indicativo

Fut. pres. indicativo

Fut. pret. indicativo

40

09

02

18

5,06%

1,14%

0,25%

2,28%

13

05

01

7,10%

2,73%

0,55%

02

3,28%

Fut. pret. indicativo Presente indicativo

Pret. perf. indicativo

Pret. imp. indicativo

Pret. m. q. perf. ind.

Fut. pret. indicativo

38

04

14

03

05

4,81%

0,50%

1,77%

0,38%

0,63%

06

01

02

05

3,29%

0,55%

1,09%

2,73%

05

01

01

8,20%

1,64%

1,64%

Presente subjuntivo Presente indicativo

Pret. perf. indicativo

Fut. pres. indicativo

02

01

01

0,25%

0,12%

0,12%

01

0,55%

01

1,64%

Pret. imp. subjuntivo Pret. m. q. perf. ind. 02 0,25% – – – –

Pret. m. q. perf. subj.* Pret. m. q. perf. ind.* – – – – 01 1,64%

Fut. pres. subjuntivo Presente indicativo 02 0,25% – – – –

Imperativo Presente indicativo

Pret. perf. indicativo

Pret. imp. indicativo

Fut. pres. indicativo

13

01

02

03

1,65%

0,12%

0,25%

0,38%

03

4,92%

Infinitivo Pret. perf. indicativo

Pret. imp. indicativo

Pret. m. q. perf. ind.

Fut. pret. indicativo

02

01

05

02

0,25%

0,12%

0,63%

0,25%

01

0,55%

Gerúndio Presente indicativo

Pret. perf. indicativo

Pret. m. q. perf. ind.

01

09

01

0,12%

1,13%

0,12%

01

1,64%

Particípio Pret. m. q. perf. ind. – – 01 0,55% – –

Tabela 7.5. Correlação modo-temporal nas construções causais. *Forma composta

A partir dos dados apresentados na Tabela 7.5, verifica-se que as construções

causais com já que são as que mais possibilidades de correlação modo-temporal (43

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  172

combinações), ao passo que as construções com uma vez que (28 correlações) e com visto

que (19 correlações) apresentam menor número de correlações possíveis.

Esse resultado pode ser explicado considerando-se nível de especificidade de cada

um dos itens juntivos, de acordo com o que foi proposto no capítulo 06. Apesar de esses

três itens serem pragmaticamente polissêmicos, devido à possibilidade de ocorrerem nos

três domínios conceptuais, os itens juntivos uma vez que e visto que apresentam

especificação semântico, devido à suas bases lexicais, que o item juntivo já que não

apresenta.

Pode-se verificar, também, na Tabela 7.5, que os tempos do modo indicativo são

predominantes tanto no segmento nuclear quanto no segmento adverbial. Foi verificada

apenas 01 correlação com um tempo no modo subjuntivo: pretérito mais que perfeito do

indicativo, no segmento nuclear, e presente do subjuntivo, no segmento causal.

Esses resultados condizem com os resultados obtidos por Neves (2002a) e Neves et

al. (2008), que investigaram as correlação modo-temporais na modalidade falada da

língua. Mais especificamente, nessas pesquisas, as autoras constataram precisamente o

predomínio do presente do indicativo nos dois segmentos da construção causal.

Neves (2000, p.818) explica que o indicativo é o modo “votado para expressar

causa, já que a expressão da causa constitui uma posição com certo grau de certeza”.

Essa explicação provida pela autora pode ser relacionada com a noção de postura

epistêmica, apresentada na seção anterior, segundo a qual, o falante se compromete com

o estatuto de “realidade” de um evento. Nas construções causais, em geral, a postura

epistêmica do falante sempre será positiva em relação ao evento causal. A forma verbal,

no indicativo, serve à função de marcar essa postura epistêmica positiva.

Na Tabela 7.6, adiante, que apresenta os dados da correspondência modo-temporal

dos verbos nas construções concessivas, não aparecem quantificados os dados para o

item juntivo se bem que, porque, como os dados revelam que os segmentos adverbiais

introduzidos por esse juntivo não têm como âmbito de incidência uma oração, e, sim,

uma porção textual mais ampla, não há como determinar qual seja o verbo da “oração

nuclear”.

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Construção concessiva Itens juntivos Segmento nuclear

Segmento concessivo

ainda que (T=193)

mesmo que (T=252)

Presente indicativo

Presente subjuntivo

Pret. perf. subjunt.*

Pret. imp. indicativo

Gerúndio

67

01

06

04

34,36%

0,51%

3,08%

2,05%

121

04

05

46,90%

1,54%

1,93%

Pret. perf. indicativo Presente subjuntivo

Pret. perf. subjunt.*

Pret. imp. subjuntivo

Pret. m. q. perf. sub.*

Gerúndio

05

02

09

04

01

2,57%

1,02%

4,62%

2,05%

0,51%

06

01

02

01

2,32%

0,38%

0,77%

0,38%

Pret. imp. indicativo Pret. imp. subjuntivo

Pret. m. q. perf. sub.*

Particípio

31

01

04

15,91%

0,51%

2,54%

23

8,91%

Pret. m. q. perf. ind. Pret. imp. subjuntivo 08 4,11% 02 0,77%

Fut. pres. Indicativo Presente subjuntivo

Pret. imp. subjuntivo

Gerúndio

14

01

01

7,18%

0,51%

0,51%

37

01

14,34%

0,38%

Fut. pret. indicativo Presente subjuntivo

Pret. imp. subjuntivo

Pret. m. q. perf. sub.*

03

24

1,54%

12,32%

01

39

01

0,38%

15,11%

0,38%

Presente subjuntivo Presente subjuntivo – – 01 0,38%

Pret. imp. subjuntivo Pret. imp. subjuntivo – – 01 0,38%

Pret. m. q. perf. sub.* Pret. m. q. perf. sub.* 01 0,51% – –

Fut. pres. subjuntivo Fut. pres. subjuntivo – – 01 0,38%

Imperativo Presente subjuntivo 02 1,04% 04 1,55%

Infinitivo Presente subjuntivo

Pret. imp. subjuntivo

01

0,51%

01

0,38%

Tabela 7.6. Correlação modo-temporal nas construções concessivas. *Forma composta

Verifica-se na Tabela 7.6 que os tempos do modo subjuntivo são predominantes

nos segmentos concessivos tanto em construções com ainda que quanto em construções

com mesmo que. Foi verificada apenas 01 correlação com um tempo no modo indicativo:

presente do indicativo, no segmento nuclear, e pretérito imperfeito indicativo, no

segmento concessivo.

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  174

Diferentemente das construções causais, que são marcadas pelo modo indicativo, as

construções concessivas são marcadas pelo modo subjuntivo. Se, por um lado, o modo

indicativo nas construções causais é uma marca gramaticalmente codificada da postura

epistêmica do falante, o modo subjuntivo nas construções concessivas marca justamente

essa dissociação de comprometimento do falante com o estatuto de realidade daquilo que

aparece expresso no segmento adverbial.

A correlação modo-temporal nas construções concessivas, além de expressar

postura epistêmica e marcar o encaixamento de espaços mentais, determina se a

construção é factual, eventual ou contrafactual (NEVES, 2000, p.881-884). Neves (2000)

distingue os (sub)tipos das construções concessivas com base na correlação modo-

temporal verificada na construção. Os padrões apresentados por ela podem ser

verificados na Quadro 7.1, adiante.

Classificação Segmento nuclear Segmento adverbial Factual Presente do indicativo

Futuro (tido como certo) Passado (télico)

Presente do subjuntivo Presente do subjuntivo Presente do subjuntivo

Eventual Presente Futuro

Futuro do pretérito

Presente Presente

Pretérito imperfeito Contrafactual Pretérito imperfeito

Futuro do pretérito Presente do indicativo

Pretérito imperfeito subj. Pretérito imperfeito subj. Pretérito imperfeito subj.

Quadro 7.1. A classificação das construções concessivas segundo a correlação modo-temporal. (Adaptado de Neves, 2000, p.881-884)

São exemplos de construções concessivas factual, eventual e contrafactual no

córpus:

(38) Factual a. Tínhamos muitas portas de acesso aos acontecimentos, ainda que muitas vezes por culpa da censura, não pudéssemos passar esse conhecimento à frente.

(CDP:19Or:Intrv:ISP)

b. Não vou me arrepender, mesmo que o Rio não seja escolhido. (CDP:19N:Br:Cur)

(39) Eventual

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a. Ainda que subsistam as diferenças da língua, não subsistirão as de sentimentos.

(CDP:19:Fic:Br:Rio:Momento)

b. Mesmo que o reumatologista conheça um cardiologista, este profissional pode não atender pelo mesmo convênio de seu colega.

(CDP:19N:Br:Bahia)

(40) Contrafactual a. [...] ainda que desaparecesse por muito tempo, ainda que na sua memória se apagassem todos os vestígios da vida passa, jamais deixariam de pertencer um ao outro.

(CDP:19:Fic:Cardoso:Dias) b. Mesmo que me houvessem chamado quando ela caiu na sala de banho, pouco ou nada eu poderia fazer; estava condenada.

(CDP:19:Fic:Br:Vieira:Mais)

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Conclusões

Em linhas gerais, resume-se a proposta deste estudo na indicação de que a teoria

cognitivista, mais especificamente a dos espaços mentais, combinada ao aporte

funcionalista, fornece uma explicação para o uso dos itens juntivos na construção da

oração e do discurso, conforme os estudos de Neves (2012), Sanders, Sanders e Sweetser

(2009), Verhagen (2005). No tema deste projeto – que, como foi fixado, tem centro nos

juntivos das zonas causal e concessiva –, essa perspectiva cognitivo-funcional fornece

subsídios para esclarecer as diferentes maneiras pelas quais o sistema conceptual

humano compreende os eventos que são linguisticamente expressos pelas relações de

causa e concessão.

Na proposta cognitivo-funcional que se adota para este estudo, o uso linguístico é

determinado por contextos pragmáticos (GIVÓN, 1989, 1995, 2001), e a estrutura

linguística em uso fornece pistas que guiam a construção de sentido produzindo dados

que revelam a estruturação do sistema conceptual humano (HALLIDAY;

MATTHIESSEN, 2006; FAUCONNIER, 1994, 1997; FAUCONNIER; TURNER, 2002;

FAUCONNIER; SWEETSER (org.), 1996). Analisar, sob a perspectiva cognitivo-

funcional, os elementos juntivos da língua portuguesa – especificamente aqueles que

estabelecem as relações de causalidade e de concessividade, que são o objeto deste estudo

– implica o entendimento de que os juntivos não são usados primordialmente para a

conectividade sintática das orações, mas são, na verdade, o reflexo do exercício cognitivo

realizado pelo falante, de categorização, de integração conceptual, do qual resulta a

escolha de um item juntivo e não de outro.

Do ponto de vista operacional do desenvolvimento deste trabalho, uma avaliação

das análises realizadas permite conclusões que podem ser agrupadas em campos que,

pertinentemente estabelecidos, compreendem tanto os aspectos linguísticos quanto os

aspectos cognitivos das categorias de causalidade e de concessividade:

1. A zona de causalidades na linguagem mostrou-se altamente fluida e apresentou

subzonas de significação altamente imbricadas entre si, revelando, assim, a configuração

das relações de causa, condição e concessividade a partir de noções conceptuais mais

básicas relacionadas à experiência humana da causalidade. As propriedades lógico-

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semânticas dessas relações são um reflexo de arrazoamentos estruturados pelo sistema de

dinâmica de forças (TALMY, 1988, 2000) mais abstratos.

2. Dentro da orientação explicitamente cognitiva que se assumiu, o exame das

categorias de causa e de concessividade revelou que elas se organizam conceptualmente a

partir de noções mais básicas como as de antagonista e de agonista, próprias do sistema

cognitivo de dinâmica de forças, o principal responsável pela estruturação conceptual das

noções de causalidade e de concessividade. Por estarem abrigadas dentro desse mesmo

sistema, essas categorias compartilham propriedades conceptuais e perceptivas, mas

diferem, naturalmente quanto à organização e à estruturação dessas propriedades.

3. O exame específico da categoria concessiva proposto neste estudo foi na direção

de articular os componentes semânticos dessa categoria, a escalaridade, o contraste e a

persistência, já sugeridos em Michaelis (1993, 1996), com as noções mais gerais do

sistema cognitivo de dinâmica de forças (TALMY, 2000). Essa articulação possibilitou

tratar tais componentes como categorias conceptuais que se mapeiam em categorias

linguísticas, as quais, por sua vez, servem à expressão do significado concessivo. O

exame ainda revelou que a categoria concessiva apresenta parâmetros e componentes

próprios que não necessariamente estão vinculados à categoria de causa.

4. A análise da base lexical dos juntivos causais e concessivos (apresentada no

capítulo 06) revelou que a carga semântica dessas bases está ligada às propriedades

categoriais de cada uma das relações adverbiais. A respeito dos juntivos causais, as bases

estão ligadas, principalmente, àquilo que tange a sua ocorrência nos domínios

conceptuais, visto que, como apontam Sanders, Stukker e Verhagen (2009), as

propriedades do conteúdo e do caráter epistêmico são traços definidores da categoria

conceptual de causalidade. A respeito dos itens concessivos, as bases de formação dos

itens juntivos estão ligadas, principalmente, aos componentes semânticos de contraste,

de persistência e de escalaridade, que compõem o cenário concessivo.

5. O fato de a base lexical componente dos itens juntivos complexos estar

intimamente relacionada às propriedades semânticas e conceptuais das categorias de

causa e de concessão pode constituir uma evidência a favor do argumento1 de que é

                                                                                                               1 O argumento de que é possível prever quais os itens linguísticos recrutados pela língua para o

desempenho de determinadas funções gramaticais é apresentado especialmente em Heine (1997), que o

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possível prever quais os itens linguísticos e gramaticais que a língua selecionará para

exercer determinadas funções, como, no caso deste estudo, a função de juntivo adverbial.

Obviamente, não é possível determinar esse tipo de seleção, contudo, com base nas

informações disponíveis sobre as categorias linguísticas e conceptuais, é possível limitar

as possibilidades a um conjunto mais específico de itens.

6. A verificação dos traços formais e sintáticos das construções causais e

concessivas revelou, no uso, uma grande complexidade tanto no que se refere aos níveis

de conectividade estabelecidos entre segmento nuclear e segmento adverbial, como no

que se refere à ordenação dos segmentos e às correlações modo-temporais presentes nas

construções. A complexidade estrutural dessas construções é um reflexo de sua

complexidade semântica e pragmática quanto às funções semântico-discursivas que essas

construções exercem no discurso, quanto à ocorrência dessas construções nos domínios

cognitivos e quanto à configuração dos espaços mentais elaborados, construídos e

evocados por elas.

Cabe declarar que os objetivos foram cumpridos destacando-se, especialmente, nos

resultados:

a) a verificação de que as relações de causa e de concessividade são

particularizadas segundo as noções semânticas da base lexical do item juntivo que

explicita essas relações adverbiais e a demonstração de que a semântica da base emoldura

o espaço mental evocado – no caso dos juntivos causais, a partir das noções de

temporalidade (e aspectualidade) (já que e uma vez que) e evidencialidade (visto que) e,

no caso dos juntivos concessivos, a partir das noções de persistência (ainda que),

escalaridade (mesmo que) e avaliação (se bem que);

b) a verificação de que os itens juntivos causais e concessivos são pragmaticamente

ambíguos, podendo ocorrer nos diferentes domínios cognitivos, contudo seu uso nos

diferentes domínios pode ser restringido por determinações contextuais geralmente

ligadas à natureza do ato de fala realizado e por determinações semânticas da própria

base lexical do item; os casos mais representativos são os itens já que e se bem que,

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         verifica na linha dos estudos de gramaticalização. Dentro dessa linha, há autores que são contra tal argumento, como Hopper e Traugott (2003), pois consideram impossível fazer previsões sobre a direção na qual seguiria a mudança dos itens linguísticos.

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respectivamente, causal e concessivo, devotados à manutenção e ao gerenciamento da

interação verbal.

c) a verificação de que a ordem nas construções causais e concessivas é motivada

pela função semântica e pela função pragmática exercidas pelos segmentos adverbiais, e

de que a maneira pela qual os espaços mentais evocados pelas construções adverbiais são

gerenciados é um reflexo dessas funções: a posposição nas construções causais está

ligada à função do segmento causal de elaborar o espaço mental já ativado pelo segmento

nuclear e, nas construções concessivas, está ligada à função de adendo (afterthought); a

anteposição, nas construções causais, está ligada à função interativa de instalação de cena

e, nas concessivas, pode tanto estar ligada à função coesiva (textual) quanto à função de

marcar uma predição eventual/contrafactual (ficando evidente, nesse caso, a conexão com

a condicionalidade);

d) a verificação de que a correlação modo-temporal nas construções causais e

concessivas tem as funções mais gerais de tanto marcar a postura epistêmica do falante

em relação ao que é dito nos segmento quanto de, em decorrência disso, marcar o

encaixamento e a hierarquia dos espaços mentais ativados; mais especificamente, a

correlação modo-temporal nas construções concessivas tem a função de marcar o caráter

de factualidade, eventualidade e contrafactualidade dessas construções (NEVES, 2000).

Este trabalho deixa em aberto algumas questões que surgiram ao longo da

investigação mas que, por não se enquadrarem nos objetivos do estudo, não foram

desenvolvidas. Elas vêm apresentadas a seguir:

(i) Quando à zona de causalidades:

a) Se a causalidade e a concessividade se estruturam a partir de noções mais básicas

do sistema cognitivo de dinâmica de forças, o mesmo pode ser verificado para a

condicionalidade?

b) É possível verificar a correspondência entre causalidade, condicionalidade e

concessividade em outros níveis de significação, talvez nos domínios da metáfora e da

metonímia, e não apenas o nível “lógico-semântico” da linguagem?

c) Qual a relação entre (a noção) ‘causalidade’ e a categoria de aspecto, visto que as

bases participiais são verificadas apenas em itens juntivos da zona semântica da

causalidade?

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(ii) Quanto à categoria concessiva:

a) Qual é a natureza conceptual do componente “persistência” e como esse

componente é incorporado à estrutura semântica da linguagem?

b) Por meio de que outras expressões linguísticas os componentes semânticos da

concessividade são instanciados em construções da língua?

(iii) Quanto à natureza morfossemântica dos itens juntivos complexos:

a) Quais seriam as categorias de uma classificação dos itens juntivos complexos

segundo a função semântica da base que levasse em conta os componentes categoriais da

concessividade e da condicionalidade? Essas categorias seriam as mesmas que aquelas

de tempo, modo, intensificação, causa/consequência?

b) A partir da função semântica das bases dos itens juntivos é possível prever a

função pragmática (ocorrência nos domínios conceptuais) e a direção de mudança

gramatical (gramaticalização/pragmaticalização2) dos itens juntivos complexos?

(iv) Outra questão, bem mais ampla que poderia conduzir a uma generalização

enriquecedora seria esta:

a) Quais são as evidências experimentais que “comprovariam” a realidade cognitiva

das categorias causais e concessivas a partir das evidências conceptuais apresentas

teoricamente nesta pesquisa?

Em última instância, verificou-se que os aspectos formais evidenciam a ligação

conceptual existente entre o pensamento causal e o pensamento concessivo. O viés pelo

qual se prevê o tratamento da ligação conceptual entre causalidade e concessividade é a

verificação da dinâmica de forças presente na interação dos eventos codificados nos

segmentos nuclear e adverbial.

                                                                                                               2 O termo aparece em Heine (2013).

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