os inventores do new deal - estado e sindicato nos eua dos anos 30

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Os inventores do New Deal . Estado e sindicato nos Estados Unidos dos anos 1930 Por Flávio Limoncic Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graudação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Grau de Doutor em História Social. Orientador: Professor Doutor Francisco Carlos Teixeira da Silva Rio de Janeiro Junho de 2003

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Os inventores do New Deal. Estado e sindicato nos Estados Unidos dos anos 1930

Por Flávio Limoncic

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graudação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Grau de Doutor em História Social. Orientador: Professor Doutor Francisco Carlos Teixeira da Silva

Rio de Janeiro Junho de 2003

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Os inventores do New Deal. Estado e sindicato nos Estados Unidos dos anos 1930

Por Flávio Limoncic

Orientador: Professor Doutor Francisco Carlos Teixeira da Silva

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graudação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Grau de Doutor em História Social.

Aprovada por:

_______________________________________________________ Presidente, Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da Silva (Orientador)

______________________________________________ Prof. Dra. Ângela de Castro Gomes (UFF) ______________________________________________ Prof. Dra. Barbara Weinstein (Universidade de Maryland) ______________________________________________ Prof. Dr. Lincoln Penna (UFRJ) _____________________________________________ Prof. Dra. Marieta de Moraes Ferreira (UFRJ)

Rio de Janeiro Junho de 2003

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LIMONCIC, Flávio,1964-

Os inventores do New Deal. Estado e sindicato nos Estados Unidos dos anos 1930/ Flávio Limoncic. – Rio de Janeiro: mimeo, 2003. (Tese de Doutorado) Inclui bibliografia 1. História – 2. Movimento Operário – 3. Estados Unidos – 4. Brasil – 5. New Deal – 6. Era Vargas – 7. Populismo – 8. Corporativismo – 9. Pluralismo

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Resumo O New Deal constitui o grande ausente do cenário internacional no qual a Era Vargas é usualmente contextualizada. O presente trabalho tem por objetivo contribuir para a superação de tal lacuna, evidenciando que nos anos 1930, nos quadros de crise da regulação concorrencial do capitalismo, gestaram-se e consolidaram-se, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, novas idéias de Estado interventor e regulador do mercado de trabalho. A rigor, desde o século XIX, o Estado americano realizou uma profunda intervenção sobre os esforços associativos autônomos dos trabalhadores americanos, fosse com o objetivo de desarticulá- los, mantendo a contratação individual do trabalho nos quadros da regulação concorrencial, fosse com o objetivo de estimulá-los, incentivando a contratação coletiva do trabalho – já durante o New Deal - nos quadros da gestação da regulação fordista keynesiana. Com tal análise, busca-se evidenciar que o Estado americano teve peso fundamental na configuração do movimento sindical americano, questionando portanto a visão que o percebe como mero reagente dos inputs proporcionados por grupos de interesses privados e autônomos. Conseqüentemente, questiona-se a validade explicativa do conceito de corporativismo, conforme proposto pela ciência política, para se pensar as relações entre o Estado brasileiro e o movimento sindical a partir da Era Vargas.

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Abstract If, in the XIXth century, the American state, through its courts, systematically disorganized American workers’ organizations in order to avoid collective bargaining, during the New Deal it changed its approach and stimulated workers organizations, and collective barganing, as a means to overcome the Great Depression. Therefore, American state had a fundamental role in shaping the American labor movement. The aim of this work is to analyze the role of the state in this process, particularly during the New Deal, in order to challenge the usual view that the American and the Brazilian experiences, in the 1930s, were in the opposite extremes of the pluralist and the corporatist models of relationship between the state and the labor movement.

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SUMÁRIO

Lista de siglas ............................................................................................................... 12 Glossário ........................................................................................................................ 14 Apresentação ................................................................................................................. 16 Capítulo 1: A ação desarticulatória do Estado sobre o movimento sindical americano: a contratação individual do trabalho

1.1. A nova história americana do trabalho .................................................... 26 1.2. O Estado americano no século XIX ........................................................ 41 1.3. O Poder Judiciário e a desarticulação do movimento operário ................ 50 1.4. O Movimento Progressista ....................................................................... 67 1.5. Herbert Croly, John Commons e a defesa

dos grupos de interesses ............................................................................. 78 Capítulo 2: Fordismo, contratação do trabalho e Grande Depressão 2.1. A Primeira Guerra e a questão operária .................................................... 87 2.2. O papel regulatório dos sindicatos ............................................................ 95 2.3. A indústria automotiva: o fordismo e a centralidade da relação salarial ...................................................................................... 104 2.4. A Grande Depressão .................................................................................. 123 Capítulo 3: A NIRA e a contratação do trabalho na indústria automotiva 3.1. Quem governa as vidas de 80 mil trabalhadores? ..................................... 131 3.2. O New Deal e o mundo do trabalho: uma breve discussão historiográfica ............................................................................. 136 3.3. O New Deal como pacto social .................................................................. 140 3.4. A primeira fase do New Deal: a NIRA ...................................................... 151 3.5. A NIRA e a indústria automotiva .............................................................. 161 Capítulo 4: O Estado organizando o movimento sindical: a NLRA e a contratação coletiva do trabalho na indústria automotiva 4.1. A NLRA ..................................................................................................... 178 4.1.1. A determinação da unidade de negociação

e a regra da maioria ................................................................................ 185 4.2. A NLRB e a disputa entre a AFL e o CIO ................................................ 192 4.3. A NLRB e a indústria automotiva ............................................................. 205 4.4. O esvaziamento político da NLRB ........................................................... 224 4.5. Uma ordem contratualista de relações de trabalho .................................... 233

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Capítulo 5: Os inventores do New Deal: Estado e sindicato nos Estados Unidos e no Brasil 5.1. Estados Unidos: o papel do Estado ........................................................... 241 5.2. Brasil: o papel da sociedade ...................................................................... 247

5.3. Uma agenda de trabalho: a Era Vargas e a construção de um novo modo de regulação do capitalismo brasileiro ........................ 258

Conclusão ......................................................................................................................... 264 Fontes ............................................................................................................................... 268

Bibliografia ...................................................................................................................... 278

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Agradecimentos

No momento em que o Estado brasileiro está sendo reinventado, é importante

afirmar a importância dos institutos públicos de ensino superior e de fomento à pesquisa

para a produção do conhecimento no Brasil. Portanto, agradeço à Capes tanto pela bolsa de

doutorado como pela bolsa PDEE que me permitiu um período de pesquisas e estudos em

arquivos e bibliotecas americanos e na Universidade de Maryland, College Park, e ao

Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS-IFCS-UFRJ).

No âmbito do PPGHIS, agradeço em particular ao meu orientador, Professor

Francisco Carlos Teixeira da Silva, exemplo de dedicação à formação de novos

historiadores, e aos professores Manuel Salgado Guimarães Filho, Manuela Souza Silva,

Carlos Fico, Marieta de Moraes Ferreira e Anita Prestes. Os três primeiros, por seus cursos

de historiografia e metodologia que enriqueceram minha forma de compreender a história,

as duas últimas por terem participado da banca de qualificação do projeto com importantes

críticas e sugestões.

O Departamento de História da Universidade de Maryland veio a ser uma segunda

casa acadêmica. O Professor Daryle Williams, além de ter sido meu orientador, tornou-se,

ao lado de seu companheiro, James Rolstrom, um amigo próximo, tanto em Washington

quanto no Rio de Janeiro. Com os Professores Gary Gerstle e David Sicilia, entrei em

contato com a produção historiográfica sobre o fabuloso mundo dos trabalhadores

industriais americanos sem a qual este trabalho não teria sido possível.

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Alguns professores de Maryland, se não tiveram relação direta com minha estada na

Universidade, acabaram por fazer parte de meu círculo de relações e gostaria de a eles

estender meus agradecimentos. O Professor Stephan Palmié e sua esposa, Doris, revelaram-

se vizinhos sempre dispostos a dividir as inúmeras aventuras gastronômicas que

Washington proporciona. Quando de suas visitas ao Rio, busquei retribuir- lhes à altura.

Leslie Rowland e Martha e Ira Berlin, também com passagens pelo Rio, estiveram sempre

por perto.

Os professores Robert Cottrol, da George Washington University, e Daniel Ernst, da

Georgetown University, foram extremamente gentis em me conceder seus tempos para

conversar sobre o movimento operário e o Estado norte-americanos. O Latin American and

Caribbean Studies (LACS) da Universidade de Michigan, em Ann Arbor, proporcionou-

me, por duas vezes, a oportunidade de discutir o presente trabalho com seus estudantes e

professores. Sueann Caulfield e Maria Elisabeth Martins, e Joshua Martins-Caufield,

amigos queridos em Michigan, no Rio de Janeiro e na Bahia, foram os meus anfitriões e

com os três compartilhei as perplexidades do 11 de setembro de 2001. Nas duas ocasiões

em que estive nos Encontros da Latin American Studies Association durante a escrita deste

trabalho, em 2000 em Miami e em 2001 em Washington, beneficiei-me da generosidade e

da argúcia da Professora Barbara Weinstein, que infelizmente só chegou à Universidade de

Maryland quando de lá eu já estava partindo.

Agradeço ainda aos bibliotecários e arquivistas das seguintes instituições: National

Archives and Records Administration, College Park, Maryland; McKeldin Library,

Universidade de Maryland, College Park; Franklin D. Roosevelt Library, Hyde Park, Nova

York; Biblioteca do Congresso, Washington, DC, e Walther Reuther Library, Detroit,

Michigan. No registro dos agradecimentos arquivístico-bibliotecários, uma ausência

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carioca: a Livraria Artes&Letras, asfixiada pelas cadeias de mega-stores e pela difusão das

compras de livros via internet. Na Artes & Letras havia livros, poltronas e um livreiro.

Em Washington, Jonathan Shurberg e Rebecca Lord e seus filhos Ethan e Eli nos

proporcionaram uma das verdadeiras experiências americanas: domingos de neve assistindo

futebol. Os dois, assim como Amy e Robert Masciola, nos revelaram ainda outra instituição

americana: o brunch dominical, sempre saudado por Jon, em meio a bacons e ovos

estrelados, com um providencial “God bless America”! Larry e Linda Noel, assim como

Harvey Cohen, com seu amor pela música brasileira, foram companhias constantes. Ainda

em Washington, Sussu e Martin Rosenblatt nos deram o carinho familiar - e a presença

brasileira - que tornou nossa estada muito mais feliz. Belle Greenberg (em memória) e

Yedda e Daniel Strasser nos proporcionaram o mesmo calor em Nova York e Hyde Park.

Emílio Koury e Brodwyn Fischer nos apresentaram ao coração da Nova Inglaterra,

experiência imprescindível para quem deseja compreender os Estados Unidos. Os amigos

brasileiros de sempre, como sempre, estiveram presentes, vários deles acrescidos de seus

filhos: Paulinha, Bárbara, Marina, Laurinha, André, Gabriela, Muriel... Nomeá- los todos

seria incorrer no risco de cometer omissões involuntárias. Os colegas e amigos do Instituto

de Humanidades da Universidade Cândido Mendes sempre deram-me incentivo e estímulo.

Minha família – particularmente meu pai, Moysés Limoncic, meus sogros, Piedade

e Túlio Grinberg, e meus tios Ruth Alaiz e Carlos Dorfman - deu-me apoio em vários

momentos. Meus sobrinhos Lucas e Maria Clara deram os toques necessários de alegria.

Durante a escrita desta tese, dois acontecimentos pessoais marcantes ocorreram. Em

fins de 2000, após anos de combate diário, minha mãe, Jenny Alaiz, faleceu. Em 2002, após

9 meses de ansiosa espera, Tatiana, minha filha, nasceu. Creio que ambos contribuíram

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para que eu compreendesse um pouco melhor a passagem do tempo e o que ela significa em

termos de perdas e ganhos.

Como, mais uma vez, Keila Grinberg deu sentido a tudo, e Tatiana deu um novo

sentido a tudo, esta tese é dedicada a ambas.

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LISTA DE SIGLAS AAA: Agricultural Adjustment Act AAISTW: Amalgamated Association of Iron, Steel, and Tin Workers ACWA: Amalgamated Clothing Workers of America AFL: American Federation of Labor ALB: Automobile Labor Board APL:American Protective League ARU: American Railway Union AWU : Automobile Workers Union BLE: Brotherhood of Locomotive Engineers BUW: Brotherhood of Utility Workers CCC: Civilian Conservation Corps CIO: Congress of Industrial Organizations CPUSA: Comunist Party of the United States of America CWA : Civil Works Administration CWAWIU: Carriage, Wagon and Automobile Workers’ International Union CWWIU: Carriage and Wagon Workers’ International Union DWC : Dingmen’s Welfare Club EAD: Employers’ Association of Detroit (EAD) FAP: Federal Arts Project FBA: Ford Brotherhood of America FERA: Federal Emergency Relief Administration FFLW: Federation of Flat Glass WorkersFLSA: Fair Labor Standards Act FLU: Federal Labor Union FMP: Federal Music Project FTP: Federal Theatre Project HUAC : Special House Committee for the Investigation of Un-American Activities IAM : International Association of Machinists IBBH: International Brotherhood of Blacksmiths and Helpers IBEW: International Brotherhood of Electrical Workers ICC: Interstate Commerce Commission ILA: International Longshoremen’s Association ILWU : International Longshoremen’s and Warehousemen’s Union IWW: Industrial Workers of the World MESA: Mechanics Educational Society of America MPIU: Metal Polishers International Union NAAPC: National Association for the Advancement of the People of Color NACC : National Automobile Chamber of Commerce NAM : National Association of Manufacturers NIRA: National Industrial Recovery Act: National Industrial Recovery Act NLB: National Labor Board NLRA: National Labor Relations Act NLRB: National Labor Relations Board NRA: National Recovery Administration NWLB : National War Labor Board

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OIT: Organização Internacional do Trabalho PMLD: Pattern Makers League of Detroit PMLNA: Pattern Makers League of North America SDE: Society of Designing Engineers SSA: Social Security Act TVA: Tennessee Valley Authority UAAVW: United Automobile, Aircraft and Vehicle Workers of America UAW: United Auto Workers UAWA: United Auto Workers of America UEW: United Electrical Workers UII: Upholsters’ International Union UMW: United Mine Workers USCC: United States Chamber of Commerce USCIR : United States Commission on Industrial Relations

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Glossário Common Law: sistema de leis desenvolvido por juízes e baseado na jurisprudência. Em tese, a common law nasce a partir dos usos e costumes e contrasta com os sistemas de leis civis da Europa e América Latina, baseados em códigos e derivados da tradição romana. A common law também contrasta com a lei baseada em estatutos legais (ou lei positiva), desenvolvida pelo Poder Legislativo. Closed shop: como fruto de um contrato coletivo de trabalho, pela cláusula de closed shop somente trabalhadores filiados ao sindicato contratante poderiam trabalhar na unidade de negociação coberta pelo dito contrato. Novas contratações deveriam ser feitas por intermédio do sindicato e só poderiam contemplar trabalhadores já a ele filiados. Open shop: conjunto de práticas adotadas por corporações com o objetivo de impedir os esforços associativos dos trabalhadores e manter ditas corporações livres da atuação do movimento sindical. Várias de tais práticas, que iam da repressão e da espionagem até políticas de bem-estar, passaram a ser consideradas unfair labor practices com a aprovação do National Labor Relations Act, de 1935. Sit-down strike : greve de ocupação, quando trabalhadores grevistas permanecem na planta industrial, impedindo assim a troca de turnos e a ação do fura-greve. Company union: sindicato controlado ou formado por uma empresa com o objetivo de impedir os esforços associativos autônomos dos trabalhadores da mesma. Unfair labor practice : conjunto de práticas patronais ilegais, de acordo com o National Labor Relations Act (NLRA), de 1935, com o objetivo de impedir os esforços associativos autônomos dos trabalhadores de uma planta ou empresa. Com o NLRA, o company union, por exemplo, passava a ser uma unfair labor practice. Labor injunction: uma injunction é uma ordem judicial que ordena que um indivíduo realize um ato ou o proíbe de fazê- lo. A labor injunction, portanto, é uma injunction aplicada a uma situação envolvendo algum conflito de trabalho. Union shop: como fruto de um contrato coletivo de trabalho, pela cláusula de union shop somente trabalhadores filiados ao sindicato contratante poderiam trabalhar na unidade de negociação coberta pelo dito contrato. No entanto, ao contrário da cláusula de closed shop, a empresa tinha liberdade de contratar novos trabalhadores, que não precisavam ser membros do sindicato contratante no momento da contratação, embora devessem a ele filiar-se após um período de experiência. Check-off: prática de se descontar a contribuição sindical no ato do pagamento dos salários como fruto de um contrato coletivo de trabalho. Wildcat strike : movimento grevista realizado por trabalhadores no ponto de produção sem a autorização da direção sindical.

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Tenho vivido com homens de letras, que têm escrito a história sem se envolverem com os assuntos, e com políticos, que sempre se preocupam com a produção dos acontecimentos mas nunca pensam em descrevê-los. Sempre notei que os primeiros vêem por toda a parte causas gerais, enquanto os segundos, vivendo na desordem dos fatos cotidianos, imaginam facilmente que tudo se deve aos acidentes particulares e que as pequenas forças que incessantemente recaem em suas mãos são as mesmas que movem o mundo. É de crer que uns e outros enganam-se. De minha parte, detesto os sistemas absolutos, que tornam todos os acontecimentos da história dependentes de grandes causas primeiras, ligadas entre si por um encadeamento fatal, e que eliminam, por assim dizer, os homens da história do gênero humano. Considero-os estreitos em sua pretendida grandeza e falsos em seu ar de verdade matemática. Creio - e que não se ofendam os escritores que têm inventado essas sublimes teorias para alimentar sua vaidade e facilitar seu trabalho - que muitos fatos históricos importantes só podem ser explicados por circunstâncias acidentais e que muitos outros são inexplicáveis; e enfim que o acaso - ou antes o entrelaçamento de causas secundárias, que assim chamamos por não sabermos desenredá-las - tem um grande papel em tudo o que vemos no teatro do mundo; mas creio firmemente que o acaso nada faz àquilo que, de antemão, já não esteja preparado. Os fatos anteriores, a natureza das instituições, a dinâmica dos espíritos e o estado dos costumes são os materiais com os quais o acaso compõe os improvisos que nos assombram e nos assustam.

Alexis de Tocqueville

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Apresentação Despeço-me esta noite com grande tristeza. Há algo, no entanto, que devo sempre lembrar. Duas pessoas inventaram o New Deal: o Presidente do Brasil e o Presidente dos Estados Unidos.1

Com tais palavras, Franklin Delano Roosevelt, para além de exercitar sua política de

boa vizinhança, buscava ser gentil com seu anfitrião brasileiro, o presidente Getúlio Vargas.

Afinal, a delicadeza no trato - ao lado de um transbordante bom humor e de uma sede

insaciável por fofocas de alcova - era uma das marcas de sua personalidade. 2 É mesmo

possível que, fosse tal discurso pronunciado após o 10 de novembro de 1937, Roosevelt

pensasse duas vezes antes de associar tão estreitamente sua administração à de seu colega

brasileiro, ainda que em 1936 o Brasil já não vivesse propriamente em um ambiente de

liberdades democráticas e que, mesmo depois do advento do Estado Novo, os Estados

Unidos tenham mantido relações amistosas com o regime brasileiro. Sumner Welles, sub -

secretário de Estado entre 1937 e 1943 e um dos artífices da política de boa-vizinhança,

chegaria mesmo a defender Vargas das acusações de filo- fascismo e filo-nazismo,

1 ROOSEVELT, Franklin D. Remarks made by the President, in reply to the address of the President of Brazil, at the banquet given in his honor at the Brazilian Foreign Office. Rio de Janeiro, 27 de novembro de 1936. Franklin D. Roosevelt Library. Speech Files, Box 30, File 1021-A. 2 Cf. TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor. A americanização do Brasil na época da Segunda Guerra . São Paulo: Cia. das Letras, 2000. A hora dos coquetéis na Casa Branca era uma das favoritas de Roosevelt. Ele mesmo preparava e servia as bebidas e contava histórias picantes. Em 10 de maio de 1940, ele fez um discurso no Pan American Scientific Congress, em que afirmou: “Exatamente hoje (...), mais três nações independentes foram cruelmente invadidas pela força das armas. Sou um pacifista, mas acredito que, por esmagadora maioria, vocês e eu, a longo prazo se necessário, agiremos juntos para proteger e defender com todos os meios disponíveis nossa ciência, nossa cultura, nossa liberdade americana e nossa civilização”. De volta à Casa Branca, um preocupado Winston Churchill, que naquele mesmo dia havia se tornado Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, aguardava-o ao telefone. Após a conversa, FDR foi ao encontro da atriz Helen Douglas, então hóspede da Casa Branca, a quem havia pedido que o aguardasse. A atriz passara o dia ansiosa, perguntando-se o que o Presidente poderia querer com ela num momento de incertezas como aquele. Sua dúvida foi finalmente satisfeita tarde da noite: “OK Helen, quero que você me conte exatamente o que aconteceu debaixo da mesa, no Ciro’s, entre Paulette Goddard e Anatole Litvak”. Cf. GOODWIN, Doris Kearns. Tempos muito estranhos. Franklin e Eleanor Roosevelt: o front da Casa Branca na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001, p. 36.

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afirmando que, pelo contrário, o regime varguista havia proporcionado grandes benefícios

ao povo brasileiro, advindo daí sua popularidade.3 No entanto, para além de suas boas

maneiras e de considerações de política externa, Roosevelt ressaltava também o fato de

que, nos anos 1930, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, gestaram-se e

consolidaram-se novas idéias de Estado e economia, marcadas pela percepção da crise das

práticas e da visão de mundo do laissez-faire.

As palavras do presidente americano, no entanto, parecem ter caído no

esquecimento e o New Deal constitui o grande ausente do cenário internacional no qual a

Era Vargas é contextualizada pela literatura especializada. Tal fato talvez possa ser

atribuído à visão de que as rupturas operadas com o laissez-faire nos dois países tenham se

dado em contextos distintos, dados os graus diferenciados de generalização das relações de

assalariamento e de diferenciação de suas economias, assim como de desenvolvimento de

seus parques industriais. Neste sentido, o Estado Novo teria buscado superar os estreitos

limites de uma economia agro-exportadora através do incentivo à industrialização, ao passo

que o New Deal teria lidado, pelo contrário, com os desequilíbrios macro-econômicos de

uma economia urbano- industrial oligopolizada, que muitos viam como irremediavelmente

condenada à estagnação.4

Por outro lado, e talvez sobretudo, a ausência do New Deal nas reflexões sobre a

Era Vargas também pode ser atribuída à visão de que esta teria sido caracterizada pelo

autoritarismo estatal e pelo seu corolário institucional corporativo, pela visão organicista e

hierárquica da organização social, guardando portanto pouca identidade com a experiência

3 Cf. WELLES, Benjamin Sumner. The time for decision. Nova York e Londres: Harper & Brother Publishers, 1944, p. 223. 4 Cf. ABREU, Marcelo de Paiva. “Crise, crescimento e modernização autoritária: 1930-1945”. In ABREU, Marcelo de Paiva (org). A ordem do progresso. Cem anos de política econômica republicana, 1889-1989 . Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 73-104; COLLINS, Robert. More. The politics of economic growth in postwar

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liberal-democrática norte-americana, caracterizada pelos padrões pluralistas de

representação dos in teresses, pelo contratualismo privado e pelo individualismo possessivo

como matriz de organização da sociedade.5 Neste sentido, e ao contrário do que indicaria

Sumner Welles, em recente volume que se propõe a repensar o Estado Novo em particular,

a experiência varguista é contextualizada no quadro internacional dos fascismos europeus,

das doutrinas corporativistas, como a de Mihail Manoïlescu, e de outras experiências

autoritárias das primeiras décadas do século XX, como o regime modernizador da Turquia

de Kemal Ataturk.6

Tal visão é sem dúvida marcada pelo fato de os próprios Estados Unidos do pós-

Segunda Guerra se percebessem como uma sociedade na qual o sistema político, dissociado

do reino dos interesses privados, apenas responderia às pressões de grupos de interesses

autônoma e privadamente organizados, com suas agendas desvinculadas do poder da

coerção estatal. Em contrapartida, a ciência política produzida a partir dos dos anos 1970,

também de origem norte-americana e que seria largamente incorporada à ciência política

produzida no Brasil, percebia, na experiência histórica brasileira, a marca do Estado como

definidor do bem comum que, organizaria, publicizando-o, o reino dos interesses privados.

Portanto, no Brasil, um Estado antecipatório e autoritário surgiria como o protagonista da

America. Nova York: Oxford University Press, 2000, p. 4 e seguintes. 5 Cf. CARDOSO, Adalberto Moreira. Sindicatos, trabalhadores e a coqueluche neoliberal. A Era Vargas acabou? Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999; ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. “A Revolução de 30 e a questão sindical”. In A Revolução de 30: Seminário Internacional . Brasília: Editora da UnB, 1983; RODRIGUES, Leôncio Martins. “Sindicalismo e classe operária”. In FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1986, vol. 10, p. 507-555; DINIZ, Eli. Crise, reforma do Estado e governabilidade. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997; ERICKSON, Kenneth. The Brazilian corporative state and working-class politics. Californ ia University Press, 1977; STEPAN, Alfred. Estado, corporativismo e autoritarismo . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980; VIANNA, Luís Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976; LOTHIAN, Tamara. “The political consequences of labor law regimes: the contratualist and corporatist models compared”. In Cardozo Law Review , Vol. 7, No. 4 (verão de 1986), p. 1002-1073.

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dinâmica social, ao passo que, nos Estados Unidos, grupos de interesses privados

assumiriam tal protagonismo, cabando a um Estado social e politicamente neutro apenas

responder aos inputs de tais grupos. Pelas palavras de Roosevelt, no entanto, é lícito supor-

se que tal visão dicotômica entre as experiências americana e brasileira não dão conta da

complexidade das dinâmicas sociais dos dois países nos anos 1930.7

Partindo da sugestão contida nas palavras do presidente norte-americano, o

presente trabalho tem por objetivo contribuir para o aprofundamento da compreensão da

Era Vargas, particularmente no que se refere à articulação entre o Estado e o movimento

sindical, a partir da análise da articulação entre o movimento sindical e o Estado

americanos durante o New Deal. Tal operação é, de certa forma, inspirada em Richard

Morse que, ao analisar o que chamava de Ibero-América, propunha-se a apresentar ao

público anglo-americano uma série de reflexões que o possibilitasse uma melhor

compreensão de sua própria formação cultural.8 No entanto, ao contrário de Morse, que

percebia tradições profundamente diferenciadas nas heranças culturais anglo e ibero-

americanas, o presente estudo parte do pressuposto de que o New Deal não constituiu uma

experiência histórica antitética ao varguismo no que diz respeito às relações entre o Estado

e o movimento sindical.

6 Cf. PANDOLFI, Dulce. Apresentação. In PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo . Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999, p. 10; FAUSTO, Boris. “O Estado Novo no contexto internacional”. In PANDOLFI, Dulce (org.). Idem, p. 17-20. 7 Cf. OFFE, Claus. “A atribuição de status público aos grupos de interesse”. In OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994, p. 225 e 235; KLARE, Karl. “Judicial deradicalization of the Wagner Act and the origins of modern legal consciousness, 1937-1941”. In Minnesota Law Review, Vol. 62, No. 3 (Março de 1979), p. 310; SCHMITTER, Phillipe. “Still the century of corporatism?”. In PIKE, Frederick e STITCH, Thomas (orgs.). The new corporatism. Social-political structures in the Iberian world. Londres, Notre Dame: University of North D. Press, 1974, p. 93-96; DINIZ, Eli & BOSCHI, Renato. “O corporativismo na construção do espaço público”. In BOSCHI, Renato (org.). Corporativismo e desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: Iuperj/Rio Fundo Editora, 1991, p. 18. 8 Cf. MORSE, Richard. O espelho de Próspero. Cultura e idéias nas Américas. São Paulo: Cia. das Letras, 1988.

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Tal proposta não significa dizer que os sistemas brasileiro e norte-americano de

relações de trabalho então montados possuíam identidades profundas entre si. Pelo

contrário, o contrato coletivo de trabalho, nos Estados Unidos, e o dissídio coletivo, no

Brasil, representam tradições distintas de fazer face ao conflito distributivo. Ainda assim, o

pressuposto aqui assumido baseia-se na percepção, de resto óbvia, de que os sistemas de

regulação do trabalho e de representação dos interesses devem ser pensados como resultado

de lutas sociais e políticas, portanto como construções históricas.

Roosevelt, um homem a quem certamente não faltava visão histórica, percebia que,

tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos dos anos 1930, apesar das distintas tradições

políticas dos dois países, a intervenção do Estado na organização dos interesses dos

trabalhadores teve importância fundamental, a partir de meados dos anos 1930, no desenho

das instituições destes. Em jogo, durante o New Deal, estava mais do que a estruturação,

pela via do Estado, de organizações de trabalhadores para que estas reunissem recursos

políticos no sentido de defender seus interesses privados através de contratos coletivos de

trabalho, mas a construção do que o Estado americano entendia ser o bem público,

fundamentalmente, a paz industrial, expressa em relações harmônicas entre capital e

trabalho, e a retomada do crescimento econômico. Conseqüentemente, durante o New Deal,

a organização do movimento sindical se fez a partir de uma lógica estatal que não estava

preocupada apenas em responder às demandas dos grupos de interesses dos trabalhadores,

como quer a tradição pluralista, mas com os resultados últimos de tais demandas. Roosevelt

percebia, também, que, embora as condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores

americanos permanecessem largamente baseadas na contratação privada, a intervenção

estatal sobre as relações entre patrões e empregados significou, em maior ou menor grau, a

normatização do conflito distributivo, não mais percebido como sendo passível de assumir

Page 21: Os Inventores Do New Deal - Estado e Sindicato Nos Eua Dos Anos 30

21

uma dinâmica livre de constrangimentos legais. Em ambos os países, aparelhos estatais, e

não mais apenas o mercado, passavam a ser os loci nos quais o conflito se expressava e era

administrado.9 Por outras palavras, o New Deal assumiu um protagonismo para o Estado

americano na configuração dos interesses dos trabalhadores que, em boa medida, torna

compreensível a colocação do presidente americano ao seu colega brasileiro.

O instrumento fundamental da intervenção estatal no mundo dos trabalhadores

americanos, durante o New Deal, foi a National Labor Relations Board (NLRB), agência

administrativa federal criada por força do National Labor Relations Act (NLRA), de 1935.

A ação da NLRB constitui, justamente, o foco principal deste trabalho, que parte do

pressuposto de que a ação do Estado americano sobre as relações entre trabalhadores e

patrões foi central na passagem da contratação individual do trabalho para a contratação

coletiva, nos marcos da construção de um novo modo de regulação do capitalismo

americano.

Como o capítulo 1 procurará evidenciar, ao longo do século XIX e primeiras

décadas do século XX, o Estado americano, particularmente o Poder Judiciário, teve papel

de grande importância na desarticulação dos esforços associativos autônomos dos

trabalhadores e, por conseqüência, na manutenção de relações de trabalho e remuneração

individualmente contratadas. A ação do Poder Judiciário, no entanto, se dava em um quadro

de crescente insatisfação operária que levaria a grandes explosões de violência e à

emergência do Movimento Progressista, em princípios do século XX. Dois dos principais

intelectuais do Movimento, Herbert Croly e John Commons, faziam uma dura crítica à

economia política neoclássica e à visão de que a sociedade era formada por indivíduos,

9cf. GROSS, James. The making of the National Labor Relations Board. A study in economics, politics and the law . Albany: State University of New York Press, 1974, p. 2.

Page 22: Os Inventores Do New Deal - Estado e Sindicato Nos Eua Dos Anos 30

22

propondo ao contrário a visão de que ela era formada por grupos de interesses. Para ambos,

portanto, a contratação coletiva do trabalho surgia como elemento de pactuação de uma

sociedade formada por grupos, e não por indivíduos, e como essencial para a superação do

quadro de quebra da harmonia social então vivido. A diferi-los, o papel que o Estado

deveria assumir em suas relações com o movimento sindical: Commons percebia os

sindicatos como agentes dos interesses privados de seus membros, cabendo ao Estado

apenas o papel de assegurar o cumprimento dos contratos coletivos livremente acordados

entre patrões e empregados, ao passo que, para Croly, os sindicatos encerravam uma

dimensão do interesse comum, cabendo ao Estado um papel muito mais decisivo na

regulação das organizações de trabalhadores.

Se o Capítulo 1 mostra que na virada do século XIX para o XX a contratação

coletiva do trabalho era crescentemente colocada por reformadores sociais como um

elemento indispensável para a reconstrução da harmonia social da América, o Capítulo 2

mostra que, entre as primeiras décadas do século XX e o advento do New Deal, ela

permaneceu como um objetivo não realizado pelo movimento sindical e pelos reformadores

sociais, com um agravante: o advento do fordismo e da produção em massa. De fato, a

economia americana sofreria mudanças profundas nas primeiras décadas do século, quando

as indústrias de produtos de consumo durável, como automóveis, foram tornando-se cada

vez mais importantes. Tais indústrias vinham colocar o salário dos trabalhadores como

elemento central para a reprodução do sistema e no entanto, cada vez mais, a contratação

individual do trabalho fragilizava os salários operários, tornando-os incapazes de formar

demanda para automóveis, geladeiras, aspiradores de pó e outros itens de consumo então

criados. Tal visão, largamente baseada na teoria da regulação, evidencia que a crise de 1929

foi, essencialmente, uma crise de regulação, ocasião em que urgia construir novos

Page 23: Os Inventores Do New Deal - Estado e Sindicato Nos Eua Dos Anos 30

23

mecanismos institucionais que possibilitassem a contratação coletiva do trabalho, nos

quadros de construção de um novo modo de regulação do capitalismo americano.

A construção deste novo modo de regulação não se deu, evidentemente, sem

conflitos, como evidencia o Capítulo 3. O que se pode considerar a primeira fase do New

Deal, a experiência da National Industrial Recovery Act (NIRA), foi marcada pelas

tentativas de construção de um novo ambiente institucional que regeria a concorrência

entre as empresas americanas, retirando os salários dos trabalhadores das estratégias

competitivas destas, de modo a permitir ganhos salariais reais e o aumento do consumo

operário. No entanto, como evidenciaria a análise da atuação da NIRA no âmbito da

indústria automotiva, que então já se constituía como a mais importante indústria

americana, a NIRA revelou-se incapaz de harmonizar os interesses em cena, acabando por

ter sido declarada inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados Unidos.

A aprovação da NLRA, em 1935, levaria o New Deal ao seu segundo momento.

Com a NLRA, objeto do Capítulo 4, a normatividade da lei positiva passou a reger as

relações entre capital e trabalho, em lugar da common-law e da violência aberta, na

passagem da contratação individual do trabalho para a coletiva. A NLRA, no entanto,

encerrava conflitivamente elementos do pluralismo industrial, largamente herdados das

idéias de John Commons, e do realismo legal, que reunia elementos que podem ser

encontrados em Herbert Croly, duas correntes de pensamento de qual deveria ser a

participação do Estado na conformação do movimento sindical. Assim, ao mesmo tempo

em que afirmava o contratualismo privado como elemento fundamental das relações de

trabalho nos Estados Unidos, a NLRA atribuía à NLRB o poder, por exemplo, de

determinar a unidade de negociação em que o contrato coletivo seria estabelecido. Tal

poder teria um forte impacto sobre um movimento sindical que, naquele exato momento,

Page 24: Os Inventores Do New Deal - Estado e Sindicato Nos Eua Dos Anos 30

24

cindia-se entre a American Federation of Labor (AFL) e o Congress of Industrial

Organizations (CIO). A AFL defendia unidades de negociação baseadas em ofícios ou

profissões, ao passo que o CIO defendia unidades baseadas em setores industriais inteiros.

Cedo, portanto, a NLRB ver-se- ía diante de uma intensa disputa entre os dois segmentos do

movimento sindical, e sendo acusada, particularmente pela AFL, de redesenhar o mesmo

em favor do CIO. Ainda assim, foi graças à NLRA e à NLRB que os contratos coletivos de

trabalho tornaram-se regra no coração industrial dos Estados Unidos, levando assim à

formação de uma classe trabalhadora apta a tornar-se consumidora. Com o New Deal,

portanto, iniciou-se a tensa construção do pacto entre Estado, trabalho organizado e capital,

ou regulação fordista keynesiana do capitalismo que, no pós-guerra, fundamentaria o

peculiar Estado de Bem-Estar americano e o longo período de prosperidade que se

estenderia até fins dos anos 1960.

A regulação fordista keynesiana baseava-se em um pacto segundo o qual o Estado

assumia papéis keynesianos, de forma a tornar-se um demandador da indústria privada e

um fornecedor de salários indiretos, com o objetivo de universalizar o consumo; o capital

repassava ganhos de produtividade do trabalho aos salários (relação salarial fordista),

buscando assim assegurar a estabilidade do sistema e, por fim, os sindicatos aceitavam a

ordem capitalista, em troca de sua incorporação ao mundo do consumo 10. Como diria Karl

Polanyi, se no século XIX as sociedades européias buscaram defender-se do mercado,

através da legislação social então criada, após o advento do fordismo o próprio capitalismo

10 cf. HARVEY, David. Condição pós-moderna . São Paulo: Edições Loyola, 1994, p. 125.

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buscou defender-se do mercado, politizando-o através de um pacto, ainda que não

institucionalizado nos moldes da social-democracia européia.11

O Capítulo 5, por fim, buscará pensar a realidade institucional brasileira à luz das

reflexões feitas ao longo dos quatro capítulos anteriores. A partir de uma literatura já

produzida no Brasil, o capítulo buscará evidenciar que, se nos Estados Unidos o Estado

teve uma atuação fundamental na configuração do movimento sindical que o conceito de

pluralismo não consegue alcançar, no Brasil o próprio movimento sindical, ou segmentos

deste, teve um protagonismo nos anos 1930, expresso na idéia de pacto trabalhista

conforme proposto por Ângela de Castro Gomes, que tampouco o conceito de

corporativismo consegue incorporar.12

11 cf. POLANYI, Karl. A grande transformação. Rio de Janeiro: Campus, 1980. Gosta Esping-Andersen apresenta as diferenças entre o Estado de Bem-Estar norte-americano, que classifica como liberal, e Gary Gerstle e Steven Fraser propõem que se conceitue o keynesianismo americano como comercial, mais orientado a políticas fiscais. Cf. ESPING-ANDERSEN, Gosta. "As três economias políticas do welfare state" in Lua Nova-Revista de Cultura e Política, no. 24. São Paulo: Marco Zero/Cedec, setembro de 1991, p. 85-116; GERSTLE, Gary e FRASER, Steven. “Introduction”. In GERSTLE, Gary e FRASER, Steven (orgs.). The rise and fall of the New Deal order, 1930-1980. Princeton: Princeton University Press, 1989, p. XIV. 12 Cf. GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo . Rio de Janeiro: Iuperj/Vértice, 1988.

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Capítulo 1: A ação desarticulatória do Estado sobre o movimento sindical americano: a contratação individual do trabalho

1.1. A nova história americana do trabalho

Quando, no ano de 1953, o historiador Daniel J. Boorstin foi convidado a prestar

depoimento diante do Comitê de Investigação de Atividades Anti-Americanas da Câmara

dos Deputados dos Estados Unidos (HUAC), revelou-se uma testemunha bastante

cooperativa: concordou com seus interrogadores a respeito da necessidade de se impedir

que professores comunistas ensinassem nas universidades, descreveu atividades realizadas

em sua curta militância no Partido Comunista Americano (CPUSA), entre 1938 e 1939, e,

perguntado a respeito de como, pessoalmente, expressava sua oposição ao comunismo,

respondeu:

Em primeiro lugar, através da participação nos serviços relig iosos da Fundação Hillel da Universidade de Chicago, pois penso que a religião é um bastião contra o Comunismo. A segunda forma tem sido uma tentativa de descobrir e explicar aos meus alunos, através de aulas e livros, as virtudes únicas da democracia americana. Fiz isso em parte em meu livro sobre Jefferson, duramente atacado pelo Daily Worker como uma defesa das classes dominantes americanas, e em um livro a sair chamado The genius of American politics.13 Criado em 1938 com o objetivo de investigar atividades comunistas e fascistas nos

Estados Unidos, o HUAC acabaria, em função da articulação política de republicanos e

democratas sulistas, visando sobretudo a investigar, e se possível impedir, a implementação

de várias iniciativas legais e administrativas do New Deal. 14 Suas atividades foram

13 BOORSTIN, Daniel. Apud NOVICK, Peter. That noble dream. The “objectivity question” and the American historical profession . Cambridge: Cambridge University Press, 1993, p. 328. 14 A bancada democrata dos estados do Sul no Legislativo da União empreendeu o que se convencionou chamar de veto sulista às políticas de Franklin D. Roosevelt. Tal bancada, indentificada com a manutenção do sistema Jim Crow de segregação racial, controlou o Partido Democrata entre 1896 e o início do New Deal. Neste período, enquanto os democratas das demais regiões do país obtiveram em média 40% dos votos

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parcialmente suspensas durante a Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos e a

União Soviética tornaram-se aliados na luta contra o nazi-fascismo, para ser retomadas de

forma mais sistemática e politicamente consistente com o início da Guerra Fria. A partir de

meados dos anos 1940, o impacto das investigações do HUAC sobre o meio universitário

americano não foi desprezível. Inúmeros professores foram demitidos e outros tiveram suas

carreiras obstaculizadas por suas ligações, reais ou supostas, com o CPUSA. 15

O depoimento de Boorstin, no entanto, não se pautava por simples cautela ou mero

oportunismo, mas orientava-se de acordo com a própria perspectiva que então tornava-se

hegemônica nas universidades dos Estados Unidos: uma defesa do que se entendia serem os

valores americanos em contraposição ao chamado totalitarismo soviético.16 No caso de

Boorstin, a adesão a tal perspectiva é ressaltada pelo fato de que ele próprio, como judeu,

era um recém-chegado ao mundo destes valores. Com tal defesa, o historiador buscava

explicitar o que julgava ser uma das principais virtudes americanas, o pluralismo cultural,

populares em eleições presidenciais e legislativas, o voto democrata popular no Sul nunca foi inferior a 86%. Mesmo durante o governo Roosevelt, o Sul nunca controlou menos do que 40% da bancada democrata e quando, em 1948, o Partido Democrata, pela primeira vez, comprometeu-se com a luta pelos direitos civis dos negros, 35 democratas sulistas fundaram um novo partido, o Partido dos Direitos dos Estados, que ficaria conhecido como Dixiecrat. Comprometido com a manutenção da segregação racial, os dixiecrats venceram as primárias de 1948 em quatro estados: Alabama, Louisiana, Mississippi e Carolina do Sul. Cf. KATZNELSON, Ira; GEIGER, Kim; KRYDER, Daniel. “Limiting liberalism: the southern veto in Congress, 1933-1950”. In Political Science Quarterly, Vol. 108, No. 2 (Verão de 1993), p. 284; FONER, Eric e GARRATY, John (orgs.). The reader’s companion to American history . Boston: Houghton Mifflin Company, 1991, p. 289 -290; GILMORE, Glenda Elizabeth. Gender and Jim Crow. Women and the politics of white supremacy in North Carolina, 1896 -1920 . Chapel Hill e Londres: The University of North Carolina Press, 1996. 15 Para uma descrição das atividades do HUAC desde suas origens até a Guerra Fria, Cf. BELFRAGE, Cedric. The American Inquisition, 1945-1960. A profile of the “McCarhty Era”. Nova York: Thunder’s Mouth Press, 1989. 16 Após o 11 de setembro de 2001, a Universidade americana tem sido novamente palco de polêmica acerca de seu papel na sociedade dos Estados Unidos. Um grupo conservador denominado American Council of Trustee and Alumni, que reúne representantes de 400 universidades, elaborou um documento intitulado “Defendendo a civilização: como nossas universidades estão reprovando a América e o que pode ser feito a respeito disto”. Em tal documento, os acadêmicos que expressam críticas à política externa americana são condenados como anti-patriotas e, como antídoto, sugere-se que faculdades e universidades transmitam aos alunos, e ao público em geral, uma visão positiva da história e da herança americanas. Cf. O Globo. Domingo, 09 de dezembro de 2001.

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social e político do país, sua capacidade de incorporar democraticamente o Outro em um

ambiente destituído de conflitos irreconciliáveis.17

Tal visão era certamente indissociável da velha tradição da percepção da

experiência histórica americana como excepcional. Como deixou claro em seu depoimento,

Boorstin não estava preocupado apenas em ressaltar as virtudes da democ racia americana,

mas também em qualificá-las como únicas. Ainda no século XIX, Alexis de Tocqueville

chamava atenção, em seu clássico A democracia na América, para o caráter diferenciado da

sociedade americana face às européias, particularmente para o que chamava de visão da

igualdade de condições.18 No início do século XX, Frederick Jackson Turner e Theodore

Roosevelt deram contribuições centrais à idéia do excepcionalismo americano em seus

escritos sobre a fronteira, o primeiro enfatizando o papel democratizante destas, o segundo,

seu papel na construção do caráter viril, individualista e conquistador do homem

americano.19 A idéia de fronteira acabou por representar a abertura da economia e da

sociedade americanas, a capacidade única de expansão destas, livres das peias do

17 A inserção de acadêmicos judeus no sistema universitário americano do pós-Segunda Guerra não ocorreu de forma tão tranqüila como Boorstin faz supor. Pelo contrário, ela se deu em meio a uma intensa pressão de organizações judaicas que combatiam as práticas discriminatórias de admissão das grandes universidades contra minorias étnicas e religiosas. Por outro lado, neste momento, as universidades começaram a competir por fundos públicos federais para manterem-se competitivas nas áreas científicas e médicas e, neste sentido, não poderiam ignorar as diretrizes federais contra tais práticas. Cf. GINSBERG, Benjamin. The fatal embrace. Jews and the state. The politics of anti-semitism in the United States . Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 1998, p. 97 e seguintes. 18 Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Belo Horizonte e São Paulo: Editora Itatiaia e Editora da USP, 1977. Em Tocqueville, o americanismo surge como algo ambíguo, ou seja, como intrínseco à experiência dos Estados Unidos e como compartilhado com outras experiências nacionais, como o desencanto com a atividade pública ocasionado pela privatização da vida. Cf. VIANNA, Luiz Werneck. A revolução passiva. Iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro: Iuperj/Editora Revan, 1997, p. 90 e seguintes. Por outro lado, e a partir de uma outra perspectiva, Gramsci também ressaltou a excpecionalidade da experiência histórica norte-americana. Cf. GRAMSCI, Antônio. “Americanismo e Fordismo”. In GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 241 e seguintes 19 Cf. SLOTKIN, Richard. Gunfighter nation. The myth of the frontier in the twentiegh-century America. Nova York: Harper Perennial, 1993, p. 29 e seguintes e 63 e seguintes; OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Americanos. Representações da identidade nacional no Brasil e nos Estados Unidos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p. 127 e seguintes.

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feudalismo, da concentração fundiária e de classes sociais parasitárias e rentistas, ensejando

portanto o desenvolvimento da economia de mercado em um ambiente marcado pelos

ideais democráticos e individualistas.

Conseqüentemente, segundo a tradição do excepcionalismo, a classe trabalhadora

americana seria também fruto de uma experiência histórica única, em que as oportunidades

de ascensão social individual, as clivagens étnicas e a extensão relativamente prematura do

direito de voto teriam minado, ou tornado mesmo sem sentido, ações coletivas com vistas à

conquista de melhores condições de vida para os trabalhadores.20 Mesmo aqueles

historiadores e reformadores sociais que, no início do século XX, defendiam a organização

autônoma dos trabalhadores com vistas à contratação coletiva do trabalho, afirmavam ser

os Estados Unidos, ao contrário da inerentemente conflituosa Europa, um país livre da luta

de classes.

Para o economista John Commons, fundador da história do trabalho nos Estados

Unidos, “... nós temos um movimento espiritual [o sindical] que não atacou a família, a

religião e a propriedade, como Karl Marx havia feito, mas organizou-se para conquistar

uma parcela maior dos lucros através da negociação, do acordo, das greves”. 21 Segundo

Commons, os trabalhadores americanos, ao contrário dos europeus, teriam formado suas

primeiras organizações ainda no mundo dos pequenos artesãos, portanto antes do advento

do sistema fabril, e não com vistas a combater a exploração capitalista, como na versão

marxista, mas para manter e proteger suas posições no mercado de trabalho. Por tal razão, a

organização de trabalhadores tipicamente americana seria a American Federation of Labor

(AFL), formada por sindicatos profissionais e cujo objetivo fundamental seria o de regular

20 Cf. FORBATH, William. Law and the shaping of the American labor movement. Cambridge e Londres: Harvard University Press, 1991;Capítulo 1.

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os mercados de trabalho de seus filiados. Ademais, tanto para Commons como para a

própria AFL, ao menos a partir dos primeiros anos do século XX, os conflitos entre patrões

e empregados, embora existentes, não seriam relativos aos fins últimos da sociedade, mas

apenas a salários, jornadas de trabalho e segurança no emprego, objetivos a serem atingidos

pela regulação dos mercados através de contratos coletivos de trabalho. Tal visão estava

intrinsecamente articulada a um dos elementos centrais da idéia excepcionalista, qual seja, a

percepção de que o progresso do país seria expresso pela ampliação, multiplicação e

elaboração das instituições fundadoras da República, e não em um processo histórico de

mudanças qualitativas.22

Boorstin e a his toriografia do Pós-Guerra não iriam, portanto, fundar uma tradição

intelectual propriamente nova nos Estados Unidos. No entanto, no pós-Segunda Guerra, a

idéia do excepcionalismo americano teria grande importância política, por estar na base da

chamada historiografia do consenso, segundo a qual a história americana teria sido marcada

por um consenso fundamental ao longo de toda a sua trajetória.23 Tal historiografia

buscava legitimar, acadêmica e intelectualmente, o projeto societário americano tal qual

configurado nos anos 1950, baseado no tripé democracia liberal-economia de mercado-

consumo de massas, como se a sociedade americana do pós-Segunda Guerra houvesse

finalmente realizado a promessa das instituições fundadoras da República. O consenso do

pós-Guerra cumpria assim um poderoso papel unificador em uma sociedade que, apenas

alguns anos antes, encontrava -se dilacerada pela Grande Depressão e por agudos conflitos

21 COMMONS, John. Industrial goodwill . Nova York: McGraw-Hill, 1919, p. 194-195. 22 Cf. TOMLINS, Christopher. The state and the unions. Labor relations, law, and the organized labor movement in America, 1880-1960. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, Capítulo 1; ROSS, Dorothy. The origins of American social science . Cambridge: Cambridge University Press, 1991, Cap. 2. 23 Cf. BENDER, Thomas. “Politics, intellect, and the American university, 1945-1995”. In BENDER, Thomas e SCHORSKE, Carl (orgs). American academic culture in transformation. Princeton: Princeton University Press, 1997, p. 32.

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raciais e de classe. Claro está, portanto, que a historiografia do consenso relegou a se gundo

plano campos inteiros da investigação histórica que, por sua própria natureza,

potencialmente evidenciavam tais conflitos, como os estudos sobre o movimento sindical.24

Em sua comunicação ao 14º Encontro Anual da Associação de Pesquisa em Relações

Industriais, em 1961, George Brooks, da Universidade de Cornell, chegou a afirmar que,

devido ao amplo consenso social atingido em torno do sistema pluralista das relações de

trabalho no pós-guerra, a relevância do estudo da história do trabalho tornava-se

insignificante ou mesmo inexistente.25

A década de 1960, no entanto, marcaria o momento em que a idéia de um grande

consenso americano começaria a revelar suas fraturas. A visão de uma América sem

conflitos deu lugar a um quadro em que um presidente, John Kennedy, o principal líder

negro, Martin Luther King, Jr., e um candidato à presidência da República, Robert

Kennedy, foram assassinados; 26 em que a luta dos negros pelos direitos civis, em que pese

seu sucesso do ponto de vista legislativo, degenerou em sangrentos conflitos raciais; em

que as tentativas de incorporar maiores parcelas da sociedade ao American way of life,

materializadas na Grande Sociedade de Lyndon Johnson, naufragaram nestes mesmos

conflitos raciais e na reação republicana conservadora;27 em que as mulheres passaram a

questionar tanto o lugar doméstico como o papel sexual que lhes fora reservado no pós-

24 Cf. ZIEGER, Robert. “Labor and the state in modern America: the archival trial”. In The Journal of American History , Vol. 75, n. 1 (Junho de 1988), p. 185; MAY, Lary. The big tomorrow. Hollywood and the politics of the American way. Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 2000, p. 139-269. 25 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. xii. 26 Martin Luther King, Jr. foi assassinado em um momento em que seu discurso e sua ação politica voltavam-se crescentemente para uma crítica ao sistema social e econômico americano, baseado, segundo ele, na exploração, na competição e no individualismo. O que o líder dos direitos civis buscava então era organizar os despossuídos – inclusive os excluídos pelo movimento sindical – em um único movimento por justiça social e econômica. Cf. WILENTZ, Sean. “Against exceptionalism: class consciousness and the American labor movement”. In International labor and working class history, No. 26, (Outono de 1984), p. 19. 27 Para uma análise da questão urbana e racial no pós Segunda Guerra, Cf. SUGRUE, Thomas. The origins of the urban crisis. Race and inequality in postwar Detroit. Princeton: Princeton University Press, 1996.

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Segunda Guerra; em que a Guerra do Vietnam expôs, pela primeira vez nas televisões do

país, as atrocidades praticadas por soldados americanos contra populações indefesas,

levando a manifestações de massa contra a participação americana no conflito asiático e à

própria lógica da Guerra Fria; em que a economia, que parecia fadada ao crescimento

ininterrupto, dava seus primeiros sinais de crise;28 em que os valores do materialismo,

consumismo e conformismo foram duramente criticados pela juventude, em movimentos

como a Nova Esquerda e os hippies.

Foi neste cenário, em que alguns campi universitários transformaram-se em

verdadeiros campos de batalha, que, inspirada principalmente pelos historiadores ingleses

Christopher Hill, Eric Hobsbawm, Raymond Williams e E. P. Thompson, nasceria a

chamada nova história americana do trabalho, construindo uma visão do passado americano

marcada pela presença do conflito social, de partidos de base classista e de projetos sociais

reformistas ou abertamente anti-capitalistas. 29 Ao fazê- lo, contudo, tal historiografia tinha

consciência de que seu esforço intelectual não era destituído de compromisso com seu

objeto de estudo. Para Boorstin, os americanos, no pós-Guerra, mais do que concordar com

uma mesma ideologia, estariam unidos na rejeição mesma a quaisquer ideologias.30 Já os

novos historiadores do trabalho, em grande parte, evidenciaram claramente seu

compromisso com seu objeto de estudo e alguns de seus mais importantes representantes,

como Joshua Freeman, Steve Fraser, Eric Foner, David Montgomery e William Forbath,

28 Cf. COLLINS, Robert. More. Op. Cit. 29 Cf. BRODY, David. “The old labor history and the new: in search of an American working-class”. In Labor history, Vol. 20, n. 1 (Inverno de 1979), p. 115. 30 O chamado “fim as ideologias” era termo comum nos anos 1950, referido à exaustão do marxismo no Ocidente e também presente em mudanças na orientação acadêmica dos estudos estudos históricos para analíticos, do processual para o estrutural, da economia para a cultura. No dizer de Thomas Bender, assim como a expressão “história consensual”, o “fim das ideologias” presumia que todas as grandes questões estavam assentadas e o conflito político se daria dentro do consenso maior. Cf. BENDER, Thomas. Op. Cit., p. 32; NOVICK, Peter. Op. Cit., p. 333; DUBOFSKY, Melvyn. Hard work. The making of labor history.

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não se furtaram a unir-se a líderes sindicais, economistas, feministas, ambientalistas e

outros intelectuais e militantes do movimento social com vistas a revitalizar a ação da AFL-

CIO.31 Ao evidenciar seu compromisso com seu objeto de estudo, os novos historiadores do

trabalho percebem que, se inexiste produção do conhecimento sem uma visão de mundo

que a embase, a honestidade intelectual exige mesmo que tal visão de mundo se explicite. 32

A diferença entre o que passou a ser chamada de a velha e a nova história do

trabalho pode ser expressa nas duas figuras que as marcaram com a força de suas

personalidades e trajetórias de vida, o já referido John Commons e Herbert Gutman:

O primeiro, produto de uma pequena cidade de Indiana, de formação presbiteriana, desde cedo adotou noções spencerianas e evolucionistas do progresso social; o segundo, um judeu nova-yorquino filho de um partisan bolchevique, reenfatizou as fontes da desigualdade e dos antagonismos de classe na vida americana. O primeiro enfocou seu estudo nas instituições e, ao fazê- lo, no trabalhador americano qualificado do sexo masculino [portanto, na AFL]; o segundo buscou as bases informais e comunitárias do conflito trabalhista e, ao fazê- lo, enfatizou sua pluralidade e o papel cultural dos imigrantes. O primeiro, um dedicado reformista da Era Progressista, aceitou a legitimidade das instiutições capitalistas na América; o segundo, alinhando-se à onda de insurgência dos anos 1960, questionou não somente a lógica imediata das estruturas capitalistas mas também o grau de consenso popular historicamente a elas associado.33 A nova história do trabalho reve laria que, se principalmente após 1955, o trabalho

organizado norte-americano tornou-se fato crescentemente conservador, quando a AFL e o

Congress of Industrial Organizations (CIO) uniram-se para formar a AFL-CIO - cujo

presidente, George Meany, chegou a afirmar que nunca havia participado de greves e

piquetes e que não via grandes diferenças entre seus pontos de vista e os da National

Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 2000, p. 19. 31 Cf. FRASER, Steven e FREEMAN, Joshua (org.). Audacious democracy. Labor, intellectuals, and the social reconstruction of America. Boston e Nova York: Houghton Mifflin Company, 1997. 32 Cf. EAGLETON, Terry. Teoria da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 15. 33 FINK, Leon. In search of the working class. Essays in American labor history and political culture . Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1994, p. 3, 4.

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34

Association of Manufacturers (NAM) -,34 a historiografia do consenso havia projetado tal

conservadorismo para as origens mesmas de tal movimento sindical, através de uma

dimensão memorialística que buscava rememorar alguns fatos e atores sociais e esquecer

outros, de forma a legitimar o presente em questão.35 Assim, por exemplo, tal qual a velha

história do trabalho, a historiografia do consenso enfatizou o papel da AFL, ressaltando seu

contratualismo e economicismo e sua rejeição a mudanças na ordem social e econômica

vigente, relegando a segundo plano importantes organizações operárias do século XIX,

como os Knights of Labor, jornadas sindicais extremamente violentas e movimentos

radicais do século XX, como o Industrial Workers of the World (IWW). A nova história do

trabalho, pelo contrário, não só buscou centrar suas atenções no IWW e outras organizações

operárias e partidos políticos, como o Partido Socialista Americano, como questionou o

próprio conservadorismo intrínseco da AFL, a partir de estudos que revelaram as diversas

correntes políticas nela aninhadas em sua origem, várias de tradição socialista, e os seus

projetos de reforma social que, somente a partir de fins do século XIX, deram lugar a

posições social, política e economicamente conservadoras.36

O IWW é particularmente representativo da mudança operada pela nova história do

trabalho na perspectiva das organizações de trabalhadores de inícios do século XX.

Percebido pela historiografia tradicional como um movimento anarco-sindicalista trazido

para a América nas primeiras décadas do século por imigrantes politicamente radicalizados,

34 Apud GEORGAKAS, Dan e SURKIN, Marvin. Detroit: I do mind dying . Cambridge: South End Press, 1998, p. 32. 35Cf. NORRA, Pierre. Les lieux de mémoire, vol.1. Paris: Gallimard, 1984, p. XIX. 36 Cf. GERSTLE, Gary. “Ideas of the American labor movement, 1880-1950”. In COCLANIS, Peter e BRUCHEY, Stuart (orgs). Ideas, ideologies and social movements: the United States experience since 1800. University of South Carolina Press, 1999, p. 73; FORBATH, William. Op.Cit. SALVATORE, Nick. Eugene Debs. Citizen and socialist. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1982; MONTGOMERY, David. The fall of the house of labor. The workplace, the state, and American labor activism, 1865-1925. Cambridge:

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35

portanto com algo a ela estrangeiro, o IWW surge na nova história do trabalho como um

fenômeno político-social essencialmente americano. Ao contrário dos movimentos

anarquistas europeus, seus membros já estavam em grande parte desabilitados pelo intenso

processo de modernização dos processos produtivos que se seguiu ao fim da Guerra de

Secessão e, embora propugnasse a ação direta no local de trabalho, a greve geral e a

rejeição à política institucionalizada como forma de derrubada do sistema de

assalariamento, o IWW teve sua origem articulada ao Partido Socialista Americano, que

defendia, justamente, a via eleitoral para a construção do socialismo. Ademais, os

militantes do IWW eram em sua grande maioria americanos de nascença, brancos e negros,

trabalhadores rurais e urbanos, muitos dos qua is destituídos de família, que vagavam pelas

imensidões do país à busca de trabalho. Exatamente por nele verem um substituto para

instituições como a família, o templo, as agências de ajuda-mútua e de cultura, que os

imigrantes rapidamente construíram nos Estados Unidos no âmbito de suas comunidades,

os militantes americanos do IWW eram a ele mais fiéis do que os estrangeiros.37

Os novos historiadores também buscaram repensar as práticas e as idéias dos

trabalhadores americanos sob novas luzes e uma tradição operária, distinta da européia mas

nem por isso menos socialmente transformadora, foi revelada. O PS e outras organizações

operárias freqüentemente substituíram palavras de ordem de inspiração marxista por

valores do republicanismo americano, percebidos como antitéticos ao capitalismo, não

constituindo coincidência o fato de a maior greve nos Estados Unidos até 1860 ter ocorrido

no dia do aniversário de George Washington, marcando a associação entre a luta dos

Cambridge University Press, 1987; DUBOFSKY, Melvyn. We shall be all. Nova York: Quadrangle Books, 1965. 37 Idem.

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36

trabalhadores e a herança da Revolução.38 No mesmo registro, os Knights of Labor, a

primeira central sindical norte-americana de massas do século XIX, afirmava, em sua

Constituição, que os Estados Unidos deveriam optar entre o sistema de trabalho assalariado

ou o sistema republicano de governo, propondo o fim da propriedade privada dos meios de

produção e sua substituição por cooperativas de produtores como meio de abolição do

sistema de assalariamento.39 Conseqüentemente, o que era até então considerado evidência

de conservadorismo, a quase ausência de símbolos e tradições da esquerda européia e a

referência sistemática à Revolução Americana, ganhou novos contornos, como também

ganharam contornos os primeiros partidos operários, organizados ainda na década de 1820,

em Nova York e Filadélfia. Thomas Skid more, um dos principais organizadores de tais

partidos e crítico da idéia de que a livre competição entre os indivíduos resultaria em

benefícios para os trabalhadores, defendia que, enquanto a propriedade fosse desigualmente

distribuída, o governo deveria ser o responsável por garantir a todos, inclusive às mulheres

e aos negros, os instrumentos necessários para que vivenciassem efetivamente suas

liberdades e autonomias republicanas.

Ao longo do século XIX, vários foram os partidos operários organizados nos

Estados Unidos, localizando-se sobretudo nos níveis municipal e estadual, dado que, pela

interpretação da Constituição então vigente, a regulação das condições de trabalho estava

38 Cf. FINK, Leon. “Labor, liberty, and the law: trade unionism and the problem of the American constitutional order”. In The Journal of American History, The Constitution and American life: a special issue, Vol. 74, No. 3 (Dezembro de 1987), p. 907; Para alguns autores, como Sean Wilentz, o republicanismo dos trabalhadores americanos do século XIX constituía uma forma de consciência de classe plenamente amadurecida. Para Gerstle, no entanto, tal republicanismo resultava de um amálgama de várias tradições políticas diferentes, algumas centradas na noção de classe, outras não. Assim, por exemplo, muitos indivíduos expressaram sua oposição ao regime de assalariamento, em bases republicanas, buscando tornar-se pequenos proprietários. O republicanismo dos trabalhadores engendrou portanto tanto estratégias coletivas e classistas quanto estratégias individuais. Cf. GERSTLE, 1999, p. 75 e seguintes e WILENTZ, Sean. Op. Cit. 38 Cf. FINK, Leon. Op. Cit., 1987, p . 907. 39 Cf. GERSTLE, Gary. Op. cit., 1999, p. 75; FONER, Eric. “Intellectuals and labor. A brief history”. In FRASER, Steve e FREEMAN, Joshua (orgs.). Op. Cit., p. 49.

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37

fora da jurisdição federal. 40 No âmbito estadual, tais partidos demandavam a criação de

estudos estatísticos sobre condições de trabalho, restrições ao trabalho infantil, distribuição

gratuita de livros didáticos para alunos pobres, decretação da ilegalidade da importação de

trabalhadores fura-greves, jornada de trabalho de dez horas etc. Em alguns estados, tais

demandas tornaram-se vitoriosas e, ao fim do século XIX, o socialismo municipal era um

fenômeno importante nos Estados Unidos.41 Em Milwaukee, o United Labor Party

transformou-se no Social Democratic Party e produziu três décadas consecutivas de

programas voltados para os trabalhadores: as escolas transformaram-se em centros

comunitários, serviços médicos e legais gratuitos foram oferecidos e mesmo concertos

sinfônicos tornaram-se parte da paisagem da cidade. Neste sentido, as demandas dos

trabalhadores não limitavam-se a leis regulatórias sobre o mercado de trabalho, mas

também em esforços para criar espaços urbanos com serviços e infra-estrutura que o

mercado livre de tais produtos e serviços não oferecia. Ainda assim, a maior parte das

demandas dos trabalhadores, mesmo onde partidos de trabalhadores estavam organizados,

não foram atendidas pelos Legislativos municipais e estaduais. Quando a Convenção

Constitucional de Nova York reuniu-se em 1894, derrotou propostas como merendas

escolares gratuitas, limites na jornada de trabalho de mulheres e crianças, uma corte arbitral

do trabalho etc.42 Como resultado, Samuel Gompers, presidente da AFL, afirmaria: “É

ridículo imaginar que os assalariados podem ser escravos no local de trabalho e, ainda

assim, ganhar o controle [do governo] através de eleições. Nunca existiu simultaneidade

40 Cf. MONTGOMERY, David. Citizen worker. The experience of workers in the United States with democracy and the free market during the nineteenth century. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 148 e seguintes. 41 Para uma visão panorâmica sobre o socialismo americano, Cf. HOWE, Irving. Socialism and America. San Diego, Nova York e Londres: Harcourt Brace Janovich, Publishers, 1985. 42 Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 152.

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entre autocracia no chão-da-fábrica e democracia na vida pública”. 43 O PSA, que logo viria

a ser adversário da AFL, nasceu justamente da convicção de Eugene Debs e outros líderes

sindicais de que a luta sindical, realizada dentro das balizas do capitalismo, seria ineficaz,

tornando-se necessária portanto a conquista do Estado e a construção do socialismo.44

Também o conceito de americanismo seria repensado pelos novos historiadores, que

o perceberam como passível de ser apropriado de diferentes formas por uma classe

trabalhadora em boa medida estrangeira ou americana de primeira geração e submetida a

um intenso processo de americanização por parte do Estado, reformadores sociais e

empresários. Desta forma, os trabalhadores americanos teriam retrabalhado a noção de

americanismo, transformando-o não em instrumento de submissão política e ideológica,

mas de identidade de classe e transformação social, inclusive no sentido de contribuir para

que os diferentes componentes étnicos da classe trabalhadora americana se percebessem

como uma única classe social.45 Mesmo o IWW teve como um de seus principais

instrumentos de luta a defesa da livre expressão como garantida pela Primeira Emenda à

43 GOMPERS, Samuel. Apud Cf. MONTGOMERY, David. Op.Cit., 1995, p. 159. 44 Em seu programa de 1912, o Partido Socialista Americano afirmaria: “Declaramos [que as injustiças e desigualdades sociais] são um produto do presente sistema, no qual a indústria serve aos objetivos da ganância individual, ao invés do bem-estar social. Declaramos, ainda, que para remediar tais males não pode haver alternativa exceto o Socialismo, no qual a indústria voltar-se-á para o bem comum e cada trabalhador receberá o pleno valor social da riqueza que criar”. PARTIDO SOCIALISTA AMERICANO. “Socialist Party Platform of 1912”. Apud COMMAGER, Henry Steele. Documents of American History since 1898. Nova York: Appleton-Century -Crofts, 1963, p. 69, 70. 45Cf. GERSTLE, Gary. Working-class Americanism. The politcs of labor in a textile city, 1914-1960. Cambridge: Cambridge University Press, 1989. Em 1939, em meio a lutas faccionais no seio do United Auto Workers, então o mais importante sindicato americano, um de seus militantes escreveria um poema intitulado “O que é o sindicalismo americano?”. Em uma das estrofes, ele mesmo responderia: “O sindicalismo americano, todos concordamos,/Pertence a qualquer trabalhador – a você e a mim./Precisamos nos unir em uma causa comum./De acordo com as leis, somos todos americanos./Temos várias nacionalidades, cores e credos/Mas não nos curvaremos ao que Homer Martin quer [o líder sindical responsável pelo racha no sindicato. V. capítulo 4]/Mas se estamos na América, um homem só não pode mandar”. JONES, E. Buck. “What is American unionism?”. UNITED AUTO WORKERS. United Auto Worker. Detroit: Vol. III, No. 9, 4 de março de 1939, p. 4.

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Constituição, percebida como uma liberdade essencialmente americana. 46 William

Haywood, o Big Bill Haywood, sua principal liderança, certa vez afirmou que o IWW

… desenvolveu, entre os mais baixos segmentos dos escravos assalariados da América, como nunca antes, um senso de sua importância e de suas capacidades. Assumindo o controle de suas responsabilidades e de seus interesses, os desorganizados e desafortunados foram reunidos e conduziram alguns dos mais expressivos movimentos grevistas, lutas pela livre expressão e batalhas pelos direitos constitucionais.47 Tais palavras evidenciam que a tradição operária americana, mesmo em sua versão

anarco-sindicalista, teve sempre presente a herança republicana da Revolução Americana, a

idéia de que, em fins do século XVIII, fundara-se algo politicamente novo, cujo legado não

deveria ser monopólio de grupos, classes, partidos ou da Suprema Corte, mas deveria ser

disputado na esfera pública e no campo da cultura política.

A nova história do trabalho, em suma, buscou realizar um esforço no sentido de

compreender o passado americano a partir de um novo olhar para o movimento operário,

inclusive descortinando dimensões da vida dos trabalhadores, como as referentes aos seus

modos de vida, hábitos, e tnicidade, gênero e cultura, que estavam ausentes da historiografia

do consenso.48 Como resultado, revelou-se uma classe trabalhadora ao menos tão disposta

quanto as européias a implementar ações coletivas para conquistar e manter direitos.

Se os novos historiadores do trabalho descortinaram um mundo de trabalhadores

muito mais rico, complexo e combativo do que queria a historiografia do consenso, coube

também a alguns deles, ao lado de historiadores do direito, ressaltar o papel central do

Estado americano, através da ação do Poder Judiciário, no processo que levaria à

46 Cf. RABBAN, David. Free speech in its forgotten years. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, Capítulo 2. 47 Apud DUBOFSKY, Melvyn. Hard work. The making of labor history. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 2000, p. 74. 48 Cf. FINK, Leon. “American labor history”. In FONER, Eric (org.). The new American history.

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desarticulação de diversas organizações operárias do século XIX e à guinada conservadora

da AFL. 49 De certa forma, o excepcional na experiência histórica dos Estados Unidos do

século XIX e primeiras décadas do século XX, face às européias, parece não ter sido a

natureza essencialmente conservadora do seu movimento operário, mas as instituições

estatais americanas, assim como a forma como interagiram o Estado e os sindicatos.

Philadelphia: Temple University Press, 1990, p. 233-250. 49 Cf. FORBATH, William. Op. Cit. HATTAM, Victoria. Labor visions and the state power: the origins of of business unionsim in the United States . Princeton: Princeton University Press, 1993; ERNST, Daniel. Lawyers against labor. From individual rights to corporate liberalism. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1995.

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1.2. O Estado americano no século XIX

A uma primeira vista, o Estado americano do século XIX pode ser descrito como

um Estado como outro qualquer: manteve uma ordem legal em todo o território do país, fez

guerras, conquistou novos territórios, manteve relações diplomáticas com outros países,

incorporou novos estados à União e incentivou o desenvolvimento econômico. No entanto,

sob diversos aspectos, organizou-se de forma bastante peculiar.50

A Revolução Americana representou uma revolta não apenas contra um poder

colonial específico, o britânico, mas também uma rejeição aos princípios organizacionais e

políticos deste poder. Ao contrário da independência do Brasil, por exemplo, em que o

processo de separação da metrópole colonial se deu por um membro da própria Corôa,

resultando na manutenção do regime monárquico e na internalização da metrópole,51 a

república norte-americana nasceu fazendo a crítica da concentração e especialização das

instituições estatais e de sua capilaridade no seio da sociedade civil. Conseqüentemente,

durante a experiência confederada de 1777-1783, a soberania popular repousava não em um

poder centralizado, mas em 13 legislaturas estaduais, nas quais sistemas eleitorais

majoritários e eleições freqüentes deixavam os governos sob o controle recorrente dos

eleitores. O poder da União era praticamente inexistente, podendo atuar somente nos

problemas relativos à guerra, às relações exteriores, à defesa, à ratificação de tratados e à

50 A apresentação a seguir, salvo quando indicado em contrário, está baseada em SKOWRONEK, Stephen. Building a new American state. The expansion of national administrative capacities, 1877-1920 . Cambridge: Cambridge University Press, 1997. 51 Cf. DIAS, Maria Odila Silva. “A interiorização da metrópole (1808 -1853)”.In MOTA, Carlos Guilherme (org). 1822. Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1986, p. 160-184.

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moeda.52 Para seus críticos, tal sistema político encerrava um potencial desestabilizador de

grande intensidade.

Desta forma, o desafio dos constitucionalistas de 1787 era o de, rejeitando o modelo

centralizado dos Estados europeus, formular e legitimar uma organização estatal que

eliminasse os riscos da desintegração política e territorial inerente aos Artigos da

Confederação. Em carta enviada pelo encarregado francês de assuntos comerciais, Louis

Otto, ao ministro Conde Charles de Vergennes, o desafio enfrentado pelos

constitucionalistas está claramente formulado:

Desde há muito, se faz necessário injetar ao governo federal mais energia e vigor, mas também é certo que a independência excessiva outorgada aos cidadãos em relação aos estados, e aos estados com relação ao Congresso, é demasiado cara aos indivíduos, que hesitam em dela despojar-se sem grandes preocupações. O povo não ignora que a conseqüência lógica de um maior poder outorgado ao governo seria o de uma arrecadação regular de impostos, uma severa administração da justiça, direitos extraordinários sobre as importações, execuções rigorosas contra os devedores e, por fim, uma acentuada preponderância dos homens ricos e dos grandes proprietários. 53 Tal desafio revelou-se de complexa superação e a engenharia institucional

resultante deixaria uma ampla gama de questões sem repostas claras. Divididos entre

federalistas, defensores da maior centralização do poder no nível da União, e anti-

federalistas, preocupados em preservar o poder dos Estados, os constituintes acabaram por

produzir uma Constiutição que diluía o poder tanto horizontal quanto verticalmente.54 No

nível da União, o poder foi dividido em três ramos distintos: um Legislativo bicameral, um

52 Cf. TOINET, Marie-France. El sistema politico de los Estados Unidos. México: Fondo de Cultura Económica, 1994, p. 28. 53 OTTO, Louis. Apud TOINET, Marie -France. Op. Cit., p. 32. 54 Cf. MASON, Alpheus. “A herança política dos Estados Unidos. Revolução e governo livre. Um tributo bicentenário”. In HARMON, M. Judd (org.). Ensaios sobre a Constituição dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1978, p. 34. Para uma discussão breve mas esclarecedora dos Federalistas, cf. LIMONGI, Fernando Papaterra. “’O Federalista’: remédios republicanos para males republicanos”. In WEFFORT, Francisco (org.). Os clássicos da política . São Paulo: Editora Ática, p. 243-255.

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43

Executivo e um Judiciário, trabalhando em um sistema de fiscalização mútua. Cada ramo

deveria representar o povo em sua totalidade, mas fazê- lo de forma distinta, por distintas

serem as formas de indicação de seus membros. 55 Assim, acreditava-se que as diferentes

representações filtrariam as distorções oriundas de uma forma exclusiva de representação.

Ademais, cada um destes poderes contrarrestaria o poder dos demais e mesmo dentro de

um mesmo Poder, o Legislativo, o Senado atuaria como um impedimento contra atos

legislativos da Câmara dos Deputados considerados impróprios, e vice-versa. É importante

lembrar que, embora a Independência tenha sido apresentada como uma reação aos abusos

do Rei Jorge III, justificando a construção da República, havia sido na realidade o

Parlamento britânico que legislara taxando os colonos, dando início às revoltas que

desembocariam na separação entre Metrópole e Colônia. Assim, os constituintes buscaram

criar um sistema em que nem o Poder Executivo nem o Legislativo poderiam centralizar o

poder. Por fim, tanto os atos do Legislativo quanto a ação do Executivo seriam passíveis de

revisão judicial, ainda que tal poder não esteja explicitamente colocado pela Constiutição. 56

Se cada Poder contrarrestava os demais, a força da soberania popular também

deveria ser limitada através de um sistema eleitoral que, principalmente no que concerne à

indicação do Presidente da República, visava sobretudo a filtrar a vontade popular através

de um colégio de grandes eleitores indicados pelos estados. Os diferentes estados poderiam

selecionar seus grandes eleitores de diversas formas: através da legislatura estadual reunida

em Congresso, pelo voto das duas casas legislativas estaduais, pelo voto de todos os

55 ESTADOS UNIDOS. Constitution of the United States. Article I, Section 2, 3, 4, 5; Article II, Section 1, 2. 56 Cf. HALL, Kermit. The magic mirror. Law in American history. Nova York, Oxford: Oxford University Press, 1989, p. 60 e 73. No entanto, o Poder Judiciário é o mais refratário a ser contrarrestado pelos outros poderes. Para o Juiz da Suprema Corte Harlan Fiske Stone, em uma opinião emitida em 1936, “Embora o exercício inconstitucional do poder pelos ramos executivo e legislativo do Governo esteja sujeito à coibição judicial, o único controle sobre nosso próprio exercício do poder é nosso próprio senso de autocoibição”. Apud MASON, Alpheus. “A herança política dos Estados Unidos. Revolução e governo livre. Um tributo

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44

eleitores do estado, pelos votos dos eleitores de cada circunscrição do estado, pela

legislatura estadual combinada com os eleitores, pela legislatura do estado com base em

uma lista proposta pelos eleitores e assim por diante.57 Os constitucionalistas estavam

convencidos de que a democracia excessiva poderia colocar em risco os direitos de

propriedade e a estabilidade social.58 Alexander Hamilton chegou mesmo a propor a

nomeação permanente de senadores e presidente, afirmando:

Todas as comunidades se dividem (...) entre uma elite e uma multidão. A primeira é formada pelos ricos e a gente de berço, a segunda é formada pela massa do povo. Se diz que a voz do povo é a voz de Deus mas, sem embargo, ainda que esta máxima seja freqüentemente repetida, não corresponde à verdade. O povo é turbulento e cambiante e raramente faz julgamentos corretos. Em conseqüência, dê-se à primeira classe um lugar claro e permanente no go verno; isto vai contrarrestar a insegurança da segunda; e, como de fato, não há nenhuma vantagem na mudança, a segunda manterá sempre um bom governo. Nada melhor do que um corpo imutável para contrarrestar a imprudência da democracia. Suas disposições turbulentas e sem freio exigem um contrapeso.59

Por fim, o poder da União era contrarrestado pelo poder dos Estados, dado que a

Constituição vedava à União todas as atividades políticas, administrativas e regulatórias

que não fossem expressamente a ela designados. A rigor, o federalismo americano criou um

sistema em que duas autoridades, a da União e a dos estados, governavam o mesmo

território e o mesmo povo, sendo cada qual suprema em sua própria esfera e sem poder

algum na esfera da outra.60 Em 1831, John Calhoun, um dos mais importantes defensores

do sistema de plantation escravista do Sul dos Estados Unidos, defendia o poder dos

estados nos seguintes termos:

bicentenário”. In HARMON, M. Judd. Op.Cit., p. 37. 57 Cf. TOINET, Marie-France. Op. Cit., p. 336. 58 Cf. HALL, Kermit. Op. Cit., p. 71. 59 HAMILTON, Alexander. Apud TOINET, Marie-France. Op. Cit., p. 34. 60 Cf. MASON, Alpheus. Op. Cit., p. 38.

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O grande princípio diretivo [da Constituição] é que o governo geral emanou do povo dos diversos Estados, formando comunidades políticas distintas e agindo em sua capacidade separada e soberana, e não de todo o povo reunido numa comunidade política agregada; que a Constituição dos Estados Unidos, na verdade, é um acordo, do qual cada Estado é uma parte, com o caráter já descrito; e que os diversos Estados, ou partes, têm o direito de julgar-lhes as infrações e, no caso de um exercício deliberado, palpável e perigoso de poder não delegado, têm o direito, em último recurso, de usar a linguagem das resoluções de Virginia: “de intervir para deter o progresso do mal, e manter, dentro dos respectivos limites, as autoridades, os direitos e as liberdades que lhes pertencem”.61 Mais de cem anos depois das palavras de Calhoun, a Associação dos Manufatores

de Nova Jersey, protestando contra as tentativas de regulação das relações de trabalho pelo

governo federal do New Deal, reproduziriam o mesmo tipo de discurso, defendendo a total

retirada do governo federal e de suas agências de cada fase de intervenção, regulação ou

controle das relações de trabalho na indústria, dado que tais campos estariam fora da

jurisdição federal.62

A Constituição dos Estados Unidos conformava, portanto, um sistema político em

que os diferentes poderes da União e o sistema federativo buscavam criar um novo aparato

estatal de molde diferente do centralizado e burocratizado estado europeu. Ainda assim, os

instrumentos de separação do poder criados pela Constituição foram julgados insuficientes

para defender o indivíduo contra o arbítrio do Estado e, portanto, a obra constitucional só

foi efetivamente finalizada em 1791, com a criação das dez primeiras Emendas que viriam

constituir a Carta dos Direitos, que, dentre outros princípios, garantiam as liberdades de

religião, pensamento e imprensa.63

61 CALHOUN, John. “Discurso sobre os direitos dos Estados, 26 de julho de 1831”. In SYRETT, Harold (org.). Documentos históricos dos Estados Unidos. São Paulo: Cultrix, 1980, p. 152. 62 MANUFACTURERS' ASSOCIATION OF NEW JERSEY. Twentieth Annual Convention. Atlantic City, New Jersey, May 8, 1935. FDR Library. PPF. 1820. Speech Material: Business vs. New Deal. The Constitution, Cont. 9 63 Cf. STORING, Herbert. “A Constituição e a Carta de Direitos”. In HARMON, M. Judd. Op. Cit., 51-74.

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Diante de um tal cenário institucional, logo surgiram propostas de se construir

aparatos e rotinas estatais que, se não se conformavam inteiramente à tradição

centralizadora estatal européia, ao menos conferissem alguma viabilidade operativa à nova

organização estatal. De fato, esta mostrava-se tão institucionalmente fragmentada e com

fronteiras jurisdicionais tão tênues, que temia-se, mais uma vez, pela sua dissolução,

principalmente pelo fato de que uma ampla gama de problemas e desafios não colocados

aos constituintes de Filadélfia, mas que logo se apresentariam, evidenciavam a ausência de

instrumentos claramente definidos, ou ao menos sugeridos, para sua superação. Assim, no

que diz respeito à regulação das relações de trabalho, o governo da União só poderia

estabelecer normas para categorias de trabalhadores livres cujas atividades se inserissem no

comércio entre diferentes Estados e do país com o exterior, mas não para aquelas cujas

atividades se limitassem ao comércio intra-estadual. 64 Cedo, no entanto, as regulações

estaduais mostrar-se- íam insuficientes para fazer face a uma economia crescentemente

nacional, ensejando conflitos entre os governos dos estados e o da União. Alexander

Hamilton foi o principal proponente da concentração do poder pelo governo da União e, no

âmbito deste, pelo Poder Executivo. No entanto, ao longo do século XIX, as únicas

instituições do governo federal com real penetração em todo o território nacional foram os

correios e as alfândegas. Mesmo o exército da União era bastante limitado, tendo sido em

boa medida desarticulado após a Reconstrução.65 Mas, ao contrário do que temia Hamilton,

a União não se fragmentou, e isto em razão de duas instituições que mantiveram uma

coesão mínima do novo corpo político: os partidos políticos e o sistema judiciário.

64 A Seção 8 do Artigo 1 afirma: “O Congresso tem o poder para regular o comércio com nações estrangeiras e entre os diversos estados, assim como com as tribos indígenas”. ESTADOS UNIDOS. Constitution of the United States. Como será visto ao longo deste trabalho, este foi um dos princiapis desafios do New Deal. 65 Cf. SKOWRONEK, Stephen. Op.Cit.

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Entre 1790 e 1840, os estados do norte já haviam extendido o direito de voto a todos

os homens brancos e, com o fim da Guerra Civil e a abolição da escravidão, os estados do

Sul, em função da Reconstrução, extenderam-no, ainda que temporariamente, aos negros. 66

Tal extensão era justificada pela retórica dos direitos iguais e da soberania popular, e se deu

neste período sobretudo porque os pequenos proprietários rurais conformavam a maior

parte dos novos eleitores. De fato, com exceção de Rhode Island, único estado onde o

número de trabalhadores assalariados na manufatura era superior ao da população rural

livre e onde a extensão do direito de voto só se deu na década de 1840, nos demais estados

o número de assalariados era extremamente reduzido. O estado de Maryland foi o primeiro

a, em 1801, emendar sua Constituição e abolir qualquer qualificação censitária para o voto.

Em 1840, cerca de 2,5 milhões de americanos votavam, ao passo que apenas cerca de 250

mil estavam formalmente alistados nas igrejas e, ao longo do século XIX, as manifestações

partidárias reuniam mais pessoas do que os serviços dominicais.67 Entre o fim da Guerra de

Secessão e o início do século XX, em nenhuma eleição presidencial o comparecimento às

urnas foi inferior a 70% do eleitorado e, em 1876, chegou a quase 82%, para a partir de

então entrar em declínio. 68

A partir das primeiras décadas do século XIX, embora os Pais Fundadores da

República houvessem por diversas vezes advertido contra o perigo que as facções

representavam para esta, os partidos políticos estabeleceram rotinas para a mobilização de

tais votos em um sistema bipartidário que acabou por funcionar como um canal de ligação

entre os estados e o governo da União. Por outro lado, os partidos possibilitaram o

66 Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 3. 67 Idem, p. 15 e seguintes. 68 Cf. SCHLESINGER, Jr., Arthur. Os ciclos da história americana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992, p. 289.

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48

relacionamento entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, rotinizaram procedimentos

administrativos, estabeleceram relações de patronagem e de recrutamento de militantes. Por

volta de 1850, as máquinas partidárias haviam se tornado centrais para manter a coesão

política do país.

Enquanto os partidos políticos deram coerência operacional às instituições

governamentais, os tribunais determinaram o próprio significado da lei. Ao fim e ao cabo, a

Constituição e as prerrogativas governamentais acabaram resultando no que a Suprema

Corte dos Estados Unidos determinava que deveriam significar. Como árbitro final das

disputas institucionais e jurisdicionais, a Suprema Corte torneou as relações

intergovernamentais, legitimando formas de interação entre estados, entre o nível estadual e

o nacional e dentro do próprio nível nacional. Assim, enquanto os partidos eram menos

notórios por seus programas do que por sua unidade institucional, os tribunais tornaram-se

fundamentais pela sua definição substantiva da lei, herdada da tradição da common law, o

sistema de leis desenvolvido por juízes e baseada em precedentes, tornando legiferantes as

decisões judiciais. Juntos, os tribunais e os partidos formaram o coração do Estado

americano em seus primeiros tempos.69

No entanto, após o fim da Guerra Civil, a economia americana começou a tornar-se

cada vez mais diferenciada e abrangendo mercados cada vez mais amplos, principalmente

a partir do papel integrativo das estradas-de-ferro. Foi neste momento que teve início a

tensão entre, de um lado, tal sistema político e, de outro, a necessidade cada vez mais

premente de regulações que coesionassem as regras e os procedimentos do sistema

econômico, visto que se o sistema de partidos e tribunais dava alguma consistência a um

sistema político fragmentado, revelava-se no entanto incapaz de superar tal fragmentação.

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49

A Interstate Commerce Commission (ICC), de 1887, foi a primeira agência regulatória

independente em nível federal, com membros indicados pelo Presidente da República, com

vistas a regular as atividades das ferrovias, buscando assim superar a fragmentação do

conjunto de regulações estaduais para o setor.70

Em decorrência da configuração do estado de “cortes e partidos” e da natureza do

federalismo americano, e ao contrário do que ocorreu na Europa, ao longo da segunda

metade do século XIX e primeiras do XX, as relações dos trabalhadores americanos com o

aparato estatal se deu sobretudo através do Poder Judiciário. Como resultado, a partir da

Guerra de Secessão, quando as relações de trabalho assalariado se generalizaram, as novas

relações entre patrões e empregados, baseadas no livre mercado, foram desenvolvidas

através da common law por tribunais, e não por legislativos eleitos.71 A rigor,

particularmente nas duas últimas décadas do século, o destino do movimento sindical

americano moldou-se a partir de seus embates com os tribunais.72 Portanto, ainda que de

forma diferenciada do ocorrido na Europa, onde estados crescentemente centralizados

foram ganhando cada vez mais recursos políticos e administrativos ao longo do século XIX,

o Estado americano, embora possuindo uma burocracia relativamente reduzida e poderes

relativamente limitados, não esteve em absoluto ausente da regulação da vida social e

econômica dos Estados Unidos. Pelo contrário, a partir da ação do Poder Judiciário, impôs

restrições efetivas à expressão política e às formas organizativas dos trabalhadores.73

69 Cf. HALL, Kermit. Op. Cit. 70 Cf. SKOWRONEK, Stephen. Op. Cit. 71 Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 50. 72 Cf. DUBOFSKY, Melvyn. “The Federal Judiciary, free labor, and equal rights”. In SCHNEIROV, Richard; STROMQUIST, Shelton e SALVATORE, Nick (orgs.). The Pullman strike and the crisis of the 1890s. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1999, p. 159. 73 Cf. MONTGOMERY, David. Op.Cit., 1995, p. 117.

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1.3. O Poder Judiciário e a desarticulação do movimento operário Ao criticar a AFL em sua convenção de fundação, em 1905, o IWW afirmava:

Os trabalhadores não são mais classificados por diferenças de ofício [em razão da desabilitação profissional advinda de novos processos de trabalho], mas os empregadores os classificam de acordo com as máquinas para as quais são designados. Tais divisões, longe de representar diferenças em ofício ou interesses entre os trabalhadores, são impostas pelos empregadores para que os trabalhadores se voltem uns contra os outros, e para que toda a resistência à tirania capitalista possa ser enfraquecida por distinções artificiais.74 Com tais palavras, o IWW vinha ressaltar a distinção entre o tipo de perfil sindical

que defendia, o industrial, no qual todos os trabalhadores de um mesmo ramo de produção

deveriam pertencer a um só sindicato, e o sindicalismo profissional predominante na AFL,

no qual as organizações operárias eram divididas por ofícios. Mas as diferenças entre o

IWW e a AFL iam além. O programa do primeiro afirmava que a classe trabalhadora e a

capitalista nada tinham em comum e que entre as duas deveria haver uma luta permanente,

até que os trabalhadores tomassem posse da terra e dos meios de produção e acabassem por

abolir o sistema de assalariamento. Por esta razão, diante do que considerava o

conservadorismo político e social da AFL, assim como seu diversionismo no seio do

movimento sindical, expresso na insistência em organizar os sindicatos por ofícios, Big Bill

Haywood afirmaria, não sem ironia: “Foi dito que esta convenção tem o objetivo de formar

uma organização rival à AFL. Isto é um erro. Nós estamos aqui para formar uma

organização operária”.75

O sindicalismo industrial e o radicalismo político não eram criações do IWW. Pelo

contrário, ambos surgiram ainda no século XIX, em larga medida como resultado de dois

74 INTERNATIONAL WORKERS OF THE WORLD. Manifesto adotado em 2, 3 e 4 de janeiro de 1905. Apud KORNBLUH, Joyce (org.). Rebel voices. An IWW anthology. Chicago: Charles Kerr Publishing Co.,

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51

fenômenos interligados que se desenvolveram na economia e sociedade americanas no pós-

Guerra Civil: a introdução de novas técnicas de produção para um mercado em expansão, o

que acarretou a crescente desabilitação da força de trabalho e tornou menos eficazes as

organizações reunidas em torno de ofícios, e, já na década de 1890, a consolidação das

grandes corporações, que generalizaram as relações de assalariamento, empregando um

conjunto heterogêneo de trabalhadores.76 Tais processos iriam contribuir para a constituição

de organizações de trabalhadores voltadas para negociações com empregadores

corporativos e o sindicato industrial, por abarcar conjuntos mais amplos de trabalhadores,

revelava-se o formato institucional mais adequado à nova realidade econômica e à nova

forma organizativa do empresariado. A primeira grande organização operária norte-

americana, a Knights of Labor, fundada em 1869, já possuía tal perfil, chegando a reunir

cerca de um milhão de membros na década de 1880. Foi graças às demandas dos

Cavalheiros do Trabalho que, ainda no século XIX, foram criadas as primeiras agências

estaduais para o estudo das condições de vida e trabalho dos operários e artesãos

americanos, destacando-se, em 1869, o primeiro Bureau of Labor, no estado de

Massachusetts. 77

Por outro lado, mesmo a AFL, fundada em 1886, possuía, em seu programa de

1894, uma agenda política radical, defendendo a propriedade pública de diversos setores

industriais e a regulação estatal do mercado de trabalho. Em 1891, seu presidente, Samuel

Gompers, afirmava:

1998, p. 8, 9. 75 INDUSTRIAL WORKERS OF THE WORLD. Proceedings, First IWW Convention, p. 153. 76 Cf. GALAMOBOS, Louis e PRATT, Joseph. The rise of the corporate commonwealth. US business and public policy in the twentieth century. Nova York: Basic Books, Inc., 1988. 77 Cf. STEWART, Estelle (Bureau of Labor Statistics). “A quarter century of governmental labor activity”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 46, No. 2, Fevereiro de 1938, p. 299.

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Educar nossa classe, prepará- la para as mudanças vindouras, estabelecer um sistema industrial cooperativo no lugar do sistema de assalariamento, emancipar os trabalhadores do jugo dos capitalistas, esses são os nossos objetivos finais. Estamos nos aproximando de uma grande revolução que, baseada na ação organizada, está destinada a assumir o controle das indústrias e do governo da nação. 78 Em princípios do século XX, no entanto, a Knights of Labor já estava morta e a

AFL não mais defendia o fim do sistema de assalariamento, mas apenas melhores

condições de trabalho e salários mais elevados para seus membros, a serem alcançados

através de negociações coletivas entre sindicatos e empresas. Sua preocupação central então

era assegurar o controle sobre os mercados de trabalho em que seus sindicatos profissionais

atuavam, estabelecendo regras que estabilizassem as condições de trabalho e remuneração

de seus membros. A AFL, portanto, já não mais possuía fins políticos últimos, mas apenas

objetivos econômicos pontuais, e os interesses dos trabalhadores não mais surgiam como

articulados à cidadania republicana, mas apenas aos próprios trabalhadores enquanto tais. 79

A liberdade de contrato entre agentes privados com o objetivo de alcançar o “American

standard of living” tornara-se assim a palavra de ordem da AFL, uma espécie de “laissez

faire coletivo”, e a participação do Estado na regulação do mercado de trabalho era

rejeitada, como atesta o programa da central de 1923.80 Mesmo quando a AFL defendia

medidas legislativas, como o Clayton Act, de 1914, fazia-o com o objetivo de limitar o

poder de ingerência estatal, nomeadamente do Poder Judiciário, nas relações entre

sindicatos e empresas.81 Entre o republicanismo dos Knights of Labor e a agenda rad ical da

78 Apud TOMLINS, p. 56. 79 Cf. WOLFSON, Theresa e WEISS, Abraham. Industrial unionism in the American Labor Movement. Nova York: The League for Industrial Democracy, 1937, p. 8; FINK, Leon. Op. Cit., 1987, p. 914. 80 Cf. FONER, Eric. The story of American freedom. Nova York e Londres: W.W. Norton & Co.,1998, p. 135; FINK, 1987, p. 916; MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1987, p. 7. 81 Cf. FORBATH, William. Op. cit., p. 13 e seguintes. Dentre outra medidas, o Clayton Act limitava o uso de labor injunctions contra o movimento sindical, assim com previa o julgamento por um corpo de jurados de

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AFL de fins do século XIX, e o contratualismo da AFL de princípios do século XX, o

movimento sindical norte-americano passou por um intenso processo de desarticulação por

parte do Poder Judiciário.

Já no século XIX, o papel do Poder Judiciário norte-americano havia chamado a

atenção de Tocqueville :

O que um estrangeiro com maior dificuldade compreende nos Estados Unidos é a sua organização judiciária. Por assim dizer, não há ocorrência política para a qual não ouça ele ser chamada a autoridade do juiz; e conclui, à vista disso, naturalmente, que o juiz é, nos Estados Unidos, uma das primeiras forças políticas. Depois, quando passa a examinar a constituição dos tribunais, só descobre nela, a princípio, atribuições e hábitos judiciários. Aos seus olhos, o magistrado nunca parece introduzir-se nos negócios públicos a não ser por acaso; mas esse mesmo acaso repete-se todos os dias. (...) O juiz americano assemelha-se, pois, perfeitamente aos magistrados das demais nações. É, entretanto, revestido de um imenso poder político.82 E os juízes americanos exerceram seu poder político de forma larga. A interferência

do Poder Judicário na vida associativa dos trabalhadores americanos remonta a 1806,

quando, pela primeira vez, foi adotada a doutrina da conspiração por um tribunal federal,

indicando que a compreensão dos direitos republicanos que os trabalhadores esposavam era

bem distinta da esposada por aqueles oficialmente designados como os intérpretes da

Constituição.83 Inspirada tanto pela common law como pelas Combination Acts britânicas,

réus acusados de desobediência a elas. Cf HALL, p. 245. A Seção 6 da Lei afirmava: “O trabalho humano não é uma mercadoria ou artigo de comércio. Nada contido em leis anti-truste pode ser utilizado para proibir a existência e operação de organizações de trabalhadores, agricultores ou horticultores, criadas com os propósitos de ajuda-mútua, e não tendo capital ou sendo conduzidas por lucro, ou para proibir membros de tais organizações de legalmente implementar os seus objetivos; nem devem tais organizações, ou seus membros, ser vistos e tratados como combinações ou conspirações ilegais para restringir o comércio, sob as leis anti-truste”. “The Clayton Anti-Trust Act. Oct. 15, 1914”. Apud COMMAGER, Henry Steele. Documents of American History since 1898. Nova York: Appleton-Century-Crofts, 1963, p. 99, 100. 82 TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América . Belo Horizonte e São Paulo: Editoria Itatiaia e Edusp, 1977, p. 82. 83 Na base do sistema judiciário americano em nível federal estão 94 tribunais distritais, sendo que cada estado possui ao menos um de tais tribunais. No nível intermediário, há 13 cortes de apelação, ou circuit courts . Existe uma corte de apelação para cada região do país, totalizando 12, e uma corte de apelação para o Federal Circuit, destinada a aliviar o trabalho das demais. Apenas cerca de 5% dos litígios federais julgados

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aprovadas pelo Parlamento em1799 e 1800 e produzidas no clima de reação à Revolução

Francesa, que tornavam criminosas quaisquer ações coletivas de trabalhadores para

melhorar suas condições de vida, a doutrina americana definia a conspiração como um

acordo entre duas ou mais pessoas para perpetrar um ato ilegal. Embora pátria da

Revolução, a Assembléia Francesa também aprovaria, em 14 de junho de 1791, a Lei

Chapelier, que proibia qualquer associação de pessoas da mesma ocupação, mesmo que

para fins recreativos, baseando-se na idéia de que, no regime da liberdade, nenhum corpo

intermediário entre o estado e o indivíduo deveria ser reconhecido.84

Nos Estados Unidos, no entanto, ao contrário do ocorrido na Inglaterra e na França,

foi o Poder Judicário, e não o Legislativo, que definiu, com exclusividade, o princípio da

conspiração. Aplicada às organizações de trabalhadores, ela afirmava que a negociação

coletiva do trabalho, em contraposição à individual, representava uma conspiração contra a

operação natural do mercado, por elevar artificialmente os salários e destruir a

competitividade econômica.85 Ou, no dizer de um economista do período, “A sociedade é

uma vasta colméia de compradores e vendedores, e todo homem traz algo para o mercado e

leva algo consigo. Eu faço algo por você, você faz algo por mim, esta é a lei fundamental

da sociedade”. 86 Construiu-se então o que Daniel Ernst chamou de uma cultura legal

vitoriana, que glorificava o individualismo, a retitude pessoal e as práticas privadas no

interesse do bem-comum.

em primeira instância chegam às cortes de apelação. A ponta da pirâmide é a Suprema Corte. Cf. TOINET, Marie-France. Op. Cit., p. 195 e seguintes. 84 Cf. RIMLINGER, Gaston. “Labor and the government: a comparative historical perspective”. In Journal of Economic History , Vol. 37, No. 1 (Março de 1977), p. 211, 212. 85 Para uma discussão sobre o darwinismo social característico deste momento da história americana, FONER, Eric. Op. Cit., 1988, 120 e seguintes. 86 Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 121.

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A legitimidade da aplicação da common law sobre os esforços associativos dos

trabalhadores era questionada tanto por aqueles que a identificavam à tradição jurídica

britânica, portanto inaceitável para a República americana, quanto por aqueles que, como

Jeremy Bentham, defendiam a codificação das leis de modo a emancipar as relações de

trabalho de antigas tradições corporativas, permitindo assim o desenvolvimento das

relações mercantis do antigo princípio de que o direito privado devesse ser submetido ao

interesse público, um dos fundamentos da common law.87

No entanto, conforme interpretada pelos juízes americanos, marcados por uma visão

de mundo em que o direito natural se assentava sobre o indivíduo e em que o costume não

tinha o peso da tradição inglesa, a common law tornou-se instrumento de desarticulação dos

esforços associativos dos trabalhadores. Em uma cultura legal em que interesses de grupo

ou coletivos não encontravam amparo na letra da lei, criou-se uma jurisprudência para as

relações de trabalho segundo a qual era negado aos trabalhadores o direito de dispor

ilimitadamente de sua força de trabalho através de greves ou boicotes, se tal disposição

infringisse os direitos de outros trabalhadores, prejud icasse a comunidade ou diluísse o

valor e o uso da propriedade privada.88

O caso que deu origem à sentença de 1806, Philadelphia Cordwainers’ Case, girava

em torno da legalidade de uma associação de trabalhadores criada em 1794. Neste ano, em

meio a intensas discussões a respeito da codificação das leis, como defendia Bentham, ou a

manutenção da common law,89 os jornaleiros do ofício de sapateiro da Filadélfia uniram-se

em uma Federal Society of Journeymen Cordwainers, com o objetivo de melhorar suas

87 Cf. MONTGOMERY, David. Citizen worker. The experience of workers in the United States with democracy and the free market during the nineteenth century. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 46, 47. 88 Cf. ERNST, Daniel. Op. Cit., 1995, p. 1 e seguintes. 89 Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 47.

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condições de trabalho e padrão de vida, exigindo dos mestres do ofício que empregassem

apenas membros da associação. Em resposta, os mestres acabaram por persuadir as

autoridades municipais a julgar os jornaleiros por conspiração, sob a acusação de a Federal

Society ter constituído um “estado dentro do estado”, uma ameça às liberdades de todos,

por negar aos trabalhadores que dela não faziam parte o direito de vender seu trabalho

livremente.

Para os jornaleiros envolvidos na disputa, a liberdade e a independência prometidas

pela Revolução abarcavam a liberdade de estabelecer, coletivamente, as condições que lhes

permitissem a vivência efetiva da independência econômica e social republicana. Para seus

oponentes, assim como para os tribunais, liberdade e independênc ia republicanas

significavam a liberdade dos indivíduos de usarem suas propriedades, inclusive sua força

de trabalho, de forma produtiva, livres de constrangimentos oriundos de regulações

coletivas.90 Segundo a opinião expressa pelo tribunal, “... uma combinação de trabalhadores

para aumentar seus salários pode ser considerada de duas maneiras: uma é a de beneficiar

seus membros, a outra a de causar prejuízos àqueles que dela não fazem parte. A lei

condena ambas”. 91 Tal visão do republicanismo acabaria por configurar-se como

plenamente dominante até 1842, período em que dezessete condenações por conspiração

foram realizadas contra organizações de trabalhadores. 92

Em 1842, a doutrina da conspiração começou a ser alterada no caso Commonwealth

v. Hunt, que girava em torno da capacidade de uma organização de trabalhadores impor sua

disciplina sobre cada um de seus membros individualmente. Jeremiah Horne fora multado

90 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 36; FINK, Leon. Op. Cit., 1987, p. 909; HALL, Kermit. Op. Cit., p. 112; GESTLE, Gary. Op. Cit., 1999, p. 74. 91 Apud JUSTICE, Betty. Unions, workers and the law. Washington, DC: The Bureau of National Affairs, Inc., 1983, p. 9. 92 Cf. HALL, Kermit. Op. Cit, p. 113; RIMLINGER, Gaston. Op. Cit., p. 213.

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pela associação da qual fazia parte por ter aceito trabalhar horas extras sem remuneração.

Quando seu empregador finalmente pagou as horas extras devidas, a multa foi retirada, mas

logo Horne foi novamente multado por outra infração. A associação decidiu então expulsá-

lo, deixando no entanto aberta a possibilidade de sua refiliação se ele se dispusesse a pagar

a multa correspondente e a assinar uma promessa de que iria, a partir de então, respeitar as

normas associativas. Diante de sua recusa, a associação exigiu de seu empregador que o

demitisse. Neste ponto, Horne dirigiu-se ao tribunal municipal de Boston, acusando a

associação de coação. O tribunal, baseado na doutrina da conspiração, deu- lhe ganho de

causa, e os sete membros da associação acusados de coação por Horne apelaram à Suprema

Corte de Massachusetts. O Juiz Lemuel Shaw, desta corte, reverteu a decisão do tribunal

municipal, afirmando que os melhores interesses da comunidade seriam resultado da

competição, e que as associações de trabalhadores eram um dos meios de estimular tal

competição. Portanto, ele estabelecia que as associações, em si, não eram ilegais, ainda que

seus atos pudessem sê-lo. As associações que visassem ao monopólio de seus ofícios

deveriam ser consideradas ilegais, por buscarem regular o mercado contra suas próprias leis

naturais, mas deveriam ser consideradas legais as que defendessem os interesses de seus

membros voluntariamente reunidos. Logo, os tribunais passaram a proteger a liberdade de

trabalhadores individuais contra o que consideravam uma coerção ilegal de associações de

trabalhadores que, em si, eram legais. Em Curran v. Galen, de 1897, a closed-shop, ou seja,

uma planta totalmente sindicalizada como resultado de um contrato coletivo de trabalho, foi

declarada ilegal, dado que o pertencimento ou não a um sindicato foi julgado como um

direito individual que não poderia ser imposto a um trabalhador para que ele obtivesse

emprego. Portanto, se as associações de trabalhadores não mais constituíam, por si sós,

conspirações contra o bem público, diversos tribunais continuaram a tratar suas atividades

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como tais em razão do princípio da liberdade de contrato, baseando evidentemente tal

liberdade na percepção de que empregados e empregadores, do ponto de vista individual,

eram juridicamente iguais, portanto livres para celebrar acordos. 93

A partir de 1877, no entanto, em que pese diversos tribunais continuarem a

condenar associações de trabalhadores por conspiração, o principal instrumento utilizado

pelos tribunais com vistas a desarticular os esforços associativos dos trabalhadores

americanos seriam as labor injunctions, que chegaram a cerca de 10 mil até 1931. Com tais

injunctions, a lei criminal passava a dar lugar à lei civil como o principal método legal para

combater as organizações sindicais. 94

Legalmente, uma injunction é uma ordem emitida por um juiz para que qualquer

pessoa ou conjunto de pessoas sejam impedidos de fazer algo sem que um julgamento deva

ser realizado previamente. Desta forma, por exemplo, líderes sindicais que desobedecessem

a uma labor injunction emitida por um juíz para cessar um piquete, um boicote, ou outra

atividade qualquer, estavam sujeitos a punição sumária, inclusive prisão. A partir de 1885,

elas foram utilizadas em números crescentes, segundo o entendimento de que o direito ao

negócio, isto é, o direito do empresário ao acesso irrestrito à força de trabalho e às

mercadorias de que tinha necessidade para que seu negócio funcionasse, era inseparável do

direito à propriedade.95

As labor injunctions foram responsáveis, em larga medida, pela desarticulação de

um dos mais importantes sindicatos industriais da década de 1890, o American Railway

93 Cf. HALL, Kermit. Op. Cit., p. 113 e 244; TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 43, 48, 49; COTTROL, Robert. “Law, labor, and liberal ideology: explorations on the history of a two-edged sword”. In Tulane Law Review , Vol. 67, No. 5, 1993, p. 1535. 94 Cf. RIMLINGER, Gaston. Op. Cit., p. 217; JUSTICE, Betty. Op. Cit., p. 9. 95 Se a injunction ordena a interrupção de alguma atividade, a writ of Mandamus ordena que uma decisão legal seja transformada em ação. Cf. TOINET, Marie-France. Op. Cit., 1994, p. 225; HALL, Kermit. Op. Cit., p. 245; TOMLINS, Christopher. Op.Cit., p. 50 e seguintes.

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Union (ARU), fundado em 1893. O setor ferroviário, por ser controlado por corporações,

por reunir trabalhadores de diferentes qualificações e por integrar diferentes estados da

União, seria um dos principais palcos de disputa entre os defensores de organizações

operárias reunidas em torno de profissões, como a Brotherhood of Locomotive Engineers

(BLE), voltadas para a defesa do mercado de trabalho de seus ofícios e para a assistência

social de seus membros, e os defensores de organizações industriais que englobassem

vários ofícios, como o ARU, condutor da greve da Pullman Car Company.96

A greve da Pullman Car Company, de 1894, teve início quando George Pullman,

proprietário da empresa e inventor dos vagões-dormitório, decidiu, por conta de

dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa, demitir 1/3 de seus funcionários e cortar

em 30% os salários dos remanescentes, sem cortar proporcionalmente os aluguéis das casas

de sua vila operária, nas cercanias de Chicago. Contra a greve, várias labor injunctions

foram emitidas por diferentes juízes e, por desobediência a elas, inúmeras lideranças

operárias foram enviadas à prisão. A Corte Federal de Chicago chegou a emitir uma labor

injunction proibindo o ARU de enviar cartas, mensagens ou comunicados que orientassem,

incitassem, encorajassem ou instruíssem qualquer pessoa a interferir com os negócios da

Pullman, ou que persuadissem qualquer trabalhador ferroviário a não executar suas

tarefas.97 Eugene Debs, principal líder do ARU e preso por desobediência a uma labor

injunction durante a greve, acabou por cumprir pena de 6 meses, após os quais fundaria o

Partido Socialista da América. Segundo ele, “… não foi o exército [nem] outro poder

qualquer, mas simplesmente os tribunais dos Estados Unidos, que acabaram com a

96 Cf. STROMQUIST, Shelton. Op. cit, p. 79. 97 Cf. RABBAN, David. Op. cit., p. 170.

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greve”. 98 Após a derrota da greve da Pullman, os sindicatos profissionais ferroviários, como

a BLE, acabariam por se fortalecer, dado que as corporações operadoras das ferrovias

passaram a com eles negociar preferencialmente, de modo a evitar novas contestações,

politicamente mais radicais e organizacionalmente mais amplas, vocalizadas pelos

sindicatos industriais.99

A partir da década de 1890, os tribunais passaram a decretar a ilegalidade das

organizações operárias também a partir da Lei Sherman Anti-Truste. A Lei afirmava que

qualquer contrato ou combinação na forma de truste, ou outra qualquer, que visasse a

restringir o comércio e as trocas entre os diferentes estados da União e entre esta e países

estrangeiros, passava a ser declarada ilegal. Em United States v. Workingmen’s

Amalgamated Council of New Orleans, de 1893, o Juiz Edward Billings, da Corte Distrital

Federal da Louisiana, foi o primeiro a usar uma labor injunction baseada na Lei Sherman,

vendo no sindicato exatamente uma conspiração para restringir o comércio inter-

estadual. 100

Desde cedo as organizações de trabalhadores fizeram a crítica ao papel dos tribunais

na desarticulação de seus esforços associativos. Ainda em 1806, John Milton Goodenow

afirmaria:

Como é absurdo, em um governo livre, deixar a um corpo de homens [o tribunal], sábio como Salomão e honesto como Job, dizer o que deve ou não constituir um crime, após os atos [em julgamento] terem sido cometidos; e quão imprudente seria conceder o poder de declarar a lei àqueles responsáveis pelo julgamento dos supostos ofensores [da lei].101

98 DEBS, Eugene. Apud FORBATH, William. Op. cit., p. 76. 99 Cf. STROMQUIST, Shelton. Op. Cit., p. 98 e 99. 100 Cf. HALL, Kermit. Op. Cit., p. 245. 101 GOODENOW, John Milton. Apud Cf. MONTGOMERY, David. Op. Cit., 1995, p. 47.

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Também a AFL faria críticas sistemáticas ao que considerava uma usurpação

indevida de poderes legiferantes pelos tribunais. Exatos cem anos depois das palavras de

Goodenow, Gompers afirmaria:

Eu devo respeitosamente advertir o poder legislativo para não sustentar estes déspotas [juízes], imitadores da tirania do velho mundo [por utilizarem a common law], em seus abusos de poder. (…) A classe trabalhadora, diante do poder usurpado pelos juízes de fazer legislação especial [as labor injunctions], já suportou bastante. Apontar homens para cargos vitalícios e apoiá-los sem levar em conta a vontade popular é o princípio básico da autocracia, retirado de outros sistemas e implantado no nosso. Deveria ser a defesa zelosa de todos os homens honestos e patriotas desencorajar tais abusos de poder e ninguém deveria, se valoriza a paz e a preservação dos outros ramos do governo, apoiar, por palavra ou ato, estas discriminações judiciais em favor de uma classe contra a outra. 102 No mesmo ano, em depoimento diante do Congresso Federal, o conselheiro da AFL

Thomas Spelling pedia que à Federação fosse deixado espaço institucional para o conflito e

a contratação coletiva do trabalho, sem a interferência dos tribunais. Segundo Spelling, as

labor injunctions, conforme determinadas pelos juízes, usurpavam poder do legislativo,

fazendo leis ex post facto e, desta forma, destruíam um dos lados das disputas trabalhistas,

os sindicatos.103 Quando a Suprema Corte do Distrito de Columbia garantiu à Buck’s Stove

and Range Company uma labor injunction que proibia os líderes da AFL de encorajar, por

palavras ou escritos, um boicote aos produtos da companhia, e particularmente quando a

Suprema Corte dos Estados Unidos, em Loewe v. Lawlor, afirmou que os trabalhadores em

greve poderiam ser acusados de conspiração de acordo com a Lei Sherman, o Conselho

102 Apud TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 65. 103 Nem todas as Cortes aceitaram o uso crescente das labor injunctions. Em 1902, a Suprema Corte do Missouri citaria a Constituição estadual para recusar a proibição de um boicote. Segundo a Corte, se aos membros de um sindic ato “não for permitido contar a história de seus problemas ou, se preferirem, seus supostos problemas, através da palavra oral ou escrita, e buscar o apoio de outros para ajudá-los por meios pacíficos de modo a solucionar tais problemas, o que resultará da liberdade de expressão da liberdade pessoal”? Apud RABBAN, David. Op. cit ., p. 172.

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62

Executivo da AFL, reunido em 18 de março de 1908, condenou a privação dos

trabalhadores em seus direitos e liberdades de livre contratação.104 Conseqüentemente, a

federação pedia emendas à Lei Sherman de modo a excluir organizações sindicais de sua

jurisdição, o que acabaria parcialmente acontecendo com o Clayton Act de 1914,

considerado por Samuel Gompers como a Magna Carta do movimento operário. 105

Desde pelo menos o caso Gompers v. Buck’s Range & Stove Co., Gompers basearia

a defesa da luta sindical na Primeira Emenda à Constituição, já que a labor injunction em

questão vedava-o, e à AFL, qualquer forma de publicização do fato de que a federação

sindical havia colocado a companhia em sua lista de empresas a serem boicotadas por seus

filiados.106 Em outubro de 1908, às vésperas das eleições presidenciais, a AFL afirmaria

mais uma vez que o Poder Judiciário estava substituindo o governo da lei, expresso pelo

poder legiferante do Legislativo, pelo governo dos juízes.107 Neste ano, coincidentemente, o

candidato vitorioso à Presidência da República seria ninguém menos do que o republicano

William Howard Taft, juiz federal que sempre defendera as labor injunctions contra as

organizações de trabalhadores. Em seu discurso de posse na presidência da República, Taft

afirmou:

104 É importante salientar que para o Movimento Progressista, assim como para os sindicalistas da AFL, a Suprema Corte representava um obstáculo aparentemente intransponível à democratização das relações de trabalho nos Estados Unidos, sendo a instituição da revisão judicial atacada como um mecanismo através do qual os representantes dos Grandes Interesses impediam a reforma social. Cf. KLARE, Karl. Op. Cit., p. 272.

105 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 65; GOMPERS, Samuel. Seventy years of life and labor. An autobiography. Ithaca: ILR Press, 1984, p. 186. O Act, em que pese ter sido considerado por Samuel Gompers como a Magna Carta do movimento sindical, não chegou a trazer todos os impactos dele esperados, dado o poder de interpretação que os juízes tinham na análise de cada caso. Em 1922, algo em torno de 300 labor injunctions foram emitidas em confltitos oriundos das estradas de ferro. As labor injunctions só perderiam poder com o Norris -La Guardia Act, de 1932. Cf. FINK, Leon. Op. Cit., 1987, p. 918 e 924; Cf. HALL, Kermit. Op. Cit., p. 207 e 245; ESTADOS UNIDOS. CONGRESSO DOS ESTADOS UNIDOS. “Norris -LaGuardia Anti-Injunction Bill, March 20, 1932”. In COMMAGER, Henry Steele. Documents of American History since 1898. Nova York: Appleton-Century-Crofts, 1963, p. 235-237. 106 Cf. RABBAN, David. Op. cit., p. 171. 107 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 65.

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63

Uma questão relativa aos trabalhadores suscitou a mais acalorada discussão. Ela dizia respeito ao poder dos tribunais federais em emitir injuctions em disputas industriais. A respeito de tal questão, minhas convicções são fixas. Retire-se dos tribunais o poder de emitir injunctions em disputas trabalhistas, se fosse possível fazê-lo, e criar-se- ia uma classe privilegiada entre os trabalhadores, poupando os foras-da-lei de um remédio necessário e disponível a todos os homens para a proteção de seus negócios contra a invasão ilegal. 108 Por ocasião da greve da Pullman, Taft afirmara que o movimento liderado por Debs

deveria ser dissolvido de qualquer maneira, mesmo que ao preço de sangue.109 E o sangue,

de fato, rolou em abundância nos conflitos trabalhistas do período. Ao lado da ação

desarticuladora do Poder Judiciário, e freqüentemente por ordem deste, os trabalhadores

americanos sofreram sistemáticas violências físicas contra seus esforços organizativos.

Alguns dos mais importantes episódios de enfrentamento entre trabalhadores de diversas

orientações políticas e forças armadas, tanto privadas quanto estatais, ocorreram então,

sendo que tropas federais foram utilizadas na repressão a movimentos grevistas 18 vezes

entre 1870 e a eclosão da Segunda Guerra Mundial.110 Por sua relevância, alguns destes

episódios devem ser destacados.

A greve ferroviária de 1877 foi a primeira grande greve de massas da história

americana. Iniciada no estado de West Virginia, logo se espalharia por diversos ramais da

Baltimore and Ohio Railroad, englobando dez estados e interrompendo o tráfico entre

Saint Louis e a Costa Les te. A greve, em que pela primeira vez as labor injunctions foram

usadas, teve início em julho quando da imposição de um corte salarial de 10%, o segundo

em oito meses, seguido da tentativa da empresa de manter as operações ferroviárias com o

108 TAFT, William Howard. “Extract from Inaugural Adress of President Taft, March 4, 1909”. Apud COMMAGER, Henry Steele. Documents of American History since 1898. Nova York: Appleton-Century-Crofts, 1963, p. 53, 54. 109 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 65; FORBATH, William, Op. Cit., p. 75. 110 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR STATISTICS. “Use of federal troops in labor disputes”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 53, No. 3, Setembro

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auxílio de forças militares. Na primeira semana de agosto, quando de seu término, após

dura repressão por tropas federais, mais de cem pessoas, entre soldados, grevistas e simples

curiosos, haviam morrido.

O segundo episódio a ser destacado foi o célebre Massacre de Haymarket, em

Chicago, em maio de 1886, em que trabalhadores em luta pela jornada de trabalho de oito

horas acabaram em confronto com policiais, resultando em quatorze mortos de ambos os

lados. Desde princípios do século XIX a questão da jornada de trabalho ocupava lugar

central na agenda dos movimentos de trabalhadores e somente com o Fair Labor Standards

Act, de 1938, foi estabelecido um teto de quarenta horas semanais, ainda que flexível, para

a jornada de trabalhadores engajados em atividades relativas ao comércio interestadual.111

O Massacre de Haymarket, que se deu em um contexto inserido nesta luta, acabou por criar

uma histeria anti-sindical em Chicago, resultando na execução de quatro líderes anarquistas

em 1887. Um quinto líder cometeu suicídio na cadeia, ao passo que mais dois cumpriram

penas de prisão perpétua. O Primeiro de Maio, dia em que iniciou-se o movimento pela

jornada de trabalho de 8 horas, acabaria por se tornar Dia do Trabalho em diversos

países.112

A seguir, em 1892, ocorreria a greve da Homestead Works, em Pittsburgh, em que

trabalhadores filiados ao sindicato industrial Amalgamated Association of Iron, Steel, and

Tin Workers (AAISTW) entraram em conflito com agentes da Agência Pinkerton,

especializada na repressão a grevistas e em espio nagem sindical, resultando em 16 mortes.

de 1941, p. 561; BRECHER, Jeremy. Strike! Cambridge: South End Press, 1997. 111 Cf. PETERSON, Florence (Bureau of Labor Statistics). “Review of strikes in the United States”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 46, No. 5, Maio de 1938, p. 1048; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Hours-of-labor legislation in the United States”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 51, No. 3, Setembro de 1940, p. 545. 112 Para uma análise do Primeiro de Maio na América Latina, Cf. BAO, Ricardo Melgar. El movimiento

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65

O motivo da greve foi uma tentativa de lockout por parte da empresa com vistas a

desarticular o sindicato. A greve da Homestead esteve intimamente articulada ao processo

de fusão de pequenas empresas e consolidação corporativa na indústria do aço. No período

imediatamente posterior à Guerra Civil, o AAISTW estava firmemente estabelecido na

indústria mas, quando, por volta de 1890, as pequenas empresas que a formavam

começaram a fundir-se, formando grandes corporações, o sindicato passou a ser

sistematicamente rejeitado para fins de contratação coletiva do trabalho. O Comitê do

Congresso formado para investigar a utilização de detetives da Agência Pinkerton na

desarticulação do sindicato acabou por afirmar que as negociações entre o sindicato e a

empresa haviam sido abruptamente interrompidas em função da hostilidade da última para

com o primeiro. O relatório afirmava, ainda, que se a empresa houvesse abandonado sua

postura autocrática e negociado com o sindicato, um acordo teria sido alcançado e, a greve,

evitada.113

Em 1894, ocorreria a grande greve da Pullman, que acabaria por ser duramente

reprimida por forças federais enviadas pelo presidente Grover Cleveland, resultando na

morte de 13 pessoas. As labor injunction emitidas contra o ARU por ocasião da greve da

Pullman tiveram grande impacto sobre Samuel Gompers, convencendo-o da inviabilidade

de estratégias sindicais baseadas em organizações industriais e politicamente radicais. Para

Gompers, tais estratégias fatalmente trariam como conseqüência a brutal repressão,

encorajada e legalmente sancionada pela Suprema Corte. 114

obrero latino-americano . Madri: Alianza Editorial, 1988, p. 195-210. 113 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. First annual report of the National Labor Relations Board, for the fiscal year ended June 30, 1936. Washington: United States Government Printing Office, 1936, p. 61. 114 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit , p. 61; FORBATH, William, Op. Cit., p. 78. Ainda assim, pelo menos desde 1911, a AFL já admitia um amálgama entre sindicatos profissionais e industriais, em função das alterações no mundo do trabalho e alguns sindicatos, como o United Mine Workers, buscavam organizar

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66

Para além das labor injunctions, condenações por conspiração e a aplicação da Lei

Sherman, os tribunais mantinham suas interpretações anti-sindicais em um outro registro.

Percebidos como associações voluntárias, os sindicatos não possuíam, segundo as

interpretações da grande maioria dos juízes, personalidade legal e, conseqüentemente, o

direito de processar empregadores que não cumprissem os acordos com eles porventura

assumidos. Dito de outra forma, os acordos entre empregadores e sindicatos não tinham o

valor legal de contratos entre partes legalmente constituídas. O papel dos sindicatos, de

acordo com tais tribunais, deveria ser o de induzir os empregadores a respeitar o costume

vigente na indústria em que atuassem no que se refere a salários e condições de trabalho,

deixando que cada trabalhador individual determinasse, por si só, em que medida o seu

próprio contrato individual estaria de acordo com tais costumes.115

Enquanto a ação dos tribunais, aliada à repressão, tanto pública quanto privada,

contribuíam para a desarticulação do sindicalismo industrial, nos moldes do ARU, e para a

construção da feição conservadora e anti-estatal da AFL, segmentos do Movimento

Progressista debatiam as formas mais eficazes de estabelecer a legitimidade dos sindicatos,

tanto a partir de uma crítica à cultura legal vitoriana quanto da economia política

neoclássica, ambas centradas no indivíduo como matriz de organização da sociedade. 116

todos os trabalhadores envolvidos nos trabalhos de minas e nos seus entornos. O UMW, no entanto, acabaria por se afastar da AFL na década de 1930, sendo um dos principais sindicatos fundadores do CIO. É importante frisar ainda que, enquanto o movimento sindical sofria “discriminações negativas” por parte do Poder Judicário, o Poder Executivo estimulava a criação de grupos de interesse patronais, de modo a agilizar o intercâmbio de informações e a intermediação de interesses destes. Assim, por exmpelo, o Departamento (Ministério) do Comércio e a própria Casa Branca tiveram papéis importantes para a criação da United States Chamber of Commerce, como forma de estimular o comércio exterior. Cf. WERKING, Richard Hume. “Bureaucrats, businessmen, and foreign trade: the origins of the United States Chamber of Commerce”. In Business History Review , Vol. LII, No. 3 (Outono de 1978), p. 321-341. 115 Cf. TOMLINS, Christopher. Op, Cit., p. 83-85. 116 Cf.`FORBATH, Willim. Op. Cit.

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1.4. O Movimento Progressista

Cada classe ou segmento da nação está se tornando consciente da oposição entre seus padrões e as atividades e tendências de alguma outra classe menos desenvolvida. O Sul tem o seu negro, a cidade tem suas favelas, o trabalho organizado tem o seu fura-greve, o movimento pela temperança tem o seu beberrão e o dono do saloon. Os amigos das instituições americanas temem o imigrante ignorante e os trabalhadores rejeitam os chineses. Todos estão começando a fazer distinções entre aqueles com qualificações para a cidadania daqueles de alguma classe ou classes que desejaria constranger ou excluir da sociedade.117

No dia 18 de agosto de 1894, Jane Addams quebrou sua rotina na Hull-House,

instituição social voltada à prestação de serviços sociais aos pobres de Chicago, para

participar de um esforço visando a dar um ponto final na greve que assolava a Pullman

Palace Car Company. Seus esforços somavam-se aos de vários membros da sociedade civil

de Chicago, reunidos em uma Federação Cívica, que buscavam encontrar meios para

superar o agudo conflito social que a cidade vivia. Mais de 10 anos depois, o historiador

Federick Jackson Turner proporia que a Universidade substituísse administradores,

legisladores, juízes e demais funcionários públicos por comissários que, desinteressada e

inteligentemente, mediassem os conflitos entre a “classe capitalista” e o “proletariado”.

Já então o conflito distributivo assumia contornos tão intensos que o Estado

americano acabaria por nele se envolver de forma crescente, não mais percebendo no livre

jogo das forças de mercado mecanismos adequados para a distribuição da riqueza nacional.

Em 1913, seria criado o Departamento do Trabalho com o objetivo de “Estimular,

promover e desenvolver o bem estar dos trabalhadores assalariados dos Estados Unidos,

melhorar suas condições de trabalho, assim como suas oportunidades de um emprego

117 PATTEN, Simon. “The theory of social forces”. In AAAPSS, 7, Jan. 1896, p. 143. Apud ROSS, Dorothy.

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lucrativo”. 118 Tal data seria considerada, pela própria burocracia estatal, como um marco

nas relações de trabalho nos Estados Unidos:

Descontado o elemento de arbitrariedade na fixação de datas a movimentos sociais, 1913 aparece como um ponto de mutação no movimento para assegurar, através de legislação e de agências púlbicas administrativas, o reconhecimento dos direitos e necessidades dos trabalhadores americanos e para dar passos definitivos, através de tais canais, no sentido do melhoramento das condições de trabalho e das relações industriais. 119 Em 1915, o relatório da Comissão de Relações Industriais dos Estados Unidos

defenderia medidas para redistribuir a renda nacional, afirmando que a única esperança

para a solução do conflito social era a rápida extensão dos princípios da democracia para a

indústria. Finalmente, em 1918, a Mediation Commission do Labor Department, em seu

relatório para o Presidente Woodrow Wilson, afirmava não ser mais possível, nas condições

da moderna indústria, uma empresa lidar com cada empregado individualmente, tornando-

se indispensável alguma forma de contratação coletiva do trabalho.120 Ao longo da Primeira

Guerra Mundial, o governo Wilson chegaria a criar uma National War Labor Board

(NWLB), agência com estrutura tripartite envolvendo representantes do empresariado, do

movimento sindical e do Estado, para dirimir os conflitos entre o s dois primeiros e impedir

que greves e demais formas de luta operária obstaculizassem o esforço de guerra.121

Op.Cit., p. 148. 118 ESTADOS UNIDOS. DEPARTAMENT OF LABOR. Twenty-Fourth Annual Report of the Secretary of Labor, for the fiscal year ended June 30, 1936 . Washington: Government Printing Office, 1936, p. 1. 119 STEWART, Estelle. Op. Cit., p. 297. 120 Idem, p. 310. 121 Cf. BROWN, Victoria. “Advocate for democracy: Jane Addams and the Pullman strike”. In SCHNEIROV, Richard; STROMQUIST, Shelton e SALVATORE, Nick (orgs.). Op. Cit., p. 133; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. Reports of the Department of Labor, 1913. Washington: Government Printing Office, 1914, p. 7 e seguintes; HOFSTADTER, Richard. Antiintelectualismo nos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967, p. 251, 252; McCARTIN, Joseph. Labor’s Great War. The struggle for industrial democracy and the origins of modern American labor relations, 1912-1921 . Chapell Hill e Londres: The University of North Carolina Press, 1997, p. 12.

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Claro está, portanto, que uma expressiva parcela dos trabalhadores americanos das

últimas décadas do século XIX e primeiras do XX não conseguia inserir-se no mundo do

trabalho árduo como caminho preferencial em direção à permanente ascenção social, um

dos pilares da cultura vitoriana. Dificilmente poderia ser diferente, dado que os Estados

Unidos passavam então por profundas transformações econômicas e sociais: o país não só

via consolidar-se a concentração do capital pelas grandes corporações, como a própria

sociedade redesenhava-se com a entrada massiva de imigrantes, em sua maioria do sul e do

leste europeus, católicos e judeus, que colaboravam para uma acelerada urbanização. Em

1900, 79% da população de dez cidades com mais de 100 mil habitantes era constituída por

estrangeiros e americanos de primeira geração e, entre 1900 e 1930, a população urbana

passou de 39,6% para 56,1% do total. 122

Tais transformações gerariam os fenômenos interligados e novos, para os padrões

do país, da generalização das relações de assalariamento e da pobreza urbana e branca, com

o conseqüente crescimento da insatisfação operária. Diante de um tal cenário, segmentos da

sociedade americana buscaram localizar as origens do conflito social e a eles dar reposta,

com o objetivo de reconstruir a perdida harmonia social da América. Surgia, assim, o

Movimento Progressista.

A natureza e as características do Movimento Progressista constituem temas

clássicos da historiografia norte-americana. Se, para Richard Hofstadter, ele teria sido um

movimento reativo e moralista, formado por membros da velha classe média como

jornalistas, ministros de igrejas e pequenos proprietários temerosos da perda de seu status

122 Cf. GALAMBOS, Louis e PRATT, Joseph. Op. Cit., 1988. Para os dados sobre imigração, Cf. ABRAMS, Richard. “Reforma e incerteza”. In LEUCHTENBURG, William (org.). O século inacabado. A América desde 1900. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976, p. 38. As 10 cidades são: Fall River, Massachusetts.; Milwaukee, Wisconsin.; Chicago, Illinois.; Detroit, Michigan; Nova York, Nova York; Worcester, Massachusetts.; Paterson, Nova Jersey; Cleveland, Ohio; Minneapolis, Minnesota.; São Francisco, California.

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social diante do poder das grandes corporações e das corruptas máquinas políticas urbanas,

para Robert Wiebe e os autores ligados à linha organizacional o progressivismo teria como

base social, pelo contrário, a nova classe média oriunda do processo de industrialização,

que buscava implementar, na esfera pública, os métodos organizacionais oriundos do

mundo empresarial. Gabriel Kolko ilustra uma terceira corrente, que percebe o

progressivismo como uma estratégia das grandes corporações americanas que teriam

buscado, através das medidas regulatórias estatais, construir um ambiente institucional

adequado à expansão capitalista. Finalmente Robert Filene representa uma quarta corrente,

minoritária, que nega a própria existência do Movimento, pela ausência por ele evidenciada

de um programa consistente, de uma base social identificável e de uma agenda de reformas

coerente.123 De fato, é complexa a natureza de um movimento capaz de propor e produzir

reformas aparentemente tão diferenciadas como a introdução de mecanismos de democracia

direta, como o referendo e o recall em alguns estados, e a progressiva perda dos direitos

civis e políticos dos negros no Sul e o aprofundamento da segregação racial, sancionada

pela lei e pelo costume nos estados sulistas e conhecida como Jim Crow.124

Cada uma destas correntes apresenta problemas conceituais e empíricos

importantes. Assim, Hofstadter apresenta dificuldades em demonstrar como a antiga classe

média americana tornou-se capaz de, diante da perda relativa de seu status, reverter uma

Para os dados sobre urbanização, Cf. ESTADOS UNIDOS. US CENSUS BUREAU. Census, 1995. 123 Cf. HOFSTADTER, Richard. The age of reform. Nova York: Vintage Books, 1955; Wiebe, Robert. The search for order, 1877-1920. Nova York: Hill and Wang, 1999 (a primeira edição é de 1967); KOLKO, Gabriel. The triumph of conservatism: a re-interpretation of American history, 1900-1916. Chicago: Quadrangle Books, 1963; FILENE, Peter. “An obituary for ‘The Progressive Movement’”. In American Quartely, No. 22 (1970), p. 20-34. 124 Cf. McDONAGH, Eileen. “The ‘Welfare Rights State’ and the ‘Civil Rights State’: policy paradox and state building in the Progressive Era”. In Studies in American Political Development, No. 7 (Outono de 1993), p. 225-274. Para uma visão geral do Jim Crow, e das principais respostas negras à questão da inserção do negro na sociedade norte-americana, as de Booker T. Washington e W.E.B Du Bois, Cf. GOMES, Heloisa Toller. “Introdução”. In DU BOIS, W.E.B. As almas da gente negra . Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999, p. 7-23.

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situação social e politicamente desfavorável e hegemonizar um programa político que

buscava, justamente, restabelecer sua condição prévia. A corrente organizacional, por seu

lado, percebe o Estado como um agente político socia lmente neutro, pairando absoluto

sobre os interesses privados e arbitrando as disputas destes, enquanto Kolko abraça uma

visão eminentemente instrumental do Estado, que o torna refém das estratégias traçadas

pela burguesia industrial. Filene, por último, contraria a visão dos atores e de grandes

movimentos sociais de inícios do século XX americano, que se percebiam e se auto-

nomeavam como militantes de um Movimento Progressista. Uma visão distinta do

Movimento percebe-o como resultado da ação de uma ampla gama de atores sociais -

reformadores de classe média, líderes empresariais, profissionais liberais, sindicalistas,

membros do clero e funcionários do Estado - que buscavam dar diferentes soluções ao

aguçamento do conflito social e a outros fenômenos relacionados à sensação de perda da

harmonia social causada pelo chamado industrialismo e pela chegada massiva de

imigrantes.125 Portanto, o Progressivismo consistiu de uma ampla gama de respostas

construídas por diferentes atores sociais, em conflito e formando coalizões uns com os

outros, ao processo de diferenciação social e modernização capitalista vividas pelos Estados

Unidos nas primeiras décadas do século. Conseqüentemente, não havia uma, mas várias

agendas progressistas, e as diferentes reformas então implementadas surgiram como

resultado das coalizões que os diferentes atores conseguiram construir e das sucessivas

correlações de forças que tiveram que enfrentar.

A unificar as diversas agendas progressistas, a defesa da reconstrução da harmonia

social da América. Como fazê-lo, no entanto, era matéria de debate. Henry Ford,

125 A visão do progressivismo está baseada principalmente em LINK, Arthur e McCORMICK, Richard. Progressivism. Arlington Heights: Harlan Davidson, Inc., 1983.

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considerado na década de 1910 o exemplo de empresário progressista, rejeitava qualquer

participação do Estado no processo que levaria a tal objetivo. Para Ford, os “males da

indústria” deveriam ser resolvidos pela própria indústria - através de altos salários, uma

rígida moral sexual, uma vigorosa ética do trabalho - que deveria, ademais, contribuir para

a americanização de seus trabalhadores imigrantes.126

Para Ford e outros reformadores sociais, a americanização de imigrantes católicos e

judeus, portanto supostamente destituídos das virtudes puritanas do trabalho árduo, era

percebida como central para a reconstrução da harmonia social. Os programas de

americanização, no entanto, tão comuns na Era Progressista, contaram com a ativa

participação do Estado e representaram, para os imigrantes, uma sistemática coerção sobre

seus valores e estilos de vida, inclusive no que se refere aos seus hábitos etílicos, como

atestou a Lei Seca.127 Ao mesmo tempo, os cursos de cidadania, criados para fortalecer a

lealdade política dos imigrantes, tornaram-se elemento permanente dos currículos das

escolas públicas em todos os estados. Também a eugenia, da qual a própria Lei Sêca

constituía elemento, teve um papel fundamental para o Movimento Progressista. Com suas

propostas de reformas morais e higiênicas, a eugenia vinha fornecer vários elementos para a

agenda Progressista, ao mesmo tempo em que aparecia, aos olhos dos elementos mais

conservadores do Movimento, como uma ciência adequada à manutenção da pureza da raça

anglo-saxônica e da ordem social. Conseqüentemente, programas eugênicos, como os

relativos à regulamentação da habitação e a moral operárias (a vida em cortiços era

associada, por exemplo, a doenças morais como a sífilis), foram parte fundamental do

126 Cf. MEYER III, Stephen. The Five Dollar Day. Labor, management and social control in the Ford Motor Company, 1908-1921. Albany: State University of New York Press, 1981; VIANNA, Luiz Werneck. Op. Cit., 1976, p. 71. 127GERSTLE, Gary. Op. Cit., 1989, p. 3-4.

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Movimento e das posturas municipais de inúmeras cidades americanas.128 No entanto, para

uma expressiva parcela do Movimento Progressista, o Estado não deveria se ater à

regulação dos hábitos sexuais e etílicos dos imigrantes, mas deveria atingir a raiz mesma da

perda da harmonia social: o chamado industrialismo. Em outras palavras, e para o horror de

Ford, segmentos importantes de progressistas defendiam a regulação estatal da própria

economia.

A defesa da participação do Estado na promoção do crescimento e na regulação da

economia americana não começou, evidentemente, na Era Progressista. Desde Filadélfia, os

Federalistas defendiam abertamente a intervenção estatal como forma de criar as bases

materiais da República. Alexander Hamilton, quando Secretário do Tesouro nos anos 1790,

adotou um programa econômico que buscava favorecer os interesses comerciais e

manufatureiros e mesmo Thomas Jefferson, quando presidente, ordenou o planejamento da

National Road, a primeira intervenção estatal de larga escala para melhorar a infra-estrutura

do país. No entanto, até pelo menos a Guerra Civil, o governo nacional não assumiu um

papel regulatório extensivo.129 Pelo contrário, ocorreu ao longo da primeira metade do

século XIX uma grande resistência a que o estado regulasse atividades econômicas. A

introdução do motor a vapor no transporte fluvial e nas ferrovias, por exemplo, causou

grande controvérsia neste sentido. Só entre 1850 e 1851 mais 760 pessoas perderam suas

vidas em explosões de barcos a vapor. Diante deste quadro, o Congresso viu-se na

necessidade regular a nova tecnologia, como estavam fazendo a Inglaterra e a França, onde

128 Cf. DIKÖTTER, Frank. “Race culture: recent perspectives on the history of eugenics”. In American Historical Review. Vol. 103, n. 2 (Abril de 1998), p. 467-478. Os processos de americanização dos imigrantes conheceria seu desfecho na “solução do problema imigrante” em 1924, quando a imigração para os Estados Unidos foi fechada. Cf. HIGHAM, John. Strangers in the Land: patterns of American nativism, 1860-1925. Nova York: Atheneum, 1965. Para uma apresentação dos princípios eugênicos, Cf. LIMONCIC, Flávio. “Eugenia”. In SILVA, Francisco Carlos Teixeira da et alli (org.). Dicionário crítico do pensamento da direita. Idéias, instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ, Mauad, 2000, p. 158-159.

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74

o número de mortes já era muito menor. Finalmente, após longa discussão, em 1852 foi

aprovado o primeiro grande ato regulatório dos Estados Unidos, que balizava as operações

dos barcos a vapor, fixava normas para a construção de boilers e estabelecia agências para

inspecionar, licenciar e investigar as operações das embarcações, ocasionando uma queda

acentuada nos acidentes.130

Com o advento do Movimento Progressista, o papel regulatório do Estado seria de

novo colocado na ordem do dia, ainda que inexistisse consenso a respeito de quais seriam

os instrumentos regulatórios capazes de restabelecer a perdida harmonia social. Nas

eleições presidenciais de 1912, duas candidaturas propuseram estratégias estatais distintas

para tal fim: a Nova Liberdade, de Wilson, do Partido Democrata, de matriz jeffersoniana,

defendia a quebra do poder dos conglomerados pelo Estado e a volta ao mundo dos

pequenos negócios, ao passo que o Novo Nacionalismo, de Theodore Roosevelt, do então

recém-formado Partido Progressista, de matriz hamiltoniana, defendia a existência dos

conglomerados por seus efeitos benéficos sobre a eficiência produtiva e a concorrência

intercapitalista, cabendo ao Estado o papel de regulá-los, impedindo a formação de

monopólios.131 Vitorioso nas eleições, Wilson acabaria por fazer um governo mais

identificado ao Novo Nacionalismo do que à Nova Liberdade, principalmente durante a

129 Cf. HALL, Kermit. Op. Cit., p. 89, 93. 130 Idem, p. 93. 131 Em sua presidência, entre 1901 e 1909, Theodore Roosevelt patrocinou 45 ações contra empresas por violação da Lei Sherman, ao passo que seus antecessores, em dez anos, não invocaram a lei mais do que 20 vezes. Cf. TOINET, Marie-France. Op.Cit., p. 141. Em sua mensagem ao Congresso, de 3 de dezembro de 1901, ele já reconheceria os enormes benefícios, mas também os perigos, trazidos pelos trustes e afirmaria: “Há uma convicção generalizada, nas mentes dos americanos, que as grandes corporações conhecidas como trustes são, em algumas de suas dimensões e tendências, perigosas para o bem-estar geral. Tal sentimento baseia -se na sincera convicção que as fusões e a concentração [de capital] não devem ser proibidas, mas supervisionadas e, dentro de certos limites, controladas. E, no meu modo dever, tal convicção é correta”. ROOSEVELT, Theodore. “Extract from first annual message to Congress, Dec. 3, 1901”. Apud COMMAGER, Henry Steele. Op.Cit., p. 21.

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75

Primeira Guerra Mundial, quando diversas agências estatais, como a NWLB, foram criadas

para gerenciar a produção bélica e regular a economia.132

Tais agências, que segundo a perspectiva dos intelectuais e reformadores sociais

progressistas hamiltonianos, deveriam expressar institucionalmente o ideal de bem público

neutro e gerenciador do universo dos interesses privados, tiveram um duplo impacto sobre a

esfera pública. Inúmeras agências regulatórias então criadas acabaram por ser controladas

pelos setores econômicos que deveriam, justamente, regular.133 Em outras áreas, no entanto,

a esfera pública expandiu-se, como no que se refere à mediação do conflito distributivo,

principalmente durante a Grande Guerra, momento em que, pela primeira vez, o

movimento sindical teve reconhecida sua legitimidade como ator político coletivo.134

Emergia, assim, uma nova burocracia técnica e um novo Estado administrativo, no

lugar do Estado de “cortes e partidos” do século XIX, em que o Poder Executivo assumiu

crescente importância na regulação da economia.135 É importante notar, no entanto, que,

não tendo herdado burocracias nacionais ao estilo das monarquias européias, o executivo

federal norte-americano desenvolveu capacidades administrativas bastante limitadas até

pelo menos o New Deal, e mesmo então teve que contar com a oposição do Congresso, da

Suprema Corte e dos governos estaduais e locais. 136 Conseqüentemente, o principal

132 Cf. HAWLEY, Ellis. The Great War and the search for a modern order. Prospect Heights: Waveland Press, 1997; JEFFERSON, Thomas. “Escritos políticos”. In WEFFORT, Francisco (org.). Federalistas. São Paulo: Editora Abril, Coleção Os Pensadores, 1973, p. 7-46; HAMILTON, Alexander. “O Federalista”. In WEFFORT, Francisco (org.). Op. cit., Capítulos 1, 11, 14. 133 Cf. PEGRAM, Thomas. Partisans and progressives: private interests and public policy in Illinois, 1870-1922. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1992. 134 Cf. McCARTIN, Joseph. Op. Cit. 135 Cf. McCORMICK, Richard. “The discovery that business corrupts politics: a reappraisal of the origins of Progressivism”. In The American Historical Review, Vol. 86, No. 2 (Abril de 1981), p. 247-274. Para Thomas Pegram, no entanto, as máquinas políticas partidárias continuaram ativas naquele momento, não só como intermediárias das reivindicações dos imigrantes no nível local, mas também através de grandes lideranças que encarnariam o interesse público, como Theodore Roosevelt. PEGRAM, Thomas. Op. Cit. 136 Cf. SKOCPOL, Theda. “Political response to capitalist crisis: neo-marxist theories of the state and the case of the New Deal”. In DUBOFSKY, Melvyn (org.). The New Deal. Conflicting interpretations and shifting

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76

instrumento de regulação estatal da economia seriam agências administrativas que, por

delegação do Congresso, congregavam funções executivas, legislativas e judicais a serem

aplicadas no ramo econômico sobre o qual deveriam exercer suas atividades regulatórias.137

Conseqüentemente, na década de 1920, a autoridade administrativa abarcava a regulação da

agricultura, a navegação, os investimentos, os transportes e várias outros segmentos

econômicos.138

As mudanças relativas ao papel do Estado durante a Era Progressista acabariam por

refletir-se no caráter do liberalismo norte-americano. Diante da incapacidade do liberalismo

econômico em reproduzir uma sociedade liberal, ou seja, quando a livre empresa

transformou-se em conglomerado e monopólio e os indivíduos viram sua capacidade de

ação transformar-se em farsa diante do poder das grandes corporações, os liberais

americanos passaram a perceber no Estado o fiador da liberdade e da dignidade do

indivíduo. A partir de então, e pelo menos até a década de 1980, o liberalismo norte-

americano seria marcado pela constante defesa da regulação estatal na vida econômica e

social. 139

Por outro lado, o reconhecimento, durante o governo Wilson, da legitimidade do

movimento sindical e sua inserção no processo decisório durante a Guerra, vinha coroar um

processo iniciado desde fins do século XIX e princípios do XX e que se caracterizaria pela

emergência e a crescente legitimação política dos grupos de interesses, tanto dos

trabalhadores (ainda que não juridicamente legitimados) quanto patronais, que vinham

perspectives . Nova York e Londres: Garland Publishing, Inc., 1992, p. 75. 137 Cf. BENSEL, Richard Franklin. Yankee Leviathan. The origins of central state authority in America, 1859-1877. Cambridge: Cambridge University Press, 1995; HALL, Kermit. Op. Cit., p. 205; REIGEL, Stanley e OWEN, P. John. Administrative law. The law of governemnt agencies . Ann Arbor: Ann Arbor Science, 1982, Capítulo 1. Todas estas agências têm o poder de fazer leis administrativas e implementá-las. 138 Cf. SKOWRONEK, Stephen. Op. Cit.

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77

formar, ao lado dos partidos políticos, novos canais de representação e intermediação dos

interesses junto ao Estado administrativo. O Movimento Progressista testemunharia, assim,

uma importante discussão teórica a respeito de qual deveria ser o papel de tais grupos na

nova comunidade política americana que se forjava, particularmente os grupos de interesses

dos trabalhadores.

139 Cf. GERSTLE, Gary. “The Protean character of American liberalism”. In The American Historical Review , Vol. 99, No. 4 (Outubro de 1994).

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1.5. Herbert Croly, John Commons e a defesa dos grupos de interesses

Herbert Croly foi um dos mais importantes intelectuais progressistas, tendo cunhado

o slogan Novo Nacionalismo, apropriado por Theodore Roosevelt e seu Partido

Progressista em 1912. Fundador, ao lado de Walter Lippman, da revista New Republic, seu

primeiro livro, The promise of American life, publicado em 1909, logo se tornaria a obra

central da corrente hamiltoniana do progressivismo.140 Nele, Croly percebia as grandes

corporações como um dado irreversível, e mesmo desejável, da economia moderna,

cabendo ao Estado o papel de regulá- las. O livro de Croly não trazia, contudo, uma

diagnóstico original da crise por que passava o país. Três anos antes, Henry Demarest

Lloyd havia publicado Man, the social creator, uma articulação de críticas ao

industrialismo, por ter este destruído a homogeneidade social supostamente característica

da América, e de louvação a este mesmo industrialismo, por ter criado as bases

institucionais e econômicas para a construção de uma nova ordem cooperativa e não-

competitiva, baseada na compreensão, na fraternidade e na superação das facções e dos

partidos políticos. O Estado progressista deveria, portanto, através de servidores

qualificados, e ouvindo o povo através de referendos e iniciativas populares, preservar os

aspectos positivos da nova economia industrial e superar os negativos, tendo como meta a

construção do bem comum.141

140 Cf. CROLY, Herbert. The promise of American life. Boston: Northeaster University Press, 1989. Para uma visão do pensamento de Croly, Cf. LIMONCIC, Flávio. “A promessa da vida americana: Herbert Croly, as “discriminações constru tivas” e a questão do Estado norte-americano”. In REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Intelectuais, história e política (séculos XIX e XX) . Rio de Janeiro: Editora Sette Letras, 2000, p. 75-97. 141 Esta identidade entre as idéias de Lloyd e Croly, assim como as inspirações comtistas, hegelianas e da psicologia social americana de inícios do século XX no pensamento de Croly, são desenvolvidas extensamente por NOBLE, David. “Herberty Croly and the American progressive thougtht”. In ROCHE, John (org.). American political thougtht. Nova York, Evanston e Londres: Harper Torchbooks, 1967, p. 259-283.

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A questão central de The promise of American life é, justamente, a construção de

um Estado progressista que, simultaneamente, extraísse as potencialidades positivas do

industrialismo e restituísse a harmonia social à América. Para tal, Croly rompia com o

liberalismo econômico e o individualismo vitorianos:

A realização da Promessa Americana era considerada inevitável [no século XIX], dado que baseada em uma concepção que articulava auto-interesse e uma natureza humana generosa. Por outro lado, se a realização de nossa Promessa nacional não pode mais ser considerada inevitável, se deve ser percebida como um propósito nacional consciente, ao invés de um destino nacional inexorável, o desdobramento necessário é o de que a confiança depositada no auto-interesse individual foi, em alguma medida, traído. Nenhuma harmonia prévia pode então existir entre a satisfação livre e abundante das necessidades privadas e o cumprimento de um resultado social moralmente desejável. A Promessa da Vida Americana será realizada não meramente por um máximo de liberdade econômica, mas por uma certa medida de disciplina; não meramente pela satisfação abundante dos desejos individuais, mas por uma boa medida de subordinação individual e auto-renúncia. (…) A automática realização da Promessa nacional americana deve ser abandonada justamente porque a tradicional confiança americana na liberdade individual resultou em uma distribuição da riqueza moral e socialmente indesejável. 142 Como desdobramento, Croly abraçava concepções hamiltonianas de Estado:

É preciso que haja uma regulação [estatal] eficiente; e deve ser uma regulação que atinja o mal pela raiz, não apenas os sintomas. A atual concentração de riqueza e poder financeiro nas mãos de poucos homens irresponsáveis é o desdobramento inevitável do individualismo caótico de nossa organização política e econômica, ao passo que é inimiga da democracia, porque tende a introduzir abusos políticos e desigualdades sociais no sistema. A conclusão a que se chega pode não ser consensual, mas não deve ser abandonada. Ao tornar-se responsável pela subordinação do indivíduo às demandas de um propósito nacional dominante e construtivo, o estado americano vai, com efeito, fazer de si próprio o responsável por uma distribuição da riqueza moral e socialmente desejável. 143

142 CROLY, Herbert. Op. cit., 1989, p. 22. 143 Idem, p. 23.

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Tal visão a respeito da economia e sociedade americanas seria amplamente

confirmada pela Comissão de Relações Industriais do Congresso Americano, de 1915.

Segundo o Relatório Final da Comissão, o controle da indústria americana estava

concentrado em um número reduzido de financistas poderosos e, como raras exceções, cada

indústria básica era dominada por uma única grande corporação.144

Para modificiar esta situação, Croly defendia uma ampla reestruturação do Estado e

uma redistribuição de poderes e atribuições entre este, as grandes corporações e o trabalho

organizado. A reestruturação do Estado se fazia necessária porque, tendo sido construído à

época da fundação da República, portanto em um momento em que o corpo político da

nação seria essencialmente harmônico e não conflitivo, sua estrutura se revelaria

inadequada para fazer face à nova situação na qual dois atores sociais com interesses

particularistas e egoístas, as grandes corporações e o trabalho organizado, colocavam em

risco a coesão social. 145 Tal reestruturação exigiria ainda uma crítica à idéia de igualdade de

direitos. Segundo Croly, tal igualdade obscureceria o fato de que a sociedade cria

permanentemente desigualdades, que deveriam ser corrigidas através do que chamava de

‘discriminações construtivas’, ou seja, o favorecimento a alguns grupos no interesse do bem

de todos, cabendo ao Estado o papel de agente e árbitro de tais discriminações.

No que se refere ao mundo empresarial, o Estado deveria discriminar decididamente

a favor das grandes corporações e, neste sentido, Croly defendia o fim da Lei Sherman

Anti-Truste, restringindo o combate às grandes empresas apenas quando estas se

144 UNITED STATES. US COMMISSION ON INDUSTRIAL RELATIONS. “Final Report of the Commission on Industrial Relations, 1915”. Apud COMMAGER, Henry Steele. Documents of American History since 1898 . Nova York: Appleton-Century-Crofts, 1963, p 108. 145 Cf. CROLY, Herbert. Op.Cit., p. 131. A questão da escravidão e dos negros, embora surja em diversos momentos na obra de Croly, não constituía para ele um problema central que colocasse em risco a harmonia social. Croly discute ambas com um enfoque voltado principalmente para a política partidária do século XIX. Sobre a questão racial em Croly, Cf. BLUM, John Morton. Liberty, Justice, Order. Essays on past politics.

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transformassem em monopólios. Para Croly, as grandes corporações haviam introduzido

eficiência e racionalidade na economia americana, dado que haviam surgido, justamente,

para colocar limites à acirrada e caótica concorrência entre as diferentes empresas de um

mesmo setor. Às pequenas empresas, base da concepção econômica jeffersoniana, Croly

devotava desprezo: “O processo de organização industrial deveria ter liberdade para seguir

seu curso. Sempre que o pequeno competidor de uma grande corporação for incapaz de

manter sua cabeça fora d’água por seus próprios meios, deve -se deixar que se afogue”. 146

Se Croly defendia uma ‘discriminação construtiva’ ao grande capital, defendia-a

também para os sindicatos, que deveriam contribuir para a maximização da eficiência da

economia ao disciplinarizar as categorias que representassem. Tal discriminação deveria

atribuir- lhes reconhecimento legal, premiando os “bons” sindicatos, ou seja, os que agissem

de acordo com o interesse nacional, e reprimindo os “maus”, aqueles que insistissem em

agir segundo reivindicações classistas:

Os sindicatos de trabalhadores estão absolutamente corretos em acreditar que todos os que não são a favor deles são contra, e que um Estado que fosse “imparcial” estaria adotando um método hipócrita de impedir o trabalhador de conseguir melhorar suas condições de vida. Os sindicatos merecem apoio franco e leal: e até que eles o obtenham, permanecerão, como agora, meras organizações de classe com o propósito de extrair, das autoridades políticas e econômicas, o máximo de suas reivindicações particulares.147

Com sua proposta de reconstrução na cional, Croly possuía um objetivo

essencialmente cultural, a construção de uma sociedade orgânica em que o individualismo e

Nova York, Londres: W.W. Norton & Company, 1993, p. 96. 146 CROLY, Herbert. Op. cit., 1989, p. 359. 147 Idem, p. 390.

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o egoísmo seriam suplantados pela idéia de uma comunidade cooperativa e solidária, dentro

da qual cada indivíduo encontraria a sua função na construção do projeto nacional. 148

Em 1917, Croly escreveria: Democracias, e sobretudo a democracia americana, têm quase que selvagemente evitado o crescimento, dentro da nação, de instituições corporativas [corporate bodies] cuja competição o governo temesse. Sua filosofia política, herdada de Rousseau, tem sido uma contraditória combinação de individualismo e indivisibilidade, que as persuadiu a discriminar centros alternativos de lealdade. Seus líderes têm falhado em compreender em que extensão uma organização nacional forte e coerente deve ser o reflexo não apenas da independência de caráter dos cidadãos individuais, mas também da genuína independência da parte daquelas associações que representam suas atividades industriais e sociais fundamentais. O reconhecimento legal destas associações constitui a melhor garantia possível contra a arrogância e o abuso tanto do poder estatal quanto do poder de qualquer associação profissional ou comercial. Na medida em que a estas associações é premitido seu florescimento e sua plena capacidade, elas necessitarão do Estado como uma agência correspondentemente forte de coordenação; e por esta mesma razão o Estado deveria buscar fortalecê- las quando estiverem fracas, e desta forma obter uma fundação segura para a legitimidade de sua própria autoridade e para a lealdade de seus cidadãos.149

Croly expressava assim, mais uma vez, a legitimidade e mesmo necessidade da

constituição dos grupos de interesse, tais como os sindicatos, que mediassem as relações

entre o indivíduo atomizado tanto com o Estado quanto com o mercado, evidenciando

assim sua crítica à tradição legal vitoriana e ao sistema partidário americano. Se, de fato, o

“sistema de cortes e partidos” do século XIX estava dando lugar à construção de um estado

148 Ibidem, p. 452 e seguintes. Para uma discussão do caráter cultural do projeto de Croly, Cf. PELLS, Richard. Radical visions and American dreams. Culture and social thought in the Depression years. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1998, p. 6 e seguintes. Para uma análise da tensão existente em The promise of American life entre, de um lado, a idéia de uma elite dirigente e a crítica à igualdade de direitos e, de outro, a questão democrática, Cf. STETTNER, Edward. Shaping modern liberalism. Herbert Croly and progressive thought. Lawrence: University Press of Kansas, 1993, Capítulo 3. Embora seja sempre arriscado aferir influências familiares sobre a obra dos pensadores, é interessante notar que o pai de Herbert Croly, David Croly, dedicou sua vida intelectual à divulgação da obra de Auguste Comte nos Estados Unidos. Neste sentido, a visão organicista da ordem social comtiana pode ter inspirado Croly em sua proposta de uma reconstrução cultural da sociedade americana. Para uma análise do pensamento de Comte no quadro geral da construção das ciências sociais nos Estados Unidos, ROSS, Dorothy. Op. Cit., 1992. 149 CROLY, Herbert. “The future of the state”. In The New Republic, Sept. 15, 1917, p. 182, 183.

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administrativo em princípios do XX e se um dos fundamentos do Movimento Progressista

era a entrada de interesses privados na esfera pública através de agências administrativas,

tais interesses deveriam de alguma forma se organizar que não através de partidos políticos.

Assim, por exemplo, se os negros não mais conseguiam se fazer representar através de seus

votos, pois haviam perdido o direito a estes, passaram a se organizar em grupos de pressão,

fosse a partir de suas congregações religiosas, fosse a partir de organizações tais como

National Association for the Advancement of the People of Color (NAAPC).

A crítica à representação partidária era tema recorrente entre reformadores sociais

de princípios do século XX, que a percebiam não só como inerentemente corrupta mas

como inadequada para fazer face às novas condições sociais, políticas e econômicas do

país. John Commons chegaria mesmo a defender, em fins do século XIX, a representação

classista no Congresso americano como única forma de corrigir as distorções e

insuficiências da representação partidária tradicional. Segundo ele, dadas as novas

características da sociedade e da economia americanas, a representação dos novos

interesses não deveria ser deixada a cargo, exclusivamente, dos políticos, mas de

organizações patronais e de trabalhadores, cujos líderes poderiam chegar a acordos e fazê-

los cumprir.150

Para Commons, ao contrário do que pensavam os economistas políticos

neoclássicos, a economia não seria um fenômeno individual, que encontraria seu equilíbrio

através dos mecanismos de mercado, mas coletivo, realizado por grupos de interesses,

portanto necessitando de mecanismos que ajustassem e conciliassem os diferentes

150 Cf. SCHATZ, Ronald. “From Commons to Dunlop: rethinking the field and theory of industrial relations”. In LICHTENSTEIN, Nelson e HARRIS, Howe ll John. Industrial democracy in America. The ambigous promise. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, p. 99-100; ROSS, Dorothy. Op. Cit., p. 202 e seguintes.

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interesses, tornando possível o seu funcionamento. Dentre tais mecanismos, as negoc iações

coletivas e os contratos coletivos de trabalho ocupavam lugar central. No entanto, para

Commons, as organizações de trabalhadores não deveriam sofrer qualquer tipo de

regulação estatal, posto que eram associações voluntárias e deveriam permanecer como

autonomamente organizadas. Ao Estado, deveria caber apenas o papel de supervisionar a

aplicação dos contratos coletivos de trabalho por elas celebrados. Commons era contrário

mesmo ao estabelecimento, por legislação, de salários e jornada de trabalho, percebendo

ambos como necessariamente frutos da contratação coletiva do trabalho. Era contrário,

também, a que o Estado obrigasse o patronato a reconhecer os sindicatos dado que, para

fazê-lo, teria que garantir o caráter democrático de cada um deles, imiscuindo-se

necessariamente em suas vidas internas. 151 Commons, cujas visões teriam muito em comum

com a dos pluralistas industriais dos anos 1920, possuía posições afins também às da AFL

de princípios do século XX. Para ambos, o bem-comum seria a expressão da soma da

satisfação dos interesses de grupos privados e, portanto, a comunidade política ideal seria

aquela formada por um número variável de instituições equivalentes, que estabeleceriam

acordos temporários ou permanentes umas com as outras.152

Já Croly colocava-se dentre aqueles que, tal como os realistas legais mais tarde,

defendiam uma ativa participação do Estado na configuração e legitimação de tais grupos

de interesses. Nos anos 1920, Croly chegaria a flertar com o corporativismo fascista como

modelo de organização política capaz de superar o individualismo e o atomismo

característicos do liberalismo.153 Mas não só ele. Mesmo o historidor Charles Beard

151 Cf. ERNST, Daniel. “Common laborers? Industrial pluralists, legal realists, and the law of industrial disputes, 1915-1943. In Legal History Review, Vol. 11, No. 1 (Primavera de 1993), p. 59-100. 152 Cf. TOMLINS, Christopher. Op.Cit., p.77. 153 Cf. DIGGINS, John. Op. Cit., 1966, p. 487. No entanto, a base do apoio que o fascismo italiano recebeu dos liberais americanos nos anos 1920 vinha de seu experimentalismo e pragmatismo. Em 1928, o

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afirmava que o fascismo era um experimento que buscava reconciliar o individualismo e o

socialismo, a política e a tecnologia, e que seria um erro julgá- lo pelas declarações

extravagantes de seu líder, obscurecendo-se assim suas potencialidades e lições.154 Como

os pluralistas industriais, os realistas legais negavam tanto o individualismo da economia

política neoclássica quanto a teoria social marxista, localizando, nos grupos de interesses, a

forma agregativa básica da sociedade. Tornava-se imperativo recompor um equilíbrio de

forças capaz de proporcionar harmonia social à América através da superação da anarquia

advinda do isolamento do indivíduo frente ao novo mundo das grandes corporações. No

entanto, ao contrário destes, os realistas legais percebiam legitimidade muito maior em

mecanismos de controle social sobre tais grupos, assim como uma regulação muito mais

estrita no campo das relações de trabalho do que os pluralistas industriais poderiam admitir,

dado que haveria um bem comum superior, definido pelo Estado, aos interesses privados

dos trabalhadores .155

A legitimação dos grupos de interesses, nos anos 1950, já era um fenômeno tão

estabelecido nos Estados Unidos, que Alceu Amoroso Lima pôde escrever:

Fala-se muito no individualismo como traço típico do povo americano. Minha experiência hoje não irá ao ponto de negar ali todo o individualismo. Ao contrário. Mas a tendência global é precisamente a oposta. É uma tendência ao grupalismo, para não falar logo em coletivismo, que seria porventura exagerado. Mas é um fato que o americano é o homem do grupo,

congressista Milford Howard afirmava: “Vivemos na época do pragmatismo, não do dogmatismo – do realismo, mas de um realismo que também pode ser rico em idéias espirituais – e quero que fique registrado (…) minha fé em Benito Mussolini, o maior premier da Itália, e no Fascismo, a criança desta mente maravilhosa, como a mais alta expressão de uma filosofia pragmática de governo, cuja fórmula invariável é: ‘Isto funciona?’”. 154 Cf. BEARD, Charles. “Making the fascist state”. In New Republic, LVII (23 de janeiro de 1929), p. 277-78. Benito Mussolini, sempre que em contato com norte-americanos, dizia que os filósofos americanos pragmáticos, dentre os quais John Dewey e William James, estiveram na base da construção de seu pensamento. Cf. DIGGINS, John. Op.Cit., p. 489. Por outro lado, a propaganda política fascista afirmava, com orgulho, que a intervenção estatal do New Deal na economia americana representava o triunfo de uma política inventada pela Itália fascista no bastião do liberalismo antiquado. Cf. TANNENBAUM, Edward. Sociedad y Cultura en la Itália (1922-1945). Madrid: Alianza Editorial, 1975. 155 Cf. ERNST, Daniel. Op. Cit., 1993, p. 73, 74.

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como o inglês é o homem do clube. (…) Disse algumas vezes, por broma, aos americanos que os Estados Unidos são um país eminentemente soviético, uma espécie de comitelândia.156 No entanto, o processo de legitimação de tais grupos, principalmente os dos

trabalhadores, não foi um movimento linear. No que se refere a estes, o pós-Grande Guerra

testemunharia um refluxo do movimento sindical diante da reação republicana às inovações

administrativas e regulatórias da Era Progressista.

156 LIMA, Alceu Amoroso. A realidade americana. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1954, p. 37.

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Capítulo 2: Fordismo, contratação do trabalho e Grande Depressão

Estamos hoje mais perto do ideal da abolição da pobreza e o medo do que jamais estivemos. E de novo repito que se abandonarmos nosso sistema americano através da adoção dos princípios destrutiv os que nossos oponentes propõem [o Partido Democrata, defendendo ma ior regulação estatal da economia], vamos ameaçara própria liberdade de nosso povo, e vamos destruir a igualdade de oportunidades, para não falar de nós mesmos e de nossos filhos.157

2.1. A Primeira Guerra e a questão operária

Não só a Era Progressista trouxe mudanças importantes na forma como o Poder

Executivo encarava a questão operária, como a Grande Guerra trouxe a questão operária

para uma centralidade de que ela até então jamais gozara, dado que o intenso conflito social

então vivido tinha que ser minimizado de forma a não obstaculizar o esforço de guerra. A

NWLB funcionava como um tribunal do trabalho composto por representantes do interesse

público, indicados pelo Presidente Wilson, das corporações e de sindicalistas da AFL,

tendo representado para esta uma importante inflexão em sua relação com o Estado, com o

qual pela primeira vez aceitava relacionar-se de forma positiva. Dentre os princípios que a

NWLB delineou para administrar o conflito distributivo durante a Guerra, estavam o direito

de todos os trabalhadores de participar de sindicatos e negociar coletivamente com seus

empregadores e a ilegalidade de práticas anti-sindicais por parte destes. Tendo mediado

mais de mil greves até o fim da Guerra, e aplicado seus princípios com certa generosidade

para com o movimento sindical, a NWLB diminuiu consideravelmente o poder

discricionário do patronato e, sob seus auspícios, pelo menos um milhão de trabalhadores

157 HOOVER, Herbert. “Speech by Herbert Hoover, Nova York, October 22, 1928”. Apud COMMAGER, Henry Steele. Op. Cit., p. 225.

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americanos sindicalizaram-se.158 A partir da experiência da NWLB, a AFL iria mesmo

sugerir o estabelecimento de agências públicas que agissem como fóruns de discussões e

contratação coletiva do trabalho, cabendo ao governo federal no entanto o papel de

coordenar tais agências, e não de intervir por lei ou decreto em suas operações ou na

determinação dos termos dos contratos.159

De modo a articular o apoio de democratas e republicanos à nova agência, os dois

representantes do interesse público indicados pelo Presidente Wilson para co-presidir a

NWLB foram William Howard Taft - o juiz federal de Ohio defensor das labor injunctions

e, mais tarde, Presidente da República pelo Partido Republicano -, e Frank Walsh, o

responsável pelo Relatório da Comissão Federal de Relações Industriais dos Estados

Unidos (USCIR), de 1915, instituída pelo Congresso, que afirmava: “A liberdade política

só pode existir onde haja liberdade industrial; democracia política, apenas onde houver

democracia na indústria”. 160

Tais palavras do Relatório da USCIR, se já faziam parte do vocabulário político da

AFL, passaram a fazer parte também do vocabulário da NWLB e do próprio Governo

Wilson. Na verdade, a idéia de democracia industrial era extremamente polissêmica.

Enquanto que para o governo Wilson e a para a NWLB a democracia industrial significava

colocar um limite em práticas consideradas anti-democráticas das corporações americanas,

no momento em que tropas americanas lutavam nos campos de batalha europeus, para o

movimento operário ela se revelava um poderoso instrumento para atacar a autoridade do

patronato no local de trabalho. Utilizando-se do linguajar da propaganda de guerra do

158 Cf. McCartin, Joseph. “’An American feeling’: workers, managers, and the struggle over industrial democracy in the World War I era”. In LICHTENSTEIN, Nelson e HARRIS, Howell John (orgs). Op. Cit., p. 71. 159 Cf. TOMLINS, Christopher. Op.Cit., p. 77. 160 Cf. McCARTIN, Joseph. Op. Cit., 1997, p. 12.

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89

governo, a AFL afirmava que as corporações que se opunham à contratação coletiva do

trabalho estavam obstaculizando o esforço de guerra, revelando, elas próprias, suas

naturezas despóticas e autocráticas. Urgia portanto deskaizerisar a indústria americana,

retirando o ranço prussiano dos administradores corporativos. Desta forma, a AFL

percebia-se como um agente da democracia industrial, fazendo, da sindicalização, um ato

patriótico. 161

No entanto, a aproximação da AFL com o Governo Wilson representou um custo

elevado para outras organizações de trabalhadores, dado que ajudou a legitimar a repressão

governamental ao IWW e ao Partido Socialista, que sentiram então a pesada mão de ferro

do governo com particular intensidade. Com a aprovação, pelo Congresso, do Espionage

Act, de 1917, logo suplementado pelo Sedition Act, de 1918, todos os movimentos

considerados politicamente radicais, dentre os quais o IWW, foram sistematicamente

reprimidos pelo governo. Em 1918, 101 militantes do IWW foram levados a juri na Corte

Federal de Chicago, acusados de sabotagem e conspiração contra o esforço de guerra. Com

o fim do conflito mundial e o aumento do número de greves que se lhe seguiu durante o

Medo Vermelho, o IWW foi desarticulado e, em alguns estados, a simples filiação a ele

passaria a constituir crime.162

O auge do Medo Vermelho ocorreu no ano de 1919, ocasião em que 4.160.348

homens, ou 20% da força de trabalho dos Estados Unidos, cruzaram seus braços em 3.630

greves.163 A tais greves, e aos atentados contra empresários e funcionários públicos então

realizados, seguiu-se um violento movimento de repressão visando à deportação de

161 Cf. McCARTIN, Joseph. Op. Cit., 1996, p. 67-86. 162 Cf. DUBOFSKY, Melvyn. Op. cit., 2000, p. 66; LIMONCIC, Flávio. “O problema do conservadorismo dos trabalhadores americanos e a nova história do trabalho”. In Cultura Vozes , Ano 95, No. 2, março-abril de 2001, p. 6 -24. 163 Cf. Cf. ZIEGER, Robert. The CIO, 1935-1955. Londres e Chapel Hill: The University of North Carolina

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90

trabalhadores estrangeiros tidos como radicais. O primeiro de uma série de ataques

governamentais organizados contra líderes operários, que ficaram conhecidos como Palmer

raids em razão de seu mentor, o advogado-geral da União A. Mitchel Palmer, foi desferido

em novembro de 1919, com a prisão de 250 membros da União dos Trabalhadores Russos.

Em dezembro, 249 trabalhadores, sobre os quais não pesava qualquer acusação formal,

foram deportados para a Rússia, inclusive a líder anarquista Emma Goldman. Em janeiro de

1920, em uma única noite, 4 mil trabalhadores supostamente comunistas foram presos em

33 cidades, a maioria sem mandado judicial, sendo-lhes negados direitos constitucionais

básicos: foram mantidos incomunicáveis, interrogados com violência e, em algumas

cidades, submetidos a tratamento público humilhante, algo que deixaria chocados mesmo

os conservadores, pela sua flagrante ilegalidade.164 Ao todo, algo em torno de 600 pessoas

foram deportadas no período, que deixou como principais símbolos os anarquistas Sacco e

Vanzetti, presos em 1920 e executados em 1927.165

O Partido Socialista não teria destino mais promissor. Em 9 de abril de 1917, o PS

adotou uma Resolução pela qual afirmava ser a declaração de guerra do governo americano

um crime contra o povo dos Estados Unidos.166 Nas eleições deste ano, os socialistas

obtiveram êxitos importantes em grandes cidades e centros industriais: 22% dos votos em

Nova York, 34% em Chicago, 44% em Dayton, 34% em Toledo, 19% em Cleveland. 167 No

entanto, Eugene Debs, seu maior líder, acabou por ser condenado a cumprir sentença 20

Press, 1995, p. 9; PETERSON, Florence. Op. Cit., p. 1066. 164 Cf. WILSON, Edmund. Os anos 20. São Paulo: Cia das Letras, 1987, p. 55. 165 Para uma descrição pormenorizada das greves nos anos imediatamente posteriores ao fim da Grande Guerra, Cf. BRECHER, Jeremy. Op. Cit., Capítulo 4. Para uma análise da repressão governamental, Cf. PRESTON JR., William. Aliens and dissenters. Federal suppression of radicals, 1903-1933 . Nova York: Harper Torchbooks, 1966 e LEUCHTENBURG, William. The perils of prosperity, 1914-1932. Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 1993. 166 Cf. LEUCHTENBURG, William. Op. Cit., 1993, p. 42. 167 HOWE, Irving. Op. Cit., p. 41.

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91

anos na prisão federal de Atlanta onde, com o número de prisioneiro 9653, concorreu à

presidência dos Estados Unidos em 1920, recebendo 900 mil votos. A partir de então,

porém, o PS conheceu um decréscimo acentuado em seu número de militantes. Se, neste

ano, ele possuía 118 mil membros, 10 anos depois o número de filiados cairia para 11

mil.168 Para a AFL, a virtual eliminação do PS e do IWW, assim como a expulsão de

imigrantes tidos como radicais, era um passo necessário para a integração do movimento

operário e de imigrantes não-radicais a uma sociedade aberta e ordeira, baseada em

contratos coletivos de trabalho, que a central esperava emergisse da Guerra.

A nova abordagem estatal para a questão operária, em que articulavam-se a

aproximação com a AFL e a eliminação dos setores mais radicais do sindicalismo e do PS,

encerrava também uma importante dimensão cultural. Como visto, Croly e diversos de seus

colegas progressistas possuíam uma proposta de renovação cultural baseada na idéia de

uma sociedade organicamente estruturada em que o bem comum não mais resultaria, como

queriam os liberais clássicos e a tradição legal vitoriana, da busca da felicidade individual.

O próprio Presidente Wilson, em telegrama enviado ao Congreso americano de Versalhes,

no pós-Guerra, afirmaria:

A questão que se coloca diante de todas as outras, neste momento, é a questão do trabalho, a de como os homens e as mulheres que labutam diariamente no mundo podem melhorar progressivamente suas condições de trabalho, tornarem-se mais felizes, e serem melhor servidas por suas comunidades e pelas indústrias que seus trabalhos sustém e fazem progredir.169

168 Cf. LEUCHTENBURG, William. Op. Cit., 1993, p. 125. 169 Apud FRASER, Steve. “The labor question”. In FRASER, Steve e GERSTLE, Gary (orgs.). Op. Cit., p. 55.

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92

O Tratado de Versalhes refletia tal visão de um novo capitalismo moral para o pós-

Guerra. Em sua Parte XIII, o Tratado criava a Organização Internacional do Trabalho

(OIT), composta por quatro representantes de cada país-membro, dos quais 2 seriam

delegados dos governos e os outros dois, respectivamente, de patrões e operários, uma

composição que fazia lembrar a da NWLB. A OIT era justificada com os seguintes termos:

Considerando que existem condições de trabalho que implicam para grande número de indivíduos miséria e privações, o que gera tal descontentamento que a paz e a harmonia universais entram em perigo, e considerando que é urgente melhorar essas condições: por exemplo, no que se refere à regulamentação das horas de trabalho, à fixação duma hora máxima do dia da semana de trabalho, o recrutamento de mão-de-obra, a luta contra a paralização do trabalho, a garantia dum salário que assegure condições de existência convenientes, a proteção dos trabalhadores contra as doenças graves ou profissionais e os acidentes de trabalho, a proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, as pensões de velhice ou invalidez, a defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, a afirmação do princípio da liberdade sindical, a organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas.170

Tais considerações repetiam vários dos preceitos defendidos pela Encíclica Rerum

Novarum, como o direito ao repouso, ao salário mínimo, ao descanso, à dignidade do

trabalhador e de sua família, que não passaram despercebidas ao Papa Pio XI que, na

Encíclica Quadragesimo Anno, afirmava ser a Parte XIII de Versalhes quase que uma cópia

da encíclica de Leão XIII.171 Dentro dos próprios Estados Unidos, tais Encíclicas papais

tiveram grande influência sobre trabalhadores imigrantes ou americanos de segunda

geração de origem irlandesa, italiana ou polonesa que, baseados na Doutrina Social da

Igreja, rejeitando portanto as concepções de busca do bem-estar e da felicidade em termos

puramente individuais, vinham crescentemente emprestar uma dimensão moral ao

170 POTÊNCIAS ALIADAS E ASSOCIADAS . Tratado de Paz. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro & Maurillo Editores, 1919, p. 348, 349. 171 Cf. BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. A Santa Sé e a ordem social. Encíclicas Rerum Novarum,

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93

capitalismo americano. Um dos principais líderes sindicais dos anos 1930 e 1940, Philip

Murray, presidente do Congress of Industrial Organizations (CIO), católico de origem

irlandesa, seria um constante defensor de Conselhos Industriais em cada grande indústria,

consistindo de representantes de trabalhadores e dos empresários, de forma assumidamente

inspirada pela Encíclica Quadragesimo Anno do Papa Pio XI, de 1933. Na verdade, ao

longo de todos os anos 1930 e 1940, Murray advogaria seguidos conselhos industriais

desenhados por clérigos católicos.172 Em sua Convenção de 1941, o CIO pediria a

Roosevelt a criação de tais conselhos, cujos objetivos seriam “... o aumento da eficiência

das operações de cada indústria, encorajando a cooperação entre trabalhadores, empresas e

governo, desenvolvendo e promovendo a produção máxima de cada planta”. 173

No entanto, o cenário americano do pós-Guerra não se revelou propício para visões

morais do capitalismo, para a continuidade das reformas progressistas, para a legitimação

do movimento sindical e, conseqüentemente, para o aprofundamento das relações entre este

e o Estado americano. Nas eleições parlamentares de 1918, congressistas conservadores,

tanto republicanos quanto democratas, fizeram a maioria do Congresso, rejeitando qualquer

avanço institucional e organizativo do movimento operário, mesmo o do ligado à AFL. O

Medo Vermelho, ao lado da forte reação empresarial pela desregulamentação das relações

de trabalho, aliados ao temor do governo Wilson de que aumentos salariais obtidos em

negociações coletivas pudessem alimentar a espiral inflacionária, levaram a que o ambiente

político e institucional no qual o trabalho organizado ligado à AFL conheceu abrigo e

de Leão XIII, e Quadragesimo Anno, de Pio XI. Brasília: Câmara dos Deputados, 1981, p. 51. 172 Cf. SCHATZ, Ronald. “Philip Murray and the subordination of the industrial unions to the United States government”. In DUBOFSKY, Melvyn e TINE, Warren Van. Labor leaders in America . Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1987, p. 248. 173 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREU OF LABOR STATISTICS. “CIO Convention, 1941”. In Labor Monthly Review. Washington: US Goverment Printing Office, Vol. 53, No. 6, Dezembro de 1941, p. 1453.

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94

estímulo fosse restringido e agências como a NWLB foram desmontadas.174 A vitória

conservadora nas eleições de 1918 impediram a própria entrada dos Estados Unidos na

Liga das Nações, proposta pelo Presidente Wilson, e o embrião de um movimento de

reforma moral do capitalismo americano teve que esperar até a Grande Depressão para

tomar novo impulso.175 Entre 1920 e 1921, a AFL perdeu portanto grande parte dos

recursos políticos que havia conquistado durante a Grande Guerra, assim como cerca de

30% de seus então 4 milhões de filiados.176

174 MC CARTIN, Josehp. Op. Cit., 1996, p. 78, 79. 175 Cf. COHEN, Lizabeth. Making a New Deal. Industrial workers in Chicago, 1919-1939. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. A reforma moral da sociedade constitui, segundo alguns historiadores, o ponto distintivo entre e Era Progressista e o New Deal. Para Alan Brinkley, ao contrário dos progressistas, o New Deal tinha pouco interesse na reforma moral da sociedade, reservando pouca atenção para questões como raça, etnicidade, família, gênero, comportamento pessoal, hábitos sexuais ou combate à corrupção. Também Richard Hofstadter afirmaria que o New Deal marcou uma ruptura com a tradição reformista americana, até então associada à reforma moral da sociedade, ao buscar pragmaticamente recolocar a economia no caminho do crescimento. Gary Gerstle, no entanto, afirma que para milhões de americanos o New Deal significou uma cruzada moral para restaurar a justiça, a democracia e a eqüidade na vida econômica americana. A diferença entre progressistas e New Dealers estaria no fato de que os primeiros reservaram sua paixão moral para a reforma individual, para a melhora do caráter das pessoas, através do combate à prostituição, da americanização dos imigrantes, da higiene social, da eugenia e da Lei Seca, ao passo que os segundos deram pouca atenção a tal agenda, concentrando -se na reforma econômica. Sua visão moral encerrava idéias como segurança social, oportunidade e democracia industrial. Cf. BRINKLEY, Alan. The end of reform. New Deal liberalism in recession and war. Nova York: Vintage Books, 1996, p. 9 e 10; HOFSTADTER, Richard. Op. Cit., p. 302 e seguintes ; GERSTLE, Gary. Op.Cit., 1994, p. 1043, 1044. 176 Cf. SALVATORE, Nick. “Introduction”. In SALVATORE, Nick (org.). Seventy years of life and labor. An autobiography. Samuel Gompers. Ithaca: IRL Press, New York State School of Industrial and Labor Relations. Cornell University, 1984, p. XXXIX.

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95

2.2. O papel regulatório dos sindicatos Se a NWLB não chegou a constituir-se na ‘discriminação positiva’ ao movimento

sindical propugnada por Croly desde 1909, e tampouco a Era Progressista chegou a

construir o grande Estado e o grande trabalho por ele defendidos, seria incorreto afirmar

que, no pós-Guerra, o estatuto do trabalho organizado tenha permanecido o mesmo de antes

do conflito. A partir de então, a repressão, tanto a governamental quanto a patronal, não foi

a única resposta oferecida à insatisfação operária. Pelo contrário, um número crescente de

empresários de diferentes setores industriais começou a perceber que a simples repressão

não resultaria em consentimento operário, preocupando-se também em construir as bases

simbólicas deste através do que ficaria conhecido como welfare capitalism , a implantação,

pelas empresas, de programas de bem-estar, saúde, aposentadoria, esportes e outros

benefícios indiretos, assim como planos de representação de trabalhadores nos locais de

trabalho. Os planos de welfare capitalism da General Motors Corporation, por exemplo,

incluíam programas habitacionais, bonus, fundos de investimentos, compra de ações da

empresa, atividades educacionais e recreativas, o que não significa dizer que a empresa

tenha cessado com a busca da desarticulação sistemática dos esforços de associação

autônoma dos seus trabalhadores. Embora os programas de welfare capitalism tenham se

limitado a alguns setores industrais e, dentro destes, a algumas plantas, a idéia de

democracia industrial, plantada durante a Grande Guerra, deixaria sua marca nas relações

de trabalho a partir de então.177

Mas, para além da idéia da construção do consentimento operário através de

programas de bem-estar, alguns círculos empresariais, ao lado de reformadores sociais e

177 Cf. FINE, Sidney. Sit-down. The General Motors Strike of 1936-1937. Ann Arbor: The University of

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sindicalistas, passaram também a perceber os sindicatos como mecanismos de regulação da

concorrência entre as empresas, da maximização da eficiência produtiva e da

disciplinarização da força de trabalho.

O problema da concorrência destrutiva entre as empresas era central para vários

setores econômicos e o ambiente institucional no qual ela se dava era então bastante

rarefeito, mesmo com o avanço das agências administrativas federais da Era Progressista. O

processo de fusão de empresas e consolidação corporativa que vigorou na virada do século

XIX para o XX não teve êxito em controlar completamente a competição entre as empresas

de um mesmo setor, ainda que tenha limitado o número de concorrentes.178 Havia então um

claro problema de ação coletiva: em um ambiente de forte concorrência e cálculos de curto

prazo por parte das empresas, que punham em risco a própria continuidade de seus

processos de expansão, os custos de uma cooperação setorial que minimizassem tal risco

deveriam ser compartilhados por todos os cooperantes, mas os benefícios maiores seriam

auferidos pelos não-cooperantes. Os setores de borracha e aço constituem um bom

exemplo. Como consumidores de matérias-primas, eles freqüentemente viam-se obrigados

a optar entre duas direções: lidar com um universo de pequenas firmas supridoras, tentando

dar uma forma minimamente integrada às suas compras, ou entrar no extremamente

competitivo mercado internacional; como fornecedores de insumos básicos, viam seus

recursos de barganha diminuídos diante de consumidores corporativos bem organizados,

como a indústria automotiva.179 Neste cenário, as empresas dos setores produtores de

Michigan University Press, 1969, p. 25; Cf. McCARTIN, Joseph. Op. Cit., 1997, Capítulos 7 e 8. 178 Para uma discussão a respeito, Cf. GORDON, Colin. New Deals. Business, labor, and politics in America, 1920-1935. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, p. 17 e seguintes. 179 O setor automotivo era, nos anos 1930, o maior consumidor de aço e vários outros insumos, como borracha, vidro plano, níquel etc. Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company and International Union, United Automobile Workers of America. Case No. c-199. Decided December 22, 1937”. In Decisions and orders of the National Labor Relations Board,

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97

insumos básicos, mas também de outros setores, lutavam ferozmente umas com as outras

para diminuir seus custos de produção e manterem-se competitivas, rebaixando os preços

de seus produtos.180

Um dos principais elementos de concorrência entre as empresas era o relativo aos

custos da mão-de-obra e à jornada de trabalho, dado que leis que regulassem horas

máximas e salários mínimos eram praticamente inexistentes. Pela interpretação corrente da

Constituição, o governo federal só podia regular horas e salários de seus próprios

funcionários, além de trabalhadores envolvidos em atividades interestaduais. No âmbito dos

estados, as realidades eram múltiplas. Em 1913, apenas 13 estados possuíam limites de

horas, que variavam de 8 a 10 por dia, para trabalhadores envolvidos em atividades

perigosas, particularmente nas minas.181 Ainda em 1933, no que se refere ao empregadores

privados, a legislação da California permitia uma jornada diária de 12 horas, a da Louisiana

de 10 a 12 horas, dependendo da categoria profissional, e a de Oregon até 14 horas para

trabalhadores de ferrovias, ainda que a jornada média semanal, em 1909, fosse de 51,7

horas, ou 8,6 horas/dia em uma semana de seis dias de trabalho.182 Em 1933, apenas 16

estados possuíam leis de salários mínimos para mulheres e crianças e, em 1938, 23 estados

ainda não tinham nenhuma legislação sobre salário mínimo, 30 não possuíam limites legais

Vol. 4, Nov. 1, 1937-Feb. 1, 1938. Washington: United States Government Printing Office, 1938, p. 625. 180 Cf. GORDON. Colin. Op.Cit., p. 45 e seguintes. 181 Cf. GOLDBERG, Arthur. Growth of labor law in the United States. Washington: United States Deparment of Labor. US Bureau of Labor Standards, 1962, p. 83. 182 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Legal restrictions on hours of labor of men in the United States, as of January 1, 1933” . In Monthly Labor Review. Washington: US Printing Office, Vol. 36, No. 1, Janeiro de 1933, p. 8; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Wages, hours, and productivity of industrial labor, 1909 to 1939”. In Monthly Labor Review. Washington: US Printing Office, Vol. 51, No. 3, Setembro de 1940, p. 519.

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a uma jornada diária superior a 8 horas, 18 possuíam jornadas semanais legais superiores a

48 horas e 8 não possuíam qualquer tipo de limite para a jornada de trabalho.183

A definição de horas e salários era deixada a cargo, portanto, dos contratos de

trabalho, predominantemente individuais, e, por esta razão, alguns empresários começaram

a ver nos sindicatos um mecanismo capaz de equalizar tais variáveis através de contratos

coletivos de trabalho por todo um setor industrial. 184

Se temos uma situação na nossa indústria na qual uma unidade está pagando salários de 86 ou 89 ou 90 centavos a hora, e outra unidade está pagando 45 ou 46 centavos a hora e estas unidades estão competindo entre si, (…) alguma agência [empresarial] deve cuidar desta situação e construir parâmetros salarais para esta indústria (…); e se nós admitirmos que somos incapazes disto, então o trabalho organizado tem razão ao dizer ‘Nós temos que tomar conta do caso e fazer o trabalho para vocês’.185 Os sindicatos, ou ao menos alguns importantes líderes sindicais, por seu lado,

crescentemente revelavam-se dispostos a desempanhar tais papéis regulatórios. Durante a

Grande Guerra, a Taylor Society, que reunia simpatizantes e estudiosos de técnicas

científicas de organização da produção, sofreu uma profunda inflexão política. Até a morte

183 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Minimum wage legislations in the United States”. In Monthly Labor Review . Washington: US Printing Office,Vol. 37, No. 6, Dezembro de 1933, p. 1344; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. Twenty-Sixth Annual Report of the Secretary of Labor, for the fiscal year ended June 30, 1938. Washington: US Printing Office, 1938, p. 4. 184 Na década de 1930, a tentativa de acordos setoriais ou por área geográfica, que abarcasse todos os trabalhadores de uma determinada indústria para, desta forma, elevar o poder de compra dos assalariados, continuava a ser a estratégia central do movimento sindical. Em 1938, quase a totalidade dos min eiros de carvão trabalhava sob contratos de closed-shop, assim como 90% dos trabalhadores das indústrias de vestuário, construção civil e outras atividades. Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Closed shp and check-off in union agreements”. In Monthly Labor Review . Washington: US Government Printing Office, Vol. 49, No. 4, Outubro de 1939, p. 830, 831. 185 Apud GORDON, Colin. Op. Cit., p. 93. Na década de 1930, muitos empresários chegariam mesmo a defender os acordos sindicais com cláusulas de closed-shop, ou seja, de que somente trabalhadores sindicalizados seriam empregados, como forma de estabilizar as relações de trabalho e cortar a competição destrutiva entre as diferentes plantas e firmas de um mesmo setor industrial. Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Closed shop and check-off in union agreements”. In Montly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 49, No. 4, Outubro de 1939, p. 830.

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de seu inspirador, em 1915, suas reflexões e propostas relativas às relações entre

trabalhadores e direção corporativa revelavam uma visão gerencial profundamente

autoritária. Com o conflito mundial e seu corolário de insatisfação operária, a criação da

NWLB e a luta em torno da democracia industrial, alguns de seus membros, como William

Leiserson, perceberam que os chamados métodos prussianos na indústria haviam chegado

ao fim, se se queria uma nova ordem democrática no país. Para eles, a autoridade patronal

deveria respousar no consentimento dos trabalhadores, dado que somente tal consentimento

produziria mais eficiência.

Tal visão, que filosoficamente não estava em desacordo com os programas de bem-

estar operário do welfare-capitalism , convergia para a postura de alguns importantes líderes

sindicais, como Sidney Hillman, mais tarde líder do CIO e um dos mais próximos

colaboradores de Roosevelt dentro do movimento sindical durante o New Deal. Como

presidente do Amalgamated Clothing Workers of America (ACWA), Hillman contribuiu

para a construção de novas formas de gestão do trabalho, que articulavam a gestão

cient ífica da produção com mecanismos de controle dos trabalhadores sobre seu processo

de trabalho. Em colaboração com membros da Taylor Society, Hillman buscou introduzir o

império da lei no chão-da-fábrica, ou seja, uma ordem coletivamente contratada das

relações entre trabalhadores e gerência, assim como instaurar um padrão científico de

produção, formulado e acordado por todas as partes.186

186 Cf. HILMANN, Sidney. “Statement of Sidney Hillman, President, Amalgamated Clothing Workers of America, and Member of the Labor Advisory Board”. Hearings before the Committee on Education and Labor of the United States Seventy-Third Congress. Thursday, March 15, 1934. Second Session on S. 2969. A Bill to equalize the bargaining power of the employers and employees, to encourage the amicable sttlement of disputes between employers and employees, to create a National Labor Board, and for other purposes. In NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History of the National Labor Relations Act, 1935. Vol. 1. Washington: United States Government Printing Office, 1985, p. 153.

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100

Ocorreu, portanto, um processo de afinidade de estratégias de reformadores sociais

e líderes empresariais e sindicais no sentido de transformar os sindicatos em elementos de

regulação da concorrência intercapitalista e de disciplinarização da força de trabalho, em

troca de maior autonomia no local de trabalho e salários mais altos. No novo mundo de

administração científica e rápidas mudanças tecnológicas voltadas para a produção para um

mercado de massas, a Taylor Society e setores do movimento sindical defendiam a

negociação coletiva entre patrões e empregados como forma de elevar o poder de compra

dos trabalhadores e, dessa forma, torná-los aptos a consumir. Neste sentido, membros da

Taylor Society chegaram mesmo a defender a criação de sindicatos nacionais, de forma a

regular a economia americana como um todo. Nos anos 1920, a Taylor Society

transformou-se em um foco de interesses de indústrias voltadas para o mercado urbano de

massas, como as lojas atacadistas Filenes e Macy’s, bancos de investimentos como o

Lehman Brohters e Goldman, Sachs, a indústria do lazer, a construção civil etc.187

A visão da Taylor Society e de sindicalistas com Hillman, no entanto, não iria

prosperar nos anos 1920, a começar pelo fato de que a National Association of

Manufacturers (NAM), a principal associação industrial do entre-guerras, assumiu então

uma postura abertamente anti-sindical188 e de que, apesar da crítica já realizada pelo

Movimento Progressista na década anterior à tradição legal vitoriana, os sindicatos

continuavam sob a ação desarticuladora do Poder Judiciário. O United Mine Workers

(UMW), o único grande sindicato industrial do período, recebeu na década de 1920

sentenças condenatórias em todo o repertório legal da tradição vitoriana.

187 FRASER, Steven. Op. Cit., 1989, p. 59 e seguintes. 188 cf. GORDON, Colin. Op. cit., p. 140 e seguintes.

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101

Em 1921, o UMW foi condenado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em uma

ação de conspiração movida por operadores de minas do estado de West Virginia. No

mesmo ano, na corte distrital federal de Indianapolis, assim como em inúmeras cortes

estaduais de West Virginia, os proprietários de minas conseguiram labor injunctions que

proibiam os organizadores do UMW de aproximar-se das minas em que os trabalhadores

não eram sindicalizados ou mesmo fazer propaganda sindical junto a mineiros que não

pertenciam ao sindicato. No início dos anos 1920, juízes chegaram a declarar crime os

esforços associativos do UMW na maior parte do sudoeste de West Virginia e no leste do

Kentucky. Em Arkansas, os embates entre o UMW e a Coronado Company chegaram à

Suprema Corte dos Estados Unidos, que declarou serem as greves com o objetivo de

organizar trabalhadores em minas até então não-sindicalizadas uma interferência com o

comércio interestadual do carvão e, portanto, passíveis de serem suspensas sob os termos

da Lei Sherman. Em seus embates com os tribunais, o UMW gastava boa parte de seus

recursos que, de outro modo, seriam utilizados para fins de organização. Em 1920, o

sindicato gastou mais de US$ 150.000,00 em despesas legais e, no ano seguinte, a cifra

chegou a US$ 460.000,00. Apenas em um ano, ao longo de toda a década de 1920, o UMW

teve gastos legais inferiores a US$ 100.000,00.189

No entanto, o problema da competição destrutiva entre as empresas, que deprimia

os salários, não passava desapercebido ao poder público. Herbert Hoover, primeiro como

Secretário de Comércio, depois como Presidente da República, buscou dar resposta a este

problema através do que chamou de Novo Individualismo, a construção de mecanismos

institucionais que visassem a frear a acirrada concorrência entre as grandes corporações,

189 Cf. DUBOFSKY, Melvyn e TINE, Warren van. John Lewis. A biography. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1986, p. 60, 61.

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102

através de acordos que regulamentassem a jornada de trabalho, salários, níveis de produção

etc. No entanto, tais mecanismos deveriam ser construídos pelas próprias empresas através

de suas associações de classe, sem a interferência direta do Estado, que agiria apenas como

fomentador do processo. Assim, o estado administrativo montado na Era Progressista teria

um novo papel, de caráter associativo: o Estado deixava de regular a economia e passava a

ser estimular a cooperação entre os agentes privados.190 Na década de 1920, várias de tais

associações chegaram a funcionar, como o Cotton Textile Institute e o Special Conference

Committee, mas acabariam por fracassar tanto pela incapacidade dos capitais individuais

em traçar e respeitar uma estratégia coletiva como pela ausência de mecanismos legais ou

políticos que os constrangessem a fazê-lo, além do receio que os empresários tinham em

incorrer em práticas consideradas ilegais pela Lei Sherman Anti-Truste.191

No último ano do governo Hoover, 1932, alguns setores empresariais, como o da

borracha, e grandes empresas, como a General Electric, já demandavam algum tipo de

constrangimento legal para que os diversos setores industriais fossem compelidos a chegar

a acordos de competição. P. W. Litchfield, presidente da Goodyear Tire and Rubber Co.,

em discurso dirigido à Câmara de Comércio dos Estados Unidos, responsabilizou os

empresários por terem falhado em concertar ações coletivas e declarou que a contínua

queda dos níveis de emprego e do poder de compra dos assalariados estava levando os

Estados Unidos ao socialismo ou à anarquia. Para evitar ambos, defendia um mínimo de

intervenção estatal, e advertia: “Nós fracassamos em tomar os passos necessários

voluntariamente, portanto o elemento de força, a ação compulsória do governo, torna-se

190 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 92. 191 Cf. GORDON, Colin. Op. cit., Cap. 2; KIRSH, Benjamin e SHAPIRO, Harold. The National Industrial Recovery Act. An analysis. Nova York: Central Book Company, 1933, p. 16, 17.

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necessária”. 192 Gerard Swope, da General Electric, elaborou o que ficou conhecido como

“Swope Plan”, um plano de regulamentação dos diversos setores da economia através de

suas associações, sob a supervisão do governo, mas tal projeto foi desqualificado pelos

assessores do presidente como “… a mais gigantesca proposta de monopólio jamais feita na

história”.193 A rigor, o empresariado americano estava despreparado para agir de forma

coletiva no início dos anos 1930 e, na maior parte das indústrias, a competição destrutiva

entre as diferentes empresas permaneceu como regra.194

Incapazes de implementar ações coletivas, os grandes grupos empresariais

continuaram a implementar políticas de open-shop (repressão aos sindicatos) como

propostas pela NAM, particularmente no coração da nova economia americana, a indústria

automobilística.

192 Washington Star. Washington: 4 de maio de 1933. 193 COHEN, Wilbur. Apud GORDON, Colin. Op. Cit., p. 168. 194 SKOCPOL, Theda. Op. Cit., 1992, p. 65.

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2.3. A indústria automotiva: o fordismo e a centralidade da relação salarial

Esses hotéis de concreto, afetados, de um estilo mourisco insosso, artificialmente cobertos de hera, com telhados vermelhos com ameias; esses bancos e prédios de correios novinhos e impecáveis, que parecem existir exclusivamente para as pessoas que só vêm à cidade para trabalhar e depois voltam para os subúrbios; aquelas casas rosadas de tijolo, com suas vidraças reluzentes, que acabam de ser colocadas uma ao lado da outra, e outras ainda envoltas em andaimes e argamassa, antes de receberem o leve invólucro de tijolos. Anúncios de tinta, anúncios de sementes de grama, prédios com longos telhados verdes que brotam de uma fileira de vagas numa plataforma fina e ordenada, onde automóveis esperam em festas do fim de semana, uma cidade composta de prédios baixos e novos...195

Os métodos fordistas de gestão da produção de automóveis, a estrutura vertical e

corporativa da indústria automotiva e o próprio automóvel, como produto de consumo de

massas, são possivelmente a melhor tradução das profundas mudanças pelas quais passou a

economia e a sociedade americanas nas primeiras décadas do século XX.

O primeiro automóvel americano foi produzido em 1893 e, seis anos depois, 30

empresas produziram cerca de 2.500 carros anualmente. Na ocasião, estampadores,

torneiros, pintores e outros trabalhadores artesanais dividiam os espaços de pequenas

fábricas e produziam um reduzido número de veículos para artistas, políticos e magnatas. O

novo produto, que se tornaria expressão da afirmação da mobilidade individual e sinônimo

de progresso tecnológico, logo atrairia novos investidores e, entre 1900, ano em que a

indústria automotiva sequer constava do censo industrial americano,196 e 1908, 485

companhias entraram no negócio de fabricação de automóveis. No entanto, neste último

ano, em que o Modelo T de Ford foi produzido pela primeira vez, apenas 253 oficinas

195 WILSON, Edmund. Op. Cit., 1987, p. 229. 196 Cf. FINE, Sidney. The automobile under the Blue Eagle. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1963, p. 1.

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continuavam ativas. Na década de 1910, já tornara-se evidente que o mundo das pequenas

oficinas montadoras de automóveis estava condenado pelo mesmo processo de inovações

técnicas e organizacionais e de concentração de capital que ocorreu em outros setores da

economia americana. Das 181 empresas que, em algum momento entre 1903 e 1906,

fabricavam carros, apenas 44 funcionavam em 1926.197

O caso da General Motors merece atenção particular, por ter sido o mais vigoroso

processo de concentração industrial da história americana, resultando na maior corporação

do mundo. Ao contrário da Ford Motor Company, que permaneceu como uma empresa

familiar, a General Motors Corporation organizou-se corporativamente. A empresa fora

fundada por William Capo Durant em 1908, como resultado da visão de que uma empresa

que produzisse diversos modelos de automóveis seria mais bem sucedida do que aquelas

que produzissem apenas um, como a Ford Motor Company e seu Modelo T. No final de

1909, Durant já havia comprado mais de 20 empresas montadoras e fabricantes de auto-

peças. Em 1917, as diversas empresas que formavam a GM dissolveram-se como entidades

autônomas e tornaram-se divisões da General Motors Corporation que, em 1918, adquiriu a

Chevrolet Motor Company e a United Motors. Entre 1918 e 1920, a GM iniciou ainda a

montagem do que viria a ser a Frigidaire Division, formou a General Motors do Canadá e

adquiriu a Fisher Body Corporation, proprietária das então maiores e mais bem equipadas

fábricas de carroçarias do mundo. Em 1928, as vendas da GM somaram US$ 1,5 bilhão,

seu lucro líquido foi de US$ 330 milhões, e a empresa contava com 69 plantas em 35

cidades e 14 estados norte-americanos, produzindo Chevrolets, Pontiacs, Oldsmobiles,

Buicks e Cadillacs. Ao lado dos automóveis de passeio, a empresa produzia ainda veículos

comerciais, caminhões, trailers, autopeças e acessórios, refrigeradores, aquecedores,

197 Idem, p. 4.

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aparelhos de ar-condicionado, eletrodomésticos, aviões, locomotivas e turbinas para

geração de energia, além de realizar investimentos em propriedades imobiliárias,

financeiras e seguradoras.198

Tal processo de concentração do capital pelas grandes corporações ocorreu em

diversos setores da economia americana. Em 1931, 5 empresas controlavam 40% da

produção total de cimento e, em 1934, 3 empresas produziam 80% dos cigarros dos Estados

Unidos. Em 1935, 0,2% das corporações americanas possuíam ativos equivalentes a 50%

do total dos ativos de todas as corporações. 199 Neste processo de concentração de capital,

em 1929 a Ford, a GM e a Chrysler eram responsáveis por 80% da produção total de

automóveis nos Estados Unidos.200 Neste ano, quase 500 mil trabalhadores estavam

ligados ao complexo automotivo, contra os pouco mais de 12 mil de 1904.201 Nas décadas

de 1920 e 1930, entre 4% e 7% de todos os trabalhadores industriais americanos estavam

empregados na indústria automotiva.202

As inovações organizacionais e tecnológicas no chão-da-fábrica da indústria

automotiva conheceram, na Ford Motor Company, seu impulso definitivo no início da

década de 1910. Resultado de um processo permanente de introdução de novas técnicas de

produção e gestão, que iniciou-se com o parcelamento e padronização e a rigorosa

separação entre concepção e execução das atividades, oriundos da concepção taylorista de

organização do trabalho, passando pela padronização das peças até chegar à linha de

198 Cf. FINE, Sidney. Op. Cit., 1969, p. 16 e seguintes. 199 Cf. MARTIN, Edwin (Bureau of Labor Statistics). “Basic problems of the national economy”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol 48, No. 1, Janeiro de 1939, p. 11, 13. 200 Cf. FLINK, James. The automobile age. Cambridge: MIT Press, 1993, p. 63 e seguintes. 201 Cf. FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, p. 1. 202 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Wage structure of the motor-vehicle industry: Part I”. In Monthly Labor Review . Washington: US Goverment Printing Office, Vol. 54, No. 2, Fevereiro de 1942, p. 282.

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montagem, o fordismo vinha alavancar a Ford Motor Company como a mais importante

montadora americana da década.

A introdução da linha de montagem fordista representou uma aceleração do

processo de desabilitação da força de trabalho e um aumento espetacular da produtividade

dos trabalhadores da Ford. Em 1908, pouco antes do início da fabricação do Modelo T, o

ciclo de tarefas médio de um trabalhador da empresa, equivalente ao tempo trabalhado

antes que as mesmas operações se repetissem, era de 514 minutos, o que significa dizer que

cada trabalhador, individualmente, cumpria um longo ciclo de tarefas, que poderia ser, por

exemplo, a montagem completa da carroceria ou do motor. Neste ano, contudo, cada

trabalhador passou a executar apenas uma tarefa. Assim, em 1913, às vésperas da

introdução da linha de montagem, o ciclo médio de tarefas já havia caído para 2,3 minutos

e, na primavera do mesmo ano, quando a linha de montagem foi introduziada, caiu para

1,19 minuto.203 No fundo, o que Ford buscava, ao lado das peças intercambiáveis, era o

operário intercambiável. Nas palavras do próprio Ford, o resultado de sua organização do

trabalho deveria ser a “… economia de pensamento e a redução ao mínimo dos movimentos

do operário, que, sendo possível, deve fazer sempre uma só coisa com um só

movimento”. 204

Henry Ford nunca deu-se por satisfeito com os resultados obtidos por suas

inovações e, mesmo na década de 1920, as contínuas modificações que introduzia no

processo de trabalho continuavam a desabilitar seus trabalhadores, com aumento no nível

203 Cf. WOMACK, James; JONES, Daniel; ROOS, Daniel. A máquina que mudou o mundo. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992, p. 15 e seguintes. 204 Apud MORAES NETO, Benedito Rodrigues. Marx, Taylor, Ford: as forças produtivas em discussão. São Paulo, Brasiliense, 1989, p. 48. Nunca é demais lembrar que, no cinema, a representação definitiva da organização fordista da produção foi construída por Charles Chaplin em Tempos Modernos.

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de estandardização e menor tempo de treinamento para as tarefas.205 Em decorrência, se,

em 1902, a Renault francesa produziu 509 carros utilizando 500 trabalhadores e, em 1907,

a Austin inglesa produziu 147 unidades com 400 trabalhadores, em 1927, ano em que o

Modelo T foi retirado do mercado, ma is de 15 milhões de unidades haviam sido produzidas

pela Ford. 206 Conseqüentemente, o preço unitário dos automóveis da Ford conheceram um

declínio expressivo. Em 1908, o modelo mais barato custava cerca de US$ 850,00, ao passo

que, em 1922, apesar da inflação ocorrida, custava US$ 298,00.207

Por outro lado, quando, na primeira década do século XX, os princípios tayloristas

começaram a ser aplicados à montagem de veículos em fábricas cada vez maiores e por

trabalhadores imigrantes com pouca qualificação técnica que então chegavam em massa a

Detroit, coração da indústria automotiva americana, o absenteísmo e a rotatividade da mão-

de-obra alcançaram níveis que punham em risco o próprio crescimento da nova indústria.

Apesar das palavras dos apologistas dos métodos tayloristas de gestão do trabalho, que

negavam a monotonia do trabalho e os riscos para saúde física e mental dos trabalhadores

nas plantas da empresa, sempre claras, ventiladas e arejadas, em 1913, ano da instalação de

sua primeira linha de montagem, a Ford teve que contratar mais de 52 mil trabalhadores

para manter uma força de trabalho de 13,6 mil homens, uma rotatividade que alcançava a

excepcional marca de 382%, tornando a competição entre as montadoras por mão-de-obra

um problema central. 208

205 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Effect of technological changes upon occupations in the motor-vehicle industry”. In Labor Monthly Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 34, No. 2, Fevereiro de 1932, p. 249. 206 Cf. FINK, James. Op. Cit., p. 40 e seguintes. 207 Cf. WILLIAMS, Faith (Bureau of Labor Statistics). “Changes in family expenditures in the post-war period”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 47, No. 5, Novembro de 1938, p. 967. 208 Cf. GRAVES, Ralph. The triumph of an idea. The story of Henry Ford . Nova York: Doubleday, Doran & Company, Inc., 1934, p. 60; KLUG, Thomas. “Employer’s strategies in Detroit labor market, 1900-1921”. In

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109

O absenteísmo não foi a única resposta dos trabalhadores automotivos aos métodos

gerenciais de Ford. A rigor, desde o nascimento da indústria de automóveis, seus

trabalhadores vinham tentando, ainda que sem grande sucesso, organizar-se em sindicatos.

Em 1891, era criado o Carriage and Wagon Workers’ International Union (CWWIU),

filiado à AFL, que já nasceria sob o signo das disputas entre concepções industriais e

profissionais de sindicalismo. 209 Quando o CWWIU requereu à AFL a inclusão da palavra

“automóvel” em seu nome, com o objetivo de congregar todos os trabalhadores

automotivos, sem distinções de qualificação profissional, acabou por entrar em conflitos

jurisdicionais com importantes sindicatos profissionais também filiados à AFL, como o

International Brotherhood of Blacksmiths and Helpers (IBBH) e o Upholsters’ International

Union (UII). Em 1913, o sindicato, já chamado Carriage, Wagon and Automobile Workers’

International Union (CWAWIU), foi novamente alvo da ação de sindicatos profissionais.

Na convenção anual da AFL de 1913, 9 de tais sindicatos apresentaram uma resolução, que

acabou por ser aprovada, para que o CWAWIU cessasse seus esforços organizativos entre

trabalhadores de suas jurisdições. No ano seguinte, os sindicatos profissionais, através do

Metal Trades Department da AFL, iniciaram um esforço organizativo que, apesar de

fracassado, não evitou que a AFL ordenasse que o CWAWIU retirasse a palavra

“automóvel” de seu nome. O conflito entre a AFL e o CWAWIU, que se recusou a

obedecer a ordem, iria durar até 1918, quando o sindicato foi expulso da central. A partir de

então, ele foi reorganizado com o nome de United Automobile, Aircraft and Vehicle

Workers of America (UAAVW), voltado inteiramente para os princípios do sindicalismo

LICHTENSTEIN, Nelson e MEYER, Stephen. On the line. Essays in the history of auto work . Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1984, p. 54; CORIAT, Benjamin. L’atelier et le chronomètre. Paris: Christian Bourgois Éditeur, 1994, p. 94, 95. 209 A apresentação a seguir está baseada em FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, p. 22 e seguintes.

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industrial e à denúncia da AFL e dos sindicatos profissionais que, segundo ele, jogavam

categorias de trabalhadores umas contra as outras. Em 1920, o sindicato já possuía 45 mil

filiados, mas a oposição patronal, a recessão de 1920-1921 e uma greve fracassada em uma

planta da Fisher Body levaram-no a uma crise da qual não se recuperaria.

Henry Ford, por seu lado, buscou solucionar o crônico problema do suprimento e

disciplina da mão-de-obra que a empresa vivia a partir de uma estratégia que articulava

tanto a coerção contra os esforços associativos dos trabalhadores quanto a construção de

uma dimensão consensual com estes e, neste sentido, o fordismo representou mais do que

apenas uma nova forma de organização da produção. Como contrapartida ao trabalho

monótono e repetitivo da linha de montagem, Ford elevou o salário mínimo diário de seus

trabalhadores de US$ 2,34 para US$ 5,00, além de oferecer-lhes um extenso programa de

reforma social que visava americanizá-los, dado que sua força de trabalho era composta por

expressiva parcela de imigrantes. O Dia de 5 Dólares, assim, fazia parte de um esforço

amplo, característico da Era Progressista, de inculcar valores americanos em trabalhadores

supostamente deles destituídos. Sendo assim, os 5 dólares não eram oferecidos à totalidade

da mão-de-obra da empresa, mas apenas àqueles indivíduos julgados aptos para tal pelo

Departamento Sociológico da empresa, após um período de 6 meses de observação:

De modo a ter certeza de que os homens recebendo aumento não se tornariam esbanjadores, o que é usual entre aqueles que se tornam inesperadamente prósperos, Ford fundou o departamento de bem-estar da empresa que, segundo ele, deveria ensinar aos seus homens como evitar espertos que subtraíssem seus ganhos. O salário [de 5 dólares] deveria ser percebido como um bônus, e aqueles destinatários de seus benefícios deveriam provar serem dele merecedores.210

210 GRAVES, Ralph. Op. Cit., p. 65.

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O critério para o recebimento do salário mais elevado era, além da produtividade de

cada trabalhador, o seu grau de americanização: se formava família, freqüentava um

templo, distanciava-se das bebidas e do jogo e possuía hábitos de consumo condizentes

com seu rendimento.211 Em seu testemunho diante da Comissão Federal de Relações

Industriais, em 22 de janeiro de 1915, Ford afirmava:

A empresa mantém uma equipe [o Departamento Sociológico] de 40 homens, bons juízes da natureza humana, que explicam as oportunidades, ensinam os hábitos e costumes americanos, a língua inglesa, as obrigações da cidadania, e aconselham e ajudam os empregados pouco sofisticados a obter e manter condições sanitárias confortáveis e adequadas de vida, e que também exercem a necessária vigilância para evitar, ao máximo, que a fragilidade humana os faça cair em hábitos ou práticas que sejam contrárias ao progresso na vida.212 Entre tais práticas estava, evidentemente, a participação em sindicatos, que

traçavam estratégias coletivas de ação e, desta forma, desviavam o indivíduo das atividades

que poderiam proporcionar- lhe ascensão social através do trabalho árduo e individual. Ford

era um exímio frasista quando se tratava de criticar os sindicatos. Suas declarações,

conhecidas como Fordisms, incluíam: “Sindicatos são a pior coisa que existe na face da

terra, porque tiram a independência do homem”; “Nossos homens devem considerar se é

necessário pagar a alguém de fora [um sindicato] para ter o privilégio de trabalhar na Ford”,

ou “Nós sempre fizemos o melhor por nossos empregados do que alguém de fora [um

211 O combate ao álcool era um dos elementos centrais do processo de americanização de Henry Ford e do Movimento Progressista, tendo longas raízes na história americana. Como um dos elementos da campanha presidencial de Franklin D. Roosevelt era, justamente, o fim da Lei Sêca, Ford declarou que se a proibição do consumo de bebida alcoólicas fosse suspensa ele nunca mais fabricaria um carro. Evidentemente ele não cumpriu sua promessa. Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the First Constitutional Convention of the Congress of Industrial Organizations, held in the City of Pittsburgh, Pennsylvania. November 14 to November 18, 1938, Inclusive, p. 225. 212 FORD, Henry. The Ford plan. A human document. Report of the testimony of Henry Ford before the Federal Commission on Industrial Relations, January 22, 1915 . Nova York: John Anderson Co., 1915, p. 2.

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sindicato] faria”. 213 O Departamento Sociológico, o Dia de 5 Dólares e estratégias similares

de welfare capitalism faziam parte, portanto, da estratégia empresarial, que Ford

compartilhava com todos os industriais de Detroit, de open-shop.214

No entanto, para além de seus aspectos disciplinadores sobre a força de trabalho, o

Dia de 5 Dólares encerrava também um importante aspecto econômico, o repasse aos

salários dos ganhos de produtividade do trabalho obtidos com a linha de montagem (relação

salarial fordista). Em 1943, em publicação comemorando os 40 anos de sua empresa, Henry

Ford afirmaria:

Nosso país prospera ou não com a sorte do trabalhador assalariado. Os gastos dos ricos, somente, não podem sustentar nenhuma indústria básica; porque, em primeiro lugar, nós temos muito poucas pessoas que podem ser chamadas de ricas; em segundo lugar, porque nem suas necessidades nem seu poder de compra são suficientes para sustentar sequer uma indústria de médio porte. 215 Ford tinha portanto plena clareza de que, se nos tempos heróicos da indústria

automotiva, pequenas oficinas produziam carros para um mercado extremamente reduzido,

nos tempos da produção em massa, proporcionada por sua linha de montagem, haveria que

se constituir um mercado também de massas, formado por trabalhadores. Como visto, em

pouco mais de uma década ele havia produzido 15 milhões de Modelos T, um número de

unidades que ia muito além da capacidade de consumo de um mercado formado por

213 Apud ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor... Decided December 22, 1937”, p 626 e seguintes. 214 Antônio Gramsci foi, possivelmente, o primeiro pensador a perceber que o fordismo não se resumia simplesmente a uma nova forma de organização da produção, ao afirmar que a linha de montagem de Ford estava indissoluvelmente articulada a um novo modo de viver, pensar e sentir a vida. Cf. GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a política e o Estado Morderno. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1988, p. 396 e seguintes. Para uma análise do fordismo e do Dia de 5 Dólares no processo de quebra da resistência operária e na disciplinarização da força de trabalho, Cf. MEYER, Stephen. Op. Cit. Para uma análise da questão dos processos de trabalho taylorista e fordista como estratégias de dominação operária e dos salários mais elevados e diferenciados como forma de quebra da solidariedade operária desde a concepção taylorista da organização do trabalho, Cf. CORIAT, Benjamin. Op. Cit., p. 54 e seguintes e 90. 215 FORD, Henry. Ford Motor Company. Forty years, 1903-1943 . Detroit: Ford Motor Company, 1943, p. 29.

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famílias e indivíduos de alta renda. O desafio era, pois, o de generalizar a relação salarial

fordista em um cenário em que a competição destrutiva era a marca das relações entre as

empresas em diversos setores industriais. Ford pôde aumentar o salário de seus

trabalhadores em 1913 porque virtualmente não tinha competidores no setor automotivo

que então se consolidava. No início da Primeira Guerra Mundia l, a Ford ainda controlava

cerca de metade do mercado americano de automóveis, o que não ocorria em outros

segmentos industriais, onde os salários permaneciam como variáveis de ajuste por

corresponderem, em média, de 30% a 50% dos custos totais da produção.216 Assim, mesmo

na indústria automotiva, em que rapidamente os métodos fordistas se disseminaram, a

relação salarial fordista manteve-se insulada na própria Ford e, por pressão das demais

montadoras, a Employers’ Association of Detroit (EAD) funcionou como instrumento

exclusivo de contratação da Ford, de forma a impedir que os trabalhadores de outras

montadoras para ela migrassem e, desta forma, forçassem suas empresas de origem a

elevar os salários de seus próprios trabalhadores.217 A EAD constituiu-se, desde sua

origem, em um bastião do open-shop em Detroit, tornando a cidade atraente para a

instalação de novas indústrias por sua mão-de-obra abundante, devido à imigração, e

desorganizada, devido à ação patronal. 218

O fordismo e seus corolários da produção e consumo de massas expressavam,

portanto, mudanças importantes na natureza da economia americana, particularmente a

crescente importância da relação salarial. Se, nas primeiras décadas do século XX, os

setores mais dinâmicos da economia eram os ligados a bens de capital e insumos básicos,

como o carvão e o aço, ou seja, se os compradores de tais insumos eram outras indústrias, a

216 Cf. GORDON, Colin. Op. Cit., p. 37. 217 Cf. KLUG, Thomas. Op. Cit., p. 52.

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indústria automotiva – assim como outras indústrias de consumo durável então criadas ou

em expansão, e mesmo a indústria do lazer - vinha colocar o consumidor individual, cuja

única renda era o salário, como elemento central do processo de reprodução do sistema. Em

seu estudo clássico sobre a pequena cidade americana de classe média, o casal Lynd

afirmaria:

A difusão de novas oportunidades urgentes para gastar dinheiro em todos os setores da vida pode ser demonstrado através de novos utensílios e serviços usados em Middletown [cidade paradigmática da nova sociedade de consumo americana. O estudo foi feito em Muncie, Indiana] hoje, mas pouco conhecidas até recentemente: No lar: forno, água corrente e quente, esgotamento sanitário, aparelhos elétricos englobando torradeiras até máquinas de lavar louça, telefone, refrigeradores, vegetais e frutas frescos durante o ano todo, grande variedade de roupas, roupas e roupas íntimas de seda, lavanderias comerciais, (...) cosméticos, manicures e cabeleireiros. No lazer: cinema (...), carros (gasolina, pneus, depreciação, viagens), fonógrafo, rádio, brinquedos infantis mais elaborados, mais taxas de clubes para mais membros da família, YMCA e YWCA, mais jantares dançantes, (...), cigarros caros. Na educação: ginásio e faculdade (envolvendo tempos mais longos em que os pais sustentam os filhos), vários novos custos incidentais, como competições esportivas escolares.219 Para se ter uma idéia das mudanças nos hábitos de consumo nos lares americanos,

as despesas das famílias brancas nova-yorquinas, com salários anuais entre US$ 1.200,00 e

US$ 1.500,00, com alimentação, diminuíram de 43,5% do total para 40,3% entre 1917-

1919 e 1934-1935, ao passo que as despesas com habitação subiram de 19,8% do total para

29,2%, refletindo novos ítens de conforto doméstico.220 Tal fato não escapava aos analistas

do Departamento do Trabalho, que afirmaram já em 1940:

218 Cf. CORIAT, Benjamin. Op. Cit., p. 94. 219 LYND, Robert e LYND, Helen. Middletown. A study in contemporary American culture. Nova York: Harcourt, Brace & World, 1929, p. 81-82. 220 Cf. WILLIAMS, Faith. “Changes in family expanditures in the post-war period”. In Monthly Labor Review . Washington: US Government Printing Office, Vol. 47, No. 5, Novembro de 1938, p. 971, 972.

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115

Um dos mais importantes ganhos dos últimos 40 anos é o reconhecimento das profundas mudanças do mercado americano. Em décadas passadas a expansão da fronteira doméstica e a ocupação de áreas subdesenvolvidas do globo foram acompanhadas por um crescimento quase ininterrupto de oportunidades, tanto para os investimentos de excedentes de capital como para o emprego lucrativo do trabalho. Novas condições tornaram impossível a antiga dependência da expansão da economia nacional e mundial e mudou a ênfase para o mercado interno de bens de consumo. Salários, antigamente considerados como um custo de produção, passaram a ser vistos como renda necessária para sustentar os mercados internos e manter ininterrupto o ciclo de produção e consumo.221 Paralelamente, cada vez os trabalhadores americanos dependiam mais de sua

inserção no processo produtivo para obter os bens necessários à sua própria reprodução e à

de suas famílias. Até o século XIX, a reprodução das condições de vida de um trabalhador

ainda se dava em boa medida em um circuito extra-mercantil. Em 1890, nas principais

regiões mineradoras americanas, em um universo de 2.500 famílias, metade possuía

ovelhas, galinheiros e pomares, e ao menos 30% não compravam nenhum outro legume

além de batatas durante o ano inteiro, situação que rapidamente se transformaria com a

expansão da agricultura mecanizada e voltada para o mercado que se consolidaria nas

primeiras décadas do século XX. O salário tornava-se, assim, crescentemente importante

para a formação da demanda de um amplo segmento industrial em expansão.222

No entanto, se os salários tornavam-se crescentemente importantes para sustentar a

demanda da nova economia de consumo que então se consolidava, o Dia de 5 Dólares não

só não se generalizou para o conjunto da economia americana como nem na Ford Motor

Company ele teve vida longa. Tanto seu fundamento de busca de uma dimensão consensual

221 BOWDEN, Witt. “Wages, hours, and productivity of industrial labor, 1909 to 1939”. In Monthly Labor Review . Washington: US Government Printing Office, Vol. 51, No. 3, Setembro de 1940, p. 520. 222 Em 1910 havia algo em torno de 10.000 tratores nas fazendas americanas. Em 1930, este número tinha aumentado para 930.000 e, em 1936, já havia alcançado a marca de 1.265.000. Cf. “Productivity of farm labor, 1909 to 1938”. In ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. Monthly Labor Review. Washington: Department of Labor, Vol. 49, No. 2, Agosto de 1939, p. 288; CORIAT, Benjamin. Op. Cit., p. 101 e seguintes.

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entre empresa e trabalhadores como no que se refere à visão de Ford de transformar seus

trabalhadores em consumidores logo se revelariam insustentáveis.223

Durante a Grande Guerra, o slogan da democracia industrial penetrou os recintos de

Highland Park e um crescente descontentamento operário se fez sentir, em grande parte

oriundo da aceleração do ritmo da linha de montagem, em razão da competição que a Ford

já vinha sofrendo de outras montadoras, como a GM e a Chrysler.224 Se, em 1915, a

rotatividade do trabalho havia caído para 16%, contra os 382% de 1913, em 1918 ela já

atingia 51%, e uma nova militância, de perfil tanto profissional quanto industrial,

organizada através do incipiente Automobile Workers Union (AWU) se fazia sentir. Com a

entrada americana no conflito, em abril de 1917, a política da Ford para com seus

trabalhadores foi tornando-se cada vez mais dura e o Departamento Sociológico da Ford

logo transformou-se na Oitava Divisão Industrial da American Protective League (APL),

uma organização nacional, criada como uma força auxiliar semi-oficial do Departamento de

Justiça, com o objetivo de, no nível local, garantir a implementação da politica repressiva

do governo Wilson expressa no Espionage Act e no Sedition Act. De abril de 1917 à

primavera de 1919, a APL de Detroit funcionou dentro do Departamento Sociológico da

Ford, com uma rede de espiões e informantes que relatavam todas as atividades políticas e

sindicais dos trabalhadores da empresa, minando a capacidade organizativa destes. Em

breve, o Departamento Sociológico daria lugar ao Departamento de Serviços como gestor

de mão-de-obra da empresa. Tal Departamento era dirigido por Harry Bennet, um ex-

223 Em sua intervenção na Convenção fundadora do Congress of Industrial Organizations, o delegado do United Auto Workers afirmaria que o Dia de 5 Dólares teria sido, des de sua criação, uma farsa, dado que a jornada de trabalho era sempre superior às 8 horas divulgada. Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the First Constitutional..., p. 222. 224 FLINK, James. Op. Cit., p. 123.

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117

pugilista e notório gânsgter, temido até pelos executivos da companhia, a começar por

Edsel Ford, filho de Henry.

Por outro lado, a inflação da Grande Guerra e de seu momento posterior, aliada à

instabilidade no emprego, acabariam por fragilizar o poder de compra dos 5 Dólares,

eliminando a disparidade de salários entre a Ford e as demais montadoras. Em 1918, o

poder de compra dos 5 dólares estava reduzido ao equivalente a 2,14 dólares de 1914. Em

1925, os ganhos semanais dos trabalhadores da Ford já eram em média 4,21 dólares mais

baixos dos que os salários dos trabalhadores das outras montadoras e, em 1937, um

eletricista da montadora ganhava, em média, 6,40 dólares por dia, apenas 1,40 dólar a mais

do que os 5 dólares dos trabalhadores desqualficados de 1913.225 Neste ano, a Ford Motor

Company já era a terceira montadora americana, correspondendo a 22% do total da venda

de carros no mercado interno do Estados Unidos.226

Ainda assim, os salários/hora na indústria automotiva eram relativamente mais altos

do que em outros setores industriais, o que não significa dizer que eles resultassem

necessariamente em rendas anuais altas. Na década de 1920, a indústria automotiva

caracterizava-se por uma acentuada sazonalidade da produção, em boa medida em razão

das demoradas necessidades de ajuste nos equipamentos ocasionadas pela generalização

dos modelos anuais, e se constituía como um dos ramos industriais americanos com mais

alta instabilidade no emprego. 227 A cada outono, uma parcela expressiva dos trabalhadores

225 O trabalhador em questão chamava Sanford Darling, demitido em 1 de dezembro de 1937 em razão da ofensiva da empresa contra o United Automobile Workers. Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company and International Union, UAW of A, Local Union No. 249. Case No. C-1463. Decided May 21, 1941”. In ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Decisions and orders of the Natinal Labor Relations Board. Volume 31. April 16 to May 31, 1941. Washington: United States Government Printing Office, 1942, p. 1059. 226 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company... Decided December 22, 1937”, p. 624. 227 Cf. Cf. FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, p. 4; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU

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118

desqualificados era demitida para que os ferramenteiros preparassem a linha de montagem

para o modelo anual seguinte. Assim, mesmo no ano de 1925, em que a indústria

automotiva teve um desempenho relativamente bom, o tempo médio de emprego de um

trabalhador foi de 46 semanas. Nas seis semanas restantes do ano, ele permaneceu

desempregado e, portanto, sem qualquer rendimento.228

O caso de Archie Kling constitui exemplo das oscilações do emprego na indústria

automotiva de então. Em 20 de novembro de 1922, Kling foi contratado pela planta da

Fisher Body em Cleveland, Ohio, para ser demitido em 8 de janeiro de 1924. Em 25 de

setembro do mesmo ano, ele foi recontratado, tendo sido demitido em 4 de novembro. Em

19 de janeiro do ano seguinte ele foi novamente contratado para ser demitido em 28 de

setembro de 1927, tendo sido mais uma vez recontratado em 1 de março e demitido a 29 de

agosto de 1928. Em 5 de dezembro, ele foi mais uma vez contratado e novamente demitido

em 2 de julho de 1929. Para trabalhadores como Kling, não havia portanto qualquer tipo de

estabilidade no emprego, direitos adquiridos por tempo de serviço (seniority rights) ou

garantia de recontratação. Em 1935, o Bureau of Labor Statistics afirmava que, na indústria

automotiva, as horas eram bem pagas mas as rendas anuais eram baixas, e a maior parte dos

trabalhadores não conseguia uma renda suplementar nos períodos de desemprego. 229 Em

1939, a General Motors, com vistas a superar tal insegurança salarial por parte de seus

trabalhadores, ao invés de garantir-lhes um salário anual, como eles demandavam,

OF LABOR STATISTICS. Monthly Labor Review. Washington: US Government Prininting Office, Vol. 28, No. 2, Fevereiro de 1929, p. 21. 228 Cf. BOWDEN, Witt. Op. Cit., p. 510, 511. 229 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Report on labor conditions in the automobile industry”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 40, No. 3, March 1935, p. 646.

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119

ofereceu-lhes um sistema de empréstimos, a juro zero, para o período de ociosidade em

razão da sazonalidade da produção ou de depressões.230

Conseqüentemente, se o Dia de 5 Dólares apontava a centralidade dos salários para

a reprodução da nova economia de produção para um mercado de massas, os trabalhadores

americanos, como um todo, tornaram-se, nos anos 1920, crescentemente incapazes de

consumir a quantidade sempre maior de bens e serviços que lhes era oferecida. Em outras

palavras, a produção de massa oriunda do fordismo demandava um novo padrão de

consumo, também de massa, mas a relação salarial dominante nos anos 1910 e 1920 não

era a fordista. Pelo contrário, por ser oriunda da contrat ação individual ou, quando coletiva,

realizada por sindicatos fragilizados e fragmentados, ou simplesmente determinada pelas

empresas dentro de suas estratégias competitivas com as demais empresas do mesmo setor,

ela permaneceu sistematicamente baixa.

O cruzamento da produção em massa com a manutenção da concorrência

intercapitalista em tornos dos salários e com a fragilidade do movimento sindical, teve

como resultado que, entre 1909 e 1939, os ganhos reais dos salários/hora – que não medem,

como visto, o poder anual de compra dos trabalhadores -, tivessem um aumento de 110,5%,

ao passo que a produtividade média dos trabalhadores americanos cresceu 163,6%. Entre

1923 e 1929, tal diferença foi particularmente acentuada: os salários/hora cresceram 6,2%,

ao passo que a produtividade do trabalho industrial cresceu 31,9%.231

Como resultado, em 1929, as 200 maiores corporações americanas controlavam

cerca de metade da produção industrial dos Estados Unidos, e as 0,1% famílias mais ricas

230 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “General Motors wage-loan plan”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 48, No. 1, Janeiro de 1939, p. 66. 231 Cf. BOWDEN, Witt. Op. Cit., p. 521.

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possuíam uma renda agregada equivalente a das 42% mais pobres. Em números absolutos,

aproximadamente 24 mil famílias possuíam uma renda combinada equivalente a das 11,5

milhões mais pobres e 71% das famílias tinham uma renda anual de menos de US$

2.500,00, sendo que 6 milhões possuíam renda inferior a US$ 1.000,00 anuais. Em

decorrência, apenas 20% dos trabalhadores americanos possuíam telefones e os dos extratos

inferiores não possuíam água corrente, refrigeradores ou automóveis.232

Diante de tal quadro de concentração da renda e de saturação de seus mercados, as

empresas começaram a criar novos estímulos para as vendas. A Chrevolet chegou a pagar a

seus concessionários para retirar carros usados de circulação.233 A propaganda ocuparia

lugar de destaque dentre tais estratégias, dado que novas necessidades tinham que ser

criadas para justificar a aquisição de torradeiras, aspiradores de pó e, sobretudo automóveis.

Não por acaso os publicitários de então auto-denominavam-se “missionários da

modernidade” e, em 1929, foram gastos em publicidade nos Estados Unidos o equivalente

232 Cf. McELVAINE, Robert. The Great Depression. America, 1929-1941 . Times Books, 1984, p. 37-39; WAGNER, Robert. “Statement of Hon. Robert F. Wagner, United States Senator, New York. Hearings before the Committee on Education and Labor of the United States Seventy-Third Congress. Thursday, March 29, 1934. Session on S. 2969. A Bill to equalize the bargaining power of the employers and employees, to encourage the amicable sttlement of disputes between employers and employees, to create a National Labor Board, and for other purposes. In ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History of the National Labor Relations Act, 1935. Vol. 1 . Washington: United States Government Printing Office, 1985, p. 1408; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. Twenty-Fifth Annual Report of the Secretary of Labor, for the fiscal year ended June 30, 1937 . Washington: US Government Printing Office, 1937, p. 5. 233 Cf. FINE, Sidney. Op. cit., 1963, p. 2. Enquanto não houver uma unidade do produto para cada consumidor ou família, a questão da saturação do mercado está relacionada ao poder de compra de cada um deles que queira consumir o referido produto. Para da um exemplo, o mercado brasileiro de automóveis encontra-se saturado em que pese haver no Brasil apenas 1 veículo, incluindo automóveis, ônibus e caminhões, para cada 9,4 habitantes. É portanto com o reduzido universo da classe média brasileira que a indústria automotiva nacional deve escoar sua produção e foi reconhecendo estes limites que o movimento sindical metalúrgico propôs um Programa de Renovação e Reciclagem da Frota Nacional de Veículos. Tal programa existe em diversos países que já possuem mercados saturados, como a Itália, em que existe 1,7 habitante por veículo, o que cobre praticamente todas as famílias. Cf. LIMONCIC, Flávio. A insustentável civilização do automóvel. A indústria automotiva brasileira em tempos de reestruturação produtiva . Rio de Janeiro: FASE, 2001, p. 61 e seguintes.

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ao investimento em todas as formas de educação. 234 A indústria automotiva partiria ainda

para outras estratégias de estímulo às vendas, como a concessão de crédito próprio e

mudanças estilísticas nos modelos.235 O próprio Ford ver-se- ía na contingência de

abandonar seus escrúpulos puritanos e a aposentar, em 1927, o ascetismo de seus Modelos

T, rigorosamente iguais, variando apenas as cores e a cobertura, e aderir aos modelos

múltiplos e à obsolescência programada da General Motors. 236 Ainda assim, em 1927, 700

mil carros a menos foram registrados no mercado americano do que em 1926.237 Outros

setores industriais voltados para o consumo de massas enfrentavam situações parecidas. Na

indústria de vestuário masculino, ao longo da década de 1920, os americanos maiores de 18

anos consumiam, em média, menos de uma nova muda de roupa por ano devido aos baixos

salários.238

A idéia de Ford de fazer de seus funcionários consumidores de automóveis não

havia se realizado. No limiar da Grande Depressão, a indústria automotiva, origem da

produção em massa, estava sensível à necessidade de elevar o poder de compra dos

234 Cf. COBEN, Stanley. “Os primeiros anos da América moderna”. In LEUCHTENBURG, William (org.). Op.Cit., p. 339; SANTOS, Rafael José dos. “Um percurso da mundialização: os norte-americanos e a consolidação da publicidade no Brasil”. In Comunicação & Política. Rio de Janeiro: V. III, no. 2, maio/ago. 1996, p. 113 e seguintes. 235 Anos mais tarde, Franklin D. Roosevelt criticaria o financiamento das vendas de automóveis pelas próprias montadoras: “Quando os representantes da indústria automobilística estiveram aqui eu lhes disse que acreditava que o sistema de crédito por eles criado havia permitido a milhares de famílias comprar carros quando elas não tinham o direito de fazê -lo em razão de suas rendas. O resultado do sistema de crédito de 1928, 1929 e 1930 foi o de saturar [ainda mais] o mercado. O slogan de Hoover de dois carros em cada garagem era extremamente perigoso”. ROOSEVELT, Franklin D. Memo enviado à Secretaria do Trabalho, 15 de junho de 1934. Franklin D. Roosevelt Presidential Library. President’s Personal File. 1191 (X-Refs, 1944-45) – 1211. 236 Cf. BEYNON, Huw. Trabalhando para Ford: trabalhadores e sindicalistas na indústria automobilística. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1995, p. 48. 237 Cf. GENERAL MOTORS CORPORATION. Twenty-eighth annual report. Year ended Dec. 31, 1936. Detroit: 1936, p. 10. 238 Cf. HILLMAN, Sidney. “Statement of Sidney Hillman, President, Amalgamated Clothing Workers of America, and Member of the Labor Advisory Board”. Hearings before the Committee on Education and Labor of the United States Seventy-Third Congress. Thursday, March 15, 1934. Second Session on S. 2969. A Bill to equalize the bargaining power of the employers and employees, to encourage the amicable sttlement of disputes between employers and employees, to create a National Labor Board, and for other purposes. In

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trabalhadores, mas não o dos seus próprios, mantendo a open-shop como sua política para

lidar com as organizações operárias.239

ESTADOS UNIDOS NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History of the National Labor Relations Act, 1935. Vol. 1 . Washington: United States Government Printing Office, 1985, p. 152. 239 Cf. GORDON, Colin. Op.Cit., p. 44, 45.

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2.4. A Grande Depressão Os anos 1920 pareciam ter sido, e de fato foram para parcelas importantes da

sociedade americana, uma época de esplendor, consumo, crescimento econômico e

abundância, a um tal ponto que, em dezembro de 1928, o presidente Calvin Coolidge

afirmava, diante do Congresso americano:

Nenhum presidente dos Estados Unidos já reunido até hoje para apreciar o estado da União viu-se diante de uma perspectiva mais agradável do que a que se apresenta no momento atual. No campo nacional, há tranqüilidade e contentamento, e o recorde absoluto de anos de prosperidade. No campo internacional, há paz, a boa vontade proveniente do entendimento mútuo…240

Pouco menos de um ano depois, no entanto, a quebra da Bolsa de Nova York

tornaria evidente que algo de profundamente errado estava acontecendo com a economia

americana. O preço das ações virtualmente entrou em colapso e “bilhões e bilhões de

dólares, ocasionando perdas gigantescas no mais desastroso dia da história da bolsa de

valores” evaporaram no ar.241 O desemprego, que em 1929, afligia 3% da força de trabalho,

passou para 6,3% em 1930 e atingiu a marca de 30,5%, quase 12 milhões de trabalhadores,

em 1933, ano em que Franklin D. Roosevelt assumiu a presidência da República e lançou o

New Deal. Em 1940, 15% dos trabalhadores ainda continuavam desempregados, situação

que só se reverteria com a entrada do país na Segunda Guerra Mundial.

Mais de setenta anos após outubro de 1929, as causas da Grande Depressão

continuam sendo alvo de controvérsias, refletindo as distintas escolas do pensamento

econômico. As interpretações giram em torno de erros na gestão da política monetária pelo

240 Apud GALBRAIGHT, John Kenneth. 1920. O colapso da bolsa: anatomia de uma crise. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1972, p. 37.

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Federal Reserve Board no pós-1929 que, ao reduzir o meio circulante, teriam acabado por

levar a uma contração geral da economia, assim como de inadequações da política de

comércio exterior que, ao elevar as alíquotas de importação, teriam levado a uma queda

generalizada do comércio internacional; da teoria dos ciclos econômicos de longa, média e

curta duração à fragilidade do padrão-ouro como mecanismo de regulação das moedas

nacionais e dos mercados internacionais; dos desequilíbrios econômico- financeiros entre os

diferentes países advindos do Tratado de Versalhes ou da relutância dos Estados Unidos em

assumir seu papel como potência hegemônica no lugar da Inglaterra após a Primeira Guerra

Mundial e, por fim, dos desequilíbrios da própria economia americana, expressos, por

exemplo, na super-produção de produtos agrícolas e na crescente concentração da renda, ao

mesmo tempo em que a produtividade do trabalho crescia de forma constante. As

interpretações se dividem, pois, entre aquelas que percebem as raízes da Depressão em um

complexo conjunto de fatores internacionais e as que as localizam em desequilíbrios

originários da economia americana, que depois teriam repercutido pelo mundo; entre as que

entendem que existiu um fator determinante para o desencadeamento do processo e as que

entendem que houve um amplo leque de desequilíbrios que o ensejaram; as que vêem em

1929 o momento inicial da crise e as que nele percebem apenas um de seus momentos,

embora de fundamental importância, por haver eliminado poupanças e quebrado a

confiança dos investidores.242

Uma visão abrangente das razões da Grande Depressão deve levar em conta

elementos advindos das diferentes interpretações. Assim, por exemplo, os problemas

241 New York Time s. Nova York, 30 de outubro de 1929, p. 1. 242 Cf. KINDLEBERGER, Charles. The world in Depression, 1929-1939. Berkeley, Los Angeles, Londres: University of California Press, 1986; McELVAINE, Robert. The Great Depression. America, 1929-1941. Times Books, 1984; EICHENGREEN, Barry. Golden fetters. The gold standard and the Great Depression, 1919-1939. Nova York, Oxford: Oxford University Press, 1992; BRUCHEY, Stuart. Enterprise. The dynamic

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125

políticos e econômicos da Europa construída pelo Tratado de Versalhes levaram de fato a

Alemanha a uma situação de fragilidade e dependência de investimentos e empréstimos

norte-americanos, fragilizando-a e tornando-a vulnerável quando os Estados Unidos

repatriaram seus capitais após o aprofundamento da crise. Da mesma forma, países

exportadores de produtos agrícolas, como o Brasil, foram profundamente atingidos pela

queda do comércio internacional. No entanto, segundo a perspectiva aqui adotada, baseada

na teoria da regulação, a raiz da crise encontra-se nas contradições vividas na própria

economia americana e pode ser caracterizada como uma crise de regulação.

A teoria da regulação surgiu no início da década de 1970 como uma alternativa às

teorias econômicas neoclássica, keynesiana e marxista que, na visão de seus formuladores,

revelavam-se incapazes tanto de compreender quanto de formular políticas econômicas que

dessem conta da superação da crise então evidenciada.243 Apesar da diversidade de suas

abordagens, tal teoria parte de um núcleo comum: a crise dos anos 1970 não se

caracterizava como uma recessão cíclica, ainda que mais longa e aprofundada, nem

tampouco devia sua origem ao enca recimento da matriz energética, com o primeiro choque

do petróleo de 1973, mas tinha como fundamento o esgotamento de um dado modo de

regulação do capitalismo, cujas origens, no caso americano, podem ser remontadas ao New

Deal, e que se consolidou no pós-Segunda Guerra Mundial. A teoria parte de dois conceitos

fundamentais, o de regime de acumulação e o de modo de regulação, definidos da seguinte

maneira:

economy of a free people. Cambridge, Londres: Harvard University Press, 1990. 243 Para uma interessante análise da interface das três crises de inícios dos anos 1970 – crise econômica, crise da política econômica e crise da teoria econômica -, Cf. MENDONÇA, Antônio. “A teoria da regulação e a crise dos paradigmas na ciência econômica”. In MENDONÇA, Jorge Pessoa; NAKATANI, Paulo e CARCANHOLO, Reinaldo Antônio (orgs.). Crise ou regulação? Ensaios sobre a teoria da regulação. Vitória: Editora Fundação Ceciliano Abel de Almeida, Universidade Federal do Espírito Santo, 1994, p. 5-30.

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O regime de acumulação descreve a estabilização a longo prazo da destinação do produto entre o consumo e a acumulação, o que implica uma correspondência entre a transformação das condições de produção e das condições de reprodução do trabalho assalariado. Implica também em certas modalidades de articulação entre o capitalismo e outros modos de produção, em uma ‘formação econômica e social nacional’, entre o interior da formação econômica e social considerada e aquilo que lhe é considerado exterior etc. Matematicamente falando, um regime de acumulação é dado por determinado esquema de reprodução. Se um regime de acumulação existe, é porque seu esquema de reprodução é coerente: portanto, é possível que nem todos os regimes de acumulação sejam viáveis. Ora, certamente nada existe que obrigue o conjunto de capitais individuais a se enquadrarem docilmente num esquema de reprodução coerente. É necessário, portanto, que exista uma materialização do regime de acumulação, sob a forma de normas, costumes, leis, mecanismos reguladores, que assegure, através da rotina do comportamento dos agentes em luta uns com os outros (na luta econômica entre capitalistas e assalariados, na concorrência entre capitais), a unidade do processo, o respeito aproximativo do esquema de reprodução. Este conjunto de regras interiorizadas e procedimentos sociais, que incorpora o social nos comportamentos individuais (o habitus, conceito desenvolvido por Bourdieu), é o que se chama de modo de regulação.244 O conceito de modo de regulação é entendido, portanto, como o conjunto de leis,

mecanismos reguladores, costumes e normas que asseguram o respeito, por parte dos

agentes econômicos, à rotina necessária à reprodução de um dado regime de acumulação.

Portanto, para a adequada compreensão de um modo de regulação, é fundamental que se

leve em conta o conjunto das relações sociais e dos arranjos institucionais que estabilizam o

crescimento da economia e distribuem renda e consumo, dentro de um contexto histórico e

um lugar específicos, o que tem por conseqüência a necessidade de um pensar articulado

das dimensões da política, da economia e da cultura. É bom frisar este ponto: para a teoria

da regulação, a dimensão cultural é estruturante do modo de regulação, não constituindo-se

como reflexo ou necessidade do regime de acumulação. 245

244 Cf. LIPIETZ, Alain. Miragens e milagres: problemas da industrialização no Terceiro Mundo. São Paulo: Nobel, 1988, p. 30. 245 Cf. HARVEY, David. Op. Cit., p. 188 e LIPIETZ, Alain. Op. Cit., p. 29, 30.

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Segundo os autores regulacionistas, a história do capitalismo tem se caracterizado,

de um lado, pela busca incessante pela elevação da produtividade do trabalho e, de outro,

pela luta pela apropriação dos resultados desta elevação entre capital e trabalho.246 Este

conflito encerra a necessidade, nem sempre reconhecida, de elevar a remuneração do

trabalho de forma a, tanto no plano simbólico quanto no das condições objetivas, garantir a

reprodução do sistema. Nos Estados Unidos, esta busca e este conflito encontraram seu

paroxismo a partir do desenvolvimento do regime de acumulação fordista.

Nas primeiras décadas do século XX, com o advendo do regime de acumulação

fordista, baseado na intensificação da acumulação – elevação da composição orgânica do

capital, rápido crescimento da produtividade -, uma parcela expressiva da produção social

teria se destinado à acumulação de capital, levando a que a esfera do consumo

crescentemente não conseguisse realizar a demanda necessária para dar continuidade à

reprodução do sistema.247 Tal incapacidade de formar demanda seria fruto, por sua vez, da

inadequação da chamada regulação concorrencial em fornecer as bases institucionais que

permitissem a reprodução do novo regime de acumulação, particularmente em razão da

fragilidade dos mecanismos regulatórios estatais e da fraca capacidade de intervenção dos

sindicatos na formação dos salários.

Enquanto que no século XIX e primeiras décadas do século XX os baixos salários

ocorriam em um quadro em que a produção em massa não estava plenamente desenvolvida

e em que os trabalhadores obtinham ao menos parcelas de sua subsistência no circuito

extra-mercantil, a insatisfação operária apenas sinalizava a permanente produção de

desigualdades do sistema capitalista. Quando, no entanto, o regime de assalariamento se

246 Cf. MALAGUTI, Manoel Luiz. “A teoria da regulação: dialogando com Karl Marx”. In MENDONÇA, Jorge Pessoa; NAKATANI, Paulo e CARCANHOLO, Reinaldo (org.). Op. Cit., p. 31-96.

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128

generalizou e a produção em massa se consolidou através da acumulação fordista, o quadro

institucional da regulação concorrencial – baseada, entre outros pontos, na contratação

individual do trabalho e na restrição do papel do Estado à garantia do cumprimento dos

contratos e à segurança interna e externa - revelou-se incapaz de distribuir renda e riqueza

e, desta forma, formar um mercado de massas. Neste sentido, o empresariado americano,

embora tendo sido capaz de generalizar seu projeto de classe nos anos 1920 (sem dispensar,

contudo, altas doses de coerção sobre o trabalho organizado), foi incapaz de criar as bases

materiais do consentimento, tendo cabido ao Estado a construção das condições

institucionais para as mesmas. 248

A partir de 1929, o que estava em jogo, portanto era a construção de um novo modo

de regulação do capitalismo americano, ou seja, de novas estruturas institucionais, hábitos,

normas, costumes, leis, mecanismos reguladores, de forma a permitir que a relação salarial

fordista se generalizasse para um que conjunto amplo o suficiente da classe trabalhadora se

tornasse capaz de sustentar o novo regime de acumulação.249 Tal diagnóstico geral, ainda

que construído sobre bases teóricas diferentes, possui afinidades com as análises de alguns

dos principais atores sociais contemporâneos dos acontecimentos. Ainda em 1931, William

Leiserson afirmava que, ao contrário do que queriam os analistas contemporâneos da

Depressão, as causas desta não deveriam ser procuradas na esfera da produção, mas na da

demanda. Para ele, a função primordial do governo deveria ser a de estabilizar a

distribuição da renda nacional, de forma a tornar os assalariados aptos a consumir.250 Na

mesma linha, o senador democrata Robert Wagner afirmaria em 1934:

247 Idem, p. 69. 248 cf. PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo y socialdemocracia . Madri: Alianza Editorial, 1988. 249 Tal visão da crise de 1929 está largamente baseada em CORIAT, Benjamin. Op. Cit., cap. 6. 250 Cf. TOMLINS, Christopher. Op.Cit., p. 99.

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129

Desde a virada do século este país tem sido prolífico na produção de bens. A riqueza tem jorrado das fábricas, das minas e dos campos em uma abundância inigualável. Se nossa organização social tivesse se mantido passo a passo com nossa inventividade mecânica, o paradoxo da coexistência do progresso com a pobreza teria desaparecido por completo. Ao invés, ele aprofundou. Ninguém com um senso da realidade econômica explicaria tal incongruência com uma simples fórmula. Mas estudiosos pacientes e cuidadosos, trabalhando independentes uns dos outros, chegaram quase todos à mesma conclusão: a de que a distribuição de renda entre as massas do nosso povo secou na fonte, com conseqüências inevitáveis sobre os negócios e sobre toda a estrutura econômica. Trago para o primeiro plano o problema da coordenação entre produção e salários porque nele recai o principal desafio econômico que se nos defronta. Todos reconhecem isso, e todos admitem que de uma solução satisfatória desse desafio depende o bem-estar de todos.251 Em 1938, o Congress of Industrial Organizations faria um diagnóstico bastante

próximo:

O período presenciou o crescimento rápido dos lucros e das rendas dos proprietários em relação aos salários. Isto se deveu, em boa parte, ao fato de que o movimento sindical, até aquele momento, havia falhado em ajustar-se aos fatos da indústria americana [início da produção em massa]. Por outro lado, as políticas governamentais contribuíram para tal desajuste. O resultado foi que fundos disponíveis para aumentar a capacidade produtiva cresceram rapidamente, ao passo que a renda disponível para consumir os produtos da economia cresceram muito devagar.252 Um dos elementos centrais deste novo modo de regulação seria a contratação

coletiva da remuneração do trabalho através de organizações sindicais de modo a

possibilitar a generalização da relação salarial fordista, algo que, de certa forma, já

propunham Commons e Croly. Pode-se mesmo argumentar que o que Croly, em particular,

efetivamente propunha em seu The promise of American life, era justamente a construção

de um novo modo de regulação do capitalismo norte-americano, ou seja, a construção de

251 WAGNER, Robert. “N.R.A. Codes. Adress by Senator Wagner. Congressional Record, Senate – March 5, 1934 (78 Con. Rec. 3678). In ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History of the National Labor Relations Act, 1935, Vol. 1 . Washington: United States Government Printing Office, 1985, p. 18.

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novas estruturas institucionais, de novos hábitos, leis, comportamentos e visões de mundo

que permitissem a reprodução e ampliação da nova economia urbano- industrial.253 As

instituições, as leis, a própria visão de mundo jeffersoniana, seriam incapazes, segundo

Croly, de dar conta de um mundo dominado por grandes corporações e onde os indivíduos

estivessem isolados e atomizados. Ao lado do grande capital, havia que constituir-se

também um grande Estado e um grande trabalho, atores coletivos que construíssem as bases

sociais, políticas, econômicas e culturais de um novo equilíbrio de forças, capaz de

redistribuir o poder político, a renda e a riqueza nacional.

Neste sentido, em uma economia crescentemente baseada na remuneração dos

trabalhadores para realizar a demanda de uma produção em massa, o trabalho organizado

deveria receber o tratamento oposto a que vinha recebendo até então do Estado norte-

americano, particularmente do Poder Judiciário. Em outras palavras, deveria receber

‘discriminações positivas’, de modo a tornar-se capaz de, através da contratação coletiva do

trabalho, generalizar a relação salarial fordista. Este, o desafio enfrentado pelo New Deal.

252 Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the First Constitutional... p. 52. 253 Cf. BOYER, Robert. Op. Cit. LIPIETZ, Alain. Op. Cit. HARVEY, David. Op. Cit..

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131

Capítulo 3: A NIRA e a contratação do trabalho na indústria automotiva 3.1. Quem governa a vida de 80 mil trabalhadores?

As vidas de 80 mil trabalhadores e suas famílias devem ser governadas pelas leis dos Estados Unidos da América ou pelos éditos do Grão-Duque Henry Ford? Esta é, fundamentalmente, a questão com a qual os agentes da lei se deparam, como resultado da esplêndida ação da NLRB no caso da Ford. O relatório da NLRB descreve os esforços pacíficos do United Auto Workers of America para organizar os trabalhadores da Ford sob os direitos previstos pela Lei Wagner e declarados constitucionais pela Suprema Corte. No interesse do governo democrático, é conveniente que a administração [Roosevelt] implemente a lei em Dearborn, Michigan, e prove que, sob o império da lei, os trabalhadores da Ford podem gozar de seus direitos naturais e que Mr. Ford, como outro cidadão qualquer, deve ser responsabilizado quando desrespeitá- la.254

Dearborn, Michigan, 26 de maio de 1937. Walther Reuther, membro da Direção

Executiva Geral do United Auto Workers of America (UAW), e Richard Frankensteen,

diretor do Comitê de Organização da Ford e também membro da mesma Direção sindical,

encaminharam-se, junto com outros companheiros, para o Portão 4 da planta River Rouge

da Ford Motor Company. Acompanhando-os, o Reverendo Raymond P. Sanford, de

Chicago, designado pela Conferência para a Proteção dos Direitos Civis para observar a

panfletagem que o sindicato faria no local. O grupo chegou ao Portão às 13:45 h e

encaminhou-se para um viaduto localizado logo adiante, de forma a observar a distribuição

dos panfletos. Como a atividade havia sido amplamente divulgada, inclusive pela imprensa,

uma quantidade significativa de jornalistas estava presente. Dado o histórico de confronto

254 COMMITTEE OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. CIO News . Washington: Vol. 1, n. 4, Dec. 29,

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132

entre o sindicato e a Ford Motor Company, uma atividade do UAW diante de River Rouge

certamente renderia, ao menos, boas fotos. Afinal, poucos meses antes, Ford havia

afirmado: “Os [trabalhadores] que entrarem em um sindicato ficarão como os perus [no Dia

de Ação de Graças]: seus pescoços serão atingidos”. 255

Naquele momento, embora já houvesse sido suplantada como a maior montadora

americana pela General Motors Corporation, a Ford Motor Company ainda representava

um colosso industrial. River Rouge era o coração da empresa, a maior planta industrial do

mundo, empregando mais de 80 mil homens, e a Ford possuía fábricas de auto-peças e

revendedores em quase todo o território americano, operava minas em diversos estados,

possuía subsidiárias no exterior e mesmo uma frota de navios. Até junho de 1936, ano em

que 22,44% dos carros emplacados nos Estados Unidos trouxeram a sua marca, a empresa

havia fabricado mais de 24 milhões de automóveis.256

Para o UAW, a sindicalização dos trabalhadores da Ford Motor Company era de

importância estratégica, dado que Henry Ford era visto como um déspota empresarial, o

Mussolini de Detroit, sendo seu anti-semitismo e suas simpatias, correspondidas, por Adolf

Hitler, notórios.257 Mesmo uma revista voltada para o mundo dos negócios, como Fortune,

1937, p. 2. 255 ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company... Decided May 21, 1941”, p. 1002. 256 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company... Decided December 22, 1937”, p. 624 e seguintes. Para se ter uma idéia do que isto significa, os Planos Automotivos Brasileiros, elaborados pelo Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) do governo Juscelino Kubitschek, previam, nos primeiros quatro anos da nacionalização da indústria automotiva no Brasil, a fabricação de 377.700 unidades, das quais 321.000 foram efetivamente fabricadas. Cf. LIMONCIC, Flávio. Op. Cit.. 257 Cf. RAUSHENBUSH, Carl. Fordism. Ford and the community. Nova York: League for industrial democracy, 1937. Em 1938, Ford chegou a receber a Grande Cruz da Suprema Ordem da Águia Alemã, além de Ter sido condenado a pagar US$ 375 mil dólares de indenização a um advogado judeu de Chicago por suas colocações contra a presença de judeus nos Estados Unidos. Cf. FLINK, James. Op. Cit., p. 113; CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the First Constitutional..., p. 222, 224.

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133

afirmava que “… a organização do Sr. Ford evidencia ser gerida pelo medo”. 258 Mais do

que ninguém, Ford personificava a política de open shop: “Nós nunca vamos reconhecer o

UAW ou outro sindicato qualquer”. 259

A pedidos dos jornalistas, Reuther, Frankensteen e outros sindicalistas posaram

para fotografias, tendo a grande fábrica como cenário de fundo. Neste momento, foram

abordados por três homens que afirmavam ser o viaduto propriedade da empresa e que,

portanto, todos deveriam dele se retirar. Em tal momento, “O testemunho unânime indica

claramente que o grupo de sindicalistas rumou na direção da escada (...), sem fazer

qualquer tipo de objeção. No entanto, após apenas alguns passos, foram cercados e

atacados”. 260 A Batalha do Viaduto, como ficou conhecido o enfrentamento, foi marcada

por extrema violência por parte dos homens do Departamento de Serviços da Ford:

A história do ataque é quase que inacreditavelmente brutal. Reuther e Frankensteen tiveram atenção especial e apanharam terrivelmente. Ambos foram derrubados, socados e chutados em todas as partes de seus corpos. Depois, foram suspensos no ar diversas vezes e jogados contra o concreto.261 Em resposta, o UAW fez questão de lembrar a Ford Motor Company que River

Rouge ficava em Dearborn, Michigan, e não na Alemanha nazis ta.262 Homer Martin,

presidente do sindicato, em carta aberta a Henry Ford, após associar o fordismo ao anti-

americanismo, ao gangsterismo, ao fascismo, ao feudalismo e à autocracia empresarial,

afirmava com tintas dramáticas:

258 Cf. FLINK, James. Op. Cit., p. 125. 259 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company... Decided December 22, 1937”, p. 647. 260 ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the matter of Ford Motor Company... Decided December 22, 1937”, p. 627. 261 ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the matter of Ford Motor Company... Decided December 22, 1937”, p. 627. 262 Cf. UNITED AUTOMOBILE WORKERS OF AMERICA. United Auto Worker. Official publication. Detroit: No. 16, Ano 1, 29 de maio de 1937, p. 4.

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134

Enquanto os seus Camisas-Negras de Dearborn têm sido bem-sucedidos em aterrorizar e espancar brutalmente os trabalhadores, também têm sido bem sucedidos em manchar cada carro da Ford, por toda a América, com o sangue vermelho que esparge das feridas destes.263 No entanto, ao contrário do destino de tantos outros enfrentamentos igualmente ou

mais brutais entre milícias empresariais e sindicatos, a surra que Reuther, Frankensteen e

seus companheiros sofreram não resultaria apenas em protestos públicos, mas em uma

ação, impetrada pelo UAW, na National Labor Relations Board. Segundo o sindicato, a

Ford Motor Company havia praticado uma unfair labor practice (atividade empresarial

ilegal contra os esforços associativos autônomos dos trabalhadores), ação esta que resultou

em Ordens, emitidas pela agência, à empresa no sentido de que cessasse suas atividades

coercitivas e intimidatórias sobre os esforços organizativos do UAW ou de outra

organização sindical qualquer, assim como cessasse de dominar ou interferir na formação e

administração da Ford Brotherhood of America (FBA), que o UAW acusava de ser uma

organização sindical formada pela própria empresa com o objetivo de enfraquecê- lo.264

Para a peculiar visão de Ford, a NLRB seria a materialização de uma política da

comunidade de Wall Street e do capital financeiro internacional com vistas a unificar os

salários e impedir que uma empresa benevolente, como a sua própria, pagasse salários mais

altos aos seus funcionários.265 Conseqüentemente, mesmo após iniciado o processo, a

empresa continuaria a agir com violência contra qualquer tentativa de seus trabalhadores

em organizar-se em sindicatos, a um tal ponto que líderes sindicais chegaram a afirmar que

263 MARTIN, Homer. Carta aberta a Henry Ford . Detroit, 5 de junho de 1937. Reuther Library. UAW-GM Collection. General Correspondence, 1938-1945. 264 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Regional Offices: Comments on current labor situation. Confidential. Seventh Region, Detroit: Abril de 1937 . NARA. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the General Counsel. Reading file of the General Counsel, 1939-1941. Records relating to the preparation of the Board's case, 1936-1941. Stack area 530. Localizacao: Entry 23, 43,06,04. 265 Detroit Free Press . Detroit: 14 de abril de 1937.

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135

destruir o fordismo na América seria a maior contribuição americana para a destruir os

Hitlers do mundo. Ford só aceitou as Ordens da NLRB quando estas foram confirmadas

pela Suprema Corte dos Estados Unidos, já em 1940, momento considerado pelo UAW-

CIO como a sua maior vitória. 266

A natureza do embate entre a Ford Motor Company e o UAW, através da NLRB,

seria captada com perspicácia pelas palavras do CIO News que servem como epígrafe para

este capítulo. Com a NLRA e sua agência, a NLRB, a luta sindical cessava de representar

um assunto eminentemente privado entre organizações de trabalhadores e corporações,

como queria o sindicalismo propugnado pela AFL desde fins do século XIX, para tornar-se

objeto de regulação estatal. Não por outra razão, William Madden, chairman da NLRB,

afirmaria diante do Subcomitê de Liberdades Civis do Congresso dos Estados Unidos:

Nos últimos anos a proteção ao direito de organização dos trabalhadores e de negociação coletiva tornou-se uma questão pública. O reconhecimento verbal de tais direitos transformou-se em uma obrigação assumida pelo Governo. A NLRA é hoje o principal bastião de tais direitos.267

De fato, com a NLRB, as relações de trabalho nos Estados Unidos ganharam pela

primeira vez uma positivação legal que, abertamente, defendia a contratação coletiva do

trabalho.

266 Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Daily proceedings of the Third Constitutional Convention of the Congress of Industrial Organizations. Atlantic City, New Jersey: Nov. 18, 19, 20, 21, 22, 1940, p. 295; UNITED AUTO WORKERS. Official publication . Detroit: Vol. 5, No. 4, 15 de fevereiro de 1940, p. 1. 267 Cf. UNITED STATES. SENADO DOS ESTADOS UNIDOS. Opressive labor practices act. Hearings before a Subcommittee of the Committee on Education and Labor of the United States Senate. Seventy-Seventh Congress. May 25 and 26 and June 1, 2, 5, 6, 7 and 13, 1939. Washington: US Government Printing Office, 1939, p. 61.

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3.2. O New Deal e o mundo do trabalho: uma breve discussão historiográfica

O New Deal tem sido alvo de um intenso debate historiográfico. Para a tradição

liberal da historiografia norte-americana, o governo Roosevelt seria o ponto culminante de

um processo multi- secular de reformas políticas e sociais rumo a um sistema mais

democrático e pluralista de governo. Para William Leuchtenburg, herdeiros do Iluminismo,

FDR e os New Dealers “sentiam-se parte de um movimento humanístico mais amplo que

visava a tornar a vida do homem sobre a terra mais tolerável, um movimento que poderia

mesmo chegar a formar, algum dia, uma comunidade cooperativa”. 268

Se os historiadores liberais percebiam no New Deal um elemento democratizador da

sociedade e do estado norte-americanos, seus colegas mais jovens e mais céticos, da

geração da New Left dos anos 1960, teriam um olhar profundamente crítico sobre a

experiência rooseveltiana.269 Para tais historiadores, em boa parte marcados pelo impacto

da crise da coalizão do New Deal e do liberalismo americano, expressos pelas dissidências

ocasionadas pela Guerra do Vietnam e pelos conflitos raciais de fins dos anos 1960, o New

Deal teria sido incapaz tanto de aliviar as conseqüências sociais da Grande Depressão como

de reverter o quadro de concentração de riqueza e poder característicos da sociedade norte-

americana. Pelo contrário, o governo Roosevelt teria criado um estado capitalista todo-

poderoso que limitava as liberdades dos cidadãos sem, em contrapartida, erradicar a

pobreza, a segregação racial e a desvalorização das mulheres. Em suma, o New Deal teria

268 LEUCHTENBURG, William. Franklin D. Roosevelt and the New Deal, 1932-1940. Nova York: Harper & Row, 1963, p. 346. Cf. também SCHLESINGER JR., Arthur. The age of Roosevelt. Boston: Houghton, Mifflin, 1960; GOLDMAN, Eric. Rendevouz with Destiny. Nova York: Vintage Books, 1956; McGREGOR, James. Roosevelt: the Lion and the Fox. Nova York: Harcourt, Brace, 1956. 269 Do ponto de vista da produção historiográfica, a New Left dos anos 1960 foi marcada pela ênfase no conflito e não no consenso americano, nos estudos dos “de baixo”, com destaque para os estudos marxistas sobre a classe trabalhadora e sobre minorias raciais, a questão feminina e todos os que haviam sido, segundo tais autores, deixados de fora da historiografia até então produzida e da própria história americana. Cf. ROSS, Dorothy. “The New and Newer Histories. Social theory and historiography in an American key”. In

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137

salvo o capitalismo de suas próprias contradições sem alterar as estruturas da sociedade

capitalista, permanentes produtoras e reprodutoras de desigualdades, ainda que novos

grupos sociais possam ter sido incorporados ao sistema polít ico.270 Thomas Ferguson,

produzindo já nos anos 1980, encampa de certa forma tal visão e afirma que as políticas do

New Deal, inclusive a NLRA, teriam sido resultado sobretudo das articulações de setores

empresariais ligados às indústrias capital- intensivas e de consumo de massas, empresas

multinacionais ligadas a bancos de investimentos e empresas varejistas voltadas para o

mercado de massas. 271

Tal visão evidentemente subestima o caráter conflitivo e os interesses que o próprio

Estado capitalista encerra, como aponta, em uma linha institucional, Theda Skocpol. Para a

autora, a visão de autores como Ferguson minimiza as tensões internas ao próprio estado

assim como as pressões que este sofre de outras classes sociais. Conseqüentemente,

segundo Skocpol, há que se buscar uma ênfase maior nas estruturas do próprio Estado e

dos partidos políticos americanos na resposta por eles dada à Grande Depressão.272 Assim,

a NLRA, por exemplo, surge menos como uma resposta do Estado ao aumento da

militância sindical do que como instrumento de política econômica do Estado para superar

a Grande Depressão. Michael Goldfield, pelo contrário, critica a visão institucionalista de

Rethinking History, Vol. 1, No. 2 (1997), p. 133. 270 Cf. BERNSTEIN, Barton. “The New Deal: the Conservative achievements of liberal reform”. In BERNSTEIN, Barton (org.). Towards a new past: dissenting essays in American history. Londres: Chatton &Windus, 1970; RADOSH, Ronald. “The myth of the New Deal”. In RADOSH, Ronald e ROTHBARD, Murray (orgs.). A new history of Leviathan: essays on the rise of the American corporate state. Nova York: Dutton, 1972, p. 146-187. 271 Cf. FERGUSON, Thomas. “Industrial conflict and the coming of the New Deal: the triumph of multinatinal liberalism in America”. In FRASER, Steve e GERSTLE, Gary (orgs.). Op. Cit., p. 3-31. 272 Cf. SKOCPOL, Theda. Op.Cit., 1992, p. 79.

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Skocpol acerca da NLRA e afirma que a Lei foi realizada para conter a insurgência operária

dos anos 1930, de modo a desradicalizar a agenda dos trabalhadores.273

Tal posição é de certa forma compartilhada por Karl Klare, para quem a NLRA,

conforme interpretada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, teria reafirmado os

princípios contratualistas das relações de trabalho e, portanto, a dominação capitalista. Para

Klare, em nenhum outro país o Poder Judiciário, mesmo durante o New Deal, teria tanto

poder quanto nos Estados Unidos para desenhar as relações de trabalho. Como

conseqüência da interpretação da NLRA pela Suprema Corte, mais e mais os sindicatos

foram vistos e tratados como garantidores da produtividade e implementadores da

disciplina operária, aumentando o fosso entre base e direções sindicais. Para ele, portanto,

as tentativas do New Deal de acabar com a opressão dos trabalhadores através de reformas

legais teriam acabado por fortalecer as bases institucionais da opressão, ainda que

melhorando as condições materiais dos trabalhadores organizados.274

Uma outra abordagem, que guarda certa proximidade com as visões organizacionais

a respeito do Movimento Progressista, refere-se ao papel do Estado durante o New Deal

como agente disciplinarizador do mercado americano. Para Gordon Collin, a economia

americana seria marcada por um ambiente institucional fragmentado e pela alta

competitividade intercapitalista, cenário que teria levado as corporações a uma busca

constante por organizá-lo. Incapazes de fazê-lo por conta própria, como teria ficado

evidente durante o Novo Individualismo de Herbert Hoover, a Depressão teria

transformado tal necessidade em urgência. Assim, de maneira muitas vezes apressada e ad

273 Cf. SKOCPOL,Theda; FINEGOLD, Kenneth e GOLDFIELD, Michael. “Explaining New Deal labor policy”. In The American Political Science Review, Vol. 84, No. 2 (Dezembro de 1990), p. 1297 -1315. 274 Cf. KLARE, Karl. Op. Cit., p. 337.

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hoc, o New Deal teria politizado os padrões privados de organização empresarial, em um

processo iniciado com a NIRA, de 1933, e completado com a NLRA e a SSA, de 1935.275

Gary Gerstle e Steven Fraser apresentam uma visão mais abrangente, e menos uni-

causal, da natureza do New Deal. É certo que o governo Roosevelt e os partidos políticos

tinham uma agenda, ou ao menos um diagnóstico, mais ou menos elaborada para fazer face

à Depressão, como quer Skocpol, assim como setores empresariais tinham a sua, como quer

Ferguson, ou ainda que o movimento sindical tenha tido forte influência sobre o desenho

das instituições então criadas, como aponta Goldfield, mas para os autores o New Deal

surge não como um conjunto sistematizado de idéias ou estratégias, como a

instrumentalização do Estado por uma classe ou como uma resposta necessária do Estado a

demandas de setores sociais, mas como resultado da luta política concreta que se travou nos

Estados Unidos na década de 1930. Assim, ele pode ser percebido como um conjunto de

idéias, de políticas públicas e de alianças políticas que se cristalizaram nos anos 1930 e

dominaram a cena política americana por quase meio século, tendo tido seu término

simbólico com a eleição do republicano Ronald Reagan à presidência da República, em

1980, quando novas idéias, políticas públicas e coalisões políticas se firmaram.

Conseqüentemente, a NLRA seria expressão de tal coalizão entre o Estado e setores do

movimento operário, como indica Fraser, fato já percebido pelo próprio UAW-CIO.276

275 Cf. GORDON, Colin. Op. Cit., p. 2. 276 Cf. FRASER, Steven e GERSTLE, Gary. “Introduction”. In FRASER, Steve e GERSTLE, Gary (orgs.). Op. Cit., p. IX; FRASER, Steven. Op. Cit., 1989, p. 71 e seguintes; UNITED AUTO WORKERS. Official publication. Detroit: Vol. 2, n. 21, May 21, 1938, p. 4.

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3.3. O New Deal como pacto social

Ainda que não encerrasse um projeto coerente de reformas políticas, econômicas e

sociais, as políticas implementadas por Franklin D. Roosevelt em resposta à Grande

Depressão lançaram os fundamentos do estado keynesiano e do poder sindical nos Estados

Unidos.277 Analiticamente, o New Deal poder ser dividido em quatro dimensões: a relativa

a reformas econômicas e à regulação de setores da economia, a que se refere a medidas

emergenciais, a que diz respeito a transformações culturais, e, por último, a referente à nova

pactuação política entre o Estado e atores sociais até então largamente alijados da esfera

pública, formando a chamada coalizão do New Deal.

Em seus primeiros 100 dias, o New Deal implementou uma ampla gama de

reformas setoriais na economia americana que visavam, sobretudo, a criar as condições

para a formação de poupança interna e recuperar a rentabilidade dos investimentos. Dentre

outras, medidas foram implementadas para sanear o sistema financeiro com o Emergency

Banking Act, para regular a produção agrícola com o Agricultural Adjustment Act (AAA)

e para evitar a perda da hipoteca das casas próprias com o Home Owners’ Refinancing Act.

O AAA acabaria por se tornar uma das peças legislativas mais polêmicas do New

Deal. Desde fins do século XIX, um dos principais problemas da agricultura americana era

sua imensa capacidade produtiva face a um mercado de consumo limitado, ocasionando

preços baixos e, portanto, baixa remuneração para o setor. Tal cenário se agravaria com o

fim da dependência agrícola européia gerada pela Primeira Guerra Mundial, quando o

mercado interno americano viu-se diante de uma oferta de produtos muito superior à sua

capacidade de consumo. Assim, o objetivo fundamental da AAA era elevar a remuneração

do setor agrícola através da redução da produção. Dito de outra forma, os agricultores

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passavam a ser subsidiados pelo Estado para não produzir e, desta forma, elevar os preços

de seus produtos. O AAA seria declarado inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados

Unidos em 1936, ocasião em que o Congresso aprovaria o Soil Conservation and Domestic

Allotment Act, que previa o pagamento aos agricultores para que estes melhorassem a

qualidade de seus solos. A rigor, a nova lei tinha o mesmo objetivo, qual seja, limitar a

produção para elevar o preço dos produtos agrícolas. Como o novo programa revelou-se de

alcance limitado, em 1938 seria aprovado o segundo Agricultural Adjusment Act, que

tornava permanentes os programas de conservação do solo, e o Departamento de

Agricultura passava a estabelecer cotas de produção, ao lado de outras medidas, para evitar

a super-produção.278

Do ponto de vista emergencial, o New Deal criou uma grande rede de assistência

social materializada em agências e programas, como os Civilian Conservation Corps

(CCC), a Civil Works Administration (CWA) e a Federal Emergency Relief Administration

(FERA), com o objetivo de proporcionar emprego e renda a milhões de americanos

afetados pela Depressão.

O CCC, em particular, revelar-se-ia um dos mais populares programas do New

Deal. No início dos anos 1930, a erosão do solo nos Estados Unidos havia atingido

proporções preocupantes, evidenciadas pelas grandes tempestades de areia de Oklahoma e

outros estados. O CCC surgiu como forma tanto de reverter este quadro como de absorver

jovens desempregados de 18 a 25 anos. Em mais de 2.500 campos espalhados pelo país, o

CCC atuou na restauração de sítio s históricos, construção de instalações em parques

nacionais, preservação da vida selvagem, limpeza e restauração de reservatórios de água,

277 FRASER, Steve e GERSTLE,Gary (orgs.). Op. Cit. 278 Cf. ESTADOS UNIDOS. CONGRESSO DOS ESTADOS UNIDOS. “The Agricultural Adjustment Act”.

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142

combate a incêndios, programas de conservação do solo e reflorestamento. Em seus 9 anos

de existência, o CCC planto u mais de 2 bilhões de árvores, dos quais 200 milhões em solos

recuperados, e ensinou a mais de 35 mil jovens a ler e escrever e a mais de 3 milhões

alguma profissão. Cada voluntário permanecia 6 meses em um campo, podendo ficar até

dois anos, e recebia US$ 30,00 por mês, dos quais US$ 25,00 eram enviados diretamente às

suas famílias.

A criação destas agências causou uma intensa oposição de setores fiscalmente

conservadores, tanto republicanos quanto democratas, pois não só representou o início dos

gastos públicos, e de déficits públicos, como instrumento de geração emprego e renda,

como também uma importante mudança no papel do Estado no que se refere à execução de

programas de bem-estar, até então tradicionalmente deixados a cargo de instituições

filantrópicas privadas. Para alguns, o New Deal nada mais seria do que o nome americano

para o comunismo, e seu objetivo último era retirar dos que tinham para dar aos que não

tinham. 279 Em 1936, em sua plataforma presiencial, o Partido Republicana faria duras

crít icas a tais políticas sociais, acusando o governo Roosevelt de desperdício de fundos

públicos e uso da máquina política para fins partidários e, principalmente, de destruir a

moral do povo americano, ao torná - lo dependente do governo federal.280

Conseqüentemente, várias destas agências tiveram suas ações constrangidas e seus

orçamentos limitados, mas ainda assim contribuíram para aliviar as necessidades básicas

In COMMAGER, Henry Steele. Op. Cit., p. 242-246. 279 NEW YORK STATE ECONOMIC COUNCIL, INC. Economic Council Letter.Letter No. 30. Nova York: 4 de julho de 1935. 280 Cf. PARTIDO REPUBLICANO. “The Republican Platform of 1936”. In COM MAGER, Henry Steele. Op. Cit., p. 352.

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143

dos segmentos sociais mais atingidos pela crise, principalmente durante os meses de

inverno. 281

A ação do Estado na provisão social contribuiu para importantes transformações na

cultura política norte-americana. Em uma cultura fortemente marcada pela tradição da

liberdade negativa, da defesa do indivíduo contra a ação do Estado, nos moldes da tradição

legal vitoriana, o New Deal veio afirmar que os problemas então enfrentados pelos

americanos, ao contrário do que muitos deles próprios acreditavam, resultavam menos de

suas limitações individuais do que da ordem econômica e social vigente, cabendo portanto

ao Estado provê- los, ao menos em parte, de suas necessidades básicas. Em seu histórico

discurso de posse, em 4 de março de 1933, Franklin Roosevelt afirmaria:

Se interpreto corretamente o temperamento de nosso povo, compreendemos agora, como nunca, nossa interdependência uns com os outros; que não podemos apenas tomar, mas também doar; se queremos nosso progresso, devemos nos mover como um exército treinado e leal, disposto ao sacrifício em nome da disciplina comum, porque sem tal disciplina nenhum progresso é possível, nenhuma liderança torna-se efetiva. Nós estamos, eu sei, prontos e desejosos de submeter nossas vidas e propriedades a uma tal disciplina, porque ela torna possível uma liderança cujo objetivo é o bem-comum.282 Conseqüentemente, transformações profundas se operavam nas concepções de

Estado e nação, baseadas na idéia da precedência do todo sobre a parte e na

responsabilidade coletiva, representada pelo Estado, para com cada “homem esquecido”,283

281 Para uma apresentação das principais políticas sociais do New Deal, assim como da oposição que levantaram, Cf. SHERWOOD, Robert. Roosevelt e Hopkins. Uma história da Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: Universidade de Brasília; Rio de Janeiro: Faculdade da Cidade, 1998, Parte I. 282 ROOSEVELT, Franklin D. “First Inaugural Address. Washington, D.C., March 4, 1933”. In GRAFTON, John (org.). Franklin Delano Roosevelt. Great speeches. Mineola, Nova York: Dover Publications, Inc., 1999, p. 30 e 32. As palavras de Roosevelt, de 1933, expressam uma retórica inicial do New Deal, que se prolongaria pela década de 1930, que denunciava os plutocratas e os “realistas econômicos” como os causadores da Depressão. 283 O termo “homem esquecido” foi utilizado por Roosevelt em um discurso radiofônico em abril de 1932 e, a partir de então, tornou-se elemento central para caracterizar a obrigação do Estado na provisão social. Cf.

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144

cujas origens difusas podem remontar às idéias de um capitalismo moral e de uma

sociedade orgânica, cujas inspirações encontram-se tanto nas idéias da Era Progressita de

Herbert Croly quanto na Doutrina Social da Igreja Católica, trazida por trabalhadores

imigrantes. Mesmo a AFL, tradicional adversária da regulação estatal sobre as condições de

trabalho, mostrava-se mais aberta a esta, tendo William Green chegado a afirmar, em sua

mensagem do Dia do Trabalho de 1935, que o governo americano deveria assumir a

responsabilidade pelo bem-estar das massas, com total autoridade para aprovar legislação

de bem-estar e regular a indústria com fins sociais.284 A nova força do Estado americano

como provedor social chegou mesmo a expressar-se em um verdadeiro culto à

personalidade de Roosevelt. Os retratos do presidente espalharam-se não só por repartições

públicas, seus ninhos originais, como por lares de famílias trabalhadoras e salões do

movimento sindical.285

Mas não só o Estado americano ganhou uma nova dimensão nos corações e mentes

dos americanos. Em um espaço de tempo relativamente curto, atores coletivos, como os

sindicatos, até então estigmatizados como elementos anti-americanos, também ganharam

crescente legitimidade, tornando-se parceiros do Estado em diversas agências oficiais.

Como não poderia deixar de ser, o novo papel dos sindicatos foi duramente atacado pelos

setores conservadores e por indivíduos que reclamavam que a aliança entre o governo e o

movimento sindical colocava em risco a propriedade privada e os valores americanos.286

ROOSEVELT, Franklin. “The ‘forgotten man’ radio speech”. In RAUCH, Basil (org.). The Roosevelt reader. Selected speeches, messages, press conferences and letters of Franklin D. Roosevelt. Nova York, Toronto: Rinehart & Co., Inc., 1957, p. 65. 284 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washigton: Vol. 25, n. 35, Aug. 31, 1935, p. 1. 285 MARTIN, Homer. Carta a Franklin D. Roosevelt de 4 de janeiro de 1938. . FDR Library. President’s Personal File, 4802-4840. 286 Cf. SKINNER, H. D. Carta a Franklin D. Roosevelt, de 22 de janeiro de 1937. Franklin D. Roosevelt Library. OF 407b. Labor Box 8; KISSINGER, HD. Carta a Franklin D. Roosevelt, de 24 de janeiro de 1937.

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145

Em suma, a América como que se redescobria e, nessa redescoberta, percebia que sua

melhor face não eram os Du Pont e seus pares, até então idealizados como os realizadores

do sonho americano, mas indivíduos anônimos e atores coletivos, e que tais indivíduos e

atores deveriam buscar apoio e proteção no Estado.287

Tais transformações expressaram-se também em uma profunda inovação estética e

temática na arte norte-americana, em boa parte financiada por agências estatais como a

Federal Arts Project (FAP), a Federal Music Project (FMP) e a Federal Theatre Project

(FTP). O muralismo de inspiração mexicana, o realismo social e as cenas coletivas,

expostas em repartições públicas de todo o país, particularmente os correios, passaram a

retratar o homem comum, os trabalhadores rurais, as lutas sindicais, os índios, os

hispânicos e os negros.288

Por outro lado, o New Deal representou a incorporação política de segmentos da

sociedade americana que até então encontravam-se largamente marginalizados ou pouco

representados no sistema político. Tal inco rporação, realizada sob a égide do Partido

Democrata, foi, contudo, desigual: o avanço das mulheres, por exemplo, deu-se sobretudo

na ocupação de cargos públicos e o dos negros restringiu-se basicamente ao plano

simbólico, ao passo que minorias étnicas, como os judeus, foram amplamente

incorporadadas e os trabalhadores agrícolas, principalmente os do Sul, receberam apenas

marginalmente os benefícios do New Deal. Pesquisando o Sul agrícola, James Agee e

Franklin D. Roosevelt Library. OF 407b. Labor Box 8. Ambas as cartas foram escritas durante as grandes greves de ocupação da indústria automotiva. 287 Cf. COHEN, Lizabeth. Op. Cit., p. 252 e seguintes. 288 Cf. MATHEWS, Jane de Hart. "Arts and the people: the New Deal quest for a cultural democracy". In Journal of American History , LXII (september, 1975); RUBY, Christine Nelson. "Art for the millions: government art during the Depression". In Michigan History, LXVI (janeiro/fevereiro, 1982); MELOSH, Barbara. Manhood and womanhood in New Deal public art and theatre . Washington e Londres: Smithsonian Institution Press, 1991; BUSTARD, Bruce. A New Deal for the arts. Washington: National Archives and Records Administration, 1997; ROSENZWEIG, Roy e MELOSH, Barbara. "Government and the arts: voices

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146

Walker Evans, com suas anotações e fotografias, descortinaram um cenário de pobreza e

desamparo que o governo Roosevelt mal conseguiu atingir:

Woods and Ricketts não possuem lar ou terra, mas Woods tem sua mula e Ricketts possui duas, e ambos possuem também implementos agrícolas, trabalhando portanto sob uma forma um pouco diferente dos que nada têm. Pagam ao proprietário da terra apenas um terço de seu algodão e um quarto do milho. Da parte que lhes resta, contudo, pagam ao proprietário o preço de dois terços do fertilizante do algodão e três quartos do fertilizante do milho, mais juros. (...) De cinco a seis meses por ano, dos quais três são os piores, com o pior clima, o abrigo menos adequado, a comida mais escassa e rala, a pior saúde, normalmente e inevitavelmente, não podem contar com nada exceto com a esperança de receber alguma ajuda do proprietário da terra.289 No que se refere às mulheres, o New Deal não avançou em uma agenda

propriamente ligada à igualdade entre os sexos e nenhuma política foi traçada para garantir

oportunidades econômicas ou salários equivalentes entre homens e mulheres, ainda que

Eleanor Roosevelt passasse a representar o novo papel da mulher na arena política. Ainda

assim, a primeira mulher a ocupar um cargo de primeiro escalão no governo federal foi

Frances Perkins, Secretária (M inistra) do Trabalho, que nele permaneceu durante todo o

mandato de Roosevelt, e mulheres foram feitas embaixadoras, administradoras de agências

e conselheiras políticas.290

A incorporação dos negros foi ainda mais complexa e limitada e o Partido

Democrata aguardaria até as eleições presidenciais de 1948 para incluir em sua agenda o

fim das leis de segregação racial (que resultaria em um cisma partidário, com os

democratas sulistas segregacionistas formando um novo partido, o dos Dixiecrats). O New

Deal vivenciou, ao longo de toda a sua duração, a tensão entre o fortalecimento do poder da

from the New Deal Era". In The Journal of American History, vol. 77, n. 2 (set. 1990), p. 596-608. 289 AGEE, James e EVANS, Walker. Let us now praise famous men. Boston: Houghton Mifflin, 1941, p. 116. 290 Cf. GOODWIN, Doris Kearns. Op. Cit.

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147

União e os chamados direitos dos estados, nos quais estavam alocadas as leis de segregação

racial. O governo Roosevelt atacou fortemente os direitos dos estados sobretudo no campo

da regulação econômica mas, em contrapartida, deixou aos estados espaço para manter suas

legislações segregacionistas.291 É importante lembrar que a questão da segregação racial

não unificava sequer o movimento sindical, dado que mesmo os sindicatos filiados ao CIO

freqüentemente reproduziam em suas bases padrões segregacionistas de relação entre os

trabalhadores brancos e negros.292 Em Cleveland, ainda que os negros tenham recebido uma

percentagem de investimentos federais em habitação maior do que a sua participação na

população da cidade, tais investimentos, em grande parte administrados por autoridades

locais, acabaram por reforçar os padrões de segregação racial nas moradias.293 Em um tal

cenário, o New Deal limitou-se a não discriminar os negros em suas políticas de bem-estar,

a dessegregar o serviço público federal e a dar mostras de simpatia à causa de emancipação

dos negros. Lideranças negras como Mary McLeod Bethume, amiga pessoal de Eleanor

Roosevelt, passaram a freqüentar a Casa Branca e quando, em 1939, a soprano negra

Marian Anderson foi impedida de cantar em seu auditório pela associação Daughters of the

American Revolution, Eleanor Roosevelt não só desfiliou-se de tal associação como Harold

Ickes, Secretário (ministro) do Interior, com apoio da primeira-dama e do governo federal,

organizou, exclusivamente para ela, um recital nas escadarias do Lincoln Memorial,

prestigiado por dezenas milhares de pessoas.294 Uma grande distância política e cultural

havia sido portanto percorrida entre este momento e o ano de 1915, quando o filme O

291 Cf. KATZNELSON, Ira; GEIGER, Kim; KRYDER, Daniel. Op. Cit., p. 283-306. 292 Tal foi o caso do United Automobile Workers of America, que chegava a ter salões de dança segregados para seus militantes brancos e negros. Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Walter Reuther. The most dangerous man in Detroit. Urbana e Chicago: Univesity of Illinois Press, 1995, p. 91. 293 Cf. WYE, Christopher. “The New Deal and the negro community: toward a broader conceptualization”. In DUBOFSKY, Melvyn (org.). Op. Cit., p. 247-269. 294 Cf. GOODWIN, Doris Kearns. Op. Cit., p. 148.

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nascimento de uma nação, que mostrava a ação purificadora da Klu Klux Klan em defesa

da supremacia branca, recebeu comentários elogiosos do então presidente democrata

Woodrow Wilson. A partir do New Deal, o voto negro migrou crescentemente do Partido

Republicano, até então visto como o partido de Lincoln, o Grande Emancipador, para o

Partido Democrata.

Através do Partido Democrata, os imigrantes europeus de primeira geração e seus

filhos também tornaram-se um importante elemento da coalizão do New Deal. O Partido

Democrata já vinha atraindo o voto dos imigrantes desde fins da década de 1920, quando

Al Smith, o primeiro católico a ser indicado para a presidência dos Estados Unidos, foi

derrotado pelo republicano Herbert Hoover nas eleições de 1928. Defendendo o fim da Lei

Sêca, um ponto caro aos imigrantes e seus filhos, Smith atraiu 66% dos votos dos

imigrantes do centro e do leste europeus em Chicago, contra 32% do partido em 1924. Já a

entrada dos judeus nos aparelhos de estado foi a tal ponto espetacular que o New Deal

passou a ser chamado pela oposição conservadora de Jew Deal e, o presidente, de Franklin

Rosenfeld. Judeus, como Henry Morgenthau Jr., chegaram a postos ministeriais, líderes

sindicais judeus, como Sidney Hillman e Rose Schneiderman, tornaram-se conselheiros

próximos ao presidente, e David Lilienthal foi indicado para presidir a Tennessee Valley

Authority (TVA). Roosevelt chegou mesmo a indicar para a Suprema Corte o professor e

jurista Felix Frankfurter, um cosmopolita judeu vienense que, na década de 1920, havia

defendido os anarquistas Sacco e Vanzetti, então considerados, por uma expressiva parcela

da sociedade americana, como os melhores exemplos da ação nociva de homens e

ideologias estrangeiras sobre o corpo da nação. Por outro lado, os judeus utilizaram-se

eficazmente do Partido Democrata como instrumento para garantir, do governo federal e de

governos de estaduais, proteção contra ataques e políticas anti-semitas e, desta forma,

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149

tornaram-se um dos principais segmentos étnicos de apoio ao Partido.295 Quase 20 anos

após o advento do New Deal, ele ainda era sentido como o momento em que o Estado

preocupou-se e cuidava de seus cidadãos, principalmente os mais pobres e humildes,

inclusive os judeus, como atesta a expressiva passagem de Marshall Berman:

Então, na primavera e no outono de 53, Moses [Robert Moses, arquiteto dos arranha-céus e eixos rodoviários de Nova York] principiou a se agigantar sobre minha existência de uma nova maneira, com o anúncio de que estava a ponto de fincar uma imensa via expressa (...) no coração de nosso bairro. (...) Os judeus do Bronx estavam perplexos: era possível que um judeu como nós quisesse de fato fazer uma coisa dessas conosco? (...) E mesmo se ele tencionasse a fazê-lo, tínhamos certeza de que tal não ocorreria aqui, não na América. Ainda nos aquecíamos ao crepúsculo do New Deal: o governo era o nosso governo e acabaria por nos proteger no final. 296

Importantes segmentos empresariais também tornaram-se parte da coalizão do New

Deal e do próprio Partido Democrata, como as grandes empresas que utilizavam

tecnologias capital- intensivas, as de varejo voltadas para a comercialização de produtos

para o mercado interno e as dos setor financeiro, interessados todos na constituição de um

mercado de massas e na expansão do mercado internacional. Sem o apoio deste segmento

empresarial, que reunia expoentes como o grupo Rockfeller, a Standard Oil, a General

Eletric, a IBM e a Sears Roebuck, o New Deal dificilmente teria reunido recursos políticos

suficientes para fazer frente à oposição patronal representada, dentre outros, pela Liberty

League e a National Association of Manufacturers, assim como pela Constitutional

295 Cf. GINSBERG, Benjamin. The fatal embrace. Jews and the State. Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 1998, p. 97 e seguintes. 296 cf. BERMAN, Marshall Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade . São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 276, 277.

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Educational League e outros grupos de pressão formados ao longo dos anos 1930 e 1940 e

que nele percebiam, assim como no CIO, a sovietização dos Estados Unidos.297

Com o trabalho organizado, tema que será explorado a seguir, a coalização do New

Deal se deu sobretudo através do CIO em articulação com a NLRB, como indicado por

Fraser. O New Deal construiu, portanto, sob a liderança extremamente hábil de Roosevelt,

uma aliança multiclassista e, o que no caso dos Estados Unidos é central, multiétnica e

multirregional, o que explica muito de seus avanços e recuos no campo da regulação

econômica, como a defesa restrita da sindicalização aos trabalhadores industriais, e a

tímida, posto que basicamente simbólica, incorporação dos negros ao mundo da

concertação política. Tal aliança, em seus contornos gerais, permaneceria em vigor até a

década de 1960, quando a Guerra do Vietnam, a queda do nível de crescimento da

economia, o fracasso de várias das políticas da Grande Sociedade de Lyndon Johnson e os

conflitos raciais nas grandes cidades americanas levariam à sua crise.298

297 Cf. KEMP, Joseph. Vote CIO and get a Soviet America . Nova York: Constitutional Educational League, Inc., 1944. 298 Cf. GERSTLE, Gary e FRASER, Steven. Op. Cit.

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3.4. A primeira fase do New Deal: a NIRA

A plataforma do candidato democrata Franklin D. Roosevelt às eleições

presidenciais de 1932 trazia uma dura denúncia das políticas econômicas republicanas da

década de 1920. Os republicanos eram acusados de isolacionismo econômico, de terem

estimulado os processos de fusão de empresas dando origem a monopólios, e de terem

irresponsavelmente manipulado a oferta de crédito, de forma a beneficiar o lucro privado às

expensas do bem comum. 299

Ao assumir a presidência da República, em 1933, Franklin D. Roosevelt possuía um

diagnóstico da crise bastante parecido com o de setores da sociedade que a percebiam como

resultado da baixa capacidade de consumo dos trabalhadores face à capacidade produtiva

da indústria e da agricultura:

Estamos diante de mais produtos agrícolas do que podemos consumir e com excedentes que outras nações não têm condições de comprar, a não ser por preços baixos demais. Vemos nossas fábricas com capacidade de produzir mais bens do que podemos consumir, ao mesmo tempo em que nossa capacidade de exportação está descendente. (…) O povo deste país foi erroneamente encorajado a acreditar que poderia manter em crescimento constante a produção de suas fazendas e fábricas e que algum mágico encontraria meios de que este crescimento fosse consumido com razoável lucro para o produtor.300

Após o fracasso do Novo Individualismo de Hoover em articular códigos de

competição desenvolvidos e supervisionados pelas associações de cada setor empresarial,

várias propostas de como resolver tal dilema estavam colocadas: políticos progressistas, o

setor de construção civil e alguns interesses regionais defendiam um programa massivo de

obras públicas, de forma a proporcionar emprego e renda para os que haviam perdido seus

299 PARTIDO DEMOCRATA. “The Democratic Platform of 1932”. In COMMAGER, Henry Steele. Op. Cit., p. 237. 300 Apud HUNT, John Gabriel (org.). The essential Franklin Delano Roosevelt. FDR’s greatest speeches,

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postos de trabalho; empresas produtoras de bens de consumo e diversas associações de

classe defendiam programas como o Plano Swope, prevendo a elaboração de códigos de

competição supervisionados pelo Estado; banqueiros e indústrias de bens de capital

defendiam financiamentos para a retomada do crescimento ou garantias contra prejuízos, ao

lado de políticas monetárias e regulação bancária. Por fim, as indústrias intensivas em mão-

de-obra, a AFL e teóricos do sub-consumo defendiam planos que regulassem a competição

destrutiva entre as empresas e fortalecessem o poder de compra dos trabalhadores.301

Mesmo no seio do governo Roosevelt não havia consenso acerca de como enfrentar

a Depressão, a não ser a idéia de que o governo tinha a missão de fazer face à situação,

como deixou claro o presidente: “Não sou favorável ao retorno da definição de liberdade a

partir da qual, por muitos anos, um povo livre foi submetido a serviço do capital”. Para ele,

pelo contrário, o liberalismo constituía, “em inglês claro, um conceito de dever e

responsabilidade do governo em relação à vida econômica”. 302 Diante de tal cenário, o

governo, em busca do apoio social o mais amplo possível, propôs um programa de

recuperação econômica estruturado em torno da National Industrial Recovery Act (NIRA),

de 16 de junho de 1933, que propunha a criação de códigos de competição nos diferentes

setores industriais supervisionados pelo Estado. De modo a reunir apoio para o novo

programa econômico, a NIRA buscava responder a demandas de diferentes segmentos da

sociedade. Os empresários que demandavam a auto-regulação obtiveram a suspensão da

Lei Sherman Anti-Truste e os que advogavam o planejamento estatal obtiveram a

participação do Estado na supervisão dos códigos de competição; a AFL, através da seção

7(a) da Lei, recebeu não só garantia do direito de livre organização dos trabalhadores e

fireside chats, messages and proclamations. Nova York: Gramercy Books, 1995, p. 52, 53. 301 Cf. GORDON, Colin. Op.Cit., p. 168.

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contratação coletiva do trabalho, como também a de que os códigos de competição

determinariam salários mínimos e horas máximas; os que defendiam obras públicas como

forma de gerar empregos e assim contrarrestar a queda do ciclo econômico, receberam US$

3,3 bilhões para diferentes projetos. No entanto, a idéia fundamental da lei era dar coerência

aos esforços anticompetitivos hooverianos dos anos 1920, fornecendo-lhes uma moldura

política e legal, com vistas a estabilizar cada setor industrial em um nível lucrativo para o

empresariado e proporcionar salários adequados para os trabalhadores.303 A NIRA

afirmava, em seu preâmbulo, ser a política do Congresso restabelecer o bem-público

através da

... promoção da organização da indústria com o propósito de uma ação cooperativa, indução e manutenção de uma ação unida entre os trabalhadores e a gerência (management), sob adequada sanção e supervisão governamental, eliminar práticas competitivas desleais, (...) o incremento do consumo de produtos agrícolas e industriais através do aumento do poder de compra dos salários, redução e alívio do desemprego, melhoria das condições de trabalho...304

Os códigos de competição, válidos por um período de dois anos, seriam elaborados

pelas próprias empresas em cada ramo industrial, de forma a cartelizar a economia,

colocando um freio na concorrência destrutiva entre as empresas e, conseqüentemente,

elevando a capacidade de consumo dos trabalhadores. A cooperação social constituía o

fundamento da Lei, sendo necessária, sobretudo porque a NIRA carecia de instrumentos

efetivos que obrigassem as empresas individuais a obedecer os códigos de seus setores. De

302 Cf. BRINKLEY, Alan. Op. Cit., p. 10. 303 Cf. GORDON, Colin. Op. cit. 304 ESTADOS UNIDOS. CONGRESSO DOS ESTADOS UNIDOS. “The National Industrial Recovery Act”. In COMMAGER, Henry Steele. Op. Cit., p. 272.

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certa forma, a ausência de instrumentos coercitivos da NIRA aproximava-a do Novo

Individualismo de Hoover.305

A apresentação do código setorial por cada indústria obedecia a uma rotina. Quando

uma entidade empresarial submetia o código de competição de seu setor ao Presidente da

República, que deveria sancioná-lo, as seguintes condições tinham que ser cumpridas: a

associação não poderia restringir a entrada de novos membros e ser realmente

representativa daquele setor industrial; o código elaborado não poderia promover o

monopólio ou práticas monopolísticas ou ainda eliminar e discriminar pequenas empresas;

os trabalhadores do setor deveriam ter o direito de se organizar e negociar coletivamente

através de representantes por eles próprios escolhidos, ficando livres da interferência,

restrição ou coerção dos empregadores ou de seus agentes na designação de tais

representantes; a nenhum empregado ou candidato a um posto de trabalho poderia ser

requerido, como condição para permanência ou obtenção do posto, entrar em um company

union, ou ser constrangido a entrar ou organizar um sindicato; os empregadores deveriam

seguir um código de horas máximas de trabalho, remuneração mínima e equalizar as

demais condições de trabalho.

A Lei representou uma mudança importante na forma como os setores público e

privado interagiam e, por tal motivo, foi percebida por setores liberais como a realização,

por eles há tanto acalentada, de um “planejamento ordenado da indústria, depois de uma era

de caóticas e descoordenadas rivalidades empresariais”. 306 Também o empresariado,

através da US Chamber of Commerce (USCC), de início apoiou o plano econômico e seu

presidente, Henry I. Harriman, chegou a prever uma rápida retomada do crescimento

305 Cf. GROSS, James. Op. Cit., p. 166; GORDON, Colin. Op. Cit., p. 187. 306 KIRSH, Benjamin e SHAPIRO, Harold. Op. Cit., p. 13.

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econômico como conseqüência de sua implementação. 307 Para a AFL, a Seção 7(a) da Lei

representava um deslocamento importante do Poder Judiciário para os Poderes Legislativo

e Executivo como ramos do Governo com os quais o movimento sindical preferencialmente

se relacionaria. Com tal Seção, os esforços organizativos autônomos dos trabalhadores

passavam a ter amparo na letra de uma lei federal, encontrando-se assim a salvo do poder

desarticulatório dos tribunais, de resto já enfraquecido por outro estatuto legal, a Lei

Norris-LaGuardia, de 1932.308

No entanto, a Seção 7(a) da NIRA logo se tornaria alvo de uma intensa polêmica

entre o movimento sindical, a NAM, que a ela se opunha vigorosamente, as grandes

corporações e os administradores da National Recovery Administration (NRA), agência

criada pela NIRA com o objetivo de estimular e administrar os códigos de competição dos

diferentes setores industriais. Tal Seção afirmava:

Cada código de competição, acordo, e licensa aprovada, prescrita ou emitida [sob a NIRA] deve conter as seguintes condições: (1) que os empregados devem ter o direito de organização e negociação coletiva através de representantes de sua própria escolha, e devem ser livres de qualquer interferência, restrição ou coerção por parte dos empregadores ou seus agentes, na designação de tais representantes ou na auto-organização ou em outras atividades concertadas para o propósito de negociações coletivas ou ajuda mútua ou proteção; (2) que a nenhum empregado e a ninguém procurando emprego deve ser exigido que entre para um company union ou

307 The Washington Star. Washington: 21 de maio de 1933. 308 A Lei Norris -LaGuardia limitava o alcance das labor injunctions e previa a contratação coletiva do trabalho. Afirmava ela: “Dadas as condições prevalecentes na economia, desenvolvidas com o auxílio governamental a proprietários de forma a que eles pudessem se organizar corporativamente ou de outras formas de propriedade associada, o trabalhador individual desorganizado encontra -se normalmente indefeso para exercer sua liberdade de contrato e proteger sua liberdade de trabalho e, desta forma, obter termos e condições aceitáveis de emprego. Desta forma, ainda que a ele seja reservado o direito de declinar associar-se com seus companheiros de trabalho, é necessário que ele tenha completa liberdade de associação, auto-organização, e escolha de representantes para negociar os termos e condições de seu emprego, e que ele esteja livre da interferência, constrangimento ou coerção por parte de seu empregador ou seus agentes na designação de tais representantes, em sua auto-organização ou outras atividades quaisquer relacionadas à negociação coletiva ou outra forma de ajuda mútua ou proteção”. Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History of the National Labor Relations Act, 1935, Vol. 1 . Washington: United States Government Printing Office, 1985, p. 1478.

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que seja impedido de se juntar, organizar ou participar de uma organização de trabalhadores de sua própria escolha, e (3) que os empregadores devem obedecer a horas máximas de trabalho, salários mínimos e outras condições de emprego, aprovadas ou prescritas pelo Presidente. 309

A Seção 7(a) havia sido apresentada nos debates legislativos que precederam a

aprovação da NIRA como elemento fundamental para a construção da justiça econômica e

da estabilidade política dos Estados Unidos. Partindo de um pressuposto que faria

relembrar as palavras de Theodore Roosevelt ou mesmo de Herbert Croly, o Senador

Robert Wagner afirmou:

O propósito das leis anti-truste era o de evitar a excessiva concentração da riqueza e manter, intactas, as oportunidades sociais e econômicas dos pequenos homens de negócios, dos trabalhadores e dos consumidores (...). Desde o começo, o método não tinha a menor chance de ser bem-sucedido, posto que não estava baseado em uma filosofia econômica do século XX, nem de 1890 ou de 1875. Era, na verdade, uma aceitação, em sua totalidade, das teorias abstratas de Adam Smith em seu A riqueza das nações, de 1776. As leis anti-truste não contrarrestaram minimamente o constante crescimento das unidades econômicas e a intensificação da concentração de poder econômico nas mãos de um número relativamente reduzido de empresas gigantescas. Tais empresas eram o resultado inevitável das mudanças na ciência e na tecnologia. Especialização e serialização fizeram dos Estados Unidos o país mais rico do mundo. Qualquer tentativa legal de evitar tal processo seria como Canuto tentando controlar o mar. O objetivo [da Seção 7(a) da NIRA] não é o de contrarrestar eficientemente, mas de extrair os maiores benefícios [da nova economia]. No atual século, mais do que dobramos a riqueza de nossa nação. Mesmo no auge de nossa prosperidade, vários milhões de famílias viviam na pobreza. (...) Ao passo que os lucros cresceram mais do que os salários, os ganhos em excesso foram investidos em mais fábricas, produzindo um número cada vez maior de bens. A massa dos consumidores não recebeu o suficiente em salários para comprar tais bens, e assim nos encontramos em uma situação que alguns chamam de “super-produção”. A Depressão tornou-se inevitável. Sob a nova lei, cada código de competição deve reconhecer o direito dos trabalhadores de negociar coletivamente. Todos os códigos devem conter cláusulas de salários mínimos, horas máximas e outras condições de

309 ESTADOS UNIDOS. CONGRESSO DOS ESTADOS UNIDOS. “The National Industrial Recovery Act”. In COMMAGER, Henry Steele. Op. Cit., p. 273.

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157

trabalho, que devem ser aprovadas pelo Presidente. Desta forma, produção e consumo serão coordenados.310 No entanto, o empresariado não estava disposto a aceitar impunemente a

sindicalização de seus trabalhadores, implementando a estratégia de formar company

unions como se fossem sindicatos independentes, como o FBA na Ford Motor Company,

contra o qual se bateria o UAW em 1935. O FBA fora fundado por um escritório de

advocacia responsávelpela formação de quatro outros company unions, que só aceitavam

membros que tivessem dado um voto de confiança à empresa em que trabalhavam e que se

posicionassem claramente contra a prática de greves. Em contrapartida, o FBA oferecia

tratamento médico e dentário, férias remuneradas e seguro contra acidentes, cobrando uma

taxa de apenas US$ 1 ao ano.311 Os company unions só permitiam que empregados na

planta fossem os representantes dos trabalhadores nas negociações coletivas, o que excluía

os sindicatos da AFL, e quando alguns trabalhadores não aceitavam entrar no company

union e formavam o seu próprio sindicato, as companhias recusavam-se a com eles

negociar.

A Pittsburgh Plate Glass Co. chegou a orientar a constituição de um company union

da seguinte forma:

Para ter uma representação de trabalhadores, alguém deve começar a organizá- la. Dado que ela não pode funcionar sem ter sido escolhida pelos trabalhadores, é altamente benéfico que a sugestão de formá-la parta deles, e que haja sugestões e aprovação deles a cada passo e para o procedimento como um todo.312

310 WAGNER, Ro bert. “Radio Address, Industrial Recovery and Public Works Act. NBC, 13 de junho de 1933”. Apud SILVERBERG, Louis. Op.Cit., p. 8. 311 Cf. RAUSHENBUSH, Carl. Op. Cit., p. 82. 312 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “Circular da Pittsburgh Plate Glass Co. aos seus trabalhadores, apresentada como evidência por William Green. Statement of William Green, President of the American Federation of Labor. Hearings before the Committee on Education and Labor. United States Senate. Seventy-Third Congress, Second Session on S. 2926. Thursday, March 15, 1934”. In Legislative History of the National Labor Relations Act, Vol. 1. Washington: United States

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Muitas Constituições de company unions eram absolutamente idênticas, dado que

feitas pelas mesmas firmas de consultoria de relações industriais. O company union da

Pittsburgh Plate Glass Co. não fugiu a tal regra, como sugere a carta do presidente da

empresa aos diferentes departamentos e gerentes:

A direção autorizou a instalação de um plano de representação nesta companhia. O plano (que foi aprovado por um comitê dos empregados) é praticamente idêntico aos que já foram usados, com sucesso, em outras companhias. Como vocês sabem, nós já pensamos na adoção de tal plano por um tempo e agora decidimos implementá- lo para estar em harmonia com as provisões do Industrial Recovey Act. (…) Anexado, está um conjunto de instruções, ao lado de outros documentos necessários para conduzir as eleições. Por favor, leiam estas orientações cuidadosamente, de forma a tornarem-se familiares com os detalhes.313 Por fim, algumas empresas chegaram a mandar cartas para seus empregados

anunciando, diretamente, a implementação de planos de representação. Em 14 de junho de

1933, a Illinois Steel Co. mandaria uma carta, idêntica à enviada no dia seguinte para os

seus próprios funcionários pela American Steel & Wire Co., com os seguintes dizeres:

Temos prazer em anunciar que a Illinois Steel Co., aderindo aos princípios estabelecidos pelo National Industrial Recovery Act, patrocinados pelo Presidente dos Estados Unidos, e aprovados pe lo Congresso, inaugurou um plano de representação de empregados sob o qual os funcionários de vários departamentos e operações terão voz em todos os problemas relativos às relações industriais. Um cópia do plano pode ser obtida no escritório central de sua planta ou através do superintendente do seu departamento. Esperamos que você se assegure de obter uma cópia do plano, leia-a atentamente e dê o seu apoio sincero. Sugerimos que arranjos sejam feitos imediatamente para que este plano seja efetivado, com a nomeação e efetivação de representantes, como a lei determina. Seu apoio sincero para este plano, assim como o de seus colegas, será apreciado.314

Government Printing Office, 1985, p. 116. 313 Idem, p. 116. 314 ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOA RD. “Circulares da Illinois Steel Co. e da American Steel Co. aos seus trabalhadores, apresentada como evidência por William Green. Statement of

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A AFL combateria firmemente tais estratégias empresariais, mas as empresas

afirmavam que nada na legislação proibia contratos individuais de trabalho e a formação de

company unions.315 Diante do impasse criado, o governo resolveu formar uma National

Labor Board (NLB), composta por 3 representantes de trabalhadores, 3 de empregadores e

pelo Senador Robert Wagner, como representante imparcial do interesse público, para

dirimir as controvérsias surgidas em torno da aplicação da Seção 7(a).316

A criação da NLB não levou à superação dos impasses entre a AFL e as empresas

em torno da Seção 7(a), razão pela qual o Presid ente emitiu uma série de Ordens

Executivas, a partir de 16 de dezembro de 1933, com o objetivo de dar à NLB poderes para

dirimir todos os conflitos que ameaçassem a paz industrial nos Estados Unidos. Em 9 de

julho de 1934, diante da persistente ineficácia da agência, nasceria a National Labor

Relations Board, composta exclusivamente por membros indicados pelo Presidente. A

NLRB tinha o poder de investigar conflitos e organizar eleições sindicais para apontar o

representante dos trabalhadores para fins de negociações coletivas, de acordo com a

Resolução Pública No. 44, fazer audiências e investigações referentes a violações da Seção

7(a) e agir como uma agência de arbitragem voluntária. Como a Resolução Pública No. 44

havia permitido a criação de outras Labor Boards por indústrias, a NLRB também tinha o

poder de estudar as atividades destas e recomendar a criação de novas agências, como a

William Green, President of the American Federation of Labor. Hearings before the Committee on Education and La bor. United States Senate. Seventy -Third Congress, Second Session on S. 2926. Thursday, March 15, 1934”. In Legislative History of the National Labor Relations Act, Vol. 1. Washington: United States Government Printing Office, 1985, p. 117. 315 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service . Washington: Vol. 23, n. 41, Dec. 16, 1933; p. 1; Vol. 23, n. 17, April 28, 1934, p. 1. 316 As informações a seguir encontram-se em ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. First Annual Report of the National Labor Relations Board, for the fiscal year ended June 30, 1936. Washington: United States Government Printing Office, 1936, p. 4-8.

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Bituminous Coal Board e a Newspaper Industrial Board. Pela Resolução que a criou, a

NLRB deveria ser extinta em 16 de junho de 1935.

A rigor, no entanto, a NLRB tampouco tinha poder legal para fazer valer suas

decisões. Na verdade, se uma corporação se recusasse a obedecer suas recomendações, o

Attorney General dos Estados Unidos seria acionado, e o máximo que poderia acontecer

com o empregador seria ter o seu selo Blue Eagle removido. O selo Blue Eagle, aliás, era a

expressão da ineficácia da própria NIRA, pois havia sido criado como uma peça de

propaganda para ser exposto em locais públicos pelas empresas que tivessem estabelecido e

cumprissem seus códigos setoriais e agissem de acordo com o espírito cooperativo da

Lei.317

A ineficácia da NLRB também foi atestada no caso das divergências ocorridas na

indústria automotiva a respeito da Seção 7(a), onde, por Ordem presidencial, foi criada a

Automobile Labor Board (ALB).

317 Cf. FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, p. 36.

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3.5. A NIRA e a indústria automotiva

Em maio de 1937, quando da Batalha do Viaduto, o UAW era um sindicato novo. A

rigor, até 1935, praticamente inexistiam sindicatos fortes, organizados e atuantes na

indústria automotiva. Além da sistemática oposição patronal, outros fatores contribuíam

para tal quadro. Na década de 1920, durante a qual a indústria automotiva consolidou-se

como a grande indústria de bens de consumo durável americana, a oferta de empregos

havia sido relativamente ampla e a rotatividade da mão-de-obra era acentuada, o que

dificultava a criação de laços de solidariedade profundos entre os trabalhadores. Por outro

lado, a sazonalidade da produção ocasionava longos períodos de desemprego em que os

trabalhadores desligavam-se do sindicato, inclusive por que não tinham condições de arcar

com suas taxas. Já nos anos 1930, os altos índices de desemprego também inibiam a

construção de entidades sólidas de trabalhadores.

No entanto, não menos importante do que tais fatores era a resistência, por parte dos

sindicatos profissionais da AFL que atuavam no setor, como o International Association of

Machinists (IAM) e o Metal Polishers International Union (MPIU), em organizar os

trabalhadores desqualificados, que passaram a formar parcela expressiva dos empregados

das montadoras. Já em 1922, Ford estimava que 85% dos seus trabalhadores eram

desqualificados e que 43% precisavam de apenas 1 dia de treinamento para aprender suas

funções. Um estudo do United States Employment Service, de 1935, mostrava que 26,9%

dos trabalhadores automotivos não precisavam de nenhum treinamento para exercer suas

funções, e que apenas 9,8% precisavam de mais de um ano de treinamento. Em 1937,

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162

estimava-se que cerca de 80% dos trabalhadores da Ford eram desqualificados ou semi-

qualificados.318

Nos anos 1930, para além dos esforços já fracassados da AFL em organizar os

trabalhadores automotivos, novos grupos buscaram organizar-se para representá-los. Os

comunistas do AWU continuaram atuantes e, no dia 7 de março de 1932, organizaram a

histórica Marcha da Fome em Dearborn, que resultou em quatro mortes quando a polícia da

cidade e o Departamento de Serviços de Harry Bennet impediram sua progressão rumo à

Ford Motor Company. Neste mesmo ano, mais uma organização de trabalhadores

qualificados teve nascimento em Detroit, a Society of Designing Engineers (SDE), voltada

primordialmente para ferramenteiros, carroceiros e operadores de máquinas especiais e

motores. Ao mesmo tempo, a Dingmen’s Welfare Club (DWC) foi formada na Chrysler

Corporation, reunindo trabalhadores altamente qualificados e bem pagos, com vistas a

regular seu próprio mercado de trabalho. Em um tal cenário de fragmentação das

organizações de trabalhadores qualificados e de não-sindicalização dos desqualificados, as

primeiras greves ocorridas durante a Depressão foram movimentos espontâneos.

O advento do New Deal iria modificar o cenário do movimento sindical como um

todo, e o dos trabalhadores automotivos em particular. A partir da aprovação da NIRA, a

AFL iniciou um novo esforço associativo em diversas indústrias e, no mês de junho de

1933, resolveu direcionar seus esforços também para a indústria automotiva.319 A estratégia

então adotada foi a mesma utilizada em outras indústrias, como a de alumínio, onde os

trabalhadores desqualificados constituíam um número expressivo: formar Federal Labor

318 Cf. FINE, Sidney. “The origins of the UAW, 1933-35”. In Journal of Economic History. Vol. 18, No. 3 (Setembro de 1958), p. 249-282; FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, p. 13; WOLFSON, Theresa e WEISS, Abraham. Industrial Unionism in the American labor movement. Nova York: The League for Industrial Democracy, 1937, p. 23. 319 As informações a seguir encontram-se em FINE, Sidney. Op. Cit., 1963, a menos que dito em contrário.

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Unions (FLUs) em cada planta, ou seja, sindicatos sem autonomia e sobre os quais a central

sindical exercia controle absoluto. Tais sindicatos podiam aceitar quaisquer trabalhadores

da planta em que atuassem, fossem qualificados ou não, desde que já não estivessem

filiados a um outro sindicato da AFL, possuindo assim um perfil industrial. No entanto, os

FLUs eram percebidos mais como um mecanismo de recrutamento do que de

representação, pois a idéia era a de que seus membros qualificados seriam depois

transferidos para os sindicatos que tivessem jurisdição sobre seus ofícios.320

O IAM e o MPIU, dentre outros sindicatos profissionais, eram bastatnte cientes de

suas jurisdições. O IAM, em particular, opunha-se tenazmente à inclusão de todos os

trabalhadores de uma planta em um único sindicato e, em que pese ter sido um fracasso

organizativo, reclamava que os FLUs não deveriam servir como um ponto intermediário

entre ele e os trabalhadores e que os trabalhadores sob sua jurisdição deveriam ser

imediatamente transferidos para ele. A AFL via-se, assim, na difícil situação de, ao mesmo

tempo, respeitar as jurisdições de tais sindicatos profissionais e de estimular os FLUs

automotivos.

A AFL vivia ainda sob uma cultura e uma forma associacional desenvolvida ao

longo das primeiras décadas do século XX segundo a qual cada sindicato era visto como

uma entidade distinta e autônoma, com suas próprias capacidades administrativas e sua

jurisidição, procurando atingir seus próprios interesses. Neste cenário, o papel fundamental

da AFL era o de arbitrar as jurisdições dos sindicatos, tendo no entatno poucos recursos

para imiscuir-se nas vidas internas de cada um deles.321 Portanto, os conflitos entre os FLUs

320 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Second Annual Report of the NLRB. For the fiscal year ended June 30, 1937 . Washington: US Government Printing Office, 1937. p. 119; AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 23, n. 21, 29 de julho de 1933, p. 1. 321 CF. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 91.

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e os sindicatos profissionais eram de difícil administração, resultando que os esforços da

AFL em organizar os trabalhadores automotivos desqualificados acabaram por caracterizar-

se por sua timidez, em que pese a central afirmar que a sindicalização era fundamental para

efetivar a política da NIRA.322 Crescentemente, a AFL demandava o apoio do governo para

defender a sindicalização, através da implementação da Seção 7(a), mas ela própria não

implantava uma uma política organizativa agressiva entre os trabalhadores desqualificados,

por receio de entrar em choque com seus sindicatos profissionais.

Enquanto a AFL buscava organizar os trabalhadores automotivos com vistas à

participação nos códigos da NIRA, e em boa medida como expressão de seu fracasso em

consegui-lo, uma importante organização independente de trabalhadores automotivos

surgiu, a Mechanics Educational Society of America (MESA), que cedo entraria em

disputas jurisdicionais com sindicatos ligados à central, particularmente o IAM. O MESA

chegou a ter mais de 20 mil filiados em 1933, e, tendo voltado-se para a organização de

trabalhadores desqualificados, tornou-se também um competidor dos FLUs automotivos.

No meio tempo, o código automotivo da NIRA acabou por ser aprovado, refletindo o poder

das empresas do setor e a fragilidade das organizações de seus trabalhadores, embora

William Green afirmasse que os direitos dos trabalhadores estavam nele contemplados.323

A indústria automotiva, como de resto diversas outras, elaborou seu código com

alguma resistência. Quando da aprovação da NIRA, o general Hugh Johnson, administrador

da NRA, instou dez grandes indústrias, dentre as quais a automotiva, a apresentar de

322 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Wasghinton: Vol. 23, n. 32, 14 de outubro de 1933, p. 1. 323 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 23, n. 26, 2 de setembro de 1933, p. 1.

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imediato seus códigos, de modo a impulsio nar o cumprimento da Lei. No entanto, 6

semanas após a promulgação da mesma, apenas a indústria têxtil havia apresentado o seu.

A resistência da indústria automotiva em elaborar um código setorial se devia a

diferentes fatores. Por um lado, sua competição setorial já estava oligopolisticamente

consolidada e, neste sentido, não tinha uma natureza destruidora, o que diminuia o interesse

das Três Grandes em uma legislação que punha fim ao combate aos cartéis. Sobretudo, as

empresas automotivas buscavam evitar a Seção 7(a), mantendo sua histórica política de

open-shop e, com este intuito, chegaram mesmo a dar aumentos para seus funcionários, de

modo a evidenciar que poderiam participar do programa de recuperação econômica sem

que, com isto, tivessem que elaborar um código setorial. Por fim, devido às pressões

sofridas por parte do governo, o setor acabou por fazer o seu código que, no entanto,

obedeceu a uma série de peculiaridades. Dada a fragilidade dos sindicatos automotivos, ele

foi elaborado exclusivamente pela National Automobile Chamber of Commerce (NACC).

A NACC havia sido criada em 1913 para congregar as montadoras de automóveis que

então surgiam, distribuindo entre elas estatísticas sobre produção, vendas, uso de

automóveis, promovendo Salões do Automóvel, buscando concertar algumas ações

coletivas, como a introdução, a partir de 1931, de novos modelos nos períodos de 2 meses

antes dos salões, e realizando lobby pela construção de estradas e vias expressas.324

Mais do que isto, a NACC tornou-se também a agência supervisora do código, em

que pese o fato de que tal atividade deveria ser exercida por uma entidade neutra, defensora

do interesse público, e não pelo órgão patronal do próprio setor. Com vigência até o o dia

31 de dezembro de 1933, regulando horas e salários apenas das montadoras, excluindo

assim as empresas de auto-peças, o código afirmava que a NIRA defendia os trabalhadores

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contra qualquer agente “inescrupuloso”, o que, segundo seu entendimento, referia-se a

agitadores sindicais, não às indústrias. Conseqüentemente, afirmava que as empresas não

iriam aceitar interferência externa de sindicatos nas suas relações com os empregados.

Portanto, a política de open-shop e os contratos individuais de trabalho deveriam

permancer. Sobre esta particular visão da Seção 7(a) da NIRA, o General Hugh Johnson

mostrou-se receptivo. Para ele, o fundamento da NIRA era a recuperação econômica e não

a organização dos trabalhadores e, neste sentido, ele buscava parceria preferencial com as

corporações, não com os sindicatos.

A AFL, evidentemente, opunha-se radicalmente à interpretação da NACC e do

General Johnson a respeito da Seção 7(a). Para a central sindical, a Seção garantia,

expressamente, a negociação coletiva do trabalho, mas, dada a fraqueza do movimento

sindical automotivo para fazer face à situação, William Green requisitou auxílio federal

para ajudar a implementar um código que favorecesse os trabalhadores. Como o código

necessitava de sanção presidencial para ser aprovado, uma solução intermediária foi

buscada: a referência à open-shop seria dele retirada, sendo no entanto substituída por uma

cláusula que fazia referência ao mérito individual:

Sem, de modo algum, buscar qualificar ou modificar, através de outra interpretação, os requerimentos da NIRA [no que se refere às negociações coletivas], os empregadores da indústria automotiva podem exercer seus direitos de selecionar, reter ou promover empregados a partir de seus méritos individuais, sem relação alguma com seu pertencimento ou não a qualquer organização [sindical]. 325

Tal cláusula buscava, evidentemente, fragilizar a Seção 7(a) e, portanto, representou

uma derrota para o movimento sindical, que denunciou-o como uma violação ao espírito da

324 Cf. FINE, Sindey. Op. Cit., 1963, p. 10 e seguintes. 325 AUTOMOBILE MANUFACTURING INDUSTRY. “A sample charter: the code of fair competition for the Automobile Manufacturing Industry, 1933”. In ROLLINS, Alfred. Depression, Recovery, and War.

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lei. No entanto, William Green, sempre cônscio da fragilidade organizacional dos

trabalhadores automotivos, buscou, mais uma vez, apresentar o acordo como uma vitória,

ainda que parcial, da AFL. 326

Vencida a AFL, o grande problema para a sacramentalização do código residia na

Ford Motor Company. Henry Ford, como era de seu feitio, já havia se recusado, em 1913, a

associar-se à NACC e também recusou-se a submeter a administração de sua empresa a

uma instância coletiva e, princiaplmente, a aceitar a Seção 7(a), ainda que esta estivesse

mitigada pela cláusula do mérito. Como punição por tal rebeldia, a empresa não recebeu o

selo Blue Eagle e, após a assinatura presidencial da Ordem Executiva 6646, que exigia que,

para contratos governamentais, a empresa fornecedora deveria obedecer ao seu código

setorial, a Chevrolet praticamente monopolizou as vendas para o governo de carros

pequenos e caminhões.

Ficando a Ford Motor Company de fora do código de competição automotivo,

embora a empresa obedecssse informalmente aos seus ditames, as greves no setor

continuaram, visto que, em sua maioria, elas eram locais e desvinculadas de qualquer

organização sindical. Em 26 de setembro, teve início a greve da planta da Ford de Chester,

Pennsylvania, em que os trabalhadores demandavam uma jornada de 7 horas/dia, semana

de 5 dias e salário mínimo de 5 dólares/dia. Em resposta, a Ford fechou a planta por tempo

indeterminado. Os trabalhadores da planta resolveram então organizar um FLU-AFL e,

ansiosos por ajuda federal, levaram formalmente seu caso à NLB, em dezembro. De acordo

com o entendimento da NLB, no entanto, a empresa não havia cometido nenhuma

ilegalidade e os trabalhadores não deveriam ter iniciado uma greve sem antes esgotar todas

Documentary History of American Life, Vol. 7 . Nova York: McGraw-Hill Book Company, 1966, p. 92.

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as possibilidades de negociação. Decepcionados os trabalhadores, o FLU da planta acabou

por ser desfeito. Diante de tal cenário, os FLUs começaram a pedir emendas ao código

automotivo, com a inclusão da representação sindical na autoridade administrativa do

código, a NACC, o estabelecimento de uma agência de relações industriais e a remoção da

cláusula do mérito. Mas, em 18 de dezembro, o código foi renovado sem qualquer

alteração, com prazo de validade até 14 de setembro de 1934.

Em janeiro e fevereiro de 1934, vários dos FLUs automotivos mais importantes

começaram a demandar que a NLB organizasse eleições para determinar o representante

dos trabalhadores em suas plantas a partir da regra da maioria, ou seja, os representantes

eleitos pela maioria dos trabalhadores representariam todos os empregados passíveis de

participar da eleição. Historicamente, o princípio da maioria havia sido legitimado em

inúmeras ocasiões. Durante a I Guerra Mundial, embora os contratos de trabalho fossem

geralmente individuais, onde os sindicatos eram mais fortes os contratos estabelecidos

diziam respeito a todos os trabalhadores do ofício ou da planta, e a NWLB estabeleceu a

regra da maioria como um dos seus princípios. 327 Os empregadores, da mesma forma,

quando criavam um company-union ou um plano de representação, tratavam-nos como os

únicos agentes de negociação. Até novembro de 1933, quatro meses após o estabelecimento

da NIRA, o padrão continuava sendo este: ou os contratos eram individuais ou, quando

coletivos, com um só sindicato ou company-union no âmbito dos trabalhadores daquela

unidade de negociação.

326 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 23, n. 40, 9 de dezembro de 1933, p. 1. 327 Cf.GARRISON, Lloyd. Statement before the House Committee Investigating the NLRB. February 2, 1940. Lloyd Garrison (Z-733). (dean of the University of Winsonsin Law School, first Chairman of the old National Labor Relations Board (summer and fall of 1934). Records relating to the Smith Committee Investigation. Franklin D. Roosevelt Libray. Records of the Assistant General Counsel. Records relating to preparation of Board's case, 1939-1940. Entry: 31, 43,07,01. Box n. 2.

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Seja como for, neste momento os empresários automotivos recusaram-se a aceitar a

regra da maioria, no que tiveram a concordância dos administradores da NRA. Para o

General Jonhson, a regra da maioria não impedia que uma minoria ou mesmo indíviduos

pudessem negociar diretamente com os patrões, dando início a um conflito entre a NRA e a

NLB. Por outro lado, os conflitos entre os trabalhadores automotivos e as montadoras

chegou a um ponto tal que a sua administração saiu do controle da NLB e foi transferido

diretamente para Washington, dado que a recuperação da indústria automotiva era

percebida como central para a superação da Depressão.

Em fevereiro de 1934, diante da crescente insatisfação dos trabalhadores

automotivos, da ofensiva das montadoras e das indefinições do governo federal, a AFL

decidiu dar uma demonstração de força contra os company unions. Em 6 de fevereiro, o

organizador sindical William Collins aconselhou a todos os FLUs exigir um aumento

salarial de 20%, a representação dos trabalhadores na autoridade supervisora do código

automotivo e a efetivação das decisões da NLB, sob ameaça de greve. As empresas

automotivas encontravam-se, então, em uma situação politicamente delicada, pois neste

momento já tramitava no Congresso a Lei Wagner, cujo objetivo era criar mecanismos

legais e institucionais para implementar, de fato, a Seção 7(a) da NIRA, eliminando assim

os company-unions. A estratégia de reação adotada pela NACC foi dupla: de um lado,

negar-se a negociar com os sindicatos e, de outro, iniciar uma grande campanha publicitária

contra a Lei Wagner, que consumiu US$ 185 mil entre 12 de março a 10 de abril. Segundo

a NACC, os trabalhadores automotivos simplesmente não queriam filiar-se aos FLUs-AFL,

que buscavam como alternativa uma sindicalização forçada através da Lei Wagner. Se esta

fosse aprovada, a filiação sindical, e não o mérito do trabalhador, seria a base da relação

empregatícia e todos os trabalhadores seriam escravos da AFL.

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A tensão entre as montadoras e os FLUs chegou a um ponto tal que o próprio

presidente resolveu intervir. Diante da recusa das empresas em negociar diretamente com

representantes dos trabalhadores, mesmo sob os auspícios governamentais, o presidente e o

General Johnson serviram como intermediadores de um acordo que resultou na criação de

uma Automobile Labor Board (ALB), composta por um representante dos trabalhadores,

um da indústria e um neutro. Embora, mais uma vez, a AFL tenha apresentado a criação da

ALB como uma vitória, ela na realidade representou uma importante derrota para o

movimento sindical automotivo.328 Ainda que os trabalhadores houvessem ganho direito à

representação na nova agência e as montadoras aceitassem não discriminar nenhum

trabalhador por atividades sindicais, a central sindical viu-se na contingência de abrir mão

da regra da maioria, com a criação de um sistema de representação proporcional. Por outro

lado, Roosevelt deixou claro que não via nenhum problema com a existência dos company

unions, desde que os trabalhadores não fossem obrigados a deles fazer parte. Mas o grande

perdedor do acordo que criava a ALB foi a própria NLB, que perdeu jurisdição sobre a

principal indústria americana. A partir do estabelecimento do acordo, as empresas

automotivas intensificaram sua campanha contra a aprovação da Lei Wagner,

propagandeada como desnecessária e perigosa.

A ALB, no entanto, teve vida curta. Seu membro neutro, indicado pelo presidente,

Leo Wolman, logo iria mostrar-se receptivo às colocações das montadoras, enquanto o

representante da AFL, Richard Byrd, iria dela distanciar-se e aproximar-se de alguns FLUs

críticos à timidez da central em relação à indústria automotiva. Como resultado da

afinidade das posições de Wolman e da NACC, as posições patronais prevaleceram em uma

328 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 24, n. 13, 31 de março de 1934, p. 1.

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171

proporção de 3 para 1 nas decisões da ALB. Porém, como a agência não possuía poderes

coercitivos para fazer valer suas decisões, só trabalhava a partir da formulação de

consensos entre as partes.

No plano público, a AFL buscou intensificar sua campanha para fortalecer a NRA,

lembrando que mais de 100 FLUs haviam sido estabelecidos graças à NIRA:

Agora, o trabalho organizado possui um tribunal para o qual pode recorrer, caso seus direitos sejam negados, há um princípio de ordenamento dos direitos dos trabalhadores e o desenvolvimento de um corpo de precedentes a serem aplicados nas relações de trabalho. Estamos desenvolvendo um corpo de princípios e precedentes comparável à common law no campo legal. As velhas bases das relações entre patrão e empregado jamais serão restauradas.329

Em carta privada a Roosevelt, no entanto, William Green denunciava fortemente o

acordo automotivo e a ação da ALB:

Nossa concordância [com a proporcionalidade] foi de encontro às nossas enraizadas políticas e representou uma deferência aos seus propósitos – já que nos foi anunciado pelo senhor que a proporcionalidade era a única fórmula que as empresas automotivas aceitariam para chegar a um acordo. Por tal ato patriótico nós recebemos, ao invés de reconhecimento, apenas críticas e problemas. O plano de representação proporcional revelou-se não um instrumento de negociação coletiva, mas uma negação da negociação coletiva, dado que constitui uma divisão e cisma do front necessário aos trabalhadores. Este experimento estava destinado ao fracasso desde o início.330 A situação da AFL era, de fato, bastante delicada, pois era a fiadora de um acordo

percebido como um equívoco por boa parte dos trabalhadores automotivos e os FLUs

acabaram por perder filiados após a sua concretização. Os trabalhadores, e a própria AFL,

percebiam que a NRA havia permitido aos empresários organizar-se em seus códigos de

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172

competição e, assim, formar cartéis, mas que a resistência patronal não havia permitido que

o pleno gozo dos direitos da Seção 7(a) se efetivasse.331 Para os trabalhadores automotivos,

no entanto, era a própria AFL que mostrava incapacidade em criar um efetivo sindicato

automotivo. Em particular, dois FLUs, o de St. Louis da Chevrolet e o Fisher Body de

Bendix, ambos da GM, começaram a buscar articular alguma unidade entre os diversos

FLUs espalhados pela indústria.

Em 5 de dezembro de 1934, o FLU de St. Louis organizou um encontro em Detroit

com vistas a formar um National Committee de todos os trabalhadores automotivos. Para

William Green, os trabalhadores automotivos não tinham ainda condições de criar um

sindicato industrial autônomo, dado que os FLUs contavam, então, com apenas 18 mil

filiados. A rigor, o problema da AFL com a criação de um sindicato automotivo industrial

autônomo não era a fragilidade dos FLUs, mas a questão jurisdic ional de seus sindicatos

profissionais atuantes na indústria automotiva, como o IAM, fundamentais para sua saúde

financeira.

Na convenção da central de 1934, em São Francisco, a questão da tensão entre

o sindicalismo industrial e o profissional foi colo cada com toda a intensidade. No que se

refere à indústria automotiva, os FLUs defendiam vigorosamente a criação de um grande

sindicato industrial que englobasse todos os trabalhadores da indústria, ao passo que os

sindicatos profissionais, como o IAM, defendiam vigorosamente suas jurisdições. E coube

a estes, aos sindicatos profissionais, a vitória política na convenção. Tornava-se cada vez

329 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 24, n. 26, 8 de setembro de 1934, p. 1 330 GREEN, William. Carta a FDR. Washington, 11 de setembro de 1934. Franklin D. Roosevelt Library. OF 407b. Labor, Box 8. 331 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 24, n. 37, 15 de setembro de 1934, p. 1.

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173

mais evidente que um sindicalismo industrial jamais nasceria na indústria automotiva se os

esforços organizativos dos trabalhadores desqualificados se restringissem ao modelo e aos

constrangimentos institucionais da AFL. Ainda assim, em 26 de janeiro de 1935, uma

conferência com 39 representantes de 19 FLUs foi organizada em Detroit, exigindo que a

AFL anunciasse uma convenção constitucional para estabelecer um sindicato internacional

e industrial.

Com problemas internos de monta, como o representado pelas disputas entre os

FLUs e os sindicatos profissionais, só restou à AFL tornar-se mais crítica à atuação da

ALB, objeto de repúdio de todos os trabalhadores automotivos, denunciando fortemente a

representação proporcional. A central chegou a ameaçar retirar-se da agência quando, a 7

de dezembro de 1934, esta tornou pública sua decisão de realizar, em todas as plantas sob

sua jurisdição, eleições proporcionais para a designação dos representantes dos

trabalhadores. A rigor, não havia um único grupo sindical majoritário na indústria

automotiva e, como Leo Wolman colocou, o problema era de como representar os diversos

grupos minoritários. O plano proporcional da ALB aplicar-se- ia ao nível da planta, e cada

planta formava uma unidade de negociação. A AFL, o MESA e SDE decidiram boicotar as

eleições. Os dois últimos, porque avaliaram que não tinham filiados em número suficiente,

em nenhuma planta, para que tivessem uma representação adequada. A primeira, porque

não aceitava votar nas dependências patronais e por acusar a ALB de começar as eleições

por Detroit por saber que seus FLUs eram particularmente fracos no bastião do open-shop.

A AFL afirmava também que eleições só deveriam ocorrer por pedido dos trabalhadores, e

não por imposição de uma agência governamental, e que a regra da maioria deveria

prevalecer. Finalmente, em 8 de janeiro de 1935, a AFL comunicou sua decisão de

abandonar a ALB:

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174

A política administrativa da Automobile Labor Board tem sido bastante desapontadora para os trabalhadores filiados à AFL. Ela falhou em sua tarefa de proteger os trabalhadores no exercício de seus direitos de organização e negociação coletiva, conforme previstos na Seção 7(a) da NIRA. Os trabalhadores organzados não têm confiança na ALB e não terão qualquer relação com ela, como agora constituída. Tal ato não deve ser visto como um repúdio do acordo: é um devido anúncio de retirada do acordo, que a AFL e os trabalhdores automotivos tem o direito moral e legal de fazer.332 Sem a oposição da AFL, entre 19 de dezembro de 1934 e 23 de abril de 1935, a

ALB organizou 125 eleições. A central sindical, por seu lado, passou a apoiar

publicamente, e com vigor redobrado, a aprovação da Lei Wagner, que, em sua Seção 9(a),

claramente explicitava o princípio da maioria. O embate entre a AFL e a ALB perdeu

sentido no dia 27 de maio de 1935, quando a NIRA foi declarada inconstitucional pela

Suprema Corte dos Estados Unidos em um curioso caso envolvendo o comércio de

galinhas.

Em 13 de abril de 1934 fôra aprovado o Live Poultry Code, para regular a produção

de aves na área metropolitana de Nova York. A ALA Schechter Poultry Corporation e a

Schechter Live Poultry Market atuavam nos mercados atacadista e de abate no Brooklyn,

comprando aves vivas de vendedores de Nova York e, ocasionalmente, da Pensilvânia, e

seu público consumidor era formado por moradores e comerciantes do próprio Brooklyn. A

firma foi acusada de violar 18 provisões do Live Poultry Code, como as relativas a salários

mínimos e horas máximas e de vender galinhas inadequadas para o abate. O caso chegou à

Suprema Corte, onde os advogados da empresa argumentaram que os códigos de

competição da NIRA constituíam uma delegação inconstitucional de poderes legislativos

por parte do Congresso; que o código em questão visava a regular o comércio interestadual

332 AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 25, n. 4, 26 de janeiro de 1935, p. 1.

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175

de aves, ao passo que a empresa atuava apenas no estado de Nova York; que, finalmente, as

multas impostas à empresa constituíam uma violação ao devido processo judiciário,

conforme garantido pela Quinta Emenda. A Suprema Corte concordou com tais colocações

e, como resultado, a própria NIRA foi declarada inconstitucional. 333

A declaração de inconstitucionalidade da NIRA não levou a protestos

generalizados, embora William Green lamentasse a decisão e afirmasse que a luta pela

justiça social nos Estados Unidos havia sofrido uma importante derrota.334 Na verdade, a

AFL já fazia críticas abertas a certas políticas da NRA, como as implementadas pela ALB,

e também a Câmara de Comércio dos Estados Unidos defendia abertamente o seu fim.335 A

NIRA de fato revelara-se incapaz de implementar suas políticas por uma série de razões:

deveriam ser os sindicatos, em última instância, os agentes fiscalizadores do cumprimento

dos códigos em cada empresa, mas seus administradores revelaram-se pouco propícios a

defender uma implementação sistemática da Seção 7(a), ao passo que a própria estrutura da

AFL tornava-a incapaz de organizar setores industriais como o automotivo. Por outro lado,

a NLB, e posteriormente a NLRB, assim como as agências setoriais como mesmo a ALB,

não possuíam instrumentos legais para implementar suas decisões, baseando suas ações na

cooperação voluntária das partes em litígio. Não houve ocasião em que uma dessas

agências tivesse sido capaz de exigir que um empregador cumprisse suas decisões, se este

não estivesse disposto a colaborar, nem de organizar uma eleição se o empregador estivesse

333 ESTADOS UNIDOS. SUPREMA CORTE. “Schecther Poultry Corp. v. United States. 295 US 495”. In COMMAGER, Henry Steele. Op. Cit., p. 278-283. 334 AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 25, n. 23, 8 de junho de 1935, p. 1. 335 Cf. CHAMBER OF COMMERCE OF THE UNITED STATES OF AMERICA . Special Bulletin. Referendum number sixty-eight. National Industrial Recovery Act, 10 de janeiro de 1935 . FDR Library. PPF. 1820. Speech Material: Business vs. New Deal. The Constitution, Cont. 9.

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176

disposto e buscar uma injunction de um tribunal para impedi- la.336 No que se refere

especificamente à contratação do trabalho, portanto, a NIRA havia se revelado incapaz de

promover a contratação coletiva do trabalho nos diversos setores industriais e,

particularmente na indústria automotiva.

Para a AFL, no entanto, a decisão da Suprema Corte invalidando a NIRA reforçava

a convicção de que os trabalhadores não possuíam, por parte das instituições públicas e da

legislação, qualquer tipo de proteção. E a central sindical chegou mesmo a lançar um

desafio: “O grande problema com que se defronta o povo americano é o de expandir a

Constituição Federal, de modo a que ela inclua os milhões de homens e mulheres que

trabalham por salários”. 337 O apoio da AFL à Lei Wagner, em debate no Congresso,

significava, assim, mais uma tentativa da central de, senão emendar a Constituição, ao

menos criar um novo estatuto legal que incluísse os tais milhões de homens e mulheres sob

o manto protetor da lei.

A declaração de inconstitucionalidade da NIRA não fez cessar os conflitos internos

à própria AFL em torno da indústria automotiva e, em agosto de 1935, sob forte pressão

dos FLUs, a central finalmente autorizou a criação de um United Automobile Workers of

America (UAWA) que, no entanto, não poderia atuar sobre várias categorias de

trabalhadores automotivos jurisdicionados por sindicatos profissionais da AFL.338

Conseqüentemente, já em 1936, o UAWA iria aderir à dissidência interna à AFL do

336 Cf. MADDEN, J. Warren. “Birth of the Board”. In SILVERBERG, Louis (org.). Op. Cit., p. 34. 337 AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washigton: Vol. 25, n. 27, 6 de julho de 1935, p. 1. 338 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Organized labor movement, 1929 to 1937”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 44, No. 1, Janeiro de 1937, p. 6.

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177

Committee of Industrial Organizations,339 defendendo abertamente a organização da

indústria automotiva em um único sindicato de base industrial. 340

A AFL jamais aceitou a defecção do UAW para o Committee, afirmando ter sido

ela a sua fundadora, inclusive tendo investido cerca de US$ 250 mil nos FLUs que lhe

deram origem. Depois que o Committee foi extinto e o Congress of Industrial

Organizations (CIO) foi criado, voltado à organização dos trabalhadores desqualificados

das indústrias de massas em sindicatos industriais, a AFL reagiu mais uma vez

violentamente, acusando a diretoria do UAW de não ter levado em conta as importantes

contribuições da AFL para a fundação do sindicato.341

No momento em que o New Deal entrava em sua segunda fase, marcada pelo fim da

NIRA e a aprovação da Lei Wagner, o movimento sindical americano passava por um dos

maiores cismas de sua história, marcado pela criação do CIO, e tal cisma colocaria a Lei

Wagner no centro das disputas entre as duas centrais sindicais.

339 Cf. WALSH, Raymond. CIO. Industrial unionism in action . Nova York: W. W. Norton & Company, Inc., 1937, p. 110. 340 UNITED AUTO WORKERS. Official publication. Detroit: Vol. I, No. 2, 7 de julho de 1936, p. 3. 341 AMERICAN FEDERATION OF LABOR. AFL vs. CIO. The Record . Washington, DC: American Federation of Labor, 20 de novembro de 1939, p. 34, 35.

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Capítulo 4: O Estado organizando o movimento sindical: a NLRA e a contratação do trabalho na indústria automotiva 4.1. A NLRA

No dia 5 de julho de 1935, o presidente Roosevelt assinou a National Labor

Relations Act (NLRA), com o objetivo de “… diminuir as causas das disputas trabalhistas

que oneram ou obstruem os comércios interestadual e externo”. Por conta das

características do pacto federativo americano, NLRA não poderia se propôr a regular as

relações de trabalho propriamente ditas, mas apenas impedir que disputas entre

trabalhadores e direções corporativas levassem à interrupção do comércio entre os estados e

com o exterior e, conseqüentemente, obstaculizassem o processo de recuperação da

economia. 342 Neste sentido, a Lei não se aplicava especificamente a nenhuma categoria

profissional e, a princípio, sua jurisdição sobre traba lhadores industriais foi fortemente

questionada por organizações empresariais.

A Lei Wagner, como ficou conhecida em homenagem ao seu proponente, o senador

democrata Robert Wagner, buscava atacar o que era percebido como principal fragilidade

da NIRA: a inexistência de mecanismos legais que constrangessem o empresariado a

respeitar sua Seção 7(a). Assim, a Lei Wagner buscava garantir aos trabalhadores os

direitos básicos de auto-representação e contratação coletiva do trabalho criando uma nova

agência administrativa, a National Labor Relations Board (NLRB), com poderes quasi-

judiciais (suas decisões deveriam ser revistas pelas Cortes de Apelação e, em última

instância, pela Suprema Corte dos Estados Unidos), normativos (tinha o poder de definir o

que entendia como práticas ilegais dos empregadores), e executivos (aplicava seus estatutos

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179

sobre as empresas), sendo constituída por três membros indicados pelo Presidente dos

Estados Unidos. A NLRB também reunía poderes investigativos e qualquer de seus

membros tinha autoridade para intimar e requerer o comparecimento de testemunhas.343

Em sua Seção 8, A NLRA declarava ilegais a interferência, restrição ou coerção dos

empregados, por parte das empresas, em suas atividades de organização; o domínio ou

interferência na formação ou administração de qualquer organização operária, ou seja,

proibía o company union; o encorajamento ou desencorajamento ao pertencimento a

qualquer organização operária através da discriminação no que se refere à contratação,

período, termo ou condição de emprego; a demissão ou discriminação de qualquer

empregado em razão de queixas contra o empregador; e a recusa das empresas em negociar

com representantes dos trabalhadores.

A partir da indicação dos seus três membros pelo Presidente, em 24 de agosto de

1935, a NLRB organizou seu escritório em Washington e 21 escritórios regionais e em, 14

de setembro, de acordo com a autoridade recebida pela Seção 6 (a) da NLRA, divulgou

suas Regras e Regulamentos, de modo a criar procedimentos e rotinas de investigação e

decisão, como a que estabelecia apenas um empregado ou organização de trabalhadores

poderia pedir uma investigação a respeito de práticas trabalhistas ilegais, e nunca um

empregador (Art. III, Sec. 1). Segundo o entendimento da NLRB, os empregadores

poderiam pedir investigações para obstruir a organização dos trabalhadores, o que iria de

encontro ao espírito da lei.

342 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. First annual report of the National Labor Relations Board..., p. 135. 343 Os elementos a seguir encontram-se em ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. First annual report of the National Labor Relations Board..., p. 10-28.

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180

Em suma, o objetivo fundamental da Lei era o de fornecer instrumentos legais aos

sindicatos para que estes pudessem acumular recursos políticos e realizar a tarefa para eles

prevista, mas não alcançada, pela NIRA: estabilizar as relações de trabalho e elevar o poder

de compra dos trabalhadores através da contratação coletiva do trabalho, de modo a

permitir o crescimento sustentado da demanda e, conseqüentemente, da produção. A NLRA

buscava eliminar, portanto, e de forma definitiva, através da positivação da lei, a histórica

tendência dos tribunais de aplicar a common law para desarticular o movimento sindical,344

tendo por isso sido apresentada pelo senador Wagner como a realização, há tanto

acalentada, da democracia na indústria americana:

A luta por uma voz na indústria através do processo de negociação coletiva está no coração da luta pela manutenção da democracia econômica e social na América. Se deixarmos os homens tornarem-se servis nas mãos de seus mestres nas fábricas e então estará quebrada a resistência à ditadura política. O fascismo começa na indústria, não no governo. As sementes do comunismo são plantadas na indústria, não no governo. Mas se os homens conhecerem a dignidade da liberdade e auto-expressão em suas vidas cotidianas, nunca se curvarão à tirania.345 Os sindicatos surgiam, aos olhos do legislador, como o único instrumento efetivo e

constitucional para regular jornadas de trabalho e salários e, desta forma, através da

contratação coletiva do trabalho, estabilizar a concorrência destrutiva entre diferentes

empresas de um mesmo setor e possibilitar a retomada do crescimento econômico. A

NLRA tornava assim o contrato coletivo de trabalho uma expressão do interesse público e,

neste sentido, publicizava os próprios sindicatos como agentes deste, que poderiam ser

344 Cf. KEYSERLING, Leon. “Why the Wagner Act?”. In SILVERBERG, Louis (org.). Op. Cit., p. 6. 345 WAGNER, Robert. “The ideal industrial state, as Wagner sees it”. In New York Times Magazine. Nova York: 9 de maio de 1937, p. 23.

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acionados para colaboração com o poder público sempre que necessário.346 Afirmava o

senador Wagner:

A chave do programa de recuperação [econômica] é a organização e a cooperação. Aos empregadores é permitido organizarem-se em associações de forma a reunir informações e experiências e implementar estratégias conjuntas diante dos problemas do industrialismo moderno. Se devidamente direcionada, esta força reunida resultará no bem da Nação. Mas ela é potencialmente danosa para os trabalhadores e consumidores se não for contrabalançada pela organização correspondente dos empregados. Tal igualdade é de central importância no mundo econômico de hoje. É necessário garantir uma distribuição sábia da riqueza entre o empresariado (management) e os trabalhadores, de forma a manter o poder de compra e evitar depressões recorrentes. (…) O maior obstáculo às negociações coletivas [o único meio de se conseguir tal distribuição da riqueza] são os sindicatos dominados pelos patrões, que se multiplicaram com rapidez depois da aprovação da lei de recuperação [NIRA]. (…) Sob o sindicato dominado pelo patrão, o trabalhador, que não pode escolher um representante externo para negociar por ele, está fragilizado por duas razões. Em primeiro lugar, ele tem apenas uma idéia superficial do mercado de trabalho, ou das condições econômicas gerais. Se proibido de contratar um especialista em relações industriais, ele torna-se completamente incapaz de aproveitar as oportunidades legítimas que se lhe oferecem. Ninguém sugeriria que aos empregadores não fosse permitido contratar advogados, financistas ou consultores. Em segundo lugar, apenas representantes que não estão sujeitos ao empregador com quem irão negociar podem atuar livremente de constrangimentos. O simples bom-senso afirma que um homem não está livre quando deve negociar com aquele que controla seu meio de vida [o salário].347 A AFL saudou entusiasticamente a NLRA. Pareciam então findos os tempos em que

empresários como Ford, os Du Pont e tantos outros recorriam impunemente à espionagem,

346 Cf. GARRISON, Lloyd. Statement before the House Committee Investigating the NLRB. February 2, 1940. Lloyd Garrison (Z-733). (dean of the University of Winsonsin Law School, first Chairman of the old National Labor Relations Board (summer and fall of 1934). Franklin D. Roosevelt Libray. Records of the Assistant General Counsel. Records relating to preparation of Board's case, 1939-1940. Entry: 31, 43,07,01. Box n. 2. 347 WAGNER, Robert. “Statement of Hon. Robert F. Wagner...”. In ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History of the National Labor Relations Act, 1935. Vol. 1. Washington: United States Government Printing Office, 1985, p. 15, 16.

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182

a milícias privadas, a sindicatos organizados e controlados pelas próprias empresas, ou aos

tribunais, para impedir a livre organização dos trabalhadores. Em 28 de julho de 1935,

William Green, presidente da AFL, comparava a Lei Wagner à Carta Magna do movimento

sindical, assim como Samuel Gompers havia feito com relação ao Clayton Act de 1914, a

maior conquista legislativa da história do movimento de trabalhadores nos Estados

Unidos.348 E, de fato, entre a promulgação da Lei e 1937, a AFL ganhou cerca de 1 milhão

de membros, contando com 3.271.726 filiados em agosto desse ano.349 O entusiasmo da

AFL coadunava-se com o fato de que, a uma primeira vista, a Lei parecia consolidar a

perspectiva contratualista e pluralista das relações de trabalho, como ela própria defendia.

Seu objetivo expresso era o de promover a contratação coletiva do trabalho, objetivo aliás

confirmado em diversas ocasiões, não só pela NLRB como também pela Suprema Corte

dos Estados Unidos que, em uma série de ocasiões, estabeleceu que a NLRB não deveria

imiscuir-se no conteúdo dos contratos estabelecidos entre as partes, nem sequer os tornava

obrigatórios, limitando-se a garantir a eqüidade destas durante o processo de contratação.350

A preocupação de garantir a eqüidade entre as partes contratantes estava inscrita na

letra da Lei, ao afirmar que “O desequilíbrio do poder de barganha entre empregados que

não possuem completa liberdade de associação ou de contrato, e empregadores que estão

organizados em corporações ou outras formas de propriedade e associação” constituía um

sério risco para a economia do País, sendo portanto declarada política dos Estados Unidos

“encorajar a prática e o processo de negociações coletivas”, assim como “proteger o

348 GREEN, William. In Weekly News Service. Washington: 28 de julho de 1935, p. 1. 349 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. Monthly Labor Review. Washington: Vol. 45, No. 6, Dezembro de 1937, p. 1427. 350 NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “NLRB v. Fansteel Metallurgical Corp.”. In Court decisions relating to the NLRA, Volume 4. June 1, 1943 to January 1, 1946. Washington: US Government Printing Office, Junho de 1946, p. 331; KLARE, Karl. Op.Cit., p. 293.

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exercício de livre organização e auto-associação dos trabalhadores, bem como a designação

dos representantes de livre escolha destes para o propósito de negociar os termos e as

condições de seu emprego, ajuda mútua ou proteção”.351

Se o apoio da AFL à NLRA foi decidido, decidida também foi a oposição patronal.

James Emery, conselheiro-geral da NAM, afirmaria que os company unions haviam sido

aperfeiçoados ao longo do tempo, cumprindo assim sua missão de estabelecer relações de

trabalho harmônicas, e que seriam destruídos pela NLRA e, mais importante, que o direito

de regular as relações de trabalho era constitucionalmente local, não federal, e portanto a

NLRA era inconstitucional. Emery defendia ainda o contrato individual do trabalho,

argumentando que ao trabalhador deveria ser resguardado o direito de contratar

individualmente suas condições de trabalho e remuneração. Henry Harriman, presidente da

USCC, afirmava também que a NLRA seria desastrosa, da mesma forma que Hal Smith,

representando a NACC, para quem a NLRA estava em contradição com o espírito da ALB,

resultado de um acordo entre os trabalhadores, as montadoras e o governo. As grandes

corporações automotivas também iriam se colocar frontalmente contrárias à NLRA,

afirmando ser a projetada NLRB incapaz de lidar com os problemas trabalhistas em todos

os Estados Unidos e instando o Presidente a não apoiá- la.352

Cedo, no entanto, a AFL se encontraria em posição de aberto confronto com a

NLRB e chegaria mesmo a aliar-se à NAM para propor emendas legislativas à NLRA. Isto

porque a NLRA operava um corte importante na forma como o Estado relacionava-se com

o movimento sindical, questionando profundamente alguns dos pressupostos do pluralismo

351 ESTADOS UNIDOS. SENADO FEDERAL. “S. 1958”. In NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative history of the National Labor Relations Act, 1935, Volume I... p. 3270-3271. 352 Cf. UNITED STATES. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History of the National Labor Relations Act. Washington: US Government Printing Office, 1985, p. 415, 531 e 747; SLOAN, Alfred; CHRYSLER, Walter; CHAPIN, Roy; NASH, C. Telegrama enviado a FDR, 6 de abril de 1934. Franklin D.

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184

industrial tal qual defendidos pela AFL, principalmente o poder por ela atribuído à NLRB

de determinar a unidade de negociação.

Roosevelt Library. President’s Personal File. 1191 (X-Refs, 1944-45) – 1211.

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185

4.1.1. A determinação da unidade de negociação e a regra da maioria

A idéia de o Estado norte-americano estimular a contratação coletiva do trabalho

vinha, como visto, da Era Progressista. Sugerida pela Comissão de Relações Industriais de

1915, estimulada pela NWLB na Primeira Guerra ou facilitada pelo Norris-LaGuardia Act,

de 1932, ela no entanto nunca havia sido alvo de uma sistemática promoção estatal, como a

proposta pela NLRA. Até o advento da Lei, os sindicatos eram predominantemente

percebidos, segundo a tradição pluralista, como organizações privadas e, portanto, não

deveriam esperar nenhuma ação estatal em seu benefício. O objetivo da NLRA, pelo

contrário, era o de dar explícito apoio estatal à sindicalização dos trabalhadores com vistas

a superar o quadro econômico recessivo através da contratação coletiva do trabalho, mesmo

que ao custo de ferir o que até então era percebido, pelas próprias organizações sindicais,

como direitos por elas adquiridos. Daí, duas das mais importantes características da NLRA:

a reafirmação da regra da maioria e o poder por ela atribuído à NLRB de determinar a

unidade de negociação.353

Em sua Seção 7, a lei afirmava que os empregados tinham direito de se organizar e

se fazer representar em negociações coletivas com representantes de sua própria escolha,

mas a Seção 9 (a) afirmava que tais representantes deveriam ser escolhidos pela maioria da

unidade em que negociavam e que seriam os representantes exclusivos de tal unidade. Mas

a escolha da unidade era atribuído à NLRB, de acordo com a Seção 9 (b) da Lei:

A Agência decidirá em cada caso, com o objetivo de assegurar aos empregados o completo benefício de seu direito à livre organização e à negociação coletiva, e para efetuar as políticas desta Lei, se a unidade apropriada para os propósitos de negociação coletiva deve ser a unidade do empregador, da profissão, da planta ou uma outra subdivisão qualquer.354

353 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 112. 354 ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. First annual report... , p. 18.

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Sendo a política da Lei o estímulo à contratação coletiva do trabalho de modo a

realizar uma melhor distribuição da renda nacional, a definição da unidade de negociação

era um desafio central para a NLRB, como bem apresentou Francis Biddle, chairman da

NLRB anterior à NLRA:

A necessidade da NLRB de decidir a unidade de negociação e as eventuais dificuldades em fazê- lo podem ser exemplificadas no caso de um empregador ter duas fábricas produzindo o mesmo produto: cada fábrica deve ser uma unidade ou as duas fábricas, em conjunto, devem constituir uma unidade? Quando houver várias especializações diferentes em umamesma planta, cada uma deve constituir uma unidade? Permitir que seja atribuído ao empregador qual a unidade daria lugar a um número ilimitado de abusos e minaria os objetivos da lei. Se aos próprios empregados fosse atribuído tal direito, sem a devida consideração dos elementos que deveriam constituir as unidades apropriadas, eles poderiam minar o significado prático da regra da maioria; e, ao quebrar a unidade em pequenos grupos, poderiam tornar impossível ao empregador gerenciar sua fábrica.355 O problema da unidade de negociação não era novo no cenário sindical americano.

Em fins do século XIX, os embates entre, de um lado, os Knights of Labor e o ARU e, de

outro, a AFL, giravam em torno da defesa que os primeiros faziam das grandes unidades –

plantas, empregadores, setores industriais -, e da feita pela segunda do fracionamento de

plantas em categorias de trabalhadores representados por seus respectivos sindicatos de

ofício, cada um possuindo jurisdição exclusiva sobre sua categoria profissional.356 A partir

dos anos 1920, no entanto, em razão da taylorização e fordização da indústria americana,

mesmo a AFL já vinha tendo dificuldades crescentes em arbitrar as jurisdições de seus

355 ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History..., p. 109. 356 Cf. SCHNEIROV, Richard, STROMQUIST, Shelton e SALVATORE, Nick (orgs.). Op. Cit. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. DIVISION OF ECONOMIC RESEARCH. Outline of materials gathered for the bargaining unit study. Washington: 19 de janeiro de 1940. National Archives and Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant General Counsel. Records of the Attorneys assisting General Counsel. Entry 38, 43, 07, 02. Box 3.

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187

sindicatos profissionais, que começavam a perder as fronteiras seguras de que gozavam até

então. A central, portanto, aceitou a formação de alguns sindicatos industriais e a reunião

de sindicatos profissionais de um mesmo ramo em sindicatos industriais, como o

AAISTW. 357 A diferença é que, com a NLRA, caberia a uma agência administrativa

federal, e não à própria AFL, designar a unidade de negociação e, por decorrência, as

próprias jurisdições dos sindicatos, o que significa dizer que, para garantir a execução da

política da Lei, a NLRA preocupava-se com a própria formação das partes contratantes.

Tal inovação devia-se à percepção de que a designação da unidade de negociação, do

agente de negociação e a seleção dos representantes para fins de negociação coletiva, eram

partes inseparáveis do mesmo processo, que deveria justamente contribuir para o

fortalecimento do poder de negociação dos sindicatos.358

Segundo Wallace Donham, da Harvard Business School, ouvido nos debates

legislativos para a aprovação da NLRA na qualidade de especialista em relações industriais,

o poder de determinar a unidade de negociação atribuído pela Lei à NLRB significava que

o Estado passava a controlar os sindicatos, suas jurisdições e eleições, colocando um fim no

sindicalismo como até então conhecido.359 A posição de Donham era próxima da dos

pluralistas industirais como William Leiserson e da própria AFL, para os quais a NLRA

deveria apenas garantir o princ ípio da contratação coletiva do trabalho, sem preocupar-se

com a formação dos agentes contratantes. O senador Wagner, no entanto, possuía uma

357Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD.DIVISION OF ECONOMIC RESEARCH. The changing concept of the Bargaining Unit and the Labor Conflict (An outline) . Washington, 11 de janeiro de 1940. Walther Reuther Library. Coleção: UAW Research Department. Accesion No. 350. UAW-GM Collection. General Correspondence, 1938-1945. Box 2. 358 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative history..., p. 640; SAPOSS, David (Division of Economic Research. NLRB). Bargaining Unit, collective barganing agency, selection of representantives in relations to majority rule (z-42). Washington: 12 de março de 1937, p. 1. National Archives and Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant General Counsel. Records relating to preparation of Board's case,

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188

visão diferente. Os trabalhadores eram percebidos como uma massa de indivíduos que

constituíam a força de trabalho e o objetivo da NLRA era, justamente, o de transformar tal

massa em uma série de coletividades o mais apropriadas possível para a negociação e

contratação coletiva do trabalho. Conseqüentemente, era atribuída à NLRB o papel de

ajustar tal massa a tal objetivo e, neste sentido, os instrumentos adequados eram a

determinação por esta da unidade de negociação e a certificação do representante

majoritário em tal unidade.360

A regra da maioria vinha complementar a determinação da unidade de negociação.

Durante a vigência da NIRA, como o caso da ALB ilustrou, os empregadores insistiam na

proporcionalidade das representações em uma determinada unidade. Não foi outro o sentido

do ataque de um dos principais grupos de pressão anti-New Deal em sua crítica à regra da

maioria. O National Lawyers Committee of the American Liberty League afirmou, em seu

arrazoado condenatório à NLRA:

A lei expressamente declara que os representantes escolhidos pela maioria dos empregados de uma determinada unidade de negociação devem ser os representantes exclusivos de todos os empregados desta unidade. (...) A Board tem o poder de determinar quem são tais representantes, seja através de uma eleição ou de um outro método qualquer escolhido pela Board. A unidade de negociação, seja ela o empregador, a planta, o ofício ou outra qualquer, também é determinada pela Board. Empregados individuais ou grupos minoritário não têm direito de negociar com seus patroões os salários, horas e condições de trabalho, apenas o direito de apresentar “queixas” individuais. (...) É nossa crença que esta cláusula da lei [refere-se à regra da maioria] constitui uma interferência com a liberdade individual dos empregados, como garantida pela Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que afirma, em sua substância, que nenhuma pessoa, pode ser privada de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal. A liberdade sancionada pela Constituição inclui o direito de cada homem ocupar-se e vender sua força de trabalho da forma como entender. A

1939-1940. Entry: 31, 43,07,01. Box 2. 359 ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History..., p. 640. 360 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 124.

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189

NLRA constiuti um severo constrangimento a esta liberdade em mais de uma maneira. Trabalhadores altamente qualificados podem ter seus salários fixados, em seu prejuízo, por acordos celebrados pelos representantes dos trabalhadores mais numerosos, porém menos competentes. O direito do trabalhador individual ou de um grupo de trabalhadores realizar sua própria negociação é eliminado e o direito da minoria de formar suas próprias associações para fins de negociação, ignorado. Finalmente, empregados que se recusem a particiar da escolha dos representantes estão implicados nos resultados de tal escolha, ainda que não tenham, nem implicitamente, consentido na seleção de tais representantes.361

A regra da maioria estava, no entanto, firmemente ancorada no princípio ge ral da

NLRA. A visão era a de que, quando um empregador buscava negociar com vários agentes

dentre de uma mesma unidade de negociação – quando tal agente não fosse, claro, um

company union -, o resultado seria o de enfraquecer o poder de negociação na dada

unidade, por fracioná- lo, enquanto o empregador mantinha o poder unívoco do lado

empregatício. O direito de representação das minorias era, portanto, considerado

contraproducente e mesmo anti-democrático, pois a democracia, tanto no governo do país

quanto no da fábrica, pressupunha a subordinação da minoria à maioria. A regra da

maioria, ao lado da atribuição da NLRB da determinação da unidade de negociação, deu à

NLRB o poder de determinar a estrutura da representação sindical.362

Em suma, a Lei Wagner, ao mesmo tempo que consagrava o contratualismo ao

afirmar que o Estado não deveria determinar o conteúdo dos contratos, reconhecia os

limites do pluralismo industrial, ao admitir que os grupos de interesses dos trabalhadores

não eram espontâneos, mas deveriam ser formados a partir da intervenção e da organização

361 NATIONAL LAWYERS COMMITTEE OF THE AMERICAN LIBERTY LEAGUE. Report on the constitutionality of the NLRA. Pittsburgh: Smith Bros. Inc., Sept. 5, 1935, p. 3. 362 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 135.

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do Estado. Assim, a NLRA colocava dentro do âmbito administrativo do estado grupos de

interesse que eram, até então, percebidos como privados.363

Ao apoiar a promulgação da NLRA, a AFL tinha por objetivo apenas que o novo

estatuto legal legitimasse a estrutura sindical existente. 364 Mas a filosofia por trás da NLRA

era a de que o direito de organização e negociação coletiva era um direito civil individual

criado pelo própria NLRA, que tal direito individual não poderia ser vivenciado através de

instituições privadas e que, portanto, os sindicatos só poderiam ganhar reconhecimento

como representantes para fins de negociação coletiva se fossem assim designados por

grupos de trabalhadores identificados por uma agência administrativa federal. Para a

NLRB, os direitos dos trabalhadores previstos na NLRA eram ingredientes de políticas

públicas, criados por legislação e só poderiam ser vivenciados e implementados de acordo

com a legislação. As jurisdições profissionais como balizas de negociação coletiva, tal qual

definidas pela AFL, perdiam qualquer validade se não fossem confirmadas pela NLRB.

Antes da NLRA, os sindicatos podiam traçar suas estratégias para fazer face aos patrões e

aos tribunais; com o advento da Lei, eles passaram a ter que lidar com decisões de

“unidades apropriadas de negociação” que, até então, eram decididas em grande parte pela

própria AFL. Conseqüentemente, a principal preocupação dos sindicatos passou a ser a de

ganhar filiados em unidades não por eles escolhidas e que, freqüentemente, para eles não

faziam sentido. Por outro lado, as novas estratégias sindicais tinham que levar em conta

competições eleitorais com outras organizações sindicais, elemento também novo nas

363 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit, p. 147. 364 GREEN, William. “Statement of William Green, President of the American Federation of Labor. Hearings before the Committee on Education and Labor of the United States Seventy-Third Congress. Thursday, March 15, 1934. Second Session on S. 2969. A Bill to equalize the bargaining power of the employers and employees, to encourage the amicable sttlement of disputes between employers and employees, to create a National Labor Board, and for other purposes. In ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Legislative History..., p. 67.

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relações de trabalho. Antes da NLRA, era perfeitamente legal que um sindicato negociasse

com o patrão por melhores condições de trabalho para seus membros sem levar em conta o

número de tais membros que realmente trabalhassem na planta. Sob a NLRA, os

empregadores não podiam negociar com um sindicato que não representasse a maioria dos

trabalhadores de uma determinada unidade de negociação determinada pela própria NLRA

e que fosse certificado por essa e, se o fizesse, poderia estar cometendo uma unfair labor

practice. A própria vida interna dos sindicatos também passava a ser regulada pela NLRA,

pois os sindicatos poderiam ter trabalhadores por eles disciplinarizados e tendo perdido o

emprego por uma cláusula de closed shop recontratados por uma Ordem da NLRB.365

Os problemas da AFL com a NLRB não se tornariam evidentes até o momento em

que o movimento sindical americano cindiu-se mais uma vez entre entre os defendores do

sindicalismo profissional, a própria AFL, e os defensores do sindicalismo industrial, o

Congress of Indus trial Organizations (CIO). Nesse momento, a questão da determinação da

unidade de negociação voltou a se colocar com intensidade, e a NLRB tornou-se o palco de

tal disputa.

365 Cf. HUTCHINGS, Paul (presidente do Office Employees International Union-AFL). “Effect on trade union”. In SILVERBERG, Louis. Op. Cit., p. 73 -76.

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4.2. A NLRB e a disputa entre a AFL e o CIO Na Convenção da AFL de 1936, como já havia ocorrido nas anteriores, o debate

sobre como organizar os trabalhadores desqualificados das indústrias de massas em

sindicatos industriais foi um dos temas mais importantes:

Durante a existência da AFL e desde que vários sindicatos nacionais e internacionais foram por ela registrados a partir de ofícios, as mudanças nos métodos industriais foram tantas que as tarefas de milhões de trabalhadores industriais são de natureza tal que não existiam em nenhum dos sindicatos nacionais e internacionais. Isto explicita que a jurisdição sobre estas novas classes de trabalho não poderia ter sido antecipada e atribuída a tais sindicatos nacionais e internacionais, em um momento em que elas sequer existiam. (…) Nós declaramos que o tempo chegou quando o bom senso indica que as políticas organizacionais da AFL devem ser moldadas para fazer face às necessidades presentes. Nas grandes indústrias de produção de massa e naquelas em que os trabalhadores são engajados em trabalhos não afeitos às linhas dos sindicatos por ofício, a organização industrial é a única solução. O emprego contínuo, a segurança econômica e a habilidade para proteger o trabalhador individual dependem da organização em linhas industriais. (…). Para organizar os trabalhadores industriais de forma bem-sucedida, deve haver uma clara declaração da AFL. Ela deve reconhecer o direito de tais trabalhadores em organizar-se em sindicatos industriais e registrá- los…366

A situação de conflito entre sindicatos profissionais e as tentativas de organização

de sindicatos industriais nas indústrias de massa no seio da própria AFL já havia levado, a

10 de novembro de 1935, à criação do Committee for Industrial Organizations, dissidência

reunindo 10 sindicatos, como o UMW de John Lewis e o ACWA, de Sidney Hillman, que

propunham uma decidida ação em favor dos sindicatos industriais. 367 A organização do

Committee causou uma forte reação na direção da AFL que, desde o início, clamou por sua

366 AMERICAN FEDERATION OF LABOR. AFL vs. CIO. The Record . Washington, DC: American Federation of Labor, 20 de novembro de 1939, p. 7. 367 Para o CIO, as negativas da AFL em organizar os trabalhadores das indústrias de massas constituía, de fato, uma das principais razões para a formação do primeiro. Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. CIO News. Washington: Vol. 1, No. 33, 23 de julho de 1938, p.4.

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extinção, por considerá- lo uma ameaça à democracia interna da central. 368 Em 1936,

iniciou-se o processo interno à AFL que levaria à suspensão de tais sindicatos, além de

outros que a ele se juntaram, como o UAW, originando a formação do Congress of

Industrial Organizations (CIO).369 O CIO nascia da convicção de que as lutas jurisdicionais

da AFL estariam impedindo a organização dos trabalhadores desqualificados das indústrias

de massas. 370

Entre 14 e 18 de novembro de 1938 o CIO realizou sua primeira Convenção, na

cidade de Pittsburgh, Pensilvânia. John Lewis, o líder mineiro que viria tornar-se seu

primeiro presidente, afirmou então o que seria um dos marcos da diferença entre as duas

centrais: se, nos 57 anos anteriores, na época dos ofícios dos artesãos, a AFL havia prestado

grandes serviços aos trabalhadores americanos, na era da máquina seu tipo de organização

sindical mostrava-se inadequado, devendo ser substituído pela organização de trabalhadores

industriais.371 No entanto, as diferenças entre o CIO e a AFL não se limitavam à questão do

perfil organizacional. A nova central nascia também com uma agenda política distinta da da

AFL, defendendo a ativa participação governamental na regulação da economia e os gastos

368 AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 26, n. 5, Feb. 1, 1936, p.1; AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Serivce. Washington: Vol. 26, n. 29, July 18, 1936, p. 1. 369 AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 26, n. 48, Nov. 28, 1936, p. 1. Para uma análise detalhada do processo de formação do CIO,Cf. ZIEGER, Robert. Op.Cit., 1995. 370 Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANZATIONS. Proceedings of the First Constitutional Convention of the Congress of Industrial Organizations... p. 36, 37. As demais informações estão contidas no mesmo documento, nas páginas seguintes, salvo quando indicado em contrário. As diferenças entre os perfis organizacionais da AFL e do CIO ficariam evidentes quando, em 1938, 50% das greves ocorridas nos Estados Unidos foram organizadas por sindicatos ligados à AFL, mas que englobavam apenas 35% dos trabalhadores envolvidos, ao passo que o CIO foi responsável por 40% das greves e por 55% dos trabalhadores, devido à penetração deste nas indústrias de massa com grande número de filiados. Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “:Industrial disputes”. In Monthly Labor Review. Washignton: US Government Printinf Office, Vol.48, No. 5, Maio de 1939, p. 1123. 371 LEWIS, John. “Discurso proferido no Primeiro Congresso do CIO”. Proceedings of the First Constitutional Convention of the Congress of Industrial Organizations..., p. 9.

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194

públicos para a retomada do crescimento econômico. O CIO fazia uma vigorosa defesa das

agências administrativas federais e, evidentemente, da própria NLRB. 372

Fundamentalmente, o que unia os líderes e os teóricos sindicais do CIO ao New

Deal era a percepção de ambos de que a demanda agregada, em uma economia

oligopolilzada como a americana, e voltada para a produção em massa de produtos

duráveis, deveria ser garantida pela elevação do poder de compra da classe trabalhadora.

Dada a incapacidade empresarial em construir acordos privados que tornassem possível tal

elevação, atestada pelo não funcionamento do Novo Individualismo de Hoover e da NIRA,

ela deveria ser realizada pela regulação e planejamento estatais. Ambos tinham, assim, uma

visão macro-econômica keynesiana, na qual os sindicatos, fortalecidos e legitimados pelo

Estado, deveriam extrair, através da negociação coletiva, parcelas crescentes dos ganhos de

produtividade do trabalho tornados possíveis com o advento do paradigma tecnológico

fordista. A aliança entre o CIO e o New Deal era assim descrita, à época mesma dos

acontecimentos:

O New Deal e o CIO são, em suas essências, gêmeos político-econômicos. O primeiro teve que vir antes para que o segundo pudesse obter seu direito à existência; ambos surgiram do ventre de uma democracia capitalista infeliz e desbalanceada. O sindicalismo precisava do New Deal porque forças poderosas impediram, por décadas, o seu pleno desenvolvimento. A terra livre e a escassez de trabalho mantiveram vivas certas tradições antigas: ‘igualdade de oportunidades’; a identificação do bem estar individual com o coletivo; a confiança nas capacidades individuais para resolver o problema da má-distribuição da renda, causa dominante dos ciclos econômicos. A AFL construiu uma irmandade bastante bem-sucedida para os trabalhadores qualificados através da recusa em organizar os milhões de trabalhadores desqualificados que adentraram o mercado de trabalho, vindos da Europa e, mais tarde, das fazendas americanas. Por fim, os empresários – radicalmente anti-sindicatos – escreveram e implementaram a lei através do Partido Republicano.

372 Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the First Constitutional Convention of the Congress of Industrial Organizations, p. 60.

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Após a Primeira Grande Guerra, uma “Nova Era” marcou o triunfante clímax do capitalismo do século XX. Mas, por trás do espetáculo, grandes mudanças estavam em marcha. O avanço tecnológico, o declínio da natalidade, a concentração econômica e financeira, e a ascensão da classe média assalariada – estes acontecimentos estavam marcando o nascimento de uma verdadeira era nova. Só após o colapso do grande boom o país começou a reconhecer tal fato, ou a sentir a incapacidade de nossa liderança política e econômica em perceber tais mudanças. (...) Como, portanto, o New Deal tornou-se o campeão do sindicalismo? A resposta reside na natureza dos objetivos da administração Roosevelt para a sociedade americana: um maior grau de democracia econômica e política, a mitigação dos ciclos econômicos, e a segurança para os indivíduos. A legislação, por si só, não poderia realizar tais objetivos. Embora o presidente não compreendesse isto em seu primeiro mandato, e parece ainda não ter tirado todas as conclusões práticas, uma relação madura e igualitária entre capital e trabalho forma o ângulo de sustentação do arco que ele busca construir. Em outras palavras, o programa último do New Deal não pode avançar sem sindicatos fortes e poderosos”.373

Para a AFL e o CIO, portanto, o poder da NLRB de determinar a unidade de

negociação colocava-se em patamares distintos: para a AFL, ele significava uma

inteferência em direitos por ela percebidos como historicamente adquiridos, uma usurpação

de funções em que a NLRB tomava a si o encargo de arbitrar disputas entre organizações

de trabalhadores, ao passo que, para o CIO, significava a possibilidade de superação das

unidades de negociação delimitadas pelas jurisdições da AFL, com a conseqüente

consolidação de unidades industriais.374 Para Edwin Smith, um dos três integrantes da

primeira NLRB indicados por Roosevelt, a questão da determinação da unidade de

negociação era a mais complexa com a qual a agência se deparava, dado que a própria

AFL, depois de mais de meio século de existência, ainda não havia sido capaz de resolver

definitivamente o problema de a qual sindicato cada trabalhador deveria pertencer.375

373 WALSH, J. Raymond. CIO. Op. Cit., p. 251. 374 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 27, No.41, 9 de outubro de 1937, p. 1. 375 Cf. SMITH, Edwin. Statement of Edwin Smith, Member, NLRB, before the Senate Committee on Education and Labor in connection with proposed amendments to the NLRA (R-1761). National Archives and Records Administration. RG 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant

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196

Diante deste cenário, a NLRB ver-se- ia no meio de uma intensa disputa política e,

pouco a pouco, foi criando desagrados em ambas as centrais, mas principalmente na AFL,

embora em seu primeiro ano dificilmente possa ser identificado um padrão rígido de como

lidar com a questão da unidade de negociação. Em regra, a determinação da unidade de

negociação deveria levar em conta os seguintes critérios: a história das relações de trabalho

na indústria e, particularmente, entre um determinado patrão e seus empregados; a

comunidade de interesses entre empregados no que se refere a qualificações, obrigações,

salários, jornadas e outras condições de trabalho; a organização do negócio do patrão, de

um ponto de vista funcional, físico e geográfico); a forma como os esforços de auto-

organização dos trabalhadores havia tomado. 376

A decisão da NLRB em The Globe Machinery and Stamping Company, de agosto

de 1937, ilustra o gradual distanciamento entre a AFL e a NLRB. No caso, três sindicatos

filiados à AFL queriam dividir os trabalhadores de manutenção e produção da empresa em

3 unidades distintas, conforme suas respectivas jurisdições. O UAW-CIO disputava tais

trabalhadores com estes sindicatos e propunha que todos fossem reunidos em uma mesma

unidade. A NLRB entrou em uma situação de impasse, afirmando que os fatores que levava

em conta em suas decisões estavam, no caso, tão equilibrados, que se via incapacitada de

tomar uma decisão a respeito. Resolvendo dar peso maior à vontade dos próprios

trabalhadores, organizou 3 eleições separadas para saber, nestas 3 jursidições dos sindicatos

da AFL (o MPIU, o IAM e um FLU reunindo os trabalhadores desqualificados), se os

trabalhadores queriam ser representados pelos sindicatos da AFL ou pelo UAW. Em todos

os casos o UAW saiu vitorioso, tornando-se assim o representante exclusivo de todos os

General Counsel. Excerpts from speeches and articles, 1935-1939. Stack area: 530. Entry: 35, 43,07,02.

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197

trabalhdores de produção e manutenção empregados pela companhia reunidos em uma

mesma unidade. Tal decisão foi apresentada, pela própria NLRB, como uma demonstração

de sua flexibilidade, de respeito à vontade dos trabalhadores envolvidos, mas foi percebido

pelo CIO como uma tentativa de apaziguar a AFL, ainda que o seu sindicato tenha saído

vitorioso. Para a AFL, no entanto, ela representou uma importante derrota, pois acabou por

representar o fim de suas linhas jurisdicionais tradicionais e o que julgava serem os seus

direitos adquiridos sobre os trabalhadores destas.377

O caso Globe deu origem a uma primeira doutrina, ainda que provisória, da NLRB

para tratar com as questões de determinação da unidade de negociação. Doutrina, pois criou

jurisprudência e diversos outros casos foram resolvidos à luz de sua orientação; provisória,

porque não foi aplicada em um grande conjunto de casos.

No caso Allis-Chalmers, três meses depois, mais uma vez a Decisão da NLRB

pareceu favorável à AFL, dado que a agência parecia comprometer-se com eleições

separadas por profissões sempre que requisitada a fazê- lo pelos trabalhadores. Mas a

decisão não foi unânime, tendo o membro da NLRB Edwin Smith dissentido de seus dois

colegas. A disputa em questão dava-se, mais uma vez, entre o UAW-CIO, que pedia a

certificação como agente exclusivo de negociação de 10 mil trabalhadores ligados à

produção, e sindicatos profissionais jurisdicionados pela AFL, como o IAM. A decisão da

376 ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. First annual report of the National Labor Relations Board..., p. 113. 377 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of The Globe Machine and Stamping Co. and Metal Polishers Union, Local No. 3;International Association of Machinists, District No. 54; Federal Labor Union 18788, and United Automobile Workers of America”. In Decisions and Orders of the National Labor Relations Board . Vol.3, July 1, 1937-November 1, 1937. Washington, DC: United States Printing Office, 1938, p. 294-305; MADDEN, J. Warren. Memorando a FDR, de 14 de fevereiro de 1938. FDR Library. OF, 15. Department of Labor, Box 2; ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Third annual report of the NLRB. For the fiscal year ended June 30, 1938. Washington: US Government Printing Office, 1939, p. 7; TOMLINS, Christopher. Op.Cit, p. 166;GROSS, James. The reshaping of the NLRB. National labor policy in transition, 1937-1947 . Albany: State University of New York Press, 1981, p. 45.

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198

NLRB de permitir eleições entre categorias profissionais, entendendo que o fator

determinante para a escolha da unidade deveria ser o desejo dos próprios trabalhadores,

levou à crítica e ao dissenso de Smith. Para ele, a NRLB havia abandonado sua função,

prevista em lei, de determinar a unidade de negociação de acordo com seus próprios

critérios, com a conseqüência de que um pequeno número de trabalhadores iria decidir o

que aconteceria em uma planta que empregava mais de 10 mil trabalhadores e que

constituía uma unidade industrial completa, com evidente desprezo pelo direito da maioria.

Para Smith, o objetivo da NLRA era o de estabelecer relações estáveis de trabalho, evitando

a balcanização das relações de trabalho em uma empresa, o que enfraqueceria o poder de

negociação dos sindicatos e, portanto, não levaria ao objetivo da NLRA. Sua posição a

respeito da questão era: sempre que houvesse um conflito entre um sindicato industrial e

um profissional, ela favorecia o industrial sem consultar os interesses dos trabalhadores

qualificados, a menos que, na disputa em questão, houvesse uma história prévia de

negociações coletivas por parte de um sindicato profissional.378 Para William Green, a

posição de Edwin Smith no caso revelava-se francamente hostil à AFL, embora a decisão

desagradasse também ao UAW-CIO, dado que no final houve realmente a temida

balcanização, resultando em uma fragmentação da representação. 379

378 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Allis -Chalmers Manufacturing Company and International Union, United Automobile Workers of Ameica, Local 248”. In Decisions and Orders of the National Labor Relations Board . Vol.3, July 1, 1937-November 1, 1937. Washington, DC: United States Printing Office, 1938, p. 159-178; SMITH, Edwin. Statement of Edwin Smith, Member, NLRB, before the Senate Committee on Education and Labor in connection with proposed amendments to the NLRA (R-1761) . National Archives and Records Administration. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant General Counsel. Excerpts from speeches and articles, 1935-1939. Stack area: 530. Entry: 35, 43,07,02; SMITH, Edwin. Memorando para Nathan Witt, 11 de outubro de 1937. National Archives and Records Administration. RG 25, Smith Committee Subject Files, Caixa 11; ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Report on the investigation of the National Labor Relations Board. Intermediate Report of the Special Committee of the House of the Representatives. Seventy-Sixth Congress. First Session. Appointed pursuant to H. Res. 258 to Investigate the National Labor Relations Board. Washington: US Government Printing Office, 1940, p. 66. 379 Cf. GREEN, William. “Testimony of William Green, President, American Federation of Labor,

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Embora, portanto, algumas decisões da NLRB parecessem favoráveis à AFL, em

outras a AFL acusava a NLRB de favorecer abertamente o CIO, como em Consolidated

Edison Company, de novembro de 1937, e em Shipowners’ Association of the Pacific

Coast, de junho de 1938.

O caso Consolidated Edison surgiu dos conflitos organizacionais entre a

International Brotherhood of Electrical Workers (IBEW-AFL) e o United Electrical

Workers (UEW-CIO), no início de 1937. Como várias outras empresas, a Consolidated

Edison havia respondido à aprovação da NIRA não através do respeito à organização

autônoma dos trabalhadores, mas com a criação de um company union para fazer frente ao

Brotherhood of Utility Employees (BUW), uma organização independente que então

buscava beneficiar-se da Seção 7(a) da Le i. Diante do fracasso da empreitada, o BUW, de

modo a potencializar seus recursos, fundiu-se a um sindicato da AFL, o IBEW, tornando-se

sua Seção B-752. Em março de 1937, a Seção B-752 deu início a uma nova campanha

organizatória entre os empregados da Consolidated Edison, momento em que decidiu

desligar-se do IBEW-AFL e transferir-se para o UEW-CIO. A empresa continou negando-

se a negociar com qualquer outra organização que não seu company union, o que levou o

UEW-CIO a entrar com uma petição na New York Regional Labor Board acusando a

empresa de unfair labor practice. No meio tempo, o IBEW-AFL começou a negociar com a

empresa, demandando reconhecimento e um contrato que cobrisse todos os funcionários da

empresa. Ameaçada por uma ação de unfair labor practice em razão de um company union,

a Consolidated Edison decidiu ser mais prudente negociar com um sindicato ligado à AFL

Washington, DC”. In ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Hearings before the Special Committee to Investigate National Labor Relations Board. House of Representatives. Seventy-Sixth Congress, Second Session, pursuant to H. Res. 258. Vol. 12, January 25-January 29, 1940., p. 2387; UNITED AUTO WORKERS. Official Publication . Detroit: First year, No.44, 27 de novembro de 1937, p. 4.

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200

do que com um ligado ao politicamente problemático CIO. Assim, entabulou negociações

com o IBEW-AFL, de modo a isolar o EUW-CIO. Em 23 de abril de 1937, seguindo a

orientação da empresa, seu company union resolveu filiar-se ao IBEW-AFL, seguindo-se

então a assinatura de contratos coletivos de trabalho entre a empresa e este sindicato,

cobrindo apenas os seus filiados. No fim de junho, 30 mil dos 38 mil trabalhdores da

empresa eram filiados ao IBEW-AFL, ao passo que virtualmente nenhum o era no

momento em que a companhia reconheceu o sindicato e com ele estabeleceu um contrato

de trabalho. A NLRB declarou tal contrato inválido, afirmando que ele havia sido celebrado

em um momento em que o IBEW-AFL não representava a maioria dos trabalhadores da

empresa. Em 14 de março de 1938, a Corte de Apelações do Segundo Circuito manteve a

decisão da NLRB e o caso foi parar na Suprema Corte, ocasião em que a AFL afirmou que

a NLRB estava impedindo o IBEW-AFL de fazer um contrato com um empregador, prática

comum de seus sindicatos desde sua fundação. O argumento central da AFL era o de que o

IBEW-AFL gozava de um direito, o de fazer contratos coletivos para seus membros, direito

este que deveria ser visto com independente de políticas públicas estabelecidas por uma lei,

e que não tinha nada a ver com o fato de este sindicato representar a maioria, a minoria ou

qualquer número de trabalhadores. No entanto, pela Seção 8 da NLRA, a NLRB tinha

autoridade para tanto, modificando padrões tradicionais de contratação coletiva do trabalho.

Em suma, com a NLRA, a representação dos trabalhadores tornou-se uma questão de

política pública, e não mais algo a ser acordado entre duas partes privadas. 380

380 As empresas preferiam negociar com sindicatos lilgados à AFL do que aos ligados ao CIO em várias regiões, fato esse observado pela NLRB. Cf. PATTERSON, G.L. Carta a Charles Fahy, General Counsel da NLRB, de 2 de março de 1938 . National Archives and Records Administration. RG 25. Records of the Legal Division. Records relating tothe Legal Division, 1935-1939.Stack Area 530. Entry 6`36`47,1-2.Box No. 1. General Counsel’s Reports on 8(5) cases. Assistant General Counsel Willis Reeds, 1935-1936; TOMLINS, Christopher. Op.Cit., p. 175.

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201

A doutrina da NLRB de que questões de representação não eram mais privadas, mas

que dependiam das deliberações da NLRB a respeito da regra da maioria e da unidade de

negociação, destacou-se em Shipowners’ Association of the Pacific Coast. Em fins de 1937,

o International Longshoremen’s and Warehousemen’s Union (ILWU), filiado ao CIO,

entrou com uma petição junto à NLRB para ser certificado como agente exclusivo, para

fins de contratação coletiva, de todos os estivadores e trabalhadores das docas da Costa do

Pacífico. Concorrendo com o ILWU-CIO, o International Longshoremen’s Association

(ILA), filiado à AFL, pedia a realização de eleições sindicais por porto, sendo o sindicato

vitorioso em cada eleição o agente exclusivo dos trabalhadores locais. Em 21 de junho de

1938, a NLRB determinou que toda a Costa do Pacífico deveria constituir uma única

unidade de negociação, e o ILWU-CIO, majoritário segundo este critério, deveria ser o

agente exclusivo de negociação em toda a unidade, incluindo os portos em que a

organização majoritária era o ILA-AFL. Este caso seria uma das peças-chave das

reclamações da AFL contra a NLRB.381

Até 30 de setembro de 1938, de 49 casos decididos pela Agência nos quais o

principal ponto de discussão entre a AFL e o CIO era a unidade de negociação,

particularmente entre unidades de ofício e industriais, as reivindicações da AFL foram

atendidas em 24, enquanto as do CIO foram atendidas em apenas 21. Nos 4 demais casos

as reivindicações de ambos foram parcialmente atendidas. Ainda assim, e certamente este

era um elemento que desagradava a AFL, nas eleições sindicais em que ocorreram

confrontos diretos entre sindicatos ligados à AFL e sindicatos ligados ao CIO entre outubro

381 ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Hearings before the Special Committee to Investigate National Labor Relations Board. House of Representatives. Seventy-Sixth Congress, Second Session, pursuant to H. Res. 258. Vol. 12, January 25-January 29, 1940. “Testimony of William Green, President, American Federation of Labor, Washington, DC”, p. 2398.

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202

de 1935 e dezembro de 1937, o CIO ganhou em 76,9%, ao passo que as AFL em apenas

23,1%.382 Tal tendência se manteria no ano de 1938, quando os sindicatos filiados ao CIO

venceram 67,8% das 816 eleições organizadas pela NLRB de que participaram, ao passo

que a AFL venceu em apenas 43,5% das 604 de que participou. O CIO neste ano, portanto,

disputou mais eleições, 86,4% do total, do que a AFL, que disputou 63,9% do total.383

A partir de sua Convenção de 1937, a AFL iniciou um vigoroso ataque à NLRB,

acusando-a de agir sistematicamente em favor do CIO através de uma má interpretação da

cláusula de determinação da unidade de negociação, que negaria aos trabalhadores o direito

de selecionar os representantes de sua própria escolha. A central pedia emendas à Lei,

tornando obrigatório à NLRB garantir, a cada profissão, o direito de selecionar seus

representantes por voto majoritário, e o fim do poder da agência de extinguir contratos já

firmados, como no caso Consolidated Edison. Dito de outra forma, a AFL queria uma

NLRB que respeitasse os direitos percebidos como adquiridos por seus sindicatos, que não

buscasse alterar as práticas tradicionais destes e que tivesse como objetivo apenas o

combate aos company unions, mantida a antiga ordem privada de contratação coletiva do

trabalho. Conseqüentemente, acusava a NLRB de abandonar os princípios do pluralismo e

do contratualismo nas relações de trabalho, para tornar-se instrumento do New Deal na

arbitragem das disputas no seio do movimento sindical e, sobretudo, para redesenhar este

mesmo movimento em favor do CIO. Neste sentido, mais do que simplesmente equalizar o

poder de negociação entre patrões e empregados, como queria a teoria contratualista das

relações de trabalho e seus defensores da AFL, a NLRB estaria exercendo o poder, ainda

382 Cf. MARKS, Emily e BARTLETT (National Labor Relations Board). “Employee elections conductec by National Labor Relations Board”. In Monthly Labor Review. Washington:US Government Printing Office, Vol. 47, No. 1, Julho de 1938, p. 36. 383 Cf. ESTADOS UN IDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Third annual report of the NLRB..., p. 50.

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203

que indiretamente, de determinar quem seria o representante de determinado conjunto de

trabalhadores através da manipulação da escolha da unidade de negociação. O CIO e o

UAW-CIO, ainda que também protestassem contra certas determinações de unidade de

negociação da NLRB, colocava m-se contra quaisquer emendas à NLRA, afirmando que a

Lei constituía uma extensão da Bill of Rights e que qualquer tentativa de emendá- la iria

contra decência humana e os fundamentos da democracia.384

E no entanto, em que pese a questão da unidade de negociação ser central nas

disputas entre a AFL e a NLRB, sugerindo que a AFL centrava sua atenção exclusivamente

em sindicatos profissionais, entre 1935 e 1939 ela havia pedido à NLRB duas vezes mais

certificações de sindicatos industriais do que profissionais, indicando as profundas tensões

por ela vividas. 385 De fato, a AFL via-se na contingência de preservar as jurisdições de seus

sindicatos profissionais, seu esteio político e financeiro, e daí suas reclamações a respeito

das determinações de unidades de negociação da NLRB, ao mesmo tempo em que

necessitava permitir a organização de sindicatos industriais, dadas as novas características

da indústria americana e a concorrência crescente do CIO. Em 1940, a AFL já possuiria

pelo menos 10 sindicatos industriais, com mais de 800 mil filiados, e 27 semi- industriais,

com mais de 600 mil filiados, em um universo total de cerca de 5 milhões de membros.

Mesmo alguns sindicatos profissionais, como o IAM, haviam aumentado ou buscavam

384 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 27, No. 51, 18 de dezembro de 1937; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Convention of American Federation of Labor”. In Monthly Labor Review.Washington: US Government Printing Office, Vol. 47, No. 5, Novembro de 1938, p. 1035; AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 27, No. 51, 18 de dezembro de 1937, p. 5; AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 27, No. 41, 9 de outubro de 1937, p. 1; CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the Second Constitutional Congress of the CIO... p. 31; UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol 2. n. 4, 22 de janeiro de 1938, p. 4. 385 Cf. ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Hearings before the Special Committee to Investigate National Labor Relations Board. House of Representatives. Seventy-Sixth Congress, Second Session, pursuant to H. Res. 258. Vol. 3, Dec. 15 to Dec. 16, 1939. “Testimony of Edwin Smith, Member,

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204

aumentar suas jurisdições, englobando outras qualificações profissionais, em processos que

envolveram profundas disputas jurisdicionais no seio da central. 386 Com a NLRA, no

entanto, ela havia perdido tanto a capacidade de preservar suas jurisdições tradicionais

quanto de manobrar autonomamente para garantir espaço nas novas indústrias de produção

de massa, como a automotiva.

National Labor Relations Board, Washington, DC”, p. 667. 386 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD, DIVISION OF ECONOMIC RESEARCH. Outline of materials gathered for the bargajning study . Washington, DC: 19 de janeiro de 1940. NARA. Records 25.Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant General Counsel. Rocords of the Attorney’s Assistant General Counsel.Entry 38,43,07,02. Caixa 3; ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. The changing concept of the Bargaining Unit and the Labor Conflict (An outline). Washington DC, Jan. 11, 1940. Walther Reuther Library. Coleção: UAW Research Department. Accesion No. 350. UAW-GM Collection. General Correspondence, 1938-1945, Box 2.

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205

4.3. A NLRB e a indústria automotiva

No momento em que o UAW filiou-se ao Committee for Industrial Organizations,

embrião do CIO, dos quase 500 mil trabalhadores da indústria, apenas 30 mil dele faziam

parte. Cerca de 70% de seus filiados encontravam-se fora de Michigan, o coração da

indústria automotiva, e Detroit continuava sendo a capital do open shop.387 As montadoras,

para além da intimidação física, coerção, formação de company unions e outras práticas que

o NLRA iria considerar unfair labor practices, recorriam também a empresas de

espionagem para impedir a organização autônoma dos trabalhadores. A General Motors era

a principal cliente da Agência de Detetives Pinkerton, empregando 1.288 espiões entre

1933 e 1937. Entre janeiro de 1934 e julho de 1936, a GM gastou US$ 994 mil com espiões

e, em 1934, US$ 1.455 com gás lacrimejante. A Chrysler Corporation, por seu lado, era a

mais importante cliente da Corporations Auxiliary Company (CAC), tendo gasto US$

72.611,00 com seus serviços no ano de 1935. Mesmo as empresas menores, e várias de

autopeças, contratavam agentes da Pinkerton. Assim, a Fruehauf Trailer Company

contratou um espião da agência que tornou-se tesoureiro do UAW, fornecendo listagens de

membros ou simpatizantes do sindicato para a gerência da empresa.388

A reeleição de Roosevelt, em 1936, trouxe no entanto novo alento para os

trabalhadores automotivos. O presidente havia dito em sua campanha, na busca do apoio

dos trabalhadores, que se ele próprio fosse um trabalhador industrial entraria em um

sindicato e sua vitória acachapante sobre o republicano Alfred Landon foi por muitos

387 Cf. LICHTENSTEIN , Nelson. Op. Cit., 1995, p. 56 388 Cf. ESTADOS UNIDOS. SENADO DOS ESTADOS UNIDOS. Senate Civil Liberties Committee (89562, 38, pt. 17, Exhibit 3799) . NARA, RG 25. Records Relating to the Smith Committee Investigation. Records of the General Counsel. Records Relating to Testimony on Amending the Wagner Act, 1934-1939. Stack Area 530. Entry:27, 43, 06, 07; WALSH, Raymond. Op. Cit., p. 108; SILVERBERG, Louis (Diretor de Informações da NLRB). “Detroit: the battleground”. In SILVERBERG, Louis. The Wagner Act: after ten years. Washington: The Bureau of National Affairs, Inc., 1945, p. 80. Várias empresas de outros setores

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206

percebida como uma senha para a organização sindical.389 Em fins de 1936 e princípios de

1937, o UAW fez sua entrada espetacular no cenário político americano ao realizar uma

greve de ocupação (sit-down strike) na General Motors, exigindo da empresa tornar-se o

agente exclusivo de seus trabalhadores para fins de contratação coletiva do trabalho.

Confinada a 18 plantas, a greve acabou por praticamente neutralizar outras 50 em 25

cidades, atingindo um conjunto de 126 mil trabalhadores.390

A greve do UAW não tinha como alvo, portanto, apenas a GM, mas também

sindicatos da AFL que reclamavam jurisdição sobre determinados grupos de trabalhadores

qualificados.391 Em decorrência, logo após o início da greve, 8 organizações de

trabalhadores ligadas à AFL, entre as quais o IAM e a IBEW, telegrafaram à GM

protestando contra qualquer acordo desta com o UAW, se este insistisse em negociar em

nome dos profissionais das categorias por elas jurisdicionadas pela AFL. No Dia do

Trabalho de 1937, em setembro, a AFL faria uma violenta acusação ao CIO, ao UAW e às

greves de dezembro de 1936/janeiro de 1937, acusando o CIO de infiltração comunista e de

ter introduzido o ódio, a inimizade e a amargura no seio do movimento operário, ao passo

que ela, AFL, portadora dos valores do americanismo, seria marcada pela irmandade, pela

fraternidade e reciprocidade. A AFL receava, sobretudo, que as sit-down strikes levassem a

uma reação conservadora e à aprovação de um legislação anti-greves.392

industriais também utilizavam espiões. 389 Cf. UNITED AUTO WORKERS. fficial Publication . Detroit: Ano 1, No. 5, Novembro de 1936, p. 1, 2. 390 Cf. PETERSON, FLORENCE (Bureau of Labor Statistics). Op. Cit., p. 1062. A apresentação a seguir está baseada em relatos governamentais da época. Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR BUREAU OF LABOR STATISTICS. Washington: US Government Printing Office, Vol. 44, No. 3, Março de 1937, p. 668 e seguintes. 391 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 27, n. 8, 20 de fevereiro de 1937, p. 1. 392 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 38, 17 de setembro de 1940, p.1. Quatro anos depois, no auge de seu confronto contra o CIO, a AFL abriria espaço em seu semanário para uma empresa, a Atlanta Stove Works, narrar suas relações harmoniosas com um sindicato a ela filiado depois de 50 anos de contratos renovados. A AFL, portanto, sugeria que ela poderia trazer

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207

Se uma legislação anti-greves não foi aprovada em razão das sit-down strikes, as

greves de ocupação, uma das principais formas de ação sindical surgidas em 1937, foram

consideradas inconstitucionais pela Suprema Corte dos Estados Unidos e os trabalhadores

eventualmente nela envolvidos perdiam a proteção que anteriormente gozavam sob a

NLRA.393

No dia 12 de janeiro de 1937, diante da recusa da GM em negociar com o UAW,

ocorreram as primeiras violências entre os grevistas e a empresa, conhecidas como a

Batalha de Bulls Run, mas a ação do governador democrata de Michigan, Frank Murphy,

negando-se a enviar tropa estaduais para reprimir os trabalhadores, evitou que o

enfrentamento se desdobrasse em um conflito aberto. Em 11 de fevereiro, finalmente, a GM

reconheceu o UAW como agente de negociação apenas de seus filiados, deixando portanto

em aberto a questão dos trabalhadores não-sindicalizados e dos jurisdicionados em

sindicatos da AFL. Outras reivindicações do UAW foram parcialmente atendidas, como a

semana de 30 horas, dia de 6 horas e acréscimo por hora extra de uma vez e meia a hora

normal. Embora não houvesse conquistado sua principal reivindicação, a representação

exclusiva de todos os trabalhadores da GM, o UAW havia conseguido uma importante

vitória parcial.394

Com um contrato conquistado junto à GM, o UAW voltou-se para a organização

dos trabalhadores da Chrysler Corporation. Em 8 de março, os trabalhadores ocuparam as

estabilidade para as relações de trabalho, ao passo que o CIO representava greves e agitação. Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News SeivIce. Washington: Vol. 27, n. 37, 11 de setembro de 1937, p. 1. 393 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “NLRB v. Fansteel Metallurgical Corp.”. In Court decisions relating to the NLRA , Volume 4. June 1, 1943 to January 1, 1946. Washington: US Government Printing Office, Junho de 1946, p. 1348; Cf. FINE, Sidney. Sit-down. The General Motors stike of 1936-1937 . Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1989. 394 Cf. WALSH, Raymond. Op. Cit., p. 117, 120; UNITED AUTO WORKERS . Official publication. Detroit: Ano I, No. 11, 20 de março de 1937, p. 2.

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208

plantas da empresa, de onde só saíram no início de abril. Mais uma vez, o sindicato obteve

uma vitória parcial, tendo tornado-se o agente de negociação de seus próprios filiados, e

apenas destes. Ainda assim, a campanha da Chrysler revigorou o UAW e o CIO e, poucos

dias depois, um novo contrato similar foi assinado entre o UAW e outra montadora, a

independente Hudson Motor Car Co, após uma greve de 5 semanas.395

Ao longo destas jornadas, a NLRB não teve atuação importante. Até aquele

momento os trabalhadores automotivos, insatisfeitos com a atuação da extinta ALB,

mostravam-se bastente céticos quanto à NLRA, principalmente por acharem que ela, assim

como a NIRA, acabaria por ser declarada inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados

Unidos. No primeiro ano de sua chegada a Detroit, cidade conhecida pela brutalidade de

suas relações de trabalho, apenas 17 casos de unfair labor practices deram entrada na

agência.396 Nas greves da GM e da Chrysler, a NLRB não foi sequer invocada pelo UAW

para questionar as unfair labor practices das montadoras.397

Foi no calor de suas vitórias parciais contra a GM e a Chrysler, acompanhadas pela

entrada de grande número de novos filiados, que o UAW voltaria suas energias para a

organização da Ford Motor Company, resultando na épica surra de Reuther e Frankensteen.

No entanto, neste momento, já com a constitucionalidade da NLRA garantida pela Suprema

Corte dos Estados Unidos, o UAW entrou com uma ação na NLRB de unfair labor practice

contra a empresa, colocando, em suas próprias palavras, a empresa contra a parede.398

395 Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official publication. Detroit: Ano I, No. 11, 20 de março de 1937, p.1; FLORENCE PETERSON (Bureau of Labor Statistics). Op. Cit., p. 1064. 396 Cf. SILVERBERG, Louis (Diretor de Informações da NLRB). “Detroit: the battleground”. In SILVERBERG, Louis. Op. Cit., p. 80. 397 Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit:Ano 1, No. 10, 13 de março de 1937, p. 1. 398 Cf. UNITED AUTO WORKERS . Official Publication. Detroit: Ano 1, No. 9, 25 de fevereiro de 1937, p. 3; UNITED AUTO WORKERS. Official publication. Detroit: Ano 1, No. 24, 10 de julho de 1937, p. 7.

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O avanço organizacional do UAW-CIO, evidentemente, era visto com grande

preocupação pela AFL, dado que os trabalhadores de seus sindicatos profissionais estavam

expostos à propaganda de um sindicato que não respeitava qualquer linha jurisidicional.399

Na convenção de 1937 do UAW, no entanto, a AFL vislumbrou uma oportunidade de

desacelerar o ímpeto organizativo do sindicato, pois este dividiu-se em duas facções. De

um lado, colocou-se a facção de Homer Martin, que realizava então uma violenta campanha

contra os elementos comunistas do UAW e, de outro, Walther Reuther, jovem e agressivo

líder dos trabalhadores da GM. Tais disputas internas pela direção do sindicato

fragilizaram sobremaneira seus esforços organizativos, permitindo que as montadoras

adiassem negociações até que houvesse uma definição da disputa.400 No entanto, um

elemento a mais iria fragilizar o UAW a partir de meados de 1937: a chamada “recessão

Roosevelt” de 1937-1938. A produção de automóveis de 1938 caiu à metade da de 1937, a

GM demitiu 25% dos seus trabalhadores e o sindicato perdeu quase a metade de seus

membros pagantes. Em dezembro de 1937, já estimava-se em 200 mil o número de

demissões no estado de Michigan e, em tal cenário, o UAW reduziu drasticamente suas

manifestações de enfrentamento com as montadoras, concentrando suas atenções no alívio

imediato dos filiados desempregados.401

399 Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. CIO News. Washington: Vol. 2, No. 13, 27 de março de 1939, p. 4. 400 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Regional Offices: Comments on current labor situation. Confidential. Seventh Region, Detroit, for Februrary 1939. In National Archvies and Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the General Counsel Reading file of the General Counsel, 1939-1941. Records relating to the preparation of the Board's case, 1936-1941.Stack area 530 . Localizacao: Entry 23, 43,06,04 . 401 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Regional Offices: Comments on current labor situation. Confidential. Seventh Region, Detroit: Dezembro de 1937. National Archives and Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the General Counsel. Reading file of the General Counsel, 1939-1941. Records relating to the preparation of the Board's case, 1936-1941.Stack area 530. Localizacao: Entry 23, 43,06,04 .

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210

As disputas internas do UAW teriam um desfecho surpreendente. Ao mesmo tempo

em que enfrentava seus adversários no âmbito do sindicato, acusando-os de comunistas e

agitadores, Homer Martin negociava com Harry Bennett, do Departamento de Serviços da

Ford, um acordo segundo o qual 100 mil trabalhadores da empresa seriam sindicalizados

por um company union, a Liberty Legion, sob o controle dele, Martin. Quando tais

manobras finalmente vieram a público, em janeiro de 1939, Martin renunciou ao seu cargo

de presidente do UAW e foi expulso do CIO. No entanto, ele não desfiliou-se ao sindicato e

organizou uma convenção em Detroit, ao passo que Reuther, R.J. Thomas e sindicalistas

ligados ao CIO organizaram outra convenção, em Cleveland, em março e abril de 1939.402

Na convenção de maio, R.J. Thomas foi eleito presidente do UAW-CIO e, na de

abril, Homer Martin fundou um novo UAW, desta vez ligado à AFL. 403 O problema, no

entanto, é que o UAW-CIO afirmava ter expulsado Martin, ao passo que este afirmava ter

expulsado a facção por ele acusada de comunista. Tal situação abriu a oportunidade para as

montadoras recusarem-se a negociar tanto com o UAW-CIO quanto com o UAW-AFL, a

menos que ficasse esclarecido, através da NLRB, quem era o efetivo representante dos

trabalhadores e o fiador dos contratos estabelecidos em 1937, e que vinham sendo

precariamente renovados.404

402 Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1995, p. 129; UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 3, Sábado, 11 de fevereiro de 1939, p. 1. 403 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Report of the Executive Council of the AFL to the the Fifty-ninth Annual Convention. Cincinnati, Ohio: 2 de outubro de 1939, p. 18. National Archives and Records Administration. RG 25. Records Relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant General Counsel. Records of the Attorneys Assisting General Counsel. Entry 38, 43, 07, 02. Box 4. Para uma análise detalhada da dissidência do UAW, Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1995, capítulo 6. 404 ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Chrysler Corporation and United Automobile Workers of America, Local 371, Affiliated with CIO; In the Matter of Chrysler Corporation and International Association of Machinists Die Sinkers Local 1222, Affiliated with the AFL; In the Matter of Chrysler Corporation, a Corporation and International Union, United Automobile Workers of America, Affiliated with CIO; In the Matter of Chrysler Corporation, a Corporation and Local 51, International Union, United Automobile Workers of America (CIO affiliated), of which Local Leo LaMotte is President; Cases Nos. R-1307, R-1308, R-1398, and R-1397, respectively. - Decided July 31, 1939”. In

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211

O UAW-AFL e o UAW-CIO, assim como outras organizações de trabalhadores

automotivos independentes, como o MESA, ou filiados à AFL, como o IAM, iriam,

portanto, enfrentar-se em diversas eleições organizadas pela NLRB, que se tornaria assim o

grande palco de disputa entre a AFL e o CIO no âmbito da indústria automotiva.

Em março de 1939, o UAW-CIO entraria com um pedido na NLRB para realizar

eleições na Chrysler Corporation, as maiores até então pedidas por um sindicato. Tanto o

UAW-CIO quanto o UAW-AFL afirmavam ser os representantes dos trabalhadores da

empresa e responsáveis pelo contrato de abril de 1937, que buscavam renovar. No entanto,

a partir de janeiro de 1939, com a cisão do sindicato, a Chrysler passou a negar-se a

negociar, tanto com um quanto com outro, até que a questão a respeito de quem,

efetivamente, representava os seus trabalhadores, ficasse esclarecida. Por outro lado, o

IAM-AFL também reivindicava representação sobre um conjunto de trabalhadores

qualificados e, portanto, questionava as pretensões expansionistas do UAW-CIO.405

As eleições da Chrysler representariam um momento de grande conflito entre o

UAW-CIO e o UAW-AFL em torno da questão da unidade de negociação e representação.

A AFL defendia tanto a manutenção da jurisdição do IAM-AFL quanto, no caso do

sindicalismo industrial do UAW-AFL, de que cada planta da empresa deveria ser uma

unidade separada, no que tinha a concordância da Chrysler. O UAW-CIO, por seu lado,

calculava ter a maioria dos votos do conjunto dos trabalhadores da Chrysler, embora

pudesse perder em algumas plantas isoladas, e assim defendia que todas fossem reunidas

em uma única unidade. A NLRB decidiu-se pela visão do UAW-AFL porque, por um lado,

Decisions and orders of the Natinal Labor Relations Board. Volume 13. June 1, 1939 - July 31, 1939. Washington: United States Government Printing Office, 1939, p. 1309. 405 ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Chrysler Corporation and United Automobile Workers of America... Decided July 31, 1939”, p. 1309-1310.

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212

historicamente cada planta da empresa já havia se constituído como uma unidade separada

e, por outro, tudo indicava que o UAW-CIO teria maioria em algumas plantas e o UAW-

AFL em outras, tornando mais justa uma eleição em que cada um dos sindicatos fosse o

representante dos trabalhadores nas plantas em que fosse efetivamente o majoritário. Por

outro lado, a NLRB também determinou que o IAM teria jurisdição sobre os trabalhadores

sobre os quais a reivindicava, desde que estes demonstrassem o desejo de ser por ele

representados. Enquanto a AFL saudaria tal decisão, ela seria pro fundamente criticada pelo

UAW-CIO e pelo CIO406:

Por que a NLRB trabalha para frustrar a verdadeira negociação coletiva nesta grande indústria? Os trabalhadores a querem, o demonstraram através de seus votos, não querem acordos mixtos, não querem doze ou quinze ou vinte acordos separados sob os auspícios de um sindicato com a mesma corporação. Querem contratos coletivos nacionais. Tais atos, perpetrados por aqueles que administram o NLRA, não indicam a insensatez de sua decisão, a temeridade de sua posição? Se a NLRA foi aprovado para promover a paz industrial, para promover os verdadeiros princípios da negociação coletiva, e para permitir que os trabalhadores gozem de seu direito de fazer parte do sindicato de sua escolha, por que a NLRB interfere com o direito de uma negociação coletiva verdadeira, depois de os trabalhadores terem demonstrado seu desejo de fazer parte de uma negociação coletiva que abarque toda uma corporação? (…) A AFL não está na indústria automotiva para promover a sindicalização; está na indústria automotiva para promover a desorganização, a dissensão, o descontentamento, para causar greves, criar confusão e fazer jorrar sangue nas ruas de todas as comunidades nas quais as plantas automotivas estão localizadas. Será então a posição da NLRB a de apoiar tais petições de preconceito, de ódio, promovidas por elementos cujo único interesse é o de quebrar a organização sindical?407

406 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Chrysler Corporation and United Automobile Workers of America... Decided July 31, 1939”, p. 1310 e seguintes; AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service . Washington: Vol. 29, No. 31, 5 de agosto de 1940; Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication . Detroit: Vol. 2, No. 12, 19 de março de 1938, p. 1. 407 CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Proceedings of the Second Constitutional Convention..., p. 227.

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213

Ainda assim, o UAW-CIO decidiu envidar todos os esforços para vencer as eleições

nas plantas separadas, tornando claro, para a direção da Chrysler, que, sem greves ou outras

formas de enfrentamento, mas pela via eleitoral sancionada pelo Estado, que o sindicato

havia chegado para ficar. O UAW-AFL, por seu lado, mesmo tendo saído vitorioso em sua

proposta de dividir a eleição por plantas, voltaria suas críticas à NLRB, pois a acusava de,

deliberadamente ou por omissão, permitir que o CIO implementasse um reino de terror em

Detroit, tornando impossível eleições limpas e honestas. Para o UAW-CIO, as acusações do

UAW-AFL representavam a manifestação de desespero de um sindicato que antevia, de

forma sancionada pelo Estado, sua virtual eliminação da indú automotiva.408

E as eleições na Chrysler, de fato, virtualmente eliminaram a AFL da empresa. Com

exceção do IAM-AFL, que venceu uma eleição para sua unidade de 83 pessoas (tendo

recebido 71 votos contra 12 do UAW-CIO) em uma das plantas em disputa, o UAW-CIO

derrotou o UAW-AFL em 11 das 13 plantas em que houve eleições, ao passo que o UAW-

AFL venceu em uma e em outra planta nenhum dos dois foi escolhido pela maioria dos

votos dos trabalhadores. Em algumas plantas, como Dodge Main Plant, a vitória do UAW-

CIO sobre o UAW-AFL foi acachapante: 17.654 votos contra 837. No total, o UAW-CIO

recebeu 40.072 votos, contra 4.392 receb idos pelo IAM-AFL e UAW-AFL juntos.409

Após ter virtualmente eliminado o UAW-AFL da Chrysler, o UAW-CIO buscaria

tornar-se o representante exclusivo dos trabalhadores da General Motors em pelo menos 60

408 Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 3, No. 29, 16 de agosto de 1939, p. 2-4; Cf. UNITED AUTO WORKERS-AFL. Press-release. 13 de setembro de 1939. National Archives and Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the General Counsel. Reading file of the General Counsel, 1939-1941. Records relating to the preparation of the Board's case, 1936-1941. Stack area 530. Localizacao: Entry 23, 43,06,04. Box 8; UNITED AUTO WORKERS. Official Publication . Detroit: vol. 3, no. 33, 20 de setembro de 1939, p. 1 e 4. 409 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 50, No. 5, May 1940, p. 1087; ESTADOS

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de suas plantas. Isso não era tarefa fácil, visto que, em maio de 1939, o entusiasmo das sit-

down strikes de 1937 já havia arrefecido, a recessão de 1937-38 havia emagrecido o

número de filiados do sindicato e, por conseqüência, apenas 6% de todos os trabalhadores

da GM pagavam suas taxas ao UAW-CIO. Por outro lado, na GM, o UAW-AFL revelava-

se particularmente forte. Diante de tal cenário, e com receio de que a facção de Homer

Martin pudesse ameaçar suas pretensões de hegemonia na empresa, o UAW-CIO resolveu,

antes de pedir à NLRB a realização de eleições sindicais, potencializar seus recursos

políticos através de uma greve de trabalhadores qualificados sob seu controle. A estratégia

era atingir o coração do programa da GM para o modelo de 1940 através da paralisação de

trabalhadores responsáveis pelos ajustes nos equipamentos para a fabricação deste. Embora

os ganhos da greve tenham sido modestos, o UAW-CIO apresentou-os como o primeiro

contrato assinado entre um sindicato e uma montadora cobrindo toda a empresa desde

1937, e sentiu-se com recursos suficientes para enfrentar uma eleição na NLRB contra o

UAW-AFL. 410

No entanto, ao contrário do ocorrido quando da eleição na Chrysler, no caso da GM

o UAW-CIO aceitou, como queria o UAW-AFL, que cada planta representasse uma

unidade separada, decisão saudada como uma evidência da possível colaboração entre os

dois sindicatos rivais em nome do interesse público.411 O objetivo do UAW-CIO, no

UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Chrysler Corporation and United Automobile Workers of America... Decided July 31, 1939”, p. 737-748. 410 Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 3, No. 35, 4 de outubro de 1939, p. 1; UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 3, n. 25, July 12, 1939, p. 1. Para uma discussão a respeito da greve, Cf. BARNARD, John. “Rebirth of the UAW: the General Motors Tool and Diemakers' strike of 1939”. In Labor History, Vol. 27, No. 2 (Primavera de 1986), p. 165-187; LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1995, p. 132 e seguintes. 411 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of General Motors Corporation and International Union, UAWA, affiliated with the AFL; In the Matter of General Motors Corporation and Pattern Makers League of North America, affiliated with the AFL; In the Matter of General Motors Corporation and International Union, United Automobile Workers of America, affiliated with the CIO; In the Matter of General Motors Corporation and Local 1411, International Association of Machinists

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215

entanto, não era o de salvaguardar o interesse público, mas minimizar os riscos de reunir

todas as plantas da corporação em uma só unidade sem a certeza da vitória. O UAW-AFL,

por seu lado, via-se na obrigação de respeitar as jurisdições de outros sindicatos da AFL

atuantes na empresa, como o IAM e o Pattern Makers League of North America (PMLNA),

o que facultava ao UAW-CIO apresentar-se como o real defensor do sindicalismo

industrial. Enquanto as disputas entre o UAW-CIO e o UAW-AFL persistiam, a GM, como

já havia feito a Chrysler, recusava-se a negociar com um ou com outro até que a questão

estivesse resolvida.412

As eleições da NLRB na GM mobilizaram todos os recursos de ambos os UAWs e

amplos recursos do CIO e da AFL. Como resultado, entre 17 de abril e 15 de maio, apenas

nas plantas da GM em Michigan, o UAW-CIO conseguiu atrair 10 mil novos membros,

enquanto a AFL que o CIO queria construir sobre os trabalhadores da GM s uma ditadura

mascarada, sancionada pela NLRB. 413 O resultado das eleições, como já havia ocorrido na

Chrysler, representou uma grande vitória do UAW-CIO, que obteve 84.024 votos contra

25.911 da AFL, sendo saudada pelo CIO : “Os trabalhadores automotivos da América são,

definitiva e conclusivamente, CIO”. 414 A AFL, no entanto, não aceitaria facilmente a

(AFL); Cases Nos. R- to R-1731, inclusive” - Decided February 28, 1940. In Decisions and Orders of the National Labor Relatoins Board , Vol. 20, February 1-29, 1940. Washington: US Government Printing Office, 1940, p. 953-955; ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Press Release, NLRB (R-2702), de March 4, 1940. National Archives and Records Administration. RG 25. Records Relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant General Counsel. Records ofthe Attorneys Assisting General Counsel. Entry 38, 43, 07, 02. Box 11. 412 Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 4, No. 1, 10 de janeiro de 1940, p. 1. 413 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 15, 9 de abril de 1940, p. 1; Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication . Detroit: Vol. 4, No. 9, 6 de março de 1940, p. 1; Cf. REUTHER, Walter. Carta de 19 de janeiro de 1940 aos membros do sindicato e a todos os trabalhadores das plantas do GM filiados ao UAW-CIO. Walther Reuther Library. Coleção: UAW Research Department. Accesion No. 350. UAW-GM Collection. General Correspondence, 1938-1945. Box. 1; REUTHER, Walter. Carta de 15 de maio de 1940 aos membros do sindicato e a todos os trabalhadores das plantas da GM filiados ao UAW-CIO. . Walther Reuther Library. Coleção: UAW Research Department. Accesion No. 350. UAW-GM Collection. General Correspondence, 1938-1945. Box. 1; AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 13, 26 de março de 1940, p. 1. 414 Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. CIO News. Washington: Vol. 3, No. 17, 22 de

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derrota, ao afirmar em seu editorial: “Você não vai descobrir pela leitura dos jornais, mas o

fato é que o CIO sofreu uma derrota acachapante nas eleições da GM”. 415 A AFL

apresentava as vitórias do UAW-AFL e do IAM como uma demonstração dos trabalhadores

de seu apoio a ela. Ademais, afirmava que a GM insistiria, como aliás estava no seu direito,

em negociar em cada companhia separadamente, justamente o contrário do que desejava o

CIO. Mas suas previsões não se confirmariam. Por um lado, em eleições subseqüentes da

NLRB realizadas em plantas que não estavam envolvidas na primeira grande eleição, o

UAW-CIO foi conquistando vitória sobre vitória, totalizando o controle sobre a

representação exclusiva da GM em 75 plantas já em abril de 1941.416

A vitória do UAW-CIO na primeira grande eleição da GM, embora não houvesse

eliminado totalmente a AFL da corporação, havia sido incontestável.417 O IAM-AFL foi

certificado como representante de trabalhadores qualificados em 6 plantas, ao passo que o

UAW-AFL tornou-se o representante exclusivo dos trabalhadores de produção e

manutenção em 5 plantas. Já o UAW-CIO tornou-se o representante exclusivo de todos os

trabalhadores de produção e manutenção em 52 plantas, dentre as quais as mais importantes

da corporação, como a Buick Motor Division em Flint, a Chevrolet Motor Division em

Toledo, a Chevrolet Motor Division em Detroit e Flint, e a Fisher Body Division de Flint

(plantas 1 e 2). 418 O UAW-CIO comemorou entusiasticamente a vitória:

abril de 1940, p. 4. 415 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 17, 23 de abril de 1940, p. 1. 416 Cf. Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 17, 23 de abril de 1940, p. 3; UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 5, no. 7, 1 de abril de 1941, p. 2. 417 Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 4, No. 15, 24 de abril de 1940, p. 1. 418 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of General Motors Corporation and International Union, UAWA... Decided February 28, 1940”, p. 159-178.

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Quando nós, trabalhadores da indústria automotiva, olhamos para os últimos 3 anos, podemos sorrir deste tempos engraçados. Lembram-se quando, em 1937, Alfred Sloan, então presidente da General Motors, solenemente proclamou que a corporação NÃO neociaria com o UAW? HOJE os executivos da corporação encontram-se com o UAW-CIO como o ÚNICO agente de negociação de 140 mil de seus empregados. 419 De fato, a vitória não era pequena, quando se pensa, como visto, que, em maio de

1939, apenas 6% dos trabalhadores da GM eram filiados e pagavam taxas ao UAW-CIO.

Tal eleição, aliás, viria a evidenciar as mudanças introduzidas pela NLRA no mundo

sindical americano. O método de realização de eleições sindicais para a designação do

representante exclusivo dos trabalhadores para fins de contratação coletiva inferia que os

trabalhadores da unidade em questão eram eleitores, e não necessariamente filiados ao

sindicato.420

Tendo tornado-se o representante exclusivo da grande maioria dos trabalhadores da

Chrysler e da GM, o UAW-CIO voltou-se para a organização dos trabalhadores da Ford

Motor Company. 421 De modo a fazer face às pretensões do UAW-CIO e evitar os erros

cometidos pelo UAW-AFL, a AFL organizou dos FLUs nas plantas de River Rouge e

Lincoln. Segundo a própria AFL, 80 mil trabalhadores em ambas as plantas teriam sido por

ela organizados, não com o objetivo de destruir a Ford, como queria o UAW-CIO, mas com

o de com ela colaborar através do estabelecimento de contratos coletivos de trabalho que

levassem a uma relação harmoniosa e construtiva. Portanto, a AFL acreditava ser possível

419 Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detoit: Vol. 4, No. 16, 1 de maio de 1940, p. 4. 420 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of General Motors Corporation... Decided February 28, 1940”, p. 159-178. 421 Cf. UNITED AUTO WORKERS.Official Publication. Detoit: Vol. 5, No. 1, 1 de janeiro de 1941, p. 1. As informações a seguir, a menos que expresso em contrário, encontram-se em ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company, a Delaware Corporation and International Union, UAW of A, affiliated with the CIO. Cases Nos. R-2425 and 2426. Decided April 7, 1941”. In Decisions and orders of the Natinal Labor Relations Board. Volume 30. March 1, 1941 to April 15, 1941.. Washington: United States Government Printing Office, 1942, p. 985 e seguintes.

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conquistar 90% dos votos dos trabalhadores de ambas as plantas.422 Além do UAW-CIO e

destes dois FLUs-AFL, também a FBA e o Pattern Makers League of Detroit (PMLD), que

buscava representar um segmento de trabalhadores especializados, disputavam a

representação dos trabalhadores da Ford.

Como no caso das eleições da GM, o UAW -CIO, o FLU-AFL e a NLRB estavam

de acordo em que a representação deveria envolver todos os trabalhadores de produção e

manutenção da planta Lincoln. Já em River Rouge, houve desacordo: o UAW-CIO insistia

em que todos os trabalhadores de produção e manutenção deveriam estar incluídos na

mesma unidade, ao passo que os PMLD queria uma unidade separada, no que tinha a

concordância do FLU-AFL. Como resultado da situação, a NLRB ordenou que eleições

fossem realizadas em River Rouge para saber se os trabalhadores da produção e

manutenção queriam ser representados pelo UAW-CIO ou pelo FLU-AFL, ou por nenhum

dos dois, mas ordenou também que os trabalhasores sobre os quais o PMLD pedia

jurisdição realizassem uma eleição para determinar se queriam ser representados pelo

UAW-CIO, pelo PMLD ou por nenhum dos dois. Do resultado das eleições dependeria a

unidade ou unidades de negociação: se ambas as unidades escolhessem o UAW-CIO, então

elas se constituiriam em uma única unidade, se os trabalhadores especializados escolhessem

o PMLD, então seriam duas. Em Lincoln, seriam realizadas eleições envolvendo apenas o

UAW-CIO e o FLU-AFL. O FBA, embora tivesse apresentado cartões de filiação de 21 mil

trabalhadores em ambas as plantas, foi excluído das eleições, não apenas por ter sido

considerado um company union pela NLRB – apesar de a Corte de Apelação do Sexto

Distrito Ter afirmado, em 9 de agosto de 1939, que era um sindicato genuíno – mas por

422 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 31, No. 5, 5 de fevereiro de 1941, p. 1; AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Serivce. Washington: Vol.

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depois disso nunca ter feito reuniões, coletado taxas ou buscado arregimentar novos

membros.

Apesar de seu otimismo, mais uma vez a AFL foi duramente punida pelas urnas.

Em Lincoln, o UAW-CIO obteve 2.741 votos, contra 587 dados ao FLU-AFL; em River

Rouge, o UAW-CIO obteve 51.866, contra 20.346 do FLU-AFL. Nas eleições de River

Rouge entre o UAW-CIO e o PMLD, o primeiro recebeu 161 votos e o segundo 90. O

UAW-CIO tornava-se o agente exclusivo de negociação de todos os trabalhadores de River

Rouge e Lincoln.423

Com tais vitórias na NLRB, o UAW-CIO virtualmente eliminou os sindicatos da

AFL como agentes contratantes relevantes na indústria automotiva. Conseqüentemente, a

partir de 1939, o UAW-CIO e as corporações automotivas realizaram contratos coletivos de

trabalho de grande importância para a história do movimento sindical americano. Em 1941,

a indústria automotiva estava praticamente toda coberta por acordos coletivos de trabalho,

algo inimaginável 4 anos antes, quando Detroit era o coração do open shop. 424

Na Chrysler Corporation, após o UAW-CIO ter sido certificado pela NLRB como

agente exclusivo para fins de contratação coletiva do trabalho em 11 das plantas da

31, No. 15, 15 de abril de 1941, p.1. 423 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company, a Delaware Corporation, and International Union, UAW of A, affiliated with the CIO. Cases Nos. R-2425 and R-2426.Supplemental Decisions and Certification of Representatives. June 21, 1941”. In Decisions and orders of the National Labor Relations Board. Volume 32. May 22 to June 26, 1941. Washington: United States Government Printing Office, 1942, p. 1001; ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Ford Motor Company, a Delaware Corporation, and International Union, UAW of A, affiliated with the CIO. Cases Nos. R-2425 and R-2426”. In Decisions and orders of the Natinal Labor Relations Board. Volume 34. August 8 to August 26, 1941. Washington: United States Government Printing Office, 1942, p. 436 e seguintes. 424 Cf. WALSH, Raymond. Op.Cit., p. 96.

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empresa, a corporação aumentou os salários em 3 cents e concordou que as diferenças

salariais entre Detroit e as outras localidades fossem diminuídas para 1 cent.425

Também o contrato coletivo do UAW-CIO com a GM previa a diminuição das

diferenças de remuneração dentro de cada planta e entre as diversas plantas da empresa.426

Para Nelson Lichtenstein, ele representou um dos mais importantes passos na

reestruturação das relações de classe nos Estados Unidos. Fábricas de uma mesma empresa,

e empresas dentro de um mesmo setor industrial, cessariam de competir por salários e,

dentro das fábricas e empresas as diferenças salariais por ocupação começariam a diminuir,

reestruturando por completo o mundo dos trabalhadores industriais americanos.427 O

sindicato iniciava a assumir, assim, o papel regulatório a ele previsto desde os anos 1920,

pela Taylor Society, e mesmo antes, por intelectuais e reformadores sociais como Herbert

Croly durante a Era Progressista.

Tal papel seria expresso com todo o vigor no contrato coletivo estabelecido entre o

UAW-CIO e a Ford Motor Company, considerado o melhor acordo da história realizado até

então. Assinado a 20 de junho de 1941, o contrato reconhecia o UAW-CIO como o agente

exclusivo, para fins de contratação coletiva do trabalho, “de todos os empregados da

companhia em todas as plantas de produção e montagem da companhia nos Estados Unidos

da América”, com exceção de superintendentes, capatazes, empregados de escritório e

cientistas. Mais do que isto, o contrato possuía uma cláusula de union shop, e portanto

passava a ser condição de emprego que todos os empregados, no presente e no futuro,

425 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. Monthly Labor Review.Washington: US Government Printing Office, Vol. 50, No. 5, May 1940, p. 1087. 426 Cf. REUTHER, Walter. Carta os membros do sindicato e das plantas da GM filiados ao UAW-CIO. 18 de junho de 1940. Walter Reuther Library. Coleção: UAW Research Department. Accesion No. 350. UAW-GM Collection. General Correspondence, 1938-1945. Box 1. 427 Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1995, p. 140.

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pertencessem ao sindicato durante a vigência do contrato.428 O contrato também previa o

check-off, o desconto da contribuição sindical na folha de pagamento, desde que não

excedesse US$ 1,00/ano. A companhia aceitava ainda pagar salários, nas diferentes

classificações, tão altos quanto os das competidoras. O direito de contratar e manter a

ordem e a eficiência nas plantas eram percebidos como prerrogativas exclusivas da

gerência, assim como a demissão por justa causa, mas deviam ser submetidas a

procedimentos de queixa. O UAW reconhecia ainda o direito exclusivo da empresa em

determinar o número e a alocação das suas plantas, a introdução de novas máquinas e

ferramentas, a determinação dos produtos a serem manufaturados, os métodos a serem

utilizados no processo produtivo e o calendário da produção.429 O sindicato comprometia-

se, ainda, a não fazer greves ao longo da duração do contrato, e a disciplinarizar seus

filiados de modo a impedir que fizessem greves não autorizadas (wildcat strikes). O UAW

428 Havia dois tipos de cláusulas contratuais prevendo a filiação de todos os trabalhadores de uma determinada unidade de negociação no sindicato contratante, a union shop e a closed-shop. A diferença é que, na cláusula de closed-shop, todo o novo trabalhador deve ser contratado através do sindicato ou já ser membro do sindicato no momento da contratação, ao passo que na union shop o empregador tem pleno controle sobre a contratação e o novo contratado nem precisa ser membro do sindicato. No entanto, o novo contratado deveria tornar-se membro do sindicato, após um período de experiência. Se em tal período ele fosse demitido, a empresa não deveria reportar-se ao sindicato. Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Types of union recognition in effect in january 1943”. In Monthly Labor Review. Washington: US Bureau of Labor Statistics, Vol.56, No. 2, Fevereiro de 1943, p. p. 286. Em 1939, 3 dos 8 milhões de trabalhadores americanos sindicalizados trabalhavam sob contratos de closed-shop. Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Closed shop and check-off in union agreements”. In Monthly Labor Review. Washington: Vol. 49, No. 4, Outubro de 1939., p. 834, 835. 429 A questão da alocação das plantas era de grande importância, dado que o Sul dos Estados Unidos era então uma região fracamente sindicalizada e os salários eram mais baixos, e tornou-se parte das estratégias das empresas alocar plantas nesta região. Em pesquisa realizada entre 1935 e 1937, constatou-se que, em 105 ramos industriais analisados, o salário/hora médio no Norte foi de 69,1 cents, ao passo que no Sul foi de 47,8 cents, refletindo a alta concentração das indústrias automotiva e siderúrgica na primeira e de algodão na segunda. Mas no interior das mesmas indústrias havia diferenças importantes, refletindo a menor sindicalização no Sul. Para 832.179 trabalhadores das mesmas indústrias, os do Sul ganhavam em média 18,6% a menos do que os do Norte, ao passo que o número de horas trabalhadas no Sul foi em média 1% do que as do Norte. Cf. HINRICHS, A.F. e BEAL, Arthur. Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, May 1940, Vol. 50, No. 5. HINRICHS, A.F. e BEAL, Arthur. “Geographical differences in hours and wages, 1935 and 1937”, p. 1205. Em 1936, o United Auto Workers publicaria uma notícia com o título de “Vá para o Sul em busca de trabalho barato”, reproduzindo, e denunciando, uma mensagem enviada

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pedia também a abolição do Ford Service Department mas, diante da resistência da empresa

em aceitar tal cláusula, chegou-se a um meio termo: todos os funcionários do departamento

seriam claramente identificados por uniformes, de forma a distingui- los dos demais

trabalhadores. O contrato tinha a validade de um ano, sendo renovável anualmente, a não

ser que fosse rompido por uma das partes com pelo menos 30 dias de antecedência.430

A sindicalização da indústria automotiva teria grande impacto sobre sua estrutura

salarial norte-americana. Sendo o UAW-CIO praticamente como único interlocutor sindical

da Ford Motor Company, da Chrysler Corporation e da General Motors Corporation, ele

buscou sistematicamente igualar as condições de trabalho nas Três Grandes e estas, por seu

lado, buscaram estabilizar suas relações de trabalho com seus empregados sem o receio de,

com isto, elevar seus custos em relação às demais concorrentes. Conseqüentemente, entre

junho de 1940 e novembro de 1941 o salário médio dos trabalhadores automotivos subiu

17%, aumentos estes concentrados principalmente na segunda metade de 1941 (graças ao

acordo com a Ford), beneficiando cerca de 300 mil trabalhadores. Os aumentos atingiram

de 80% a 90% dos trabalhadores automotivos e foram mais ou menos uniformes por todas

as categorias, sem ligação direta com sua qualificação. Em janeiro de 1944, cerca de 13.750

mil trabalhadores industriais americanos, ou 45% do total, e 90% dos trabalhadores

automotivos, trabalhavam sob contratos coletivos.431 Um ano antes, o UAW-CIO havia

sido o primeiro sindicato atuante nos Estados Unidos a superar a marca de um milhão de

provavelmente pela Câmara de Comércio da Carolina do Sul para atrair empresas para o estado. Cf. UNITED AUTO WORKERS. United Auto Worker. Official publication. Detroit: Vol. I, No. 2, 7 de julho de 1936, p. 8. 430 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Collective agreement with Ford Motor Co”. In Monthly Labor Review.Washington: US Government Printing Office, Vol. 53, No. 2. Agosto de 1941., p. 383, 390. 431 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Wage structure of the motor-vehicle industry. Part I”. In Monthly Labor Review .Washington: US Government Printing Office, Vol. 54, No. 2., Fevereiro de 1942, p. 282-294; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Extent of collective bargaining and union status, January

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223

filiados, em apenas 8 anos de existência, 67% dos quais em Detroit e arredores. Em tais

contratos coletivos, cerca de 2 milhões de trabalhadores em 1940, haviam conquistado o

direito a férias remuneradas, a grande maioria gozando de uma semana após um ano de

serviço.432

1944”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 58, No. 4, Abril de 1944, p.697. 432 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Convention of Automobile Workers, CIO, 1943”. In Monthly Labor Review.Washington: US Printing Office, Vol. 57,No.5, Novembro de 1943, p. 955; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol.51, No.5, Novembro de 1940, p. 1071-1073.

Page 224: Os Inventores Do New Deal - Estado e Sindicato Nos Eua Dos Anos 30

224

4.4. O esvaziamento político da NLRB

A insatisfação da AFL com a atuação da NLRB iria traduzir-se na proposta de nove

emendas à NLRA: que cada profissão ou grupo de trabalhadores qualificados tivesse

sempre o direito de escolher sua própria unidade de negociação por maioria dos votos; que

a NLRB perdesse o poder de invalidar contratos; que todas as partes envolvidas em um

processo tivessem os mesmos direitos assegurados; que a intervenção de qualquer das

partes envolvidas em um processo fosse um direito e não algo a ser discricionariamente

decidido pela NLRB; uma melhor qualificação do pessoal da NLRB; que as eleições

sindicais fossem realizadas 30 dias após feito o pedido e, por fim, que todas as ações

fossem decididas em até 45 dias após findos os testemunhos. Para a AFL, a NLRB não só

não dava direito à existência de seus sindicatos profissionais, através de suas escolhas de

unidades de negociação amplas, como também dificultava a realização de eleições pedidas

por sindicatos a ela filiados. Dito de outra forma, a AFL queria garantir que a NLRA,

segundo seus próprios termos, assegurasse aos trabalhadores “o completo benefício de seu

direito à livre organização e negociação coletiva”, mas que perdesse qualquer veleidade de

implementar a política da Lei. Para a AFL, em suma, a NLRA deveria legitimar a

organização sindical existente quando de sua promulgação, em 1935, e não buscar

redesenhar o movimento sindical. 433

As críticas da AFL à NLRB logo a aproximariam da NAM e da USCC, ferozes e

históricas adversárias da Lei Wagner e do New Deal.434 Para a NAM, a NLRA baseava-se

em quatro premissas falsas: a de que todos os trabalhadores desejavam entrar em um

433 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 28, No. 42, 15 de outubro de 1939, p.1; AMERTICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service . Washington: Vol.

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225

sindicato, de que os conflitos entre patrões e empregados eram inevitáveis, de que os

empregadores eram sempre injustos com seus empregados e que era dever do Estado aliar-

se aos trabalhadores contra os patrões. Portanto, a NLRB não só carecia de um vício de

origem, a própria NLRA, que indevidamente imiscuía o Estado nas relações de trabalho,

como também havia perpetrado os seus próprios pecados, assumindo, em suas Regras e

Regulamentos, que apenas os empregadores eram responsáveis por unfair labor practices.

Para amortecer as críticas que vinha sofrendo, ainda em 1939 a NLRB mudou suas Regras

e Regulamentos para permitir que também empregadores tivessem o direito de peticionar a

agência para a certificação de representantes, de modo a evitar situações em que duas

organizações rivais disputassem seus trabalhadores sem no entanto pedir eleições.

Diante das críticas patronais e da AFL, uma coalizão de republicanos e democratas

sulistas, além de proporem emendas à NLRA, fizeram aprovar na Câmara dos Deputados a

criação de um Comitê Especial da Câmara dos Deputados para Investigar a NLRB, que

viria a ser conhecido como Smith Committee em razão de seu presidente, o deputado

Howard Smith.

Como não poderia deixar de ser, a questão da unidade de negociação foi uma das

mais discutidas pelo Committee. Em jogo, a disputa entre pluralistas industriais e legalistas

reais em torno do papel do Estado na regulação da vida sindical. Em seu depoimento diante

do Comitê, William Leiserson, defendendo sua tradicional visão pluralista, afirmou que

nada na Lei emprestava à NLRB autoridade para forçar minorias de trabalhadores a perder

suas liberdades básicas, caso suas unidades de negociação tradicionais fossem julgadas

inadequadas pela agência. Segundo Leiserson, a NLRB havia extrapolado sua autoridade

29, No. 2, 14 de janeiro de 1940, p. 1. 434 Cf. GROSS, James. Op.Cit., 1981, p. 42 e seguintes.

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226

nos casos em que a regra da maioria havia sido aplicada em unidades industriais

consistindo de todos os trabalhadores de uma planta, em detrimento dos trabalhadores de

unidades profissionais. Para ele, o papel da NLRB deveria ser unicamente o de processar

disputas trabalhistas e não o de legislar ou dispensar justiça:435

Não acredito que as disputas, no altamente complicado e especializado campo das relações de trabalho, possam ser administradas de um ponto de vista estritamente legalista. A administração [do NLRA] tem sido de certa forma prejudicada pelas políticas legais que praticamente compelem trabalhadores, sindicatos e patrões a entregar seus problemas trabalhistas a advogados para poderem ter acesso à NLRB. Eu prefiro considerar a NLRB como uma agência em que trabalhadores tenham acesso para contar suas histórias com suas próprias palavras e na qual os empregadores possam agir da mesma maneira informal. O NLRA já provê a apelação judicial para assumir os problemas técnicos legais. 436 As críticas de Leiserson à NLRB também ficariam explícitas em cartas enviadas a

seu mentor John R. Commons, em setembro de 1939 e março de 1940. Para ele, o grande

problema da NLRB havia sido sua decisão de pensar-se e agir como um tribunal

administrativo que, no entanto, lidava com organizações eminentemente privadas. Assim,

por exemplo, os sindicatos, tal como as corporações, deveriam ter o direito de, através de

suas próprias regras, disciplinarizar os seus membros e de impor a estes as suas decisões, na

antiga tradição da AFL, que a NLRB queria romper:437

A administração de agências públicas é satisfatória, no meu modo de ver, quando a agência percebe que as regras práticas desenvolvidas pelas associações voluntárias são razoáveis. Quando elas buscam impor novas

435 Cf. ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Report on the investigation of the National Labor Relations Board. Intermediate Report of the Special Committee of the House of the Representatives. Seventy-Sixth Congress. First Session. Appointed pursuant to H. Res. 258 to Investigate the National Labor Relations Board. Washington: US Government Printing Office, 1940, p. 63. 436 LEISERSON, William. Colocações feitas em encontrono Economic Club de Detroit, em 8 de janeiro de 1940. NARA, RG 25, Smith Committee Box 11. 437 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 211.

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227

regras a partir de suas próprias noções do que é razoável, então surgem os problemas.438

William Green não ficaria atrás de Leiserson em suas críticas à atuação da NLRB.

Diante do Comitê, comentando o caso do Pacific Longshoremen, afirmou que a NLRB

havia destruído os sindicatos portuários da AFL na Costa Oeste, obrigando os trabalhadores

a eles filiados a se transferirem para sindicatos rivais, filiados ao CIO, sob pena de perder

sua voz. Como conclusão, afirmou que a NLRB deveria perder o direito de determinar a

unidade de negociação, que deveria ficar a cargo única e exclusivamente dos próprios

trabalhadores.439 Fazendo sua profissão de fé pluralista, a AFL afirmava: “O Congresso

deve estabelecer as regras do jogo que uma nova NLRB deve seguir. Aprendemos o erro de

confiar ampla autoridade discricionária a uma agência governamental quasi- judicial. A

conseqüência inevitável é o abuso de autoridade”. 440

A questão da autoridade da NLRB também foi tema do depoimento de Lloyd

Garrison diante do Comitê. Segundo Garrison, no coração das disputas em torno da NLRB

estava seu caráter de agência administrativa, que reunia poderes executivos, normativos e

quasi- judiciais. A NLRB atuava, portanto, como Investigador, Juiz, Juri e Promotor nos

processos de unfair labor practice e na determinação das unidades de negociação, o que a

tornava presa fácil de acusações de favorecimento a uma ou outra organização operária.

Com a divisão do movimento operário entre a AFL e o CIO, o poder discricionário da

NLRB acabou por ser ressaltado, sendo impossível a imparcialidade em uma tal disputa.

438 LEISERSON, William. Carta para John Commons. Março de 1940. Apud TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 212. 439 Cf. ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Report on the investigation of the National Labor Relations Board. Intermediate Report of the Special Committee of the House of the Representatives. Seventy-Sixth Congress. First Session. Appointed pursuant to H. Res. 258 to Investigate the National Labor Relations Board. Washington: US Government Printing Office, 1940, p. 65, 66. 440 Cf. AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, No. 2, 13 de janeiro de 1940, p. 1.

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228

Em sua opinião, em uma questão onde não havia consenso, precedentes e jurisprudência,

outras instâncias, que não uma agência administrativa, deveriam lidar com o conflito. Na

pior das hipóteses, quando uma organização do CIO disputasse com uma da AFL uma

representação de trabalhadores qualquer, não deveria haver eleições, nehuma organização

teria exlusividade da representação e o empregador ficaria livre para fazer acordos com

todos os envolvidos, desde que nenhum destes acordos envolvesse cláusulas de closed

shop. O status quo perma neceria intacto, até que as partes, por elas mesmas, chegassem a

um acordo ou modus vivendi.441

Ao longo das sessões do Comitê, Edwin Smith, o membro da NLRB mais

claramente identificado às determinações de grandes unidades de negociação, chegou a ser

acusado por Joseph Padway, Conselheiro-Geral da AFL, de ter utilizado os recursos da

agência para fortalecer o CIO, ainda que várias de suas decisões tenham sido minoritárias

na agência.442 No caso Allis-Chalmers, por exemplo, em que a NLRB ordenou a realização

de eleições entre categorias profissionais por desejo dos sindicatos ligados à AFL, como o

IAM, Smith dissentiu afirmando que a agência havia abandonado a função de determinar a

unidade de negociação de acordo com seus próprios critérios, e um pequeno número de

trabalhadores iria decidir os destinos de 10 mil trabalhadores de de uma unidade industrial

completa, com evidente desprezo pelo direito da maioria.443 Smith faria ainda duras críticas

441 Cf. GARRISON, Lloyd. Statement before the House Committee Investigating the NLRB. February 2, 1940. Lloyd Garrison (Z-733). (dean of the University of Winsonsin Law School, first Chairman of the old National Labor Relations Board (summer and fall of 1934) . National Archives and Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant General Counsel. Records relating to preparation of Board's case, 1939-1940. Entry: 31, 43,07,01. Box 2. 442 Cf. The Washington Daily News. Washington: 19 de abril de 1939. 443 Cf. ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. “In the Matter of Allis -Chalmers Manufacturing Comp any and International Union, United Automobile Workers of America, Local 248. Case No. R-215. - Decided November 20, 1937.” In Decisions and orders of the Natinal Labor Relations Board . Volume 4. November 1, 1937 - February 1, 1938 . Washington: United States Government Printing Office, 1938, p. 159; SMITH, Edwin. Statement of Edwin Smith, Member, NLRB, before the Senate Committee on Education and Labor in connection with proposed amendments to the NLRA (R-1761) . National Archives and

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229

à AFL, atacando suas emendas à NLRA como destrutivas aos interesses dos trabalhadores

organizados e conformes aos interesses dos patrões.444

Em seu Relatório Final, o Simth Committee faria um retrato demolidor da NLRB:

Edwin Smith surgia como simpático ao CPUSA e ao CIO e suas determinações de unidade

de negociação, contrárias à AFL, como derivadas de suas filiações políticas radicais. J.

Warren Madden, já então afastado da NLRB desde 27 de agosto de 1940, também era

mostrado como simpático às causas radicais e, de forma geral, a NLRB era associada ao

levante operário de 1937, às sit-down strikes e à infiltração comunista no seio do governo

americano.445

A partir de 1939, no entanto, o impulso reformista do New Deal já começava a

perder seu vigor e as atenções de Roosevelt voltavam-se cada vez mais para o front externo

e para a guerra que se aproximava na Europa e, logo, nos próprios Estados Unidos. O “Mr.

New Deal” cada vez mais assumia a fisionomia do “Mr. Win the War” e, neste cenário,

agências como a NLRB, que monopolizavam as manchetes negativas dos jornais e

dividiam não só a opinião pública como o próprio movimento sindical, os partidos políticos

e as grandes corporações (cujo apoio seria fundamental para a conversão da economia

americana para a produção bélica) tornavam-se cada vez mais problemáticas. 446 A rigor,

desde 1938, com o país em meio a uma recessão e com uma eleição parlamentar

aproximando-se, Roosevelt já vinha sentindo que a ação da NLRB poderia causar

Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the Assistant General Counsel. Excerpts from speeches and articles, 1935-1939. Stack area: 530. Entry: 35, 43,07,02. 444 Cf. The Washington Daily News . Wednesday, April 19, 1939. 445 Cf. ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Report of the Special Committee to Invesgate the National Labor Relations Board. Submitted by Mr. Smith of Virginia. Washington: US Government Printing Office, 1941, 30 de dezembro de 1940, p. 5-21. 446 Para uma monumental narrativa das mudanças na política interna norte-americana com a aproximação, eclosão e entrada americana no conflito iniciado em 1939, Cf. SHERWOOD, Robert. Roosevelt e Hopkins.

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230

problemas à sua coalizão e o The New York Times de 2 de junho já trazia notícias, oficiosas,

de que o presidente achava que algumas das decisões da agência teriam prejudicado

empresários.447

A solução encontrada pelo presidente para esvaziar politicamente a NLRB não seria

a proposição ou apoio a emendas à NLRA, mas a substituição gradual de seus

problemáticos membros identificados ao realismo legal por novos membros identificados

ao pluralismo industrial. A primeira indicação de peso neste sentido foi a de William

Leiseron, em substituição a Donald Wakefield Smith, ainda em junho de 1939, nomeação

que seria profundamente criticada pelo CIO.448 O desejo de Leiserson de transformar a

NLRB, de uma agência voltada para a organização do movimento sindical em nome da

construção de um suposto interesse público para uma agência voltada para a harmonia com

o seu meio existente, ou seja, de uma agência formuladora de regras públicas de conduta

dos sindicatos para uma agência respeitadora das regras privadas destes, logo tornou-se

clara. Em 21 de junho de 1939, ele enviou um memorando a J. Warren Madden a respeito

da unidade de negociação afirmando que a NLRB deveria evitar determinações de unidade

que alterassem relações previamente existentes.449 Ele buscava assim evitar o que ocorrera

no caso Pittsburgh Plate Glass, de janeiro de 1939, em que a NLRB havia determinado uma

só unidade em 6 plantas de vidros planos da empresa, certificando o Federation of Flat

Glass Workers-CIO, apesar de a maioria dos trabalhadores de uma das maiores plantas

preferir manter-se como unidade separada, representada por um sindicato independente. O

Caso Pittsburgh chegaria à Suprema Corte dos Estados Unidos, que manteve a Decisão da

Uma história da Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Nova Fro nteira; Brasília: Ed. Universidade de Brasília; Rio de Janeiro: Faculdade da Cidade, 1998. 447 The New York Times . 3 de junho de 1938, p. 1. 448 Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Third Constitutional Convention..., p. 70. 449 LEISERSON, William. Memora ndo para William Madden. 21 de junho de 1939. National Archives and

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231

NLRB por entender que a determinação da unidade de negociação deveria levar em conta a

melhor forma possível de se manter a paz industrial, para além da vontade, ainda que

importante, de um número determinado de trabalhadores.450

Era justamente contra tal enfoque, sancionado por algumas decisões da Suprema

Corte dos Estados Unidos, a respeito do papel e do lugar do sindicato na vida americana, ou

seja, a de que existiria um abstrato bem público superior ao direito individual e privado de

um determinado conjunto de trabalhadores, e que os sindicatos deveriam encarnar ou estar

submetidos a tal bem, que Leiserson e a tradição pluralista se batiam.451 No caso da caso da

Chrysler Corporation, de julho de 1939, Leiserson conseguiu convencer Madden a juntar-se

a ele contra Edwin Smith, desmembrando a empresa em várias unidades de negociação,

levando ao protesto do UAW-CIO já referido.452

Mas a reestruturação do pessoal da NLRB não se encerrou com a nomeação de

Leiserson. Harry Millis, em subsitutição a J. Warren Madden, e Gerard Reilly, em

substituição a Edwin Smith, foram indicados para a agência em novembro de 1940 e

outubro de 1941, respectivamente, coroando um processo de esvaziamento da NLRB como

agência marcada por práticas identificadas ao legalismo realista, indicando, pelo contrário,

o triunfo dos pluralistas industriais.

Para o CIO, as saídas de Edwin Smith e J.W. Madden da NLRB significaram uma

decisiva derrota. Para a AFL, pelo contrário, a não recondução de Madden, em 1940,

representou o início da limpeza dos elementos esquerdistas pró-CIO que atuavam na

Records Administration. Records 25. Smith Committee. Box 2. 450 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR.BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Court Decisions of interest to labor”. In Monthly Labor Review. Washington: US Government Printing Office, Vol. 53, No. 6, Junho de 1941, p. 1449-1450. 451 Cf. KLARE, Karl. Op. Cit., p. 319. 452 Cf. THOMAS, R.J. “Carta à NLRB”. In UAW. Official publication . Detoit: Vol.3, No.28, 2 de agosto de 1939, p. 6.

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NLRB. A partir de então, e crescentemente, a NLRB consistentemente aplicaria em suas

Ordens e Decisões a visão do pluralismo industrial nas relações de trabalho, levando assim

a um montante de críticas do CIO.453 A NLRB de Reilly, Millis e Leiserson buscou,

portanto, acomodar as inovações da NLRA às práticas sindicais que prevaleciam antes de

sua promulgação, passo importante na consolidação da ideologia industrial pluralista e do

contratualismo no centro da lei trabalhista norte-americana, resultando no fato de que a

agência deixava de ser elemento central para a remodelagem das relações de trabalho nos

Estados Unidos.454

453 Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Daily Proceedings of the Fourth Constitutional Convention of the CIO. Detroit: 17, 18, 19, 20, 21, 22 de novembro de 1941, p. 81; AMERICAN FEDERATION OF LABOR. Weekly News Service. Washington: Vol. 30, n. 45, Nov. 7, 1940, p.1; CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. Daily Proceedings of the Fourth..., p. 338. 454 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit. p. 199; GROSS, James. Op. Cit., 1981, p. 267.

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233

4.5. Uma ordem contratualista de relações de trabalho

A partir do momento em que a Suprema Corte dos Estados Unidos confirmou a

constitucionalidade da NLRA, em 1937, um dos objetivos da Lei parecia ter sido ao menos

parcialmente atingido: a paz industrial.455 Deste momento em diante, aumentou

expressivamente o número de ações iniciadas por sindicatos na NLRB por unfair labor

practices e, concomitantemente, diminuiu o número de greves. Em 1936 e na primavera de

1937, houve mais greves do que ações iniciadas por sindicatos na NLRB. Em 1937, no

entanto, houve 221% a mais de casos sendo considerados pela NLRB do que o número de

greves, tendência que se manteve nos primeiros meses de 1938 e se prolongou por 1939. E

o número absoluto de greves também conheceu uma queda acentuada: 4.740 em 1937,

2.773 em 1938 (este ano, em parte, por conta da “recessão Roosevelt”) e apenas 2.283 em

1939, atestando que o movimento sindical crescentemente buscou resolver seus conflitos

com o patronato pela via da ação do Estado. 456 Em apenas 4 anos, o UAW-CIO, através de

eleições organizadas pela NLRB, foi capaz de realizar, praticamente sem sangue

(excluindo-se as feridas de Reuther e Frankensteen), e com um número relativamente

reduzido de greves, o que os trabalhadores automotivos não haviam conseguido em 40 anos

de luta: fazer-se reconhecer pelas montadoras como agente exclusivo dos trabalhadores

automotivos para fins de contratação coletiva do trabalho e efetivamente contratar

coletivamente salários e condições de trabalho.

455 Cf. GROSS, James. Op. Cit., 1974, p. 149 e seguintes. 456 Cf. ESTADOS UNIDOS. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Hearings before the Special Committee to Investigate National Labor Relations Board. House of Representatives. Seventy-Sixth Congress, Second Session, pursuant to H. Res. 258. Vol. 13, January 31-Febryary 1, 1940. “Testimony of Joseph Warren Madden, Chairman, National Labor Relaitons Board, Washington, DC”, p. 2606.

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O UAW-CIO não foi, evidentemente, o único sindicato a realizar contratos coletivos

de trabalho neste período. Pelo contrário, em 1942, o Departamento do Trabalho registrava

uma tendência ao aumento no número de contratos coletivos, tendo o seu Bureau of Labor

Statistics arquivado mais de 10 mil deles, espalhados por todas as indústrias. Em 1945, de

um total estimado de 29 milhões de trabalhadores americanos em ocupações em que os

sindicatos eram fortes e atuantes, cerca de 13.800 mil estavam cobertos por contratos

coletivos de trabalho, ou 48% do total. Nas indústrias de transformação, tal índice chegava

a 67% e, na indústria automotiva em particular, era ainda mais alto.457

A uma primeira vista, portanto, tendo os sindicatos se potencializado através da

NRLB, agora esvaziada de seu enfoque realista legal, parecia consolidar-se uma visão

contratualista das relações de trabalho nos Estados Unidos, tal como historicamente

proposta pela AFL. Tal, no entanto, não era a exatamente a proposta do CIO, para quem a

contratação coletiva do trabalho era potencialmente incapaz de institucionalizar os ganhos

materiais dos trabalhadores. Em lugar desta, o CIO propunha a construção de um novo

pacto social, institucionalizado através de agências tripartites de concertação social tal

como já experimentadas nos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial, em que

representantes do Estado, do trabalho organizado e do empresariado acordassem políticas

de renda e produção.458 Não só Philip Murray, o católico presidente do CIO seria um

defensor de tais agências, como a central, em sua Convenção de 1941, reafirmaria a defesa

457 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. Twenty-Ninth Annual Report of the Secretary of Labor, for the fiscal year ended June 30, 1941. Washington: US Printing Office, 1942, p. 85; ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Extent of collective bargaining and union recognition in 1945”. In Monthly Labor Review. Washington: US Printing Office, Vol. 62, No. 4, Abril de 1946, p. 568. 458 Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. “From corporatism to collective bargaining: organized labor and the eclipse of social democracy in the postwar era”. In FRASER, Steve e GERSTLE, Gary (orgs.). Op.Cit,p. 154 e seguintes.

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235

da criação de conselhos industriais que ensejassem o aumento da cooperação entre

trabalhadores, empresas e governo. 459

As exigências da conversão da economia americana durante a Segunda Guerra, em

que várias agências tripartites foram criadas, tais como a Office of Price Administration

(OPA), a War Production Board (WPB) e a War Labor Board (WLB), foram percebidas

pelo CIO como centrais para o redesenho da economia americana no pós-Guerra, as bases

de uma nova ordem corporativa que permitisse a construção de macro-acordos sociais para

a implantação de políticas econômicas keynesianas e a manutenção dos altos salários. Já em

1944 o CIO deixava claro o seu projeto para o pós-Guerra:

O desastre pode vir por acidente, mas a prosperidade, no mundo moderno, só pode advir do planejamento, que deve começar desde já. Os empresários pedem o fim da intervenção do Estado, mas não provaram que deixaram para trás suas crenças e práticas que causaram a Depressão dos anos 30. Sua visão ainda é muito estreita para abarcar o bem-estar de todo o povo. Uma agência federal, contando com representantes da agricultura, do trabalho organizado e das corporações, deve ser criada rapidamente para realizar uma transição ordeira para o consumo, o emprego e a produção plenos no pós-Guerra. Os planos do pós-Guerra devem estar baseados no claro reconhecimento da responsabilidade do governo federal para a manutenção do pleno emprego, produção e consumo.460

Ainda em 1944, o CIO defenderia a criação de uma National Planning Board,

apontada pelo Presidente da República e com representantes de diversos setores da

459 Cf. ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. BUREU OF LABOR STATISTICS. “CIO Convention, 1941”. In Labor Monthly Review. Washington: US Goverment Printing Office, Vol. 53, No. 6, Dezembro de 1941, p. 1453. 460 CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. POSTWAR PLANNING COMMITTEE. DEPARTMENT OF RESEARCH & EDUCATION. As we win. Report No. 1. Washington: janeiro de 1944.

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economia, assim como de conselhos tripartites em cada indústria, de modo a planejar a

economia amer icana do pós-Guerra, inclusive com uma política nacional de rendas.461

No entanto, as necessidades da conversão industrial iriam fortalecer sobremaneira o

empresariado nas agências tripartites. Na WPB, o trabalho organizado não tinha

participação mais do que nominal e após a morte de Roosevelt, o fim da Guerra e a

ascensão ao poder de Harry Truman, o CIO encontraria dificuldades crescentes para

sustentar sua proposta de uma nova economia política norte-americana.462 Neste cenário, a

Conferência Capital-Trabalho organizada pelo governo em 1945 para desenhar um macro-

acordo social para o pós-Guerra resultou inócua, tendo as divisões no próprio movimento

sindical contribuído para tal desfecho.463 John Lewis, o líder mineiro que havia sido um dos

fundadores do CIO e que com este havia rompido em 1940, chegou a afirmar, esposando

uma visão próxima à da AFL, que o CIO defendia “... um estado corporativo, no qual as

atividades do povo são reguladas e constrangidas por um governo ditatorial. Nós nos

opomos a um estado corporativo”.464

Em resposta a uma situação em que os ganhos materiais, simbólicos e institucionais

do New Deal apresentavam-se em perigo, setores do movimento sindical, liderados pelo

UAW-CIO, iniciaram uma onda de greves, em fins de 1945, na qual a palavra de ordem era

a necessidade de se manter elevado o nível salarial de forma a se evitar uma recessão

ocasionada pelo processo de reconversão da indústria para a produção civil.

461 Cf. CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS. POLITICAL ACTION COMMITTEE. Jobs for all after the war. Washington: 1944. 462 Para uma discussão a respeito do movimento sindical durante a Segunda Guerra Mundial, Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Labor’s war at home. The CIO in World War II . Cambridge: Cambridge University Press, 1991. 463 UNITED STATES DEPARTMENT OF LABOR. DIVISION OF LABOR STANDARDS. The President's National Labor-Management Conference. November 5-30, 1945. Summary and Committee Reports. Washington: United States Department of Labor, 1946. 464 LEWIS, John. Apud LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit, 1995, p. 226.

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237

Fundamentalmente, o que o UAW-CIO buscava era elevar o nível salarial dos

trabalhadores da indústria automotiva sem repassar os custos desta elevação aos preços dos

automóveis. A negativa sistemática da GM em aceitar o que considerava uma intromissão

sindical em seu poder corporativo, a precificação de seus produtos e a delimitação de sua

margem de lucros, levou a greve do UAW a uma derrota histórica, colocando um ponto

final nas esperanças do CIO de reorganizar as relações de classe nos Estados Unidos

segundo moldes social-democratas. 465

As greves de 1945-1946 teriam como resultado ainda um clima político

extremamente desfavorável aos sindicatos. Em que pese a tentativa destes de dissociar

ganhos salariais de aumentos de preços aos consumidores, a luta sindical foi amplamente

apresentada à opinião pública como inflacionária e aos sindicatos recaiu a responsabilidade

pela inflação do pós-Guerra. Neste cenário, os republicanos e sua tradicional oposição ao

mundo do trabalho seriam os grandes vitoriosos nas eleições parlamentares de 1946, em

cuja legislatura seria aprovada a Lei Taft-Hartley, de 1947. Se a NLRA colocava limites

claros à conduta corporativa em suas relações com o movimento sindical, a Lei Taft-

Hartley, por seu lado, emendava-a, colocando limites claros à ação sindical. Dentre outros

elementos, a Lei Taft-Hartley bania o closed-shop entre trabalhadores sob jurisdição

federal, proibia greves no setor público, exigia um aviso prévio para a realização de greves

no setor privado, tornava ilegal greves e boicotes de solidariedade e instituía a figura do

unfair labor practices também para os sindicatos.466

465 Cf. GENERAL MOTORS CORPORATION. General Motors reply to UAW-CIO Brief. Submitted in support of Wage Demand for 52 hours pay for 40 hours work. Detroit: 1945, p. 1-44; LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1989, p.133. 466 Cf. MOE, Terry. “Control and feedback in economic regulation: the case of the NLRB”. In The American Political Science Review , Vol. 79, No. 4 (dezembro de 1985), p. 1096.

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238

Se a conjuntura de 1945-1947 levou ao abandono, por parte do CIO, de quaisquer

projetos sindicais de molde social-democrata, as grandes corporações norte-americanas,

diante de sua nova posição de força, do enfraquecimento relativo dos sindicatos em função

da Lei Taft-Hartley, e do isolamento do mercado norte-americano em relação a uma

economia mundial devastada pela Segunda Guerra, buscaram construir um novo

acomodamento com estes que se traduzisse em consentimento operário no longo prazo. É

importante frisar, embora politicamente derrotado, o movimento sindical ainda acumulava

recursos políticos e econômicos suficientes para causar interrupções significativas no

processo de produção. A greve da GM de 1945-1946, por exemplo, havia durado mais de

100 dias e só no mês de fevereiro de 1946, 130 mil trabalhadores cruzaram os braços,

resultando em 21.500 mil dias perdidos de trabalho.467 Gestava-se, assim, o que viria a ser

conhecido como os Tratados de Detroit.

Baseado em um novo consenso keynesiano, os acordos de Detroit entre o UAW-

CIO e a GM, a Ford e a Chrysler, previam aumentos salariais anuais mais um acréscimo de

2% relativo aos ganhos de produtividade do trabalho, ou seja, incorporavam a relação

salarial fordista. Por outro lado, as empresas também desenvolveram programas privados

de bem-estar, planos de aposentadoria e outros benefícios, construindo um sistema de

welfare privado. O UAW-CIO, por seu lado, comprometia-se a combater greves não-

autorizadas (wildcat strikes) e consentia no pleno poder das companhias em “dirigir” seus

negócios, abrindo mão, definitivamente, da democracia industrial, de discussões sobre

467 Cf. UNITED STATES. DEPARTMENT OF LABOR. BUREAU OF LABOR STATISTICS. “Work stopages in February 1946”. In Monthly Labor Review. Washington, DC: United States Government Printing Office,Vol. 62, No. 4, April 1946, p. 609.

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239

inovações tecnológicas e acerca da construção de uma nova economia política para o

capitalismo americano.468

Neste cenário, a própria AFL e o CIO acabariam por fundir-se em 1955, com vistas

a potencializar as finanças e a capacidade organizativa do movimento sindical. A rigor,

após a expulsão dos comunistas do CIO, em 1949, e do abandono deste de projetos de

reforma social social-democratas, não havia mais divisões claras, tanto ideológicas quanto

organizacionais, entre as duas centrais sindicais. Mesmo Walther Reuther, já então

presidente do UAW e um dos mais aguerridos defensores de uma concepção social-

democrata de pacto social institucionalizado através de agências tripartites, diante da nova

situação colocada pelo clima do pós-Guerra, chegou a afirmar, em sua nova defesa das

negociações coletivas como instrumento central da luta sindical: “Eu prefiro negociar com

a General Motors do que com o governo. (...) A General Motors não tem exército”.469 Uma

grande distância política havia sido percorrida pelo líder sindical desde 1937, ocasião em

que foi vítima das milícias privadas da Ford Motor Company e quando buscou, na proteção

estatal, condições para negociar com a empresa.

Para David Harvey, os Acordos de Detroit representam a consolidação da regulação

fordista keynesiana do capitalismo americano, resultado de uma nova pactuação entre

Estado, sindicatos e grandes empresas. Aos dois últimos, como visto, caberiam a

consolidação de uma nova relação salarial, de natureza fordista e de salários indiretos,

introduzindo a classe trabalhadora industrial americana no mundo do consumo, em troca

do consentimento operário. Ao Estado, caberia regular a dimensão do exército industrial de

reserva, através da seguridade social e outros mecanismos compensatórios, estabelecer um

468 Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. Op. Cit., 1995, p. 322 e seguintes. 469 Idem, p. 261.

Page 240: Os Inventores Do New Deal - Estado e Sindicato Nos Eua Dos Anos 30

240

frágil arcabouço de regulação do trabalho e executar as políticas monetária e fiscal, e

realizar encomendas públicas, como ao complexo industrial-militar, e programas de obras

públicas. Dentre estes, foram de particular importância a Administração Federal de

Habitação e o Programa Rodoviário Federal que, juntos, iriam contribuir para o redesenho

da paisagem norte-americana, salpicando-a de subúrbios cortados por vias expressas,

rodovias e viadutos. O Programa Rodoviário Federal, acabou por se constituir no maior

programa de obras públicas da história, envolvendo mais de US$ 40 bilhões, materializando

o sonho defendido pela GM, desde a década de 1920, de rodar automóveis produzidos

privadamente, de preferência por ela própria, sobre estradas construídas com recursos

públicos.470

Como havia proposto Croly no início do século, Estado, sindicatos e grandes

corporações pactuaram na construção de um novo equilíbrio de forças, capaz, nos termos

de David Harvey, construir um novo modo de regulação do capitalismo americano em que

uma nova relação salarial, construída a partir da contratação coletiva do trabalho, seria

instrumento de acesso ao consumo operário.

470 Cf. HARVEY, David. Op. Cit.; PIVEN, Frances Fox. “The new reserve army of labor”. In FRASER, Steven e FREEMAN, Joshua (org.). Op. Cit., p. 106 e seguintes; FLINK, James. Op. Cit., p. 368; HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 346.

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241

Capítulo 5. Os inventores do New Deal: Estado e sindicato nos Estados Unidos e no Brasil 5.1. Estados Unidos: o papel do Estado

Em que medida a análise do papel do Estado no configuração do movimento

sindical norte-americano, particularmente durante o New Deal, contribui para um

aprofundamento da compreensão da Era Vargas no Brasil?

A Secretária do Trabalho Frances Perkins fornece algumas pistas. Em 1941, fazendo

uma reflexão a respeito do papel dos sindicatos na vida americana, e que atitudes o público

deles esperava, Perkins afirmou que a NLRA havia tornado os sindicatos uma instituição

americana que, como as demais instituições privadas investidas de um propósito público -

como as religiosas, a National Educational Association ou a American Bar Association -,

tinha o poder de determinar as políticas e a ética de seu campo de atuação. Sendo assim, os

sindicatos deveriam aceitar suas novas responsabilidades e levar em conta não apenas o

bem-estar de seus próprios membros, mas o de todo o povo. Com vistas a consolidar sua

legitimidade, os sindicatos deveriam respeitar algumas crenças esssencialmente americanas,

como a santidade dos contratos, incluindo “... a lealdade e boa fé dos seus membros, seu

senso de unidade em aceitar as decisões de seus líderes eleitos ou da maioria de seus

membros. 471

Embora a própria NLRB tenha anulado contratos assinados entre sindicatos e

corporações, como no caso Consolidated Edison, por considerar ilegítima uma das partes

contratantes, os contratos coletivos de trabalho tornaram-se, de fato, o centro das práticas

471 PERKINS, Frances. “Trade union responsibilities”. In ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF LABOR. Twenty-Ninth Annual Report of the Secretary of Labor, for the fiscal year ended June 30, 1941. Washington: US Printing Office, 1942, p. 8.

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sindicais americanas e o respeito a eles tornou-se preocupação constante das direções

sindicais. Entre janeiro de 1937, após ter assinado seu primeiro contrato com a GM, e junho

do mesmo ano, o UAW-CIO teve que enfrentar mais de 200 wildcat strikes na empresa. Em

1940, dada a persistência de tais movimentos, o sindicato chegaria a publicar uma

Resolução afirmando que penalizaria suas Seções que contrariassem contratos firmados,

realizando greves não-autorizadas. 472

Como parte contratante, o UAW-CIO assumia portanto, sua co-responsabilidade na

construção de relações de trabalho estáveis e harmônicas, como queriam o espírito e a

própria política da NLRA, principalmente quando tal contrato contivesse uma cláusula de

union shop, ocasião em que os trabalhadores comprometer-se-iam com os padrões de

produtividade propostos pela empresa.473 Por tal razão, Stanley Gacek chega a afirmar que

o sistema americano de relações de trabalho fundado pela NLRA sequer pode ser

caracterizado como contratualista, pois, ao mesmo tempo em que busca afirmar princípios

liberais e voluntaristas, busca também acomodar a natureza privada do contrato coletivo de

trabalho ao interesse público. Já Thamara Lothian reconhece que, nos Estados Unidos, as

relações de trabalho seriam submetidas a uma extensa regulação, que começa pela própria

organização dos sindicatos, formados a partir de procedimentos e regras administradas pela

NLRB e emendadas pela Lei Taft-Hartley, de 1947. Mais ainda, segundo a autora, no pós-

1947, tais regras, por fragilizar os recursos políticos das organizações de trabalhadores face

472 Cf. LICHTENSTEIN, Nelson. “Great expectations: the promise of industrial jurisprudence and its demise, 1930-1960”. In LICHTENSTEIN, Nelson e HARRIS, Howell. Industrial democracy in America. The ambiguous promise. Nova York e CambridgeL: Cambridge University Press e Woodrow Wilson Center Press, 1993,p. 113 -141; WALSH, Raymond. Op. Cit., p. 134; ESTADOS UNIDOS. NATIONAL LABOR RELATIONS BOARD. Regional Offices: Comments on current labor situation. Confidential. Seventh Region, Detroit: Oct. 1938. National Archives and Records Administration. Records 25. Records relating to the Smith Committee Investigation. Records of the General Counsel. Reading file of the General Counsel, 1939-1941. Records relating to the preparation of the Board's case, 1936-1941. Stack area 530. Localizacao:

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243

aos empregadores, maculariam o princípio segundo o qual os grupos de interesses devem

desenvolver seus recursos políticos livres da coerção estatal. Ainda assim a ação estatal

sobre a formação dos grupos de interesses ligados ao movimento sindical é por ela

percebida como uma complementação do princípio contratualista: patrões e empregados

ajustariam, independentemente, suas relações e administrariam privadamente os seus

contratos, e o Estado, embora supervisione e estruture o quadro em que estes são

construídos, permaneceria, no essencial, à margem. 474

Por outro lado, e também com vistas a construir relações estáveis de trabalho, a

NLRA outorgou à NLRB a função de certificar o representante legítimo dos trabalhadores

para fins de contratação coletiva do trabalho, o que significa dizer que os sindicatos

perdiam capacidade de se organizar de acordo com suas próprias estratégias, passando a

estar sujeitos a procedimentos emanados do Estado. A organização de eleições sindicais,

por exemplo, representou uma profunda mudança nas práticas do movimento sindical

americano. Antes da promulgação da NLRA, as práticas sindicais da AFL na indústria

automotiva seguiam o tradicional padrão de outros setores industriais: os sindicatos por ela

jurisdicionados nas diferentes categorias de trabalhadores automotivos implementavam

campanhas de organização e, uma vez organizados, realizavam greves, boicotes ou outras

formas de luta para se fazerem reconhecer pelas companhias automotivas, objetivando a

contratação coletiva do trabalho para suas categorias. Tal seria, em princípio, a estratégia

do UAW, criado pela própria AFL, antes de sua defecção para o CIO. Com a organização

de eleições pela NLRB e a certificação do sindicato que houvesse recebido a maioria dos

Entry 23, 43,06,04; UNITED AUTO WORKERS. Official Publication . Detroit: Vol. 4, No. 3, 17 de janeiro de 1940, p. 2. 473 Cf. UNITED AUTO WORKERS. Official Publication. Detroit: Vol. 3, n. 36, October 11, 1939, p. 1. 474 Cf. GACEK, Stanley. “Revisiting the corporatist and contratualist models of labor law regimes: a review of the Brazilian and American systems”. In Cardozo Law Review , Vol. 16, No. 1 (Agosto de 1994), p. 37 e

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244

votos, no entanto, as estratégias de organização deram lugar a estratégias emintentemente

eleitorais, o que acabou por se traduzir em uma diminuição da importância dos militantes

nas bases sindicais e na crescente burocratização das direções sindicais.475 Neste sentido, o

UAW-CIO tornou-se o representante exclusivo de centenas de milhares de trabalhadores

automotivos em poucos anos sem ter que preocupar-se com a efetiva organização destes, ou

ao menos não como os sindicatos da AFL da época pré-NLRA tinham que preocupar-se.

Se o respeito aos contratos, a submissão destes a um interesse público definido pelo

Estado e a interferência direta de uma agência administrativa federal nos procedimentos de

indicação do representante legítimo dos trabalhadores para fins de contratação coletiva do

trabalho, com fortes conseqüências para as próprias formas de organização e estratégia

sindicais e mesmo para o desenho do movimento sindical, como atestado pelo caso da

Costa do Pacífico, são características da NLRA e de sua agência administrativa, a

interferência do Estado americano sobre o movimento sindical não teve no estatuto legal de

1935 o seu formato definitivo. É, mais uma vez, Frances Perkins que aponta, ainda em

1941, o desdobramento que se daria em 1947:

Métodos excessivos de manifestações e piquetes, greves por disputas jurisdicionais, boicotes e boicotes secundários de apoio a sindicatos em greve, são vistas pelo público como excessivas, e contrárias ao interesse público. Os bem informados sabem que tais práticas surgiram quando os sindicatos eram praticamente organizações do underground, lutando por suas existências. Se tais práticas eram, então, necessárias, não está em discussão, mas o público acredita que hoje os sindicatos têm proteção legal sob a National Labor Relations Act e portanto devem abandonar tais práticas, que não são condizentes com a opinião pública. A criação de comitês, agênc ias e tribunais diante dos quais as queixas podem ser efetivamente apresentadas modificaram qualquer necessidade de tais práticas excessivas e o movimento operário deve rapidamente sugerir a todos os seus membros que as abandonem. 476

seguintes; LOTHIAN, Tamara. Op. Cit., p. 1017. 475 Cf. TOMLINS, Christopher. Op. Cit., p. 317 e seguintes. 476 PERKINS, Frances. “Trade union responsibilities”. In ESTADOS UNIDOS. DEPARTMENT OF

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245

A respeito de tais manifestações excessivas, o público, ou melhor, o Estado

americano, através de seu Poder Legislativo, faria ver ao movimento sindical sua

inadequação através da Lei Taft-Hartley. A rigor, portanto, o Estado americano esteve

sempre presente, das formas as mais variadas, e através de todos os seus ramos de poder, na

desorganização, organização ou reorganização do movimento sindical americano, na

submissão deste a um interesse público definido pelo Estado e na formulação de suas

estratégias organizativas e de ação. Tais reflexões evidenciam que, se o grande consenso

americano do pós-Segunda Guerra percebia a sociedade americana como uma sociedade

pluralista, ou seja, essencialmente não-conflitiva e voltada para objetivos comuns, na

tradição de um John Commons, de um William Leiserson, de um Daniel Boorstin no

campo da historiografia ou, mesmo, de um Robert Dhal, tal consenso foi construído, ao

menos no que se refere aos trabalhadores, a partir de uma sistemática intervenção do Estado

sobre as organizações destes.477

Resulta daí que o conceito de pluralismo, não como uma visão consensual da

sociedade americana, mas tal qual utilizado por Phillipe Schimtter e pela ciência política,

como um sistema de representação dos interesses contraposto ao sistema corporativo,

sustenta-se com dificuldades quando aplicado aos Estados Unidos. A rigor, se o sistema

político, na concepção pluralista, só deve responder às pressões dos grupos de interesses e

não se preocupar com a formação de tais grupos ou com a formulação de suas demandas,

ele não se aplica em absoluto ao caso norte-americano. Pelo contrário, o Estado americano

esteve sistematicamente longe de estar dissociado do reino dos interesses privados: ele não

LABOR. Twenty-Ninth Annual Report of the Secretary of Labor, for the fiscal year ended June 30, 1941. Washington: US Printing Office, 1942, p. 11. 477Cf. DHAL, Robert. Poliarquia. São Paulo: Edusp, 1997.

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apenas respondia aos inputs deste, mas estava preocupado com a formação mesma de tais

inputs, principalmente no que se refere ao movimento sindical, fosse sob os

constrangimentos legais construídos pelo Poder Judiciário em fins do século XIX e

princípios do XX, fosse pelas regras administrativas criadas pela NLRA, fosse ainda pelas

limitações impostas pela Lei Taft-Hartley à ação sindical. 478 Pode-se mesmo afirmar que o

contratualismo do movimento sindical norte-americano foi, em larga medida, construído a

partir da intervenção do Estado sobre a vida associativa dos trabalhado res americanos.

Se a análise da atuação do Estado americano sobre o movimento sindical permite

um questionamento da utilização do conceito de pluralismo no que se refere ao sistema

norte-americano de relações de trabalho e às relações entre Estado e sindicato, o conceito

alternativo a este proposto por Schmitter, e largamente utilizado nas reflexões a respeito da

Era Vargas, o de corporativismo, também pode e deve ser repensado.

.

478 Cf. OFFE, Claus. “A atribuição de status público aos grupos de interesse”. In OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.

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247

5.2. Brasil: o papel da sociedade

Embora largamente utilizado por cientistas sociais e políticos, e mesmo

historiadores, o conceito de corporativismo raramente é claramente definido.479 Tal fato, se

por si já constitui um elemento de imprecisão conceitual, é agravado pelo caráter

extremamente polissêmico que tal conceito adquiriu desde fins do século XIX, com a

Doutrina Social da Igreja, até os anos 1970, quando foi retomado pela ciência política de

origem norte-americana. É importante notar, neste sentido, que o texto fundamental de

Phillippe Schmitter, embora rejeitando uma natureza doutrinária, filosófica ou política ao

conceito de corporativismo e caracterizando-o como um sistema de representação de

interesses oposto ao de pluralismo, traz em seu título uma clara referência ao texto clássico

de Mihail Manoïlesco, suge rindo assim uma continuidade entre o corporativismo

doutrinário dos anos 1930 e o corporativismo da ciência política dos anos 1970.

Conseqüentemente, o conceito de corporativismo, como proposto a partir de Schmitter,

acabou por assumir um caráter quase normativo, associando arranjos corporativos a ordens

políticas estatocêntricas e, portanto, autoritárias, em contraposição a ordens políticas

democráticas e pluralistas.480

Característica da retomada do conceito por Schmitter, a institucionalidade

corporativa surge como emanada do Estado e a sociedade civil aparece como tendo uma

capacidade meramente reativa à ação estatal, particularmente no que se refere ao

479 cf. OLIVEIRA, Francisco de. “Corporativismo: conceito ou emplastro? “. In Democracia Viva, vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Moderna/Ibase, 1998.. 480 cf. MANOÏLESCO, Mihail. O século do corporativsmo . Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1939; IGREJA CATÓLICA. Encíclicas. São Paulo: Edições Loyola, 1985; SCHMITTER, Phillippe. Op. Cit., p. 85-131. Para um exemplo de articulação entre corporativismo e autoritarismo da ciência política dos anos 1970, Cf. MALLOY, James (org.). Authoritarianism and corporatism in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1979.

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248

corporativismo estatal. Segundo esta perspectiva, o Estado brasileiro seria dotado de uma

capacidade tanto de se antecipar aos conflitos sociais quanto de organizar os já existentes a

partir de sua própria lógica imanente. A mística do Estado que outorga as leis sociais e

trabalhistas, criada pelo Estado Novo, é substituída assim pela visão do Estado demiurgo.

Nesta perspectiva, o trabalho de Boschi & Diniz é bastante ilustrativo. Em que pese os

autores admitirem, na experiência brasileira, um diálogo das gramáticas corporativa e

pluralista, afirmam que foi o corporativismo, emanado do Estado, o formato institucional

básico que, a partir dos anos 1930 até os dias de hoje, fundamentou as relações entre os

setores público e privado no processo de modernização capitalista do País:

... no caso do Brasil, o modelo corporativo não foi o resultado de uma evolução espontânea, senão que foi introduzido a partir de uma política deliberada do Estado com o objetivo de definir a forma de inserção dos novos atores, desarticulando os esforços anteriores de construção de uma ordem associativa [de inspiração pluralista], tanto no plano do empresariado, quanto no plano do operariado481. Esta ênfase no papel controlador das estruturas corporativas provoca a percepção do

fortalecimento do Estado como tendo por contraponto a fragilização dos sindicatos e da

burguesia industrial. Seguindo a mesma ordem de raciocínio, o estímulo à acumulação de

capital oriunda da organização sindical corporativa surge como articulado a perdas

materiais dos trabalhadores.482 Ângela de Castro Gomes, no entanto, rompe com esta

perspectiva antecipatória e iluminista do Estado, e de fragilidade dos demais atores sociais,

ao propor a idéia de pacto trabalhista para pensar a institucionalidade criada a partir dos

anos 1930. O ponto central da argumentação da autora é o de que as relações entre o Estado

e o movimento sindical neste período, se compreenderam um componente coercitivo contra

481 BOSCHI e DINIZ. Op. cit., p. 17, 18. 482 Cf. VIANNA, Werneck, Luiz. Op. cit., 1976.

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249

setores do sindicalismo brasileiro, compreenderam também um pacto com outros setores,

cujas origens podem ser remontadas à Primeira República.483 Foi então que os sindicalistas

chamados amarelos, que já em 1925 eram a tendência sindical dominante, propugnaram a

intervenção do Estado sobre o mercado de trabalho e uma política de colaboração entre as

classes sociais.

Segundo esta argumentação, as relações Estado-movimento sindical no pós-1930

não teriam resultado em mera submissão ou perda de identidade deste, mas em uma troca

orientada pela articulação de ganhos materiais com ganhos simbólicos. Desta forma,

enquanto que, para Werneck Vianna, as estruturas corporativas tiveram fundamentalmente

uma função coercitiva sobre a classe operária, possibilitando a expansão da acumulação

privada e a consolidação da ordem burguesa, para Ângela de Castro Gomes este controle

não esgota as funções de tais estruturas. A autora percebe claramente que a acumulação

capitalista pode produzir, e freqüentemente o faz, as bases materiais e simbólicas do

consentimento484.

Por outro lado, Gomes percebe também que as instituições varguistas de

representação dos interesses dos trabalhadores não se constituíram como solução

organizacional de um regime autoritário que buscava desarticular os esforços associativos

autônomos da classe trabalhadora e reorganizá-los a partir de sua própria lógica imanente.

As instituições estatais de interação com a sociedade, inclusive no que se refere ao mundo

do trabalho, não são um produto do pensamento, portanto exclusivamente da razão

demiúrgica de um governante esclarecido, mas de uma multiplicidade de fatores, de uma

483 Aqui, não há como deixar de fazer referência à art iculação entre, de um lado, a AFL e o Governo Wilson e, de outro, a perseguição, pelo mesmo Governo Wilson, do IWW e da Partido Socialista Americano. 484 Cf. RODRIGUES, Leôncio Martins. Op. cit., p. 531; GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo . Rio de Janeiro: IUPERJ/Vértice, 1988, p. 118 e seguintes, p. 195 e 288; PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e socialdemocracia. Madri: Alianza Editorial, 1988.

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ampla gama de interesses, correlações de força, projetos, opiniões e visões de mundo que se

defrontam, muitas vezes resultando em arranjos institucionais distintos dos inicialmente

pensados. Assim, para a autora, as instituições corporativas do Estado Novo foram

implementadas pelo regime em sua fase de liberalização, como instrumentos de

mobilização de apoio político.485 Neste sentido, elas foram elementos de construção do

pacto trabalhista entre o Estado e a classe trabalhadora e, portanto, não constituíram-se

como elementos de simples coerção e desarticulação desta.486

A criação da Justiça do Trabalho bem expressa tal ponto. Em recente estudo sobre o

tema, tal Justiça surge como a longa manus do Estado autoritário/corporativo, de inspiração

mussoliniana, sobre a administração do conflito distributivo. Segundo Arion Romita, a

matriz ideológica da Justiça do Trabalho seria o corporativismo fascista italiano, no qual o

Poder Executivo usurpa prerrogativas do Legislativo e passa a produzir, ele próprio, as

normas de regulação dos conflitos sociais:

Lê-se, no art. 1o., parágrafo único, da Constituição vigente [1988], que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos. Isto significa que o Brasil é uma democracia representativa, em que a edição de normas compete exclusivamente aos represena ntes eleitos, àqueles únicos que detêm legitimidade para legislar. Ocorre que juízes não são representantes do povo. Juízes não são eleitos. Portanto, a edição de normas por juízes padece, no mínimo, do vício de ilegitimidade por parte daqueles que exercem este poder. (…) Mas o certo é que na organização do Estado democrático de direito não tem cabimento exercício de poder normativo por juízes, que não são representantes do povo, não são eleitos, não têm legitimidade para legislar. Justificava-se a existência desse poder normativo à época em que ele foi instituído. Quando a Justiça do Trabalho foi criada, em 1939, e quando começou a funcionar, em 1941, estávamos sob a vigência da Carta

485 Cf. ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1988, p. 200; GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo . Rio de Janeiro: Iuperj/Vértice, 1988, p. 277. 486 Cf. VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

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outorgada de 1937, que não reconhecia a separação de poderes e mais, colocava todo o poder nas mãos do ditador.487 No entanto, como bem lembra Ives Gandra Martins, a defesa por Oliveira Vianna

do poder normativo da Justiça do Trabalho, quando das discussões a respeito da

implementação desta, tinha por base não a Carta del Lavo ro de Mussolini, tampouco os

escritos teóricos do fascismo italiano, mas a doutrina anglo-americana de delegação de

poderes, em que o Poder Legislativo delega, ao Executivo, soberania para criar normas,

como o fez a NLRA em relação à NLRB. Também não cons tituiria exagero lembrar, aqui,

das acusações de usurpração de poderes levantadas pelo movimento sindical americano ao

Poder Judiciário, com suas práticas legiferantes sem a correspondente legitimidade do voto.

Ademais, a alocação da Justiça do Trabalho no Poder Executivo, e não como um ramo da

justiça comum, não estava prevista na Constituição de 1937, supostamente fascista no dizer

de Romita, mas no artigo 122 da Constituição de 1934, que propunha sua criação, inclusive

com representação classista.488

Diferente também da visão de Romita parece ter sido a dos atores sociais no

momento mesmo da criação de tal tribunal, que o percebiam como elemento central do

pacto trabalhista a que se refere Gomes. De junho a outubro de 1936, antes portanto do

487 Cf. ROMITA, Arion. “Justiça do Trabalho: produto do Estado Novo”. IN PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 103. Não se deve esquecer, contudo, que em 1930 Winston Churchill achava que os dirigentes nacionais autoritários como Mussolini, Kemal Ataturk e Pilsudsky poderiam ser uma nova e salutar alternativa aos sistemas parlamentaristas debilitados, ineficientes e cada vez menos representativos de muitos países da Europa. Cf. LUKACS, John. O duelo. Churchill x Hitler. Oitenta dias cruciais para a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 55. Por outro lado, a Alemanha, a Austrália, Camarões, Costa do Marfim, Egito e Grã-Bretanha são alguns países que possuem tribunais especiais do trabalho, não como ramos da justiça comum, como é o caso da Argentina, Chile, Espanha ou Itália, ou como ramo do direito administrativo, como nos Estados Unidos. Já a Austrália, México e Nova Zelândia são países em que os tribunais do trabalho têm poder normativo. Cf. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. “Breve história da Justiça do Trabalho”. In FERRARI, Irany et alli. História do trabalho, do direito do trabalho e da Justiça do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1988, p. 174. 488 Cf. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Op.Cit., p. 183 e seguintes; para a doutrina anglo-americana de delegação de poderes, Cf. KISCHEL, Uwe. “Delegation of legislative power to agencies: a comparative

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252

advento do Estado Novo, de forma articulada, mais de 40 sindicatos de trabalhadores da

Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Maranhão enviaram telegramas

ao Gabinete Civil da Presidência da República pedindo a imediata instalação da Justiça do

Trabalho com representação classista, tal como prevista pela Constituição de 1934.489

O empresariado, no entanto, possuía uma visão distinta a respeito da Justiça do

Trabalho. Em telegrama enviado ao mesmo Gabinete Civil, uma semana após a decretação

do Estado Novo, a Associação Comercial de Porto Alegre afirmava que “… arbitramento

obrigatório conflitos trabalho sem qualquer restrição originará lutas classe que será bom

conselho evitar…”.490 Ao menos para os empresários de Porto Alegre, a visão da Justiça do

Trabalho como elemento de conciliação de classes pela via do Estado, tão cara ao próprio

Vargas, parecia frustrar-se em razão justamente de um instrumento pensado como meio de

construí-la.491 Os empresários paraibanos, no entanto, iam além em sua crítica ao novo

tribunal:

Classes conservadoras não comportam ônus previstos [pela criação da Justiça do Trabalho] causando faltamente dispensa empregados. Conflito interesses empregados e empregadores ferida lei oferta procura que alcança trabalho. Medida ainda inoportuna situação anormal atravessam classes atingidas quando outros decretos reconhecem essas dificuldades que mais se agravarão. Custo vida aumentará paralelamente aumento salário atingindo produtos não mais poderão competir mercados estrangeiros.

analysis of United States and German Law”. In Administrative Law Review , Vol. 46, No. 2 (Primavera de 1994), p. 213-256. 489 Cf. FEDERAÇÃO DAS CLASSES TRABALHADORAS DE PERNAMBUCO ET ALLI. Telegrama enviado ao Gabinete Civil da Presidência da República, 1 de junho de 1936 . Arquivo Nacional. Fundo: Gabinete Civil da Presidência da República, Código 35, Instrumento de Busca SDE 925, Lata 9. Os demais telegramas referidos encontram-se na mesma localização. 490 CÂMARA DE COMÉRCIO DE PORTO ALEGRE . Telegrama enviado ao Gabinete Civil da Presidência da República, 18 de novembro de 1937. Arquivo Nacional. Fundo: Gabinete Civil da Presidência da República, Código 35, Instrumento de Busca SDE 025, Lata 9. 491 VARGAS, Getúlio. “A reforma das leis vigentes e a elaboração de novos códigos. Discurso pronunciado no Palácio do Catete, instalando a Comissão Legislativa, a 04 de maio de 1931”. In VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, Vol. 1, p. 118.

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253

Onerará governo criação novo órgão justiça elementos não especializados causando vexames possibilidade mal interpretação lei.492 Para além da tradicional crítica aos custos advindos da legislação trabalhista, os

empresários paraibanos exercitavam, com rara exemplaridade e franqueza, a tese da

perversidade, segundo a qual leis de proteção ao trabalho teriam, necessariamente, o efeito

contrário do previsto, ou seja, piorariam as condições de vida daqueles a quem buscavam

amparar.493 Por fim, faziam ainda a crítica da representação classista, dado que, com ela, os

trabalhadores passavam a estar alocados em posições estratégicas do aparelho de Estado.

Tal ponto explicita que o edifício institucional do Estado Novo, ou ao menos uma

de suas principais agências, a Justiça do Trabalho, foi percebido de diferentes formas pelos

atores sociais no momento mesmo de sua construção. Mais do que isto, explicita também

que a Justiça do Trabalho – assim como os diversos Conselhos Consultivos então criados -

pode ser pensada, no dizer mesmo de Werneck Vianna, como relativa ao protagonismo dos

atores, e não exclusivamente do Estado.494 Se, por um lado, empresários buscavam

beneficiar-se da nova construção institucional do Estado por ela permitir a penetração de

seus interesses nos aparelhos estatais, o movimento sindical, ou parcelas deste, buscava

publicizar e judicializar o conflito distributivo, de modo a elevar seus recursos políticos

diante de um antagonista mais organizado e com maiores recursos políticos e econômicos.

Neste sentido, é importante salientar que a oposição patronal à Justiça do Trabalho se dava,

492 ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE JOÃO PESSOA. Telegrama enviado ao Gabinete Civil da Presidência da República, 07 de novembro de 1939. Arquivo Nacional. Fundo: Gabinete Civil da Presidência da República, Código 35, Instrumento de Busca SDE 025, Lata 9. 493 Cf. HIRSCHMANN, Albert. A retórica da instransigência. Perversidade, futilidade, ameaça. São Paulo: Cia. das Letras, 1992, p. 30 e seguintes. Não por acaso, o empresariado norte-americano teria visão semelhante de diversas das políticas sociais e trabalhistas do New Deal. Assim, por exemplo, uma das suas afirmativas era a de que tais políticas iriam levar necessariamente a um aumento dos impostos e, por decorrência, aumentariam a recessão. Cf. WANTZ, R. E. (Presidente da Illinois Manufacturers’ Association). Carta a Daniel Roper (Departamento do Comércio), de 18 de setembro de 1934. Franklin D. Roosevelt Library. PPF. 1820. Speech Materials: Business vs. New Deal. The Constitution, Cont. 9. 494 cf. VIANNA, Luiz Werneck. A revolução passiva. Iberismo e americanismo no Brasil . Rio de Janeiro:

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254

como sugerem os empresários paraibanos, em razão do fato de que ela se constituía como

uma arena de encontro institucionalizado entre dois atores que, até então, só se

encontravam e mediam forças no mercado, com inegável vantagem para o empresariado.

O ponto que se quer ressaltar é o de que, se as abordagens estatocêntricas baseadas

no conceito de corporativismo relevam a participação da sociedade civil na construção das

instituições do Estado Novo, a abordagem de Gomes permite uma visão distinta. Nestes

termos, a centralidade do Estado, no Brasil, pode ser atribuída aos processos de formação

do empresariado e do trabalho industrial e de construção institucional do Estado, à

pactuação social então realizada, que proporcionou, à burocracia estatal, centralidade na

mediação dos interesses sociais e na condução do processo econômico, ao empresariado,

acesso a instâncias decisórias do Estado e, ao trabalho industrial organizado, seu

reconhecimento como ator político legítimo, além de redes de proteção social e acesso à

Justiça do Trabalho. A centralidade assumida pelo Estado surge, portanto, como resultado

de um processo, e não como seu ponto de partida.

As visões que enfatizam o caráter pluralista das relações de trabalho nos Estados

Unidos e as visões do corporativismo no Brasil pecam, portanto, por enfatizar ora a

sociedade civil, ora o Estado, como protagonistas da dinâmica social. Se o conceito de

corporativismo não dá a devida ênfase aos agentes sociais individuais e coletivos, à visão,

valores e expectativas que tais agentes possam eventualmente ter de seus próprios recursos,

de seus horizontes de crescimento, de burocratização e diferenciação em relação a outros

agentes sociais, o de pluralismo, pelo contrário, enfatiza a agência dos atores sociais e

minimiza o ambiente institucional, econômico e político, ou seja, o conjunto de

IUPERJ/Revan, 1997, p. 18.

Page 255: Os Inventores Do New Deal - Estado e Sindicato Nos Eua Dos Anos 30

255

constrangimentos nos quais estes agem. 495 Ora, a análise feita da ação da NLRB, e a

discussão apresentada a respeito do Poder Judiciário e da Lei Taft-Hartley, antes e depois

da NLRA, evidenciam que o Estado americano teve um papel fundamental na construção

do sistema norte-americano de relações de trabalho e na própria configuração do

movimento sindical. Por outro lado, a idéia de pacto trabalhista, apresentada por Ângela de

Castro Gomes, sugere que, no caso brasileiro, a sociedade teve também um papel de

fundamental importância no processo de construção das instituições estatais de regulação

do trabalho e representação dos interesses. Em outras palavras, tanto no Brasil quanto nos

Estados Unidos, Estado e movimento sindical, ou ao menos setores deste, pactuaram.

Conseqüentemente, em ambos os casos, Estado e sindicatos foram protagonistas da

dinâmica social.

De certa forma, o conceito de corporativismo compartilha muitas das características

do conceito de populismo, no qual os princípios da centralidade antecipatória do Estado e

da manipulação, cooptação e controle estatal sobre a classe trabalhadora estão fo rtemente

presentes. Ângela de Castro Gomes, retomando suas reflexões realizadas em A invenção do

trabalhismo, rejeita definitivamente, em trabalho posterior, o conceito de populismo,

enfatizando a já referida idéia de pacto trabalhista, onde, apesar das evidentes

desigualdades relativas, o Estado não é todo-poderoso e nem classe operária é passiva.496

No caso do conceito de corporativismo, a mesma objeção é passível de ser feita, dado que

495 Cf. OFFE, Claus. Op. Cit., p. 223-224. Maria Antonieta Leopoldi, em seu trabalho sobre associações industriais, busca justamente resgatar, no plano do empresariado, as estratégias e visões deste, que não se constituiriam como simplesmente derivadas da ação estatal, como sugere Schmitter. Cf. LEOPOLDI, Maria Antonieta. Política e interesses. As associações industriais na industrialização brasileira. A política econômica e o Estado. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 496 Cf. GOMES, Ângela de Castro. “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito”. In Tempo. Niterói, Rio de Janeiro: UFF/Relume Dumará, Vol. 1, no. 2, dez. 1996; WEFFORT, Francisco. O populismo nas politica brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980; IANNI, Otávio. O colapso do populismo no Brasil . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

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256

ele também se baseia na idéia de centralidade do Estado a partir de sua capacidade de se

antecipar e organizar os conflitos, cooptando, manipulando ou reprimindo a classe

trabalhadora e, desta forma, desvinculando ou colocando em segundo plano a participação

da sociedade na construção dos arranjos institucionais de ordens estatocêntricas e

autoritárias.

Em seu trabalho sobre a historiografia norte-americana, Gerson Moura chamava a

atenção para a tendência desta, e também de outros ramos das ciências humanas nos

Estados Unidos, a dividir-se e autonomizar-se em diversas subáreas, acarretando o risco da

fragmentação do conhecimento histórico e a virtual impossibilidade de abordagens de

conjunto. Em tal tradição, a sociedade surgiria como um “mosaico” de peças separadas,

ininteligíveis em seu conjunto497. Parece inegável que a prod ução em ciência política norte-

americana, que em grande parte embasa a análise de vários cientistas sociais e

historiadores, brasileiros e brasilianistas, sobre a história recente do Brasil, incorre em uma

visão que privilegia sobremaneira a questão institucional, conferindo a esta, senão

autonomia, ao menos um peso determinante na configuração das relações Estado-

sociedade, perdendo de vista o conjunto da dinâmica social. Com isto não se quer,

evidentemente, desqualificar a importância das instituições, ma s recaracterizá- las como

constituídas pelos conflitos que acabam, posteriormente, por canalizar. Guillermo

O’Donnel parece de certa forma compartilhar com esta posição, ao afirmar que, no estudo

sobre o corporativismo, falta uma teorização adequada do próprio Estado. Glauco Arbix,

por seu lado, aprofunda esta crítica, ao afirmar que o instrumental desenvolvido nos últimos

20 anos pelos teóricos do corporativismo ajuda a compreender partes de um sistema

497 cf. MOURA, Gerson. História de uma história: rumos da historiografia norte-americana no século XX. São Paulo: Scritta, 1996, p. 80.

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político e econômico, mas não o sistema em si. O próprio Arbix, Bruno Reis e Fábio

Wanderley Reis vão além, ao vincular a possibilidade e, mesmo, a necessidade, de

estruturas corporativas para construção de uma ordem democrática no Brasil.498

Uma conceituação alternativa para a institucionalidade criada na Era Vargas, que

escape da armadilha apontada por Gerson Moura e pense no Estado varguista em sua inteira

complexidade, escapando à conotação normativa do corporativismo, com certeza abriria

espaço para que o New Deal se incorporasse definitivamente às reflexões a respeito da Era

Vargas.

498 Cf. O’DONNELL, Guillermo. “Corporatism and the question of the state”. In MALLOY, James (org.). Authoritarianism and corporatism in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1979, p. 47-88; ARBIX, Glauco. Uma aposta no futuro: os primeiros anos da câmara setorial da indústria automobilística. São Paulo: Scritta, 1996, p. 80; REIS, Bruno. “Corporativismo, pluralismo e conflito distributivo no Brasil” in Dados, Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: vol. 38, no. 4, 1995, p. 417-458; REIS, Fábio Wanderley. Op. cit.; ARBIX, Glauco, Op. cit.

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258

5.3. Uma agenda de trabalho: a Era Vargas e a construção de um novo modo de regulação do capitalismo brasileiro Se a visão do Estado americano como ator do processo de construção das

instituições de representação dos interesses dos trabalhadores, ao ensejar uma crítica aos

conceitos de pluralismo e corporativismo, fornece caminhos para uma visão alternativa à

Era Vargas, a visão de que o New Deal constituiu o momento de gestação de um novo

modo de regulação do capitalismo americano fornece elementos para se pensar a Era

Vargas em sua inteireza.

Franklin Roosevelt e Getúlio Vargas não eram, evidentemente, os únicos líderes

políticos dos anos 1930 a realizar uma crítica ao laissez-faire. Para Eric Hobsbawm, a

conseqüência mais duradoura da crise dos anos 1930 foi o fato de ela ter jogado para o

ostracismo, por pelo menos meio século, os princípios do liberalismo econômico, tanto em

termos ideológicos quanto no que diz respeito a políticas econômicas, em praticamente

todo o mundo capitalista. Sem o colapso econômico do entre-guerras, figuras como Adolf

Hitler e Franklin Roosevelt, para não mencionar Getúlio Vargas, não teriam surgido para a

vida pública, ao menos não da forma como o fizeram.499 Hitler, provavelmente, continuaria

sendo um agitador de extrema-direita, considerado histriônico por seus próprios

companheiros de cerveja; Vargas, possivelemente, não teria passado de um líder oligarca

dissidente e Roosevelt talvez passasse à história como uma versão mais amena e

bonachona de seu primo mais velho ou, na melhor das hipóteses, como o marido de uma

mulher extraordinária.

Foi de fato a partir da Depressão que os governos de todos os países capitalistas se

viram compelidos a considerar sistematicamente as questões sociais e do emprego. Não

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que políticas sociais fossem desconhecidas até este momento. Em diversos países, desde

fins do século XIX, diferentes tipos de programas sociais vinham sendo postos em prática,

dirigidos, principalmente, a segmentos determinados da população, como os de idosos,

crianças, mulheres e incapacitados em geral500. Neste sentido, no mesmo processo de

mercadorização da sociedade descrito por Karl Polanyi ao longodo século XIX, a questão

social ganhou um novo patamar, potencialmente disruptivo, ensejando a construção de

novas redes de proteção social. Se, até então, a questão da pobreza era encarada como um

fenômeno natural ou divinamente ordenado e o alívio de suas aflições era visto a partir de

uma perspectiva essencialmente moral, com a Revolução Industrial ela tranformou-se em

um fenômeno social de grande alcance e de clara ameaça à ordem. A partir da segunda

metade do século XIX, portanto, a questão social já ocupava um lugar importante na

agenda política européia, sendo seu exemplo mais notório a legislação social da Alemanha

de Bismarck501. Tampouco a seguridade social ou o seguro-desemprego eram

desconhecidos no pré-1929, mas a cobertura destes era bastante reduzida, se comparada

àquela que iria ser construída no pós-II Guerra. Na Inglaterra, que mesmo antes da

Depressão possuía um sistema de seguridade social devido ao seu desemprego em massa já

nos anos 1920, menos de 60% da força de trabalho tinham algum tipo de cobertura; na

Alemanha, este número girava em torno de 40% e, nos demais países europeus, ia de zero a

cerca de 25%.502

No entanto, a partir da década de 1930 e, principalmente, após a II Guerra Mundial,

a natureza e a amplitude das políticas públicas de caráter social iriam mudar radicalmente,

499 HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. 500 Cf. ARRETCHE, Marta T.S. “Emergência e desenvolvimento do welfare state: teorias explicativas”. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais, no. 39. Rio de Janeiro: 1o. semestre de 1995, p. 3. 501 Cf. POLANYI, Karl. Op. cit. 502 cf. HOBSBAWM, Eric. Op. cit., 1995, pp. 97, 98.

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260

assim como a própria natureza da intervenção do Estado sobre o mercado de trabalho.

Se, como diria Polanyi, a história do século XIX foi marcada pelo embate entre a sociedade

e o mercado, a década de 1930 foi marcada pelo embate entre o próprio sistema capitalista

e o mercado, pois não se tratava mais de defender grupos focais, mas de reorganizar os

princípios fundamentais da produção capitalista, nos quadros da crise da regulação

concorrencial, a partir de um novo patamar de relações entre Estado, capital e trabalho.503 O

que se colocava em cena, portanto, era a gênese de novos modos de regulação do

capitalismo em substituição à regulação concorrencial. Do ponto de vista das relações de

trabalho, tal processo implicava no abandono do laissez-faire na contratação do trabalho,

tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.504

No caso dos Estados Unidos, como o trabalho buscou evidenciar, o abandono do

laissez-faire na contratação do trabalho significou a intervenção do Estado na passagem da

contratação individual para a coletiva. Neste sentido, o New Deal contribuiu para a

superação da incapacidade das grandes corporações americanas, presas às suas visões e

preocupações contábeis de curto prazo, em traçar e obedecer a lógicas de longo prazo que,

tornando possível a elevação da remuneração dos traba lhadores, tornaria possível também a

elevação da demanda de uma economia com grande capacidade de inovação técnica e

organizacional, crescentemente oligopolizada e voltada para a produção em massa de

produtos padronizados.505 Não sem alguma ironia, verifica-se aí que o empresariado

fordista americano, se foi capaz de generalizar sua visão de mundo à classe trabalhadora –

503cf. POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 1980, p. 139. 504 Cf. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. “Debate” in Cpdoc. A Revolução de 30: Seminário Internacional. Brasília: Editora da UnB, 1983, p. 330. 505 Cf. GORDON, Colin. New Deals. Business, labor, and politics in America, 1920-1935. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, particularmente Capítulo 2, “Competition and collective action: business conditions and business strategists”, p. 35-86.

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261

mas não sem altas doses de coerção -, ou seja, se foi capaz de criar as bases simbólicas do

consentimento operário, foi claramente incapaz de criar as bases materiais de tal

consentimento. 506 As bases materiais da acumulação fordista, mesmo nos Estados Unidos,

só foram criadas com a regulação fordista keynesiana, ou seja, a partir da ação estatal.

No Brasil, evidentemente, o problema colocado pela crise do liberalismo

evidenciada em 1929 era bastante distinto do norte-americano, a começar pelo fato de que

a acumulação fordista sequer havia sido introduzida em sua indústria. Ainda assim, a

depressão econômica iniciada nos Estados Unidos se fez sentir de forma violenta sobre o

País, posto que a crise nas exportações de café deixava patente a fragilidade da economia

nacional e, por conseguinte, do próprio Estado brasileiro. Conseqüentemente, o Estado

brasileiro reage à crise, propondo um projeto industrializante, menos por seu iluminismo

imanente do que pela consciência de sua fragilidade e de que sua própria expansão depende

da dinâmica da acumulação privada. 507 Indicativo desta situação, ao lado de várias

iniciativas conhecidas, foi a criação, em 1942, em estreita colaboração com o empresariado,

do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), primeira organização do Sistema

S que visava, justamente, criar uma mão-de-obra destinada a uma indústria fordizada508.

Nas décadas de 1950 e 1960, o Se nai viria a ter papel fundamental na “batalha pela mão-

de-obra” que caracterizou os primeiros anos da indústria automobilística no Brasil.509

506 Cf. PREWORSKY. 507Cf. OFFE, Claus e RONGE, Volker. “Teses sobre a fundamentação do conceito de Estado capitalista e sobre a pesquisa política de orientação materialista”. In OFFE, Claus (org.). Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 123 e seguintes. 508cf. WEINSTEIN, Barbara. For social peace in Brazil: industrialists and the remaking of the working class in São Paulo, 1920-1964 . Chapel Hill e Londres: The University of North Carolina Press, 1996. 509 Cf. LIMONCIC, Flávio. A civilização do automóvel. A instalação da indústria automotiva no Brasil e a via brasileira para uma improvável modernidade fordista,1956-1961. Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social do IFCS-UFRJ. Rio de Janeiro: mimeo, 1997.

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A Era Vargas viria representar, portanto, um importante ponto de inflexão nas

políticas públicas relativas à industrialização e ao papel do setor urbano-industrial na

economia e, neste cenário, cumpria reorganizar o conflito distributivo, até então marcado

pela informalidade, pela contratação privada do trabalho e pela ausência de regras legais,

generalizando relações formais de assalariamento.510 É possível perceber, seguindo tal

linha de raciocínio, que, assim como o New Deal buscou organizar o conflito distributivo

americano com vistas a solucionar os desequilíbrios entre capacidade de produção e de

consumo causados pela fordização da indústria americana, e com tal objetivo operou uma

profunda intervenção sobre o movimento sindical americano, o Estado Novo buscou

organizar o conflito distributivo brasileiro com vistas a, justamente, implementar no Brasil

um projeto de desenvolvimento industrial que, desejavelmente, levaria à fordização da

indústria brasileira.511 Mas tal organização do conflito distributivo pelo Estado tampouco

emanou dele próprio, de seu iluminismo imanente e de sua capacidade de se antecipar aos

conflitos sociais e subordiná-los a partir da lógica da acumulação, mas foi construída com a

participação de setores da classe trabalhadora, freqüentemente em detrimento de outros

setores (da mesma forma como, nos Estados Unidos, a NLRB viu-se no centro de uma

intensa disputa entre a AFL e o CIO, sendo acusada pela primeira de favorecimento ao

segundo). Por conseguinte, é possível perceber-se a Justiça do Trabalho como,

simultaneamente, instrumento de consolidação do pacto trabalhista e como instrumento de

organização do conflito distributivo.

510 cf. ABREU, Marcelo de Paiva. “Crise, crescimento e modernização autoritária: 1930-1945”. In ABREU, Marcelo de Paiva (org.). A ordem do progresso. Cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 73-104. 511 Cf. LINHARES, Maria Yedda e SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra prometida: uma história da questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999, p. 107 e seguintes; LIMONCIC, Flávio. Op. Cit., 1997.

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263

A visão, enfim, de que o New Deal como a Era Vargas representam os momentos de

gestação de novos modos de regulação dos capitalismos brasileiro e norte-americano, em

que tanto os respectivos Estados quanto os movimentos sindicais assumem novos papéis e

passam a interagir de novas formas, abre uma agenda de trabalho que, ao que tudo indica, é

bastante fecunda para a compreensão das relações entre o Estado e o movimento sindical

brasileiro a partir dos anos 1930.

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264

Conclusão

O exercício da história comparativa encerra inúmeros riscos para o pesquisador, que

pode, freqüentemente, incorrer em anacronismos e, mais grave, buscar a comparação entre

o estruturalmente diverso, em função de uma receita ou de “… um pequeno número de

elementos ou fatores que permitam ‘decifrar’ o conjunto do devir humano”. 512 Neste

sentido, como alerta Marc Bloch, a utilização do método comparativo requer duas

condições básicas: a existência de similitude entre os fatos observados e, ao mesmo tempo,

uma diferença entre os meios onde eles se produziram. 513 Para Bloch, a história comparada

proporciona um método que torna perceptíveis, em suas relações de semelhança e

dessemelhança, aspectos das sociedades em questão que eram dados como constituídos de

significado em si mesmos. Em outras palavras, ele permite a elucidação de recorrências e a

identificação de causas gerais para fenômenos até então percebidos como identificados à

dinâmica de apenas uma das formações sociais em foco.

Embora o presente trabalho não se constitua exatamente como um esforço de

história comparativa, tendo largamente centrado sua pesquisa empírica em apenas uma

formação social, a norte-americana, ele o fez com o propósito explícito e assumido de

contribuir para a compreensão da Era Vargas no Brasil. Neste sentido, buscou enfatizar

principalmente um ponto de afinidade entre as experiências da Era Vargas e do New Deal,

ambas inseridas na mesma crise global do liberalismo: o papel propositivo, afirmativo,

assumido pelos Estados brasileiro e norte-americano na constituição dos movimentos

sindicais de ambos os países, e no pacto realizado com setores destes, questionando assim a

512 CARDOSO, Ciro Flamarion & BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os métodos da história . Rio de Janeiro: Graal, 1983. 513 cf. BLOCH, Marc. “Pour une histoire comparée des societés européenes”. In Histoire et historiens. Paris:

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265

operacionalidade do conceito de pluralismo nos Estados Unidos e, em decorrência, o de

corporativismo no Brasil. Em relação ao último, o trabalho buscou também ressaltar uma

produção historiográfica já realizada no Brasil que permite a crítica do conceito de

corporativismo por um outro viés, ao indicar o papel da sociedade brasileira,

particularmente dos sindicatos, na construção das instituições varguistas. Com isto não se

quis, evidentemente, afirmar que o corporativismo doutrinário não tenha sido um elemento

central na visão de mundo e nas próprias diretrizes de políticas públicas varguistas e de

construção institucional do Estado então realizada, ou ainda minimizar o caráter autoritário

da Era Vargas, particularmente durante o Estado Novo, mas que o conceito de

corporativismo, tal qual construído pela ciência política nos anos 1970, não apreende o

papel da sociedade na construção de tais instituições.514

Por outro lado, o New Deal e a Era Vargas possuem amplos campos em que uma

história comparada, strictu sensu, revela-se mais do que oportuna, necessária. A própria

comparação sistemática das atuações da NLRB e da Justiça do Trabalho seria de grande

interesse, ao evidenciar suas diferenças, como a ênfase no contrato coletivo no caso da

primeira e no dissídio coletivo no caso da segunda, mas também suas afinidades: a criação

de jurisprudências para as relações entre patrões e empregados, a ênfase no enfoque

cooperativo e harmonioso das relações de trabalho, o simultâneo fortalecimento do papel

do Estado na regulação da vida associativa dos trabalhadores e a incorporação do trabalho

organizado no mundo da concertação política pela via da ação estatal.

Mas uma análise comparativa entre o New Deal e a Era Vargas faz-se necessária

também no campo da cultura política. A centralidade das figuras de Getúlio Vargas e

Armand Colin, 1995. 514 Cf. GOMES, Ângela de Castro. Op.Cit, 1988, p. 275 e seguintes.

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Franklin D. Roosevelt no jogo político, o carisma e o paternalismo de ambos, assim como a

visão de Estado provedor que ambos ajudaram a definir, construir e consolidar, acabando

mesmo por personificar, podem ser alvo de uma ampla agenda de pesquisa que contribua,

no caso brasileiro, para repensar o papel da figura de Vargas, muito bem representado por

um expressivo soneto contemporâneo dos embates políticos de fins dos anos 1940 e

princípios dos anos 1950:

Fala o pai dos pobres Trabalhadores do Brasil! Meus filhos! Lembro-me bem de vós, nem poderia Vos esquecer, que em vossa companhia Breve estarei apesar dos empecilhos. Sois vós, trabalhadores maltrapilhos, Os detentores da soberania, Vós, que, perseverando, haveis de um dia, Pôr nossa pátria sobre novos trilhos. Que a vossa grande fé não esmoreça; O futuro pertence-vos; lutai Sem medo algum, por tudo o que aconteça. Firmes em nossos ideais tão nobres, Sempre, em mim, vós tereis o mesmo pai, E em vós eu terei sempre os mesmos pobres! 515

É certo que trabalhos têm sido realizados repensando as relações entre Vargas e os

“trabalhadores do Brasil”, mas não é menos certo que tais trabalhos se enriqueceriam

sobremaneira se fossem alimentados por uma reflexão a respeito das relações entre

Roosevelt e os “homens esquecidos” dos Estados Unidos.516 Os arquivos americanos estão

515 COPPOLI, Lisindo. Política em versos. Sonetos humorísticos. São Paulo: Livraria Editora Antonio de Carvalho, 1954, p. 16. 516 Cf. FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil. O imaginário popular. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.

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repletos de material para uma tal pesquisa, como a carta que se segue e que, ao encerrar o

presente trabalho, convida à sua continuação:

Louisville, Georgia, 27 de novembro de 1933.

Prezado Senhor, Perdi minha casa em um incêndio no domingo. Eu prezava duas cartas que o senhor havia me enviou mais do que o senhor poderá jamais compreender. Uma quando o senhor era governador de Nova York. A outra depois que o senhor foi eleito Presidente. Eu era membro da Roosevelt for President Business and Professional League. Sempre fui um democrata. O senhor é o maior presidente que jamais esteve na Casa Branca. Eu me sentei no palco do Fox Theater de Atlanta, Georgia, quando o senhor se dirigiu aos estudantes da Aglethorpe University. O momento mais feliz da minha vida foi quando o vi fazer o juramento presidencial. Diariamente agradeço a Deus por tê-lo como presidente. O senhor tem sido bom para mim. Eu prezava as duas cartas e o senhor por favor me enviaria sua assinatura? Quero guardá-la a vida inteira e dá- la aos meus filhos como inspiração e uma lembrança constante para eles de um homem nobre. Um homem que tem um coração para seus compatriotas e que vive para os outros. Perfeito em pensamento, puro no coração, sincero no propósito. Um homem perfeito. Sinceramente, John Lewis.517

517 LEWIS, John. Carta a Franklin D. Roosevelt, 27 de novembro de 1933. FDR Library. PPF 1014-1037.

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