os grandes impostores - trecho

13
OS GRANDES IMPOSTORES & As verdadeiras histórias por trás de famosos mistérios históricos JAN BONDESON Tradução Paulo Afonso Rio de Janeiro | 2014 os grandes impostores - 5a provas.indd 3 27/02/14 14:31

Upload: editora-bertrand-brasil

Post on 02-Apr-2016

224 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Os grandes impostores: as verdadeiras histórias por trás de famosos mistérios históricos, de Jan Bondeson, diferentemente do sensacionalismo de muitas obras a respeito de segredos célebres e controversos, apresenta um estudo sério e respeitado de casos sem explicação. O autor utiliza todo o seu conhecimento médico e seu juízo criterioso para analisar grandes mistérios não resolvidos envolvendo as mais controversas personalidades dos últimos duzentos anos.

TRANSCRIPT

Page 1: Os grandes impostores - Trecho

OS

GRANDESIMPOSTORES

&As verdadeiras histórias por trás de famosos

mistérios históricos

JA N B O N D E S O N

Tradução

Paulo Afonso

Rio de Janeiro | 2014

os grandes impostores - 5a provas.indd 3 27/02/14 14:31

Page 2: Os grandes impostores - Trecho

1

O Delfim Desaparecido

&

o p r í n c i p e l u í s c a r l o s , segundo filho do rei Luís XVI, da França, e da

rainha Maria Antonieta, nasceu no dia 27 de março de 1785. Ao descrever

seus primeiros anos de vida, historiadores sentimentais referiam-se a ele

como o mais feliz dos jovens príncipes. E é verdade que não parecia haver

muita tristeza em sua vida. De olhos azuis e longos cachos louros, ele

era um garoto bonito, inteligente, dinâmico e de riso fácil. Seus orgu-

lhosos pais eram loucos por ele e frequentemente compareciam às suas

aulas ou observavam suas brincadeiras. Especialmente devoto à mãe, Luís

Carlos adquiriu o hábito de levar para ela flores de um pequeno jardim,

do qual ele mesmo cuidava. Em 1789, seu irmão mais velho, Luís José,

morreu de tuberculose. Luís Carlos se tornou então o delfim, ou seja, o

herdeiro do trono. Nessa época, Maria Antonieta o descreveu em uma

carta: ele era um garoto forte e saudável, com um temperamento alegre e

despreocupado. Alheio à própria importância, ficou mais feliz em herdar

o cachorro do irmão do que em se tornar o herdeiro da coroa francesa.

os grandes impostores - 5a provas.indd 11 27/02/14 14:31

Page 3: Os grandes impostores - Trecho

12 O S G R A N D E S I M P O S T O R E S

A vida do delfim mudaria para sempre ainda naquele mesmo ano,

quando mulheres proletárias marcharam sobre Versalhes e obrigaram a

família real, cercada por uma multidão ululante, a retornar com elas

a Paris. O rei e a rainha permaneceram no Palácio das Tulherias como

pouco mais que cativos, peões valiosos que os revolucionários mantinham

em seu poder. Em junho de 1791, o corajoso nobre sueco Axel von Fersen

retirou a família real das Tulherias em uma carruagem, furtivamente, na

esperança de alcançar o quartel-general do marquês de Bouillé, um dos

comandantes das forças monarquistas. Na cidade de Varennes, já perto da

área controlada por elas, a família real foi detida pela guarda nacional.

Devotado monarquista, o duque de Choiseul esvaziou as ruas com uma

tropa de quarenta hussardos e se ofereceu para escoltar o rei até um lugar

seguro. Mas o vacilante Luís XVI não quis ser resgatado, nem mesmo

permitiu que seus filhos fossem salvos, sob a alegação de que o sangue

Duas gravuras do verdadeiro Luís Carlos. A da direita, de 1792, foi baseada em um retrato pintado por Kucharsky; a da esquerda,

provavelmente, é uma combinação de outros retratos.

os grandes impostores - 5a provas.indd 12 27/02/14 14:32

Page 4: Os grandes impostores - Trecho

O De l f im De s apa r e c i d o 13

de seus súditos poderia ser derramado. Uma decisão que ele lamentaria

amargamente. A viagem a Varennes terminou com a família real sendo

recolocada na carruagem e escoltada de volta a Paris, numa longa e exaus-

tiva viagem, em meio a multidões furiosas. Os enraivecidos sans-culottes

cuspiram no rosto do rei, rasgaram o vestido da rainha e quase mataram

de medo o jovem delfim. Como resultado dessa malograda tentativa de

fuga, a família real foi aprisionada na torre do Templo, em Paris.1

A torre do Templo, em Paris.

os grandes impostores - 5a provas.indd 13 27/02/14 14:32

Page 5: Os grandes impostores - Trecho

14 O S G R A N D E S I M P O S T O R E S

NO TEMPLO

o t e m p l o p e rt e n c e r a aos Cavaleiros Templários. Sua elevada torre

assomava sobre as casas parisienses desde o século XIII. Era uma grande

construção quadrada, com cerca de 45 m de altura; suas paredes tinham

três metros de espessura. A rainha foi aprisionada em um quarto no ter-

ceiro andar da torre, juntamente com a filha Maria Teresa. A irmã do

rei, Madame Elizabeth, ficou no quarto adjacente. Um terceiro quarto,

menor, era ocupado por Monsieur e Madame Tison, dois idosos con-

tratados como criados, mas cuja verdadeira ocupação era espionar pri-

sioneiros reais. O rei ocupava um conjunto de quartos no segundo andar,

juntamente com Cléry, o criado. No quarto andar, havia uma galeria onde

os prisioneiros tinham permissão para caminhar e respirar ar fresco; uma

divisória separava a área destinada ao rei da parte reservada para suas

parentas. O delfim dormia no quarto do rei, no segundo andar. Conta-se

que, certa vez, quando um operário estava reforçando uma das portas,

o rei o ajudou, para mostrar ao delfim como utilizar as ferramentas.

O operário comentou que, quando o rei fosse libertado, poderia dizer que

ajudara a construir sua própria prisão. O rei deu um suspiro profundo,

conjeturando sobre quanto tempo ainda permaneceria encarcerado por

seu próprio povo. O delfim, que entendia o que estava acontecendo com

seus pais, ficou perplexo.

Revoltada com o modo como sua família vinha sendo tratada, a rainha

esperava que os exércitos austríacos e prussianos, que haviam invadido

a França revolucionária, viessem em seu auxílio. No dia 2 de setembro,

soube-se em Paris que Verdun havia caído e que os invasores se aproxi-

mavam. Isso provocou distúrbios generalizados. A princesa de Lamballe,

dama de companhia da rainha, foi capturada nas ruas de Paris e esquar-

tejada pela turba. Suas vísceras foram atiradas aos cães e seu coração foi

os grandes impostores - 5a provas.indd 14 27/02/14 14:32

Page 6: Os grandes impostores - Trecho

O De l f im De s apa r e c i d o 15

cozido e comido pelos enlouquecidos sans-culottes. Esses então espetaram

sua cabeça numa estaca e a levaram até uma barbearia para receber um

penteado. Depois marcharam com ela até o Templo, para exibi-la a Maria

Antonieta.

Sabendo muito bem que poderia haver tentativas de resgatar a família

real, os revolucionários não paravam de aumentar a segurança da torre.

Portas duplas e aferrolhadas bloqueavam o acesso à escada em espiral de

uma das torretas. A porta externa da torre permanecia trancada e guardada

por duas sentinelas. Um muro elevado foi construído ao redor da torre, e

vigiado dia e noite. No lado de fora desse muro, havia uma guarnição de

pelo menos duzentos soldados, alguns dos quais vigiavam a única saída,

na rua do Templo. À noite, guardas dormiam nas antecâmaras do rei e da

rainha. O andar térreo da grande torre era uma sala de reuniões para os

revolucionários que administravam o Templo; assim, a qualquer som de

lutas, reforços estariam prontamente disponíveis. Para ser bem-sucedido,

um plano para o resgate de qualquer membro da família real teria de

contar com uma bem-organizada ajuda externa. Diversos monarquistas

em Paris conspiravam para salvar o rei, com destaque para o barão de

Batz, um aventureiro que vivia imaginando esquemas rocambolescos ao

estilo do Pimpinela Escarlate,* embora com menos habilidade e determi-

nação. O rei e a rainha também tinham uma grande amiga na Inglaterra:

Charlotte Atkyns, uma antiga atriz que gastou muito tempo e dinheiro

* Protagonista de uma série de romances escritos entre 1905 e 1940 pela baro-

nesa Emma Orczy — escritora britânica nascida na Hungria —, todos ambientados

durante a Revolução Francesa em seu período mais sinistro, conhecido como

“O Terror”. Pimpinela Escarlate é a identidade secreta de Sir Percy Blakeney, um

baronete inglês que se dedica a salvar indivíduos condenados à guilhotina. A cada

resgate bem-sucedido ele deixa um cartão com a imagem de uma pequena flor, uma

pimpinela escarlate, hábito que lhe valeu o apelido. (N.T.)

os grandes impostores - 5a provas.indd 15 27/02/14 14:32

Page 7: Os grandes impostores - Trecho

16 O S G R A N D E S I M P O S T O R E S

em planos amalucados concebidos por uma gangue de marginais fran-

ceses, que se diziam monarquistas para ludibriá-la, mas estavam apenas

arrancando seu dinheiro.2

O rei e a rainha ainda esperavam que as tropas austríacas e prussianas

viessem em seu socorro, mas os exércitos franceses prevaleciam em várias

batalhas. Em setembro de 1792, a França se tornou uma república; os car-

cereiros comunicaram aos prisioneiros do Templo que agora eles eram

apenas o cidadão Capeto e sua esposa. O passo seguinte foi o julgamento

do rei por traição. Quando ele foi levado para a Convenção Nacional, em

dezembro de 1792, o delfim foi entregue à sua mãe e se mudou para o

terceiro andar da torre do Templo. No dia 20 de janeiro de 1793, o delfim

Luís XVI arrancado de sua família e levado para a guilhotina. Esta cena dramática se tornou um tema recorrente em gravuras populares após

a restauração da monarquia Bourbon.

os grandes impostores - 5a provas.indd 16 27/02/14 14:32

Page 8: Os grandes impostores - Trecho

O De l f im De s apa r e c i d o 17

viu seu pai pela última vez. O rei, aparentemente calmo e controlado, fez

o filho prometer que jamais vingaria a sua morte. Na manhã seguinte,

foi executado. Mais tarde, no mesmo dia, Maria Antonieta informou a

Luís Carlos que seu pai estava morto e que ele era agora o rei Luís XVII

da França.

Como resultado da execução do rei, diversos países, entre eles a Grã-

Bretanha e a Rússia, juntaram-se às fileiras dos inimigos da França revolu-

cionária. Além disso, um dos principais comandantes militares franceses,

o general Dumouriez, mudou de lado e se tornou monarquista. Na região

da Vendeia, houve uma bem-organizada rebelião monarquista. Mas os

líderes revolucionários reagiram em todas as frentes. Em abril de 1793,

foi instituído o Comitê de Segurança Pública, com amplos poderes para

formar novos exércitos e combater os inimigos da França — internos e

externos. Elementos moderados foram aos poucos afastados dos centros

de poder, dando lugar a extremistas. Jacques René Hébert, editor do

jornal populista Le Père Duchesne, era o pior do bando: abertamente advo-

gava que a viúva Capeto e toda a sua prole fossem exterminadas de uma

vez por todas. Anaxágoras Chaumette, procurador da Comuna de Paris,

concordava plenamente com sua opinião de que a França deveria ser

expurgada dos monarquistas. As lutas internas entre as diferentes facções

de revolucionários eram ferozes, pois esta era a época do Terror, quando

milhares de pessoas eram guilhotinadas. A Comuna, sempre em guarda

contra tentativas de resgatar a família real do Templo, redobrou suas pre-

cauções: criou um sistema em que funcionários de confiança, os cha-

mados comissários do Templo, inspecionavam os quartos todos os dias

para verificar se os reais prisioneiros estavam seguramente trancados e

rigorosamente vigiados.

No início de maio de 1793, Luís Carlos se queixou de dor de cabeça,

febre intermitente e uma pontada em um lado do tronco que o impedia

os grandes impostores - 5a provas.indd 17 27/02/14 14:32

Page 9: Os grandes impostores - Trecho

18 O S G R A N D E S I M P O S T O R E S

de rir. As súplicas da rainha para que ele fosse examinado por um médico

foram ignoradas por vários dias, mas o médico da prisão, o dr. Thierry,

acabou sendo chamado. Embora os medicamentos que prescreveu tenham

sido em grande parte placebos, pelos padrões da medicina moderna,

Luís Carlos se recuperou completamente em poucas semanas. No mês

seguinte, ele sofreu um acidente durante uma brincadeira, quando

estava cavalgando um cabo de vassoura. Com muita dificuldade, a rainha

conseguiu de novo os cuidados de um médico. Um especialista em

hérnias, o dr. Pipelet, prescreveu um curativo, que logo curou o garoto.

Luís Carlos teve então uma dor abdominal. O dr. Thierry suspeitou de

vermes. Enemas vermífugos foram então aplicados com sucesso conside-

rável: o paciente excretou uma prodigiosa quantidade de vermes e, uma

vez mais, pareceu curado. Os médicos retornaram para examiná-lo mais

uma ou duas vezes, mas não prescreveram nenhum remédio, e não há

registro de que Luís Carlos tenha reclamado de qualquer mal-estar.

O CARCEREIRO SIMON E SEU PUPILO

na n o i t e d e 3 de julho de 1793, um destacamento de seis guardas

irrompeu no quarto da rainha e tirou Luís Carlos de sua companhia.

O garoto foi transferido para o velho quarto de Luís XVI no segundo

andar, onde foi recebido por seu novo tutor, o sapateiro Antoine Simon.

Após uma vida de obscuridade, esse indivíduo chamara a atenção dos

terro ristas no poder como leal republicano. O plano de Chaumette e

Hébert era separar Luís Carlos de sua família e fazê-lo perder qualquer

ideia de privilégio. Simon não poderia oferecer muita coisa a seu pupilo

em termos de educação formal, sendo ele mesmo completamente anal-

fabeto. Mas fez o melhor que pôde para transformar o pequeno Capeto,

os grandes impostores - 5a provas.indd 18 27/02/14 14:32

Page 10: Os grandes impostores - Trecho

O De l f im De s apa r e c i d o 19

como o menino era chamado, em um pequeno sans-culotte: através da imi-

tação de seu tutor, Luís Carlos foi ensinado a praguejar desbocadamente,

a cantar canções revolucionárias e a se comportar como um moleque

de rua parisiense. Simon e seus amigos ficavam extasiados quando o

garoto se referia à mãe e à tia como “aquelas vagabundas miseráveis”.

Maria Teresa escreveu mais tarde que uma de suas lembranças mais mar-

cantes dessa época era a de ouvir seu irmão cantando “a Carmagnole, a

Marselhesa e outras canções horríveis do mesmo tipo”, acompanhado

por Simon.3

Historiadores monarquistas têm retratado Simon como um monstro

que torturava Luís Carlos. Ele era com certeza um sujeito estúpido e mal-

educado, que gostava de intimidar seu pupilo e o obrigava a servi-lo à

mesa. Às vezes, quando Luís Carlos fazia alguma travessura ou quando

precisava dar vazão à própria agressividade, Simon batia no menino. Mas

há sólidos indícios de que, com o tempo, ele e sua esposa começaram

de fato a gostar do garoto nobre que lhes fora confiado. Para ajudá-lo a

se esquecer de sua mãe, eles lhe deram um cachorro grande, chamado

Castor, uma gaiola com canários, um pombal e uma mesa de bilhar.

Simon também gostava de jogar damas com ele. Com o tempo, Simon foi

abrandando a dureza do tratamento e começou a receber uma legião de

visitantes. O pequeno Capeto dispunha de uma boa dose de liberdade, e

até tinha permissão para brincar com a filha da lavadeira do Templo fora

da torre. Ele era bem-alimentado, andava limpo e decentemente vestido.

O objetivo claro era converter o menino em um instrumento servil das

autoridades, e não matá-lo ou lhe causar algum mal.

Parte do esquema de Chaumette e Hébert era virar Luís Carlos contra

sua mãe. Quando Simon relatou que, mais de uma vez, vira seu pupilo

“se entregando a um passatempo de garotos, nocivo à sua saúde e à sua

moral”, Hébert concebeu um plano diabólico: fez Luís Carlos confessar

os grandes impostores - 5a provas.indd 19 27/02/14 14:32

Page 11: Os grandes impostores - Trecho

20 O S G R A N D E S I M P O S T O R E S

que na verdade fora sua mãe que o ensinara a se masturbar e, quando

dividira o leito com ela, cometera incesto várias vezes. Hébert também

questionou a natureza de um inchaço que aparecera nos testículos do

menino alguns meses antes. Não seria o resultado de uma doença venérea,

transmitida a ele por sua própria mãe? Ele e Chaumette tentaram per-

suadir o dr. Pipelet a concordar com essa teoria, mas o médico se recusou

com indignação. Então, eles forçaram Luís Carlos a assinar uma decla-

ração acusando sua mãe e sua tia de incesto. É curioso que a assinatura no

fim desse hediondo documento seja grande e garatujada, muito diferente

da caligrafia esmerada que cobre os cadernos do garoto; provavelmente

porque ele fora drogado ou embriagado antes de ser coagido a assinar

O príncipe, ainda pequeno, é espancado por Simon, seu brutal carcereiro. Gravura extraída do livro de Luise M. Mühlbach Marie Antoinette and Her Son

(Maria Antonieta e seu filho — Nova York, 1867).

os grandes impostores - 5a provas.indd 20 27/02/14 14:32

Page 12: Os grandes impostores - Trecho

O De l f im De s apa r e c i d o 21

o papel. Essa declaração foi acrescentada à lista de acusações contra a

rainha, quando ela foi julgada por traição. No momento em que sua irmã

e sua tia foram confrontadas com essas escandalosas mentiras, o pequeno

Capeto foi rude e insidioso, em especial com Madame Elizabeth, a quem

acusou de tê-lo ensinado a se masturbar. Sua irmã, Maria Teresa, então

com 15 anos, foi atormentada durante três horas; enquanto era subme-

tida às mais vis insinuações, seu irmão permaneceu alegre como sempre,

balançando as pernas e frequentemente se intrometendo na conversa

para contradizê-la. Quando a rainha foi confrontada com as acusações

do filho, respondeu que a natureza só poderia sentir repugnância diante

daquelas incríveis falsidades. Em 16 de outubro de 1793, Maria Antonieta

foi guilhotinada. No mesmo dia, seu filho, de 8 anos, dava alegres risadas

em companhia de Simon e seus amigos, jogava bilhar e bebia vinho. Ele

nunca soube da morte de sua mãe.

Durante vários meses, Luís Carlos viveu com Simon e a esposa na

torre do Templo. O sapateiro fora elogiado por Chaumette e Hébert por

ter ajudado a virar o menino contra sua mãe. E poderia esperar fama e

fortuna se conseguisse persuadir seu pupilo a acrescentar mais acusações

contra Madame Elizabeth. Obedientemente, o pequeno Capeto divulgou

que ela tinha um método para enviar mensagens secretas e que, segundo

suas suspeitas, fabricava moedas falsas na prisão. Dessa vez, suas histórias

despertaram menos interesse. Simon percebeu que as coisas estavam

mudando. No início de janeiro de 1794, ele foi destituído de seu posto

e teve de se mudar da torre às pressas, embora obtivesse permissão para

morar no Templo por duas semanas. O mais importante, segundo lhe

parecia, era afastá-lo de seu pupilo. Tempos mais tarde, Simon disse a

amigos que o pequeno Capeto ficara triste ao vê-lo partir, pois esperava se

tornar aprendiz de Simon e aprender a fazer sapatos. O sapateiro, apesar

de sua rudeza, também demonstrou tristeza ao ver seu pupilo pela última

os grandes impostores - 5a provas.indd 21 27/02/14 14:32

Page 13: Os grandes impostores - Trecho

22 O S G R A N D E S I M P O S T O R E S

vez, e até disse a dois dos guardas que gostaria de ter adotado o garoto,

se isso lhe fosse permitido. Seu último ato oficial foi celebrado no dia 19

de janeiro, quando entregou as chaves dos aposentos da prisão a quatro

comissários, que assinaram um certificado declarando que ele lhes entre-

gara o prisioneiro Capeto em boas condições de saúde.

EMPAREDADO VIVO

c h e g a m o s ag o r a à parte mais enigmática do mistério do Delfim

Desa pa recido. Durante o período que Luís Carlos passou com Simon,

muitas pessoas o viram: amigos e companheiros de copo de Simon,

guardas, comissários que faziam suas rondas e pessoas que queriam

vê-lo por curiosidade. Mas em meados de janeiro tudo mudou. Um dos

quartos do segundo andar, provavelmente o mesmo antes usado como

sala de jantar do rei, foi transformado em uma masmorra. Em sua sólida

porta foi aberto um postigo gradeado, de modo a permitir que os guardas

entregassem comida ao prisioneiro sem terem de abrir as trancas. A janela

foi coberta e protegida com barras de ferro, o que deixava o prisioneiro

em quase total escuridão naquele aposento úmido e nada acolhedor. No

terceiro andar, Maria Teresa se convenceu de que seu irmão fora levado

embora, pois já não o ouvia cantando e gritando em companhia de seu

mentor. Na verdade, após o bulício da saída de Simon e sua esposa, a

torre estava silenciosa como um túmulo.

Em janeiro de 1794 e em vários meses subsequentes não há nenhum

registro a respeito da criança aprisionada na torre do Templo. Só podemos

especular sobre os sentimentos do prisioneiro solitário em sua lúgubre

masmorra. Um dos guardas declarou que o Menino do Templo (como o

chamarei daqui por diante) permanecia a maior parte do tempo em sua

os grandes impostores - 5a provas.indd 22 27/02/14 14:32