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Os espelhos de Ana ClaraMercedes Calvo
Ilustrações Fernando VilelaTradução Fabio WeintraubTemas abordados Espelho • Realidade e fantasia • Poesia
GUIA DE LEITURA
PARA O PROFESSOR
PARA QUE POESIA? POESIA PARA QUEM?
Em um mundo acelerado pela informação, a poesia para crianças, sem deixar de divertir,
constitui um valioso caminho de conhecimento e autoexpressão.
A descoberta dos recursos expressivos da linguagem é
uma conquista importantíssima no processo de aquisição
e desenvolvimento das capacidades verbais da criança. Ao
longo desse processo, o contato com o texto poético consti-
tui marco importante, na medida em que fornece à criança
meios para decodificar as diferentes estratégias discursivas
que povoam, desde sempre, seu mundo em expansão.
48 páginas
A AutorA Mercedes Calvo nasceu em Salto, Uruguai, em 1949. Leitora de poesia desde menina, começou a lecionar para crianças em 1971, e ambas as atividades marcaram sua vida. Em sala de aula, sempre deu especial destaque à linguagem poética, escrevendo sobre o assunto em publicações especializadas. Este é seu livro de estreia.
o ilustrAdor Fernando Vilela nasceu em São Paulo, Brasil, em 1973. Ilustrador, escritor, designer e arte-educador, é bacharel em Artes Plásticas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e mestre pela Escolade Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Por seus livros recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais, entre os quais a menção honrosa no Bologna Ragazzi Award, em 2007, por Lampião e Lancelote. Em 2005, participou da Bienal Internacional de Ilustração de Bratislava, na Eslováquia.
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O papel desempenhado pelo texto poético em sala de aula
liga-se ao fato de ele pôr a própria linguagem em questão, li-
bertando-a dos automatismos. Por essa razão, uma poesia “para
crianças” não cumprirá seu papel enquanto subestimar a inteli-
gência do leitor, recorrendo a noções simplistas, a banalizações
de forma e conteúdo, a diminutivos pueris. Concorrendo com a
velocidade do desenho animado, do vídeo e da internet, a poesia
deve ser capaz de recuperar o sabor dos jogos e das brincadeiras,
atentar para temas, experiências e sentimentos que compõem o
universo cada vez mais heterogêneo do leitor mirim, estimulan-
do-o a indagar, a criar e a refletir.
No século XVIII, o filósofo iluminista francês Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) protestou contra a visão da criança como
adulto em miniatura. A infância, então, passou a ser considera-
da uma etapa essencial do desenvolvimento, da qual dependia
a emergência do cidadão apto a participar plenamente da vida
coletiva.
No mundo contemporâneo, a sociedade da informação e do
mercado impõe a adultização precoce da criança. A poesia re-
presenta nesse contexto um espaço protegido em que é possível
recuperar o sentido lúdico da experiência com a palavra, bem
como fomentar uma abordagem alternativa a sua instrumenta-
lização. Fruto de grande liberdade criativa, a poesia incrementa
a potência fabuladora da criança. Mergulhando-a no frescor da
língua, ajuda a formar leitores ativos, mais habilitados a enfren-
tar a prosa do mundo.
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Os espelhos de Ana Clara Mercedes calvo
FORMAS E TEMAS
A famosa pergunta da madrasta de Branca de Neve serve de
mote a Mercedes Calvo nos versos do poema de abertura de Os
espelhos de Ana Clara. À diferença, porém, da rainha má, Ana
Clara se dirige ao espelho em busca do autoconhecimento. Não
lhe interessa saber “quem é a mais bela”.
A relação entre realidade e fantasia não demora a se colocar.
Os limites entre uma e outra ora estão claros (“O sinal já toca”,
p. 10), ora se embaralham (“A fada que vive no varal”, p. 31), ora
são questionados (“Coruja, serpente”, p. 23). O que se destaca
no conjunto é a riqueza do olhar infantil, que reinventa seres e
coisas a todo momento.
Para dar forma às andanças de Ana Clara, dentro e fora dos
espelhos, Mercedes Calvo não se limita ao uso de versos metrifi-
cados (redondilhas maior e menor, predominantemente), encon-
trando também no verso livre um caminho por onde seguir. Há
ainda brincadeiras visuais, como ocorre em “Com relógios tenho
um caso” (p. 19) e em “Galopa um cavalo” (p. 34), o que ilustra a
diversidade dos recursos compositivos de que se serve a autora.
Examinando a realidade por meio do espelho, Ana Clara atri-
bui-lhe outros sentidos. Não seria esse o movimento da poesia?
Um dos espelhos da menina é justamente a poesia, que revela as-
pectos do real subtraídos à percepção e desperta o desejo de par-
tilhar tais descobertas: “Atenção, não se esqueça:/ são seus olhos.
Anote o que vê. Escreva no vento”.
Olhar o mundo de outro modo, sob outro ângulo é o desafio que
Mercedes Calvo propõe a seu leitor, seja ele criança ou adulto.
MAIS DE PERTO
EspElho, EspElho mEu
Não poderia ser mais simbólica a porta pela qual Ana Clara
acede a mundos paralelos. Em “O sinal já toca” (p. 10), a meni-
na, voltando da escola para casa, se imagina como uma borbo-
leta voando entre as flores do caminho. Os dois primeiros e os
dois últimos versos são como que balizas marcando a fronteira
entre realidade e fantasia. Já em “Vou na beirada de um sonho”
(p. 16), Ana Clara, depois de andar “na beirada de um sonho”,
de cavalgar “na roda do tempo”, de voar “no ar impreciso”, in-
terrompe a fantasia “abrindo janelas”. A questão ressurge em
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“Coruja, serpente” (p. 23), cujos quatro primeiros versos são for-
mados por substantivos concretos (“coruja”, “serpente”, “toma-
tes”, “casa”, “chafariz”, “salgueiro”) que, no entanto, convertem-se
em elementos da fantasia, como os ogros, as fadas e o príncipe
sapo. Diante disso, protesta a menina: “Que absurda mania/ de
classificar!”. Também nesse poema o espelho aparece como bre-
cha aberta contra os limites da identidade: “Meu espelho, sua/
cara: onde ficam?”.
ANA CLARA E ALICEA relação entre Ana Clara e o espelho traz também à lembrança
a personagem Alice, de Lewis Carroll. Em Através do espelho e o
que Alice encontrou por lá, a menina se bandeia para o plano
da fantasia, para o outro lado do cristal. A aventura termina com
Alice despertando e descobrindo que o que aconteceu dentro do
espelho não passou de sonho. Já em Os espelhos de Ana Clara,
o fim da viagem fica em aberto, como se coubesse ao leitor o
desafio de prosseguir viagem fantasia afora.
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Os espelhos de Ana Clara Mercedes calvo
REcuRsos visuais
Ao longo do livro, não são poucos os momentos em que o leitor
depara com perguntas escritas de modo espelhado. Tal espelha-
mento, em alguma medida, reproduz o estranhamento da menina
diante de uma imagem que, embora familiar, está invertida por
habitar o outro lado do espelho: “Meu coração/ é o seu coração?”
“Se a direita é a esquerda/ o riso daqui/ será choro acolá?”.
Mercedes Calvo também se vale de recursos gráficos para mi-
metizar a ação de alguns verbos. Em “Galopa um cavalo” (p. 34)
por exemplo, ela repete letras (“se espicha, se espiiiicha”) ou uti-
liza maiúscula no meio de uma palavra (“estufa, estUfa”). Em “O
sonho que verdeja a primavera”, as letras do verbo “cair” despen-
cam pela página: “a maçã que c/ a/ i entre as folhas”.
Há um poema em que a autora vai ainda mais longe. Em, “Com
relógios tenho um caso” (p. 19), a disposição dos versos na página,
mais largos em direção às extremidades e estreitos no meio, lem-
bra uma ampulheta. É o que se chama de poema figurado, com-
posição cuja imagem traduz visualmente o conteúdo. Além disso,
a justaposição da ampulheta à ilustração do relógio, na página da
esquerda, põe em cena a temporalidade na própria forma de me-
dir o tempo, que se transforma ao longo da história.
Porém o tempo que dorme “nos relógios, prisioneiro” (p. 4)
nada tem que ver com o tempo do sonho “que não se esgota e
sempre está”. O livro todo tira partido desse confronto entre
tempo subjetivo e tempo físico, os quais coincidem e divergem
como os dois lados do espelho.
TECHNOPAEGNIAA técnica de compor poemas com versos de tamanho desigual
(cuja configuração na página imita o contorno dos objetos neles
tematizados) foi uma invenção da poesia alexandrina e recebeu
o nome de technopaegnia, termo que em grego significa “jogo,
brincadeira ou diversão de arte”. Explica o poeta e tradutor
José Paulo Paes que essa técnica “passou para a poesia latina
com a designação de carmem figuratum – poema figurado ou
emblemático –, alcançou certa popularidade na Renascença,
entrou pelo Barroco adentro, foi estilizada pelos neoclássicos
como manifestação de false wit e teve um avatar moderno nos
experimentos tipográficos dos futuristas e nos caligramas de
Guilherme Apollinaire”.
Ver PAES, José Paulo. O ovo por dentro e por fora. Folha de S.Paulo, caderno Mais!, 27 fev. 1994.
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Os espelhos de Ana Clara Mercedes calvo
cEntElhas do imagináRio
Em “Lanço a pedrinha” (p. 27), brincando com o tradicional
jogo da amarelinha, Ana Clara suspende o tempo e dá vazão ao
imaginário: “Se piso em falso,/ ah, tanto faz./ Sempre se pode/
voltar atrás”. Há nos versos do poema uma cadência (produzida
pela regularidade métrica dos versos tetrassílabos e pelas rimas
consoantes e toantes) que acompanha o ritmo do pula-pula.
A par das brincadeiras infantis, a autora utiliza referências dos
contos de fadas. Além do poema de abertura, que retoma a per-
gunta feita ao espelho mágico pela madrasta de Branca de Neve,
há dois outros em que aparecem elementos desse universo. Em
“A fada que vive no varal” (p. 31), a fada é ao mesmo tempo uma
figura entre elementos do cotidiano (“Protegida do vento/ so-
bre o telhado,/ divide os parapeitos com meu gato”) e um ser
à parte, sobrenatural (“Caso dela eu necessite,/ bem sei que
virá/ se invocar seu nome mágico”). Já em “Veio um sapo ao jar-
dim” (p. 32), a menina, observando o bicho sob a chuva, lamen-
ta não ser ele um príncipe encantado. Aqui, porém, o desejo de
transfiguração da realidade se frustra com a evasão da criatura,
que, no entanto, salta “desde” os olhos da menina. O advérbio
deslocado, ali onde se esperaria um “ante” ou coisa parecida, in-
dica a origem subjetiva do sapo, que se foi como veio, sob um
aguaceiro que talvez também seja irreal.
poEsia E vERdadE
Conforme destacamos, um problema recorrente ao longo
dos poemas de Mercedes Calvo é o da relação entre ficção e
realidade. “Vestiu seu traje de festa/ a realidade” (p. 12), “Retor-
no abrindo janelas/ para que entre a realidade” (p. 16), “Cha-
mam de real/ esta fantasia?” (p. 23), “É real este nome?” (p. 38),
“É realidade ou fantasia?” (p. 40).
Embora questione a “mania de classificar” (p. 23), em vários
momentos ela parece aderir à lógica que distingue aparência e
verdade, desconfiando dos sentidos como fonte de erro e ali-
nhando espelho, sonho, fantasia e linguagem. A flor no espelho é
falsa, “sem cheiro”, ao passo que, no jardim, está o jasmim “ver-
dadeiro” (p. 9).
Tais distinções, no entanto, são complicadas, pois a repre-
sentação poética é, ao mesmo tempo, aparência e verdade, ima-
gem e realidade, já que as palavras são elementos concretos,
com peso e materialidade próprios. Novalis (1772-1801), poe-
ta romântico alemão, afirma em seus Fragmentos que, “quanto
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mais poético, mais verdadeiro”, querendo designar com a poe-
sia uma espécie de real absoluto que não se evade do mundo,
antes o inaugura.
Por outro lado, pensando na “flor sem cheiro” de Mercedes
e insistindo na distância entre signos e coisas, é possível lem-
brar também a referência feita pelo simbolista francês Stéphane
Mallarmé (1842-1898) à flor “ausente de todos os buquês”, a pa-
lavra “flor”.
Mais perto de nós, Manuel Bandeira (1886-1968) explorou
de modo notável os conflitos entre coisa e representação em
“A realidade e a imagem” (ver boxe abaixo). A despeito da apa-
rência de neutralidade, de descrição objetiva, fotográfica de uma
cena urbana, o poema cria uma relação teórica entre a indetermi-
nação do título e os versos. A imagem refere-se apenas ao reflexo
do prédio na poça? As polaridades criadas pelo poeta (subida
× descida, pureza × lama, verticalidade × horizontalidade) des-
dobram a oposição do título e deslocam a percepção, incluindo
na imagem outros elementos além do reflexo (o edifício, o chão
e mesmo as pombas) ou, inversamente, extraindo realidade das
distinções que elas operam.
A REALIDADE E A IMAGEMO arranha-céu sobe no ar puro que foi lavado pela chuva
E desce refletido na poça de lama do pátio.
Entre a realidade e a imagem, ao chão seco que as separa,
Quatro pombas passeiam.
Manuel Bandeira, em "Belo belo" (1948).
Em Os espelhos de Ana Clara, transformações semelhantes
ocorrem, apresentando a realidade sob novos ângulos. Em “Este
sino” (p. 38), o sino perde seu peso e se converte em algo “mui-
to leve, cristalino,/ com graça voadora de cristal”. O objeto se
transforma aos olhos de quem lê. Não bastasse isso, a menina
pretende chamá-lo de “véu”. Ana Clara perce-
be, assim, a elasticidade da palavra em
sua dimensão simbólica, reinven-
tando, por conseguinte, o que
nomeia.
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dEpois dE tudo: o fim?Ao chegar ao último poema do livro, o leitor é surpreendido.
Em vez de um ponto final, Mercedes Calvo encerra com dois-pon-
tos e o anúncio de uma pergunta, que não chega a ser feita. Qual
seria o sentido disso? Algumas hipóteses podem ser levantadas.
O livro começa e termina com perguntas. Será que a pergunta
final não aparece por ser apenas uma variação das questões feitas
ao longo do livro (O que é a realidade? Onde está? Como ela se
distingue da fantasia? O que é o tempo? O que é a poesia)? A per-
gunta final não aparece porque o espelho, a quem se dirige Ana
Clara, quebrou-se? (Mas isso já não havia acontecido na página
24, no poema “Sete anos de desgraça”?) A pergunta não aparece
porque a encobre o barulho do vento e da rebentação?
Várias são as possibilidades de interpretação desse final em
aberto, mas é certo que tal escolha sacode o leitor, exigindo dele
uma postura mais ativa, da qual dependerá o acender de uma
nova luz, de uma nova página. Trata-se de um fim que engendra
um começo e que, de certa maneira, liberta o leitor da prisão
especular (todo livro não é também um espelho onde o leitor
se mira?), entregando-o à movimentação dos espaços abertos,
ao vaivém das ondas e do vento. É como se a autora contivesse
seu voo para ceder espaço à asa alheia, incentivando o leitor a
construir a própria história, redescobrir o mundo e reinventar
a realidade.
VERSO E REVERSO
Com a leitura do livro de Mercedes Calvo, o professor dispõe
de uma série de elementos passíveis de exploração em sala de
aula. São sugeridas a seguir algumas atividades nesse sentido.
dE tRás paRa fREntE
Sabemos que em algumas páginas do livro os versos estão
espelhados, cabendo ao leitor decifrá-los. O professor pode
aproveitar esse recurso para introduzir a noção de palíndromo,
isto é, uma frase ou palavra cuja leitura da esquerda para a di-
reita e em sentido inverso é coincidente. O ideal é começar com
palavras simples, como “ovo”, “ama”, “osso”, “socos”, “reviver”,
“sopapos”. Os alunos serão incentivados a criar listas de pala-
vras palindrômicas, com número crescente de letras. Depois
das palavras isoladas, o professor pode apresentar frases curtas,
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como “A vaca cava”, “Assam a massa”, “A sacada da casa”, expli-
cando que, em um palíndromo frasal, desconsideram-se os es-
paços entre palavras, bem como os acentos e sinais de pontua-
ção. Das frases curtas, passa-se a orações mais longas, como
“Anotaram a data da maratona” e a clássica “Socorram-me!
Subi no ônibus em Marrocos”. É possível falar ainda dos palín-
dromos “insensatos”, sem sentido, em que a única exigência é
agrupar palavras legíveis de trás para frente (como “Olé! Mara-
cujá, caju, caramelo”), e de composições mais complexas, como
o quadrado Sator, estrutura com cinco palavras em latim que
podem ser lidas não apenas da esquerda para a direita, mas
também de cima para baixo. Trata-se de uma composição mui-
to antiga, inscrita em vários acha-
dos arqueológicos da Europa, o
mais antigo deles na cidade de
Pompeia, nas escavações de um gi-
násio. A tradução aproximada da
composição seria “O semeador
(sator) Arepo (nome próprio)
mantém (tenet) a charrua (opera)
nos sulcos (rotas)” ou “O Criador
(metaforicamente designado pela imagem de quem semeia)
mantém nos eixos sua obra/sustém o mundo na órbita”.
Talvez também seja possível apresentar aos alunos algumas
canções brasileiras feitas a partir de palíndromos, como “Relp”,
de José Miguel Wisnik, em cuja letra encontram-se alguns pa-
líndromos inventados pela filha do compositor, Marina Wisnik,
como “lá vou eu em meu eu oval”, “ser cor e ser ocres”, “oi, rato
otário” e “só dote, dádiva é a vida de todos”. A canção faz parte
do CD independente São Paulo Rio, de 2000, e pode ser escutada
na voz do autor em http://youtu.be/hVw34h3eY_Y. A letra está
disponível em http://www.radio.uol.com.br/#/letras-e-musicas/
jose-miguel-wisnik/relp/2253927
Por fim, após tantos exemplos, propõe-se aos alunos um exer-
cício de produção textual com palíndromos. Valem poemas, car-
tazes ou mesmo canções.
S A T O RA R E P OT E N E TO P E R AR O T A S
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poEsia visual
Outra atividade passível de desenvolvimento em
sala de aula refere-se ao estudo dos recursos gráficos em
poemas figurados antigos, em experimentos das vanguardas
europeias e nos poemas do concretismo brasileiro. Pesquisan-
do na internet e em antologias de poesia visual, os alunos cons-
tituirão eles mesmos uma pequena amostra com poemas de
diferentes épocas. O professor pode dar o pontapé inicial apre-
sentando à classe poemas como “O ovo”, de Símias de Rodes (ou
“A flauta”, de Teócrito), “A chuva”, de Guillaume Apollinaire, e
algum poema de Augusto de Campos. A pesquisa fornecerá sub-
sídios para que os alunos elaborem composições semelhantes,
quem sabe em programas de computação gráfica, explorando
diferentes tipologias, variações no corpo e na cor das letras etc.
da palavRa à imagEm
As ilustrações de Fernando Vilela são outro estímulo poderoso
ao trabalho em sala de aula. Investigar a relação entre elas e os
poemas pode ampliar a compreensão sobre o livro. Com o auxílio
do professor de artes, os alunos devem ser orientados, inicialmen-
te, a compreender algumas das técnicas utilizadas pelo ilustrador
(xilogravura, nanquim, aguada), a escolha de cores (preto, azul e
magenta), bem como algumas escolhas interpretativas em relação
ao texto. Uma das questões recorrentes ao longo dos versos é a
da identidade posta em xeque pelo reflexo. Fernando Vilela soube
explorá-la, por exemplo, nas páginas 7 e 22, em que o reflexo no
espelho difere do objeto diante dele, seja por uma mudança de cor
(p. 7), seja por uma alteração mais radical, em que a menina com
coruja vira uma espécie de princesa ou fada, com coroa e varinha
mágica (p. 22). Outro ponto interessante de observar são as so-
breposições de elementos, que ocorrem nos versos e nas imagens,
como nas páginas 34 e 35, em que trem, cavalo e galinha se fun-
dem na mesma ilustração.
Depois de chamar a atenção da turma para esses aspectos, o
professor, escolhendo alguns dos poemas, estimulará os alunos a
criar outras ilustrações. Isso lhes possibilitará retornar aos versos
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e avançar em outras direções. Por fim, as ilustrações assim pro-
duzidas comporão uma mostra de artes, a ser exibida no mural
da escola.
fábula E cotidiano
São muitos os poemas nos quais o universo dos contos de
fadas está presente. Mercedes Calvo retoma elementos desse
universo, como fantasmas, fadas, ogros, bruxas, misturando-
-os ao cotidiano de Ana Clara, que encontra neles um modo de
transformar o mundo a seu redor. Usando como exemplo os
poemas “Quando cai a chuva” e “A fada que vive no varal”, ou
ainda “Galopa um cavalo”, o professor orienta a turma a trans-
formar uma experiência do cotidiano em algo fabuloso. Assim,
os alunos devem tomar como base um fato prosaico, intro-
duzindo nele elementos que o façam transitar para a fantasia.
Dessa maneira, são elaboradas breves narrativas. Num segundo
momento, o professor escolhe algumas delas para leitura em
voz alta, talvez com o apoio de recursos cênicos, como cenário,
roupas, objetos e sonoplastia.
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OUTRAS VIAGENS
• LIVROS
paRa o pRofEssoR
MENEZES, Philadelpho. Roteiro de leitura: poesia concreta e visual. São Paulo: Ática, 1998.
Excelente reflexão sobre a poesia concreta e visual brasilei-ra, acompanhada de diversos exemplos e análises úteis para
utilização em sala de aula.
paRa o aluno
CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice: No país das maravi-lhas. Através do espelho e o que Alice encontrou por lá e outros textos. 9. ed. Rio de Janeiro: Summus Editorial, s/d.
Reunião das histórias de Alice traduzidas e apresentadas pelo poeta Sebastião Uchoa Leite. Acompanham os contos
cartas do autor e fotografias, entre outras coisas.
CRUZ, Nelson. Alice no telhado. São Paulo: Edições SM, 2010.
Cruz recupera os personagens de Lewis Carroll deslocando- -os de cenário. Aqui Alice se engaja numa perseguição portelhados de casas simples, encarapitadas no morro, quelembram o padrão de urbanização presente na periferia de
grandes cidades brasileiras.
LORCA, Federico García. Meu coração é tua casa. São Paulo: Comboio de Corda, 2007.
Cuidadosa seleção para crianças de poemas do autor de Ro-manceiro gitano (1928). Nesses poemas, destaca-se, entre outros aspectos, uma relação mais livre com o tempo, que em Lorca, como em Calvo, não quer ser “prisioneiro nos relógios”. “Oh,
poeta infantil,/ quebra o relógio”, propõe o gênio andaluz.
• CDNa rua agora (2012), de Marina Wisnik.
A jovem poeta obcecada por palíndromos explora nas can-ções de seu CD de estreia um jogo especular semelhante, conforme ela mesma explica: “De maneira não proposital, essas frases que vão e voltam – e tratam do espelhamento no conteúdo e na forma – estruturaram também as músicas. São mantras, com melodias simples, que se repetem, tentan-do pensar as relações do mundo entre o eu e o outro”.O CD está disponível para download gratuito em http://www.
amusicoteca.com.br/?p=6141. Acesso em: 25 mar. 2012
Elaboração do guia Carlos FrederiCo Barrère Martin (doutorando em Letras peLa FacuLdade de FiLosoFia, Letras e ciências Humanas da universidade de são pauLo); prEparação FaBio WeintrauB; rEvisão MarCia Menin; diagramação aM Produções