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Andréia Regina Both
TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO II
OS ELEMENTOS QUE APROXIMAM O FILME “O FABULOSO DESTINO DE
AMÉLIE POULAIN” DA ESTÉTICA DO VIDEOCLIPE
Santa Maria, RS
2015
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Andréia Regina Both
OS ELEMENTOS QUE APROXIMAM O FILME “O FABULOSO DESTINO DE
AMÉLIE POULAIN” DA ESTÉTICA DO VIDEOCLIPE
Trabalho Final de Graduação II apresentado ao
Curso de Publicidade e Propaganda, Área de
Ciências Sociais, do Centro Universitário
Franciscano – Unifra, como requisito para
obtenção do grau de Bacharel em Publicidade
e Propaganda.
Orientadora: Profa. Dra. Michele Kapp Trevisan
Santa Maria, RS
2015
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Andréia Regina Both
OS ELEMENTOS QUE APROXIMAM O FILME “O FABULOSO DESTINO DE
AMÉLIE POULAIN” DA ESTÉTICA DO VIDEOCLIPE
Trabalho Final de Graduação II apresentado ao Curso de Publicidade e Propaganda, área de
Ciências Sociais, do Centro Universitário Franciscano, como requisito para obtenção do grau
de Bacharel em Publicidade e Propaganda.
_______________________________________________________
Prof.ª Dra. Michele Kapp Trevisan – Orientadora (Centro Universitário Franciscano)
_______________________________________________________
Prof. Me. Carlos Alberto Badke (Centro Universitário Franciscano)
_______________________________________________________
Prof. Me. Laura Elise de Oliveira Fabricio (Centro Universitário Franciscano)
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DEDICATÓRIA
A todos os apaixonados pelo fabuloso mundo do audiovisual.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente: MEU DEUS EU TERMINEI O TFG!
Considero essa uma das partes que completam a beleza do trabalho de conclusão de
curso, afinal é o momento de demonstrar gratidão as pessoas que caminharam comigo por
esses 4 (nada fáceis) anos de graduação.
Sem dúvida alguma as primeiras pessoas que me vem a cabeça quando penso nessa
caminhada são meus pais. Minha mãe, minha maior admiração, fonte de referência em pessoa
na qual eu me guio para ser. Meu pai, aquele a quem sou igual, tanto em forma física quanto
na maneira de ser. Ambos são as pessoas que determinam o meu caráter e que juntos formam
o meu ser. A 5 anos atrás eu quis sair de casa, apesar de ser a caçula da casa e princesinha do
pai, nunca me negaram esse desejo. Fizeram esforços que vão além do que a minha
capacidade de redatora publicitária poderia relatar. Meus pais, me criaram pro mundo. Me
ensinaram a buscar meus sonhos, mesmo que isso implicasse em ficar longe deles.
OBRIGADA POR TUDO. Eu amo vocês de uma maneira inexplicável.
As minhas irmãs, presentes da minha vida. Quero que saibam que sempre será nós 3 e
mesmo quando não estivermos nós 3 juntas, nunca deixa de ser nós. Vocês foram
fundamentais na minha vida. Me espelho no jeito maravilhoso de ser de cada uma. Obrigada
por sempre fazerem com que eu esteja presente nos momentos com vocês através de ligações
e fotos, VOCÊS SÃO MARAVILHOSAS. Me apoiaram até o último minuto nesse momento.
Amo vocês! A Isa, amor da minha vida. Apesar de ter apenas 6 anos, é tão sensitiva aos
sentimentos dos outros. A tia te ama muito!
Aos meus padrinhos, que exercem a função de segundos pais. Que se fazem presente
na minha educação desde que eu me entendo por gente. Obrigada por tudo, pelos conselhos,
incentivo e por serem minhas fontes de referência! Aos primos-irmãos que a vida me deu
Marcelo e Natanael. Ter irmãos sempre foi um desejo que eu tive, de tanto que eu pedi a
vida me deu dois dos mais protetores e que se fizeram presentes nessa jornada de 4 anos. Ao
homem da minha, que só não é meu pelo deslize de ser gay, Vinicius. Meus olhos brilham ao
lembrar os nossos momentos nesses anos todos. Obrigada por nunca me deixar sozinha e se
fazer presente diariamente, por me cuidar e me ensinar a viver. Te amo! Ao Henrique,
obrigada pelos 5 anos em que acompanhou a minha jornada, me apoiou e me ensinou a buscar
meus sonhos. Por não me deixar desistir diante da primeira dificuldade e por se mostrar
presente mesmo quando distante. As minhas professoras que se tornaram também minhas
amigas. Em especial a Angélica, Laura e Cristina. Que um dia eu possa ser uma profissional
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como vocês! Aos anos de aprendizado na Gema, a primeira agência a me acolher e iniciar a
formação do meu perfil profissional, tive uma equipe referência de muitos jobs que vieram a
seguir, as professoras Pauline e Janea o meu carinho pelo acolhimento e aprendizado. Ao
Lucas, que se fez presente nessa jornada, como um dos meus melhores amigos. Sendo a
primeira pessoa a confiar no meu trabalho e sempre buscando prestigiar todos eles. Saiba que
eu te admiro! Ao Sambô e meu maninho Rasta (vão ter tópico juntos, pois pra mim são um
só), MUITO OBRIGADA de coração, por todas às vezes em eu precisei, por estarem
presentes independente da hora. Vocês são muito mais do que melhores pessoas do mundo,
são meus melhores amigos. Espero de verdade que eu possa ser importante pra vocês da
maneira que vocês são pra mim. Todo o amor do mundo pra nossa amizade! Ao Davi, Pablo,
Germano, Vitor e Chico, esses vão dá guris bons! Sempre achei importante manter ao meu
lado pessoas que fizessem com que eu me sentisse bem e que fossem verdadeiras, estes com
certeza são as mais sinceras pessoas que eu conheci. OBRIGADA por se fazerem as pessoas
mais presentes e importantes nesses 4 anos. Saiba que eu vou continuar atucanando vocês,
mas dessa vez pra que nunca saiam, da minha vida! As minhas migas Mariana e Gabriela,
existem poucas pessoas que passam na nossa vida e que com toda a sua essência nos cativam
e se fazem permanecer nela por anos apesar de uma eventual distância que possa vir. Pessoas
que se tornam fundamental pela sua carisma, amizade, companheirismo e entre tantas
qualidades que vocês tem. Seria difícil não falar da gente como um todo afinal somos reflexos
uma das outras. OBRIGADA POR TUDO, amo vocês!
OBRIGADA A TODA A COMIDA QUE EU COMI NESSE MEIO TEMPO, que me
manteve calma para que eu pudesse escrever e virar noites!
Obrigada aos meus chefes – amigos Marco e Rodrigo, por todo o apoio que me
disponibilizaram, por se mostraram sempre preocupados com a minha formação acadêmica
em primeiro lugar, vocês são DEMAIS. Aos meus colegas de trabalho Lah, Paola, Gui, Gio,
Jai, Brunna e André pelo carinho e delicadeza em se preocuparem com o andamento desse
trabalho e com o meu bem estar. Ao Giuliano Cogo pela minha primeira oportunidade de
estágio, por acreditar que mesmo estando no 4º semestre eu era capaz de desenvolver um bom
trabalho e por sempre me motivar e incentivar na minha busca profissional. A equipe
malavilhosa da Zaveo, Rafa, Gigio, Nanne, Val, Fabricio e Carol com quem aprendi
DEMAIS. Pessoas que sempre terei como base e referência na vida profissional e pessoal.
Por fim, mas com certeza a pessoa mais importante pra mim nesse momento e em
tantos outros a minha amiga, conselheira, professora, orientadora e até mesmo mãezona por
muitas vezes. A minha Amélie Poulain, que tem o seu próprio mundo, o Fabuloso Mundo do
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Audiovisual. Esta que um dia resolveu sair pelo mundo e se tornar professora para que
pudesse ajudar a todos. Ela gosta: quando eu apareço cheia de ideias mirabolantes que entram
em acordo com as suas. Não gosta: quando chego de mãos vazias na orientação. Além do fato
de ajudar a todos, entre as suas peculiaridades estão o fato de ser uma pessoa cativante,
fascinante e diva é claro! Obrigada por ser sempre bela por dentro e por fora, pelos conselhos,
por se importar tanto comigo e principalmente por não me deixar desistir! Obrigada também
por permitir que eu entrasse no teu fabuloso mundo e descobrisse tantas coisas que temos em
comum. Nem te preocupa que eu vou seguir sempre te incomodando, seja online às 3h da
manhã ou até mesmo pelos laboratórios. Te amo!
Meus 4 anos de graduação finalizam-se no momento em que eu colocar o último ponto
final nesses agradecimentos, como eu não me sinto preparada para essa despedida, deixo aqui
a minha história em aberto para que essa caminhada acadêmica continue
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RESUMO
Esta pesquisa tem como finalidade observar a maneira como as diversas linguagens
audiovisuais estão se mesclando e interferindo na estética uma das outras. Com isso, o
objetivo deste trabalho é identificar as características da estética videoclíptica presentes na
produção cinematográfica O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002). Para tanto foi
realizada uma pesquisa bibliográfica onde serão abordados os conceitos da linguagem
cinematográfica, a estética do videoclipe e os apontamentos do autor Ken Dancyger (2003)
sobre o estilo MTV presente nos filmes. Então, a fim de tornar a análise completa, foram
criadas categorias com o propósito de comparar o filme com as características abordadas pelo
autor.
Palavras-chave: Cinema; Videoclipe; Estilo MTV; O Fabuloso Destino de Amélie Poulain.
ABSTRACT
The purpose of this research is to investigate the ways in wich different audiovisual languages
are mixing and changing each other’s aesthetics. The goal is to indentify the music video
aesthetic features in the movie Amélie (2002). For this purpose, a bibliographic research has
been made adressing the concepts of cinema language, music vídeo aesthetics and the
sketches of the author Ken Dancyger on MTV style shooting presented in the movies.
Therefore, aiming to make the analyis complete, categories have been created to compare the
movie with the features adressed by the author.
Keywords: cinema; music video; MTV style; Amélie.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Close-up. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002). ........................... 20 Figura 2: Câmera subjetiva. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002). .............. 20 Figura 3 e 4: Flashback. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) .................... 20
Figura 5 e 6: Efeito Kulechov. Fonte: Youtube....................................................................... 21 Figura 7 e 8: Efeito Kulechov. Fonte: Youtube........................................................................ 22 Figura 9 e .10: Efeito Kulechov. Fonte: Youtube. ................................................................... 22 Figura 11: Cena do filme Un Chien Andalou (1929). Fonte: Youtube. ................................... 26 Figura 12: Cena do filme Un Chien Andalou (1929). Fonte: Youtube. ................................... 26
Figura 13: Cena do filme Un Chien Andalou (1929). Fonte: Youtube. ................................... 27 Figura 14: Frame do videoclipe Blood for Poppies (2012) [02:48 – 02:53]. Fonte: Youtube. 27
Figura 15: Cenário do filme O Gabinete do Dr. Caligari (1919). Fonte: Banco de imagens do
Google. ..................................................................................................................................... 28 Figura 16: Maquiagens dos personagens do filme O Gabinete do Dr. Caligari (1919). Fonte:
Banco de imagens do Google. .................................................................................................. 29 Figura 17: Maquiagem do filme A lenda do cavaleiro sem cabeça (1999). Fonte: Internet. ... 30
Figura 18: Cenário do filme A lenda do cavaleiro sem cabeça (1999). Fonte: Internet. .......... 30 Figura 19: Jump cut no filme Jules et Jim (1954). Fonte: Youtube. ........................................ 31
Figura 20: Cena do filme Jailhouse Rock. Fonte: Internet. ...................................................... 34 Figura 21: Identidade visual da MTV. Fonte: Banco de imagens do Google. ......................... 37 Figura 22: Frame do videoclipe Here With Me. Fonte: Youtube ............................................. 39
Figura 23: Cena do último capítulo de Verdades Secretas. Fonte: Site da Globo. ................... 44 Figura 24 e 25: Cenas dos filmes Tudo sobre minha mãe (1999) e A Malvada (1951). Fonte:
Netflix ....................................................................................................................................... 44 Figura 26: Capa do DVD do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002). Fonte:
Ccine 10 .................................................................................................................................... 51 Figura 27: Frame do videoclipe La fille aux bas nylon do diretor Jean-Pierre Jeunet. Fonte:
Youtube. ................................................................................................................................... 52
Figura 28: Frame do comercial Coco Avant Chanel (2009) dirigido por Jean-Pierre Jeunet.
Fonte: Internet. ......................................................................................................................... 52 Figura 29: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002). Fonte: Internet. .... 53 Figura 30: Atriz Flora Giuet como Amélie Poulain. Fonte: Internet........................................ 53 Figura 31: Amélie Poulain. Fonte: Banco de imagens do Google. .......................................... 55 Figura 32: Personagem feminista do quadro Minha vida, minha sorte (1997). Fonte: Banco de
imagens do Google. .................................................................................................................. 55 Figura 33: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [05:29 - 05: 46]. ... 56 Figura 34: cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [14:19 – 14:24]. .... 56
Figura 35: Cena que mostra Amandine Fouet. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2002). ...................................................................................................................................... 58 Figura 36: Cena em que mostra o personagem Raphael Poulain. Fonte: O Fabuloso Destino de
Amélie Poulain (2002). ............................................................................................................ 59
Figura 37:Cena em que mostra o anão de jardim. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie
Poulain (2002). ......................................................................................................................... 59 Figura 38: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [11:18 – 11:41]. .... 60 Figura 39:Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [55:46 – 57:06]. ..... 60 Figura 40: Cena que mostra o personagem Dominique Bretodeau. Fonte: O Fabuloso Destino
de Amélie Poulain (2002). ........................................................................................................ 61
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Figura 41: Cena em que mostra Madeleine Wallace. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie
Poulain (2002). ......................................................................................................................... 62 Figura 42: Cena que mostra Raymon Dufayel. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2002). ...................................................................................................................................... 63 Figura 43: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [48:34 – 49:26] ..... 64 Figura 44: Cena em que mostra Collignon. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2002). ...................................................................................................................................... 65 Figura 45: Cena em que mostra Lucien. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
.................................................................................................................................................. 65 Figura 46: Cena em que mostra Gina. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
.................................................................................................................................................. 66
Figura 47: Cena em que mostra Gerogette. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2002). ...................................................................................................................................... 66
Figura 48: Cena em que mostra Joseph. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
.................................................................................................................................................. 67 Figura 49: Cena em que mostra Hipólito. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2002). ...................................................................................................................................... 67 Figura 50: Cena que mostra Nino. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002). .... 68
Figura 51: Cena em que mostra o homem misterioso. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie
Poulain (2002). ......................................................................................................................... 68
Figura 52: Cena em que Amélie brinca o urso. [08:48 - 09:46]. Fonte: O Fabuloso Destino de
Amélie Poulain (2002). ............................................................................................................ 69 Figura 53: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [12:17 – 12:48]. .... 70
Figura 54: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 70 Figura 55: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [21:25 -22:33] ...... 71
Figura 56: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [01:12:50 -
01:15:34]. .................................................................................................................................. 71
Figura 57: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [01:48:50 –
01:50:14]. .................................................................................................................................. 72 Figura 58: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) (01:54:00 –
01:54:56]. .................................................................................................................................. 72
Figura 59: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [29:40 – 30:17]. .... 73 Figura 60: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 74 Figura 61: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 74 Figura 62: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 75 Figura 63: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [01:10:28 –
01:11:08]. .................................................................................................................................. 75 Figura 64: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 76 Figura 65 e 66: Cena do filme, Carta para Madeleine – Corte acelerado – [01;22;25 –
01;22;34]. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002). .......................................... 76 Figura 67e 68 Jump cut [01:46 – 01:47]. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2002) ....................................................................................................................................... 77 Figura 69 e 70: Jump cut [08:15 – 08:16]. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2002) ....................................................................................................................................... 77 Figura 71: Set Piece [21:25 – 22:33]. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) 78 Figura 72: Set Piece [43:13 – 43:52]. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002). 78 Figura 73: Quadro Chambre avec vue (1998) de Juarez Machado .......................................... 80 Figura 74: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 80 Figura 75: Quadro Lances de poesia em Santo Antonio de Lisboa (1997) de Juarez Machado
.................................................................................................................................................. 80
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Figura 76: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 81
Figura 77: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001) [37:17]. ................. 81 Figura 78: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [01:22:25]. ............ 81 Figura 79: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [57:43 – 57:54]. .... 83 Figura 80: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [57:43 – 57:54]. .... 83 Figura 81: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [01:11 41 –
01:12:42] ................................................................................................................................... 83 Figura 82: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [37:02 – 37:51]. .... 84 Figura 83: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 84 Figura 84: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 85 Figura 85: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 85
Figura 86: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 86 Figura 87: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 86
Figura 88: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 87
Figura 89: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 87 Figura 90: Frame do videoclipe "Sledgehammer". Fonte: Youtube ........................................ 88 Figura 91: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 88 Figura 92: Frame do videoclipe Hear-Shaped Box (1993). Fonte: Youtube. .......................... 89
Figura 93: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 89 Figura 94: Frame do videoclipe "Waterfalls" (1995). Fonte: Youtube .................................... 89
Figura 95: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 90 Figura 96: Frame do videoclipe "Shots" (2015). Fonte: Youtube ............................................ 90 Figura 97: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)............................... 90
Figura 98: Frame do videoclipe "Forever" (2011). Fonte: Youtube ........................................ 91 Figura 99: Frame do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002). ........................... 91
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12
2 LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA: DAS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS AO
CINEMA EXPERIMENTAL ................................................................................................ 16
2.1 CINEMA EXPERIMENTAL .......................................................................................... 24
3 A LINGUAGEM VIDEOCLÍPTICA .............................................................................. 33
3.1 CONTEXTO DO SURGIMENTO DO FORMATO VIDEOCLIPE .............................. 33 3.2 AS CARACTERÍSTICAS ESTÉTICAS DA LINGUAGEM DO VIDEOCLIPE ......... 38
3.3 O ESTILO MTV NO CINEMA ...................................................................................... 41
4 PERCURSO METODOLÓGICO .................................................................................... 46
4.1 REFERÊNCIAS METODOLÓGICAS ........................................................................... 46 4.2 CATEGORIAS DE ANÁLISE ....................................................................................... 48
4.3 O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULAIN (2002): O OBJETO DE ESTUDO
..........................................................................................................................................50
4.4 OBSERVAÇÕES E ANÁLISES .................................................................................... 54 4.4.1 TRAMA E PERSONAGEM ........................................................................................... 54 4.4.2 NARRATIVA E MONTAGEM ...................................................................................... 72
4.4.3 ESTÉTICA ...................................................................................................................... 78
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 92
6 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 95
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1 INTRODUÇÃO
O ano de 1895 ficou marcado pelo início do que conhecemos como cinema, através da
primeira projeção de imagens dos irmãos Lumière, no Salão Indiano do Grand Café do
Bulevar des Capucines. Esses primeiros experimentos em relação à imagem eram simples e
continham apenas cenas cotidianas gravadas e projetadas. Dessa forma, sequer existia o
indício de montagem, tampouco uma história roteirizada, mas o fascínio em ver as imagens
em movimento já causava certa comoção no público. Logo, não demorou muito para que
surgisse o interesse de novos realizadores em aprimorar e buscar evoluções técnicas e
artísticas para essa linguagem.
A linguagem cinematográfica se caracteriza por ser uma fonte de referência para a
criação de novos gêneros e formatos audiovisuais, tais como telenovelas, seriados, comerciais
televisivos e videoclipes. Por meio disso, atualmente, assim como o cinema influencia esses
formatos, é possível observar que há uma convergência entre as linguagens que, de certa
forma, passam a influenciar na estética cinematográfica. Um exemplo é o caso do cinema e do
videoclipe, onde o primeiro serviu de referência juntamente com a publicidade televisiva para
o surgimento da estética videoclíptica. Como afirma Pedroso (2006), o videoclipe é um
produto cultural vindo do cinema, televisão e artes experimentais.
Além dessa troca nas produções, é possível observar que os diretores acabam
migrando de um meio, gênero ou formato para outro e assim carregam consigo as suas
referências de linguagem, a fim de proporcionar novas experiências audiovisuais, criando uma
coinfluência dos meios artísticos. Dessa forma, Pontes (2003) aponta que, na década de 80,
período que marca o início do formato videoclipe como conhecemos hoje, observa-se a
realização de muitos videoclipes produzidos por cineastas, com os aparatos do cinema e
muitas vezes com intenções narrativas, como é o caso dos clipes do músico pop norte-
americano Michael Jackson. Ela afirma ainda que, na década seguinte, acontece um
movimento oposto, os diretores que começaram sua carreira produzindo videoclipes migraram
para o cinema e produziram grandes filmes premiados. Como é o caso do americano David
Fincher, que fez alguns clipes da cantora Madonna, o mexicano Alejandro Gonzales Iñarritu,
o inglês Guy Ritchie e a brasileira Katia Lund.
Tal ideia é corroborada por Dancyger (2003) que dedica dois capítulos de seu livro
Técnicas de edição para cinema e vídeo para o tema estilo MTV observado em obras
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cinematográficas. Neles, o autor aponta determinadas características peculiares da linguagem
videoclíptica que se mostram presentes na narrativa e na estética de filmes como Flashdance
– Em ritmo de embalo (1983) e Assassinos por Natureza (1994). Assim, é possível considerar
que existem produções fílmicas que se apropriam da forma do videoclipe para construir
diferentes experiências audiovisuais.
Nesse contexto, tomamos como problema de pesquisa a seguinte questão: quais os
elementos da estética do videoclipe que podem ser observados e identificados no filme O
Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002), do diretor Jean-Pierre Jeunet?
Assim como visto anteriormente sobre os diretores que intercalaram seus trabalhos
entre o cinema e o videoclipe, pode-se observar que Jeunet também se aventurou na produção
de videoclipes intercalados com a cinematografia. Desse fato, o interessante é notar que o
diretor se utiliza dessa amálgama na produção de seus filmes, tomando-se como exemplo o
próprio filme objeto de estudo desta pesquisa. Essa apropriação estética se dá pelas
referências que o diretor traz do videoclipe e vice-versa. Nota-se, assim, uma produção que
foge do que entendemos por narrativa clássica do cinema, trazendo ao filme uma linguagem
comercial vista na estética publicitária.
Deste modo, o objetivo geral da pesquisa consiste em observar e analisar os elementos
da estética videoclíptica presentes no filme. Para auxiliar na busca do objetivo geral, foi
necessária a compreensão dos elementos da linguagem cinematográfica aplicados ao filme; a
identificação dos elementos que compõem a estética do videoclipe; a análise dos elementos da
estética videoclíptica aplicados no filme a partir das categorias de análise com base na
literatura selecionada.
Acredita-se que a importância da referente pesquisa concentra-se em contribuir para a
compreensão dessa união entre linguagens, vista recorrentemente nos vídeos publicitários,
uma vez que é notável como a publicidade, bem como outras linguagens audiovisuais, está
cada vez mais próxima do cinema e como este se modifica com a referência dessas linguagens
que foram criadas a partir dela. Dessa mesma forma, o discurso antes empregado ao cinema
clássico está se modificando, tornando frequente o surgimento de produções cinematográficas
que parecem videoclipe e vice-versa. Ou seja, atualmente, há uma constante influência de
uma linguagem na outra.
A importância de estudar a produção cinematográfica reside no fato de ter sido a
pioneira e criadora da linguagem audiovisual. Por meio dela que se dá o surgimento dos
princípios básicos das produções, como planos, enquadramentos, montagem e narrativa que
tornaram possível a experimentação de novos formatos audiovisuais, como os vídeos
14
publicitários. Dessa forma, é possível observar que geralmente encontram-se pesquisas
referentes apenas à análise de um filme e de suas composições estéticas, mas há uma
precariedade na busca quando o assunto trata-se dessa convergência entre as linguagens
audiovisuais, que são frequentes em produções atuais.
Nesse trabalho, a escolha do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2002)
foi feita pelo fato de notar-se, em um primeiro momento, que o filme não segue aquilo que
temos como pré-estabelecido em termos de conceitos do cinema clássico. Nota-se na sua
produção que há uma ausência da linearidade no filme e uma forte presença do estado onírico
da personagem. Por isso, a curiosidade de aprofundar o estudo sobre o objeto e descobrir,
além disso, quais as outras características do filme que fazem com que ele fuja dessas normas-
padrão de realização do cinema.
O objeto e o tema da pesquisa justificam-se também pela curiosidade pessoal ao
observar o filme e pelo interesse na estética do videoclipe. Além disso, pela sua atualidade e
originalidade ao reunir duas linguagens. Após realizar uma busca prévia por pesquisas que
abordassem os dois temas em um mesmo trabalho, pode-se notar a escassez de análises feitas
sobre o tema. Geralmente encontram-se apenas trabalhos sobre a linguagem cinematográfica
ou sobre a estética do videoclipe. Ao perceber essa falta de trabalhos acadêmicos na área
voltados para o assunto abordado nessa pesquisa, iniciou-se o estudo como uma forma de
contribuição para a pesquisa da linguagem audiovisual.
Assim sendo, o trabalho estrutura-se da seguinte maneira: no primeiro capítulo,
intitulado “Linguagem Cinematográfica: das primeiras experiências ao cinema experimental”,
busca-se contextualizar o surgimento do cinema, o aprimoramento da sua linguagem até a
criação de uma linguagem específica. No segundo capítulo, denominado “Cinema
Experimental”, contextualiza-se a experimentação nas técnicas cinematográficas a partir dos
aparatos já desenvolvidos na linguagem cinematográfica, como uma forma de contracultura e
quebra dos paradigmas do cinema. No terceiro capítulo, chamado de “A linguagem
videoclíptica”, aborda-se o início dessa linguagem e a sua composição estética.
Por fim, a definição da metodologia aplicada na presente pesquisa. Nesse caso, será
utilizada como ferramenta a análise de conteúdo, que permitirá a criação de categorias que
facilitará a visualização das características presentes no filme. Após essa investigação pelas
referências bibliográficas, que levará a resultados, será apresentada a análise do filme. Assim,
na conclusão, serão feitas as interpretações e considerações finais deste trabalho.
Dessa forma, para que se possa observar quais os elementos da estética videoclíptica
estão presentes no filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002), do diretor francês
15
Jean-Pierre Jeunet, é necessário o conhecimento de conceitos tanto da linguagem
cinematográfica, quanto da estética de videoclipe, em decorrência disso, desenvolveu-se
revisão bibliográfica apresentada a seguir.
16
2 LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA: DAS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS AO
CINEMA EXPERIMENTAL
É possível pensar que o cinema desde o princípio é uma arte de experimentação que
vem sendo aprimorada com o passar do tempo. O fascínio pela possibilidade de ver imagens
em movimento despertou a curiosidade de muitos. Conforme Dancyger (2003), no ano de
1895, aconteceu a primeira projeção pública de um filme realizado pelos irmãos Lumière. O
que se mostraria nas primeiras projeções era relativamente simples, fatos do cotidiano das
pessoas sem a ideia de uma história roteirizada. Na lista de produção dos irmãos Lumière,
constam dez filmes, cada um com cerca de dois minutos de duração, sendo os mais lembrados
até hoje A Saída da fábrica (1895) e A Chegada do Trem (1895). Em ambos, os cineastas
posicionavam uma câmera que captava as ações do público que ali estava simplesmente
revivendo aquelas situações.
Nesse contexto, Dancyger (2003) observa que:
[...] no nascimento do cinema, o trabalho da direção e a ênfase dramática em sua
relação com a montagem não eram sequer consideradas. As câmeras eram
posicionadas sem qualquer relação com a composição da imagem ou com a emoção
[...] (DANCYGER, 2003, p.3).
Com a apropriação dessas projeções, novas experimentações foram sendo feitas,
lançando novos realizadores, sendo estes os responsáveis pelo aprimoramento das técnicas de
construção da narrativa e pelo desenvolvimento dos elementos constituintes da linguagem
cinematográfica, como a mudança de planos e a montagem das sequências.
Um dos realizadores com importantes contribuições para o desenvolvimento da
linguagem cinematográfica foi o mágico francês George Meliès. Foi através dele que se deu o
início das produções de obras ficcionais. Tais produções eram realizadas em estúdio, o que
era uma novidade na época, uma vez que não havia grandes recursos tecnológicos como
atualmente. Para Mascarello (2006, p.31), o interesse do espectador pelas obras de Meliès
deu-se pelo fato de “tratarem de assuntos fantásticos, utilizando cenários estilizados, baseados
em rotinas teatrais, representariam a vertente ficcional do cinema”.
Nesse contexto, era possível observar uma obra com um cunho artístico mais
elaborado que transmitia ao espectador a sensação de fugir da realidade. A partir dessa
preocupação, passou-se a criar “cenários estilizados e figurinos, além de incorporar truques de
ilusionismo, trazendo uma fantasia e denotando ao cinema uma dimensão de espetáculo de
17
arte”. (BUBANS, 2014, p.31). Dessa forma, surgindo as primeiras preocupações com a parte
estética1 relacionada à fotografia e à direção de arte.
Entende-se por direção de arte a criação do espaço fílmico, que é o ambiente das
personagens. É onde se define os elementos visuais que irão compor a cena, como a forma em
que a imagem será iluminada, enquadrada, além de caber ao diretor de arte a escolha do
figurino, maquiagem e tudo aquilo que será utilizado para criar o visual da cena. Para
Barnwell (2013, p.13), é o departamento “essencial porque o ambiente habitado pelas
personagens ajuda a transmitir as ideias do roteiro e transporta o público para o espaço
cinematográfico”.
Além dessas contribuições, como a preparação do cenário e figurino, para a criação de
um ambiente fantástico, Meliès usou suas habilidades de ilusionista e descobertas técnicas
como meio de transmitir uma história. De acordo com Bergan (2010), pode-se observar o
desenvolvimento e acréscimo de diversos truques de montagem aplicados em sua obra
cinematográfica como a sobreposição2, fade
3 e stop motion.
Através dessa preocupação com a parte visual, o cinema foi conquistando o seu espaço
e já era possível observar uma obra com maior tempo de duração, apesar da simplicidade dos
planos, e assim os primeiros indícios de uma narrativa de maneira linear e teatral. Segundo
Dancyger (2003, p.4), “não havia variação na duração dos planos a fim de provocar um
impacto. O fundamental era a atuação e não o ritmo”.
Se Meliès destacou-se ao trazer a arte para as suas produções por meio de cenários e
figurinos, é através de Edwin S. Porter que se pode considerar o início da continuidade
fílmica. De acordo com Canelas (2010)
Porter foi quem instituiu a forma narrativa ao ser o primeiro a utilizar uma série de
artifícios e efeitos visuais que mais tarde se converteram em convenções específicas
do gênero e que ainda hoje são fundamentais para que o público compreenda a
sequência narrativa da ação que se está a desenrolar [...] o grande contributo de
Porter para a montagem foi a organização dos planos com o objetivo de apresentar
uma continuidade narrativa (VIVEIROS 2005; DANCYGER 2003 apud CANELAS
(2010, p.3).
Dessa forma, através de suas experiências, Porter percebeu a possibilidade de dar
dinamismo à sua produção. Segundo Dancyger (2003), o realizador fez da continuidade visual
uma forma de trazer dinamicidade para a sua obra, mostrando o plano como uma peça básica
1 Conforme Aumont e Marie (2010) a palavra é empregada para referir-se às diversas concepções de belo e da
arte. 2 Entende-se por sobreposição o ato de “colocar uma imagem sobre a outra” (DANCYGER, 2003, p.466).
3 De acordo com Dancyger (2003), fade é quando uma imagem some ou aparece da escuridão gradativamente.
18
para a construção de um filme. Para facilitar a compreensão, faz-se necessária a definição de
plano, que é visto como a forma na qual o diretor narra o roteiro do filme, sendo que “essa
escolha é baseada em uma compreensão da linguagem cinematográfica, em que cada plano é
usado para uma finalidade específica” (BARNWELL, 2013, p.68). Sendo assim, Porter
demonstrou na sua produção que um plano isolado poderia ser considerado como uma peça
avulsa e incompleta da ação. Dessa maneira, o plano é a unidade a partir da qual os filmes
devem ser construídos, estabelecendo-se assim o princípio básico da montagem.
De acordo com Canelas (1991), Porter começou a dar indícios à montagem. Dessa
forma, montagem trata-se de “colar uns após os outros, em uma ordem determinada,
fragmentos do filme, os planos, cujo comprimento foi igualmente determinado de antemão”
(AUMONT; MARIE, 2009, p.195-196). Sendo assim, é na realização dos filmes Life of an
American Fireman (1903), e The Great Train Robbery (1903) que devemos considerar o
início da montgem e da corência narrativa4.
Sendo assim, o filme Life ofan American Fireman (1903) relata a história de como os
bombeiros resgatam a mãe e uma criança de um prédio que está em chamas. Todo o enredo se
desenvolve em 20 planos, de duração de 6 minutos, com filmagens no interior e exterior do
prédio, além da inclusão de cenas documentais que trouxeram autenticidade para o filme.
Dancyger (2003) afirma que a alteração de planos do interior para o exterior faz com que a
história do resgate pareça dinâmica. Porter sugeria que a inclusão de “dois planos filmados em
lugares diferentes, com diferentes objetivos, podiam, quando unidos, significar algo maior do
que a mera soma de duas partes”. (DANCYGER, p.4).
Já o filme The Great Train Robbery (1903) tem a composição de 14 planos,
distribuídos na duração de 12 minutos. O filme conta a história de um assalto a um trem que
pode ser divida em três sequências. Na primeira sequência, vemos o ataque dos bandidos ao
chefe da estação e o assalto ao comboio e aos passageiros. Na segunda, o chefe desperta e dá
o aviso. Na terceira e última sequência, é possível ver a luta entre os bons e os maus, com
cenas externas da fuga e da perseguição.
A continuidade entre os planos é inexistente, mas as mudanças de locações sugerem
que o tempo passou.
Para os propósitos da narrativa, não é necessário ver toda a ação para entender a
finalidade do plano. Entrar em uma cena já começada sugere que o tempo passou.
4 A narrativa é a “sucessão de acontecimentos reais ou fictícios que são objetos desse discurso e suas diversas
relações de encadeamento, de oposição, de repetição, etc.” (AUMONT; MARIE, 2009, p.209).
19
Sair da cena antes de a ação terminar e passar para uma outra ação sugere mudança
de tempo (DANCYGER, 2003 p.5).
Porter mostrou a sua intenção ao relacionar imagem e tempo, através de sequências de
ações individuais, criando assim uma continuidade temporal, espacial e emocional. Foi ele
que, segundo Canelas (2010), instituiu a forma narrativa, sendo o primeiro a utilizar-se de
uma série de efeitos visuais que são fundamentais para que o público compreenda a sequência
narrativa da ação que se desenrola.
Se Porter é visto por alguns autores como o criador da montagem narrativa, é nos
filmes de David Wark Griffith que se pode perceber o aprimoramento da técnica. Por
exemplo, se “Porter mudava de plano era quase sempre por razões físicas, enquanto Griffith
mudava de plano por razões dramáticas com a finalidade de criar um impacto dramático
através da justaposição de planos” (CANELAS, 2010, p.3). Sendo assim, Griffith, através de
seus filmes, pretendia que o público se envolvesse emocionalmente com a história
apresentada (Dancyger, 2003).
Dessa forma, a fim de criar uma potencialização do envolvimento emocional do
público com os seus filmes, Griffith apresentou diversas contribuições para a montagem
cinematográfica, dentre elas destacam-se:
[...] a variação de planos para criar impacto emocional, incluindo o grande plano
geral, o close-up (grande plano), insert (plano de pormenor de um objeto), câmara
subjetiva (o ponto de vista da personagem ou do ator) e o travelling (deslocação da
câmara de filmar no espaço), (...) os flashback (retrocessos temporais), as variações
de ritmo, entre outras grandes contribuições [...] (CANELAS, 2010, p.3).
Como forma de mostrar a contribuição do surgimento dessas técnicas para o cinema
na atualidade, é necessário descrever tais contribuições. Para facilitar a visualização e a
compreensão dos exemplos, optou-se por mostrar exemplos de imagens encontradas no filme
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002), ajudando, dessa forma, na contextualização.
Primeiramente o close-up é um “plano fechado na cabeça e ombros de uma pessoa”
(DANCYGER, 2003, p.459). Sendo assim, esse plano é utilizado para revelar a personalidade
do personagem e seus sentimentos. Barwell (2013, p.69) completa que é “útil para momentos
dramáticos ou reveladores de verdade/crise. Aumenta a identificação do público com a
personagem”. Nesse caso (figura 1), é possível notar as características do rosto do
personagem, como as lágrimas em seu olho que representam tristeza e angústia.
20
Figura 1: Close-up. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
A câmera subjetiva é utilizada quando “ela é colocada na posição que permite filmar o
ponto de vista de uma personagem durante determinada cena” (GAGE; MAYER, 1985, p.82).
Na cena em destaque, nota-se que a personagem está olhando para o homem enquanto ele
toma café.
Figura 2: Câmera subjetiva. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Na sequência, os flashbacks são uma forma de fazer suceder de uma sequência a outra
em que se relata um acontecimento anterior, Aumont e Marie (2010). Dessa forma, podemos
observar no exemplo, que, ao apresentar o personagem, é retomado o passado para mostrar
suas características da infância.
Figura 3 e 4: Flashback. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)
Ao retomar para as considerações de Griffith, Martin (2011), afirma que o
aprimoramento da montagem narrativa se deu através da criação de dois tipos de montagem, a
alternada e a paralela. Canelas (2010) completa que, apesar de ambas parecem semelhantes,
não são. Conforme ele, a montagem alternada intercala os planos de duas ou mais cenas,
apresentando ações que se desenrolam no mesmo tempo em locais diferentes, mas que estão
diretamente relacionados. Já a montagem paralela alterna uma série de planos que não têm
21
uma relação simultânea entre si, sendo discursiva e não narrativa, podendo ser utilizada para
criar um efeito de comparação e contraste.
Dessa forma, Griffith, através das suas inovações em relação à montagem, acaba
influenciando cineastas do mundo todo. Segundo Canelas (2010), no período da pós-
revolução, no ano de 1917, os filmes de Griffith chegam à União Soviética com aceitação não
somente do público, mas entre os políticos e, sobretudo, dos novos cineastas. A partir disso,
surge a formação de jovens realizadores cinematográficos, grupo do qual, segundo o autor, é
possível destacar grandes nomes como Lev Kuleshov, Vsevolod I. Pudovkin, Sergei
Eisenstein e DzigaVertov que contribuíram com seus estudos sobre a técnica da montagem
cinematográfica, expondo novas teorias acerca das possibilidades narrativas, expressivas e
plásticas deste recurso.
O grande teórico e cineasta Lev Kulechov, pioneiro na estética da montagem soviética,
destaca-se pela sua contribuição na montagem através do seu experimento conhecido como
Efeito Kulechov5. Segundo Canelas (2010), o experimento intercalava um grande plano
inexpressivo e neutro de um ator, com três planos distintos. No primeiro plano, aparece a
imagem de um prato de sopa e um copo, na sequência, o rosto do homem olhando com a
expressão séria para o prato. Para Aumont e Marie (2010, p.93), diante “de uma mesa servida,
o rosto parece exprimir fome”.
Figura 5 e 6: Efeito Kulechov. Fonte: Youtube.
No próximo plano, aparece a imagem de uma criança morta, deitada dentro de um
caixão. Logo após, o plano do homem com a mesma expressão. Desta vez, o rosto representa
a ternura pelo falecimento da menina, Aumont e Marie (2010).
5 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_gGl3LJ7vHc . Acesso em 10 de outubro de 2015.
22
Figura 7 e 8: Efeito Kulechov. Fonte: Youtube.
Por último, observa-se no plano a imagem de uma mulher deitada no sofá de forma
sensual. Logo após, o plano do homem com a mesma expressão, só que dessa vez ele aparenta
estar sentindo desejo por ela, Aumont e Marie (2010).
Figura 9 e .10: Efeito Kulechov. Fonte: Youtube.
Assim era possível observar que “o mesmo plano do ator dava as ideias de tristeza,
fome e desejo, sendo que cada uma dessas sensações era captada pela plateia graças ao
trabalho da colagem dos planos” (SARAIVA, 2006, p. 116). Dessa forma, de acordo com o
autor, mostrando que uma imagem não tem sentido por si só, mas é a contextualização da
montagem que dá o seu significado.
Partindo de ideias sobre a montagem, semelhantes às de Kulechov, há uma busca pelo
desenvolvimento da mesma. De acordo com Dancyger (2003), uma montagem que permita ao
cineasta ultrapassar os moldes da montagem clássica intuitiva proposta por Griffith e através
disso criar uma forma de transmitir ideias através da narrativa.
Deste modo, Pudovkin desenvolveu a teoria da montagem, designada por montagem
construtiva, que pode ser considerada como a sistematização de alguns princípios gerais,
Reisz (1966). O autor completa que, no primeiro momento, a matéria-prima do trabalho do
realizador deve ser composta por cenas do filme, que correspondem a vários pontos de vista
em que a ação foi gravada. Na sequência, o realizador deve operar apenas com cenas onde
23
estão filmados fatos e não fatos reais. Para finalizar, essas cenas, que constituem o material de
trabalho, ficam à disposição do realizador no processo de montagem, para que ele decida o
que pode eliminar e os pontos de intervalo que achar pertinente para concentrar a atenção do
público durante um determinado período de tempo.
Sendo assim, Viveiros (2005) afirma que, para Pudovkin, a essência da montagem está
na determinação de processos psicológicos do espectador. Ela afirma que o realizador não
deve apresentar toda a realidade, mas sim, induzi-lo ao essencial, recorrendo à montagem,
sugerindo um tempo e espaço fílmico. Isso tudo através da fragmentação da cena em vários
planos.
É através de Sergei Eisenstein que há uma maior exploração da montagem com a
tentativa de unir as lições de Griffith e Karl Marx, a fim de criar uma experiência única para o
público, Dancyger (2003). Dessa forma, Eisenstein apresentou cinco tipos de teoria da
montagem que são: métrica, rítmica, tonal, atonal e intelectual.
No tipo de montagem métrica, é possível perceber, de acordo com Canelas (2010), que
o critério fundamental era o comprimento dos fragmentos de montagem e a proporcionalidade
de fragmentos sucessivos, buscando, assim, criar planos mais próximos a fim de sugerir uma
sequência mais intensa ao espectador.
Já a continuidade rítmica está relacionada à continuidade visual entre os planos, por
exemplo, a ação nas entradas e saídas dos quadros.
Esse tipo de procedimento tem considerável potencial para demonstrar conflitos
porque a oposição de forças pode ser representada a partir de diferentes direções dos
elementos no quadro, assim como por diferentes enquadramentos de uma mesma
imagem. (DANCYGER, 2003 p.19)
Em relação à montagem tonal, Eisensten mencionava que era uma evolução da
montagem rítmica. Assim, conforme Canelas (2010), é o movimento que abarca todos os
efeitos de fragmento da montagem, baseia-se no som emocional característico do fragmento
do seu dominante. Dancyger (2003, p.23) completa que nesse tipo de montagem as decisões
sobre ela procuram estabelecer “uma característica emocional na cena, o que pode mudar
durante a sequência”.
A montagem harmônica ou atonal é a união das montagens métrica, rítmica e tonal,
manipulando o plano, ideias e emoções, para assim conquistar o efeito desejado. Segundo
Dancyger (2003), são sequências em que o plano enfatiza os excessos e pontua a mensagem.
De acordo com Canelas (2010, p.9), a montagem intelectual “não é uma montagem de
sons harmônicos geralmente fisiológicos, mas sim sons harmônicos de um tipo intelectual, ou
24
seja, conflito-justaposição de efeitos intelectuais paralelos”. Nesse contexto, a montagem trata
da inserção de ideias a uma sequência com grande carga emocional. Como forma de
exemplificar, Dancyger (2003, p. 25) cita o filme Outubro (1928), produzido por Eisenstein,
onde o “líder menchevique da primeira Revolução Russa sobe as escadas tão rapidamente
quanto sobe na linha de poder após a queda do Czar”. Assim, intercalados com as imagens de
sua ascensão, existem planos de um pavão mecânico a ajeitar suas penas. Eisenstein
demonstrou, através disso, uma interpretação de Kerensky como político.
Porém, é importante observar que a maioria dos filmes daquela época tinha o enredo
como a atração principal. Eisenstein, em sua teoria, buscava inverter essa ordem. Andrew
(1989, p. 67) observa que “Eisenstein estava claramente ansioso por subverter esta convenção
e dar mais independência e importância a esses outros códigos subsidiários”, a saber, os
planos e seu conteúdo. Assim como é possível observar nos filmes atuais com a linguagem do
estilo MTV, em que Dancyger (2003) afirma que há uma preocupação menor com a trama e
uma intensificação maior ao sentimento através da montagem.
Contudo, podemos concluir, através de França (2002), que Eisenstein tinha uma visão
dinâmica da percepção do espectador, uma vez que ele oferecia um material em que fossem
sendo feitas as conexões, suas associações entre as imagens e planos do filme. Ele afirma
também que “Eisenstein se destaca por ter sido, além de um teórico brilhante, arrojado e autor
de uma vasta e consistente obra, um dos mais importantes cineastas do século XX”
(FRANÇA, 2002, pg. 27).
Percebe-se que o cinema e sua linguagem consolidaram e aprimoraram técnicas
através de várias experimentações. A partir das experiências dos primeiros realizadores norte-
americanos e as apropriações dos soviéticos, novos movimentos artísticos e cinematográficos
foram se mostrando em outros lugares do mundo.
2.1 CINEMA EXPERIMENTAL
O cinema sempre teve um caráter experimental por se tratar de uma nova linguagem
que tentava traduzir, através de aparatos tecnológicos (para a época), novas formas de
expressão audiovisual. Nesse sentido, observa-se que a consolidação dessa linguagem cria
rotinas e padrões tanto na forma quanto no conteúdo seguidos por grande parte dos
realizadores, desde o momento em que o cinema se transforma em indústria. Contudo, vários
esforços foram acontecendo, em várias partes do mundo e em diferentes épocas, com o
objetivo de se contrapor às regras e padrões estabelecidos pela indústria cultural do cinema.
25
A esta concepção, Nogueira (2010) se refere como cinema experimental, de obras em
que existe uma forte propensão à criação de um cinema que busca o conceitual, ou seja, um
cinema de ideias, que vão além de personagens, imitações ou representações. Assim, podemos
observar o início do cinema experimental como uma nova maneira de expandir e explorar as
formas, técnicas e métodos de criação cinematográfica.
Para Bergan (2010), o que caracteriza o trabalho de muitos diretores envolvidos nesse
contexto é a concepção de obras metafóricas, abstratas e subjetivas, com o objetivo de
redefinir nosso modo de ver e, assim, explorar novos conceitos temporais e espaciais.
Sendo assim, o cinema experimental, segundo Aumont e Marie (2009), é todo aquele
filme que experimenta em algum aspecto, como: narrativa, figurativa, sonora, visual, etc. Para
os autores, além disso, também possui outras características como ser “majoritariamente não-
narrativo. Não visa à distração, nem, necessariamente, à rentabilidade. Não é distribuído em
circuitos comerciais” (AUMONT; MARIE 2009, p.111). Bergan (2010) complementa que a
ausência da narrativa se torna uma das formas de identificação presentes na sua estética.
Um dos diretores mais emblemáticos para a concepção do cinema experimental foi
Luís Buñuel, um dos grandes nomes do cinema espanhol. Destaca-se na produção de filmes
experimentais e surrealistas, em algumas vezes com a contribuição do artista Salvador Dalí. O
surrealismo se caracteriza, conforme afirma Bergan (2010), por ser o estado da ausência do
controle da razão, isenção da preocupação estética do real e uma expressão do estado onírico.
De acordo com Pedroso (2006), o cinema surrealista de Buñuel tem como sua
principal característica contribuir para o movimento de ruptura com a lógica da montagem
clássica. Nesse contexto, Dancyger (2003) afirma que é possível observar uma quebra de
paradigmas com a rejeição da narrativa clássica, a forma griffithiana de narrativa e montagem.
E, assim como Eisenstein, considerava o uso da montagem dialética como contraponto.
No filme Un Chien Andalou (1929), é possível observar uma produção surrealista que,
conforme Pedroso (2006, p.51-52), traz “imagens mentais de sonhos e misturas entre
objetividade e subjetividade, além de corte descontínuo”. O filme desorienta o espectador por
completo ao trazer a passagem de um plano para o outro. Conforme Pedroso (2006, p.52),
“cada vez que o personagem abre a mesma porta, por exemplo, leva o personagem para um
espaço completamente diferente. O espectador jamais sabe o que esperar”. O autor afirma que
a porta é uma janela que se abre ao mundo imaginário, dos sonhos. Assim, o espaço não
segue uma lógica de continuidade linear, tornando-se fragmentado e resultando em uma
narrativa imprevisível.
26
Conforme Dancyger (2003), através desse filme, Buñuel estava interessado em
quebrar o sentido da narrativa através do choque ocasional de imagens dirigido ao
inconsciente da plateia. Essa experiência pode ser frustrante para o espectador, mas ao mesmo
tempo abre na história a possibilidade de várias outras. A importância dessa obra
cinematográfica está associada ao fato de que
[...] representa um grande assincronismo baseado na dissociação visual mais do que
nas regras clássicas de continuidade. Consequentemente, o filme apresenta novas
possibilidades para os cineastas: criar, deslocar, perturbar, roubar o sentido, minar a
segurança do conhecimento [...] (DANCYGER, 2003, p.32).
Uma cena que simboliza o surrealismo presente na estética é a de abertura, onde se
observa o olho de uma mulher sendo cortado por uma navalha. Conforme Nogueira (2011)
nota-se na cena o uso de um plano fechado do rosto da mulher, a mão de um homem
segurando a navalha e abrindo o seu olho.
Figura 11: Cena do filme Un Chien Andalou (1929). Fonte: Youtube.
Na sequência, antes que ele conclua o seu ato, a cena é cortada para um plano aberto
do céu estrelado.
Figura 12: Cena do filme Un Chien Andalou (1929). Fonte: Youtube.
27
Logo retorna para um plano detalhe do olho da mulher que está sendo cortado pela
navalha.
Figura 13: Cena do filme Un Chien Andalou (1929). Fonte: Youtube.
O uso de cenas desconexas e intercaladas, de acordo com Bergan (2010), são
projetadas para seguir a lógica da representação de um sonho, seguindo a essência do
movimento surrealista. Dessa forma, Dancyger (2003) contextualiza que essas cenas possuem
um estímulo visual rápido e evocativo, que é dado através da montagem, que rompe a
narrativa clássica e cria uma obra não linear, características essas que são apresentadas
atualmente em videoclipes.
Um exemplo das características citadas sobre o surrealismo presentes na estética do
videoclipe é na música Blood for Poppies6 (2012) da banda Garbage, que se utiliza da estética
do movimento e também faz referência à famosa cena do filme Um Chien Andalou (1929),
descrita acima, em que o olho é cortado.
Figura 14: Frame do videoclipe Blood for Poppies (2012) [02:48 – 02:53]. Fonte: Youtube.
6 Videoclipe da música Blood for Poppies da banda Garbare. <
https://www.youtube.com/watch?v=4OdTBCgqRt4 > Acesso em: 01 nov. 2015.
28
Para reforçar sua proposta surrealista apresentada em Um Chien Andalou (1928),
Buñuel e Dali produziram outro filme da mesma linha, L’ Age D’Or (1930). Nesse filme, um
casal está profundamente apaixonado, mas a sociedade, família e a igreja não querem que eles
fiquem juntos. Novamente, “a imagem satírica e exagerada do surrealismo gera um
comentário não realista sobre o comportamento de todos” (DANCYGER, 2003, p.35).
Se na Espanha o surrealismo influenciava as produções cinematográficas, na
Alemanha, uma década antes, a corrente artística expressionista já aparecia em várias obras
filmadas. Uma das mais emblemáticas foi o O Gabinete do Dr. Caligari (1919), de Robert
Waine, que inaugura o expressionismo e “introduz alguns elementos desconcertantes para a
narrativa clássica” (PEDROSO, 2006, p.52). O filme O Gabinete do Dr. Caligari conta a
história de um showman que vive das exibições públicas de Cesare, um sonâmbulo que dorme
em um caixão e faz previsões do futuro. Nos bastidores, Caligari hipnotiza Cesare e ordena
que ele mate uma jovem, namorada do herói. No final da história, vê-se que Caligari é o
diretor de um hospício e o herói é um interno que imaginara toda a história. Segundo afirma
Bergan (2010), o roteiro original foi concebido como uma metáfora à Primeira Guerra
Mundial, onde Caligari representa o governo que hipnotiza seu povo e o leva para a guerra.
A trama se diferencia de muitos outros filmes expressionistas ao sublinhar a
artificialidade. Para acentuar essa característica, é possível perceber uma preocupação na
criação de cenários expressionistas, de acordo com Bergan (2010), o filme ocorre dentro do
estúdio, com cenários teatrais que abordam no visual as linhas e ângulos oblíquos e sem
perspectivas. Merten (2005) complementa que Caligari vê o mundo através dos olhos de um
louco, e isso é reforçado com a projeção dos cenários representados por linhas oblíquas, ruas
tortas, as janelas fora de esquadro. Características essas que são ressaltadas pela fotografia,
com nuances contrastantes de tons claros e escuros, passando a sensação de um mundo
desequilibrado. É possível observar tais características na figura abaixo.
Figura 15: Cenário do filme O Gabinete do Dr. Caligari (1919). Fonte: Banco de imagens do Google.
29
Ao evitar formas realistas, o filme transmite o sentimento de inquietação e
desconforto, característicos da história contada. Para Mascarello (2011), somavam-se aos
sentimentos transmitidos pelo filme as seguintes características: a interpretação dos atores
repleta de exageros com movimentos de grande impacto visual, reforçada pela maquiagem
pesada e deformada e a narrativa que envolvia personagens lidando com sentimentos
destrutivos. Assim, havia uma obra completamente de acordo com a proposta expressionista.
Figura 16: Maquiagens dos personagens do filme O Gabinete do Dr. Caligari (1919). Fonte: Banco de imagens
do Google.
Nesse sentido, observa-se que as contribuições do expressionismo ao cinema
experimental destacam-se por meio da estética que o filme propõe através da direção de arte.
Segundo Bergan (2010), ao invés de utilizar-se da narrativa clássica, o filme celebra o caos,
com uma narrativa descontínua representando as formas de olhar o mundo.
Atualmente percebe-se nas produções do diretor Tim Burton, a presença da influência
do expressionismo alemão. Na obra cinematográfica A lenda do cavaleiro sem cabeça (1999),
observa-se
[...] uma produção oriunda do expressionismo, tendo como inspiração um conto de
Washington Irving. A ambientação mais uma vez é escura e tensa, os personagens
são marcados por expressões de seriedade e, numa mescla de terror com humor
sarcástico. O filme é outra grande referência quando se fala nas características do
expressionismo alemão na obra do diretor. [...] (RESCH , 2011, p.10)
Conforme está ilustrado nas figuras abaixo, as referências ao movimento estão
expressas através da maquiagem (figura 17), figurino e cenário (figura 18).
30
Figura 17: Maquiagem do filme A lenda do cavaleiro sem cabeça (1999). Fonte: Internet.
Figura 18: Cenário do filme A lenda do cavaleiro sem cabeça (1999). Fonte: Internet.
No final da década de 1950, é possível ver o surgimento de um novo movimento
cinematográfico conhecido como Nouvelle Vague, que teve início na França. Conforme
Began (2010), o movimento desses cineastas franceses abria mão dos métodos convencionais
de filmagens e ia contra o cinema francês à moda antiga. Buscava criar uma obra
cinematográfica que desafiasse as convenções da produção padrão de filmes e proporcionasse
uma quebra aos paradigmas da indústria cinematográfica norte-americana em Hollywood.
“Embora os filmes representassem uma revolução no cinema e se destinassem a um público
intelectualizado e jovem, muitos deles obtiveram sucesso de público” (BERGAN, 2010,
p.110).
Segundo Trevisan (2011, p.129), o início do movimento deu-se também em “função
da decadência do cinema de autoria, em que o roteirista se destacava mais do que o diretor,
em vigor até a década de 30”. A autora afirma que grande parte dos realizadores e atores do
movimento reuniu-se para debater as regras cinematográficas estabelecidas, com o objetivo de
produzir de forma diferente, modificando os moldes de linearidade da narrativa clássica,
através de uma montagem inusitada.
De acordo com Pedroso (2006), fazem partes dos recursos estilísticos da Nouvelle
Vague,
31
[...] personagens abstratos, junção de planos descontínuos, descontextualização de
imagens, a mistura de estilos como o ficcional, o documentário e o de reportagem, a
manipulação temporal (...), o flashback7, a inclinação à reflexividade. [...]
(PEDROSO, 2006, p.52)
Em função do baixo envolvimento da narrativa, Dancyger (2003) afirma que é
possível buscar no ritmo uma nova construção de um audiovisual, abordando novas
justaposições na montagem. Com isso, é possível observar a diminuição de cortes contínuos e
um espaço maior para o jump-cut. Conforme o autor, o jump-cut pode ser entendido como um
efeito de edição que quebra a continuidade do tempo através do corte de uma parte da ação
para a outra, sendo assim, duas tomadas da mesma ação mudam ligeiramente de posição,
criando a impressão de um salto e trazendo dinamismo para o filme. O jump-cut além de criar
uma descontinuidade também ressalta ao espectador a lembrança de que ele está diante de um
filme.
Alguns dos principais representantes desse movimento e que trazem as características
abordadas foram os realizadores François Truffaut e Jean-Luc Godard. No filme Jules et Jim
(1954), do diretor Truffaut, conta a história de dois homens que amam a mesma mulher.
Sempre que possível, eles estão apresentados no mesmo quadro, como uma forma de mostrar
o estarrecimento em que estão depois do primeiro encontro com Catherine (Dancyger, 2003).
O autor afirma que foi usada uma série de jump-cut para ressaltar as qualidades da mulher.
O uso desse efeito de edição pode ser visto na cena em que Catherine senta-se ao pé da
escada e observa o céu. Jim a questiona se está chovendo ou ela está sonhando e ela anuncia
que eles irão partir para o litoral no dia seguinte e, logo após, inicia a famosa sequência em
que apostam uma corrida. O jump-cut pode ser visto enquanto os homens estão descendo a
escada.
Figura 19: Jump cut no filme Jules et Jim (1954). Fonte: Youtube.
7 “Fazer suceder a uma sequência outra sequência que relata acontecimentos anteriores” (AUMONT; MARIE,
2009, p.131).
32
Através dessa nova forma de fazer cinema e aprimoramento da técnica, Nogueira
(2010) contextualiza que o cinema experimental contribuiu através das suas influências
criativas para diversas áreas audiovisuais, em destaque para a estética videoclíptica.
33
3 A LINGUAGEM VIDEOCLÍPTICA
3.1 CONTEXTO DO SURGIMENTO DO FORMATO VIDEOCLIPE
Com a evolução das técnicas e os avanços tecnológicos, é possível ver nas produções
audiovisuais um campo fértil para as experimentações. Nesse contexto, surge uma nova
estética que vai da mistura da linguagem cinematográfica experimental à publicidade,
segundo Pedroso e Martins (2006), para criar um universo simbólico que visa à expressão do
sentido da canção e da personalidade do artista.
O videoclipe surge de diversas experimentações audiovisuais e união de linguagens
que convergiram para a criação do formato que conhecemos hoje. De acordo com Soares
(2004) e Machado (2000), as linguagens do cinema, do videoarte e de vanguardas artísticas
foram fundamentais para a definição dos parâmetros estéticos em relação à montagem,
enquadramentos, estética, etc. que servem de base para o gênero.
Dancyger (2003) afirma que é possível observar produções que adicionaram novos
elementos estilísticos ao novo gênero, como os filmes musicais que carregam similaridades
com o videoclipe contemporâneo, já que a base do formato é a música. É na década de 50 que
o cinema exerceu um papel importante na disseminação dos números musicais acrescentando
ainda mais à indústria fonográfica. Nessa década, o cantor Elvis Presley, conhecido como Rei
do Rock, contracenou em produções hollywoodianas em que seu trabalho ia além da atuação,
incluindo a realização de performances musicais.
De acordo com Trevisan (2011, p.9), “se nos remetermos aos anos 50, quando o
rock’n’roll começava a revolucionar a cultura jovem, Elvis Presley aparecia em seus filmes
fazendo performances de suas canções”. A autora ainda complementa que produções como o
filme Jailhouse Rock (1957) marcavam o novo lugar central na cultura jovem, unindo sua
energia à inovação musical e ao espírito antiautoritarista.
Atualmente, conforme afirma João (2010), os estudiosos do videoclipe musical
identificam como o começo dessa linguagem, na década de 50, o filme Jailhouse Rock (1957)
e as cenas do filme Cantando na Chuva (1952) com Gene Kelly. Ele afirma também que, “no
entanto, estes são filmes musicais, isto é, a música era um complemento da história. Os filmes
tinham um começo, meio e fim e se destinavam ao cinema” (JOÃO, p.15, 2010). A diferença
é que no musical há uma sequência de músicas coreografadas que servem de apoio para a
34
narrativa. No videoclipe, a música não tem a finalidade de ser um complemento da história
como acontece no musical.
Figura 20: Cena do filme Jailhouse Rock. Fonte: Internet.
O estilo Elvis estava estampado em 33 filmes de sucesso que
[...] foram lançados em diversos países, enquanto várias emissoras de televisão
apresentavam números musicais gravados pelos Beatles. Em ambos os casos, as
imagens dos músicos reforçavam laços identitários entre a juventude da época e os
artistas, o que contribuiu para a solidificação de um novo tipo de audiência: os
jovens fãs [...] (NERCOLINI; HOLZBACH, p. 51, 2009).
É no final da década de 50 que é lançado o programa “6,5 Special” na rede de
televisão BBC, que, conforme Corrêa (2011) era um programa que mostrava apresentações
musicais. Dessa forma, com o passar dos anos é possível perceber a possibilidade de ver o
artista performando a sua música ao espectador, primeiramente no cinema com os musicais e
posteriormente na TV e independentemente de onde esses vídeos eram exibidos “chamavam a
atenção dos espectadores como uma forma de entretenimento. Eles estavam presentes tanto
em programas de televisão, como em lugares frequentados pelos jovens, e que acabam por
acostumar o público a visualizar música” (FELIX, p.22, 2014).
Na década de 60, surge um aparelho chamado Scopitone, que possuía na sua estrutura
física um projetor de cinema 16mm acoplado e projetava imagens enquanto uma determinada
música era reproduzida. Inicia-se assim um maior investimento por parte das gravadoras e
artistas nas produções audiovisuais e a partir daí podemos observar o surgimento da ideia de
realizar produções inteiramente dedicadas à música, como é o caso dos Beatles que, de acordo
com João (2010), influenciados pelas produções do “Rei do Rock”, produziram mais
materiais destinados à televisão e se preocupavam com a estética como um todo.
Os Beatles tiveram, no decorrer dessa década, participações fílmicas em que era
possível observar que há inserções musicais semelhantes ao videoclipe, tanto nos seus
35
princípios estéticos quando na forma com que essas produções eram utilizadas para a
divulgação do seu trabalho. Segundo Trevisan (2011), em 1964, o público teve o primeiro
contato com o que seria a linguagem do videoclipe no cinema, quando o diretor de comercial
britânico Richard Lester produz filmes para os Beatles. Foram longas com poucos diálogos e
histórias inusitadas com sequências musicais desconexas. Para Nercolini e Holzbach (2009),
estas produções não eram realizadas com a intenção de vender uma canção em particular, e
sim para fazer propaganda da banda de maneira geral.
Sobre os filmes dirigidos por Lester como Beatles – os reis do iê-iê-iê (1964) e Help!
(1965), Dancyger (2003) comenta que, em certo nível, eles são musicais porque os
personagens principais são músicos, mas quando se trata da narrativa do filme ela tem
objetivos mais simplicistas, assim no caso do filme de Lester, o mais importante é ressaltar os
sentimentos ao invés de uma história. Dessa forma, para reforçar esse sentimento na trama,
usa-se os recursos da montagem, “isso traduz-se em fazer o jump cut mais importante do que
o corte contínuo. Também implica na centralidade do ritmo. Dado o baixo quociente de
envolvimento da narrativa, é o ritmo que está no papel da interpretação” (Dancyger, 2003,
p.193). Nesse contexto, é possível observar os primeiros elementos estilísticos do videoclipe.
Conforme o autor, a base do formato é a música. A narrativa é o menos importante, o
sentimento é o mais importante.
É também no final dos anos 60 que fica cada vez mais frequente a disseminação do
sistema portátil de captação de imagem e do uso nas emissoras de televisão do videotape.
Com isso, o surgimento de uma nova técnica como a videoarte que “inspirada no cinema
experimental, problematizou o conceito de televisão comercial (...) trabalhando, sobretudo,
com o alicerce da manipulação de imagens” (SOARES, p.25, 2012). Nesse sentido, Trevisan
(2011) afirma que a videoarte surgiu como uma nova forma de expressão artística, com seus
princípios de denúncia ao uso comercial dos meios de comunicação de massa e pela utilização
do vídeo enquanto técnica dentro dos parâmetros artísticos.
Barreto (2005 apud Trevisan, 2011, p.97) comenta sobre a contribuição estética da
videoarte para o videoclipe:
[...] a influência do vídeo e do vídeo-arte sobre a estética de videoclipe foi, enfim,
observada mais precisamente no que diz respeito à manipulação das imagens e, por
consequência, na (não) linearidade narrativa. A mescla de imagens de diferentes
origens exibidas ao mesmo tempo, recortes e colagens, cores alteradas,
transformações de formas humanas ou inanimadas, o dinamismo nos quadros e as
diferenças de velocidade proporcionadas por recursos de captação e edição
permitem criar novos sentidos e significados. Esta concepção explorada pela vídeo-
36
arte é herdada pelos videoclipes [...] (BARRETO, 2005 apud TREVISAN, 2011,
p.97).
A metade da década de 70 é marcada pelo surgimento dos filmes promocionais,
denominados promos, que eram audiovisuais veiculados em programas de televisão onde os
artistas realizavam performances. Segundo Felix (2014), outros vídeos também eram filmados
pelos artistas na mesma época das promos para serem expostos em lojas de discos, encontros
de marketing ou conferência de músicos. Felix (2014) ainda destaca a importância do
documentário sobre Bob Dylan Don’t Look Back, no qual se encontra inserida uma sequência
musical que contribuiu com a linguagem do videoclipe: é possível observar que, enquanto a
melodia está tocando, o artista está segurando cartazes da letra da música que passa em
sincronia com o que está sendo cantado.
A partir dos anos 80, é que o termo videoclipe é empregado ao audiovisual musical e
torna-se uma ferramenta de divulgação dos artistas. Segundo Trevisan (2011), esse formato
audiovisual videoclipe apareceu na TV e acabou se tornando um artefato ligado à cultura de
consumo, utilizado por cantores/bandas como uma forma de divulgação de seu trabalho e,
atualmente, o contrário também se observa: muitos artistas passam a ser conhecidos após a
divulgação do videoclipe. Nesse sentido, Lipovetsky (1989) contextualiza que
O videoclipe não faz senão encarar a ponto extremo dessa cultura expressa, não se
trata mais de evocar um universo irreal ou de ilustrar um texto musical: trata-se,
antes, de superexcitar o desfile de imagens, mudar por mudar cada vez mais
depressa com mais e mais imprevisibilidade e combinações arbitrárias e
extravagantes: agora se está no índice de IPM (ideias por minuto) e na sedução que
provoca, não há mais do que uma acumulação díspare e precipitada de impactos
sensoriais desenhando um surrealismo in em technocolor. O clipe representa a
expressão última da criação publicitária e de seu culto da superfície: a forma moda
conquistou a imagem e o tempo midiático; a força de batida rítmica põe fim ao
universo da profundidade e ao devaneio acordado; não resta senão uma estimulação
pura, sem memória, uma recepção moda (LIPOVETSKY, 1989, p.212).
Nos anos 80, surge uma nova forma de consumir a música através do videoclipe,
utilizado pela indústria fonográfica como uma ferramenta de divulgação de bandas e artistas.
Partindo da necessidade de um canal voltado para a exibição dessas produções audiovisuais e
para suprir a ausência de programas televisivos para os jovens, criou-se a MTV - Music
Television.
37
Figura 21: Identidade visual da MTV. Fonte: Banco de imagens do Google.
De acordo com Pedroso (2006), a MTV representou um avanço muito grande, pois
criou a química ideal entre o áudio e a imagem, alterando a estética da linguagem televisiva.
Apresentou uma nova concepção estética da música e do consumo dela. A partir daí, a música
deixou de ter apenas uma dimensão auditiva e passou a estimular outros sentidos através da
visão, tornando-se uma forma visual de apelo ao consumo vindo da indústria fonográfica.
O surgimento do canal também foi motivado pela necessidade de suprir a demanda de
consumo de um grande público de jovens que assistiam à televisão, mas não se identificavam
com a programação exibida. Conforme Austerilitz (2007, p.31)
desde o início dos anos 80, a Music Television vem construindo uma nova maneira
de expressão, que mexeu nos limites da reação de linguagem entre som e imagem.
Esta forma de assistir TV acabou influenciando todo um estilo de vida, de atitude e
comportamento do público jovem (AUSTERILITZ, 2007, p.31).
A consolidação do canal deu-se através da sua exclusiva programação voltada para
videoclipes de diferentes gêneros musicais. Segundo Felix (2014), o canal caracteriza-se por
seu aspecto comercial onde seu conteúdo tem um formato utilizado para a divulgação do
trabalho de músicos e gravadoras. Além disso, era possível perceber entre uma programação e
outra o complemento de anunciantes publicitários com seus comerciais. Atualmente a
emissora televisiva permanece com a sua programação mundial, “embora não possua o
mesmo caráter de reproduzir somente videoclipes, vinte e quatro horas por dia” (FELIX,
2014, p.26).
Contudo, o videoclipe tornou-se uma nova apreciação estética da música associada a
uma forma de consumo, sendo que sua composição une apuradas técnicas vindas do cinema e
da publicidade, criando um universo que visa à expressão do sentido da canção e da
personalidade do artista. Dessa forma, no capítulo a seguir, será possível identificar e observar
a influência estética da MTV e de outras linguagens audiovisuais para a construção do que se
conhece como videoclipe.
38
3.2 AS CARACTERÍSTICAS ESTÉTICAS DA LINGUAGEM DO VIDEOCLIPE
O videoclipe é uma produção audiovisual que se tornou um produto da indústria
fonográfica para a divulgação de bandas e artistas. Oriundo da música, cinema e televisão, o
videoclipe traz consigo elementos cinematográficos como planos e enquadramentos presentes
em sua estética. Segundo Pedroso (2006 apud Felix, 2014, p. 29), “o videoclipe utiliza
suportes fílmicos ou videográficos, com elementos visuais condicionantes de ordem artística,
como direção de arte, a decoração do set, o uso de aparatos de fotografia, o figurino e a
maquiagem”.
Assim, o videoclipe surge a partir do desenvolvimento dos avanços tecnológicos e da
combinação entre formatos audiovisuais. Sendo criado através de tendências estilísticas e
conceituais que contribuíram para uma nova estética. Trevisan (2011, p.9) afirma que o
videoclipe “mostra-se como um amálgama de possibilidades audiovisuais, que mescla
elementos das linguagens do cinema, TV e propaganda, além da música, é claro, aliados às
possibilidades técnicas do vídeo e computação gráfica em plena expansão no momento”.
Pedroso (2006, p.7) complementa que as técnicas de produção trazem consigo a referência
dos padrões estéticos vindos dos vídeos publicitários como “corte rápido, mudanças
frequentes de perspectiva, ângulos inusitados de câmera e todo o repertório de efeitos e
técnicas dos filmes publicitários”.
Esses padrões videocliptícos não estão apenas relacionados à estética publicitária
como também a maior parte de seus produtores e diretores são da área de publicidade,
conforme afirma Pedroso (2006). A autora cita como exemplo o diretor Hugo Prata que
produziu o videoclipe da música Alma não tem cor (1997) da banda Karnak.
É possível perceber também a referência de realizadores vindos do cinema e que se
aventuraram no experimentalismo de produzir videoclipes. Conforme Machado (2009),
existem três grandes grupos de realizadores e entre eles estão aqueles oriundos do cinema ou
do vídeo experimental que, aliados a compositores e intérpretes mais ousados, transformam
esse formato de televisão num campo vasto e aberto para a reinvenção do audiovisual. Um
exemplo disso é o diretor americano Tim Burton que dirigiu o videoclipe da música Here
With Me (2012), da banda The Killers.
39
Figura 22: Frame do videoclipe Here With Me. Fonte: Youtube
Com o passar do tempo, o videoclipe passou a compor sua própria estética, que se
diferenciava das demais, assim criou novos padrões audiovisuais. Contudo, Trevisan (2011)
afirma que os seus elementos não possuem nada de novo, mas é o rearranjo que traz uma nova
forma de assimilação do ponto de vista estético. Dessa forma, constrói-se uma nova estética a
partir da união da música, televisão e cinema. Pedroso (2006) complementa que da mesma
forma como é possível ver uma apropriação estética do videoclipe em relação a outros
formatos visuais, também é possível ver apropriações estéticas vindas do videoclipe ao
cinema, tornando a estética uma referência para além do marketing da música.
Para Leote (2003), a linguagem do videoclipe se constrói a partir de uma combinação
que vem do visual e do acústico. Não há como isolarem-se esses códigos, afinal, juntos criam
a representação do audiovisual. Através dessa junção, desenvolve-se um novo signo
conhecido como signo audiovisual.
Primeiramente, ao falar da sua estética, é necessário definir o significado dela, que se
designa por ser uma palavra empregada para se referir às diversas concepções do belo e da
arte. Segundo afirmam Aumont e Marie (2010), o termo empregado ao audiovisual significa a
comparação com as artes reconhecidas como a música, a pintura, o teatro, valorizando cada
vez mais as características como o ritmo, o enquadramento, a fala, a cenicidade da cena, etc.
O videoclipe, por sua vez, possui uma linguagem fluida, efêmera, mutante, que se
renova constantemente e é oriunda de uma mistura dos elementos do cinema experimental, da
TV e dos filmes publicitários. Dessa maneira, Taveira (2006, p.53) complementa que o
videoclipe “rompe com os objetivos clássicos da montagem, evita a narrativa linear e a
concentração exclusiva em um único personagem mostrando o enfoque multilateral”.
Contudo, é possível afirmar que, apesar do rompimento com a linearidade e o
enfraquecimento da trama, isso não exclui a possibilidade de contar uma história e que nela
haja apenas um único personagem. Trevisan (2011) acrescenta que a diferença está nos
“princípios fundamentadores, que são guiados pelo sentimento, emoção que se pode
manifestar na forma de imagens, sejam elas fragmentadas, como sonhos, autorreflexivas ou de
40
referências a outros meios de comunicação, onde se desencadeiam concentradas no ritmo da
música”. Dessa forma, o ritmo e dinâmica presentes nos videoclipes tornam-se elementos
essenciais, criadores de uma ênfase dramática através das imagens que, em constante
movimento, acabam criando um ritmo.
Nesse caso, segundo Soares (2006), o ritmo das imagens é caracterizado por uma
desarmonia de elementos visuais e cortes rápidos. Para ele, é como se as diferentes imagens
utilizadas em um ritmo rápido e de pouca duração dançassem ao ritmo da música e estivessem
em sintonia com as batidas ouvidas, provocando ou não uma sinestesia8.
Ao tratar da montagem fragmentada que se caracteriza por ser um dos princípios do
videoclipe, Pedroso (2006) afirma que o choque de imagens fragmentadas obedecendo a uma
dinâmica através da qual os fragmentos são extraídos de um referencial simbólico despertam
as sensações e tornam a música expressiva, favorecendo que seu efeito torne-se
instantaneamente assimilável e descodificável. Sendo assim, é possível observar a liberdade
no estilo da montagem dos videoclipes, onde a variação e a duração da imagem ditam o ritmo.
Nessa forma de contar visualmente uma história, o jump-cut, isto é, o cortar a
descontinuidade da cena e assim juntar dois planos descontínuos, se torna tão importante
quanto o corte em continuidade. Conforme Pedroso (2006, p.53), “o tempo e o espaço, em
função disso, entram em colapso. O tempo real e o contexto são substituídos por grandes
lapsos de tempo e de espaço”, o que, de certa forma, caracteriza o espectador, um jovem
rebelde, irreverente e propício a aceitar essas inovações. O autor afirma ainda que os
movimentos de câmera aliados a uma montagem ágil de planos com curta duração geram
empolgação e intensidade nas cenas ou sequências de imagens.
Segundo Trevisan (2010 apud Felix, 2014, p. 31), “a montagem acelerada, a câmera
lenta, a exibição do negativo, a sobreposição, a sobreimpressão, as trucagens visuais, o corte
descontínuo, o ritmo frenético, a abstração visual, entre outros, fazem parte da linguagem
vista nos videoclipes atuais”. Conforme a autora, observa-se que estes elementos estão
presentes tanto no cinema como na televisão e que, unidos com novas possibilidades
tecnológicas, permitem o surgimento de novas formas de utilização das imagens, como o
videoclipe.
Dancyger (2003) considera o videoclipe uma nova forma visual de contar história.
Para ele, sua fórmula definida como parte narrativa, parte atmosfera, som intenso e imagem
8 É a sensação provocada no espectador ao juntar os sentidos da visão e audição. “É o processo intrapessoal, por
meio do qual as impressões sensoriais são conduzidas de um sentido para o outro” (GOODWIN apud
CARVALHO, 2005, p. 7).
41
rica serve como referência a uma nova geração de realizadores de filmes. Nesse contexto, o
capítulo a seguir mostra, segundo o referido autor, o estilo MTV proposto pelos videoclipes e
empregado no cinema.
3.3 O ESTILO MTV NO CINEMA
O videoclipe caracteriza-se pelo formato audiovisual que combina e incorpora
linguagens e relaciona diversas formas de expressão. Sendo assim, Trevisan (2011)
contextualiza que é natural que muitas referências a sua estética remetam aos procedimentos
utilizados no âmbito cinematográfico. Contudo, o movimento contrário também é observado.
Desde a década de 90, é possível perceber características da linguagem de videoclipe em
alguns filmes. Nesse sentido, Dancyger (2003) postula o estilo MTV.
[...] associado principalmente à televisão, embora sua influência tenha superado a
televisão. Evitando os objetivos tradicionais da montagem, inclusive a narrativa
linear e a concentração na trama e no personagem, o estilo MTV tem recolocado a
questão com um enfoque multilateral. Pode haver uma história. Pode haver apenas
um personagem. Mas a semelhança é que lugar, sentimento e tom serão os
princípios da obra. É também como o tradicional sentido de tempo e lugar das
convenções que são usadas como referência do tempo fílmico com o tempo real, que
serão substituídas por uma correlação bem menos direta [...] (DANCYGER, 2003,
p.191).
O esclarecimento de Dancyger (2003) em seu livro é de suma importância, pois
demonstra de maneira mais técnica do que outros, as características constituintes dos
videoclipes, a partir de comparações feitas em relação a procedimentos utilizados em filmes
que, conforme o autor, seguem padrões de um estilo, o qual ele denomina de estilo MTV.
Diante disso, destacam-se algumas características-chave para o estilo MTV de Dancyger
(2003) (TREVISAN, 2011, p.127).
Primeiramente, ressalta-se a importância do sentimento. De acordo com o escritor, um
dos objetos centrais do estilo MTV é a ênfase dada à criação de um sentimento mais enfático,
“não é uma necessidade de desafiar a primazia da trama. Mais do que isso, é uma relação
próxima do estilo MTV com a música” (DANCYGER, 2003, p.195). A música/trilha
potencializa a sensação, o sentimento, a emoção da personagem em detrimento da lógica do
diálogo. Conforme Dancyger (2003), a música sintetiza o sentimento humano e a mente
processa o som. Sendo assim, o propósito da música é dar um estado emocional definido ao
sentimento que é criado.
42
O sentimento pode ser aguçado e profundo ou pode ser crescente e onírico. Em ambos
os casos, Dancyger (2003) afirma que o estado cria um sentimento desconectado para a
narrativa. Devido à profundidade do sentimento, uma simples sequência associada a um
trecho musical dificulta a criação de uma continuidade narrativa. É possível encontrar nos
longas-metragens do estilo MTV sequências descontínuas, organizadas de forma crescente na
ação, que podem valer por ela mesma, sem diminuir a totalidade do filme.
Conforme o filme foca mais no sentimento, ele requer um público que esteja
acostumado a isso.
O público que assiste e diverte-se com uma série de vídeos musicais um depois do
outro, sem nenhuma conexão narrativa, mas onde cada um fornece distintas
sensações e sentimentos. Esse público não se importa com a fragmentação nem com
o ritmo ou a brevidade de experiência. Para ele, o sentimento é uma experiência
audiovisual desejável (DANCYGER, 2003, p.195).
Outra característica desse estilo é conhecida como declínio da trama. De acordo com
Dancyger (2003), acontece quando o personagem se destaca em relação à trama e acaba se
tornando mais importante, criando assim a sua própria história. Nesse estilo, a lógica de
progressão da trama é menos fundamental, mais importante são as ações, reações, expressões,
emoções da personagem, ou seja, na verdade, a trama se dá a partir de como o personagem vê
a história. Dessa maneira, pode-se observar que
[...] quando a trama é menos importante, incidente, adquire-se um sentido diferente e
o personagem transforma-se no mais importante. Quando a lógica da progressão da
trama é menos fundamental, a fragmentação pode ser mais frequente. O tom, a
intercalação de humores, a fantasia, as brincadeiras, o pesadelo [...] (DANCYGER,
2003, p. 196).
Em uma narrativa fragmentada do estilo MTV, “o personagem é um herói em um
mundo fragmentado, um herói que pode recitar poesia e matar ao mesmo momento, um herói
que não pode sustentar uma resposta. Foi seu mundo que o fez assim” (DANCYGER, 2003,
p.196). Trevisan (2011) contextualiza que não é possível afirmar que “a trama seja totalmente
desprezada, entretanto, pode-se dizer que menos trama facilita a entrada do público no mundo
da MTV”. Diminuindo-se a incidência da trama, a transformação do personagem torna-se o
mais importante.
Outra peculiaridade que compõe o estilo MTV é a montagem descontínua da trama,
técnica que provoca a obliteração do tempo e do espaço. Para criar o sentimento de redução
da trama e assim traçar a sua importância, Dancyger (2003) afirma que o realizador deverá
reduzir o impulso da forma, ou seja, o espectador organizará o padrão de sons e imagens em
43
uma progressão de pensamento, uma linearidade adaptada, mesmo que esta não seja
disponível na superfície. Trevisan (2011) resumiu as indicações de Dancyger (2003) de como
a filmagem e a montagem podem ser empregadas na hora de transmitir tal ideia, como:
[...] utilizar muitos close-ups em vez de planos abertos, o que retira o contexto que
poderia dar credibilidade à sequência; enfatizar o primeiro plano sobre o fundo do
quadro, utilizando lentes teleobjetivas ou posicionando o personagem na frente do
enquadramento; tipos de iluminação como o sépia ou filtros de cores fortes e ainda,
o jump-cut e o ritmo de cortes acelerado. Tudo isso auxilia para a sensação de
obliteração de tempo e espaço [...] (TREVISAN, 2011, p.132).
Dancyger (2003) aponta algumas experiências já realizadas por cineastas que
representam esta obliteração, como no trabalho de Resnais9 onde o passado e sua intervenção
colocam questões sobre o tempo e sua continuidade, mostrando que se um personagem é
tomado pelos eventos do passado, isso pode significar na sua conduta no presente e na sua
percepção. Já Fellini10
sugeriu não simplesmente o passado, mas as fantasias do personagem
sobre o passado encoberto pelo presente. Peter Brook 11
coloca a questão sobre a realidade
através da exploração da interpretação e sua compreensão na história, assim tempo e lugar são
reconfigurados, tornando-se relativos e menos importantes. Juntos, esses e outros realizadores
têm modificado as noções convencionais de tempo e espaço nos seus trabalhos. Tudo isso
com o intuito de levar o espectador para dentro de uma experiência narrativa menor e uma
experiência sensitiva maior.
Outra característica identificada no estilo MTV é o estado auto reflexivo do sonho que
implica em criar um estado em que o espectador se perca, sugerindo outro nível. Segundo
Dancyger (2003), o espectador é capaz de assistir ou refletir sobre os seus próprios sonhos e
pode estar simultaneamente muito envolvido ou nada envolvido. Sendo assim, é possível
observar que o público não encara o filme como uma realidade e essa liberdade “permite
alterações de sentimentos, narrativa, fantasia, etc., sem a necessidade de fazer essas alterações
plausíveis” (DANCYGER, 2003, p.198). Além de tudo, o público sabe que está diante de um
acontecimento midiático e “acaba se tornando tolerante a alterações de tom, tempo, lugar, etc.
que são realizados” (DANCYGER, 2003, p.198). Como, por exemplo, na cena (figura 23) do
último capítulo da novela das 23h, “Verdades Secretas” (2015), onde a personagem Fanny
9 Segundo Bergan (2011), Alain Resnais foi um cineasta nascido em 1922 que participou de movimentos como o
Documentarismo, Naturalismo, Nouvelle Vague e Surrealismo. 10
Segundo Bergan (2011), Frederico Fellini foi um cineasta nascido em 1920, com influência estética oriunda do
Neorrealismo Italiano. 11
Segundo o site Cidade das Artes, Peter Brook nasceu em Londres em 1925 e, ao longo da sua carreira,
distinguiu-se em vários gêneros como o teatro, a ópera, o cinema e a escrita. Disponível em: <
http://www.cidadedasartes.org/programacao/interna/335 >. Acesso: 26 out. 2015.
44
(Marieta Severo) pede ao personagem Léo (Raphael Sander) que tire a roupa para que ela
possa analisá-lo. Concluída a ação, ela pede a ele que se vire, na sequência, olha para a
câmera e comenta: “serve”. Ou seja, acontece quando “o personagem está fazendo seu papel
dentro da história e, repentinamente, sai dele, olha para a câmera, ou seja, para o espectador e
faz comentários ou questionamentos relembrando que o que ele está vendo não é real”
(TREVISAN, 2011, p.133).
Figura 23: Cena do último capítulo de Verdades Secretas. Fonte: Site da Globo.
Por fim, a última característica mencionada pelo autor diz respeito ao recurso de que
dispõe o meio de comunicação de olhar para si mesmo. Segundo Dancyger (2003), assim
como o personagem se afasta e comenta sobre si mesmo no filme, o meio de comunicação
também o faz. No estilo MTV há uma aceitação para a autorreflexividade de forma particular,
tornando-se uma técnica manipuladora. Dancyger (2003) complementa que esse estilo
também aceita a inclusão de outro meio como, por exemplo, no filme “Tudo sobre minha
mãe” (1999), quando a personagem principal está assistindo ao filme “A Malvada” (1951).
Figura 24 e 25: Cenas dos filmes Tudo sobre minha mãe (1999) e A Malvada (1951). Fonte: Netflix
Um videoclipe também pode incluir outras situações vindas das novelas, filmes, eventos
jornalísticos. Dancyger (2003) afirma que, ao utilizar o estilo,
[...] é possível criticar tudo, inclusive a crítica à crítica, confirmando ou superando
uma visão reducionista. O estilo MTV vai imitar e comentar sobre as apresentações
em outros formatos como uma chave para os eventos e assuntos [...] (DANCYGER,
2003, p.199).
45
É interessante, ao ressaltar os apontamentos do autor, levar em consideração a
definição de set piece12
, que, conforme Dancyger (2003, p.201), pode ser compreendido como
“um fragmento que tem autonomia estética, narrativa ou de sentido dentro da obra. Esse
fragmento é, em si, uma sequência ou uma cena brilhantemente executada com autonomia de
obra”. Empregado à obra como uma forma de causar a identificação entre o espectador e o
personagem principal através do ritmo e da subjetividade. Ambos também são utilizados para
intensificar o efeito set pieces. Segundo Dancyger (2003), o estilo MTV é compreendido por
não estabelecer uma narrativa linear e, ao contrário disso, apresentar set pieces, que, conforme
se observa, parecem pequenos filmes independentes dentro do próprio filme, usados como
uma forma de personificar o arco dramático. Alteram o foco do personagem e a sua estrutura
narrativa, subvertendo a experiência linear e valorizando a cena sobre a sequência, um ato ou
todo o filme. Inserem sentimento na trama.
Contudo, é possível observar que a linguagem videoclíptica evita os objetivos mais
tradicionais da montagem como narrativa linear e a concentração na trama e no personagem.
Segundo Trevisan (2011, p.134), “ainda que exista uma história ou apenas um personagem, o
que impera é que lugar, sentimento e tom serão os princípios do videoclipe.” Assim, o sentido
de tempo e lugar é substituído por correlações menos diretas. Nesse contexto, Dancyger
(2003) destaca que há nos videoclipes uma tentativa de estabelecer pontos de referência entre
realidade e tempo fílmico através de grandes lapsos de tempo e espaço e a vivacidade do
resultado imagístico que permite uma nova correlação.
Complementando, a obra do autor Dancyger (2003) apresenta o sentido e a
compreensão do estilo MTV como um recurso que possibilita conquistar o público-alvo.
Dessa forma, o estilo MTV, ou a estética videoclíptica, apresenta uma nova maneira de contar
histórias visualmente e combina “elemento narrativo, atmosfera, som intenso e imagem
opulenta, onde a experiência visual é superior à televisão ou ao filme” (TREVISAN, 2011, p.
135).
Apresentadas as características do estilo MTV, o próximo passo é verificar se estão
presentes na obra cinematográfica O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
12
“Na linguagem de videoclipe, ritmo, subjetividade e close-ups são escolhidos para intensificar o efeito set
piece, que pode ou não servir para o arco dramático da história. Os set pieces equivalem a vários curtas-
metragens, unidos por um fio condutor fraco, o que implica em modificar o foco do personagem e da estrutura
narrativa como um todo para o set piece, subvertendo a experiência linear e valorizando a cena sobre sequência,
um ato ou o filme todo” (TREVISAN, 2011, p.134).
46
4 PERCURSO METODOLÓGICO
Neste tópico, serão expostas as referências metodológicas apropriadas para a execução
da presente pesquisa e a definição das categorias norteadoras das observações e análises, bem
como o objeto de estudo.
4.1 REFERÊNCIAS METODOLÓGICAS
Para alcançar os objetivos propostos no presente trabalho, adotou-se a metodologia
detalhada a seguir. A natureza da pesquisa é qualitativa, sua busca sustenta-se no aporte
teórico, visando um olhar mais aprofundado e não estatístico. Nos dizeres de Michel (2009),
[...] na pesquisa qualitativa, a verdade não se comprova numérica ou
estatisticamente, mas convence na forma da experimentação empírica, a partir de
análise feita de forma detalhada, abrangente, consistente e coerente, assim como na
argumentação lógica das ideias, pois os fatos em ciências sociais são significados
sociais, e sua interpretação não pode ficar reduzida a quantificações frias e
descontextualizadas da realidade [...] (MICHEL, 2009, p. 37).
Sendo assim, o estudo foi realizado por meio da pesquisa bibliográfica que, segundo
Gil (1999, p.65), “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente
de livros e artigos científicos”. Através dela, buscou-se agregar mais conhecimento e
aprofundamento sobre o tema para sustentação teórica ao estudo. Nesse sentido, Lakatos e
Marconi (1992) afirmam que o objetivo da pesquisa bibliográfica é colocar o pesquisador em
contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto. O uso do
referencial, por sua vez, dará o embasamento e aporte teórico para que haja o conhecimento
entre as linguagens e assim se torne possível verificar se há características da estética do
videoclipe presentes no filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Assim, serão analisados os elementos visuais do filme de acordo com o referencial
proposto através dos apontamentos do autor Ken Dancyger (2003) sobre a estética do “Estilo
MTV”, com a finalidade de identificar a presença de seus elementos caracterizadores no filme
em questão.
Para a compreensão do estudo, foi escolhida a técnica de análise de conteúdo. Essa
técnica é marcada por abranger diferentes formas adaptáveis a um campo de aplicação vasto:
as comunicações. De acordo com Bardin (1977, p.42), a análise de conteúdo consiste em
[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
47
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens
[...] (BARDIN, 1977, p.42).
Nesse sentido, Michel (2009) contextualiza que a análise de conteúdo se configura
como uma técnica de levantamento de dados que se utiliza de textos, falas, informações já
coletadas, de forma extensiva, ou seja, é uma análise feita a posteori à coleta.
Segundo Moraes (1999), essa técnica apresenta como etapas essenciais a
categorização, descrição e interpretação. Nessa abordagem, as categorias poderão emergir ao
longo do estudo, a partir da delimitação de seus objetivos que também poderão ir se
delineando à medida que a investigação avança. Entretanto, de um modo geral, é possível
afirmar que, ao se concluir uma pesquisa, é importante ser capaz de explicitar com clareza os
objetivos do trabalho realizado.
Ainda conforme o autor, naturalmente haveria muitas formas de categorizar possíveis
objetivos de pesquisas realizadas utilizando análise de conteúdo. Porém,
[...] historicamente estes têm sido definidos em seis objetivos, levando em
consideração os aspectos intrínsecos da matéria prima, do contexto a que as
pesquisas se referem e das inferências pretendidas. Esta classificação se baseia numa
definição original da teoria de Laswell, em que este caracteriza a comunicação a
partir de seis questões: 1) Quem fala? 2) Para dizer o que? 3) A quem? 4) De que
modo? 5) Com que finalidade? 6) Com que resultados? [...] (MORAES, 1999 p.4).
Moraes (1999) elucida tais questões afirmando que uma Análise de Conteúdo
orientada a “quem fala?” visa a investigar quem emite a mensagem, sob a hipótese de que a
mensagem exprime e representa o emissor. Quando uma pesquisa utilizando análise de
conteúdo se dirige à questão para dizer o quê? Atenta-se às características da mensagem
propriamente dita, seu valor informacional, as palavras, argumentos e ideias nela expressos. É
o que constitui uma análise temática. Já, se os objetivos da análise de conteúdo orientam-se “a
quem?” se dirige a mensagem, focaliza-se o receptor, procurando inferir as características
deste a partir do que lê ou ouve.
Quando os objetivos da análise se direcionam ao “como?” o pesquisador estará
voltado à forma como a comunicação se processa, seus códigos, seu estilo, a estrutura da
linguagem e outras características do meio pelo qual a mensagem é transmitida.
Ao direcionar seu estudo para o “com que finalidade?” o pesquisador se questionará
sobre os objetivos de uma dada comunicação, sejam explícitos ou implícitos, orientando-se
para o emissor, mas no sentido de captar as finalidades com que emite uma determinada
48
mensagem. Ao focalizar o “com que resultados?” o pesquisador procura identificar e
descrever os resultados efetivos de uma comunicação.
Entre tais indicações de objetivos para a criação de categorias de análise, as que se
encaixam com a proposta da presente pesquisa são o que se fala e como. Em outras palavras,
busca-se entender os recursos formais e estilísticos (audiovisuais) pelos quais o conteúdo da
obra cinematográfica O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) é expresso.
A categorização é, sem dúvida, uma das etapas mais criativas da análise de conteúdo.
Entretanto, seja com categorias definidas a priori, seja com uma categorização a partir dos
dados, o estabelecimento de categorias necessita obedecer a um conjunto de critérios. Moraes
(1999) explica que as categorias representam o resultado de um esforço de síntese de uma
comunicação, destacando neste processo seus aspectos mais importantes.
4.2 CATEGORIAS DE ANÁLISE
Para a aplicação do método, foram criadas categorias de análise com base nos
apontamentos de Ken Dancyger (2003), autor do livro Técnicas de Edição para Cinema e
Vídeo, em que se encontra o capítulo 11 – A influência da MTV na montagem I. Neste, o autor
assinala, através de seus apontamentos, características da estética do videoclipe presentes na
produção cinematográfica. As categorias de análise foram criadas para que estabeleçam uma
relação com as características apontadas por Dancyger (2003) em sua obra. Sendo elas:
A) Trama e personagem
Nessa categoria, busca-se primeiramente observar as características físicas e psicológicas
dos personagens apresentados no filme para análise da maneira como estão dispostos na trama
e a sua ordem de importância em relação a ela. Observar como expressam seus sentimentos
em suas ações e reações durante os fatos, buscando ressaltar os apontamentos do autor que
sinalizam o estilo MTV em narrativas onde a importância do sentimento do personagem é
mais forte do que a trama em si.
Na sequência tendo claramente definido que o enredo é o desenrolar dos fatos que vão
acontecendo no decorrer da história, é o conteúdo em que se constrói a narrativa e que a trama
é a história que está sendo contada e caracteriza-se por dar o sentido às ações e assim criar
emoção no espectador. Resumindo, ambos caracterizam e formam a história que será contada.
49
O filme analisado tem como roteirista e diretor Jean-Pierre Jeunet, sendo assim, busca-
se observar e entender a maneira como ele conduziu o conteúdo da história, como os fatos,
acontecimentos e ações são desenvolvidos pelos personagens apresentados na obra para
observação da importância do enredo e da trama em relação ao todo, a fim de verificar se é
possível encaixá-lo nas características do estilo MTV apontadas por Dancyger (2003), dentre
as quais, a presença do denominado declínio da trama.
B) Narrativa e Montagem
Nessa categoria, busca-se analisar a narrativa e a montagem apresentadas na obra.
Contextualizando-se os termos, entende-se que a narrativa significa a maneira como ocorre a
sucessão dos fatos apresentados na história e que a montagem diz respeito à forma como as
imagens são compiladas e expostas na trama. A partir desses esclarecimentos iniciais,
pretende-se observar como narrativa e montagem se apresentam na trama, se em ordem
cronológica ou não, ou seja, se de modo linear ou não-linear, verificando se existem e quais
são os recursos utilizados que condizem com as ideias propostas por Dancyger (2003) que
remetem à questão da obliteração do tempo, característica presente no estilo MTV.
C) Estética (Direção de Arte e Fotografia)
Nessa categoria, busca-se analisar a estética da trama através da direção de arte e
fotografia. A palavra estética está relacionada àquilo que se vê e é utilizada para se referir a
diversas concepções do belo e da arte. Ou seja, faz-se da composição da cena e é representada
pela direção de arte e fotografia. A direção de arte, por sua vez, está relacionada aos objetos
cênicos que caracterizam a composição da cena, como figurino, cenário, etc. A fotografia
caracteriza-se pela composição da cena como enquadramento, cores, textura, iluminação, etc.,
compondo assim a análise da identidade visual fílmica. Dessa forma, através dos
apontamentos do autor, busca-se analisar se há referências vindas de outros meios de
expressão artística ou formatos de comunicação, bem como se e, em que momentos, o filme
transparece em estado onírico, lembrando que se está diante de uma ficção midiatizada,
condizente com a ideia de autorreflexão proposta por Dancyger (2003) ao se referir como uma
das características do estilo MTV.
Assim, acredita-se que será possível elencar os elementos que aproximam o filme O
Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) dessa estética videoclíptica.
50
4.3 O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULAIN (2002): O OBJETO DE ESTUDO
O filme conta a história de Amélie, uma menina solitária criada por pais cheios de
manias. A solidão da personagem – associada à morte precoce da mãe, à relação distante que
possui com o pai e à ausência de contato com outras crianças – faz com que se isole do mundo
real e busque refúgio num mundo de imaginação e fantasia. São exemplos de sua capacidade
imaginativa a cena em que ela brinca de médica com um ser não identificado, criado por sua
cabeça ou quando imagina que vinis sejam feitos como panquecas. Com a perda da esposa, o
pai de Amélie, o Sr. Raphael Poulain, constrói um pequeno mausoléu para abrigar as cinzas
da esposa. Enquanto o tempo não passa, Amélie opta por ficar em seu mundo dos sonhos até
atingir a maioridade e finalmente ir morar em outro local.
Amélie deixa a sua cidade natal e vai para o bairro parisiense Montmartre, onde
começa a trabalhar no café Deux Mollins como garçonete. Seu destino muda no dia em que
encontra, por acaso, atrás de um azulejo da parede do banheiro de seu apartamento, uma
caixinha com alguns objetos como: fotografias, bolinha de gude, bonecos e um carrinho. Ao
se deparar com os objetos, ela acredita ter encontrado um tesouro que representa a infância de
alguém. Então, ela decide que irá devolver essa caixa ao seu antigo dono e, se isso mudar a
vida dele, de alguma forma, ela passará a ajudar aos outros.
Inicia-se então sua busca e, simultaneamente, sua relação com as pessoas, tendo em
vista que, durante sua jornada de procura por Dominique (dono da caixinha encontrada), ela
recorre à ajuda dos seus vizinhos para encontrá-lo, conhecendo, através desse processo,
diversas biografias individuais representadas através de vivências e objetos que se entrelaçam.
Ao encontrar Dominique Bretodeau, o dono da caixinha de lembranças, ela cria um
plano para entregar o objeto sem que ele a veja. Na sequência, em um bar, ele conversa com
ela sobre como com o passar do tempo importantes lembranças cabem em apenas uma
caixinha e que, a partir dali, iria restabelecer contato com sua filha para conhecer o neto,
buscando ser uma pessoa melhor. Diante disso, ela se impressiona e passa a ter uma nova
visão do mundo.
51
Figura 26: Capa do DVD do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002). Fonte: Ccine 10
13
A produção é de origem francesa e teve estreia mundial no cinema em 2002. Foi um
dos maiores sucessos de bilheteria do cinema francês e conseguiu atrair 23,1 milhões de
espectadores pelo mundo, arrecadando, ao todo, US$ 33 milhões em bilheteria apenas nos
Estados Unidos14
. Além disso, teve cinco indicações ao Oscar, incluindo a de Melhor Filme
Estrangeiro.
Dirigido pelo cineasta francês Jean-Pierre Jeunet, que, segundo Diener (2012), tem sua
trajetória marcada por produções como a direção de comerciais publicitários e videoclipes,
mas destaca-se em suas obras cinematográficas pela predileção por criar filmes que abordam
o cinema fantástico, onde a forma torna-se tão importante quanto o assunto tratado. Para
Valderschelden (2007), suas produções sofrem a influência de uma estética comercial e
voltada para os jovens.
Entre suas produções videoclípticas, destaca-se o clipe do cantor Julien Clerc - La fille
aux bas nylon15
(1984), composto pela estética da fantasia característica do diretor e que traz
uma mistura da realidade com animação, conforme se observa na figura 27.
13
Disponível em: <http://www.ccine10.com.br/o-fabuloso-destino-de-amelie-poulain-critica/>. Acesso em: 19
mai. 2015. 14
Disponível em: < http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2012/09/11/os-intocaveis-bate-recorde-de-
bilheteria-de-amelie-fora-da-franca.htm >. Acesso em: 19 mai. 2015. 15 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=ycy3kYaV-8E >. Acesso em: 19 mai.2015.
52
Figura 27: Frame do videoclipe La fille aux bas nylon do diretor Jean-Pierre Jeunet. Fonte: Youtube.
Mais adiante, no ano de 2009, destaca-se a produção publicitária dirigida por ele e
intitulada Coco Avant Chanel (2009), realizada para a famosa marca de perfume Chanel nº516
.
A história se passa no Expresso do Oriente e dá lugar ao requinte do art deco e ao exotismo.
No comercial, é possível ver novamente a parceria de Jean-Pierre com a sua musa Audrey
Tatou, que ficou mundialmente conhecida através de seus filmes, como O Fabuloso Destino
de Amélie Poulain (2002) e Amor Eterno (2004).
Figura 28: Frame do comercial Coco Avant Chanel (2009) dirigido por Jean-Pierre Jeunet. Fonte: Internet.
A filmografia de Jean-Pierre Jeunet conta com os filmes Foutaises (1989),
Delicatessen (1991), Alien – A Ressureição (1997), mas é em 2000 que resolve voltar para a
França e, segundo Diener (2012), fazer um filme mais pessoal, através da sua recordação e
apontamentos, e assim, concebe o filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002), tendo
como principal cenário cinematográfico o bairro de Montmartre, onde mora. Este filme
rendeu-lhe as indicações de Melhor Direção pelo César du Cinéma (França, 2002) e BAFTA -
Award for Best Film (EUA, 2002).
16
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=uTJIOhPpe_c >. Acesso em: 26 out. 2015.
53
Figura 29: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002). Fonte: Internet.
O filme é do gênero comédia romântica e drama e seu elenco tem a participação da
atriz Audrey Tautou, que interpreta a personagem principal Amélie Poulain, Mathieu
Kassovitz (Nino), Isabelle Nanty (Georgette), Jamel Debbouze (Lucien), Yolande Moreau
(Madeleine Wallace), Dominique Pinon (Joseph), Maurice Bénichou (Dominique Bretodeau),
entre outros. Uma das peculiaridades em relação ao elenco é a participação da atriz brasileira
Flora Giuet que interpretou Amélie Poulain na infância.
Figura 30: Atriz Flora Giuet como Amélie Poulain. Fonte: Internet.
A sua fotografia foi inspirada nas pinturas do artista brasileiro Juarez Machado e
realizada por Bruno Delbonnel e apresenta o uso de uma paleta com cores vivas, sendo as
principais cores utilizadas: o vermelho, o verde e o amarelo. O artista Juarez Machado é um
catarinense de 74 anos que vive há 30 anos em Paris. Já Bruno Delbonnel com a fotografia do
filme foi indicado na categoria de Melhor Fotografia no Oscar (EUA, 2002), BAFTA - Award
for Best Film (EUA, 2002) e César du Cinéma (França, 2002).
A trilha sonora, composta por 24 músicas, aparece em todo o decorrer da trama e foi
criada pelo músico de vanguarda multinstrumentista e compositor frânces Yann Pierre
Tiersen. A melodia permite o envolvimento do espectador com a trama e é apresentada de
maneira instrumental, tocada pelo próprio compositor. Com sua produção para o filme, a
trilha sonora rendeu indicações ao Oscar (EUA, 2002) e ao BAFTA - Award for Best Film
54
(EUA, 2002) e ganhou o prêmio de Melhor Trilha Sonora no César du Cinéma (França,
2002).
4.4 OBSERVAÇÕES E ANÁLISES
4.4.1 TRAMA E PERSONAGEM
No tradicional modelo narrativo cinematográfico, o enredo ou a trama dão origem a
todo o desenrolar da obra, apresentando os personagens que vão vivenciando a história. Nesta
abordagem, é como se o personagem principal fosse transmitindo a sua espécie de mensagem,
de moral, e os personagens estivessem ali simplesmente para dar vida, movimentar a trama,
ao invés desta ser somente narrada. Já no estilo MTV, conforme apresenta Dancyger (2006), é
possível observar o destaque do personagem em relação à trama, uma vez que se torna mais
importante do que ela, criando a sua própria história, tornando a lógica de progressão da trama
menos fundamental. Em outras palavras, são sentimentos, as impressões dos personagens que
dão origem ao enredo.
Nesse sentido, nesta categoria busca-se observar primeiramente os personagens, suas
características psicológicas (e algumas físicas que podem refletir em seu estado de espírito, a
sua origem, ou forma como se relaciona com o mundo interior), seus sentimentos, suas
impressões da realidade que desencadeiam suas ações, sendo que estas, constroem situações
vivenciadas no filme, a fim de verificar se, no desenrolar da obra, a importância do
sentimento dos personagens se evidencia em relação à trama. Além disso, há a presença
marcante da trilha sonora em determinados momentos.
Para contextualizar a importância dos personagens na criação da história contada no
filme, faz-se necessária a apresentação dos mesmos incluindo a protagonista, as pessoas que
ajudou e os que se relacionaram com ela de alguma maneira. Todos apresentam as suas
particularidades e histórias individuais que estão interligadas com a personagem principal.
Amélie Poulain é uma mulher solitária desde a sua infância. Trabalha como garçonete
em um café parisiense. Criada por pais superprotetores, ela foi educada em casa e era proibida
de ter amigos. Perdeu sua mãe precocemente, sendo criada por seu pai, que acabou
progressivamente se distanciando dela, fazendo com que Amélie se isolasse, cada vez mais,
do mundo real. Amélie, então, cria o seu próprio mundo de fantasia e de amigos imaginários.
Sendo assim, observa-se que há uma potencialização do sentimento que se coaduna com a
55
afirmação de Dancyger (2003,p. 195) de que “o sentimento pode ser aguçado e profundo ou
pode ser crescente e onírico”.
Apesar de se mudar para uma cidade grande, ela percebe que a sua vida continua
solitária. Fisicamente, Amélie é caucasiana, tem olhos grandes e pretos assim como seus
cabelos, que têm o corte chanel levemente acima da linha da mandíbula e uma franja curta.
Segundo o autor Diener (2011), é possível perceber uma semelhança entre Amélie (figura 31)
e uma personagem feminista (figura 32) da obra de Juarez Machado, o pintor utilizado como
referência para a fotografia do filme.
Figura 31: Amélie Poulain. Fonte: Banco de imagens do Google.
Figura 32: Personagem feminista do quadro Minha vida, minha sorte (1997). Fonte: Banco de imagens do
Google.
Amélie é uma menina isolada do mundo por conta das manias de seus pais e é a sua
relação com a família que determina sua relação com o mundo. Uma vez que a sua criação foi
isolada de outras pessoas, por causa do problema cardíaco, inexistente, diagnosticado pelo seu
pai. Esse diagnóstico equivocado acontecia porque a menina ficava nervosa com o contato do
pai, já que o mesmo é sempre tão ausente e, assim, o seu coração disparava. O seu isolamento
do mundo faz com que ela crie um mundo particular de fantasias e imaginação, conforme
apresentado na cena:
[CENA]
[Locutor:] Privada do contato com outras crianças e dividida entre a agitação da mãe
e a distância glacial do pai Amélie encontra refúgio no mundo que inventou.
56
[Locutor:] Nesse mundo, o disco de vinil é feito como as panquecas e a mulher do
vizinho em coma há meses na verdade, resolveu dormir de uma vez só todo o sono
de sua vida.
Figura 33: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [05:29 - 05: 46].
Logo após a morte precoce da mãe de Amélie, o seu pai, que já era uma pessoa
ausente, torna-se ainda mais distante e então, a menina sonha com o dia em que atingirá a
maioridade e poderá sair de casa, mas, enquanto esse dia não chega, ela prefere seguir
vivendo o seu mundo dos sonhos e esperar, mostrando que o meio em que está inserida afeta
o seu comportamento e a sua personalidade, fazendo com que crie um mundo paralelo muito
mais colorido e grandioso. Conforme aponta Dancyger (2003), em filmes com o “Estilo
MTV”, o mundo e o meio em que está inserido é que fazem com o que o herói seja assim.
A solidão de Amélie diminuiu no momento em que ela encontra em um azulejo falso
na parede do banheiro do apartamento em que foi morar uma caixa com fotografias, bonecos
e pequenos brinquedos de metal. A mesma acredita ter encontrado um tesouro, que segundo a
personagem, é a representação integral da infância de alguém.
[Cena:]
[Locutor:] Só o primeiro homem a entrar no túmulo de Tutancamon entenderia a
emoção de Amélie ao descobrir o tesouro que um menino esconderá há 40 anos.
Figura 34: cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [14:19 – 14:24].
57
Assim inicia sua jornada na busca para encontrar o dono da caixa. Após recorrer à
ajuda de alguns vizinhos, finalmente ela acaba encontrando o dono da caixinha de
lembranças. Diante de sua dificuldade de se relacionar com as pessoas, característica vinda da
sua infância solitária, a personagem cria um plano para não ser vista no momento em que a
caixa chegasse ao seu dono. Ao seu plano dar certo, Amélie observa toda a ação e se
emociona ao ouvir do senhor que reencontrar suas recordações de infância na caixa escondida
no banheiro foi uma das melhores coisas de sua vida e que procuraria ser uma pessoa melhor
após este acontecimento. Esse fato é determinante para a narrativa pessoal de Amélie Poulain,
afinal é daí em diante que ela passa a construir sua relação com o mundo.
Dessa forma, ela se utiliza de objetos para se comunicar com as pessoas, ora de forma
positiva – como quando envia anonimamente fitas VHS com belas imagens ao vizinho
conhecido como homem de vidro, ou como quando cria uma carta do marido falecido da
vizinha, em que o marido pede perdão e relata todo o seu amor – ora de forma negativa – ao
se irritar com o modo com que o verdureiro trata o seu ajudante, ao encontrar sua chave para o
lado de fora da casa ela faz uma cópia e o assombra mudando coisas na sua casa, como
trocando as suas pantufas por números menores, sua pasta de dente por creme de pés, entre
outros. Conforme Dancyger (2003) afirma,
em uma narrativa de trama padrão, um personagem como este pareceria imaturo,
desenraizado e sem objetivo. Em uma narrativa fragmentada no estilo MTV, o
personagem é um herói em um mundo fragmentado, um herói que pode recitar
poesia e matar no mesmo momento (DANCYGER, 2003, p.196).
Os personagens mais importantes para a formação da personalidade da Amélie são os
seus pais. Afinal, são eles que fazem com que ela tenha uma infância solitária e afastada das
outras crianças. Sua mãe, Amandine Fouet, é uma mulher solteira que todos os sábados levava
a filha na igreja para acender uma vela para que realizasse o seu sonho de ter mais um filho.
Sua aparência é de uma mulher de estatura média, com cabelos castanhos e que possui um
tique no olho esquerdo, que representa o seu estado de perturbação neurótica (conforme
destacado no filme).
Entre as suas peculiaridades, está o fato de não gostar quando: os seus dedos enrugam
na água quente do banho; alguém que ela não gosta encosta-se a ela; que os lençóis marquem
as suas bochechas de manhã. E entre as coisas que ela gosta estão: as roupas dos patinadores
da TF1 (canal de TV francês); de dar brilho ao assoalho com as suas pantufas; esvaziar a
58
bolsa, limpá-la bem e arrumá-la novamente. Através dos seus traços, é possível observar que é
uma pessoa cheia de manias.
Figura 35: Cena que mostra Amandine Fouet. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Como Amélie não ia à escola por causa do seu problema de coração, diagnosticado
pelo pai, Amandine, que era professora, educava a filha em casa, fato que privava Amélie da
possibilidade de ter amigos. Seus amigos então eram o seu peixe Cachalote e os amigos
imaginários que criava. Mas as tentativas suicidas do seu peixe acabaram aumentando o
estresse materno e assim Amandine resolve devolver o peixe ao rio e, como forma de
compensá-la, presenteia a menina com uma câmera fotográfica. Certo dia, ao se dirigirem à
igreja para acender uma vela como promessa para que a mãe engravide, na saída, Amadine é
morta por uma turista suicida que cai em cima dela. A relação de Amélie com a mãe era muito
distante, uma vez que sua mãe era uma pessoa fechada e, como podemos observar, ao invés
de estabelecer contato afetivo com a filha, Amandine buscava dar objetos que suprissem a sua
ausência, tornando a infância da menina cada vez mais solitária.
O seu pai, Raphael Poulain, é outro personagem fundamental para o distanciamento de
Amélie do mundo real para o mundo dos sonhos, criado para suprir a ausência dos pais. Tem
como características físicas o rosto com expressões que representam a sua idade, tem cabelos
castanhos e sinais de calvície, a aparência séria (inclusive sorri poucas vezes durante o filme)
e os lábios contraídos, que significa a sua falta de coração (conforme aponta o filme). Entre
as suas peculiaridades está o fato de não gostar de: urinar ao lado de outra pessoa; notar o
olhar de desdém para as suas sandálias; sair da água e sentir o seu calção grudar; e de gostar
de: arrancar tiras de papel de parede; enfileirar seus calçados e engraxá-los; esvaziar a caixa
de ferramentas, limpá-la e arrumá-la novamente. Através de suas características, é possível
observar que, assim como a mãe da menina, o pai também é uma pessoa cheia de manias e
desamorosa. Traços esses que contribuem para o seu distanciamento da filha e para a solidão
da mesma.
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Figura 36: Cena em que mostra o personagem Raphael Poulain. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2002).
Ele não tem uma relação de contato com Amélie, a não ser quando realiza o seu exame
mensal do coração. A menina fica tão nervosa com a aproximação dele, que seu coração
acelera, o que o faz diagnosticá-la com alguma anomalia cardíaca. Por causa de sua doença
fictícia, Amélie é privada de ir à escola e, consequentemente, de conhecer e se relacionar com
as pessoas. Com a morte da mãe de Amélie, o seu pai constrói um minimausoléu no pátio de
casa, onde guarda as cinzas da mãe de Amélie. Ele que já era pouco afetivo com a filha, acaba
se distanciando ainda mais dela, e a menina também. Com o passar do tempo, Amélie sai de
casa e ele acaba recebendo a visita dela aos domingos. Em uma de suas visitas, ele mostra a
ela uma estátua de anão que encontrou e estava restaurando para enfeitar o jardim.
Figura 37:Cena em que mostra o anão de jardim. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Em uma de suas visitas, Amélie questiona o fato dele ser aposentado e não usar o
dinheiro para fazer uma viagem, ele responde afirmando que tinha planos de viajar com a sua
mãe, mas que, por causa da doença fictícia da menina, isso nunca foi possível e que agora sem
Amandine ele não fazia questão. Nesta cena, observa-se a maneira como ele se expressa e
insinua que a menina sempre foi um empecilho em sua vida.
[CENA:]
[Amélie:] Por que não usa a aposentadoria?
[Raphael:] Para quê?
[Amélie:] Viajar. Nunca saiu de Enghien.
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[Raphael:] Na juventude, eu e sua mãe pensamos em ir viajar, mas não podíamos.
Por causa do seu coração.
[Amélie:] Sim, eu sei.
[Raphael:] Agora... agora.
Figura 38: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [11:18 – 11:41].
Pode-se observar que, em todos os diálogos em que Amélie tenta ter com o seu pai
durante o filme, ele não lhe dá atenção ou assume uma postura fria para com ela, conforme
visto no exemplo anterior. Outro exemplo é a cena em que ela está conversando com ele e,
propositadamente, começa a falar coisas absurdas para se certificar se ele está prestando
atenção no que ela diz e ele nem nota. Nessa cena, podemos observar o desafeto e a falta de
atenção por parte dele, questões que impulsionaram a maneira de ser da menina, como a sua
falta de amigos, sua dificuldade em se aproximar e criar um diálogo com as pessoas e a
criação de outro mundo em que pudesse fugir disso tudo e ter uma vida alegre.
[CENA:]
[Raphael:] E o trabalho, como vai?
[Amélie:] Já me perguntou isso, papai.
[Raphael:] Sim. Está tudo bem com você?
[Amélie:] Bastante bem. Acho que as coisas estão mudando e... Tive dois ataques
cardíacos e fiz um aborto por usar crack na gravidez. Fora isso tudo bem.
[Raphael:] Ainda bem.
[Amélie:] Algum problema?
[Raphael:] Não... nada.
[Amélie:] Não vi o anão de jardim. Voltou para a garagem?
[Raphael:] Moscou. Olhe só. Nada, nenhuma explicação.
[Amélie:] Talvez só quisesse viajar um pouco.
[Raphael:] Não entendo. Não entendo.
Figura 39:Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [55:46 – 57:06].
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Ao procurar ajudar seu pai a sair da solidão, encontra no anão a solução, assim o
mesmo passa a ser uma figura importante no desenrolar da história de Raphael Poulain.
Assim, para ajudá-lo, Amélie sequestra o Anão de Jardim e o entrega para a sua amiga
aeromoça, para que o leve a todos os lugares do mundo que cruzasse em sua viagem e que
tirasse uma foto do anão nos locais e mandasse como correspondência ao seu pai. Raphael
Poulain passa a assimilar que, se o anão de jardim conseguia viajar sozinho, ele também seria
capaz. Dessa forma, incentivado pelas fotografias recebidas, ele resolve viajar para conhecer o
mundo.
Um importante personagem para a decisão de Amélie de começar a ajudar as pessoas a
sua volta foi Dominique Bretodeau. Ele é um homem de aproximadamente 50 anos, com a
aparência cansada, olhos baixos e com olheiras, cabelo grisalho mostrando a idade. Entre suas
peculiaridades apresentadas no filme está o fato de gostar de limpar a carcaça do frango
assado ainda quente com os dedos.
Figura 40: Cena que mostra o personagem Dominique Bretodeau. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2002).
Ele é o dono da caixinha de lembranças que a personagem principal encontra em casa
atrás de um azulejo do banheiro. Ao encontrar a caixa, Amélie pensa estar diante de um
verdadeiro tesouro da infância de alguém. Ao descobrir quem é o dono, ela vai atrás dele e,
como tem dificuldades para conversar e se aproximar das outras pessoas devido a sua solidão
na infância, arma para que Bretodeau encontre a sua caixa de pertences em um orelhão.
Ao encontrá-la, Bretodeau se remete a sua infância e ao tempo em que ainda era um
garoto sonhador. A caixinha guardava recordações de Bretodeau das quais, ao encontrar os
objetos, ele relembra com emoção, nela estão: uma peça de tabuleiro que costumava jogar;
uma foto que escondia um buraco na porta do qual ele observava uma mulher; e uma bolinha
de gude que ganhou em um jogo contra os colegas no intervalo, mas que, ao colocar no bolso,
ele se descostura e ele acaba derrubando todas as outras.
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Encontrar a caixa e reviver as suas memórias, faz com que Bretodeau passe por um
momento de reflexão, que, incentivado por algumas doses de conhaque, levam-no a repensar
sua vida e a relação com a filha e o neto, e Amélie, que observa o seu feito, decide que,
daquele momento em diante, passará a ajudar as pessoas. A história de Bretodeau finaliza
quando ele, após a ajuda indireta de Amélie, restabelece a sua relação com a filha e o neto, e
assim, ensina para o menino a sua peculiaridade de retirar o frango da carcaça.
No prédio em que Amélie reside, temos também outros personagens que ela ajudou de
alguma forma, como a zeladora Madeleine Wallace. Entre suas características físicas, destaca-
se ser ruiva, com o rosto expressivamente triste, estatura mediana. Ela alia a si a expressão
“chorar como uma Madalena”, afirmando que esse é o indício de que ela nasceu fadada às
lágrimas.
Figura 41: Cena em que mostra Madeleine Wallace. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Ela vive em função das lembranças de um casamento idealizadamente feliz, porém foi
abandonada pelo marido, já falecido, que a deixou para viver um outro romance, mas ela
acaba vivendo a vida como se o abandono fosse um fato irrelevante. Numa tentativa de
guardar lembranças do seu casamento, ela armazena improváveis objetos, entre eles, o
cachorro do casal que está empalhado, que, segundo ela, morreu de tristeza com a ausência do
dono e olhando para a fotografia dele. Além disso, ela também guarda as cartas que recebeu
do marido, o que possibilitará à Amélie encontrar uma forma de ajudá-la.
Amélie, ao encontrar a porta da casa de Madeleine aberta, acaba entrando e pegando
as cartas que ela recebeu do marido. Ela lê todas e faz um recorte recriando uma carta de
despedida, a qual Madeleine nunca recebera. No dia seguinte, ela envia a carta pelo correio e
a senhora, ao recebê-la, se emociona. Nesse trecho do filme, observa-se que, enquanto ela lê a
carta reescrita por Amélie, a sonoplastia mostra o exato momento em que cada trecho da carta
foi retirado. Além disso, na cena seguinte, em que termina de ler a carta, ela beija o retrato do
marido com ternura e é possível observar que a sua expressão é tomada pelo sentimento de
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emoção e felicidade e, dali para frente, vê-se a retomada da vida por parte da personagem,
com a certeza de que o marido a amou até os seus últimos dias.
Outro morador do prédio é Raymond Dufayel, conhecido como o homem de vidro,
devido a uma doença congênita, razão pela qual ele evita sair de casa há cerca de 20 anos,
tornando-se uma pessoa isolada que conversa apenas com quem tem interesse de falar.
Dufayel tem como forma de distração, reproduzir a tela de Renoair, e assim, pinta uma versão
a cada ano que passa. Sua aparência é a de um senhor de idade, magro, que costuma estar
sempre com uma touca de pelo, um casaco acolchoado marrom e proteções nos cotovelos.
Figura 42: Cena que mostra Raymon Dufayel. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Na sua casa, todos os móveis têm uma proteção acolchoada que garante o seu bem-
estar caso bata em algo. É possível também ver uma câmera que fica sempre apontada para o
relógio da rua, motivo que o dispensa de arrumar os ponteiros do relógio. É por intermédio
desse objeto que ela encontra uma forma ajudá-lo. Como ele fica somente em casa devido a
sua doença, ela passa a enviar fitas cassetes com imagens bonitas e motivadoras para que ele
assista e utilize a câmera ao invés de ficar apenas pintando. Com o incentivo das fitas que
recebe, no final do filme, podemos observar que ele está utilizando a câmera para gravar
outras coisas cotidianas como a vida de Lucien, o vendedor da quitanda.
Além disso, Dufayel exibe um papel importante para a trajetória da personagem
Amélie, afinal é ele que a faz com que a personagem se entenda e passe a olhar mais para si,
através da analogia entre a personagem e a mulher do quadro que está segurando um copo de
água. É através da sua afirmação de que não consegue capturar o olhar da mulher no quadro,
que podemos compreender um pouco mais sobre a personalidade solitária de Amélie. Sua
busca pela essência da personagem central do quadro é o mesmo desafio que o filme expõe
em relação à Amélie.
Dufayel é também o personagem incentivador que faz com que Amélie vá atrás de
Nino como, por exemplo, na cena citada a seguir, em que Amélie comenta que talvez a
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mulher esteja apaixonada por alguém fora do quadro, como forma de contar que conheceu
Nino e se apaixonou. Dufayel, ao escutá-la, insinua que ela deveria buscar alguém que está no
quadro, e ela afirma que talvez esteja muito ocupada se preocupando com os outros, ao que
Dufayel afirma que ela deveria parar de cuidar dos outros e ir atrás do que ela realmente quer.
Na sequência, é possível observar que Amélie, ao reconhecer seus sentimentos reais por Nino,
resolve fugir dele. Nesse contexto, Dufayel é o agente incentivador que estimula Amélie a se
compreender e a buscar as coisas que deseja, faz com quem ela saia do seu mundo imaginário
e passe a viver mais a realidade que está a sua volta.
[CENA:]
[Amélie:] Sabe a garota do copo de água?
[Raymond:] Sei.
[Amélie:] Se parece distante, talvez seja porque está pensando em alguém.
[Raymond:] Em alguém do quadro?
[Amélie:] Não, um garoto com quem cruzou em algum lugar e sentiu que eram
parecidos.
[Raymond:] Em outros termos, prefere imaginar uma relação com alguém ausente a
criar laços com os que estão presentes.
[Amélie:] Ao contrário, talvez tente arrumar a bagunça da vida dos outros.
[Raymond:] E ela? E a bagunça da vida dela? Quem vai pôr ordem?
[Amélie:] Bom, melhor cuidar dos outros do que de um anão de jardim.
Figura 43: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [48:34 – 49:26]
No mesmo andar que Dufayel, mora Collignon, o dono da quitanda localizada em
frente ao café. Ele é uma pessoa má, mal humorada, mimada e, sempre que possível, maltrata
psicologicamente Lucien, seu empregado. Em relação a Collignon, Amélie demonstra o seu
lado justiceiro ao tramar contra ele para defender Lucien das injustiças que o quitandeiro
comete. Com essa motivação, ela entra no apartamento de Collignon, muda as coisas de lugar
e prepara várias armadilhas para ele. Ele, por sua vez, acaba perturbado com as sabotagens de
Amélie e fica à beira de um ataque de nervos. Analisando-se a relação dessas duas
personagens, observa-se presente a característica assinalada por Dancyger (2003) quando
afirma que um herói do estilo MTV pode recitar poesia e matar ao mesmo tempo, ou seja,
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assim como a heroína é capaz de realizar boas ações, ela também pode se tornar vingativa em
certos momentos. São características que esse estilo de narrativa fragmentada permite.
Figura 44: Cena em que mostra Collignon. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Do outro lado, temos Lucien, que também trabalha na quitanda. Ele valoriza o trabalho
bem-feito e Amélie gosta do jeito com que ele trata as frutas e lida com as pessoas. Lucien é
amigo de Dufayel, que lhe ensina a pintar. Entre suas paixões está a princesa Diana.
Figura 45: Cena em que mostra Lucien. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
No bar em que a personagem principal trabalha, o Deux Molin, é possível observar
quatro personagens que Amélie irá ajudar. Nesse núcleo, há um triângulo amoroso formado
por Gina, Joseph e Georgette. Gina, assim como Amélie, trabalha de garçonete no café, entre
suas peculiaridades está o fato de gostar de estalar os dedos. Ela é loira, magra e caucasiana e
geralmente está usando uma camisa vermelha, com uma saia vermelha e um avental. Sua
personalidade é forte e tem costume de falar tudo o que pensa, por mais que isso possa
magoar alguém.
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Figura 46: Cena em que mostra Gina. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Gina é a ex-namorada de Joseph e tem de lidar diariamente com o ciúme possessivo
que demonstra a todos no bar. Ele passa o dia inteiro gravando tudo o que ela fala. Como
forma de ajudá-la, Amélie faz com que ele se apaixone por Georgette e, assim, liberte Gina de
seu ciúme indesejado. Georgette é hipocondríaca e está sempre reclamando de dor ou de
algum mal-estar. Ela é loira, de cabelos cacheados, caucasiana, e está sempre vestindo um
cachecol verde com uma blusa verde.
Figura 47: Cena em que mostra Gerogette. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Amélie, para curar as doenças imaginárias de Georgette, faz com que ela também se
apaixone por Joseph e assim passe a se preocupar mais com os sentimentos que tem por ele do
que com as suas dores, o que de fato acontece. Joseph, por sua vez, é um homem baixo, com
cara de pessoa má, olhos verdes e que tem como peculiaridade o fato de gostar de estourar
bolhas de plástico. Ele tem um gravador e passa a gravar tudo o que suas amadas falam,
achando que sempre estão conspirando ou querendo traí-lo. No final, Joseph se relaciona com
Georgette e seu lado possessivo começa a aparecer e, então, ele passa a sentir ciúmes dela,
que volta a ter suas doenças imaginárias.
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Figura 48: Cena em que mostra Joseph. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
No café, é possível observar outro frequentador, Hipólito, mais conhecido como o
escritor fracassado. Ele é um homem de cabelo escuro e que está sempre usando um terno.
Entre suas peculiaridades, destaca-se o fato de gostar quando um toureiro é corneado. Sua
cara e a maneira como se expressa e conversa com as pessoas mostra o quanto ele se sente
frustrado por não ter um de seus livros publicados. A partir dessa informação, Amélie lê um
dos manuscritos de Hipólito e pinta com spray uma de suas poesias no muro frente ao qual ele
costuma passar diariamente. Ao perceber a pintura, abre um sorriso fazendo notar sua
expressão de felicidade.
Figura 49: Cena em que mostra Hipólito. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Por fim, o personagem que é o amor da protagonista, Nino. Ele é uma pessoa solitária
e, assim como Amélie, se refugia em seu mundo imaginário como uma forma de fuga para a
solidão, estado psicológico que desenvolveu em sua infância. Ele é um colecionador de coisas
exóticas e é por meio do álbum em que coleciona fotografias rasgadas que ele reconstrói que
acaba iniciando um contato com Amélie. Com o desenrolar da história, ele passa a encarar a
realidade e a sua personalidade vai se alterando assim como a da protagonista.
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Figura 50: Cena que mostra Nino. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Ao encontrar o álbum de Nino, Amélie observa que sempre há um mesmo sujeito que
se apresenta em várias fotografias e com a mesma expressão facial. A partir daí, surge o
mistério em relação à identidade do sujeito. Assim como a protagonista, Nino também busca
descobrir quem é o misterioso homem da cabine, motivação que acaba criando uma ligação
entre Nino e Amélie. Um dia, quando Amélie está tirando uma foto para marcar um encontro
com Nino, ela acaba descobrindo que o homem das fotos é apenas o funcionário que conserta
as cabines fotográficas dos metrôs. Ao descobrir isso, ela trama para que Nino descubra
também.
Figura 51: Cena em que mostra o homem misterioso. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Com seu jeito de não saber lidar com as pessoas, Amélie tem uma relação difícil com
Nino. Uma vez que ela não sabe a maneira de conversar com ele, ela sempre arma para vê-lo
sem que tenha que se apresentar, como acontece no trem fantasma ou quando ela faz com que
ele siga as pistas e encontre a sua coleção, entre outras. No decorrer da trama, ela tenta
encarar a realidade, marcando encontros com Nino, que resultam sempre em tentativas
frustradas, pois não consegue conversar com ele. Até que um dia, Nino toma a iniciativa e vai
até sua casa e assim eles acabam ficando juntos.
No filme em análise, ao invés dos personagens contarem uma história, o enredo, a
trama são construídos por pequenas histórias fragmentadas dos personagens que Amélie tenta
ajudar. Essa narrativa não linear e fragmentada acaba potencializando o sentimento do
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personagem em relação à trama. Nesse contexto, Dancyger (2006) afirma que o personagem
acaba se destacando em relação à trama e assim torna-se o mais importante, como é possível
ver no filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2001). É a partir dos sentimentos
evidenciados na trama que a personagem narra, demonstra e também sobre a sua intenção de
ajudar os demais personagens, que se há uma história no filme.
Segundo Dancyger (2003), a música/trilha sonora é capaz de potencializar o
sentimento, a emoção do personagem em detrimento da lógica do diálogo. No caso do filme,
existem muitos diálogos, mas também monólogos, em que a personagem narra seus
pensamentos e impressões, às vezes de maneira desconexa, o que também quebra a lógica da
trama. Que acompanhados da trilha sonora do filme em determinados momentos acaba
interferindo na trama.
Um dos momentos em que podemos observar a interferência da trilha na trama é na
composição “Pás Si Simple”, na sequência dos acontecimentos após a morte da mãe de
Amélie, nas cenas em que a menina brinca solitária com seu urso, enquanto seu pai, que já era
pouco afetivo, se distancia cada vez mais, manifestando unicamente a preocupação em
construir um minimausoléu no jardim para guardar as cinzas de sua esposa. Conforme o
tempo vai passando e Amélie, que aguarda os dias para sair de casa, vai crescendo, a música
ganha uma nova entonação, mais animada, até chegar o momento em que ela está na fase
adulta trabalhando no café parisiense. Apesar de representar um período triste, a música não
carrega em si um tom de melancolia, mas um ar infantil que remete ao seu universo de
criança, ao seu mundo imaginário, do qual não sairá.
Figura 52: Cena em que Amélie brinca o urso. [08:48 - 09:46]. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
(2002).
A trilha “Compitine d’um autre été” é reproduzida no momento em que a locução está
apresentando as peculiaridades da personalidade de Amélie como colocar a mão em um saco
de sementes, quebrar a cobertura do crème brúlée com a colher e jogar pedra no canal Saint
Martin. Nesses momentos, por se tratar de seus pequenos prazeres, pode-se observar que a
70
personagem demonstra satisfação e alegria ao realizá-los, assim a música transmite o
sentimento de felicidade que a personagem está passando. A pesquisadora Gurgel (2010,
p.37) complementa que “Amélie, não somente nesta cena, parece dançar ao som da trilha,
andando sempre com passos levemente saltitantes, um sorriso infantil e movimentos
precisos”, evidenciando a contribuição da trilha sonora para a construção da personalidade da
personagem.
Figura 53: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [12:17 – 12:48].
Para a criação da personalidade meticulosa de Amélie, pode-se observar que a trilha
sonora “La Dispute” é reproduzida em momentos nos quais a personagem Amélie está
tramando contra alguém como, por exemplo, na cena em que entra escondida na casa de
Colligon para manipular alguns detalhes em sua casa que o façam pensar que está sendo
assombrado. Dessa maneira, ela busca se vingar da forma com que ele trata o empregado
Lucien. Na cena, é possível notar a heroína do estilo MTV descrita por Dancyger (2006) que,
ao mesmo tempo em que é capaz de ter gestos corretos, pode apresentar atitudes maliciosas,
comportamento realçado pela trilha sonora utilizada.
Figura 54: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Outra trilha que potencializa um momento importante para Amélie é quando ela está
na estação de metrô e ouvimos ao fundo a música “Si Tu N’Etais Pas”. Ao escutar a melodia,
ela acaba indo atrás do som e se depara com um cego sentado em um banco segurando uma
71
vitrola e pedindo esmolas. A letra da música, que pode ser lida na tradução do filme, fala
sobre o amor. Ao inclinar-se para deixar uma moeda, acaba olhando para o lado e avistando,
pela primeira vez, Nino, que está procurando fotos rasgadas embaixo da cabine fotográfica.
Figura 55: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [21:25 -22:33]
Ao se tratar da potencialização do sentimento da personagem, observa-se a trilha “La
Valse Des Vieux”, que é reproduzida em uma das vezes em que Amélie se encontra com
Nino. No parque de diversões, ele segue as suas pistas e ela o observa de longe. De acordo
com Gurgel (2010, p.42), “A música transmite um espírito alegre que Amélie experimentara
poucas vezes na vida”. Assim, pode-se notar a mudança de Amélie, da pessoa solitária e sem
ninguém, para alguém que agora tem esperanças.
Figura 56: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [01:12:50 - 01:15:34].
Contudo, uma das principais trilhas para a composição da representação do sentimento
da personagem e também uma das mais conhecidas é “La Valse D’ Amelie”. Sublinha-se a
importância dela em dois momentos do filme. O primeiro é quando Amélie descobre que
Nino saiu com Gina para conversar. Ao chegar em casa, ela se olha no espelho e é possível
sentir seu olhar de decepção, na sequência, ela está cozinhando desajeitada e com raiva, mas
sua imaginação visualiza a vida dela e de Nino caso estivessem juntos e assim ela passa a
demonstrar o medo de ficar só como antigamente. Nesse momento, percebe-se uma versão
mais melancólica da música onde são expressos os sentimentos de tristeza e decepção da
72
personagem. Observa-se, além disso, a sensação de que tudo teria sido feito em vão e
retornaria a ser como era antes.
Figura 57: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [01:48:50 – 01:50:14].
“La Valse D’Amelie” também aparece em uma versão animada quando Amélie está
deitada ao lado de Nino após tudo dar certo e eles ficarem juntos. O ritmo da música e a sua
expressão de felicidade, unidos, apresentam-se como uma forma de insinuar que o destino de
Amélie Poulain está concluído e que tudo o que ela buscou e sonhou se concretizou.
Figura 58: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) (01:54:00 – 01:54:56].
Observa-se nesse filme que cada personagem tem sua história individualizada e
caracterizada por seus sentimentos e conflitos internos. Dessa forma, são eles que acabam
fazendo com que haja uma história, potencializando o sentimento do personagem em relação
à trama. Dancyger (2003) afirma que, quando a trama é menos incidente, o personagem
transforma-se no mais importante e, quando a lógica da progressão da trama é menos
fundamental, a fragmentação pode se tornar mais frequente. Tudo isso é visto no filme e está
presente no estilo MTV.
4.4.2 NARRATIVA E MONTAGEM
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Nessa categoria, será analisada a relação entre a narrativa e a montagem verificando se
existem e quais são os recursos utilizados que condizem com a proposta dos apontamentos de
Dancyger (2003) sobre a obliteração do tempo, característica do estilo MTV. Para Dancyger
(2003), essa obliteração de tempo e espaço acontece para potencializar o sentimento dos
personagens e assim diminuir a trama e sua importância.
Conforme pode-se observar, a montagem do filme une o passado e o presente da
personagem, desconstruindo a linearidade narrativa, mostrando situações às quais a
personagem principal foi exposta para construir a sua personalidade. Sendo assim, este filme
possui uma narrativa não linear. São diversas as cenas onde a personagem é colocada em
confronto com o seu passado para justificar a sua ação no presente. Para Dancyger (2003), a
retomada do passado e a sua intervenção presentes na obra, coloca em questão o tempo e a
sua continuidade. Se um personagem é tomado pelos eventos do passado, o que isso significa
que servirá de influência para a sua conduta e sua percepção atuais. Com isso, o diretor do
filme utiliza-se da obliteração do tempo não simplesmente para sugerir o passado do
personagem, mas também as fantasias do personagem sobre o seu passado encobertos pelo
presente.
Uma dessas situações acontece com a personagem quando Dufayel está pintando o
quadro no qual não consegue captar a essência da mulher que ocupa o centro da imagem e ele
interroga sobre o fato dela ser distante das outras pessoas e afirma que isso deve ser por ter
crescido em uma infância solitária, fazendo alusão à história de Amélie.
[CENA:]
[Dufayel:] Depois de todos esses anos, o único personagem que ainda não consegui
captar é a moça com o copo de água. Ela está no centro e, no entanto, está fora.
[Amélie:] Talvez seja diferente dos outros.
[Dufayel:] Em quê?
[Amélie:] Não sei.
[Dufayel:] Quando era pequena, não devia brincar muito com as outras crianças.
Talvez nunca.
Figura 59: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [29:40 – 30:17].
74
Outra ideia de obliteração do tempo que acontece na trama é na cena [22:19 – 22:52] em
que ela conhece Nino na estação de trem. Para que o espectador conhecesse a história de Nino
e entendesse que assim como Amélie ele também buscou se refugiar no seu mundo da fantasia
para escapar da solidão, é possível ver uma obliteração no tempo a partir dos saltos realizados
pela montagem. No primeiro momento, acontece o encontro deles na estação de trem em que
Amélie vai ao encontro de Nino e ele olha para ela.
[CENA:]
[Locução:] O rapaz fuçando embaixo da cabine chama-se Nino Quicampoix. Se
Amélie era privada de ter amigos, Nino preferiria não os ter tido.
Figura 60: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Na sequência, há um salto na montagem para o momento em que se retorna ao passado
de Nino, mostrando-se ao espectador o personagem no colégio sofrendo bullying. Explicando-
se, assim, o fato de não querer ter tido amigos em sua infância. Na cena, Nino é carregado
pelos colegas e colocado dentro de uma lata de lixo.
Figura 61: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
E, por fim, um salto na montagem para a cena em que se revela o sonho em comum de
Nino e Amélie de terem um irmão que se tornaria um amigo, revelando que ambos tiveram
uma infância solitária.
[CENA:]
[Locutor:] Muitas vezes, a 9km de distância, um sonhava com uma irmã e o outro,
com um irmão com quem ficariam o tempo todo.
75
Figura 62: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Trevisan (2011), ao resumir as indicações de Dancyger (2003), afirma que existem
muitos recursos utilizados para transmitir a ideia da montagem descontínua na trama. Entre
eles, estão os close-ups ao invés de planos abertos, para enfatizar o primeiro plano sobre o
fundo do quadro, tipos de iluminação como o sépia ou filtro com cores fortes, o jump cut e o
ritmo de cortes mais acelerados. Recursos esses que podemos identificar no filme “O
Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2002).
Em relação às escolhas de montagem e a opção do realizador para causar a obliteração
do tempo e espaço, uma delas é o close-up em vez de planos abertos. Essa escolha, segundo
Dancyger (2003, p.197), “retira o contexto que, quando presente, empresta credibilidade à
sequência”. Uma cena em que pode-se perceber o destaque do close-up é na que Amélie vai
ao parque de diversões para entregar o seu álbum para Nino e descobre que, para vê-lo, tem
que andar no trem fantasma. Ao entrar no carrinho dentro da casa mal assombrada, Nino,
fantasiado de morte, se aproxima do seu ouvido e começa a zumbir. Ela, ao sentir sua
presença, fecha os olhos. O close-up trouxe à cena a intensidade do momento que a
personagem estava passando. Através dele, foi possível sentir a sintonia e o sentimento do
personagem que estavam sendo transmitidos com a cena, o que não se tornaria possível com
um plano aberto.
Figura 63: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [01:10:28 – 01:11:08].
76
Um das características que contribuem para a transmissão da ideia de descontinuidade
narrativa da trama, segundo Dancyger (2003), são os tipos de iluminação como sépia ou filtro
com as cores vermelhas e azuis. Assim é possível observar que os efeitos de iluminação do
filme unidos aos tons avermelhados compõem a construção de uma imagem saturada que
contribui para o distanciamento do realismo da mesma. No exemplo a seguir, a stripper que
trabalha com Nino está explicando para Amélie as coleções que o personagem fazia antes de
criar o seu álbum de colagens de fotografias. É possível observar uma cena surrealista, uma
vez que ela está na frente da imaginação de Amélie. A utilização de filtros nos tons de
vermelho somada ao uso da iluminação sépia forma uma imagem saturada, ressaltando ainda
mais o surrealismo da cena. Isso serve para deixar mais enfático o efeito de edição que coloca
ao fundo da personagem imagens ilustrativas das coleções de Nino, causando uma obliteração
no tempo, pois ela está contando fatos de outros tempos e não o que está acontecendo no
momento.
Figura 64: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Para acrescentar ao repertório da mecânica de montagem e criar a obliteração de
tempo e espaço, têm-se a utilização do excesso de ritmo através de cortes acelerados.
Observa-se a utilização desse efeito de montagem na cena em que Amélie está elaborando
uma carta fictícia para Madeleine e, na hora em que está picotando o papel, nota-se uma
aceleração na montagem enquanto ela realiza a ação de cortar.
Figura 65 e 66: Cena do filme, Carta para Madeleine – Corte acelerado – [01;22;25 – 01;22;34]. Fonte: O
Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
77
Conforme Dancyger (2003), outros recursos na montagem da narrativa indicam o
estilo MTV, como os jump cuts e os set pieces. Ambos contribuem para uma certa
desorientação do espectador, no sentido cronológico linear da trama, enfatizando as sensações
dos personagens. Entende-se o jump cut, que, como a própria definição menciona, demonstra
saltos descontínuos (levam-se em consideração a ideia da narrativa clássica fílmica) no meio
de uma ação, fazendo com que se perca a noção de tempo em que a narrativa acontece. Isso
pode ser visto nas sequências de cenas iniciais onde estão sendo mostrados os créditos e
Amélie aparece fazendo brincadeiras, como no momento em que está brincando com os
dedos. Observa-se no meio da ação que há um salto descontínuo.
Figura 67e 68 Jump cut [01:46 – 01:47]. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)
É possível também observar a utilização do jump cut na cena em que Amélie resolve
se vingar do homem que lhe disse que ela era culpada por um acidente de carro enquanto ela
estava fotografando as nuvens. Ao descobrir que foi enganada por ele, a personagem resolve
sabotar o seu jogo de futebol na TV interrompendo a transmissão da imagem através dos
cabos. Na cena em que o torcedor está indignado, no momento em que ele pega um vaso,
pode-se observar o corte descontínuo e, na passagem, já se pode vê-lo com o objeto no chão.
Figura 69 e 70: Jump cut [08:15 – 08:16]. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)
Já o set piece entende-se como uma sequência independente dentro da própria obra,
muitas vezes guiada pela trilha sonora, cita-se como exemplo a cena em que Amélie é guiada
pela música que está saindo do aparelho de som que um deficiente visual está segurando e
assim, ao entregar uma moeda para ajudá-lo, acaba olhando para o lado e encontra Nino pela
primeira vez na estação de metrô. É possível observar o uso do set piece na montagem, pois a
trilha sonora potencializa o momento e seria possível separar sequências do filme e o mesmo
78
não perderia o sentido. É como se ela fosse um videoclipe dentro do filme, o que nos
aproxima ainda mais da linguagem videoclíptica.
Figura 71: Set Piece [21:25 – 22:33]. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)
O set piece no filme também pode ser observado na cena em que a dona do café
Suzanne conta a sua história de amor por um trapezista e a forma como aquilo lhe deixou
manca. Assim, nota-se que se essa parte do filme fosse retirada da narrativa o filme não
perderia a sua essência. É como se essa cena fosse uma história indivualizada que não
interfere ou muda a história. Percebe-se a sua utilização como uma contribuição para a não
linearidade do filme. Isso dá a ideia de salto e segue a essência da obliteração do tempo.
Figura 72: Set Piece [43:13 – 43:52]. Fonte: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Sendo assim, conclui-se que o diretor Jean-Pierre Jeunet consegue quebrar os
paradigmas da narrativa clássica, utilizando os recursos da montagem para criar uma
obliteração do tempo e espaço no filme. Isso faz com que haja um favorecimento na
importância do sentimento do personagem, ressaltando-o em relação à trama. Dessa forma,
Jeunet faz com que a experiência narrativa seja menor e a experiência sensitiva maior. Tendo
em vista essa característica, é possível perceber que o filme se encaixa nos apontamentos
propostos por Dancyger (2003) no que diz respeito ao estado auto reflexivo do sonho.
4.4.3 ESTÉTICA
79
Na presente categoria, referente à estética, busca-se analisar a sua influência em
relação à trama através da direção de arte e da fotografia. Acredita-se que, para além da
escolha de planos e enquadramentos, a composição de cenas, tanto no que se refere a
elementos de figurino e cenário, bem como à iluminação, cor, textura das mesmas, reflete a
intenção do sentimento dos personagens. Estes recursos contribuem para características
apontadas por Dancyger (2003) para delimitar o estilo MTV, tais como o estado da
autorreflexão do sonho, que faz com que o espectador se dê conta que está diante de um
evento midiático, onírico, que não busca simplesmente ser o reflexo da realidade, mas levá-lo
mais próximo ao sentimento do personagem. Esta sensação é indicada principalmente por
referências enfáticas a obras de arte ou a outros gêneros e formatos midiáticos já conhecidos
pelos espectadores. Sendo assim, ao iniciar a análise, é necessário fazer o estudo sobre as
características estéticas que compõem o filme.
No making off do filme realizado por Brandon Lott, o diretor de fotografia do filme
Delbonnel (2002) relata que Jean-Pierre Jeunet tinha em mente um visual brilhante, com
muitas cores berrantes, mesmo quando fosse escuro. Assim trouxe várias referências
artísticas, onde destacou como principal o artista Juarez Machado, pela predominância das
cores verde, vermelho e amarelo. Contudo, sempre há outra cor em algum lugar da sua obra.
Observa-se também uma saturação entre as cores e o ambiente onírico presente em suas telas
e que são características apresentadas no filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001).
Dessa maneira, é possível observar no filme uma forte presença da paleta de cores
utilizada por Juarez Machado, até mesmo em pequenos detalhes como canudos do bar.
Amélie, por sua vez, aprece brilhando e em destaque em algumas cenas como, por exemplo,
quando está no cinema e aparece falando com a câmera a peculiaridade das quais mais gosta
ao ver um filme.
De acordo com a análise de Diener (2011), afirma que há muitos pontos de contato
entre as pinturas de Juarez com o filme, um exemplo disso são as comparações entre os
quadros “Chambre avec vue” (1998) do artista Juarez Machado e a cena em que Amélie está
deitada em sua cama pensando. Em ambas as imagens é possível observar a saturação da
imagem e a predominância do tom vermelho; além disso, a composição dos quartos é
semelhante. Sendo assim, as saturações das imagens junto às tonalidades derivadas criam um
cenário realista e fantasioso.
80
Figura 73: Quadro Chambre avec vue (1998) de Juarez Machado
Figura 74: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)
É possível observar a semelhança de outra obra do pintor brasileiro Juarez Machado,
presente no filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2002). Dessa vez, o quadro
intitulado “Lances de poesia em Santo Antonio de Lisboa” (1997). Na obra podemos ver a
presença de um homem carregando uma mulher na sua bicicleta, esta imagem assemelha-se à
cena final do filme em que Nino está carregando Amélie em sua bicicleta. Ambas as mulheres
da obra e do filme estão sendo carregadas e aparecem abraçadas.
Figura 75: Quadro Lances de poesia em Santo Antonio de Lisboa (1997) de Juarez Machado
81
Figura 76: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)
Ao observar a obra de Juarez vista nas cenas de Jeunet, é possível notar o uso de cores
além das habituais como forma de criar um equilíbrio entre elas. Geralmente são detalhes em
azul, pontos em amarelo e até mesmo brancos. Sendo assim, Delbonel (2001) afirma que as
alterações de cores do filme são oriundas da possibilidade do ajuste digital, assim o filme
submete-se a uma experiência que vai além da captação de imagens e edição, muitas cores
foram inseridas e intensificadas na trama. Essa adição de cores é notada nos exemplos abaixo,
como na figura 77, onde a personagem Amélie está assistindo na televisão a tragédia da sua
vida e é possível notar um abajur azul. Outro exemplo é visto na figura 78, em que a
personagem está criando uma carta fictícia para Madeleine e nota-se um abajur em destaque
na cor azul. Ambos adicionados através de técnicas digitais para dar um destaque entre as
cores.
Figura 77: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001) [37:17].
Figura 78: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [01:22:25].
82
Por vezes, o uso adicional de cores como o azul na imagem serve para criar um
contraste. Além das cenas citadas como exemplo, pode-se observar essa tonalidade em outras
cenas, como quando há uma colisão entre os carros e um deles é azul [07:01 – 07:25]. Assim,
ao fazer uso de um novo tom sobre a imagem podemos observar uma forma de sair do óbvio,
uma vez que os cenários principais do filme têm a predominância de uma única cor, como o
apartamento de Amélie que é quase completamente vermelho, a estação de metrô em
diferentes tons de verde e a quitanda preponderantemente vermelha.
Contudo, é possível observar que o uso das cores interfere na reprodução da realidade
e ressalta no filme as suas características surrealistas. Com isso, Chueiri e Andrade (2012)
contextualizam que a modificação das cores no filme “O Fabuloso Destino de Amélie
Poulain” (2002)
[...] ocorreu para a expressão dos gostos, influências e preferências do diretor e seus
produtores, unindo o belo e o significativo, onde a fantasia e o surrealismo
característicos do enredo do filme puderam ser intensificados, visto que a imagem
como é vista no filme, impulsionada pelo esquema de cores utilizado, contribui para
a transmissão da mensagem surreal [...] (CHUEIRI; ANDRADE, 2012, p.11-12).
Assim, conforme Dancyger (2003), o estado de autorreflexão significa criar um estado
de sonho em que o espectador se perde, temporariamente, sugerindo outro nível. Isso significa
que o público não encara o filme como realidade e acaba permitindo a liberdade de alterações
de sentimento, fantasia, narrativa, sem a necessidade de que as situações da história sejam
explicadas de forma plausível.
O surrealismo e a sua característica estética de criar um cinema fantástico fugindo do
real, proposto pela obra de Jeunet, são apresentados na trama de diversas maneiras além da
intensificação das cores. Uma das formas que se mostra é ao dar vida a objetos, quando os
mesmos se comunicam entre eles ou com os personagens. Para exemplificar serão
apresentadas duas cenas. Primeiramente a cena em que Amélie está adormecendo e na
composição do cenário há dois quadros, sendo que um deles, com a imagem de um ganso,
começa a questionar o outro quadro com a imagem de um cachorro e o abajur, em formato de
porco, sobre Amélie estar apaixonada; na sequência, o abajur responde com a cabeça que não
e, ao finalizar o seu gesto, acaba desligando a luz do quarto.
[Cena]
[Ganso:] Digam... ela não estará apaixonada?
83
Figura 79: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [57:43 – 57:54].
Figura 80: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [57:43 – 57:54].
Outra cena que ressalta o surrealismo da trama é a que Nino está dormindo em seu
quarto e ao lado está pendurada uma foto que foi deixada por Amélie para ele. A foto então
começa a se manifestar e a conversar com ele e é nesse momento que o filme revela que assim
como Amélie, ele também tem o seu mundo imaginário. Ao perceber que a imagem da foto
está se mexendo, pode-se observar o mundo surrealista que Nino criou em sua mente.
Figura 81: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [01:11 41 – 01:12:42]
Um dos momentos em que é possível observar o mundo dos sonhos que Amélie criou
é quando ela começa a ver passar na televisão a sua própria vida, como se ela fosse uma
mistura de Lady Di com Madre Tereza. Segundo Rodrigues (2013 p.166), “há, ainda, várias
incidências em que programas de TV metaforizam os conflitos das personagens. Esses
programas entram em diálogo direto com a estrutura televisiva em que Amélie aparece na tela
como heroína”.
84
[CENA:]
[Locução da Televisão:] Numa noite esplendorosa de julho enquanto os veranistas
se divertem indiferentes ao bom tempo e em Paris o povo acalorado observa os
fogos de artifícios tradicionais, Amélie Poulain, chamada Madrinha dos Enjeitados
ou Madona dos Infelizes, sucumbe ao cansaço extremo. Sob as janelas de uma Paris
arrasada pela tristeza, milhões de anônimos de luto acompanham o cortejo e
expressam em silêncio a sua dor imensa de se sentirem órfãos. Estranho o destino
dessa jovem mulher, privada dela mesma, porém tão sensível ao charme discreto das
coisas simples da vida.
Figura 82: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) [37:02 – 37:51].
Outra forma em que o surrealismo se apresenta na trama é através da intensificação
dos objetos de forma exagerada e irreal, como quando o cego se ilumina, gerando no
espectador a sensação de que estava novamente enxergando (figura 83); quando o coração de
Amélie dispara e ilumina-se, sobressaindo pela roupa ao conhecer Nino (figura 84); quando
Amélie guarda a chave de Collignon, que acabou de pegar na sua porta para ir fazer uma
cópia, e a mesma aparece através do seu bolso (figura 85). Em todas essas cenas, nota-se o
uso das cores para ressaltar a fantasia impressa nas imagens. Afinal, ao utilizar-se da cor é
como se ela estivesse iluminando os objetos.
Figura 83: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
85
Figura 84: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Figura 85: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Sobre o figurino, é possível perceber que a vestimenta da protagonista é simples e se
caracteriza geralmente pela sobriedade. Na maioria das vezes, está usando um cardigã nas
cores vermelha ou verde ou um sobretudo escuro em cenas externas. Na parte de baixo, usa
saias compridas vermelhas ou em tons mais escuros. De acordo com Diener (2011), devido à
posição das câmeras, que, na maioria das vezes, são usadas em ângulos baixos, os pés da
personagem ficam em evidência, mostrando suas botas ou sapatos pesados, reforçando sua
aura não refinada. Em algumas cenas, é possível ver a personagem usando uma camisola no
tom creme. Assim, é possível observar que Amélie é retratada por Jeunet com muitas
características semelhantes aos personagens femininos retratados por Machado.
A personagem apresenta como característica os sorrisos, que podem, por vezes, serem
acompanhados de olhares diretos ao espectador através da lente da câmera. Como pode ser
visto nos apontamentos de Dancyger (2006), isso é possível pelo fato de o público saber que
está diante de um acontecimento midiático e, assim, tornar-se tolerante a estas ações. Ou seja,
acontece quando o personagem está interpretando o seu papel na história e repentinamente
acaba saindo dele e olhando direto para a câmera, lembrando ao espectador que ele está
assistindo a uma obra fictícia.
Como podemos observar na cena em que Amélie está no parque de diversões
executando um de seus planos para que Nino encontre o seu álbum de fotos sem que consiga
lhe encontrar. Ao final de tudo, quando Nino vai embora, Amélie olha para a câmera e sorri,
insinuando que seu plano deu certo.
86
Figura 86: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Conforme afirma Rodrigues (2013), os olhares da protagonista para a câmera ao longo
do filme são um recurso que focaliza e chama atenção do espectador para a moldura do
quadro fílmico. Assim, há uma quebra do naturalismo do cinema clássico em que esses
olhares para a câmera são impossíveis. O olhar para a câmera no filme “O Fabuloso Destino
de Amélie Poulain” (2002) ressalta a sua artificialidade na narrativa cinematográfica. Outro
exemplo é uma cena em que a personagem está no cinema e conta olhando para a câmera que
gosta de observar em um filme as coisas que ninguém mais nota, como uma mosca no meio
da cena.
Figura 87: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Referente à iluminação, analisa-se o uso de uma luz difusa, suave e amarelada durante
o decorrer do filme. A luz tem como objetivo específico intensificar a sensação de calor que
reflete das atitudes da Amélie sobre a sua vida, que, por sua vez, sempre é otimista. Segundo
afirma Diener (2011), essa coloração é recorrente nas telas de Juarez, tanto em telas que
retratam cenas externas, quanto nas que retratam ambientes fechados.
Além das referências de Juarez Machado sobre a estética do filme, é possível ver
outros meios artísticos que influenciaram de alguma forma a obra. Um exemplo disso é o
famoso filme de Hitchcock “Janela Indiscreta” (1954), que, segundo Rodrigues (2013), está
representado na trama no momento em que, num movimento de aproximação da câmera do
lado de fora de seu apartamento, é focalizada a protagonista através da janela com um
87
binóculo apontado para Dufayel. Essa não é a única sequência do filme que chama atenção
para a referência de Hitchcock na trama, outras passagens focalizam janelas com movimentos
de câmera semelhantes com os dos filmes do diretor. A autora exemplifica com a seguinte
imagem:
Figura 88: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Além disso, é possível observar uma passagem do filme “Jules et Jim” (1962) como
uma forma de homenagear o cinema realizado por Truffaut. A cena acontece quando Amélie
está na sala de cinema e comenta que gosta de ver as expressões das pessoas presentes na sala
e também de procurar detalhes que ninguém mais vê (figura 89). O filme é um clássico da
Nouvelle Vague francesa, movimento que aconteceu na França por volta dos anos 60 como
uma forma de contracultura ao cinema comercial. A presença do filme do diretor Truffaut
revela o desejo de recuperar a tradição do cinema francês e homenageá-lo.
Figura 89: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Além disso, no filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2002) é possível
encontrar cenas em que os elementos que as compõem se assemelham com videoclipes,
conforme os exemplos que serão expostos abaixo. Contudo, não é possível afirmar que o
diretor usou tais videoclipes e nem mesmo comprovar que ele se inspirou na linguagem MTV
como fonte de referência para tais cenas. Assim, para aprofundar a pesquisa, foi efetuada uma
busca por videoclipes que mostram imagens que lembram o filme, com o intuito de enriquecer
o estudo fazendo tais relações. Um exemplo disso é o videoclipe “Sledgehammer” (1986) do
cantor Peter Gabriel. No início dele, é possível observar uma cena em que os espermatozoides
88
estão indo ao centro do óvulo, imagem semelhante a que aparece no filme, na cena que mostra
o espermatozoide de Raphael Poulain indo a caminho do óvulo de Amandine Fuet.
Figura 90: Frame do videoclipe "Sledgehammer". Fonte: Youtube
Figura 91: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)
Em relação à estética das cores utilizadas nos filmes, é possível observar o videoclipe
“Hear-Shaped Box” (1993), da banda Nirvana, produzido pelo diretor holandês Anton
Corbijn que posteriormente, no ano de 2007, passou a ser cineasta. As cores utilizadas na
produção do audiovisual são acentuadas pelos tons vermelhos que provocam uma saturação
na imagem e assim indicam um estado onírico acompanhado de imagens surrealistas, assim
como se observa na cena em que o cego se ilumina após Amélie passear com ele. É possível
observar uma surrealidade na imagem através da intensificação das cores nos tons de
vermelho.
89
Figura 92: Frame do videoclipe Hear-Shaped Box (1993). Fonte: Youtube.
Figura 93: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Outro videoclipe em que se observa uma cena semelhante a encontrada no filme é da
música “Waterfalls” (1995) da banda TLC, dirigido pelo diretor de videoclipes musicais e
cineasta Gary Gray. Na cena em questão, vê-se as cantoras da banda se desmanchando e
virando água, assim como acontece com Amélie quando Nino vai embora do café e ela se
derrete até se transformar em água.
Figura 94: Frame do videoclipe "Waterfalls" (1995). Fonte: Youtube
90
Figura 95: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
É possível observar cenas com a mesma intenção de videoclipes atuais como é o caso
da música “Shots” (2015) da banda Imagine Dragons. Na cena em questão, a pintura do
homem e a cobra do quadro estão em movimento e o clipe remete a obras do pintor surrealista
Tim Cantor. O mesmo pode ser visto na cena em que Amélie está dormindo e as pinturas de
dois quadros presentes na cena começam a dialogar.
Figura 96: Frame do videoclipe "Shots" (2015). Fonte: Youtube
Figura 97: Cena do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002)
No videoclipe da música “Forever” (2011), dos músicos Wolfgang Gartner feat.
will.i.am, há uma cena semelhante à cena do filme em que os espermas estão indo em direção
ao óvulo, em ambas as cenas, tanto do videoclipe como do filme, podemos observar isso e
com as mesmas tonalidades na imagem.
91
Figura 98: Frame do videoclipe "Forever" (2011). Fonte: Youtube
Figura 99: Frame do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002).
Por fim, conclui-se que o filme atendeu aos apontamentos propostos por Dancyger no
tópico do estado autorreflexivo, perceptível no filme através do emprego de uma estética
visual que tende ao surrealismo e que assim, acaba criando, através da paleta de cores nos
tons de vermelho e verde, que saturam a imagem, o estado onírico no qual a personagem vive.
Além disso, é possível notar a influência dos meios artísticos no filme, como, por exemplo, no
momento em que Amélie vê a sua vida passar na televisão. Outra característica presente é a
que faz com que o espectador se dê conta de que aquilo não passa de um evento midiático, no
momento em que a personagem olha para a câmera e interage com o espectador.
92
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No campo audiovisual, muitas são as contribuições e influências do cinema para a
criação de outras estéticas. Atualmente é possível observar que há uma convergência entre as
linguagens, onde uma acaba influenciando a outra para a criação de novas estéticas nas
produções. Há, por essa razão, uma amálgama muito grande nas apropriações de recursos
audiovisuais, entre eles do cinema e do videoclipe. Como o objetivo desta pesquisa era
identificar os componentes estéticos videoclípticos presentes na produção cinematográfica do
filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2002), fez-se necessário percorrer um
caminho de pesquisa bibliográfica, a partir de objetivos específicos para que se chegasse ao
objetivo geral. Dessa forma, buscou-se o conhecimento sobre elementos da linguagem
cinematográfica, sua evolução e desdobramentos, bem como sobre a estética do videoclipe.
Logo após, partiu-se para uma compreensão dos apontamentos propostos por Ken Dancyger
(2003) sobre a linguagem do estilo MTV encontrada nos filmes.
Sendo assim, o problema de pesquisa se preocupou em responder a seguinte questão:
Quais os elementos da estética do videoclipe podem ser observados no filme “O Fabuloso
Destino de Amélie Poulain” (2002)?
Diante disso, foram criadas categorias de análise que nortearam a pesquisa para que
fosse possível atender o objetivo proposto. Estas categorias guiaram a análise do filme “O
Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2002) e foram definidas com base nos apontamentos
do autor Dancyger (2003) sobre o estilo MTV empregado na narrativa e estética
cinematográfica. Tais categorias são: trama e personagem, montagem e narrativa e estética.
Dentro de cada uma delas foi realizada uma análise minuciosa sobre o filme para que, dessa
forma, as categorias fossem identificadas e exemplificadas.
Na categoria trama e personagem, percebeu-se, através da observação dos personagens
e de suas características psicológicas, que os seus sentimentos acabam se sobressaindo em
relação à trama que está sendo apresentada. Além disso, cada um deles possui a sua própria
história que se interliga em função da personagem principal que resolve ajudar a todos. Dessa
forma, acredita-se que são os sentimentos das personagens que dão sentido à trama,
envolvendo o espectador em suas vivências e motivações, desenvolvendo assim o enredo, ao
invés de serem simplesmente porta-vozes de uma história que se pretende contar.
Sendo assim, a trama se dá pela importância do sentimento da personagem Amélie
Poulain e, como forma de potencializar e evidenciar esse sentimento, recorre-se ao auxílio da
trilha sonora em determinadas cenas; uma narrativa que foge da linearidade ao retomar fatos
93
do passado para explicar o comportamento da personagem no presente; a criação de um
estado onírico em que vive a personagem principal e, a partir desse estado, a maneira como é
visto o seu comportamento, fatores que possibilitam observar o declínio da trama como uma
forma de potencializar o sentimento, conforme proposto nos apontamentos de Dancyger
(2003).
Na categoria narrativa e montagem, foram encontrados recursos que condizem com os
apontamentos de Dancyger (2003), pois evidenciam a criação de uma obliteração do tempo e
espaço no filme, com a finalidade de potencializar o sentimento dos personagens e diminuir a
trama e sua importância, tal qual proposto pelo autor. Esse processo se dá pela inserção de:
planos como close-ups que aproximavam o personagem do espectador a fim de criar um
sentimento e, por vezes, retiram-no do contexto de tempo e espaço; tipos de iluminação como
o sépia e filtro em cores fortes notadas na edição do filme, que remetem a memórias ou
sensações em relação à realidade factual; jump cut, ritmo de cortes acelerados e set pieces,
que provocam saltos na cronologia da trama, ilustrando a maneira como a personagem
vivencia situações. Todos esses efeitos citados foram descritos por Dancyger no estilo MTV e
são apresentados no filme com a mesma finalidade que ele propôs, para diminuir o tempo da
trama e evidenciar o sentimento do filme.
E, por último, a categoria estética, analisado por meio da direção de arte e fotografia
em que foi possível analisar que, além de planos e enquadramentos, a composição da cena
influencia a criação do sentimento da personagem. Dessa forma, ao observar a composição da
direção de arte do filme, sobressai a paleta de cores com predominância do vermelho e do
verde, cores que aparecem em vários planos de forma saturada, mostrando o surrealismo
presente em algumas cenas e caracterizando o estado onírico que a personagem criou. Além
disso, Dancyger (2003) comenta em seus apontamentos sobre o estado autorreflexivo, que faz
com que o espectador se dê conta de que o filme é um evento midiático, não tendo a
obrigação de representar a ficção como uma realidade paralela. Isso é expresso nos momentos
em que a personagem olha para a câmera e interage com o espectador. Outra forma de
caracterizar essa categoria é quando há a influência de outros meios artísticos, como é
possível observar no momento em que Amélie vê sua vida refletida na TV e também com as
referências apresentadas sobre outras obras artísticas, como, por exemplo, as obras de Renoir
que são citadas no filme. Além disso, existe a presença da referência declarada do pintor
brasileiro Juarez Machado em toda a obra fílmica, conforme visto no documentário sobre o
making off do filme realizado por Brandon Lott, em entrevistas do diretor de arte Bruno
Delbonnel e do próprio diretor do filme, bem como em outras fontes, como artigos.
94
Diante do exposto, conclui-se que o filme apresentou todas as características propostas
por Ken Dancyger (2003), autor do livro Técnicas de Edição para Cinema e Vídeo,
encontradas no capítulo 11 E 12 – A influência da MTV na montagem I E II. Sendo assim, foi
possível identificar a estética videoclíptica presente no filme “O Fabuloso Destino de Amélie
Poulain” (2002) do diretor Jean-Pierre Jeunet.
Quanto à pesquisa, ressalta-se sua importância para o campo audiovisual, pois trata da
constante mudança da linguagem audiovisual e dessa mistura de estéticas que se tem
atualmente. Além disso, é sempre importante manter atualizado o estudo sobre as inovações
na linguagem cinematográfica, pois isso torna possível novas experimentações,
proporcionando o surgimento de novas estéticas e linguagens, como, por exemplo, o
videoclipe.
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