os elementos do projeto Ético político profissional e seu ... · expresso aqui meu eterno...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Reginaldo Pereira França Júnior
Os Elementos do Projeto Ético Político Profissional
e Seu Debate
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
São Paulo
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Reginaldo Pereira França Júnior
Os Elementos do Projeto Ético Político Profissional
e Seu Debate
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência Parcial para a obtenção do título de MESTRE em Serviço Social, sob a
orientação da Professora Doutora Maria Lucia Silva Barroco
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
São Paulo
2012
I
FOLHA DE APROVAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profª Drª Maria Lucia Silva Barroco — Orientadora
PUC SP
________________________________________
Profª Drª. Edvânia Ângela de Sousa Lourenço
Faculdade de História, Direito e Serviço Social, UNESP, Franca
________________________________________
Profª Drª Maria Beatriz da Costa Abramides
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
III
Dedicatória
Ao grande mestre João Antonio Rodrigues,
por me fazer perceber que Marx não está ―morto‖ e que a
existência de um mundo em que o homem possa ser a medida de tudo
está em nossas mãos!
A Lucia Barroco, por proporcionar
os melhores e inesquecíveis momentos da minha
construção intelectual!
IV
AGRADECIMENTOS
Esta dissertação não é apenas uma síntese de reflexões teóricas, é um trabalho que foi
construído por várias mãos... Mãos amigas que me afagaram as cabeleiras despenteadas de
muitos finais de semanas e noites em claro... Mãos que me fortaleceram e me seguraram
quando precisei. Por essência, é um trabalho solitário, mas, na solidão das noites, dias e finais
de semanas absorto nas reflexões, encontrei nos amigos e familiares o apoio necessário para
minhas insistentes e inconclusas considerações.
Expresso aqui meu eterno agradecimento à minha mãe, mulher de fibra, perseverante,
que desde cedo me ensinou os caminhos do estudo, da honestidade, da inteireza do homem e
do respeito à diversidade. Mulher com alfabetização básica, mas dona de um conhecimento da
vida e do mundo que nenhuma pós-graduação pode oferecer. Peço desculpas pelas ausências
constantes e, nos últimos meses, por um insistente, porém necessário ―encastelamento‖ para
que o produto deste trabalho chegasse a este momento. Agradeço aos meus irmãos (João
Henrique e Lorena) pela compreensão dos momentos de fadiga, de impaciência, de irritação e
pela ausência.
Ao meu pai, pela singeleza e simplicidade, mas que nunca, mesmo distante, deixou de
me incentivar nos estudos na busca pelo constante pelo conhecimento.
Aos amigos do peito e de perto que acompanharam todo meu processo de construção.
Vocês foram essenciais na direção constante do meu equilíbrio nos momentos de desânimo,
angustia e preguiça. Estes amigos não podem ser classificados, enumerados... Eles são
sentidos na minha essência: Luana Braga, companheira de luta desde a época da graduação,
mulher forte, sensível, estimuladora, irrestritamente compromissada com os valores da nossa
profissão, um exemplo a seguir; Jaqueline Barros, carioca da gema, mulher esperta, de mente
ágil como de uma águia, assistente social e docente do mais alto nível, dona de uma
sensibilidade enorme; é meu amor incondicional, transcendental, diria até sobrenatural; nossa
amizade não se explica, se sente... Afinal, amigo é casa!
Expresso sinceros agradecimentos aos amigos Taciana Oliveira, Letícia Santos,
Denise Silva, Danúbia Gomes, Priscila Silva, Rosângela Gomes, Sofia Thomazelli, assistentes
sociais aguerridos, combatentes, compromissados com o que temos de mais valioso em nosso
projeto profissional. Vocês são as sementes do futuro.
V
Agradeço os alunos e ex-alunos do Curso de Serviço Social da Universidade de
Uberaba, fonte inspiradora das minhas inquietações teóricas, filosóficas e políticas... Parceiros
inseparáveis na construção cotidiana... Vocês me ensinaram a aprender... Um agradecimento
especial aos meus alunos da disciplina Serviço Social e Processo de Trabalho, pelo
compromisso com os usuários e com a profissão.
Aos meus alunos da Faculdade Frutal, gente simples, hospitaleira, guerreira... Mentes
críticas em efervescência, nossa esperança em um futuro melhor, construtores da direção
social da profissão... Vocês me estimulam e me dão a energia necessária para a caminhada.
Aos professores do Curso de Serviço Social da Universidade de Uberaba,
sobreviventes dos constantes furacões que insistentemente tentam varrer nossas concepções
filosóficas, teóricas e políticas... Turma de guerreiros, solidários e solitários na luta contra os
desmandos institucionais que tentam minar a formação profissional de qualidade. A vocês,
Luana Braga, Marcia Cristina, Cacildo Teixeira, Josiele Fernandes, minha eterna gratidão
pelo apoio nas horas mais difíceis... É bom saber que, mesmo com inúmeros furacões,
seguimos de braços dados na contracorrente. Meu agradecimento especial a Valquíria Alves
Mariano, docente competente, compromissada com uma formação profissional sólida, mulher
inteligente, sensível. Na condição de minha eterna professora, desde os tempos da graduação,
dedico as linhas que se seguem nesta dissertação a você e a tantos outros que colaboraram
com minha formação. Suas aulas foram memoráveis...
Aos companheiros do Sanatório Espírita de Uberaba pelo apoio incondicional nestes
momentos finais... Cristiano Boaventura, Pollyanna, Viviane, Marcio Arduini, Dr.
Eurípedes... Vicentina, Sirlei, André, Marli... São tantos... Aos pacientes que me ensinaram
que a loucura não está restrita à capacidade mental, apenas — a loucura expressa-se numa
sociedade onde o ter é maior que o ser — e que a estrutura perversa do capital é, sim, uma
loucura...
A Rosemeire dos Santos, minha caipira magrela, companheira e incentivadora em
todos os momentos do mestrado. Mesmo distante, seu apoio foi determinante. Seus gritos ao
telefone serão inesquecíveis... Esta dissertação também é sua!
Não poderia deixar de registrar o incansável apoio do casal mais lindo que conheço,
donos de um amor puro e belo, exímios pensadores do Direito e do Serviço Social, marxistas
impenitentes... Mariana Furtado e Eder Ferreira... O apoio de vocês foi de fundamental
importância durante toda esta pesquisa. A vocês, todo o meu carinho, respeito, admiração e
eterno agradecimento.
VI
Ao companheiro de todas as horas Rafael Nunes... Mesmo que distante das reflexões
do Serviço Social, suas críticas e reflexões sobre Marx, revolução proletária, nova ordem
societária foram inestimáveis... Em breve, teremos um médico marxista, revolucionário...
Pensei que seria incompatível, mas percebi que não! Existem médicos que pensam além do
biológico!
Um agradecimento especial à banca examinadora da qualificação, pelo rigor teórico
exigido e pela doçura nas colocações. Profª Edvânia Ângela e Profª Bia Abramides, guerreiras
defensoras dos trabalhadores e dos povos oprimidos. Obrigado por aceitarem o desafio da
qualificação e agora da Banca de Defesa. As reflexões de vocês são essenciais para o
enriquecimento deste trabalho. Agradeço às professoras Carmelita Yazbek e Maria Liduína,
por aceitaram participar da banca, na condição de suplentes. Tenho certeza que as
contribuições de vocês serão essenciais.
Agradeço aos sujeitos que ousaram participar desta pesquisa. Suas contribuições
foram e serão inestimáveis para a pavimentação da crítica na direção dos compromissos
profissionais.
Aos assistentes sociais compromissados com um mundo melhor, em que o homem
seja a medida de tudo. Aos trabalhadores, classe donde emergem as possibilidades
revolucionárias de construção de um mundo novo!
Ao casal amigo Rosimár e Aragão... Um agradecimento de coração pelo apoio e
incentivo em todos os momentos... À Maria Clara, esperança no futuro!
Agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-
SP, por me proporcionarem inquietações constantes. Dentre eles, destaco especialmente
Evaldo Vieira, Mariangela Belfiore Wanderley, Carmelita Yazbek, Raquel Raichelis, Maria
Lucia Martinelli, Celso Frederico, Marco Aurélio Nogueira e Marilda Iamamoto.
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e ao Programa de Serviço Social,
por me proporcionarem o acesso ao conhecimento crítico. Agradeço ao CNPq pelo incentivo
financeiro nesta empreitada.
À ―Lu‖ Barroco, pela paciência, empenho e por aceitar o desafio de me orientar nestes
anos... O contato com você me fez perceber a natureza da inteireza humana, do senso de
coletividade, da ética... Do compromisso com a profissão, com a sociedade, com seus
alunos... Grande mulher e intelectual que dispensa holofotes e os brilhos efêmeros mídia, da
―feira das vaidades‖ do mundo acadêmico... Dona de uma luz interna que clareia por onde
passa... Sentirei saudades das suas puxadas de orelha, das suas risadas com minhas escritas
carregadas da ―tomada do poder‖... Com você cresci e aprendi! Obrigado por tudo, Lucia!
VII
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar o processo de apropriação e da objetivação da teoria
social de Marx e seus rebatimentos no projeto ético-político profissional junto aos assistentes
sociais. Pretende-se ainda, analisar qual a contribuição da teoria social de Marx para a
profissão e sua consequente materialização no cotidiano do trabalho profissional. Trata-se de
um estudo de abordagem qualitativa, tendo como procedimento a revisão de literatura e
pesquisa de campo, por meio de entrevista semiestruturada com três assistentes sociais da
cidade de Uberaba, MG, no ano de 2012, sendo um da área da saúde, um da docência e um do
Tribunal de Justiça. Este trabalho justificou-se pelos questionamentos sobre as formas de
apropriação da teoria social de Marx pelos assistentes sociais e as formas de objetivação do
projeto ético-político profissional no cotidiano do trabalho profissional. Observou-se que há
uma relativa apropriação da teoria social de Marx pelos assistentes sociais, constatando
entraves no processo de formação profissional que incidiram nessas deficiências de bases
teórico-metodológicas. Da relativa dificuldade em apropriar-se do arcabouço teórico de Marx
apontam-se as limitações para a objetivação do projeto profissional no cotidiano de trabalho.
Dessa forma, os sujeitos compreendem a centralidade do projeto profissional no Serviço
Social contemporâneo, porém se veem limitados nesta objetivação, dadas as relações sociais
de produção capitalista e dos limites institucionais. Observou-se que a dificuldade na adesão
ao projeto de classe não pode ser atribuída exclusivamente aos limites institucionais ou do
capital; esse projeto necessita ser pensado como um compromisso que supere as
determinações e situe o homem como a medida de todas as coisas.
Palavras-chave: Teoria social de Marx; Projeto ético-político; Serviço Social; Trabalho
Profissional; Compromisso profissional.
VIII
ABSTRACT
The objective of this work is to review the process of ownership and objectification in Marx‘s
social theory and its ethical-political effects on the social workers‘ ethical-political
professional project. It is also intended to analyze the contribution of Marx‘s social theory for
the profession and its subsequent materialization in daily life of professional work. It is a
study of qualitative approach, including a literature review and a field research, through semi-
structured interviews with three social workers — one of the healthcare area, another a
teaching and a third of the Judiciary — in the city of Uberaba, MG, in the year 2012. This
work was justified by questioning the forms of appropriation of the Marx‘s social theory by
social workers and the forms of objectification of the ethical-political professional project in
daily professional work. It was noted that there is a degree of ownership of Marx‘s social
theory by social workers, as well as obstacles in the process of vocational training that fell on
these theoretical-methodological bases deficiencies. The limitations for the objectification of
professional project in daily work come from the relative difficulty in taking ownership of
Marx's theory. The subjects understand the centrality of contemporary Social Service
professional project, but they are limited in this objectification, given the social relations of
capitalist production and institutional boundaries. It was noted that the difficulty in joining the
class project cannot be attributed solely to institutional or capitalist limits; that project is to be
thought of as a compromise to overcome the determinations and locate man as the measure of
all things.
Keywords: Marx‘s social theory; Ethical-political project; Social Service; Employment;
Professional commitment.
IX
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
Capítulo I O MARCO HISTÓRICO-METODOLÓGICO DE EMERGÊNCIA DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL 15
1.1 A organização político-científica da profissão: notas histórico-metodológicas 26 1.2 O significado da “Virada” do Serviço Social 29
1.3 Os rebatimentos da “Virada” no Serviço Social nos anos 1980 37 1.3.1 A revisão curricular de 1982: as protoformas de uma formação crítica para o
assistente social 40 1.3.2 O Código de 1986 e a Constituição de 1988: marcos e conquistas da sociedade e
do Serviço Social 44
Capítulo II A CATEGORIA TRABALHO E A RESSIGNIFICAÇÃO DA ÉTICA PROFISSIONAL 51 2.1 A centralidade ontológica do trabalho 51
2.2 A divisão social e técnica do trabalho e o Serviço Social enquanto
especialização do trabalho coletivo 56
2.3 A capacidade ético-política do Serviço Social 60
Capítulo III DESVELANDO UBERABA (MG): O CENÁRIO DA PESQUISA E OS ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAIS DOS SUJEITOS ENTREVISTADOS 80 3.1 Um esboço da história social e econômica de Uberaba 60
3.2 A docência como espaço sócio-ocupacional do assistente social 92 3.2.1 A formação profissional e as diretrizes curriculares gerais 92
3.2.2 Os núcleos de fundamentação da formação profissional 96 3.3 O Sistema Único de Saúde como espaço sócio-ocupacional do assistente social 99
3.4 A saúde pública em Uberaba 103 3.5 O Poder Judiciário: desvelando o Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
comarca de Uberaba 105
Capítulo IV A PESQUISA 108
4.1 Apresentação 108 4.2 Análise dos dados 110
CONSIDERAÇÕES FINAIS 153
REFERÊNCIAS 161
ANEXOS 170 Roteiro de entrevista semiestruturado 171
Roteiro de entrevista semiestruturado — Roteiro para docente 172 Termo de consentimento livre e esclarecido 173
Declaração do pesquisador 174
1
INTRODUÇÃO
Esse trabalho objetiva compreender o processo de apropriação e objetivação da teoria
crítica e do projeto ético-político do Serviço Social no contexto do trabalho profissional, na
região de Uberaba (Minas Gerais), em 2012. Para tanto, a proposta é conhecer a contribuição
da teoria social crítica para a profissão; desvelar as formas de apropriação dos fundamentos da
teoria crítica pelos profissionais e a identificar a materialização do projeto ético-político do
Serviço Social no cotidiano do trabalho profissional.
O interesse por esse tema emerge da necessidade de aprofundar a compreensão dos
resultados concretos, no cotidiano profissional e na vida social, da adesão sócio-histórica e
ético-política do Serviço Social brasileiro ao arcabouço teórico-metodológico da teoria social
de Marx, bem como a um projeto social de caráter emancipador.
Assim, baseada nos fundamentos da teoria social crítica de Marx, a articulação da
concepção teórica com o exercício profissional cotidiano suscitou questionamentos acerca do
entendimento da categoria profissional sobre o lugar do debate ―marxista‖ no aparato teórico-
metodológico apropriado no trabalho profissional e seus rebatimentos no compromisso ético-
político do Serviço Social, pela via da objetivação cotidiana.
De forma empírica, expõe-se que a observação do cotidiano mostra que, muitas vezes,
os assistentes sociais apontam um discurso vinculado à teoria social de Marx, porém, seu
entendimento ainda segue enviesado por fundamentos teóricos adversos a essa base e
subjacentes a um conservadorismo, ora remanescente, ora figurado no conceito de pós-
modernidade, com forte impacto no seu exercício profissional. É necessário, pois, apontar
elementos acerca do debate sobre a conceituação da teoria social de Marx, para compreensão
e explicação da sociabilidade capitalista, e, consequentemente, refletir sobre os
desdobramentos desta apropriação no cotidiano profissional do assistente social.
Isto porque a teoria social de Marx concede a possibilidade de analisar a sociedade
capitalista na sua totalidade, analisando-se os elementos que constituem e são constituídos no
concreto a partir de importante categoria de análise, que é a mediação. Nesse sentido, Marx
(1982, p. 14) observa que ―o concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações,
isto é, a unidade do diverso‖. Destarte, o que o pensador alemão assevera é que esta
concretude está circunscrita na dinâmica própria da sociedade, o que significa, segundo Brant
e Paulo Netto (2010, p. 80), ―a captura das determinações, obtida através das análises das
2
relações efetivas pela razão teórica; o concreto, pois, não se mostra faticamente, na empiria,
imediatamente‖. Assim, estes autores afirmam, fundados no pensamento de Marx, que o
concreto não se desnuda empiricamente, apenas. A compreensão da totalidade como síntese
de múltiplas determinações supõe ultrapassar a facticidade, evidenciando a necessidade de
estabelecer as mediações abstratas às ações efetivas do cotidiano, ou seja, partir do concreto
pensado (realidade capturada pela abstração) para o concreto vivido (a base material, o
concreto).
Marx desenvolve seus estudos e reflexões sobre a sociedade capitalista a partir do
pressuposto essencial de que as formas de consciência social (superestrutura) estabelecem
mediações intrínsecas à infraestrutura (estrutura econômica) da sociedade a ela inerente.
Deste modo, é factível afirmar que as determinações econômicas, operadas sob a égide do
capitalismo em sua fase monopólica, incidem decisivamente nas formas da consciência social,
nos modos de vida, na cultura e em outros componentes da essência humana. Assim, Marx
(s/d, p. 301) assevera que ―não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo
contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência‖.
No que tange ao processo de (re)produção da sociedade capitalista, faz-se necessário
entender que o capital possui sua lógica ética estruturada na acumulação e na apropriação dos
meios de produção, com vistas à sua (re)produção sociometabólica (MÉSZÁROS, 2004). E
fundado na crítica desses fundamentos éticos do grande capital, emerge na Alemanha, em
1923, o Instituto para a Pesquisa Social, idealizado por Félix Weill, que futuramente ficou
conhecido como a Escola de Frankfurt (Institut für Sozialforschung). Após sua criação,
assume como diretor o historiador Grunberg, que buscou trazer para o debate, no contexto das
ciências sociais, a temática relacionada ao movimento operário e ao socialismo, tomando
como cenário de sua análise o momento histórico vivenciado pela classe operária na
Alemanha. Tal destaque é relevante na medida em que a perspectiva histórica de análise da
sociedade capitalista sobrepuja nas ciências sociais o ideário conservador de forte cunho
positivista que marcou (e ainda marca) o início do século XIX (ABRÃO, 2004).
Dessa forma, os acontecimentos antecessores à criação dessa Escola são emblemáticos
e determinam a exegese do pensamento frankfurtiano.
A derrota dos movimentos proletários de esquerda na Europa Ocidental após a Primeira Guerra
Mundial, o colapso dos partidos de massa de esquerda na Alemanha, que se transformaram em
movimentos ou reformistas ou dominados por Moscou, a degeneração da Revolução Russa com o estalinismo e a ascensão do fascismo e do nazismo. Esses acontecimentos suscitaram questões
fundamentais para aqueles que se inspiravam no marxismo, mas estavam dispostos a reconhecer
como eram enganosas e perigosas as concepções dos que sustentavam que o socialismo era uma
tendência inevitável do desenvolvimento da história ou que a ação social ‗correta‘ resultaria
3
automaticamente da promulgação da linha partidária ―correta‖ (BOTTOMORE, 1993, p. 127-128).
Criada em 1923, a Escola de Frankfurt agrega, nos anos seguintes, uma considerável
gama de pesquisadores, que dariam vida à sua revista e às pesquisas realizadas pelo Instituto.
Dentre os pesquisadores-pensadores, destacam-se Horkheimer, Benjamim, Adorno, Pollock e
Eric Fromm, que colaboraram decisivamente para a construção de um pensamento crítico na
Alemanha e na Europa Ocidental.
Na década de 1930, a ―Revista para a Pesquisa Social‖, criada com a intenção de
difundir o pensamento crítico alemão, é transferida para a França e posteriormente para os
Estados Unidos, fugindo da perseguição do nazismo, após a ascensão de Hitler ao poder.
Os estudos e reflexões do Instituto e da ―Revista‖ pautaram-se, basicamente, por uma
direção teórica de características particulares, diante dos acontecimentos ocorridos após a
Revolução Russa de 1917, a proclamação da Alemanha em 1918 e as insurreições operárias
ocorridas entre 1918 e 1923. Visava, pois, dar um tratamento crítico à crítica de Marx. A
crítica formulada contra o formalismo teórico da Escola foi evidenciada por Lukács, que
afirmou que a Escola era um ―hotel de luxo à beira do abismo‖, pelo fato de se constituir
como um espaço distanciado da luta de classes e, por sua vez, elitizado (FREDERICO, 2005,
p. 107). Assim, como difusor do pensamento crítico do século XX e com claro
direcionamento esquerdista, o pensamento frankfurtiano não mantinha um posicionamento
tipicamente revolucionário.
A teoria social de Marx tem como objeto de reflexão e estudos os elementos
constitutivos da sociedade burguesa, sendo esta sociedade resultado dos processos de
produção e reprodução da vida social sob a égide do grande capital. As preocupações de Marx
têm como objetivo compreender a sociedade moderna, situando-se no marco da Revolução
Francesa de 1789 e, mais especificamente, a partir da explosão da Revolução Industrial, já no
século XIX, que efetiva as bases necessárias para compreensão da sociedade moderna, ou ―a
construção da modernidade‖ (LARA, 2009, p. 54), dada na esfera da sociedade capitalista.
As reflexões de Marx e daqueles que o sucederam têm sua preocupação com a
compreensão da sociedade capitalista a partir da trajetória sócio-histórica dos processos que a
engendram, das suas relações com os homens e da sua incidência na vida social. Essa
organização do ser social é entendida como relações sociais de produção reprodutoras de uma
conflituosa e antagônica relação capital x trabalho. Deste modo, o ―[...] pensamento social
crítico debruça-se sobre a interpretação da sociedade moderna, tendo como principal
paradigma o conflito de classes sociais antagônicas‖ (LARA, 2009, p. 55).
4
Nesta direção de crítica à sociedade do capital, que está centrada na propriedade
privada, na exploração da força de trabalho e no domínio do homem pelo homem, apontam-se
elementos para a reflexão da inserção do Serviço Social como (re)produtor desta lógica
perversa e das possibilidades da manutenção deste status quo ou da permanente luta na
direção da (re)construção de uma nova sociedade, fundada no homem, sendo este a medida de
todas as coisas (IAMAMOTO, 2008).
Polarizada por interesses ideológicos e políticos diversos, a profissão do Serviço
Social situa-se numa arena de conflitos de interesses antagônicos, o que revela a própria
caráter contraditório da sociedade do capital. Porém, mesmo polarizada por interesses
distintos (capital versus trabalho), a profissão mantém, por meio da sua direção social, um
projeto profissional de caráter societário, que tem como bandeira de luta a construção da
superação da sociedade posta. Tal superação se constrói por meio de um posicionamento
político-ideológico de repercussão prática no cotidiano profissional facilitado pela necessária
apreensão/reflexão e ação decorrentes da visão crítica proporcionada pelos fundamentos da
teoria social de Marx, largamente difundida e debatida pela profissão. Mas esta difusão e este
debate ainda não foram incorporados criticamente pelo coletivo profissional, dada sua
heterogeneidade e pluralidade de ideias.
Observa-se, nos elementos constitutivos da base material (concreto vivido), um
estranho esvaziamento do conteúdo teórico-metodológico e de comprometimento com os
valores profissionais, traduzido por um discurso conservador. Veja-se o posicionamento de
Brant e Paulo Netto (2010, p. 72), os quais sugerem que um ―grosseiro viés [...] anda a
permear certas afirmações que têm livre curso entre assistentes sociais (e não só)‖.
Destarte, a realidade concreta, pensada de maneira descolada do movimento societário
atual, coloca o pensar/agir profissional sob ―[...] largos espectros positivistas e neopositivistas,
fundamentados na recepção da objetividade imediata dos processos e fenômenos sociais como
sendo sua realidade estrutural‖ (BRANT; PAULO NETTO, 2010, p. 72). Dentre outros
elementos, justifica-se o fato inconteste de que a profissão ainda não se livrou totalmente do
pesado conservadorismo burguês de cunho positivista, característico do seu trabalho
profissional, evidenciado ainda por uma prática igualmente conservadora sob a égide
capitalista.
O cotidiano, aqui entendido como a concretude da vida, é insuprimível, pois, segundo
Brant e Paulo Netto (2010), não é possível conceber a sociedade sem compreender que esta
não se constitui sem a cotidianidade, pois é no cotidiano que o homem se (re)reproduz
enquanto ser social, sob a égide do modo de produção capitalista.
5
Deste modo, o cotidiano é espaço privilegiado para o desenvolvimento do ser humano
genérico, pois é onde o homem coloca em movimento todos os seus ―sentidos, todas as
capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, paixões, ideias e ideologias‖
(HELLER, 2008, p. 31). Pensado a partir da essência da vida cotidiana, espaço onde se põe
em movimento todas as potencialidades do homem, faz-se necessário reconhecer que a base
material da cotidianidade se funda como concepção orgânica desta; o trabalho e a vida
privada, por exemplo. Concebida a partir da satisfação das suas necessidades, o contínuo
movimento do cenário do cotidiano, tem como regulador, as relações sociais de produção
(HELLER, 2008).
Mediando este debate para o Serviço Social, temos, na condição de assistentes sociais,
a possibilidade de uma leitura crítica, baseada na historicidade, na existência concreta da
contradição determinada pelo capitalismo em sua fase monopólica. É neste cenário
antagônico entre tais determinações e incidências na cotidianidade que a profissão tem seu
espaço ocupacional e político.
Assim, esse cotidiano, espaço onde se situa o homem (singular e genérico), possibilita
a fruição da vida do próprio homem e é entendido como início e fim de toda atividade humana
(FREDERICO, 2005). Deste modo, ―o cotidiano é visto como um rio em seu permanente
fluxo, dentro do qual tudo se movimenta, se transforma, se espalha e retorna ao seu leito‖
(FREDERICO, 2005, p. 111). Fica evidente para o autor que o cotidiano tem a finalidade de
possibilitar o desenvolvimento das capacidades humanas postas na busca pela satisfação de
suas necessidades mais distintas, e nesse espaço cotidiano residem as possibilidades
construtoras do ser social.
Continuando a discussão sobre o cotidiano, Frederico (2005) busca em Lukács sua
essência:
[...] dele (do cotidiano), se depreendem, em formas superiores de recepção e reprodução da realidade, a ciência e a arte; diferenciam-se, constituem-se de acordo com suas finalidades
específicas, alcançam sua forma pura nessa especificidade — que nasce das necessidades da vida
social — para logo, em consequência de seus efeitos, de sua influência na vida dos homens,
desembocar de novo na corrente da vida cotidiana (LUKÁCS, apud FREDERICO, 2005, p. 111).
É no cotidiano que a profissão se inscreve como potencialidade política e profissional
com clara direção sócio-política na construção de uma nova sociedade. A apreensão desta
dimensão, porém, ainda segue enviesada por sofismas de caráter teórico-metodológicos e
fundo conservador que revelam reflexões superficiais e não denotam a compreensão/reflexão
da sua essência.
6
Esta concepção simplista e superficial tem eco na profissão, materializado na
compreensão simplista e míope dos fundamentos da vida social, do trabalho profissional e,
claro, nas mais variadas compreensões sobre o projeto ético-político e sua direção social.
É necessário reconhecer neste estudo que a evidência de uma prática conservadora
encontra ressonância no cotidiano profissional pelo fato de que nem todos os assistentes
sociais incorporaram de maneira crítica o direcionamento político-profissional. A presença
destas práticas conservadoras é recorrente, uma vez que se observam cotidianamente
assistentes sociais que ainda policiam os comportamentos dos usuários, cerceiam sua
condição de sujeito e sua liberdade e imprimem seus juízos de valor pessoais nos
atendimentos prestados aos usuários. Nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais,
profissionais intervêm na realidade ainda com vista à adaptação do sujeito ao meio, pautando-
se na retórica das famílias e sujeitos desestruturados, com clara entonação e ação positivista e
igualmente conservadora. Associa-se a este grave problema a presença deletéria do
conservantismo com profundas bases religiosas, o qual, em determinado momento, recupera a
problemática do messianismo que, consequentemente, enviesa sua intervenção.
Este tipo de orientação ideológica provoca o que Paulo Netto (1991) chamou de
―reatualização do conservadorismo‖, sendo este um resultado direto dos problemas e
dificuldades na apropriação, compreensão e reflexão da ontologia do ser social de Marx, com
forte rebatimento no direcionamento da formação profissional e do trabalho profissional do
assistente social e, ainda, sem sombra de dúvidas, na materialização do projeto ético-político
da profissão.
Pode nos parecer distante este tipo de comportamento, dado o direcionamento político-
institucional da profissão impresso nas últimas décadas. Cabe, porém, a reflexão que este
direcionamento não é homogêneo na compreensão e no fazer profissional. Em decorrência da
heterogeneidade da profissão, este projeto impregna-se de um ranço conservador que sempre
está à espreita e, como dissemos, produz deletérias e prejudiciais interpretação e reflexão
quanto à realidade concreta e a consequente intervenção.
Enfatize-se que, mesmo perpassado por uma visão crítica (enviesada) da sociedade do
grande capital e suas inflexões, o cotidiano e suas formas de compreensão encontram-se ainda
―[...] veladas por sofisticações formalistas (metodologistas e epistemologistas), [pois] estas
posturas não rompem com a faticidade empírica em que se dá a imediaticidade da vida
cotidiana‖ (BRANT; PAULO NETTO, 2010, p. 72).
Outra interpretação confusa e que leva invariavelmente à discussão sobre o projeto
ético-político profissional reside em uma questão essencial para a compreensão mais ampla
7
do Serviço Social: a aproximação à tradição marxista no redesenho do compromisso ético-
político do assistente social — não só a aproximação histórica, mas sua consolidação como
fundamento, base teórico-metodológica que permite vislumbrar a concretude do trabalho
profissional.
Esse elemento de base mantém profundas raízes com a emergência dos movimentos
sociais nos anos 1960, bem como com a aderência da profissão às bases progressistas do
movimento estudantil. Esta aproximação funda o projeto de resistência dos trabalhadores
(aqui, entende-se a própria profissão) na luta contra o autoritarismo da ―ideologia de 1964‖,
patrocinada pelos ―gestores do capitalismo atrófico‖ (RAGO FILHO, 2004).
A autocracia burguesa (PAULO NETTO, 1991) marca um momento particular desta
aproximação, visto o largo processo de supressão da vida social, do cerceamento das ideias,
do arbítrio, com clara essência ―protetora‖ da ordem estabelecida pelos ―gestores do
capitalismo atrófico‖. Assim, mesmo com esse conteúdo ideopolítico, este processo se
construiu a partir de ―inúmeras simplificações geradas por leituras equivocadas da profissão,
vem como diferentes orientações teóricas, frequentemente ecléticas, que também subsidiaram
as diferentes concepções formadas antes, durante e depois do ‗processo de reconceituação‘‖
(SILVA, 2007, p. 284).
A relação da ditadura com os movimentos sociais necessita ser analisada a partir de
vetores claramente determinados, visto que o embate das ideias e ideais está nitidamente
circunscrito na luta de classes, causada pelo arbítrio patrocinado pela autocracia burguesa
(PAULO NETTO, 1991), além das refrações causadas pelo ―milagre econômico‖. Tal
fenômeno associou-se ao complexo jogo ideopolítico e econômico da ditadura, impondo aos
trabalhadores uma pesada carga: o arrocho salarial, péssimas condições de trabalho e vida,
perda evidente do poder aquisitivo, prolongação da jornada de trabalho, etc. — sempre com
objetivos ideologicamente determinados, operados pela lógica imperialista norte-americana
(COIMBRA, 1998).
Neste complexo contexto, ―novos personagens entraram em cena‖ (SADER, 1988), na
contracorrente da ondem conservadora e igualmente burguesa, inserindo-se na luta de classes
contra as determinações da ditadura e seus aliados. Os movimentos sociais são situados como
sujeitos importantes no processo de busca pela liberdade, pela tentativa de construção de uma
nova sociedade.
A constituição dos movimentos sociais implica uma forma particular de elaboração dessas condições (elaboração mental enquanto forma de percebê-la, mas também elaboração prática
enquanto transformação dessa existência). Nesse sentido, movimentos sociais operam cortes e
8
combinações de classe, configurações e cruzamentos que não estavam dados previamente. (SADER, 1988, p. 48).
Na esteira dos movimentos sociais, é necessário destacar a presença marcante do
sindicalismo brasileiro, na direção político-ideológica da resistência ao regime que aglutinou
em suas fileiras trabalhadores insatisfeitos com as condições objetivas e subjetivas de trabalho
e salários, além de incorporar, como exemplos, a luta contra o arrocho da vida cotidiana e da
liberdade.
A luta geral dos trabalhadores representou, naquele contexto sócio-histórico adverso, a
reconstrução do seu objeto e sua inscrição na luta de classes, resultando, pois, na organização
dos trabalhadores em torno de objetivos coletivos socialmente determinados. Os sindicatos,
representantes legitimados dos interesses da classe trabalhadora, buscaram romper, naquele
determinado momento histórico, com o ranço peleguista herdado do governo Vagas. Contudo,
esta ruptura é cravada de convergências e divergências, visto a heterogeneidade dos conflitos
de interesses instalados e, é óbvio, o contexto ideológico sustentado pela organização
capitalista, que se sustentava no arrefecimento dos tensionamentos causados pelo profundo
processo de opressão.
A inserção dos trabalhadores organizados nesse cenário de acordos políticos, sociais e
econômicos determinados pela lógica autocrática da ditadura — alinhada aos interesses
internacionais —, ficou conhecida como a emergência do ―Novo Sindicalismo‖
(ABRAMIDES; CABRAL, 1995), ou seja,
Um sindicalismo que procurava romper com práticas estabelecidas pelo passado, forjadas pelo sindicalismo de ―colaboração de classes‖, da herança varguista, e afastado de outras
possibilidades, no período ditatorial. Trazia a negativa a um sindicalismo populista que,
distanciado dos trabalhadores e do chão de fábrica, era corporativista e assistencialista por
essência. Em seu lugar, um sindicato reivindicativo, que mesmo voltado para os interesses da categoria que representava, tinha como norte a classe. Novo, porque próximo da ação direta, do
confronto aberto com o patronato e o Estado. Novo, pois queria ser conhecido como interlocutor
político legítimo pelos patrões e Estado, mas, ao mesmo tempo, referência política para os
trabalhadores (COIMBRA, 1998, p. 150).
Seguindo estas reflexões, faz-se necessário trazer para o debate o papel do ―Novo
Sindicalismo‖, que emerge na passagem da década de 1970 para a de 1980, como um
movimento combativo, caracterizado pelo alinhamento às lutas dos trabalhadores, bem como
da luta pelo reposicionamento do complexo ―modelo‖ sindical, de base pelega e igualmente
conservador. Assim, o ―Novo Sindicalismo", desde seu surgimento em fins dos anos 1970 até
a segunda metade dos anos 1980, significou um avanço político e organizativo para as classes
9
trabalhadoras que culminou com a fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em
1983 e a ―solidificação do polo cutista‖ (ABRAMIDES; CABRAL, 1995, p. 29).
A esta organização política do novo sindicato, associa-se grande processo de
[...] mobilizações e greves de categorias de trabalhadores e greves gerais, na ampliação de
sindicalizados e de entidades combativas, luta pela conquista de liberdade e autonomia sindical, construção de uma nova estrutura sindical por ramo de atividade econômica e quebra do
corporativismo, aprofundando o grau de consciência dos trabalhadores, o que configurou como
um sindicalismo classista, de massas e de lutas (ABRAMIDES; CABRAL, 1995, p. 29).
Neste contexto, o Serviço Social aproxima-se das lutas empreendidas pela classe
trabalhadora, com um direcionamento político-ideológico e com conteúdo interventivo,
vinculado organicamente às entidades de forte raiz político-sindical, dentre as quais a
Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindical (Anampos), com vinculação à
Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais dos Assistentes Sociais (Ceneas) e,
posteriormente, à Associação Nacional dos Assistentes Sociais (Anas). Esta vinculação,
associada a outros importantes acontecimentos no marco da profissão, tornou-se decisiva para
a construção de uma opção política de compromisso com a luta e o projeto de sociedade da
classe trabalhadora, isto é, de uma direção social definida nas bases de construção de uma
nova sociedade que não se fundamenta na exploração do homem.
Assim, esta pesquisa tem como proposta a discussão sobre o compromisso ético-
político assumido historicamente pelos assistentes sociais, buscando (re)construir alternativas
para reflexão/ação da posição da teoria social de Marx no contexto da permanente construção
e objetivação do projeto ético-político.
Não obstante a opção constante do projeto ético-político profissional por valores
centrais na defesa da profissão, dos usuários dos serviços sociais, com uma clara definição do
seu caráter de projeto social, associam-se a estes elementos valores que ―[...] voltam-se para
um projeto coletivo, concretizado e embasado na prática profissional individual e coletiva dos
assistentes sociais‖ (RODRIGUES, 2003).
Tal projeto funda-se ainda na defesa intransigente dos direitos humanos, da liberdade
enquanto alternativa de escolhas, na direção da emancipação humana, do aprofundamento da
democracia e da cidadania, além da opção por ―um projeto profissional vinculado ao processo
de construção de uma nova ordem societária‖ (CFESS, 1993) e, consequentemente, na busca
de uma sociedade justa, pensada a partir da superação do modelo econômico vigente. O
projeto profissional fundamenta-se, portanto, nas condições objetivas de defesa da plena
10
expansão dos indivíduos sociais, no contexto da radicalização da democracia e da liberdade,
entendidas como valores ético-políticos elementos centrais.
Pensar o projeto ético-político do Serviço Social pressupõe compreender o processo
engendrado nas fileiras progressistas da profissão, além da sua direção social determinada, a
partir do alinhamento do coletivo profissional à luta geral dos trabalhadores no final da
década de 1970 e na década seguinte, alinhamento este que contribuiu para a consciência
política do trabalho profissional. Assim, os princípios do projeto ético-político
[...] são focos que vão iluminando os caminhos a serem trilhados, a partir de alguns
compromissos fundamentais acordados e assumidos coletivamente pela categoria. Então, ele não pode ser um documento que se ―guarda na gaveta‖: é necessário dar-lhe vida por sujeitos que,
internalizando o seu conteúdo, expressam-no por ações que vão tecendo o novo projeto
profissional no espaço ocupacional cotidiano (IAMAMOTO, 2000a, p. 78).
Deste modo, a opção dos assistentes sociais pelos princípios do projeto ético-político
sugere a necessidade urgente de romper com o caráter nitidamente endogenista presente na
profissão, partindo das mediações necessárias para compreender e situar o Serviço Social na
dinâmica capitalista, como elemento que carrega um inestimável contributo à construção de
um projeto que se objetive na cotidianidade.
É na perspectiva de entender o processo de objetivação dos princípios do projeto ético-
político, na base material do trabalho profissional do assistente social, que esta dissertação
busca apontar elementos para a reflexão, o debate e a proposição.
Para entender como se deu a aproximação da profissão à tradição marxista, torna-se
necessário situar as forças que engendraram a emergência desta profissão no Brasil. Para
tanto, explicita-se que a institucionalização do Serviço Social se funda no bojo das relações
sociais de produção (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000), aqui entendidas como espaço
privilegiado de produção e reprodução de ideias, do modo de vida, da moral, da cultura —
enfim, da sociabilidade burguesa, esta patrocinada pelo modo de produção que regula as
relações sociais de produção. A institucionalização do Serviço Social emerge no cenário de
emergência da consolidação do modo de produção capitalista, em seu processo de passagem
do período cafeeiro para a implantação das bases industriais no início do século XX. Assim, a
inscrição do Brasil na cena capitalista foi determinante nos condicionantes de emergência do
Serviço Social brasileiro.
A emergência da profissão, na sociedade industrializada, está associada à progressiva intervenção do Estado nos processos reguladores da vida social. No Brasil, suas origens devem ser localizadas
na emergente sociedade urbano-industrial dos anos 1930, em uma conjuntura peculiar do
desenvolvimento capitalista, marcada por conflitos de classe, pelo crescimento numérico e
11
qualitativo da classe operária urbana e pelas lutas sociais que esta desencadeia contra a exploração do trabalho e pela defesa dos direitos sociais e de cidadania (MARTINELLI;
RAICHELIS; YAZBEK, 2008, p. 7).
Assim, no seio da contradição da sociedade capitalista brasileira, o Serviço Social se
institucionaliza sob o patrocínio da elite, tendo as correntes conservadoras e positivistas como
fundamento de valor. É na contraposição desse arcabouço conservador, determinante nas
décadas iniciais da profissão, que se gesta um projeto de ruptura cujas dimensões se ampliam
para além das necessidades da profissão, se estendendo ao projeto de sociedade da classe
trabalhadora.
A busca pela ruptura com a herança conservadora1 presente na profissão expressou,
naquele momento, a definição da direção social, que pressupõe o entendimento do lugar do
trabalho profissional, edificando a busca pela superação da visão fatalista, messiânica, na
direção dos elementos básicos e fundando o exercício profissional na vertente da consolidação
da cidadania, da justiça social, na defesa da radicalização da democracia, além de refletir
sobre o agir profissional diante das contradições inerentes ao processo de acumulação
capitalista: uma crítica e uma ação política compromissada com os ideais da classe
trabalhadora. A este processo, cabe agregar a reflexão sobre a urgência de superar o conceito
limitado de cidadania, centrado no discurso burguês, para o conceito de emancipação humana
que configuraria
[...] uma forma de sociabilidade na qual os homens sejam efetivamente livres, supõe a
erradicação do capital e de todas suas categorias. Sem essa erradicação, é impossível a construção de uma autêntica comunidade humana. E essa erradicação não significa, de modo algum, o
aperfeiçoamento da cidadania, mas a sua completa superação (TONET, s/d, p. 4).
Os elementos necessários à reflexão sobre a emancipação humana e política somente
são manifestadas no Código de 1993, com uma clara intencionalidade pela construção de uma
nova sociedade. Assim, nesse momento de ruptura, o Serviço Social
[...] luta para alcançar novas bases de legitimidade da ação profissional do assistente social, que,
reconhecendo as contradições sociais presentes nas condições do exercício profissional, busca
colocar-se, objetivamente, a serviço dos interesses dos usuários, isto é, dos setores dominados da sociedade (IAMAMOTO, 1997, p. 37).
Nesta nova direção social, a proposta de ruptura com a herança conservadora propõe
―[...] que o assistente social aprofunde a compreensão das implicações políticas de sua prática
profissional, reconhecendo-a como polarizada pela luta de classes‖, o que exige também da 1 Chave heurística do projeto ético-político do Serviço Social. Para maior compreensão ver Paulo Netto (1991), Abramides e Cabral (1995), Iamamoto (1995, 1997) e Barroco (2008),
12
profissão ―[...] aprofundamento teórico rigoroso, criando assim, condições de reflexões
teórico-críticas, oriundas da tradição marxista, com vistas à consolidação do projeto
profissional” (IAMAMOTO, 1997, p. 37).
Profundamente atravessado pelas mais expressivas manifestações objetivas e
subjetivas do grande capital, o Serviço Social (re)constrói alternativas, na perspectiva de um
constante enfrentamento às investidas do capital. Contudo, essa permanente (re)construção
perpassa pelo entendimento do seu lugar na dinâmica social, cravejada por relações sociais
perversas, associada a um projeto político profissional que adere às necessidades mais
concretas da classe trabalhadora.
Este processo não pode ser analisado de maneira a-histórica, acrítica, deslocada de
todo o conteúdo que avança do particular para a totalidade da vida social, sob a égide da
sociedade do capital.
É essa reavaliação da dimensão política da prática profissional e de seu vínculo com a cidadania de classe e com o aprofundamento da democratização ampla da vida social que pode nos
conduzir a novas luzes na efetivação de um exercício profissional de nova qualidade, que
contribua para o processo de construção de um novo bloco histórico na sociedade, com a
hegemonia daqueles que criam a riqueza e dela não se apropriam (IAMAMOTO, 2004b, p. 130).
Essas análises e ações partem do pressuposto de um profundo estabelecimento de
mediações da vida social com seus elementos constitutivos e de uma práxis (pensamento–
ação) que consubstancie na objetivação dos valores profissionais.
Nesse sentido, esta pesquisa aponta a necessidade de debater os descaminhos da
apropriação de Marx na profissão, notadamente em relação à consolidação e à objetivação do
projeto ético-político, no momento sócio-histórico atual, em que as forças do ideário
neoliberal grassam no contexto profissional nas mais variadas facetas, seja por meio de
políticas públicas focalizadas, seja na desregulamentação do trabalho, seja ainda na
desconstrução dos direitos sociais, humanos e trabalhistas e pela mercantilização da vida
social.
É preciso que o posicionamento do assistente social caminhe na contracorrente da
onda neoliberal, porque, além de se inserir na divisão social e técnica do trabalho na condição
de assalariamento, o assistente social carrega um projeto de cunho ético e político de
comprometimento com as demandas atendidas pela via da construção coletiva de uma nova
sociabilidade, que deve ser
[...] ontologicamente considerada, [como] a superação do capitalismo [enquanto] processo
desencadeado pelo proletariado, no sentido de sua autossupressão, ou seja, da superação da
13
existência das classes sociais, da criação de condições para uma (re)apropriação universalizante da riqueza humana construída historicamente (BARROCO, 2005, p. 190).
Este posicionamento frente à atual quadra histórica, em que o capitalismo demonstra
seu poder econômico e ideológico, requer a apropriação crítica de elementos que colaborem
para o embate no campo filosófico, teórico e concreto, visto que, à medida que o capital
aprofunda suas formas execráveis de exploração do trabalho, emerge a necessidade de
construção permanente de um projeto político com características superadoras, alinhadas aos
interesses da classe trabalhadora, às suas lutas gerais em defesa de projetos supressores da
ordem determinada.
Esta dissertação está dividida em quatro capítulos. No primeiro, objetiva-se uma
análise do processo histórico-metodológico da emergência da profissão no cenário do
capitalismo maduro, sob a organização da Igreja e do laicato burguês. Retomamos o percurso
histórico-metodológico da profissão, fundada numa perspectiva crítica de análise,
concentrando nossas reflexões no desenvolvimento das forças capitalistas no cenário mundial
e no reposicionamento ideológico, político e econômico da hegemonia dos países centrais em
relação aos países periféricos. Abordamos o processo de constituição das bases teórico-
metodológicas da profissão e sua orientação ideológica, bem as formulações éticas de base
conservadora, orientadas por valores morais, no trato moralizador da questão social e a
inserção político-ideológica do Serviço Social conservador. O capítulo trata, também, dos
processos políticos engendrados no Brasil e sua incidência no campo das políticas sociais e da
direção conservadora do trabalho profissional do assistente social. Aborda-se, ainda, a
presença da vertente de ruptura da profissão, bem como seu influxo operado pela
reatualização conservadora. Em seguida, apresentamos a significação sobre a organização
política da profissão, do papel das entidades representativas e da condução do III Congresso
Brasileiro de Assistentes Sociais (III CBAS) no redirecionamento da práxis política da
profissão, imprimindo, a partir de então, nova direção política à profissão. Outro aspecto
relevante é o processo de revisão curricular deflagrada em 1982, na direção de ruptura com o
conservadorismo nas bases de formação profissional do assistente social, buscando, por meio
da reflexão das primeiras aproximações com a teoria social de Marx, uma compreensão da
sociedade capitalista madura.
No segundo capítulo, debatemos a centralidade ontológica do trabalho e sua
significação para o ser social, a partir da compreensão oferecida pela ontologia do ser social.
Neste capítulo, voltamos nossas discussões para o trabalho enquanto processo de interação
entre homem e natureza na busca pela satisfação das suas necessidades objetivas e subjetivas.
14
Situamos o debate do trabalho como atividade autocriadora e autotransformadora, ou seja,
dada pelo seu significado ontológico-social no cenário do capitalismo. Em seguida,
abordamos o debate da divisão social e técnica do trabalho, momento em que situamos o
Serviço Social como uma especialização do trabalho coletivo no âmbito da (re)produção da
sociedade capitalista. Como resultado do largo processo de maturação do Serviço Social,
tratamos da capacidade ético-política da profissão, na direção da intenção de ruptura
defendida nos anos 1970, que se desdobra nos códigos de ética de 1986 e se consolida apenas
em 1993, com um projeto ético-político profissional compromissado com a classe
trabalhadora.
No terceiro capítulo realizamos a apresentação do lócus da pesquisa, evidenciando o
contexto histórico da cidade de Uberaba, em Minas Gerais, seu desenvolvimento econômico,
político e social. Em seguida, caracterizamos as políticas de saúde, o espaço da docência e o
Tribunal de Justiça a partir de sua constituição histórica, suas diretrizes e sua inserção na
esfera da prestação de serviços sociais.
No quarto capítulo, buscamos desvelar o objeto de estudo, tendo por base as
particularidades do trabalho profissional do assistente social nos espaços sócio-ocupacionais
citados, a partir da realidade concreta. A pesquisa de campo intentou revelar a medida da
apropriação da teoria social de Marx e suas mediações com o trabalho profissional
compromissado com os valores da profissão.
15
Capítulo I
O MARCO HISTÓRICO-METODOLÓGICO DE EMERGÊNCIA DO
PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL
É apenas no marco do desenvolvimento das forças do modo de produção capitalista
que conseguimos situar o processo histórico da emergência do Serviço Social, adotando como
partida para a reflexão o processo de acirramento do modo de produção capitalista, centrado
no processo de acentuação da exploração da força de trabalho humano, na apropriação cada
vez mais privada daquilo que é produzido coletivamente: como aponta Iamamoto (2000a, p.
27), a ―produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social,
enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da
sociedade‖.
Como resultado do processo de expansão do capitalismo, situamos a emergência da
―questão social‖, fenômeno este que possui íntimas ligações ao processo de consolidação do
capitalismo tardio no cenário brasileiro, sendo que seu ―aparecimento diz respeito diretamente
à generalização do trabalho livre numa sociedade em que a escravidão marca profundamente
seu passado recente‖ (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000, p. 125). Ou seja, a questão social
advém das relações socialmente determinadas pelo sistema econômico vigente, incidindo na
vida cotidiana da classe trabalhadora sob os mais variados matizes, associado a um profundo
processo de (re)ordenamento da vida social, aqui considerada a totalidade da vida social.
É na questão social e suas mais variadas manifestações que o Serviço Social se
identifica, pelo claro posicionamento ideológico do grande capital por cooptar uma
especialização do trabalho coletivo para atendimento das suas necessidades imediatas de
controle, de amortecimento dos conflitos entre as classes antagônicas, sendo que as funções
deste profissional residiam ―frente à família operária, em face do matrimônio, da educação e
do cuidado dos filhos, da destinação do salário, dos menores delinquentes, da segurança
social, dos enfermos – tratava-se de uma atividade para reformar e melhorar os costumes‖
(CASTRO, 2000, p. 106).
Deste modo, o Serviço Social no Brasil emerge como profissão com profundas
conexões com a ideologia católica e, também, as camadas mais conservadoras e tradicionais
da sociedade. Nesse sentido, destaca-se o início da história da profissão com a Escola de
Serviço Social de São Paulo, criada, em 1936, a partir do Centro de Estudos e Ação Social
16
(Ceas), por um grupo de ―moças preocupadas com a questão social‖ (AGUIAR, 1995, p. 29),
o que demonstra a força do laicato em relação ao trato com a questão social nesse período,
tendo como influência o Serviço Social belga.
Com a intensificação do modelo capitalista de produção, a classe dominante busca no
Serviço Social formas ideopolíticas de controle da massa trabalhadora que se encontrava
solapada pelas precárias condições de vida e trabalho, configurando o caráter ideológico da
profissão pautada no controle, no ajustamento e na ordem (MONTAÑO, 2003).
Durante o processo de institucionalização do Serviço Social — embalado pelo
sentimento conservador e centralizador do poder —, a Igreja utiliza-se dos movimentos
sociais, mantendo uma posição polarizada e antagônica entre poderosos interesses para
pressionar o governo Vargas à definitiva legitimação da religião católica dentro da
organização estatal brasileira. Este poder emanado da Igreja aparece nitidamente na Carta
Constitucional de 1934, como assinala Carvalho (apud CASTRO, 2000, p. 102-103):
Além do reconhecimento explícito do catolicismo como religião oficial, como a indissolubilidade
do matrimônio com a validação do casamento religioso pela lei civil, ela garantia o acesso da
Igreja à educação pública e a todas as instituições de ―interesse coletivo‖. Garantia, pois, a
institucionalização de alguns dos seus princípios fundamentais e posições no aparelho de Estado essenciais à sua função de controle social e político.
A partir da promulgação da Constituição de 1934, fica clara a intencionalidade do
poder eclesiástico: legitimar sua participação na regulação da vida social e política do país.
Esta legitimação é parte constante da ideologia da grande máquina capitalista, e pode ser
encontrada nas reflexões de Mészáros (2004, p. 233):
as ideologias dominantes da ordem social estabelecida desfrutam de uma importante posição
privilegiada em relação a todas as variedades de ―contraconsciência‖. Assumindo uma atitude
positiva para com as relações de produção dominantes, assim como os mecanismos autorreprodutivos fundamentais da sociedade, podem contar, em suas confrontações ideológicas,
com o apoio das principais instituições econômicas, culturais e políticas do sistema todo.
Tal análise identifica de maneira central a proposta da ideologia dominante e de seu
lugar na sociedade, demonstrando, no caso da Igreja, o poder do seu aparelho e sua
interferência em diversos segmentos da sociedade, juntamente com diversos segmentos da
burguesia conservadora. É nessa direção que se criam os caminhos ideopolíticos do Serviço
Social diante da questão política e social da época: o ensino do Serviço Social estava fundado
nos princípios da Igreja, pautado na recristianização da classe trabalhadora e no trato
subjetivista e assistencialista da questão social.
17
Nesse período, a Igreja era depositária fiel da elite e consolidava seu papel na regência
da vida social, política, econômica e intelectual do país. O Serviço Social absorve o conteúdo
ideológico da doutrina social da Igreja e de um Estado regulador, ditatorial e conservador,
embasando sua formação e atuação nos moldes conservadores aos quais eram impelidos,
utilizando o modelo belga de formação profissional.
O conservadorismo acabou por constituir-se em traço profissional que por durante
décadas esteve — e está — subjacente no meio profissional, revelando uma característica
particular: a identificação da questão social fundada na concepção da problemática individual,
na sua concepção de homem e de mundo. Assim,
o tratamento moral da ―questão social‖ é uma resposta política das várias forças sociais ao
potencial emancipador das lutas proletárias; uma reação de caráter conservador que perpassa
pelas estratégias do Estado capitalista, pelo projeto social da Igreja Católica e pelo Serviço Social
no contexto de sua origem (BARROCO, 2008, p. 83).
Embalado nesta concepção conservadora e tradicionalista, o Serviço Social se
institucionaliza no interior do aparelho estatal como profissão controladora, policialesca e
acrítica, com vinculação ao poder da elite dominante. Em contrapartida, tal afirmação também
nos remete à necessidade de reflexão do poder exercido pela classe operária, que, insatisfeita
com as condições de vida, paulatinamente concretizava a luta de classes na direção da
consolidação de melhores condições de vida e de trabalho. Assim, a ideologia conservadora
reproduzia o aspecto moralizador da questão social como uma estratégia ideopolítica com
evidentes reflexos econômicos na condução da crise entre as classes.
Neste cenário, polarizado por interesses antagônicos, o Serviço Social se inscreve,
com seu forte traço conservador, originado das bases burguesas, que conferiram à profissão
características controlistas, reformadoras do caráter e do comportamento dos trabalhadores —
tidos como ―desviados‖ — e de estabilização da crise.
Contudo, a necessidade de negação das bases conservadoras da profissão foi
inconteste na (re)construção do Serviço Social, o que decorreu a partir do entendimento do
seu lugar como contributo indispensável à (re)produção da vida social, por sua própria
condição de trabalhador. Assim, a busca pela redefinição do Serviço Social foi sendo
amalgamada a partir da tentativa de distanciamento dessas práticas conservadoras, pois,
segundo Paulo Netto (1991, p. 128), nos quadros anteriores da profissão, era
inconteste que o Serviço Social no Brasil, até a primeira metade da década de sessenta, não apresentava polêmicas de relevo, mostrava uma relativa homogeneidade nas suas projeções
interventivas, sugeria uma grande unidade nas suas propostas profissionais, sinalizava uma
18
formal assepsia de participação político-partidária, carecia de uma elaboração teórica significativa e plasmava-se numa categoria profissional onde parecia imperar, sem disputas de vulto, uma
consensual direção interventiva e cívica.
Deste modo, o Serviço Social dos quadros conservadores mantinha um exercício
baseado na linearidade das práticas interventivas, pautado no direcionamento de um ―modelo‖
de exercício profissional, com clara demonstração de intencional neutralidade face aos
acontecimentos impingidos à classe trabalhadora pela via do embrutecimento sistemático do
sistema capitalista de produção. O rompimento deste Serviço Social funda-se, basicamente, a
partir da sua laicização, quando ocorre a ―diferenciação da categoria profissional em todos os
seus níveis e a consequente disputa pela hegemonia do processo profissional em todas as
instâncias (projeto de formação, paradigmas de intervenção, órgãos de representação, etc.)‖
(PAULO NETTO, 1991, p. 128).
Mesmo com o esforço da busca pela ruptura, é evidente que o traço conservador ainda
mantinha profundas ligações com uma prática messiânica, caracteristicamente marcada pelo
fatalismo, imprimindo marcas no Serviço Social em todas as dimensões; dentre estas, destaca-
se a presença deste ranço histórico na primeira formulação ética do Serviço Social, que, no
ano de 1947, estabelecia os fundamentos da ética tradicional, com pressupostos filosóficos
metafísicos e uma concepção ética conservadora, com forte conteúdo messiânico.
Os princípios apresentados no Código de 1947 retratam os fundamentos da formação profissional
e do exercício naquele determinado momento, com ênfase no discurso orientando a uma prática voltada para o ―bem‖, com forte apelo moralista e igualmente preconceituoso, de cunho
conservador, cabendo ao assistente social prestar ―ajuda‖ material, mas também, ―ajuda‖ aos
considerados ―desajustados‖. O traço moralizante e conservador presente nos fundamentos éticos
e, consequentemente, no trabalho profissional é uma forma de alienação moral, pois implica na negação da moral como uma forma de objetivação da consciência crítica, das escolhas livres, de
construção da particularidade (BARROCO, 2005, p. 48).
Tal conceito de ajustamento traduz o ideário positivista/ funcionalista, pois objetiva
situar o homem como causa e, por sua vez, responsável pela resolução pacífica dos seus
―problemas sociais‖. Nesta direção, o trabalho do assistente social reforçava a característica
da ética moralizadora da vida social, do seu comprometimento com os fundamentos da Igreja,
atravessados pela ideologia conservadora fundada e conectada a princípios ideológicos do
capital como forma de justificação das condições de vida e trabalho dos operários.
Deste modo, no processo de renovação, o traço renovador surge numa tendência de
busca da construção de uma nova concepção teórico-metodológica, amalgamada no
pluralismo profissional, com base na ―instauração do pluralismo teórico, ideológico e político
no marco profissional, deslocando uma sólida tradição de monolitismo ideal‖ (PAULO
19
NETTO, 1991, p. 135). Todavia, ressaltem-se as considerações de Paulo Netto (1991), ao
explicitar que o processo renovador da profissão calca-se na busca por redefinição das suas
bases teórico-prático-filosóficas, não registrando adesão profissional homogênea, mas, sim,
hegemônica devido à herança conservadora presente na profissão.
Esta pesada herança conservadora balizava, ainda, algumas normatizações que são
identificadas no cotidiano, evidenciadas por uma insistente retórica de ―reatualização
conservadora‖ (PAULO NETTO, 1991) que transita na ambiência profissional, com
rebatimentos expressivos no conteúdo ético-político da profissão.
Este processo não se constitui de maneira isolada, dada pela intencionalidade de
indivíduos: esta reatualização conservadora parte de uma expressão macro, caracterizada e
compreendida no contexto da totalidade da vida social, patrocinada pelas forças
conservadoras que indicam caminhos ideológicos para a (re)produção continuada e em larga
escala do capital.
Esta ―reatualização‖ conecta-se com a disseminação da cultura neoconservadora, em
curso no capitalismo contemporâneo. A prática neoconservadora traveste-se a partir de
demandas postas ao trabalho profissional, fundando-se em uma concepção metamorfoseada,
que tem causado riscos ao projeto profissional e ao trabalho profissional do assistente social.
A crise das hegemonias socialistas ou de esquerdas tem se constituído como um campo fértil
para a reatualização conservadora, de base neoconservadora,
apoiando-se em mitos, motivando atitudes autoritárias, discriminatórias e irracionalistas,
comportamentos e ideias valorizadoras da hierarquia, das normas institucionalizadas, da moral tradicional, da ordem e da autoridade. Uma das expressões dessa ideologia é a reprodução do
medo social (BARROCO, 2011).
A autora continua suas reflexões na direção de compreender a motivação desta
reatualização na profissão, pois esta é favorecida pelo profundo processo de
precarização das condições de trabalho e da formação profissional, pela falta de preparo técnico e
teórico, pela fragilização de uma consciência crítica e política, o que pode motivar a busca de
respostas pragmáticas e irracionalistas, a incorporação de técnicas aparentemente úteis em um
contexto fragmentário e imediatista. (BARROCO, 2011).
Este favorecimento mantém suas conexões com o modo de produção e reprodução da
vida contemporânea, patrocinado sob a égide de interesses socialmente determinados pelo
grande capital financeiro, o que possibilita por meio da sua livre movimentação ideopolítica,
uma formação precarizada, de caráter mercadológico, com claro direcionamento no
empobrecimento intelectual dos assistentes sociais, evidenciado pela pouca reflexão crítica
20
acerca dos processos sociais, além do distanciamento da práxis política que tem deslegitimado
paulatinamente a consciência de classe dos profissionais.
Tomemos o cuidado para não efetuar uma análise fatalista — sendo esta também
expressão do neoconservadorismo, pois imprime a falsa ideia de que o que está determinado
estaria determinado de modo absoluto, excluindo-se a possibilidade de contra-hegemonia, de
lutas, de oposição e negação, correndo-se o risco de abandonar o confronto, esvaziando-se a
prática política dos assistentes sociais. Assim, ―o enfrentamento teórico do
neoconservadorismo é um empreendimento que supõe a desmistificação dos seus
pressupostos e dos seus mitos irracionalistas que falseiam a história‖ (BARROCO, 2011).
Mesmo no centro do influxo conservador, a renovação promove uma ―articulação que
lhes confere uma arquitetura que procura oferecer mais consistência à ordenação dos seus
componentes internos‖ (PAULO NETTO, 1991, p. 131). Nesta esteira histórica, o Serviço
Social adquire maturidade teórica, associada a uma reflexão filosófica, buscando sedimentar a
reconfiguração da profissão frente à sociedade e ao Estado, mas, principalmente, à classe
trabalhadora, por meio da mediação entre os substratos teóricos e sua materialização na base
material, no cotidiano do exercício profissional. Podemos situar aqui, de forma breve, os
―documentos de Araxá‖ (de 1967), que, embalados pelo vetor modernizador presente na
profissão, buscam dar os primeiros passos frente à ―afirmação da perspectiva modernizadora‖
(PAULO NETTO, 1991). Porém, o seminário realizado em Minas Gerais não consegue
romper com o conservantismo reinante, cabendo ao seminário de Teresópolis (em 1970)
cristalizar a perspectiva modernizadora.
Há de se salientar que a vertente renovadora da profissão viu-se polarizada em um
complexo jogo político, econômico, ideológico e cultural, haja vista que o país encontrava-se,
na ocasião, profundamente imerso em um sistema político completamente autoritário em que
a busca por qualquer tipo de renovação ideopolítica representaria riscos à ordem estatuída
pelo capital monopolista e mantida por um regime militar que tinha o ―terrorismo como lei do
estado autocrático-burguês‖ (RAGO FILHO, 2004, p. 11).
É nesse sentido que se expõe que a autocracia burguesa (PAULO NETTO, 1991)
anulou as formas democráticas emergentes no país, naquele momento histórico. As formas e
forças democratizantes foram surpreendidas, em abril de 1964, pelo golpe militar, o qual
obscureceu as lutas e movimentos sociais do país por mais de duas décadas. Porém,
contraditoriamente, as massas se organizam vagarosamente, embaladas pela perspectiva
negadora de tal situação política, econômica, social e pela decadência ideológica, fazendo
com que o endurecimento do regime se tornasse um vetor das forças populares, artísticas,
21
intelectuais, sociais e culturais na busca pela superação do conceito antidemocrático presente
no militarismo. Estes elementos inscrevem-se nas agendas das lutas sociais como força
motriz, mas seu enfrentamento é constituído pelo uso da força, da arbitrariedade patrocinada
pelo terrorismo de Estado (RAGO FILHO, 2004).
Assim, a formulação ética do Código de 1965, durante a ditadura militar, ainda
reproduz a lógica fundada no humanismo cristão. Contudo, avança em pontos importantes, ao
indicar que o Serviço Social adquire uma dimensão científica e técnica (BARROCO, 2005).
Além disso, ainda não é suficiente para responder por todo o contexto que a profissão e a
sociedade vivenciavam naquele momento histórico.
Por isso, afirma-se que a reformulação e a aprovação do Código de 1965 não o
distinguem muito do anterior, uma vez que seu artigo 9º, do Capítulo II, que trata dos deveres
fundamentais dos assistentes sociais, remete à ―correção dos desníveis sociais‖ e indica que as
ações profissionais deveriam se dar dentro de princípios fraternos, prestando serviços aos
chamados ―clientes‖. Destaca-se, ainda, que tais ações eram baseadas em um ―espírito‖ de
solidariedade, caracterizado pela harmonia entre as classes sociais, depositando no assistente
social o papel de pacificador do conflito da relação entre capital e trabalho.
O Código de Ética de 1965 trouxe pouca ou nenhuma modificação substancial para a
profissão. Permanecem a fundamentação neotomista, os pressupostos funcionalistas e a
―neutralidade política‖ que caracterizam a ética tradicional. No entanto, introduz elementos de
uma visão liberal burguesa que serão excluídos da reformulação de 1975: a valorização do
pluralismo profissional e da autonomia profissional, tratada como profissão liberal.
Apesar dessas modificações, as ações profissionais ainda eram concebidas a partir dos
postulados éticos tradicionais fundados no neotomismo e referidos de modo abstrato ao ―bem
comum‖ e à ―pessoa humana‖. Com suas mudanças frente ao Código de 1947, o de 1965 se
insere na perspectiva que Paulo Netto designou como ―modernização conservadora‖, presente
nos documentos de Araxá e Teresópolis.
O Código de 1975 é um grande retrocesso frente aos tímidos avanços verificados em
1965, configurando-se como o mais conservador de todos os códigos de ética do serviço
social brasileiro. Elaborado durante a ditadura, elimina os deveres relativos ao respeito ao
pluralismo e à autonomia profissional, submetendo a ética e o trabalho profissional ao Estado
ditatorial, expressando a ―reatualização do conservadorismo‖ (PAULO NETTO, 1991) na
profissão, nos anos 1970.
22
Como produto histórico, [o Código de 1975] já não expressa a tendência modernizadora evidenciada tanto no Código anterior (1965) como em Araxá ou Teresópolis, o que se confirma
na consideração de Netto. Segundo ele, a perspectiva modernizadora perde sua hegemonia, no
plano ideal, a partir de meados dos anos 70, quando emergem duas tendências que com ela se
antagonizavam: a vertente de reatualização do conservadorismo e a intenção de ruptura (BARROCO, 2005, p. 130).
No contexto que assinala a crise da ditadura e o início do processo de
redemocratização da sociedade brasileira entre final dos anos 1970 e a década de 1980,
observa-se o avanço da profissão no campo da produção de conhecimento, a incorporação da
reflexão crítica oriunda das apropriações do pensamento marxista e da aproximação com os
movimentos de massa dos trabalhadores que se reorganizam nesse processo. Os
questionamentos oriundos do movimento latino-americano de reconceituação e o processo de
renovação da profissão, determinada desde os anos 1960 (PAULO NETTO, 1991), ganham
novas configurações e possibilidades nesse contexto. A organização política da categoria,
tendo como marco o Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais de 1979, evidencia a
construção de um projeto profissional de ruptura com o conservadorismo que irá se adensar
daí para frente.
Assim, é no processo de efervescência social, econômica e política, verificado a partir
do enfraquecimento da ditadura, da explosão da crise capitalista de produção e da inserção
dos sujeitos políticos na cena da luta de classes, que inúmeros assistentes sociais questionam-
se sobre o verdadeiro sentido social da profissão e igualmente sua direção social e o
significado da profissão na divisão sócio-técnica do trabalho, possibilitando apreender o
homem como sujeito de suas ações, considerando-o em sua totalidade, o que requer nova
reformulação no Código de Ética da profissão.
Vale ressaltar que os fundamentos da profissão não podem, em momento algum, ser
analisados por meio de reflexões pragmáticas, esvaziadas de conteúdo crítico, bem como não
é possível desconsiderar todos os acontecimentos macrossocietários ocorridos na órbita do
grande capital, associado à presença de um Estado cartorial e, naquele determinado momento
histórico, a um Estado autocrático burguês (RAGO FILHO, 2004). As análises não apenas são
dadas pela reflexão, mas, principalmente, direcionam nossa crítica para compreender e situar
o Serviço Social no centro deste influxo, fundado em uma complexa relação de interesses,
dentre os quais a necessidade da profissão em romper com o traço conservador e assumir seu
compromisso com a classe trabalhadora.
A década de 1970 ficou marcada, no seu início, pelos anos de ouro do capitalismo,
seguidos pela crise estrutural a partir de 1973. Tal crise advém da explosão de ajustes
23
econômicos e sociais e do endurecimento das ditaduras latino-americanas, que solaparam os
trabalhadores associados, jogando-os no centro do furacão.
Assim, as explicações da grave crise dos anos 1970 têm sua gênese nos ―anos
dourados‖ ou ―gloriosos 30 anos‖ (PAULO NETTO; BRAZ, 2007), iniciados na passagem da
década de 1930 para a de 1940. Trata-se do período marcado pelo modelo fordista-taylorista,
de produções rígidas e em massa. Tal modelo encontra-se em processo de esgotamento desde
os anos 1960, principalmente por não sustentar mais os novos padrões de organização do
trabalho, decaindo sistematicamente na contabilidade dos lucros do grande monopólio.
Consequentemente, como forma de superação da crise, buscam-se novas formas de trabalho e
lucro.
[...] a crise da produção padronizada e da relação fordista de altos salários baseados na pujança da
demanda em relação à oferta acabou conduzindo ao conceito de flexibilização, bem como de uma
produção organizada sob novas premissas: surgiram as abordagens que preconizam a substituição do trabalho parcelado e da linha de montagem pelas ilhas de produção, grupos semiautônomos e
malhas de produção, nas quais os mecanismos automáticos reduzem a intervenção do trabalho
vivo ao mínimo possível (PAGOTTO, 1996, p. 60).
Como resultado, o capital redefine suas estratégias de produção e reprodução material
e da vida social, dando início a um processo que rebaterá, mais particularmente na entrada dos
anos 1990, mas que, mesmo assim, a partir da década de 1970, já faz sentir seus efeitos
deletérios: este momento constitui-se na flexibilização da esfera produtiva, com
consequências danosas ao trabalho e aos trabalhadores.
A crise dos anos 1970 situa-se no movimento macroestrutural do grande capital,
situado em processos cíclicos permanentes, dada a complexidade da sua necessidade de
reestruturação produtiva. Dentre estas crises, podemos situar aqui a crise da alta do petróleo
deflagrada em 1973/74,2 que, ―após um longo período de acumulação de capitais, que ocorreu
durante o apogeu do fordismo e da fase keynesiana, o capitalismo [...] começou a dar sinais de
um quadro crítico‖ (ANTUNES, 2003a, p. 30). A crise originária do próprio mecanismo de
acumulação capitalista, fundada no ideário fordista-keynesiano, demonstrou que tal modelo
não suportou o processo inflacionário, seguido de profunda estagnação fiscal, tendo como
parâmetro a explosão dos gastos públicos (HARVEY apud SILVA, 2010).
2 ―A profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do petróleo, evidentemente retirou o mundo capitalista
do sufocado torpor da ‗estagflação‘ (estagnação da produção de bens e alta inflação de preços) e pôs em
movimento um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista. Em consequência, as décadas de
70 e 80 foram um conturbado período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político‖ (HARVEY apud SILVA, 2010, p. 75).
24
Atribuída a uma crise do próprio capital, o prenúncio dos liberais já demonstrava e
acusava o Estado como culpado pelo processo de desregulação acentuada e,
consequentemente, responsável pela crise capitalista. Gomes (2006, p. 12) observa:
Diante da grave crise econômica dos anos 1970, onde a estagnação e a inflação se agravavam, as
correntes liberais passaram a acusar o Estado como o grande vilão da Depressão. Em síntese, a tese dos conservadores era de que a crise do Welfare State levava à crise econômica. Insurge,
novamente, a crença de que os mercados, funcionando livremente, com participação estatal
resumida à garantia da ordem (assegurar a propriedade privada) e da justiça (aplicar sanções e
punir os que desrespeitassem a ordem burguesa), proporcionariam o ótimo paretiano.
Com a acentuação da crise, as justificativas em torno da satanização do Estado como
produtor da crise e do Welfare State como seu fio condutor provocaram a reação dos
defensores do ideário liberal, lançando as bases para o fortalecimento de um Estado retraído
das suas funções, proclamando a necessidade de um ―Estado mínimo‖.
Nessa nova configuração do Estado, ―o que pretendem os monopólios e seus
representantes nada mais é que um Estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital‖
(PAULO NETTO; BRAZ, 2006, p. 227). Fica, então, caracterizada a tendência de atribuir ao
Estado uma função secundária ou até mesmo terciária na vida social, transformando-o em um
cartório de interesses particulares do grande capital, dentre as quais o atendimento de
necessidades mínimas da classe antagônica a ele. Nas palavras de Ianni (1982, p. 39), ―Estado
não é apenas e exclusivamente um órgão da classe dominante; responde também aos
movimentos do conjunto da sociedade e das outras classes sociais, segundo, é óbvio, as
determinações das relações capitalistas‖. Por outro lado,
[A] necessidade de uma nova modalidade de intervenção do Estado decorre primariamente, como
aludimos, da demanda que o capitalismo monopolista tem de um vetor extraeconômico para
assegurar seus objetivos estritamente econômicos. O eixo da intervenção estatal na idade do monopólio é direcionado para garantir os superlucros dos monopólios — e, para tanto, como
poder político e econômico, o Estado desempenha uma multiplicidade de funções (PAULO
NETTO, 2005, p. 25).
As bases ideológicas, políticas e econômicas do ideário neoliberal já estavam inscritas
no cenário mundial como processo gradual, porém irreversível, de caráter socialmente
determinado, como evidente justificativa do enfraquecimento das bases do Estado de Bem-
Estar Social dos países centrais, acentuando a lógica do mercado, a perniciosa redução de
impostos aos altos investimentos, a elevação dos juros, a anistia aos controles regulatórios de
emissão de grandes fluxos financeiros.
Associa-se a este processo a implosão do trabalho e emprego, com a criação acentuada
de força de trabalho excedente (via exército industrial de reserva); com a edição de
25
legislações que buscavam banir os sindicatos da arena das lutas gerais dos trabalhadores; com
a degradação dos direitos sociais duramente conquistados pelos trabalhadores e pelos
sindicatos; e com a cruel explosão do processo de privatização, transformando o patrimônio
público em uma mercadoria altamente negociável e rentável aos olhos do grande capital, ao
transferi-lo para a iniciativa privada sem nenhum escrúpulo. Tudo isso patrocinado pela lógica
de que o Estado é uma instituição obsoleta e ineficiente.
Estes eventos iniciam-se ainda na década de 1970, principalmente com a subida ao
poder da première inglesa Margareth Thatcher em 1979. Deste modo, a Inglaterra torna-se
legatária da onda neoliberal, seguido por países centrais, como Estados Unidos, Alemanha e
Dinamarca, dentre outros (ANDERSON, 1995).
A receita do ideário liberal inglês ganha espaço na evidente necessidade de suprimir o
Estado, de desregulamentar direitos, na perspectiva de aprofundamento dos níveis de
produção e consequentemente das formas de consumo, por meio de alternativas globalizadas e
do acirramento das condições objetivas e subjetivas de vida da classe trabalhadora. A receita
burguesa inglesa tem como parceiro os Estados Unidos, o que é evidenciado após a ascensão
ao poder de Reagan (1980), na condução de uma via dupla de ataque: a Guerra Fria
deflagrada contra o bloco soviético (guerra contra o comunismo), na corrida armamentista e
na visualização da América Latina como potencial parque industrial, cuja capacidade de
produção/consumo, naquele momento, estava em níveis aquém dos necessários à reprodução
sociometabólica do capital (MÉSZÁROS, 2006).
As bases para a retomada do conceito ―América para os americanos‖ assumia nova
roupagem, agora patrocinada pela onda neoliberal, promovendo um processo de
reindustrialização da América Latina, com evidente intencionalidade de implantar
definitivamente a indústria americana e dos países centrais nos países ao sul, fortalecendo os
laços de dependência econômica e financeira, bem como a dependência ideológica a
hegemonia norte-americana, principalmente (ANDERSON, 1995).
Apesar da poderosa máquina ideológica patrocinada pela lógica americana, inglesa,
alemã e dinamarquesa, alguns países europeus centram-se em um influxo desta contagiante
onda neoliberal, evidenciando, com a eleição de políticos oriundos da esquerda (Mitterrand,
na França; González, na Espanha; Soares, em Portugal; Craxi, na Itália; Papandreu, na
Grécia), que, na contramão do ideário posto, caminham na direção do fortalecimento do pleno
emprego, do processo de deflação e na redistribuição da riqueza socialmente produzida.
Assim, os países do sul europeu ―se apresentavam como uma alternativa progressista, baseada
em movimentos operários ou populares, contrastando com a linha reacionária dos governos de
26
Reagan, Thatcher, Khol e outros do norte da Europa‖ (ANDERSON, 1995, p. 13). Porém, a
resistência foi sendo minada aos poucos, e em pouco tempo a ―esquerda‖ alinhava-se ao
modelo dos países do Norte.
Estes acontecimentos necessitam de uma breve compreensão pelo fato de que,
concebidos na totalidade da vida social, tiveram rebatimentos expressivos nos países da
América do Sul e, particularmente, no Serviço Social desses países, que passaram a expressar
um claro (re)posicionamento político, profissional e acadêmico.
Assim, a efervescência da reorganização da órbita do grande capital em esfera global
possibilita que a profissão se explique e se situe neste cenário com determinações incidentes
decisivamente nos rumos ideológicos, profissionais e, principalmente, de ordem política. É
nesse sentido que se entende que algumas bases externas são fatores determinantes para a
―virada‖ do Serviço Social.
1.1 A organização político-científica da profissão: notas histórico-metodológicas
O traço conservador, de natureza positivista, presente no Serviço Social cunhou, com
muita particularidade, a identidade profissional do assistente social, bem como marcou a
formação acadêmica, o trabalho profissional e a formulação dos seus fundamentos éticos.
Características destes elementos conservadores podem ser observadas na organização do I
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) ocorrido em 1947, com clara sequência
de continuísmo no Congresso de 1961.
Sistematizaremos, neste item, alguns elementos destes dois eventos científicos e
políticos do Serviço Social, além de apresentar, de maneira sucinta, as protoformas da
organização coletiva da profissão. Estas reflexões possibilitam a compreensão dos
rebatimentos da presença conservadora em todos os aspectos da profissão, dentre os quais sua
organização político-científica.
Faz-se necessário compreender que foi a ocorrência dos I e II CBAS a partir das bases
que engendrou a profissão. Em seu percurso sócio-histórico, em que pesem diversos
elementos constitutivos, destaca-se a presença da organização econômica capitalista, que
mesmo tardia, impingiu consequências à sociedade. Esta organização pode ser observada a
partir da inscrição do Brasil na órbita do capitalismo central e no interesse do Estado em
adotar o modelo de desenvolvimento econômico, com características americanizadas. Assim,
esta presença ideopolítica e econômica
27
[...] alcançou inúmeros segmentos da vida latino-americana. A América do Norte passou a ser o novo ―empório‖ de ideias, a nova referência de modelos e ações, inclusive no sistema de bem-
estar-social. Este fato, inevitavelmente, atingiu também o Serviço Social brasileiro, que buscou,
no correlato norte-americano, desde o suporte filosófico, as teorias do conhecimento que dessem
conta, principalmente, de responder as necessidades, até um suporte teórico-científico e técnico para a prática profissional (ANDRADE, 2008, p. 8).
Estes elementos se configuram na clara intencionalidade do fortalecimento do
modelo americano de formação e trabalho profissional do Serviço Social, como forma de
consolidar a presença do poder econômico central na condução de todas as esferas da vida
social, política, econômica, cultural e intelectual dos países latino-americanos, dentre os quais
o Brasil. A ideologia de americanização da vida social nos países periféricos vai se constituir
em diversos aspectos, dentre os quais sua presença no Serviço Social brasileiro, sendo que
este processo encontra ressonância no meio acadêmico, a partir da concessão de bolsas de
estudos às assistentes sociais, sendo seu marco de referência estabelecido no Congresso
Interamericano de Serviço Social, no ano de 1941, acentuando o traço de dependência
intelectual da profissão aos modelos conservadores, de caráter psicologizante do Serviço
Social norte-americano.
Seguindo o percurso de reorientação do Serviço Social brasileiro, pautado no modelo
americano de formação e trabalho profissional, é criada a Associação Brasileira de Ensino em
Serviço Social (Abess), a partir das indicações no I Congresso Pan-Americano de Serviço
Social, ocorrido em 1945, no Chile, com o objetivo de promover uma interlocução entre o
Serviço Social nos países latino-americanos. A criação da Abess se justificava ―com a
finalidade de congregar as Escolas de Serviço Social, promover um intercâmbio entre elas,
garantir um padrão mínimo de ensino e representar os interesses coletivos das escolas‖.
(ANDRADE, 2008, p. 19).
Além da reflexão sobre a necessidade de instituições representativas no âmbito
científico, emerge a Associação Brasileira de Assistentes Sociais (Abas), órgão representativo
do Serviço Social, instituição esta que vai, em setembro de 1947, editar a primeira formulação
ética da profissão. Este conjunto de elementos constitutivos da profissão caminhou
paralelamente a interesses socialmente determinados, tendo em vista o seu fundamento
teórico, de concepção conservadora e estritamente positivista-funcionalista. É nesta direção
que a profissão busca sua legitimação dentro do conceito jurídico, evidenciado pela clara
necessidade de regulamentação da profissão pela esfera estatal.
Atravessado por diversas particularidades, partindo da totalidade da vida social, o
Brasil sedia, em 1949, o II Congresso Pan-Americano de Serviço Social, em que o temário
28
central era o ―Serviço Social e a Família‖ (ANDRADE, 2008), demonstrando seu fundamento
de cunho moralizador, com clara orientação controladora, tendo na figura institucional da
família os germes da sociedade saudável, seguindo assim, as normatizações burguesas e
positivistas daquele determinado momento histórico da sociedade e da profissão. No Pan-
Americano de 1949, afirma-se a concepção do Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade,
além da incorporação da psicologia, sendo estas concepções originárias do modelo americano
de formação trabalho profissional. (ORTIZ; GUERRA, 2009). Fortalece-se, então, a
concepção do pan-americanismo monroísta, com clara ascendência ideológica americana.
Seguindo a métrica imposta e fundada na necessidade de articulação e diálogo (sem
deixar de ressaltar o claro alinhamento do Serviço Social latino-americano), ocorre, em 1961,
o II CBAS, tendo como tema central ―Desenvolvimento Nacional para o Bem-Estar Social‖
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2000). Evidencia-se o alinhamento a partir do modelo
desenvolvimentista de JK (1956/1961), fundado no franco desenvolvimento das forças
produtivas, na inserção do trabalhador brasileiro na esfera do consumo, intermediado e
mistificado pelo conceito do Welfare State ―à brasileira‖. A concepção de Estado de Bem-
Estar Social funda-se, segundo Gomes (2006, p. 203), na compreensão de
[...] um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir certa ―harmonia‖ entre o avanço das forças de mercado e uma
relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança
aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que
possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente.
Deste modo, a finalidade do Welfare State consistia na acomodação da conflituosa
relação calcada entre o aprofundamento do desenvolvimento das forças e formas produtivas
do capital, associado ao atendimento das necessidades materiais da classe trabalhadora, como
forma de elevar as condições de vida, numa clara justificativa de harmonização entre o
desenvolvimento das forças produtivas do capital e as necessidades básicas da classe operária,
consequentemente.
Nesta complexa trama ideológica, política e econômica de reprodução da vida social, o
Serviço Social se inscreve na cena, pelas particularidades que lhe conferem o pesado status de
uma profissão a serviço do grande capital, do Estado e da elite burguesa, na condução do
amortecimento dos conflitos advindos das relações sociais de produção capitalistas.
Assim, o Congresso Brasileiro de Serviço Social de 1961 tem a clara intenção de
capacitar os assistentes sociais para a participação na XI Conferência Mundial de Serviço
Social, que seria realizada em 1962, no Brasil. A ocorrência destes dois últimos eventos
29
indica a necessidade de ―uma nítida interlocução do Serviço Social brasileiro com os
processos de caráter macroscópico ocorridos no país e na América Latina e a franca
necessidade de responder e se articular a estes‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 124).
Observa-se que os eventos político-científicos da profissão na quadra histórica
apresentada denotam a direção intelectual, política e científica do Serviço Social definida pela
lógica burguesa imperialista norte-americana e fundamentada nas correntes conservadoras e
positivistas das ciências, que oferecem e reforçam as matrizes conservadoras da/na profissão.
Relacionada aos marcos da direção político-científica da profissão, podemos destacar,
apoiados na literatura, que a ruptura significativa com os tradicionais congressos é observada
apenas no ano de 1979, na emergência das forças da vanguarda do Serviço Social, no III
CBAS, mais conhecido como ―Congresso da Virada‖.
1.2 O significado da “Virada” do Serviço Social
Para entender as forças que particularizaram a ―Virada‖ do Serviço Social, faz-se
necessário entender o cenário que se desvelava nos fins da década de 1970, identificando os
elementos macroestruturais que emergem sob a égide do capital. Assim, só é possível refletir
sobre este acontecimento singular da profissão ―do ponto de vista da totalidade [que]
considera que sua possibilidade foi resultado de determinações internas e externas ao Serviço
Social‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 125).
A ruptura mais significativa em relação à ética, ao conservadorismo teórico, com
rebatimentos no exercício profissional e nos seus valores, será sentida mais claramente no
início da segunda metade dos anos 1980, com o Código de 1986. Porém, ressalte-se que, antes
desta ruptura, outro acontecimento engendrara e definira novos papéis e sujeitos no processo
de ruptura, como a ocorrência do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais de 1979 (III
CBAS), conhecido como o ―Congresso da Virada‖ (ABRAMIDES, 2006).
Conceber e entender a importância do ―Congresso da Virada‖ leva-nos à reflexão do
que este Congresso representou (e representa) para o coletivo profissional e para a sociedade,
no marco da sociabilidade burguesa, do seu lugar no centro de um influxo conservador
determinado por fatores internos e externos (GUERRA; ORTIZ, 2009), pressupondo alguns
elementos essenciais para o debate.
O cenário mundial, entendido como totalidade da vida social operada pela lógica
capitalista deflagrada nos países centrais (Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo) no final
30
da década de 1970, marca profundamente as particularidades do Serviço Social latino-
americano. Para a América Latina, os influxos das determinações monetárias, ideológicas,
culturais e militares provocam marcas indeléveis aos trabalhadores e aos direitos sociais.
Contraditoriamente, observa-se, também, maior mobilização da classe trabalhadora.
[...] pelo dinamismo e expansão do capitalismo, a classe operária se desenvolve e amadurece do ponto de visa da sua consciência de classe e de sua organicidade. A revolução cubana (1959), as
novas lutas de classe na Guatemala (1960), a influência dos movimentos desencadeados no maio
francês de 1968, o Cordobazo argentino (1969), a unidade popular do Chile (1970-1973), a
grande mobilização social que levou a vitória da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) em 1979; a recuperação de parte da soberania do Canal do Panamá (1977) pelos Tratados
Torrijos-Carter, a guerra de libertação em El Salvador (1980-1992), são marcos que confirmam
que ―em contato com essa realidade, as classes vão forjando sua consciência política, que,
portanto, não surge por geração espontânea‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 125).
É notório que todo movimento operado pela lógica do modo de produção capitalista,
tipicamente norte-americano, não pode ser observado apenas por suas determinações
estruturais. Para sua reflexão, faz-se necessário apontar a contradição deste movimento,
operado pelas fileiras revolucionárias latino-americanas, que desempenharam um papel
decisivo na correlação de forças no cenário macroestrutural, evidenciado pelo
amadurecimento político dos movimentos situados à esquerda, como uma expressão da luta
de classes, da defesa das particularidades latino-americanas, além da luta contra as ditaduras
sangrentas patrocinadas pela lógica capitalista.
Neste cenário, o desenvolvimento das forças do Movimento de Reconceituação do
Serviço Social latino-americana ganha força, apesar dos ataques sofridos constantemente,
fundando na profissão a adesão e o alinhamento de correntes do movimento à luta geral dos
trabalhadores, a aproximação aos movimentos sociais opositores dos regimes autocráticos,
além do claro posicionamento em defesa de uma nova sociabilidade.
As particularidades do Brasil inserem-se na mesma direção social desses movimentos
opositores, que eram definidos pela autocracia como perigosos à democracia e à ordem. Tais
movimentos foram fortalecidos principalmente com a emergência do movimento operário,
legatário da resistência ao regime autocrático, aqui entendido em sua totalidade.
Na dimensão profissional do Serviço Social, dada sua histórica adesão ou acriticidade
em face da lógica do capital, merece destaque o marco que assinalou a construção de um
projeto contra-hegemônico a essa perspectiva histórica: III CBAS, mais conhecido como o
―Congresso da Virada‖. Esse projeto, de caráter inovador, foi calcado em elementos
supressores da sociabilidade do capital, na construção da emancipação humana e social.
31
A ―Virada‖ do CBAS pode ser considerada como resultante de todo o movimento
político e ideológico do Serviço Social brasileiro que estava profundamente alinhado ao
movimento da sociedade na contracorrente da ditadura e à situação político-econômica e às
condições precárias postas aos trabalhadores. Desse movimento, podem ser considerados
elementos que, associados a um gradual reposicionamento da profissão frente à sociedade,
dinamizaram o processo de busca pela ruptura com a direção conservadora que ainda se
mantinha no poder das entidades profissionais, refletindo, ainda, a característica marcante do
conservantismo profissional.
A efervescência política da transição dos anos 1970 para os anos 1980 define,
portanto, as bases de sustentação do projeto ético-político (PEP), pois é na ambiência da
construção de uma nova sociedade, que
[...] desenvolve-se amplo processo de mobilização das classes trabalhadoras no país, tendo no
―novo sindicalismo e na classe operária do ABC paulista seu protagonismo‖, e que vem a expandir-se pelos setores assalariados em geral que se mobilizam e se organizam em um contexto
social de grande e vigorosa efervescência política a partir dos interesses das massas trabalhadoras
(ABRAMIDES, 2006, p. 79).
Não se pode analisar a ―Virada‖ sem compreender o movimento operado pelos
trabalhadores, pelos movimentos sociais organizados, pela luta da profissão na direção de um
novo ordenamento societário, além da busca do Serviço Social pelo fortalecimento da sua
direção social definida nas/pelas mesmas bases dos trabalhadores.
Neste processo, é inconteste a participação de assistentes sociais sindicalistas,
baseadas na direção de apoio às lutas populares, tendo como eixo central as políticas públicas
como elementos necessários à construção de uma sociedade mais justa. Esta vinculação tem
conotações com a luta pela construção de uma nova sociedade, para além da constituição
destas políticas públicas e serviços sociais na esfera dos direitos sociais, associando ao fato de
que, tradicionalmente, estas políticas constituírem-se em espaços sócio-ocupacionais dos
assistentes sociais (ABRAMIDES, 2006).
Nesse processo de definição de uma nova direção sócio-política do Serviço Social,
destacam-se alguns elementos que contribuíram para a ruptura com o conservadorismo
profissional: a efervescência sócio-política profundamente caracterizada pelo processo de
erosão da ditadura; o arrocho salarial imposto aos trabalhadores por meio de ajustes
econômicos perversos, com vistas a atender os ditames da política imperialista americana,
nova organização sindical brasileira e o reposicionamento dos movimentos sociais na cena.
Mediado pelos primeiros contatos com o pensamento crítico haurido da teoria de Marx e
32
potencializado pelo momento político do final da década de 1970, o ―Congresso da Virada‖
tem suas bases de ruptura com vertentes conservadoras mais delineadas.
O Congresso de 1979 representa um marco nesta ―virada‖ do conteúdo ideopolítico
presente na profissão desde sua institucionalização. Isso porque o coletivo profissional se vê
na condição de agentes vetores da negação da presença de agentes estatais no evento, os quais
se situavam na contramão: (1) da participação popular, bem como do questionamento da
organização do congresso pelo seu profundo enraizamento na vertente conservadora; (2) da
histórica busca pela reativação do movimento sindical da profissão e do papel político do
movimento estudantil; e (3) da ―opção pelo claro compromisso com as lutas dos trabalhadores
e pelo reconhecimento de sua missão histórica e revolucionária‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p.
124).
Na passagem dos anos 1970 para os anos 1980, a profissão alcança uma maturidade
teórica, com profunda articulação prática e política, evidenciada pela busca de um projeto
coletivo, que redesenhou a categoria e sua consciência de classe no seio da profissão, na
divisão social do trabalho e claro, nas relações sociais de produção. Ou seja, buscou-se a
redefinição do lugar do Serviço Social enquanto profissão dentro da cena contemporânea, ou
no contexto da realidade concreta. Esta construção coletiva de um projeto igualmente coletivo
representou, naquele momento, a pavimentação dos compromissos da profissão com a classe
trabalhadora e o claro entendimento do Serviço Social como uma profissão assalariada.
Assim, o processo de produção (capitalista) é elemento fundante e igualmente
determinante na formação da consciência de classe, sendo que à medida que o processo de
(re)produção se posiciona como elemento central ou como causa ou como ação, a consciência
se põe como resposta ou reação a esse processo ou a uma situação típica dele.
Para Marx e Engels, a concepção de luta entre classes antagônicas (capital versus
trabalho) é entendida como um processo transitório, e a sua superação está condicionada à
própria superação da sociedade de classes, sociedade esta patrocinada pelas relações sociais
de produção do grande capital. Isso porque a condição de classes não pode ser concebida
como um ―elemento eterno e natural da sociabilidade‖ (PAULO NETTO, 2004, p. 65).
Segundo Marx e Engels, os trabalhadores organizados (classe) são concebidos como
sujeitos revolucionários. Paulo Netto, fundado nos pensadores alemães, destaca que
[...] não bastava a existência histórico-concreta de uma classe social revolucionária para que
emergisse uma consciência de classe revolucionária — era preciso a elaboração teórica da perspectiva desta classe, e esse passo não derivava, nem era uma simples resultante, daquela
existência (PAULO NETTO, 2004, p. 63).
33
Ainda para Paulo Netto, a classe é considerada como resultante particularmente teórica
que objetiva superar o conceito fundado na imediaticidade de questionamentos políticos sobre
determinada conjuntura histórica (―classe em si‖), sendo esta
[...] constituída pela população, cuja condição social corresponde com determinado lugar e papel
no processo produtivo, e que, independentemente de sua consciência e/ou organização para luta na defesa dos seus interesses, caracterize uma unidade de interesses comuns em oposição aos de
outras (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010, p. 97).
Neste sentido, a conquista dos trabalhadores, enquanto potenciais sujeitos
revolucionários, não pode ter como medida a conquista da redução da jornada de trabalho ou
de melhorias salariais apenas, mas a efetiva organização de caráter coletivo, tendo como
horizonte as possibilidades para a construção de uma nova sociedade sem classes, o que
pressupõe uma sociedade livre do julgo do capital (―classe para si‖), classe esta que,
―consciente de seus interesses e inimigos, se organiza para a luta na defesa destes‖
(MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010, p. 97).
Uma classe oprimida é a condição vital de toda a sociedade fundada sobre o antagonismo de
classes. A libertação da classe oprimida implica, portanto, necessariamente a criação de uma
sociedade nova. Para que a classe oprimida possa se libertar, é preciso que as forças produtivas já adquiridas e as relações sociais existentes não possam mais existir umas ao lado das outras. De
todos os instrumentos de produção, a classe revolucionária é ela mesma a maior força produtiva.
A organização dos elementos revolucionários como classe supõe a existência de todas as forças
produtivas que puderam engendrar no seio da sociedade antiga (MARX, 1985, p. 159).
Em decorrência, no processo de construção da consciência de uma classe
potencialmente revolucionária, é indispensável a compreensão sobre a totalidade da vida
social, entendida a partir das determinações das relações sociais de produção (condições
objetivas e subjetivas) sob o patrocínio do capital, e o (re)conhecimento de uma condição de
―classe que se dispõe à luta‖. Deste modo, a perspectiva de classe é, pois, um ―constitutivo
ineliminável no projeto e no processo da revolução que se projeta para o comunismo [nova
sociedade sem divisão em classes]‖ (PAULO NETTO, 2004, p. 63).
Continuando nossas reflexões sobre consciência de classe, Mészáros (2006) situa-a a
partir do lugar da classe trabalhadora no contexto da sociabilidade burguesa e sua relação com
o capital. O autor afirma que a consciência de classe proletária é, pois, a consciência que o
trabalhador tem de sua existência social ancorada no antagonismo estrutural necessário (à
reprodução sociometabólica) à sociedade capitalista, o que contrasta com a contingência da
consciência de grupo que percebe só uma parte mais ou menos reduzida dessa configuração
global.
34
Deste modo, o desenvolvimento da consciência de classe somente pode ser
compreendido por meio da dialética, pelo fato de ser este um processo igualmente dialético.
É, nas palavras de Mészáros, uma
[...] inevitabilidade histórica precisamente enquanto a tarefa se realiza por uma necessária
mediação de um agente humano consciente de si mesmo. Isto, inevitavelmente, requer algum modo de organização. ―Dito de outro modo, o desenvolvimento ―espontâneo‖ e ―direto‖ da
consciência de classe proletária — seja sob o impacto das crises econômicas ou a consequência
de uma iluminação pessoal do indivíduo — é um sonho utópico‖ (MÉSZÁROS, 1973, p. 126).
O conceito de consciência de classe em Mészáros parte da compreensão de que a
consciência operária advém da sua situação de pertencimento, de vinculação, pelo fato de sua
condição de expropriado, de não deter os meios de produção necessários à sobrevivência.
É com esta clareza de condição de pertencimento, da condição de trabalhador
assalariado que o Serviço Social inicia, na década de 1980, a busca por um novo lugar neste
cenário. Ou seja, as bases de compromisso com a classe trabalhadora estavam em
efervescência, dados os acontecimentos operados naquele determinado momento histórico
que, sem dúvida, legou uma consciência mais crítica a profissão, além da reflexão enquanto
trabalhador coletivo, do seu lugar na construção de um sociedade diferente.
Este despertar de consciência tem suas bases no profundo papel político do Serviço
Social a partir daquele determinado momento histórico. Deste modo, o momento histórico do
―Congresso da Virada‖ não pode ser entendido apenas como resposta da organização coletiva
da profissão, pois se cola a este processo o próprio movimento da sociedade naquele
determinado momento, com a efervescência dos movimentos sociais na busca pela construção
de princípios democráticos que atendessem as legítimas necessidades da classe trabalhadora,
na luta pelo redirecionamento das ações do Estado na condução da política econômica que,
até 1979, mantinha o ideário do ―milagre econômico‖ como forma de sustentação do domínio
militar (econômico, social, político e ideológico).
Deste modo, mantinha o crescente endividamento externo do país, como forma de
sustentar o já insustentável boom do crescimento da economia nacional, porém os gestores do
capitalismo atrófico perderam o ―controle sobre a inflação, a dívida externa e o balanço de
pagamentos, fatores que acabaram gerando desemprego‖ (RODRIGUES, 2002, p. 102). Com
a crise do petróleo, que já se anunciara em um primeiro momento em 1973, a autocracia
burguesa tem seu milagre em processo de franca erosão.
A crise do petróleo e o arrefecimento econômico mundial vinham levantar o ―véu de euforia‖ que
o ―milagre‖ produzira, desnudando o caráter desequilibrado da fase anterior, que estivera
35
dissimulado — e também agravado — por uma conjuntura internacional extremamente favorável. A crise do ―milagre brasileiro‖ caracterizou-se por duas peculiaridades: foi uma crise de
endividamento e uma crise de fim do fôlego do Estado na manutenção do ritmo de crescimento
(MENDONÇA; FONTES, 2004, p. 54).
O terreno de lutas em que o Serviço Social insere-se a partir da ―Virada‖ de 1979
situa-se no contexto da condição contraditória posta pelo capital, pois a profissão, reconhecida
a partir de uma consciência coletiva na condição de trabalhadores assalariados e inseridos na
divisão social e técnica do trabalho, não estava imune ao projeto liberal que se aproximava. A
categoria profissional fazia parte desta coletividade, pois se situava na mesma arena
conflituosa da relação antagônica entre capital e trabalho, dada sua condição de profissão
assalariada.
A reflexão e o despertar de uma consciência crítica, de caráter coletivo da profissão
fica fortalecida por sua organização e seu alinhamento à causa operária, centrados no
paulatino fortalecimento do campo acadêmico-científico, com os cursos de graduação e os
programas de mestrado e doutorado.
Nos anos 1970, o espaço acadêmico oferecia inicial solidez com a graduação e a recente pós-
graduação em Serviço Social, o que proporcionava um caminho um pouco mais seguro para os questionamentos e o trabalho teórico-metodológico pretendido pelos protagonistas da perspectiva
da intenção de ruptura (LARA, 2009, p. 51).
Associado a elementos político-ideológicos, um aporte teórico-metodológico e um
claro direcionamento de organização profissional, por meio das associações profissionais e
sindicatos, os germes potencializadores da ruptura ressoam no III CBAS como resposta
teórico-política a todo o movimento conservador que ainda subjazia à profissão, inclusive nas
instâncias representativas. Este processo pode ser concebido por meio do ―amadurecimento da
vanguarda da categoria, que militando em outros movimentos sociais e sindicais, vai
acumulando forças e competência teórico-política para conformar uma nova direção
estratégica para a profissão‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 123).
A consciência de classe construída pela profissão põe em movimento a
intencionalidade de ruptura com todo o processo do evento, que mantinha estreitas ligações
com a autocracia burguesa (PAULO NETTO, 1991), observado até mesmo no seu temário,
que trazia com eixo central de debates o Serviço Social e a política social, cuja proposta de
discussão estava assentada na mesma direção do movimento posto pelo fracasso do ―milagre
econômico‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009).
O Congresso tem suas bases de organização científico-política duramente
questionadas pela vanguarda, pelo fato de manter a anulação do diálogo entre a organização e
36
os profissionais, pela inexpressiva participação dos estudantes no evento e pela participação
de agentes estatais, além do processo autoritário e antidemocrático.
Os questionamentos pautavam-se na crítica ao caráter monolítico do Congresso,
representante do ideário conservador presente no seio profissional, como resultado da
vinculação orgânica da organização do evento ao conservadorismo da ditadura evidentemente
claudicante, porém, reatualizada na constante retórica para incessante tentativa de manter-se
no poder. Deste modo, a vanguarda segue na direção da crítica à
[...] falta de construção democrática do evento e da postura antidemocrática adotada pelas
entidades da categoria, o questionamento sobre a ausência de profissionais nas mesas em detrimento do quantitativo de representantes das entidades governamentais e sobre a limitação do
número de estudantes participantes do mesmo (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 128).
Símbolo da ditadura militar, a anulação da participação popular, aqui entendida no
coletivo profissional, demonstra o direcionamento e a intencionalidade em sufocar o
movimento organizado e protagonizado por diversos atores (profissionais e sociedade) na
busca pela crítica, pela denúncia, pela liberdade, pela democracia. Assim, ―foi visível o
descontentamento de um segmento significativo de participantes no Congresso no que se
refere à proposta e à dinâmica adotada, que impedia os debates e a manifestação verbal dos
participantes‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 128).
Faz-se necessário refletir que o ―Congresso da Virada‖ é um marco que aponta a nova
direção social da profissão no cenário em que se desenvolvem as forças produtivas do capital,
bem como em que os movimentos sociais fervilham na busca pela construção de uma
sociedade nova. Mas essa virada não é um momento factual da profissão, mas, sim, resultado
de um adensamento político que não finda com a década de 1970, pois as conquistas
alcançadas em 1979 terão seus desdobramentos nos anos 1980, associando elementos
essenciais para o amadurecimento de um projeto ético-político profissional e a vinculação a
uma nova direção social no cenário da divisão social e técnica do trabalho (PAULO NETTO,
1991).
O III CBAS teve a possibilidade de efetuar a reversão da hegemonia conservadora,
instalada em sua concepção e dinâmica, impulsionada pela ação dirigente e organizada das
entidades sindicais e pré-sindicais, coordenadas pela Coordenação Executiva Nacional de
Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (Ceneas), em uma ação coletiva unitária que
publicamente assume a direção sociopolítica da profissão (ABRAMIDES, 2006, p. 119). Esta
nova direção social da profissão seria o elemento necessário à consolidação do projeto
37
político-profissional na passagem da década de 1980 para a de 1990 e firma-se como um
marco nesta direção que se despontava.
O enfraquecimento da ditadura e a emergência dos movimentos reivindicatórios são
elementos decisivos neste processo; porém, na entrada dos anos 1980, os desafios aos
trabalhadores e à profissão serão sentidos com o endurecimento das relações sociais de
produção com o claro alinhamento do Brasil à lógica liberal dos países capitalistas centrais.
A década de 1980 reservou fecundas possibilidades de construção e reconstrução da
profissão, além do embate na contracorrente pela democracia e pela consolidação dos direitos
humanos, sociais, civis e políticos suprimidos por uma sequência de ditaduras. Somam-se ao
processo macrossocial as bases que dariam concretude ao projeto profissional do Serviço
Social. Quais elementos foram estes? Quais as novas-velhas lutas engendradas pelos
trabalhadores nos anos 1980 e suas relações com a profissão?
1.3 Os rebatimentos da “Virada” no Serviço Social nos anos 1980
O cenário mundial na entrada dos anos 1980 representa, no plano macrossocietário, os
reflexos das crises cíclicas do capital emergidas nos anos 1970, caracterizadas,
principalmente, pela crise enfrentada pelo capital em 1973 e que ofereceu os aportes
necessários para o reposicionamento do grande capital em escala global. Este processo é
característico do capital, dada a sua necessidade de reprodução sociometabólica
(MÉSZÁROS, 2006), a qual, sob determinações macroestruturais de caráter econômico,
mantém as bases de acumulação. Deste modo, operado sob a lógica de reordenamento, o
capital terá na acumulação flexível seu mote estruturante.
Para alguns pensadores, a acumulação flexível tem suas origens no esgotamento do
modelo de produção fordista/taylorista. Deste modo, vejamos que, para Harvey (2002, p.
140), a acumulação flexível
[...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade
dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de
fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional [...].
A acumulação flexível emerge como resposta à rigidez dos processos produtivos do
fordismo, fundada não apenas nas relações produtivistas, mas dada na esfera da vida social. A
38
acumulação flexível se constitui pela via da crise, evidenciando a necessidade de flexibilizar
os processos produtivos em sua totalidade, o que significa mudanças nos regimes de
contratações, no uso das tecnologias em substituição ao trabalho humano, na indicação da
lógica terceirizadora, dentre outras estratégias. Para Lara (2008, p. 257), este processo funda-
se na ―flexibilização das relações de trabalho, como os contratos temporários, parciais e
trabalhadores subcontratados‖. Para o autor, a acumulação flexível repercute ―sobremaneira,
para o crescimento do trabalho invisível (não regulamentado pelas leis trabalhistas) e,
principalmente, da manifestação do desemprego estrutural‖ (LARA, 2008, p. 257).
Este processo protagonizado em escala global mantém seu direcionamento para os
países subdesenvolvidos, como o Brasil, o que acirra a luta de classes e possibilita o
fortalecimento do novo sindicalismo no cenário da luta geral dos trabalhadores. Neste
contexto, temos o posicionamento do Serviço Social como especialização do trabalho coletivo
e na condição de profissão assalariada na divisão social e técnica do trabalho. Este
reconhecimento parte de uma dimensão mais ampla da inserção da profissão na (re)produção
da vida social, dada a partir das determinações presentes nas relações sociais de produção,
centrando-se, também, na aproximação a teoria social de Marx, pois esta não pode ser
concebida como ―um epifenômeno, ou uma aproximação casual, foi resultado de avanços
acumulados pela profissão em sua trajetória política, ocupacional e teórica na sociedade
brasileira‖ (LARA, 2009, p. 43-44).
Tal posicionamento teórico-crítico é evidenciado pela materialidade do trabalho
profissional que tem suas bases interventivas na ambiência das contradições da sociedade
capitalista. Na entrada dos anos 1980, o reconhecimento explícito do Serviço Social como
uma especialização do trabalho coletivo, fundado na condição de assalariamento, e seu
reposicionamento político-ideológico são fatores que podem ser considerado como agentes
dentre os diversos que colaboraram para o processo de alinhamento da profissão aos
movimentos reivindicatórios, são os originários do movimento sindical combativo. Trata-se
de uma questão teórico-política originada pela própria profissão numa postura de
enfrentamento às determinações do capital e do Estado na consolidação dos direitos
trabalhistas dos assistentes sociais. Deste modo,
[...] a condição de assalariamento da categoria profissional, partícipe do trabalho coletivo, e parte
da classe trabalhadora, assim reconhecida pela organização político-sindical dos assistentes
sociais, desencadeia, em 1983, a luta nacional por Condições de Trabalho, Salário e Carga Horária dos Assistentes Sociais consubstanciada no projeto de lei n. 4645/1984 (ABRAMIDES,
2006, p. 110).
39
Vinculado aos movimentos sociais organizados, particularmente ao movimento
operário, o Serviço Social busca a permanente construção da sua função social como
profissão, evidenciado também pela adesão à luta geral dos trabalhadores, além das lutas
próprias da profissão.
As lutas engendradas pelos trabalhadores e pela profissão ficaram marcadas nas
décadas de 1970 e 1980 pela presença do sindicalismo combativo no plano macrossocietário
que aglutinou as grandes greves do ABC paulista, por exemplo, e que mantinha uma pauta
reivindicatória originária das bases das massas trabalhadoras e que incluía: a recusa da
intervenção patronal-estatal junto aos sindicatos, a busca pela estabilidade do emprego, pelas
melhores condições de vida e de trabalho (ABRAMIDES, 2006).
A combatividade dos trabalhadores expressou, naquele momento, não somente a luta
pelo atendimento das necessidades reivindicadas pela própria classe, mas as necessidades
gerais da sociedade, tais como a recusa do processo de privatização das empresas estatais e a
luta ―contra as remessas de lucros, contra a ocupação de regiões e setores produtivos pelo
capital estrangeiro, [e a luta pela] organização e unificação das lutas das classes trabalhadoras,
incluídos os trabalhadores em serviço público‖ (ABRAMIDES, 2006, p. 65).
Todo este contexto de lutas foi tangenciado pelo processo de erosão da ditadura militar
que, enfraquecida, começa a dar sinais evidentes de que se encaminhava para uma ―transição
lenta, gradual e segura‖ (FERNANDES apud ABRAMIDES 2006 , p. 65), o que supunha um
processo com aparência democratizante e que na essência representava o fortalecimento do
―pacto pelo alto‖, com o objetivo de atender a elite dominante (ABRAMIDES, 2006 ). O
caminho para a democratização lograva seus êxitos, associado a permanente mobilização por
baixo, com vistas a dar visibilidade e atender as demandas postas pelos trabalhadores.
Nesta arena, as disputas engendradas pelos trabalhadores com o apoio do campo
sindical têm na questão político-partidária elementos que não se pode desconsiderar, pela
própria essência protagonizada pelos partidos de esquerda, principalmente a bandeira
empunhada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que na essência de sua fundação alinhava-se
às lutas das massas, na construção de uma sociedade diferente, de base comunista, mesmo não
sendo um partido essencialmente revolucionário (ABRAMIDES, 2006).
Não podemos deixar de situar importantes movimentos e sujeitos que emergem na
cena política e social do Brasil nos anos 1980, dentre eles o Movimento dos Trabalhadores
Sem-Terra (MST), protagonizando a luta pela reforma agrária, que já experimentava um
período de longo engavetamento na pauta política do país. Majoritariamente, o MST emerge
como marco na luta contra a agudização da posse da propriedade privada, símbolo do capital,
40
na direção de socializar a terra como forma de socializar a produção e a riqueza, por
conseguinte. Deste modo, o MST ―passa a organizar os trabalhadores do campo em ações
diretas por ocupações, assentamentos, na luta pela reforma agrária radical sob o controle dos
trabalhadores‖ (ABRAMIDES, 2006, p. 64).
A direção social dos movimentos sociais urbanos e rurais protagonizou a construção
de uma sociedade democrática, pautada na defesa das políticas sociais de habitação, saúde,
educação, assistência social, previdência, penitenciária, para mulheres, e pelos direitos das
crianças e adolescente, idosos e deficientes, dentre outras bandeiras sociais. A defesa destas
políticas no início da década de 1980 terá repercussões no processo de democratização do
país, e culminou nas pautas da campanha pelas eleições diretas, sem as restrições impostas
pelo colégio eleitoral — ―Diretas Já!‖ —, e, consequentemente, na Constituição Federal de
1988.
1.3.1 A revisão curricular de 1982: as protoformas de uma formação crítica para o assistente
social
No campo profissional, a entrada da década de 1980 marca um momento especial para
o processo de formação profissional, pois se observa o fortalecimento da construção de
marcos teóricos hauridos do pensamento marxista, o que contribui para a aproximação dos
trabalhadores do Serviço Social à tradição marxista.
A obra Relações sociais e Serviço Social: esboço de uma interpretação histórico-
metodológica, construída por Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho, inaugura esse momento
singular, pois intelectuais tecem reflexões sobre a dinâmica das relações sociais de produção,
que até então careciam de debates mais profundos a partir de sua essência. Esta formulação
teórica anterior à obra de Iamamoto e Carvalho inexistia entre os assistentes sociais,
prevalecendo ainda fundamentos teóricos positivistas, conservadores e uma análise marxista
superficial, que não desvelava a sociedade e o capitalismo em sua totalidade.
Importante salientar que a discussão da obra de Iamamoto e Carvalho colaborou para a
ruptura com a visão utilitarista e messiânica imposta pela sociedade à profissão e reforçada
pelos próprios assistentes sociais das bases conservadoras, seja pela historicidade, seja pelo
tradicional perfil conservador. Isso porque apontava discussões necessárias para a
compreensão crítica da emergência da profissão no cenário da sociabilidade capitalista. A
partir de então, passou-se à discussão do Serviço Social como especialização do trabalho
41
coletivo, inserido no contexto das contradições inerentes ao modo de produção capitalista em
seu processo de (re)produção.
A obra apresenta, também, a legitimação do trabalho profissional frente às políticas
sociais públicas, como resposta à questão social, produto das relações sociais de produção.
Enfim, traduz a leitura míope da profissão e da sociedade (sob a perspectiva profissional) para
uma visão de totalidade e crítica, enfatizando a influência e incidência dos determinantes
originários das relações sociais de produção capitalista.
Deste modo, Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho inauguram, no campo acadêmico
e intelectual, a superação das primeiras aproximações ao arcabouço teórico da teoria marxista,
recorrendo às fontes do próprio Marx. Tal posicionamento teórico evidencia paulatino
distanciamento de leituras distorcidas da teoria marxista por manualismos, que rebateram na
tão rechaçada adesão acrítica do Serviço Social a modelos explicativos das leis da dialética,
além de forte pragmatismo profissional. Relações sociais e Serviço Social:... avança no
sentido da ruptura, mas o ranço enviesado de outras leituras/interpretações e reflexões sobre a
teoria marxiana permaneceu nos primeiros anos da década de 1980.
Do ponto de vista macroeconômico, a década de 1980 é considerada, no Brasil, como
a ―década perdida‖, evidenciada pelo intenso processo de esfacelamento da economia e da
indústria nacional:
Crescimento medíocre, às vezes negativo, do PIB, inflação galopante (cujos índices fariam corar
os golpistas de 1964, acusadores da ―desordem econômica‖ de Goulart), queda na geração de
empregos foram alguns dos resultados de seguidos planos econômicos justificados pelo reiterativo descontrole da espiral inflacionária. Porém, pode-se afirmar, com os dados
disponíveis, que a suposta ―década perdida‖ da fala dos ―agentes do mercado‖ foi capaz de
apresentar mecanismos, através, principalmente, de muitos de seus agentes sociais, que serviram
de anteparo parcial, por algum tempo que tenha sido à avalanche neoliberal (FALCÃO, 2010, p. 272).
O contexto da grave crise econômica (reflexo da crise mundial) não somente provocou
mudanças no padrão de produção/acumulação das forças capitalistas, mas também provocou
rebatimentos expressivos no contexto do trabalho e dos trabalhadores, pois as crises cíclicas
da década perdida promoveram ainda mais o descaracterização material e imaterial do mundo
do trabalho (ANTUNES apud LARA, 2008).
Assim, a agudização da crise manifesta-se nas condições objetivas e subjetivas do
trabalhador, na direção de que a receita neoliberal estava determinada na conjuntura
macroestrutural, ao fortalecer o processo de mecanização do trabalho e promover constantes
42
ataques aos direitos duramente conquistados por meio da precarização das relações
trabalhistas, dentre outros fatores.
Já na esfera imaterial, a crise dos anos 1980 revela alguns mecanismos ideológicos do
capital na direção de desconstrução da ―subjetividade da classe trabalhadora, sua consciência
de classe, consciência de constituir-se como ser que vive do trabalho‖ (LARA, 2008, p. 138).
Esta destruição caminha em contraposição às vanguardas protagonizadas pelas massas
trabalhadoras, por meio dos sindicatos e associações combativas, que marcaram a batalha dos
trabalhadores nos anos 1980. A justificativa de flexibilização do trabalho funda-se em
argumentos a favor da superação da própria crise econômica e fiscal e, com isso, as bases
neoliberais se aprofundavam no cenário nacional.
A agitação política e econômica da década de 1980 não arrefeceu a vanguarda da
profissão, visto que, à medida que a crise capitalista se agudizava e, consequentemente, as
condições de vida e de trabalho das massas, a profissão acentuava seu processo (teórico-
político) de organização, aglutinando o debate dos trabalhadores, a necessidade de superação
daquele determinado momento histórico, a construção de uma sociabilidade antagônica àquela
posta pela ditadura militar, comandada pelo capitalismo central.
O cenário de lutas dessa referida década aponta a necessidade de rever as bases
conceituais de formação dos assistentes sociais, na direção de se constituir uma massa crítica
que assevere o compromisso profissional à nova direção social que irrompia na vida
profissional. Dessa forma, a formação de assistentes sociais críticos significou, naquele
momento, uma contribuição expressiva de renovação dos quadros intelectuais e políticos do
Serviço Social. Este momento foi proporcionado pela revisão curricular de 1982, como uma
tentativa de superar o ranço conservador no aspecto formativo do assistente social.
A partir do marco histórico do III CBAS, a profissão e sua esfera organizativo-
representativa (CFAS, Cras, Abess e Sessune) desempenharam papéis importantes no
redirecionamento da profissão, processo este calcado em tensões e distensões dentro do
próprio movimento profissional, dada a heterogeneidade de pensamento, de ideias e de
correntes teóricas presentes. Com relação à revisão da formação, a então Abess tem um papel
fundamental, pois sua nova direção sócio-política foi agente propulsor para a construção de
uma proposta de formação acadêmica consentânea aos novos tempos, tendo como eixo central
uma formação, capaz de fazer uma leitura crítica da sociedade.
A revisão da matriz de formação profissional do assistente social fornece novos
elementos que contribuem para a solidificação das bases teórico-metodológicas da crítica ao
modelo conservador de formação e trabalho profissional. Oferece, portanto, germes para a
43
reflexão sobre as relações sociais de produção (determinadas na totalidade do grande capital)
— particularmente, a compreensão da nova sociabilidade que despontava, a inserção do
assistente social na divisão social e técnica do trabalho, enquanto profissão assalariada, e o
compromisso político com a nova direção social da profissão. Deste modo,
tanto a formação profissional quanto o trabalho de Serviço Social, nos anos de 1980, se solidificaram, tornando possível, hoje, dar um salto qualitativo na análise sobre a profissão. A
relação do debate com esse longo trajeto é uma relação de continuidade e de ruptura. É uma
relação de continuidade, no sentido de manter as conquistas já obtidas, preservando-as; mas é,
também, uma relação de ruptura, em função das alterações históricas de monta que se verificam no presente, da necessidade de superação de impasses profissionais vividos e condensados em
reclamos da categoria profissional [...] (IAMAMOTO, 2000a, p. 51).
A revisão curricular de 1982 oferece elementos críticos para a reflexão do trabalho do
assistente social frente à generalização da questão social, sendo esta última manifestação
típica da sociedade capitalista (PAULO NETTO, 1991). No novo currículo, a questão social é,
então, entendida como resultado dos processos de produção e reprodução da vida social, que
se configuravam, a partir desse período, como reflexo de um capitalismo e uma política
econômica extremamente dependente, financiada pelo grande capital especulativo
internacional. Além disso, tal currículo também busca a reflexão dos elementos constitutivos
do papel da profissão nesse mundo social.
Assim, o currículo de 1982 resgata o conceito de historicidade da profissão e da
sociedade contemporânea para se pensar o contexto em que se operava a formação/trabalho
profissional. É também no documento de 1982 que a formação profissional afirma seu
direcionamento com nova sociabilidade, evidenciando, naquele momento, elementos
embrionários do projeto ético-político profissional.
Mesmo com significativos avanços, essa revisão curricular ainda mantém em seu bojo
traços do conservadorismo, com ―resquícios do Serviço Social tradicional‖ (ABRAMIDES,
2006), o que revela, ainda, concepções abstratas do homem, com pouca definição sobre o
conceito de participação popular junto aos processos decisórios, a conceituação do termo
―cliente‖, além da concepção tecnicista do agir profissional e a complexa e reatualizada
dicotomia entre teoria e prática (ABRAMIDES, 2006). Estes elementos são necessários para a
compreensão do processo contraditório vivenciado pela profissão, que, mesmo mantendo
proximidades com as vanguardas progressistas, propondo-se a compreender a luta posta pelo
capital e reconhecendo a necessidade de romper com o cristalizado conservadorismo, ainda
possui tensionamentos na revisão curricular de 1982.
44
A construção curricular do início da década de 1980 proporciona a aproximação da
profissão à produção de conhecimento científico, mesmo não possuindo status de ciência
(PAULO NETTO, 1991). Dessa forma, a profissão arrisca-se na interlocução com outras
áreas do conhecimento e inicia uma gradual construção científica, específica ao Serviço
Social, fomentada, principalmente, a partir da inscrição dos programas de mestrado e
doutorado na área. Na direção da revisão processada em 1982, a pesquisa tornou-se naquele
momento ―um recurso fundamental para a formulação de propostas de trabalho e para a
ultrapassagem de um discurso genérico, que não [dava] conta das situações particulares‖
(IAMAMOTO, 2000a, p. 56).
Deste modo, é necessário balizar a revisão de 1982 sobre distintas angulações,
apontando a compreensão dos fundamentos histórico-metodológicos que engendram a
profissão nos marcos da sociedade burguesa, a partir do desenvolvimento das forças
produtivas do sistema capitalista; e considerando o papel dos sujeitos na cena política, como
sujeitos que ―vivenciam‖ e ―constroem‖ nesta arena conflituosa e antagônica (IAMAMOTO,
2000a).
O centro da revisão curricular de 1979/1982 foi a conexão da formação com a realidade brasileira
em um momento de redemocratização e ascenso das lutas dos trabalhadores. Nesses termos, o currículo mínimo de 1982 significou, no âmbito da formação, a afirmação de uma nova direção
social hegemônica no seio acadêmico-profissional.3
Portanto, o momento no qual são constituídas as diretrizes curriculares de 1982
inaugura um tempo em que o Serviço Social encontra-se situado na luta para a reconstrução
da história (tanto da profissão, quanto da sociedade), colaborando para a demarcação política,
profissional e acadêmica em direção social oposta à do capital.
1.3.2 O Código de 1986 e a Constituição de 1988: marcos e conquistas da sociedade e do
Serviço Social
Os anos 1980 ainda reservariam mais distensões no campo profissional, fundadas na
necessidade contínua de negação dos fundamentos conservadores que embalaram a profissão.
À revisão de 1982 soma-se a insistência de corroer as bases políticas e profissionais de
concepções éticas presentes na vertente conservadora. Assim, torna-se necessária a passagem
do defasado Código de 1975 para o Código de 1986, o que demonstra o amadurecimento
teórico-político da profissão e sua explícita vinculação com as classes populares e
3 ―CONGRESSO DA VIRADA‖, p. 2, disponível em http://www.abepss.org.br., acesso em abr.2012.
45
trabalhadoras, na perspectiva de definição da sua radical direção social, possível apenas no
marco das lutas, do reconhecimento das bases da profissão e do comprometimento com as
massas. É no Código de 1986 que as definições éticas de compromisso político com a classe
trabalhadora ficam mais explicitadas, construindo-se, assim, as novas bases ético-políticas da
profissão.
A revisão das bases éticas da profissão com o Código de 1986 e o respectivo
compromisso com a classe trabalhadora são referências históricas para a afirmação das bases
ético-políticas contemporâneas do Serviço Social. Tais afirmações profissionais estavam
atreladas a questões particulares da sociedade brasileira, nesse período, tais como o processo
de enfraquecimento da ditadura militar, a gradual ascensão dos movimentos sociais
organizados e o contexto da luta geral dos trabalhadores na direção de consolidar uma política
trabalhista realmente atenta às necessidades das massas trabalhadoras. Tais situações criaram,
também, as condições sócio-históricas para a Constituição Federal de 1988, que emerge
cravejada de lutas sociais intensas e na perspectiva de construção de uma cidadania, espaço
em que os sujeitos sociais se tornam protagonistas da construção dos direitos sociais e da luta
pela democracia.
Este movimento externo, com o qual particularidades políticas do Serviço Social
mantêm intrínsecas relações, possui aderência aos movimentos sociais organizados (cultura,
política, ciência, etc.) que lutavam pela consolidação de um novo marco político-econômico,
cultural e social para o país com clara entonação progressista. Destaca-se, assim, nesse
período, a luta por um novo marco jurídico, iniciado em 1985/86, com o binômio de nova-
velha política, favorecedor da consolidação da Carta Constitucional de 1988.
O contexto interno para formação de uma nova base ético-política do Serviço Social
foi favorecido pela necessidade de negação das bases conservadoras, de orientação teórico-
metodológica positivista-funcionalista, fundado numa compreensão míope da sociedade
capitalista e suas relações sociais dadas na esfera da (re)produção; pela aproximação das
vanguardas às correntes teóricas fundadas no marxismo; pela (re)construção de sua práxis
política (o III CBAS/1979 é um exemplo); e pela recusa da ética moralizadora, com forte
conteúdo cerceador dos comportamentos e da liberdade humana.
É por isso que se afirma que o contexto de tais elementos interno-externos favoreceu a
construção de um novo ethos profissional, contribuindo para a definição das bases do que
conhecemos hoje como projeto ético-político profissional. Esse contexto é assinalado e
possibilitado a partir da fragilização da ditadura militar, que experimenta a erosão de suas
bases no início da década de 1980, embalada tanto pelos movimentos sociais organizados
46
(sindicatos, trabalhadores, artistas, estudantes, intelectuais, políticos, etc.), como pelas
determinações do capital monopolista, na direção da construção de uma falaciosa cidadania
(cidadania esta, possível somente a partir da compreensão de seu sentido exato, fundado na
superação do modo de produção vigente) (LESSA, 2007).
Faz-se necessário compreender que os movimentos sociais organizados contribuíram
decisivamente para o processo de redemocratização do país, mas sua conclusão somente foi
efetivada a partir da insustentável situação econômico-financeira patrocinada pela própria
ditadura militar, desde os anos áureos do ―milagre‖, tangenciado pela abertura do capital
nacional às poderosas companhias monopolistas dos países centrais, da complexa crise fiscal
do Estado e pelo próprio processo de liberalização da economia e das funções do Estado.
Com essa abertura política, evidenciam-se as bases para a instalação da Assembleia
Constituinte, na passagem de 1985 para 1986, quando é marcando o ocaso da ditadura militar,
porém, com fortes ressonâncias no processo de democratização.
A primeira metade dos anos oitenta assistiu à irrupção, na superfície da vida social brasileira, de
demandas democráticas e populares reprimidos por largo tempo. A mobilização dos
trabalhadores urbanos, com o renascimento combativo da sua organização sindical; a tomada de
consciência dos trabalhadores rurais e a revitalização das suas entidades representativas; o ingresso, também, na cena política, de movimentos de cunho popular (por exemplo, associações
de moradores) e democrático (estudantes, mulheres, ―minorias‖, etc.); a dinâmica da vida
cultural, com a reativação do protagonismo de setores intelectuais; a reafirmação de uma opção
democrática por segmentos da igreja católica e a consolidação do papel progressista desempenhado por instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação
Brasileira de Imprensa (ABI) — tudo isso pôs na agenda da sociedade brasileira a exigência de
profundas transformações políticas e sociais (PAULO NETTO, 1999, p. 9-10).
Na direção de consolidar direitos e da redefinição das bases sócio-políticas, os
movimentos sociais organizados e outros atores promovem a construção de propostas que
visavam atender as mais variadas necessidades, evidenciando a urgência em se regulamentar
direitos sociais e políticos dos mais diversos segmentos da sociedade brasileira e estabelecer
as bases democráticas profundamente solapadas por 21 anos de ditadura militar. Os
movimentos organizados e as lutas gerais não apenas caminham para a reconstrução da esfera
social e política, como também se pautam pela complexa tarefa de reorganizar uma economia
fragilizada, herança do desgoverno da ditadura e da própria lógica de endividamento dos
países junto aos organismos financeiros internacionais (Bird e FMI, por exemplo), que
colocou a sociedade brasileira, principalmente as massas trabalhadoras, ―diante de uma
inflação anual de 1764,83%‖ (FALCÃO, 2010, p. 341), o que assoreava o salário mínimo e o
poder de compra dos trabalhadores.
47
No campo da economia política, os anos 1980 são demarcados pelos inúmeros planos
econômicos e tentativas de controlar o processo inflacionário que corroía o salário e
endividava mais o Estado e, por sua vez, garantia ao mercado financeiro, principalmente os
bancos, um acentuado processo de enriquecimento às custas da sociedade.
É neste caldo político e social tão complexo, composto pelas necessidades sociais mais
antigas da sociedade brasileira, que a Constituição Federal de 1988 é promulgada, com a
intenção de regulamentar direitos, reorganizar o Estado e efetivar os direitos políticos.
Evidencia-se, então, a emergência de uma Constituição que transitava entre a intencionalidade
(posta pela coletividade da massa trabalhadora) de construção mais libertária, progressista, de
direção social emancipadora e a necessidade de corresponder às exigências e necessidades do
capitalismo monopolista. A Carta emerge como resposta às necessidades do grande capital,
dando uma ―solução‖ de adequação de ordem jurídica aos ditames do modo de produção
capitalista, como forma de legitimar, na esfera legal, o processo de exploração promovida
pelo capital, efetivando assim, o papel do Estado como um cartório legitimador dos interesses
do capitalismo em sua fase monopolista.
Evidenciado pelo fortalecimento do modelo neoliberal de sociedade, o cenário
mundial se reconfigura na ambiência política, econômica, social e cultural com fundamento
na liberdade dos fluxos econômicos de capitais e na lógica da flexibilidade. Assim, é sob a
regência do sistema de produção vigente que se observa a inscrição de novos ―modelos‖ de
gestão pública, a crescente exploração da força de trabalho — acentuada pela lógica do lucro
e da expansão do capital financeiro em escala global e a desregulamentação dos direitos
sociais, a minimização do Estado na oferta de bens e serviços sociais e na perspectiva de
intervenções na economia. Destarte, a ideologia neoliberal
[...] compreende uma concepção de homem (considerado atomisticamente como possessivo,
competitivo e calculista), uma concepção de sociedade (tomada com um agregado fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados) fundada na ideia da natural e necessária
desigualdade entre os homens e uma noção rasteira da liberdade (vista como função da liberdade
de mercado) (PAULO NETTO; BRAZ, 2007, p. 226).
Com sua receita de minimizar o Estado, de flexibilizar os direitos e o trabalho, por
exemplo, o neoliberalismo aponta a receita de naturalização da pobreza e da conflituosa
relação entre capital e trabalho, retomando uma velha retórica conservadora largamente
conhecida.
À medida que a programática neoliberal avança associada por outras determinações,
temos, no início dos anos 1990, a crise do conhecido ―campo socialista‖, a qual se inicia a
48
partir das investidas sócio-econômicas e ideopolíticas da lógica neoliberal e com o
enfraquecimento do poder emanado das repúblicas soviéticas, que funcionavam como um
guardião de todo o bloco socialista. Porém, para Paulo Netto (2007), a derrocada do
socialismo não está conectada apenas ao desgoverno da antiga URSS. A crise reside, também,
na ―contestação prioritária do Estado e da sociedade política articulados com a ordem pós-
revolucionária, massivamente deslegitimados quer por comportamentos anômicos, quer por
movimentos disnômicos‖. Estes comportamentos são dados pela própria constituição
―revolucionária‖ do campo socialista, pelo seu tradicional fundamento tipicamente anarquista,
ilegal (PAULO NETTO, 2007).
As inflexões da erosão do campo socialista refletem uma ―crise estruturalmente
determinada pela exaustão de um padrão de crescimento econômico e do sistema político a
ele funcional‖ (PAULO NETTO, 2007, p. 19). Assim, o marco do processo de erosão do
modelo soviético de sociedade é emblematicamente identificado, por Paulo Netto (2007), a
partir da queda do muro de Berlim, em novembro de 1989, quando todo o bloco socialista se
―esfarinhou‖ em velocidade assombrosa. Para esse pensador, o bloco socialista da extinta
URSS já experimentava um processo de profundo desgaste, tensionado por ―causalidades‖
próprias de cada Estado, entendidas a partir de elementos e particularidades históricas,
econômicas, ideológicas, culturais e políticas.
A este processo somam-se a intercorrência de erosão do campo socialista e outras duas
variáveis apontadas por Paulo Netto (2007, p. 13): ―as características nacionais que os
particularizavam e o limite de contenção que lhes eram imposto‖. Assim, como guardião
destas variáveis e ―fiador deste limite‖, a ex-URSS não reunia mais as condições de
manutenção ideopolíticas e igualmente econômica do bloco, dentre as quais as já
insustentáveis remessas financeiras para Cuba. A crise insustentável do campo socialista tem
suas raízes na própria constituição da onda neoliberal, no início dos anos 1970, devendo,
portanto, ser compreendida como episódio processual, deflagrado na fase liberal da economia,
com a desregulamentação das leis de mercado, do intenso processo de privatização,
patrocinados pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), o que situará o campo socialista, nos fins dos anos 1980 e inícios da década de 1990,
em um inevitável processo de agudização (CHESNAIS, 1999).
O ocaso do campo socialista foi atravessado de outros elementos, dos quais, por
exemplo, podemos citar a não ocorrência da denominada transição proletária (aquela que tem
nos trabalhadores os sujeitos essenciais para sua consolidação), o aparelhamento político-
partidário do Estado, o que transformou o bloco socialista em uma máquina estatal a serviços
49
de determinados grupos do partido, isto é, de um monolitismo político que não favoreceu o
protagonismo necessário à massa trabalhadora, ficando o poder no centro gravitacional do
processo, contrariando o ideário comunista de ter no trabalhador o sujeito central do processo
(PAULO NETTO, 2007).
Deste modo, Paulo Netto (2007, p. 15) assevera que, no processo de transição
socialista, faz-se necessário uma dupla socialização, ―a socialização do poder político e a
socialização da economia‖, sendo que tal processo possibilita que: primeiro, a socialização do
poder, enquanto dissolução das formas tradicionais de poder político, partindo do centro de
uma determinada elite, para as mãos do coletivo, ou seja, dos trabalhadores, fato este que não
ocorreu na URSS; e segundo, a socialização da economia, a partir da erradicação privada do
excedente, que na URSS centrou-se no enfrentamento de uma crise econômica grave pelo
governo de Gorbachev, conhecida como ―glasnost‖ e ―perestroika‖,4 prevendo a implantação
de reformas de bases estruturais no campo financeiro e com rebatimentos expressivos na
agenda política (PAULO NETTO, 2007).
A agonia do campo socialista tornou-se, naquela determinada conjuntura, uma espécie
de ―bode expiatório‖ espreitado pela mídia e pelos setores reacionários burgueses, impingindo
ao socialismo a representação de um modelo econômico e político insustentável, amalgamado
na ideia de ―como o gigantismo estatal era impotente frente aos desafios colocados para a
humanidade‖. Além disso, a propaganda em torno da escassa ―liberdade política nessa parte
do globo contribuiu sobremaneira para a vulgarização do ‗mundo livre‘ do capitalismo‖
(FALCÃO, 2010, p. 267).
É notório que a retórica burguesa do Estado mínimo se reatualiza na crítica à
concepção socialista em torno do papel do Estado frente à sociedade, demandando assim as
normativas liberais de que quanto menor o Estado, melhor para o capital. Acresce-se o
falacioso princípio de liberdade tão propalada em tempos neoliberais, assentado na ideia da
liberdade burguesa, que não supõe em nenhum momento a emancipação política e humana.
Os acontecimentos no cenário mundial demonstram a capacidade política, ideológica e
econômica de reestruturação produtiva do capital e, ainda, de outro lado, a incansável e
expressiva luta dos trabalhadores na defesa de um projeto político coletivo, solidificado nas
bases de uma nova sociedade. E o Brasil não ficou distante da agenda de lutas a favor da
4 Medida política e econômica adotada pelo governo russo, na tentativa de assegurar o já instável modelo
soviético de política e consequentemente econômico. A ―glasnost‖ baseou-se na transparência, associada à
―perestroika‖, e fundava um momento de reestruturação do bloco socialista, o que, pouco tempo depois, anunciava a ruína da URSS (PAULO NETTO, 2007).
50
reconstrução democrática e pela liberdade, da constante necessidade de (re)significar o papel
da sociedade na busca pela justiça.
Particularizando o debate para o Serviço Social, os anos 1980 ainda ocupam uma
agenda de luta por redefinições de alguns elementos profissionais, dentre as quais a revisão do
conteúdo ético presente na profissão, que ainda não avançara substancialmente, tendo como
parâmetro de análise as profundas transformações na agenda política dos assistentes sociais e,
consequentemente, as mudanças no cenário da sociedade capitalista. À luta da sociedade
brasileira pela democracia alinha-se a busca da profissão pela superação do conservadorismo
presente na ambiência profissional, na necessidade de avançar na compreensão da práxis
profissional, a partir da direção sócio-política do Serviço Social que despontou das
vanguardas.
Assim, associado a outros importantes processos, tem-se nos fundamentos do Código
de 1986 o marco na ruptura com o Serviço Social tradicional e eticamente com o
conservadorismo. Mas, segundo Barroco (2005, p. 177), ―podemos afirmar que ele está
aquém dos avanços teórico-metodológicos e políticos efetuados na década de 80. Tais
avanços não foram traduzidos em um debate ético abrangente e na elaboração de uma
literatura específica‖. Nas palavras da autora, a década de 1980, apesar de seus avanços
significativos,
[...] não desvendou em seus fundamentos e mediações ético-morais; explicitou os fundamentos
do conservadorismo e sua configuração na profissão, o que não desdobrou em uma reflexão ética
específica. A prática política construiu, objetivamente, uma ética de ruptura, mas não ofereceu uma sustentação teórica que contribuísse para a compreensão de seus fundamentos (BARROCO,
2005, p. 177).
A reflexão de Barroco (2005) reside na compreensão de que o conjunto dos avanços
teórico-políticos evidenciados nos anos 1980 permitiram o acúmulo para a reformulação do
Código de 1993. Todavia, o Código de 1986, que significou um marco fundamental no
processo de ruptura com a ética conservadora e o tradicionalismo profissional, não teve
condições de explicitar as bases ontológicas de uma ética marxiana. Nesse sentido, mostrou-
se aquém do avanço teórico posto pelo amadurecimento da vertente apoiada em Marx no
Serviço Social.
51
Capítulo II
A CATEGORIA TRABALHO E A RESSIGNIFICAÇÃO DA ÉTICA
PROFISSIONAL
2.1 A centralidade ontológica do trabalho
A definição da categoria trabalho vem sendo objeto de análise de diversas correntes
teóricas do pensamento social contemporâneo, dentre as quais a teoria social crítica. A
discussão sobre tal categoria deve ser analisada de maneira minuciosa, pois a pluralidade de
correntes de pensamento tradicionalmente enviesa as análises desta categoria tão central para
o ser humano, levando-a a vulgarismos que podem distorcer sua particular centralidade no
mundo contemporâneo.
Com esta direção, abordaremos a categoria trabalho a partir da sua condição central no
debate presente dentro do arcabouço da tradição marxista. Tal discussão é relevante, dada a
própria condição de trabalhador com a qual o assistente social se insere na divisão social e
técnica do trabalho, tendo em vista toda conjuntura das relações capitalistas de produção e
reprodução da vida social.
Assim, para Paulo Netto e Braz (2007, p. 30), o trabalho é considerado ―a satisfação
material das necessidades dos homens e mulheres que constituem a sociedade — obtêm-se
numa interação com a natureza: a sociedade. Através dos seus membros [...] transforma
matérias naturais em produtos que atendem às suas necessidades‖. O trabalho, nessa
concepção marxiana, pode ser entendido como a forma de o homem, como ser social, dispor
das condições físicas e espirituais necessárias para transformar a natureza, distinguindo-se,
assim, dos outros animais, pois somente o homem detém as condições objetivas e subjetivas
para executar o trabalho.
Vejamos a definição sobre trabalho e a diferenciação que Marx faz entre os animais da
natureza:
O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua
própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. [...] Não se trata aqui das primeiras formas instintivas, animais, de trabalho [...] Pressupomos o trabalho numa forma em
que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do
tecelão e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas
colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu
52
o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto, idealmente. Ele
não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na
matéria natural, o seu objetivo (MARX apud PAULO NETTO; BRAZ, 2007, p. 31-2).
Assim, o trabalho, além de ser uma atividade fundante para o ser social, pois lhe
confere determinado estatuto, diferenciando-o dos demais animais existentes na natureza,
possibilita a transformação da natureza e, por consequência, a sua transformação enquanto ser
humano. Marx anuncia que, além desta função social, o homem possui a capacidade de
projetar finalidades (função teleológica), ou seja, a capacidade de construir, no âmbito da
consciência, determinada forma que será objetivada no concreto (objetivo), como um
resultado da sua prévia ideação (abstrata), construção mental antecipada na mesma
consciência que a materializa. Assim, para Lucáks (1981, p. 8), a teleologia ―deve ser
compreendida como uma categoria posta [e] guiada através da consciência ao estabelecer um
fim‖.
Destaca-se que essa função teleológica é determinada a partir da busca das satisfações
das necessidades distintas da humanidade, já que é constituída a partir do momento em que o
homem busca-a como forma facilitadora das suas atividades laborais cotidianas. Isto porque é
a partir da teleologia que o homem projeta na sua consciência as formas daquilo que em breve
será seu trabalho objetivado.
Com relação à prévia ideação, é emblemática a sutil, porém importante comparação de
Marx entre a ideação consciente do homem e a materialização inconsciente da abelha e da
aranha, pois ambas possuem inerentes qualidades de exímias construtoras na execução dos
seus ―trabalhos‖, porém, elas não detêm a consciência daquilo que é objetivado pela sua ação.
Aos homens, segundo Marx (apud PAULO NETTO; BRAZ, 2007, p. 31-2),
[...] os elementos simples do processo de trabalho são a atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios. [...] o processo de trabalho [...] é a atividade orientada a
um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades
humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza, condição natural
eterna da vida humana e, portanto, [...] comum a todas as suas formas sociais.
Portanto, a relação entre homem e natureza é uma condição sine qua non, pois é
condição inerente, natural, e ―a sociedade não pode existir sem a natureza – afinal, é a
natureza, transformada pelo trabalho, que propicia as condições da manutenção da vida dos
membros na sociedade‖ (PAULO NETTO; BRAZ, 2007, p. 35). O trabalho, enquanto
categoria ontológica, não pode ser reduzido apenas à questão de transformação da natureza,
pois possui características sociais bem determinadas. Esta função social do trabalho pode ser
53
entendida, segundo Iamamoto (1997, p. 58), se ―este caráter social só se manifesta no
conteúdo do trabalho, quando, como membro de um complexo social, produz para as
necessidades dos demais, estando submetido a uma dependência social‖.
Deste modo, o trabalho deve ser apreendido a partir desta sua função social, pois as
necessidades de outros indivíduos fazem com que o trabalho apresente sua finalidade social,
coletiva. No capitalismo, aquilo que é produzido pelo trabalhador na esfera privada torna-se
social a partir das necessidades coletivas, constituindo os laços sociais entre os indivíduos, os
quais estão mediatizados pela mercadoria que produzem, adquirindo um significado
monetário, financeiro, ou seja, de valor financeiro, que, por conseguinte, gerará lucro ao dono
dos meios de produção.
Essa monetarização das mercadorias necessita ser entendida no contexto do
desenvolvimento da divisão social do trabalho, pois é nesta divisão que os indivíduos
produzem objetos por intermédio do trabalho que, por sua vez, são possuidores de valor de
troca. Iamamoto (1997, p. 59) situa a divisão do trabalho na ―condição de existência da troca,
do valor de troca‖, e ainda infere que ―a sociedade burguesa é a sociedade do valor de troca
desenvolvido, o qual domina toda a produção‖. A divisão do trabalho, em síntese, pode ser
representada e entendida por meio do valor de troca dentro da sociabilidade burguesa.
Se a divisão insere-se a partir da existência do valor de troca ocorrida dentro da
sociabilidade burguesa (capitalista), ainda temos um fator essencial ao funcionamento
metabólico do capital: a questão monetária. Assim, Iamamoto (1997, p. 59) afirma que ―a
relação direta do produtor com o produto de seu trabalho tende a desaparecer, tornando toda a
produção dependente das relações monetárias‖. Deste modo, as mudanças em curso na atual
quadra histórica já apontam o desaparecimento desta relação, pois o resultado do seu trabalho
é apropriado pelo grande capital e, por conseguinte, torna-se uma mercadoria atribuída de
determinado valor monetário. Apesar de o trabalho possibilitar ao homem os meios
necessários para a satisfação das suas necessidades básicas (alimento, moradia, lazer, etc.),
criando, assim, formas de acesso aos bens e serviços produzidos por ele mesmo enquanto
trabalhador, no capitalismo esse processo é invertido.
[...] no processo capitalista de trabalho, os meios de produção são comprados no mercado pelo capitalista, o mesmo acontecendo com a força de trabalho. O capitalista, em seguida ―consome‖ a
força de trabalho, fazendo com que os portadores desta (os trabalhadores) consumam os meios de
produção através de seu trabalho. Este é, portanto, realizado sob a supervisão, direção e controle do capitalista, e os produtos resultantes são propriedade dele, e não dos produtores imediatos
[trabalhadores]. Esse processo de trabalho é simplesmente um processo entre coisas que o
capitalista comprou, e, portanto, os produtos desse processo lhe pertencem (BOTTOMORE,
1993, p. 299).
54
Deste modo, tudo aquilo que é produzido pelo trabalhador enquanto resultado concreto
de suas objetivações pertence ao capitalista (dono dos meios de produção), atribuindo um
significado de estranhamento àquilo que é fruto do desgaste da força de trabalho. Assim, o
homem é utilizado nesse processo produtivo como instrumento que possibilita a
transformação de coisas em objetos que têm no capitalismo o agente que atribuirá a estas
coisas valor de uso e valor de troca, ou seja, atribuindo-lhes um status de necessidade e de
valor, numa esfera em que se torna essencial ao ser humano.
O trabalho, como capacidade única e exclusiva do ser social (homem), possui um fator
de importante de diferenciação entre os animais da natureza, pois confere ao homem
condições de satisfação das necessidades, além de possibilitar-lhe o reconhecimento da sua
possível condição ontológico-social, mesmo que atravessado pelo elemento da alienação, por
exemplo.
Desta forma, pensadores como Lukács, apoiado em Marx, situam o trabalho como um
agente que possibilita ao homem condições de transformar a natureza em coisas úteis
(transformação da natureza) e transformar-se enquanto ser social, pois o trabalho ―permite o
desenvolvimento de mediações que instituem a diferencialidade do ser social em face de
outros seres da natureza‖ (BARROCO, 2005, p. 26). Assim, o trabalho autoconstruído
historicamente possibilita ao homem a realização das mediações e atividades essenciais: ―a
sociabilidade, a consciência, a universalidade e a liberdade‖.
Tais categorias são, em síntese, condições humano-genéricas, categorias estas que dão
movimento à práxis enquanto ―atividade livre, universal, criativa e autocriativa, por qual o
homem cria (faz e produz), e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico e a si
mesmo‖ (BOTTOMORE, 1993, p. 292). A ontologia do ser social sustenta-se no ato de
reconhecimento do indivíduo como ser social, ou seja, ele vê no trabalho uma atividade que
lhe confere condições de transformar a natureza e se transformar, criando deste modo,
condições de se reconhecer como ser humano, o que aponta que o trabalho é uma categoria-
base de constituição de um novo ser (BARROCO, 2005).
As reflexões recaem na discussão sobre o papel essencial do trabalho na humanização
do homem enquanto ser, tendo como ponto de partida a utilização do trabalho enquanto forma
de satisfação das necessidades e, consequentemente, como um processo de socialização,
tornando-o sujeito construtor da própria história. É a partir do processo de trabalho que os
homens estabelecem as relações entre si, sendo assim pressuposto para humanização do
homem. O trabalho requer distanciamento entre a imediaticidade dos instintos, pois objetiva
por meio da natureza a transformação almejada. Esta transformação segue mediatizada pela
55
satisfação das necessidades humanas e na direção da sua humanização. Deste modo, pensar
esta categoria central para o humano-genérico requer situá-la como uma atividade
necessariamente constituída coletivamente, em cooperação com outros homens. Deste modo,
esta cooperação é uma
[...] condição ontológico-social inevitável do trabalho, na (re)produção do ser social, dá a ele um caráter universal e sócio-histórico. O trabalho não é obra de um indivíduo, mas da cooperação
entre os homens; só se objetiva socialmente, de modo determinado; responde a necessidades
sócio-históricas, produz formas de interação humana como a linguagem, as representações e os
costumes que compõem a cultura (BARROCO, 2001, p. 26-27).
Logo, a discussão da autora aponta para a reflexão de que o trabalho em sua
característica sócio-histórica passou por modificações substanciais, porém não perdeu a
essência do seu caráter ontológico, por meio do qual possibilita o reconhecimento do homem
enquanto ser humano, de sua relação com outros seres sociais e a possibilidade construtora
das formas de linguagem, de sociabilidade, as formas de cultura, etc. Tudo isso mediado por
esta categoria, sendo que este caráter de reciprocidade ―constitui-se como categoria
intermediária que possibilita o salto ontológico das formas pré-humanas para o ser social‖
(ANTUNES, 2003a, p. 136).
O salto ontológico pode ser considerado como um momento singular para o ser
humano-genérico, pois, pelo trabalho, ele se transforma em outro tipo de ser diferente de
outros seres existentes na natureza; um ser social. Deste modo, é a partir do pleno
desempenho do trabalho que o homem se reconhece ontologicamente, se sociabiliza e
consequentemente se humaniza. A sociabilização é elemento processual ao desenvolvimento
do ser humano-genérico, pois é concebida no contexto do desenvolvimento das formas
objetivas e subjetivas, a partir das quais o sujeito se relacionam, sob regência das
determinações concretas da sociedade. Deste modo, o salto ontológico
implica numa mudança qualitativa e estrutural do ser, na qual a fase inicial contém certamente em
si determinadas premissas e possibilidades das fases sucessivas e superiores, mas estas não
podem se desenvolver daquelas a partir de uma simples e retilínea continuidade. A essência do
salto é constituída por essa ruptura com a continuidade normal do desenvolvimento e não pelo nascimento repentino ou gradual, ao longo do tempo, da nova forma de ser (LUKÁCS apud
LESSA, 2007, p. 20).
O salto ontológico como um processo de alteração dos elementos pré-humanos para o
atual estágio do humano-genérico não pode ser concebido como um processo retilíneo, dado
pela vontade objetiva do ser social: reside no cerne da concretude da vida social, determinada
pelas relações sociais de produção capitalistas, concebida suas bases na ruptura (contraditória
56
e desigual) da condição anterior que possibilitam a emergência deste novo ser orgânico
(LARA, 2008).
2.2 A divisão social e técnica do trabalho e o Serviço Social enquanto especialização do
trabalho coletivo
Com a necessidade de organização do processo de trabalho em âmbito político, social,
econômico e ideológico, o capital cria uma cisão entre os trabalhadores e o próprio trabalho.
Com a posição estratégica do trabalho como atividade essencial à reprodução do capital,
ocorre a necessidade de estruturação do seu processo, a fim de possibilitar ao trabalho e ao
próprio capital condições de otimização das tarefas e, consequentemente, aumento acentuado
da extração de mais-valia (absoluta e relativa).5
A divisão social do trabalho é fenômeno tipicamente da sociedade capitalista e parte
do pressuposto da fragmentação das ações do trabalho, com uma perspectiva modernizadora
de acumulação de mais capital. Cabe relembrar que as protoformas do trabalho eram
rudimentares e se baseavam no atendimento das necessidades mais imediatas de grupos
sociais. Recorde-se que o trabalho era fundado em atividades manuais, pautado por
habilidades tradicionais, passadas de pais para filhos, como forma de garantir a subsistência.
Nessa época, sem o jugo do capital, o sistema econômico que vigorava era o mercantilismo,
também conhecido como pré-capitalismo, e a produção dos meios de vida se dava em
pequenas oficinas ou até mesmo dentro das casas dos artesãos.
A comercialização baseava-se praticamente na ação da troca ou escambo, vendendo-se
tudo aquilo que era produzido. Um diferencial neste processo foi a não venda da força de
trabalho e, sim, da coisa produzida. Outro fator a ser apontado neste estudo é que o trabalho
realizado manualmente possuía características particulares, peculiares: os artesãos produziam
e mantinham seus próprios meios de produção.
Com o advento do capitalismo, as atividades que eram pautadas na troca e na
satisfação apenas das necessidades passam a ser determinadas por valores distintos ao seu
costume, ficando a cargo de um modelo econômico desigual e extremamente excludente. Os
5 Absoluta: consolida-se com o prolongamento do trabalho, entendido que, antes desse prolongamento, o trabalhador já produzira o objeto determinado, garantindo sua subsistência. As sobras deste trabalho excedente
não são contabilizadas ao salário do sujeito que a produziu e, sim, ao capital (PAULO NETTO; BRAZ, 2007).
Relativa: parte, também, do prolongamento do trabalho excedente, porém se configura com a inserção de
recursos tecnológicos, com a condensação do trabalho necessário e a produção em tempo hábil, equivalente ao salário (PAULO NETTO; BRAZ, 2007).
57
princípios ideopolíticos do capital baseiam-se na fragmentação das ações, com vistas à maior
acumulação de capital por meio de produção em maior escala e na apropriação do trabalho
não pago, ou seja, da extração da mais valia ou exploração da força de trabalho.
Para Paulo Netto (1991), Iamamoto (2008), Lessa (2007) e Barroco (2001), entre
outros, a estratégia primeira foi a apropriação dos meios de produção, ou seja, aquilo que era
apenas para atendimento de necessidades básicas de determinado grupo social passa a ser
apropriado pelo grande capital, que o situará na esfera da propriedade e, deste modo, passa a
exercer dominação junto àqueles sujeitos que apenas dispõem de uma única mercadoria, ou
seja, a força de trabalho. Com a apropriação dos meios de produção, fica estabelecida a
existência de duas classes antagônicas, situadas na conflituosa relação capital versus trabalho,
entre aqueles que detêm os meios de produção e aqueles que possuem apenas a força de
trabalho.
Ao mesmo tempo em que ocorre profundo processo de apropriação dos meios de
produção, com a atribuição de valores à mercadoria, tudo que era produzido dentro das
pequenas oficinas e casas passa a ter um destino específico: a fábrica. Assim, com a junção de
todas as tarefas executadas em um único ambiente, o capital passa a controlar as fases do
processo produtivo, principalmente nas formas das determinações sobre o corpo e a ―captura
da subjetividade do trabalhador‖ (LOURENÇO, 2009).
Nessas circunstâncias, as coisas produzidas passam a ter significados diferentes para
aqueles que o produzem (a alienação e o estranhamento do que foi objetivado por sua ação) e
para aqueles que as comercializam (atribuição de valor material e simbólico — fetiche — e a
apropriação do excedente da força de trabalho, convertido em apropriação do lucro). Assim,
quando a ―atividade humana é alienada, seu caráter social e consciente é negado; a liberdade e
a universalidade objetivam-se de forma limitada e inexpressiva‖ (BARROCO, 2008, p. 35).
Além de produzir em escala mais acentuada, a fábrica, regida pela organização
capitalista, vai determinar, com o passar do tempo, as novas formas de vida em sociedade,
reconfigurando as formas de relações. Ou seja, a inserção no mundo do capital vai impor à
sociedade as relações sociais de produção, determinando os modos de vida, as formas e
padrões de consumo, a cultura, etc. — ou seja, a vida social se reconfigura sob os ditames da
regulação do capital.
Outra característica da divisão social do trabalho é a organização dos trabalhadores na
fábrica, que passa a ser coletivo dependente e parcelado, fazendo com que, ao final da tarefa,
os trabalhadores não reconheçam aquilo que foi produzido por meio das suas forças físicas e
intelectuais. A despeito do resultado do seu trabalho, Marx (2002, p. 212) acentua:
58
No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador e, portanto, idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da
forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural, seu objetivo, que ele sabe
que determina como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua
vontade.
Este processo assinalado por Marx é consubstanciado dentro dos limites do capital,
impingindo ao trabalhador a sucumbência de toda sua capacidade (física e intelectual) às
determinações sociais, econômicas e ideológicas do grande capital, o que provoca um
acentuado processo de estranhamento do conteúdo do sentido ontológico do trabalho, em
favor das mercadorias que são originárias do seu processo de trabalho.
É no contexto do seccionamento do trabalho promovido para a reprodução
sociometabólica do grande capital, forma institucionalizada de apropriar-se do excedente do
trabalho (mais-valia), que o estranhamento ou alienação se manifesta, tendo como elemento-
chave o não reconhecimento dos resultados objetivos e subjetivos do seu trabalho ao final do
processo de produção. Ou seja, a mercadoria por ele produzida já não possui significação
ontológica. Deste modo,
a alienação deriva da apropriação do excedente (produzido pelos trabalhadores) por aqueles que detêm os meios de produção, pela divisão social do trabalho e separação do produto dos seus
produtores, mas, sobretudo, das relações sociais, político-institucionais e culturais, estabelecidas
pelo sistema capitalista (LOURENÇO, 2009, p. 52).
O processo da alienação decorre de determinações objetivas, concretas, do processo de
trabalho, mas, reside, também, na proposta ideológica do grande capital, na evidente
manipulação da vida social, dos costumes, da cultura e claro, dos sentidos do trabalho.
Primeiro, que o trabalho é externo ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser, que ele não se
afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, que não se sabe bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia física e espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruína o seu
espírito. O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si [quando] fora
do trabalho e fora de si [quando] no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando
trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é portanto voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. [...] Finalmente, a externalidade do trabalho aparece para o trabalhador como se [o
trabalho] não fosse seu próprio, mas de um outro, como se [o trabalho] não lhe pertencesse, como
se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo, mas a um outro. Assim, como religião e
autoatividade de fantasia humana, do cérebro e do coração humanos, atuam independentemente do indivíduo e sobre ele, isto é, como atividade estranha, divina ou diabólica, assim também a
atividade do trabalhador não é a sua autoatividade. Ela pertence a outro, é a perda de si mesmo
(MARX, 2004, p. 82-3).
Neste contexto, é inegável a inscrição do assistente social na condição de sujeito
trabalhador inserido no processo, o que não o isenta dos rebatimentos promovidos pelo capital
em seu processo de (re)produção. O Serviço Social inscreve-se neste conjunto, por ser uma
59
profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho, a partir do entendimento de que é
uma especialização do trabalho coletivo e que atende necessidades antagônicas. Sua inscrição
neste cenário
não se autodetermina. Isto quer dizer que esta profissão, como qualquer outra, não pode
prescindir de uma análise da sociedade em sua autocompreensão. Sua história é tributária da história da sociedade capitalista em um dado grau de seu desenvolvimento: a idade dos
monopólios (GRANEMANN, 1999, p. 161).
Esta inscrição do Serviço Social como profissão não pode ser compreendida como um
processo natural de constituição, dada, por exemplo, como evolução das formas anteriores de
caridade, devendo, portanto, ser compreendida a partir do desenvolvimento das forças
produtivas capitalistas, que a inscrevem como uma especialização do trabalho. Deste modo, o
assistente social, inserido em um complexo jogo de interesses ideopolíticos, mantém,
seguramente, uma posição determinada.
Embora constituída para servir os interesses do capital, a profissão não reproduz monoliticamente
necessidades exclusivas do capital: participa também das respostas às necessidades legítimas de
sobrevivência da classe trabalhadora, enfrentadas, seja coletivamente, através dos movimentos
sociais, seja na busca de acesso aos recursos sociais existentes, através de equipamentos coletivos que fazem face aos direitos sociais (IAMAMOTO, 2000a, p. 100).
Segundo Iamamoto (2000a), a clareza que devemos ter com relação ao Serviço Social
é entendê-lo como profissão em constante movimento, que não possui teoria própria e que
transita entre as necessidades da classe operária e as determinações do mundo institucional do
capital, sem perder de vista seus compromissos assumidos com a classe trabalhadora, na
perspectiva de uma direção social determinada.
É a própria constituição como trabalhador, mediado pela (re)significação do conteúdo
ideopolítico da profissão, que elege valores e uma direção social alinhada à luta geral dos
trabalhadores, o que vai situar o assistente social em uma zona tênue e particularmente
antagônica do trabalho profissional. Porém, a reflexão do seu entendimento enquanto
trabalhador, assegurada na direção social da profissão, confere fundamentos a sua práxis
profissional de enfrentamento ao cenário do capital, caracterizado por: contínuo processo de
apropriação dos meios de produção, pela exploração da força de trabalho e determinação do
seu funcionamento sociometabólico, que indica os caminhos antagônicos da relação capital x
trabalho, concebida como uma expressão de luta. Segundo Paulo Netto (2005, p. 163), nossa
profissão tem sua
60
raison d’être (razão de ser) [...] na questão social — sem ela, não há sentido para esta profissão. Mas até a sua resolução com a supressão da ordem do capital, ainda está aberto um longo
caminho para esta profissão. O objetivo histórico da sua superação passa, ainda e
necessariamente, pelo desenvolvimento das suas potencialidades. Ainda está longe o futuro em
que o Serviço Social vai se esgotar, pelo próprio exaurimento do seu objeto.
Como matéria-prima do trabalho profissional, a questão social não pode ser
apreendida apenas como fenômeno objetivo. A questão social necessita de uma compreensão
mais profunda, pois é nesta expressão que reside a conflituosa luta entre duas classes
antagônicas que, apoiadas por interesses conflitantes, se posicionam em necessidades
distintas. É na direção da supressão desta sociedade de classes antagônicas que o projeto
profissional acentua sua potencialidade, como um projeto de caráter progressista, alinhado aos
interesses da classe trabalhadora.
2.3 A capacidade ético-política do Serviço Social
Dando continuidade ao acúmulo proporcionado pelo Código de Ética de 1986, o
Código de 1993 traz em seu bojo um aspecto importante para o coletivo profissional, para a
sociedade e para os usuários do Serviço Social: a explicitação mais elaborada das bases
ontológicas da ética profissional e de sua operacionalização no Código de Ética.
Nesta nova formulação ética, o Serviço Social afirma valores e princípios fundados na
liberdade, na autonomia, emancipação, no aprofundamento da democracia. Assevera também,
a luta pela justiça social e equidade, na eliminação do preconceito, bem como na plena
expansão dos sujeitos sociais e na direção política de um projeto de sociedade emancipatório
— emancipatório a partir da sustentação da intencionalidade de superação do modo de
produção vigente para outro modo, entendido na perspectiva de outra sociedade (TONET,
s/d).
O Código de 1993 fortalece o exercício profissional no sentido de sua irrestrita
vinculação com os usuários, concebidos na condição de trabalhadores, aos quais se alinha
profissionalmente por meio do seu projeto profissional e societário. Este compromisso com a
classe da qual o capital se utiliza para manter-se e reproduzir-se foi fruto do exercício prático-
intelectual de uma profissão que, desde seu surgimento, nos países do Cone Sul, apresentava
um fundamento ético tipicamente conservador, em desfavor de um conceito teórico-
metodológico crítico, de seu papel na divisão sócio-técnica do trabalho e de sua participação
como agente político na sociedade.
61
A aproximação do Serviço Social com a classe trabalhadora, produto do projeto ético-
político (PEP) construído desde os anos 1980, foi fruto do amadurecimento teórico e do fazer
profissional, da insatisfação com as bases conceituais de cunho tradicional do Serviço Social,
mas principalmente pela aproximação a teoria social de Marx no ambiente acadêmico e nos
espaços sócio-ocupacionais da profissão e aos movimentos operários da década de 1970/1980.
Tal compromisso social com as necessidades e lutas dos trabalhadores acabaram por redefinir
o lugar do Serviço Social na divisão social e técnica do trabalho e seu reconhecimento da
condição de trabalhador.
Dessa forma, esta aproximação à teoria marxista contribuiu para o fortalecimento de
uma vertente crítica, orientada para a ruptura paulatina com os modelos de práticas
conservadoras, possibilitando, assim, uma necessária apropriação de uma crítica à sociedade
burguesa e um distanciamento de seus fundamentos teórico-metodológicos tipicamente
positivistas/funcionalistas. Disso resultou, processualmente, a construção de um projeto
profissional que, segundo Paulo Netto (1999, p. 95), reflete
[...] a autoimagem da profissão, elegem valores que a legitimam socialmente e priorizam os seus
objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu
exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com outras profissões e com as organizações e
instituições sociais, privadas, públicas, entre estas, também destacadamente o Estado, ao qual
coube historicamente, o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais.
O projeto ético-político profissional busca a legitimação social da classe trabalhadora,
na direção de consolidar o projeto da classe dominada. Objetiva, também, a busca pela
qualidade dos serviços prestados à sociedade, tendo por horizonte um projeto de sociedade
emancipada, pautado na luta pela liberdade, do fortalecimento da autonomia dos sujeitos
sociais, da expansão dos sujeitos, do respeito à diversidade (sexual, racial, econômica, dentre
outras).
Desse modo, o projeto ético-político contribui para o fortalecimento da concepção
ética do atual código, baseada na concepção da ontologia do ser social, na centralidade da
categoria trabalho como mecanismo pelo qual o homem se sociabiliza e satisfaz suas
necessidades mais variadas e, também, nas diretrizes curriculares que situarão o Serviço
Social e seu processo formativo dentro de uma nova concepção. É possível observar que a
profissão se aproxima de uma influência teórico-metodológica na formação profissional e na
produção teórica que se apropria de elementos essenciais à compressão da sociedade
capitalista contemporânea, dentre os quais a crítica aos padrões vigentes e a construção de
conhecimento científico, centrada na proposta da tradição marxista. O acúmulo teórico
62
tomado na fonte de inspiração marxista, a nova visão de homem e de mundo, a busca pela
superação do conservadorismo, a aderência a um projeto coletivo, a busca por uma nova
sociedade, dentre outros elementos teórico-práticos, favoreceram a adesão da profissão a um
projeto com determinada direção social transformação social. .
Assim, os fundamentos da teoria social de Marx começam a ser apropriados (com
certas dificuldades) no ambiente acadêmico e profissional. Além da crítica à sociedade
capitalista, o materialismo dialético busca a superação do pensamento filosófico baseado na
metafísica e no idealismo hegeliano. O materialismo dialético também propicia a crítica
histórica aos padrões sociais vigentes, profundamente caracterizados pelos antagonismos
entre capital e trabalho, pela concentração de renda e pelo processo cruel de
dominação/exploração que sustenta o modo de produção capitalista. Desta forma, Marx, a
partir de reflexões sobre o modelo socioeconômico, desenvolveu uma teoria que
enfoca a sociedade burguesa como produto extremamente complexo de um processo histórico plurissecular, no qual certas possibilidades do gênero humano não só explicitam como, ainda,
servem para iluminar etapas históricas precedentes. Assim, mesmo tendo por objeto privilegiado
a ordem burguesa, os resultados teóricos a que Marx chegou contêm determinações cujo âmbito
de validez a transcendem, entre elas a concepção do homem como ser prático e social, produzindo-se a si mesmo através das suas objetivações (a práxis, de que o trabalho é exemplar) e
organizando as suas relações com os outros homens e com a natureza conforme o nível de
desenvolvimento dos meios pelos quais se mantém e se reproduz enquanto homem (PAULO
NETTO, 2004, p. 94).
A teoria marxiana busca compreender a sociedade (burguesa) como uma totalidade
concreta e, para tanto, perpassa pelas relações sociais de produção que a engendram. E esta
sociedade burguesa é, para Marx (s/d, p. 302), legatária de ―antagonismo que provém das
condições sociais de vida dos indivíduos‖ e ―criam, ao mesmo tempo, as condições materiais
para a solução desse antagonismo‖.
Esta sociedade compõe-se de maneira bastante peculiar, pois é nela que se desenvolve
o processo de apropriação dos meios de produção por parte do capital e derivando deste
processo, a exploração da força de trabalho, a luta de classes e a acentuação da questão social,
objeto este último do trabalho profissional do assistente social. Sendo a questão social
matéria-prima do trabalho profissional, é certeiro afirmar que a mesma situa-se na esfera do
antagonismo das classes dos possuidores dos meios de produção e dos despossuídos, o que
assinala seu essencial caráter contraditório. Nas reflexões e críticas sobre a sociedade
burguesa, Marx (1975, p. 754) afirma que
o capital não é uma coisa imaterial, mas uma determinada relação social de produção,
correspondente a uma determinada formação histórica da sociedade, que toma corpo em uma
63
coisa material e lhe infunde caráter social específico. O capital é a soma dos meios materiais de produção produzidos. É o conjunto dos meios de produção convertidos em capital, que, em si,
tem tão pouco de capital como o ouro e a prata, como tais, de dinheiro. É o conjunto dos meios de
produção convertido em capital por uma determinada parte da sociedade, os produtos e as
condições de exercício da força de trabalho substantivados frente à força de trabalho viva e a que este antagonismo personifica como capital.
Identifica-se o capital por seu movimento de regulação das relações sociais de
produção o que, por sua vez, interfere na cotidianidade da sociedade por constituir-se de uma
forma imaterial, não palpável, condicionando o movimento social. Essa influência do sistema
social vigente na sociedade pode ser explicitada como um mecanismo ideológico que controla
e determinam as relações sociais de produção, entendidas, segundo Bottomore (1993, p. 157)
como ―[...] as relações de produção [que] são constituídas pela propriedade econômica das
forças produtivas. No capitalismo, a mais fundamental destas relações é a propriedade que a
burguesia tem dos meios de produção, ao passo que o proletariado possui apenas a força de
trabalho‖.
O capital, então, opera toda a dinâmica da sociedade por se constituir de força
econômico-social, política e ideológica, determinando as relações sociais de produção. E, com
a apreensão da profissão inserida nos processos macrossocietários do capital, é que se constrói
a crítica à sociedade dos capitais.
Assim, vejamos o posicionamento de Paulo Netto e Braz (2007, p. 32):
[...] não são mercadorias — somente valores de uso que satisfaçam necessidades sociais (humanas) de outrem e, portanto, sejam requisitados por outrem, constituem mercadoria; esta,
pois, dispõe de uma dimensão que sempre vem vinculada ao seu valor de uso: a sua faculdade de
ser trocada, vendida (o seu valor de troca). Assim, portanto, a mercadoria é uma unidade que
sintetiza valor de uso e valor de troca.
Deste modo, apresentamos dois elementos essenciais na esfera do valor de uso e valor
de troca no contexto da mercadoria: a necessidade da existência da divisão social do trabalho
que, responde às necessidades de produção de mercadorias e sua inserção no mercado e a
propriedade privada dos meios de produção.
A máquina capitalista só pode ser alimentada pela apropriação privada dos meios de
produção e pela crescente exploração do excedente originado do trabalho, conferindo-lhe
status de sistema social sólido, regente da sociedade contemporânea. Esta apropriação pode
ser identificada na apropriação privada dos meios de produção e na inexistente distribuição da
riqueza socialmente produzida. Nesses termos, Marx (1973, p. 103) assevera que:
A produção capitalista não é só reprodução da realização; é sua reprodução numa escala sempre
crescente, na mesma medida em que, com o modo de produção capitalista se desenvolve a força
64
produtiva social do trabalho, cresce também frente ao trabalhador a riqueza acumulada. Como riqueza que o domina, como capital [...] e na mesma proporção em que se desenvolve, por
oposição, sua pobreza, indigência e sujeição subjetiva.
Com este mecanismo, o capitalismo desenvolveu uma forma sistemática de se
(re)produzir de modo cada vez mais ampliado e em diferentes partes do mundo globalizado,
com custos de produção e de força de trabalho infinitamente mais baixos e a apropriação
privada cada vez menos socializada, inaugurando uma era em que as fronteiras tornam-se
cada vez mais determinadas pelas necessidades do modo de produção, na sua busca por
mercados consumidores, fortalecendo-se cada vez mais o conceito globalizado. Tal conceito
globalizado vem associado a outro processo de degradação do trabalho, que certamente traz
resultados negativos.
Na sociedade contemporânea, sob a bandeira da reestruturação produtiva, o trabalho
vivo vem sendo substituído pelo trabalho morto. Ou seja, com a revolução tecnológica, há um
aumento da mecanização no processo de produção, com clara diminuição dos postos de
trabalho, além de outras formas de precarização do trabalho (terceirizações, quarteirizações,
formação superior em massa, o conceito do profissional polivalente, etc.), com clara direção
de agudização do trabalho.
As formas de (re)produção da vida social, operados pela lógica capitalista, têm fortes
rebatimentos na profissão, por sua condição de assalariamento e sua inserção na divisão social
do trabalho. Esse reconhecimento da sua condição de trabalhador perpassa pelo inconteste
processo de reflexão crítica, originado da contestação das bases conservadoras do Serviço
Social que culminou no seu redirecionamento teórico-metodológico, possibilitando a adesão
da teoria social de Marx.
Portanto, para compreender a apropriação da teoria crítica pela profissão, faz-se
necessário observar um momento distinto, situado na análise de Paulo Netto (1995, p. 85-86),
para quem
esta articulação só se estabelece efetivamente no curso dos anos 60, quando o Serviço Social já
alcançara — depois de três décadas de institucionalização. E, apesar de débil, a tradição marxista
já produzira, no país, pelo menos duas grandes matrizes interpretativas da formação brasileira —elaboradas por Caio Prado Jr. e Nelson Werneck Sodré — e vários textos dos ―clássicos‖ se
encontravam difundidos. Não pode restar dúvidas de esta tardia interação se deve, claramente, ao
profundo conservadorismo que dominava os meios profissionais. O segundo é que a interlocução
com a tradição marxista, salvo na entrada dos nos 80, operou-se basicamente sem a referência direta à teoria social de Marx, valendo-se especialmente de intérpretes e de manuais de
divulgação de qualidade discutível. Ou seja, também no relacionamento com a tradição marxista
reiterou-se entre nós uma velha tara do Serviço Social — a ausência de um exame de fontes originais da reflexão sobre a sociedade.
65
Estes dois momentos distintos situados por Paulo Netto revelam a dificuldade do
processo de aproximação do Serviço Social à tradição marxista e evidenciam a gradual
aderência à teoria crítica de Marx já nos anos 1970/1980, preponderando um ―marxismo sem
Marx‖. (FREDERICO; TEIXEIRA, 2008). Esta aproximação ainda segue enviesada por uma
apropriação fundada em ―manuais simplificadores do marxismo, sua reprodução do
economicismo e do determinismo histórico‖ (BARROCO, 2001, p. 167), centrada ainda na
compressão althusseriana de um marxismo enviesado, ―cuja leitura da obra de Marx vai
influenciar a proposta marxista do Serviço Social‖, centrado em ―um marxismo equivocado
que recusou a via institucional e as determinações sócio-históricas da profissão‖
(IAMAMOTO, 2009, p. 10).
O conteúdo ideopolítico desta aproximação com as obras marxianas e sua apreensão
crítica se constitui de maneira bastante peculiar, pois não foi um acontecimento linear, sem
rupturas; ela se consolida no seio da própria contradição ideológica e prática do grande capital
em sua relação com a profissão.
Ainda na década de 1980, o processo de apropriação da tradição marxista segue seu
curso, acompanhado por importante adensamento teórico nas produções e pesquisas,
sugerindo a necessidade de requalificação teórico-prática, para fazer com que os equívocos
anteriores sejam postos em evidência, como forma de buscar sua superação. Isso porque
alguns profissionais perceberam que os manualismos e modelos marxistas (vulgares) de
aplicação ao conteúdo do trabalho profissional já não forneciam os fundamentos necessários
à compreensão e reflexão da sociedade monopolista, de caráter neoliberal que se consolidara
na passagem dos anos 1980/1990.
Já no aspecto formativo do assistente social, a teoria social de Marx assume sua
centralidade para a consolidação da teoria crítica no conjunto teórico-prático da profissão,
elegendo categorias fundamentais para a compreensão da sociedade burguesa, como a
centralidade ontológica do trabalho, a crítica à sociedade capitalista e a concepção da
totalidade da vida social.
Na afirmação de Paulo Netto (1991), a formação acadêmica, situada na proposta
crítica de entender a dinâmica da sociedade, só se fará possível a partir do momento em que a
academia oferecer ao estudante de graduação e/ou pós-graduação uma ―qualificação dos
docentes‖, que consiste em uma formação longa e sistemática, um amadurecimento intelectual
por meio da apropriação das obras marxianas na sua fonte, livrando assim o docente e seus
alunos dos vulgarismos, ecletismos e das interpretações enviesadas do arcabouço presentes na
tradição marxiana.
66
Essa apropriação não se constitui de maneira alguma apenas no marco teórico, ou seja,
no campo da abstração filosófica: busca superar o limiar institucional das universidades e
constituir-se em um processo dialético com a cotidianidade, espaço em que o assistente social
desenvolve seu trabalho profissional. Não se trata de aferir importância apenas à teoria ou à
―prática‖, mas, sim, de um aprofundamento da práxis profissional (compreendida na sua
dimensão de totalidade), mediado por contínuo processo de síntese de múltiplas
determinações. O movimento posto pela sociabilidade capitalista implica, necessariamente,
compreender todo este processo perverso da relação antagônica entre capital e trabalho e seus
reflexos na vida social, situando aqui, a profissão e o trabalho profissional.
Assim, vejamos o enfático posicionamento de Iamamoto (2000a, p. 196):
Apreender este processo social na sua contraditoriedade é requisito para se construir um projeto
de formação profissional que reafirme o estatuto profissional do Serviço Social, na medida em
que este esteja comprometido com a formulação de programáticas: de propostas de ação no campo da implementação e da formulação de políticas sociais públicas e privadas, da dinâmica
do mundo do trabalho e de seu mercado, atento ao universo da cultura universal, mas também à
visão de mundo dos subalternos, decifrando seus códigos, suas maneiras particulares de
expressão de sua vida social em formas culturais.
Com a aproximação da profissão ao legado da teoria de Marx, observa-se, nas
reflexões de Iamamoto, que a compreensão crítica da estrutura societal vigente, patrocinada
sob o mando do grande capital, está fundada na própria contraditoriedade inerente à sociedade
capitalista (PAULO NETTO, 1991) e favorece ao assistente social, especialmente, condições
de compreender a estrutura e, principalmente, por meio de seu trabalho profissional, intervir
na realidade concreta.
Esta compreensão passa pela esfera da inserção do assistente social enquanto
profissional na divisão social e técnica do trabalho, sendo requerido pelo próprio capital para
implementar políticas sociais, concebidas como fragmentadas e focalizadas e portadoras de
forte apelo populista.
Tais ações profissionais eram requisitadas na direção do amortecimento da crise
gerada pelo próprio capital em sua fase monopólica. Porém, este trabalho profissional,
calcado em um fundamento ético-político, caminha na direção da superação de práticas
mecânicas, acríticas e a-históricas, com vistas à materialização de um trabalho profissional
que supere os limites impostos pelas instituições (públicas e privadas) e que caminhe na
direção constante de construção do projeto político profissional, projeto este assumido pela
profissão.
67
Reside, portanto, a crítica em situar o Serviço Social e o trabalho profissional para
além das demandas tradicionais impostas, superando a compreensão e o fazer mecânico da
―condição de implementador‖ de políticas sociais. Propõe-se, na direção oposta, um perfil
profissional pautado na contribuição à potencialização do coletivo, na construção do espaço
público, na superação da condição de tutela dos usuários dos serviços sociais e no
fortalecimento da luta geral dos trabalhadores.
O compromisso social do assistente social com a classe trabalhadora e com os
princípios do projeto profissional tem origem fundada na aproximação da profissão à
compreensão e reflexão da teoria social de Marx que plasmou os fundamentos éticos da
profissão desde os fins da década de 1980.
Em nossas análises, é impossível dissociar esta aproximação à ontologia do ser social
de Marx dos elementos ontológicos do Código de 1993, pois este emerge de todo um
movimento social, político, econômico e cultural de enfrentamento da ditadura militar, que
impulsionou a superação da ética conservadora e igualmente burguesa, para um caminho ético
evidenciado pela proximidade da profissão àqueles com os quais se identificaram, ou seja, os
trabalhadores.
Assim, o Código de 1993 é ―situado como parte do processo de renovação
profissional, no contexto da ‗luta dos setores democráticos contra a ditadura, e em seguida,
pela consolidação das liberdades políticas‖ (BARROCO, 2001, p. 200). Deste modo, não é
possível situar a renovação do Serviço Social descolada do movimento da sociedade
brasileira, pois, a profissão vincula-se à luta geral da sociedade, na direção de uma nova
estrutura político-econômica, ideológica e cultural. A busca de uma direção social ficou
evidenciada na sociedade e na profissão.
É nesse sentido que se afirma que o Código de 1993 condensa e representa toda a luta
travada na ambiência do Serviço Social em termos teóricos e práticos, buscando imprimir
uma direção política compromissada com a classe trabalhadora. E, também, que
aponta para as determinações da competência ético-política profissional; [pois] ela não depende
somente de uma vontade política e da adesão de valores, mas da capacidade de torná-los
concretos, donde sua identificação como unidade entre as dimensões ética, política, intelectual e prática, na direção da prestação de serviços sociais (BARROCO, 2001, p. 205).
Em decorrência, o Código vigente se preocupa com a qualidade dos serviços prestados
à população, com a defesa do aprofundamento da democracia, com esforço coletivo na
eliminação de todas as formas de preconceito (étnico-racial, de gênero, orientação sexual,
religião, etc.), com a defesa intransigente e incontestável dos direitos humanos, pautando no
68
entendimento da liberdade (pensada na direção da supressão da sociedade de classes)
enquanto valor central ao ser social. Enfim, o Código elege valores emancipatórios, de cunho
crítico, com vistas à construção de uma nova sociedade. Nesta direção, os princípios do
Projeto não se materializam apenas por sua própria e unívoca indicação ideopolítica, mas
também se concretizam a partir das ações profissionais compreendidas e apropriadas
criticamente, o que supõe a importância dos fundamentos teórico-metodológicos mediados
pelo comprometimento ético-político.
Essa tarefa não é apenas do coletivo profissional, sugere, também, a organização dos
trabalhadores em torno de um projeto social inovador, superador da lógica posta pelo grande
capital. Porém, não pode ficar restrita apenas em seu fundamento ideológico, sua
materialização necessariamente precisa caminhar na direção de respostas objetivas (concretas)
a sua intencionalidade (práxis), desveladas a partir da mediação.
Nesta direção, há a necessidade de situar a distinção entre os projetos profissionais e
os projetos societários, pois, no caso da profissão, o PEP emerge com um projeto profissional,
porém, profundamente conectado com o projeto societário, pautado na direção social
determinada de superação do modo de produção atual. Assim, os projetos societários
―apresentam uma imagem de sociedade a ser construída, que reclamam determinados valores
para justificá-la e que privilegiam certos meios (materiais e culturais) para concretizá-la‖
(PAULO NETTO, 1999, p. 3).
Partindo desta análise, os projetos societários reclamam e assumem, de maneira
coletiva, uma determinada direção social que lhes concede legitimidade na esfera do
enfrentamento e na direção da construção de alternativas com vistas à satisfação das
necessidades dos trabalhadores. E é a partir disso que se constrói a legitimidade dos projetos
societários, ou seja, do seu caráter coletivo, pois revela sua característica de projeto de classe
e essencialmente ―macroscópicos, como propostas para o conjunto da sociedade‖ (PAULO
NETTO, 1999, p. 3).
Mesmo identificado como resposta coletiva de enfrentamento à ordem monopólica, os
projetos societários estão inscritos numa esfera complexa e antagônica, em que pesa a própria
contracorrente operada pela lógica do capital, na busca pela manutenção da ordem, sustentada
pela exploração exacerbada da força de trabalho e na defesa dos seus elementos fundantes e
estruturantes. A tônica destes projetos se expressa pela luta de classes, entre projetos
antagônicos, postos a atender necessidades mais distintas.
Quanto aos projetos profissionais, podemos situá-los na condição de projetos
coletivos, dados pela constituição de determinado corpo (e, neste ponto, situamos o Serviço
69
Social) tendo como sujeitos os assistentes sociais e os organismos representativos da profissão
(Cfess, Cress, Abepss, Enesso, associações de assistentes sociais e sindicatos da profissão),
supondo que esta organização contribua para que assim o ―projeto profissional se afirme na
sociedade, ganhe solidez e respeito frente às outras profissões, às instituições privadas e
públicas e frente aos usuários dos serviços oferecidos pela profissão é necessário que ele
tenha em sua base um corpo profissional fortemente organizado‖ (PAULO NETTO, 1999, p.
4). Na dimensão constitutiva do projeto profissional, é necessário compreender que sua
adesão a determinada direção social ou ideológica situa-se na esfera da contraditoriedade
posta dentro da própria ambiência profissional, o que significa refletir sobre a diversidade
ideopolítica presente na profissão, além das mais variadas concepções de homem e de mundo
e opções teóricas norteadoras do trabalho profissional.
É necessário retomar que o próprio conceito histórico-metodológico da profissão foi
tributário das determinações que engendraram os seus fundamentos teórico-metodológicos e,
consequentemente, sua concepção ética. Evidencia-se a presença de uma pluralidade de ideias
que situa a profissão em ―uma unidade não-homogênea, uma unidade de diversos; nele estão
presentes projetos individuais e societários diversos e, portanto, configura um espaço plural
do qual podem surgir projetos profissionais diferentes‖ (PAULO NETTO, 1999, p. 5). Estas
tensões postas pela pluralidade de ideias na profissão necessitam ser concebidas como
essenciais à condução de projetos conquistados hegemonicamente; porém, esta
respeitabilidade não pode ser confundida com ecletismo, posição esta que vulgariza os
fundamentos teóricos e as concepções de projetos (PAULO NETTO, 1999).
Marcado pela luta entre posições políticas e os mais variados escopos teóricos, o
projeto profissional situa-se nesta conflituosa arena de interesses ideológicos e políticos
distintos, o que o posiciona no fortalecimento do seu aspecto democrático e contribui para a
consolidação da sua direção social. Sua sustentação se constitui na base política da profissão,
com expressiva contribuição pela apropriação dos fundamentos teóricos da vertente crítico-
dialético.
Buscando apoio neste arcabouço teórico, o assistente social situa-se na condição de
profissional inserido na divisão social e técnica do trabalho que se encontra polarizado por
interesses de classes antagônicas. Mas lhe é requerida a reflexão da necessidade de assumir o
compromisso junto à classe trabalhadora, como forma coletiva, buscando coerência com os
dispositivos do Código de Ética e o projeto societário profissional.
Todavia, na contemporaneidade, este compromisso com a classe trabalhadora torna-se
limítrofe. A ofensiva neoliberal do capitalismo monopolista, traduzida por profundos
70
rebatimentos nas relações de trabalho, na desconstrução dos direitos sociais conquistados
duramente pelos trabalhadores, na implosão das políticas públicas, no desmonte do papel do
Estado, ―intervém na vida dos indivíduos, criando demandas e respostas à insegurança
vivenciada objetiva e subjetivamente na vida cotidiana. As formas de (re)produção social
imprimem uma nova dinâmica ao conjunto das relações sociais‖ (BARROCO, 2011, p. 2).
A lógica capitalista determina a regulação da vida social em todas as suas esferas
constitutivas, determinando assim, os modos de vida, as formas de pensamento, os estilos de
vida, tudo isso concebido como processo de (re)produção da vida social capitalista. É neste
cenário que se põe em movimento o PEP, concebido como forma de negação e superação da
vida social burguesa e situa a profissão na contraditoriedade da vida social, o que torna mais
complexa a adesão do assistente social ao seu compromisso ético-político assumido pela
categoria. Mas, neste mesmo cenário, o antagonismo posto pelo capital é combustível para o
fortalecimento da resistência.
Inserido neste contexto, o assistente social necessita apropriar-se de algumas
categorias, como a mediação contraditória, que lhe possibilitem a reflexão da conflituosa
relação entre a manutenção do seu espaço sócio-ocupacional, a e continuidade da venda da
sua força de trabalho e a clareza da necessidade de assumir coletivamente os interesses da
classe trabalhadora, dando materialidade ao projeto profissional.
A partir destas reflexões, podemos considerar que ao nos referenciarmos por um projeto
profissional crítico, que tem uma vinculação com projetos societários progressistas, poderá
estabelecer o limite entre uma prática imediatista, espontânea, intuitiva, manipulatória e aquela que tem uma clara direção sócio-política (GUERRA, 2007, p. 16).
Nesse sentido, entende-se que o trabalho profissional reflete muito mais que uma
ação ideológica, de execução prática deslocada da realidade concreta. Supõe estabelecer
mediações necessárias entre as esferas da vida social, o que pressupõe um trabalho
profissional com direção social clara, que busca distanciamento e uma ruptura com as práticas
conservadoras, cerceadoras da liberdade e dos comportamentos, considerando seu
comprometimento ético. Deste modo, a mediação, segundo Battini (apud RODRIGUES,
2003, p. 171), se define pelas:
relações de uma totalidade complexa [que] não se dão de modo linear, mecanicista ou
unilateralmente, mas acontecem mediante instâncias de passagem geradas em si mesmas. A
mediação é concebida como a relação entre o mediato e o imediato, a mediação é categoria que auxilia o profissional a criar as condições da operação da práxis, figurando entre o resultado. São
nos processos de mediação que o movimento das relações sociais faz fluir os atos e o desvendar
da realidade nos seus atributos e nas suas determinações.
71
Considerando que a mediação, segundo Rodrigues (2003, p. 19), é uma ―categoria do
movimento que está contida na totalidade social, configurando sua processualidade e
assegurando ao sujeito sua apreensão‖, o assistente social necessita concebê-la como forma de
considerar todo o processo, sem a perspectiva fragmentadora do indivíduo, entendo-o como
um ser social inserido no contexto dinâmica da sociedade contemporânea, sob a perspectiva
da totalidade, contribuindo na direção de situar o humano-genérico na dimensão contraditória
da vida social, determinada sob a ótica do capital.
A mediação não pode ser concebida como um manual de conduta para o trabalho
profissional compromissado com os valores assumidos; a mediação necessita ser entendido na
direção da superação deste manualismo conservador, que atribui a esta categoria um
entendimento errôneo de uma ―tipologia‖ para ―aplicação‖ no trabalho profissional; a
mediação pressupõe partir da singularidade para a totalidade, ou na direção oposta,
possibilitando a apreensão crítica do real, do concreto, em suas variadas expressões
(LOURENÇO, 2009). É, assim, uma categoria expressa na contraditoriedade do movimento e
sua reflexão determina sua processualidade.
Partindo do pressuposto ético-político e da totalidade da vida social, cabe ao assistente
social, além das demandas tradicionais, oportunizar seu contato junto à classe trabalhadora
por meio de ações de veiculação de informações de interesse coletivo, na direção da
radicalização da democracia nos espaços coletivos, da expansão dos direitos sociais, da
construção e consolidação dos movimentos sociais, enfim, utilizar-se de todos os
instrumentos materiais ou ideológicos disponíveis para a construção da cidadania, da
expansão dos sujeitos sociais, na direção de uma nova sociabilidade.
No contexto do trabalho profissional, concebido a partir dos elementos ético-políticos
indicadores do comprometimento com a classe trabalhadora, firma-se uma práxis política,
evidenciada por atividades que caminhem na direção da oferta de respostas coletivas às
necessidades igualmente coletivas, dadas no âmbito das requisições da classe trabalhadora, da
qual os assistentes sociais se vinculam organicamente (LUKÁCS, 1979).
Estes espaços podem ser utilizados pelo assistente social para consolidar seu trabalho
profissional de forma crítica, com o objetivo de atender às demandas postas pelos
destinatários da intervenção profissional, opondo-se às demandas clientelistas e tradicionais,
que remetem sempre a uma atuação profissional voltada ao conservadorismo e ao
tradicionalismo de inspiração burguesa.
Segundo Barroco (2001), pelas características da ontologia social de Marx, uma ética
que se pretende pautar em seus pressupostos configura-se como uma ética de caráter
72
revolucionário, ou seja, fundada na superação dos limites concretos postos, pela ordem
burguesa, à realização dos valores e das capacidades humanas,
ou seja, é critica a moral do seu tempo e possibilidade de projeção ideal de uma sociedade em que
os homens possam se realizar livremente, sempre com base nas possibilidades reais e em face do
desenvolvimento genérico já realizado. Por isso, a ética é, também, uma referência para a práxis político-revolucionária, seja como instrumento teórico-crítico, seja como orientação de valor que
aponta para o devir (BARROCO, 2001, p. 57).
Tomado pela reflexão do significado do trabalho e sua capacidade autocriadora e
autotransformadora, que projeta finalidades de forma consciente, são categorias que por sua
essência contém elementos para a ―invenção e vivência de novos valores, o que,
evidentemente, supõe a erradicação de todos os processos de exploração, opressão e
alienação‖ (CFESS, 1993). Deste modo, este é, essencialmente, um projeto de classe, tomado
na sua radicalidade e alinha-se profundamente com o projeto ético-político profissional do
Serviço Social na direção da construção de uma nova sociedade; assim, a reflexão teórico-
política e ética possuem componentes essenciais para a construção de novos horizontes.
Partindo desta reflexão, a compreensão da ética é mediada pelo compromisso expresso
com a luta geral dos trabalhadores, na direção da emancipação política e humana, como
resultado da superação da sociedade de classes. A sedimentação da intervenção profissional
crítica deriva de fatores que tem como fonte originária a formação acadêmica, tendo como
parâmetro o conhecimento teórico que possibilite a ruptura da visão de homem e mundo
míope, associando conhecimentos teórico-metodológicos a uma práxis política, que indica a
direção social da profissão.
Quanto à formação acadêmica, necessita, de maneira objetiva, romper com o
tradicionalismo conservador, promovendo a desconstrução e reconstruindo uma nova
consciência crítica de sociedade, sobre o sistema social vigente e das relações sociais
advindas deste processo, na direção de fornecer as bases teórico-políticas de caráter crítico no
campo teórico, mediados pelo cotidiano concreto, com clara intencionalidade de supressão
das determinações impostas à classe trabalhadora. Nesta esfera, não podemos limitar a
formação de uma consciência apenas nos limites da formação acadêmica; ela situa-se
também, na própria constituição mediada e profundamente metamorfoseada do trabalho na
contemporaneidade, no aprofundamento da exploração no modo de produção capitalista que
segue na direção da destruição dos direitos humanos, sociais e civis, bem como na direção da
supressão da essência do ser humano-genérico, fundado na alienação.
73
Deste modo, as condições de vida postas e experienciadas na base material são
combustíveis para um despertar de consciência. Com relação à formação profissional e sua
crítica, abordaremos suas características no capítulo seguinte. Além de formação, o assistente
social necessita ter clareza do compromisso assumido e dos valores coletivos fundados numa
concepção ético-política como forma de consolidar seu trabalho profissional perante a
sociedade, sendo estes compromissos entendidos como uma dimensão particular da profissão
que se alinha aos interesses da classe trabalhadora.
Como síntese da Resolução CFESS nº 273/93 — fruto de um esforço coletivo, dado
pela busca do redimensionamento e do significado dos valores e compromisso ético-
profissional dos assistentes sociais e mediado pelo processo de construção de uma nova
direção social da profissão — e dos 11 princípios fundamentais que contém, entendidos como
elementos norteadores do exercício profissional do assistente social, pode-se considerar:
• reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes — autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;
• defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo;
• ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com
vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras; • defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da
riqueza socialmente produzida;
• posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso
aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; • empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à
diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças;
• garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e
suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual; • opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem
societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero;
• articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios
deste Código e com a luta geral dos trabalhadores; • compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento
intelectual, na perspectiva da competência profissional;
• exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de
classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física (CFESS, 1993, p. 5-6).
A referência a esses princípios emerge amalgamada junto aos valores democráticos
conquistados por meio das lutas engendradas pela classe trabalhadora, de caráter progressista
da sociedade brasileira. Neste cenário de luta, o Serviço Social se inscreve, mesmo que diante
de muitas particularidades.
Estes princípios são indicadores de um exercício profissional competente e
compromissado com os desejos da coletividade, necessitando de uma apropriação crítica
pelos estudantes no processo de formação e de uma atuação profissional marcada pelo
comprometimento ideopolítico com as massas exploradas, mediado pela Lei de
74
Regulamentação da Profissão e assim, vinculado ao desejo da materialização do Projeto Ético
Político.
Traduzindo seus valores e princípios para a particularidade do compromisso profissional, o
Código aponta para as determinações da competência ético-política profissional; ela não depende
somente da vontade política e da adesão a valores, mas da capacidade de torná-los concretos, donde sua identificação como unidade entre as dimensões ética, política, intelectual e prática, na
direção da prestação de serviços sociais (BARROCO, 2005, p. 205).
Reafirma-se, por meio dos 11 princípios, o reconhecimento da liberdade como valor
ético central, liberdade esta concebida na sua totalidade, a defesa intransigente dos direitos
humanos (direitos humanos tendo o homem como medida) e recusa do arbítrio e do
autoritarismo, apontando a necessidade de rompimento com o conservadorismo, enquanto
justificador da desigualdade, visando o combate a todas as situações que ferem a integridade
dos indivíduos e considerando a liberdade como um elemento necessário ao pleno
desenvolvimento das capacidades humano-genéricas, dados a partir da supressão da sociedade
de classes.
Outro aspecto importante a ser destacado situa-se no compromisso assumido pelo
Serviço Social junto à cidadania, concebida a partir de elementos teórico-metodológicos e de
profundo conteúdo ideopolítico que remetem sua compreensão na essência de uma cidadania
que somente pode ser compreendida a partir da supressão do modo de produção atual, ou
como assevera Tonet (s/d), uma cidadania dada na esfera de uma democracia socialista.
O compromisso com a defesa do aprofundamento da democracia, pensada na direção
de uma democracia socialista, deve estar fundamentado na necessidade de socialização da
riqueza socialmente produzida, representada pela igualdade de oportunidades de acesso por
todos os trabalhadores ao trabalho e pela real universalização do acesso à saúde, educação e
condição de vida digna. Os princípios ratificam, ainda, o posicionamento em favor da
equidade e da justiça, compreendidas como frutos do amadurecimento de uma consciência
posta na e pela coletividade, possibilitada por meio de intensas mobilizações, evidenciada
pela luta e justificadas pela busca da equidade. Ao assistente social cabe o papel de apoiar e
assumir junto aos trabalhadores organizados na defesa dos seus interesses, direcionando sua
práxis política na direção da universalidade de acesso a bens e serviços sociais, bem como na
construção de uma nova sociedade.
Constata-se o empenho da categoria profissional na direção da eliminação de todas as
formas de preconceito, que é resultado do acentuado processo de (re)produção da vida social,
fundada numa concepção conservadora, que não concebe as particularidades dos sujeitos. O
75
atendimento e a reflexão sobre a conduta profissional ante ao estabelecido nesse princípio se
constitui por meio de um exercício profissional que supere atitudes fundadas em valores e
visões de mundo pautadas em concepções dogmáticas e moralistas preconizando o respeito à
equidade no atendimento aos usuários.
Já a concepção de pluralismo indicada está centrada na heterogeneidade do debate
teórico e suas diversas correntes, supondo assim, respeito entre as formas de pensamento
teórico que transitam pelo Serviço Social (IAMAMOTO, 2008). O respeito às diferentes
posições teóricas e ideológicas no contexto da profissão revela a convivência com o
antagônico, o que não supõe a aceitação do ecletismo teórico, como uma expressão confusa e
vulgar do conhecimento teórico, sendo este um elemento que esvazia a análise e a reflexão
das relações sociais de produção.
Aliados a isto, os princípios apontam para a opção por um projeto profissional
vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, que esteja centrado na
superação da sociedade de classes atual, na direção de um modo de produção justo, em que se
situe a valorização do ser humano-genérico, a partir de sua essência e que o homem passe a
ser a medida.
A necessidade de vinculação orgânica com os movimentos sociais e com os
movimentos de outras categorias profissionais que partilhem da mesma direção social da
profissão também se apresenta como componente desses princípios, fomentando uma cultura
profissional vinculada aos sujeitos e às realizações coletivas, configurando-se na essência do
compromisso ético-profissional do assistente social junto ao embate da defesa dos interesses
da classe trabalhadora, da direção de uma nova sociabilidade.
Deste modo,
[...] estamos diante de uma perspectiva, que não só apresenta os caminhos à apreensão do mundo
dos homens na sua concretude histórica e pelas suas bases objetivas, mas nos proporciona os passos possíveis para a superação da lógica do capital pela lógica onímoda do trabalho, que
necessariamente passará pela transformação social e que, por fim, reivindica uma sociedade
verdadeiramente humana (LARA, 2008, p. 211).
Nesta direção socialmente dada, a profissão ratifica seu compromisso com a qualidade
dos serviços prestados pelos assistentes sociais aos usuários por eles atendidos, na perspectiva
de contribuir para a socialização do acesso aos bens e serviços sociais. Para tanto, este
compromisso se consolida pela via do desenvolvimento intelectual do assistente social, como
formação que lhe possibilite a compreensão desta dimensão da elaboração e implementação
das políticas sociais públicas, bem como de sua condição de facilitador do acesso.
76
O último princípio firma-se no exercício profissional, propondo o exercício da
profissão sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe social,
gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, idade e condição física, assegurando
aos assistentes sociais o gozo dos mesmos direitos. O enfrentamento da discriminação é
reivindicado e construído pela categoria em favor da classe trabalhadora, exigindo o respeito
para com as diferenças dos usuários e outros profissionais. Partindo da apresentação e
reflexão acerca dos onze princípios fundamentais constantes do Código de Ética do assistente
social de 1993, podemos afirmar, conforme Simões (2007, p. 476), que
[...] a inserção destes princípios poderá parecer uma parcialidade política, em contradição com a própria natureza da ética profissional; ou uma alocação imprópria, para aqueles que o reduzem a
norma técnica, de caráter puramente instrumental. Não é assim por dois motivos. Porque nada
mais são do que a expressão dos mandamentos constitucionais e porque são da própria natureza
da profissão. Esta é uma instituição cuja prática, mesmo quando elitizada, implica sempre esta ou aquela concepção política da ordem social.
Sobre as bases de legitimidade da profissão, Simões (2007) remete à necessidade de
uma reflexão acerca dos elementos éticos e políticos da profissão, além da sua condição
regimental, legal e de caráter regulador. Os princípios profissionais e o Código de Ética
necessitam de compreensão/reflexão que transite entre sua institucionalização legal e a clara
orientação política que se traduz na direção do trabalho profissional compromissado com os
valores defendidos pela classe trabalhadora e aos quais historicamente se identificou.
Nesta direção, faz-se necessário a busca pela superação da leitura puramente legalista
do Código de 1993, competindo-nos a necessidade de apontar que nós, na condição de
assistentes sociais e trabalhadores, temos um grande desafio colocado pela dinâmica do
capital e suas relações sociais, que é compreender esse texto de raiz político-legal mediado
pela necessidade da materialização de uma construção coletiva da nova ordem societária, livre
da dominação, da exploração do homem pelo homem e da condição de classe dominante e
dominada, em que ―o homem seja a medida de todas as coisas‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 226).
Assim, trata-se de oferecer visibilidade aos pressupostos ético-políticos e, na mesma
direção, faz-se urgente dar efetividade a estes princípios no cotidiano do trabalho profissional
compromissado com os valores e a defesa dos interesses dos usuários do Serviço Social e das
políticas públicas. Busca-se, portanto, a defesa destes princípios como valores de vinculação
orgânica pela defesa da manutenção e ampliação dos direitos sociais, da democracia e da
liberdade enquanto princípio essencial de uma sociedade sem classes, sem explorados e
exploradores. Deste modo, ―[...] a efetivação destes princípios remete à luta no campo
democrático-popular por direitos que acumule forças políticas, base organizativa e conquistas
77
materiais e sociais capazes de dinamizar a luta contra-hegemônica no horizonte de uma nova
ordem societária‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 226).
O projeto defendido pela classe trabalhadora pode ser considerado um projeto de
cunho progressista, que tem como pano de fundo a relação conflituosa entre capital-trabalho,
haja vista o processo de aprofundamento desta relação que leva o trabalhador a profundas
taxas de empobrecimento, além da sua degradação, com rebatimento nos processos de
exclusão em todos os contextos (político, econômico, social, etc.). Na direção oposta, os
projetos originados das demandas da classe trabalhadora fundam-se em princípios e valores
particulares.
[...] a liberdade, a democracia substantiva e a cidadania, os direitos humanos, civis, políticos e
sociais, a justiça social, as políticas sociais universais, não contributivas, de qualidade e
constitutivas de direitos de cidadania, a ampliação da esfera pública, a eliminação de toda forma
de exploração, dominação e submissão, como sistema de convivência social e de desenvolvimento de uma cidadania substantiva (MONTAÑO, 2003, p. 29).
Desta maneira, fica perceptível que a plataforma ideopolítica em que se alicerçam os
interesses da classe trabalhadora colide diretamente com o projeto neoliberal de caráter
reformista (MONTAÑO, 2003), pelo fato de que é um campo antagônico onde emergem, se
movem e recompõem as lutas de classes, na busca pela manutenção e ampliação dos seus
projetos. Para o fortalecimento do embate neste cenário adverso, é
imprescindível a existência de organizações profissionais articuladas, legitimadas pelo coletivo e
representante dos mesmos, ativas e atuantes: na organização de eventos, intervindo publicamente pela defesa dos direitos civis e políticas sociais universais de qualidade, [...] representando os
seus membros na defesa de seus interesses (MONTAÑO, 2003, p. 51).
Em decorrência, os trabalhadores, enquanto classe organizada pela luta de seus
interesses, têm nas instituições organizativas (sindicatos, associações, grêmios, conselhos,
etc.) um aparato jurídico que lhes possibilita uma intervenção nos marcos legal, conferindo-
lhes condições de luta na contracorrente do capital.
Neste cenário, os assistentes sociais, na condição de trabalhadores, e o projeto
profissional se inscrevem como agentes vetores da luta e da resistência do contramovimento
operado na contemporaneidade pelo capital em sua era monopólica, que tem causado diversos
prejuízos à esfera dos direitos sociais da classe trabalhadora, a qual tem lutado, como contra-
hegemonia, pela busca incessante de manter todo o conjunto de direitos sociais duramente
conquistados.
78
Assim, a classe trabalhadora, bem como o próprio posicionamento do Serviço Social,
direciona este contexto tão adverso na perspectiva de construção de projetos profissionais e
societários que os situem como ―guia efetivo para o exercício profissional, e [deve-se]
consolidá-lo por meio de sua implementação efetiva, ainda que na contramão da maré
neoliberal‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 233).
As determinações das relações sociais sobre os elementos sócio-profissionais indicam
um rumo ideopolítico de um coletivo profissional compromissado com as bandeiras de lutas e
com as necessidades da classe trabalhadora, o que nos faz observar a presença de uma
belicosa ofensiva da programática neoliberal na direção da contínua desconstrução cotidiana
dos princípios das bandeiras de luta da classe trabalhadora, com forte rebatimento na direção
social do Serviço Social. Tal condição repercute por meio do alargamento das bases de
correntes ideológicas estranhas às assumidas pelo coletivo profissional que levam
invariavelmente a descaminhos perigosos e um difícil processo de possível reversão.
Estes perigosos descaminhos minam a construção permanente da cidadania, da justiça
social, da equidade, da liberdade, elementos tão necessários à sociedade e à profissão,
concebidos, assim, na essência superadora do modo de produção vigente.
Não podemos reduzir todo este conjunto a meros esquemas desconectados das
mudanças significativas que ocorrem na sociedade, sejam estas ideológicas, políticas,
econômicas, sociais e culturais, pelo fato de que todos estes elementos são mediados e
tensionados pelas relações sociais de produção e, não obstante, sob a égide do grande capital.
A compreensão deste complexo jogo reside na apropriação da crítica, da reflexão teórico-
prática e do alinhamento os princípios profissionais contidos no projeto ético-político e no
Código de 1993, associados à busca pela sua materialização no cotidiano profissional.
O projeto ético-político expressa, assim, valores e conquistas que só podem ser
entendidos a partir de uma reflexão sobre todo o contexto econômico, político, cultural e
social que perpassa e é inerente à sociabilidade capitalista, sob a ótica da crítica ao modelo de
produção capitalista e a inserção e reconhecimento do assistente social enquanto trabalhador.
Deste modo, o Serviço Social se legitima a partir da vinculação do seu projeto: ―Esta [...] se
dá pela própria exigência que a dimensão política da intervenção profissional impõe. Ao
atuarmos no movimento contraditório das classes, acabamos por imprimir uma direção social
às nossas ações profissionais, que favorecem a um ou outro projeto societário‖ (BRAZ, 2004,
p. 7-8).
Esta vinculação às massas trabalhadoras somente se explica a partir da reflexão crítica
dos fundamentos histórico-metodológicos que, engendrados na profissão a partir da
79
contraditoriedade do capital e no seu compromisso com a classe trabalhadora, resulta da
negação da base conservadora que orientava a formação e os fundamentos teóricos e éticos da
profissão. Esta negação, explicada pela emergência do Movimento de Reconceituação e a
aderência ao pensamento de Marx, colaboram para esta nova direção social da profissão.
Esta busca por uma nova sociedade indica ao assistente social o desenvolvimento de
um trabalho profissional em toda sua dimensão constitutiva, concebido a partir de
diversas e variadas ações que efetuamos como plantões de atendimento, salas de espera,
processos de supervisão e/ou planejamento de serviços sociais, das ações mais simples às
intervenções mais complexas do cotidiano profissional, nelas mesmas, embutimos determinada direção social entrelaçada por uma valoração ética específica (BRAZ, 2004, p. 7-8).
Aliado a todo este contexto complexo, o Serviço Social tem na classe trabalhadora sua
mais nítida forma de reconhecimento social e político, tendo em vista todo o conteúdo e a
direção social da profissão que busca constantemente um distanciamento dos perigosos
holofotes da mídia burguesa, do corporativismo rígido das profissões regulamentadas, do
conceito elitizado da sua condição de profissão de nível superior, bem como a recusa às falsas
ilusões. É preciso, ainda, ter claro o posicionamento centrado em uma concepção de valores
que convergem, em todos seus canais institucionais, práticos, fundamentos legais,
ideológicos, teórico-metodológicos e ético-políticos, para uma classe socialmente
determinada no cenário do mundo contraditório do capital: a classe trabalhadora.
80
Capítulo III
DESVELANDO UBERABA (MG): O CENÁRIO DA PESQUISA E OS
ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAIS DOS SUJEITOS
ENTREVISTADOS
3.1 Um esboço da história social e econômica de Uberaba
Conhecer a historicidade de um povo, uma comunidade, uma região é relevante para
que se possa compreender a realidade apresentada na atualidade, pois é por meio dos
acontecimentos e das transformações operadas pela lógica capitalista que a sociedade se
consubstancia na esfera cotidiana e, deste modo, constitui-se como processo cultural,
econômico, político e social. Assim, torna-se relevante contextualizar o cenário no qual se
realizou a pesquisa, sua construção, seus aspectos culturais, econômico, político e social.
Toda esta apresentação histórico-metodológica funda-se em uma análise que pressupõe a
centralidade do capital e suas relações sociais neste processo de desenvolvimento das forças
produtivas e da organização da vida social desta localidade.
A história de Uberaba emerge a partir das primeiras entradas empreendida, no final do
século XVIII e início do século XIX, pelos bandeirantes paulistas que saíram da capital, São
Paulo, com destino às regiões auríferas do atual estado de Goiás, com a finalidade de
apropriar-se das enormes jazidas de ouro, alinhando as necessidades da Coroa portuguesa de
obtenção de ouro, o extermínio dos povos tradicionais e a disseminação do poder que
emanava da Metrópole.
Segundo Lourenço (2002), durante o período colonial brasileiro, por volta de 1725, os
desbravamentos das matas capitaneados pelos sertanistas e ordenados pelo poder central da
Coroa tinham o intuito de desinfetar índios e quilombolas das áreas de fronteira da Estrada de
Goyases,6 sob o pretexto da necessidade de colonização do interior do Brasil, seguindo as
determinações da Coroa e do forte poder político da Igreja — esta última na incessante busca
da satisfação das suas necessidades ideológicas, políticas, econômicas e, por último, a
religiosa em agregar mais fiéis paras suas fileiras, consolidando seu poder na região. Ainda de
acordo com Lourenço (2002), na região do Goyaz, hoje Triângulo Mineiro, a relação entre
6 Refere-se ao atual Estado de Goiás
81
Coroa e Igreja seguia as mesmas orientações ideopolíticas da Corte e da Metrópole, na
direção de consolidar o poder de Deus e os poderes da Coroa.
Um dos sertanistas mais conhecidos desta região foi o ituano Antônio Pires de
Campos, que realizou campanhas até 1750, exterminando, aprisionando e, é claro,
escravizando os índios caiapós, considerados os primeiros povos do Triângulo Mineiro.
Associava-se a esta estratégia de dominação o processo de cristianização dos povos
tradicionais, subjugando em pouco tempo a cultura secular pelo cristianismo europeu.
Segundo Lourenço (2002), as companhias ou caravanas desbravadoras utilizavam os índios na
condição de escravos, pelo fato de que estas companhias não possuíam recursos para a
compra de negros da Guiné africana.
Cabe refletir sobre o lugar que o ser humano considerado inferior (negros, índios e
povos tradicionais) ocupa neste cenário de barbárie: torna-se mercadoria para satisfação das
necessidades das protoformas do capitalismo no Brasil. Com este processo de dominação do
espaço geográfico, da subjugação do homem pelo homem e pela busca do poder, a região da
antiga estrada de Goyases passou a ser conhecida por Sertão da Farinha Podre.7
O povoamento da região se deu por meio de núcleos de aldeamentos que serviam de
ranchos de pouso para os viajantes que por ali passavam. Nesses aldeamentos, sob o controle
de brancos e mestiços, os índios cativos viviam da agricultura de subsistência, além da caça e
de artesanato. Uma característica marcante era a aculturação e a submissão dos índios à
Colônia, devido ao largo processo de escravização.
Antônio Eustáquio da Silva e Oliveira, sargento-mor, e José Manuel da Silva e
Oliveira (este último tetravô de Fernando Henrique Cardoso), tinham interesse pessoal por
obtenção de prestígio — prestígio este obtido com o poder sobre os homens e terras. Por meio
de influência política, o Major Eustáquio tornou-se o fundador do arraial da Farinha Podre,
em 1811, desapropriando terras indígenas, exterminando alguns e escravizando outros. Outro
método utilizado era a política de concentração que, segundo Carneiro da Cunha (apud
LOURENÇO, 2002), consistia na deportação de índios das reservas para núcleos de
adensamento — como é o caso dos índios bororós, os quais Antônio Pires de Campos aldeou
no Triângulo Mineiro para combater os caiapós, conforme observa Mano (2006).
7 Esta denominação deve-se ao fato de que, neste período histórico, a região de Uberaba era rota de passagem
das caravanas de desbravadores que saiam de São Paulo e do Rio de Janeiro em direção ao atual estado de Goiás e demais estados do Norte/Nordeste, tornando-se a vila importante entreposto comercial, com forte economia
escravista e agropecuária. Com este desenvolvimento, a necessidade de alimentos era fator essencial e, com a
finalidade de alimentar os desbravadores, eram colocados sacos de farinha na estrada; com o passar do tempo e o
significativo atraso das caravanas, esta farinha apodrecia. Com isto, a região fica conhecida como o Sertão da Farinha Podre dos Caiapós (LOURENÇO, 2002).
82
Para que realmente fosse fundado o arraial, conforme a cultura colonial, era necessário
erigir uma capela, e foi em 1812 que Tristão de Castro doou terras para a sua construção. De
acordo com Lourenço (2002, p. 198), ―foi erguida em 1816 a capela de Santo Antônio e São
Sebastião, embrião do arraial de Uberaba‖. O termo Uberaba deriva do dialeto caiapó ―y-
berab‖ e significa ―águas claras, águas cristalinas‖; deve-se este significado à existência do rio
Grande, na divisa de Minas Gerais com São Paulo.
Nos primeiros vinte anos do século XIX, a elite do Desemboque — região mais
promissora do Sertão da Farinha Podre — resolve migrar para o arraial de Santo Antônio da
Farinha Podre, com interesse em criar novos núcleos e procurar uma área mais próspera, pois
as terras do novo arraial eram férteis. Em 1818, devido ao grande crescimento, o então Arraial
passa à condição de freguesia de Uberaba.
As famílias que ali se estabeleciam eram compostas, na sua maioria, por um número
elevado de filhos, pois a primeira característica da formação econômica de Uberaba era o
trabalho familiar, estendido pelo trabalho escravo. Para Lourenço (2002, p. 196),
[...] nessa sociedade, possuir escravos não era privilégio apenas dos grandes senhores. Havia uma
pulverização da posse mancípia, e por isso o mais comum era proprietários de um a cinco
escravos. Esses escravos, porém, não substituíam nem descaracterizavam o trabalho familiar, mas o estendiam, não havendo nessas pequenas unidades uma divisão do trabalho muito clara entre
escravos e seus senhores.
Em 1823, Antônio Eustáquio inaugurou o porto da Ponte Alta, no rio Grande, divisa
de Minas com São Paulo, possibilitando, por meio de embarcações, a ligação à estrada Toque
Anhanguera (Rodovia Anhanguera), encurtando a distância para Santos, e possibilitando,
desse modo, a ligação de Uberaba à Estrada Real, com destino ao Rio de Janeiro. Para
Rezende (1991), a melhoria nos transportes da região condicionou o aumento das negociações
comerciais da época; neste período, o produto que mais se destacava era o sal. Observa-se que
o desenvolvimento das regiões do sertão do Triângulo Mineiro obedeceu a uma lógica
essencialmente mercantil, determinada pela mercadoria, pelo ganho econômico, pela posse da
terra e demais propriedades privadas, dentre as quais a força de trabalho, e obviamente do
poder político e ideológico.
Em 22 de fevereiro de 1836, o governo provincial elevou o arraial à condição de vila,
criando assim o município de Santo Antônio de Uberaba, conforme a Lei nº 28 de 1836,
fazendo com que se iniciasse sua trajetória independente a partir de 1837, quando tomou
posse sua primeira Câmara Municipal, tendo como representante o padre Antônio José da
Silva.
83
Uberaba, do período de sua fundação ao início da década de 1840, desenvolveu-se
significativamente devido ao aumento da produção de gêneros destinados ao abastecimento
interno, aquecendo o comércio interprovincial. Embora caracterizada por uma economia
mercantil que abastecia um mercado interno crescente, as relações sociais de produção
mantinham-se quase que basicamente no modelo escravista, pois, segundo estimativas, nesse
período, 84% dos comerciantes e pequenos proprietários possuíam escravos (LOURENÇO,
2002). A partir desta mesma década, e em função dessa economia mercantil de gêneros
agrícolas, Uberaba toma novos rumos na expansão comercial. A elite — composta pelos
fazendeiros da região — fomenta o crescimento da cidade.
A presença dessa elite gerava novas demandas e novos serviços na economia da vila, que
funcionavam como fatores de atração para uma população sedentária. Por exemplo: surgiam
escolas, teatros, e a política institucional, com casa de câmara e cadeia. E é justamente nesse
momento que se percebe o surgimento de outra elite, agora com ares de urbanidade, formada pelos professores, amanuenses, juízes, padres, que começariam a publicar jornais e a fazer saraus.
Pode-se dizer que nessa fase já existia o urbano (LOURENÇO, 2002, p. 237).
Além do comércio de sal, aumenta na cidade a produção têxtil, mas de caráter
doméstico e não fabril, pois se abastecia a própria população. Isso significa que, ao lado dessa
economia mercantil promissora, muitas famílias desenvolviam ainda a economia de
subsistência, com a lavoura e a criação de bovinos e suínos, conhecida como modo de vida
caipira.
Entre as décadas de 1850 e 1860, ocorre uma elevação do nível econômico de
Uberaba. De acordo com Rezende (1991), os bancos rurais hipotecários lançavam
investimentos na agricultura local, resultado de uma transformação que ocorria no Brasil, pois
―o desenvolvimento que se processava na cidade era sintoma das alterações que se verificam
na ordem capitalista a partir da segunda metade do século XIX‖ (REZENDE, 1991, p. 39).
Esta mesma autora infere a ampliação da participação do consumo de produtos manufaturados
por meio das importações e a concentração de esforços no aumento da produção agrícola,
principalmente no café. O crescimento da economia nacional centrado pela produção do café
trouxe reflexos para a economia de Uberaba nesta época, devido à cidade ser um entreposto
comercial.
Enquanto a produção de café nas terras paulistas destinava-se ao mercado externo, a
Uberaba, como foi dito, cabia o comércio interno de produtos para a região paulista e de
fornecedor e abastecedor de outras regiões. Entre as décadas de 1850 e 1860, a cidade de
Uberaba tinha uma população de aproximadamente 13 mil habitantes, sendo que, neste total,
variando entre uma década e outra, havia entre 1.800 a 4.000 escravos, conforme Rezende
84
(1991), o que demonstra a apropriação da força de trabalho não paga e representa os ganhos
substanciais dos proprietários dos meios de produção.
Concomitante a esse crescimento da economia local com base na mão de obra escrava,
no cenário das relações internacionais, o Brasil abolia o tráfico negreiro (em 1850) devido a
um acordo comercial com a Inglaterra, pois esta nação não realizaria transações comerciais
com o Brasil enquanto perdurasse o tráfico.8 Em consequência, entre 1850 e 1888, o tráfico de
escravos continuou acontecendo no interior do Brasil, como tráfico interprovincial. Com a
força do trabalho escravo tornando-se cada vez mais cara e rara, durante esse período (1850 a
1888), começavam a coexistir relações sociais de produção que transitavam entre o
escravagismo e a força de trabalho assalariada (MANO, 2006). Uma característica desta
mudança na relação de trabalho foi apontada por Lourenço (2002, p. 159):
O escravista, ao comprar do traficante o escravo, esterilizaria um fundo de riqueza em favor da
compra de um poder sobre o trabalhador, pode ser de explorá-lo e acumular seu sobretrabalho. O escravo, nesse sentido, não venderia seu trabalho ao senhor em troca do alimento, como na
relação de trabalho assalariado. A mercadoria em si não seria o trabalho, mas sim o escravo, ou o
poder de coerção extraeconômica sobre o trabalhador escravizado.
Outra característica marcante seria o diferencial existente entre o trabalho escravo e o
trabalho livre, pois exigiria do trabalhador livre abandonar sua própria produção de
subsistência para atender a uma nova modalidade mercantilista, o trabalho assalariado.
Segundo análises de Mello (1984, p. 79),
É fundamental ir além e entender que os homens livres e pobres abandonariam a produção da própria subsistência se, e somente se, impelidos pelo peso da necessidade. Nem a raiz do
problema reside numa pretensa falta de mobilidade, criada pelo ―latifundiário‖ por algum motivo
(poder político, disponibilidade de trabalhadores para tarefas auxiliares, etc.), nem, mesmo ainda,
uma ―taxa de salários ligeiramente acima do nível de subsistência‖ seria suficiente para arrancá-los de seu modo secular de vida.
Com a necessidade de se ter mão de obra assalariada, intensifica-se o processo de
imigração, que se torna basicamente a resposta para o reposicionamento da força de trabalho,
agora na condição de atividade assalariada que as novas relações de produção precisavam. Os
estrangeiros que chegavam ao Brasil eram levados às fazendas para trabalharem nas lavouras.
Alguns por possuírem experiência e conhecimento comercial, vão para as cidades e
colaboram para a expansão comercial.
8 Cabe observar que o posicionamento da Inglaterra nada tem a ver com a preservação dos direitos humanos dos
negros; vincula-se ao fato de que o país vivenciava uma explosão na produção de mercadorias, patrocinada pela
Revolução Industrial e, deste modo, precisava de subterfúgios e acordos para inundar o mundo com seus produtos.
85
Pontes (1978) ressalta que, em Uberaba, os imigrantes influenciaram o
desenvolvimento das forças produtivas da cidade com a abertura de várias casas comerciais.
Após alguns anos, com o desenvolvimento industrial, os imigrantes tornaram-se essenciais
para a efetivação e execução do trabalho dentro das indústrias, pois os novos imigrantes que
chegavam ao Brasil conheciam o ritmo do sistema de produção fabril. Para Skidmore (1998,
p. 120),
[...] os proprietários brasileiros de fábricas, como seus equivalentes capitalistas por toda a parte,
enfrentavam a necessidade de impor disciplina aos trabalhadores. Os trabalhadores brasileiros,
muitos dos quais vinham do campo, tinham de ser ensinados a se adaptar ao processo de produção em massa, o que significava a tirania do relógio. Os empregadores costumavam preferir
trabalhadores imigrantes, que eram às vezes mais bem treinados nos ritmos do trabalho urbano.
Toda esta transformação era reflexo do sistema comercial que se engendrava no
cenário urbano, pois, neste momento de avanço comercial — em 1874 —, Uberaba possuía
casas comerciais, de varejo e atacado, subordinando o trabalho humano às determinações do
capital. Na década de 1880, segundo Rezende (1991, p. 78), foram fundadas algumas fábricas,
tais como ―[...] a fábrica de Tecidos Cassu, uma fábrica de chapéus e um engenho central, [...]
em 1887 a cidade contava com três fábricas de cerveja, uma de queijo, uma de vinho, uma
extrativa de leite, uma de flores artificiais, uma de tijolos e uma de chapéus‖. A economia
tipicamente agropecuária e comercial se reorganiza na direção de aglutinar os trabalhadores
no chão da fábrica, sob as determinações das relações capitalistas de caráter fabril.
Este período é marcado por uma transformação nas relações econômicas, pois surgem
as indústrias e os movimentos abolicionistas tornam-se marcantes.
O trabalho assalariado se tornara dominante e o Abolicionismo, a principio um movimento social
amparado apenas nas camadas médias urbanas e que fora ganhando para si a adesão das classes
proprietárias dos estados não cafeeiros, na medida em que o café passara a drenar para si escravos de outras regiões, recebera, agora, o respaldo do núcleo dominante da economia cafeeira
(MELLO, 1984, p. 87).
Com o fim da escravidão em 1888, o trabalho imigrante é intensificado, pois a
agricultura cafeeira está em alta, e é por meio desta que, alguns anos depois, os capitalistas
teriam capital para intensificar a industrialização nos mais diversos setores da economia
nacional. Ao utilizar-se da força de trabalho assalariada nas fazendas de café, surgiam os
primeiros sinais para a passagem da economia colonial e mercantil escravista à economia
exportadora capitalista. ―o complexo exportador cafeeiro, ao acumular, gerou o capital-
dinheiro que se transformou em capital industrial e criou condições necessárias a essa
transformação‖ (MELLO, 1984, p. 101). Além da acumulação de capital, o fim da escravidão
86
e a afirmação do trabalho assalariado eram essenciais para o desenvolvimento do capitalismo
industrial, sendo a Inglaterra o maior interessado, pois queria expandir suas relações
comerciais.
Em contexto diacrônico das relações de produção uberabense, um acontecimento
fomentou o comércio e a indústria local: a chegada da linha férrea Mogiana (MENDONÇA,
1974). Com o surgimento da estrada de ferro, houve barateamento dos produtos e aumento do
volume das mercadorias, constituindo-se, assim, um dos elementos da infraestrutura
necessária para o desenvolvimento do capitalismo, como pode ser visto em Rezende (1991).
O interesse por novos mercados fez aumentar as construções das estradas de ferro.
Com a construção das linhas férreas atingindo Araguari e a construção do porto Antonio
Prado em Frutal, Uberaba deixa de ser o polo comercial expressivo desta região (PONTES,
1978). Com isto, surge o interesse pela pecuária, e alguns uberabenses importam reprodutores
e matrizes da Índia, desenvolvendo assim a pecuária zebuína no Brasil.
Ocorria em Uberaba um paradoxo na sua vida econômica: eleva-se com a criação de
gado zebu e perde a posição de entreposto comercial, passando a ser um posto de
abastecimento. Nesse período, ocorrem declínio da urbanização e empobrecimento da vida
social.
Na primeira metade do século XX, Uberaba, segundo Martins (2006, p. 27), ―foi
marcada pelo desenvolvimento econômico centrado na pecuária e na agricultura. A
agricultura possibilitou que o município tornasse o maior produtor de grãos de Minas Gerais‖.
Em 16 de dezembro de 1923, foi fundada a Associação Comercial e Industrial de Uberaba,
com o propósito de defender os interesses da classe e propugnar o progresso e grandeza do
Triângulo Mineiro.
À Associação Comercial e Industrial de Uberaba, aos seus trabalhos e aos esforços em prol da
grandeza de nossa terra, devemos inúmeras iniciativas e magníficos serviços prestados à coletividade. Sempre esteve à frente de todas as campanhas que visem à prosperidade desta
região, ao desenvolvimento do comércio, da indústria, da pecuária, da agricultura. A sua
presença, sempre benéfica, se fez sentir em todos os setores de nossa atividade, mesmo nas
esferas sociais e no domínio da inteligência e da cultura (MENDONÇA, 1974, p. 182).
Nesta citação, fica clara a intencionalidade em defesa do desenvolvimento das forças
econômicas a partir do seu mote principal, que é a prosperidade, o desenvolvimento humano e
social e o poder deste povo que, desde seus primórdios, baseou sua riqueza na exploração dos
homens, na usurpação dos recursos naturais e no uso da força (pistolagem), mediados e
atenuados pelas alienantes bem-aventuranças religiosas que foram marcantes para o
desenvolvimento econômico e social da cidade.
87
Mesmo com a introdução relevante do gado zebu e o aumento da produção agrícola
(grãos), houve aumento significativo das indústrias na cidade. Pontes (1978, p. 370) ressalta
que, ―em 1933, existiam na cidade e município 187 estabelecimentos fabris‖. Com o amparo
dos argumentos de Mello (1984), pode-se destacar que a indústria e a agricultura se apoiavam
mutuamente, criando mercados uma à outra, numa relação de subsidiariedade. Analisando as
transformações históricas das relações econômicas e sociais de Uberaba, no momento da
passagem da economia colonial à economia industrial capitalista, esta transformação pode ser
assim explicada:
O processo de industrialização em qualquer região supõe como pré-requisito, a existência de certo grau de desenvolvimento capitalista e, mais especificamente, supõe a preexistência de uma
economia mercantil e, correlatamente, implica um grau relativamente desenvolvido da divisão
social do trabalho. Esse último processo, por sua vez, na medida em que se intensifica em moldes
capitalistas, resulta na força de trabalho... Contudo, estes pré-requisitos são criados pela organização capitalista que antecede a produção propriamente industrial. Antes de existir como
empresário industrial, o capitalista brasileiro já existia, nesta, mesma qualidade de capitalista,
como comerciante, como plantador ou como financista, e como tal, capitalista, criava as
condições para a implantação do regime capitalista de produção industrial (CARDOSO apud MELLO, 1984, p. 99).
Pode-se assim dizer que, em Uberaba, o processo de industrialização foi motivado
pelo desempenho da economia mercantil agropecuária, em vários momentos. Enquanto essa
economia utilizou-se da mão de obra escrava, sobretudo entre 1822 e 1888, esta propiciou ao
capitalista o acúmulo de capital, pois essa economia, ainda que baseada na utilização da mão
de obra escrava, era uma mercadoria constitutiva da economia nacional e, portanto, do
processo de acumulação primitiva e comandado por essa nascente burguesia. Posteriormente,
ao introduzir a força de trabalho assalariada, essa economia mercantil agropecuária incentivou
a passagem definitiva para as relações sociais de produção de base capitalista e, com isso,
incrementou o desenvolvimento do comércio local para um crescente mercado consumidor
composto por esses assalariados.
A consequência desses fatores culminou no desempenho de um setor industrial (com
base nas relações sociais de produção assalariada) de bens de consumo (sobretudo tecidos)
para esse crescente mercado consumidor. Capital agropecuária, capital comercial e capital
industrial possuem, assim, relações íntimas. À medida que se consolidavam as relações
mercantis em todos os âmbitos, inclusive na força de trabalho, caminhava-se conjuntamente
para a fase final do capitalismo regional: a industrialização.
Uberaba, neste período inicial do seu capitalismo industrial — 1940 a 1960 —, passa
por todo o processo e reflexos da estruturação produtiva: sua economia desenvolve-se
88
gradativamente, intensificam-se as relações sociais e políticas. A cidade encontra-se completa
para as relações nacionais e internacionais, assim, à globalização.
A partir da década de 1970, Uberaba, sem eximir-se de sua produção agrícola e
pecuária nem do desenvolvimento comercial, amplia seu parque industrial na produção de
fertilizantes e defensivos agrícolas. Hoje, o município é responsável por aproximadamente
25% da produção de fertilizantes consumidos no Brasil, sendo considerado o maior produtor
de fertilizantes fosfatados da América Latina.
Intrínseco a este desenvolvimento econômico que se instalou na cidade consta o
desenvolvimento político, pois ambos se relacionam, pelo fato de que a cidade ainda é
legatária de um profundo sentimento provinciano, com a presença de grupos familiares
detentores de poder econômico e de forte prestigio político que, desde sua fundação, vêm se
alternando nos Poderes Executivo e Legislativo locais. Nesse quadro,
[...] é possível identificar então que a estrutura social se constitui fundamentalmente de relações de poder, a sociedade se instaurando como uma estrutura hierárquica, sendo o poder social
exercido por uns sobre os outros, de modo diretamente proporcional à aproximação pelos
indivíduos ou grupos dos meios de produção e, consequentemente, de sobrevivência. O poder
social que assim se torna poder político encontra sua base de fato no poder econômico, ou seja, no domínio dos meios de se prover a própria existência material (SEVERINO, 1994, p. 21).
No processo histórico-político de Uberaba, Pontes (1978) ressalta que, de meados do
século XIX ao início do século XX, o conflito político estava entre os partidos Liberal e
Conservador, que logo depois se desmembraram, criando-se os partidos Restaurador,
Republicano e Liberal. Ainda no final do século XIX, instituem-se o Partido Progressista, o
Republicano Municipal e o Republicano Mineiro. Em 1909, cria-se o Partido Democrata.
Todos estes partidos traziam características em comum. O apoio e a movimentação entre os
políticos e os seus correligionários aconteciam por meio dos jornais da cidade e sempre com
influência das famílias de maior poder econômico, principalmente as ligadas à agropecuária.
Por anos, este conjunto de famílias conservadoras, conhecido como a ―Tradicional
Família Mineira‖, manteve seus representantes no Poder Executivo do município. Hoje, este
cenário não difere de forma significativa, pois os membros destas famílias continuam no
poder político, no município e no Estado, influenciando decisivamente as relações
econômicas e comerciais da cidade. Às famílias tradicionais, donas dos currais eleitorais
ainda existentes na cidade, foram, com o passar dos anos, apelidadas de ―zebuzeiros‖, pelo
poder emanado da criação do gado zebu. Desde a década de 1930, Uberaba mantém a maior
feira agropecuária de zebu do mundo, sendo considerada a capital mundial do zebu, e seus
89
empresários são largamente conhecidos pelas grandes fortunas e pela detenção de enormes
quantidades de terras, ou seja, as famílias do agribusiness.
Percebe-se que manter aqueles que têm poder econômico no poder político é algo
construído e que está arraigado nos valores do município. Pontes (1978, p. 102), descrevendo
o início da vida política no município, observa que ―a sociedade uberabense que até então,
sem cor política, vivia somente para o progresso da vila e seu município, dividiu-se, ficando
até hoje o campo semeado dessa erva daninha, chamada politicagem pessoal‖.
Atualmente, a economia do município de Uberaba baseia-se na agroindústria, nas
indústrias de fertilizantes, couros e cerâmicas e, também, no setor moveleiro (este último
nicho econômico rende à cidade o título de terceiro maior polo moveleiro da América do Sul),
além da indústria pesada, de bens de consumo e da agropecuária, com destaque para a criação
de bovinos e avícola e a produção de grãos. Com todo este desenvolvimento econômico e
comercial, Uberaba hoje possui um PIB de aproximadamente R$ 4,5 trilhões (IBGE/2010),
uma renda per capita média de R$ 18 mil, sendo considerada a 71ª economia brasileira e
quinta de Minas Gerais.
Na atualidade, a economia do município é síntese de um processo engendrado pelo
capital para garantir sua (re)produção, caracterizando-se principalmente pela existência do
desenvolvimento fundado em bases econômicas e sociais com clara tendência arcaica,
cristalizado em constante retórica moderna que, em síntese, se funda na posse da propriedade
privada, na exploração e no cerceamento do homem. Esta relação entre o arcaico e o moderno
vem reafirmar a hegemonia do capital sobre as estruturas das sociedades, dentre as quais a de
Uberaba, onde se perpetua a relação de classes e a justificativa da existência da pobreza e da
desigualdade. Com relação ao arcaico e o moderno,
[...] as desigualdades que presidem o processo de desenvolvimento do país têm sido uma de suas
particularidades históricas. O moderno se constrói por meio do arcaico, recriando nossa herança histórica patrimonialista ao atualizar marcas persistentes e, ao mesmo tempo, transformando-as
no contexto de mundialização do capital sob a hegemonia financeira (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2000, p. 101).
Esta reflexão explicita que esta relação está presente na formação sócio-política e
econômica desta cidade e marca indelevelmente as características patrimonialistas (herdadas
do modelo colonial e da República Velha), o que demonstra a ruptura dos limites entre Estado
e o privado; caracteriza-se pela reafirmação da pequena política e pelo modelo provinciano de
gestão da coisa pública, o que, aliado à lógica do capital, incide diretamente na desigualdade
social.
90
Sendo assim, as desigualdades mostram o ―descompasso entre atemporalidades
históricas‖, mas secularmente articuladas, demostrando uma marca de desenvolvimento
atrelado a desigualdades social e que afetam todas as outras esferas da sociedade, tais como a
economia, a política, a cultura, etc. E isso reflete um padrão de mudanças no qual tanto o
arcaico quanto o moderno se alteram em posições diferentes, ou seja, os modos de produção
extremamente elevados convivem com relações sociais de produção precárias (IAMAMOTO,
2000b). Deste modo, essa desigualdade social tem respostas nos índices de desenvolvimento
da cidade, o que revela de maneira superficial e aparente a grande distância entre ricos e
pobres no cenário da totalidade da vida social.
Outros índices oficiais demonstram o desenvolvimento da cidade, como o índice de
vida (IDHM-L) de 0,815 e o índice de educação (IDHM-E) de 0,913; isto proporciona à
cidade um índice de desenvolvimento humano (IDH-M) de 0,834, considerado elevado
(PNUD, 2000). A população da cidade é estimada em 300 mil habitantes, de acordo com o
Censo de 2010.
Atualmente, a cidade conta com um parque industrial diversificado, com uma rede de
serviços consolidada pela sua localização geográfica concebida como estratégica aos
interesses do capital, por ficar equidistante (cerca de 500 km) de Brasília, Belo Horizonte e
São Paulo.
Uberaba possui seis universidades, sendo quatro privadas e duas públicas federais,
constituindo-se como uma cidade universitária e produtora de conhecimento nas mais diversas
áreas do saber. Sua tradição universitária inicia-se com a criação da Faculdade de Engenharia,
Odontologia e Direito em 1945, hoje Universidade de Uberaba, e foi fortalecida pela criação
da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, hoje Universidade Federal do Triângulo
Mineiro. Cabe lembrar que estas duas universidades oferecem, juntas, 55 cursos de
graduação, além de cursos de pós-graduação lato e stricto sensu.
A proliferação de instituições universitárias na cidade vem responder as exigências das
forças produtivas local, com a direção de qualificação de mão de obra para atendimento das
necessidades do capital. É notória a característica de formação de profissionais para
atendimento do mercado, não da sociedade.
Como já mencionado, a cidade se apresenta com um desenvolvimento econômico
significativo, e o resultado deste desenvolvimento é direcionado para atender as demandas
apresentadas, bem como atender a lógica do capital. Deste modo, as relações sociais de
produção apresentadas pela cidade são frutos de uma relação de desigualdade e exploração
que se engendraram ao processo de acumulação capitalista. Com isto, as expressões da
91
questão social foram se desenvolvendo e se transformando e hoje se apresentam de acordo
com a realidade social da cidade.
No processo sócio-histórico de Uberaba, além das questões econômicas e política, há,
também, o aspecto social, pois, na construção e formação da cidade, a economia e a política
tinham — e ainda têm — um cunho familiar e/ou patriarcal, o que forcejou uma característica
fundamentalmente religiosa que imprimiu uma direção de trabalho social que se
institucionalizou para atender às demandas postas pelo desenvolvimento (capitalista) da
cidade. Este trabalho social tinha (e ainda tem) uma raiz assistencialista, pois, conforme
Martins (2006, p. 25), a questão religiosa
[...] permeia a história do município tal qual os aspectos econômicos, geopolíticos, sociais,
culturais. As características e atitudes da população indicam influências de sua opção religiosa.
Com isso, a organização da cidade, das ações sociais é caracterizada pela filantropia, pela
caridade e pelo assistencialismo.
Na direção de concentração de poder político, o fundamento religioso presente na
cidade acabou por conduzir à constituição de diversas obras sociais mantidas, a princípio, pela
Igreja Católica, pelo fato de que a agitação política e social das décadas de 1930 e 1940,
centrada na crise das oligarquias, faz com que a Igreja se reorganize, na medida em que
abandona a visão ―contemplativa‖ e lança-se no contexto de uma ampla intervenção na vida
social (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000). Nesta direção, a Igreja reestrutura sua prática
social, na criação e manutenção de diversas instituições de caráter assistencial no município
de Uberaba, visando ao atendimento das necessidades dos trabalhadores espoliados.
Outro fato que merece destaque reside na relação da questão religiosa com as políticas
assistenciais nas primeiras décadas do século passado, particularizando o debate para a
existência da proliferação das atividades sócio-assistenciais mantidas por grupos espíritas
kardecistas em Uberaba, que, tradicionalmente, têm como orientação filosófica a prática da
caridade aos necessitados. Com relação à prática kardecista, fica mais evidente sua posição
como instituição promotora de práticas assistencialistas com a chegada a Uberaba, em 1959,
do médium Francisco Cândido Xavier, o que trouxe para a cidade uma legião de entidades
assistenciais e a peregrinação de milhares de pessoas em busca de atendimentos assistenciais.
Sem dúvida, a prática religiosa para além da satisfação das necessidades espirituais do
homem ofereceu uma marca inegável para a cidade de Uberaba, no que tange à prática da
caridade, do assistencialismo e das ações focalizadas, sendo estas construídas ao longo de
anos na oferta de serviços deslocados da esfera do direito, o que produziu uma população
extremamente dependente destas instituições, fazendo com que as políticas sociais na cidade
92
ainda transitem pelos conflituosos caminhos da benesse e da troca, em desfavor à concepção
de Estado de direito.
3.2 A docência como espaço sócio-ocupacional do assistente social
3.2.1 A formação profissional e as diretrizes curriculares gerais
A proposta das diretrizes curriculares gerais para os cursos de Serviço Social surgem
num momento em que as diretrizes anteriores, no caso de 1982, já não mais abarcavam toda a
compreensão da totalidade social na qual o assistente social se insere, derivando desta
insatisfação a urgência na redefinição dos padrões de qualidade da formação profissional, com
o objetivo de capacitar o assistente social para compreender, desvendar, refletir e intervir na
realidade social, profundamente determinada pelo capital.
O momento de revisão do currículo mínimo da formação profissional, que perdurava
desde 1982 (Parecer CFE nº 412, de 4 de agosto de 1982), ocorreu durante a XXVIII
Convenção Nacional da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (Abess), realizada
em Londrina (PR), em outubro de 1993. Essa revisão se impôs em face dos movimentos
contemporâneos causados pela agudização das relações entre capital e trabalho, que tem na
questão social e suas múltiplas expressões sua indelével marca.
Na busca pela ruptura com um currículo anacrônico, que já não atendia as demandas
do Serviço Social, a Abess promoveu, em parceria com o Centro de Documentação e Pesquisa
em Políticas Sociais e Serviço Social (Cedepss), o então Conselho Federal de Assistentes
Sociais (Cfas), a Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (Enesso),
representantes da categoria profissional, estudantes e pós-graduandos, cerca de 200 oficinas
em 67 unidades acadêmicas filiadas à Abess. Ocorreram, também, duas oficinas nacionais e
25 estaduais, com a finalidade de aprofundar os debates em torno das transformações
societárias em curso e da formação do assistente social na contemporaneidade.
Adensaram-se os desdobramentos dos debates em torno da revisão curricular, que foi
aprovada na XXIX Convenção Nacional da ABESS, em 1995, no Recife. Finalmente, em
1996, o processo de constituição de uma nova lógica curricular a faz mais próxima da
realidade acadêmica, política e social do país. A Abess encaminha a proposta de renovação
curricular no ano de 1996 ao Conselho Nacional de Educação para sua apreciação e
aprovação.
93
A formação profissional do Assistente Social sob a nova concepção curricular indica
que:
―1. O Serviço Social se particulariza nas relações sociais de produção e reprodução da vida social
como uma profissão interventiva no âmbito da questão social, expressa pelas contradições do
desenvolvimento do capitalismo monopolista. 2. A relação do Serviço Social com a questão social — fundamento básico de sua existência — é
mediatizada por um conjunto de processos sócio-históricos e teórico-metodológicos constitutivos
de seu processo de trabalho.
3. O agravamento da questão social em face das particularidades do processo de reestruturação produtiva no Brasil, nos marcos da ideologia neoliberal, determina uma inflexão no campo
profissional do serviço Social. Esta inflexão é resultante de novas requisições postas pelo
reordenamento do capital e do trabalho, pela reforma do Estado e pelo movimento de organização
das classes trabalhadoras, com amplas repercussões no mercado profissional de trabalho. 4. O processo de trabalho do Serviço Social é determinado pelas configurações estruturais e
conjunturais da questão social e pelas formas históricas de seu enfrentamento, permeadas pela
ação dos trabalhadores, do capital e do Estado, através das políticas e lutas sociais‖ (ABEPSS,
1996).
Estes pressupostos da formação profissional marcam a busca por uma nova lógica
curricular que abranja toda a dinâmica da sociedade e suas interferências no cotidiano
profissional do assistente social, sempre polarizadas pelos interesses de classes e tendo como
cerne a critica à sociedade capitalista.
Com relação ao cenário dado na institucionalidade da política de educação,
especialmente a superior, observamos que
No Brasil, a atual configuração pedagógica e sócio-institucional da formação profissional toma
forma na reestruturação do sistema nacional de educação, cujos contornos são dados pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n.
9.394, de 20/12/1996, ao estabelecerem os dispositivos jurídico-institucionais das alterações que
viriam a ocorrer no quadro geral da educação e, em particular, no nível superior (KOIKE, 2009,
p. 204-5).
No que tange à formação profissional, observa-se, na atualidade, que os combates
empreendidos pelo coletivo profissional na configuração da nova lógica curricular entram em
rota de colisão com o projeto burguês de orientação da formação superior, particularmente o
Serviço Social, tendo em vista o processo de formação em massa, com vistas a atender as
requisições do mercado e, principalmente, no atendimento da lógica do lucrativo setor de
educação superior de origem privada.
Se antes a luta era a favor da tríade educação pública, laica e de qualidade, hoje se
soma a esta a direção de combate a favor de uma educação pública e, infelizmente, com a
aceitação do privado, laica, de qualidade e presencial. Hoje, a educação a distância (EaD)
representa uma grande fatia do comércio da educação superior, revelando a intencionalidade
deste tipo de formação, travestida da falaciosa e já desgastada retórica de acesso à educação
94
superior e da justiça social, como forma de justificativa da assombrosa oferta de vagas no
ensino a distância. O conceito de justiça social e de facilitação do acesso ao nível superior
esconde a face escurecida do capital da educação que, por meio das suas tecnologias na era
informacional, descaracteriza e vem paulatinamente assoreando a dimensão política da
profissão pela via do empobrecimento intelectual do assistente social. Este empobrecimento
levado a cabo pelo atual panorama universitário brasileiro ―compromete a direção social do
projeto profissional que se propõe hegemônica, estimulando a reação conservadora e
regressiva no universo acadêmico e profissional do Serviço Social brasileiro, com
repercussões no processo de organização dessa categoria‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 441).
O cenário que se desvela na atualidade indica que o processo de formação acadêmica
em massa possibilitará um inequívoco adensamento do exército industrial de reserva, posto a
atender as demandas determinadas pelo fluxo do capital, na direção de precarização das
condições de trabalho, nas questões salariais, do empobrecimento da práxis política do
assistente social, com sérios rebatimentos no comprometimento com o projeto da profissão.
A questão do ensino a distância assumiu centralidade nos debates da profissão em
suas dimensões constitutivas (Abepss, Cfess, Cress e Enesso). Porém, é necessário pontuar
nesta pesquisa que as mudanças em curso têm determinado um padrão de formação
profissional em Serviço Social que extrapola o debate da modalidade (presencial ou a
distância), pois seu cerne situa-se na formação acadêmica.
O combate contra o ensino a distância acabou por ocultar, mesmo que
momentaneamente, a proliferação dos cursos presenciais nas unidades privadas, que tem seu
projeto de formação voltado para atendimento do mercado, expresso pela otimização do
tempo de formação (cursos de menor duração), na desqualificação do debate sobre as
questões centrais da profissão e da sociedade.
Associa-se a estes elementos o desmonte da universidade pública, com a proposta de
formação de ciclos comuns, patrocinados pelo Programa de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (Reuni), que promoveu, por meio do conceito de
multidisciplinaridade, a fragilização do processo de reflexão crítica dos assistentes sociais em
formação. Além destes elementos, a universidade pública sofre com um processo de
sucateamento, que tem mediações inequívocas com a fragilização da sua autonomia, orientada
no sentido de ―reduzir a participação financeira do Estado na manutenção da universidade
pública, a favor de sua crescente privatização, através de mecanismos que corroem, por
dentro, a sua natureza pública‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 448).
95
A crise no processo de formação acadêmica em Serviço Social não se restringe à
formação profissional, apenas. Ela possui mediações e determinações que necessitam ser
debatidas, analisadas e aprofundadas, sob a lógica de compreendê-la e situá-la na totalidade.
Esta crise esconde o franco processo de desmonte dos direitos e das condições de trabalho dos
trabalhadores da educação, dentre eles, os professores, que veem seus salários achatados,
condições precárias de trabalho, a inexistência de planos de carreiras e o esfacelamento da
tríade: ensino, pesquisa e da extensão.
Mesmo com um cenário especialmente adverso, a proposta de formação profissional,
tem como objetivo uma formação profissional essencialmente distanciada do
conservadorismo, tendo como primazia a busca de uma compreensão crítica da dinâmica
social enfrentada pelo assistente social, definindo que estas diretrizes deveriam implicar numa
capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, que possibilite a
compreensão da sociedade capitalista e a inserção do assistente social na esfera da
(re)produção social.
Deste modo, a formação profissional necessita ter como direção:
―1. Apreensão crítica do processo histórico como totalidade;
2. investigação sobre a formação histórica e os processos sociais contemporâneos que conformam a sociedade brasileira, no sentido de apreender as particularidades da constituição e
desenvolvimento do capitalismo e do Serviço Social no país;
3. apreensão do significado social da profissão desvelado às possibilidades de ação contidas na
realidade; 4. apreensão das demandas – consolidadas e emergentes – postas ao Serviço Social via mercado
de trabalho, visando formular respostas profissionais que potenciem o enfrentamento da questão
social, considerando as novas articulações entre público e privado;
5. exercício profissional cumprindo as competências e atribuições previstas na Legislação Profissional em vigor‖ (ABEPSS, 1996).
Esta direção impressa à formação profissional objetiva capacitar o assistente social em
formação para analisar, interpretar e intervir na realidade concreta, realidade esta
profundamente atravessada pelas relações sociais de produção capitalistas, constituídas
historicamente. Objetiva, ainda, a reflexão sobre a centralidade da questão social, concebida
como objeto de intervenção do assistente social, potencializando o profissional para sua
compreensão e enfrentamento no cenário das lutas. A partir deste direcionamento na formação
profissional, as propostas das diretrizes curriculares seguem na construção de ―conteúdos
(teórico-ético-políticos-culturais) para a intervenção profissional nos processos sociais que
estejam organizados de forma dinâmica, flexível, assegurando elevados padrões de qualidade
na formação do assistente social‖ (ABEPSS, 1996).
96
Estes conteúdos versam sobre a capacidade do profissional entender o processo
vivenciado no seu cotidiano, capacitando-o de forma a enfrentar criticamente esta realidade
tão presente na práxis profissional do assistente social, elevando seu conhecimento teórico-
crítico, para assim apreender a realidade e ser um profissional competente e compromissado
com os valores assumidos coletivamente.
3.2.2 Os núcleos de fundamentação da formação profissional
Fundamentos teórico-metodológicos da vida social
Este núcleo visa à compreensão do ser social enquanto sujeito histórico,
fundamentando os seus aspectos particulares da vida social na sociedade brasileira, buscando
por meio de concepção calcada em um fundamento histórico-metodológico que possibilita
conhecer o processo de institucionalização da profissão sob determinações sociais,
ideológicas e históricas. Outro aspecto importante é a compreensão da vida social do país,
articulando as refrações do passado e os seus significados na contemporaneidade, trabalhando
aspectos como: propriedade privada, divisão social do trabalho, divisão de classes e as
relações sociais no âmbito do trabalho.
Enfatizando todo o processo de produção e reprodução da vida social, das lutas de
classes e das múltiplas expressões da questão social, este núcleo traz um aporte crítico quanto
ao conhecimento da realidade cotidiana vivenciada pela classe trabalhadora, inclusive o
assistente social, frente ao avanço do capitalismo na sua fase monopólica e sua participação
direta no contexto ideopolítico da classe dominante frente à classe trabalhadora. Este eixo
determina um novo olhar perante o painel ideológico determinado pelo capital, buscando por
meio dele uma reflexão crítica de toda totalidade social a qual o homem se situa, produz e
reproduz.
Fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira
Este núcleo objetiva o conhecimento da constituição da lógica capitalista no cenário da
sociedade brasileira, seu processo de (re)produção sociometabólica e de interferência na vida
material e espiritual da força de trabalho. Objetiva, também, as reflexões sobre os impactos
das relações sociais de produção no cotidiano da sociedade brasileira.
97
Amparado em uma fundamentação teórica fundada no arcabouço da teoria social
crítica, este eixo busca a compreensão das relações entre o Estado, a sociedade e o capital,
mediado pela forte influência nas políticas sociais, numa visão econômica, sócio-histórica e
política. A dinâmica de existência da classe trabalhadora enquanto segmento de resistência e
necessária à (re)produção do modo de produção capitalista, subsidiando desta forma a
compreensão desta realidade de forma crítica e (re)pensar seu trabalho profissional na
dinâmica das relações sociais vigentes.
Núcleo de fundamentos do trabalho profissional
Este núcleo compreende o estudo da constituição do Serviço Social enquanto profissão
inserida na divisão sócio-técnico do trabalho, sendo considerada uma especialização do
trabalho coletivo, realizando o seu fazer profissional como uma materialização de um
―processo de trabalho que tem como objetivo as múltiplas expressões da questão social‖
(ABEPSS, 1996).
Este eixo em sua totalidade engloba os conhecimentos da tríade profissional, os
fundamentos teórico-metodológicos, ético-político e técnico-operativos, relacionando estes
eixos importantes da formação profissional numa direção profissional que propicie uma
apreensão de todo o processo constituinte em que o assistente social se depara no decorrer de
seu trabalho profissional, buscando por meio deste uma fundamentação crítica sobre o
processo das relações sociais de produção e a inserção do serviço social na divisão sócio-
técnico do trabalho.
Dentre estes aspectos importantes do processo de formação profissional, faz-se
necessário o entendimento sobre a mediação teórico-prática, constituindo o estágio curricular
obrigatório e a supervisão acadêmica de estágio como um importante instrumento capaz de
fortalecer o trabalho profissional do assistente social, na direção do seu compromisso
profissional. A ação profissional plasmada pelo estágio e a formação acadêmica embasada
numa concepção teórica sólida, não pode ser vista e concebida como maniqueísta, e, sim,
como a necessidade de se compreender a importância deste único processo que media de
forma substancial a formação profissional crítica e comprometida.
Com vistas à consolidação da formação profissional, a Resolução CNE/CES nº 15, de
13 de março de 2002, define normas curriculares para os cursos de graduação em Serviço
Social, em consonância aos pressupostos do Currículo Mínimo de 1996. Esta resolução define
que o projeto pedagógico do curso deverá explicitar os pontos indicados a seguir.
98
1) Perfil dos formandos: este perfil tem como objetivo a uniformização de um único
perfil de formando, estando este capacitado para o enfrentamento das refrações da questão
social e o conhecimento da dinâmica na qual a classe trabalhadora está inserida.
2) Competências e habilidades: podem ser resumidas constando que esta formação
profissional lhe ofereça condições de reflexões teóricas, metodológicas, conhecimento ético-
político, buscando o fortalecimento do compromisso assumido pela categoria perante a classe
trabalhadora e as competências técnico-operativas que visam à compreensão das ações da
profissão. É necessária a compreensão e reflexão no trato em relação às habilidades, para que
o assistente social não venha reproduzir a lógica tarefeira do trabalho profissional.
3) Organização do curso: tal organização visa à articulação de outros conteúdos
acadêmicos aos conteúdos e disciplinas ministradas, buscando uma formação que possibilite a
compreender toda a realidade social na qual o profissional estará inserido. Outro aspecto
importante é o exercício da pluralidade, evitando o ecletismo, para que não deforme a
formação deste assistente social e a indissociabilidade teórico-prática.
4) Conteúdos curriculares: por meio desta lógica curricular buscam-se os conteúdos
curriculares necessários à formação do assistente social, uma fundamentação sólida dos eixos
temáticos descritos acima, associando as atividades extensionistas, seminários temáticos,
atividades complementares como forma de integrar o currículo e a formação acadêmica.
5) Estágio supervisionado e trabalho de conclusão de curso (TCC): o estágio curricular
é uma atividade obrigatória ao acadêmico do curso, buscando a articulação teórico-prática,
desvelando as dificuldades e êxitos obtidos pelo profissional no desenvolver do seu processo
de trabalho. Esta inserção no espaço sócio-ocupacional visa capacitar o aluno para a sua
inserção no mundo do trabalho profissional de forma competente e crítica. Já o TCC é uma
atividade acadêmica obrigatória que vem demonstrar a apreensão do aluno durante todo o
processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo ao final um trabalho científico de pesquisa,
em tema correlato ao exercício profissional. Atualmente, as propostas neoliberais das
universidades, principalmente privadas, visam à eliminação do TCC ou monografia dos
projetos pedagógicos dos cursos, demonstrando o desmonte do ensino superior que relega ao
segundo plano à formação profissional e do incentivo à pesquisa, fortalecendo interesses
puramente econômicos;
6) Atividades complementares: propostas que visam ao enriquecimento curricular,
buscando por meio de atividades de iniciação científica, monitorias, participação em
seminários e atividades de extensão a autogestão de interesses do próprio discente. As
atividades curriculares propõem uma formação mais sólida; porém, verifica-se que esta
99
modalidade requer mudanças na sua organização para um melhor aproveitamento na vida
acadêmica.
As novas diretrizes curriculares vieram balizar uma nova apreensão da sociedade
contemporânea frente às refrações da questão social, produzidas pelo modo de produção
capitalista, buscando por meio da teoria social de Marx o seu desvelamento e sua
compreensão, contribuindo na direção de uma intervenção profissional no trato da questão
social de forma crítica, compreendendo de maneira histórica o processo social vivenciado pela
classe trabalhadora.
Nesse contexto, o assistente social vem buscando uma constante (re)construção de um
projeto profissional crítico e atuante, estabelecendo as convergências do mercado de trabalho,
já que a profissão se inscreve na divisão sócio-técnico do trabalho e é assalariada.
Discutir o processo formativo dos futuros assistentes sociais, considerando os aspectos
que envolvem essa formação, evidencia a necessidade do debate coletivo, tencionando sempre
a competência teórico-crítica, possibilitando novas propostas de atuação profissional,
alicerçadas pela Lei de Diretrizes e Bases, por Diretrizes curriculares, pelo Projeto Político
Pedagógico e em consonância ao projeto ético político da profissão.
3.3 O Sistema Único de Saúde como espaço sócio-ocupacional do assistente social
O Sistema Único de Saúde (SUS) constitui-se com parte integrante do tripé da
seguridade social, considerada como uma política pública, não contributiva e de acesso
universal, que indica um atendimento sem distinção de sexo, raça, cor, condição econômica,
etc. Surgiu baseando-se nos princípios e diretrizes da Constituição Federal de 1988,
antecedido pelo longo processo de luta coletiva dos setores, intelectuais, profissionais e
políticos defensores da saúde pública e universal, luta esta empreendida pelo Movimento da
Reforma Sanitária, buscando uma concepção de política de saúde ampla, irrestrita e com
característica descentralizada, participativa, universal e superadora do modelo médico-
hospitalar (BRAVO, 2001). O art. 196 da Carta de 1988 afirma: ―A saúde é um direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua produção, proteção e recuperação.‖
100
Entretanto, antes da Constituição de 1988, a saúde não era idealizada como direito de
todos; era realizada de forma excludente, que determinava a contratualização prévia para o
acesso aos seus serviços, evidenciados pela prática contributivista, de caráter seletivo.
Nas primeiras décadas do século passado, o Estado brasileiro restringia a sua atuação em saúde
em ações de saneamento nas grandes cidades e portos e no combate a epidemias, principalmente quando estas epidemias interferiam na economia e traziam prejuízos. [...] Não sendo a saúde
considerada um direito de todos e nem alvo de políticas públicas, restava às pessoas que tinham
recursos procurar médicos particulares e até soluções no exterior. As que não dispunham de
recursos dependiam da caridade (daí vem a história das Santas Casas de Misericórdia, e da atenção à saúde como caridade) ou das parteiras e dos curandeiros (ANDRADE et al., 2005).
O acesso aos serviços de saúde era prestado, exclusivamente, por meio de ações
assistenciais norteadas por uma concepção filantropizada de acesso aos bens e serviços de
saúde, numa perspectiva caritativa e em outros casos, o acesso era prestado por aqueles
sujeitos investidos de capacidades ―espirituais‖, no caso dos curandeiros e na experiência
prática das parteiras. A assistência à saúde restringia-se a ações de controle de endemias e
epidemias, que assolavam o processo de produção do capital, e aos cuidados individualizados
e medicalizadores.
Notório ressaltar que a concepção de Estado e a posição deste na prestação de serviços
sociais públicos encontram eco na própria orientação conservadora e distanciada dos
interesses coletivos, principalmente aqueles originados da classe trabalhadora. Nesta arena de
interesses, as satisfações das necessidades de saúde se consistiam essencialmente, na
transferência do papel do Estado para as entidades benemerentes, de origem católica.
(BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Como forma de criar alternativas às formas de atendimento das necessidades como
saúde e previdência, por exemplo, temos no início do século XX, especificamente em 1923, a
criação da Lei Elói Chaves, que consequentemente cria o sistema das caixas de aposentadoria
e pensão (CAPs), concebidas como sistema que dava direito a saúde ao trabalhador, a partir
de um regime contributivista com aa referidas caixas (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Inicialmente, as CAPs foram organizadas por meio de empresas sob organização
estatal, na perspectiva de um sistema de capitalização, que agregava seus sócios-contribuintes
e, em contrapartida, oferecia acesso a serviços como saúde e aposentadorias. Com o governo
populista de Vargas, na década de 1930, as CAPs passam a ser denominadas institutos de
aposentadorias e pensões (IAPs), regulados como autarquias do governo federal, de
abrangência nacional e organizados por ramos profissionais (ferroviários, marítimos,
militares, etc.).
101
A fusão completa das caixas e institutos de pensão privadas e públicas somente
ocorreu com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) no ano de 1966,
processo que não modifica a estrutura contributivista de acesso aos serviços de saúde,
mantendo ainda os desempregados ou impossibilitados de trabalhar formalmente excluídos do
seu acesso. Em 1974, a ditadura militar cria o Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (Inamps), estrutura organizadora da prestação dos serviços médico-
hospitalares em serviços próprios ou na rede privada contratada. O Inamps mantém a mesma
direção de acesso aos serviços médico-hospitalares centrados na prática contributivista, de
acesso exclusivo dos trabalhadores contribuintes do sistema.
A realidade do acesso aos bens e serviços de saúde só se modificou a partir da luta
popular de caráter reivindicatório originado dos movimentos sociais, em especial ao combate
empreendido pelos trabalhadores na saúde, protagonizado pelo que conhecemos como
Movimento da Reforma Sanitária, que idealizava uma nova sociedade, mais igualitária com
direitos sociais no campo da saúde efetivamente garantidos.
O Movimento foi deflagrado nos fins dos anos 1970 por trabalhadores da saúde em um
momento histórico de grandes mudanças políticas, econômicas e culturais no qual as forças
conservadoras tentavam mais uma reação para sua manutenção no poder. Neste contexto,
ocorreu a convergência de movimentos, em especial, o movimento sanitário, na busca da
construção de uma política de saúde ampla, universal e descentralizada.
A realidade social, na década de oitenta, era de exclusão da maior parte dos cidadãos do direito à
saúde, que se constituía na assistência prestada pelo Instituto Nacional de Previdência Social, restrita aos trabalhadores que para ele contribuíam para o referido instituto, prevalecendo a lógica
contraprestacional e da cidadania regulada (FIOCRUZ, s/d).
Esta citação sintetiza o contexto histórico do acesso restrito aos serviços de saúde e da
realidade sócio-política e econômica do Brasil, evidenciado pela lógica capitalista da
contributividade prévia de um direito que necessariamente deveria ser universal. É a partir do
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, seguido pela 8ª Conferência Nacional de
Saúde (CNS) no ano de 1986, que se sugere um novo tipo de proteção social que garanta o
direito a saúde de maneira irrestrita aos brasileiros.
Esta nova concepção passa a conceber a saúde não só como ausência de doença, mas
em sua totalidade biopsicossocial. Defende o fortalecimento da atenção primária e secundária,
promovendo a saúde e prevenindo doenças, considerando a forma de disposição da produção
na sociedade e suas desigualdades.
102
Na esteira deste processo democrático constituinte, o chamado movimento sanitário tinha proposições concretas. A primeira delas, a saúde como direito de todo o cidadão, independente de
ter contribuído, ser trabalhador rural ou não trabalhador. Não se poderia excluir ou discriminar
qualquer cidadão brasileiro do acesso à assistência pública de saúde. A segunda delas é a de que
as ações de saúde deveriam garantir o acesso da população às ações de cunho preventivo e/ou curativo e, para tal, deveriam estar integradas em um único sistema. A terceira, a descentralização
da gestão, tanto administrativa, como financeira, de forma que se estivesse mais próximo da
quarta proposição que era a do controle social das ações de saúde (FIOCRUZ, s/d).
Estes princípios, centrados numa concepção de caráter democrático, são reforçados
pela Constituição Federal de 1988 e concretizados pela via jurídico-legal pelo SUS (Sistema
único de saúde), regulamentado pela Lei nº 8.080/90, que emerge como uma regulamentação
dos dispositivos constantes na Carta de 1988, dispondo sobre a organização e regulação das
ações em saúde. Consta como marco da participação política dos movimentos sociais a Lei
Federal nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que trata das formas de transferência e
financiamento das ações em saúde, dadas pela descentralização político-administrativa e da
participação popular na gestão e no controle social do sistema.
Nesta direção, é importante destacar algumas das diretrizes do SUS (art. 7º da Lei nº
8.080, de 19 de setembro de 1990, a Lei Orgânica da Saúde):
universalidade de acesso (a garantia de acesso de toda e qualquer pessoa a todo e
qualquer serviço de saúde que participe do SUS, seja público ou contratado pelo
governo);
integralidade na assistência, ações e serviços de saúde (preventivas e curativas,
individuais e coletivas) que funcionam como um conjunto articulado capaz de
atender a todos os casos (do posto de saúde ao hospital especializado);
direito a informação das pessoas assistidas sobre sua saúde;
participação da comunidade, através dos conselhos de saúde, por exemplo, na
fiscalização e acompanhamento das ações e serviços de saúde;
uso da epidemiologia (estudo dos vários fatores que determinam o aparecimento e
a frequência de doenças em uma determinada população) para o planejamento das
ações de saúde.
As diretrizes do SUS se posicionam na direção do fortalecimento das ações integradas,
de caráter preventivo e curativo, que busca dispor à sociedade uma rede de serviços que
realmente venham a atender as necessidades básicas, de média e alta complexidade, além de
se estruturar na direção do controle social e da participação comunitária nas formulações e
gestão da política pública de saúde.
103
É importante reforçar: é fato inconteste que o sistema passa por crises que se
manifestam sob vários matizes (gestão, financiamento, qualidade do serviço prestado, etc.) e
que têm origem no processo de precarização, seguindo a orientação do ideário neoliberal dos
países centrais, na direção da desresponsabilização do Estado frente à condução, gestão e
financiamento das ações em saúde, além do processo de desqualificação da competência do
setor público em favor da lógica privatista, de fortes contornos capitalistas. Associam-se a
estes elementos os problemas nas condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores da
saúde e no sucateamento dos serviços, o que impacta decisivamente na relação sistema-
usuários e trabalhadores.
Refletir sobre a política de saúde pública requer situá-la numa arena de conflituosos
interesses que se estruturam sob a organização e a direção impressa pelo capital, fortalecido
pelo discurso neoliberal, no contrafluxo das requisições e necessidades dos trabalhadores por
uma política pública, estatal, de qualidade e que seja realmente universal. Faz-se necessário
debater a problemática que envolve o SUS, desde a formulação das políticas a ele inerentes,
fortalecendo o conceito de participação e controle social, na defesa de uma política de saúde
realmente estatal, universal e de qualidade a todos.
3.4 A saúde pública em Uberaba
Uberaba constitui-se como cidade polo em diversos segmentos, dentre os quais
destacamos a referência macrorregional em atendimentos na área da saúde na esfera
secundária e terciária. A rede municipal conta, na atualidade, com serviços públicos nas mais
variadas especialidades médicas e de saúde, contando com prontos atendimentos públicos,
hospitais públicos especializados de alta complexidade, ambulatórios públicos, rede de saúde
mental, laboratórios de análises clínicas públicos, além da presença marcante da rede privada,
caracteristicamente filantrópica, que opera um hospital de alta complexidade para
atendimento oncológico e um de alta complexidade em psiquiatria.
A rede municipal de atenção básica é estruturada por meio das equipes de Saúde da
Família (urbanas e rurais), de forma descentralizada e hierarquizada, com ampla rede de
abrangência e cobertura de território, o que concede ao município 52% de área coberta pela
ESF. Esse percentual de cobertura por si só não indica a funcionalidade desta política, pois, a
rede em Uberaba ainda se encontra em franco processo de desmonte, fortalecido por inúmeros
104
processos veiculados pela mídia que envolve a má administração da coisa pública e problemas
no processo gerencial do sistema municipal.
Como muitos municípios, Uberaba vivencia forte processo de judicialização da saúde,
principalmente no tocante ao acesso aos medicamentos da farmácia básica e especial e nas
internações especializadas de alta complexidade. Com o fortalecimento das ações judiciais
dos usuários, a saúde perde seu caráter universal e irrestrito e passa a ser cogerida pela justiça,
a quem cabe o cumprimento da legislação, em especial à Lei Orgânica da Saúde. Este
processo vem demonstrando que seu conceito de universalidade e acesso tem sido duramente
tolhido pelos entes públicos, seguindo a concepção da racionalidade dos recursos da
administração pública. ―Contudo, o que ocorreu foi uma denominação ideológica, dada à
transferência das questões públicas de responsabilidade do Estado ao terceiro setor e o repasse
dos recursos públicos para o setor privado‖ (BORLINI, 2010, p. 227).
O discurso local sobre a política de saúde esconde a proposta que em período anterior
já havia sido cogitada pela gestão local, e que buscou direcionar todas as ações do setor saúde
(pública) de baixa, média e alta complexidade, nas esferas primária, secundária e terciária
para a iniciativa privada, de origem filantrópica (organizações não governamentais) pela via
da privatização do SUS na cidade. A proposta em questão só não fora consolidada pelo fato
de que a sociedade organizada, principalmente o Conselho Municipal de Saúde, protagonizou
a defesa da saúde pública e universal pelo Ministério Público Estadual, refutando a concepção
de saúde privatizada e seletiva. No marco legal, a saúde não foi privatizada em sua totalidade,
no que tange aos serviços e programas; porém, o processo continua em marcha.
As formas de privatização dos investimentos públicos têm alargado o seu campo de influência,
como demonstra o imbricamento das redes pública e privada de saúde na efetiva realização do
SUS. Por outro lado, os códigos da administração privada - na forma de assessorias, consultorias,
treinamentos e metas - penetram rapidamente os serviços públicos, sem permitir a descoberta de caminhos para a articulação da eficácia a princípios éticos e práticas democráticas (RIBEIRO,
1998, p. 16).
As práticas patrimonialistas da relação público privado na gestão do SUS demonstram
de maneira inconteste que, seguindo a lógica neoliberal, capital e Estado mantém o mote da
privatização velada e do desmonte da saúde pública, justificada pela racionalidade,
economicidade e da eficiência, o que transveste a face ideológica do capital da minimização
do Estado de direito e da maximização do lucro.
105
3.5 O Poder Judiciário: desvelando o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, comarca de
Uberaba
Com a Constituição de 1988, a organização do Poder Judiciário brasileiro foi regulada
pelos artigos 92 a 126, que dispõem sobre suas regras e estrutura, resguardando suas
prerrogativas e reposicionando a instituição no cenário da democracia recém-conquistada.
Seguindo a norma jurídica constitucional dos três poderes (Executivo, Legislativo e
Judiciário) expressos na Carta Maior, o Poder Judiciário figura-se como instituição
independente,9 autônoma, que tem resguardada suas garantias. Sua autonomia perante os
demais poderes não exime a responsabilidade de colaboração mútua entre eles (LENZA,
2009).
As garantias institucionais do Poder Judiciário se constituem por meio da autonomia
orgânico-administrativa situada na organização, gestão e funcionamento dos órgãos. Deste
modo, ao Poder Judiciário cabe a prerrogativa constitucional de eleição de seus órgãos
diretivos, bem como a elaboração do regimento interno, a organização da sua estrutura
interna. Esta autonomia, na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 99, é tratada como
―autonomia administrativa‖, reforçada a autonomia financeira no que tange à elaboração dos
orçamentos, gestão, aplicação dos recursos e sua fiscalização, tudo sem a interferência dos
outros poderes. Quanto à gestão financeira, o Poder Judiciário fica jurisdicionado à
fiscalização pelo Tribunal de Contas da União e da Controladoria Geral da União.
As garantias atribuídas ao Poder Judiciário se fundam na independência dos seus
órgãos além de efetivamente garantir a mesma independência aos membros e aos magistrados
visando, também, à imparcialidade dos referidos órgãos e magistrados. Deste modo, estas
garantias são essenciais para a consolidação da autonomia e independência do Judiciário
(LENZA, 2009).
Atualmente, segundo o art. 92 da Carta de 1988, compõem a estrutura do Poder
Judiciário brasileiro o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, o Superior
Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e os juízes federais, os Tribunais do
Trabalho e os juízes do Trabalho, os Tribunais Eleitorais e os juízes eleitorais, os Tribunais
Militares e os juízes militares e os Tribunais e juízes dos estados, do Distrito Federal e dos
territórios.
9 A concepção da separação dos poderes foi defendida por Montesquieu, e a primeira experiência do gênero foi consolidada na Constituição norte-americana de 1787.
106
Deste modo, na esfera da União, além dos órgãos centrais (superiores), concentra-se a
justiça que Lenza (2009) e a própria Constituição denominam ―especializada‖,
institucionalmente dada nas esferas federal: eleitoral, do Trabalho e militar. Na alçada dos
estados (unidades federativas), concentram-se a justiça comum, com a função de julgar aquilo
que não se relaciona com essas áreas especializadas. Assim,
[...] é possível compreender o Poder Judiciário brasileiro a partir de dois pontos de vista: o da sua
organização vertical, que diz respeito à hierarquia dos tribunais divididos em órgãos de primeiro e
segundo graus e órgãos de cúpula, e o da sua organização horizontal, que diz respeito à divisão
entre justiça comum e justiças especializadas (ALAPANIAN et al. 2009, p. 30).
Seguindo esta organização de competência entre as esferas que compõem o Judiciário
brasileiro, observa-se que sua composição foi construída historicamente a partir da hierarquia
e da ordem, desvelando frente a uma análise crítica, o conservantismo no qual esta instituição
se funda e se organiza, situando-se na esfera conflituosa de interesses antagônicos, dentre
eles, a influência do capitalismo nas suas bases.
Como uma instituição organizada pelo Estado, o Poder Judiciário situa-se na zona conflituosa de
satisfação de necessidades do capital, bem como do trabalho, pela compreensão de que o conceito
de acesso à justiça é um dos patrimônios da sociedade democrática, na direção da defesa de interesses distintos. Deste modo, fazem-se necessário compreender o Poder Judiciário e sua
inserção nas relações sociais de produção, determinadas pela lógica do capital, visto que sua
autonomia e independência esbarram nos processos produtivos operados pelo capital em sua
relação com a figura do Estado. Em tempos de reestruturação do capitalismo, o Poder Judiciário se vê, então, em um cenário incerto, no qual o Estado-Nação vai perdendo sua autonomia e o
ordenamento jurídico vê comprometidas sua história, sua unidade e sua organicidade (FÁVERO;
MELÃO; JORGE, 2008, p. 32).
A reflexão sobre o processo de reestruturação produtiva sob uma ótica macroscópica
apresentada pelas autoras estabelece mediações e reflexos no Poder Judiciário, visto que o
largo processo de (re)ordenamento desencadeado nas/pelas relações sociais de produção
imprimem suas marcas no âmbito da justiça, bem como das formas de acesso e na estrutura
política e administrativa da instituição.
Gozar de autonomia e independência não torna o Poder Judiciário isento do processo
engendrado pelo capital, notoriamente no processo do desmonte do papel do Estado —
principalmente pela sua diminuição —, na privatização dos serviços públicos, figurado pela
massiva contratação de terceirizados e prestadores de serviços no âmbito do Judiciário, nas
precárias condições de trabalho dos servidores, na defasagem salarial e nos tímidos planos de
carreira. Tudo isso vem ao encontro de uma justiça morosa, obsoleta, profundamente
107
burocratizada e burocratizante das ações e litígios, elementos que deturpam a função pública
da justiça e torna-se alvo da desmoralização perante a opinião pública.
Alimentados pela direção neoliberal e pela orientação estrutural de base conservadora
do Judiciário e do direito como ciência, estes elementos forcejam características, situando a
instituição na esfera minimalista de solução dos conflitos de interesse, camuflando sua
essência que é conceber a justiça como um elemento essencial da democracia fundado na
igualdade10 entre todos os sujeitos. Assim, ―o Judiciário não pode ser considerado um mero
órgão de solução de conflitos de interesses, conforme preconiza boa parte da doutrina, ou seja,
não se resume a um órgão de Estado cuja função se esgota na prolação de decisões que visam
ao apaziguamento da sociedade em conflito‖ (PONCIANO, 2008).
Nesta direção, faz-se necessário romper com este enraizamento minimalista da Justiça,
situando-a na esfera da garantia efetiva e inequívoca do direito (pensando em sua totalidade),
tornando a justiça ―a marcha que leva a ética em direção ao direito‖ (PASUKANIS, 1989, p.
138).
10 ―A igualdade jurídica é a contrapartida lógica e necessária da desigualdade econômica‖ (PASUKANIS, 1989, p. IX).
108
Capítulo IV
A PESQUISA
4.1 Apresentação
Para Marx (apud PAULO NETTO, 2009, p. 7), no processo investigatório, o sujeito
pesquisador faz uso de instrumentos ou técnicas de pesquisa como meio para ―apoderar-se da
matéria, em seus por menores‖, isto é, ―analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e
de perquirir a conexão que há entre elas‖.
Nesse sentido, a investigação científica se sintetiza na realização da pesquisa social
que objetiva conhecer e analisar a realidade social por meio de teorias, técnicas e
procedimentos científicos. Assim, as técnicas de pesquisa utilizadas nesse projeto foram
realizadas com base no método dialético, que oferece um entendimento sobre a totalidade, por
meio de uma leitura e uma interpretação crítica da realidade social posta.
Deste modo, a utilização de um arcabouço teórico é considerada elemento essencial
para a compreensão crítica da totalidade da vida social, uma vez que, para Marx, a teoria
consiste na ―reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa: pela
teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto que pesquisa‖
(PAULO NETTO, 2009, p. 7). Ainda fundamentado nas reflexões de Paulo Netto (2009, p.
7), a teoria está inscrita numa esfera de (re)produção ―que constitui propriamente o
conhecimento teórico‖, revelando a necessidade de fidelidade do sujeito (pesquisador) ao
objeto.
Fundado na perspectiva de compreensão da dinâmica da sociabilidade burguesa, o
pesquisador, necessariamente, precisa iniciar sua investigação partindo do cerne da questão
ora estudada, como forma de buscar na raiz e apreender a essência e, assim, conhecer, nos
dizeres de Paulo Netto (2009, p. 7), ―a estrutura e a dinâmica do objeto‖. Com esta reflexão, o
pesquisador descarta os perigos e descaminhos da aparência imediata dos fenômenos,
preocupando-se com a sua essência.
O arcabouço oferecido pelo materialismo dialético situa o marco teórico e sua
mediação em um contexto muito mais amplo, concebido sob a perspectiva de totalidade, pois,
para Marx, a relação entre teoria e sujeito possibilita essa apreensão em sua nuances,
refletindo, criticando-o e revisando-o, como um processo constante. Estas reflexões partem do
109
conceito de totalidade, tendo como elemento mediador a dialética e evidenciando o lugar da
sociabilidade burguesa no cenário contemporâneo, sob a égide das relações sociais de
produção.
Os mesmos homens que estabelecem as relações sociais de acordo com a sua produtividade
material produzem, também, os princípios, as ideias, as categorias de acordo com as suas relações sociais. Assim, estas categorias são tão pouco eternas quanto as relações que exprimem. Elas são
produtos históricos e transitórios (MARX, 1982, p. 106).
Deste modo, a ideia — concebida como uma capacidade teleológica — é determinada
pelo movimento das relações sociais engendradas pelo modo de produção capitalista,
entendido como ―expressões das relações e atividades reais do homem estabelecidas no
processo de produção de sua existência social‖ (LARA, 2008, p. 221).
Em decorrência, para atingir os objetivos propostos, utiliza-se a abordagem
qualitativa, isto porque esse tipo de pesquisa acredita na relação entre pesquisador e
pesquisado, possibilitando a construção fundada na busca pelo conhecimento do real a partir
da base material, ou seja, da concretude. Assim, esse método de pesquisa ―propicia o
conhecimento teórico, partindo da aparência, [e] visa alcançar a essência do objeto‖ (PAULO
NETTO, 2009, p. 8).
Por isso, de acordo com Minayo (2004, p. 21), ―[...] a pesquisa qualitativa responde a
questões muito particulares. Ela se ocupa muito nas ciências sociais com um nível de
realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados,
motivos, valores e atitudes‖.
Esta pesquisa é de natureza explicativa, partindo da essência do real concreto para
desvelar a realidade estudada. Utilizou-se, quanto aos procedimentos de coleta de dados e
quanto às fontes de informação, da pesquisa de campo como técnica necessária à
compreensão do objeto em estudo, já que se caracteriza pelo contato direto com a realidade,
garantindo a fidedignidade do pesquisador ao objeto em estudo e analisando com
objetividade.
Na coleta dos dados de campo, utilizou-se a aplicação da entrevista com profissionais
de diversos espaços sócio-ocupacionais do município de Uberaba: um profissional da
docência, um da Política de Saúde e um do Judiciário, totalizando três sujeitos de pesquisa.
Esse recorte deve-se ao tempo do pesquisador, aos recursos tecnológicos e à disponibilidade
livre e consentida dos sujeitos são requisitos indispensáveis à realização dessa pesquisa. ,
apenas três profissionais de diferentes espaços ocupacionais foram sujeitos participantes da
pesquisa de campo, sendo eles: o da saúde, da docência e do judiciário.
110
A escolha dos sujeitos foi aleatória e simples, sendo que nos setores em que se
encontram mais de um profissional em seus quadros, considerou-se aquele que primeiro
aceitou participar deste estudo. A justificativa pela escolha dos espaços reside no fato de
serem os principais espaços sócio-ocupacionais do assistente social.
Para a coleta de informações, utilizamos a técnica de gravador, com a autorização do
sujeito pesquisado (aplicação de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), mediante
aplicação de entrevista semiestruturada, na qual o informante tem o discurso livre e é
orientado por algumas perguntas chaves, Isto é, perguntas abertas em que o entrevistado pode
livremente discorrer sobre o tema proposto, sendo que o pesquisador pode direcionar o
diálogo a fim de que os objetivos sejam alcançados (MINAYO, 2004).
A análise dos dados se deu mediante a análise de conteúdo entendida como tratamento
de dados, pois, por meio desta técnica, é possível desenvolver um estudo minucioso a partir
da definição das categorias analíticas, se valendo da técnica de ―grade aberta‖, pois as
categorias não são fixas a priori, porém, vão se formando no decorrer da própria análise do
objeto em estudo (LAVILLE; DIONNE, 1999). A grade aberta caracterize-se como um
procedimento metodológico não indutivo, que parte das categoriais iniciais para as finais, em
um movimento dialético. Este tipo de procedimento metodológico permite ao pesquisador
agrupar categoriais presentes na pesquisa.
4.2 Análise dos dados
Os três sujeitos entrevistados serão tratados por nomes fictícios, como forma de
garantir o seu a direito à privacidade, seguindo parâmetros éticos. Assim, nomearemos a
assistente social do Tribunal de Justiça como Carolina, o profissional da saúde de Gabriela e a
assistente social inserida no campo da docência de Isabela.
Deste modo, apresentaremos algumas características destes profissionais, tais como:
tipo de formação, carga horária de trabalho semanal, faixa salarial, dentre outras informações
que colaboram para análise do perfil dos sujeitos entrevistados.
Carolina formou-se no ano de 2000, tendo cursado sua graduação na Universidade do
Triangulo (Unitri), na cidade de Uberlândia, Minas Gerais. Possui curso de pós graduação
lato sensu, concluído em 2001, na área de Psicopedagogia Social, cursado na Faculdade
Católica de Uberlândia. Carolina atua no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, comarca de
Uberaba, desde 2004, com carga horária semanal de 30 horas, onde dedica exclusividade.
111
Atualmente informa não exercer nenhum cargo de chefia junto ao setor de trabalho. A faixa
salarial informada pelo sujeito consta de cinco salários mínimos ou mais.
Já Isabela formou-se em 2002, sendo que cursou sua graduação na Universidade de
Uberaba, na cidade de Uberaba, Minas Gerais. Possui pós-graduação em Serviço Social, nível
de mestrado, cursado na Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖, campus de
Franca, São Paulo, no ano de 2010; Isabela atua na docência desde 2005, dedicando-se
exclusivamente 40 horas semanais. Exerce chefia, no cargo de diretora do curso, e sua faixa
salarial consta acima de cinco salários mínimos mensais.
Gabriela formou-se em 2008, na Universidade de Uberaba, é especialista em Docência
do Ensino Superior pela Faculdade Integradas de Jacarepaguá. Na atualidade cursa mestrado
em Serviço Social na Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖, campus de
Franca, São Paulo. Atua na área de saúde desde 2008, não exercendo nenhum cargo de chefia,
com carga horária de 30 horas semanais, onde se dedica exclusivamente. Sua faixa salarial
consta de um a dois salários mínimos mensais.
O roteiro das entrevistas (ver Anexos) pautou-se por questões relativas à apropriação
do projeto ético-político e do referencial marxista no trabalho profissional cotidiano.
Nesse sentido, uma das questões-chave foi dirigida à indagação acerca da vida
cotidiana: espaço de exercício do trabalho profissional.
Ao solicitar da assistente social Carolina, do Tribunal de Justiça, descrever seu
cotidiano, ela assim o fez:
[...] um trabalho extenso, a gente fica muito presa a processo a gente
atende muito pouco a comunidade aberta, a gente não tem serviço disponível no Tribunal de Justiça. A gente atende a processos. E
nestes processos, a gente tem contato com assistentes sociais de todas as categorias, escola, hospital para ter informação para melhor
subsidiar, mas a gente fica presa mesmo só a processos. Leituras, entrevistas, avaliação, visita domiciliar, estes procedimentos técnicos
que a gente usa para poder responder a demanda.
Ao revelar a dinâmica particular do espaço ocupacional do Poder Judiciário, observa-
se a direção social do trabalho profissional: um trabalho que se restringe a questões
procedimentais vinculadas a determinações processuais, centrado em condições técnico-
operativas fundamentalmente burocráticas, repetitivas, de caráter administrativo, que tem por
objetivo o atendimento de demandas imediatistas e fundadas em um lógica tradicionalista, de
subordinação à autoridade judicial.
112
Ao sinalizar que há inexpressivo contato com a demanda externa, ou seja, os usuários
dos seus serviços profissionais, Carolina evidencia o ―estranhamento‖ existente entre os
profissionais e a população alvo de seu compromisso ético-político. Segundo Iamamoto,
(2000a, p. 76) ―muitas vezes o profissional move-se pela vontade de estar junto com a
população atendida, mas objetivamente não está próximo de seus interesses de coletividade,
sendo, de fato, um estranho para os indivíduos com quem trabalha‖. Deste modo, a lacuna
entre o desejo, que aqui chamaremos de compromisso com os trabalhadores, e as limitações
impostas por elementos institucionais/estruturais recai consideravelmente sobre seu
compromisso, ―contribuindo para que cidadãos metamorfoseiem em vítimas, exercendo uma
ação de cunho impositivo‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 77).
Com relação à superação dos limites institucionais determinados pelo Tribunal de
Justiça na direção de um trabalho com a comunidade, vejamos o posicionamento da assistente
social Carolina:
Eu sinto essa carência e vejo também que a comunidade precisa [...]
Tinha que ter uma assistente social disponível, ou uma equipe maior que pudesse ficar por conta de estar passando orientações para a
comunidade. Porque todo mundo que vai ao judiciário tem muita dúvida. As pessoas não compreendem essa questão da gente não
atender fora de processo e como a demanda é muito grande, às vezes a gente não pode dar a atenção devida à comunidade. Nós ficamos
muito presas à margem de trabalho. A gente fica só no que é determinado pelo Judiciário [...] Não tem um assistente social para a
comunidade externa.
Observa-se que as condições objetivas do trabalho repercutem no cotidiano deste
profissional, visto que o sujeito reconhece que o trabalho junto à comunidade torna-se um
elemento essencial em seu trabalho profissional na direção da ruptura com a prática
burocratizada de atendimento dos processos judiciais e ao cumprimento das medidas postas
pela burocracia do Judiciário.
Com relação às possibilidades do trabalho profissional, Carolina reflete:
Eu vejo que muita coisa não precisava de processo. Se tivesse um serviço social do Judiciário disponível para atender à comunidade, eu
acho que muita coisa não viraria processo [...].
A necessidade de ruptura com as determinações institucionais media-se com as
necessidades postas pela classe trabalhadora, no contexto da superação do conceito de
113
judicialização das esferas da vida, como, por exemplo, a luta pela efetivação dos direitos, da
luta pela igualdade. Deste modo, observa-se na fala da assistente social, a necessidade em ir
além das demandas excepcionalmente tradicionais. Nesse direção, (IAMAMOTO, 2008, p.
200) salienta a importância da práxis política que tenha como direção ―reassumir o trabalho
de base, de educação, mobilização e organização popular, organicamente integrado aos
movimentos sociais e instâncias de organização política de segmentos e grupos sociais
subalternos‖.
Observa-se que a estrutura institucional aponta a demanda, desvelando a condição de
um trabalho profissional que ainda goza de pouca autonomia reconhecida pelo sujeito, o que
demonstra ―o caráter contraditório do exercício profissional, indissociável das relações de
classes e de suas relações com o Estado‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 253).
Mesmo situando-se no âmbito de uma profissão que dispõe de certa autonomia, como
profissional liberal (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000), observa-se na fala do sujeito a
dificuldade de superar o discurso institucional, visto que ela reconhece a relativização desta
autonomia, mas não avança numa direção concebida na sua totalidade, (re)produzindo a
lógica formal e institucional. A dificuldade da ruptura com este processo mecanizado do agir
profissional nega a sua autonomia relativa que precisa ser compreendida sob a ótica do amplo
processo de (re)produção da lógica alienante e alienada, inserida numa estrutura
macrossocietária que reafirma a necessidade material da venda da força de trabalho, tida
como satisfação das necessidades humanas mais essenciais. Assim, ―o desafio é incorporar e
ir além da abordagem do trabalho do assistente social, enquanto trabalho concreto, isto é, de
uma qualidade determinada, que satisfaz necessidades sociais‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 257).
Como elemento insuprimível, o cotidiano do sujeito entrevistado, resume-se em
elementos focados numa determinada direção institucional, profundamente burocratizada e
burocratizante, apreendia a-historicamente, o que colabora com a diminuição da dimensão
constitutiva do trabalho profissional, reduzindo-o a meros esquemas estruturados de um
processo de trabalho que por sua essência burocrática pode falsear a realidade dada e com
isso, manifestar-se na materialização do projeto profissional, com sérios rebatimentos na
qualidade dos atendimentos às demandas.
Com relação ao questionamento sobre como se constitui o seu cotidiano profissional, a
assistente social Isabela, vinculada à docência, enfatiza:
Hoje, na gestão do curso, o cotidiano profissional fica muito mais
burocrático. Não exclusivamente do ponto de vista da Universidade.
114
Existe um distanciamento, não sei se a gente pode dizer isso, mas existe um distanciamento da prática profissional porque eu me sinto
muito mais um profissional administrativo do que um assistente social, embora estando na academia a gente não deixa de fazer uma
leitura, mas a gestão acaba engessando e deixando um pouco distante dessa vivencia profissional. Até porque o perfil do aluno também não
contribui para essa discussão teoria-prática.
Na mesma direção da burocratização do trabalho profissional, o assistente social situa
a questão do processo reificador do trabalho profissional no espaço da docência e de cunho
administrativo que tendenciosamente corrói as bases políticas do trabalho profissional pelo
seu pesado determinismo. O processo de ―engessamento‖ a que a profissional se refere é
necessariamente uma manifestação particular dos processos macroscópicos engendrados pelo
capital, na direção da despolitização do conteúdo do trabalho e do trabalho profissional,
traduzindo-se num perigoso discurso dicotômico. Observa-se que o sujeito refere-se à leitura
crítica destes elementos determinantes do seu trabalho profissional, porém suas associações
aos elementos estruturais e ao perfil do aluno não contribuem para uma reflexão teórica com
implicações práticas.
Transitar entre os conflituosos caminhos da dicotomia entre teoria e prática pode
remeter o trabalho profissional às concepções tradicionais, do agir prático (aquele que
conhece a vivência cotidiana) e do pensador, do teórico (que tradicionalmente é visto
enclausurado entre os muros da academia), e corroborar com um trabalho profissional
seccionado, parcializado, distante da realidade concreta, determinada. Pensar a relação
teórico-prática supõe ir além da sua simples conceituação, é situá-la na esfera da mediação
crítica e de sua indissociabilidade. Assim, faz-se necessário ao assistente social ―focar seu
trabalho profissional como partícipe de processos de trabalho que se organizam conforme as
exigências econômicas e sociopolíticas do processo de acumulação‖ (IAMAMOTO, 2000a, p.
95).
A resposta sobre o cotidiano da profissional inserida no espaço da docência reflete de
maneira objetiva o complexo processo vivenciado pelos trabalhadores, dentre os quais os
assistentes sociais, e particularizando para o espaço da docência, visto que situa-se na direção
da precarização das relações e condições de trabalho, no desmonte paulatino da qualidade do
ensino, com a inserção de currículos alheios àquele pensado originalmente, com a
proliferação indiscriminada de cursos em instituições privadas, na desqualificação dos cursos
das universidades públicas e na explosão do ensino à distância. Tudo isso tem sido
profundamente pautado na concepção neoliberal de destruição das conquistas dos
115
trabalhadores e da profissão e claro, no redirecionamento das concepções ideológicas que
metamorfoseiam a direção social da profissão no espaço em que se insere.
Com relação ao seu cotidiano profissional, vejamos a descrição da assistente social
Gabriela que tem a saúde como espaço sócio-ocupacional.
Normalmente eu chego no hospital e faço o que nós chamamos de
―corrida de leito‖. Nós fazemos toda a questão do acolhimento e do acompanhamento dos usuários que são internados no hospital. Mas
nosso atendimento não se priva só neles, mas também no acompanhamento com as famílias e/ou cuidadores. Essa corrida de
leito tem o objetivo de apreender demandas.
Para o entrevistado, o processo que ele identifica como ―corrida de leito‖ torna-se um
momento em que é possibilitada ao assistente social a apreensão da demanda posta no
contexto institucional, por tratar-se de uma instituição hospitalar. No campo da saúde, em
seus diferentes níveis (primário, secundário e terciário), está em voga a concepção do
atendimento humanizado, ou humanização da assistência à saúde, que tem no termo
―acolhimento‖ um dos seus eixos estruturantes. A concepção do acolhimento, da
hospitalidade foi analisada pelo filósofo Jacques Derrida, que conceitua a hospitalidade e o
acolher sob os determinantes da ordem, do direito e do dever, não se tratando a questão em
seu cerne, ou seja, o fato do direito de se ter direitos a um atendimento de saúde com
qualidade, respeito, dignidade, fundando assim, na concepção do citado filósofo, na troca do
dever pelo direito.
Na direção do atendimento às normativas humanizadoras do setor saúde, a ―corrida de
leito‖ constitui-se como um momento que possibilita o contato imediato com usuário do
serviço ou acompanhante, na perspectiva de se mapear demandas tradicionais e emergentes,
das quais o profissional irá desenvolver seu trabalho profissional. Apropriar-se e conceber
estas demandas pressupõe uma análise crítico-reflexiva que parte da totalidade da vida social
para o cotidiano do trabalho profissional e principalmente, nas relações sócio-históricas dadas
pelas relações sociais de produção e seus reflexos na vida do usuário.
A apreensão da demanda por meio dos recursos institucionais e profissionais mais
diversos precisa ser mediada pela reflexão crítica da origem e as reais necessidades de tais
demandas, visto que na atualidade vemos um ―crescimento da pressão na demanda por
serviços, cada vez maior, por parte da população usuária mediante o aumento de sua
pauperização‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 160). Na direção oposta à demanda crescente, figura-
se o crônico problema da indisponibilidade de recursos financeiros para o custeio e satisfação
116
das necessidades da classe trabalhadora cada vez mais empobrecida, o que ratifica e
constantemente reatualiza o cruel conceito de seletividade no acesso aos bens e serviço
sociais.
Fica evidente na fala do sujeito a dificuldade na apreensão do significado da totalidade
deste cotidiano profissional, que, mesmo permeado de inúmeras dificuldades, sejam
institucionais, sejam estruturais, é um espaço construtor de uma práxis política de
enfrentamento e adesão com as bandeiras das lutas de classe dos trabalhadores. Assim, o
cotidiano, para os sujeitos Carolina, Isabela e Gabriela, é apreendido e fundado em práticas
institucionalizadas que determinam e organizam o processo de trabalho do assistente social
(IAMAMOTO, 2008), resumindo-se, por vezes, a um trabalho profissional mecanizado,
embora com indícios de comprometimento com a classe trabalhadora.
Quando questionada sobre a existência da dicotomia na questão teórico-prática,
vejamos a resposta da assistente social Carolina:
De forma alguma. Quem fala isto é porque não está vivenciando a
teoria e não sabe implementá-la na prática.
De uma maneira mais simplista, o sujeito nega a existência da dicotomia entre teoria e
prática, pela evidente necessidade do conhecimento teórico-metodológico para a permanente
(re)construção do seu trabalho profissional. Reconhece a sua centralidade, mas não trabalha
com o conceito de mediação das esferas constitutivas entre teoria e prática. O sujeito continua
suas reflexões com relação ao saber teórico e sua mediação no conteúdo prático do trabalho
profissional:
Se você não tem conhecimento técnico, você prejudica o usuário, a
pessoa que você está atendendo. O conhecimento técnico é fundamental, mas você tem que saber como usar e quando usá-lo.
Porque você não pode se tornar um burocrata e responder as pessoas dizendo ―ah, no Estatuto é isso, a informação é esta‖, ou seja, trazer
aquela informação para o cotidiano. A gente tem que saber pegar a teoria e saber transformá-la para o cotidiano e para o perfil de
entendimento do usuário.
O sujeito tem a clareza da importância sobre a mediação entre a teoria e a prática,
mesmo não citando a categoria ―mediação‖, pois ele compreende que a teoria é necessária,
mas para se efetivar seu conjunto no cotidiano, há a necessidade de traduzir alguns elementos
117
para que os sujeitos da ação profissional possam compreender e consequentemente acessar
aos bens e serviços sociais aos quais ele busca.
Quando questionado sobre a eventual distorção entre profissionais da teoria
(professores, teóricos, etc.) e os profissionais da prática (profissionais do campo), o sujeito é
categórico em afirmar que se trata de uma ―leitura muito equivocada‖.
Nesse sentido, recorremos aos ensinamentos de José Paulo Netto:
A teoria é, para Marx, a reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa:
pela teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto que
pesquisa. E esta reprodução (que constitui propriamente o conhecimento teórico) será tanto mais correta e verdadeira quanto mais fiel o sujeito for ao objeto (PAULO NETTO, 1999, p. 23).
Esta compreensão indica o processo da abstração do concreto, da base material, na
direção da superação da leitura aparente/fenomênica, buscando capturar sua essência.
Já Isabela, profissional que tem na docência seu espaço sócio-ocupacional, aponta uma
reflexão central no que tange à discussão sobre teoria e prática e que perpassa pela formação
profissional do assistente social. Este profissional acredita que a (re)produção da dicotomia
teórico-prática
[...] passa por uma questão de formação, mas, sobretudo do
entendimento, tanto do aluno quanto do profissional que recebe esse aluno no campo de estágio, por exemplo. A gente percebe pela
experiência de gestão, docência e de coordenação de estágio que o assistente social que não deu continuidade com uma formação
continuada crítica ou aquele que está formado há um tempo significativo, em um modelo de currículo anterior, ou mesmo pela
comodidade, falta de interesse, por vezes reforça essa dicotomia.
É importante assinalar a percepção do sujeito entrevistado acerca da necessidade da
formação continuada. Observa-se que ela analisa as determinações da falta de capacitação de
forma simplista, ou mesmo preconceituosa ao afirmar:
O profissional, quando não tem interesse, quando ele não tem clareza,
quando ele não dá abertura, ele não vai entender. A gente tem relatos de alunos que o profissional recebe esse aluno e faz ele esquecer tudo
o que ele aprendeu na faculdade.
Assim, é necessária uma ―visão dos processos sociais como totalidades que se
compõem de vários aspectos e âmbitos e que apresentam diferentes níveis de complexidade‖
(GUERRA, 2005, p. 3). A autora destaca a necessidade de apreender o real na sua essência,
118
mediado pela ―teoria macroscópicas sobre a sociedade‖, o que possibilita a pavimentação na
direção da ruptura com as práticas imediatistas, fundadas no pragmatismo e reificadoras.
A formação continuada está circunscrita por inúmeros elementos, dentre os quais
apontaremos: 1) o próprio desejo profissional em qualificar-se adequadamente para
desempenhar um trabalho profissional compromissado com os valores assumidos
coletivamente; 2) as condições concretas de trabalho do assistente social, que vêm sendo nas
últimas décadas profundamente solapadas pela reestruturação produtiva que rebate nas
condições de trabalho e que impossibilita economicamente de acessar os cursos de
especialização de qualidade, tradicionalmente ofertados nas instituições privadas; 3) a
descaracterização da função essencial da universidade na difusão do conhecimento científico,
profundamente fortalecido pela ampla privatização da esfera universitária, com a deterioração
dos currículos, fundados apenas no ensino, obscurecendo o sustentáculo da universidade
(ensino, pesquisa e extensão), com a formação em massa, principalmente com os cursos à
distância, que, segundo Iamamoto (2008, p. 441), ―permite vislumbrar, como faces de um
mesmo processo, a precarização do ensino e do trabalho profissional‖.
A formação profissional fundada no arcabouço da teoria social crítica contribui de
maneira essencial na desconstrução das teorias pragmáticas e tecnicistas, que tendem reforçar
a dicotomia teórico-prática. Assim, essa formação profissional crítica exige ―capacitação
suficientemente qualificada em termos de conhecimentos teóricos e possibilidades
interventivas‖ (GUERRA, 2005, p. 4), que reforce uma leitura do real e do trabalho
profissional na totalidade da vida social e na direção social (ético-política) assumida pelo
coletivo profissional.
Com relação ao questionamento da dicotomia entre teoria e prática, vejamos a resposta
de Gabriela:
Não. Eu discordo em pensar em dicotomia em relação teoria/prática.
Eu acho que se completa. É um movimento dialético entre a prática e teoria. Entre o trabalho em si e o próprio fundamento teórico. Um
fundamenta o outro.
A resposta do sujeito vem confirmar a posição de Guerra (2005), posto que há uma
unidade de teoria e prática, que se complementam e respondem necessidades, mediatizado
pelo constante processo dialético.
Indagado sobre esta mediação no processo teórico-prático, o sujeito faz a seguinte
reflexão:
119
Eu vejo que esta mediação da teoria e prática que acontece no meu
cotidiano profissional a partir do momento em que, partindo do princípio em que eu reconheço o sujeito como sujeito de direitos,
enquanto ser social, enquanto ser ontológico, e a partir do momento em que eu passo do atendimento desta forma, eu faço com que este
sujeito seja partícipe da sua própria realidade. E juntos, você vai construir caminhos para que haja pelo menos gérmens de uma
mudança naquela realidade. Porque como eu trabalho no hospital, a gente tem que pensar que quem está internado não é só a doença, a
patologia, existem várias outras questões envolvidas. Então ali todas as manifestações da questão social se manifestam no usuário
internado, mas nos seus familiares também. Então a intervenção vai para mais além.
O trabalho profissional fundado em bases teóricas críticas e mediados com os
elementos materializadores do compromisso profissional encontra-se ressonância no discurso
de Gabriela, visto que, como capacidade reflexiva, ela situa o usuário atendido na condição de
ser social, ser humano-genérico, pensado e situado na concretude da realidade; sua
intervenção segue na direção da abstração teórica oferecida pelos marcos teóricos, com
direcionamento prático-político quando afirma ―construir caminhos para que haja os gérmens
de uma mudança naquela realidade‖. Nesta direção, o sujeito afirma que
é uma coisa que não tem como você fugir, o debate teórico do seu cotidiano de trabalho.
Gabriela apresenta a reflexão da superação do conceito puramente biomédico,
tradicionalmente defendido pelos profissionais da área da saúde, dentre os quais o próprio
assistente social; ele situa a questão social, esta pensada como objeto da intervenção
profissional do assistente social. Assim, este compromisso com as demandas não ―depende
somente de uma vontade política de adesão a valores, mas da capacidade de torná-los
concretos, donde sua identificação como unidade entre as dimensões ética, política, intelectual
e prática, na direção da prestação de serviços sociais‖ (BARROCO, 2001, p. 295).
Ao ser indagada sobre as teorias que o sujeito entrevistado aprendeu na graduação e
sobre a sua viabilidade na prática profissional, Carolina infere;
Eu acho que todas as correntes são fundamentais para o nosso trabalho. Acho que por sermos assistentes sociais, a gente estuda mais
o marxismo, só que às vezes a prática delimita um pouco. A gente não tem como fazer esta transformação de imediato. Eu acho que cabe a
120
gente ter ideologia, ser positivo no sentido de orientar os seus usuários sobre os seus direitos e deveres.
O sujeito aponta a importância de todas as correntes na direção de fundamentar o
trabalho profissional, demonstrando a presença de uma insistente retomada do ecletismo nas
opções teóricas norteadoras da práxis profissional, embora ele reforce o estudo do
―marxismo‖, o que não evidencia a superação substancial do ecletismo presente no discurso,
sendo que este ecletismo emerge como um equívoco teórico que falseia a realidade (PAULO
NETTO, 1991). A fala do sujeito movimenta-se de maneira expressiva, pois, ao afirmar a
importância de todas as correntes, o estudo do marxismo por si só não transforma a sociedade
de imediato. O sujeito entrevistado não estabelece algumas mediações necessárias à
compreensão acerca da transformação social, pois esta transformação necessita de
conhecimento crítico sobre a sociedade do capital e uma vinculação essencialmente orgânica
com a classe trabalhadora; esta transformação não é individual, é de caráter coletivo, pensado
a partir do entendimento do conceito ―classe para si‖ (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010).
A retórica conservadora presente no discurso do dever como elemento necessário ao
acesso aos direitos aparece na fala do sujeito, visto que a associação do direito ao dever
emerge como uma imposição do modo de produção capitalista e das determinações do
neoliberalismo que atingem visceralmente o direito de acesso aos bens e serviços sociais e o
Estado, transformando os direitos duramente conquistados pelos trabalhadores em barganha
no cumprimento de deveres pré-estabelecidos pela ordem burguesa (IAMAMOTO, 2008).
Deste modo, o Estado e consequentemente os assistentes sociais (re)produzem a lógica
cartorial elaborada pelo capital e sancionada pelo Estado.
Com relação aos marcos teóricos que serviram de referência para o profissional no
processo de formação e agora no trabalho profissional, Carolina situa a
[...] fenomenologia também. A gente tem que saber separar as coisas do cotidiano, verificar melhor a informação, saber isolar a situação
para que também não recaia sob qualquer julgamento do assistente social. Porque às vezes a pessoa pega uma corrente e se tornam
pessoas que rotulam os outros, ―aquilo não serve, aquilo não se enquadra‖. Então eu acho que toda corrente se usa. Eu acho que o certo é unificar as correntes, verificar o seu perfil profissional e visar
sempre o bem estar de quem está sendo atendido. A qualidade, a prestação do serviço, principalmente o objetivo. [...] Eu acho que as
pessoas têm que ser objetivas e levar ao usuário a questão dos direitos. Eu acho que ainda falta muito nisso no assistente social. Eu acho que
isso pesa muito no que ele está fazendo. Às vezes ele faz uma visita
121
domiciliar, um procedimento técnico e não verifica que aqueles usuários tem uma gama de direitos. Você tendo o conhecimento, você
tem que ter o compromisso de passar para os usuários todos os seus direitos.
O sujeito refere-se à necessidade de recorrer à fenomenologia como fundamento
teórico-metodológico. Porém, ao afirmar tal corrente teórica, é necessário compreendê-la e
identificar o tipo de análise da realidade que esta opção teórica se estrutura. Assim sendo, a
fenomenologia recorre a um mecanismo superficial de análise da sociedade fundada na
aparência, ou seja, do fenômeno. Reatualiza-se deste modo, a concepção sincrética e eclética
do Serviço Social tradicional (PAULO NETTO, 1996). O sujeito retoma o conceito de
neutralidade da ação profissional, do trabalho isolado para se distanciar do julgamento, o que
nos leva a refletir sobre a direção social da profissão e sua vinculação com a classe
trabalhadora.
Mesmo refletindo sobre a questão da fenomenologia como parâmetro teórico, Carolina
reflete sobre elementos que podem conduzir seu trabalho profissional na direção da efetivação
do acesso aos direitos da classe trabalhador, como um dos princípios do trabalho
compromissado com os valores da profissão. Porém, fica a dúvida dobre a mediação de uma
corrente como a fenomenologia com a esfera do reconhecimento do direito do usuário,
compreendido a partir do conjunto sócio-econômico e histórico que o engendra na sociedade
capitalista.
Quando questionada sobre quais disciplinas Isabela ministrou na universidade e quais
as dificuldades encontradas, o sujeito aponta que:
Atualmente eu não ministro nenhuma disciplina. Eu estou só com a
orientação de TCC. Já ministrei estágios do I ao IV; Processo de Trabalho; Fundamentos éticos e políticos, estágio e supervisão. Eu já
passei por quase todas as disciplinas pela forma como a Universidade e a gestão do curso entendia que a gente não tem que ter uma
disciplina específica, particular. É lógico que isso ajuda no sentido de você se apropriar mais do conhecimento. Por outro lado acaba
ocorrendo também uma questão de comodidade. Se a pessoa tem um plano de ensino montado, dependendo da sua disponibilidade de
tempo, a pessoa fica com ele 10 anos, desconsiderando as características das turmas, as mudanças atuais.
Isabela retoma uma reflexão necessária à academia e aos docentes, que se refere a
questão da ―exclusividade‖ de determinadas disciplinas. Na sua fala, encontramos a
122
diversidade de disciplinas possibilita perpassar pelos eixos estruturantes da formação
profissional do assistente social, possibilitado aprofundar o conhecimento nas mais diversas
áreas do conhecimento. Seguindo os pressupostos norteadores da formação em Serviço
Social, verifica-se a necessidade de romper com a concepção de parcialização do
conhecimento, seguindo a orientação da lógica capitalista na direção da formação
fragmentada, empobrecida e especializada.
Quando questionada sobre as dificuldades encontradas nas disciplinas que ministrou,
Isabela opina:
Para cada disciplina, eu acho que as dificuldades se mostram de uma
forma diferente; pela concepção que o aluno tem sobre o que irá ser trabalhado. A primeira matéria que eu ministrei na faculdade ela tinha
um formato que eles não conseguiam conceber. Eu tive muita dificuldade com essa disciplina, porque pelo nome ela iria discutir a
questão metodológica, mas ela tinha uma ementa e os objetivos que levavam para um aspecto mais filosófico, de construção de
conhecimento. Eu acho que depende da disciplina e eu acho que a disciplina de estágio te dá a possibilidade de rever algumas coisas que
ficam pendentes. Porque eles conseguem levar algumas coisas, ainda que sem muita clareza para o estágio, e que você consegue perceber
onde ficou alguma lacuna.
A questão do preparo intelectual faz-se essencial no processo de construção do
conhecimento junto o aluno de graduação, pois a carência de elementos teórico-
metodológicos pode comprometer a direção da formação profissional crítica. Isabela reflete
sobre a questão do estágio como uma disciplina que possui agentes dificultadores. Vejamos:
Nesse sentido, eu volto na questão do Cfess e Abepss, existe uma orientação, mas quando você vai trabalhar com os profissionais em
uma capacitação, a gente não tem um retorno. É uma questão muito clara no nosso Código de Ética. Não é uma obrigatoriedade, mas há
um direcionamento que tem muito mais haver com um compromisso. E quando você vai começar a pensar nos campos de estágio e a
consultar a disponibilidade dos colegas, você se depara com essa questão da resistência gratuita. É muito interessante também quando
você percebe um aluno que tem compromisso, que é bem recebido na supervisão, quando lá no final ele consegue fazer toda essa
articulação.
O sujeito refere-se à questão relacionada na oferta do campo de estágio, como
momento essencial para o aluno estabelecer as mediações necessárias, evidenciando as
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potencialidades, os limites institucionais, profissionais, o contato direto com a população
usuária, bem como um campo promissor para o fortalecimento do compromisso profissional.
Isabela reflete sobre a resistência dos profissionais da cidade em receber alunos
estagiários e evidencia a questão do compromisso expresso na Lei de Regulamentação da
profissão e a importância da capacitação dos profissionais ao receber estes estagiários. Na
atualidade, as resoluções do Conselho Federal de Serviço Social determinam o processo de
supervisão de campo, na direção da qualidade do processo.
Ao ser questionada quanto ao tipo de corrente teórica apreendida no processo de
formação, a assistente social Gabriela aponta a teoria social de Marx e a situa no cotidiano do
trabalho profissional.
A teoria social de Marx. Porque as outras fundadas no pensamento de Durkheim, Weber e outros pensadores positivistas e funcionalistas não
conseguem dar uma resposta àquilo que eu pretendo. Eu simplesmente negaria alguns aspectos, principalmente o sujeito enquanto ao aspecto
social e histórico. Eu particularmente, dentro das categorias, tomo como aporte no meu cotidiano profissional a própria teoria crítica, a
leitura da realidade. Por quê? Porque voltando a pergunta anterior, como eu reconheço o sujeito enquanto um ser ontológico, social,
histórico, um ser envolvido nos complexos que é a realidade. A partir deste momento eu reconheço nesta teoria uma fundamentação para
que eu possa mediá-la junto ao cotidiano profissional. Eu tomo por base esta teoria porque ela me dá condição, sustentação teórica até
mesmo para reconhecimento do sujeito enquanto ser histórico e social e ir à raiz. E até mesmo porque, se eu negar a este sujeito, eu,
enquanto assistente social, não o reconhecer enquanto com essas categorias e pensar em uma mediação, reconhecer singularidade,
particularidade e universalidade, reconhecendo aquela realidade posta para mim, sair daquela aparência, que é o singular; fazer este
movimento que é reconhecer o sujeito na sua totalidade, eu não consigo desenvolver um trabalho que realmente compromissado.
Nesta fala, o sujeito aponta a centralidade teórica da teoria social de Marx como marco
teórico-metodológico que lhe oferece condições de analisar a sociedade burguesa, partindo
das suas estruturas. Na resposta, o sujeito aponta categoriais centrais, como ontologia,
realidade e historicidade, que, segundo ele, lhe possibilitam o reconhecimento do sujeito
(trabalhador-usuário) para além da aparência. Com relação à teoria social de Marx, somente
pode ser concebida a partir da leitura igualmente crítica da sociedade burguesa madura e seu
processo de produção e das relações sociais engendradas por esta sociedade. Assim, ―[...] sem
esta compreensão, será impossível uma teoria social que permita oferecer um conhecimento
124
verdadeiro da sociedade burguesa como totalidade (incluindo, pois, o conhecimento — para
além da sua organização econômica — das suas instituições sociais e políticas e da sua
cultura)‖ (PAULO NETTO, 2009, p. 9).
Ao afirmar tal posição, nosso sujeito refuta no seu discurso as teorias de caráter
positivista e funcionalista que, como correntes do pensamento conservador, possuem
mecanismo ideopolíticos que mascaram a realidade concreta, fundados na culpabilização do
sujeito, na criminalização da pobreza e na concepção pragmática e funcional da sociedade
burguesa.
A teoria social de Marx só interessa a quem concebe a história como um campo de possibilidades abertas — e não apenas à barbárie, à desumanização, à reificação do presente-, mas, sobretudo,
aos projetos coletivos que apostam na criação de uma nova sociedade, onde a liberdade possa ser
vivida, em todas suas potencialidades (BARROCO, 2005, p. 16).
Evidencia-se na fala do entrevistado a importância de compreender o sujeito por ele
atendido no complexo das relações sociais de produção, dada na materialidade do cotidiano e
profundamente determinado pela lógica reificadora do grande capital; mas não somente é
situar este sujeito na direção de construção coletiva, fundada em elementos tão caros aos seres
humanos. Partindo da análise de reconhecer este sujeito como ser humano-genérico na ordem
do capital, possibilita a apreensão sócio-histórica da demanda posta no seu atendimento, o que
pode indicar a possibilidade de um trabalho profissional que vá além do aparente, do imediato
e sugere a captura desta realidade na raiz da questão, ou, como afirma Marx, ir além do
aparente.
Denota que a concepção de homem e de mundo do sujeito entrevistado, fundada numa
visão de totalidade de vida social, abre caminhos para um trabalho profissional
compromissado tradicionalmente com os valores coletivos dos trabalhadores, na direção dos
princípios profissionais, que dão uma direção social (são princípios que elegem valores)
Ao ser questionada sobre os problemas mais frequentes que a assistente social
Carolina depara no seu cotidiano de trabalho, vejamos a resposta.
[Eu vejo hoje que no judiciário as pessoas tem muita confiança na justiça popular e a justiça às vezes não é essa justiça que a gente
entende. [...]. Então eu vejo que as pessoas tem muita dificuldade em entender isso. A questão da demora, eu acho que pelo número de profissionais, das dificuldades que a gente tem, é muito difícil. Às
vezes a gente pega uma situação gravíssima e você quer fazer um acompanhamento, fazer um parecer. Então eu vejo que a questão
maior é a demanda do serviço e a gente não conseguir ser mais ágil.
125
Observa-se que a assistente social do Tribunal de Justiça possui relativa clareza sobre
um dos problemas centrais do Poder Judiciário: a demora no julgamento dos processos e a
limitação dos recursos humanos (assistentes sociais). O sujeito aponta a carência de recursos
humanos como central e que coloca o qualidade dos atendimentos prestados por estes
profissionais em risco e consequentemente minando o comprometimento com os usuários.
Necessário reforçar toda a problemática recobre o serviço público, situado na conflituosa
linha do atendimento das determinações do grande capital e na satisfação das necessidades
(demandas) postas pelos trabalhadores e dentro desta realidade, o acesso à justiça figura-se
neste cenário (IAMAMOTO, 2008).
Na ordem do dia, a programática neoliberal acentua suas forças junto à sociedade e ao
Estado, na direção da destruição dos direitos duramente conquistados, reafirmando a
inoperância do Estado frente às questões postas pelo próprio capital. Isso reflete
essencialmente no trabalho profissional do assistente social, visto que estes ―não dispõem,
todavia, de todos os meios e condições necessárias para efetivação do seu trabalho, parte dos
quais lhe são oferecidos pelas entidades empregadoras‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 96). As
condições objetivas de trabalho dos assistente sociais seguem profundamente permeadas e
determinadas pela lógica do capital, o que possui reflexos na materialização do seu
comprometimento com as demandas da classe trabalhadora.
O sujeito continua suas reflexões acerca do trabalho profissional e dos problemas
enfrentados no seu cotidiano profissional.
O Tribunal é uma instituição fechada, mas eu falo principalmente em
relação a demanda. Eu acho que vai muito de profissional. Às vezes o profissional tem o mesmo número de trabalho, uns conseguem dar um
parecer e buscar um encaminhamento mais rápido. [...] A carência de recursos humanos e suporte técnico para o trabalho. A questão de
ferramenta de trabalho, de condições, até para a gente poder atuar junto com os estagiários, proporcionar o aprendizado para ele, e
aprender com o estagiário. Então o que ocorre muito no TJ, e não é só uma crítica minha; inclusive a gente participa de fóruns, e tudo, não é
a questão do Tribunal. Ele tem até criado ferramentas de capacitação para nós, principalmente para o assistente social. Melhorou muito, a gente ganhou muitos cursos, capacitações continuadas específicas do
serviço social. Isso que eu acho legal. E eu tenho aprendido muito com estes cursos, inclusive o incentivo é a questão financeira de estar
participando, com reflexos no aumento salarial, e também ter um comprometimento com a categoria. Eu vejo que o tribunal dá o apoio,
mas, em relação à questão de mão de obra, ainda é pouca.
126
O sujeito retoma e reforça mais uma vez a carência de um número maior de
profissionais que possam melhorar as condições objetivas de atendimento às demandas,
principalmente nas Varas da Infância e Juventude da Comarca de Uberaba, local em que a
demanda pelo trabalho do assistente social tradicionalmente é maior. Na contramão da
carência de profissionais, o sujeito acentua a questão da qualificação continuada oferecida
pela Instituição, que possuem em sua maioria um caráter tecnicista para instrumentalizar o
assistente social para execução do seu trabalho profissional, o que pode não revelar uma
concepção de trabalho profissional mais universal, dado na totalidade da sociedade a qual este
profissional se insere. A construção do conhecimento necessita superar o aprendizado
mecanizado e tecnicista, na direção da produção do conhecimento, da investigação, na direção
de ―libertar a verdade de seu confinamento ideológico‖ e situar-se em um ―espaço de
resistência e luta. Trata-se de uma atividade fundamental para subsidiar a construção de
alternativas críticas ao enfrentamento da questão social que fujam à mistificação neoliberal‖
(IAMAMOTO, 2008, p. 452).
Outro problema frequente apontado pelo sujeito reside no fato da pouca efetividade
das políticas públicas, visto que, como a estrutura judiciária não lhes possibilitam a oferta de
todos os serviços necessários ao usuário, há a imperiosa necessidade de recorrer à rede
socioassistencial do município. Associado à pouca efetividade da rede, o sujeito reforça o
caráter de (re)produção da pobreza em suas esferas constitutivas. Vejamos seu
posicionamento.
A gente encaminha para rede exatamente para dar o fortalecimento
para aquela família. Para que com o tempo ela possa se manter e possa tirar essa reprodução da pobreza. Porque a pobreza passou a ser um
caso específico de geração para geração. Então isso passou a ser visível. Você deixa de atender um irmão, passa a atender um sobrinho,
filho, neto, e depois vai reproduzindo.
No contexto da sociedade capitalista, o processo de reprodução da pobreza somente
pode ser pensado a partir do seu amplo processo de apropriação privada dos meios de
produção, na apropriação da força de trabalho e na consequente extração da mais-valia.
A reprodução da pobreza possui mediações com a profissão, visto que o amplo
processo de fragmentação das políticas, bem como sua focalização, é cooptado pelo Estado e
pelo capital como a mera somatória das ações das políticas com vistas ao atendimento
127
igualmente fragmentado prestado ao usuário, refletindo de maneira objetiva no trabalho
profissional frente às políticas às quais ele busca acesso para os usuários (YAZBEK, 2003).
Em contraposição aos elementos constitutivos desta lógica do capital, o trabalho situa-
se na esfera antagônica de luta em um projeto essencialmente oposto, em que a liberdade, a
plena autonomia e a reordenação das relações sociais de produção sejam elementos-chave das
suas bandeiras de lutas. Nesta contraposição de valores, o antagonismo entre capital e trabalho
é expresso pela questão social, que, para Iamamoto (2008), configura-se como a luta entre
capital e trabalho na defesa de projetos distintos.
As relações sociais de produção
―produzem e reproduzem as desigualdades no plano social, político, econômico e cultural, ao
criar uma população sobrante. Elas redefinem o lugar dos pobres nessa sociedade: a ausência do
poder de mando e de decisão, privação dos bens materiais, a desqualificação das suas crenças e
modos de expressar-se, que ocorrem simultaneamente às suas práticas de resistência e de lutas (IAMAMOTO, 2008, p. 188).
Pensar a esfera da reprodução da pobreza no cenário do grande capital é partir da
totalidade deste processo e estabelecer as mediações necessárias para compreender as
particularidades que envolvem o trabalhador, dentre as quais o lastro neoliberal que perpassa
as politicas sociais. Com relação à efetividade das políticas e o trabalho em rede, o sujeito
afirma que
[...] tenho o contato maior com a Prefeitura através do Suas, mas eu vejo muitos relatórios e poucas ações efetivas. Eu sempre tento
colocar que a gente precisa de mais ações. Porque até a comunidade às vezes cansa. Se precisar de atendimento da justiça, da prefeitura, até
de ONGs, mas não existem ações efetivas que preparam a pessoa para o trabalho, que é vencer a limitação seja ela física, material ou mental.
Está faltando é isso. Criar ações, projetos e programas. Espaços existem. Não adianta abrir espaços e dizer: ―o Cras está funcionando‖,
mas o usuário chega lá e o serviço é oferecido de que forma? Tem que oferecer com qualidade de trabalho, para que aquela família possa ter
a proposta de ser independente. Porque os programas e benefícios sociais vêm pra isso. Ele tem que ser temporário porque senão ele vira
a renda da família e ela não sai da pobreza.
Tal crítica à efetividade das politicas sociais é encontrada também na fala de Gabriela.
sujeito que tem na saúde seu espaço sócio-ocupacional de trabalho, que as aponta como um
problema do seu cotidiano profissional.
128
Eu acho que é a inacessibilidade aos direitos. É frequente, principalmente porque vivemos em um Estado que é omisso e efetivar
o que está estabelecido no SUS, é difícil porque o Estado não provê insumos para garantir o acesso à saúde. E como os usuários internados
ali não tem condição econômica para manter o tratamento pós-alta, nós dependemos da rede pública, normalmente há uma luta em que a
gente precisa utilizar o próprio Estado contra o Estado para poder efetivar este direito do cidadão. [...] O que eu penso é que as políticas
são segmentadas uma vez que a assistência não consegue se comunicar com a política de saúde, que não se comunica com a de
previdência. Então as políticas vão sendo segmentadas. Elas não conseguem manter um diálogo entre si. Quando você chama o Estado
para articular as políticas, os próprios gestores e os próprios agentes políticos que estão envolvidos, ou seja, os trabalhadores não
concebem que podem articular as políticas. E pensar em determinismo ou em condicionalidade, eu penso que é uma condicionalidade.
Porque se eu pensar em determinismo, eu penso que tudo já está acabado. A condicionalidade me dá a possibilidade de pensar que algo
pode ser feito para mudar.
O que ambos os sujeitos pesquisados enfatizam reside na pouca efetividade das
politicas vinculadas aos espaços sócio-ocupacionais, evidenciada pelo problema da propalada
―rede de serviços‖. As políticas sociais na atualidade seguem a receita do ideário neoliberal,
patrocinado e sancionado pelo Estado, que reforçam seu caráter fragmentado e focalizado das
suas ações, pautadas numa prática recorrente de descontinuismo, que desconstroem os
princípios constitucionais firmados pela luta dos trabalhadores na Constituição de 1988 e nas
leis regulamentadoras. A chamada crise fiscal do Estado vem reforçando ―ações pontuais e
compensatórias direcionadas para os efeitos mais perversos da crise‖ (BEHRING;
BOSCHETTI, 2006, p. 156).
Cabe refletir que o processo de fragmentação e focalização das políticas sociais
públicas tem conexões com o trabalho profissional, pela essência do Serviço Social, na
medida em que se viabiliza por meio de tais políticas. A não efetividade ou o atendimento
minimalista de cunho seletivo seguem associados a questões estruturais do capital, na sua
reordenação em escala global, que repercute decisivamente na
[...] insegurança e vulnerabilidade do trabalho e a penalização dos trabalhadores, o desemprego, o
achatamento salarial, o aumento da exploração do trabalho feminino, a desregulamentação geral
dos mercados e outras tantas questões com as quais os assistentes sociais convivem cotidianamente: são questões de saúde pública, de violência, da droga, do trabalho da criança e do
adolescente, da moradia na rua ou da casa precária e insalubre, da alimentação insuficiente, da
ignorância, da fadiga, do envelhecimento sem recursos, etc. Situações que representam para as
pessoas que as vivem, experiências de desqualificação e de exclusão social, e que expressam também o quanto a sociedade pode "tolerar" e banalizar a pobreza sem fazer nada para minimizá-
la ou erradicá-la (YASBEK, 2003, p. 138).
129
Concebidas estruturalmente estas condições objetivas da concepção do trabalho
inscrito nesta esfera, o trabalho profissional circunscreve o antagonismo do trabalho
profissional, situado frente à desconstrução dos direitos e ações políticas de mobilização junto
aos trabalhadores na defesa do seu projeto de classe.
Com relação ao trabalho profissional no campo da docência, questionamos Isabela se
as disciplinas que ministra apontam o debate sobre a teoria marxista e quais os autores
utilizados para esse referencial teórico-metodológico.
Eu tive uma falha na minha formação, na realidade eu nem sei se posso dizer isso. Mas estávamos matriculados em um currículo antigo,
em um curso novo, primeira turma numa universidade privada. Desafio para quem assumiu isso, e acho que foi um desafio para quem
se propôs estudar também na primeira turma; mas hoje eu percebo com muito mais clareza, e muito menos culpa que a minha formação
foi uma formação que não me direcionou para um pensamento marxista. Eu vim aprendendo isso com o tempo, e deixando de me
arrepiar com que eu lia e leio de Marx a partir do momento que eu me dispus a entender sem fazer a crítica e sem ser Marxista, porque não
tenho essa propriedade toda, mas me abri para a discussão e tive grandes mentores: o Professor João que teve uma contribuição
significativa no curso em particular para fazer essa transição. Então isso veio de uma forma gradual e eu sei que posso ter falhado como
professora com alguns alunos, mas hoje com muito mais clareza e tranquilidade. Talvez não com toda a propriedade como deveria, mas
caminhando para entender e mediar. Tenho como referencial teórico os livros do Netto, da Barroco, da Marilda, Guerra....
O sujeito destaca a deficiência na apropriação das fontes da teoria social crítica na
esfera da sua formação acadêmica, evidenciando algumas particularidades institucionais.
Particularidades estas que se associam a uma defasagem curricular, visto que as diretrizes
curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa redefinem, no plano da formação
profissional, sua proposta básica, referendada em 2002. O sujeito aponta esta deficiência no
currículo, que pode ser interpretada como indefinição sobre os marcos propostos nas diretrizes
curriculares da Abepss e sua mediação com o projeto pedagógico mais progressista. Na
proposta da Abepss, os três núcleos da formação profissional — a saber: núcleo de
fundamentos teórico-metodológicos da vida social; núcleo de fundamentos da formação
sócio-histórica da sociedade brasileira; e núcleo de fundamentos do trabalho profissional —
possibilitam o desdobramento de uma matriz curricular essencialmente crítica, pelo debate
que se propõe a fazer, apontando elementos de critica à sociedade capitalista e os impactos no
trabalho profissional.
130
A proposta básica de formação do assistente social busca na concepção sócio-histórica
o lugar que a profissão ocupa no cenário da luta de classes, como uma especialização do
trabalho coletivo, de condição assalariada e que se inscreve na dinâmica da (re)produção da
vida social, situando também o trabalho como um elemento fundante na dinâmica da
sociedade capitalista (IAMAMOTO, 2000a). A concepção de deficiência de um currículo
antigo pode esconder a face estrutural do capital em sua fase neoliberal, que descontrói a
função essencial da universidade na formação de cidadãos críticos e com inserção politica na
sociedade.
A fala de Isabela revela como a formação profissional ou mesmo os assistentes sociais
sobre a apropriação do pensamento haurido nas fontes de Marx ou daqueles autores que
sustentam suas discussões na fonte do pensador alemão. O sujeito é enfático em afirmar que
não manteve um contato com as fontes do pensamento fundado na crítica marxiana da
sociedade burguesa, o que exige, na atualidade histórica que vivenciamos a ―necessidade de
se atribuir maior rigor e consistência à apropriação das matrizes teórico-metodológicas
incidentes no campo da formação‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 193).
Ao assumir esta deficiência, observa-se que o sujeito situa-se na condição de abertura
ao aprendizado pela própria urgência em situar-se como gestor de curso, docente e assistente
social na condição de trabalhador inserido na esfera da (re)produção da sociedade do capital,
o que possibilita estabelecer algumas mediações não tão assombrosas (IAMAMOTO, 2008).
Ao ser questionada sobre a possibilidade de um diálogo com a vertente marxista na
pós-graduação (mestrado), Isabela afirma:
No meu mestrado, eu não consegui visualizar toda essa visão crítica
marxista em uma universidade pública, laica e pretensamente de qualidade, que me frustrou um pouco porque eu achei que resgataria
aquilo que não tive na graduação. Isso me decepcionou. É lógico que existe aquela reflexão e a busca por melhorar, mas me decepcionou
muito por que eu esperava muito mais. Em nível de qualidade de conhecimento. Eu achei que ali eu conseguiria sanar algumas lacunas
da minha formação. E não foi o que aconteceu.
O sujeito deixa evidente que ao buscar um programa de pós-graduação, nível de
mestrado, as deficiências emergidas no inicio da sua formação profissional se reatualiza, à
medida que o debate sobre Marx e sua teoria social crítica tem ficado restrita a alguns
programas mais progressistas ou dentro de programas conservadores, programas estes que
reatualizam a vertente conservadora, secundarizando o debate sobre a teoria crítica de Marx.
131
Essencialmente, o foco da problemática da formação não reside apenas na graduação, mas
também na pós-graduação e nos objetivos da pesquisa, que na atualidade tem se colocado a
serviço da fragmentação do conhecimento, na direção da ―especialização mesquinha‖
(LUKACS apud LARA, 2008).
A fragmentação foi criada e permaneceu no círculo acadêmico ao longo do século XX, contribuindo para o desenvolvimento da Universidade que tem como um de seus principais
objetivos formar especialistas, que sabem cada vez mais de menos. Portanto, o grande mal da
ciência moderna são as ciências particulares (LARA, 2008, p. 187).
Particularizando a formação em áreas e subáreas, o conhecimento torna-se
fundamentalmente parcializado, como particularidades de determinadas profissões ou
profissionais, fazendo com o que o debate plural, concebido na totalidade das ciências sociais,
torne-se fragmentos de conhecimento que não revelam a realidade em sua concretude e
dimensão.
Assim, assumindo ―falhas‖ na condução da atividade docente cotidiana perante seus
alunos necessita ser pensada na deficiência da formação, que repercute no trabalho
profissional docente. O reconhecimento desta carência não reside apenas como um aspecto
fatalista, pois sugere a busca contínua da apreensão do conhecimento acerca da teoria crítica,
o que não implica necessariamente na sua mediação política, o que o tornaria um
conhecimento que potencialmente não se efetive como transformador.
Deste modo,
[...] apreender este processo social na sua contraditoriedade é requisito para se construir um
projeto de formação profissional que reafirme o estatuto profissional do Serviço Social, na
medida que este esteja comprometido com a formulação de programáticas: de propostas de ação
no campo da implementação e das formulações das politicas sociais públicas e privadas, da dinâmica do mundo do trabalho e de seu mercado, atento ao universo da cultura universal, mas
também à visão de mundo dos subalternos, decifrando seus códigos, suas maneiras particulares
de sua expressão de sua vida social em formas culturais. (IAMAMOTO, 2000a, p. 196).
Questionada sobre seu entendimento do compromisso ético-político e os
desdobramentos no seu trabalho profissional, Carolina enfatiza
Independente da instituição, eu vejo a atitude do profissional. A atitude não só perante da chefia, ou juíza, perante a comunidade.
Independente da pessoa, porque não cabe a gente fazer pré-julgamento dos assistidos. Este compromisso é a atitude no cotidiano. A gente tem
que ver a questão dos seus direitos, porque os deveres a gente vê todos os dias em forma cobrança em cima da comunidade. O
comprometimento profissional é específico em relação aos direitos.
132
De levar o acesso. Quem mais precisa, é quem menos tem conhecimento e não vai atrás por falta de informação.
A centralidade deste compromisso encontra eco na resposta do sujeito, na direção de
que estas respostas ético-políticas de comprometimento seguem na direção do atendimento
das necessidades do usuário, como ela enfatiza a partir do acesso ao direito, por exemplo.
Emerge nesta discussão a tentativa de superação das concepções moralizadoras em relação ao
usuário, que o sujeito situa como ―assistido‖. A concepção de termos ―assistidos‖ e/ou
―clientes‖ demonstra ainda o ranço conservador presente nas políticas públicas estatais, às
quais se fundaram na base do favor e das práticas meritocráticas (LOURENÇO, 2009).
O sujeito reforça a questão do compromisso na esfera do direito, apenas enfatizando a
possibilidade de acesso, visto que o Código de Ética explicita valores como a facilitação do
acesso aos bens e serviços sociais aos usuários das políticas, na defesa da democracia, etc.,
evidenciando alguns dos compromissos coletivos da profissão. É necessário situar este
compromisso ressaltado pelo sujeito pesquisado, na direção do fortalecimento da participação
política dos usuários, fomentando a ampliação da democracia, da liberdade. Estes
compromissos não podem ser pensados isoladamente, necessitam da ―coesão dos agentes
profissionais, em torno de valores e finalidades comuns, [o que dá] organicidade e direção
social a um projeto profissional. Este aspecto, no entanto, diz respeito ao movimento interno
da profissão, o que não existe sem conexões externas‖ (BARROCO, 2005, p. 66).
Essa reflexão nos leva a pensar na necessidade desta coesão de caráter coletivo dos
profissionais e dos sujeitos usuários dos serviços sociais, na direção de materialização de um
projeto que extrapola os limites profissionais, dirigidos a um projeto de classe. Porém, este
movimento não pode ser concebido apenas na endogenia da profissão, ele necessita ser
mediado por elementos externos que atravessam a profissão e consequentemente a
determinam.
Ainda com relação ao compromisso profissional, questionamos o sujeito sobre como
ele realiza esse compromisso em seu cotidiano profissional no seu espaço sócio-ocupacional.
A gente tenta! Ser perfeito não tem como. Embora a gente fale que não, a dinâmica da demanda, como a gente tem prazos, é muito
complicado. Às vezes a gente gostaria de fazer da melhor forma, mas acho que dentro do possível eu consigo. Pelo menos de 0 a 10 eu acho
que 8 eu tenho tentado.
133
Mais uma vez, Carolina refere-se à questão das condições objetivas e subjetivas do
trabalho no referido espaço sócio-ocupacional, que, pelo seu amplo processo de
burocratização e sua tradição puramente jurídica, ―reduz-se, por um lado, à garantia dos
direitos da população e, por outro, dos direitos dos representantes da hierarquia burocrática‖
(PASUKANIS, 1989, p. 76). Deste modo, o trabalho profissional, como já debatido
anteriormente, encontra-se polarizado entre estes interesses antagônicos, que podem revelar
uma constante ameaça ao projeto profissional. O sujeito percebe que os limites institucionais
podem interferir na materialização dos princípios profissionais, o que nos leva a refletir que
tais limitações concretas não podem ser situadas de maneira fatalista, que impossibilita
unilateralmente a construção do compromisso profissional, sendo que o ―o Código de Ética
nos indica um rumo político, um horizonte para o exercício profissional‖ (IAMAMOTO,
2000a, p. 77). Mas não basta um Código de normatização Ética, apenas; é necessário, pois,
uma vinculação orgânica com a classe trabalhadora, na sua dimensão política.
Ao se questionar um exemplo cotidiano deste comprometimento ético-político, o
sujeito faz a seguinte afirmação.
Se a pessoa é analfabeta, você vai mandar ela tirar um documento como? Eu já vi muita gente entregar um encaminhamento para
analfabetos, eu acho que são ações de acordo com o seu público, você vai ver as necessidades deles e tomar as atitudes necessárias.
Pode parecer uma resposta minimalista, que pode remeter-nos a uma visão simplista
do trabalho profissional, mas que revela elementos essenciais do projeto profissional no trato
com a questão social e suas múltiplas manifestações numa sociedade brutalmente barbarizada
pelo capital. A necessidade de compreender no âmbito da abstração o trabalhador usuários
dos serviços sociais, trabalhador este ao qual este profissional dispõe todo seu conhecimento;
não somente o conhecimento teórico, mas da efetiva vinculação às bandeiras de lutas destes
trabalhadores, efetivando o seu comprometimento na concretude da vida, da realidade do
trabalhador. Deste modo, este trabalho profissional e este rumo ético-político requer um
profissional que rompa com ―tanto com o teoricismo estéril, quanto com o pragmatismo,
aprisionados no fazer pelo fazer, em alvos e interesses imediatos (IAMAMOTO, 2000a, p.
79).
Com relação ao entendimento sobre o compromisso profissional, Gabriela, que tem na
saúde seu espaço sócio-ocupacional, afirma que:
134
O meu compromisso é com o meu usuário. O espaço onde estou hoje é um espaço em que as pessoas veem somente pelo lado do médico só
que nós conseguimos com os médicos e a própria direção o reconhecimento das outras ações que nós desenvolvemos que são as
de cunho social, político, cultural. E isso provoca para o serviço social a materialização do seu trabalho e dos princípios éticos,
principalmente no aspecto em que se reconhece o sujeito autônomo, livre, com tudo aquilo que preconiza a ética para o Serviço Social e
seus princípios.
Retoma, na fala do sujeito, a tentativa de superação do conceito centrado na figura do
tratamento médico-hospitalocêntrico, de características biologistas, o que reflete o
posicionamento conservador de alguns espaços no setor saúde, visto que desde a eclosão do
Movimento Sanitário e a Constituição Federal e principalmente pela regulamentação da saúde
pública de caráter universal, por meio da Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), a saúde não é
mais concebida como a ausência de doenças, figura-se, portanto, a concepção das esferas da
vida social (cultura, bem estar físico e mental, etc.) ( BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Mesmo situando seu trabalho profissional na direção dos princípios fundamentais do
assistente social, o sujeito reconhece e reforça o caráter da concepção da autonomia dos
sujeitos sociais, da liberdade. Porém, é necessário compreender os limites desta autonomia e
liberdade sob a órbita das políticas sociais focalizadas e dos ditames da sociedade capitalista,
que circunscreve a liberdade e a autonomia sob seus limites ideológicos, políticos, sociais,
culturais e econômicos. A compreensão do ethos profissional circunscreve-se em dimensões
constitutivas que compõem a ética profissional, sendo elas: a dimensão filosófica, o modo de
ser e a normatização legal nos marcos do Código (BARROCO, 2005).
Ao questionarmos o sujeito se considera e tem clareza que este compromisso está
presente no seu cotidiano profissional, ela enfatiza.
Tenho. Tanto que o Serviço Social já teve problemas com gestão e
direção porque defrontamos, batemos de frente para ―garantir‖, para legitimar e efetivar um direito que era do usuário. Até mesmo de
permanência do hospital.
A clareza do seu posicionamento frente aos interesses da classe trabalhadora, situada
como elemento ético, retorna na fala do sujeito, evidenciada pela necessidade de uma prática
política e igualmente subsidiada por conhecimentos teórico-metodológicos que direcionam
um trabalho profissional compromissado com as demandas dos usuários. Este processo de
embate requer uma aderência ético-política e situada na esfera da mediação
135
que envolve habilidades e estratégias no campo da atuação profissional (o que é verdadeiro e importante), por meio do enfrentamento de desafios concretos impostos à profissão. Sob essas
determinações é que o Serviço Social e a categoria profissional dos assistentes sociais devem
pensar e objetivar alternativas que possam contribuir com a emancipação humana (SILVA, 2010,
p. 143).
A reflexão do sujeito remete seu trabalho profissional à necessidade de estabelecer
mediações internas e principalmente externas, na direção de uma prática política, que
corresponda e se alinhe ideologicamente às necessidades dos trabalhadores, na defesa dos
seus interesses.
Quando questionada sobre a direção social do curso de graduação à qual está
vinculada, Isabela afirma que o curso possui uma direção social. Quando solicitado que o
sujeito reflita e indique esta direção social, vejamos seu posicionamento.
De uma sociedade emancipada, justa, igualitária, para além do que é
preconizado simplesmente como uma questão legal dentro do nosso Código de Ética. Para uma direção que vai além do que preza, não sei
se é pretensão demais nossa, mas que vai além do Projeto Ético Político. Eu acho que a gente tem um corpo docente que tem uma
clareza com relação a isso.
Assim, pensar numa sociedade emancipada, a partir da superação do modo de
produção fundado no capitalismo; requer essencialmente situar esta sociedade para além do
capital e de seu modo de (re)produção. Como alternativa, o projeto profissional segue-se
como uma direção social que não pode ser pensada como limite ideopolítico. Este ir mais
além que o sujeito afirma, mesmo que não tão claro e objetivo, situa uma formação
profissional ―conciliada com os novos tempos, radicalmente comprometida com os valores
democráticos e com a prática de construção de uma nova cidadania na vida social, isto é, de
um novo ordenamento das relações sociais‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 168).
Quando questionada sobre a existência de alguma lacuna que possa prejudicar a
consolidação do projeto profissional, principalmente no tocante à sua realidade profissional, o
sujeito aponta a seguinte reflexão:
Eu não sei se é lacuna. Eu acho que é limite. Que é a gente ter maior
disponibilidade para se dedicar a questões de qualificação profissional, da pesquisa. Não se restringindo apenas a questão da titularidade, mas de uma questão muito maior. Lógico que a
titularidade tem todo um peso, mas senão a gente acaba desconsiderando e dizendo que ela não é necessária. Não é isso. Mas
não único simplesmente pelo título de Doutor ou Mestre que a gente
136
traz na frente. É uma questão que direcione a possibilidade de construção deste compromisso no cotidiano. Eu acho que falta a
oportunidade, falta discussão na categoria, a categoria precisa discutir isso mais para mostrar as fragilidades, limitações e buscar alternativas
para saná-las.
Novamente, os limites institucionais, determinados pelo pacto neoliberal das elites,
repercutem no processo de materialização do conjunto ético-político no cotidiano destes
profissionais. Estes limites ficam expressos na carência de centrar a universidade no cenário
da produção de conhecimento e não somente na direção do ensino tecnicista para o mercado
de trabalho. A pesquisa e a extensão são enfocadas pelo sujeito como elementos constitutivos
da função da universidade e um elemento tributário no processo de consolidação da prática
ético-política compromissada dos assistentes sociais. Reforça a lógica da qualificação
massiva, para obtenção de títulos acadêmicos profundamente descolados das questões centrais
da luta dos trabalhadores, enfim, a classificação do nível de conhecimento tipicamente
burguês que presta um desserviço, na maioria das vezes, à direção social da profissão (LARA,
2008).
Deste modo,
[...] é de fundamental importância tomar o processo de produção de conhecimento como
elemento de transformação da realidade social, reconhecendo o conhecimento como uma das expressões da práxis, como uma das objetivações possíveis do trabalho humano frente aos
desafios colocados pela relação entre o homem, a natureza e a sociedade (LARA, 2008, p. 41).
O sujeito aponta também, a questão do debate da profissão, frente a temas tão
complexos e que possuem conexões medulares com o Serviço Social, o que nos coloca a
refletir sobre como os profissionais enxergam esta dimensão constitutiva do trabalho
profissional e estas conexões externos e as questões internas do Serviço Social. As
fragilidades da profissão são desveladas cotidianamente nos espaços onde os assistentes
sociais se inserem, mas a questão a ser refletida é: como estes profissionais compreendem e
situam estas lacunas?
Ao questionarmos a posição da direção política do curso atualidade, Isabela indica
algumas pistas para reflexão sobre o tema.
Porque eu acho que nós somos o profissional que tem, com tantas
limitações, que possui uma clareza maior desse direcionamento. Então a Universidade pode não ter, mas olha a questão da mediação, cabe a
gestão do curso de Serviço Social, seja quem for, de primar, dar plenas condições para melhor efetivação disso. Da melhor forma
137
possível. Sabendo que limitações, barreiras são inúmeras. Mas quando você tem clareza, quando você expõe com tranquilidade, você tem
esse direcionamento, ainda que contrário a isso, a Universidade é um espaço de formação e que precisa haver essa direção. Porque senão
perde o sentido [...] Então uma unidade de formação tem que ter uma identidade política. Político no sentido de politico coletivo e não no
sentido da pequena política partidária. [...] É uma questão utópica. É uma questão ideológica.
Ao se posicionar em sanar tais questões, sugere ir além do aparente, apreender a
totalidade na sua essência, requer pensar na possibilidade transformadora da sociedade, pois
sanar tais questões nada mais é por de lado as questões cruciais da sociedade e da profissão,
que precisam ser enfrentadas pelos trabalhadores por meio de projetos supressores da ordem
determinada (PAULO NETTO, 1991; BARROCO, 2005).
Assim, o projeto ético-político expressa valores e conquistas que só podem ser
entendidos a partir de uma reflexão sobre todo o contexto econômico, político, cultural e
social que perpassa e é inerente à sociedade capitalista, sob a ótica da crítica do mundo
capitalista e a inserção e reconhecimento do assistente social na condição de trabalhador.
Deste modo, o Serviço Social se legitima a partir da vinculação do seu projeto e
[...] esta vinculação se dá pela própria exigência que a dimensão política da intervenção
profissional impõe. Ao atuarmos no movimento contraditório das classes, acabamos por imprimir uma direção social às nossas ações profissionais, que favorecem a um ou outro projeto societário.
Nas diversas e variadas ações que efetuamos, como plantões de atendimento, salas de espera,
processos de supervisão e/ou planejamento de serviços sociais, das ações mais simples às
intervenções mais complexas do cotidiano profissional, nelas mesmas, embutimos determinada
direção social entrelaçada por uma valoração ética específica (BRAZ, 2004, s/p).
Aliado a todo este contexto complexo, o Serviço Social tem na classe trabalhadora o
seu próprio reconhecimento político e profissional, tendo em vista todo o conteúdo da
profissão em nome de uma ideologia, de um sonho, que converta todos seus canais
institucionais, práticos, legais e ético-políticos para uma classe determinada: a trabalhadora.
Esta vinculação orgânica com a classe trabalhadora se manifesta na permanente
(re)construção do trabalho profissional e dos compromissos com os valores assumidos
coletivamente.
Questionamos Carolina, profissional do Tribunal de Justiça, sobre o trabalho em
equipe a sobre a existência de um plano de trabalho do Serviço Social.
138
Não, tem o do TJ que determinam quais são duas funções, demandas e atribuições que tem que ser cumpridas. Mas a gente supera as
expectativas. A gente vai bem além do que é determinado, dependendo das necessidades dos usuários.
Retoma mais uma vez a concepção da autonomia relativa do profissional nos marcos
da instituição em que o sujeito se insere profissionalmente. Seu monolitismo configura-se na
direção da determinação do fazer mecânico, de cunho tecnicista e reificador do sujeito. Ao
buscar a superação destas expectativas institucionais, que possuem uma característica pífia
sobre a dimensão do trabalho do assistente social, este profissional tenta sustentar o projeto
profissional com ações compromissadas com o atendimento das necessidades dos usuários.
Com relação a um plano de trabalho, o sujeito refere que
[...] tem algumas propostas que tem que ser efetivadas. [...] Mas no cotidiano a gente troca informação, a gente trabalha junto. Embora
cada um seja responsável pelo seu trabalho, existe uma parceria entre os assistentes sociais.
A dependência dos recursos institucionais para se concretizar o trabalho profissional
não pode ser elemento justificador da inexistência de um projeto político-profissional na
instituição. Pensar um plano de trabalho profissional requer ir além dos limites institucionais,
é romper com as barreiras limitadoras do trabalho profissional, assumindo seu compromisso
com os sujeitos. Necessita-se pensá-lo vinculado organicamente com os demais trabalhadores,
pois
[...] o assistente social não realiza seu trabalho isoladamente, mas como parte de um trabalho
combinado ou de um trabalhador coletivo que forma uma grande equipe de trabalho. Sua inserção
na esfera do trabalho é parte de um conjunto de especialidades que são acionadas conjuntamente para realização dos fins das instituições empregadoras (IAMAMOTO, 2000a, p. 64-65).
Quando questionada sobre como ela considera a realização dos valores do Código de
Ética no seu cotidiano no espaço da docência, Isabela se posiciona.
Seria muita pretensão minha falar que sim? Eu acredito. É muito
interessante, pois é necessário tentar superar a ideia de que na prática a teoria e outra e o espaço da docência, como espaço do trabalho
profissional, é um cotidiano que a reflexão e o conhecimento devem oferecer ao estudante elementos do nosso projeto profissional. A
docência consegue realizar estes valores, mesmo com toda a problemática que envolve a universidade, sua direção neoliberal, a
formação em massa...
139
Mesmo com a crença de que o espaço da docência se ocupa na realização dos valores
do Código de Ética, o sujeito retoma o conceito de necessidade de superação do conceito
dicotômico entre teoria e prática. Ele situa a docência como um espaço de trabalho do
profissional, visto que este espaço é signatário da materialização da direção social da
profissão. Ao figurar a centralidade dos problemas da formação profissional na atualidade
conservadora da universidade burguesa (MÉSZÁROS, 2004), situada na conflituosa arena
neoliberal, o Código de Ética contribui para o assistente social na condição de trabalhadores,
―para o processo contraditório de uma nova moralidade profissional, direcionada socialmente
para a ruptura com o conservadorismo e para a construção de uma nova cultura profissional
democrática que colide com a hegemonia política do capital‖ (BARROCO, 2005, p. 206).
Esta colisão assinalada pela autora segue na direção de uma contrarresposta às
imposição do capital, mas sua essência não pode ser apreendida a partir do individualismo,
necessita ser pensada e construída na coletividade, como possibilidade contestadora da ordem
posta. À docência cabe também este papel contestador. Ela não pode ser vista apenas como
um mero reprodutor do conhecimento, da ciência, da crítica; este espaço necessita ser
carregado de motivações ideológicas e igualmente coletivas, de classe.
A clareza da dimensão política das universidades e sua direção socialmente
determinada são fatores importantes na construção de uma formação profissional crítica e que
tenha condições de oferecer bases teórico-metodológicas e ético-políticas.
Eu acho que quando você consegue ter clareza dessa direção social da profissão. Quando você estabelece um espaço de sala de aula um
espaço para discussão e para o diferente, do contraditório. Quando você aceita discutir concepções que o aluno traz mesmo que não seja
as do curso, ou da universidade, ou da vida dele. Você pode levar o aluno a refletir sobre. E por contar com um corpo docente que tem
muita clareza destes valores. Eu acho que isso contribui em muito. Para além de um entendimento de um código de ética, é a
interpretação da materialização daquilo ali. Da essência. Existem todas as dificuldades, mas eu vejo isso com muita clareza. Isso é uma
das questões que ainda me encanta na docência.
O sujeito aponta a questão do debate, aliado a um conhecimento teórico-metodológico,
alinhado a um compromisso de classe que possibilite o assistente social em formação a
permanente (re)construção da formação e do trabalho profissional. A direção social do
Serviço Social não pode ficar restrita apenas à academia ou ao exercício profissional, como
partes de um todo, como pregam algumas correntes ideológicas conservadoras; ele tem que
140
fundar-se em elementos mediados pelo movimento contraditório da sociedade, na direção de
uma crítica transformadora da realidade. Na direção da reflexão do sujeito, a formação
profissional precisa formar ―cidadãos participantes e conscientes de seus direitos civis,
políticos e sociais; mas que zele pela autoqualificação acadêmica e permanente
aperfeiçoamento, de modo a contribuir na formação de cientistas, pesquisadores e
profissionais voltados aos horizontes do amanhã‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 433).
Questionada sobre o trabalho em equipe e a proposta de um projeto de trabalho no
hospital que o sujeito desenvolve sua ação profissional, a assistente social Gabriela refere que
há um trabalho em equipe, constituído por ―quatro assistentes sociais, além da equipe de
saúde, composta por psicólogos, enfermeiros, médicos e assim por diante‖. O sujeito afirma
que por meio da ―equipe multidisciplinar existe o projeto de humanização‖. Os riscos da
ampliação do conceito das equipes multidisciplinares residem na desqualificação do trabalho
dos profissionais, em torno de um saber único, que pode ocasionar fissuras no
comprometimento ético-político do assistente social, por exemplo.
Quando questionamos sobre o plano de trabalho do Serviço Social na instituição, o
sujeito faz a seguinte reflexão:
Nós temos o nosso plano de trabalho. E dentro da proposta do serviço
social buscamos efetivar um trabalho [...] que legitime a política de humanização [...]. Veicular informações, viabilizar acessos aos seus
direitos.
Pensar em plano de trabalho profissional requer uma visão sustentada pela tríade dos
conhecimentos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos na direção da
consolidação dos objetivos profissionais. O estabelecimento de um plano de trabalho
desfocado dos referenciais teóricos e políticos que sustentam o trabalho profissional pode
indicar um trabalho profissional de origem tecnicista, por meio de metodologias de origem
burguesa, desfocadas da concretude da vida cotidiana e que pode representar uma face
mistificada do ideário conservador. Um plano de trabalho para o assistente social necessita ser
pensado a partir dos referenciais teóricos críticos que orientam a formação e o trabalho
profissional, como uma possibilidade de (re)construção dos princípios profissionais e na
adesão ao projeto de classe.
Deste modo, o planejamento das ações necessita estabelecer-se em marcos teóricos
sólidos e numa direção social e política marcada pelo compromisso do assistente social com a
classe trabalhadora, fortalecida na coletividade, na busca de um horizonte novo.
141
Em relação à participação de atividades da categoria, os sujeitos entrevistados são
unânimes ao afirmar que estão envolvidos com alguma atividade, seja ela da categoria ou não.
Deste modo, quando questionada sobre o tipo de atividades que mais lhe interessam, Carolina,
que atua junto ao Tribunal de Justiça, afirma:
Eu gosto de cursos de capacitação. A gente que trabalha com
legislação, sempre surge uma legislação nova. A lei muda muito e a gente tem que estar preparado para atender a comunidade. Porque
chega um processo, com ações novas, com temas que a gente não conhecia. Há um tempo atrás a gente não tinha investigação de
paternidade, Lei Maria da Penha, SUAS etc. Então se você não estiver atualizado, você não conseguirá contribuir para o seu usuário.
As atividades de capacitação apontadas pelo sujeito necessita ser pensada sob duas
vertentes complexas e por essência, antagônicas. A qualificação continuada crítica, que
possibilite ao profissional apreender a realidade a partir do concreto, situado nas relações
sociais de produção e no seu complexo processo de (re)produção, evidenciado pela urgente
necessidade de romper com as capacitações e cursos profundamente tecnicistas,
fragmentadores do sujeito e da sociedade. A função da apropriação do conhecimento necessita
ir além do ―saber fazer‖, apenas; este conhecimento tem sua razão de ser na forma de uma
condição de ―transformação da realidade social, reconhecendo o conhecimento como uma das
expressões da práxis, como uma das objetivações possíveis do trabalho humano frente aos
desafios colocados pela relação entre o homem, a natureza e a sociedade‖ (LARA, 2008, p,
41).
A capacitação como forma de apreender determinadas realidades, mesmo que
criticada, necessita ter uma direção social estabelecida nos marcos do compromisso com os
usuários do Serviço Social, na forma da qualificação mediada pela clareza da sua direção.
Com relação ao mesmo questionamento sobre a participação em atividades da
categoria e quais destas atividades mais lhe interessa, a assistente social Isabela, que encontra-
se também na condição de docente, afirma:
Participo. A docência nos obriga até por uma questão de sobrevivência e também que para mim deixou de ser uma imposição.
Passou a ser uma vontade de querer conhecer, passar para o outro e trocar. Seminários, eventos, congressos, Abepss, Cfess, participamos,
inclusive com participação de eventos no México, Argentina, com artigos publicados, participação na condição de convidados... [...] Já
fui presidente da Associação dos Assistentes Sociais de Uberaba,
142
considero que tivemos uma participação importante na organização da categoria.
A concepção de atividades da categoria se contrapõe com o profissional do Judiciário,
visto que as necessidades distintas de cada espaço conduzem, por vezes, a atividades inerentes
ao campo de trabalho, na direção de qualificação. O sujeito no espaço da docência infere que
sua participação está mais voltada para questões gerais da profissão, na produção de
conhecimento científico, de participação de eventos, da coordenação de entidades da
categoria.
Isabela continua suas reflexões sobre o conceito de participação nas atividades da
categoria.
Eu participo do Conselho Regional no sentido de buscar respostas a
questões. A gente teve algumas situações com o nosso Conselho em Uberlândia, hoje sanadas. Eu percebo com muita tristeza o
distanciamento da categoria e minha, a respeito da verdadeira representatividade que todos deveriam ter. [...] Sinto muito. Eu sempre
fui uma pessoa muito ativa, desde a época de faculdade, de questionar, me indignar, no sentido de tentar contribuir. Mas os questionamentos
me desmobilizaram. Até porque a categoria aqui no município é uma categoria que a gente não consegue articular. Ai de novo, a gente tem
um Conselho que não colabora no sentido de fazer essa mobilização, organizar os profissionais para buscar melhorias, para a formação,
para os usuários. [...] Hoje, um pouco distante com tristeza, mas entendo que é uma circunstancia, momentânea. Ou não.
A fala do sujeito demonstra a necessidade de reorganização do aspecto coletivo da
profissão na sua realidade local, visto que este distanciamento reflete uma concepção fatalista
desta organização coletiva da profissão, pensada macroscopicamente, que se encontra
profundamente desmobilizada, haja vista o largo processo das investidas neoliberais que
atravessam a sociedade e consequentemente a profissão, traduzido por um discurso
individualista que rebate na função educativa do Serviço Social (IAMAMOTO, 2008). Deste
modo, é ―necessário reassumir o trabalho de base, de educação, mobilização e organ ização
popular, organicamente integrado aos movimentos sociais e instâncias de organização política
de segmentos e grupos sociais subalternos‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 200).
Reafirmando a participação em atividades da categoria, Gabriela aponta sua
participação — ―na categoria eu participo de eventos, congressos, seminários, oficinas, bem
direcionado a profissão‖ — e complementa sua reflexão de participação:
143
Além da questão da saúde, algo que sempre me chama muita atenção é a questão da educação e da formação profissional. Eu acho que é
relevante e essencial para o supervisor de estágio [...] estar engajado no debate profissional. E a questão da ética que é o meu objeto de
pesquisa para o mestrado.
O sujeito particulariza sua participação nas atividades da categoria, dentre as quais
aquelas vinculadas ao debate ético. Ao pensar o debate sobre a ética, abrem-se possibilidades
de aglutinar as possibilidades construtoras e reconstrutoras do compromisso com o coletivo,
com a direção social da profissão no cenário do capital. Pensar em participação é criar
possibilidades de romper com as formas de consciência adormecidas e dogmatizadas pela
lógica do modo de produção e seus recursos ideológicos. Compartilhamos a ideia de
participação
[...] como um processo de vivência que imprime sentido e significado a um grupo ou movimento
social, tornando-o protagonista de sua história, desenvolvendo uma consciência crítica
desalienadora, agregando força sociopolítica a esse grupo ou ação coletiva, e gerando novos valores e uma cultura política nova (GOHN, 2003, p. 2).
Esta direção para o assistente social acentua na consolidação do compromisso
profissional junto à classe trabalhadora, efetivando uma ação política vinculada aos
segmentos postos à margem pela sociedade do capital, no fortalecimento da sua compreensão
de vínculo orgânico com a classe trabalhadora, na construção de valores essenciais à
democracia, à igualdade, à liberdade.
Ao serem questionados sobre o conhecimento do projeto ético-político (PEP), os
sujeitos dos espaços da saúde e do Poder Judiciário (Gabriela e Carolina, respectivamente)
afirmam conhecê-lo. Diz o profissional do Judiciário o Projeto ético-político:
Eu acho que ele [PEP] se materializa parcialmente. Até porque como é um projeto, ele está sempre em construção. A formação que eu tive há
10 anos atrás, eu fui mais desprendida. Eu vejo hoje o pessoal que está no mercado, eles estão mais preparados que a gente. A faculdade
atualizou muito. Ele sai preparado sobre essa visão de participar, de lutar, então eu acho que faz parte do projeto também. Você vê que a
galera nova participa de tudo, está mais antenada, vai atrás para conhecer as áreas. Mas em relação ao projeto em si, ele é uma
construção cotidiana, e vai ser uma construção constante, porque o serviço social evoluiu muito. Até certo tempo atrás, todo mundo tinha
a visão de que qualquer um poderia ser assistente social, mas a gente vê que é necessário conhecimento, habilidades, técnicas e muita
responsabilidade.
144
Mesmo buscando certa justificativa em relação ao lapso temporal de formação
acadêmica, o sujeito aponta uma reflexão importante sobre o projeto que versa sobre sua
construção cotidiana no cenário da sociabilidade do capital. A lacuna sobre sua
―materialização parcial‖ remete-nos à reflexão de que está situada no terreno conflituoso do
capitalismo, que confronta cotidianamente a direção social do projeto da classe trabalhadora.
Ao afirmar a atualização da universidade na contemporaneidade, observa-se o valor e a
responsabilidade que o sujeito atribui à formação na permanente na construção do
conhecimento e insistente (re)construção dos fundamentos teórico-metodológicos e ético-
políticos que imprimem uma direção social para a profissão.
Ao situar o assistente social recém-formado, o sujeito posiciona-o numa esfera de
maior qualificação para compreender os processos macroscópicos que atravessam a profissão
e o trabalho profissional do assistente social na cotidianidade, situando esta formação
profissional numa direção
[...] culta e atenta ao nosso tempo [e que] seja capaz de antecipar problemáticas concernentes á
prática profissional e de fomentar a formulação de propostas profissionais, que vislumbrem
alternativas políticas calcadas no protagonismo dos sujeitos sociais, porque atenta à vida presente
e a seus desdobramentos‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 195).
O projeto ético político profissional não se restringe a um trabalho profissional que
desvende a sociedade, apenas, ele é para além, pois se situa também na construção de
elementos de caráter político, medularmente vinculada à coletividade, na direção de novos
horizontes. É um projeto que ―requer remar na contracorrente, andar no contravento,
alinhando forças que impulsionem mudanças na rota dos ventos e das marés da vida em
sociedade‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 141).
Ao ser questionada se o trabalho docente é uma atividade política, Isabela afirma:
Totalmente. Porque na condição de formadores a gente tem um peso
muito grande. Você ouvir um aluno lá na frente dizer que: ―eu tive uma opinião de, graças a uma aula sua‖. Nós somos formadores de
opinião. E não somente opinião do conhecimento, e sim da direção política da profissão. Eu tive clareza disso quando ouvi um professor
de uma outra área, que estava em um curso de serviço social, discutindo questões de serviço social em determinado momento ele
afirmou que movimentos sociais não contribuem coma sociedade. E aquilo me incomodou muito. Porque ainda que ele tenha sua posição,
você dizer isso para uma turma de alunos, é muito complicado, pois desmobiliza ainda mais a politização dos alunos. A gente precisa ter
muito esse cuidado. Temos os Diretórios Acadêmicos, que faz um
145
espaço. Eu acredito que dependendo do compromisso da formação do professor, ele não tenha essa característica política.
Os apontamentos do sujeito permitem refletir sobre o papel profissional do docente na
construção das dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas da
profissão, a partir da utilização dos marcos teóricos que são sustentação ao trabalho
profissional na contemporaneidade. Este papel não pode ser pensado a partir das concepções
neoliberais em voga, que situa a prática docente na mera transmissão e reprodução do
conhecimento, sem as reflexões necessárias para compreender a sociedade a qual os sujeitos
se inscrevem (IAMAMOTO, 2000a). A prática da formação profissional densamente crítica e
de seu caráter indissociável aos elementos político-ideológicos do Serviço Social permite
―colocar-se diante das situações com as quais se defronta, vislumbrando com clareza os
projetos societários, seus vínculos de classes e seu próprio processo de trabalho‖ (ABEPSS,
2000, p. 55).
Ao descrever a experiência com outro docente, o sujeito nos faz refletir sobre o
respeito ao pluralismo de ideias, mas a não aceitação da vulgarização dos princípios teórico-
metodológicos e ético-políticos da profissão, que tem sua história construída na contramaré do
conservadorismo metodológico e ético presente no discurso neoliberal, quem tem na
desmobilização, no fatalismo e na criminalização dos movimentos sociais ou dos movimentos
opositores da ordem estabelecida, seu mote ideológico.
Ao refletir sobre a presença dos diretórios acadêmicos na construção da prática
politica profissional, requer analisá-la necessariamente na direção política impressa pelo
projeto político pedagógico do curso e na direção social dos docentes. Atribuir à prática
política apenas aos centros acadêmicos é desresponsabilizar a universidade, os cursos e os
docentes da politização como característica fundamental na construção de novos horizontes.
Gabriela compartilha a mesma concepção que Isabela, na direção de que o projeto
ético-político profissional se constrói cotidianamente, buscando alternativas de respostas
compromissadas com os trabalhadores, tendo em vista a rápida movimentação da sociedade
do capital em seu processo de reprodução sóciometabólica (MÉSZÁROS, 2004)
Sim. Eu acho que o PEP meu primeiro contato foi na formação
profissional. Depois ai vem o trabalho profissional e eu passei a refletir mais sobre como esse PEP está em construção ainda. E como
está sendo essa construção dele. E eu percebo que esta construção acontece em que tem momentos em que a própria categoria precisa
repensar algo. Eu percebo que há novamente um movimento
146
endógeno na profissão e que está levando essa discussão para um lado estritamente conservador. E ao mesmo tempo existe o movimento de
profissionais que vem mostrar a efetivação e a materialização deste PEP. E a questão é não pensar que a atuação de um profissional em
um determinado setor, seja um hospital, instituição de 3º setor, instituição privada, seja qualquer setor, o assistente social não pode
pensar que a sua atuação não vai refletir no todo do PEP porque vai. Ele faz parte de uma categoria. Então eu acho que o PEP está em
construção.
Ao reafirmar a permanente construção do projeto profissional, o sujeito entrevistado
situa a reflexão do insistente projeto conservador na profissão, o que Paulo Netto (1991),
chama de reatualização do conservadorismo. O momento de banalização da vida, o processo
de acirramento entre capital e trabalho e a presença do neoconservadorismo têm-se lançado
como determinação da ideologia dominante na (re)organização das suas bases de legitimação,
que possuem mediações com os mais diversos setores da vida: mídia, as políticas sociais, a
política, no trabalho e no Serviço Social. Ao afirmar esta presença conservadora na profissão,
o sujeito não situa que tipo de presença é esta e quais seus reflexos para a profissão e para o
projeto profissional.
Situar a profissão na órbita da sociedade capitalista é compreender que diversos
projetos de origem neoconservadora mantêm profundos rebatimentos no trabalho profissional
dos assistentes sociais, na direção da lógica (re)produtora do irracionalismo, do preconceito,
da intolerância, do cerceamento da liberdade e da autonomia dos sujeitos, por exemplo. O
enfrentamento do presente neoconservadorismo nas diversas instancias da vida social e da
profissão requer dos profissionais posicionamentos políticos coletivos de caráter progressista,
do aprofundamento do conhecimento, dos debates em torno das questões que envolvem a
sociedade a profissão. Supõe ainda ―articulação com outras categorias, entidades e com os
movimentos organizados da população usuária‖ (BARROCO, 2011, s/p).
Pensado coletivamente, o projeto ético-político repercute também na coletividade (do
trabalho profissional e dos usuários dos serviços sociais), o que supõe uma luta igualmente
coletiva de todos os trabalhadores na direção da construção de um novo horizonte, sem
dominação, sem exploração e na supressão das classes, elementos estes que contribuem para a
sustentação do modo de produção capitalista.
Quando questionado sobre quais valores Carolina julga importante no Código de
Ética, ela situa a liberdade. Vejamos:
147
A questão da liberdade, a gente tem que ter muito cuidado com isso. O assistente social, às vezes sem perceber quer moldar o usuário. É uma
coisa muito errônea, principalmente quando a gente é recém formado, eu formei há mais de uma década e a gente sai da faculdade com a
visão de alguns professores. Acho que a questão da liberdade de expressão, a questão da gente não ter julgamento de valores, que é
uma questão que vem da formação nossa. Sem a gente perceber, o nosso cotidiano se torna uma correria tão grande, que a gente não
percebe, e eu acho que isso chega até ser um crime contra o usuário.
A liberdade figura-se nos princípios profissionais como elemento ético-central para o
assistente social, com desdobramentos no cotidiano do trabalho profissional na vinculação
com os usuários atendidos. O que o sujeito aponta como um ―cuidado‖, reside na esfera da
reprodução desmedida da lógica neoconservadora, reafirmada pelos discursos e atitudes
policialescas de controle e repressão, de uma liberdade fundamentalmente burguesa. Ao
afirmar que o cotidiano possibilita atentar contra a liberdade, refere-se a um dado concreto,
determinado pela lógica burguesa, que tende a reificar o homem, submetendo-o à sua lógica
destrutiva.
Como valor importante do projeto ético-político, Gabriela aponta uma reflexão
importante, na mesma direção do profissional do Tribunal de Justiça, na perspectiva de
[...] pensar que a liberdade nestas condições materiais postas é
questionável porque a liberdade está condicionada à alguns aspectos materiais. Mas se a gente pensar a liberdade do sujeito enquanto uma
categoria e que este sujeito enquanto no seu processo histórico, ele busca e constrói essa liberdade, superando essas condições materiais,
ai sim ele consegue enquanto ser um sujeito livre no aspecto ontológico, mas pensamos que há alguns entraves de alcançar esta
liberdade diante das condições materiais dadas.
Ao situar esta liberdade, faz-se necessário compreendê-la com uma atividade mediada
pelo trabalho, sendo que, pelo trabalho, a liberdade é uma potência criadora ―na medida em
que permite o domínio do homem sobre a natureza‖, situando-se como atividade geradora de
possibilidades de escolhas e que possibilitam ―imprimir uma direção a seus projetos sócio-
históricos‖ (BARROCO, 2005, p. 60). Ao situar o trabalho na direção de uma atividade
criadora, consciente e que não situe-se como (re)produtora da exploração e da dominação,
indicando, por meio do seu projeto sócio-histórico de caráter coletivo, uma liberdade ad
hominem (BARROCO, 2005; MARX, 2005).
148
O conceito de liberdade que o sujeito aponta em sua resposta demonstra uma relativa
restrição à sua concepção ontológica, dirigindo-se para a liberdade de escolhas do usuário, nas
ações cotidianas do trabalho profissional. Mesmo de maneira superficial, o sujeito aponta uma
categoria que tem no projeto ético-político profissional profundos rebatimentos objetivos na
sua direção social, que pressupõe como um valor mediado pela emancipação humana e pela
supressão da sociedade, torna-se tributária de nova sociedade e da concepção real da
liberdade.
Ao ser questionada sobre concordância ou não sobre os pressupostos do projeto ético-
político profissional, Isabela afirma concordar e ainda traz uma reflexão sobre o tema.
Se eu falo para você que a atividade docência tem uma função
política, automaticamente, eu estou respondendo a sua pergunta. Se eu falo para você que eu acho possível a materialização dos princípios do
código de ética e do Projeto Ético Político. O que para muitos tem um outro significado. Não possuem um entendimento, eu acho que
também por uma questão de formação ou aderência política mesmo. Eu vou te dizer que eu consegui essa compreensão do Projeto Ético
Político não foi durante a minha formação, foi durante a especialização que eu entendi o que era esse PEP. Que não existe uma
cópia, que eu não vou dar um xerox desse Projeto para ninguém. E aí me frustrei novamente no mestrado em que a discussão acerca do
projeto ficou em um âmbito muito superficial. É uma questão que precisa muito ser discutida em um âmbito muito geral, publicizar,
trazer a essência, a direção, os pressupostos e a possibilidade de construir e reconstruir. Do vir a ser.
Mais uma vez, o sujeito aponta fragilidades da incorporação dos valores do projeto
profissional no processo de formação acadêmica, visto que este é o lócus do primeiro contato
com as reflexões teóricas do nosso projeto. No processo de formação, o sujeito ainda aponta o
debate superficial da pós-graduação de um tema essencial ao assistente social. Claro que a
incorporação dos valores do projeto ético-político passa, necessariamente, por uma formação
profissional de construção teórica sólida, que permita oferecer condições intelectuais e
políticas de ruptura com as visões tecnicistas, utilitaristas e reprodutoras da ordem vigente que
ainda permeiam a profissão.
Mas pensar o projeto profissional requer aderência histórica com os movimentos da
classe trabalhadora, o que não depende apenas da aderência teórica. Parte da vinculação
orgânica com a classe da qual o capital se utiliza para se reproduzir materialmente e
ideologicamente. O sujeito reflete as possibilidades de construção permanente deste projeto,
que, por essência, não está pronto e acabado e, sim, reconstruído à medida que a sociedade se
149
modifica. Esta essência assinalada pelo sujeito retoma a visão utópica da construção do um
novo vir a ser, de uma nova sociedade, em que o homem passe a ser a medida de todas as
coisas (IAMAMOTO, 2008).
Ao solicitar de Carolina apontar obstáculos e possibilidades do seu cotidiano
profissional, a profissional do Tribunal de Justiça aponta o excessivo trabalho com
[...] laudos e pareceres escritos, a gente às vezes tem que dar uma
ponderada muito grande. Dentro de um laudo você não pode, por exemplo, se é uma questão específica de guarda, você não pode estar
sugerindo algumas medidas de proteção para aquela família. É tudo muito burocrático. Você tem que encaminhas aquela família para a
Vara da Infância e isso você perde muito tempo. É uma questão que não sai do lugar e, quando você vai ver, já não tem o retorno esperado.
É uma determinação do juiz. Você não pode estar fugindo muito do que é proposto a ação, mesmo se você ver outras ações sociais graves
em volta. Inclusive eu tomo muito cuidado, e eu sempre coloco que embora não seja o foco da ação, eu sempre coloco algumas medidas
que podem intervir nas relações da família.
O sujeito retoma o conceito da burocracia estatal presente no Poder Judiciário, como
um resultado das diretrizes da organização capitalista frente ao Estado e aos trabalhadores.
Submetido a uma pesada lógica conservadora e burocrata, o trabalho profissional sofre com
limitações que rebatem na sua autonomia (relativa), conforme já assinalamos em Iamamoto
(2000), o que também se reflete no seu comprometimento com os valores assumidos
coletivamente. Mesmo situado num terreno conflituoso, o projeto ético-político é movido por
uma intencionalidade: ―Isto porque ele estabelece um norte, quanto à forma de operar o
trabalho cotidiano, impregnando-o de interesses da coletividade ou da ‗grande política, como
momento de afirmação da teleologia e da liberdade na práxis social‖ (IAMAMOTO, 2008, p.
227).
Assim, trabalho profissional compromissado com os valores reafirma a direção social
da profissão, numa construção cotidiana que rompa com o conservadorismo e que seja
criativo ao propor um trabalho que realmente se alinhe aos interesses da classe trabalhadora.
Com relação às possibilidades, diz a entrevistada:
Eu acho que é no cotidiano. Não só com os usuários, mas também com os colegas. A gente tem que ser mais parceiros para a profissão
estar se desenvolvendo e a profissão ser mais reconhecida. [...] Por isso eu acho que a gente tem que ter uma maior gama de informações
possíveis para que nós possamos passar o maior número de
150
informações para o usuário. [...] O compromisso com o Código de Ética, com a verdade, com a participação do profissional, com a
liberdade.
O cotidiano se constitui na própria sociedade, visto que, para Paulo Netto (2010, p.
66), ―não há homem sem vida cotidiana‖, pois é nele (no cotidiano) que ocorre o processo de
produção e (re)produção dos sujeitos sociais. Posto desta maneira, o cotidiano é campo de
contínua (re)construção e nele movem-se todas as possibilidades.
Além da discussão sobre cotidiano, o sujeito situa a reflexão do papel do assistente
social como um veiculador de informações, na condição de facilitador do acesso a bens e
serviços sociais, na consolidação da cidadania, na direção da emancipação humana, no
reconhecimento da liberdade como valor — enfim, o sujeito evidencia, mesmo que
resumidamente, os princípios norteadores do exercício profissional do assistente social.
Com relação aos obstáculos, Isabela afirma:
O obstáculo que eu entendo é você deixar de atender o usuário na sua
necessidade em função de burocracias. Talvez isso. Você ter uma concepção de direito a isso, e no ponto de vista de burocracias, talvez
isso não seja possível. A gente faz um projeto de um código de ética bonito e possível, eu acredito. Mas de interpretação acima do texto
legal daquilo que pode ser mediado no cotidiano. Eu deixo de ser ética, por exemplo, quando eu quero impor ao usuário uma decisão
que cabe a ele. Porque eu quero tirar aquele cidadão que está na rua porque incomoda, porque é feio, por meio de práticas higienistas... A
gente ouve muito ―o assistente social não fez nada‖, ou tem muitos por exemplo que, é logico que a gente abomina a questão da cesta
básica, mas eu vejo que isso é ético quando eu vejo que um cidadão precisa comer e na condição de assistente social, facilito o acesso dele
a alimentação. Isso é compromisso. Eu acho que quando não se tem clareza e a gente passa a atuar na direção oposta de atender as
necessidades do usuário, que no meu caso é o aluno.
Retoma-se na fala do sujeito o debate sobre os entraves da burocracia, que não pode
ser pensada na direção de conformismo com o estabelecido, com o determinado, pois nesta
esfera, o projeto profissional, mesmo que limitado pelas imposições do capital, segue na
direção oposta da burocracia que corrói o acesso do usuário aos direitos mais básicos e
essenciais. A burocracia não pode se encerrada em si mesma, pois neste sentido o fatalismo
seria uma constante e um perigoso entrave à luta geral dos trabalhadores. É nesse sentido que
se ressalta o caráter contestador do projeto profissional e, associado a ele, temos um conjunto
151
normativo no plano jurídico e ideopolítico, que são a Lei de Regulamentação da Profissão e o
próprio Código de Ética, que iluminam o caminho do trabalho profissional.
Quanto às possibilidades, o sujeito se afirma na direção da
[...] Utopia, mas acho que é possível. Eu acho que em função de circunstâncias. Se a gente não acreditar nisso, eu acho que nós,
assistentes sociais e os órgãos representativos, temos fundamental importância na formação, na difusão do conhecimento e
fortalecimento dos compromissos assumidos coletivamente. As possibilidades existem quando eu entendo que o meu usuário tem
direito e quando ele tem opção de escolher e não quando a gente impõe alguma coisa. São possibilidades. E quando você assistente
social assume a condição de ser assistente social.
A utopia é posta pelo discurso pós-moderno e neoconservador como uma categoria
anacrônica, como uma forma justificadora da supressão e negação dos sonhos da classe
trabalhadora, que se fundam em um mundo diferente, sem dominação de classe, sem
exploração. Pensar utopicamente ―é, portanto, a afirmação do homem em sua genericidade, na
sua humanidade: a livre constituição de indivíduos sociais, isto é, livremente associados na
produção e na apropriação da riqueza social como patrimônio comum‖ (IAMAMOTO, 2000,
p. 189). O Código de Ética e o projeto ético-político se põem como possibilidades e podemos
situá-los no cenário das conquistas históricas dos trabalhadores e do Serviço Social, que ―que
possibilita o enfrentamento de dilemas e opções, em face dos quais as polêmicas continuaram
em aberto, determinando ou não a reatualização da hegemonia conquistada‖ (BARROCO,
2005, p. 297). Deste modo, é um projeto que está seguindo o curso da história na sua
permanente reconstrução, dada no cotidiano e tem na adesão dos seus profissionais, na crítica
à sociedade do capital e na negação da sua sociabilidade, as condições de manutenção da sua
direção social.
O sujeito tece algumas reflexões sobre o papel dos organismos representativos da
profissão na direção do fortalecimento da produção e difusão do conhecimento no Serviço
Social, com a reafirmação dos preceitos ético-políticos sustentados desde 1993 e
constantemente ratificados pelos profissionais e seus organismos representativos.
Quando questionada sobre os obstáculos e possibilidades, Gabriela, assistente social
do campo da saúde se posiciona, refletindo, mais uma vez, sobre a liberdade. Vejamos:
O maior desafio é fazer com que as pessoas que estão envolvidas no
seu trabalho, sejam você, seus colegas, outros profissionais ou
152
usuários, eles também se reconhecerem como sujeitos, assim como essa liberdade. Essa possibilidade de liberdade.
O reconhecimento da condição de ser social, de um ser essencialmente ontológico
necessita ser refletido e mediado pelo trabalho como atividade igualmente ontológica, que
buscam atendimento das necessidades essenciais humanas e que são, por essência,
autotransformadora. O conceito de liberdade ―significa uma forma de sociabilidade na qual é
o homem, e não as forças estranhadas, quem dirige — de modo consciente e planejado — o
seu processo de autoconstrução social‖ (TONET, 1997, p. 152).
153
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No campo teórico e com rebatimentos nos conteúdos ético e prático, observam-se
algumas particularidades na realidade concreta investigada com relação à inegável
importância da adesão da profissão às categorias da teoria social de Marx.
Mais uma vez, ressalta-se a posição histórica da teoria social de Marx como base
teórico-metodológica fundante do pensamento crítico e contestador do Serviço Social, já que
se constitui como mediação de uma leitura crítica da sociedade capitalista madura e suas
inflexões na cotidianidade. Como ressalta Paulo Netto (2004, p. 157), a investigação de Marx
―está centrada na análise radicalmente crítica da gênese, do desenvolvimento, da consolidação
e dos vetores de crises da sociedade burguesa e da ordem capitalista‖, oferecendo assim,
elementos para compreensão, análise e possibilidades interventivas nessa realidade concreta.
A ontologia social de Marx tem como pressuposto teórico-metodológico o
entendimento da historicidade como componente indissociável da humanidade e sua imersão
nos processos econômicos, políticos, sociais e culturais, alinhando a categoria ―historicidade‖
à ontologia, conferindo, deste modo, uma concepção histórico-ontológica (PAULO NETTO,
2004).
O legado marxiano denota, ainda, a articulação das categorias apresentadas
anteriormente à perspectiva de totalidade, em que o todo é compreendido como uma estrutura
social complexa, marcada tradicionalmente por sua contraditoriedade, tendo como base o
sistema capitalista de produção que o engendra e lhe dá movimento. Essa contradição está
expressa em um caráter sócio-histórico que catalisa as forças antagônicas, historicamente
identificadas nas lutas de classes, em que a totalidade como realidade concreta possibilita o
confronto de seus interesses distintos e, consequentemente, a hegemonia de um dos projetos
de classe.
Deste modo, o legado da tradição da ontologia do ser social de Marx rebate-se na
profissão, com seu largo e tensionado processo de amadurecimento teórico-metodológico
inaugurado nos marcos do Movimento de Reconceituação nos anos 1960/1970. Tem, ainda,
nas décadas posteriores, uma aproximação menos enviesada, trazendo para o centro do debate
intelectual categorias analíticas de Marx, na direção da supressão das classes, do homem
como construtor da história, da reflexão sobre o significado ontológico do trabalho. Estas,
entre outras categorias, são apropriadas pela vanguarda, seguindo de tensionamentos que
154
fundam, no plano teórico e ideológico, a vinculação da profissão à teoria social de Marx
(LARA, 2008).
Destacam-se, também, os desdobramentos da teoria social de Marx no cenário atual
da ética profissional e na consolidação da direção social da profissão, sendo estes dois marcos
resultados do acúmulo teórico nas décadas anteriores. As contribuições advindas do Código
de Ética de 1986 foram substanciais para a concretização do atual Código, datado de 1993.
Para tanto, a categoria profissional busca, por meio de um movimento dialético, ao longo de
sua trajetória histórica e atualmente, uma constante negação da ética de caráter conservador,
em favor de uma nova concepção que sustenta claros e definidos compromissos coletivos
assumidos com a classe trabalhadora.
No contexto da década de 1990, observa-se o poder emanado das forças capitalistas
neoliberais no Brasil com vistas à implantação de seu modelo ―racionalista‖, demonstrando o
vigor da política neoliberal patrocinada pelos governos pós-ditadura militar, engrossando as
fileiras da miséria, do desemprego estrutural, da violência estrutural, do subemprego (trabalho
informal) e da exclusão demasiada do acesso a bens e serviços sociais, fazendo com que tais
condições, compreendidas na sua dimensão social e econômica, rebatam diretamente sobre a
classe trabalhadora, num processo acentuado de vitimização. Os reflexos de tal alinhamento
do Brasil aos modelos imperialistas nos anos 1990 centra-se na focalização, no reforço das
práticas seletivas do acesso às políticas sociais, o que reflete direta e duplamente no trabalho
profissional do assistente social, pela sua constituição como trabalhador assalariado, que
dispõe de sua força de trabalho para venda, e pela sua condição de facilitador do acesso às
políticas sociais públicas ou privadas (BARROCO, 2001).
Além dessas determinações do contexto sócio-histórico ao trabalho assalariado do
assistente social, identifica-se que, nos anos 1990, o influxo operado pelo capital na órbita
macrossocietária foi fator determinante para a reflexão da direção social da profissão, no que
tange à construção coletiva de um projeto societário dado na materialidade da vida social, em
um momento de efervescência econômica, política e social. Constitui-se, desse modo,
associada à trajetória das vanguardas, a figura de um projeto com clara e definida direção
social.
Assim, reconhecidamente como sujeito da classe que vende sua força de trabalho, o
assistente social também sofre com os rebatimentos, em todos os aspectos, da sua posição na
divisão social e técnica do trabalho (PAULO NETTO, 2005), assim como os outros
trabalhadores. Nesse sentido, o trabalho do assistente social se inscreve na contraditória
relação capital-trabalho, desvelando a força destruidora do capital frente aos direitos sociais,
155
políticos e econômicos, dentre outros, duramente conquistados pelas lutas capitaneadas pelas
vanguardas da resistência presentes nos quadros da classe trabalhadora brasileira.
Por isso, podemos situar o projeto ético-político do Serviço Social como síntese ética
e política (haja vista seu alcance social, seu reconhecimento pela classe usuária dos seus
serviços profissionais e de sua vinculação coletivizadora) dos interesses da classe trabalhadora
brasileira e da sua aderência teórico-metodológica ao pensamento da ontologia do ser social
de Marx. Tais elementos são mediados no processo de trabalho do assistente social e situam
esse profissional na esfera da prestação de serviços sociais compromissados com os valores da
profissão e da classe trabalhadora, na direção da contramaré da atual lógica de reprodução
societária.
Ao perquirir as inquietações desse trabalho, isto é, na busca pelo desvelar da
apropriação da teoria social de Marx pelo Serviço Social e sua relação com as forma de
objetivação dos compromissos profissionais assumidos coletivamente, registra-se, no contexto
da particularidade da realidade concreta em estudo, que esta apropriação da teoria social
crítica pelo Serviço Social é relativa, pois os sujeitos revelam certa dificuldade para
instrumentalizar esse conhecimento teórico-metodológico em mediação necessária na leitura
do real concreto, sendo que dois assistentes sociais relacionam essa limitação com o processo
de formação profissional, que não lhes ofereceu a formação nas bases teórico-metodológicas
necessárias para a incorporação do conteúdo ideopolítico da teoria social de Marx.
Apontou-se, neste trabalho, que as fragilidades teóricas dos cursos de Serviço Social
não são um momento apenas do tempo presente; suas raízes são fortalecidas com o discurso
neoliberal, que reduz a universidade a mera produtora de saberes técnicos, de caráter
intervencionista, com sérios problemas de fragmentação, e a um ensino profundamente
acrítico, voltado apenas como um espaço de qualificação para o mercado, para o trabalho e
seu exército industrial de reserva.
As bases da formação profissional do assistente social, impressas em diretrizes gerais
para os currículos mínimos dos cursos de Serviço Social, datam de 1996, a partir da
aprovação pela Assembleia da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.
Apontam os eixos estruturantes da formação profissional do assistente social, na direção da
compreensão da dinâmica da sociedade burguesa, operada pela lógica do grande capital.
Esta formação profissional proposta nas diretrizes curriculares aponta para a
necessidade de desenvolver uma compreensão e uma apreensão das particularidades da
sociedade brasileira, tendo como eixo de análise os reflexos do modo de produção capitalista
na (re)produção desta sociedade e seus profundos reflexos no trabalho profissional do
156
assistente social. A lacuna apontada pelos sujeitos leva-nos, então, a refletir sobre a
fragilidade dos atuais projetos políticos pedagógicos dos cursos de graduação em Serviço
Social, o que pode direcionar uma formação distanciada dos valores profissionais, das suas
concepções políticas e ideológicas, com rebatimentos no conteúdo ético-político profissional.
A crise da universidade brasileira, regida pelos organismos internacionais (Banco
Interamericano de Desenvolvimento, Fundo Monetário Internacional, por exemplo),
transparece o fiel retrato do sucateamento das universidades públicas e seu largo processo de
privatização . Na outra margem, situam-se as universidades privadas, mantidas por grandes
monopólios da educação, que submetem a formação profissional crítica à meros esquemas
superficiais, com profundo ecletismo teórico que minam os eixos da formação.
Neste sentido, as organizações representativas da profissão, em especial Abepss,
Cfess, Cress, Enesso, possuem relevante papel na contraposição da maré neoliberal que tem
banido a formação profissional crítica dos projetos pedagógicos e dirigido a formação apenas
para o atendimento do mercado. A representação destes organismos reflete o
comprometimento do coletivo profissional na direção de se consolidar uma formação
profissional que apreenda a totalidade da vida social em sua concretude, de maneira crítica,
criativa, propositiva e compromissada com os valores da profissão (IAMAMOTO, 2000a).
Ao situarmos a centralidade da formação acadêmica na construção da apropriação do
arcabouço teórico-metodológico da teoria social de Marx, é necessário refletir sobre a
incorporação destes valores pelos profissionais, tendo em vista o lastro conservador que
insiste em se reatualizar e que por vezes tem livre discurso entre os assistentes sociais. Esta
adesão não é pura e simplesmente contida ou condensada nos marcos estritos da academia,
apenas. Esta adesão requer determinada valoração política, fundada na vinculação do
profissional à classe trabalhadora e direcionada a uma determinada finalidade processada pela
ação política na realidade concreta.
A reflexão sobre a finalidade desta práxis construtora de uma nova sociabilidade,
radicalmente compromissada com os valores da classe trabalhadora, requer, seguindo o
pensamento de Marx, entender o conceito histórico como categoria analítica que possibilita ao
homem a visão de um ―campo de possibilidades abertas‖ (BARROCO, 2001, p. 15); um
campo que transita entre o eixo estruturante do capital — fundado na exploração do homem,
na propriedade privada, na alienação, na banalização da barbárie e da vida humana e no seu
processo de coisificação do homem e da vida — e na sua contraditoriedade, a (re)construção
das forças que remam radicalmente na contramaré, tendo como horizonte uma sociedade
realmente livre, onde a humanidade possa ser vivida em todas suas potencialidades.
157
Esta radicalidade, haurida nas fontes marxianas, requer uma análise acurada, pois por
radicalidade entende-se ir à raiz da questão, e, no caso da apropriação das fontes marxianas, é
buscar Marx por ele mesmo, ou utilizando uma leitura de sociedade fundada no seu
pensamento que seja leal às suas concepções.
O reforço dessa afirmação se faz cada vez mais necessário, a medida que se observa
uma ameaça à construção do pensamento crítico na atualidade, quando se anuncia certa
―decadência ideológica‖, como afirma Lukács, figurando-se em fases distintas: na essência,
representa o movimento operado pelo capital para mistificar a realidade, desmobilizar a luta
do proletariado e reproduz uma análise superficial da realidade concreta, propondo ainda a
concepção de uma terceira via, transitando na negação do socialismo e do capitalismo
(LARA, 2008).
Esta decadência ideológica encontra curso livre no processo de formação
profissional, na direção de uma conformação de conceitos pseudocríticos ou até mesmo
fundados num ecletismo desmedido, de base sincrética (PAULO NETTO, 1996). Dessa
forma, dada a herança histórica da profissão, desvencilhar-se do ecletismo que incide na
formação de diretriz crítica torna-se uma tarefa demasiadamente longa, porém necessária.
É esta base eclética ou de concepção superficial das categorias analíticas marxianas
que desemboca no trabalho profissional dos assistentes sociais na atualidade, confrontando
com o necessário conhecimento acerca da realidade concreta da sociedade burguesa e o lugar
que a profissão ocupa na divisão social e técnica do trabalho.
Observou-se durante a pesquisa que o pouco ou enviesado contato com a tradição
marxiana durante o processo de formação profissional é fator condicionante na direção social
da profissão e nos seus rebatimentos no cotidiano profissional, visto que o comprometimento
com a classe trabalhadora não se restringe apenas à efetivação do acesso aos direitos, à
facilitação de acesso a bens e serviços sociais que, nesta sociedade, nada mais são que direitos
permeados e controlados política e ideologicamente pelo capital, pelo seu processo de
conformação entre as classes sociais.
Apropriar-se do conceito de conhecimento crítico haurido nas fontes da teoria social
de Marx indica as possibilidades de construção de uma nova sociedade, de caráter
revolucionário colado às vanguardas trabalhadoras oprimidas, na direção de uma sociedade
sem dominados e dominadores, de uma sociedade em que o homem seja a medida.
Representa, também, romper com as práticas reificadoras presentes nas políticas sociais de
cunho neoliberal, seletivistas, em que a exclusão total passa a ser medida por inclusão em
programas pobres, com conteúdo do ponto de vista para o atendimento de necessidades
158
objetivas e subjetivas imediatas da classe trabalhadora; políticas estas que tradicionalmente os
assistentes sociais são chamados a operacionalizar.
Incorporar a direção social da profissão requer uma prática política — superadora do
discurso amorfo e fatalista que por vezes transita na profissão —, buscando nos movimentos
sociais, junto aos trabalhadores e às profissões que se alinham nesta direção, um ―olhar para
um horizonte mais amplo, que apreenda o movimento da sociedade e as necessidades sociais
aí produzidas, alvos potenciais da atuação do assistente social‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 221).
Na pesquisa, os sujeitos reconhecem a relação histórica da profissão com a teoria
social de Marx, apontando alguns elementos que a constituem, e rebatem no projeto
profissional do Serviço Social. Contudo, observa-se na fala dos sujeitos que as determinações
operadas pela lógica do capital, representada pelas instituições empregadoras (re)produzem a
burocracia, o engessamento e a limitação do trabalho profissional, o que claramente pode
comprometer a direção social da profissão no sentido do seu compromisso com os usuários
que buscam os seus serviços profissionais.
Situado como condições objetivas e subjetivas, os sujeitos apontam estas situações
como relativas dificuldades para a apropriação do conteúdo teórico-metodológico no processo
de trabalho na perspectiva do projeto ético-político profissional. Ao compreenderem os
processos macrossocietários determinados pela lógica do grande capital, os sujeitos
reconhecem as limitações impetradas no trabalho profissional. Mas compreender estes
processos não é suficiente para ir ao cerne da questão posta; ―para decifrar esse processo é
necessário entender as mediações sociais que atravessam o campo de trabalho do assistente
social‖ (IAMAMOTO, 2004a, p. 24).
Estas mediações que atravessam a profissão e seu trabalho profissional seguem
polarizadas de interesses antagônicos postos pelo capital, nas condições do trabalho
profissional, na sua relação com o Estado, com os empregadores, com as políticas sociais,
com a sociedade. Refletir tais mediações requer que o assistente social situe o projeto ético-
político em um terreno conflituoso e igualmente tenso, dado pelo antagonismo que ele carrega
em si, na direção de um alinhamento com os trabalhadores e seus projetos de classe.
Ficou perceptível nas falas dos sujeitos entrevistados relativa dificuldade em
apropriar-se do arcabouço teórico-metodológico do pensamento de Marx, demonstrando em
determinadas falas, a presença de um discurso fundado em um ecletismo teórico, que pode
trazer (e traz) consequências danosas à direção social do projeto da profissão. Ao serem
abordados sobre o conhecimento do projeto ético-político profissional, os sujeitos referem-no
a partir da institucionalidade desse projeto, situado nos marcos da profissão. Porém, alguns
159
sujeitos manifestam dificuldades em mediá-las com o trabalho profissional no cotidiano. Há
um conhecimento sobre os elementos constitutivos deste projeto, mas sua materialização
segue enviesada pelas condições macroestruturais do capital que determinam diretamente o
significado do trabalho na contemporaneidade e as possibilidades de uma permanente
(re)construção do trabalho profissional compromissado nos espaços que estes profissionais
ocupam.
Esta materialização enviesada segue mediada pelo largo processo de alienação do
trabalho e seu amplo processo de (re)produção, o que dificulta a apreensão do significado
ontológico-social da teoria social de Marx e do projeto ético-político profissional. Mesmo
sem citar a categoria ―alienação‖, observa-se que das limitações para efetivação da autonomia
relativa e ruptura com práticas profissionais institucionalizadas/burocratizadas, reproduzidas
seja pelos sujeitos profissionais, seja pela dimensão macroscópica do capital, emerge uma
tarefa posta nos limites da apreensão do arcabouço teórico-metodológico de Marx e nas
formas de repensar estratégias coletivas de enfrentamento dos ditames institucionais
conservadores e cerceadores das potências presentes no trabalho profissional do assistente
social.
No quadro que se desvela nas entrevistas, a busca pela materialização do projeto ético-
político profissional segue dificultado pela relativa adesão aos marcos teóricos da ontologia
social de Marx, bem como, e consequentemente, pela dificuldade de enfrentar os limites
institucionais. Nesta direção, os sujeitos entrevistados conseguem identificar alguns os
elementos concretos que possibilitem a transformação nos espaços sócio-ocupacionais que
exercem seu trabalho profissional; porém, as respostas mais progressistas seguem aquelas na
direção social da profissão que resvala nas determinações macrossocietárias do grande capital,
manifestadas por determinações institucionais e regimentais pautadas em palavras de ordem,
como ―dever‖, por exemplo; seguem na direção da contraposição destes assistentes sociais na
condição de profissionais da coerção e do consenso, invariavelmente enveredando o trabalho
profissional pelas praticas monolíticas, deslocadas da realidade objetiva e que conduzem a um
trabalho essencialmente tecnicista.
Mesmo atravessados pelas condições objetivas e subjetivas do trabalho, os assistentes
sociais conseguem apreender a medida ético-política da profissão, mas com dificuldade de
mediá-la com os pressupostos teóricos da ontologia social de Marx, o que sugere a reflexão:
como estes princípios ético-políticos podem ser materializados, dadas estas condições?
A ruptura com uma prática (re)produtora da ordem social vigente necessita de bases
críticas que possibilitem a permanente (re)construção da práxis profissional dos assistentes
160
sociais entrevistados. Todavia, esta ruptura não pode ser pensada como possibilidade posta
pelos sujeitos individuais, apenas; deve ser dada na coletividade, mediada pela incorporação
dos fundamentos teóricos da teoria social de Marx e que se constituam como elementos
catalisadores de um trabalho profissional alinhado aos pressupostos do projeto profissional,
signatário dos interesses coletivos dos trabalhadores.
A percepção desta medida de apropriação dos elementos da teoria social de Marx e sua
mediação com o conteúdo prático do trabalho profissional não se esgotam em si mesmas; é
necessário pensá-las e situá-las na dinâmica da sociabilidade capitalista, desvelando seus
limites e suas possibilidades e concebendo como se constrói a inserção do assistente social
nesta arena conflituosa, que reifica a vida e impõe um processo (re)produção da vida social.
Neste cenário, os sujeitos entrevistados concebem sua condição de trabalhadores assalariados,
a partir da inscrição da profissão na divisão social e técnica do trabalho; contudo, observa-se
relativa consciência na condição de classe, o que pode sugerir tensionamentos na construção
do projeto profissional.
Assim sendo, superar as determinações institucionais e da ordem do capital requer
pensar a profissão como uma especialização do trabalho coletivo, dotada de fundamentação
teórico-metodológica crítica, fundada no pensamento de Marx e em uma prática política
realmente atenta aos compromissos dos trabalhadores. Requer, assim, pensar teórica e
ideologicamente com mediações políticas inequívocas com a classe trabalhadora, resgatando e
resguardando o projeto da classe trabalhadora.
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ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADO
Aluno: Reginaldo Pereira França Junior Professora Orientadora: Dra Maria Lúcia Barroco
I IDENTIFICAÇÃO:
Nome:
Formação: Ano de Conclusão do curso:_______Instituição:____________________
Tipo de Pós-graduação: (__) E Ano: ________ Área: ___________________________
(__) M Ano: ________ Área: ___________________________ (__) D Ano: ________ Área: ___________________________
Quando começou a trabalhar na área ou serviço em que você está atuando? _______________________
Exerce cargo de chefia? Sim ( ) Não ( )_______________________________
Carga horária de trabalho/semanal:_________________________________________
Trabalha em outro lugar: Sim ( ) Não ( ) . Qual?_______________________
Remuneração: (__) 1 SM -2SM (__) 3SM -4SM (__) 5SM ou mais
Participa das entidades da categoria? Sim ( ) Não ( ) . Qual e Como?________________________
Participação política? Sim ( ) Não ( ) . Qual e como? ____________________________________
1. Como é o seu cotidiano profissional? Descreva para mim.
2. Existe uma frase que é muito repetida pelos alunos que estão terminando o curso de Serviço Social e ingressam no estágio: “a teoria não se aplica na prática, ou a teoria é bonita, mas a prática é outra
coisa”. Você concorda com essa afirmação? Você acha que ela cabe na sua prática cotidiana?
3. Quais teorias você aprendeu em sua formação? 3.1 Concorda: Porque entende que essas teorias não tem viabilidade prática?
3.2 Não concorda: Porque entende que essas teorias tem viabilidade prática?
4. Na relação cotidiana com os usuários, quais são os problemas mais freqüentes que você se depara? Cite algum exemplo:
5. O Código de Ética fala do compromisso profissional. Como você entende esse compromisso?
Você considera que realiza esse compromisso no seu cotidiano? De que forma?
6. Você trabalha em equipe? Existe um projeto de trabalho? Quais são os objetivos do Serviço Social na instituição? ( em equipe ou individual)
7. Você participa das atividades da categoria? Se sim, quais as que mais te interessam e porque? Se
não, porque?
8. Você conhece o PEP? O que acha dele?
9. Quais os valores mais importantes do Código de Ética?
10. Cite dois exemplos do seu cotidiano sobre: 1) obstáculos para a realização desses valores;
2) possibilidades;
171
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADO
Aluno: Reginaldo Pereira França Junior Professora Orientadora: Dra Maria Lúcia Barroco
ROTEIRO PARA DOCENTE
I IDENTIFICAÇÃO:
Nome:
Formação: Ano de Conclusão do curso:_______Instituição:____________________
Tipo de Pós-graduação: (__) E Ano: ________ Área: ___________________________
(__) M Ano: ________ Área: ___________________________ (__) D Ano: ________ Área: ___________________________
Quando começou a trabalhar na área ou serviço em que você está atuando? _______________________
Exerce cargo de chefia? Sim ( ) Não ( )_______________________________
Carga horária de trabalho/semanal:_________________________________________
Exerce outra atividade na área de serviço social? Sim ( ) Não ( ). Qual? ________________________
Trabalha em outro lugar: Sim ( ) Não ( ) . Qual?_______________________
Remuneração: (__) 1 SM -2sm (__) 3SM -4SM (__) 5SM ou mais
Participa das entidades da categoria? Sim ( ) Não ( ) . Qual e Como? ________________________________
Participação política? Sim ( ) Não ( ) . Qual e como? _____________________________________________
1. Como é o seu cotidiano profissional? Descreva para mim.
2. Existe uma frase que é muito repetida pelos alunos que estão terminando o curso de Serviço Social e
ingressam no estágio: “a teoria não se aplica na prática, ou a teoria é bonita, mas a prática é outra coisa”.
2.1 Na sua prática docente ela está presente? 2.2 Porque você acha que isso acontece?
3. Quais disciplinas você ministra? E que já ministrou?
3.1 Nessas disciplinas, quais são os problemas mais freqüentes que você se depara?
4. Nas suas disciplinas existe alguma abordagem da teoria social de Marx ou de algum autor marxista? Qual?
4.1 Se sim, os alunos têm dificuldades de apreender o marxismo? Quais são as dificuldades? Que metodologia você usa para facilitar o aprendizado?
4.2 Se não, Na sua formação você entrou em contato com o marxismo? Através de quem? Como foi
esse aprendizado? Encontrou dificuldades? Quais?
5. Você considera que a escola/ o curso em que você está inserida tem uma direção social? Qual? Você acha
que deve ter? Porque?
6. Você considera que a docência realiza os valores do código de ética? De que forma? Quais valores você considera mais importantes?
7. Você participa das atividades da categoria? 7.1 Se sim, quais as que mais te interessam e porque?
7.2 Se não, porque?
8. Você considera que a atividade docente é uma atividade política? Porque sim ou não?
9. Você concorda ou discorda dos pressupostos do PEP? Dê exemplos.
10. Cite dois exemplos do seu cotidiano sobre: 1) obstáculos para a realização da ética profissional e do PEP;
2) possibilidades;
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Por este documento você está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa, realizada pelo aluno do mestrado em Serviço Social da PUC-SP, sob responsabilidade da professora Drª. Maria Lucia Silva Barroco, cujo tema a ser abordado trata-se da medida sobre a apropriação da teoria social de Marx pelos assistentes sociais de Uberaba e as objetivações do projeto profissional no cotidiano do seu trabalho.
Em sua participação você responderá oralmente a um questionário, sendo que suas respostas serão gravadas e depois transcritas para análise. Após a transcrição e a análise, todas as fitas e/ou Cds contendo as gravações serão destruídos. Em nenhum momento você será identificado, como também não terá nenhum ônus e nem ganho financeiro para participar dessa pesquisa. O presente termo assegura os seguintes direitos:
a) garantia de esclarecimentos antes e durante o curso da pesquisa, sobre todos os procedimentos empregados em sua realização;
b) liberdade de se recusar a participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa;
c) garantia de sigilo quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa, assegurando absoluta privacidade;
d) opção de solicitar que determinadas falas e/ou declarações não sejam incluídas em nenhum documento oficial, o que será prontamente atendido.
Você receberá uma cópia deste termo em que constará o telefone dos pesquisadores, podendo tirar suas dúvidas, a qualquer momento, sobre o projeto e sua participação. “Eu, ___________________________________ portador do RG nº ___________, declaro que, após conveniente esclarecimento prestado pelos pesquisadores e ter entendido os objetivos da pesquisa, consinto voluntariamente em colaborar para realização desta. Fico ciente também de que uma cópia deste termo permanecerá arquivada com os pesquisadores do Departamento de Serviço Social, da Universidade de Uberaba, responsáveis por esta pesquisa”.
Uberaba/MG, de de 2012.
_________________________________
Assinatura do Declarante
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DECLARAÇÃO DO PESQUISADOR
Declaramos, para fins de realização de pesquisa, ter elaborado este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), cumprindo todas as exigências contidas nas alíneas acima elencadas e que obtive, de forma apropriada e voluntária, o consentimento livre e esclarecido do declarante acima qualificado para a realização desta pesquisa.
Uberaba/MG, de de 2012.
___________________________________________ Reginaldo Pereira França Junior
34. 3312.1869
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