os elementos do projeto Ético político profissional e seu ... · expresso aqui meu eterno...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Reginaldo Pereira França Júnior Os Elementos do Projeto Ético Político Profissional e Seu Debate MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Reginaldo Pereira França Júnior

Os Elementos do Projeto Ético Político Profissional

e Seu Debate

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

São Paulo

2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Reginaldo Pereira França Júnior

Os Elementos do Projeto Ético Político Profissional

e Seu Debate

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência Parcial para a obtenção do título de MESTRE em Serviço Social, sob a

orientação da Professora Doutora Maria Lucia Silva Barroco

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

São Paulo

2012

I

FOLHA DE APROVAÇÃO

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Profª Drª Maria Lucia Silva Barroco — Orientadora

PUC SP

________________________________________

Profª Drª. Edvânia Ângela de Sousa Lourenço

Faculdade de História, Direito e Serviço Social, UNESP, Franca

________________________________________

Profª Drª Maria Beatriz da Costa Abramides

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

II

―O caminho acabou, a viagem apenas começa!‖

(Lukács)

III

Dedicatória

Ao grande mestre João Antonio Rodrigues,

por me fazer perceber que Marx não está ―morto‖ e que a

existência de um mundo em que o homem possa ser a medida de tudo

está em nossas mãos!

A Lucia Barroco, por proporcionar

os melhores e inesquecíveis momentos da minha

construção intelectual!

IV

AGRADECIMENTOS

Esta dissertação não é apenas uma síntese de reflexões teóricas, é um trabalho que foi

construído por várias mãos... Mãos amigas que me afagaram as cabeleiras despenteadas de

muitos finais de semanas e noites em claro... Mãos que me fortaleceram e me seguraram

quando precisei. Por essência, é um trabalho solitário, mas, na solidão das noites, dias e finais

de semanas absorto nas reflexões, encontrei nos amigos e familiares o apoio necessário para

minhas insistentes e inconclusas considerações.

Expresso aqui meu eterno agradecimento à minha mãe, mulher de fibra, perseverante,

que desde cedo me ensinou os caminhos do estudo, da honestidade, da inteireza do homem e

do respeito à diversidade. Mulher com alfabetização básica, mas dona de um conhecimento da

vida e do mundo que nenhuma pós-graduação pode oferecer. Peço desculpas pelas ausências

constantes e, nos últimos meses, por um insistente, porém necessário ―encastelamento‖ para

que o produto deste trabalho chegasse a este momento. Agradeço aos meus irmãos (João

Henrique e Lorena) pela compreensão dos momentos de fadiga, de impaciência, de irritação e

pela ausência.

Ao meu pai, pela singeleza e simplicidade, mas que nunca, mesmo distante, deixou de

me incentivar nos estudos na busca pelo constante pelo conhecimento.

Aos amigos do peito e de perto que acompanharam todo meu processo de construção.

Vocês foram essenciais na direção constante do meu equilíbrio nos momentos de desânimo,

angustia e preguiça. Estes amigos não podem ser classificados, enumerados... Eles são

sentidos na minha essência: Luana Braga, companheira de luta desde a época da graduação,

mulher forte, sensível, estimuladora, irrestritamente compromissada com os valores da nossa

profissão, um exemplo a seguir; Jaqueline Barros, carioca da gema, mulher esperta, de mente

ágil como de uma águia, assistente social e docente do mais alto nível, dona de uma

sensibilidade enorme; é meu amor incondicional, transcendental, diria até sobrenatural; nossa

amizade não se explica, se sente... Afinal, amigo é casa!

Expresso sinceros agradecimentos aos amigos Taciana Oliveira, Letícia Santos,

Denise Silva, Danúbia Gomes, Priscila Silva, Rosângela Gomes, Sofia Thomazelli, assistentes

sociais aguerridos, combatentes, compromissados com o que temos de mais valioso em nosso

projeto profissional. Vocês são as sementes do futuro.

V

Agradeço os alunos e ex-alunos do Curso de Serviço Social da Universidade de

Uberaba, fonte inspiradora das minhas inquietações teóricas, filosóficas e políticas... Parceiros

inseparáveis na construção cotidiana... Vocês me ensinaram a aprender... Um agradecimento

especial aos meus alunos da disciplina Serviço Social e Processo de Trabalho, pelo

compromisso com os usuários e com a profissão.

Aos meus alunos da Faculdade Frutal, gente simples, hospitaleira, guerreira... Mentes

críticas em efervescência, nossa esperança em um futuro melhor, construtores da direção

social da profissão... Vocês me estimulam e me dão a energia necessária para a caminhada.

Aos professores do Curso de Serviço Social da Universidade de Uberaba,

sobreviventes dos constantes furacões que insistentemente tentam varrer nossas concepções

filosóficas, teóricas e políticas... Turma de guerreiros, solidários e solitários na luta contra os

desmandos institucionais que tentam minar a formação profissional de qualidade. A vocês,

Luana Braga, Marcia Cristina, Cacildo Teixeira, Josiele Fernandes, minha eterna gratidão

pelo apoio nas horas mais difíceis... É bom saber que, mesmo com inúmeros furacões,

seguimos de braços dados na contracorrente. Meu agradecimento especial a Valquíria Alves

Mariano, docente competente, compromissada com uma formação profissional sólida, mulher

inteligente, sensível. Na condição de minha eterna professora, desde os tempos da graduação,

dedico as linhas que se seguem nesta dissertação a você e a tantos outros que colaboraram

com minha formação. Suas aulas foram memoráveis...

Aos companheiros do Sanatório Espírita de Uberaba pelo apoio incondicional nestes

momentos finais... Cristiano Boaventura, Pollyanna, Viviane, Marcio Arduini, Dr.

Eurípedes... Vicentina, Sirlei, André, Marli... São tantos... Aos pacientes que me ensinaram

que a loucura não está restrita à capacidade mental, apenas — a loucura expressa-se numa

sociedade onde o ter é maior que o ser — e que a estrutura perversa do capital é, sim, uma

loucura...

A Rosemeire dos Santos, minha caipira magrela, companheira e incentivadora em

todos os momentos do mestrado. Mesmo distante, seu apoio foi determinante. Seus gritos ao

telefone serão inesquecíveis... Esta dissertação também é sua!

Não poderia deixar de registrar o incansável apoio do casal mais lindo que conheço,

donos de um amor puro e belo, exímios pensadores do Direito e do Serviço Social, marxistas

impenitentes... Mariana Furtado e Eder Ferreira... O apoio de vocês foi de fundamental

importância durante toda esta pesquisa. A vocês, todo o meu carinho, respeito, admiração e

eterno agradecimento.

VI

Ao companheiro de todas as horas Rafael Nunes... Mesmo que distante das reflexões

do Serviço Social, suas críticas e reflexões sobre Marx, revolução proletária, nova ordem

societária foram inestimáveis... Em breve, teremos um médico marxista, revolucionário...

Pensei que seria incompatível, mas percebi que não! Existem médicos que pensam além do

biológico!

Um agradecimento especial à banca examinadora da qualificação, pelo rigor teórico

exigido e pela doçura nas colocações. Profª Edvânia Ângela e Profª Bia Abramides, guerreiras

defensoras dos trabalhadores e dos povos oprimidos. Obrigado por aceitarem o desafio da

qualificação e agora da Banca de Defesa. As reflexões de vocês são essenciais para o

enriquecimento deste trabalho. Agradeço às professoras Carmelita Yazbek e Maria Liduína,

por aceitaram participar da banca, na condição de suplentes. Tenho certeza que as

contribuições de vocês serão essenciais.

Agradeço aos sujeitos que ousaram participar desta pesquisa. Suas contribuições

foram e serão inestimáveis para a pavimentação da crítica na direção dos compromissos

profissionais.

Aos assistentes sociais compromissados com um mundo melhor, em que o homem

seja a medida de tudo. Aos trabalhadores, classe donde emergem as possibilidades

revolucionárias de construção de um mundo novo!

Ao casal amigo Rosimár e Aragão... Um agradecimento de coração pelo apoio e

incentivo em todos os momentos... À Maria Clara, esperança no futuro!

Agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-

SP, por me proporcionarem inquietações constantes. Dentre eles, destaco especialmente

Evaldo Vieira, Mariangela Belfiore Wanderley, Carmelita Yazbek, Raquel Raichelis, Maria

Lucia Martinelli, Celso Frederico, Marco Aurélio Nogueira e Marilda Iamamoto.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e ao Programa de Serviço Social,

por me proporcionarem o acesso ao conhecimento crítico. Agradeço ao CNPq pelo incentivo

financeiro nesta empreitada.

À ―Lu‖ Barroco, pela paciência, empenho e por aceitar o desafio de me orientar nestes

anos... O contato com você me fez perceber a natureza da inteireza humana, do senso de

coletividade, da ética... Do compromisso com a profissão, com a sociedade, com seus

alunos... Grande mulher e intelectual que dispensa holofotes e os brilhos efêmeros mídia, da

―feira das vaidades‖ do mundo acadêmico... Dona de uma luz interna que clareia por onde

passa... Sentirei saudades das suas puxadas de orelha, das suas risadas com minhas escritas

carregadas da ―tomada do poder‖... Com você cresci e aprendi! Obrigado por tudo, Lucia!

VII

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar o processo de apropriação e da objetivação da teoria

social de Marx e seus rebatimentos no projeto ético-político profissional junto aos assistentes

sociais. Pretende-se ainda, analisar qual a contribuição da teoria social de Marx para a

profissão e sua consequente materialização no cotidiano do trabalho profissional. Trata-se de

um estudo de abordagem qualitativa, tendo como procedimento a revisão de literatura e

pesquisa de campo, por meio de entrevista semiestruturada com três assistentes sociais da

cidade de Uberaba, MG, no ano de 2012, sendo um da área da saúde, um da docência e um do

Tribunal de Justiça. Este trabalho justificou-se pelos questionamentos sobre as formas de

apropriação da teoria social de Marx pelos assistentes sociais e as formas de objetivação do

projeto ético-político profissional no cotidiano do trabalho profissional. Observou-se que há

uma relativa apropriação da teoria social de Marx pelos assistentes sociais, constatando

entraves no processo de formação profissional que incidiram nessas deficiências de bases

teórico-metodológicas. Da relativa dificuldade em apropriar-se do arcabouço teórico de Marx

apontam-se as limitações para a objetivação do projeto profissional no cotidiano de trabalho.

Dessa forma, os sujeitos compreendem a centralidade do projeto profissional no Serviço

Social contemporâneo, porém se veem limitados nesta objetivação, dadas as relações sociais

de produção capitalista e dos limites institucionais. Observou-se que a dificuldade na adesão

ao projeto de classe não pode ser atribuída exclusivamente aos limites institucionais ou do

capital; esse projeto necessita ser pensado como um compromisso que supere as

determinações e situe o homem como a medida de todas as coisas.

Palavras-chave: Teoria social de Marx; Projeto ético-político; Serviço Social; Trabalho

Profissional; Compromisso profissional.

VIII

ABSTRACT

The objective of this work is to review the process of ownership and objectification in Marx‘s

social theory and its ethical-political effects on the social workers‘ ethical-political

professional project. It is also intended to analyze the contribution of Marx‘s social theory for

the profession and its subsequent materialization in daily life of professional work. It is a

study of qualitative approach, including a literature review and a field research, through semi-

structured interviews with three social workers — one of the healthcare area, another a

teaching and a third of the Judiciary — in the city of Uberaba, MG, in the year 2012. This

work was justified by questioning the forms of appropriation of the Marx‘s social theory by

social workers and the forms of objectification of the ethical-political professional project in

daily professional work. It was noted that there is a degree of ownership of Marx‘s social

theory by social workers, as well as obstacles in the process of vocational training that fell on

these theoretical-methodological bases deficiencies. The limitations for the objectification of

professional project in daily work come from the relative difficulty in taking ownership of

Marx's theory. The subjects understand the centrality of contemporary Social Service

professional project, but they are limited in this objectification, given the social relations of

capitalist production and institutional boundaries. It was noted that the difficulty in joining the

class project cannot be attributed solely to institutional or capitalist limits; that project is to be

thought of as a compromise to overcome the determinations and locate man as the measure of

all things.

Keywords: Marx‘s social theory; Ethical-political project; Social Service; Employment;

Professional commitment.

IX

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

Capítulo I O MARCO HISTÓRICO-METODOLÓGICO DE EMERGÊNCIA DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL 15

1.1 A organização político-científica da profissão: notas histórico-metodológicas 26 1.2 O significado da “Virada” do Serviço Social 29

1.3 Os rebatimentos da “Virada” no Serviço Social nos anos 1980 37 1.3.1 A revisão curricular de 1982: as protoformas de uma formação crítica para o

assistente social 40 1.3.2 O Código de 1986 e a Constituição de 1988: marcos e conquistas da sociedade e

do Serviço Social 44

Capítulo II A CATEGORIA TRABALHO E A RESSIGNIFICAÇÃO DA ÉTICA PROFISSIONAL 51 2.1 A centralidade ontológica do trabalho 51

2.2 A divisão social e técnica do trabalho e o Serviço Social enquanto

especialização do trabalho coletivo 56

2.3 A capacidade ético-política do Serviço Social 60

Capítulo III DESVELANDO UBERABA (MG): O CENÁRIO DA PESQUISA E OS ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAIS DOS SUJEITOS ENTREVISTADOS 80 3.1 Um esboço da história social e econômica de Uberaba 60

3.2 A docência como espaço sócio-ocupacional do assistente social 92 3.2.1 A formação profissional e as diretrizes curriculares gerais 92

3.2.2 Os núcleos de fundamentação da formação profissional 96 3.3 O Sistema Único de Saúde como espaço sócio-ocupacional do assistente social 99

3.4 A saúde pública em Uberaba 103 3.5 O Poder Judiciário: desvelando o Tribunal de Justiça de Minas Gerais,

comarca de Uberaba 105

Capítulo IV A PESQUISA 108

4.1 Apresentação 108 4.2 Análise dos dados 110

CONSIDERAÇÕES FINAIS 153

REFERÊNCIAS 161

ANEXOS 170 Roteiro de entrevista semiestruturado 171

Roteiro de entrevista semiestruturado — Roteiro para docente 172 Termo de consentimento livre e esclarecido 173

Declaração do pesquisador 174

1

INTRODUÇÃO

Esse trabalho objetiva compreender o processo de apropriação e objetivação da teoria

crítica e do projeto ético-político do Serviço Social no contexto do trabalho profissional, na

região de Uberaba (Minas Gerais), em 2012. Para tanto, a proposta é conhecer a contribuição

da teoria social crítica para a profissão; desvelar as formas de apropriação dos fundamentos da

teoria crítica pelos profissionais e a identificar a materialização do projeto ético-político do

Serviço Social no cotidiano do trabalho profissional.

O interesse por esse tema emerge da necessidade de aprofundar a compreensão dos

resultados concretos, no cotidiano profissional e na vida social, da adesão sócio-histórica e

ético-política do Serviço Social brasileiro ao arcabouço teórico-metodológico da teoria social

de Marx, bem como a um projeto social de caráter emancipador.

Assim, baseada nos fundamentos da teoria social crítica de Marx, a articulação da

concepção teórica com o exercício profissional cotidiano suscitou questionamentos acerca do

entendimento da categoria profissional sobre o lugar do debate ―marxista‖ no aparato teórico-

metodológico apropriado no trabalho profissional e seus rebatimentos no compromisso ético-

político do Serviço Social, pela via da objetivação cotidiana.

De forma empírica, expõe-se que a observação do cotidiano mostra que, muitas vezes,

os assistentes sociais apontam um discurso vinculado à teoria social de Marx, porém, seu

entendimento ainda segue enviesado por fundamentos teóricos adversos a essa base e

subjacentes a um conservadorismo, ora remanescente, ora figurado no conceito de pós-

modernidade, com forte impacto no seu exercício profissional. É necessário, pois, apontar

elementos acerca do debate sobre a conceituação da teoria social de Marx, para compreensão

e explicação da sociabilidade capitalista, e, consequentemente, refletir sobre os

desdobramentos desta apropriação no cotidiano profissional do assistente social.

Isto porque a teoria social de Marx concede a possibilidade de analisar a sociedade

capitalista na sua totalidade, analisando-se os elementos que constituem e são constituídos no

concreto a partir de importante categoria de análise, que é a mediação. Nesse sentido, Marx

(1982, p. 14) observa que ―o concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações,

isto é, a unidade do diverso‖. Destarte, o que o pensador alemão assevera é que esta

concretude está circunscrita na dinâmica própria da sociedade, o que significa, segundo Brant

e Paulo Netto (2010, p. 80), ―a captura das determinações, obtida através das análises das

2

relações efetivas pela razão teórica; o concreto, pois, não se mostra faticamente, na empiria,

imediatamente‖. Assim, estes autores afirmam, fundados no pensamento de Marx, que o

concreto não se desnuda empiricamente, apenas. A compreensão da totalidade como síntese

de múltiplas determinações supõe ultrapassar a facticidade, evidenciando a necessidade de

estabelecer as mediações abstratas às ações efetivas do cotidiano, ou seja, partir do concreto

pensado (realidade capturada pela abstração) para o concreto vivido (a base material, o

concreto).

Marx desenvolve seus estudos e reflexões sobre a sociedade capitalista a partir do

pressuposto essencial de que as formas de consciência social (superestrutura) estabelecem

mediações intrínsecas à infraestrutura (estrutura econômica) da sociedade a ela inerente.

Deste modo, é factível afirmar que as determinações econômicas, operadas sob a égide do

capitalismo em sua fase monopólica, incidem decisivamente nas formas da consciência social,

nos modos de vida, na cultura e em outros componentes da essência humana. Assim, Marx

(s/d, p. 301) assevera que ―não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo

contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência‖.

No que tange ao processo de (re)produção da sociedade capitalista, faz-se necessário

entender que o capital possui sua lógica ética estruturada na acumulação e na apropriação dos

meios de produção, com vistas à sua (re)produção sociometabólica (MÉSZÁROS, 2004). E

fundado na crítica desses fundamentos éticos do grande capital, emerge na Alemanha, em

1923, o Instituto para a Pesquisa Social, idealizado por Félix Weill, que futuramente ficou

conhecido como a Escola de Frankfurt (Institut für Sozialforschung). Após sua criação,

assume como diretor o historiador Grunberg, que buscou trazer para o debate, no contexto das

ciências sociais, a temática relacionada ao movimento operário e ao socialismo, tomando

como cenário de sua análise o momento histórico vivenciado pela classe operária na

Alemanha. Tal destaque é relevante na medida em que a perspectiva histórica de análise da

sociedade capitalista sobrepuja nas ciências sociais o ideário conservador de forte cunho

positivista que marcou (e ainda marca) o início do século XIX (ABRÃO, 2004).

Dessa forma, os acontecimentos antecessores à criação dessa Escola são emblemáticos

e determinam a exegese do pensamento frankfurtiano.

A derrota dos movimentos proletários de esquerda na Europa Ocidental após a Primeira Guerra

Mundial, o colapso dos partidos de massa de esquerda na Alemanha, que se transformaram em

movimentos ou reformistas ou dominados por Moscou, a degeneração da Revolução Russa com o estalinismo e a ascensão do fascismo e do nazismo. Esses acontecimentos suscitaram questões

fundamentais para aqueles que se inspiravam no marxismo, mas estavam dispostos a reconhecer

como eram enganosas e perigosas as concepções dos que sustentavam que o socialismo era uma

tendência inevitável do desenvolvimento da história ou que a ação social ‗correta‘ resultaria

3

automaticamente da promulgação da linha partidária ―correta‖ (BOTTOMORE, 1993, p. 127-128).

Criada em 1923, a Escola de Frankfurt agrega, nos anos seguintes, uma considerável

gama de pesquisadores, que dariam vida à sua revista e às pesquisas realizadas pelo Instituto.

Dentre os pesquisadores-pensadores, destacam-se Horkheimer, Benjamim, Adorno, Pollock e

Eric Fromm, que colaboraram decisivamente para a construção de um pensamento crítico na

Alemanha e na Europa Ocidental.

Na década de 1930, a ―Revista para a Pesquisa Social‖, criada com a intenção de

difundir o pensamento crítico alemão, é transferida para a França e posteriormente para os

Estados Unidos, fugindo da perseguição do nazismo, após a ascensão de Hitler ao poder.

Os estudos e reflexões do Instituto e da ―Revista‖ pautaram-se, basicamente, por uma

direção teórica de características particulares, diante dos acontecimentos ocorridos após a

Revolução Russa de 1917, a proclamação da Alemanha em 1918 e as insurreições operárias

ocorridas entre 1918 e 1923. Visava, pois, dar um tratamento crítico à crítica de Marx. A

crítica formulada contra o formalismo teórico da Escola foi evidenciada por Lukács, que

afirmou que a Escola era um ―hotel de luxo à beira do abismo‖, pelo fato de se constituir

como um espaço distanciado da luta de classes e, por sua vez, elitizado (FREDERICO, 2005,

p. 107). Assim, como difusor do pensamento crítico do século XX e com claro

direcionamento esquerdista, o pensamento frankfurtiano não mantinha um posicionamento

tipicamente revolucionário.

A teoria social de Marx tem como objeto de reflexão e estudos os elementos

constitutivos da sociedade burguesa, sendo esta sociedade resultado dos processos de

produção e reprodução da vida social sob a égide do grande capital. As preocupações de Marx

têm como objetivo compreender a sociedade moderna, situando-se no marco da Revolução

Francesa de 1789 e, mais especificamente, a partir da explosão da Revolução Industrial, já no

século XIX, que efetiva as bases necessárias para compreensão da sociedade moderna, ou ―a

construção da modernidade‖ (LARA, 2009, p. 54), dada na esfera da sociedade capitalista.

As reflexões de Marx e daqueles que o sucederam têm sua preocupação com a

compreensão da sociedade capitalista a partir da trajetória sócio-histórica dos processos que a

engendram, das suas relações com os homens e da sua incidência na vida social. Essa

organização do ser social é entendida como relações sociais de produção reprodutoras de uma

conflituosa e antagônica relação capital x trabalho. Deste modo, o ―[...] pensamento social

crítico debruça-se sobre a interpretação da sociedade moderna, tendo como principal

paradigma o conflito de classes sociais antagônicas‖ (LARA, 2009, p. 55).

4

Nesta direção de crítica à sociedade do capital, que está centrada na propriedade

privada, na exploração da força de trabalho e no domínio do homem pelo homem, apontam-se

elementos para a reflexão da inserção do Serviço Social como (re)produtor desta lógica

perversa e das possibilidades da manutenção deste status quo ou da permanente luta na

direção da (re)construção de uma nova sociedade, fundada no homem, sendo este a medida de

todas as coisas (IAMAMOTO, 2008).

Polarizada por interesses ideológicos e políticos diversos, a profissão do Serviço

Social situa-se numa arena de conflitos de interesses antagônicos, o que revela a própria

caráter contraditório da sociedade do capital. Porém, mesmo polarizada por interesses

distintos (capital versus trabalho), a profissão mantém, por meio da sua direção social, um

projeto profissional de caráter societário, que tem como bandeira de luta a construção da

superação da sociedade posta. Tal superação se constrói por meio de um posicionamento

político-ideológico de repercussão prática no cotidiano profissional facilitado pela necessária

apreensão/reflexão e ação decorrentes da visão crítica proporcionada pelos fundamentos da

teoria social de Marx, largamente difundida e debatida pela profissão. Mas esta difusão e este

debate ainda não foram incorporados criticamente pelo coletivo profissional, dada sua

heterogeneidade e pluralidade de ideias.

Observa-se, nos elementos constitutivos da base material (concreto vivido), um

estranho esvaziamento do conteúdo teórico-metodológico e de comprometimento com os

valores profissionais, traduzido por um discurso conservador. Veja-se o posicionamento de

Brant e Paulo Netto (2010, p. 72), os quais sugerem que um ―grosseiro viés [...] anda a

permear certas afirmações que têm livre curso entre assistentes sociais (e não só)‖.

Destarte, a realidade concreta, pensada de maneira descolada do movimento societário

atual, coloca o pensar/agir profissional sob ―[...] largos espectros positivistas e neopositivistas,

fundamentados na recepção da objetividade imediata dos processos e fenômenos sociais como

sendo sua realidade estrutural‖ (BRANT; PAULO NETTO, 2010, p. 72). Dentre outros

elementos, justifica-se o fato inconteste de que a profissão ainda não se livrou totalmente do

pesado conservadorismo burguês de cunho positivista, característico do seu trabalho

profissional, evidenciado ainda por uma prática igualmente conservadora sob a égide

capitalista.

O cotidiano, aqui entendido como a concretude da vida, é insuprimível, pois, segundo

Brant e Paulo Netto (2010), não é possível conceber a sociedade sem compreender que esta

não se constitui sem a cotidianidade, pois é no cotidiano que o homem se (re)reproduz

enquanto ser social, sob a égide do modo de produção capitalista.

5

Deste modo, o cotidiano é espaço privilegiado para o desenvolvimento do ser humano

genérico, pois é onde o homem coloca em movimento todos os seus ―sentidos, todas as

capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, paixões, ideias e ideologias‖

(HELLER, 2008, p. 31). Pensado a partir da essência da vida cotidiana, espaço onde se põe

em movimento todas as potencialidades do homem, faz-se necessário reconhecer que a base

material da cotidianidade se funda como concepção orgânica desta; o trabalho e a vida

privada, por exemplo. Concebida a partir da satisfação das suas necessidades, o contínuo

movimento do cenário do cotidiano, tem como regulador, as relações sociais de produção

(HELLER, 2008).

Mediando este debate para o Serviço Social, temos, na condição de assistentes sociais,

a possibilidade de uma leitura crítica, baseada na historicidade, na existência concreta da

contradição determinada pelo capitalismo em sua fase monopólica. É neste cenário

antagônico entre tais determinações e incidências na cotidianidade que a profissão tem seu

espaço ocupacional e político.

Assim, esse cotidiano, espaço onde se situa o homem (singular e genérico), possibilita

a fruição da vida do próprio homem e é entendido como início e fim de toda atividade humana

(FREDERICO, 2005). Deste modo, ―o cotidiano é visto como um rio em seu permanente

fluxo, dentro do qual tudo se movimenta, se transforma, se espalha e retorna ao seu leito‖

(FREDERICO, 2005, p. 111). Fica evidente para o autor que o cotidiano tem a finalidade de

possibilitar o desenvolvimento das capacidades humanas postas na busca pela satisfação de

suas necessidades mais distintas, e nesse espaço cotidiano residem as possibilidades

construtoras do ser social.

Continuando a discussão sobre o cotidiano, Frederico (2005) busca em Lukács sua

essência:

[...] dele (do cotidiano), se depreendem, em formas superiores de recepção e reprodução da realidade, a ciência e a arte; diferenciam-se, constituem-se de acordo com suas finalidades

específicas, alcançam sua forma pura nessa especificidade — que nasce das necessidades da vida

social — para logo, em consequência de seus efeitos, de sua influência na vida dos homens,

desembocar de novo na corrente da vida cotidiana (LUKÁCS, apud FREDERICO, 2005, p. 111).

É no cotidiano que a profissão se inscreve como potencialidade política e profissional

com clara direção sócio-política na construção de uma nova sociedade. A apreensão desta

dimensão, porém, ainda segue enviesada por sofismas de caráter teórico-metodológicos e

fundo conservador que revelam reflexões superficiais e não denotam a compreensão/reflexão

da sua essência.

6

Esta concepção simplista e superficial tem eco na profissão, materializado na

compreensão simplista e míope dos fundamentos da vida social, do trabalho profissional e,

claro, nas mais variadas compreensões sobre o projeto ético-político e sua direção social.

É necessário reconhecer neste estudo que a evidência de uma prática conservadora

encontra ressonância no cotidiano profissional pelo fato de que nem todos os assistentes

sociais incorporaram de maneira crítica o direcionamento político-profissional. A presença

destas práticas conservadoras é recorrente, uma vez que se observam cotidianamente

assistentes sociais que ainda policiam os comportamentos dos usuários, cerceiam sua

condição de sujeito e sua liberdade e imprimem seus juízos de valor pessoais nos

atendimentos prestados aos usuários. Nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais,

profissionais intervêm na realidade ainda com vista à adaptação do sujeito ao meio, pautando-

se na retórica das famílias e sujeitos desestruturados, com clara entonação e ação positivista e

igualmente conservadora. Associa-se a este grave problema a presença deletéria do

conservantismo com profundas bases religiosas, o qual, em determinado momento, recupera a

problemática do messianismo que, consequentemente, enviesa sua intervenção.

Este tipo de orientação ideológica provoca o que Paulo Netto (1991) chamou de

―reatualização do conservadorismo‖, sendo este um resultado direto dos problemas e

dificuldades na apropriação, compreensão e reflexão da ontologia do ser social de Marx, com

forte rebatimento no direcionamento da formação profissional e do trabalho profissional do

assistente social e, ainda, sem sombra de dúvidas, na materialização do projeto ético-político

da profissão.

Pode nos parecer distante este tipo de comportamento, dado o direcionamento político-

institucional da profissão impresso nas últimas décadas. Cabe, porém, a reflexão que este

direcionamento não é homogêneo na compreensão e no fazer profissional. Em decorrência da

heterogeneidade da profissão, este projeto impregna-se de um ranço conservador que sempre

está à espreita e, como dissemos, produz deletérias e prejudiciais interpretação e reflexão

quanto à realidade concreta e a consequente intervenção.

Enfatize-se que, mesmo perpassado por uma visão crítica (enviesada) da sociedade do

grande capital e suas inflexões, o cotidiano e suas formas de compreensão encontram-se ainda

―[...] veladas por sofisticações formalistas (metodologistas e epistemologistas), [pois] estas

posturas não rompem com a faticidade empírica em que se dá a imediaticidade da vida

cotidiana‖ (BRANT; PAULO NETTO, 2010, p. 72).

Outra interpretação confusa e que leva invariavelmente à discussão sobre o projeto

ético-político profissional reside em uma questão essencial para a compreensão mais ampla

7

do Serviço Social: a aproximação à tradição marxista no redesenho do compromisso ético-

político do assistente social — não só a aproximação histórica, mas sua consolidação como

fundamento, base teórico-metodológica que permite vislumbrar a concretude do trabalho

profissional.

Esse elemento de base mantém profundas raízes com a emergência dos movimentos

sociais nos anos 1960, bem como com a aderência da profissão às bases progressistas do

movimento estudantil. Esta aproximação funda o projeto de resistência dos trabalhadores

(aqui, entende-se a própria profissão) na luta contra o autoritarismo da ―ideologia de 1964‖,

patrocinada pelos ―gestores do capitalismo atrófico‖ (RAGO FILHO, 2004).

A autocracia burguesa (PAULO NETTO, 1991) marca um momento particular desta

aproximação, visto o largo processo de supressão da vida social, do cerceamento das ideias,

do arbítrio, com clara essência ―protetora‖ da ordem estabelecida pelos ―gestores do

capitalismo atrófico‖. Assim, mesmo com esse conteúdo ideopolítico, este processo se

construiu a partir de ―inúmeras simplificações geradas por leituras equivocadas da profissão,

vem como diferentes orientações teóricas, frequentemente ecléticas, que também subsidiaram

as diferentes concepções formadas antes, durante e depois do ‗processo de reconceituação‘‖

(SILVA, 2007, p. 284).

A relação da ditadura com os movimentos sociais necessita ser analisada a partir de

vetores claramente determinados, visto que o embate das ideias e ideais está nitidamente

circunscrito na luta de classes, causada pelo arbítrio patrocinado pela autocracia burguesa

(PAULO NETTO, 1991), além das refrações causadas pelo ―milagre econômico‖. Tal

fenômeno associou-se ao complexo jogo ideopolítico e econômico da ditadura, impondo aos

trabalhadores uma pesada carga: o arrocho salarial, péssimas condições de trabalho e vida,

perda evidente do poder aquisitivo, prolongação da jornada de trabalho, etc. — sempre com

objetivos ideologicamente determinados, operados pela lógica imperialista norte-americana

(COIMBRA, 1998).

Neste complexo contexto, ―novos personagens entraram em cena‖ (SADER, 1988), na

contracorrente da ondem conservadora e igualmente burguesa, inserindo-se na luta de classes

contra as determinações da ditadura e seus aliados. Os movimentos sociais são situados como

sujeitos importantes no processo de busca pela liberdade, pela tentativa de construção de uma

nova sociedade.

A constituição dos movimentos sociais implica uma forma particular de elaboração dessas condições (elaboração mental enquanto forma de percebê-la, mas também elaboração prática

enquanto transformação dessa existência). Nesse sentido, movimentos sociais operam cortes e

8

combinações de classe, configurações e cruzamentos que não estavam dados previamente. (SADER, 1988, p. 48).

Na esteira dos movimentos sociais, é necessário destacar a presença marcante do

sindicalismo brasileiro, na direção político-ideológica da resistência ao regime que aglutinou

em suas fileiras trabalhadores insatisfeitos com as condições objetivas e subjetivas de trabalho

e salários, além de incorporar, como exemplos, a luta contra o arrocho da vida cotidiana e da

liberdade.

A luta geral dos trabalhadores representou, naquele contexto sócio-histórico adverso, a

reconstrução do seu objeto e sua inscrição na luta de classes, resultando, pois, na organização

dos trabalhadores em torno de objetivos coletivos socialmente determinados. Os sindicatos,

representantes legitimados dos interesses da classe trabalhadora, buscaram romper, naquele

determinado momento histórico, com o ranço peleguista herdado do governo Vagas. Contudo,

esta ruptura é cravada de convergências e divergências, visto a heterogeneidade dos conflitos

de interesses instalados e, é óbvio, o contexto ideológico sustentado pela organização

capitalista, que se sustentava no arrefecimento dos tensionamentos causados pelo profundo

processo de opressão.

A inserção dos trabalhadores organizados nesse cenário de acordos políticos, sociais e

econômicos determinados pela lógica autocrática da ditadura — alinhada aos interesses

internacionais —, ficou conhecida como a emergência do ―Novo Sindicalismo‖

(ABRAMIDES; CABRAL, 1995), ou seja,

Um sindicalismo que procurava romper com práticas estabelecidas pelo passado, forjadas pelo sindicalismo de ―colaboração de classes‖, da herança varguista, e afastado de outras

possibilidades, no período ditatorial. Trazia a negativa a um sindicalismo populista que,

distanciado dos trabalhadores e do chão de fábrica, era corporativista e assistencialista por

essência. Em seu lugar, um sindicato reivindicativo, que mesmo voltado para os interesses da categoria que representava, tinha como norte a classe. Novo, porque próximo da ação direta, do

confronto aberto com o patronato e o Estado. Novo, pois queria ser conhecido como interlocutor

político legítimo pelos patrões e Estado, mas, ao mesmo tempo, referência política para os

trabalhadores (COIMBRA, 1998, p. 150).

Seguindo estas reflexões, faz-se necessário trazer para o debate o papel do ―Novo

Sindicalismo‖, que emerge na passagem da década de 1970 para a de 1980, como um

movimento combativo, caracterizado pelo alinhamento às lutas dos trabalhadores, bem como

da luta pelo reposicionamento do complexo ―modelo‖ sindical, de base pelega e igualmente

conservador. Assim, o ―Novo Sindicalismo", desde seu surgimento em fins dos anos 1970 até

a segunda metade dos anos 1980, significou um avanço político e organizativo para as classes

9

trabalhadoras que culminou com a fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em

1983 e a ―solidificação do polo cutista‖ (ABRAMIDES; CABRAL, 1995, p. 29).

A esta organização política do novo sindicato, associa-se grande processo de

[...] mobilizações e greves de categorias de trabalhadores e greves gerais, na ampliação de

sindicalizados e de entidades combativas, luta pela conquista de liberdade e autonomia sindical, construção de uma nova estrutura sindical por ramo de atividade econômica e quebra do

corporativismo, aprofundando o grau de consciência dos trabalhadores, o que configurou como

um sindicalismo classista, de massas e de lutas (ABRAMIDES; CABRAL, 1995, p. 29).

Neste contexto, o Serviço Social aproxima-se das lutas empreendidas pela classe

trabalhadora, com um direcionamento político-ideológico e com conteúdo interventivo,

vinculado organicamente às entidades de forte raiz político-sindical, dentre as quais a

Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindical (Anampos), com vinculação à

Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais dos Assistentes Sociais (Ceneas) e,

posteriormente, à Associação Nacional dos Assistentes Sociais (Anas). Esta vinculação,

associada a outros importantes acontecimentos no marco da profissão, tornou-se decisiva para

a construção de uma opção política de compromisso com a luta e o projeto de sociedade da

classe trabalhadora, isto é, de uma direção social definida nas bases de construção de uma

nova sociedade que não se fundamenta na exploração do homem.

Assim, esta pesquisa tem como proposta a discussão sobre o compromisso ético-

político assumido historicamente pelos assistentes sociais, buscando (re)construir alternativas

para reflexão/ação da posição da teoria social de Marx no contexto da permanente construção

e objetivação do projeto ético-político.

Não obstante a opção constante do projeto ético-político profissional por valores

centrais na defesa da profissão, dos usuários dos serviços sociais, com uma clara definição do

seu caráter de projeto social, associam-se a estes elementos valores que ―[...] voltam-se para

um projeto coletivo, concretizado e embasado na prática profissional individual e coletiva dos

assistentes sociais‖ (RODRIGUES, 2003).

Tal projeto funda-se ainda na defesa intransigente dos direitos humanos, da liberdade

enquanto alternativa de escolhas, na direção da emancipação humana, do aprofundamento da

democracia e da cidadania, além da opção por ―um projeto profissional vinculado ao processo

de construção de uma nova ordem societária‖ (CFESS, 1993) e, consequentemente, na busca

de uma sociedade justa, pensada a partir da superação do modelo econômico vigente. O

projeto profissional fundamenta-se, portanto, nas condições objetivas de defesa da plena

10

expansão dos indivíduos sociais, no contexto da radicalização da democracia e da liberdade,

entendidas como valores ético-políticos elementos centrais.

Pensar o projeto ético-político do Serviço Social pressupõe compreender o processo

engendrado nas fileiras progressistas da profissão, além da sua direção social determinada, a

partir do alinhamento do coletivo profissional à luta geral dos trabalhadores no final da

década de 1970 e na década seguinte, alinhamento este que contribuiu para a consciência

política do trabalho profissional. Assim, os princípios do projeto ético-político

[...] são focos que vão iluminando os caminhos a serem trilhados, a partir de alguns

compromissos fundamentais acordados e assumidos coletivamente pela categoria. Então, ele não pode ser um documento que se ―guarda na gaveta‖: é necessário dar-lhe vida por sujeitos que,

internalizando o seu conteúdo, expressam-no por ações que vão tecendo o novo projeto

profissional no espaço ocupacional cotidiano (IAMAMOTO, 2000a, p. 78).

Deste modo, a opção dos assistentes sociais pelos princípios do projeto ético-político

sugere a necessidade urgente de romper com o caráter nitidamente endogenista presente na

profissão, partindo das mediações necessárias para compreender e situar o Serviço Social na

dinâmica capitalista, como elemento que carrega um inestimável contributo à construção de

um projeto que se objetive na cotidianidade.

É na perspectiva de entender o processo de objetivação dos princípios do projeto ético-

político, na base material do trabalho profissional do assistente social, que esta dissertação

busca apontar elementos para a reflexão, o debate e a proposição.

Para entender como se deu a aproximação da profissão à tradição marxista, torna-se

necessário situar as forças que engendraram a emergência desta profissão no Brasil. Para

tanto, explicita-se que a institucionalização do Serviço Social se funda no bojo das relações

sociais de produção (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000), aqui entendidas como espaço

privilegiado de produção e reprodução de ideias, do modo de vida, da moral, da cultura —

enfim, da sociabilidade burguesa, esta patrocinada pelo modo de produção que regula as

relações sociais de produção. A institucionalização do Serviço Social emerge no cenário de

emergência da consolidação do modo de produção capitalista, em seu processo de passagem

do período cafeeiro para a implantação das bases industriais no início do século XX. Assim, a

inscrição do Brasil na cena capitalista foi determinante nos condicionantes de emergência do

Serviço Social brasileiro.

A emergência da profissão, na sociedade industrializada, está associada à progressiva intervenção do Estado nos processos reguladores da vida social. No Brasil, suas origens devem ser localizadas

na emergente sociedade urbano-industrial dos anos 1930, em uma conjuntura peculiar do

desenvolvimento capitalista, marcada por conflitos de classe, pelo crescimento numérico e

11

qualitativo da classe operária urbana e pelas lutas sociais que esta desencadeia contra a exploração do trabalho e pela defesa dos direitos sociais e de cidadania (MARTINELLI;

RAICHELIS; YAZBEK, 2008, p. 7).

Assim, no seio da contradição da sociedade capitalista brasileira, o Serviço Social se

institucionaliza sob o patrocínio da elite, tendo as correntes conservadoras e positivistas como

fundamento de valor. É na contraposição desse arcabouço conservador, determinante nas

décadas iniciais da profissão, que se gesta um projeto de ruptura cujas dimensões se ampliam

para além das necessidades da profissão, se estendendo ao projeto de sociedade da classe

trabalhadora.

A busca pela ruptura com a herança conservadora1 presente na profissão expressou,

naquele momento, a definição da direção social, que pressupõe o entendimento do lugar do

trabalho profissional, edificando a busca pela superação da visão fatalista, messiânica, na

direção dos elementos básicos e fundando o exercício profissional na vertente da consolidação

da cidadania, da justiça social, na defesa da radicalização da democracia, além de refletir

sobre o agir profissional diante das contradições inerentes ao processo de acumulação

capitalista: uma crítica e uma ação política compromissada com os ideais da classe

trabalhadora. A este processo, cabe agregar a reflexão sobre a urgência de superar o conceito

limitado de cidadania, centrado no discurso burguês, para o conceito de emancipação humana

que configuraria

[...] uma forma de sociabilidade na qual os homens sejam efetivamente livres, supõe a

erradicação do capital e de todas suas categorias. Sem essa erradicação, é impossível a construção de uma autêntica comunidade humana. E essa erradicação não significa, de modo algum, o

aperfeiçoamento da cidadania, mas a sua completa superação (TONET, s/d, p. 4).

Os elementos necessários à reflexão sobre a emancipação humana e política somente

são manifestadas no Código de 1993, com uma clara intencionalidade pela construção de uma

nova sociedade. Assim, nesse momento de ruptura, o Serviço Social

[...] luta para alcançar novas bases de legitimidade da ação profissional do assistente social, que,

reconhecendo as contradições sociais presentes nas condições do exercício profissional, busca

colocar-se, objetivamente, a serviço dos interesses dos usuários, isto é, dos setores dominados da sociedade (IAMAMOTO, 1997, p. 37).

Nesta nova direção social, a proposta de ruptura com a herança conservadora propõe

―[...] que o assistente social aprofunde a compreensão das implicações políticas de sua prática

profissional, reconhecendo-a como polarizada pela luta de classes‖, o que exige também da 1 Chave heurística do projeto ético-político do Serviço Social. Para maior compreensão ver Paulo Netto (1991), Abramides e Cabral (1995), Iamamoto (1995, 1997) e Barroco (2008),

12

profissão ―[...] aprofundamento teórico rigoroso, criando assim, condições de reflexões

teórico-críticas, oriundas da tradição marxista, com vistas à consolidação do projeto

profissional” (IAMAMOTO, 1997, p. 37).

Profundamente atravessado pelas mais expressivas manifestações objetivas e

subjetivas do grande capital, o Serviço Social (re)constrói alternativas, na perspectiva de um

constante enfrentamento às investidas do capital. Contudo, essa permanente (re)construção

perpassa pelo entendimento do seu lugar na dinâmica social, cravejada por relações sociais

perversas, associada a um projeto político profissional que adere às necessidades mais

concretas da classe trabalhadora.

Este processo não pode ser analisado de maneira a-histórica, acrítica, deslocada de

todo o conteúdo que avança do particular para a totalidade da vida social, sob a égide da

sociedade do capital.

É essa reavaliação da dimensão política da prática profissional e de seu vínculo com a cidadania de classe e com o aprofundamento da democratização ampla da vida social que pode nos

conduzir a novas luzes na efetivação de um exercício profissional de nova qualidade, que

contribua para o processo de construção de um novo bloco histórico na sociedade, com a

hegemonia daqueles que criam a riqueza e dela não se apropriam (IAMAMOTO, 2004b, p. 130).

Essas análises e ações partem do pressuposto de um profundo estabelecimento de

mediações da vida social com seus elementos constitutivos e de uma práxis (pensamento–

ação) que consubstancie na objetivação dos valores profissionais.

Nesse sentido, esta pesquisa aponta a necessidade de debater os descaminhos da

apropriação de Marx na profissão, notadamente em relação à consolidação e à objetivação do

projeto ético-político, no momento sócio-histórico atual, em que as forças do ideário

neoliberal grassam no contexto profissional nas mais variadas facetas, seja por meio de

políticas públicas focalizadas, seja na desregulamentação do trabalho, seja ainda na

desconstrução dos direitos sociais, humanos e trabalhistas e pela mercantilização da vida

social.

É preciso que o posicionamento do assistente social caminhe na contracorrente da

onda neoliberal, porque, além de se inserir na divisão social e técnica do trabalho na condição

de assalariamento, o assistente social carrega um projeto de cunho ético e político de

comprometimento com as demandas atendidas pela via da construção coletiva de uma nova

sociabilidade, que deve ser

[...] ontologicamente considerada, [como] a superação do capitalismo [enquanto] processo

desencadeado pelo proletariado, no sentido de sua autossupressão, ou seja, da superação da

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existência das classes sociais, da criação de condições para uma (re)apropriação universalizante da riqueza humana construída historicamente (BARROCO, 2005, p. 190).

Este posicionamento frente à atual quadra histórica, em que o capitalismo demonstra

seu poder econômico e ideológico, requer a apropriação crítica de elementos que colaborem

para o embate no campo filosófico, teórico e concreto, visto que, à medida que o capital

aprofunda suas formas execráveis de exploração do trabalho, emerge a necessidade de

construção permanente de um projeto político com características superadoras, alinhadas aos

interesses da classe trabalhadora, às suas lutas gerais em defesa de projetos supressores da

ordem determinada.

Esta dissertação está dividida em quatro capítulos. No primeiro, objetiva-se uma

análise do processo histórico-metodológico da emergência da profissão no cenário do

capitalismo maduro, sob a organização da Igreja e do laicato burguês. Retomamos o percurso

histórico-metodológico da profissão, fundada numa perspectiva crítica de análise,

concentrando nossas reflexões no desenvolvimento das forças capitalistas no cenário mundial

e no reposicionamento ideológico, político e econômico da hegemonia dos países centrais em

relação aos países periféricos. Abordamos o processo de constituição das bases teórico-

metodológicas da profissão e sua orientação ideológica, bem as formulações éticas de base

conservadora, orientadas por valores morais, no trato moralizador da questão social e a

inserção político-ideológica do Serviço Social conservador. O capítulo trata, também, dos

processos políticos engendrados no Brasil e sua incidência no campo das políticas sociais e da

direção conservadora do trabalho profissional do assistente social. Aborda-se, ainda, a

presença da vertente de ruptura da profissão, bem como seu influxo operado pela

reatualização conservadora. Em seguida, apresentamos a significação sobre a organização

política da profissão, do papel das entidades representativas e da condução do III Congresso

Brasileiro de Assistentes Sociais (III CBAS) no redirecionamento da práxis política da

profissão, imprimindo, a partir de então, nova direção política à profissão. Outro aspecto

relevante é o processo de revisão curricular deflagrada em 1982, na direção de ruptura com o

conservadorismo nas bases de formação profissional do assistente social, buscando, por meio

da reflexão das primeiras aproximações com a teoria social de Marx, uma compreensão da

sociedade capitalista madura.

No segundo capítulo, debatemos a centralidade ontológica do trabalho e sua

significação para o ser social, a partir da compreensão oferecida pela ontologia do ser social.

Neste capítulo, voltamos nossas discussões para o trabalho enquanto processo de interação

entre homem e natureza na busca pela satisfação das suas necessidades objetivas e subjetivas.

14

Situamos o debate do trabalho como atividade autocriadora e autotransformadora, ou seja,

dada pelo seu significado ontológico-social no cenário do capitalismo. Em seguida,

abordamos o debate da divisão social e técnica do trabalho, momento em que situamos o

Serviço Social como uma especialização do trabalho coletivo no âmbito da (re)produção da

sociedade capitalista. Como resultado do largo processo de maturação do Serviço Social,

tratamos da capacidade ético-política da profissão, na direção da intenção de ruptura

defendida nos anos 1970, que se desdobra nos códigos de ética de 1986 e se consolida apenas

em 1993, com um projeto ético-político profissional compromissado com a classe

trabalhadora.

No terceiro capítulo realizamos a apresentação do lócus da pesquisa, evidenciando o

contexto histórico da cidade de Uberaba, em Minas Gerais, seu desenvolvimento econômico,

político e social. Em seguida, caracterizamos as políticas de saúde, o espaço da docência e o

Tribunal de Justiça a partir de sua constituição histórica, suas diretrizes e sua inserção na

esfera da prestação de serviços sociais.

No quarto capítulo, buscamos desvelar o objeto de estudo, tendo por base as

particularidades do trabalho profissional do assistente social nos espaços sócio-ocupacionais

citados, a partir da realidade concreta. A pesquisa de campo intentou revelar a medida da

apropriação da teoria social de Marx e suas mediações com o trabalho profissional

compromissado com os valores da profissão.

15

Capítulo I

O MARCO HISTÓRICO-METODOLÓGICO DE EMERGÊNCIA DO

PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL

É apenas no marco do desenvolvimento das forças do modo de produção capitalista

que conseguimos situar o processo histórico da emergência do Serviço Social, adotando como

partida para a reflexão o processo de acirramento do modo de produção capitalista, centrado

no processo de acentuação da exploração da força de trabalho humano, na apropriação cada

vez mais privada daquilo que é produzido coletivamente: como aponta Iamamoto (2000a, p.

27), a ―produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social,

enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da

sociedade‖.

Como resultado do processo de expansão do capitalismo, situamos a emergência da

―questão social‖, fenômeno este que possui íntimas ligações ao processo de consolidação do

capitalismo tardio no cenário brasileiro, sendo que seu ―aparecimento diz respeito diretamente

à generalização do trabalho livre numa sociedade em que a escravidão marca profundamente

seu passado recente‖ (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000, p. 125). Ou seja, a questão social

advém das relações socialmente determinadas pelo sistema econômico vigente, incidindo na

vida cotidiana da classe trabalhadora sob os mais variados matizes, associado a um profundo

processo de (re)ordenamento da vida social, aqui considerada a totalidade da vida social.

É na questão social e suas mais variadas manifestações que o Serviço Social se

identifica, pelo claro posicionamento ideológico do grande capital por cooptar uma

especialização do trabalho coletivo para atendimento das suas necessidades imediatas de

controle, de amortecimento dos conflitos entre as classes antagônicas, sendo que as funções

deste profissional residiam ―frente à família operária, em face do matrimônio, da educação e

do cuidado dos filhos, da destinação do salário, dos menores delinquentes, da segurança

social, dos enfermos – tratava-se de uma atividade para reformar e melhorar os costumes‖

(CASTRO, 2000, p. 106).

Deste modo, o Serviço Social no Brasil emerge como profissão com profundas

conexões com a ideologia católica e, também, as camadas mais conservadoras e tradicionais

da sociedade. Nesse sentido, destaca-se o início da história da profissão com a Escola de

Serviço Social de São Paulo, criada, em 1936, a partir do Centro de Estudos e Ação Social

16

(Ceas), por um grupo de ―moças preocupadas com a questão social‖ (AGUIAR, 1995, p. 29),

o que demonstra a força do laicato em relação ao trato com a questão social nesse período,

tendo como influência o Serviço Social belga.

Com a intensificação do modelo capitalista de produção, a classe dominante busca no

Serviço Social formas ideopolíticas de controle da massa trabalhadora que se encontrava

solapada pelas precárias condições de vida e trabalho, configurando o caráter ideológico da

profissão pautada no controle, no ajustamento e na ordem (MONTAÑO, 2003).

Durante o processo de institucionalização do Serviço Social — embalado pelo

sentimento conservador e centralizador do poder —, a Igreja utiliza-se dos movimentos

sociais, mantendo uma posição polarizada e antagônica entre poderosos interesses para

pressionar o governo Vargas à definitiva legitimação da religião católica dentro da

organização estatal brasileira. Este poder emanado da Igreja aparece nitidamente na Carta

Constitucional de 1934, como assinala Carvalho (apud CASTRO, 2000, p. 102-103):

Além do reconhecimento explícito do catolicismo como religião oficial, como a indissolubilidade

do matrimônio com a validação do casamento religioso pela lei civil, ela garantia o acesso da

Igreja à educação pública e a todas as instituições de ―interesse coletivo‖. Garantia, pois, a

institucionalização de alguns dos seus princípios fundamentais e posições no aparelho de Estado essenciais à sua função de controle social e político.

A partir da promulgação da Constituição de 1934, fica clara a intencionalidade do

poder eclesiástico: legitimar sua participação na regulação da vida social e política do país.

Esta legitimação é parte constante da ideologia da grande máquina capitalista, e pode ser

encontrada nas reflexões de Mészáros (2004, p. 233):

as ideologias dominantes da ordem social estabelecida desfrutam de uma importante posição

privilegiada em relação a todas as variedades de ―contraconsciência‖. Assumindo uma atitude

positiva para com as relações de produção dominantes, assim como os mecanismos autorreprodutivos fundamentais da sociedade, podem contar, em suas confrontações ideológicas,

com o apoio das principais instituições econômicas, culturais e políticas do sistema todo.

Tal análise identifica de maneira central a proposta da ideologia dominante e de seu

lugar na sociedade, demonstrando, no caso da Igreja, o poder do seu aparelho e sua

interferência em diversos segmentos da sociedade, juntamente com diversos segmentos da

burguesia conservadora. É nessa direção que se criam os caminhos ideopolíticos do Serviço

Social diante da questão política e social da época: o ensino do Serviço Social estava fundado

nos princípios da Igreja, pautado na recristianização da classe trabalhadora e no trato

subjetivista e assistencialista da questão social.

17

Nesse período, a Igreja era depositária fiel da elite e consolidava seu papel na regência

da vida social, política, econômica e intelectual do país. O Serviço Social absorve o conteúdo

ideológico da doutrina social da Igreja e de um Estado regulador, ditatorial e conservador,

embasando sua formação e atuação nos moldes conservadores aos quais eram impelidos,

utilizando o modelo belga de formação profissional.

O conservadorismo acabou por constituir-se em traço profissional que por durante

décadas esteve — e está — subjacente no meio profissional, revelando uma característica

particular: a identificação da questão social fundada na concepção da problemática individual,

na sua concepção de homem e de mundo. Assim,

o tratamento moral da ―questão social‖ é uma resposta política das várias forças sociais ao

potencial emancipador das lutas proletárias; uma reação de caráter conservador que perpassa

pelas estratégias do Estado capitalista, pelo projeto social da Igreja Católica e pelo Serviço Social

no contexto de sua origem (BARROCO, 2008, p. 83).

Embalado nesta concepção conservadora e tradicionalista, o Serviço Social se

institucionaliza no interior do aparelho estatal como profissão controladora, policialesca e

acrítica, com vinculação ao poder da elite dominante. Em contrapartida, tal afirmação também

nos remete à necessidade de reflexão do poder exercido pela classe operária, que, insatisfeita

com as condições de vida, paulatinamente concretizava a luta de classes na direção da

consolidação de melhores condições de vida e de trabalho. Assim, a ideologia conservadora

reproduzia o aspecto moralizador da questão social como uma estratégia ideopolítica com

evidentes reflexos econômicos na condução da crise entre as classes.

Neste cenário, polarizado por interesses antagônicos, o Serviço Social se inscreve,

com seu forte traço conservador, originado das bases burguesas, que conferiram à profissão

características controlistas, reformadoras do caráter e do comportamento dos trabalhadores —

tidos como ―desviados‖ — e de estabilização da crise.

Contudo, a necessidade de negação das bases conservadoras da profissão foi

inconteste na (re)construção do Serviço Social, o que decorreu a partir do entendimento do

seu lugar como contributo indispensável à (re)produção da vida social, por sua própria

condição de trabalhador. Assim, a busca pela redefinição do Serviço Social foi sendo

amalgamada a partir da tentativa de distanciamento dessas práticas conservadoras, pois,

segundo Paulo Netto (1991, p. 128), nos quadros anteriores da profissão, era

inconteste que o Serviço Social no Brasil, até a primeira metade da década de sessenta, não apresentava polêmicas de relevo, mostrava uma relativa homogeneidade nas suas projeções

interventivas, sugeria uma grande unidade nas suas propostas profissionais, sinalizava uma

18

formal assepsia de participação político-partidária, carecia de uma elaboração teórica significativa e plasmava-se numa categoria profissional onde parecia imperar, sem disputas de vulto, uma

consensual direção interventiva e cívica.

Deste modo, o Serviço Social dos quadros conservadores mantinha um exercício

baseado na linearidade das práticas interventivas, pautado no direcionamento de um ―modelo‖

de exercício profissional, com clara demonstração de intencional neutralidade face aos

acontecimentos impingidos à classe trabalhadora pela via do embrutecimento sistemático do

sistema capitalista de produção. O rompimento deste Serviço Social funda-se, basicamente, a

partir da sua laicização, quando ocorre a ―diferenciação da categoria profissional em todos os

seus níveis e a consequente disputa pela hegemonia do processo profissional em todas as

instâncias (projeto de formação, paradigmas de intervenção, órgãos de representação, etc.)‖

(PAULO NETTO, 1991, p. 128).

Mesmo com o esforço da busca pela ruptura, é evidente que o traço conservador ainda

mantinha profundas ligações com uma prática messiânica, caracteristicamente marcada pelo

fatalismo, imprimindo marcas no Serviço Social em todas as dimensões; dentre estas, destaca-

se a presença deste ranço histórico na primeira formulação ética do Serviço Social, que, no

ano de 1947, estabelecia os fundamentos da ética tradicional, com pressupostos filosóficos

metafísicos e uma concepção ética conservadora, com forte conteúdo messiânico.

Os princípios apresentados no Código de 1947 retratam os fundamentos da formação profissional

e do exercício naquele determinado momento, com ênfase no discurso orientando a uma prática voltada para o ―bem‖, com forte apelo moralista e igualmente preconceituoso, de cunho

conservador, cabendo ao assistente social prestar ―ajuda‖ material, mas também, ―ajuda‖ aos

considerados ―desajustados‖. O traço moralizante e conservador presente nos fundamentos éticos

e, consequentemente, no trabalho profissional é uma forma de alienação moral, pois implica na negação da moral como uma forma de objetivação da consciência crítica, das escolhas livres, de

construção da particularidade (BARROCO, 2005, p. 48).

Tal conceito de ajustamento traduz o ideário positivista/ funcionalista, pois objetiva

situar o homem como causa e, por sua vez, responsável pela resolução pacífica dos seus

―problemas sociais‖. Nesta direção, o trabalho do assistente social reforçava a característica

da ética moralizadora da vida social, do seu comprometimento com os fundamentos da Igreja,

atravessados pela ideologia conservadora fundada e conectada a princípios ideológicos do

capital como forma de justificação das condições de vida e trabalho dos operários.

Deste modo, no processo de renovação, o traço renovador surge numa tendência de

busca da construção de uma nova concepção teórico-metodológica, amalgamada no

pluralismo profissional, com base na ―instauração do pluralismo teórico, ideológico e político

no marco profissional, deslocando uma sólida tradição de monolitismo ideal‖ (PAULO

19

NETTO, 1991, p. 135). Todavia, ressaltem-se as considerações de Paulo Netto (1991), ao

explicitar que o processo renovador da profissão calca-se na busca por redefinição das suas

bases teórico-prático-filosóficas, não registrando adesão profissional homogênea, mas, sim,

hegemônica devido à herança conservadora presente na profissão.

Esta pesada herança conservadora balizava, ainda, algumas normatizações que são

identificadas no cotidiano, evidenciadas por uma insistente retórica de ―reatualização

conservadora‖ (PAULO NETTO, 1991) que transita na ambiência profissional, com

rebatimentos expressivos no conteúdo ético-político da profissão.

Este processo não se constitui de maneira isolada, dada pela intencionalidade de

indivíduos: esta reatualização conservadora parte de uma expressão macro, caracterizada e

compreendida no contexto da totalidade da vida social, patrocinada pelas forças

conservadoras que indicam caminhos ideológicos para a (re)produção continuada e em larga

escala do capital.

Esta ―reatualização‖ conecta-se com a disseminação da cultura neoconservadora, em

curso no capitalismo contemporâneo. A prática neoconservadora traveste-se a partir de

demandas postas ao trabalho profissional, fundando-se em uma concepção metamorfoseada,

que tem causado riscos ao projeto profissional e ao trabalho profissional do assistente social.

A crise das hegemonias socialistas ou de esquerdas tem se constituído como um campo fértil

para a reatualização conservadora, de base neoconservadora,

apoiando-se em mitos, motivando atitudes autoritárias, discriminatórias e irracionalistas,

comportamentos e ideias valorizadoras da hierarquia, das normas institucionalizadas, da moral tradicional, da ordem e da autoridade. Uma das expressões dessa ideologia é a reprodução do

medo social (BARROCO, 2011).

A autora continua suas reflexões na direção de compreender a motivação desta

reatualização na profissão, pois esta é favorecida pelo profundo processo de

precarização das condições de trabalho e da formação profissional, pela falta de preparo técnico e

teórico, pela fragilização de uma consciência crítica e política, o que pode motivar a busca de

respostas pragmáticas e irracionalistas, a incorporação de técnicas aparentemente úteis em um

contexto fragmentário e imediatista. (BARROCO, 2011).

Este favorecimento mantém suas conexões com o modo de produção e reprodução da

vida contemporânea, patrocinado sob a égide de interesses socialmente determinados pelo

grande capital financeiro, o que possibilita por meio da sua livre movimentação ideopolítica,

uma formação precarizada, de caráter mercadológico, com claro direcionamento no

empobrecimento intelectual dos assistentes sociais, evidenciado pela pouca reflexão crítica

20

acerca dos processos sociais, além do distanciamento da práxis política que tem deslegitimado

paulatinamente a consciência de classe dos profissionais.

Tomemos o cuidado para não efetuar uma análise fatalista — sendo esta também

expressão do neoconservadorismo, pois imprime a falsa ideia de que o que está determinado

estaria determinado de modo absoluto, excluindo-se a possibilidade de contra-hegemonia, de

lutas, de oposição e negação, correndo-se o risco de abandonar o confronto, esvaziando-se a

prática política dos assistentes sociais. Assim, ―o enfrentamento teórico do

neoconservadorismo é um empreendimento que supõe a desmistificação dos seus

pressupostos e dos seus mitos irracionalistas que falseiam a história‖ (BARROCO, 2011).

Mesmo no centro do influxo conservador, a renovação promove uma ―articulação que

lhes confere uma arquitetura que procura oferecer mais consistência à ordenação dos seus

componentes internos‖ (PAULO NETTO, 1991, p. 131). Nesta esteira histórica, o Serviço

Social adquire maturidade teórica, associada a uma reflexão filosófica, buscando sedimentar a

reconfiguração da profissão frente à sociedade e ao Estado, mas, principalmente, à classe

trabalhadora, por meio da mediação entre os substratos teóricos e sua materialização na base

material, no cotidiano do exercício profissional. Podemos situar aqui, de forma breve, os

―documentos de Araxá‖ (de 1967), que, embalados pelo vetor modernizador presente na

profissão, buscam dar os primeiros passos frente à ―afirmação da perspectiva modernizadora‖

(PAULO NETTO, 1991). Porém, o seminário realizado em Minas Gerais não consegue

romper com o conservantismo reinante, cabendo ao seminário de Teresópolis (em 1970)

cristalizar a perspectiva modernizadora.

Há de se salientar que a vertente renovadora da profissão viu-se polarizada em um

complexo jogo político, econômico, ideológico e cultural, haja vista que o país encontrava-se,

na ocasião, profundamente imerso em um sistema político completamente autoritário em que

a busca por qualquer tipo de renovação ideopolítica representaria riscos à ordem estatuída

pelo capital monopolista e mantida por um regime militar que tinha o ―terrorismo como lei do

estado autocrático-burguês‖ (RAGO FILHO, 2004, p. 11).

É nesse sentido que se expõe que a autocracia burguesa (PAULO NETTO, 1991)

anulou as formas democráticas emergentes no país, naquele momento histórico. As formas e

forças democratizantes foram surpreendidas, em abril de 1964, pelo golpe militar, o qual

obscureceu as lutas e movimentos sociais do país por mais de duas décadas. Porém,

contraditoriamente, as massas se organizam vagarosamente, embaladas pela perspectiva

negadora de tal situação política, econômica, social e pela decadência ideológica, fazendo

com que o endurecimento do regime se tornasse um vetor das forças populares, artísticas,

21

intelectuais, sociais e culturais na busca pela superação do conceito antidemocrático presente

no militarismo. Estes elementos inscrevem-se nas agendas das lutas sociais como força

motriz, mas seu enfrentamento é constituído pelo uso da força, da arbitrariedade patrocinada

pelo terrorismo de Estado (RAGO FILHO, 2004).

Assim, a formulação ética do Código de 1965, durante a ditadura militar, ainda

reproduz a lógica fundada no humanismo cristão. Contudo, avança em pontos importantes, ao

indicar que o Serviço Social adquire uma dimensão científica e técnica (BARROCO, 2005).

Além disso, ainda não é suficiente para responder por todo o contexto que a profissão e a

sociedade vivenciavam naquele momento histórico.

Por isso, afirma-se que a reformulação e a aprovação do Código de 1965 não o

distinguem muito do anterior, uma vez que seu artigo 9º, do Capítulo II, que trata dos deveres

fundamentais dos assistentes sociais, remete à ―correção dos desníveis sociais‖ e indica que as

ações profissionais deveriam se dar dentro de princípios fraternos, prestando serviços aos

chamados ―clientes‖. Destaca-se, ainda, que tais ações eram baseadas em um ―espírito‖ de

solidariedade, caracterizado pela harmonia entre as classes sociais, depositando no assistente

social o papel de pacificador do conflito da relação entre capital e trabalho.

O Código de Ética de 1965 trouxe pouca ou nenhuma modificação substancial para a

profissão. Permanecem a fundamentação neotomista, os pressupostos funcionalistas e a

―neutralidade política‖ que caracterizam a ética tradicional. No entanto, introduz elementos de

uma visão liberal burguesa que serão excluídos da reformulação de 1975: a valorização do

pluralismo profissional e da autonomia profissional, tratada como profissão liberal.

Apesar dessas modificações, as ações profissionais ainda eram concebidas a partir dos

postulados éticos tradicionais fundados no neotomismo e referidos de modo abstrato ao ―bem

comum‖ e à ―pessoa humana‖. Com suas mudanças frente ao Código de 1947, o de 1965 se

insere na perspectiva que Paulo Netto designou como ―modernização conservadora‖, presente

nos documentos de Araxá e Teresópolis.

O Código de 1975 é um grande retrocesso frente aos tímidos avanços verificados em

1965, configurando-se como o mais conservador de todos os códigos de ética do serviço

social brasileiro. Elaborado durante a ditadura, elimina os deveres relativos ao respeito ao

pluralismo e à autonomia profissional, submetendo a ética e o trabalho profissional ao Estado

ditatorial, expressando a ―reatualização do conservadorismo‖ (PAULO NETTO, 1991) na

profissão, nos anos 1970.

22

Como produto histórico, [o Código de 1975] já não expressa a tendência modernizadora evidenciada tanto no Código anterior (1965) como em Araxá ou Teresópolis, o que se confirma

na consideração de Netto. Segundo ele, a perspectiva modernizadora perde sua hegemonia, no

plano ideal, a partir de meados dos anos 70, quando emergem duas tendências que com ela se

antagonizavam: a vertente de reatualização do conservadorismo e a intenção de ruptura (BARROCO, 2005, p. 130).

No contexto que assinala a crise da ditadura e o início do processo de

redemocratização da sociedade brasileira entre final dos anos 1970 e a década de 1980,

observa-se o avanço da profissão no campo da produção de conhecimento, a incorporação da

reflexão crítica oriunda das apropriações do pensamento marxista e da aproximação com os

movimentos de massa dos trabalhadores que se reorganizam nesse processo. Os

questionamentos oriundos do movimento latino-americano de reconceituação e o processo de

renovação da profissão, determinada desde os anos 1960 (PAULO NETTO, 1991), ganham

novas configurações e possibilidades nesse contexto. A organização política da categoria,

tendo como marco o Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais de 1979, evidencia a

construção de um projeto profissional de ruptura com o conservadorismo que irá se adensar

daí para frente.

Assim, é no processo de efervescência social, econômica e política, verificado a partir

do enfraquecimento da ditadura, da explosão da crise capitalista de produção e da inserção

dos sujeitos políticos na cena da luta de classes, que inúmeros assistentes sociais questionam-

se sobre o verdadeiro sentido social da profissão e igualmente sua direção social e o

significado da profissão na divisão sócio-técnica do trabalho, possibilitando apreender o

homem como sujeito de suas ações, considerando-o em sua totalidade, o que requer nova

reformulação no Código de Ética da profissão.

Vale ressaltar que os fundamentos da profissão não podem, em momento algum, ser

analisados por meio de reflexões pragmáticas, esvaziadas de conteúdo crítico, bem como não

é possível desconsiderar todos os acontecimentos macrossocietários ocorridos na órbita do

grande capital, associado à presença de um Estado cartorial e, naquele determinado momento

histórico, a um Estado autocrático burguês (RAGO FILHO, 2004). As análises não apenas são

dadas pela reflexão, mas, principalmente, direcionam nossa crítica para compreender e situar

o Serviço Social no centro deste influxo, fundado em uma complexa relação de interesses,

dentre os quais a necessidade da profissão em romper com o traço conservador e assumir seu

compromisso com a classe trabalhadora.

A década de 1970 ficou marcada, no seu início, pelos anos de ouro do capitalismo,

seguidos pela crise estrutural a partir de 1973. Tal crise advém da explosão de ajustes

23

econômicos e sociais e do endurecimento das ditaduras latino-americanas, que solaparam os

trabalhadores associados, jogando-os no centro do furacão.

Assim, as explicações da grave crise dos anos 1970 têm sua gênese nos ―anos

dourados‖ ou ―gloriosos 30 anos‖ (PAULO NETTO; BRAZ, 2007), iniciados na passagem da

década de 1930 para a de 1940. Trata-se do período marcado pelo modelo fordista-taylorista,

de produções rígidas e em massa. Tal modelo encontra-se em processo de esgotamento desde

os anos 1960, principalmente por não sustentar mais os novos padrões de organização do

trabalho, decaindo sistematicamente na contabilidade dos lucros do grande monopólio.

Consequentemente, como forma de superação da crise, buscam-se novas formas de trabalho e

lucro.

[...] a crise da produção padronizada e da relação fordista de altos salários baseados na pujança da

demanda em relação à oferta acabou conduzindo ao conceito de flexibilização, bem como de uma

produção organizada sob novas premissas: surgiram as abordagens que preconizam a substituição do trabalho parcelado e da linha de montagem pelas ilhas de produção, grupos semiautônomos e

malhas de produção, nas quais os mecanismos automáticos reduzem a intervenção do trabalho

vivo ao mínimo possível (PAGOTTO, 1996, p. 60).

Como resultado, o capital redefine suas estratégias de produção e reprodução material

e da vida social, dando início a um processo que rebaterá, mais particularmente na entrada dos

anos 1990, mas que, mesmo assim, a partir da década de 1970, já faz sentir seus efeitos

deletérios: este momento constitui-se na flexibilização da esfera produtiva, com

consequências danosas ao trabalho e aos trabalhadores.

A crise dos anos 1970 situa-se no movimento macroestrutural do grande capital,

situado em processos cíclicos permanentes, dada a complexidade da sua necessidade de

reestruturação produtiva. Dentre estas crises, podemos situar aqui a crise da alta do petróleo

deflagrada em 1973/74,2 que, ―após um longo período de acumulação de capitais, que ocorreu

durante o apogeu do fordismo e da fase keynesiana, o capitalismo [...] começou a dar sinais de

um quadro crítico‖ (ANTUNES, 2003a, p. 30). A crise originária do próprio mecanismo de

acumulação capitalista, fundada no ideário fordista-keynesiano, demonstrou que tal modelo

não suportou o processo inflacionário, seguido de profunda estagnação fiscal, tendo como

parâmetro a explosão dos gastos públicos (HARVEY apud SILVA, 2010).

2 ―A profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do petróleo, evidentemente retirou o mundo capitalista

do sufocado torpor da ‗estagflação‘ (estagnação da produção de bens e alta inflação de preços) e pôs em

movimento um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista. Em consequência, as décadas de

70 e 80 foram um conturbado período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político‖ (HARVEY apud SILVA, 2010, p. 75).

24

Atribuída a uma crise do próprio capital, o prenúncio dos liberais já demonstrava e

acusava o Estado como culpado pelo processo de desregulação acentuada e,

consequentemente, responsável pela crise capitalista. Gomes (2006, p. 12) observa:

Diante da grave crise econômica dos anos 1970, onde a estagnação e a inflação se agravavam, as

correntes liberais passaram a acusar o Estado como o grande vilão da Depressão. Em síntese, a tese dos conservadores era de que a crise do Welfare State levava à crise econômica. Insurge,

novamente, a crença de que os mercados, funcionando livremente, com participação estatal

resumida à garantia da ordem (assegurar a propriedade privada) e da justiça (aplicar sanções e

punir os que desrespeitassem a ordem burguesa), proporcionariam o ótimo paretiano.

Com a acentuação da crise, as justificativas em torno da satanização do Estado como

produtor da crise e do Welfare State como seu fio condutor provocaram a reação dos

defensores do ideário liberal, lançando as bases para o fortalecimento de um Estado retraído

das suas funções, proclamando a necessidade de um ―Estado mínimo‖.

Nessa nova configuração do Estado, ―o que pretendem os monopólios e seus

representantes nada mais é que um Estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital‖

(PAULO NETTO; BRAZ, 2006, p. 227). Fica, então, caracterizada a tendência de atribuir ao

Estado uma função secundária ou até mesmo terciária na vida social, transformando-o em um

cartório de interesses particulares do grande capital, dentre as quais o atendimento de

necessidades mínimas da classe antagônica a ele. Nas palavras de Ianni (1982, p. 39), ―Estado

não é apenas e exclusivamente um órgão da classe dominante; responde também aos

movimentos do conjunto da sociedade e das outras classes sociais, segundo, é óbvio, as

determinações das relações capitalistas‖. Por outro lado,

[A] necessidade de uma nova modalidade de intervenção do Estado decorre primariamente, como

aludimos, da demanda que o capitalismo monopolista tem de um vetor extraeconômico para

assegurar seus objetivos estritamente econômicos. O eixo da intervenção estatal na idade do monopólio é direcionado para garantir os superlucros dos monopólios — e, para tanto, como

poder político e econômico, o Estado desempenha uma multiplicidade de funções (PAULO

NETTO, 2005, p. 25).

As bases ideológicas, políticas e econômicas do ideário neoliberal já estavam inscritas

no cenário mundial como processo gradual, porém irreversível, de caráter socialmente

determinado, como evidente justificativa do enfraquecimento das bases do Estado de Bem-

Estar Social dos países centrais, acentuando a lógica do mercado, a perniciosa redução de

impostos aos altos investimentos, a elevação dos juros, a anistia aos controles regulatórios de

emissão de grandes fluxos financeiros.

Associa-se a este processo a implosão do trabalho e emprego, com a criação acentuada

de força de trabalho excedente (via exército industrial de reserva); com a edição de

25

legislações que buscavam banir os sindicatos da arena das lutas gerais dos trabalhadores; com

a degradação dos direitos sociais duramente conquistados pelos trabalhadores e pelos

sindicatos; e com a cruel explosão do processo de privatização, transformando o patrimônio

público em uma mercadoria altamente negociável e rentável aos olhos do grande capital, ao

transferi-lo para a iniciativa privada sem nenhum escrúpulo. Tudo isso patrocinado pela lógica

de que o Estado é uma instituição obsoleta e ineficiente.

Estes eventos iniciam-se ainda na década de 1970, principalmente com a subida ao

poder da première inglesa Margareth Thatcher em 1979. Deste modo, a Inglaterra torna-se

legatária da onda neoliberal, seguido por países centrais, como Estados Unidos, Alemanha e

Dinamarca, dentre outros (ANDERSON, 1995).

A receita do ideário liberal inglês ganha espaço na evidente necessidade de suprimir o

Estado, de desregulamentar direitos, na perspectiva de aprofundamento dos níveis de

produção e consequentemente das formas de consumo, por meio de alternativas globalizadas e

do acirramento das condições objetivas e subjetivas de vida da classe trabalhadora. A receita

burguesa inglesa tem como parceiro os Estados Unidos, o que é evidenciado após a ascensão

ao poder de Reagan (1980), na condução de uma via dupla de ataque: a Guerra Fria

deflagrada contra o bloco soviético (guerra contra o comunismo), na corrida armamentista e

na visualização da América Latina como potencial parque industrial, cuja capacidade de

produção/consumo, naquele momento, estava em níveis aquém dos necessários à reprodução

sociometabólica do capital (MÉSZÁROS, 2006).

As bases para a retomada do conceito ―América para os americanos‖ assumia nova

roupagem, agora patrocinada pela onda neoliberal, promovendo um processo de

reindustrialização da América Latina, com evidente intencionalidade de implantar

definitivamente a indústria americana e dos países centrais nos países ao sul, fortalecendo os

laços de dependência econômica e financeira, bem como a dependência ideológica a

hegemonia norte-americana, principalmente (ANDERSON, 1995).

Apesar da poderosa máquina ideológica patrocinada pela lógica americana, inglesa,

alemã e dinamarquesa, alguns países europeus centram-se em um influxo desta contagiante

onda neoliberal, evidenciando, com a eleição de políticos oriundos da esquerda (Mitterrand,

na França; González, na Espanha; Soares, em Portugal; Craxi, na Itália; Papandreu, na

Grécia), que, na contramão do ideário posto, caminham na direção do fortalecimento do pleno

emprego, do processo de deflação e na redistribuição da riqueza socialmente produzida.

Assim, os países do sul europeu ―se apresentavam como uma alternativa progressista, baseada

em movimentos operários ou populares, contrastando com a linha reacionária dos governos de

26

Reagan, Thatcher, Khol e outros do norte da Europa‖ (ANDERSON, 1995, p. 13). Porém, a

resistência foi sendo minada aos poucos, e em pouco tempo a ―esquerda‖ alinhava-se ao

modelo dos países do Norte.

Estes acontecimentos necessitam de uma breve compreensão pelo fato de que,

concebidos na totalidade da vida social, tiveram rebatimentos expressivos nos países da

América do Sul e, particularmente, no Serviço Social desses países, que passaram a expressar

um claro (re)posicionamento político, profissional e acadêmico.

Assim, a efervescência da reorganização da órbita do grande capital em esfera global

possibilita que a profissão se explique e se situe neste cenário com determinações incidentes

decisivamente nos rumos ideológicos, profissionais e, principalmente, de ordem política. É

nesse sentido que se entende que algumas bases externas são fatores determinantes para a

―virada‖ do Serviço Social.

1.1 A organização político-científica da profissão: notas histórico-metodológicas

O traço conservador, de natureza positivista, presente no Serviço Social cunhou, com

muita particularidade, a identidade profissional do assistente social, bem como marcou a

formação acadêmica, o trabalho profissional e a formulação dos seus fundamentos éticos.

Características destes elementos conservadores podem ser observadas na organização do I

Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) ocorrido em 1947, com clara sequência

de continuísmo no Congresso de 1961.

Sistematizaremos, neste item, alguns elementos destes dois eventos científicos e

políticos do Serviço Social, além de apresentar, de maneira sucinta, as protoformas da

organização coletiva da profissão. Estas reflexões possibilitam a compreensão dos

rebatimentos da presença conservadora em todos os aspectos da profissão, dentre os quais sua

organização político-científica.

Faz-se necessário compreender que foi a ocorrência dos I e II CBAS a partir das bases

que engendrou a profissão. Em seu percurso sócio-histórico, em que pesem diversos

elementos constitutivos, destaca-se a presença da organização econômica capitalista, que

mesmo tardia, impingiu consequências à sociedade. Esta organização pode ser observada a

partir da inscrição do Brasil na órbita do capitalismo central e no interesse do Estado em

adotar o modelo de desenvolvimento econômico, com características americanizadas. Assim,

esta presença ideopolítica e econômica

27

[...] alcançou inúmeros segmentos da vida latino-americana. A América do Norte passou a ser o novo ―empório‖ de ideias, a nova referência de modelos e ações, inclusive no sistema de bem-

estar-social. Este fato, inevitavelmente, atingiu também o Serviço Social brasileiro, que buscou,

no correlato norte-americano, desde o suporte filosófico, as teorias do conhecimento que dessem

conta, principalmente, de responder as necessidades, até um suporte teórico-científico e técnico para a prática profissional (ANDRADE, 2008, p. 8).

Estes elementos se configuram na clara intencionalidade do fortalecimento do

modelo americano de formação e trabalho profissional do Serviço Social, como forma de

consolidar a presença do poder econômico central na condução de todas as esferas da vida

social, política, econômica, cultural e intelectual dos países latino-americanos, dentre os quais

o Brasil. A ideologia de americanização da vida social nos países periféricos vai se constituir

em diversos aspectos, dentre os quais sua presença no Serviço Social brasileiro, sendo que

este processo encontra ressonância no meio acadêmico, a partir da concessão de bolsas de

estudos às assistentes sociais, sendo seu marco de referência estabelecido no Congresso

Interamericano de Serviço Social, no ano de 1941, acentuando o traço de dependência

intelectual da profissão aos modelos conservadores, de caráter psicologizante do Serviço

Social norte-americano.

Seguindo o percurso de reorientação do Serviço Social brasileiro, pautado no modelo

americano de formação e trabalho profissional, é criada a Associação Brasileira de Ensino em

Serviço Social (Abess), a partir das indicações no I Congresso Pan-Americano de Serviço

Social, ocorrido em 1945, no Chile, com o objetivo de promover uma interlocução entre o

Serviço Social nos países latino-americanos. A criação da Abess se justificava ―com a

finalidade de congregar as Escolas de Serviço Social, promover um intercâmbio entre elas,

garantir um padrão mínimo de ensino e representar os interesses coletivos das escolas‖.

(ANDRADE, 2008, p. 19).

Além da reflexão sobre a necessidade de instituições representativas no âmbito

científico, emerge a Associação Brasileira de Assistentes Sociais (Abas), órgão representativo

do Serviço Social, instituição esta que vai, em setembro de 1947, editar a primeira formulação

ética da profissão. Este conjunto de elementos constitutivos da profissão caminhou

paralelamente a interesses socialmente determinados, tendo em vista o seu fundamento

teórico, de concepção conservadora e estritamente positivista-funcionalista. É nesta direção

que a profissão busca sua legitimação dentro do conceito jurídico, evidenciado pela clara

necessidade de regulamentação da profissão pela esfera estatal.

Atravessado por diversas particularidades, partindo da totalidade da vida social, o

Brasil sedia, em 1949, o II Congresso Pan-Americano de Serviço Social, em que o temário

28

central era o ―Serviço Social e a Família‖ (ANDRADE, 2008), demonstrando seu fundamento

de cunho moralizador, com clara orientação controladora, tendo na figura institucional da

família os germes da sociedade saudável, seguindo assim, as normatizações burguesas e

positivistas daquele determinado momento histórico da sociedade e da profissão. No Pan-

Americano de 1949, afirma-se a concepção do Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade,

além da incorporação da psicologia, sendo estas concepções originárias do modelo americano

de formação trabalho profissional. (ORTIZ; GUERRA, 2009). Fortalece-se, então, a

concepção do pan-americanismo monroísta, com clara ascendência ideológica americana.

Seguindo a métrica imposta e fundada na necessidade de articulação e diálogo (sem

deixar de ressaltar o claro alinhamento do Serviço Social latino-americano), ocorre, em 1961,

o II CBAS, tendo como tema central ―Desenvolvimento Nacional para o Bem-Estar Social‖

(IAMAMOTO; CARVALHO, 2000). Evidencia-se o alinhamento a partir do modelo

desenvolvimentista de JK (1956/1961), fundado no franco desenvolvimento das forças

produtivas, na inserção do trabalhador brasileiro na esfera do consumo, intermediado e

mistificado pelo conceito do Welfare State ―à brasileira‖. A concepção de Estado de Bem-

Estar Social funda-se, segundo Gomes (2006, p. 203), na compreensão de

[...] um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir certa ―harmonia‖ entre o avanço das forças de mercado e uma

relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança

aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que

possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente.

Deste modo, a finalidade do Welfare State consistia na acomodação da conflituosa

relação calcada entre o aprofundamento do desenvolvimento das forças e formas produtivas

do capital, associado ao atendimento das necessidades materiais da classe trabalhadora, como

forma de elevar as condições de vida, numa clara justificativa de harmonização entre o

desenvolvimento das forças produtivas do capital e as necessidades básicas da classe operária,

consequentemente.

Nesta complexa trama ideológica, política e econômica de reprodução da vida social, o

Serviço Social se inscreve na cena, pelas particularidades que lhe conferem o pesado status de

uma profissão a serviço do grande capital, do Estado e da elite burguesa, na condução do

amortecimento dos conflitos advindos das relações sociais de produção capitalistas.

Assim, o Congresso Brasileiro de Serviço Social de 1961 tem a clara intenção de

capacitar os assistentes sociais para a participação na XI Conferência Mundial de Serviço

Social, que seria realizada em 1962, no Brasil. A ocorrência destes dois últimos eventos

29

indica a necessidade de ―uma nítida interlocução do Serviço Social brasileiro com os

processos de caráter macroscópico ocorridos no país e na América Latina e a franca

necessidade de responder e se articular a estes‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 124).

Observa-se que os eventos político-científicos da profissão na quadra histórica

apresentada denotam a direção intelectual, política e científica do Serviço Social definida pela

lógica burguesa imperialista norte-americana e fundamentada nas correntes conservadoras e

positivistas das ciências, que oferecem e reforçam as matrizes conservadoras da/na profissão.

Relacionada aos marcos da direção político-científica da profissão, podemos destacar,

apoiados na literatura, que a ruptura significativa com os tradicionais congressos é observada

apenas no ano de 1979, na emergência das forças da vanguarda do Serviço Social, no III

CBAS, mais conhecido como ―Congresso da Virada‖.

1.2 O significado da “Virada” do Serviço Social

Para entender as forças que particularizaram a ―Virada‖ do Serviço Social, faz-se

necessário entender o cenário que se desvelava nos fins da década de 1970, identificando os

elementos macroestruturais que emergem sob a égide do capital. Assim, só é possível refletir

sobre este acontecimento singular da profissão ―do ponto de vista da totalidade [que]

considera que sua possibilidade foi resultado de determinações internas e externas ao Serviço

Social‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 125).

A ruptura mais significativa em relação à ética, ao conservadorismo teórico, com

rebatimentos no exercício profissional e nos seus valores, será sentida mais claramente no

início da segunda metade dos anos 1980, com o Código de 1986. Porém, ressalte-se que, antes

desta ruptura, outro acontecimento engendrara e definira novos papéis e sujeitos no processo

de ruptura, como a ocorrência do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais de 1979 (III

CBAS), conhecido como o ―Congresso da Virada‖ (ABRAMIDES, 2006).

Conceber e entender a importância do ―Congresso da Virada‖ leva-nos à reflexão do

que este Congresso representou (e representa) para o coletivo profissional e para a sociedade,

no marco da sociabilidade burguesa, do seu lugar no centro de um influxo conservador

determinado por fatores internos e externos (GUERRA; ORTIZ, 2009), pressupondo alguns

elementos essenciais para o debate.

O cenário mundial, entendido como totalidade da vida social operada pela lógica

capitalista deflagrada nos países centrais (Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo) no final

30

da década de 1970, marca profundamente as particularidades do Serviço Social latino-

americano. Para a América Latina, os influxos das determinações monetárias, ideológicas,

culturais e militares provocam marcas indeléveis aos trabalhadores e aos direitos sociais.

Contraditoriamente, observa-se, também, maior mobilização da classe trabalhadora.

[...] pelo dinamismo e expansão do capitalismo, a classe operária se desenvolve e amadurece do ponto de visa da sua consciência de classe e de sua organicidade. A revolução cubana (1959), as

novas lutas de classe na Guatemala (1960), a influência dos movimentos desencadeados no maio

francês de 1968, o Cordobazo argentino (1969), a unidade popular do Chile (1970-1973), a

grande mobilização social que levou a vitória da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) em 1979; a recuperação de parte da soberania do Canal do Panamá (1977) pelos Tratados

Torrijos-Carter, a guerra de libertação em El Salvador (1980-1992), são marcos que confirmam

que ―em contato com essa realidade, as classes vão forjando sua consciência política, que,

portanto, não surge por geração espontânea‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 125).

É notório que todo movimento operado pela lógica do modo de produção capitalista,

tipicamente norte-americano, não pode ser observado apenas por suas determinações

estruturais. Para sua reflexão, faz-se necessário apontar a contradição deste movimento,

operado pelas fileiras revolucionárias latino-americanas, que desempenharam um papel

decisivo na correlação de forças no cenário macroestrutural, evidenciado pelo

amadurecimento político dos movimentos situados à esquerda, como uma expressão da luta

de classes, da defesa das particularidades latino-americanas, além da luta contra as ditaduras

sangrentas patrocinadas pela lógica capitalista.

Neste cenário, o desenvolvimento das forças do Movimento de Reconceituação do

Serviço Social latino-americana ganha força, apesar dos ataques sofridos constantemente,

fundando na profissão a adesão e o alinhamento de correntes do movimento à luta geral dos

trabalhadores, a aproximação aos movimentos sociais opositores dos regimes autocráticos,

além do claro posicionamento em defesa de uma nova sociabilidade.

As particularidades do Brasil inserem-se na mesma direção social desses movimentos

opositores, que eram definidos pela autocracia como perigosos à democracia e à ordem. Tais

movimentos foram fortalecidos principalmente com a emergência do movimento operário,

legatário da resistência ao regime autocrático, aqui entendido em sua totalidade.

Na dimensão profissional do Serviço Social, dada sua histórica adesão ou acriticidade

em face da lógica do capital, merece destaque o marco que assinalou a construção de um

projeto contra-hegemônico a essa perspectiva histórica: III CBAS, mais conhecido como o

―Congresso da Virada‖. Esse projeto, de caráter inovador, foi calcado em elementos

supressores da sociabilidade do capital, na construção da emancipação humana e social.

31

A ―Virada‖ do CBAS pode ser considerada como resultante de todo o movimento

político e ideológico do Serviço Social brasileiro que estava profundamente alinhado ao

movimento da sociedade na contracorrente da ditadura e à situação político-econômica e às

condições precárias postas aos trabalhadores. Desse movimento, podem ser considerados

elementos que, associados a um gradual reposicionamento da profissão frente à sociedade,

dinamizaram o processo de busca pela ruptura com a direção conservadora que ainda se

mantinha no poder das entidades profissionais, refletindo, ainda, a característica marcante do

conservantismo profissional.

A efervescência política da transição dos anos 1970 para os anos 1980 define,

portanto, as bases de sustentação do projeto ético-político (PEP), pois é na ambiência da

construção de uma nova sociedade, que

[...] desenvolve-se amplo processo de mobilização das classes trabalhadoras no país, tendo no

―novo sindicalismo e na classe operária do ABC paulista seu protagonismo‖, e que vem a expandir-se pelos setores assalariados em geral que se mobilizam e se organizam em um contexto

social de grande e vigorosa efervescência política a partir dos interesses das massas trabalhadoras

(ABRAMIDES, 2006, p. 79).

Não se pode analisar a ―Virada‖ sem compreender o movimento operado pelos

trabalhadores, pelos movimentos sociais organizados, pela luta da profissão na direção de um

novo ordenamento societário, além da busca do Serviço Social pelo fortalecimento da sua

direção social definida nas/pelas mesmas bases dos trabalhadores.

Neste processo, é inconteste a participação de assistentes sociais sindicalistas,

baseadas na direção de apoio às lutas populares, tendo como eixo central as políticas públicas

como elementos necessários à construção de uma sociedade mais justa. Esta vinculação tem

conotações com a luta pela construção de uma nova sociedade, para além da constituição

destas políticas públicas e serviços sociais na esfera dos direitos sociais, associando ao fato de

que, tradicionalmente, estas políticas constituírem-se em espaços sócio-ocupacionais dos

assistentes sociais (ABRAMIDES, 2006).

Nesse processo de definição de uma nova direção sócio-política do Serviço Social,

destacam-se alguns elementos que contribuíram para a ruptura com o conservadorismo

profissional: a efervescência sócio-política profundamente caracterizada pelo processo de

erosão da ditadura; o arrocho salarial imposto aos trabalhadores por meio de ajustes

econômicos perversos, com vistas a atender os ditames da política imperialista americana,

nova organização sindical brasileira e o reposicionamento dos movimentos sociais na cena.

Mediado pelos primeiros contatos com o pensamento crítico haurido da teoria de Marx e

32

potencializado pelo momento político do final da década de 1970, o ―Congresso da Virada‖

tem suas bases de ruptura com vertentes conservadoras mais delineadas.

O Congresso de 1979 representa um marco nesta ―virada‖ do conteúdo ideopolítico

presente na profissão desde sua institucionalização. Isso porque o coletivo profissional se vê

na condição de agentes vetores da negação da presença de agentes estatais no evento, os quais

se situavam na contramão: (1) da participação popular, bem como do questionamento da

organização do congresso pelo seu profundo enraizamento na vertente conservadora; (2) da

histórica busca pela reativação do movimento sindical da profissão e do papel político do

movimento estudantil; e (3) da ―opção pelo claro compromisso com as lutas dos trabalhadores

e pelo reconhecimento de sua missão histórica e revolucionária‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p.

124).

Na passagem dos anos 1970 para os anos 1980, a profissão alcança uma maturidade

teórica, com profunda articulação prática e política, evidenciada pela busca de um projeto

coletivo, que redesenhou a categoria e sua consciência de classe no seio da profissão, na

divisão social do trabalho e claro, nas relações sociais de produção. Ou seja, buscou-se a

redefinição do lugar do Serviço Social enquanto profissão dentro da cena contemporânea, ou

no contexto da realidade concreta. Esta construção coletiva de um projeto igualmente coletivo

representou, naquele momento, a pavimentação dos compromissos da profissão com a classe

trabalhadora e o claro entendimento do Serviço Social como uma profissão assalariada.

Assim, o processo de produção (capitalista) é elemento fundante e igualmente

determinante na formação da consciência de classe, sendo que à medida que o processo de

(re)produção se posiciona como elemento central ou como causa ou como ação, a consciência

se põe como resposta ou reação a esse processo ou a uma situação típica dele.

Para Marx e Engels, a concepção de luta entre classes antagônicas (capital versus

trabalho) é entendida como um processo transitório, e a sua superação está condicionada à

própria superação da sociedade de classes, sociedade esta patrocinada pelas relações sociais

de produção do grande capital. Isso porque a condição de classes não pode ser concebida

como um ―elemento eterno e natural da sociabilidade‖ (PAULO NETTO, 2004, p. 65).

Segundo Marx e Engels, os trabalhadores organizados (classe) são concebidos como

sujeitos revolucionários. Paulo Netto, fundado nos pensadores alemães, destaca que

[...] não bastava a existência histórico-concreta de uma classe social revolucionária para que

emergisse uma consciência de classe revolucionária — era preciso a elaboração teórica da perspectiva desta classe, e esse passo não derivava, nem era uma simples resultante, daquela

existência (PAULO NETTO, 2004, p. 63).

33

Ainda para Paulo Netto, a classe é considerada como resultante particularmente teórica

que objetiva superar o conceito fundado na imediaticidade de questionamentos políticos sobre

determinada conjuntura histórica (―classe em si‖), sendo esta

[...] constituída pela população, cuja condição social corresponde com determinado lugar e papel

no processo produtivo, e que, independentemente de sua consciência e/ou organização para luta na defesa dos seus interesses, caracterize uma unidade de interesses comuns em oposição aos de

outras (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010, p. 97).

Neste sentido, a conquista dos trabalhadores, enquanto potenciais sujeitos

revolucionários, não pode ter como medida a conquista da redução da jornada de trabalho ou

de melhorias salariais apenas, mas a efetiva organização de caráter coletivo, tendo como

horizonte as possibilidades para a construção de uma nova sociedade sem classes, o que

pressupõe uma sociedade livre do julgo do capital (―classe para si‖), classe esta que,

―consciente de seus interesses e inimigos, se organiza para a luta na defesa destes‖

(MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010, p. 97).

Uma classe oprimida é a condição vital de toda a sociedade fundada sobre o antagonismo de

classes. A libertação da classe oprimida implica, portanto, necessariamente a criação de uma

sociedade nova. Para que a classe oprimida possa se libertar, é preciso que as forças produtivas já adquiridas e as relações sociais existentes não possam mais existir umas ao lado das outras. De

todos os instrumentos de produção, a classe revolucionária é ela mesma a maior força produtiva.

A organização dos elementos revolucionários como classe supõe a existência de todas as forças

produtivas que puderam engendrar no seio da sociedade antiga (MARX, 1985, p. 159).

Em decorrência, no processo de construção da consciência de uma classe

potencialmente revolucionária, é indispensável a compreensão sobre a totalidade da vida

social, entendida a partir das determinações das relações sociais de produção (condições

objetivas e subjetivas) sob o patrocínio do capital, e o (re)conhecimento de uma condição de

―classe que se dispõe à luta‖. Deste modo, a perspectiva de classe é, pois, um ―constitutivo

ineliminável no projeto e no processo da revolução que se projeta para o comunismo [nova

sociedade sem divisão em classes]‖ (PAULO NETTO, 2004, p. 63).

Continuando nossas reflexões sobre consciência de classe, Mészáros (2006) situa-a a

partir do lugar da classe trabalhadora no contexto da sociabilidade burguesa e sua relação com

o capital. O autor afirma que a consciência de classe proletária é, pois, a consciência que o

trabalhador tem de sua existência social ancorada no antagonismo estrutural necessário (à

reprodução sociometabólica) à sociedade capitalista, o que contrasta com a contingência da

consciência de grupo que percebe só uma parte mais ou menos reduzida dessa configuração

global.

34

Deste modo, o desenvolvimento da consciência de classe somente pode ser

compreendido por meio da dialética, pelo fato de ser este um processo igualmente dialético.

É, nas palavras de Mészáros, uma

[...] inevitabilidade histórica precisamente enquanto a tarefa se realiza por uma necessária

mediação de um agente humano consciente de si mesmo. Isto, inevitavelmente, requer algum modo de organização. ―Dito de outro modo, o desenvolvimento ―espontâneo‖ e ―direto‖ da

consciência de classe proletária — seja sob o impacto das crises econômicas ou a consequência

de uma iluminação pessoal do indivíduo — é um sonho utópico‖ (MÉSZÁROS, 1973, p. 126).

O conceito de consciência de classe em Mészáros parte da compreensão de que a

consciência operária advém da sua situação de pertencimento, de vinculação, pelo fato de sua

condição de expropriado, de não deter os meios de produção necessários à sobrevivência.

É com esta clareza de condição de pertencimento, da condição de trabalhador

assalariado que o Serviço Social inicia, na década de 1980, a busca por um novo lugar neste

cenário. Ou seja, as bases de compromisso com a classe trabalhadora estavam em

efervescência, dados os acontecimentos operados naquele determinado momento histórico

que, sem dúvida, legou uma consciência mais crítica a profissão, além da reflexão enquanto

trabalhador coletivo, do seu lugar na construção de um sociedade diferente.

Este despertar de consciência tem suas bases no profundo papel político do Serviço

Social a partir daquele determinado momento histórico. Deste modo, o momento histórico do

―Congresso da Virada‖ não pode ser entendido apenas como resposta da organização coletiva

da profissão, pois se cola a este processo o próprio movimento da sociedade naquele

determinado momento, com a efervescência dos movimentos sociais na busca pela construção

de princípios democráticos que atendessem as legítimas necessidades da classe trabalhadora,

na luta pelo redirecionamento das ações do Estado na condução da política econômica que,

até 1979, mantinha o ideário do ―milagre econômico‖ como forma de sustentação do domínio

militar (econômico, social, político e ideológico).

Deste modo, mantinha o crescente endividamento externo do país, como forma de

sustentar o já insustentável boom do crescimento da economia nacional, porém os gestores do

capitalismo atrófico perderam o ―controle sobre a inflação, a dívida externa e o balanço de

pagamentos, fatores que acabaram gerando desemprego‖ (RODRIGUES, 2002, p. 102). Com

a crise do petróleo, que já se anunciara em um primeiro momento em 1973, a autocracia

burguesa tem seu milagre em processo de franca erosão.

A crise do petróleo e o arrefecimento econômico mundial vinham levantar o ―véu de euforia‖ que

o ―milagre‖ produzira, desnudando o caráter desequilibrado da fase anterior, que estivera

35

dissimulado — e também agravado — por uma conjuntura internacional extremamente favorável. A crise do ―milagre brasileiro‖ caracterizou-se por duas peculiaridades: foi uma crise de

endividamento e uma crise de fim do fôlego do Estado na manutenção do ritmo de crescimento

(MENDONÇA; FONTES, 2004, p. 54).

O terreno de lutas em que o Serviço Social insere-se a partir da ―Virada‖ de 1979

situa-se no contexto da condição contraditória posta pelo capital, pois a profissão, reconhecida

a partir de uma consciência coletiva na condição de trabalhadores assalariados e inseridos na

divisão social e técnica do trabalho, não estava imune ao projeto liberal que se aproximava. A

categoria profissional fazia parte desta coletividade, pois se situava na mesma arena

conflituosa da relação antagônica entre capital e trabalho, dada sua condição de profissão

assalariada.

A reflexão e o despertar de uma consciência crítica, de caráter coletivo da profissão

fica fortalecida por sua organização e seu alinhamento à causa operária, centrados no

paulatino fortalecimento do campo acadêmico-científico, com os cursos de graduação e os

programas de mestrado e doutorado.

Nos anos 1970, o espaço acadêmico oferecia inicial solidez com a graduação e a recente pós-

graduação em Serviço Social, o que proporcionava um caminho um pouco mais seguro para os questionamentos e o trabalho teórico-metodológico pretendido pelos protagonistas da perspectiva

da intenção de ruptura (LARA, 2009, p. 51).

Associado a elementos político-ideológicos, um aporte teórico-metodológico e um

claro direcionamento de organização profissional, por meio das associações profissionais e

sindicatos, os germes potencializadores da ruptura ressoam no III CBAS como resposta

teórico-política a todo o movimento conservador que ainda subjazia à profissão, inclusive nas

instâncias representativas. Este processo pode ser concebido por meio do ―amadurecimento da

vanguarda da categoria, que militando em outros movimentos sociais e sindicais, vai

acumulando forças e competência teórico-política para conformar uma nova direção

estratégica para a profissão‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 123).

A consciência de classe construída pela profissão põe em movimento a

intencionalidade de ruptura com todo o processo do evento, que mantinha estreitas ligações

com a autocracia burguesa (PAULO NETTO, 1991), observado até mesmo no seu temário,

que trazia com eixo central de debates o Serviço Social e a política social, cuja proposta de

discussão estava assentada na mesma direção do movimento posto pelo fracasso do ―milagre

econômico‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009).

O Congresso tem suas bases de organização científico-política duramente

questionadas pela vanguarda, pelo fato de manter a anulação do diálogo entre a organização e

36

os profissionais, pela inexpressiva participação dos estudantes no evento e pela participação

de agentes estatais, além do processo autoritário e antidemocrático.

Os questionamentos pautavam-se na crítica ao caráter monolítico do Congresso,

representante do ideário conservador presente no seio profissional, como resultado da

vinculação orgânica da organização do evento ao conservadorismo da ditadura evidentemente

claudicante, porém, reatualizada na constante retórica para incessante tentativa de manter-se

no poder. Deste modo, a vanguarda segue na direção da crítica à

[...] falta de construção democrática do evento e da postura antidemocrática adotada pelas

entidades da categoria, o questionamento sobre a ausência de profissionais nas mesas em detrimento do quantitativo de representantes das entidades governamentais e sobre a limitação do

número de estudantes participantes do mesmo (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 128).

Símbolo da ditadura militar, a anulação da participação popular, aqui entendida no

coletivo profissional, demonstra o direcionamento e a intencionalidade em sufocar o

movimento organizado e protagonizado por diversos atores (profissionais e sociedade) na

busca pela crítica, pela denúncia, pela liberdade, pela democracia. Assim, ―foi visível o

descontentamento de um segmento significativo de participantes no Congresso no que se

refere à proposta e à dinâmica adotada, que impedia os debates e a manifestação verbal dos

participantes‖ (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 128).

Faz-se necessário refletir que o ―Congresso da Virada‖ é um marco que aponta a nova

direção social da profissão no cenário em que se desenvolvem as forças produtivas do capital,

bem como em que os movimentos sociais fervilham na busca pela construção de uma

sociedade nova. Mas essa virada não é um momento factual da profissão, mas, sim, resultado

de um adensamento político que não finda com a década de 1970, pois as conquistas

alcançadas em 1979 terão seus desdobramentos nos anos 1980, associando elementos

essenciais para o amadurecimento de um projeto ético-político profissional e a vinculação a

uma nova direção social no cenário da divisão social e técnica do trabalho (PAULO NETTO,

1991).

O III CBAS teve a possibilidade de efetuar a reversão da hegemonia conservadora,

instalada em sua concepção e dinâmica, impulsionada pela ação dirigente e organizada das

entidades sindicais e pré-sindicais, coordenadas pela Coordenação Executiva Nacional de

Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (Ceneas), em uma ação coletiva unitária que

publicamente assume a direção sociopolítica da profissão (ABRAMIDES, 2006, p. 119). Esta

nova direção social da profissão seria o elemento necessário à consolidação do projeto

37

político-profissional na passagem da década de 1980 para a de 1990 e firma-se como um

marco nesta direção que se despontava.

O enfraquecimento da ditadura e a emergência dos movimentos reivindicatórios são

elementos decisivos neste processo; porém, na entrada dos anos 1980, os desafios aos

trabalhadores e à profissão serão sentidos com o endurecimento das relações sociais de

produção com o claro alinhamento do Brasil à lógica liberal dos países capitalistas centrais.

A década de 1980 reservou fecundas possibilidades de construção e reconstrução da

profissão, além do embate na contracorrente pela democracia e pela consolidação dos direitos

humanos, sociais, civis e políticos suprimidos por uma sequência de ditaduras. Somam-se ao

processo macrossocial as bases que dariam concretude ao projeto profissional do Serviço

Social. Quais elementos foram estes? Quais as novas-velhas lutas engendradas pelos

trabalhadores nos anos 1980 e suas relações com a profissão?

1.3 Os rebatimentos da “Virada” no Serviço Social nos anos 1980

O cenário mundial na entrada dos anos 1980 representa, no plano macrossocietário, os

reflexos das crises cíclicas do capital emergidas nos anos 1970, caracterizadas,

principalmente, pela crise enfrentada pelo capital em 1973 e que ofereceu os aportes

necessários para o reposicionamento do grande capital em escala global. Este processo é

característico do capital, dada a sua necessidade de reprodução sociometabólica

(MÉSZÁROS, 2006), a qual, sob determinações macroestruturais de caráter econômico,

mantém as bases de acumulação. Deste modo, operado sob a lógica de reordenamento, o

capital terá na acumulação flexível seu mote estruturante.

Para alguns pensadores, a acumulação flexível tem suas origens no esgotamento do

modelo de produção fordista/taylorista. Deste modo, vejamos que, para Harvey (2002, p.

140), a acumulação flexível

[...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade

dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de

fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente

intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional [...].

A acumulação flexível emerge como resposta à rigidez dos processos produtivos do

fordismo, fundada não apenas nas relações produtivistas, mas dada na esfera da vida social. A

38

acumulação flexível se constitui pela via da crise, evidenciando a necessidade de flexibilizar

os processos produtivos em sua totalidade, o que significa mudanças nos regimes de

contratações, no uso das tecnologias em substituição ao trabalho humano, na indicação da

lógica terceirizadora, dentre outras estratégias. Para Lara (2008, p. 257), este processo funda-

se na ―flexibilização das relações de trabalho, como os contratos temporários, parciais e

trabalhadores subcontratados‖. Para o autor, a acumulação flexível repercute ―sobremaneira,

para o crescimento do trabalho invisível (não regulamentado pelas leis trabalhistas) e,

principalmente, da manifestação do desemprego estrutural‖ (LARA, 2008, p. 257).

Este processo protagonizado em escala global mantém seu direcionamento para os

países subdesenvolvidos, como o Brasil, o que acirra a luta de classes e possibilita o

fortalecimento do novo sindicalismo no cenário da luta geral dos trabalhadores. Neste

contexto, temos o posicionamento do Serviço Social como especialização do trabalho coletivo

e na condição de profissão assalariada na divisão social e técnica do trabalho. Este

reconhecimento parte de uma dimensão mais ampla da inserção da profissão na (re)produção

da vida social, dada a partir das determinações presentes nas relações sociais de produção,

centrando-se, também, na aproximação a teoria social de Marx, pois esta não pode ser

concebida como ―um epifenômeno, ou uma aproximação casual, foi resultado de avanços

acumulados pela profissão em sua trajetória política, ocupacional e teórica na sociedade

brasileira‖ (LARA, 2009, p. 43-44).

Tal posicionamento teórico-crítico é evidenciado pela materialidade do trabalho

profissional que tem suas bases interventivas na ambiência das contradições da sociedade

capitalista. Na entrada dos anos 1980, o reconhecimento explícito do Serviço Social como

uma especialização do trabalho coletivo, fundado na condição de assalariamento, e seu

reposicionamento político-ideológico são fatores que podem ser considerado como agentes

dentre os diversos que colaboraram para o processo de alinhamento da profissão aos

movimentos reivindicatórios, são os originários do movimento sindical combativo. Trata-se

de uma questão teórico-política originada pela própria profissão numa postura de

enfrentamento às determinações do capital e do Estado na consolidação dos direitos

trabalhistas dos assistentes sociais. Deste modo,

[...] a condição de assalariamento da categoria profissional, partícipe do trabalho coletivo, e parte

da classe trabalhadora, assim reconhecida pela organização político-sindical dos assistentes

sociais, desencadeia, em 1983, a luta nacional por Condições de Trabalho, Salário e Carga Horária dos Assistentes Sociais consubstanciada no projeto de lei n. 4645/1984 (ABRAMIDES,

2006, p. 110).

39

Vinculado aos movimentos sociais organizados, particularmente ao movimento

operário, o Serviço Social busca a permanente construção da sua função social como

profissão, evidenciado também pela adesão à luta geral dos trabalhadores, além das lutas

próprias da profissão.

As lutas engendradas pelos trabalhadores e pela profissão ficaram marcadas nas

décadas de 1970 e 1980 pela presença do sindicalismo combativo no plano macrossocietário

que aglutinou as grandes greves do ABC paulista, por exemplo, e que mantinha uma pauta

reivindicatória originária das bases das massas trabalhadoras e que incluía: a recusa da

intervenção patronal-estatal junto aos sindicatos, a busca pela estabilidade do emprego, pelas

melhores condições de vida e de trabalho (ABRAMIDES, 2006).

A combatividade dos trabalhadores expressou, naquele momento, não somente a luta

pelo atendimento das necessidades reivindicadas pela própria classe, mas as necessidades

gerais da sociedade, tais como a recusa do processo de privatização das empresas estatais e a

luta ―contra as remessas de lucros, contra a ocupação de regiões e setores produtivos pelo

capital estrangeiro, [e a luta pela] organização e unificação das lutas das classes trabalhadoras,

incluídos os trabalhadores em serviço público‖ (ABRAMIDES, 2006, p. 65).

Todo este contexto de lutas foi tangenciado pelo processo de erosão da ditadura militar

que, enfraquecida, começa a dar sinais evidentes de que se encaminhava para uma ―transição

lenta, gradual e segura‖ (FERNANDES apud ABRAMIDES 2006 , p. 65), o que supunha um

processo com aparência democratizante e que na essência representava o fortalecimento do

―pacto pelo alto‖, com o objetivo de atender a elite dominante (ABRAMIDES, 2006 ). O

caminho para a democratização lograva seus êxitos, associado a permanente mobilização por

baixo, com vistas a dar visibilidade e atender as demandas postas pelos trabalhadores.

Nesta arena, as disputas engendradas pelos trabalhadores com o apoio do campo

sindical têm na questão político-partidária elementos que não se pode desconsiderar, pela

própria essência protagonizada pelos partidos de esquerda, principalmente a bandeira

empunhada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que na essência de sua fundação alinhava-se

às lutas das massas, na construção de uma sociedade diferente, de base comunista, mesmo não

sendo um partido essencialmente revolucionário (ABRAMIDES, 2006).

Não podemos deixar de situar importantes movimentos e sujeitos que emergem na

cena política e social do Brasil nos anos 1980, dentre eles o Movimento dos Trabalhadores

Sem-Terra (MST), protagonizando a luta pela reforma agrária, que já experimentava um

período de longo engavetamento na pauta política do país. Majoritariamente, o MST emerge

como marco na luta contra a agudização da posse da propriedade privada, símbolo do capital,

40

na direção de socializar a terra como forma de socializar a produção e a riqueza, por

conseguinte. Deste modo, o MST ―passa a organizar os trabalhadores do campo em ações

diretas por ocupações, assentamentos, na luta pela reforma agrária radical sob o controle dos

trabalhadores‖ (ABRAMIDES, 2006, p. 64).

A direção social dos movimentos sociais urbanos e rurais protagonizou a construção

de uma sociedade democrática, pautada na defesa das políticas sociais de habitação, saúde,

educação, assistência social, previdência, penitenciária, para mulheres, e pelos direitos das

crianças e adolescente, idosos e deficientes, dentre outras bandeiras sociais. A defesa destas

políticas no início da década de 1980 terá repercussões no processo de democratização do

país, e culminou nas pautas da campanha pelas eleições diretas, sem as restrições impostas

pelo colégio eleitoral — ―Diretas Já!‖ —, e, consequentemente, na Constituição Federal de

1988.

1.3.1 A revisão curricular de 1982: as protoformas de uma formação crítica para o assistente

social

No campo profissional, a entrada da década de 1980 marca um momento especial para

o processo de formação profissional, pois se observa o fortalecimento da construção de

marcos teóricos hauridos do pensamento marxista, o que contribui para a aproximação dos

trabalhadores do Serviço Social à tradição marxista.

A obra Relações sociais e Serviço Social: esboço de uma interpretação histórico-

metodológica, construída por Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho, inaugura esse momento

singular, pois intelectuais tecem reflexões sobre a dinâmica das relações sociais de produção,

que até então careciam de debates mais profundos a partir de sua essência. Esta formulação

teórica anterior à obra de Iamamoto e Carvalho inexistia entre os assistentes sociais,

prevalecendo ainda fundamentos teóricos positivistas, conservadores e uma análise marxista

superficial, que não desvelava a sociedade e o capitalismo em sua totalidade.

Importante salientar que a discussão da obra de Iamamoto e Carvalho colaborou para a

ruptura com a visão utilitarista e messiânica imposta pela sociedade à profissão e reforçada

pelos próprios assistentes sociais das bases conservadoras, seja pela historicidade, seja pelo

tradicional perfil conservador. Isso porque apontava discussões necessárias para a

compreensão crítica da emergência da profissão no cenário da sociabilidade capitalista. A

partir de então, passou-se à discussão do Serviço Social como especialização do trabalho

41

coletivo, inserido no contexto das contradições inerentes ao modo de produção capitalista em

seu processo de (re)produção.

A obra apresenta, também, a legitimação do trabalho profissional frente às políticas

sociais públicas, como resposta à questão social, produto das relações sociais de produção.

Enfim, traduz a leitura míope da profissão e da sociedade (sob a perspectiva profissional) para

uma visão de totalidade e crítica, enfatizando a influência e incidência dos determinantes

originários das relações sociais de produção capitalista.

Deste modo, Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho inauguram, no campo acadêmico

e intelectual, a superação das primeiras aproximações ao arcabouço teórico da teoria marxista,

recorrendo às fontes do próprio Marx. Tal posicionamento teórico evidencia paulatino

distanciamento de leituras distorcidas da teoria marxista por manualismos, que rebateram na

tão rechaçada adesão acrítica do Serviço Social a modelos explicativos das leis da dialética,

além de forte pragmatismo profissional. Relações sociais e Serviço Social:... avança no

sentido da ruptura, mas o ranço enviesado de outras leituras/interpretações e reflexões sobre a

teoria marxiana permaneceu nos primeiros anos da década de 1980.

Do ponto de vista macroeconômico, a década de 1980 é considerada, no Brasil, como

a ―década perdida‖, evidenciada pelo intenso processo de esfacelamento da economia e da

indústria nacional:

Crescimento medíocre, às vezes negativo, do PIB, inflação galopante (cujos índices fariam corar

os golpistas de 1964, acusadores da ―desordem econômica‖ de Goulart), queda na geração de

empregos foram alguns dos resultados de seguidos planos econômicos justificados pelo reiterativo descontrole da espiral inflacionária. Porém, pode-se afirmar, com os dados

disponíveis, que a suposta ―década perdida‖ da fala dos ―agentes do mercado‖ foi capaz de

apresentar mecanismos, através, principalmente, de muitos de seus agentes sociais, que serviram

de anteparo parcial, por algum tempo que tenha sido à avalanche neoliberal (FALCÃO, 2010, p. 272).

O contexto da grave crise econômica (reflexo da crise mundial) não somente provocou

mudanças no padrão de produção/acumulação das forças capitalistas, mas também provocou

rebatimentos expressivos no contexto do trabalho e dos trabalhadores, pois as crises cíclicas

da década perdida promoveram ainda mais o descaracterização material e imaterial do mundo

do trabalho (ANTUNES apud LARA, 2008).

Assim, a agudização da crise manifesta-se nas condições objetivas e subjetivas do

trabalhador, na direção de que a receita neoliberal estava determinada na conjuntura

macroestrutural, ao fortalecer o processo de mecanização do trabalho e promover constantes

42

ataques aos direitos duramente conquistados por meio da precarização das relações

trabalhistas, dentre outros fatores.

Já na esfera imaterial, a crise dos anos 1980 revela alguns mecanismos ideológicos do

capital na direção de desconstrução da ―subjetividade da classe trabalhadora, sua consciência

de classe, consciência de constituir-se como ser que vive do trabalho‖ (LARA, 2008, p. 138).

Esta destruição caminha em contraposição às vanguardas protagonizadas pelas massas

trabalhadoras, por meio dos sindicatos e associações combativas, que marcaram a batalha dos

trabalhadores nos anos 1980. A justificativa de flexibilização do trabalho funda-se em

argumentos a favor da superação da própria crise econômica e fiscal e, com isso, as bases

neoliberais se aprofundavam no cenário nacional.

A agitação política e econômica da década de 1980 não arrefeceu a vanguarda da

profissão, visto que, à medida que a crise capitalista se agudizava e, consequentemente, as

condições de vida e de trabalho das massas, a profissão acentuava seu processo (teórico-

político) de organização, aglutinando o debate dos trabalhadores, a necessidade de superação

daquele determinado momento histórico, a construção de uma sociabilidade antagônica àquela

posta pela ditadura militar, comandada pelo capitalismo central.

O cenário de lutas dessa referida década aponta a necessidade de rever as bases

conceituais de formação dos assistentes sociais, na direção de se constituir uma massa crítica

que assevere o compromisso profissional à nova direção social que irrompia na vida

profissional. Dessa forma, a formação de assistentes sociais críticos significou, naquele

momento, uma contribuição expressiva de renovação dos quadros intelectuais e políticos do

Serviço Social. Este momento foi proporcionado pela revisão curricular de 1982, como uma

tentativa de superar o ranço conservador no aspecto formativo do assistente social.

A partir do marco histórico do III CBAS, a profissão e sua esfera organizativo-

representativa (CFAS, Cras, Abess e Sessune) desempenharam papéis importantes no

redirecionamento da profissão, processo este calcado em tensões e distensões dentro do

próprio movimento profissional, dada a heterogeneidade de pensamento, de ideias e de

correntes teóricas presentes. Com relação à revisão da formação, a então Abess tem um papel

fundamental, pois sua nova direção sócio-política foi agente propulsor para a construção de

uma proposta de formação acadêmica consentânea aos novos tempos, tendo como eixo central

uma formação, capaz de fazer uma leitura crítica da sociedade.

A revisão da matriz de formação profissional do assistente social fornece novos

elementos que contribuem para a solidificação das bases teórico-metodológicas da crítica ao

modelo conservador de formação e trabalho profissional. Oferece, portanto, germes para a

43

reflexão sobre as relações sociais de produção (determinadas na totalidade do grande capital)

— particularmente, a compreensão da nova sociabilidade que despontava, a inserção do

assistente social na divisão social e técnica do trabalho, enquanto profissão assalariada, e o

compromisso político com a nova direção social da profissão. Deste modo,

tanto a formação profissional quanto o trabalho de Serviço Social, nos anos de 1980, se solidificaram, tornando possível, hoje, dar um salto qualitativo na análise sobre a profissão. A

relação do debate com esse longo trajeto é uma relação de continuidade e de ruptura. É uma

relação de continuidade, no sentido de manter as conquistas já obtidas, preservando-as; mas é,

também, uma relação de ruptura, em função das alterações históricas de monta que se verificam no presente, da necessidade de superação de impasses profissionais vividos e condensados em

reclamos da categoria profissional [...] (IAMAMOTO, 2000a, p. 51).

A revisão curricular de 1982 oferece elementos críticos para a reflexão do trabalho do

assistente social frente à generalização da questão social, sendo esta última manifestação

típica da sociedade capitalista (PAULO NETTO, 1991). No novo currículo, a questão social é,

então, entendida como resultado dos processos de produção e reprodução da vida social, que

se configuravam, a partir desse período, como reflexo de um capitalismo e uma política

econômica extremamente dependente, financiada pelo grande capital especulativo

internacional. Além disso, tal currículo também busca a reflexão dos elementos constitutivos

do papel da profissão nesse mundo social.

Assim, o currículo de 1982 resgata o conceito de historicidade da profissão e da

sociedade contemporânea para se pensar o contexto em que se operava a formação/trabalho

profissional. É também no documento de 1982 que a formação profissional afirma seu

direcionamento com nova sociabilidade, evidenciando, naquele momento, elementos

embrionários do projeto ético-político profissional.

Mesmo com significativos avanços, essa revisão curricular ainda mantém em seu bojo

traços do conservadorismo, com ―resquícios do Serviço Social tradicional‖ (ABRAMIDES,

2006), o que revela, ainda, concepções abstratas do homem, com pouca definição sobre o

conceito de participação popular junto aos processos decisórios, a conceituação do termo

―cliente‖, além da concepção tecnicista do agir profissional e a complexa e reatualizada

dicotomia entre teoria e prática (ABRAMIDES, 2006). Estes elementos são necessários para a

compreensão do processo contraditório vivenciado pela profissão, que, mesmo mantendo

proximidades com as vanguardas progressistas, propondo-se a compreender a luta posta pelo

capital e reconhecendo a necessidade de romper com o cristalizado conservadorismo, ainda

possui tensionamentos na revisão curricular de 1982.

44

A construção curricular do início da década de 1980 proporciona a aproximação da

profissão à produção de conhecimento científico, mesmo não possuindo status de ciência

(PAULO NETTO, 1991). Dessa forma, a profissão arrisca-se na interlocução com outras

áreas do conhecimento e inicia uma gradual construção científica, específica ao Serviço

Social, fomentada, principalmente, a partir da inscrição dos programas de mestrado e

doutorado na área. Na direção da revisão processada em 1982, a pesquisa tornou-se naquele

momento ―um recurso fundamental para a formulação de propostas de trabalho e para a

ultrapassagem de um discurso genérico, que não [dava] conta das situações particulares‖

(IAMAMOTO, 2000a, p. 56).

Deste modo, é necessário balizar a revisão de 1982 sobre distintas angulações,

apontando a compreensão dos fundamentos histórico-metodológicos que engendram a

profissão nos marcos da sociedade burguesa, a partir do desenvolvimento das forças

produtivas do sistema capitalista; e considerando o papel dos sujeitos na cena política, como

sujeitos que ―vivenciam‖ e ―constroem‖ nesta arena conflituosa e antagônica (IAMAMOTO,

2000a).

O centro da revisão curricular de 1979/1982 foi a conexão da formação com a realidade brasileira

em um momento de redemocratização e ascenso das lutas dos trabalhadores. Nesses termos, o currículo mínimo de 1982 significou, no âmbito da formação, a afirmação de uma nova direção

social hegemônica no seio acadêmico-profissional.3

Portanto, o momento no qual são constituídas as diretrizes curriculares de 1982

inaugura um tempo em que o Serviço Social encontra-se situado na luta para a reconstrução

da história (tanto da profissão, quanto da sociedade), colaborando para a demarcação política,

profissional e acadêmica em direção social oposta à do capital.

1.3.2 O Código de 1986 e a Constituição de 1988: marcos e conquistas da sociedade e do

Serviço Social

Os anos 1980 ainda reservariam mais distensões no campo profissional, fundadas na

necessidade contínua de negação dos fundamentos conservadores que embalaram a profissão.

À revisão de 1982 soma-se a insistência de corroer as bases políticas e profissionais de

concepções éticas presentes na vertente conservadora. Assim, torna-se necessária a passagem

do defasado Código de 1975 para o Código de 1986, o que demonstra o amadurecimento

teórico-político da profissão e sua explícita vinculação com as classes populares e

3 ―CONGRESSO DA VIRADA‖, p. 2, disponível em http://www.abepss.org.br., acesso em abr.2012.

45

trabalhadoras, na perspectiva de definição da sua radical direção social, possível apenas no

marco das lutas, do reconhecimento das bases da profissão e do comprometimento com as

massas. É no Código de 1986 que as definições éticas de compromisso político com a classe

trabalhadora ficam mais explicitadas, construindo-se, assim, as novas bases ético-políticas da

profissão.

A revisão das bases éticas da profissão com o Código de 1986 e o respectivo

compromisso com a classe trabalhadora são referências históricas para a afirmação das bases

ético-políticas contemporâneas do Serviço Social. Tais afirmações profissionais estavam

atreladas a questões particulares da sociedade brasileira, nesse período, tais como o processo

de enfraquecimento da ditadura militar, a gradual ascensão dos movimentos sociais

organizados e o contexto da luta geral dos trabalhadores na direção de consolidar uma política

trabalhista realmente atenta às necessidades das massas trabalhadoras. Tais situações criaram,

também, as condições sócio-históricas para a Constituição Federal de 1988, que emerge

cravejada de lutas sociais intensas e na perspectiva de construção de uma cidadania, espaço

em que os sujeitos sociais se tornam protagonistas da construção dos direitos sociais e da luta

pela democracia.

Este movimento externo, com o qual particularidades políticas do Serviço Social

mantêm intrínsecas relações, possui aderência aos movimentos sociais organizados (cultura,

política, ciência, etc.) que lutavam pela consolidação de um novo marco político-econômico,

cultural e social para o país com clara entonação progressista. Destaca-se, assim, nesse

período, a luta por um novo marco jurídico, iniciado em 1985/86, com o binômio de nova-

velha política, favorecedor da consolidação da Carta Constitucional de 1988.

O contexto interno para formação de uma nova base ético-política do Serviço Social

foi favorecido pela necessidade de negação das bases conservadoras, de orientação teórico-

metodológica positivista-funcionalista, fundado numa compreensão míope da sociedade

capitalista e suas relações sociais dadas na esfera da (re)produção; pela aproximação das

vanguardas às correntes teóricas fundadas no marxismo; pela (re)construção de sua práxis

política (o III CBAS/1979 é um exemplo); e pela recusa da ética moralizadora, com forte

conteúdo cerceador dos comportamentos e da liberdade humana.

É por isso que se afirma que o contexto de tais elementos interno-externos favoreceu a

construção de um novo ethos profissional, contribuindo para a definição das bases do que

conhecemos hoje como projeto ético-político profissional. Esse contexto é assinalado e

possibilitado a partir da fragilização da ditadura militar, que experimenta a erosão de suas

bases no início da década de 1980, embalada tanto pelos movimentos sociais organizados

46

(sindicatos, trabalhadores, artistas, estudantes, intelectuais, políticos, etc.), como pelas

determinações do capital monopolista, na direção da construção de uma falaciosa cidadania

(cidadania esta, possível somente a partir da compreensão de seu sentido exato, fundado na

superação do modo de produção vigente) (LESSA, 2007).

Faz-se necessário compreender que os movimentos sociais organizados contribuíram

decisivamente para o processo de redemocratização do país, mas sua conclusão somente foi

efetivada a partir da insustentável situação econômico-financeira patrocinada pela própria

ditadura militar, desde os anos áureos do ―milagre‖, tangenciado pela abertura do capital

nacional às poderosas companhias monopolistas dos países centrais, da complexa crise fiscal

do Estado e pelo próprio processo de liberalização da economia e das funções do Estado.

Com essa abertura política, evidenciam-se as bases para a instalação da Assembleia

Constituinte, na passagem de 1985 para 1986, quando é marcando o ocaso da ditadura militar,

porém, com fortes ressonâncias no processo de democratização.

A primeira metade dos anos oitenta assistiu à irrupção, na superfície da vida social brasileira, de

demandas democráticas e populares reprimidos por largo tempo. A mobilização dos

trabalhadores urbanos, com o renascimento combativo da sua organização sindical; a tomada de

consciência dos trabalhadores rurais e a revitalização das suas entidades representativas; o ingresso, também, na cena política, de movimentos de cunho popular (por exemplo, associações

de moradores) e democrático (estudantes, mulheres, ―minorias‖, etc.); a dinâmica da vida

cultural, com a reativação do protagonismo de setores intelectuais; a reafirmação de uma opção

democrática por segmentos da igreja católica e a consolidação do papel progressista desempenhado por instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação

Brasileira de Imprensa (ABI) — tudo isso pôs na agenda da sociedade brasileira a exigência de

profundas transformações políticas e sociais (PAULO NETTO, 1999, p. 9-10).

Na direção de consolidar direitos e da redefinição das bases sócio-políticas, os

movimentos sociais organizados e outros atores promovem a construção de propostas que

visavam atender as mais variadas necessidades, evidenciando a urgência em se regulamentar

direitos sociais e políticos dos mais diversos segmentos da sociedade brasileira e estabelecer

as bases democráticas profundamente solapadas por 21 anos de ditadura militar. Os

movimentos organizados e as lutas gerais não apenas caminham para a reconstrução da esfera

social e política, como também se pautam pela complexa tarefa de reorganizar uma economia

fragilizada, herança do desgoverno da ditadura e da própria lógica de endividamento dos

países junto aos organismos financeiros internacionais (Bird e FMI, por exemplo), que

colocou a sociedade brasileira, principalmente as massas trabalhadoras, ―diante de uma

inflação anual de 1764,83%‖ (FALCÃO, 2010, p. 341), o que assoreava o salário mínimo e o

poder de compra dos trabalhadores.

47

No campo da economia política, os anos 1980 são demarcados pelos inúmeros planos

econômicos e tentativas de controlar o processo inflacionário que corroía o salário e

endividava mais o Estado e, por sua vez, garantia ao mercado financeiro, principalmente os

bancos, um acentuado processo de enriquecimento às custas da sociedade.

É neste caldo político e social tão complexo, composto pelas necessidades sociais mais

antigas da sociedade brasileira, que a Constituição Federal de 1988 é promulgada, com a

intenção de regulamentar direitos, reorganizar o Estado e efetivar os direitos políticos.

Evidencia-se, então, a emergência de uma Constituição que transitava entre a intencionalidade

(posta pela coletividade da massa trabalhadora) de construção mais libertária, progressista, de

direção social emancipadora e a necessidade de corresponder às exigências e necessidades do

capitalismo monopolista. A Carta emerge como resposta às necessidades do grande capital,

dando uma ―solução‖ de adequação de ordem jurídica aos ditames do modo de produção

capitalista, como forma de legitimar, na esfera legal, o processo de exploração promovida

pelo capital, efetivando assim, o papel do Estado como um cartório legitimador dos interesses

do capitalismo em sua fase monopolista.

Evidenciado pelo fortalecimento do modelo neoliberal de sociedade, o cenário

mundial se reconfigura na ambiência política, econômica, social e cultural com fundamento

na liberdade dos fluxos econômicos de capitais e na lógica da flexibilidade. Assim, é sob a

regência do sistema de produção vigente que se observa a inscrição de novos ―modelos‖ de

gestão pública, a crescente exploração da força de trabalho — acentuada pela lógica do lucro

e da expansão do capital financeiro em escala global e a desregulamentação dos direitos

sociais, a minimização do Estado na oferta de bens e serviços sociais e na perspectiva de

intervenções na economia. Destarte, a ideologia neoliberal

[...] compreende uma concepção de homem (considerado atomisticamente como possessivo,

competitivo e calculista), uma concepção de sociedade (tomada com um agregado fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados) fundada na ideia da natural e necessária

desigualdade entre os homens e uma noção rasteira da liberdade (vista como função da liberdade

de mercado) (PAULO NETTO; BRAZ, 2007, p. 226).

Com sua receita de minimizar o Estado, de flexibilizar os direitos e o trabalho, por

exemplo, o neoliberalismo aponta a receita de naturalização da pobreza e da conflituosa

relação entre capital e trabalho, retomando uma velha retórica conservadora largamente

conhecida.

À medida que a programática neoliberal avança associada por outras determinações,

temos, no início dos anos 1990, a crise do conhecido ―campo socialista‖, a qual se inicia a

48

partir das investidas sócio-econômicas e ideopolíticas da lógica neoliberal e com o

enfraquecimento do poder emanado das repúblicas soviéticas, que funcionavam como um

guardião de todo o bloco socialista. Porém, para Paulo Netto (2007), a derrocada do

socialismo não está conectada apenas ao desgoverno da antiga URSS. A crise reside, também,

na ―contestação prioritária do Estado e da sociedade política articulados com a ordem pós-

revolucionária, massivamente deslegitimados quer por comportamentos anômicos, quer por

movimentos disnômicos‖. Estes comportamentos são dados pela própria constituição

―revolucionária‖ do campo socialista, pelo seu tradicional fundamento tipicamente anarquista,

ilegal (PAULO NETTO, 2007).

As inflexões da erosão do campo socialista refletem uma ―crise estruturalmente

determinada pela exaustão de um padrão de crescimento econômico e do sistema político a

ele funcional‖ (PAULO NETTO, 2007, p. 19). Assim, o marco do processo de erosão do

modelo soviético de sociedade é emblematicamente identificado, por Paulo Netto (2007), a

partir da queda do muro de Berlim, em novembro de 1989, quando todo o bloco socialista se

―esfarinhou‖ em velocidade assombrosa. Para esse pensador, o bloco socialista da extinta

URSS já experimentava um processo de profundo desgaste, tensionado por ―causalidades‖

próprias de cada Estado, entendidas a partir de elementos e particularidades históricas,

econômicas, ideológicas, culturais e políticas.

A este processo somam-se a intercorrência de erosão do campo socialista e outras duas

variáveis apontadas por Paulo Netto (2007, p. 13): ―as características nacionais que os

particularizavam e o limite de contenção que lhes eram imposto‖. Assim, como guardião

destas variáveis e ―fiador deste limite‖, a ex-URSS não reunia mais as condições de

manutenção ideopolíticas e igualmente econômica do bloco, dentre as quais as já

insustentáveis remessas financeiras para Cuba. A crise insustentável do campo socialista tem

suas raízes na própria constituição da onda neoliberal, no início dos anos 1970, devendo,

portanto, ser compreendida como episódio processual, deflagrado na fase liberal da economia,

com a desregulamentação das leis de mercado, do intenso processo de privatização,

patrocinados pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE), o que situará o campo socialista, nos fins dos anos 1980 e inícios da década de 1990,

em um inevitável processo de agudização (CHESNAIS, 1999).

O ocaso do campo socialista foi atravessado de outros elementos, dos quais, por

exemplo, podemos citar a não ocorrência da denominada transição proletária (aquela que tem

nos trabalhadores os sujeitos essenciais para sua consolidação), o aparelhamento político-

partidário do Estado, o que transformou o bloco socialista em uma máquina estatal a serviços

49

de determinados grupos do partido, isto é, de um monolitismo político que não favoreceu o

protagonismo necessário à massa trabalhadora, ficando o poder no centro gravitacional do

processo, contrariando o ideário comunista de ter no trabalhador o sujeito central do processo

(PAULO NETTO, 2007).

Deste modo, Paulo Netto (2007, p. 15) assevera que, no processo de transição

socialista, faz-se necessário uma dupla socialização, ―a socialização do poder político e a

socialização da economia‖, sendo que tal processo possibilita que: primeiro, a socialização do

poder, enquanto dissolução das formas tradicionais de poder político, partindo do centro de

uma determinada elite, para as mãos do coletivo, ou seja, dos trabalhadores, fato este que não

ocorreu na URSS; e segundo, a socialização da economia, a partir da erradicação privada do

excedente, que na URSS centrou-se no enfrentamento de uma crise econômica grave pelo

governo de Gorbachev, conhecida como ―glasnost‖ e ―perestroika‖,4 prevendo a implantação

de reformas de bases estruturais no campo financeiro e com rebatimentos expressivos na

agenda política (PAULO NETTO, 2007).

A agonia do campo socialista tornou-se, naquela determinada conjuntura, uma espécie

de ―bode expiatório‖ espreitado pela mídia e pelos setores reacionários burgueses, impingindo

ao socialismo a representação de um modelo econômico e político insustentável, amalgamado

na ideia de ―como o gigantismo estatal era impotente frente aos desafios colocados para a

humanidade‖. Além disso, a propaganda em torno da escassa ―liberdade política nessa parte

do globo contribuiu sobremaneira para a vulgarização do ‗mundo livre‘ do capitalismo‖

(FALCÃO, 2010, p. 267).

É notório que a retórica burguesa do Estado mínimo se reatualiza na crítica à

concepção socialista em torno do papel do Estado frente à sociedade, demandando assim as

normativas liberais de que quanto menor o Estado, melhor para o capital. Acresce-se o

falacioso princípio de liberdade tão propalada em tempos neoliberais, assentado na ideia da

liberdade burguesa, que não supõe em nenhum momento a emancipação política e humana.

Os acontecimentos no cenário mundial demonstram a capacidade política, ideológica e

econômica de reestruturação produtiva do capital e, ainda, de outro lado, a incansável e

expressiva luta dos trabalhadores na defesa de um projeto político coletivo, solidificado nas

bases de uma nova sociedade. E o Brasil não ficou distante da agenda de lutas a favor da

4 Medida política e econômica adotada pelo governo russo, na tentativa de assegurar o já instável modelo

soviético de política e consequentemente econômico. A ―glasnost‖ baseou-se na transparência, associada à

―perestroika‖, e fundava um momento de reestruturação do bloco socialista, o que, pouco tempo depois, anunciava a ruína da URSS (PAULO NETTO, 2007).

50

reconstrução democrática e pela liberdade, da constante necessidade de (re)significar o papel

da sociedade na busca pela justiça.

Particularizando o debate para o Serviço Social, os anos 1980 ainda ocupam uma

agenda de luta por redefinições de alguns elementos profissionais, dentre as quais a revisão do

conteúdo ético presente na profissão, que ainda não avançara substancialmente, tendo como

parâmetro de análise as profundas transformações na agenda política dos assistentes sociais e,

consequentemente, as mudanças no cenário da sociedade capitalista. À luta da sociedade

brasileira pela democracia alinha-se a busca da profissão pela superação do conservadorismo

presente na ambiência profissional, na necessidade de avançar na compreensão da práxis

profissional, a partir da direção sócio-política do Serviço Social que despontou das

vanguardas.

Assim, associado a outros importantes processos, tem-se nos fundamentos do Código

de 1986 o marco na ruptura com o Serviço Social tradicional e eticamente com o

conservadorismo. Mas, segundo Barroco (2005, p. 177), ―podemos afirmar que ele está

aquém dos avanços teórico-metodológicos e políticos efetuados na década de 80. Tais

avanços não foram traduzidos em um debate ético abrangente e na elaboração de uma

literatura específica‖. Nas palavras da autora, a década de 1980, apesar de seus avanços

significativos,

[...] não desvendou em seus fundamentos e mediações ético-morais; explicitou os fundamentos

do conservadorismo e sua configuração na profissão, o que não desdobrou em uma reflexão ética

específica. A prática política construiu, objetivamente, uma ética de ruptura, mas não ofereceu uma sustentação teórica que contribuísse para a compreensão de seus fundamentos (BARROCO,

2005, p. 177).

A reflexão de Barroco (2005) reside na compreensão de que o conjunto dos avanços

teórico-políticos evidenciados nos anos 1980 permitiram o acúmulo para a reformulação do

Código de 1993. Todavia, o Código de 1986, que significou um marco fundamental no

processo de ruptura com a ética conservadora e o tradicionalismo profissional, não teve

condições de explicitar as bases ontológicas de uma ética marxiana. Nesse sentido, mostrou-

se aquém do avanço teórico posto pelo amadurecimento da vertente apoiada em Marx no

Serviço Social.

51

Capítulo II

A CATEGORIA TRABALHO E A RESSIGNIFICAÇÃO DA ÉTICA

PROFISSIONAL

2.1 A centralidade ontológica do trabalho

A definição da categoria trabalho vem sendo objeto de análise de diversas correntes

teóricas do pensamento social contemporâneo, dentre as quais a teoria social crítica. A

discussão sobre tal categoria deve ser analisada de maneira minuciosa, pois a pluralidade de

correntes de pensamento tradicionalmente enviesa as análises desta categoria tão central para

o ser humano, levando-a a vulgarismos que podem distorcer sua particular centralidade no

mundo contemporâneo.

Com esta direção, abordaremos a categoria trabalho a partir da sua condição central no

debate presente dentro do arcabouço da tradição marxista. Tal discussão é relevante, dada a

própria condição de trabalhador com a qual o assistente social se insere na divisão social e

técnica do trabalho, tendo em vista toda conjuntura das relações capitalistas de produção e

reprodução da vida social.

Assim, para Paulo Netto e Braz (2007, p. 30), o trabalho é considerado ―a satisfação

material das necessidades dos homens e mulheres que constituem a sociedade — obtêm-se

numa interação com a natureza: a sociedade. Através dos seus membros [...] transforma

matérias naturais em produtos que atendem às suas necessidades‖. O trabalho, nessa

concepção marxiana, pode ser entendido como a forma de o homem, como ser social, dispor

das condições físicas e espirituais necessárias para transformar a natureza, distinguindo-se,

assim, dos outros animais, pois somente o homem detém as condições objetivas e subjetivas

para executar o trabalho.

Vejamos a definição sobre trabalho e a diferenciação que Marx faz entre os animais da

natureza:

O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua

própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. [...] Não se trata aqui das primeiras formas instintivas, animais, de trabalho [...] Pressupomos o trabalho numa forma em

que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do

tecelão e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas

colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu

52

o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto, idealmente. Ele

não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na

matéria natural, o seu objetivo (MARX apud PAULO NETTO; BRAZ, 2007, p. 31-2).

Assim, o trabalho, além de ser uma atividade fundante para o ser social, pois lhe

confere determinado estatuto, diferenciando-o dos demais animais existentes na natureza,

possibilita a transformação da natureza e, por consequência, a sua transformação enquanto ser

humano. Marx anuncia que, além desta função social, o homem possui a capacidade de

projetar finalidades (função teleológica), ou seja, a capacidade de construir, no âmbito da

consciência, determinada forma que será objetivada no concreto (objetivo), como um

resultado da sua prévia ideação (abstrata), construção mental antecipada na mesma

consciência que a materializa. Assim, para Lucáks (1981, p. 8), a teleologia ―deve ser

compreendida como uma categoria posta [e] guiada através da consciência ao estabelecer um

fim‖.

Destaca-se que essa função teleológica é determinada a partir da busca das satisfações

das necessidades distintas da humanidade, já que é constituída a partir do momento em que o

homem busca-a como forma facilitadora das suas atividades laborais cotidianas. Isto porque é

a partir da teleologia que o homem projeta na sua consciência as formas daquilo que em breve

será seu trabalho objetivado.

Com relação à prévia ideação, é emblemática a sutil, porém importante comparação de

Marx entre a ideação consciente do homem e a materialização inconsciente da abelha e da

aranha, pois ambas possuem inerentes qualidades de exímias construtoras na execução dos

seus ―trabalhos‖, porém, elas não detêm a consciência daquilo que é objetivado pela sua ação.

Aos homens, segundo Marx (apud PAULO NETTO; BRAZ, 2007, p. 31-2),

[...] os elementos simples do processo de trabalho são a atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios. [...] o processo de trabalho [...] é a atividade orientada a

um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades

humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza, condição natural

eterna da vida humana e, portanto, [...] comum a todas as suas formas sociais.

Portanto, a relação entre homem e natureza é uma condição sine qua non, pois é

condição inerente, natural, e ―a sociedade não pode existir sem a natureza – afinal, é a

natureza, transformada pelo trabalho, que propicia as condições da manutenção da vida dos

membros na sociedade‖ (PAULO NETTO; BRAZ, 2007, p. 35). O trabalho, enquanto

categoria ontológica, não pode ser reduzido apenas à questão de transformação da natureza,

pois possui características sociais bem determinadas. Esta função social do trabalho pode ser

53

entendida, segundo Iamamoto (1997, p. 58), se ―este caráter social só se manifesta no

conteúdo do trabalho, quando, como membro de um complexo social, produz para as

necessidades dos demais, estando submetido a uma dependência social‖.

Deste modo, o trabalho deve ser apreendido a partir desta sua função social, pois as

necessidades de outros indivíduos fazem com que o trabalho apresente sua finalidade social,

coletiva. No capitalismo, aquilo que é produzido pelo trabalhador na esfera privada torna-se

social a partir das necessidades coletivas, constituindo os laços sociais entre os indivíduos, os

quais estão mediatizados pela mercadoria que produzem, adquirindo um significado

monetário, financeiro, ou seja, de valor financeiro, que, por conseguinte, gerará lucro ao dono

dos meios de produção.

Essa monetarização das mercadorias necessita ser entendida no contexto do

desenvolvimento da divisão social do trabalho, pois é nesta divisão que os indivíduos

produzem objetos por intermédio do trabalho que, por sua vez, são possuidores de valor de

troca. Iamamoto (1997, p. 59) situa a divisão do trabalho na ―condição de existência da troca,

do valor de troca‖, e ainda infere que ―a sociedade burguesa é a sociedade do valor de troca

desenvolvido, o qual domina toda a produção‖. A divisão do trabalho, em síntese, pode ser

representada e entendida por meio do valor de troca dentro da sociabilidade burguesa.

Se a divisão insere-se a partir da existência do valor de troca ocorrida dentro da

sociabilidade burguesa (capitalista), ainda temos um fator essencial ao funcionamento

metabólico do capital: a questão monetária. Assim, Iamamoto (1997, p. 59) afirma que ―a

relação direta do produtor com o produto de seu trabalho tende a desaparecer, tornando toda a

produção dependente das relações monetárias‖. Deste modo, as mudanças em curso na atual

quadra histórica já apontam o desaparecimento desta relação, pois o resultado do seu trabalho

é apropriado pelo grande capital e, por conseguinte, torna-se uma mercadoria atribuída de

determinado valor monetário. Apesar de o trabalho possibilitar ao homem os meios

necessários para a satisfação das suas necessidades básicas (alimento, moradia, lazer, etc.),

criando, assim, formas de acesso aos bens e serviços produzidos por ele mesmo enquanto

trabalhador, no capitalismo esse processo é invertido.

[...] no processo capitalista de trabalho, os meios de produção são comprados no mercado pelo capitalista, o mesmo acontecendo com a força de trabalho. O capitalista, em seguida ―consome‖ a

força de trabalho, fazendo com que os portadores desta (os trabalhadores) consumam os meios de

produção através de seu trabalho. Este é, portanto, realizado sob a supervisão, direção e controle do capitalista, e os produtos resultantes são propriedade dele, e não dos produtores imediatos

[trabalhadores]. Esse processo de trabalho é simplesmente um processo entre coisas que o

capitalista comprou, e, portanto, os produtos desse processo lhe pertencem (BOTTOMORE,

1993, p. 299).

54

Deste modo, tudo aquilo que é produzido pelo trabalhador enquanto resultado concreto

de suas objetivações pertence ao capitalista (dono dos meios de produção), atribuindo um

significado de estranhamento àquilo que é fruto do desgaste da força de trabalho. Assim, o

homem é utilizado nesse processo produtivo como instrumento que possibilita a

transformação de coisas em objetos que têm no capitalismo o agente que atribuirá a estas

coisas valor de uso e valor de troca, ou seja, atribuindo-lhes um status de necessidade e de

valor, numa esfera em que se torna essencial ao ser humano.

O trabalho, como capacidade única e exclusiva do ser social (homem), possui um fator

de importante de diferenciação entre os animais da natureza, pois confere ao homem

condições de satisfação das necessidades, além de possibilitar-lhe o reconhecimento da sua

possível condição ontológico-social, mesmo que atravessado pelo elemento da alienação, por

exemplo.

Desta forma, pensadores como Lukács, apoiado em Marx, situam o trabalho como um

agente que possibilita ao homem condições de transformar a natureza em coisas úteis

(transformação da natureza) e transformar-se enquanto ser social, pois o trabalho ―permite o

desenvolvimento de mediações que instituem a diferencialidade do ser social em face de

outros seres da natureza‖ (BARROCO, 2005, p. 26). Assim, o trabalho autoconstruído

historicamente possibilita ao homem a realização das mediações e atividades essenciais: ―a

sociabilidade, a consciência, a universalidade e a liberdade‖.

Tais categorias são, em síntese, condições humano-genéricas, categorias estas que dão

movimento à práxis enquanto ―atividade livre, universal, criativa e autocriativa, por qual o

homem cria (faz e produz), e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico e a si

mesmo‖ (BOTTOMORE, 1993, p. 292). A ontologia do ser social sustenta-se no ato de

reconhecimento do indivíduo como ser social, ou seja, ele vê no trabalho uma atividade que

lhe confere condições de transformar a natureza e se transformar, criando deste modo,

condições de se reconhecer como ser humano, o que aponta que o trabalho é uma categoria-

base de constituição de um novo ser (BARROCO, 2005).

As reflexões recaem na discussão sobre o papel essencial do trabalho na humanização

do homem enquanto ser, tendo como ponto de partida a utilização do trabalho enquanto forma

de satisfação das necessidades e, consequentemente, como um processo de socialização,

tornando-o sujeito construtor da própria história. É a partir do processo de trabalho que os

homens estabelecem as relações entre si, sendo assim pressuposto para humanização do

homem. O trabalho requer distanciamento entre a imediaticidade dos instintos, pois objetiva

por meio da natureza a transformação almejada. Esta transformação segue mediatizada pela

55

satisfação das necessidades humanas e na direção da sua humanização. Deste modo, pensar

esta categoria central para o humano-genérico requer situá-la como uma atividade

necessariamente constituída coletivamente, em cooperação com outros homens. Deste modo,

esta cooperação é uma

[...] condição ontológico-social inevitável do trabalho, na (re)produção do ser social, dá a ele um caráter universal e sócio-histórico. O trabalho não é obra de um indivíduo, mas da cooperação

entre os homens; só se objetiva socialmente, de modo determinado; responde a necessidades

sócio-históricas, produz formas de interação humana como a linguagem, as representações e os

costumes que compõem a cultura (BARROCO, 2001, p. 26-27).

Logo, a discussão da autora aponta para a reflexão de que o trabalho em sua

característica sócio-histórica passou por modificações substanciais, porém não perdeu a

essência do seu caráter ontológico, por meio do qual possibilita o reconhecimento do homem

enquanto ser humano, de sua relação com outros seres sociais e a possibilidade construtora

das formas de linguagem, de sociabilidade, as formas de cultura, etc. Tudo isso mediado por

esta categoria, sendo que este caráter de reciprocidade ―constitui-se como categoria

intermediária que possibilita o salto ontológico das formas pré-humanas para o ser social‖

(ANTUNES, 2003a, p. 136).

O salto ontológico pode ser considerado como um momento singular para o ser

humano-genérico, pois, pelo trabalho, ele se transforma em outro tipo de ser diferente de

outros seres existentes na natureza; um ser social. Deste modo, é a partir do pleno

desempenho do trabalho que o homem se reconhece ontologicamente, se sociabiliza e

consequentemente se humaniza. A sociabilização é elemento processual ao desenvolvimento

do ser humano-genérico, pois é concebida no contexto do desenvolvimento das formas

objetivas e subjetivas, a partir das quais o sujeito se relacionam, sob regência das

determinações concretas da sociedade. Deste modo, o salto ontológico

implica numa mudança qualitativa e estrutural do ser, na qual a fase inicial contém certamente em

si determinadas premissas e possibilidades das fases sucessivas e superiores, mas estas não

podem se desenvolver daquelas a partir de uma simples e retilínea continuidade. A essência do

salto é constituída por essa ruptura com a continuidade normal do desenvolvimento e não pelo nascimento repentino ou gradual, ao longo do tempo, da nova forma de ser (LUKÁCS apud

LESSA, 2007, p. 20).

O salto ontológico como um processo de alteração dos elementos pré-humanos para o

atual estágio do humano-genérico não pode ser concebido como um processo retilíneo, dado

pela vontade objetiva do ser social: reside no cerne da concretude da vida social, determinada

pelas relações sociais de produção capitalistas, concebida suas bases na ruptura (contraditória

56

e desigual) da condição anterior que possibilitam a emergência deste novo ser orgânico

(LARA, 2008).

2.2 A divisão social e técnica do trabalho e o Serviço Social enquanto especialização do

trabalho coletivo

Com a necessidade de organização do processo de trabalho em âmbito político, social,

econômico e ideológico, o capital cria uma cisão entre os trabalhadores e o próprio trabalho.

Com a posição estratégica do trabalho como atividade essencial à reprodução do capital,

ocorre a necessidade de estruturação do seu processo, a fim de possibilitar ao trabalho e ao

próprio capital condições de otimização das tarefas e, consequentemente, aumento acentuado

da extração de mais-valia (absoluta e relativa).5

A divisão social do trabalho é fenômeno tipicamente da sociedade capitalista e parte

do pressuposto da fragmentação das ações do trabalho, com uma perspectiva modernizadora

de acumulação de mais capital. Cabe relembrar que as protoformas do trabalho eram

rudimentares e se baseavam no atendimento das necessidades mais imediatas de grupos

sociais. Recorde-se que o trabalho era fundado em atividades manuais, pautado por

habilidades tradicionais, passadas de pais para filhos, como forma de garantir a subsistência.

Nessa época, sem o jugo do capital, o sistema econômico que vigorava era o mercantilismo,

também conhecido como pré-capitalismo, e a produção dos meios de vida se dava em

pequenas oficinas ou até mesmo dentro das casas dos artesãos.

A comercialização baseava-se praticamente na ação da troca ou escambo, vendendo-se

tudo aquilo que era produzido. Um diferencial neste processo foi a não venda da força de

trabalho e, sim, da coisa produzida. Outro fator a ser apontado neste estudo é que o trabalho

realizado manualmente possuía características particulares, peculiares: os artesãos produziam

e mantinham seus próprios meios de produção.

Com o advento do capitalismo, as atividades que eram pautadas na troca e na

satisfação apenas das necessidades passam a ser determinadas por valores distintos ao seu

costume, ficando a cargo de um modelo econômico desigual e extremamente excludente. Os

5 Absoluta: consolida-se com o prolongamento do trabalho, entendido que, antes desse prolongamento, o trabalhador já produzira o objeto determinado, garantindo sua subsistência. As sobras deste trabalho excedente

não são contabilizadas ao salário do sujeito que a produziu e, sim, ao capital (PAULO NETTO; BRAZ, 2007).

Relativa: parte, também, do prolongamento do trabalho excedente, porém se configura com a inserção de

recursos tecnológicos, com a condensação do trabalho necessário e a produção em tempo hábil, equivalente ao salário (PAULO NETTO; BRAZ, 2007).

57

princípios ideopolíticos do capital baseiam-se na fragmentação das ações, com vistas à maior

acumulação de capital por meio de produção em maior escala e na apropriação do trabalho

não pago, ou seja, da extração da mais valia ou exploração da força de trabalho.

Para Paulo Netto (1991), Iamamoto (2008), Lessa (2007) e Barroco (2001), entre

outros, a estratégia primeira foi a apropriação dos meios de produção, ou seja, aquilo que era

apenas para atendimento de necessidades básicas de determinado grupo social passa a ser

apropriado pelo grande capital, que o situará na esfera da propriedade e, deste modo, passa a

exercer dominação junto àqueles sujeitos que apenas dispõem de uma única mercadoria, ou

seja, a força de trabalho. Com a apropriação dos meios de produção, fica estabelecida a

existência de duas classes antagônicas, situadas na conflituosa relação capital versus trabalho,

entre aqueles que detêm os meios de produção e aqueles que possuem apenas a força de

trabalho.

Ao mesmo tempo em que ocorre profundo processo de apropriação dos meios de

produção, com a atribuição de valores à mercadoria, tudo que era produzido dentro das

pequenas oficinas e casas passa a ter um destino específico: a fábrica. Assim, com a junção de

todas as tarefas executadas em um único ambiente, o capital passa a controlar as fases do

processo produtivo, principalmente nas formas das determinações sobre o corpo e a ―captura

da subjetividade do trabalhador‖ (LOURENÇO, 2009).

Nessas circunstâncias, as coisas produzidas passam a ter significados diferentes para

aqueles que o produzem (a alienação e o estranhamento do que foi objetivado por sua ação) e

para aqueles que as comercializam (atribuição de valor material e simbólico — fetiche — e a

apropriação do excedente da força de trabalho, convertido em apropriação do lucro). Assim,

quando a ―atividade humana é alienada, seu caráter social e consciente é negado; a liberdade e

a universalidade objetivam-se de forma limitada e inexpressiva‖ (BARROCO, 2008, p. 35).

Além de produzir em escala mais acentuada, a fábrica, regida pela organização

capitalista, vai determinar, com o passar do tempo, as novas formas de vida em sociedade,

reconfigurando as formas de relações. Ou seja, a inserção no mundo do capital vai impor à

sociedade as relações sociais de produção, determinando os modos de vida, as formas e

padrões de consumo, a cultura, etc. — ou seja, a vida social se reconfigura sob os ditames da

regulação do capital.

Outra característica da divisão social do trabalho é a organização dos trabalhadores na

fábrica, que passa a ser coletivo dependente e parcelado, fazendo com que, ao final da tarefa,

os trabalhadores não reconheçam aquilo que foi produzido por meio das suas forças físicas e

intelectuais. A despeito do resultado do seu trabalho, Marx (2002, p. 212) acentua:

58

No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador e, portanto, idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da

forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural, seu objetivo, que ele sabe

que determina como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua

vontade.

Este processo assinalado por Marx é consubstanciado dentro dos limites do capital,

impingindo ao trabalhador a sucumbência de toda sua capacidade (física e intelectual) às

determinações sociais, econômicas e ideológicas do grande capital, o que provoca um

acentuado processo de estranhamento do conteúdo do sentido ontológico do trabalho, em

favor das mercadorias que são originárias do seu processo de trabalho.

É no contexto do seccionamento do trabalho promovido para a reprodução

sociometabólica do grande capital, forma institucionalizada de apropriar-se do excedente do

trabalho (mais-valia), que o estranhamento ou alienação se manifesta, tendo como elemento-

chave o não reconhecimento dos resultados objetivos e subjetivos do seu trabalho ao final do

processo de produção. Ou seja, a mercadoria por ele produzida já não possui significação

ontológica. Deste modo,

a alienação deriva da apropriação do excedente (produzido pelos trabalhadores) por aqueles que detêm os meios de produção, pela divisão social do trabalho e separação do produto dos seus

produtores, mas, sobretudo, das relações sociais, político-institucionais e culturais, estabelecidas

pelo sistema capitalista (LOURENÇO, 2009, p. 52).

O processo da alienação decorre de determinações objetivas, concretas, do processo de

trabalho, mas, reside, também, na proposta ideológica do grande capital, na evidente

manipulação da vida social, dos costumes, da cultura e claro, dos sentidos do trabalho.

Primeiro, que o trabalho é externo ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser, que ele não se

afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, que não se sabe bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia física e espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruína o seu

espírito. O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si [quando] fora

do trabalho e fora de si [quando] no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando

trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é portanto voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. [...] Finalmente, a externalidade do trabalho aparece para o trabalhador como se [o

trabalho] não fosse seu próprio, mas de um outro, como se [o trabalho] não lhe pertencesse, como

se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo, mas a um outro. Assim, como religião e

autoatividade de fantasia humana, do cérebro e do coração humanos, atuam independentemente do indivíduo e sobre ele, isto é, como atividade estranha, divina ou diabólica, assim também a

atividade do trabalhador não é a sua autoatividade. Ela pertence a outro, é a perda de si mesmo

(MARX, 2004, p. 82-3).

Neste contexto, é inegável a inscrição do assistente social na condição de sujeito

trabalhador inserido no processo, o que não o isenta dos rebatimentos promovidos pelo capital

em seu processo de (re)produção. O Serviço Social inscreve-se neste conjunto, por ser uma

59

profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho, a partir do entendimento de que é

uma especialização do trabalho coletivo e que atende necessidades antagônicas. Sua inscrição

neste cenário

não se autodetermina. Isto quer dizer que esta profissão, como qualquer outra, não pode

prescindir de uma análise da sociedade em sua autocompreensão. Sua história é tributária da história da sociedade capitalista em um dado grau de seu desenvolvimento: a idade dos

monopólios (GRANEMANN, 1999, p. 161).

Esta inscrição do Serviço Social como profissão não pode ser compreendida como um

processo natural de constituição, dada, por exemplo, como evolução das formas anteriores de

caridade, devendo, portanto, ser compreendida a partir do desenvolvimento das forças

produtivas capitalistas, que a inscrevem como uma especialização do trabalho. Deste modo, o

assistente social, inserido em um complexo jogo de interesses ideopolíticos, mantém,

seguramente, uma posição determinada.

Embora constituída para servir os interesses do capital, a profissão não reproduz monoliticamente

necessidades exclusivas do capital: participa também das respostas às necessidades legítimas de

sobrevivência da classe trabalhadora, enfrentadas, seja coletivamente, através dos movimentos

sociais, seja na busca de acesso aos recursos sociais existentes, através de equipamentos coletivos que fazem face aos direitos sociais (IAMAMOTO, 2000a, p. 100).

Segundo Iamamoto (2000a), a clareza que devemos ter com relação ao Serviço Social

é entendê-lo como profissão em constante movimento, que não possui teoria própria e que

transita entre as necessidades da classe operária e as determinações do mundo institucional do

capital, sem perder de vista seus compromissos assumidos com a classe trabalhadora, na

perspectiva de uma direção social determinada.

É a própria constituição como trabalhador, mediado pela (re)significação do conteúdo

ideopolítico da profissão, que elege valores e uma direção social alinhada à luta geral dos

trabalhadores, o que vai situar o assistente social em uma zona tênue e particularmente

antagônica do trabalho profissional. Porém, a reflexão do seu entendimento enquanto

trabalhador, assegurada na direção social da profissão, confere fundamentos a sua práxis

profissional de enfrentamento ao cenário do capital, caracterizado por: contínuo processo de

apropriação dos meios de produção, pela exploração da força de trabalho e determinação do

seu funcionamento sociometabólico, que indica os caminhos antagônicos da relação capital x

trabalho, concebida como uma expressão de luta. Segundo Paulo Netto (2005, p. 163), nossa

profissão tem sua

60

raison d’être (razão de ser) [...] na questão social — sem ela, não há sentido para esta profissão. Mas até a sua resolução com a supressão da ordem do capital, ainda está aberto um longo

caminho para esta profissão. O objetivo histórico da sua superação passa, ainda e

necessariamente, pelo desenvolvimento das suas potencialidades. Ainda está longe o futuro em

que o Serviço Social vai se esgotar, pelo próprio exaurimento do seu objeto.

Como matéria-prima do trabalho profissional, a questão social não pode ser

apreendida apenas como fenômeno objetivo. A questão social necessita de uma compreensão

mais profunda, pois é nesta expressão que reside a conflituosa luta entre duas classes

antagônicas que, apoiadas por interesses conflitantes, se posicionam em necessidades

distintas. É na direção da supressão desta sociedade de classes antagônicas que o projeto

profissional acentua sua potencialidade, como um projeto de caráter progressista, alinhado aos

interesses da classe trabalhadora.

2.3 A capacidade ético-política do Serviço Social

Dando continuidade ao acúmulo proporcionado pelo Código de Ética de 1986, o

Código de 1993 traz em seu bojo um aspecto importante para o coletivo profissional, para a

sociedade e para os usuários do Serviço Social: a explicitação mais elaborada das bases

ontológicas da ética profissional e de sua operacionalização no Código de Ética.

Nesta nova formulação ética, o Serviço Social afirma valores e princípios fundados na

liberdade, na autonomia, emancipação, no aprofundamento da democracia. Assevera também,

a luta pela justiça social e equidade, na eliminação do preconceito, bem como na plena

expansão dos sujeitos sociais e na direção política de um projeto de sociedade emancipatório

— emancipatório a partir da sustentação da intencionalidade de superação do modo de

produção vigente para outro modo, entendido na perspectiva de outra sociedade (TONET,

s/d).

O Código de 1993 fortalece o exercício profissional no sentido de sua irrestrita

vinculação com os usuários, concebidos na condição de trabalhadores, aos quais se alinha

profissionalmente por meio do seu projeto profissional e societário. Este compromisso com a

classe da qual o capital se utiliza para manter-se e reproduzir-se foi fruto do exercício prático-

intelectual de uma profissão que, desde seu surgimento, nos países do Cone Sul, apresentava

um fundamento ético tipicamente conservador, em desfavor de um conceito teórico-

metodológico crítico, de seu papel na divisão sócio-técnica do trabalho e de sua participação

como agente político na sociedade.

61

A aproximação do Serviço Social com a classe trabalhadora, produto do projeto ético-

político (PEP) construído desde os anos 1980, foi fruto do amadurecimento teórico e do fazer

profissional, da insatisfação com as bases conceituais de cunho tradicional do Serviço Social,

mas principalmente pela aproximação a teoria social de Marx no ambiente acadêmico e nos

espaços sócio-ocupacionais da profissão e aos movimentos operários da década de 1970/1980.

Tal compromisso social com as necessidades e lutas dos trabalhadores acabaram por redefinir

o lugar do Serviço Social na divisão social e técnica do trabalho e seu reconhecimento da

condição de trabalhador.

Dessa forma, esta aproximação à teoria marxista contribuiu para o fortalecimento de

uma vertente crítica, orientada para a ruptura paulatina com os modelos de práticas

conservadoras, possibilitando, assim, uma necessária apropriação de uma crítica à sociedade

burguesa e um distanciamento de seus fundamentos teórico-metodológicos tipicamente

positivistas/funcionalistas. Disso resultou, processualmente, a construção de um projeto

profissional que, segundo Paulo Netto (1999, p. 95), reflete

[...] a autoimagem da profissão, elegem valores que a legitimam socialmente e priorizam os seus

objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu

exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com outras profissões e com as organizações e

instituições sociais, privadas, públicas, entre estas, também destacadamente o Estado, ao qual

coube historicamente, o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais.

O projeto ético-político profissional busca a legitimação social da classe trabalhadora,

na direção de consolidar o projeto da classe dominada. Objetiva, também, a busca pela

qualidade dos serviços prestados à sociedade, tendo por horizonte um projeto de sociedade

emancipada, pautado na luta pela liberdade, do fortalecimento da autonomia dos sujeitos

sociais, da expansão dos sujeitos, do respeito à diversidade (sexual, racial, econômica, dentre

outras).

Desse modo, o projeto ético-político contribui para o fortalecimento da concepção

ética do atual código, baseada na concepção da ontologia do ser social, na centralidade da

categoria trabalho como mecanismo pelo qual o homem se sociabiliza e satisfaz suas

necessidades mais variadas e, também, nas diretrizes curriculares que situarão o Serviço

Social e seu processo formativo dentro de uma nova concepção. É possível observar que a

profissão se aproxima de uma influência teórico-metodológica na formação profissional e na

produção teórica que se apropria de elementos essenciais à compressão da sociedade

capitalista contemporânea, dentre os quais a crítica aos padrões vigentes e a construção de

conhecimento científico, centrada na proposta da tradição marxista. O acúmulo teórico

62

tomado na fonte de inspiração marxista, a nova visão de homem e de mundo, a busca pela

superação do conservadorismo, a aderência a um projeto coletivo, a busca por uma nova

sociedade, dentre outros elementos teórico-práticos, favoreceram a adesão da profissão a um

projeto com determinada direção social transformação social. .

Assim, os fundamentos da teoria social de Marx começam a ser apropriados (com

certas dificuldades) no ambiente acadêmico e profissional. Além da crítica à sociedade

capitalista, o materialismo dialético busca a superação do pensamento filosófico baseado na

metafísica e no idealismo hegeliano. O materialismo dialético também propicia a crítica

histórica aos padrões sociais vigentes, profundamente caracterizados pelos antagonismos

entre capital e trabalho, pela concentração de renda e pelo processo cruel de

dominação/exploração que sustenta o modo de produção capitalista. Desta forma, Marx, a

partir de reflexões sobre o modelo socioeconômico, desenvolveu uma teoria que

enfoca a sociedade burguesa como produto extremamente complexo de um processo histórico plurissecular, no qual certas possibilidades do gênero humano não só explicitam como, ainda,

servem para iluminar etapas históricas precedentes. Assim, mesmo tendo por objeto privilegiado

a ordem burguesa, os resultados teóricos a que Marx chegou contêm determinações cujo âmbito

de validez a transcendem, entre elas a concepção do homem como ser prático e social, produzindo-se a si mesmo através das suas objetivações (a práxis, de que o trabalho é exemplar) e

organizando as suas relações com os outros homens e com a natureza conforme o nível de

desenvolvimento dos meios pelos quais se mantém e se reproduz enquanto homem (PAULO

NETTO, 2004, p. 94).

A teoria marxiana busca compreender a sociedade (burguesa) como uma totalidade

concreta e, para tanto, perpassa pelas relações sociais de produção que a engendram. E esta

sociedade burguesa é, para Marx (s/d, p. 302), legatária de ―antagonismo que provém das

condições sociais de vida dos indivíduos‖ e ―criam, ao mesmo tempo, as condições materiais

para a solução desse antagonismo‖.

Esta sociedade compõe-se de maneira bastante peculiar, pois é nela que se desenvolve

o processo de apropriação dos meios de produção por parte do capital e derivando deste

processo, a exploração da força de trabalho, a luta de classes e a acentuação da questão social,

objeto este último do trabalho profissional do assistente social. Sendo a questão social

matéria-prima do trabalho profissional, é certeiro afirmar que a mesma situa-se na esfera do

antagonismo das classes dos possuidores dos meios de produção e dos despossuídos, o que

assinala seu essencial caráter contraditório. Nas reflexões e críticas sobre a sociedade

burguesa, Marx (1975, p. 754) afirma que

o capital não é uma coisa imaterial, mas uma determinada relação social de produção,

correspondente a uma determinada formação histórica da sociedade, que toma corpo em uma

63

coisa material e lhe infunde caráter social específico. O capital é a soma dos meios materiais de produção produzidos. É o conjunto dos meios de produção convertidos em capital, que, em si,

tem tão pouco de capital como o ouro e a prata, como tais, de dinheiro. É o conjunto dos meios de

produção convertido em capital por uma determinada parte da sociedade, os produtos e as

condições de exercício da força de trabalho substantivados frente à força de trabalho viva e a que este antagonismo personifica como capital.

Identifica-se o capital por seu movimento de regulação das relações sociais de

produção o que, por sua vez, interfere na cotidianidade da sociedade por constituir-se de uma

forma imaterial, não palpável, condicionando o movimento social. Essa influência do sistema

social vigente na sociedade pode ser explicitada como um mecanismo ideológico que controla

e determinam as relações sociais de produção, entendidas, segundo Bottomore (1993, p. 157)

como ―[...] as relações de produção [que] são constituídas pela propriedade econômica das

forças produtivas. No capitalismo, a mais fundamental destas relações é a propriedade que a

burguesia tem dos meios de produção, ao passo que o proletariado possui apenas a força de

trabalho‖.

O capital, então, opera toda a dinâmica da sociedade por se constituir de força

econômico-social, política e ideológica, determinando as relações sociais de produção. E, com

a apreensão da profissão inserida nos processos macrossocietários do capital, é que se constrói

a crítica à sociedade dos capitais.

Assim, vejamos o posicionamento de Paulo Netto e Braz (2007, p. 32):

[...] não são mercadorias — somente valores de uso que satisfaçam necessidades sociais (humanas) de outrem e, portanto, sejam requisitados por outrem, constituem mercadoria; esta,

pois, dispõe de uma dimensão que sempre vem vinculada ao seu valor de uso: a sua faculdade de

ser trocada, vendida (o seu valor de troca). Assim, portanto, a mercadoria é uma unidade que

sintetiza valor de uso e valor de troca.

Deste modo, apresentamos dois elementos essenciais na esfera do valor de uso e valor

de troca no contexto da mercadoria: a necessidade da existência da divisão social do trabalho

que, responde às necessidades de produção de mercadorias e sua inserção no mercado e a

propriedade privada dos meios de produção.

A máquina capitalista só pode ser alimentada pela apropriação privada dos meios de

produção e pela crescente exploração do excedente originado do trabalho, conferindo-lhe

status de sistema social sólido, regente da sociedade contemporânea. Esta apropriação pode

ser identificada na apropriação privada dos meios de produção e na inexistente distribuição da

riqueza socialmente produzida. Nesses termos, Marx (1973, p. 103) assevera que:

A produção capitalista não é só reprodução da realização; é sua reprodução numa escala sempre

crescente, na mesma medida em que, com o modo de produção capitalista se desenvolve a força

64

produtiva social do trabalho, cresce também frente ao trabalhador a riqueza acumulada. Como riqueza que o domina, como capital [...] e na mesma proporção em que se desenvolve, por

oposição, sua pobreza, indigência e sujeição subjetiva.

Com este mecanismo, o capitalismo desenvolveu uma forma sistemática de se

(re)produzir de modo cada vez mais ampliado e em diferentes partes do mundo globalizado,

com custos de produção e de força de trabalho infinitamente mais baixos e a apropriação

privada cada vez menos socializada, inaugurando uma era em que as fronteiras tornam-se

cada vez mais determinadas pelas necessidades do modo de produção, na sua busca por

mercados consumidores, fortalecendo-se cada vez mais o conceito globalizado. Tal conceito

globalizado vem associado a outro processo de degradação do trabalho, que certamente traz

resultados negativos.

Na sociedade contemporânea, sob a bandeira da reestruturação produtiva, o trabalho

vivo vem sendo substituído pelo trabalho morto. Ou seja, com a revolução tecnológica, há um

aumento da mecanização no processo de produção, com clara diminuição dos postos de

trabalho, além de outras formas de precarização do trabalho (terceirizações, quarteirizações,

formação superior em massa, o conceito do profissional polivalente, etc.), com clara direção

de agudização do trabalho.

As formas de (re)produção da vida social, operados pela lógica capitalista, têm fortes

rebatimentos na profissão, por sua condição de assalariamento e sua inserção na divisão social

do trabalho. Esse reconhecimento da sua condição de trabalhador perpassa pelo inconteste

processo de reflexão crítica, originado da contestação das bases conservadoras do Serviço

Social que culminou no seu redirecionamento teórico-metodológico, possibilitando a adesão

da teoria social de Marx.

Portanto, para compreender a apropriação da teoria crítica pela profissão, faz-se

necessário observar um momento distinto, situado na análise de Paulo Netto (1995, p. 85-86),

para quem

esta articulação só se estabelece efetivamente no curso dos anos 60, quando o Serviço Social já

alcançara — depois de três décadas de institucionalização. E, apesar de débil, a tradição marxista

já produzira, no país, pelo menos duas grandes matrizes interpretativas da formação brasileira —elaboradas por Caio Prado Jr. e Nelson Werneck Sodré — e vários textos dos ―clássicos‖ se

encontravam difundidos. Não pode restar dúvidas de esta tardia interação se deve, claramente, ao

profundo conservadorismo que dominava os meios profissionais. O segundo é que a interlocução

com a tradição marxista, salvo na entrada dos nos 80, operou-se basicamente sem a referência direta à teoria social de Marx, valendo-se especialmente de intérpretes e de manuais de

divulgação de qualidade discutível. Ou seja, também no relacionamento com a tradição marxista

reiterou-se entre nós uma velha tara do Serviço Social — a ausência de um exame de fontes originais da reflexão sobre a sociedade.

65

Estes dois momentos distintos situados por Paulo Netto revelam a dificuldade do

processo de aproximação do Serviço Social à tradição marxista e evidenciam a gradual

aderência à teoria crítica de Marx já nos anos 1970/1980, preponderando um ―marxismo sem

Marx‖. (FREDERICO; TEIXEIRA, 2008). Esta aproximação ainda segue enviesada por uma

apropriação fundada em ―manuais simplificadores do marxismo, sua reprodução do

economicismo e do determinismo histórico‖ (BARROCO, 2001, p. 167), centrada ainda na

compressão althusseriana de um marxismo enviesado, ―cuja leitura da obra de Marx vai

influenciar a proposta marxista do Serviço Social‖, centrado em ―um marxismo equivocado

que recusou a via institucional e as determinações sócio-históricas da profissão‖

(IAMAMOTO, 2009, p. 10).

O conteúdo ideopolítico desta aproximação com as obras marxianas e sua apreensão

crítica se constitui de maneira bastante peculiar, pois não foi um acontecimento linear, sem

rupturas; ela se consolida no seio da própria contradição ideológica e prática do grande capital

em sua relação com a profissão.

Ainda na década de 1980, o processo de apropriação da tradição marxista segue seu

curso, acompanhado por importante adensamento teórico nas produções e pesquisas,

sugerindo a necessidade de requalificação teórico-prática, para fazer com que os equívocos

anteriores sejam postos em evidência, como forma de buscar sua superação. Isso porque

alguns profissionais perceberam que os manualismos e modelos marxistas (vulgares) de

aplicação ao conteúdo do trabalho profissional já não forneciam os fundamentos necessários

à compreensão e reflexão da sociedade monopolista, de caráter neoliberal que se consolidara

na passagem dos anos 1980/1990.

Já no aspecto formativo do assistente social, a teoria social de Marx assume sua

centralidade para a consolidação da teoria crítica no conjunto teórico-prático da profissão,

elegendo categorias fundamentais para a compreensão da sociedade burguesa, como a

centralidade ontológica do trabalho, a crítica à sociedade capitalista e a concepção da

totalidade da vida social.

Na afirmação de Paulo Netto (1991), a formação acadêmica, situada na proposta

crítica de entender a dinâmica da sociedade, só se fará possível a partir do momento em que a

academia oferecer ao estudante de graduação e/ou pós-graduação uma ―qualificação dos

docentes‖, que consiste em uma formação longa e sistemática, um amadurecimento intelectual

por meio da apropriação das obras marxianas na sua fonte, livrando assim o docente e seus

alunos dos vulgarismos, ecletismos e das interpretações enviesadas do arcabouço presentes na

tradição marxiana.

66

Essa apropriação não se constitui de maneira alguma apenas no marco teórico, ou seja,

no campo da abstração filosófica: busca superar o limiar institucional das universidades e

constituir-se em um processo dialético com a cotidianidade, espaço em que o assistente social

desenvolve seu trabalho profissional. Não se trata de aferir importância apenas à teoria ou à

―prática‖, mas, sim, de um aprofundamento da práxis profissional (compreendida na sua

dimensão de totalidade), mediado por contínuo processo de síntese de múltiplas

determinações. O movimento posto pela sociabilidade capitalista implica, necessariamente,

compreender todo este processo perverso da relação antagônica entre capital e trabalho e seus

reflexos na vida social, situando aqui, a profissão e o trabalho profissional.

Assim, vejamos o enfático posicionamento de Iamamoto (2000a, p. 196):

Apreender este processo social na sua contraditoriedade é requisito para se construir um projeto

de formação profissional que reafirme o estatuto profissional do Serviço Social, na medida em

que este esteja comprometido com a formulação de programáticas: de propostas de ação no campo da implementação e da formulação de políticas sociais públicas e privadas, da dinâmica

do mundo do trabalho e de seu mercado, atento ao universo da cultura universal, mas também à

visão de mundo dos subalternos, decifrando seus códigos, suas maneiras particulares de

expressão de sua vida social em formas culturais.

Com a aproximação da profissão ao legado da teoria de Marx, observa-se, nas

reflexões de Iamamoto, que a compreensão crítica da estrutura societal vigente, patrocinada

sob o mando do grande capital, está fundada na própria contraditoriedade inerente à sociedade

capitalista (PAULO NETTO, 1991) e favorece ao assistente social, especialmente, condições

de compreender a estrutura e, principalmente, por meio de seu trabalho profissional, intervir

na realidade concreta.

Esta compreensão passa pela esfera da inserção do assistente social enquanto

profissional na divisão social e técnica do trabalho, sendo requerido pelo próprio capital para

implementar políticas sociais, concebidas como fragmentadas e focalizadas e portadoras de

forte apelo populista.

Tais ações profissionais eram requisitadas na direção do amortecimento da crise

gerada pelo próprio capital em sua fase monopólica. Porém, este trabalho profissional,

calcado em um fundamento ético-político, caminha na direção da superação de práticas

mecânicas, acríticas e a-históricas, com vistas à materialização de um trabalho profissional

que supere os limites impostos pelas instituições (públicas e privadas) e que caminhe na

direção constante de construção do projeto político profissional, projeto este assumido pela

profissão.

67

Reside, portanto, a crítica em situar o Serviço Social e o trabalho profissional para

além das demandas tradicionais impostas, superando a compreensão e o fazer mecânico da

―condição de implementador‖ de políticas sociais. Propõe-se, na direção oposta, um perfil

profissional pautado na contribuição à potencialização do coletivo, na construção do espaço

público, na superação da condição de tutela dos usuários dos serviços sociais e no

fortalecimento da luta geral dos trabalhadores.

O compromisso social do assistente social com a classe trabalhadora e com os

princípios do projeto profissional tem origem fundada na aproximação da profissão à

compreensão e reflexão da teoria social de Marx que plasmou os fundamentos éticos da

profissão desde os fins da década de 1980.

Em nossas análises, é impossível dissociar esta aproximação à ontologia do ser social

de Marx dos elementos ontológicos do Código de 1993, pois este emerge de todo um

movimento social, político, econômico e cultural de enfrentamento da ditadura militar, que

impulsionou a superação da ética conservadora e igualmente burguesa, para um caminho ético

evidenciado pela proximidade da profissão àqueles com os quais se identificaram, ou seja, os

trabalhadores.

Assim, o Código de 1993 é ―situado como parte do processo de renovação

profissional, no contexto da ‗luta dos setores democráticos contra a ditadura, e em seguida,

pela consolidação das liberdades políticas‖ (BARROCO, 2001, p. 200). Deste modo, não é

possível situar a renovação do Serviço Social descolada do movimento da sociedade

brasileira, pois, a profissão vincula-se à luta geral da sociedade, na direção de uma nova

estrutura político-econômica, ideológica e cultural. A busca de uma direção social ficou

evidenciada na sociedade e na profissão.

É nesse sentido que se afirma que o Código de 1993 condensa e representa toda a luta

travada na ambiência do Serviço Social em termos teóricos e práticos, buscando imprimir

uma direção política compromissada com a classe trabalhadora. E, também, que

aponta para as determinações da competência ético-política profissional; [pois] ela não depende

somente de uma vontade política e da adesão de valores, mas da capacidade de torná-los

concretos, donde sua identificação como unidade entre as dimensões ética, política, intelectual e prática, na direção da prestação de serviços sociais (BARROCO, 2001, p. 205).

Em decorrência, o Código vigente se preocupa com a qualidade dos serviços prestados

à população, com a defesa do aprofundamento da democracia, com esforço coletivo na

eliminação de todas as formas de preconceito (étnico-racial, de gênero, orientação sexual,

religião, etc.), com a defesa intransigente e incontestável dos direitos humanos, pautando no

68

entendimento da liberdade (pensada na direção da supressão da sociedade de classes)

enquanto valor central ao ser social. Enfim, o Código elege valores emancipatórios, de cunho

crítico, com vistas à construção de uma nova sociedade. Nesta direção, os princípios do

Projeto não se materializam apenas por sua própria e unívoca indicação ideopolítica, mas

também se concretizam a partir das ações profissionais compreendidas e apropriadas

criticamente, o que supõe a importância dos fundamentos teórico-metodológicos mediados

pelo comprometimento ético-político.

Essa tarefa não é apenas do coletivo profissional, sugere, também, a organização dos

trabalhadores em torno de um projeto social inovador, superador da lógica posta pelo grande

capital. Porém, não pode ficar restrita apenas em seu fundamento ideológico, sua

materialização necessariamente precisa caminhar na direção de respostas objetivas (concretas)

a sua intencionalidade (práxis), desveladas a partir da mediação.

Nesta direção, há a necessidade de situar a distinção entre os projetos profissionais e

os projetos societários, pois, no caso da profissão, o PEP emerge com um projeto profissional,

porém, profundamente conectado com o projeto societário, pautado na direção social

determinada de superação do modo de produção atual. Assim, os projetos societários

―apresentam uma imagem de sociedade a ser construída, que reclamam determinados valores

para justificá-la e que privilegiam certos meios (materiais e culturais) para concretizá-la‖

(PAULO NETTO, 1999, p. 3).

Partindo desta análise, os projetos societários reclamam e assumem, de maneira

coletiva, uma determinada direção social que lhes concede legitimidade na esfera do

enfrentamento e na direção da construção de alternativas com vistas à satisfação das

necessidades dos trabalhadores. E é a partir disso que se constrói a legitimidade dos projetos

societários, ou seja, do seu caráter coletivo, pois revela sua característica de projeto de classe

e essencialmente ―macroscópicos, como propostas para o conjunto da sociedade‖ (PAULO

NETTO, 1999, p. 3).

Mesmo identificado como resposta coletiva de enfrentamento à ordem monopólica, os

projetos societários estão inscritos numa esfera complexa e antagônica, em que pesa a própria

contracorrente operada pela lógica do capital, na busca pela manutenção da ordem, sustentada

pela exploração exacerbada da força de trabalho e na defesa dos seus elementos fundantes e

estruturantes. A tônica destes projetos se expressa pela luta de classes, entre projetos

antagônicos, postos a atender necessidades mais distintas.

Quanto aos projetos profissionais, podemos situá-los na condição de projetos

coletivos, dados pela constituição de determinado corpo (e, neste ponto, situamos o Serviço

69

Social) tendo como sujeitos os assistentes sociais e os organismos representativos da profissão

(Cfess, Cress, Abepss, Enesso, associações de assistentes sociais e sindicatos da profissão),

supondo que esta organização contribua para que assim o ―projeto profissional se afirme na

sociedade, ganhe solidez e respeito frente às outras profissões, às instituições privadas e

públicas e frente aos usuários dos serviços oferecidos pela profissão é necessário que ele

tenha em sua base um corpo profissional fortemente organizado‖ (PAULO NETTO, 1999, p.

4). Na dimensão constitutiva do projeto profissional, é necessário compreender que sua

adesão a determinada direção social ou ideológica situa-se na esfera da contraditoriedade

posta dentro da própria ambiência profissional, o que significa refletir sobre a diversidade

ideopolítica presente na profissão, além das mais variadas concepções de homem e de mundo

e opções teóricas norteadoras do trabalho profissional.

É necessário retomar que o próprio conceito histórico-metodológico da profissão foi

tributário das determinações que engendraram os seus fundamentos teórico-metodológicos e,

consequentemente, sua concepção ética. Evidencia-se a presença de uma pluralidade de ideias

que situa a profissão em ―uma unidade não-homogênea, uma unidade de diversos; nele estão

presentes projetos individuais e societários diversos e, portanto, configura um espaço plural

do qual podem surgir projetos profissionais diferentes‖ (PAULO NETTO, 1999, p. 5). Estas

tensões postas pela pluralidade de ideias na profissão necessitam ser concebidas como

essenciais à condução de projetos conquistados hegemonicamente; porém, esta

respeitabilidade não pode ser confundida com ecletismo, posição esta que vulgariza os

fundamentos teóricos e as concepções de projetos (PAULO NETTO, 1999).

Marcado pela luta entre posições políticas e os mais variados escopos teóricos, o

projeto profissional situa-se nesta conflituosa arena de interesses ideológicos e políticos

distintos, o que o posiciona no fortalecimento do seu aspecto democrático e contribui para a

consolidação da sua direção social. Sua sustentação se constitui na base política da profissão,

com expressiva contribuição pela apropriação dos fundamentos teóricos da vertente crítico-

dialético.

Buscando apoio neste arcabouço teórico, o assistente social situa-se na condição de

profissional inserido na divisão social e técnica do trabalho que se encontra polarizado por

interesses de classes antagônicas. Mas lhe é requerida a reflexão da necessidade de assumir o

compromisso junto à classe trabalhadora, como forma coletiva, buscando coerência com os

dispositivos do Código de Ética e o projeto societário profissional.

Todavia, na contemporaneidade, este compromisso com a classe trabalhadora torna-se

limítrofe. A ofensiva neoliberal do capitalismo monopolista, traduzida por profundos

70

rebatimentos nas relações de trabalho, na desconstrução dos direitos sociais conquistados

duramente pelos trabalhadores, na implosão das políticas públicas, no desmonte do papel do

Estado, ―intervém na vida dos indivíduos, criando demandas e respostas à insegurança

vivenciada objetiva e subjetivamente na vida cotidiana. As formas de (re)produção social

imprimem uma nova dinâmica ao conjunto das relações sociais‖ (BARROCO, 2011, p. 2).

A lógica capitalista determina a regulação da vida social em todas as suas esferas

constitutivas, determinando assim, os modos de vida, as formas de pensamento, os estilos de

vida, tudo isso concebido como processo de (re)produção da vida social capitalista. É neste

cenário que se põe em movimento o PEP, concebido como forma de negação e superação da

vida social burguesa e situa a profissão na contraditoriedade da vida social, o que torna mais

complexa a adesão do assistente social ao seu compromisso ético-político assumido pela

categoria. Mas, neste mesmo cenário, o antagonismo posto pelo capital é combustível para o

fortalecimento da resistência.

Inserido neste contexto, o assistente social necessita apropriar-se de algumas

categorias, como a mediação contraditória, que lhe possibilitem a reflexão da conflituosa

relação entre a manutenção do seu espaço sócio-ocupacional, a e continuidade da venda da

sua força de trabalho e a clareza da necessidade de assumir coletivamente os interesses da

classe trabalhadora, dando materialidade ao projeto profissional.

A partir destas reflexões, podemos considerar que ao nos referenciarmos por um projeto

profissional crítico, que tem uma vinculação com projetos societários progressistas, poderá

estabelecer o limite entre uma prática imediatista, espontânea, intuitiva, manipulatória e aquela que tem uma clara direção sócio-política (GUERRA, 2007, p. 16).

Nesse sentido, entende-se que o trabalho profissional reflete muito mais que uma

ação ideológica, de execução prática deslocada da realidade concreta. Supõe estabelecer

mediações necessárias entre as esferas da vida social, o que pressupõe um trabalho

profissional com direção social clara, que busca distanciamento e uma ruptura com as práticas

conservadoras, cerceadoras da liberdade e dos comportamentos, considerando seu

comprometimento ético. Deste modo, a mediação, segundo Battini (apud RODRIGUES,

2003, p. 171), se define pelas:

relações de uma totalidade complexa [que] não se dão de modo linear, mecanicista ou

unilateralmente, mas acontecem mediante instâncias de passagem geradas em si mesmas. A

mediação é concebida como a relação entre o mediato e o imediato, a mediação é categoria que auxilia o profissional a criar as condições da operação da práxis, figurando entre o resultado. São

nos processos de mediação que o movimento das relações sociais faz fluir os atos e o desvendar

da realidade nos seus atributos e nas suas determinações.

71

Considerando que a mediação, segundo Rodrigues (2003, p. 19), é uma ―categoria do

movimento que está contida na totalidade social, configurando sua processualidade e

assegurando ao sujeito sua apreensão‖, o assistente social necessita concebê-la como forma de

considerar todo o processo, sem a perspectiva fragmentadora do indivíduo, entendo-o como

um ser social inserido no contexto dinâmica da sociedade contemporânea, sob a perspectiva

da totalidade, contribuindo na direção de situar o humano-genérico na dimensão contraditória

da vida social, determinada sob a ótica do capital.

A mediação não pode ser concebida como um manual de conduta para o trabalho

profissional compromissado com os valores assumidos; a mediação necessita ser entendido na

direção da superação deste manualismo conservador, que atribui a esta categoria um

entendimento errôneo de uma ―tipologia‖ para ―aplicação‖ no trabalho profissional; a

mediação pressupõe partir da singularidade para a totalidade, ou na direção oposta,

possibilitando a apreensão crítica do real, do concreto, em suas variadas expressões

(LOURENÇO, 2009). É, assim, uma categoria expressa na contraditoriedade do movimento e

sua reflexão determina sua processualidade.

Partindo do pressuposto ético-político e da totalidade da vida social, cabe ao assistente

social, além das demandas tradicionais, oportunizar seu contato junto à classe trabalhadora

por meio de ações de veiculação de informações de interesse coletivo, na direção da

radicalização da democracia nos espaços coletivos, da expansão dos direitos sociais, da

construção e consolidação dos movimentos sociais, enfim, utilizar-se de todos os

instrumentos materiais ou ideológicos disponíveis para a construção da cidadania, da

expansão dos sujeitos sociais, na direção de uma nova sociabilidade.

No contexto do trabalho profissional, concebido a partir dos elementos ético-políticos

indicadores do comprometimento com a classe trabalhadora, firma-se uma práxis política,

evidenciada por atividades que caminhem na direção da oferta de respostas coletivas às

necessidades igualmente coletivas, dadas no âmbito das requisições da classe trabalhadora, da

qual os assistentes sociais se vinculam organicamente (LUKÁCS, 1979).

Estes espaços podem ser utilizados pelo assistente social para consolidar seu trabalho

profissional de forma crítica, com o objetivo de atender às demandas postas pelos

destinatários da intervenção profissional, opondo-se às demandas clientelistas e tradicionais,

que remetem sempre a uma atuação profissional voltada ao conservadorismo e ao

tradicionalismo de inspiração burguesa.

Segundo Barroco (2001), pelas características da ontologia social de Marx, uma ética

que se pretende pautar em seus pressupostos configura-se como uma ética de caráter

72

revolucionário, ou seja, fundada na superação dos limites concretos postos, pela ordem

burguesa, à realização dos valores e das capacidades humanas,

ou seja, é critica a moral do seu tempo e possibilidade de projeção ideal de uma sociedade em que

os homens possam se realizar livremente, sempre com base nas possibilidades reais e em face do

desenvolvimento genérico já realizado. Por isso, a ética é, também, uma referência para a práxis político-revolucionária, seja como instrumento teórico-crítico, seja como orientação de valor que

aponta para o devir (BARROCO, 2001, p. 57).

Tomado pela reflexão do significado do trabalho e sua capacidade autocriadora e

autotransformadora, que projeta finalidades de forma consciente, são categorias que por sua

essência contém elementos para a ―invenção e vivência de novos valores, o que,

evidentemente, supõe a erradicação de todos os processos de exploração, opressão e

alienação‖ (CFESS, 1993). Deste modo, este é, essencialmente, um projeto de classe, tomado

na sua radicalidade e alinha-se profundamente com o projeto ético-político profissional do

Serviço Social na direção da construção de uma nova sociedade; assim, a reflexão teórico-

política e ética possuem componentes essenciais para a construção de novos horizontes.

Partindo desta reflexão, a compreensão da ética é mediada pelo compromisso expresso

com a luta geral dos trabalhadores, na direção da emancipação política e humana, como

resultado da superação da sociedade de classes. A sedimentação da intervenção profissional

crítica deriva de fatores que tem como fonte originária a formação acadêmica, tendo como

parâmetro o conhecimento teórico que possibilite a ruptura da visão de homem e mundo

míope, associando conhecimentos teórico-metodológicos a uma práxis política, que indica a

direção social da profissão.

Quanto à formação acadêmica, necessita, de maneira objetiva, romper com o

tradicionalismo conservador, promovendo a desconstrução e reconstruindo uma nova

consciência crítica de sociedade, sobre o sistema social vigente e das relações sociais

advindas deste processo, na direção de fornecer as bases teórico-políticas de caráter crítico no

campo teórico, mediados pelo cotidiano concreto, com clara intencionalidade de supressão

das determinações impostas à classe trabalhadora. Nesta esfera, não podemos limitar a

formação de uma consciência apenas nos limites da formação acadêmica; ela situa-se

também, na própria constituição mediada e profundamente metamorfoseada do trabalho na

contemporaneidade, no aprofundamento da exploração no modo de produção capitalista que

segue na direção da destruição dos direitos humanos, sociais e civis, bem como na direção da

supressão da essência do ser humano-genérico, fundado na alienação.

73

Deste modo, as condições de vida postas e experienciadas na base material são

combustíveis para um despertar de consciência. Com relação à formação profissional e sua

crítica, abordaremos suas características no capítulo seguinte. Além de formação, o assistente

social necessita ter clareza do compromisso assumido e dos valores coletivos fundados numa

concepção ético-política como forma de consolidar seu trabalho profissional perante a

sociedade, sendo estes compromissos entendidos como uma dimensão particular da profissão

que se alinha aos interesses da classe trabalhadora.

Como síntese da Resolução CFESS nº 273/93 — fruto de um esforço coletivo, dado

pela busca do redimensionamento e do significado dos valores e compromisso ético-

profissional dos assistentes sociais e mediado pelo processo de construção de uma nova

direção social da profissão — e dos 11 princípios fundamentais que contém, entendidos como

elementos norteadores do exercício profissional do assistente social, pode-se considerar:

• reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes — autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;

• defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo;

• ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com

vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras; • defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da

riqueza socialmente produzida;

• posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso

aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; • empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à

diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças;

• garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e

suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual; • opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem

societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero;

• articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios

deste Código e com a luta geral dos trabalhadores; • compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento

intelectual, na perspectiva da competência profissional;

• exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de

classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física (CFESS, 1993, p. 5-6).

A referência a esses princípios emerge amalgamada junto aos valores democráticos

conquistados por meio das lutas engendradas pela classe trabalhadora, de caráter progressista

da sociedade brasileira. Neste cenário de luta, o Serviço Social se inscreve, mesmo que diante

de muitas particularidades.

Estes princípios são indicadores de um exercício profissional competente e

compromissado com os desejos da coletividade, necessitando de uma apropriação crítica

pelos estudantes no processo de formação e de uma atuação profissional marcada pelo

comprometimento ideopolítico com as massas exploradas, mediado pela Lei de

74

Regulamentação da Profissão e assim, vinculado ao desejo da materialização do Projeto Ético

Político.

Traduzindo seus valores e princípios para a particularidade do compromisso profissional, o

Código aponta para as determinações da competência ético-política profissional; ela não depende

somente da vontade política e da adesão a valores, mas da capacidade de torná-los concretos, donde sua identificação como unidade entre as dimensões ética, política, intelectual e prática, na

direção da prestação de serviços sociais (BARROCO, 2005, p. 205).

Reafirma-se, por meio dos 11 princípios, o reconhecimento da liberdade como valor

ético central, liberdade esta concebida na sua totalidade, a defesa intransigente dos direitos

humanos (direitos humanos tendo o homem como medida) e recusa do arbítrio e do

autoritarismo, apontando a necessidade de rompimento com o conservadorismo, enquanto

justificador da desigualdade, visando o combate a todas as situações que ferem a integridade

dos indivíduos e considerando a liberdade como um elemento necessário ao pleno

desenvolvimento das capacidades humano-genéricas, dados a partir da supressão da sociedade

de classes.

Outro aspecto importante a ser destacado situa-se no compromisso assumido pelo

Serviço Social junto à cidadania, concebida a partir de elementos teórico-metodológicos e de

profundo conteúdo ideopolítico que remetem sua compreensão na essência de uma cidadania

que somente pode ser compreendida a partir da supressão do modo de produção atual, ou

como assevera Tonet (s/d), uma cidadania dada na esfera de uma democracia socialista.

O compromisso com a defesa do aprofundamento da democracia, pensada na direção

de uma democracia socialista, deve estar fundamentado na necessidade de socialização da

riqueza socialmente produzida, representada pela igualdade de oportunidades de acesso por

todos os trabalhadores ao trabalho e pela real universalização do acesso à saúde, educação e

condição de vida digna. Os princípios ratificam, ainda, o posicionamento em favor da

equidade e da justiça, compreendidas como frutos do amadurecimento de uma consciência

posta na e pela coletividade, possibilitada por meio de intensas mobilizações, evidenciada

pela luta e justificadas pela busca da equidade. Ao assistente social cabe o papel de apoiar e

assumir junto aos trabalhadores organizados na defesa dos seus interesses, direcionando sua

práxis política na direção da universalidade de acesso a bens e serviços sociais, bem como na

construção de uma nova sociedade.

Constata-se o empenho da categoria profissional na direção da eliminação de todas as

formas de preconceito, que é resultado do acentuado processo de (re)produção da vida social,

fundada numa concepção conservadora, que não concebe as particularidades dos sujeitos. O

75

atendimento e a reflexão sobre a conduta profissional ante ao estabelecido nesse princípio se

constitui por meio de um exercício profissional que supere atitudes fundadas em valores e

visões de mundo pautadas em concepções dogmáticas e moralistas preconizando o respeito à

equidade no atendimento aos usuários.

Já a concepção de pluralismo indicada está centrada na heterogeneidade do debate

teórico e suas diversas correntes, supondo assim, respeito entre as formas de pensamento

teórico que transitam pelo Serviço Social (IAMAMOTO, 2008). O respeito às diferentes

posições teóricas e ideológicas no contexto da profissão revela a convivência com o

antagônico, o que não supõe a aceitação do ecletismo teórico, como uma expressão confusa e

vulgar do conhecimento teórico, sendo este um elemento que esvazia a análise e a reflexão

das relações sociais de produção.

Aliados a isto, os princípios apontam para a opção por um projeto profissional

vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, que esteja centrado na

superação da sociedade de classes atual, na direção de um modo de produção justo, em que se

situe a valorização do ser humano-genérico, a partir de sua essência e que o homem passe a

ser a medida.

A necessidade de vinculação orgânica com os movimentos sociais e com os

movimentos de outras categorias profissionais que partilhem da mesma direção social da

profissão também se apresenta como componente desses princípios, fomentando uma cultura

profissional vinculada aos sujeitos e às realizações coletivas, configurando-se na essência do

compromisso ético-profissional do assistente social junto ao embate da defesa dos interesses

da classe trabalhadora, da direção de uma nova sociabilidade.

Deste modo,

[...] estamos diante de uma perspectiva, que não só apresenta os caminhos à apreensão do mundo

dos homens na sua concretude histórica e pelas suas bases objetivas, mas nos proporciona os passos possíveis para a superação da lógica do capital pela lógica onímoda do trabalho, que

necessariamente passará pela transformação social e que, por fim, reivindica uma sociedade

verdadeiramente humana (LARA, 2008, p. 211).

Nesta direção socialmente dada, a profissão ratifica seu compromisso com a qualidade

dos serviços prestados pelos assistentes sociais aos usuários por eles atendidos, na perspectiva

de contribuir para a socialização do acesso aos bens e serviços sociais. Para tanto, este

compromisso se consolida pela via do desenvolvimento intelectual do assistente social, como

formação que lhe possibilite a compreensão desta dimensão da elaboração e implementação

das políticas sociais públicas, bem como de sua condição de facilitador do acesso.

76

O último princípio firma-se no exercício profissional, propondo o exercício da

profissão sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe social,

gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, idade e condição física, assegurando

aos assistentes sociais o gozo dos mesmos direitos. O enfrentamento da discriminação é

reivindicado e construído pela categoria em favor da classe trabalhadora, exigindo o respeito

para com as diferenças dos usuários e outros profissionais. Partindo da apresentação e

reflexão acerca dos onze princípios fundamentais constantes do Código de Ética do assistente

social de 1993, podemos afirmar, conforme Simões (2007, p. 476), que

[...] a inserção destes princípios poderá parecer uma parcialidade política, em contradição com a própria natureza da ética profissional; ou uma alocação imprópria, para aqueles que o reduzem a

norma técnica, de caráter puramente instrumental. Não é assim por dois motivos. Porque nada

mais são do que a expressão dos mandamentos constitucionais e porque são da própria natureza

da profissão. Esta é uma instituição cuja prática, mesmo quando elitizada, implica sempre esta ou aquela concepção política da ordem social.

Sobre as bases de legitimidade da profissão, Simões (2007) remete à necessidade de

uma reflexão acerca dos elementos éticos e políticos da profissão, além da sua condição

regimental, legal e de caráter regulador. Os princípios profissionais e o Código de Ética

necessitam de compreensão/reflexão que transite entre sua institucionalização legal e a clara

orientação política que se traduz na direção do trabalho profissional compromissado com os

valores defendidos pela classe trabalhadora e aos quais historicamente se identificou.

Nesta direção, faz-se necessário a busca pela superação da leitura puramente legalista

do Código de 1993, competindo-nos a necessidade de apontar que nós, na condição de

assistentes sociais e trabalhadores, temos um grande desafio colocado pela dinâmica do

capital e suas relações sociais, que é compreender esse texto de raiz político-legal mediado

pela necessidade da materialização de uma construção coletiva da nova ordem societária, livre

da dominação, da exploração do homem pelo homem e da condição de classe dominante e

dominada, em que ―o homem seja a medida de todas as coisas‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 226).

Assim, trata-se de oferecer visibilidade aos pressupostos ético-políticos e, na mesma

direção, faz-se urgente dar efetividade a estes princípios no cotidiano do trabalho profissional

compromissado com os valores e a defesa dos interesses dos usuários do Serviço Social e das

políticas públicas. Busca-se, portanto, a defesa destes princípios como valores de vinculação

orgânica pela defesa da manutenção e ampliação dos direitos sociais, da democracia e da

liberdade enquanto princípio essencial de uma sociedade sem classes, sem explorados e

exploradores. Deste modo, ―[...] a efetivação destes princípios remete à luta no campo

democrático-popular por direitos que acumule forças políticas, base organizativa e conquistas

77

materiais e sociais capazes de dinamizar a luta contra-hegemônica no horizonte de uma nova

ordem societária‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 226).

O projeto defendido pela classe trabalhadora pode ser considerado um projeto de

cunho progressista, que tem como pano de fundo a relação conflituosa entre capital-trabalho,

haja vista o processo de aprofundamento desta relação que leva o trabalhador a profundas

taxas de empobrecimento, além da sua degradação, com rebatimento nos processos de

exclusão em todos os contextos (político, econômico, social, etc.). Na direção oposta, os

projetos originados das demandas da classe trabalhadora fundam-se em princípios e valores

particulares.

[...] a liberdade, a democracia substantiva e a cidadania, os direitos humanos, civis, políticos e

sociais, a justiça social, as políticas sociais universais, não contributivas, de qualidade e

constitutivas de direitos de cidadania, a ampliação da esfera pública, a eliminação de toda forma

de exploração, dominação e submissão, como sistema de convivência social e de desenvolvimento de uma cidadania substantiva (MONTAÑO, 2003, p. 29).

Desta maneira, fica perceptível que a plataforma ideopolítica em que se alicerçam os

interesses da classe trabalhadora colide diretamente com o projeto neoliberal de caráter

reformista (MONTAÑO, 2003), pelo fato de que é um campo antagônico onde emergem, se

movem e recompõem as lutas de classes, na busca pela manutenção e ampliação dos seus

projetos. Para o fortalecimento do embate neste cenário adverso, é

imprescindível a existência de organizações profissionais articuladas, legitimadas pelo coletivo e

representante dos mesmos, ativas e atuantes: na organização de eventos, intervindo publicamente pela defesa dos direitos civis e políticas sociais universais de qualidade, [...] representando os

seus membros na defesa de seus interesses (MONTAÑO, 2003, p. 51).

Em decorrência, os trabalhadores, enquanto classe organizada pela luta de seus

interesses, têm nas instituições organizativas (sindicatos, associações, grêmios, conselhos,

etc.) um aparato jurídico que lhes possibilita uma intervenção nos marcos legal, conferindo-

lhes condições de luta na contracorrente do capital.

Neste cenário, os assistentes sociais, na condição de trabalhadores, e o projeto

profissional se inscrevem como agentes vetores da luta e da resistência do contramovimento

operado na contemporaneidade pelo capital em sua era monopólica, que tem causado diversos

prejuízos à esfera dos direitos sociais da classe trabalhadora, a qual tem lutado, como contra-

hegemonia, pela busca incessante de manter todo o conjunto de direitos sociais duramente

conquistados.

78

Assim, a classe trabalhadora, bem como o próprio posicionamento do Serviço Social,

direciona este contexto tão adverso na perspectiva de construção de projetos profissionais e

societários que os situem como ―guia efetivo para o exercício profissional, e [deve-se]

consolidá-lo por meio de sua implementação efetiva, ainda que na contramão da maré

neoliberal‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 233).

As determinações das relações sociais sobre os elementos sócio-profissionais indicam

um rumo ideopolítico de um coletivo profissional compromissado com as bandeiras de lutas e

com as necessidades da classe trabalhadora, o que nos faz observar a presença de uma

belicosa ofensiva da programática neoliberal na direção da contínua desconstrução cotidiana

dos princípios das bandeiras de luta da classe trabalhadora, com forte rebatimento na direção

social do Serviço Social. Tal condição repercute por meio do alargamento das bases de

correntes ideológicas estranhas às assumidas pelo coletivo profissional que levam

invariavelmente a descaminhos perigosos e um difícil processo de possível reversão.

Estes perigosos descaminhos minam a construção permanente da cidadania, da justiça

social, da equidade, da liberdade, elementos tão necessários à sociedade e à profissão,

concebidos, assim, na essência superadora do modo de produção vigente.

Não podemos reduzir todo este conjunto a meros esquemas desconectados das

mudanças significativas que ocorrem na sociedade, sejam estas ideológicas, políticas,

econômicas, sociais e culturais, pelo fato de que todos estes elementos são mediados e

tensionados pelas relações sociais de produção e, não obstante, sob a égide do grande capital.

A compreensão deste complexo jogo reside na apropriação da crítica, da reflexão teórico-

prática e do alinhamento os princípios profissionais contidos no projeto ético-político e no

Código de 1993, associados à busca pela sua materialização no cotidiano profissional.

O projeto ético-político expressa, assim, valores e conquistas que só podem ser

entendidos a partir de uma reflexão sobre todo o contexto econômico, político, cultural e

social que perpassa e é inerente à sociabilidade capitalista, sob a ótica da crítica ao modelo de

produção capitalista e a inserção e reconhecimento do assistente social enquanto trabalhador.

Deste modo, o Serviço Social se legitima a partir da vinculação do seu projeto: ―Esta [...] se

dá pela própria exigência que a dimensão política da intervenção profissional impõe. Ao

atuarmos no movimento contraditório das classes, acabamos por imprimir uma direção social

às nossas ações profissionais, que favorecem a um ou outro projeto societário‖ (BRAZ, 2004,

p. 7-8).

Esta vinculação às massas trabalhadoras somente se explica a partir da reflexão crítica

dos fundamentos histórico-metodológicos que, engendrados na profissão a partir da

79

contraditoriedade do capital e no seu compromisso com a classe trabalhadora, resulta da

negação da base conservadora que orientava a formação e os fundamentos teóricos e éticos da

profissão. Esta negação, explicada pela emergência do Movimento de Reconceituação e a

aderência ao pensamento de Marx, colaboram para esta nova direção social da profissão.

Esta busca por uma nova sociedade indica ao assistente social o desenvolvimento de

um trabalho profissional em toda sua dimensão constitutiva, concebido a partir de

diversas e variadas ações que efetuamos como plantões de atendimento, salas de espera,

processos de supervisão e/ou planejamento de serviços sociais, das ações mais simples às

intervenções mais complexas do cotidiano profissional, nelas mesmas, embutimos determinada direção social entrelaçada por uma valoração ética específica (BRAZ, 2004, p. 7-8).

Aliado a todo este contexto complexo, o Serviço Social tem na classe trabalhadora sua

mais nítida forma de reconhecimento social e político, tendo em vista todo o conteúdo e a

direção social da profissão que busca constantemente um distanciamento dos perigosos

holofotes da mídia burguesa, do corporativismo rígido das profissões regulamentadas, do

conceito elitizado da sua condição de profissão de nível superior, bem como a recusa às falsas

ilusões. É preciso, ainda, ter claro o posicionamento centrado em uma concepção de valores

que convergem, em todos seus canais institucionais, práticos, fundamentos legais,

ideológicos, teórico-metodológicos e ético-políticos, para uma classe socialmente

determinada no cenário do mundo contraditório do capital: a classe trabalhadora.

80

Capítulo III

DESVELANDO UBERABA (MG): O CENÁRIO DA PESQUISA E OS

ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAIS DOS SUJEITOS

ENTREVISTADOS

3.1 Um esboço da história social e econômica de Uberaba

Conhecer a historicidade de um povo, uma comunidade, uma região é relevante para

que se possa compreender a realidade apresentada na atualidade, pois é por meio dos

acontecimentos e das transformações operadas pela lógica capitalista que a sociedade se

consubstancia na esfera cotidiana e, deste modo, constitui-se como processo cultural,

econômico, político e social. Assim, torna-se relevante contextualizar o cenário no qual se

realizou a pesquisa, sua construção, seus aspectos culturais, econômico, político e social.

Toda esta apresentação histórico-metodológica funda-se em uma análise que pressupõe a

centralidade do capital e suas relações sociais neste processo de desenvolvimento das forças

produtivas e da organização da vida social desta localidade.

A história de Uberaba emerge a partir das primeiras entradas empreendida, no final do

século XVIII e início do século XIX, pelos bandeirantes paulistas que saíram da capital, São

Paulo, com destino às regiões auríferas do atual estado de Goiás, com a finalidade de

apropriar-se das enormes jazidas de ouro, alinhando as necessidades da Coroa portuguesa de

obtenção de ouro, o extermínio dos povos tradicionais e a disseminação do poder que

emanava da Metrópole.

Segundo Lourenço (2002), durante o período colonial brasileiro, por volta de 1725, os

desbravamentos das matas capitaneados pelos sertanistas e ordenados pelo poder central da

Coroa tinham o intuito de desinfetar índios e quilombolas das áreas de fronteira da Estrada de

Goyases,6 sob o pretexto da necessidade de colonização do interior do Brasil, seguindo as

determinações da Coroa e do forte poder político da Igreja — esta última na incessante busca

da satisfação das suas necessidades ideológicas, políticas, econômicas e, por último, a

religiosa em agregar mais fiéis paras suas fileiras, consolidando seu poder na região. Ainda de

acordo com Lourenço (2002), na região do Goyaz, hoje Triângulo Mineiro, a relação entre

6 Refere-se ao atual Estado de Goiás

81

Coroa e Igreja seguia as mesmas orientações ideopolíticas da Corte e da Metrópole, na

direção de consolidar o poder de Deus e os poderes da Coroa.

Um dos sertanistas mais conhecidos desta região foi o ituano Antônio Pires de

Campos, que realizou campanhas até 1750, exterminando, aprisionando e, é claro,

escravizando os índios caiapós, considerados os primeiros povos do Triângulo Mineiro.

Associava-se a esta estratégia de dominação o processo de cristianização dos povos

tradicionais, subjugando em pouco tempo a cultura secular pelo cristianismo europeu.

Segundo Lourenço (2002), as companhias ou caravanas desbravadoras utilizavam os índios na

condição de escravos, pelo fato de que estas companhias não possuíam recursos para a

compra de negros da Guiné africana.

Cabe refletir sobre o lugar que o ser humano considerado inferior (negros, índios e

povos tradicionais) ocupa neste cenário de barbárie: torna-se mercadoria para satisfação das

necessidades das protoformas do capitalismo no Brasil. Com este processo de dominação do

espaço geográfico, da subjugação do homem pelo homem e pela busca do poder, a região da

antiga estrada de Goyases passou a ser conhecida por Sertão da Farinha Podre.7

O povoamento da região se deu por meio de núcleos de aldeamentos que serviam de

ranchos de pouso para os viajantes que por ali passavam. Nesses aldeamentos, sob o controle

de brancos e mestiços, os índios cativos viviam da agricultura de subsistência, além da caça e

de artesanato. Uma característica marcante era a aculturação e a submissão dos índios à

Colônia, devido ao largo processo de escravização.

Antônio Eustáquio da Silva e Oliveira, sargento-mor, e José Manuel da Silva e

Oliveira (este último tetravô de Fernando Henrique Cardoso), tinham interesse pessoal por

obtenção de prestígio — prestígio este obtido com o poder sobre os homens e terras. Por meio

de influência política, o Major Eustáquio tornou-se o fundador do arraial da Farinha Podre,

em 1811, desapropriando terras indígenas, exterminando alguns e escravizando outros. Outro

método utilizado era a política de concentração que, segundo Carneiro da Cunha (apud

LOURENÇO, 2002), consistia na deportação de índios das reservas para núcleos de

adensamento — como é o caso dos índios bororós, os quais Antônio Pires de Campos aldeou

no Triângulo Mineiro para combater os caiapós, conforme observa Mano (2006).

7 Esta denominação deve-se ao fato de que, neste período histórico, a região de Uberaba era rota de passagem

das caravanas de desbravadores que saiam de São Paulo e do Rio de Janeiro em direção ao atual estado de Goiás e demais estados do Norte/Nordeste, tornando-se a vila importante entreposto comercial, com forte economia

escravista e agropecuária. Com este desenvolvimento, a necessidade de alimentos era fator essencial e, com a

finalidade de alimentar os desbravadores, eram colocados sacos de farinha na estrada; com o passar do tempo e o

significativo atraso das caravanas, esta farinha apodrecia. Com isto, a região fica conhecida como o Sertão da Farinha Podre dos Caiapós (LOURENÇO, 2002).

82

Para que realmente fosse fundado o arraial, conforme a cultura colonial, era necessário

erigir uma capela, e foi em 1812 que Tristão de Castro doou terras para a sua construção. De

acordo com Lourenço (2002, p. 198), ―foi erguida em 1816 a capela de Santo Antônio e São

Sebastião, embrião do arraial de Uberaba‖. O termo Uberaba deriva do dialeto caiapó ―y-

berab‖ e significa ―águas claras, águas cristalinas‖; deve-se este significado à existência do rio

Grande, na divisa de Minas Gerais com São Paulo.

Nos primeiros vinte anos do século XIX, a elite do Desemboque — região mais

promissora do Sertão da Farinha Podre — resolve migrar para o arraial de Santo Antônio da

Farinha Podre, com interesse em criar novos núcleos e procurar uma área mais próspera, pois

as terras do novo arraial eram férteis. Em 1818, devido ao grande crescimento, o então Arraial

passa à condição de freguesia de Uberaba.

As famílias que ali se estabeleciam eram compostas, na sua maioria, por um número

elevado de filhos, pois a primeira característica da formação econômica de Uberaba era o

trabalho familiar, estendido pelo trabalho escravo. Para Lourenço (2002, p. 196),

[...] nessa sociedade, possuir escravos não era privilégio apenas dos grandes senhores. Havia uma

pulverização da posse mancípia, e por isso o mais comum era proprietários de um a cinco

escravos. Esses escravos, porém, não substituíam nem descaracterizavam o trabalho familiar, mas o estendiam, não havendo nessas pequenas unidades uma divisão do trabalho muito clara entre

escravos e seus senhores.

Em 1823, Antônio Eustáquio inaugurou o porto da Ponte Alta, no rio Grande, divisa

de Minas com São Paulo, possibilitando, por meio de embarcações, a ligação à estrada Toque

Anhanguera (Rodovia Anhanguera), encurtando a distância para Santos, e possibilitando,

desse modo, a ligação de Uberaba à Estrada Real, com destino ao Rio de Janeiro. Para

Rezende (1991), a melhoria nos transportes da região condicionou o aumento das negociações

comerciais da época; neste período, o produto que mais se destacava era o sal. Observa-se que

o desenvolvimento das regiões do sertão do Triângulo Mineiro obedeceu a uma lógica

essencialmente mercantil, determinada pela mercadoria, pelo ganho econômico, pela posse da

terra e demais propriedades privadas, dentre as quais a força de trabalho, e obviamente do

poder político e ideológico.

Em 22 de fevereiro de 1836, o governo provincial elevou o arraial à condição de vila,

criando assim o município de Santo Antônio de Uberaba, conforme a Lei nº 28 de 1836,

fazendo com que se iniciasse sua trajetória independente a partir de 1837, quando tomou

posse sua primeira Câmara Municipal, tendo como representante o padre Antônio José da

Silva.

83

Uberaba, do período de sua fundação ao início da década de 1840, desenvolveu-se

significativamente devido ao aumento da produção de gêneros destinados ao abastecimento

interno, aquecendo o comércio interprovincial. Embora caracterizada por uma economia

mercantil que abastecia um mercado interno crescente, as relações sociais de produção

mantinham-se quase que basicamente no modelo escravista, pois, segundo estimativas, nesse

período, 84% dos comerciantes e pequenos proprietários possuíam escravos (LOURENÇO,

2002). A partir desta mesma década, e em função dessa economia mercantil de gêneros

agrícolas, Uberaba toma novos rumos na expansão comercial. A elite — composta pelos

fazendeiros da região — fomenta o crescimento da cidade.

A presença dessa elite gerava novas demandas e novos serviços na economia da vila, que

funcionavam como fatores de atração para uma população sedentária. Por exemplo: surgiam

escolas, teatros, e a política institucional, com casa de câmara e cadeia. E é justamente nesse

momento que se percebe o surgimento de outra elite, agora com ares de urbanidade, formada pelos professores, amanuenses, juízes, padres, que começariam a publicar jornais e a fazer saraus.

Pode-se dizer que nessa fase já existia o urbano (LOURENÇO, 2002, p. 237).

Além do comércio de sal, aumenta na cidade a produção têxtil, mas de caráter

doméstico e não fabril, pois se abastecia a própria população. Isso significa que, ao lado dessa

economia mercantil promissora, muitas famílias desenvolviam ainda a economia de

subsistência, com a lavoura e a criação de bovinos e suínos, conhecida como modo de vida

caipira.

Entre as décadas de 1850 e 1860, ocorre uma elevação do nível econômico de

Uberaba. De acordo com Rezende (1991), os bancos rurais hipotecários lançavam

investimentos na agricultura local, resultado de uma transformação que ocorria no Brasil, pois

―o desenvolvimento que se processava na cidade era sintoma das alterações que se verificam

na ordem capitalista a partir da segunda metade do século XIX‖ (REZENDE, 1991, p. 39).

Esta mesma autora infere a ampliação da participação do consumo de produtos manufaturados

por meio das importações e a concentração de esforços no aumento da produção agrícola,

principalmente no café. O crescimento da economia nacional centrado pela produção do café

trouxe reflexos para a economia de Uberaba nesta época, devido à cidade ser um entreposto

comercial.

Enquanto a produção de café nas terras paulistas destinava-se ao mercado externo, a

Uberaba, como foi dito, cabia o comércio interno de produtos para a região paulista e de

fornecedor e abastecedor de outras regiões. Entre as décadas de 1850 e 1860, a cidade de

Uberaba tinha uma população de aproximadamente 13 mil habitantes, sendo que, neste total,

variando entre uma década e outra, havia entre 1.800 a 4.000 escravos, conforme Rezende

84

(1991), o que demonstra a apropriação da força de trabalho não paga e representa os ganhos

substanciais dos proprietários dos meios de produção.

Concomitante a esse crescimento da economia local com base na mão de obra escrava,

no cenário das relações internacionais, o Brasil abolia o tráfico negreiro (em 1850) devido a

um acordo comercial com a Inglaterra, pois esta nação não realizaria transações comerciais

com o Brasil enquanto perdurasse o tráfico.8 Em consequência, entre 1850 e 1888, o tráfico de

escravos continuou acontecendo no interior do Brasil, como tráfico interprovincial. Com a

força do trabalho escravo tornando-se cada vez mais cara e rara, durante esse período (1850 a

1888), começavam a coexistir relações sociais de produção que transitavam entre o

escravagismo e a força de trabalho assalariada (MANO, 2006). Uma característica desta

mudança na relação de trabalho foi apontada por Lourenço (2002, p. 159):

O escravista, ao comprar do traficante o escravo, esterilizaria um fundo de riqueza em favor da

compra de um poder sobre o trabalhador, pode ser de explorá-lo e acumular seu sobretrabalho. O escravo, nesse sentido, não venderia seu trabalho ao senhor em troca do alimento, como na

relação de trabalho assalariado. A mercadoria em si não seria o trabalho, mas sim o escravo, ou o

poder de coerção extraeconômica sobre o trabalhador escravizado.

Outra característica marcante seria o diferencial existente entre o trabalho escravo e o

trabalho livre, pois exigiria do trabalhador livre abandonar sua própria produção de

subsistência para atender a uma nova modalidade mercantilista, o trabalho assalariado.

Segundo análises de Mello (1984, p. 79),

É fundamental ir além e entender que os homens livres e pobres abandonariam a produção da própria subsistência se, e somente se, impelidos pelo peso da necessidade. Nem a raiz do

problema reside numa pretensa falta de mobilidade, criada pelo ―latifundiário‖ por algum motivo

(poder político, disponibilidade de trabalhadores para tarefas auxiliares, etc.), nem, mesmo ainda,

uma ―taxa de salários ligeiramente acima do nível de subsistência‖ seria suficiente para arrancá-los de seu modo secular de vida.

Com a necessidade de se ter mão de obra assalariada, intensifica-se o processo de

imigração, que se torna basicamente a resposta para o reposicionamento da força de trabalho,

agora na condição de atividade assalariada que as novas relações de produção precisavam. Os

estrangeiros que chegavam ao Brasil eram levados às fazendas para trabalharem nas lavouras.

Alguns por possuírem experiência e conhecimento comercial, vão para as cidades e

colaboram para a expansão comercial.

8 Cabe observar que o posicionamento da Inglaterra nada tem a ver com a preservação dos direitos humanos dos

negros; vincula-se ao fato de que o país vivenciava uma explosão na produção de mercadorias, patrocinada pela

Revolução Industrial e, deste modo, precisava de subterfúgios e acordos para inundar o mundo com seus produtos.

85

Pontes (1978) ressalta que, em Uberaba, os imigrantes influenciaram o

desenvolvimento das forças produtivas da cidade com a abertura de várias casas comerciais.

Após alguns anos, com o desenvolvimento industrial, os imigrantes tornaram-se essenciais

para a efetivação e execução do trabalho dentro das indústrias, pois os novos imigrantes que

chegavam ao Brasil conheciam o ritmo do sistema de produção fabril. Para Skidmore (1998,

p. 120),

[...] os proprietários brasileiros de fábricas, como seus equivalentes capitalistas por toda a parte,

enfrentavam a necessidade de impor disciplina aos trabalhadores. Os trabalhadores brasileiros,

muitos dos quais vinham do campo, tinham de ser ensinados a se adaptar ao processo de produção em massa, o que significava a tirania do relógio. Os empregadores costumavam preferir

trabalhadores imigrantes, que eram às vezes mais bem treinados nos ritmos do trabalho urbano.

Toda esta transformação era reflexo do sistema comercial que se engendrava no

cenário urbano, pois, neste momento de avanço comercial — em 1874 —, Uberaba possuía

casas comerciais, de varejo e atacado, subordinando o trabalho humano às determinações do

capital. Na década de 1880, segundo Rezende (1991, p. 78), foram fundadas algumas fábricas,

tais como ―[...] a fábrica de Tecidos Cassu, uma fábrica de chapéus e um engenho central, [...]

em 1887 a cidade contava com três fábricas de cerveja, uma de queijo, uma de vinho, uma

extrativa de leite, uma de flores artificiais, uma de tijolos e uma de chapéus‖. A economia

tipicamente agropecuária e comercial se reorganiza na direção de aglutinar os trabalhadores

no chão da fábrica, sob as determinações das relações capitalistas de caráter fabril.

Este período é marcado por uma transformação nas relações econômicas, pois surgem

as indústrias e os movimentos abolicionistas tornam-se marcantes.

O trabalho assalariado se tornara dominante e o Abolicionismo, a principio um movimento social

amparado apenas nas camadas médias urbanas e que fora ganhando para si a adesão das classes

proprietárias dos estados não cafeeiros, na medida em que o café passara a drenar para si escravos de outras regiões, recebera, agora, o respaldo do núcleo dominante da economia cafeeira

(MELLO, 1984, p. 87).

Com o fim da escravidão em 1888, o trabalho imigrante é intensificado, pois a

agricultura cafeeira está em alta, e é por meio desta que, alguns anos depois, os capitalistas

teriam capital para intensificar a industrialização nos mais diversos setores da economia

nacional. Ao utilizar-se da força de trabalho assalariada nas fazendas de café, surgiam os

primeiros sinais para a passagem da economia colonial e mercantil escravista à economia

exportadora capitalista. ―o complexo exportador cafeeiro, ao acumular, gerou o capital-

dinheiro que se transformou em capital industrial e criou condições necessárias a essa

transformação‖ (MELLO, 1984, p. 101). Além da acumulação de capital, o fim da escravidão

86

e a afirmação do trabalho assalariado eram essenciais para o desenvolvimento do capitalismo

industrial, sendo a Inglaterra o maior interessado, pois queria expandir suas relações

comerciais.

Em contexto diacrônico das relações de produção uberabense, um acontecimento

fomentou o comércio e a indústria local: a chegada da linha férrea Mogiana (MENDONÇA,

1974). Com o surgimento da estrada de ferro, houve barateamento dos produtos e aumento do

volume das mercadorias, constituindo-se, assim, um dos elementos da infraestrutura

necessária para o desenvolvimento do capitalismo, como pode ser visto em Rezende (1991).

O interesse por novos mercados fez aumentar as construções das estradas de ferro.

Com a construção das linhas férreas atingindo Araguari e a construção do porto Antonio

Prado em Frutal, Uberaba deixa de ser o polo comercial expressivo desta região (PONTES,

1978). Com isto, surge o interesse pela pecuária, e alguns uberabenses importam reprodutores

e matrizes da Índia, desenvolvendo assim a pecuária zebuína no Brasil.

Ocorria em Uberaba um paradoxo na sua vida econômica: eleva-se com a criação de

gado zebu e perde a posição de entreposto comercial, passando a ser um posto de

abastecimento. Nesse período, ocorrem declínio da urbanização e empobrecimento da vida

social.

Na primeira metade do século XX, Uberaba, segundo Martins (2006, p. 27), ―foi

marcada pelo desenvolvimento econômico centrado na pecuária e na agricultura. A

agricultura possibilitou que o município tornasse o maior produtor de grãos de Minas Gerais‖.

Em 16 de dezembro de 1923, foi fundada a Associação Comercial e Industrial de Uberaba,

com o propósito de defender os interesses da classe e propugnar o progresso e grandeza do

Triângulo Mineiro.

À Associação Comercial e Industrial de Uberaba, aos seus trabalhos e aos esforços em prol da

grandeza de nossa terra, devemos inúmeras iniciativas e magníficos serviços prestados à coletividade. Sempre esteve à frente de todas as campanhas que visem à prosperidade desta

região, ao desenvolvimento do comércio, da indústria, da pecuária, da agricultura. A sua

presença, sempre benéfica, se fez sentir em todos os setores de nossa atividade, mesmo nas

esferas sociais e no domínio da inteligência e da cultura (MENDONÇA, 1974, p. 182).

Nesta citação, fica clara a intencionalidade em defesa do desenvolvimento das forças

econômicas a partir do seu mote principal, que é a prosperidade, o desenvolvimento humano e

social e o poder deste povo que, desde seus primórdios, baseou sua riqueza na exploração dos

homens, na usurpação dos recursos naturais e no uso da força (pistolagem), mediados e

atenuados pelas alienantes bem-aventuranças religiosas que foram marcantes para o

desenvolvimento econômico e social da cidade.

87

Mesmo com a introdução relevante do gado zebu e o aumento da produção agrícola

(grãos), houve aumento significativo das indústrias na cidade. Pontes (1978, p. 370) ressalta

que, ―em 1933, existiam na cidade e município 187 estabelecimentos fabris‖. Com o amparo

dos argumentos de Mello (1984), pode-se destacar que a indústria e a agricultura se apoiavam

mutuamente, criando mercados uma à outra, numa relação de subsidiariedade. Analisando as

transformações históricas das relações econômicas e sociais de Uberaba, no momento da

passagem da economia colonial à economia industrial capitalista, esta transformação pode ser

assim explicada:

O processo de industrialização em qualquer região supõe como pré-requisito, a existência de certo grau de desenvolvimento capitalista e, mais especificamente, supõe a preexistência de uma

economia mercantil e, correlatamente, implica um grau relativamente desenvolvido da divisão

social do trabalho. Esse último processo, por sua vez, na medida em que se intensifica em moldes

capitalistas, resulta na força de trabalho... Contudo, estes pré-requisitos são criados pela organização capitalista que antecede a produção propriamente industrial. Antes de existir como

empresário industrial, o capitalista brasileiro já existia, nesta, mesma qualidade de capitalista,

como comerciante, como plantador ou como financista, e como tal, capitalista, criava as

condições para a implantação do regime capitalista de produção industrial (CARDOSO apud MELLO, 1984, p. 99).

Pode-se assim dizer que, em Uberaba, o processo de industrialização foi motivado

pelo desempenho da economia mercantil agropecuária, em vários momentos. Enquanto essa

economia utilizou-se da mão de obra escrava, sobretudo entre 1822 e 1888, esta propiciou ao

capitalista o acúmulo de capital, pois essa economia, ainda que baseada na utilização da mão

de obra escrava, era uma mercadoria constitutiva da economia nacional e, portanto, do

processo de acumulação primitiva e comandado por essa nascente burguesia. Posteriormente,

ao introduzir a força de trabalho assalariada, essa economia mercantil agropecuária incentivou

a passagem definitiva para as relações sociais de produção de base capitalista e, com isso,

incrementou o desenvolvimento do comércio local para um crescente mercado consumidor

composto por esses assalariados.

A consequência desses fatores culminou no desempenho de um setor industrial (com

base nas relações sociais de produção assalariada) de bens de consumo (sobretudo tecidos)

para esse crescente mercado consumidor. Capital agropecuária, capital comercial e capital

industrial possuem, assim, relações íntimas. À medida que se consolidavam as relações

mercantis em todos os âmbitos, inclusive na força de trabalho, caminhava-se conjuntamente

para a fase final do capitalismo regional: a industrialização.

Uberaba, neste período inicial do seu capitalismo industrial — 1940 a 1960 —, passa

por todo o processo e reflexos da estruturação produtiva: sua economia desenvolve-se

88

gradativamente, intensificam-se as relações sociais e políticas. A cidade encontra-se completa

para as relações nacionais e internacionais, assim, à globalização.

A partir da década de 1970, Uberaba, sem eximir-se de sua produção agrícola e

pecuária nem do desenvolvimento comercial, amplia seu parque industrial na produção de

fertilizantes e defensivos agrícolas. Hoje, o município é responsável por aproximadamente

25% da produção de fertilizantes consumidos no Brasil, sendo considerado o maior produtor

de fertilizantes fosfatados da América Latina.

Intrínseco a este desenvolvimento econômico que se instalou na cidade consta o

desenvolvimento político, pois ambos se relacionam, pelo fato de que a cidade ainda é

legatária de um profundo sentimento provinciano, com a presença de grupos familiares

detentores de poder econômico e de forte prestigio político que, desde sua fundação, vêm se

alternando nos Poderes Executivo e Legislativo locais. Nesse quadro,

[...] é possível identificar então que a estrutura social se constitui fundamentalmente de relações de poder, a sociedade se instaurando como uma estrutura hierárquica, sendo o poder social

exercido por uns sobre os outros, de modo diretamente proporcional à aproximação pelos

indivíduos ou grupos dos meios de produção e, consequentemente, de sobrevivência. O poder

social que assim se torna poder político encontra sua base de fato no poder econômico, ou seja, no domínio dos meios de se prover a própria existência material (SEVERINO, 1994, p. 21).

No processo histórico-político de Uberaba, Pontes (1978) ressalta que, de meados do

século XIX ao início do século XX, o conflito político estava entre os partidos Liberal e

Conservador, que logo depois se desmembraram, criando-se os partidos Restaurador,

Republicano e Liberal. Ainda no final do século XIX, instituem-se o Partido Progressista, o

Republicano Municipal e o Republicano Mineiro. Em 1909, cria-se o Partido Democrata.

Todos estes partidos traziam características em comum. O apoio e a movimentação entre os

políticos e os seus correligionários aconteciam por meio dos jornais da cidade e sempre com

influência das famílias de maior poder econômico, principalmente as ligadas à agropecuária.

Por anos, este conjunto de famílias conservadoras, conhecido como a ―Tradicional

Família Mineira‖, manteve seus representantes no Poder Executivo do município. Hoje, este

cenário não difere de forma significativa, pois os membros destas famílias continuam no

poder político, no município e no Estado, influenciando decisivamente as relações

econômicas e comerciais da cidade. Às famílias tradicionais, donas dos currais eleitorais

ainda existentes na cidade, foram, com o passar dos anos, apelidadas de ―zebuzeiros‖, pelo

poder emanado da criação do gado zebu. Desde a década de 1930, Uberaba mantém a maior

feira agropecuária de zebu do mundo, sendo considerada a capital mundial do zebu, e seus

89

empresários são largamente conhecidos pelas grandes fortunas e pela detenção de enormes

quantidades de terras, ou seja, as famílias do agribusiness.

Percebe-se que manter aqueles que têm poder econômico no poder político é algo

construído e que está arraigado nos valores do município. Pontes (1978, p. 102), descrevendo

o início da vida política no município, observa que ―a sociedade uberabense que até então,

sem cor política, vivia somente para o progresso da vila e seu município, dividiu-se, ficando

até hoje o campo semeado dessa erva daninha, chamada politicagem pessoal‖.

Atualmente, a economia do município de Uberaba baseia-se na agroindústria, nas

indústrias de fertilizantes, couros e cerâmicas e, também, no setor moveleiro (este último

nicho econômico rende à cidade o título de terceiro maior polo moveleiro da América do Sul),

além da indústria pesada, de bens de consumo e da agropecuária, com destaque para a criação

de bovinos e avícola e a produção de grãos. Com todo este desenvolvimento econômico e

comercial, Uberaba hoje possui um PIB de aproximadamente R$ 4,5 trilhões (IBGE/2010),

uma renda per capita média de R$ 18 mil, sendo considerada a 71ª economia brasileira e

quinta de Minas Gerais.

Na atualidade, a economia do município é síntese de um processo engendrado pelo

capital para garantir sua (re)produção, caracterizando-se principalmente pela existência do

desenvolvimento fundado em bases econômicas e sociais com clara tendência arcaica,

cristalizado em constante retórica moderna que, em síntese, se funda na posse da propriedade

privada, na exploração e no cerceamento do homem. Esta relação entre o arcaico e o moderno

vem reafirmar a hegemonia do capital sobre as estruturas das sociedades, dentre as quais a de

Uberaba, onde se perpetua a relação de classes e a justificativa da existência da pobreza e da

desigualdade. Com relação ao arcaico e o moderno,

[...] as desigualdades que presidem o processo de desenvolvimento do país têm sido uma de suas

particularidades históricas. O moderno se constrói por meio do arcaico, recriando nossa herança histórica patrimonialista ao atualizar marcas persistentes e, ao mesmo tempo, transformando-as

no contexto de mundialização do capital sob a hegemonia financeira (IAMAMOTO;

CARVALHO, 2000, p. 101).

Esta reflexão explicita que esta relação está presente na formação sócio-política e

econômica desta cidade e marca indelevelmente as características patrimonialistas (herdadas

do modelo colonial e da República Velha), o que demonstra a ruptura dos limites entre Estado

e o privado; caracteriza-se pela reafirmação da pequena política e pelo modelo provinciano de

gestão da coisa pública, o que, aliado à lógica do capital, incide diretamente na desigualdade

social.

90

Sendo assim, as desigualdades mostram o ―descompasso entre atemporalidades

históricas‖, mas secularmente articuladas, demostrando uma marca de desenvolvimento

atrelado a desigualdades social e que afetam todas as outras esferas da sociedade, tais como a

economia, a política, a cultura, etc. E isso reflete um padrão de mudanças no qual tanto o

arcaico quanto o moderno se alteram em posições diferentes, ou seja, os modos de produção

extremamente elevados convivem com relações sociais de produção precárias (IAMAMOTO,

2000b). Deste modo, essa desigualdade social tem respostas nos índices de desenvolvimento

da cidade, o que revela de maneira superficial e aparente a grande distância entre ricos e

pobres no cenário da totalidade da vida social.

Outros índices oficiais demonstram o desenvolvimento da cidade, como o índice de

vida (IDHM-L) de 0,815 e o índice de educação (IDHM-E) de 0,913; isto proporciona à

cidade um índice de desenvolvimento humano (IDH-M) de 0,834, considerado elevado

(PNUD, 2000). A população da cidade é estimada em 300 mil habitantes, de acordo com o

Censo de 2010.

Atualmente, a cidade conta com um parque industrial diversificado, com uma rede de

serviços consolidada pela sua localização geográfica concebida como estratégica aos

interesses do capital, por ficar equidistante (cerca de 500 km) de Brasília, Belo Horizonte e

São Paulo.

Uberaba possui seis universidades, sendo quatro privadas e duas públicas federais,

constituindo-se como uma cidade universitária e produtora de conhecimento nas mais diversas

áreas do saber. Sua tradição universitária inicia-se com a criação da Faculdade de Engenharia,

Odontologia e Direito em 1945, hoje Universidade de Uberaba, e foi fortalecida pela criação

da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, hoje Universidade Federal do Triângulo

Mineiro. Cabe lembrar que estas duas universidades oferecem, juntas, 55 cursos de

graduação, além de cursos de pós-graduação lato e stricto sensu.

A proliferação de instituições universitárias na cidade vem responder as exigências das

forças produtivas local, com a direção de qualificação de mão de obra para atendimento das

necessidades do capital. É notória a característica de formação de profissionais para

atendimento do mercado, não da sociedade.

Como já mencionado, a cidade se apresenta com um desenvolvimento econômico

significativo, e o resultado deste desenvolvimento é direcionado para atender as demandas

apresentadas, bem como atender a lógica do capital. Deste modo, as relações sociais de

produção apresentadas pela cidade são frutos de uma relação de desigualdade e exploração

que se engendraram ao processo de acumulação capitalista. Com isto, as expressões da

91

questão social foram se desenvolvendo e se transformando e hoje se apresentam de acordo

com a realidade social da cidade.

No processo sócio-histórico de Uberaba, além das questões econômicas e política, há,

também, o aspecto social, pois, na construção e formação da cidade, a economia e a política

tinham — e ainda têm — um cunho familiar e/ou patriarcal, o que forcejou uma característica

fundamentalmente religiosa que imprimiu uma direção de trabalho social que se

institucionalizou para atender às demandas postas pelo desenvolvimento (capitalista) da

cidade. Este trabalho social tinha (e ainda tem) uma raiz assistencialista, pois, conforme

Martins (2006, p. 25), a questão religiosa

[...] permeia a história do município tal qual os aspectos econômicos, geopolíticos, sociais,

culturais. As características e atitudes da população indicam influências de sua opção religiosa.

Com isso, a organização da cidade, das ações sociais é caracterizada pela filantropia, pela

caridade e pelo assistencialismo.

Na direção de concentração de poder político, o fundamento religioso presente na

cidade acabou por conduzir à constituição de diversas obras sociais mantidas, a princípio, pela

Igreja Católica, pelo fato de que a agitação política e social das décadas de 1930 e 1940,

centrada na crise das oligarquias, faz com que a Igreja se reorganize, na medida em que

abandona a visão ―contemplativa‖ e lança-se no contexto de uma ampla intervenção na vida

social (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000). Nesta direção, a Igreja reestrutura sua prática

social, na criação e manutenção de diversas instituições de caráter assistencial no município

de Uberaba, visando ao atendimento das necessidades dos trabalhadores espoliados.

Outro fato que merece destaque reside na relação da questão religiosa com as políticas

assistenciais nas primeiras décadas do século passado, particularizando o debate para a

existência da proliferação das atividades sócio-assistenciais mantidas por grupos espíritas

kardecistas em Uberaba, que, tradicionalmente, têm como orientação filosófica a prática da

caridade aos necessitados. Com relação à prática kardecista, fica mais evidente sua posição

como instituição promotora de práticas assistencialistas com a chegada a Uberaba, em 1959,

do médium Francisco Cândido Xavier, o que trouxe para a cidade uma legião de entidades

assistenciais e a peregrinação de milhares de pessoas em busca de atendimentos assistenciais.

Sem dúvida, a prática religiosa para além da satisfação das necessidades espirituais do

homem ofereceu uma marca inegável para a cidade de Uberaba, no que tange à prática da

caridade, do assistencialismo e das ações focalizadas, sendo estas construídas ao longo de

anos na oferta de serviços deslocados da esfera do direito, o que produziu uma população

extremamente dependente destas instituições, fazendo com que as políticas sociais na cidade

92

ainda transitem pelos conflituosos caminhos da benesse e da troca, em desfavor à concepção

de Estado de direito.

3.2 A docência como espaço sócio-ocupacional do assistente social

3.2.1 A formação profissional e as diretrizes curriculares gerais

A proposta das diretrizes curriculares gerais para os cursos de Serviço Social surgem

num momento em que as diretrizes anteriores, no caso de 1982, já não mais abarcavam toda a

compreensão da totalidade social na qual o assistente social se insere, derivando desta

insatisfação a urgência na redefinição dos padrões de qualidade da formação profissional, com

o objetivo de capacitar o assistente social para compreender, desvendar, refletir e intervir na

realidade social, profundamente determinada pelo capital.

O momento de revisão do currículo mínimo da formação profissional, que perdurava

desde 1982 (Parecer CFE nº 412, de 4 de agosto de 1982), ocorreu durante a XXVIII

Convenção Nacional da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (Abess), realizada

em Londrina (PR), em outubro de 1993. Essa revisão se impôs em face dos movimentos

contemporâneos causados pela agudização das relações entre capital e trabalho, que tem na

questão social e suas múltiplas expressões sua indelével marca.

Na busca pela ruptura com um currículo anacrônico, que já não atendia as demandas

do Serviço Social, a Abess promoveu, em parceria com o Centro de Documentação e Pesquisa

em Políticas Sociais e Serviço Social (Cedepss), o então Conselho Federal de Assistentes

Sociais (Cfas), a Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (Enesso),

representantes da categoria profissional, estudantes e pós-graduandos, cerca de 200 oficinas

em 67 unidades acadêmicas filiadas à Abess. Ocorreram, também, duas oficinas nacionais e

25 estaduais, com a finalidade de aprofundar os debates em torno das transformações

societárias em curso e da formação do assistente social na contemporaneidade.

Adensaram-se os desdobramentos dos debates em torno da revisão curricular, que foi

aprovada na XXIX Convenção Nacional da ABESS, em 1995, no Recife. Finalmente, em

1996, o processo de constituição de uma nova lógica curricular a faz mais próxima da

realidade acadêmica, política e social do país. A Abess encaminha a proposta de renovação

curricular no ano de 1996 ao Conselho Nacional de Educação para sua apreciação e

aprovação.

93

A formação profissional do Assistente Social sob a nova concepção curricular indica

que:

―1. O Serviço Social se particulariza nas relações sociais de produção e reprodução da vida social

como uma profissão interventiva no âmbito da questão social, expressa pelas contradições do

desenvolvimento do capitalismo monopolista. 2. A relação do Serviço Social com a questão social — fundamento básico de sua existência — é

mediatizada por um conjunto de processos sócio-históricos e teórico-metodológicos constitutivos

de seu processo de trabalho.

3. O agravamento da questão social em face das particularidades do processo de reestruturação produtiva no Brasil, nos marcos da ideologia neoliberal, determina uma inflexão no campo

profissional do serviço Social. Esta inflexão é resultante de novas requisições postas pelo

reordenamento do capital e do trabalho, pela reforma do Estado e pelo movimento de organização

das classes trabalhadoras, com amplas repercussões no mercado profissional de trabalho. 4. O processo de trabalho do Serviço Social é determinado pelas configurações estruturais e

conjunturais da questão social e pelas formas históricas de seu enfrentamento, permeadas pela

ação dos trabalhadores, do capital e do Estado, através das políticas e lutas sociais‖ (ABEPSS,

1996).

Estes pressupostos da formação profissional marcam a busca por uma nova lógica

curricular que abranja toda a dinâmica da sociedade e suas interferências no cotidiano

profissional do assistente social, sempre polarizadas pelos interesses de classes e tendo como

cerne a critica à sociedade capitalista.

Com relação ao cenário dado na institucionalidade da política de educação,

especialmente a superior, observamos que

No Brasil, a atual configuração pedagógica e sócio-institucional da formação profissional toma

forma na reestruturação do sistema nacional de educação, cujos contornos são dados pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n.

9.394, de 20/12/1996, ao estabelecerem os dispositivos jurídico-institucionais das alterações que

viriam a ocorrer no quadro geral da educação e, em particular, no nível superior (KOIKE, 2009,

p. 204-5).

No que tange à formação profissional, observa-se, na atualidade, que os combates

empreendidos pelo coletivo profissional na configuração da nova lógica curricular entram em

rota de colisão com o projeto burguês de orientação da formação superior, particularmente o

Serviço Social, tendo em vista o processo de formação em massa, com vistas a atender as

requisições do mercado e, principalmente, no atendimento da lógica do lucrativo setor de

educação superior de origem privada.

Se antes a luta era a favor da tríade educação pública, laica e de qualidade, hoje se

soma a esta a direção de combate a favor de uma educação pública e, infelizmente, com a

aceitação do privado, laica, de qualidade e presencial. Hoje, a educação a distância (EaD)

representa uma grande fatia do comércio da educação superior, revelando a intencionalidade

deste tipo de formação, travestida da falaciosa e já desgastada retórica de acesso à educação

94

superior e da justiça social, como forma de justificativa da assombrosa oferta de vagas no

ensino a distância. O conceito de justiça social e de facilitação do acesso ao nível superior

esconde a face escurecida do capital da educação que, por meio das suas tecnologias na era

informacional, descaracteriza e vem paulatinamente assoreando a dimensão política da

profissão pela via do empobrecimento intelectual do assistente social. Este empobrecimento

levado a cabo pelo atual panorama universitário brasileiro ―compromete a direção social do

projeto profissional que se propõe hegemônica, estimulando a reação conservadora e

regressiva no universo acadêmico e profissional do Serviço Social brasileiro, com

repercussões no processo de organização dessa categoria‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 441).

O cenário que se desvela na atualidade indica que o processo de formação acadêmica

em massa possibilitará um inequívoco adensamento do exército industrial de reserva, posto a

atender as demandas determinadas pelo fluxo do capital, na direção de precarização das

condições de trabalho, nas questões salariais, do empobrecimento da práxis política do

assistente social, com sérios rebatimentos no comprometimento com o projeto da profissão.

A questão do ensino a distância assumiu centralidade nos debates da profissão em

suas dimensões constitutivas (Abepss, Cfess, Cress e Enesso). Porém, é necessário pontuar

nesta pesquisa que as mudanças em curso têm determinado um padrão de formação

profissional em Serviço Social que extrapola o debate da modalidade (presencial ou a

distância), pois seu cerne situa-se na formação acadêmica.

O combate contra o ensino a distância acabou por ocultar, mesmo que

momentaneamente, a proliferação dos cursos presenciais nas unidades privadas, que tem seu

projeto de formação voltado para atendimento do mercado, expresso pela otimização do

tempo de formação (cursos de menor duração), na desqualificação do debate sobre as

questões centrais da profissão e da sociedade.

Associa-se a estes elementos o desmonte da universidade pública, com a proposta de

formação de ciclos comuns, patrocinados pelo Programa de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais (Reuni), que promoveu, por meio do conceito de

multidisciplinaridade, a fragilização do processo de reflexão crítica dos assistentes sociais em

formação. Além destes elementos, a universidade pública sofre com um processo de

sucateamento, que tem mediações inequívocas com a fragilização da sua autonomia, orientada

no sentido de ―reduzir a participação financeira do Estado na manutenção da universidade

pública, a favor de sua crescente privatização, através de mecanismos que corroem, por

dentro, a sua natureza pública‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 448).

95

A crise no processo de formação acadêmica em Serviço Social não se restringe à

formação profissional, apenas. Ela possui mediações e determinações que necessitam ser

debatidas, analisadas e aprofundadas, sob a lógica de compreendê-la e situá-la na totalidade.

Esta crise esconde o franco processo de desmonte dos direitos e das condições de trabalho dos

trabalhadores da educação, dentre eles, os professores, que veem seus salários achatados,

condições precárias de trabalho, a inexistência de planos de carreiras e o esfacelamento da

tríade: ensino, pesquisa e da extensão.

Mesmo com um cenário especialmente adverso, a proposta de formação profissional,

tem como objetivo uma formação profissional essencialmente distanciada do

conservadorismo, tendo como primazia a busca de uma compreensão crítica da dinâmica

social enfrentada pelo assistente social, definindo que estas diretrizes deveriam implicar numa

capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, que possibilite a

compreensão da sociedade capitalista e a inserção do assistente social na esfera da

(re)produção social.

Deste modo, a formação profissional necessita ter como direção:

―1. Apreensão crítica do processo histórico como totalidade;

2. investigação sobre a formação histórica e os processos sociais contemporâneos que conformam a sociedade brasileira, no sentido de apreender as particularidades da constituição e

desenvolvimento do capitalismo e do Serviço Social no país;

3. apreensão do significado social da profissão desvelado às possibilidades de ação contidas na

realidade; 4. apreensão das demandas – consolidadas e emergentes – postas ao Serviço Social via mercado

de trabalho, visando formular respostas profissionais que potenciem o enfrentamento da questão

social, considerando as novas articulações entre público e privado;

5. exercício profissional cumprindo as competências e atribuições previstas na Legislação Profissional em vigor‖ (ABEPSS, 1996).

Esta direção impressa à formação profissional objetiva capacitar o assistente social em

formação para analisar, interpretar e intervir na realidade concreta, realidade esta

profundamente atravessada pelas relações sociais de produção capitalistas, constituídas

historicamente. Objetiva, ainda, a reflexão sobre a centralidade da questão social, concebida

como objeto de intervenção do assistente social, potencializando o profissional para sua

compreensão e enfrentamento no cenário das lutas. A partir deste direcionamento na formação

profissional, as propostas das diretrizes curriculares seguem na construção de ―conteúdos

(teórico-ético-políticos-culturais) para a intervenção profissional nos processos sociais que

estejam organizados de forma dinâmica, flexível, assegurando elevados padrões de qualidade

na formação do assistente social‖ (ABEPSS, 1996).

96

Estes conteúdos versam sobre a capacidade do profissional entender o processo

vivenciado no seu cotidiano, capacitando-o de forma a enfrentar criticamente esta realidade

tão presente na práxis profissional do assistente social, elevando seu conhecimento teórico-

crítico, para assim apreender a realidade e ser um profissional competente e compromissado

com os valores assumidos coletivamente.

3.2.2 Os núcleos de fundamentação da formação profissional

Fundamentos teórico-metodológicos da vida social

Este núcleo visa à compreensão do ser social enquanto sujeito histórico,

fundamentando os seus aspectos particulares da vida social na sociedade brasileira, buscando

por meio de concepção calcada em um fundamento histórico-metodológico que possibilita

conhecer o processo de institucionalização da profissão sob determinações sociais,

ideológicas e históricas. Outro aspecto importante é a compreensão da vida social do país,

articulando as refrações do passado e os seus significados na contemporaneidade, trabalhando

aspectos como: propriedade privada, divisão social do trabalho, divisão de classes e as

relações sociais no âmbito do trabalho.

Enfatizando todo o processo de produção e reprodução da vida social, das lutas de

classes e das múltiplas expressões da questão social, este núcleo traz um aporte crítico quanto

ao conhecimento da realidade cotidiana vivenciada pela classe trabalhadora, inclusive o

assistente social, frente ao avanço do capitalismo na sua fase monopólica e sua participação

direta no contexto ideopolítico da classe dominante frente à classe trabalhadora. Este eixo

determina um novo olhar perante o painel ideológico determinado pelo capital, buscando por

meio dele uma reflexão crítica de toda totalidade social a qual o homem se situa, produz e

reproduz.

Fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira

Este núcleo objetiva o conhecimento da constituição da lógica capitalista no cenário da

sociedade brasileira, seu processo de (re)produção sociometabólica e de interferência na vida

material e espiritual da força de trabalho. Objetiva, também, as reflexões sobre os impactos

das relações sociais de produção no cotidiano da sociedade brasileira.

97

Amparado em uma fundamentação teórica fundada no arcabouço da teoria social

crítica, este eixo busca a compreensão das relações entre o Estado, a sociedade e o capital,

mediado pela forte influência nas políticas sociais, numa visão econômica, sócio-histórica e

política. A dinâmica de existência da classe trabalhadora enquanto segmento de resistência e

necessária à (re)produção do modo de produção capitalista, subsidiando desta forma a

compreensão desta realidade de forma crítica e (re)pensar seu trabalho profissional na

dinâmica das relações sociais vigentes.

Núcleo de fundamentos do trabalho profissional

Este núcleo compreende o estudo da constituição do Serviço Social enquanto profissão

inserida na divisão sócio-técnico do trabalho, sendo considerada uma especialização do

trabalho coletivo, realizando o seu fazer profissional como uma materialização de um

―processo de trabalho que tem como objetivo as múltiplas expressões da questão social‖

(ABEPSS, 1996).

Este eixo em sua totalidade engloba os conhecimentos da tríade profissional, os

fundamentos teórico-metodológicos, ético-político e técnico-operativos, relacionando estes

eixos importantes da formação profissional numa direção profissional que propicie uma

apreensão de todo o processo constituinte em que o assistente social se depara no decorrer de

seu trabalho profissional, buscando por meio deste uma fundamentação crítica sobre o

processo das relações sociais de produção e a inserção do serviço social na divisão sócio-

técnico do trabalho.

Dentre estes aspectos importantes do processo de formação profissional, faz-se

necessário o entendimento sobre a mediação teórico-prática, constituindo o estágio curricular

obrigatório e a supervisão acadêmica de estágio como um importante instrumento capaz de

fortalecer o trabalho profissional do assistente social, na direção do seu compromisso

profissional. A ação profissional plasmada pelo estágio e a formação acadêmica embasada

numa concepção teórica sólida, não pode ser vista e concebida como maniqueísta, e, sim,

como a necessidade de se compreender a importância deste único processo que media de

forma substancial a formação profissional crítica e comprometida.

Com vistas à consolidação da formação profissional, a Resolução CNE/CES nº 15, de

13 de março de 2002, define normas curriculares para os cursos de graduação em Serviço

Social, em consonância aos pressupostos do Currículo Mínimo de 1996. Esta resolução define

que o projeto pedagógico do curso deverá explicitar os pontos indicados a seguir.

98

1) Perfil dos formandos: este perfil tem como objetivo a uniformização de um único

perfil de formando, estando este capacitado para o enfrentamento das refrações da questão

social e o conhecimento da dinâmica na qual a classe trabalhadora está inserida.

2) Competências e habilidades: podem ser resumidas constando que esta formação

profissional lhe ofereça condições de reflexões teóricas, metodológicas, conhecimento ético-

político, buscando o fortalecimento do compromisso assumido pela categoria perante a classe

trabalhadora e as competências técnico-operativas que visam à compreensão das ações da

profissão. É necessária a compreensão e reflexão no trato em relação às habilidades, para que

o assistente social não venha reproduzir a lógica tarefeira do trabalho profissional.

3) Organização do curso: tal organização visa à articulação de outros conteúdos

acadêmicos aos conteúdos e disciplinas ministradas, buscando uma formação que possibilite a

compreender toda a realidade social na qual o profissional estará inserido. Outro aspecto

importante é o exercício da pluralidade, evitando o ecletismo, para que não deforme a

formação deste assistente social e a indissociabilidade teórico-prática.

4) Conteúdos curriculares: por meio desta lógica curricular buscam-se os conteúdos

curriculares necessários à formação do assistente social, uma fundamentação sólida dos eixos

temáticos descritos acima, associando as atividades extensionistas, seminários temáticos,

atividades complementares como forma de integrar o currículo e a formação acadêmica.

5) Estágio supervisionado e trabalho de conclusão de curso (TCC): o estágio curricular

é uma atividade obrigatória ao acadêmico do curso, buscando a articulação teórico-prática,

desvelando as dificuldades e êxitos obtidos pelo profissional no desenvolver do seu processo

de trabalho. Esta inserção no espaço sócio-ocupacional visa capacitar o aluno para a sua

inserção no mundo do trabalho profissional de forma competente e crítica. Já o TCC é uma

atividade acadêmica obrigatória que vem demonstrar a apreensão do aluno durante todo o

processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo ao final um trabalho científico de pesquisa,

em tema correlato ao exercício profissional. Atualmente, as propostas neoliberais das

universidades, principalmente privadas, visam à eliminação do TCC ou monografia dos

projetos pedagógicos dos cursos, demonstrando o desmonte do ensino superior que relega ao

segundo plano à formação profissional e do incentivo à pesquisa, fortalecendo interesses

puramente econômicos;

6) Atividades complementares: propostas que visam ao enriquecimento curricular,

buscando por meio de atividades de iniciação científica, monitorias, participação em

seminários e atividades de extensão a autogestão de interesses do próprio discente. As

atividades curriculares propõem uma formação mais sólida; porém, verifica-se que esta

99

modalidade requer mudanças na sua organização para um melhor aproveitamento na vida

acadêmica.

As novas diretrizes curriculares vieram balizar uma nova apreensão da sociedade

contemporânea frente às refrações da questão social, produzidas pelo modo de produção

capitalista, buscando por meio da teoria social de Marx o seu desvelamento e sua

compreensão, contribuindo na direção de uma intervenção profissional no trato da questão

social de forma crítica, compreendendo de maneira histórica o processo social vivenciado pela

classe trabalhadora.

Nesse contexto, o assistente social vem buscando uma constante (re)construção de um

projeto profissional crítico e atuante, estabelecendo as convergências do mercado de trabalho,

já que a profissão se inscreve na divisão sócio-técnico do trabalho e é assalariada.

Discutir o processo formativo dos futuros assistentes sociais, considerando os aspectos

que envolvem essa formação, evidencia a necessidade do debate coletivo, tencionando sempre

a competência teórico-crítica, possibilitando novas propostas de atuação profissional,

alicerçadas pela Lei de Diretrizes e Bases, por Diretrizes curriculares, pelo Projeto Político

Pedagógico e em consonância ao projeto ético político da profissão.

3.3 O Sistema Único de Saúde como espaço sócio-ocupacional do assistente social

O Sistema Único de Saúde (SUS) constitui-se com parte integrante do tripé da

seguridade social, considerada como uma política pública, não contributiva e de acesso

universal, que indica um atendimento sem distinção de sexo, raça, cor, condição econômica,

etc. Surgiu baseando-se nos princípios e diretrizes da Constituição Federal de 1988,

antecedido pelo longo processo de luta coletiva dos setores, intelectuais, profissionais e

políticos defensores da saúde pública e universal, luta esta empreendida pelo Movimento da

Reforma Sanitária, buscando uma concepção de política de saúde ampla, irrestrita e com

característica descentralizada, participativa, universal e superadora do modelo médico-

hospitalar (BRAVO, 2001). O art. 196 da Carta de 1988 afirma: ―A saúde é um direito de

todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à

redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e

serviços para sua produção, proteção e recuperação.‖

100

Entretanto, antes da Constituição de 1988, a saúde não era idealizada como direito de

todos; era realizada de forma excludente, que determinava a contratualização prévia para o

acesso aos seus serviços, evidenciados pela prática contributivista, de caráter seletivo.

Nas primeiras décadas do século passado, o Estado brasileiro restringia a sua atuação em saúde

em ações de saneamento nas grandes cidades e portos e no combate a epidemias, principalmente quando estas epidemias interferiam na economia e traziam prejuízos. [...] Não sendo a saúde

considerada um direito de todos e nem alvo de políticas públicas, restava às pessoas que tinham

recursos procurar médicos particulares e até soluções no exterior. As que não dispunham de

recursos dependiam da caridade (daí vem a história das Santas Casas de Misericórdia, e da atenção à saúde como caridade) ou das parteiras e dos curandeiros (ANDRADE et al., 2005).

O acesso aos serviços de saúde era prestado, exclusivamente, por meio de ações

assistenciais norteadas por uma concepção filantropizada de acesso aos bens e serviços de

saúde, numa perspectiva caritativa e em outros casos, o acesso era prestado por aqueles

sujeitos investidos de capacidades ―espirituais‖, no caso dos curandeiros e na experiência

prática das parteiras. A assistência à saúde restringia-se a ações de controle de endemias e

epidemias, que assolavam o processo de produção do capital, e aos cuidados individualizados

e medicalizadores.

Notório ressaltar que a concepção de Estado e a posição deste na prestação de serviços

sociais públicos encontram eco na própria orientação conservadora e distanciada dos

interesses coletivos, principalmente aqueles originados da classe trabalhadora. Nesta arena de

interesses, as satisfações das necessidades de saúde se consistiam essencialmente, na

transferência do papel do Estado para as entidades benemerentes, de origem católica.

(BEHRING; BOSCHETTI, 2006).

Como forma de criar alternativas às formas de atendimento das necessidades como

saúde e previdência, por exemplo, temos no início do século XX, especificamente em 1923, a

criação da Lei Elói Chaves, que consequentemente cria o sistema das caixas de aposentadoria

e pensão (CAPs), concebidas como sistema que dava direito a saúde ao trabalhador, a partir

de um regime contributivista com aa referidas caixas (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).

Inicialmente, as CAPs foram organizadas por meio de empresas sob organização

estatal, na perspectiva de um sistema de capitalização, que agregava seus sócios-contribuintes

e, em contrapartida, oferecia acesso a serviços como saúde e aposentadorias. Com o governo

populista de Vargas, na década de 1930, as CAPs passam a ser denominadas institutos de

aposentadorias e pensões (IAPs), regulados como autarquias do governo federal, de

abrangência nacional e organizados por ramos profissionais (ferroviários, marítimos,

militares, etc.).

101

A fusão completa das caixas e institutos de pensão privadas e públicas somente

ocorreu com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) no ano de 1966,

processo que não modifica a estrutura contributivista de acesso aos serviços de saúde,

mantendo ainda os desempregados ou impossibilitados de trabalhar formalmente excluídos do

seu acesso. Em 1974, a ditadura militar cria o Instituto Nacional de Assistência Médica da

Previdência Social (Inamps), estrutura organizadora da prestação dos serviços médico-

hospitalares em serviços próprios ou na rede privada contratada. O Inamps mantém a mesma

direção de acesso aos serviços médico-hospitalares centrados na prática contributivista, de

acesso exclusivo dos trabalhadores contribuintes do sistema.

A realidade do acesso aos bens e serviços de saúde só se modificou a partir da luta

popular de caráter reivindicatório originado dos movimentos sociais, em especial ao combate

empreendido pelos trabalhadores na saúde, protagonizado pelo que conhecemos como

Movimento da Reforma Sanitária, que idealizava uma nova sociedade, mais igualitária com

direitos sociais no campo da saúde efetivamente garantidos.

O Movimento foi deflagrado nos fins dos anos 1970 por trabalhadores da saúde em um

momento histórico de grandes mudanças políticas, econômicas e culturais no qual as forças

conservadoras tentavam mais uma reação para sua manutenção no poder. Neste contexto,

ocorreu a convergência de movimentos, em especial, o movimento sanitário, na busca da

construção de uma política de saúde ampla, universal e descentralizada.

A realidade social, na década de oitenta, era de exclusão da maior parte dos cidadãos do direito à

saúde, que se constituía na assistência prestada pelo Instituto Nacional de Previdência Social, restrita aos trabalhadores que para ele contribuíam para o referido instituto, prevalecendo a lógica

contraprestacional e da cidadania regulada (FIOCRUZ, s/d).

Esta citação sintetiza o contexto histórico do acesso restrito aos serviços de saúde e da

realidade sócio-política e econômica do Brasil, evidenciado pela lógica capitalista da

contributividade prévia de um direito que necessariamente deveria ser universal. É a partir do

Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, seguido pela 8ª Conferência Nacional de

Saúde (CNS) no ano de 1986, que se sugere um novo tipo de proteção social que garanta o

direito a saúde de maneira irrestrita aos brasileiros.

Esta nova concepção passa a conceber a saúde não só como ausência de doença, mas

em sua totalidade biopsicossocial. Defende o fortalecimento da atenção primária e secundária,

promovendo a saúde e prevenindo doenças, considerando a forma de disposição da produção

na sociedade e suas desigualdades.

102

Na esteira deste processo democrático constituinte, o chamado movimento sanitário tinha proposições concretas. A primeira delas, a saúde como direito de todo o cidadão, independente de

ter contribuído, ser trabalhador rural ou não trabalhador. Não se poderia excluir ou discriminar

qualquer cidadão brasileiro do acesso à assistência pública de saúde. A segunda delas é a de que

as ações de saúde deveriam garantir o acesso da população às ações de cunho preventivo e/ou curativo e, para tal, deveriam estar integradas em um único sistema. A terceira, a descentralização

da gestão, tanto administrativa, como financeira, de forma que se estivesse mais próximo da

quarta proposição que era a do controle social das ações de saúde (FIOCRUZ, s/d).

Estes princípios, centrados numa concepção de caráter democrático, são reforçados

pela Constituição Federal de 1988 e concretizados pela via jurídico-legal pelo SUS (Sistema

único de saúde), regulamentado pela Lei nº 8.080/90, que emerge como uma regulamentação

dos dispositivos constantes na Carta de 1988, dispondo sobre a organização e regulação das

ações em saúde. Consta como marco da participação política dos movimentos sociais a Lei

Federal nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que trata das formas de transferência e

financiamento das ações em saúde, dadas pela descentralização político-administrativa e da

participação popular na gestão e no controle social do sistema.

Nesta direção, é importante destacar algumas das diretrizes do SUS (art. 7º da Lei nº

8.080, de 19 de setembro de 1990, a Lei Orgânica da Saúde):

universalidade de acesso (a garantia de acesso de toda e qualquer pessoa a todo e

qualquer serviço de saúde que participe do SUS, seja público ou contratado pelo

governo);

integralidade na assistência, ações e serviços de saúde (preventivas e curativas,

individuais e coletivas) que funcionam como um conjunto articulado capaz de

atender a todos os casos (do posto de saúde ao hospital especializado);

direito a informação das pessoas assistidas sobre sua saúde;

participação da comunidade, através dos conselhos de saúde, por exemplo, na

fiscalização e acompanhamento das ações e serviços de saúde;

uso da epidemiologia (estudo dos vários fatores que determinam o aparecimento e

a frequência de doenças em uma determinada população) para o planejamento das

ações de saúde.

As diretrizes do SUS se posicionam na direção do fortalecimento das ações integradas,

de caráter preventivo e curativo, que busca dispor à sociedade uma rede de serviços que

realmente venham a atender as necessidades básicas, de média e alta complexidade, além de

se estruturar na direção do controle social e da participação comunitária nas formulações e

gestão da política pública de saúde.

103

É importante reforçar: é fato inconteste que o sistema passa por crises que se

manifestam sob vários matizes (gestão, financiamento, qualidade do serviço prestado, etc.) e

que têm origem no processo de precarização, seguindo a orientação do ideário neoliberal dos

países centrais, na direção da desresponsabilização do Estado frente à condução, gestão e

financiamento das ações em saúde, além do processo de desqualificação da competência do

setor público em favor da lógica privatista, de fortes contornos capitalistas. Associam-se a

estes elementos os problemas nas condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores da

saúde e no sucateamento dos serviços, o que impacta decisivamente na relação sistema-

usuários e trabalhadores.

Refletir sobre a política de saúde pública requer situá-la numa arena de conflituosos

interesses que se estruturam sob a organização e a direção impressa pelo capital, fortalecido

pelo discurso neoliberal, no contrafluxo das requisições e necessidades dos trabalhadores por

uma política pública, estatal, de qualidade e que seja realmente universal. Faz-se necessário

debater a problemática que envolve o SUS, desde a formulação das políticas a ele inerentes,

fortalecendo o conceito de participação e controle social, na defesa de uma política de saúde

realmente estatal, universal e de qualidade a todos.

3.4 A saúde pública em Uberaba

Uberaba constitui-se como cidade polo em diversos segmentos, dentre os quais

destacamos a referência macrorregional em atendimentos na área da saúde na esfera

secundária e terciária. A rede municipal conta, na atualidade, com serviços públicos nas mais

variadas especialidades médicas e de saúde, contando com prontos atendimentos públicos,

hospitais públicos especializados de alta complexidade, ambulatórios públicos, rede de saúde

mental, laboratórios de análises clínicas públicos, além da presença marcante da rede privada,

caracteristicamente filantrópica, que opera um hospital de alta complexidade para

atendimento oncológico e um de alta complexidade em psiquiatria.

A rede municipal de atenção básica é estruturada por meio das equipes de Saúde da

Família (urbanas e rurais), de forma descentralizada e hierarquizada, com ampla rede de

abrangência e cobertura de território, o que concede ao município 52% de área coberta pela

ESF. Esse percentual de cobertura por si só não indica a funcionalidade desta política, pois, a

rede em Uberaba ainda se encontra em franco processo de desmonte, fortalecido por inúmeros

104

processos veiculados pela mídia que envolve a má administração da coisa pública e problemas

no processo gerencial do sistema municipal.

Como muitos municípios, Uberaba vivencia forte processo de judicialização da saúde,

principalmente no tocante ao acesso aos medicamentos da farmácia básica e especial e nas

internações especializadas de alta complexidade. Com o fortalecimento das ações judiciais

dos usuários, a saúde perde seu caráter universal e irrestrito e passa a ser cogerida pela justiça,

a quem cabe o cumprimento da legislação, em especial à Lei Orgânica da Saúde. Este

processo vem demonstrando que seu conceito de universalidade e acesso tem sido duramente

tolhido pelos entes públicos, seguindo a concepção da racionalidade dos recursos da

administração pública. ―Contudo, o que ocorreu foi uma denominação ideológica, dada à

transferência das questões públicas de responsabilidade do Estado ao terceiro setor e o repasse

dos recursos públicos para o setor privado‖ (BORLINI, 2010, p. 227).

O discurso local sobre a política de saúde esconde a proposta que em período anterior

já havia sido cogitada pela gestão local, e que buscou direcionar todas as ações do setor saúde

(pública) de baixa, média e alta complexidade, nas esferas primária, secundária e terciária

para a iniciativa privada, de origem filantrópica (organizações não governamentais) pela via

da privatização do SUS na cidade. A proposta em questão só não fora consolidada pelo fato

de que a sociedade organizada, principalmente o Conselho Municipal de Saúde, protagonizou

a defesa da saúde pública e universal pelo Ministério Público Estadual, refutando a concepção

de saúde privatizada e seletiva. No marco legal, a saúde não foi privatizada em sua totalidade,

no que tange aos serviços e programas; porém, o processo continua em marcha.

As formas de privatização dos investimentos públicos têm alargado o seu campo de influência,

como demonstra o imbricamento das redes pública e privada de saúde na efetiva realização do

SUS. Por outro lado, os códigos da administração privada - na forma de assessorias, consultorias,

treinamentos e metas - penetram rapidamente os serviços públicos, sem permitir a descoberta de caminhos para a articulação da eficácia a princípios éticos e práticas democráticas (RIBEIRO,

1998, p. 16).

As práticas patrimonialistas da relação público privado na gestão do SUS demonstram

de maneira inconteste que, seguindo a lógica neoliberal, capital e Estado mantém o mote da

privatização velada e do desmonte da saúde pública, justificada pela racionalidade,

economicidade e da eficiência, o que transveste a face ideológica do capital da minimização

do Estado de direito e da maximização do lucro.

105

3.5 O Poder Judiciário: desvelando o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, comarca de

Uberaba

Com a Constituição de 1988, a organização do Poder Judiciário brasileiro foi regulada

pelos artigos 92 a 126, que dispõem sobre suas regras e estrutura, resguardando suas

prerrogativas e reposicionando a instituição no cenário da democracia recém-conquistada.

Seguindo a norma jurídica constitucional dos três poderes (Executivo, Legislativo e

Judiciário) expressos na Carta Maior, o Poder Judiciário figura-se como instituição

independente,9 autônoma, que tem resguardada suas garantias. Sua autonomia perante os

demais poderes não exime a responsabilidade de colaboração mútua entre eles (LENZA,

2009).

As garantias institucionais do Poder Judiciário se constituem por meio da autonomia

orgânico-administrativa situada na organização, gestão e funcionamento dos órgãos. Deste

modo, ao Poder Judiciário cabe a prerrogativa constitucional de eleição de seus órgãos

diretivos, bem como a elaboração do regimento interno, a organização da sua estrutura

interna. Esta autonomia, na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 99, é tratada como

―autonomia administrativa‖, reforçada a autonomia financeira no que tange à elaboração dos

orçamentos, gestão, aplicação dos recursos e sua fiscalização, tudo sem a interferência dos

outros poderes. Quanto à gestão financeira, o Poder Judiciário fica jurisdicionado à

fiscalização pelo Tribunal de Contas da União e da Controladoria Geral da União.

As garantias atribuídas ao Poder Judiciário se fundam na independência dos seus

órgãos além de efetivamente garantir a mesma independência aos membros e aos magistrados

visando, também, à imparcialidade dos referidos órgãos e magistrados. Deste modo, estas

garantias são essenciais para a consolidação da autonomia e independência do Judiciário

(LENZA, 2009).

Atualmente, segundo o art. 92 da Carta de 1988, compõem a estrutura do Poder

Judiciário brasileiro o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, o Superior

Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e os juízes federais, os Tribunais do

Trabalho e os juízes do Trabalho, os Tribunais Eleitorais e os juízes eleitorais, os Tribunais

Militares e os juízes militares e os Tribunais e juízes dos estados, do Distrito Federal e dos

territórios.

9 A concepção da separação dos poderes foi defendida por Montesquieu, e a primeira experiência do gênero foi consolidada na Constituição norte-americana de 1787.

106

Deste modo, na esfera da União, além dos órgãos centrais (superiores), concentra-se a

justiça que Lenza (2009) e a própria Constituição denominam ―especializada‖,

institucionalmente dada nas esferas federal: eleitoral, do Trabalho e militar. Na alçada dos

estados (unidades federativas), concentram-se a justiça comum, com a função de julgar aquilo

que não se relaciona com essas áreas especializadas. Assim,

[...] é possível compreender o Poder Judiciário brasileiro a partir de dois pontos de vista: o da sua

organização vertical, que diz respeito à hierarquia dos tribunais divididos em órgãos de primeiro e

segundo graus e órgãos de cúpula, e o da sua organização horizontal, que diz respeito à divisão

entre justiça comum e justiças especializadas (ALAPANIAN et al. 2009, p. 30).

Seguindo esta organização de competência entre as esferas que compõem o Judiciário

brasileiro, observa-se que sua composição foi construída historicamente a partir da hierarquia

e da ordem, desvelando frente a uma análise crítica, o conservantismo no qual esta instituição

se funda e se organiza, situando-se na esfera conflituosa de interesses antagônicos, dentre

eles, a influência do capitalismo nas suas bases.

Como uma instituição organizada pelo Estado, o Poder Judiciário situa-se na zona conflituosa de

satisfação de necessidades do capital, bem como do trabalho, pela compreensão de que o conceito

de acesso à justiça é um dos patrimônios da sociedade democrática, na direção da defesa de interesses distintos. Deste modo, fazem-se necessário compreender o Poder Judiciário e sua

inserção nas relações sociais de produção, determinadas pela lógica do capital, visto que sua

autonomia e independência esbarram nos processos produtivos operados pelo capital em sua

relação com a figura do Estado. Em tempos de reestruturação do capitalismo, o Poder Judiciário se vê, então, em um cenário incerto, no qual o Estado-Nação vai perdendo sua autonomia e o

ordenamento jurídico vê comprometidas sua história, sua unidade e sua organicidade (FÁVERO;

MELÃO; JORGE, 2008, p. 32).

A reflexão sobre o processo de reestruturação produtiva sob uma ótica macroscópica

apresentada pelas autoras estabelece mediações e reflexos no Poder Judiciário, visto que o

largo processo de (re)ordenamento desencadeado nas/pelas relações sociais de produção

imprimem suas marcas no âmbito da justiça, bem como das formas de acesso e na estrutura

política e administrativa da instituição.

Gozar de autonomia e independência não torna o Poder Judiciário isento do processo

engendrado pelo capital, notoriamente no processo do desmonte do papel do Estado —

principalmente pela sua diminuição —, na privatização dos serviços públicos, figurado pela

massiva contratação de terceirizados e prestadores de serviços no âmbito do Judiciário, nas

precárias condições de trabalho dos servidores, na defasagem salarial e nos tímidos planos de

carreira. Tudo isso vem ao encontro de uma justiça morosa, obsoleta, profundamente

107

burocratizada e burocratizante das ações e litígios, elementos que deturpam a função pública

da justiça e torna-se alvo da desmoralização perante a opinião pública.

Alimentados pela direção neoliberal e pela orientação estrutural de base conservadora

do Judiciário e do direito como ciência, estes elementos forcejam características, situando a

instituição na esfera minimalista de solução dos conflitos de interesse, camuflando sua

essência que é conceber a justiça como um elemento essencial da democracia fundado na

igualdade10 entre todos os sujeitos. Assim, ―o Judiciário não pode ser considerado um mero

órgão de solução de conflitos de interesses, conforme preconiza boa parte da doutrina, ou seja,

não se resume a um órgão de Estado cuja função se esgota na prolação de decisões que visam

ao apaziguamento da sociedade em conflito‖ (PONCIANO, 2008).

Nesta direção, faz-se necessário romper com este enraizamento minimalista da Justiça,

situando-a na esfera da garantia efetiva e inequívoca do direito (pensando em sua totalidade),

tornando a justiça ―a marcha que leva a ética em direção ao direito‖ (PASUKANIS, 1989, p.

138).

10 ―A igualdade jurídica é a contrapartida lógica e necessária da desigualdade econômica‖ (PASUKANIS, 1989, p. IX).

108

Capítulo IV

A PESQUISA

4.1 Apresentação

Para Marx (apud PAULO NETTO, 2009, p. 7), no processo investigatório, o sujeito

pesquisador faz uso de instrumentos ou técnicas de pesquisa como meio para ―apoderar-se da

matéria, em seus por menores‖, isto é, ―analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e

de perquirir a conexão que há entre elas‖.

Nesse sentido, a investigação científica se sintetiza na realização da pesquisa social

que objetiva conhecer e analisar a realidade social por meio de teorias, técnicas e

procedimentos científicos. Assim, as técnicas de pesquisa utilizadas nesse projeto foram

realizadas com base no método dialético, que oferece um entendimento sobre a totalidade, por

meio de uma leitura e uma interpretação crítica da realidade social posta.

Deste modo, a utilização de um arcabouço teórico é considerada elemento essencial

para a compreensão crítica da totalidade da vida social, uma vez que, para Marx, a teoria

consiste na ―reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa: pela

teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto que pesquisa‖

(PAULO NETTO, 2009, p. 7). Ainda fundamentado nas reflexões de Paulo Netto (2009, p.

7), a teoria está inscrita numa esfera de (re)produção ―que constitui propriamente o

conhecimento teórico‖, revelando a necessidade de fidelidade do sujeito (pesquisador) ao

objeto.

Fundado na perspectiva de compreensão da dinâmica da sociabilidade burguesa, o

pesquisador, necessariamente, precisa iniciar sua investigação partindo do cerne da questão

ora estudada, como forma de buscar na raiz e apreender a essência e, assim, conhecer, nos

dizeres de Paulo Netto (2009, p. 7), ―a estrutura e a dinâmica do objeto‖. Com esta reflexão, o

pesquisador descarta os perigos e descaminhos da aparência imediata dos fenômenos,

preocupando-se com a sua essência.

O arcabouço oferecido pelo materialismo dialético situa o marco teórico e sua

mediação em um contexto muito mais amplo, concebido sob a perspectiva de totalidade, pois,

para Marx, a relação entre teoria e sujeito possibilita essa apreensão em sua nuances,

refletindo, criticando-o e revisando-o, como um processo constante. Estas reflexões partem do

109

conceito de totalidade, tendo como elemento mediador a dialética e evidenciando o lugar da

sociabilidade burguesa no cenário contemporâneo, sob a égide das relações sociais de

produção.

Os mesmos homens que estabelecem as relações sociais de acordo com a sua produtividade

material produzem, também, os princípios, as ideias, as categorias de acordo com as suas relações sociais. Assim, estas categorias são tão pouco eternas quanto as relações que exprimem. Elas são

produtos históricos e transitórios (MARX, 1982, p. 106).

Deste modo, a ideia — concebida como uma capacidade teleológica — é determinada

pelo movimento das relações sociais engendradas pelo modo de produção capitalista,

entendido como ―expressões das relações e atividades reais do homem estabelecidas no

processo de produção de sua existência social‖ (LARA, 2008, p. 221).

Em decorrência, para atingir os objetivos propostos, utiliza-se a abordagem

qualitativa, isto porque esse tipo de pesquisa acredita na relação entre pesquisador e

pesquisado, possibilitando a construção fundada na busca pelo conhecimento do real a partir

da base material, ou seja, da concretude. Assim, esse método de pesquisa ―propicia o

conhecimento teórico, partindo da aparência, [e] visa alcançar a essência do objeto‖ (PAULO

NETTO, 2009, p. 8).

Por isso, de acordo com Minayo (2004, p. 21), ―[...] a pesquisa qualitativa responde a

questões muito particulares. Ela se ocupa muito nas ciências sociais com um nível de

realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados,

motivos, valores e atitudes‖.

Esta pesquisa é de natureza explicativa, partindo da essência do real concreto para

desvelar a realidade estudada. Utilizou-se, quanto aos procedimentos de coleta de dados e

quanto às fontes de informação, da pesquisa de campo como técnica necessária à

compreensão do objeto em estudo, já que se caracteriza pelo contato direto com a realidade,

garantindo a fidedignidade do pesquisador ao objeto em estudo e analisando com

objetividade.

Na coleta dos dados de campo, utilizou-se a aplicação da entrevista com profissionais

de diversos espaços sócio-ocupacionais do município de Uberaba: um profissional da

docência, um da Política de Saúde e um do Judiciário, totalizando três sujeitos de pesquisa.

Esse recorte deve-se ao tempo do pesquisador, aos recursos tecnológicos e à disponibilidade

livre e consentida dos sujeitos são requisitos indispensáveis à realização dessa pesquisa. ,

apenas três profissionais de diferentes espaços ocupacionais foram sujeitos participantes da

pesquisa de campo, sendo eles: o da saúde, da docência e do judiciário.

110

A escolha dos sujeitos foi aleatória e simples, sendo que nos setores em que se

encontram mais de um profissional em seus quadros, considerou-se aquele que primeiro

aceitou participar deste estudo. A justificativa pela escolha dos espaços reside no fato de

serem os principais espaços sócio-ocupacionais do assistente social.

Para a coleta de informações, utilizamos a técnica de gravador, com a autorização do

sujeito pesquisado (aplicação de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), mediante

aplicação de entrevista semiestruturada, na qual o informante tem o discurso livre e é

orientado por algumas perguntas chaves, Isto é, perguntas abertas em que o entrevistado pode

livremente discorrer sobre o tema proposto, sendo que o pesquisador pode direcionar o

diálogo a fim de que os objetivos sejam alcançados (MINAYO, 2004).

A análise dos dados se deu mediante a análise de conteúdo entendida como tratamento

de dados, pois, por meio desta técnica, é possível desenvolver um estudo minucioso a partir

da definição das categorias analíticas, se valendo da técnica de ―grade aberta‖, pois as

categorias não são fixas a priori, porém, vão se formando no decorrer da própria análise do

objeto em estudo (LAVILLE; DIONNE, 1999). A grade aberta caracterize-se como um

procedimento metodológico não indutivo, que parte das categoriais iniciais para as finais, em

um movimento dialético. Este tipo de procedimento metodológico permite ao pesquisador

agrupar categoriais presentes na pesquisa.

4.2 Análise dos dados

Os três sujeitos entrevistados serão tratados por nomes fictícios, como forma de

garantir o seu a direito à privacidade, seguindo parâmetros éticos. Assim, nomearemos a

assistente social do Tribunal de Justiça como Carolina, o profissional da saúde de Gabriela e a

assistente social inserida no campo da docência de Isabela.

Deste modo, apresentaremos algumas características destes profissionais, tais como:

tipo de formação, carga horária de trabalho semanal, faixa salarial, dentre outras informações

que colaboram para análise do perfil dos sujeitos entrevistados.

Carolina formou-se no ano de 2000, tendo cursado sua graduação na Universidade do

Triangulo (Unitri), na cidade de Uberlândia, Minas Gerais. Possui curso de pós graduação

lato sensu, concluído em 2001, na área de Psicopedagogia Social, cursado na Faculdade

Católica de Uberlândia. Carolina atua no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, comarca de

Uberaba, desde 2004, com carga horária semanal de 30 horas, onde dedica exclusividade.

111

Atualmente informa não exercer nenhum cargo de chefia junto ao setor de trabalho. A faixa

salarial informada pelo sujeito consta de cinco salários mínimos ou mais.

Já Isabela formou-se em 2002, sendo que cursou sua graduação na Universidade de

Uberaba, na cidade de Uberaba, Minas Gerais. Possui pós-graduação em Serviço Social, nível

de mestrado, cursado na Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖, campus de

Franca, São Paulo, no ano de 2010; Isabela atua na docência desde 2005, dedicando-se

exclusivamente 40 horas semanais. Exerce chefia, no cargo de diretora do curso, e sua faixa

salarial consta acima de cinco salários mínimos mensais.

Gabriela formou-se em 2008, na Universidade de Uberaba, é especialista em Docência

do Ensino Superior pela Faculdade Integradas de Jacarepaguá. Na atualidade cursa mestrado

em Serviço Social na Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖, campus de

Franca, São Paulo. Atua na área de saúde desde 2008, não exercendo nenhum cargo de chefia,

com carga horária de 30 horas semanais, onde se dedica exclusivamente. Sua faixa salarial

consta de um a dois salários mínimos mensais.

O roteiro das entrevistas (ver Anexos) pautou-se por questões relativas à apropriação

do projeto ético-político e do referencial marxista no trabalho profissional cotidiano.

Nesse sentido, uma das questões-chave foi dirigida à indagação acerca da vida

cotidiana: espaço de exercício do trabalho profissional.

Ao solicitar da assistente social Carolina, do Tribunal de Justiça, descrever seu

cotidiano, ela assim o fez:

[...] um trabalho extenso, a gente fica muito presa a processo a gente

atende muito pouco a comunidade aberta, a gente não tem serviço disponível no Tribunal de Justiça. A gente atende a processos. E

nestes processos, a gente tem contato com assistentes sociais de todas as categorias, escola, hospital para ter informação para melhor

subsidiar, mas a gente fica presa mesmo só a processos. Leituras, entrevistas, avaliação, visita domiciliar, estes procedimentos técnicos

que a gente usa para poder responder a demanda.

Ao revelar a dinâmica particular do espaço ocupacional do Poder Judiciário, observa-

se a direção social do trabalho profissional: um trabalho que se restringe a questões

procedimentais vinculadas a determinações processuais, centrado em condições técnico-

operativas fundamentalmente burocráticas, repetitivas, de caráter administrativo, que tem por

objetivo o atendimento de demandas imediatistas e fundadas em um lógica tradicionalista, de

subordinação à autoridade judicial.

112

Ao sinalizar que há inexpressivo contato com a demanda externa, ou seja, os usuários

dos seus serviços profissionais, Carolina evidencia o ―estranhamento‖ existente entre os

profissionais e a população alvo de seu compromisso ético-político. Segundo Iamamoto,

(2000a, p. 76) ―muitas vezes o profissional move-se pela vontade de estar junto com a

população atendida, mas objetivamente não está próximo de seus interesses de coletividade,

sendo, de fato, um estranho para os indivíduos com quem trabalha‖. Deste modo, a lacuna

entre o desejo, que aqui chamaremos de compromisso com os trabalhadores, e as limitações

impostas por elementos institucionais/estruturais recai consideravelmente sobre seu

compromisso, ―contribuindo para que cidadãos metamorfoseiem em vítimas, exercendo uma

ação de cunho impositivo‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 77).

Com relação à superação dos limites institucionais determinados pelo Tribunal de

Justiça na direção de um trabalho com a comunidade, vejamos o posicionamento da assistente

social Carolina:

Eu sinto essa carência e vejo também que a comunidade precisa [...]

Tinha que ter uma assistente social disponível, ou uma equipe maior que pudesse ficar por conta de estar passando orientações para a

comunidade. Porque todo mundo que vai ao judiciário tem muita dúvida. As pessoas não compreendem essa questão da gente não

atender fora de processo e como a demanda é muito grande, às vezes a gente não pode dar a atenção devida à comunidade. Nós ficamos

muito presas à margem de trabalho. A gente fica só no que é determinado pelo Judiciário [...] Não tem um assistente social para a

comunidade externa.

Observa-se que as condições objetivas do trabalho repercutem no cotidiano deste

profissional, visto que o sujeito reconhece que o trabalho junto à comunidade torna-se um

elemento essencial em seu trabalho profissional na direção da ruptura com a prática

burocratizada de atendimento dos processos judiciais e ao cumprimento das medidas postas

pela burocracia do Judiciário.

Com relação às possibilidades do trabalho profissional, Carolina reflete:

Eu vejo que muita coisa não precisava de processo. Se tivesse um serviço social do Judiciário disponível para atender à comunidade, eu

acho que muita coisa não viraria processo [...].

A necessidade de ruptura com as determinações institucionais media-se com as

necessidades postas pela classe trabalhadora, no contexto da superação do conceito de

113

judicialização das esferas da vida, como, por exemplo, a luta pela efetivação dos direitos, da

luta pela igualdade. Deste modo, observa-se na fala da assistente social, a necessidade em ir

além das demandas excepcionalmente tradicionais. Nesse direção, (IAMAMOTO, 2008, p.

200) salienta a importância da práxis política que tenha como direção ―reassumir o trabalho

de base, de educação, mobilização e organização popular, organicamente integrado aos

movimentos sociais e instâncias de organização política de segmentos e grupos sociais

subalternos‖.

Observa-se que a estrutura institucional aponta a demanda, desvelando a condição de

um trabalho profissional que ainda goza de pouca autonomia reconhecida pelo sujeito, o que

demonstra ―o caráter contraditório do exercício profissional, indissociável das relações de

classes e de suas relações com o Estado‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 253).

Mesmo situando-se no âmbito de uma profissão que dispõe de certa autonomia, como

profissional liberal (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000), observa-se na fala do sujeito a

dificuldade de superar o discurso institucional, visto que ela reconhece a relativização desta

autonomia, mas não avança numa direção concebida na sua totalidade, (re)produzindo a

lógica formal e institucional. A dificuldade da ruptura com este processo mecanizado do agir

profissional nega a sua autonomia relativa que precisa ser compreendida sob a ótica do amplo

processo de (re)produção da lógica alienante e alienada, inserida numa estrutura

macrossocietária que reafirma a necessidade material da venda da força de trabalho, tida

como satisfação das necessidades humanas mais essenciais. Assim, ―o desafio é incorporar e

ir além da abordagem do trabalho do assistente social, enquanto trabalho concreto, isto é, de

uma qualidade determinada, que satisfaz necessidades sociais‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 257).

Como elemento insuprimível, o cotidiano do sujeito entrevistado, resume-se em

elementos focados numa determinada direção institucional, profundamente burocratizada e

burocratizante, apreendia a-historicamente, o que colabora com a diminuição da dimensão

constitutiva do trabalho profissional, reduzindo-o a meros esquemas estruturados de um

processo de trabalho que por sua essência burocrática pode falsear a realidade dada e com

isso, manifestar-se na materialização do projeto profissional, com sérios rebatimentos na

qualidade dos atendimentos às demandas.

Com relação ao questionamento sobre como se constitui o seu cotidiano profissional, a

assistente social Isabela, vinculada à docência, enfatiza:

Hoje, na gestão do curso, o cotidiano profissional fica muito mais

burocrático. Não exclusivamente do ponto de vista da Universidade.

114

Existe um distanciamento, não sei se a gente pode dizer isso, mas existe um distanciamento da prática profissional porque eu me sinto

muito mais um profissional administrativo do que um assistente social, embora estando na academia a gente não deixa de fazer uma

leitura, mas a gestão acaba engessando e deixando um pouco distante dessa vivencia profissional. Até porque o perfil do aluno também não

contribui para essa discussão teoria-prática.

Na mesma direção da burocratização do trabalho profissional, o assistente social situa

a questão do processo reificador do trabalho profissional no espaço da docência e de cunho

administrativo que tendenciosamente corrói as bases políticas do trabalho profissional pelo

seu pesado determinismo. O processo de ―engessamento‖ a que a profissional se refere é

necessariamente uma manifestação particular dos processos macroscópicos engendrados pelo

capital, na direção da despolitização do conteúdo do trabalho e do trabalho profissional,

traduzindo-se num perigoso discurso dicotômico. Observa-se que o sujeito refere-se à leitura

crítica destes elementos determinantes do seu trabalho profissional, porém suas associações

aos elementos estruturais e ao perfil do aluno não contribuem para uma reflexão teórica com

implicações práticas.

Transitar entre os conflituosos caminhos da dicotomia entre teoria e prática pode

remeter o trabalho profissional às concepções tradicionais, do agir prático (aquele que

conhece a vivência cotidiana) e do pensador, do teórico (que tradicionalmente é visto

enclausurado entre os muros da academia), e corroborar com um trabalho profissional

seccionado, parcializado, distante da realidade concreta, determinada. Pensar a relação

teórico-prática supõe ir além da sua simples conceituação, é situá-la na esfera da mediação

crítica e de sua indissociabilidade. Assim, faz-se necessário ao assistente social ―focar seu

trabalho profissional como partícipe de processos de trabalho que se organizam conforme as

exigências econômicas e sociopolíticas do processo de acumulação‖ (IAMAMOTO, 2000a, p.

95).

A resposta sobre o cotidiano da profissional inserida no espaço da docência reflete de

maneira objetiva o complexo processo vivenciado pelos trabalhadores, dentre os quais os

assistentes sociais, e particularizando para o espaço da docência, visto que situa-se na direção

da precarização das relações e condições de trabalho, no desmonte paulatino da qualidade do

ensino, com a inserção de currículos alheios àquele pensado originalmente, com a

proliferação indiscriminada de cursos em instituições privadas, na desqualificação dos cursos

das universidades públicas e na explosão do ensino à distância. Tudo isso tem sido

profundamente pautado na concepção neoliberal de destruição das conquistas dos

115

trabalhadores e da profissão e claro, no redirecionamento das concepções ideológicas que

metamorfoseiam a direção social da profissão no espaço em que se insere.

Com relação ao seu cotidiano profissional, vejamos a descrição da assistente social

Gabriela que tem a saúde como espaço sócio-ocupacional.

Normalmente eu chego no hospital e faço o que nós chamamos de

―corrida de leito‖. Nós fazemos toda a questão do acolhimento e do acompanhamento dos usuários que são internados no hospital. Mas

nosso atendimento não se priva só neles, mas também no acompanhamento com as famílias e/ou cuidadores. Essa corrida de

leito tem o objetivo de apreender demandas.

Para o entrevistado, o processo que ele identifica como ―corrida de leito‖ torna-se um

momento em que é possibilitada ao assistente social a apreensão da demanda posta no

contexto institucional, por tratar-se de uma instituição hospitalar. No campo da saúde, em

seus diferentes níveis (primário, secundário e terciário), está em voga a concepção do

atendimento humanizado, ou humanização da assistência à saúde, que tem no termo

―acolhimento‖ um dos seus eixos estruturantes. A concepção do acolhimento, da

hospitalidade foi analisada pelo filósofo Jacques Derrida, que conceitua a hospitalidade e o

acolher sob os determinantes da ordem, do direito e do dever, não se tratando a questão em

seu cerne, ou seja, o fato do direito de se ter direitos a um atendimento de saúde com

qualidade, respeito, dignidade, fundando assim, na concepção do citado filósofo, na troca do

dever pelo direito.

Na direção do atendimento às normativas humanizadoras do setor saúde, a ―corrida de

leito‖ constitui-se como um momento que possibilita o contato imediato com usuário do

serviço ou acompanhante, na perspectiva de se mapear demandas tradicionais e emergentes,

das quais o profissional irá desenvolver seu trabalho profissional. Apropriar-se e conceber

estas demandas pressupõe uma análise crítico-reflexiva que parte da totalidade da vida social

para o cotidiano do trabalho profissional e principalmente, nas relações sócio-históricas dadas

pelas relações sociais de produção e seus reflexos na vida do usuário.

A apreensão da demanda por meio dos recursos institucionais e profissionais mais

diversos precisa ser mediada pela reflexão crítica da origem e as reais necessidades de tais

demandas, visto que na atualidade vemos um ―crescimento da pressão na demanda por

serviços, cada vez maior, por parte da população usuária mediante o aumento de sua

pauperização‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 160). Na direção oposta à demanda crescente, figura-

se o crônico problema da indisponibilidade de recursos financeiros para o custeio e satisfação

116

das necessidades da classe trabalhadora cada vez mais empobrecida, o que ratifica e

constantemente reatualiza o cruel conceito de seletividade no acesso aos bens e serviço

sociais.

Fica evidente na fala do sujeito a dificuldade na apreensão do significado da totalidade

deste cotidiano profissional, que, mesmo permeado de inúmeras dificuldades, sejam

institucionais, sejam estruturais, é um espaço construtor de uma práxis política de

enfrentamento e adesão com as bandeiras das lutas de classe dos trabalhadores. Assim, o

cotidiano, para os sujeitos Carolina, Isabela e Gabriela, é apreendido e fundado em práticas

institucionalizadas que determinam e organizam o processo de trabalho do assistente social

(IAMAMOTO, 2008), resumindo-se, por vezes, a um trabalho profissional mecanizado,

embora com indícios de comprometimento com a classe trabalhadora.

Quando questionada sobre a existência da dicotomia na questão teórico-prática,

vejamos a resposta da assistente social Carolina:

De forma alguma. Quem fala isto é porque não está vivenciando a

teoria e não sabe implementá-la na prática.

De uma maneira mais simplista, o sujeito nega a existência da dicotomia entre teoria e

prática, pela evidente necessidade do conhecimento teórico-metodológico para a permanente

(re)construção do seu trabalho profissional. Reconhece a sua centralidade, mas não trabalha

com o conceito de mediação das esferas constitutivas entre teoria e prática. O sujeito continua

suas reflexões com relação ao saber teórico e sua mediação no conteúdo prático do trabalho

profissional:

Se você não tem conhecimento técnico, você prejudica o usuário, a

pessoa que você está atendendo. O conhecimento técnico é fundamental, mas você tem que saber como usar e quando usá-lo.

Porque você não pode se tornar um burocrata e responder as pessoas dizendo ―ah, no Estatuto é isso, a informação é esta‖, ou seja, trazer

aquela informação para o cotidiano. A gente tem que saber pegar a teoria e saber transformá-la para o cotidiano e para o perfil de

entendimento do usuário.

O sujeito tem a clareza da importância sobre a mediação entre a teoria e a prática,

mesmo não citando a categoria ―mediação‖, pois ele compreende que a teoria é necessária,

mas para se efetivar seu conjunto no cotidiano, há a necessidade de traduzir alguns elementos

117

para que os sujeitos da ação profissional possam compreender e consequentemente acessar

aos bens e serviços sociais aos quais ele busca.

Quando questionado sobre a eventual distorção entre profissionais da teoria

(professores, teóricos, etc.) e os profissionais da prática (profissionais do campo), o sujeito é

categórico em afirmar que se trata de uma ―leitura muito equivocada‖.

Nesse sentido, recorremos aos ensinamentos de José Paulo Netto:

A teoria é, para Marx, a reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa:

pela teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto que

pesquisa. E esta reprodução (que constitui propriamente o conhecimento teórico) será tanto mais correta e verdadeira quanto mais fiel o sujeito for ao objeto (PAULO NETTO, 1999, p. 23).

Esta compreensão indica o processo da abstração do concreto, da base material, na

direção da superação da leitura aparente/fenomênica, buscando capturar sua essência.

Já Isabela, profissional que tem na docência seu espaço sócio-ocupacional, aponta uma

reflexão central no que tange à discussão sobre teoria e prática e que perpassa pela formação

profissional do assistente social. Este profissional acredita que a (re)produção da dicotomia

teórico-prática

[...] passa por uma questão de formação, mas, sobretudo do

entendimento, tanto do aluno quanto do profissional que recebe esse aluno no campo de estágio, por exemplo. A gente percebe pela

experiência de gestão, docência e de coordenação de estágio que o assistente social que não deu continuidade com uma formação

continuada crítica ou aquele que está formado há um tempo significativo, em um modelo de currículo anterior, ou mesmo pela

comodidade, falta de interesse, por vezes reforça essa dicotomia.

É importante assinalar a percepção do sujeito entrevistado acerca da necessidade da

formação continuada. Observa-se que ela analisa as determinações da falta de capacitação de

forma simplista, ou mesmo preconceituosa ao afirmar:

O profissional, quando não tem interesse, quando ele não tem clareza,

quando ele não dá abertura, ele não vai entender. A gente tem relatos de alunos que o profissional recebe esse aluno e faz ele esquecer tudo

o que ele aprendeu na faculdade.

Assim, é necessária uma ―visão dos processos sociais como totalidades que se

compõem de vários aspectos e âmbitos e que apresentam diferentes níveis de complexidade‖

(GUERRA, 2005, p. 3). A autora destaca a necessidade de apreender o real na sua essência,

118

mediado pela ―teoria macroscópicas sobre a sociedade‖, o que possibilita a pavimentação na

direção da ruptura com as práticas imediatistas, fundadas no pragmatismo e reificadoras.

A formação continuada está circunscrita por inúmeros elementos, dentre os quais

apontaremos: 1) o próprio desejo profissional em qualificar-se adequadamente para

desempenhar um trabalho profissional compromissado com os valores assumidos

coletivamente; 2) as condições concretas de trabalho do assistente social, que vêm sendo nas

últimas décadas profundamente solapadas pela reestruturação produtiva que rebate nas

condições de trabalho e que impossibilita economicamente de acessar os cursos de

especialização de qualidade, tradicionalmente ofertados nas instituições privadas; 3) a

descaracterização da função essencial da universidade na difusão do conhecimento científico,

profundamente fortalecido pela ampla privatização da esfera universitária, com a deterioração

dos currículos, fundados apenas no ensino, obscurecendo o sustentáculo da universidade

(ensino, pesquisa e extensão), com a formação em massa, principalmente com os cursos à

distância, que, segundo Iamamoto (2008, p. 441), ―permite vislumbrar, como faces de um

mesmo processo, a precarização do ensino e do trabalho profissional‖.

A formação profissional fundada no arcabouço da teoria social crítica contribui de

maneira essencial na desconstrução das teorias pragmáticas e tecnicistas, que tendem reforçar

a dicotomia teórico-prática. Assim, essa formação profissional crítica exige ―capacitação

suficientemente qualificada em termos de conhecimentos teóricos e possibilidades

interventivas‖ (GUERRA, 2005, p. 4), que reforce uma leitura do real e do trabalho

profissional na totalidade da vida social e na direção social (ético-política) assumida pelo

coletivo profissional.

Com relação ao questionamento da dicotomia entre teoria e prática, vejamos a resposta

de Gabriela:

Não. Eu discordo em pensar em dicotomia em relação teoria/prática.

Eu acho que se completa. É um movimento dialético entre a prática e teoria. Entre o trabalho em si e o próprio fundamento teórico. Um

fundamenta o outro.

A resposta do sujeito vem confirmar a posição de Guerra (2005), posto que há uma

unidade de teoria e prática, que se complementam e respondem necessidades, mediatizado

pelo constante processo dialético.

Indagado sobre esta mediação no processo teórico-prático, o sujeito faz a seguinte

reflexão:

119

Eu vejo que esta mediação da teoria e prática que acontece no meu

cotidiano profissional a partir do momento em que, partindo do princípio em que eu reconheço o sujeito como sujeito de direitos,

enquanto ser social, enquanto ser ontológico, e a partir do momento em que eu passo do atendimento desta forma, eu faço com que este

sujeito seja partícipe da sua própria realidade. E juntos, você vai construir caminhos para que haja pelo menos gérmens de uma

mudança naquela realidade. Porque como eu trabalho no hospital, a gente tem que pensar que quem está internado não é só a doença, a

patologia, existem várias outras questões envolvidas. Então ali todas as manifestações da questão social se manifestam no usuário

internado, mas nos seus familiares também. Então a intervenção vai para mais além.

O trabalho profissional fundado em bases teóricas críticas e mediados com os

elementos materializadores do compromisso profissional encontra-se ressonância no discurso

de Gabriela, visto que, como capacidade reflexiva, ela situa o usuário atendido na condição de

ser social, ser humano-genérico, pensado e situado na concretude da realidade; sua

intervenção segue na direção da abstração teórica oferecida pelos marcos teóricos, com

direcionamento prático-político quando afirma ―construir caminhos para que haja os gérmens

de uma mudança naquela realidade‖. Nesta direção, o sujeito afirma que

é uma coisa que não tem como você fugir, o debate teórico do seu cotidiano de trabalho.

Gabriela apresenta a reflexão da superação do conceito puramente biomédico,

tradicionalmente defendido pelos profissionais da área da saúde, dentre os quais o próprio

assistente social; ele situa a questão social, esta pensada como objeto da intervenção

profissional do assistente social. Assim, este compromisso com as demandas não ―depende

somente de uma vontade política de adesão a valores, mas da capacidade de torná-los

concretos, donde sua identificação como unidade entre as dimensões ética, política, intelectual

e prática, na direção da prestação de serviços sociais‖ (BARROCO, 2001, p. 295).

Ao ser indagada sobre as teorias que o sujeito entrevistado aprendeu na graduação e

sobre a sua viabilidade na prática profissional, Carolina infere;

Eu acho que todas as correntes são fundamentais para o nosso trabalho. Acho que por sermos assistentes sociais, a gente estuda mais

o marxismo, só que às vezes a prática delimita um pouco. A gente não tem como fazer esta transformação de imediato. Eu acho que cabe a

120

gente ter ideologia, ser positivo no sentido de orientar os seus usuários sobre os seus direitos e deveres.

O sujeito aponta a importância de todas as correntes na direção de fundamentar o

trabalho profissional, demonstrando a presença de uma insistente retomada do ecletismo nas

opções teóricas norteadoras da práxis profissional, embora ele reforce o estudo do

―marxismo‖, o que não evidencia a superação substancial do ecletismo presente no discurso,

sendo que este ecletismo emerge como um equívoco teórico que falseia a realidade (PAULO

NETTO, 1991). A fala do sujeito movimenta-se de maneira expressiva, pois, ao afirmar a

importância de todas as correntes, o estudo do marxismo por si só não transforma a sociedade

de imediato. O sujeito entrevistado não estabelece algumas mediações necessárias à

compreensão acerca da transformação social, pois esta transformação necessita de

conhecimento crítico sobre a sociedade do capital e uma vinculação essencialmente orgânica

com a classe trabalhadora; esta transformação não é individual, é de caráter coletivo, pensado

a partir do entendimento do conceito ―classe para si‖ (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010).

A retórica conservadora presente no discurso do dever como elemento necessário ao

acesso aos direitos aparece na fala do sujeito, visto que a associação do direito ao dever

emerge como uma imposição do modo de produção capitalista e das determinações do

neoliberalismo que atingem visceralmente o direito de acesso aos bens e serviços sociais e o

Estado, transformando os direitos duramente conquistados pelos trabalhadores em barganha

no cumprimento de deveres pré-estabelecidos pela ordem burguesa (IAMAMOTO, 2008).

Deste modo, o Estado e consequentemente os assistentes sociais (re)produzem a lógica

cartorial elaborada pelo capital e sancionada pelo Estado.

Com relação aos marcos teóricos que serviram de referência para o profissional no

processo de formação e agora no trabalho profissional, Carolina situa a

[...] fenomenologia também. A gente tem que saber separar as coisas do cotidiano, verificar melhor a informação, saber isolar a situação

para que também não recaia sob qualquer julgamento do assistente social. Porque às vezes a pessoa pega uma corrente e se tornam

pessoas que rotulam os outros, ―aquilo não serve, aquilo não se enquadra‖. Então eu acho que toda corrente se usa. Eu acho que o certo é unificar as correntes, verificar o seu perfil profissional e visar

sempre o bem estar de quem está sendo atendido. A qualidade, a prestação do serviço, principalmente o objetivo. [...] Eu acho que as

pessoas têm que ser objetivas e levar ao usuário a questão dos direitos. Eu acho que ainda falta muito nisso no assistente social. Eu acho que

isso pesa muito no que ele está fazendo. Às vezes ele faz uma visita

121

domiciliar, um procedimento técnico e não verifica que aqueles usuários tem uma gama de direitos. Você tendo o conhecimento, você

tem que ter o compromisso de passar para os usuários todos os seus direitos.

O sujeito refere-se à necessidade de recorrer à fenomenologia como fundamento

teórico-metodológico. Porém, ao afirmar tal corrente teórica, é necessário compreendê-la e

identificar o tipo de análise da realidade que esta opção teórica se estrutura. Assim sendo, a

fenomenologia recorre a um mecanismo superficial de análise da sociedade fundada na

aparência, ou seja, do fenômeno. Reatualiza-se deste modo, a concepção sincrética e eclética

do Serviço Social tradicional (PAULO NETTO, 1996). O sujeito retoma o conceito de

neutralidade da ação profissional, do trabalho isolado para se distanciar do julgamento, o que

nos leva a refletir sobre a direção social da profissão e sua vinculação com a classe

trabalhadora.

Mesmo refletindo sobre a questão da fenomenologia como parâmetro teórico, Carolina

reflete sobre elementos que podem conduzir seu trabalho profissional na direção da efetivação

do acesso aos direitos da classe trabalhador, como um dos princípios do trabalho

compromissado com os valores da profissão. Porém, fica a dúvida dobre a mediação de uma

corrente como a fenomenologia com a esfera do reconhecimento do direito do usuário,

compreendido a partir do conjunto sócio-econômico e histórico que o engendra na sociedade

capitalista.

Quando questionada sobre quais disciplinas Isabela ministrou na universidade e quais

as dificuldades encontradas, o sujeito aponta que:

Atualmente eu não ministro nenhuma disciplina. Eu estou só com a

orientação de TCC. Já ministrei estágios do I ao IV; Processo de Trabalho; Fundamentos éticos e políticos, estágio e supervisão. Eu já

passei por quase todas as disciplinas pela forma como a Universidade e a gestão do curso entendia que a gente não tem que ter uma

disciplina específica, particular. É lógico que isso ajuda no sentido de você se apropriar mais do conhecimento. Por outro lado acaba

ocorrendo também uma questão de comodidade. Se a pessoa tem um plano de ensino montado, dependendo da sua disponibilidade de

tempo, a pessoa fica com ele 10 anos, desconsiderando as características das turmas, as mudanças atuais.

Isabela retoma uma reflexão necessária à academia e aos docentes, que se refere a

questão da ―exclusividade‖ de determinadas disciplinas. Na sua fala, encontramos a

122

diversidade de disciplinas possibilita perpassar pelos eixos estruturantes da formação

profissional do assistente social, possibilitado aprofundar o conhecimento nas mais diversas

áreas do conhecimento. Seguindo os pressupostos norteadores da formação em Serviço

Social, verifica-se a necessidade de romper com a concepção de parcialização do

conhecimento, seguindo a orientação da lógica capitalista na direção da formação

fragmentada, empobrecida e especializada.

Quando questionada sobre as dificuldades encontradas nas disciplinas que ministrou,

Isabela opina:

Para cada disciplina, eu acho que as dificuldades se mostram de uma

forma diferente; pela concepção que o aluno tem sobre o que irá ser trabalhado. A primeira matéria que eu ministrei na faculdade ela tinha

um formato que eles não conseguiam conceber. Eu tive muita dificuldade com essa disciplina, porque pelo nome ela iria discutir a

questão metodológica, mas ela tinha uma ementa e os objetivos que levavam para um aspecto mais filosófico, de construção de

conhecimento. Eu acho que depende da disciplina e eu acho que a disciplina de estágio te dá a possibilidade de rever algumas coisas que

ficam pendentes. Porque eles conseguem levar algumas coisas, ainda que sem muita clareza para o estágio, e que você consegue perceber

onde ficou alguma lacuna.

A questão do preparo intelectual faz-se essencial no processo de construção do

conhecimento junto o aluno de graduação, pois a carência de elementos teórico-

metodológicos pode comprometer a direção da formação profissional crítica. Isabela reflete

sobre a questão do estágio como uma disciplina que possui agentes dificultadores. Vejamos:

Nesse sentido, eu volto na questão do Cfess e Abepss, existe uma orientação, mas quando você vai trabalhar com os profissionais em

uma capacitação, a gente não tem um retorno. É uma questão muito clara no nosso Código de Ética. Não é uma obrigatoriedade, mas há

um direcionamento que tem muito mais haver com um compromisso. E quando você vai começar a pensar nos campos de estágio e a

consultar a disponibilidade dos colegas, você se depara com essa questão da resistência gratuita. É muito interessante também quando

você percebe um aluno que tem compromisso, que é bem recebido na supervisão, quando lá no final ele consegue fazer toda essa

articulação.

O sujeito refere-se à questão relacionada na oferta do campo de estágio, como

momento essencial para o aluno estabelecer as mediações necessárias, evidenciando as

123

potencialidades, os limites institucionais, profissionais, o contato direto com a população

usuária, bem como um campo promissor para o fortalecimento do compromisso profissional.

Isabela reflete sobre a resistência dos profissionais da cidade em receber alunos

estagiários e evidencia a questão do compromisso expresso na Lei de Regulamentação da

profissão e a importância da capacitação dos profissionais ao receber estes estagiários. Na

atualidade, as resoluções do Conselho Federal de Serviço Social determinam o processo de

supervisão de campo, na direção da qualidade do processo.

Ao ser questionada quanto ao tipo de corrente teórica apreendida no processo de

formação, a assistente social Gabriela aponta a teoria social de Marx e a situa no cotidiano do

trabalho profissional.

A teoria social de Marx. Porque as outras fundadas no pensamento de Durkheim, Weber e outros pensadores positivistas e funcionalistas não

conseguem dar uma resposta àquilo que eu pretendo. Eu simplesmente negaria alguns aspectos, principalmente o sujeito enquanto ao aspecto

social e histórico. Eu particularmente, dentro das categorias, tomo como aporte no meu cotidiano profissional a própria teoria crítica, a

leitura da realidade. Por quê? Porque voltando a pergunta anterior, como eu reconheço o sujeito enquanto um ser ontológico, social,

histórico, um ser envolvido nos complexos que é a realidade. A partir deste momento eu reconheço nesta teoria uma fundamentação para

que eu possa mediá-la junto ao cotidiano profissional. Eu tomo por base esta teoria porque ela me dá condição, sustentação teórica até

mesmo para reconhecimento do sujeito enquanto ser histórico e social e ir à raiz. E até mesmo porque, se eu negar a este sujeito, eu,

enquanto assistente social, não o reconhecer enquanto com essas categorias e pensar em uma mediação, reconhecer singularidade,

particularidade e universalidade, reconhecendo aquela realidade posta para mim, sair daquela aparência, que é o singular; fazer este

movimento que é reconhecer o sujeito na sua totalidade, eu não consigo desenvolver um trabalho que realmente compromissado.

Nesta fala, o sujeito aponta a centralidade teórica da teoria social de Marx como marco

teórico-metodológico que lhe oferece condições de analisar a sociedade burguesa, partindo

das suas estruturas. Na resposta, o sujeito aponta categoriais centrais, como ontologia,

realidade e historicidade, que, segundo ele, lhe possibilitam o reconhecimento do sujeito

(trabalhador-usuário) para além da aparência. Com relação à teoria social de Marx, somente

pode ser concebida a partir da leitura igualmente crítica da sociedade burguesa madura e seu

processo de produção e das relações sociais engendradas por esta sociedade. Assim, ―[...] sem

esta compreensão, será impossível uma teoria social que permita oferecer um conhecimento

124

verdadeiro da sociedade burguesa como totalidade (incluindo, pois, o conhecimento — para

além da sua organização econômica — das suas instituições sociais e políticas e da sua

cultura)‖ (PAULO NETTO, 2009, p. 9).

Ao afirmar tal posição, nosso sujeito refuta no seu discurso as teorias de caráter

positivista e funcionalista que, como correntes do pensamento conservador, possuem

mecanismo ideopolíticos que mascaram a realidade concreta, fundados na culpabilização do

sujeito, na criminalização da pobreza e na concepção pragmática e funcional da sociedade

burguesa.

A teoria social de Marx só interessa a quem concebe a história como um campo de possibilidades abertas — e não apenas à barbárie, à desumanização, à reificação do presente-, mas, sobretudo,

aos projetos coletivos que apostam na criação de uma nova sociedade, onde a liberdade possa ser

vivida, em todas suas potencialidades (BARROCO, 2005, p. 16).

Evidencia-se na fala do entrevistado a importância de compreender o sujeito por ele

atendido no complexo das relações sociais de produção, dada na materialidade do cotidiano e

profundamente determinado pela lógica reificadora do grande capital; mas não somente é

situar este sujeito na direção de construção coletiva, fundada em elementos tão caros aos seres

humanos. Partindo da análise de reconhecer este sujeito como ser humano-genérico na ordem

do capital, possibilita a apreensão sócio-histórica da demanda posta no seu atendimento, o que

pode indicar a possibilidade de um trabalho profissional que vá além do aparente, do imediato

e sugere a captura desta realidade na raiz da questão, ou, como afirma Marx, ir além do

aparente.

Denota que a concepção de homem e de mundo do sujeito entrevistado, fundada numa

visão de totalidade de vida social, abre caminhos para um trabalho profissional

compromissado tradicionalmente com os valores coletivos dos trabalhadores, na direção dos

princípios profissionais, que dão uma direção social (são princípios que elegem valores)

Ao ser questionada sobre os problemas mais frequentes que a assistente social

Carolina depara no seu cotidiano de trabalho, vejamos a resposta.

[Eu vejo hoje que no judiciário as pessoas tem muita confiança na justiça popular e a justiça às vezes não é essa justiça que a gente

entende. [...]. Então eu vejo que as pessoas tem muita dificuldade em entender isso. A questão da demora, eu acho que pelo número de profissionais, das dificuldades que a gente tem, é muito difícil. Às

vezes a gente pega uma situação gravíssima e você quer fazer um acompanhamento, fazer um parecer. Então eu vejo que a questão

maior é a demanda do serviço e a gente não conseguir ser mais ágil.

125

Observa-se que a assistente social do Tribunal de Justiça possui relativa clareza sobre

um dos problemas centrais do Poder Judiciário: a demora no julgamento dos processos e a

limitação dos recursos humanos (assistentes sociais). O sujeito aponta a carência de recursos

humanos como central e que coloca o qualidade dos atendimentos prestados por estes

profissionais em risco e consequentemente minando o comprometimento com os usuários.

Necessário reforçar toda a problemática recobre o serviço público, situado na conflituosa

linha do atendimento das determinações do grande capital e na satisfação das necessidades

(demandas) postas pelos trabalhadores e dentro desta realidade, o acesso à justiça figura-se

neste cenário (IAMAMOTO, 2008).

Na ordem do dia, a programática neoliberal acentua suas forças junto à sociedade e ao

Estado, na direção da destruição dos direitos duramente conquistados, reafirmando a

inoperância do Estado frente às questões postas pelo próprio capital. Isso reflete

essencialmente no trabalho profissional do assistente social, visto que estes ―não dispõem,

todavia, de todos os meios e condições necessárias para efetivação do seu trabalho, parte dos

quais lhe são oferecidos pelas entidades empregadoras‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 96). As

condições objetivas de trabalho dos assistente sociais seguem profundamente permeadas e

determinadas pela lógica do capital, o que possui reflexos na materialização do seu

comprometimento com as demandas da classe trabalhadora.

O sujeito continua suas reflexões acerca do trabalho profissional e dos problemas

enfrentados no seu cotidiano profissional.

O Tribunal é uma instituição fechada, mas eu falo principalmente em

relação a demanda. Eu acho que vai muito de profissional. Às vezes o profissional tem o mesmo número de trabalho, uns conseguem dar um

parecer e buscar um encaminhamento mais rápido. [...] A carência de recursos humanos e suporte técnico para o trabalho. A questão de

ferramenta de trabalho, de condições, até para a gente poder atuar junto com os estagiários, proporcionar o aprendizado para ele, e

aprender com o estagiário. Então o que ocorre muito no TJ, e não é só uma crítica minha; inclusive a gente participa de fóruns, e tudo, não é

a questão do Tribunal. Ele tem até criado ferramentas de capacitação para nós, principalmente para o assistente social. Melhorou muito, a gente ganhou muitos cursos, capacitações continuadas específicas do

serviço social. Isso que eu acho legal. E eu tenho aprendido muito com estes cursos, inclusive o incentivo é a questão financeira de estar

participando, com reflexos no aumento salarial, e também ter um comprometimento com a categoria. Eu vejo que o tribunal dá o apoio,

mas, em relação à questão de mão de obra, ainda é pouca.

126

O sujeito retoma e reforça mais uma vez a carência de um número maior de

profissionais que possam melhorar as condições objetivas de atendimento às demandas,

principalmente nas Varas da Infância e Juventude da Comarca de Uberaba, local em que a

demanda pelo trabalho do assistente social tradicionalmente é maior. Na contramão da

carência de profissionais, o sujeito acentua a questão da qualificação continuada oferecida

pela Instituição, que possuem em sua maioria um caráter tecnicista para instrumentalizar o

assistente social para execução do seu trabalho profissional, o que pode não revelar uma

concepção de trabalho profissional mais universal, dado na totalidade da sociedade a qual este

profissional se insere. A construção do conhecimento necessita superar o aprendizado

mecanizado e tecnicista, na direção da produção do conhecimento, da investigação, na direção

de ―libertar a verdade de seu confinamento ideológico‖ e situar-se em um ―espaço de

resistência e luta. Trata-se de uma atividade fundamental para subsidiar a construção de

alternativas críticas ao enfrentamento da questão social que fujam à mistificação neoliberal‖

(IAMAMOTO, 2008, p. 452).

Outro problema frequente apontado pelo sujeito reside no fato da pouca efetividade

das políticas públicas, visto que, como a estrutura judiciária não lhes possibilitam a oferta de

todos os serviços necessários ao usuário, há a imperiosa necessidade de recorrer à rede

socioassistencial do município. Associado à pouca efetividade da rede, o sujeito reforça o

caráter de (re)produção da pobreza em suas esferas constitutivas. Vejamos seu

posicionamento.

A gente encaminha para rede exatamente para dar o fortalecimento

para aquela família. Para que com o tempo ela possa se manter e possa tirar essa reprodução da pobreza. Porque a pobreza passou a ser um

caso específico de geração para geração. Então isso passou a ser visível. Você deixa de atender um irmão, passa a atender um sobrinho,

filho, neto, e depois vai reproduzindo.

No contexto da sociedade capitalista, o processo de reprodução da pobreza somente

pode ser pensado a partir do seu amplo processo de apropriação privada dos meios de

produção, na apropriação da força de trabalho e na consequente extração da mais-valia.

A reprodução da pobreza possui mediações com a profissão, visto que o amplo

processo de fragmentação das políticas, bem como sua focalização, é cooptado pelo Estado e

pelo capital como a mera somatória das ações das políticas com vistas ao atendimento

127

igualmente fragmentado prestado ao usuário, refletindo de maneira objetiva no trabalho

profissional frente às políticas às quais ele busca acesso para os usuários (YAZBEK, 2003).

Em contraposição aos elementos constitutivos desta lógica do capital, o trabalho situa-

se na esfera antagônica de luta em um projeto essencialmente oposto, em que a liberdade, a

plena autonomia e a reordenação das relações sociais de produção sejam elementos-chave das

suas bandeiras de lutas. Nesta contraposição de valores, o antagonismo entre capital e trabalho

é expresso pela questão social, que, para Iamamoto (2008), configura-se como a luta entre

capital e trabalho na defesa de projetos distintos.

As relações sociais de produção

―produzem e reproduzem as desigualdades no plano social, político, econômico e cultural, ao

criar uma população sobrante. Elas redefinem o lugar dos pobres nessa sociedade: a ausência do

poder de mando e de decisão, privação dos bens materiais, a desqualificação das suas crenças e

modos de expressar-se, que ocorrem simultaneamente às suas práticas de resistência e de lutas (IAMAMOTO, 2008, p. 188).

Pensar a esfera da reprodução da pobreza no cenário do grande capital é partir da

totalidade deste processo e estabelecer as mediações necessárias para compreender as

particularidades que envolvem o trabalhador, dentre as quais o lastro neoliberal que perpassa

as politicas sociais. Com relação à efetividade das políticas e o trabalho em rede, o sujeito

afirma que

[...] tenho o contato maior com a Prefeitura através do Suas, mas eu vejo muitos relatórios e poucas ações efetivas. Eu sempre tento

colocar que a gente precisa de mais ações. Porque até a comunidade às vezes cansa. Se precisar de atendimento da justiça, da prefeitura, até

de ONGs, mas não existem ações efetivas que preparam a pessoa para o trabalho, que é vencer a limitação seja ela física, material ou mental.

Está faltando é isso. Criar ações, projetos e programas. Espaços existem. Não adianta abrir espaços e dizer: ―o Cras está funcionando‖,

mas o usuário chega lá e o serviço é oferecido de que forma? Tem que oferecer com qualidade de trabalho, para que aquela família possa ter

a proposta de ser independente. Porque os programas e benefícios sociais vêm pra isso. Ele tem que ser temporário porque senão ele vira

a renda da família e ela não sai da pobreza.

Tal crítica à efetividade das politicas sociais é encontrada também na fala de Gabriela.

sujeito que tem na saúde seu espaço sócio-ocupacional de trabalho, que as aponta como um

problema do seu cotidiano profissional.

128

Eu acho que é a inacessibilidade aos direitos. É frequente, principalmente porque vivemos em um Estado que é omisso e efetivar

o que está estabelecido no SUS, é difícil porque o Estado não provê insumos para garantir o acesso à saúde. E como os usuários internados

ali não tem condição econômica para manter o tratamento pós-alta, nós dependemos da rede pública, normalmente há uma luta em que a

gente precisa utilizar o próprio Estado contra o Estado para poder efetivar este direito do cidadão. [...] O que eu penso é que as políticas

são segmentadas uma vez que a assistência não consegue se comunicar com a política de saúde, que não se comunica com a de

previdência. Então as políticas vão sendo segmentadas. Elas não conseguem manter um diálogo entre si. Quando você chama o Estado

para articular as políticas, os próprios gestores e os próprios agentes políticos que estão envolvidos, ou seja, os trabalhadores não

concebem que podem articular as políticas. E pensar em determinismo ou em condicionalidade, eu penso que é uma condicionalidade.

Porque se eu pensar em determinismo, eu penso que tudo já está acabado. A condicionalidade me dá a possibilidade de pensar que algo

pode ser feito para mudar.

O que ambos os sujeitos pesquisados enfatizam reside na pouca efetividade das

politicas vinculadas aos espaços sócio-ocupacionais, evidenciada pelo problema da propalada

―rede de serviços‖. As políticas sociais na atualidade seguem a receita do ideário neoliberal,

patrocinado e sancionado pelo Estado, que reforçam seu caráter fragmentado e focalizado das

suas ações, pautadas numa prática recorrente de descontinuismo, que desconstroem os

princípios constitucionais firmados pela luta dos trabalhadores na Constituição de 1988 e nas

leis regulamentadoras. A chamada crise fiscal do Estado vem reforçando ―ações pontuais e

compensatórias direcionadas para os efeitos mais perversos da crise‖ (BEHRING;

BOSCHETTI, 2006, p. 156).

Cabe refletir que o processo de fragmentação e focalização das políticas sociais

públicas tem conexões com o trabalho profissional, pela essência do Serviço Social, na

medida em que se viabiliza por meio de tais políticas. A não efetividade ou o atendimento

minimalista de cunho seletivo seguem associados a questões estruturais do capital, na sua

reordenação em escala global, que repercute decisivamente na

[...] insegurança e vulnerabilidade do trabalho e a penalização dos trabalhadores, o desemprego, o

achatamento salarial, o aumento da exploração do trabalho feminino, a desregulamentação geral

dos mercados e outras tantas questões com as quais os assistentes sociais convivem cotidianamente: são questões de saúde pública, de violência, da droga, do trabalho da criança e do

adolescente, da moradia na rua ou da casa precária e insalubre, da alimentação insuficiente, da

ignorância, da fadiga, do envelhecimento sem recursos, etc. Situações que representam para as

pessoas que as vivem, experiências de desqualificação e de exclusão social, e que expressam também o quanto a sociedade pode "tolerar" e banalizar a pobreza sem fazer nada para minimizá-

la ou erradicá-la (YASBEK, 2003, p. 138).

129

Concebidas estruturalmente estas condições objetivas da concepção do trabalho

inscrito nesta esfera, o trabalho profissional circunscreve o antagonismo do trabalho

profissional, situado frente à desconstrução dos direitos e ações políticas de mobilização junto

aos trabalhadores na defesa do seu projeto de classe.

Com relação ao trabalho profissional no campo da docência, questionamos Isabela se

as disciplinas que ministra apontam o debate sobre a teoria marxista e quais os autores

utilizados para esse referencial teórico-metodológico.

Eu tive uma falha na minha formação, na realidade eu nem sei se posso dizer isso. Mas estávamos matriculados em um currículo antigo,

em um curso novo, primeira turma numa universidade privada. Desafio para quem assumiu isso, e acho que foi um desafio para quem

se propôs estudar também na primeira turma; mas hoje eu percebo com muito mais clareza, e muito menos culpa que a minha formação

foi uma formação que não me direcionou para um pensamento marxista. Eu vim aprendendo isso com o tempo, e deixando de me

arrepiar com que eu lia e leio de Marx a partir do momento que eu me dispus a entender sem fazer a crítica e sem ser Marxista, porque não

tenho essa propriedade toda, mas me abri para a discussão e tive grandes mentores: o Professor João que teve uma contribuição

significativa no curso em particular para fazer essa transição. Então isso veio de uma forma gradual e eu sei que posso ter falhado como

professora com alguns alunos, mas hoje com muito mais clareza e tranquilidade. Talvez não com toda a propriedade como deveria, mas

caminhando para entender e mediar. Tenho como referencial teórico os livros do Netto, da Barroco, da Marilda, Guerra....

O sujeito destaca a deficiência na apropriação das fontes da teoria social crítica na

esfera da sua formação acadêmica, evidenciando algumas particularidades institucionais.

Particularidades estas que se associam a uma defasagem curricular, visto que as diretrizes

curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa redefinem, no plano da formação

profissional, sua proposta básica, referendada em 2002. O sujeito aponta esta deficiência no

currículo, que pode ser interpretada como indefinição sobre os marcos propostos nas diretrizes

curriculares da Abepss e sua mediação com o projeto pedagógico mais progressista. Na

proposta da Abepss, os três núcleos da formação profissional — a saber: núcleo de

fundamentos teórico-metodológicos da vida social; núcleo de fundamentos da formação

sócio-histórica da sociedade brasileira; e núcleo de fundamentos do trabalho profissional —

possibilitam o desdobramento de uma matriz curricular essencialmente crítica, pelo debate

que se propõe a fazer, apontando elementos de critica à sociedade capitalista e os impactos no

trabalho profissional.

130

A proposta básica de formação do assistente social busca na concepção sócio-histórica

o lugar que a profissão ocupa no cenário da luta de classes, como uma especialização do

trabalho coletivo, de condição assalariada e que se inscreve na dinâmica da (re)produção da

vida social, situando também o trabalho como um elemento fundante na dinâmica da

sociedade capitalista (IAMAMOTO, 2000a). A concepção de deficiência de um currículo

antigo pode esconder a face estrutural do capital em sua fase neoliberal, que descontrói a

função essencial da universidade na formação de cidadãos críticos e com inserção politica na

sociedade.

A fala de Isabela revela como a formação profissional ou mesmo os assistentes sociais

sobre a apropriação do pensamento haurido nas fontes de Marx ou daqueles autores que

sustentam suas discussões na fonte do pensador alemão. O sujeito é enfático em afirmar que

não manteve um contato com as fontes do pensamento fundado na crítica marxiana da

sociedade burguesa, o que exige, na atualidade histórica que vivenciamos a ―necessidade de

se atribuir maior rigor e consistência à apropriação das matrizes teórico-metodológicas

incidentes no campo da formação‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 193).

Ao assumir esta deficiência, observa-se que o sujeito situa-se na condição de abertura

ao aprendizado pela própria urgência em situar-se como gestor de curso, docente e assistente

social na condição de trabalhador inserido na esfera da (re)produção da sociedade do capital,

o que possibilita estabelecer algumas mediações não tão assombrosas (IAMAMOTO, 2008).

Ao ser questionada sobre a possibilidade de um diálogo com a vertente marxista na

pós-graduação (mestrado), Isabela afirma:

No meu mestrado, eu não consegui visualizar toda essa visão crítica

marxista em uma universidade pública, laica e pretensamente de qualidade, que me frustrou um pouco porque eu achei que resgataria

aquilo que não tive na graduação. Isso me decepcionou. É lógico que existe aquela reflexão e a busca por melhorar, mas me decepcionou

muito por que eu esperava muito mais. Em nível de qualidade de conhecimento. Eu achei que ali eu conseguiria sanar algumas lacunas

da minha formação. E não foi o que aconteceu.

O sujeito deixa evidente que ao buscar um programa de pós-graduação, nível de

mestrado, as deficiências emergidas no inicio da sua formação profissional se reatualiza, à

medida que o debate sobre Marx e sua teoria social crítica tem ficado restrita a alguns

programas mais progressistas ou dentro de programas conservadores, programas estes que

reatualizam a vertente conservadora, secundarizando o debate sobre a teoria crítica de Marx.

131

Essencialmente, o foco da problemática da formação não reside apenas na graduação, mas

também na pós-graduação e nos objetivos da pesquisa, que na atualidade tem se colocado a

serviço da fragmentação do conhecimento, na direção da ―especialização mesquinha‖

(LUKACS apud LARA, 2008).

A fragmentação foi criada e permaneceu no círculo acadêmico ao longo do século XX, contribuindo para o desenvolvimento da Universidade que tem como um de seus principais

objetivos formar especialistas, que sabem cada vez mais de menos. Portanto, o grande mal da

ciência moderna são as ciências particulares (LARA, 2008, p. 187).

Particularizando a formação em áreas e subáreas, o conhecimento torna-se

fundamentalmente parcializado, como particularidades de determinadas profissões ou

profissionais, fazendo com o que o debate plural, concebido na totalidade das ciências sociais,

torne-se fragmentos de conhecimento que não revelam a realidade em sua concretude e

dimensão.

Assim, assumindo ―falhas‖ na condução da atividade docente cotidiana perante seus

alunos necessita ser pensada na deficiência da formação, que repercute no trabalho

profissional docente. O reconhecimento desta carência não reside apenas como um aspecto

fatalista, pois sugere a busca contínua da apreensão do conhecimento acerca da teoria crítica,

o que não implica necessariamente na sua mediação política, o que o tornaria um

conhecimento que potencialmente não se efetive como transformador.

Deste modo,

[...] apreender este processo social na sua contraditoriedade é requisito para se construir um

projeto de formação profissional que reafirme o estatuto profissional do Serviço Social, na

medida que este esteja comprometido com a formulação de programáticas: de propostas de ação

no campo da implementação e das formulações das politicas sociais públicas e privadas, da dinâmica do mundo do trabalho e de seu mercado, atento ao universo da cultura universal, mas

também à visão de mundo dos subalternos, decifrando seus códigos, suas maneiras particulares

de sua expressão de sua vida social em formas culturais. (IAMAMOTO, 2000a, p. 196).

Questionada sobre seu entendimento do compromisso ético-político e os

desdobramentos no seu trabalho profissional, Carolina enfatiza

Independente da instituição, eu vejo a atitude do profissional. A atitude não só perante da chefia, ou juíza, perante a comunidade.

Independente da pessoa, porque não cabe a gente fazer pré-julgamento dos assistidos. Este compromisso é a atitude no cotidiano. A gente tem

que ver a questão dos seus direitos, porque os deveres a gente vê todos os dias em forma cobrança em cima da comunidade. O

comprometimento profissional é específico em relação aos direitos.

132

De levar o acesso. Quem mais precisa, é quem menos tem conhecimento e não vai atrás por falta de informação.

A centralidade deste compromisso encontra eco na resposta do sujeito, na direção de

que estas respostas ético-políticas de comprometimento seguem na direção do atendimento

das necessidades do usuário, como ela enfatiza a partir do acesso ao direito, por exemplo.

Emerge nesta discussão a tentativa de superação das concepções moralizadoras em relação ao

usuário, que o sujeito situa como ―assistido‖. A concepção de termos ―assistidos‖ e/ou

―clientes‖ demonstra ainda o ranço conservador presente nas políticas públicas estatais, às

quais se fundaram na base do favor e das práticas meritocráticas (LOURENÇO, 2009).

O sujeito reforça a questão do compromisso na esfera do direito, apenas enfatizando a

possibilidade de acesso, visto que o Código de Ética explicita valores como a facilitação do

acesso aos bens e serviços sociais aos usuários das políticas, na defesa da democracia, etc.,

evidenciando alguns dos compromissos coletivos da profissão. É necessário situar este

compromisso ressaltado pelo sujeito pesquisado, na direção do fortalecimento da participação

política dos usuários, fomentando a ampliação da democracia, da liberdade. Estes

compromissos não podem ser pensados isoladamente, necessitam da ―coesão dos agentes

profissionais, em torno de valores e finalidades comuns, [o que dá] organicidade e direção

social a um projeto profissional. Este aspecto, no entanto, diz respeito ao movimento interno

da profissão, o que não existe sem conexões externas‖ (BARROCO, 2005, p. 66).

Essa reflexão nos leva a pensar na necessidade desta coesão de caráter coletivo dos

profissionais e dos sujeitos usuários dos serviços sociais, na direção de materialização de um

projeto que extrapola os limites profissionais, dirigidos a um projeto de classe. Porém, este

movimento não pode ser concebido apenas na endogenia da profissão, ele necessita ser

mediado por elementos externos que atravessam a profissão e consequentemente a

determinam.

Ainda com relação ao compromisso profissional, questionamos o sujeito sobre como

ele realiza esse compromisso em seu cotidiano profissional no seu espaço sócio-ocupacional.

A gente tenta! Ser perfeito não tem como. Embora a gente fale que não, a dinâmica da demanda, como a gente tem prazos, é muito

complicado. Às vezes a gente gostaria de fazer da melhor forma, mas acho que dentro do possível eu consigo. Pelo menos de 0 a 10 eu acho

que 8 eu tenho tentado.

133

Mais uma vez, Carolina refere-se à questão das condições objetivas e subjetivas do

trabalho no referido espaço sócio-ocupacional, que, pelo seu amplo processo de

burocratização e sua tradição puramente jurídica, ―reduz-se, por um lado, à garantia dos

direitos da população e, por outro, dos direitos dos representantes da hierarquia burocrática‖

(PASUKANIS, 1989, p. 76). Deste modo, o trabalho profissional, como já debatido

anteriormente, encontra-se polarizado entre estes interesses antagônicos, que podem revelar

uma constante ameaça ao projeto profissional. O sujeito percebe que os limites institucionais

podem interferir na materialização dos princípios profissionais, o que nos leva a refletir que

tais limitações concretas não podem ser situadas de maneira fatalista, que impossibilita

unilateralmente a construção do compromisso profissional, sendo que o ―o Código de Ética

nos indica um rumo político, um horizonte para o exercício profissional‖ (IAMAMOTO,

2000a, p. 77). Mas não basta um Código de normatização Ética, apenas; é necessário, pois,

uma vinculação orgânica com a classe trabalhadora, na sua dimensão política.

Ao se questionar um exemplo cotidiano deste comprometimento ético-político, o

sujeito faz a seguinte afirmação.

Se a pessoa é analfabeta, você vai mandar ela tirar um documento como? Eu já vi muita gente entregar um encaminhamento para

analfabetos, eu acho que são ações de acordo com o seu público, você vai ver as necessidades deles e tomar as atitudes necessárias.

Pode parecer uma resposta minimalista, que pode remeter-nos a uma visão simplista

do trabalho profissional, mas que revela elementos essenciais do projeto profissional no trato

com a questão social e suas múltiplas manifestações numa sociedade brutalmente barbarizada

pelo capital. A necessidade de compreender no âmbito da abstração o trabalhador usuários

dos serviços sociais, trabalhador este ao qual este profissional dispõe todo seu conhecimento;

não somente o conhecimento teórico, mas da efetiva vinculação às bandeiras de lutas destes

trabalhadores, efetivando o seu comprometimento na concretude da vida, da realidade do

trabalhador. Deste modo, este trabalho profissional e este rumo ético-político requer um

profissional que rompa com ―tanto com o teoricismo estéril, quanto com o pragmatismo,

aprisionados no fazer pelo fazer, em alvos e interesses imediatos (IAMAMOTO, 2000a, p.

79).

Com relação ao entendimento sobre o compromisso profissional, Gabriela, que tem na

saúde seu espaço sócio-ocupacional, afirma que:

134

O meu compromisso é com o meu usuário. O espaço onde estou hoje é um espaço em que as pessoas veem somente pelo lado do médico só

que nós conseguimos com os médicos e a própria direção o reconhecimento das outras ações que nós desenvolvemos que são as

de cunho social, político, cultural. E isso provoca para o serviço social a materialização do seu trabalho e dos princípios éticos,

principalmente no aspecto em que se reconhece o sujeito autônomo, livre, com tudo aquilo que preconiza a ética para o Serviço Social e

seus princípios.

Retoma, na fala do sujeito, a tentativa de superação do conceito centrado na figura do

tratamento médico-hospitalocêntrico, de características biologistas, o que reflete o

posicionamento conservador de alguns espaços no setor saúde, visto que desde a eclosão do

Movimento Sanitário e a Constituição Federal e principalmente pela regulamentação da saúde

pública de caráter universal, por meio da Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), a saúde não é

mais concebida como a ausência de doenças, figura-se, portanto, a concepção das esferas da

vida social (cultura, bem estar físico e mental, etc.) ( BEHRING; BOSCHETTI, 2006).

Mesmo situando seu trabalho profissional na direção dos princípios fundamentais do

assistente social, o sujeito reconhece e reforça o caráter da concepção da autonomia dos

sujeitos sociais, da liberdade. Porém, é necessário compreender os limites desta autonomia e

liberdade sob a órbita das políticas sociais focalizadas e dos ditames da sociedade capitalista,

que circunscreve a liberdade e a autonomia sob seus limites ideológicos, políticos, sociais,

culturais e econômicos. A compreensão do ethos profissional circunscreve-se em dimensões

constitutivas que compõem a ética profissional, sendo elas: a dimensão filosófica, o modo de

ser e a normatização legal nos marcos do Código (BARROCO, 2005).

Ao questionarmos o sujeito se considera e tem clareza que este compromisso está

presente no seu cotidiano profissional, ela enfatiza.

Tenho. Tanto que o Serviço Social já teve problemas com gestão e

direção porque defrontamos, batemos de frente para ―garantir‖, para legitimar e efetivar um direito que era do usuário. Até mesmo de

permanência do hospital.

A clareza do seu posicionamento frente aos interesses da classe trabalhadora, situada

como elemento ético, retorna na fala do sujeito, evidenciada pela necessidade de uma prática

política e igualmente subsidiada por conhecimentos teórico-metodológicos que direcionam

um trabalho profissional compromissado com as demandas dos usuários. Este processo de

embate requer uma aderência ético-política e situada na esfera da mediação

135

que envolve habilidades e estratégias no campo da atuação profissional (o que é verdadeiro e importante), por meio do enfrentamento de desafios concretos impostos à profissão. Sob essas

determinações é que o Serviço Social e a categoria profissional dos assistentes sociais devem

pensar e objetivar alternativas que possam contribuir com a emancipação humana (SILVA, 2010,

p. 143).

A reflexão do sujeito remete seu trabalho profissional à necessidade de estabelecer

mediações internas e principalmente externas, na direção de uma prática política, que

corresponda e se alinhe ideologicamente às necessidades dos trabalhadores, na defesa dos

seus interesses.

Quando questionada sobre a direção social do curso de graduação à qual está

vinculada, Isabela afirma que o curso possui uma direção social. Quando solicitado que o

sujeito reflita e indique esta direção social, vejamos seu posicionamento.

De uma sociedade emancipada, justa, igualitária, para além do que é

preconizado simplesmente como uma questão legal dentro do nosso Código de Ética. Para uma direção que vai além do que preza, não sei

se é pretensão demais nossa, mas que vai além do Projeto Ético Político. Eu acho que a gente tem um corpo docente que tem uma

clareza com relação a isso.

Assim, pensar numa sociedade emancipada, a partir da superação do modo de

produção fundado no capitalismo; requer essencialmente situar esta sociedade para além do

capital e de seu modo de (re)produção. Como alternativa, o projeto profissional segue-se

como uma direção social que não pode ser pensada como limite ideopolítico. Este ir mais

além que o sujeito afirma, mesmo que não tão claro e objetivo, situa uma formação

profissional ―conciliada com os novos tempos, radicalmente comprometida com os valores

democráticos e com a prática de construção de uma nova cidadania na vida social, isto é, de

um novo ordenamento das relações sociais‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 168).

Quando questionada sobre a existência de alguma lacuna que possa prejudicar a

consolidação do projeto profissional, principalmente no tocante à sua realidade profissional, o

sujeito aponta a seguinte reflexão:

Eu não sei se é lacuna. Eu acho que é limite. Que é a gente ter maior

disponibilidade para se dedicar a questões de qualificação profissional, da pesquisa. Não se restringindo apenas a questão da titularidade, mas de uma questão muito maior. Lógico que a

titularidade tem todo um peso, mas senão a gente acaba desconsiderando e dizendo que ela não é necessária. Não é isso. Mas

não único simplesmente pelo título de Doutor ou Mestre que a gente

136

traz na frente. É uma questão que direcione a possibilidade de construção deste compromisso no cotidiano. Eu acho que falta a

oportunidade, falta discussão na categoria, a categoria precisa discutir isso mais para mostrar as fragilidades, limitações e buscar alternativas

para saná-las.

Novamente, os limites institucionais, determinados pelo pacto neoliberal das elites,

repercutem no processo de materialização do conjunto ético-político no cotidiano destes

profissionais. Estes limites ficam expressos na carência de centrar a universidade no cenário

da produção de conhecimento e não somente na direção do ensino tecnicista para o mercado

de trabalho. A pesquisa e a extensão são enfocadas pelo sujeito como elementos constitutivos

da função da universidade e um elemento tributário no processo de consolidação da prática

ético-política compromissada dos assistentes sociais. Reforça a lógica da qualificação

massiva, para obtenção de títulos acadêmicos profundamente descolados das questões centrais

da luta dos trabalhadores, enfim, a classificação do nível de conhecimento tipicamente

burguês que presta um desserviço, na maioria das vezes, à direção social da profissão (LARA,

2008).

Deste modo,

[...] é de fundamental importância tomar o processo de produção de conhecimento como

elemento de transformação da realidade social, reconhecendo o conhecimento como uma das expressões da práxis, como uma das objetivações possíveis do trabalho humano frente aos

desafios colocados pela relação entre o homem, a natureza e a sociedade (LARA, 2008, p. 41).

O sujeito aponta também, a questão do debate da profissão, frente a temas tão

complexos e que possuem conexões medulares com o Serviço Social, o que nos coloca a

refletir sobre como os profissionais enxergam esta dimensão constitutiva do trabalho

profissional e estas conexões externos e as questões internas do Serviço Social. As

fragilidades da profissão são desveladas cotidianamente nos espaços onde os assistentes

sociais se inserem, mas a questão a ser refletida é: como estes profissionais compreendem e

situam estas lacunas?

Ao questionarmos a posição da direção política do curso atualidade, Isabela indica

algumas pistas para reflexão sobre o tema.

Porque eu acho que nós somos o profissional que tem, com tantas

limitações, que possui uma clareza maior desse direcionamento. Então a Universidade pode não ter, mas olha a questão da mediação, cabe a

gestão do curso de Serviço Social, seja quem for, de primar, dar plenas condições para melhor efetivação disso. Da melhor forma

137

possível. Sabendo que limitações, barreiras são inúmeras. Mas quando você tem clareza, quando você expõe com tranquilidade, você tem

esse direcionamento, ainda que contrário a isso, a Universidade é um espaço de formação e que precisa haver essa direção. Porque senão

perde o sentido [...] Então uma unidade de formação tem que ter uma identidade política. Político no sentido de politico coletivo e não no

sentido da pequena política partidária. [...] É uma questão utópica. É uma questão ideológica.

Ao se posicionar em sanar tais questões, sugere ir além do aparente, apreender a

totalidade na sua essência, requer pensar na possibilidade transformadora da sociedade, pois

sanar tais questões nada mais é por de lado as questões cruciais da sociedade e da profissão,

que precisam ser enfrentadas pelos trabalhadores por meio de projetos supressores da ordem

determinada (PAULO NETTO, 1991; BARROCO, 2005).

Assim, o projeto ético-político expressa valores e conquistas que só podem ser

entendidos a partir de uma reflexão sobre todo o contexto econômico, político, cultural e

social que perpassa e é inerente à sociedade capitalista, sob a ótica da crítica do mundo

capitalista e a inserção e reconhecimento do assistente social na condição de trabalhador.

Deste modo, o Serviço Social se legitima a partir da vinculação do seu projeto e

[...] esta vinculação se dá pela própria exigência que a dimensão política da intervenção

profissional impõe. Ao atuarmos no movimento contraditório das classes, acabamos por imprimir uma direção social às nossas ações profissionais, que favorecem a um ou outro projeto societário.

Nas diversas e variadas ações que efetuamos, como plantões de atendimento, salas de espera,

processos de supervisão e/ou planejamento de serviços sociais, das ações mais simples às

intervenções mais complexas do cotidiano profissional, nelas mesmas, embutimos determinada

direção social entrelaçada por uma valoração ética específica (BRAZ, 2004, s/p).

Aliado a todo este contexto complexo, o Serviço Social tem na classe trabalhadora o

seu próprio reconhecimento político e profissional, tendo em vista todo o conteúdo da

profissão em nome de uma ideologia, de um sonho, que converta todos seus canais

institucionais, práticos, legais e ético-políticos para uma classe determinada: a trabalhadora.

Esta vinculação orgânica com a classe trabalhadora se manifesta na permanente

(re)construção do trabalho profissional e dos compromissos com os valores assumidos

coletivamente.

Questionamos Carolina, profissional do Tribunal de Justiça, sobre o trabalho em

equipe a sobre a existência de um plano de trabalho do Serviço Social.

138

Não, tem o do TJ que determinam quais são duas funções, demandas e atribuições que tem que ser cumpridas. Mas a gente supera as

expectativas. A gente vai bem além do que é determinado, dependendo das necessidades dos usuários.

Retoma mais uma vez a concepção da autonomia relativa do profissional nos marcos

da instituição em que o sujeito se insere profissionalmente. Seu monolitismo configura-se na

direção da determinação do fazer mecânico, de cunho tecnicista e reificador do sujeito. Ao

buscar a superação destas expectativas institucionais, que possuem uma característica pífia

sobre a dimensão do trabalho do assistente social, este profissional tenta sustentar o projeto

profissional com ações compromissadas com o atendimento das necessidades dos usuários.

Com relação a um plano de trabalho, o sujeito refere que

[...] tem algumas propostas que tem que ser efetivadas. [...] Mas no cotidiano a gente troca informação, a gente trabalha junto. Embora

cada um seja responsável pelo seu trabalho, existe uma parceria entre os assistentes sociais.

A dependência dos recursos institucionais para se concretizar o trabalho profissional

não pode ser elemento justificador da inexistência de um projeto político-profissional na

instituição. Pensar um plano de trabalho profissional requer ir além dos limites institucionais,

é romper com as barreiras limitadoras do trabalho profissional, assumindo seu compromisso

com os sujeitos. Necessita-se pensá-lo vinculado organicamente com os demais trabalhadores,

pois

[...] o assistente social não realiza seu trabalho isoladamente, mas como parte de um trabalho

combinado ou de um trabalhador coletivo que forma uma grande equipe de trabalho. Sua inserção

na esfera do trabalho é parte de um conjunto de especialidades que são acionadas conjuntamente para realização dos fins das instituições empregadoras (IAMAMOTO, 2000a, p. 64-65).

Quando questionada sobre como ela considera a realização dos valores do Código de

Ética no seu cotidiano no espaço da docência, Isabela se posiciona.

Seria muita pretensão minha falar que sim? Eu acredito. É muito

interessante, pois é necessário tentar superar a ideia de que na prática a teoria e outra e o espaço da docência, como espaço do trabalho

profissional, é um cotidiano que a reflexão e o conhecimento devem oferecer ao estudante elementos do nosso projeto profissional. A

docência consegue realizar estes valores, mesmo com toda a problemática que envolve a universidade, sua direção neoliberal, a

formação em massa...

139

Mesmo com a crença de que o espaço da docência se ocupa na realização dos valores

do Código de Ética, o sujeito retoma o conceito de necessidade de superação do conceito

dicotômico entre teoria e prática. Ele situa a docência como um espaço de trabalho do

profissional, visto que este espaço é signatário da materialização da direção social da

profissão. Ao figurar a centralidade dos problemas da formação profissional na atualidade

conservadora da universidade burguesa (MÉSZÁROS, 2004), situada na conflituosa arena

neoliberal, o Código de Ética contribui para o assistente social na condição de trabalhadores,

―para o processo contraditório de uma nova moralidade profissional, direcionada socialmente

para a ruptura com o conservadorismo e para a construção de uma nova cultura profissional

democrática que colide com a hegemonia política do capital‖ (BARROCO, 2005, p. 206).

Esta colisão assinalada pela autora segue na direção de uma contrarresposta às

imposição do capital, mas sua essência não pode ser apreendida a partir do individualismo,

necessita ser pensada e construída na coletividade, como possibilidade contestadora da ordem

posta. À docência cabe também este papel contestador. Ela não pode ser vista apenas como

um mero reprodutor do conhecimento, da ciência, da crítica; este espaço necessita ser

carregado de motivações ideológicas e igualmente coletivas, de classe.

A clareza da dimensão política das universidades e sua direção socialmente

determinada são fatores importantes na construção de uma formação profissional crítica e que

tenha condições de oferecer bases teórico-metodológicas e ético-políticas.

Eu acho que quando você consegue ter clareza dessa direção social da profissão. Quando você estabelece um espaço de sala de aula um

espaço para discussão e para o diferente, do contraditório. Quando você aceita discutir concepções que o aluno traz mesmo que não seja

as do curso, ou da universidade, ou da vida dele. Você pode levar o aluno a refletir sobre. E por contar com um corpo docente que tem

muita clareza destes valores. Eu acho que isso contribui em muito. Para além de um entendimento de um código de ética, é a

interpretação da materialização daquilo ali. Da essência. Existem todas as dificuldades, mas eu vejo isso com muita clareza. Isso é uma

das questões que ainda me encanta na docência.

O sujeito aponta a questão do debate, aliado a um conhecimento teórico-metodológico,

alinhado a um compromisso de classe que possibilite o assistente social em formação a

permanente (re)construção da formação e do trabalho profissional. A direção social do

Serviço Social não pode ficar restrita apenas à academia ou ao exercício profissional, como

partes de um todo, como pregam algumas correntes ideológicas conservadoras; ele tem que

140

fundar-se em elementos mediados pelo movimento contraditório da sociedade, na direção de

uma crítica transformadora da realidade. Na direção da reflexão do sujeito, a formação

profissional precisa formar ―cidadãos participantes e conscientes de seus direitos civis,

políticos e sociais; mas que zele pela autoqualificação acadêmica e permanente

aperfeiçoamento, de modo a contribuir na formação de cientistas, pesquisadores e

profissionais voltados aos horizontes do amanhã‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 433).

Questionada sobre o trabalho em equipe e a proposta de um projeto de trabalho no

hospital que o sujeito desenvolve sua ação profissional, a assistente social Gabriela refere que

há um trabalho em equipe, constituído por ―quatro assistentes sociais, além da equipe de

saúde, composta por psicólogos, enfermeiros, médicos e assim por diante‖. O sujeito afirma

que por meio da ―equipe multidisciplinar existe o projeto de humanização‖. Os riscos da

ampliação do conceito das equipes multidisciplinares residem na desqualificação do trabalho

dos profissionais, em torno de um saber único, que pode ocasionar fissuras no

comprometimento ético-político do assistente social, por exemplo.

Quando questionamos sobre o plano de trabalho do Serviço Social na instituição, o

sujeito faz a seguinte reflexão:

Nós temos o nosso plano de trabalho. E dentro da proposta do serviço

social buscamos efetivar um trabalho [...] que legitime a política de humanização [...]. Veicular informações, viabilizar acessos aos seus

direitos.

Pensar em plano de trabalho profissional requer uma visão sustentada pela tríade dos

conhecimentos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos na direção da

consolidação dos objetivos profissionais. O estabelecimento de um plano de trabalho

desfocado dos referenciais teóricos e políticos que sustentam o trabalho profissional pode

indicar um trabalho profissional de origem tecnicista, por meio de metodologias de origem

burguesa, desfocadas da concretude da vida cotidiana e que pode representar uma face

mistificada do ideário conservador. Um plano de trabalho para o assistente social necessita ser

pensado a partir dos referenciais teóricos críticos que orientam a formação e o trabalho

profissional, como uma possibilidade de (re)construção dos princípios profissionais e na

adesão ao projeto de classe.

Deste modo, o planejamento das ações necessita estabelecer-se em marcos teóricos

sólidos e numa direção social e política marcada pelo compromisso do assistente social com a

classe trabalhadora, fortalecida na coletividade, na busca de um horizonte novo.

141

Em relação à participação de atividades da categoria, os sujeitos entrevistados são

unânimes ao afirmar que estão envolvidos com alguma atividade, seja ela da categoria ou não.

Deste modo, quando questionada sobre o tipo de atividades que mais lhe interessam, Carolina,

que atua junto ao Tribunal de Justiça, afirma:

Eu gosto de cursos de capacitação. A gente que trabalha com

legislação, sempre surge uma legislação nova. A lei muda muito e a gente tem que estar preparado para atender a comunidade. Porque

chega um processo, com ações novas, com temas que a gente não conhecia. Há um tempo atrás a gente não tinha investigação de

paternidade, Lei Maria da Penha, SUAS etc. Então se você não estiver atualizado, você não conseguirá contribuir para o seu usuário.

As atividades de capacitação apontadas pelo sujeito necessita ser pensada sob duas

vertentes complexas e por essência, antagônicas. A qualificação continuada crítica, que

possibilite ao profissional apreender a realidade a partir do concreto, situado nas relações

sociais de produção e no seu complexo processo de (re)produção, evidenciado pela urgente

necessidade de romper com as capacitações e cursos profundamente tecnicistas,

fragmentadores do sujeito e da sociedade. A função da apropriação do conhecimento necessita

ir além do ―saber fazer‖, apenas; este conhecimento tem sua razão de ser na forma de uma

condição de ―transformação da realidade social, reconhecendo o conhecimento como uma das

expressões da práxis, como uma das objetivações possíveis do trabalho humano frente aos

desafios colocados pela relação entre o homem, a natureza e a sociedade‖ (LARA, 2008, p,

41).

A capacitação como forma de apreender determinadas realidades, mesmo que

criticada, necessita ter uma direção social estabelecida nos marcos do compromisso com os

usuários do Serviço Social, na forma da qualificação mediada pela clareza da sua direção.

Com relação ao mesmo questionamento sobre a participação em atividades da

categoria e quais destas atividades mais lhe interessa, a assistente social Isabela, que encontra-

se também na condição de docente, afirma:

Participo. A docência nos obriga até por uma questão de sobrevivência e também que para mim deixou de ser uma imposição.

Passou a ser uma vontade de querer conhecer, passar para o outro e trocar. Seminários, eventos, congressos, Abepss, Cfess, participamos,

inclusive com participação de eventos no México, Argentina, com artigos publicados, participação na condição de convidados... [...] Já

fui presidente da Associação dos Assistentes Sociais de Uberaba,

142

considero que tivemos uma participação importante na organização da categoria.

A concepção de atividades da categoria se contrapõe com o profissional do Judiciário,

visto que as necessidades distintas de cada espaço conduzem, por vezes, a atividades inerentes

ao campo de trabalho, na direção de qualificação. O sujeito no espaço da docência infere que

sua participação está mais voltada para questões gerais da profissão, na produção de

conhecimento científico, de participação de eventos, da coordenação de entidades da

categoria.

Isabela continua suas reflexões sobre o conceito de participação nas atividades da

categoria.

Eu participo do Conselho Regional no sentido de buscar respostas a

questões. A gente teve algumas situações com o nosso Conselho em Uberlândia, hoje sanadas. Eu percebo com muita tristeza o

distanciamento da categoria e minha, a respeito da verdadeira representatividade que todos deveriam ter. [...] Sinto muito. Eu sempre

fui uma pessoa muito ativa, desde a época de faculdade, de questionar, me indignar, no sentido de tentar contribuir. Mas os questionamentos

me desmobilizaram. Até porque a categoria aqui no município é uma categoria que a gente não consegue articular. Ai de novo, a gente tem

um Conselho que não colabora no sentido de fazer essa mobilização, organizar os profissionais para buscar melhorias, para a formação,

para os usuários. [...] Hoje, um pouco distante com tristeza, mas entendo que é uma circunstancia, momentânea. Ou não.

A fala do sujeito demonstra a necessidade de reorganização do aspecto coletivo da

profissão na sua realidade local, visto que este distanciamento reflete uma concepção fatalista

desta organização coletiva da profissão, pensada macroscopicamente, que se encontra

profundamente desmobilizada, haja vista o largo processo das investidas neoliberais que

atravessam a sociedade e consequentemente a profissão, traduzido por um discurso

individualista que rebate na função educativa do Serviço Social (IAMAMOTO, 2008). Deste

modo, é ―necessário reassumir o trabalho de base, de educação, mobilização e organ ização

popular, organicamente integrado aos movimentos sociais e instâncias de organização política

de segmentos e grupos sociais subalternos‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 200).

Reafirmando a participação em atividades da categoria, Gabriela aponta sua

participação — ―na categoria eu participo de eventos, congressos, seminários, oficinas, bem

direcionado a profissão‖ — e complementa sua reflexão de participação:

143

Além da questão da saúde, algo que sempre me chama muita atenção é a questão da educação e da formação profissional. Eu acho que é

relevante e essencial para o supervisor de estágio [...] estar engajado no debate profissional. E a questão da ética que é o meu objeto de

pesquisa para o mestrado.

O sujeito particulariza sua participação nas atividades da categoria, dentre as quais

aquelas vinculadas ao debate ético. Ao pensar o debate sobre a ética, abrem-se possibilidades

de aglutinar as possibilidades construtoras e reconstrutoras do compromisso com o coletivo,

com a direção social da profissão no cenário do capital. Pensar em participação é criar

possibilidades de romper com as formas de consciência adormecidas e dogmatizadas pela

lógica do modo de produção e seus recursos ideológicos. Compartilhamos a ideia de

participação

[...] como um processo de vivência que imprime sentido e significado a um grupo ou movimento

social, tornando-o protagonista de sua história, desenvolvendo uma consciência crítica

desalienadora, agregando força sociopolítica a esse grupo ou ação coletiva, e gerando novos valores e uma cultura política nova (GOHN, 2003, p. 2).

Esta direção para o assistente social acentua na consolidação do compromisso

profissional junto à classe trabalhadora, efetivando uma ação política vinculada aos

segmentos postos à margem pela sociedade do capital, no fortalecimento da sua compreensão

de vínculo orgânico com a classe trabalhadora, na construção de valores essenciais à

democracia, à igualdade, à liberdade.

Ao serem questionados sobre o conhecimento do projeto ético-político (PEP), os

sujeitos dos espaços da saúde e do Poder Judiciário (Gabriela e Carolina, respectivamente)

afirmam conhecê-lo. Diz o profissional do Judiciário o Projeto ético-político:

Eu acho que ele [PEP] se materializa parcialmente. Até porque como é um projeto, ele está sempre em construção. A formação que eu tive há

10 anos atrás, eu fui mais desprendida. Eu vejo hoje o pessoal que está no mercado, eles estão mais preparados que a gente. A faculdade

atualizou muito. Ele sai preparado sobre essa visão de participar, de lutar, então eu acho que faz parte do projeto também. Você vê que a

galera nova participa de tudo, está mais antenada, vai atrás para conhecer as áreas. Mas em relação ao projeto em si, ele é uma

construção cotidiana, e vai ser uma construção constante, porque o serviço social evoluiu muito. Até certo tempo atrás, todo mundo tinha

a visão de que qualquer um poderia ser assistente social, mas a gente vê que é necessário conhecimento, habilidades, técnicas e muita

responsabilidade.

144

Mesmo buscando certa justificativa em relação ao lapso temporal de formação

acadêmica, o sujeito aponta uma reflexão importante sobre o projeto que versa sobre sua

construção cotidiana no cenário da sociabilidade do capital. A lacuna sobre sua

―materialização parcial‖ remete-nos à reflexão de que está situada no terreno conflituoso do

capitalismo, que confronta cotidianamente a direção social do projeto da classe trabalhadora.

Ao afirmar a atualização da universidade na contemporaneidade, observa-se o valor e a

responsabilidade que o sujeito atribui à formação na permanente na construção do

conhecimento e insistente (re)construção dos fundamentos teórico-metodológicos e ético-

políticos que imprimem uma direção social para a profissão.

Ao situar o assistente social recém-formado, o sujeito posiciona-o numa esfera de

maior qualificação para compreender os processos macroscópicos que atravessam a profissão

e o trabalho profissional do assistente social na cotidianidade, situando esta formação

profissional numa direção

[...] culta e atenta ao nosso tempo [e que] seja capaz de antecipar problemáticas concernentes á

prática profissional e de fomentar a formulação de propostas profissionais, que vislumbrem

alternativas políticas calcadas no protagonismo dos sujeitos sociais, porque atenta à vida presente

e a seus desdobramentos‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 195).

O projeto ético político profissional não se restringe a um trabalho profissional que

desvende a sociedade, apenas, ele é para além, pois se situa também na construção de

elementos de caráter político, medularmente vinculada à coletividade, na direção de novos

horizontes. É um projeto que ―requer remar na contracorrente, andar no contravento,

alinhando forças que impulsionem mudanças na rota dos ventos e das marés da vida em

sociedade‖ (IAMAMOTO, 2000a, p. 141).

Ao ser questionada se o trabalho docente é uma atividade política, Isabela afirma:

Totalmente. Porque na condição de formadores a gente tem um peso

muito grande. Você ouvir um aluno lá na frente dizer que: ―eu tive uma opinião de, graças a uma aula sua‖. Nós somos formadores de

opinião. E não somente opinião do conhecimento, e sim da direção política da profissão. Eu tive clareza disso quando ouvi um professor

de uma outra área, que estava em um curso de serviço social, discutindo questões de serviço social em determinado momento ele

afirmou que movimentos sociais não contribuem coma sociedade. E aquilo me incomodou muito. Porque ainda que ele tenha sua posição,

você dizer isso para uma turma de alunos, é muito complicado, pois desmobiliza ainda mais a politização dos alunos. A gente precisa ter

muito esse cuidado. Temos os Diretórios Acadêmicos, que faz um

145

espaço. Eu acredito que dependendo do compromisso da formação do professor, ele não tenha essa característica política.

Os apontamentos do sujeito permitem refletir sobre o papel profissional do docente na

construção das dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas da

profissão, a partir da utilização dos marcos teóricos que são sustentação ao trabalho

profissional na contemporaneidade. Este papel não pode ser pensado a partir das concepções

neoliberais em voga, que situa a prática docente na mera transmissão e reprodução do

conhecimento, sem as reflexões necessárias para compreender a sociedade a qual os sujeitos

se inscrevem (IAMAMOTO, 2000a). A prática da formação profissional densamente crítica e

de seu caráter indissociável aos elementos político-ideológicos do Serviço Social permite

―colocar-se diante das situações com as quais se defronta, vislumbrando com clareza os

projetos societários, seus vínculos de classes e seu próprio processo de trabalho‖ (ABEPSS,

2000, p. 55).

Ao descrever a experiência com outro docente, o sujeito nos faz refletir sobre o

respeito ao pluralismo de ideias, mas a não aceitação da vulgarização dos princípios teórico-

metodológicos e ético-políticos da profissão, que tem sua história construída na contramaré do

conservadorismo metodológico e ético presente no discurso neoliberal, quem tem na

desmobilização, no fatalismo e na criminalização dos movimentos sociais ou dos movimentos

opositores da ordem estabelecida, seu mote ideológico.

Ao refletir sobre a presença dos diretórios acadêmicos na construção da prática

politica profissional, requer analisá-la necessariamente na direção política impressa pelo

projeto político pedagógico do curso e na direção social dos docentes. Atribuir à prática

política apenas aos centros acadêmicos é desresponsabilizar a universidade, os cursos e os

docentes da politização como característica fundamental na construção de novos horizontes.

Gabriela compartilha a mesma concepção que Isabela, na direção de que o projeto

ético-político profissional se constrói cotidianamente, buscando alternativas de respostas

compromissadas com os trabalhadores, tendo em vista a rápida movimentação da sociedade

do capital em seu processo de reprodução sóciometabólica (MÉSZÁROS, 2004)

Sim. Eu acho que o PEP meu primeiro contato foi na formação

profissional. Depois ai vem o trabalho profissional e eu passei a refletir mais sobre como esse PEP está em construção ainda. E como

está sendo essa construção dele. E eu percebo que esta construção acontece em que tem momentos em que a própria categoria precisa

repensar algo. Eu percebo que há novamente um movimento

146

endógeno na profissão e que está levando essa discussão para um lado estritamente conservador. E ao mesmo tempo existe o movimento de

profissionais que vem mostrar a efetivação e a materialização deste PEP. E a questão é não pensar que a atuação de um profissional em

um determinado setor, seja um hospital, instituição de 3º setor, instituição privada, seja qualquer setor, o assistente social não pode

pensar que a sua atuação não vai refletir no todo do PEP porque vai. Ele faz parte de uma categoria. Então eu acho que o PEP está em

construção.

Ao reafirmar a permanente construção do projeto profissional, o sujeito entrevistado

situa a reflexão do insistente projeto conservador na profissão, o que Paulo Netto (1991),

chama de reatualização do conservadorismo. O momento de banalização da vida, o processo

de acirramento entre capital e trabalho e a presença do neoconservadorismo têm-se lançado

como determinação da ideologia dominante na (re)organização das suas bases de legitimação,

que possuem mediações com os mais diversos setores da vida: mídia, as políticas sociais, a

política, no trabalho e no Serviço Social. Ao afirmar esta presença conservadora na profissão,

o sujeito não situa que tipo de presença é esta e quais seus reflexos para a profissão e para o

projeto profissional.

Situar a profissão na órbita da sociedade capitalista é compreender que diversos

projetos de origem neoconservadora mantêm profundos rebatimentos no trabalho profissional

dos assistentes sociais, na direção da lógica (re)produtora do irracionalismo, do preconceito,

da intolerância, do cerceamento da liberdade e da autonomia dos sujeitos, por exemplo. O

enfrentamento do presente neoconservadorismo nas diversas instancias da vida social e da

profissão requer dos profissionais posicionamentos políticos coletivos de caráter progressista,

do aprofundamento do conhecimento, dos debates em torno das questões que envolvem a

sociedade a profissão. Supõe ainda ―articulação com outras categorias, entidades e com os

movimentos organizados da população usuária‖ (BARROCO, 2011, s/p).

Pensado coletivamente, o projeto ético-político repercute também na coletividade (do

trabalho profissional e dos usuários dos serviços sociais), o que supõe uma luta igualmente

coletiva de todos os trabalhadores na direção da construção de um novo horizonte, sem

dominação, sem exploração e na supressão das classes, elementos estes que contribuem para a

sustentação do modo de produção capitalista.

Quando questionado sobre quais valores Carolina julga importante no Código de

Ética, ela situa a liberdade. Vejamos:

147

A questão da liberdade, a gente tem que ter muito cuidado com isso. O assistente social, às vezes sem perceber quer moldar o usuário. É uma

coisa muito errônea, principalmente quando a gente é recém formado, eu formei há mais de uma década e a gente sai da faculdade com a

visão de alguns professores. Acho que a questão da liberdade de expressão, a questão da gente não ter julgamento de valores, que é

uma questão que vem da formação nossa. Sem a gente perceber, o nosso cotidiano se torna uma correria tão grande, que a gente não

percebe, e eu acho que isso chega até ser um crime contra o usuário.

A liberdade figura-se nos princípios profissionais como elemento ético-central para o

assistente social, com desdobramentos no cotidiano do trabalho profissional na vinculação

com os usuários atendidos. O que o sujeito aponta como um ―cuidado‖, reside na esfera da

reprodução desmedida da lógica neoconservadora, reafirmada pelos discursos e atitudes

policialescas de controle e repressão, de uma liberdade fundamentalmente burguesa. Ao

afirmar que o cotidiano possibilita atentar contra a liberdade, refere-se a um dado concreto,

determinado pela lógica burguesa, que tende a reificar o homem, submetendo-o à sua lógica

destrutiva.

Como valor importante do projeto ético-político, Gabriela aponta uma reflexão

importante, na mesma direção do profissional do Tribunal de Justiça, na perspectiva de

[...] pensar que a liberdade nestas condições materiais postas é

questionável porque a liberdade está condicionada à alguns aspectos materiais. Mas se a gente pensar a liberdade do sujeito enquanto uma

categoria e que este sujeito enquanto no seu processo histórico, ele busca e constrói essa liberdade, superando essas condições materiais,

ai sim ele consegue enquanto ser um sujeito livre no aspecto ontológico, mas pensamos que há alguns entraves de alcançar esta

liberdade diante das condições materiais dadas.

Ao situar esta liberdade, faz-se necessário compreendê-la com uma atividade mediada

pelo trabalho, sendo que, pelo trabalho, a liberdade é uma potência criadora ―na medida em

que permite o domínio do homem sobre a natureza‖, situando-se como atividade geradora de

possibilidades de escolhas e que possibilitam ―imprimir uma direção a seus projetos sócio-

históricos‖ (BARROCO, 2005, p. 60). Ao situar o trabalho na direção de uma atividade

criadora, consciente e que não situe-se como (re)produtora da exploração e da dominação,

indicando, por meio do seu projeto sócio-histórico de caráter coletivo, uma liberdade ad

hominem (BARROCO, 2005; MARX, 2005).

148

O conceito de liberdade que o sujeito aponta em sua resposta demonstra uma relativa

restrição à sua concepção ontológica, dirigindo-se para a liberdade de escolhas do usuário, nas

ações cotidianas do trabalho profissional. Mesmo de maneira superficial, o sujeito aponta uma

categoria que tem no projeto ético-político profissional profundos rebatimentos objetivos na

sua direção social, que pressupõe como um valor mediado pela emancipação humana e pela

supressão da sociedade, torna-se tributária de nova sociedade e da concepção real da

liberdade.

Ao ser questionada sobre concordância ou não sobre os pressupostos do projeto ético-

político profissional, Isabela afirma concordar e ainda traz uma reflexão sobre o tema.

Se eu falo para você que a atividade docência tem uma função

política, automaticamente, eu estou respondendo a sua pergunta. Se eu falo para você que eu acho possível a materialização dos princípios do

código de ética e do Projeto Ético Político. O que para muitos tem um outro significado. Não possuem um entendimento, eu acho que

também por uma questão de formação ou aderência política mesmo. Eu vou te dizer que eu consegui essa compreensão do Projeto Ético

Político não foi durante a minha formação, foi durante a especialização que eu entendi o que era esse PEP. Que não existe uma

cópia, que eu não vou dar um xerox desse Projeto para ninguém. E aí me frustrei novamente no mestrado em que a discussão acerca do

projeto ficou em um âmbito muito superficial. É uma questão que precisa muito ser discutida em um âmbito muito geral, publicizar,

trazer a essência, a direção, os pressupostos e a possibilidade de construir e reconstruir. Do vir a ser.

Mais uma vez, o sujeito aponta fragilidades da incorporação dos valores do projeto

profissional no processo de formação acadêmica, visto que este é o lócus do primeiro contato

com as reflexões teóricas do nosso projeto. No processo de formação, o sujeito ainda aponta o

debate superficial da pós-graduação de um tema essencial ao assistente social. Claro que a

incorporação dos valores do projeto ético-político passa, necessariamente, por uma formação

profissional de construção teórica sólida, que permita oferecer condições intelectuais e

políticas de ruptura com as visões tecnicistas, utilitaristas e reprodutoras da ordem vigente que

ainda permeiam a profissão.

Mas pensar o projeto profissional requer aderência histórica com os movimentos da

classe trabalhadora, o que não depende apenas da aderência teórica. Parte da vinculação

orgânica com a classe da qual o capital se utiliza para se reproduzir materialmente e

ideologicamente. O sujeito reflete as possibilidades de construção permanente deste projeto,

que, por essência, não está pronto e acabado e, sim, reconstruído à medida que a sociedade se

149

modifica. Esta essência assinalada pelo sujeito retoma a visão utópica da construção do um

novo vir a ser, de uma nova sociedade, em que o homem passe a ser a medida de todas as

coisas (IAMAMOTO, 2008).

Ao solicitar de Carolina apontar obstáculos e possibilidades do seu cotidiano

profissional, a profissional do Tribunal de Justiça aponta o excessivo trabalho com

[...] laudos e pareceres escritos, a gente às vezes tem que dar uma

ponderada muito grande. Dentro de um laudo você não pode, por exemplo, se é uma questão específica de guarda, você não pode estar

sugerindo algumas medidas de proteção para aquela família. É tudo muito burocrático. Você tem que encaminhas aquela família para a

Vara da Infância e isso você perde muito tempo. É uma questão que não sai do lugar e, quando você vai ver, já não tem o retorno esperado.

É uma determinação do juiz. Você não pode estar fugindo muito do que é proposto a ação, mesmo se você ver outras ações sociais graves

em volta. Inclusive eu tomo muito cuidado, e eu sempre coloco que embora não seja o foco da ação, eu sempre coloco algumas medidas

que podem intervir nas relações da família.

O sujeito retoma o conceito da burocracia estatal presente no Poder Judiciário, como

um resultado das diretrizes da organização capitalista frente ao Estado e aos trabalhadores.

Submetido a uma pesada lógica conservadora e burocrata, o trabalho profissional sofre com

limitações que rebatem na sua autonomia (relativa), conforme já assinalamos em Iamamoto

(2000), o que também se reflete no seu comprometimento com os valores assumidos

coletivamente. Mesmo situado num terreno conflituoso, o projeto ético-político é movido por

uma intencionalidade: ―Isto porque ele estabelece um norte, quanto à forma de operar o

trabalho cotidiano, impregnando-o de interesses da coletividade ou da ‗grande política, como

momento de afirmação da teleologia e da liberdade na práxis social‖ (IAMAMOTO, 2008, p.

227).

Assim, trabalho profissional compromissado com os valores reafirma a direção social

da profissão, numa construção cotidiana que rompa com o conservadorismo e que seja

criativo ao propor um trabalho que realmente se alinhe aos interesses da classe trabalhadora.

Com relação às possibilidades, diz a entrevistada:

Eu acho que é no cotidiano. Não só com os usuários, mas também com os colegas. A gente tem que ser mais parceiros para a profissão

estar se desenvolvendo e a profissão ser mais reconhecida. [...] Por isso eu acho que a gente tem que ter uma maior gama de informações

possíveis para que nós possamos passar o maior número de

150

informações para o usuário. [...] O compromisso com o Código de Ética, com a verdade, com a participação do profissional, com a

liberdade.

O cotidiano se constitui na própria sociedade, visto que, para Paulo Netto (2010, p.

66), ―não há homem sem vida cotidiana‖, pois é nele (no cotidiano) que ocorre o processo de

produção e (re)produção dos sujeitos sociais. Posto desta maneira, o cotidiano é campo de

contínua (re)construção e nele movem-se todas as possibilidades.

Além da discussão sobre cotidiano, o sujeito situa a reflexão do papel do assistente

social como um veiculador de informações, na condição de facilitador do acesso a bens e

serviços sociais, na consolidação da cidadania, na direção da emancipação humana, no

reconhecimento da liberdade como valor — enfim, o sujeito evidencia, mesmo que

resumidamente, os princípios norteadores do exercício profissional do assistente social.

Com relação aos obstáculos, Isabela afirma:

O obstáculo que eu entendo é você deixar de atender o usuário na sua

necessidade em função de burocracias. Talvez isso. Você ter uma concepção de direito a isso, e no ponto de vista de burocracias, talvez

isso não seja possível. A gente faz um projeto de um código de ética bonito e possível, eu acredito. Mas de interpretação acima do texto

legal daquilo que pode ser mediado no cotidiano. Eu deixo de ser ética, por exemplo, quando eu quero impor ao usuário uma decisão

que cabe a ele. Porque eu quero tirar aquele cidadão que está na rua porque incomoda, porque é feio, por meio de práticas higienistas... A

gente ouve muito ―o assistente social não fez nada‖, ou tem muitos por exemplo que, é logico que a gente abomina a questão da cesta

básica, mas eu vejo que isso é ético quando eu vejo que um cidadão precisa comer e na condição de assistente social, facilito o acesso dele

a alimentação. Isso é compromisso. Eu acho que quando não se tem clareza e a gente passa a atuar na direção oposta de atender as

necessidades do usuário, que no meu caso é o aluno.

Retoma-se na fala do sujeito o debate sobre os entraves da burocracia, que não pode

ser pensada na direção de conformismo com o estabelecido, com o determinado, pois nesta

esfera, o projeto profissional, mesmo que limitado pelas imposições do capital, segue na

direção oposta da burocracia que corrói o acesso do usuário aos direitos mais básicos e

essenciais. A burocracia não pode se encerrada em si mesma, pois neste sentido o fatalismo

seria uma constante e um perigoso entrave à luta geral dos trabalhadores. É nesse sentido que

se ressalta o caráter contestador do projeto profissional e, associado a ele, temos um conjunto

151

normativo no plano jurídico e ideopolítico, que são a Lei de Regulamentação da Profissão e o

próprio Código de Ética, que iluminam o caminho do trabalho profissional.

Quanto às possibilidades, o sujeito se afirma na direção da

[...] Utopia, mas acho que é possível. Eu acho que em função de circunstâncias. Se a gente não acreditar nisso, eu acho que nós,

assistentes sociais e os órgãos representativos, temos fundamental importância na formação, na difusão do conhecimento e

fortalecimento dos compromissos assumidos coletivamente. As possibilidades existem quando eu entendo que o meu usuário tem

direito e quando ele tem opção de escolher e não quando a gente impõe alguma coisa. São possibilidades. E quando você assistente

social assume a condição de ser assistente social.

A utopia é posta pelo discurso pós-moderno e neoconservador como uma categoria

anacrônica, como uma forma justificadora da supressão e negação dos sonhos da classe

trabalhadora, que se fundam em um mundo diferente, sem dominação de classe, sem

exploração. Pensar utopicamente ―é, portanto, a afirmação do homem em sua genericidade, na

sua humanidade: a livre constituição de indivíduos sociais, isto é, livremente associados na

produção e na apropriação da riqueza social como patrimônio comum‖ (IAMAMOTO, 2000,

p. 189). O Código de Ética e o projeto ético-político se põem como possibilidades e podemos

situá-los no cenário das conquistas históricas dos trabalhadores e do Serviço Social, que ―que

possibilita o enfrentamento de dilemas e opções, em face dos quais as polêmicas continuaram

em aberto, determinando ou não a reatualização da hegemonia conquistada‖ (BARROCO,

2005, p. 297). Deste modo, é um projeto que está seguindo o curso da história na sua

permanente reconstrução, dada no cotidiano e tem na adesão dos seus profissionais, na crítica

à sociedade do capital e na negação da sua sociabilidade, as condições de manutenção da sua

direção social.

O sujeito tece algumas reflexões sobre o papel dos organismos representativos da

profissão na direção do fortalecimento da produção e difusão do conhecimento no Serviço

Social, com a reafirmação dos preceitos ético-políticos sustentados desde 1993 e

constantemente ratificados pelos profissionais e seus organismos representativos.

Quando questionada sobre os obstáculos e possibilidades, Gabriela, assistente social

do campo da saúde se posiciona, refletindo, mais uma vez, sobre a liberdade. Vejamos:

O maior desafio é fazer com que as pessoas que estão envolvidas no

seu trabalho, sejam você, seus colegas, outros profissionais ou

152

usuários, eles também se reconhecerem como sujeitos, assim como essa liberdade. Essa possibilidade de liberdade.

O reconhecimento da condição de ser social, de um ser essencialmente ontológico

necessita ser refletido e mediado pelo trabalho como atividade igualmente ontológica, que

buscam atendimento das necessidades essenciais humanas e que são, por essência,

autotransformadora. O conceito de liberdade ―significa uma forma de sociabilidade na qual é

o homem, e não as forças estranhadas, quem dirige — de modo consciente e planejado — o

seu processo de autoconstrução social‖ (TONET, 1997, p. 152).

153

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No campo teórico e com rebatimentos nos conteúdos ético e prático, observam-se

algumas particularidades na realidade concreta investigada com relação à inegável

importância da adesão da profissão às categorias da teoria social de Marx.

Mais uma vez, ressalta-se a posição histórica da teoria social de Marx como base

teórico-metodológica fundante do pensamento crítico e contestador do Serviço Social, já que

se constitui como mediação de uma leitura crítica da sociedade capitalista madura e suas

inflexões na cotidianidade. Como ressalta Paulo Netto (2004, p. 157), a investigação de Marx

―está centrada na análise radicalmente crítica da gênese, do desenvolvimento, da consolidação

e dos vetores de crises da sociedade burguesa e da ordem capitalista‖, oferecendo assim,

elementos para compreensão, análise e possibilidades interventivas nessa realidade concreta.

A ontologia social de Marx tem como pressuposto teórico-metodológico o

entendimento da historicidade como componente indissociável da humanidade e sua imersão

nos processos econômicos, políticos, sociais e culturais, alinhando a categoria ―historicidade‖

à ontologia, conferindo, deste modo, uma concepção histórico-ontológica (PAULO NETTO,

2004).

O legado marxiano denota, ainda, a articulação das categorias apresentadas

anteriormente à perspectiva de totalidade, em que o todo é compreendido como uma estrutura

social complexa, marcada tradicionalmente por sua contraditoriedade, tendo como base o

sistema capitalista de produção que o engendra e lhe dá movimento. Essa contradição está

expressa em um caráter sócio-histórico que catalisa as forças antagônicas, historicamente

identificadas nas lutas de classes, em que a totalidade como realidade concreta possibilita o

confronto de seus interesses distintos e, consequentemente, a hegemonia de um dos projetos

de classe.

Deste modo, o legado da tradição da ontologia do ser social de Marx rebate-se na

profissão, com seu largo e tensionado processo de amadurecimento teórico-metodológico

inaugurado nos marcos do Movimento de Reconceituação nos anos 1960/1970. Tem, ainda,

nas décadas posteriores, uma aproximação menos enviesada, trazendo para o centro do debate

intelectual categorias analíticas de Marx, na direção da supressão das classes, do homem

como construtor da história, da reflexão sobre o significado ontológico do trabalho. Estas,

entre outras categorias, são apropriadas pela vanguarda, seguindo de tensionamentos que

154

fundam, no plano teórico e ideológico, a vinculação da profissão à teoria social de Marx

(LARA, 2008).

Destacam-se, também, os desdobramentos da teoria social de Marx no cenário atual

da ética profissional e na consolidação da direção social da profissão, sendo estes dois marcos

resultados do acúmulo teórico nas décadas anteriores. As contribuições advindas do Código

de Ética de 1986 foram substanciais para a concretização do atual Código, datado de 1993.

Para tanto, a categoria profissional busca, por meio de um movimento dialético, ao longo de

sua trajetória histórica e atualmente, uma constante negação da ética de caráter conservador,

em favor de uma nova concepção que sustenta claros e definidos compromissos coletivos

assumidos com a classe trabalhadora.

No contexto da década de 1990, observa-se o poder emanado das forças capitalistas

neoliberais no Brasil com vistas à implantação de seu modelo ―racionalista‖, demonstrando o

vigor da política neoliberal patrocinada pelos governos pós-ditadura militar, engrossando as

fileiras da miséria, do desemprego estrutural, da violência estrutural, do subemprego (trabalho

informal) e da exclusão demasiada do acesso a bens e serviços sociais, fazendo com que tais

condições, compreendidas na sua dimensão social e econômica, rebatam diretamente sobre a

classe trabalhadora, num processo acentuado de vitimização. Os reflexos de tal alinhamento

do Brasil aos modelos imperialistas nos anos 1990 centra-se na focalização, no reforço das

práticas seletivas do acesso às políticas sociais, o que reflete direta e duplamente no trabalho

profissional do assistente social, pela sua constituição como trabalhador assalariado, que

dispõe de sua força de trabalho para venda, e pela sua condição de facilitador do acesso às

políticas sociais públicas ou privadas (BARROCO, 2001).

Além dessas determinações do contexto sócio-histórico ao trabalho assalariado do

assistente social, identifica-se que, nos anos 1990, o influxo operado pelo capital na órbita

macrossocietária foi fator determinante para a reflexão da direção social da profissão, no que

tange à construção coletiva de um projeto societário dado na materialidade da vida social, em

um momento de efervescência econômica, política e social. Constitui-se, desse modo,

associada à trajetória das vanguardas, a figura de um projeto com clara e definida direção

social.

Assim, reconhecidamente como sujeito da classe que vende sua força de trabalho, o

assistente social também sofre com os rebatimentos, em todos os aspectos, da sua posição na

divisão social e técnica do trabalho (PAULO NETTO, 2005), assim como os outros

trabalhadores. Nesse sentido, o trabalho do assistente social se inscreve na contraditória

relação capital-trabalho, desvelando a força destruidora do capital frente aos direitos sociais,

155

políticos e econômicos, dentre outros, duramente conquistados pelas lutas capitaneadas pelas

vanguardas da resistência presentes nos quadros da classe trabalhadora brasileira.

Por isso, podemos situar o projeto ético-político do Serviço Social como síntese ética

e política (haja vista seu alcance social, seu reconhecimento pela classe usuária dos seus

serviços profissionais e de sua vinculação coletivizadora) dos interesses da classe trabalhadora

brasileira e da sua aderência teórico-metodológica ao pensamento da ontologia do ser social

de Marx. Tais elementos são mediados no processo de trabalho do assistente social e situam

esse profissional na esfera da prestação de serviços sociais compromissados com os valores da

profissão e da classe trabalhadora, na direção da contramaré da atual lógica de reprodução

societária.

Ao perquirir as inquietações desse trabalho, isto é, na busca pelo desvelar da

apropriação da teoria social de Marx pelo Serviço Social e sua relação com as forma de

objetivação dos compromissos profissionais assumidos coletivamente, registra-se, no contexto

da particularidade da realidade concreta em estudo, que esta apropriação da teoria social

crítica pelo Serviço Social é relativa, pois os sujeitos revelam certa dificuldade para

instrumentalizar esse conhecimento teórico-metodológico em mediação necessária na leitura

do real concreto, sendo que dois assistentes sociais relacionam essa limitação com o processo

de formação profissional, que não lhes ofereceu a formação nas bases teórico-metodológicas

necessárias para a incorporação do conteúdo ideopolítico da teoria social de Marx.

Apontou-se, neste trabalho, que as fragilidades teóricas dos cursos de Serviço Social

não são um momento apenas do tempo presente; suas raízes são fortalecidas com o discurso

neoliberal, que reduz a universidade a mera produtora de saberes técnicos, de caráter

intervencionista, com sérios problemas de fragmentação, e a um ensino profundamente

acrítico, voltado apenas como um espaço de qualificação para o mercado, para o trabalho e

seu exército industrial de reserva.

As bases da formação profissional do assistente social, impressas em diretrizes gerais

para os currículos mínimos dos cursos de Serviço Social, datam de 1996, a partir da

aprovação pela Assembleia da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.

Apontam os eixos estruturantes da formação profissional do assistente social, na direção da

compreensão da dinâmica da sociedade burguesa, operada pela lógica do grande capital.

Esta formação profissional proposta nas diretrizes curriculares aponta para a

necessidade de desenvolver uma compreensão e uma apreensão das particularidades da

sociedade brasileira, tendo como eixo de análise os reflexos do modo de produção capitalista

na (re)produção desta sociedade e seus profundos reflexos no trabalho profissional do

156

assistente social. A lacuna apontada pelos sujeitos leva-nos, então, a refletir sobre a

fragilidade dos atuais projetos políticos pedagógicos dos cursos de graduação em Serviço

Social, o que pode direcionar uma formação distanciada dos valores profissionais, das suas

concepções políticas e ideológicas, com rebatimentos no conteúdo ético-político profissional.

A crise da universidade brasileira, regida pelos organismos internacionais (Banco

Interamericano de Desenvolvimento, Fundo Monetário Internacional, por exemplo),

transparece o fiel retrato do sucateamento das universidades públicas e seu largo processo de

privatização . Na outra margem, situam-se as universidades privadas, mantidas por grandes

monopólios da educação, que submetem a formação profissional crítica à meros esquemas

superficiais, com profundo ecletismo teórico que minam os eixos da formação.

Neste sentido, as organizações representativas da profissão, em especial Abepss,

Cfess, Cress, Enesso, possuem relevante papel na contraposição da maré neoliberal que tem

banido a formação profissional crítica dos projetos pedagógicos e dirigido a formação apenas

para o atendimento do mercado. A representação destes organismos reflete o

comprometimento do coletivo profissional na direção de se consolidar uma formação

profissional que apreenda a totalidade da vida social em sua concretude, de maneira crítica,

criativa, propositiva e compromissada com os valores da profissão (IAMAMOTO, 2000a).

Ao situarmos a centralidade da formação acadêmica na construção da apropriação do

arcabouço teórico-metodológico da teoria social de Marx, é necessário refletir sobre a

incorporação destes valores pelos profissionais, tendo em vista o lastro conservador que

insiste em se reatualizar e que por vezes tem livre discurso entre os assistentes sociais. Esta

adesão não é pura e simplesmente contida ou condensada nos marcos estritos da academia,

apenas. Esta adesão requer determinada valoração política, fundada na vinculação do

profissional à classe trabalhadora e direcionada a uma determinada finalidade processada pela

ação política na realidade concreta.

A reflexão sobre a finalidade desta práxis construtora de uma nova sociabilidade,

radicalmente compromissada com os valores da classe trabalhadora, requer, seguindo o

pensamento de Marx, entender o conceito histórico como categoria analítica que possibilita ao

homem a visão de um ―campo de possibilidades abertas‖ (BARROCO, 2001, p. 15); um

campo que transita entre o eixo estruturante do capital — fundado na exploração do homem,

na propriedade privada, na alienação, na banalização da barbárie e da vida humana e no seu

processo de coisificação do homem e da vida — e na sua contraditoriedade, a (re)construção

das forças que remam radicalmente na contramaré, tendo como horizonte uma sociedade

realmente livre, onde a humanidade possa ser vivida em todas suas potencialidades.

157

Esta radicalidade, haurida nas fontes marxianas, requer uma análise acurada, pois por

radicalidade entende-se ir à raiz da questão, e, no caso da apropriação das fontes marxianas, é

buscar Marx por ele mesmo, ou utilizando uma leitura de sociedade fundada no seu

pensamento que seja leal às suas concepções.

O reforço dessa afirmação se faz cada vez mais necessário, a medida que se observa

uma ameaça à construção do pensamento crítico na atualidade, quando se anuncia certa

―decadência ideológica‖, como afirma Lukács, figurando-se em fases distintas: na essência,

representa o movimento operado pelo capital para mistificar a realidade, desmobilizar a luta

do proletariado e reproduz uma análise superficial da realidade concreta, propondo ainda a

concepção de uma terceira via, transitando na negação do socialismo e do capitalismo

(LARA, 2008).

Esta decadência ideológica encontra curso livre no processo de formação

profissional, na direção de uma conformação de conceitos pseudocríticos ou até mesmo

fundados num ecletismo desmedido, de base sincrética (PAULO NETTO, 1996). Dessa

forma, dada a herança histórica da profissão, desvencilhar-se do ecletismo que incide na

formação de diretriz crítica torna-se uma tarefa demasiadamente longa, porém necessária.

É esta base eclética ou de concepção superficial das categorias analíticas marxianas

que desemboca no trabalho profissional dos assistentes sociais na atualidade, confrontando

com o necessário conhecimento acerca da realidade concreta da sociedade burguesa e o lugar

que a profissão ocupa na divisão social e técnica do trabalho.

Observou-se durante a pesquisa que o pouco ou enviesado contato com a tradição

marxiana durante o processo de formação profissional é fator condicionante na direção social

da profissão e nos seus rebatimentos no cotidiano profissional, visto que o comprometimento

com a classe trabalhadora não se restringe apenas à efetivação do acesso aos direitos, à

facilitação de acesso a bens e serviços sociais que, nesta sociedade, nada mais são que direitos

permeados e controlados política e ideologicamente pelo capital, pelo seu processo de

conformação entre as classes sociais.

Apropriar-se do conceito de conhecimento crítico haurido nas fontes da teoria social

de Marx indica as possibilidades de construção de uma nova sociedade, de caráter

revolucionário colado às vanguardas trabalhadoras oprimidas, na direção de uma sociedade

sem dominados e dominadores, de uma sociedade em que o homem seja a medida.

Representa, também, romper com as práticas reificadoras presentes nas políticas sociais de

cunho neoliberal, seletivistas, em que a exclusão total passa a ser medida por inclusão em

programas pobres, com conteúdo do ponto de vista para o atendimento de necessidades

158

objetivas e subjetivas imediatas da classe trabalhadora; políticas estas que tradicionalmente os

assistentes sociais são chamados a operacionalizar.

Incorporar a direção social da profissão requer uma prática política — superadora do

discurso amorfo e fatalista que por vezes transita na profissão —, buscando nos movimentos

sociais, junto aos trabalhadores e às profissões que se alinham nesta direção, um ―olhar para

um horizonte mais amplo, que apreenda o movimento da sociedade e as necessidades sociais

aí produzidas, alvos potenciais da atuação do assistente social‖ (IAMAMOTO, 2008, p. 221).

Na pesquisa, os sujeitos reconhecem a relação histórica da profissão com a teoria

social de Marx, apontando alguns elementos que a constituem, e rebatem no projeto

profissional do Serviço Social. Contudo, observa-se na fala dos sujeitos que as determinações

operadas pela lógica do capital, representada pelas instituições empregadoras (re)produzem a

burocracia, o engessamento e a limitação do trabalho profissional, o que claramente pode

comprometer a direção social da profissão no sentido do seu compromisso com os usuários

que buscam os seus serviços profissionais.

Situado como condições objetivas e subjetivas, os sujeitos apontam estas situações

como relativas dificuldades para a apropriação do conteúdo teórico-metodológico no processo

de trabalho na perspectiva do projeto ético-político profissional. Ao compreenderem os

processos macrossocietários determinados pela lógica do grande capital, os sujeitos

reconhecem as limitações impetradas no trabalho profissional. Mas compreender estes

processos não é suficiente para ir ao cerne da questão posta; ―para decifrar esse processo é

necessário entender as mediações sociais que atravessam o campo de trabalho do assistente

social‖ (IAMAMOTO, 2004a, p. 24).

Estas mediações que atravessam a profissão e seu trabalho profissional seguem

polarizadas de interesses antagônicos postos pelo capital, nas condições do trabalho

profissional, na sua relação com o Estado, com os empregadores, com as políticas sociais,

com a sociedade. Refletir tais mediações requer que o assistente social situe o projeto ético-

político em um terreno conflituoso e igualmente tenso, dado pelo antagonismo que ele carrega

em si, na direção de um alinhamento com os trabalhadores e seus projetos de classe.

Ficou perceptível nas falas dos sujeitos entrevistados relativa dificuldade em

apropriar-se do arcabouço teórico-metodológico do pensamento de Marx, demonstrando em

determinadas falas, a presença de um discurso fundado em um ecletismo teórico, que pode

trazer (e traz) consequências danosas à direção social do projeto da profissão. Ao serem

abordados sobre o conhecimento do projeto ético-político profissional, os sujeitos referem-no

a partir da institucionalidade desse projeto, situado nos marcos da profissão. Porém, alguns

159

sujeitos manifestam dificuldades em mediá-las com o trabalho profissional no cotidiano. Há

um conhecimento sobre os elementos constitutivos deste projeto, mas sua materialização

segue enviesada pelas condições macroestruturais do capital que determinam diretamente o

significado do trabalho na contemporaneidade e as possibilidades de uma permanente

(re)construção do trabalho profissional compromissado nos espaços que estes profissionais

ocupam.

Esta materialização enviesada segue mediada pelo largo processo de alienação do

trabalho e seu amplo processo de (re)produção, o que dificulta a apreensão do significado

ontológico-social da teoria social de Marx e do projeto ético-político profissional. Mesmo

sem citar a categoria ―alienação‖, observa-se que das limitações para efetivação da autonomia

relativa e ruptura com práticas profissionais institucionalizadas/burocratizadas, reproduzidas

seja pelos sujeitos profissionais, seja pela dimensão macroscópica do capital, emerge uma

tarefa posta nos limites da apreensão do arcabouço teórico-metodológico de Marx e nas

formas de repensar estratégias coletivas de enfrentamento dos ditames institucionais

conservadores e cerceadores das potências presentes no trabalho profissional do assistente

social.

No quadro que se desvela nas entrevistas, a busca pela materialização do projeto ético-

político profissional segue dificultado pela relativa adesão aos marcos teóricos da ontologia

social de Marx, bem como, e consequentemente, pela dificuldade de enfrentar os limites

institucionais. Nesta direção, os sujeitos entrevistados conseguem identificar alguns os

elementos concretos que possibilitem a transformação nos espaços sócio-ocupacionais que

exercem seu trabalho profissional; porém, as respostas mais progressistas seguem aquelas na

direção social da profissão que resvala nas determinações macrossocietárias do grande capital,

manifestadas por determinações institucionais e regimentais pautadas em palavras de ordem,

como ―dever‖, por exemplo; seguem na direção da contraposição destes assistentes sociais na

condição de profissionais da coerção e do consenso, invariavelmente enveredando o trabalho

profissional pelas praticas monolíticas, deslocadas da realidade objetiva e que conduzem a um

trabalho essencialmente tecnicista.

Mesmo atravessados pelas condições objetivas e subjetivas do trabalho, os assistentes

sociais conseguem apreender a medida ético-política da profissão, mas com dificuldade de

mediá-la com os pressupostos teóricos da ontologia social de Marx, o que sugere a reflexão:

como estes princípios ético-políticos podem ser materializados, dadas estas condições?

A ruptura com uma prática (re)produtora da ordem social vigente necessita de bases

críticas que possibilitem a permanente (re)construção da práxis profissional dos assistentes

160

sociais entrevistados. Todavia, esta ruptura não pode ser pensada como possibilidade posta

pelos sujeitos individuais, apenas; deve ser dada na coletividade, mediada pela incorporação

dos fundamentos teóricos da teoria social de Marx e que se constituam como elementos

catalisadores de um trabalho profissional alinhado aos pressupostos do projeto profissional,

signatário dos interesses coletivos dos trabalhadores.

A percepção desta medida de apropriação dos elementos da teoria social de Marx e sua

mediação com o conteúdo prático do trabalho profissional não se esgotam em si mesmas; é

necessário pensá-las e situá-las na dinâmica da sociabilidade capitalista, desvelando seus

limites e suas possibilidades e concebendo como se constrói a inserção do assistente social

nesta arena conflituosa, que reifica a vida e impõe um processo (re)produção da vida social.

Neste cenário, os sujeitos entrevistados concebem sua condição de trabalhadores assalariados,

a partir da inscrição da profissão na divisão social e técnica do trabalho; contudo, observa-se

relativa consciência na condição de classe, o que pode sugerir tensionamentos na construção

do projeto profissional.

Assim sendo, superar as determinações institucionais e da ordem do capital requer

pensar a profissão como uma especialização do trabalho coletivo, dotada de fundamentação

teórico-metodológica crítica, fundada no pensamento de Marx e em uma prática política

realmente atenta aos compromissos dos trabalhadores. Requer, assim, pensar teórica e

ideologicamente com mediações políticas inequívocas com a classe trabalhadora, resgatando e

resguardando o projeto da classe trabalhadora.

161

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170

ANEXOS

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADO

Aluno: Reginaldo Pereira França Junior Professora Orientadora: Dra Maria Lúcia Barroco

I IDENTIFICAÇÃO:

Nome:

Formação: Ano de Conclusão do curso:_______Instituição:____________________

Tipo de Pós-graduação: (__) E Ano: ________ Área: ___________________________

(__) M Ano: ________ Área: ___________________________ (__) D Ano: ________ Área: ___________________________

Quando começou a trabalhar na área ou serviço em que você está atuando? _______________________

Exerce cargo de chefia? Sim ( ) Não ( )_______________________________

Carga horária de trabalho/semanal:_________________________________________

Trabalha em outro lugar: Sim ( ) Não ( ) . Qual?_______________________

Remuneração: (__) 1 SM -2SM (__) 3SM -4SM (__) 5SM ou mais

Participa das entidades da categoria? Sim ( ) Não ( ) . Qual e Como?________________________

Participação política? Sim ( ) Não ( ) . Qual e como? ____________________________________

1. Como é o seu cotidiano profissional? Descreva para mim.

2. Existe uma frase que é muito repetida pelos alunos que estão terminando o curso de Serviço Social e ingressam no estágio: “a teoria não se aplica na prática, ou a teoria é bonita, mas a prática é outra

coisa”. Você concorda com essa afirmação? Você acha que ela cabe na sua prática cotidiana?

3. Quais teorias você aprendeu em sua formação? 3.1 Concorda: Porque entende que essas teorias não tem viabilidade prática?

3.2 Não concorda: Porque entende que essas teorias tem viabilidade prática?

4. Na relação cotidiana com os usuários, quais são os problemas mais freqüentes que você se depara? Cite algum exemplo:

5. O Código de Ética fala do compromisso profissional. Como você entende esse compromisso?

Você considera que realiza esse compromisso no seu cotidiano? De que forma?

6. Você trabalha em equipe? Existe um projeto de trabalho? Quais são os objetivos do Serviço Social na instituição? ( em equipe ou individual)

7. Você participa das atividades da categoria? Se sim, quais as que mais te interessam e porque? Se

não, porque?

8. Você conhece o PEP? O que acha dele?

9. Quais os valores mais importantes do Código de Ética?

10. Cite dois exemplos do seu cotidiano sobre: 1) obstáculos para a realização desses valores;

2) possibilidades;

171

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADO

Aluno: Reginaldo Pereira França Junior Professora Orientadora: Dra Maria Lúcia Barroco

ROTEIRO PARA DOCENTE

I IDENTIFICAÇÃO:

Nome:

Formação: Ano de Conclusão do curso:_______Instituição:____________________

Tipo de Pós-graduação: (__) E Ano: ________ Área: ___________________________

(__) M Ano: ________ Área: ___________________________ (__) D Ano: ________ Área: ___________________________

Quando começou a trabalhar na área ou serviço em que você está atuando? _______________________

Exerce cargo de chefia? Sim ( ) Não ( )_______________________________

Carga horária de trabalho/semanal:_________________________________________

Exerce outra atividade na área de serviço social? Sim ( ) Não ( ). Qual? ________________________

Trabalha em outro lugar: Sim ( ) Não ( ) . Qual?_______________________

Remuneração: (__) 1 SM -2sm (__) 3SM -4SM (__) 5SM ou mais

Participa das entidades da categoria? Sim ( ) Não ( ) . Qual e Como? ________________________________

Participação política? Sim ( ) Não ( ) . Qual e como? _____________________________________________

1. Como é o seu cotidiano profissional? Descreva para mim.

2. Existe uma frase que é muito repetida pelos alunos que estão terminando o curso de Serviço Social e

ingressam no estágio: “a teoria não se aplica na prática, ou a teoria é bonita, mas a prática é outra coisa”.

2.1 Na sua prática docente ela está presente? 2.2 Porque você acha que isso acontece?

3. Quais disciplinas você ministra? E que já ministrou?

3.1 Nessas disciplinas, quais são os problemas mais freqüentes que você se depara?

4. Nas suas disciplinas existe alguma abordagem da teoria social de Marx ou de algum autor marxista? Qual?

4.1 Se sim, os alunos têm dificuldades de apreender o marxismo? Quais são as dificuldades? Que metodologia você usa para facilitar o aprendizado?

4.2 Se não, Na sua formação você entrou em contato com o marxismo? Através de quem? Como foi

esse aprendizado? Encontrou dificuldades? Quais?

5. Você considera que a escola/ o curso em que você está inserida tem uma direção social? Qual? Você acha

que deve ter? Porque?

6. Você considera que a docência realiza os valores do código de ética? De que forma? Quais valores você considera mais importantes?

7. Você participa das atividades da categoria? 7.1 Se sim, quais as que mais te interessam e porque?

7.2 Se não, porque?

8. Você considera que a atividade docente é uma atividade política? Porque sim ou não?

9. Você concorda ou discorda dos pressupostos do PEP? Dê exemplos.

10. Cite dois exemplos do seu cotidiano sobre: 1) obstáculos para a realização da ética profissional e do PEP;

2) possibilidades;

172

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Por este documento você está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa, realizada pelo aluno do mestrado em Serviço Social da PUC-SP, sob responsabilidade da professora Drª. Maria Lucia Silva Barroco, cujo tema a ser abordado trata-se da medida sobre a apropriação da teoria social de Marx pelos assistentes sociais de Uberaba e as objetivações do projeto profissional no cotidiano do seu trabalho.

Em sua participação você responderá oralmente a um questionário, sendo que suas respostas serão gravadas e depois transcritas para análise. Após a transcrição e a análise, todas as fitas e/ou Cds contendo as gravações serão destruídos. Em nenhum momento você será identificado, como também não terá nenhum ônus e nem ganho financeiro para participar dessa pesquisa. O presente termo assegura os seguintes direitos:

a) garantia de esclarecimentos antes e durante o curso da pesquisa, sobre todos os procedimentos empregados em sua realização;

b) liberdade de se recusar a participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa;

c) garantia de sigilo quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa, assegurando absoluta privacidade;

d) opção de solicitar que determinadas falas e/ou declarações não sejam incluídas em nenhum documento oficial, o que será prontamente atendido.

Você receberá uma cópia deste termo em que constará o telefone dos pesquisadores, podendo tirar suas dúvidas, a qualquer momento, sobre o projeto e sua participação. “Eu, ___________________________________ portador do RG nº ___________, declaro que, após conveniente esclarecimento prestado pelos pesquisadores e ter entendido os objetivos da pesquisa, consinto voluntariamente em colaborar para realização desta. Fico ciente também de que uma cópia deste termo permanecerá arquivada com os pesquisadores do Departamento de Serviço Social, da Universidade de Uberaba, responsáveis por esta pesquisa”.

Uberaba/MG, de de 2012.

_________________________________

Assinatura do Declarante

173

DECLARAÇÃO DO PESQUISADOR

Declaramos, para fins de realização de pesquisa, ter elaborado este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), cumprindo todas as exigências contidas nas alíneas acima elencadas e que obtive, de forma apropriada e voluntária, o consentimento livre e esclarecido do declarante acima qualificado para a realização desta pesquisa.

Uberaba/MG, de de 2012.

___________________________________________ Reginaldo Pereira França Junior

34. 3312.1869

174