OS DIREITOS SOCIAIS E A CONSTITUCIONALIZAO SIMBLICA:

ATUAIS DESAFIOS DO ORAMENTO PBLICO NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL

SOCIAL RIGHTS AND THE SYMBOLIC CONSTITUTIONALISATION:

CURRENT CHALLENGES OF PUBLIC BUDGET IN THE NEW CONSTITUTIONAL ORDER

Ana Beatriz Oliveira Reis1

RESUMO

O presente trabalho objetiva discutir a relao entre o oramento pblico e a efetivao dos direitos sociais na nova ordem constitucional brasileira. A partir do entendimento de que a Constituio de 1988 consagrou valores do Estado Social, pretende-se analisar qual o papel que o oramento pblico deve cumprir para garantir a concretizao dos valores constitucionais, em especial aqueles ligados ao objetivo de erradicar a pobreza e diminuir as desigualdades sociais e regionais existentes no Brasil. Compreendido o papel do oramento, objetiva-se ainda verificar a consagrao dos direitos sociais sob a luz da teoria da Constitucionalizao Simblica de Marcelo Neves. O mtodo da pesquisa utilizado o da reviso bibliogrfica. Ser adotada a vertente jurdico-sociolgica e o raciocnio dialtico para responder ao problema proposto.

Palavras-chave: Oramento Pblico; Direitos Sociais; Constituio Dirigente; Constitucionalizao Simblica.

Mestranda pelo Programa de Ps-Graduao em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense

(UFF)

ABSTRACT

This paper aims to discuss the relationship between the public budget and the fulfillment of social rights in the new Brazilian constitutional order. From the understanding that the 1988 Constitution established values of the social welfare state, it intends to analyze which role the public budget must meet to ensure the achievement of constitutional values, in particular those linked to the goal of eradicating poverty and reduce existing social and regional inequalities in Brazil. After understanding the role of the budget, the objective is to further verify the recognition of social rights in view of Marcelo Neves' Symbolic Constitutionalisation theory. The research method used is the review of references. It will be adopted the legal and sociological aspect and dialectic reasoning to respond to the proposed problem.

Keywords: Public Budget; Social Rights; Leading Constitution; Symbolic Constitutionalisation.

INTRODUO

Este trabalho pretende discutir a relao entre o Oramento Pblico e a efetivao dos direitos sociais. A temtica adotada insere-se nos campos do Direito Constitucional, do Direito Financeiro e da Cincia Poltica.

Entende-se que a Constituio Federal de 1988 consagrou uma nova ordem jurdico-poltica. Nessa nova ordem, fica evidente, atravs de uma anlise dos dispositivos da Carta de 1988, que o poder constituinte adotou valores do Estado Social a fim de eliminar desigualdades sociais e regionais bem como ampliar o acesso da populao aos direitos sociais consagrados, essencialmente, nos artigos sexto e stimo da constituio.

O Oramento Pblico, nessa nova ordem, instrumento central de planejamento das aes estatais que permitir, atravs da sua execuo, o acesso de milhares de pessoas a prestaes materiais de direitos. Sem previso oramentria no h polticas pblicas e, sem polticas pblicas, fica inviabilizada a garantia dos direitos sociais.

Nesse sentido, o oramento pblico adquire uma importante funo dentro do estado brasileiro que se pretende democrtico, de direito e social. Atravs da previso e da execuo

oramentrias que se efetivaro os direitos sociais. Em que pese a distncia entre o que se pretende atravs da construo de um estado em que as pessoas tenham mais igualdade no acesso aos direitos sociais bsicos e a realidade atual que evidencia problemas que s podero ser eliminados com uma transformao na estrutura social do Brasil (por meio das reformas tributria, agrria e poltica, por exemplo) percebe-se que, atualmente, o oramento no cumpre o papel atribudo na constituio. A previso oramentria no que tange a efetivao de polticas pblicas que garantem o acesso aos direitos sociais no vincula a sua prpria execuo.

Percebe-se em muitos casos que o oramento pblico apenas mero instrumento de autorizao de gastos, funo essa que condiz com o Estado Liberal, j superado na nova ordem constitucional. Muitas vezes a previso do oramento inflada pelo executivo, mas a sua execuo fica muito aqum da previso, o que esvazia o carter programtico do oramento.

O modelo de estado consagrado na constituio de 1988, que almeja maior igualdade no acesso aos direitos sociais, exige que o oramento pblico tenha um novo papel. Logo, diante da realidade em que o oramento , muitas vezes, mera lei autorizativa de gastos e no um instrumento de planejamento de polticas pblicas pretende-se saber se possvel falar em constitucionalizao simblica das normas constitucionais que consagram os direitos sociais. Esse o-problema central do presente trabalho.

Acredita-se que, enquanto o oramento pblico tiver o mesmo carter do oramento na ordem liberal e no assumir seu papel de instrumento de planejamento estatal, no ser possvel a concretizao dos ideais do Estado Social no Brasil. Sendo assim, a constitucionalizao dos direitos sociais no teria pretenso de ocorrer de fato, fazendo-se acreditar que esses direitos existem, mas que a respectiva efetivao s ocorrer em tempo remoto. Essa a hiptese.

As categorias tericas a serem utilizadas nesse trabalho so Estado Social (Paulo Bonavides), Oramento Pblico (Frederico Riani), Constituio Dirigente (Eros Grau) e Constitucionalizao Simblica (Marcelo Neves).

Primeiramente, destaca-se a evoluo do Oramento enquanto instrumento de promoo de polticas sociais atravs da anlise da evoluo histrica desse instituto desde as origens do Estado Liberal at o Estado Social.

Aps essa anlise preliminar, pretende-se verificar qual o papel do oramento na Constituio da Repblica Brasileira 1988 e qual a sua importncia para a efetivao dos direitos, em especial, dos direitos sociais responsveis pela consolidao do Estado Social no Brasil.

Por fim, compreendido o papel do oramento na nova ordem constitucional iniciada em 1988, deseja-se verificar a sinceridade das normas constitucionais que dizem respeito aos direitos sociais, com base na teoria da Constitucionalizao Simblica.

DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL: O NOVO PAPEL DO ORAMENTO PBLICO

O Estado Social, segundo Paulo Bonavides (2013) surge como um desdobramento do Estado Liberal diante da necessidade de resposta s crticas socialistas em relao desigualdade social produzida pelo sistema capitalista.

O antigo modelo de Estado Liberal surgiu a partir da crtica ao regime absolutista, marcado pela arbitrariedade do monarca. Aquele possui como um dos valores centrais a garantia da liberdade econmica devendo o poder pblico se preocupar, fundamentalmente, em garantir a segurana e a propriedade privada, apenas. Esse modelo de estado triunfa na Revoluo Francesa, momento em que a burguesia assume o papel de classe dominante.

O Estado Liberal se baseia, principalmente, na limitao do poder poltico pela lei. Com ele nasce tambm o constitucionalismo moderno que , nas palavras de Antonio Negri, o policiamento que a transcendncia exercita sobre a totalidade dos corpos para impor-lhes a ordem e a hierarquia (2002, p. 444). Essa digresso se faz necessria para compreender que o constitucionalismo moderno cumpre, na viso de Negri, o papel de limitao do poder constituinte, ou seja, o constitucionalismo instrumento de limitao da vontade da multido (2002, p. 425). Com o advento do constitucionalismo, haveria o sufocamento do

poder popular atravs uma forma limitadora, qual seja, a constituio como compreendida at hoje. (NEGRI, 2002, p. 461)

Era necessrio que a burguesia controlasse a ao estatal evitando tambm os tributos abusivos. No campo da economia, o liberalismo clssico se consagra pela mxima deixa fazer, deixa ir, deixa passar numa aluso a no interferncia do Estado no domnio privado, em especial, no econmico. O Estado Liberal era mnimo: a arrecadao de tributos deveria ser limitada previso oramentria e as despesas do Estado deveriam ser as mnimas possveis, sendo compreendidos enquanto direito, essencialmente, aqueles ligados s liberdades polticas e econmicas. Nesse sentido, os direitos sociais como so conhecidos hoje, no eram uma preocupao do Estado Liberal.

Diante da opresso cada vez maior da burguesia, a classe trabalhadora comeou a se organizar para que seus direitos fossem reconhecidos e para que mais pessoas passassem a ter acesso a bens fundamentais para a sobrevivncia. Essa luta no almejava apenas mais prestaes materiais do Estado, pretendia-se ainda ampliar a participao poltica das camadas populares na sociedade. A igualdade apenas formal garantida pelo liberalismo era insuficiente diante das necessidades da populao.

(...) como a igualdade que se arrima o liberalismo apenas formal, e encobre, na realidade, sob seu manto de abstrao, um mundo de desigualdades de fato - econmicas, sociais, polticas e pessoais -, termina a apregoada liberdade, como Bismarck j o notara, numa real liberdade de oprimir os fracos, restando a estes, afinal de contas, to somente a liberdade de morrer de fome (BONAVIDES, 2013, p. 61)

Logo, segundo Bonavides, o modelo de Estado Social teria por objetivo superar a contradio entre igualdade poltica e desigualdade social e representaria uma transformao superestrutural por que passou o liberalismo. (BONAVIDES, 2013, p. 185).

Contudo, o Estado Social no corresponde ao Estado Socialista. Neste, haveria a superao do sistema capitalista. No Estado Social, pelo contrrio, no haveria uma renncia ordem capitalista, mas sim uma conciliao entre capital e trabalho (BONAVIDES, 2013, p. 189).

Inspirada nas constituies portuguesa (1976) e espanhola (1978), a Constituio Federal brasileira promulgada em 1988 consagra muitos ideais do Estado Social. Embora no mesmo texto constitucional que consagre o Estado Social se faam presentes institutos

classicamente liberais como a propriedade privada (art. 5, XXII), a Constituio Brasileira estabelece como objetivo fundamental do Estado, a erradicao da pobreza e da marginalizao bem como a reduo das desigualdades sociais e regionais (art. 3, III, CF).

Questionado sobre a viabilidade da consagrao de clusulas de sociabilidade na constituio portuguesa de 1976, Gomes Canotilho prope a seguinte reflexo:

A questo, na sua globalidade podia reduzir-se a esta pergunta: ser politicamente e tecnicamente correcta a insero de princpios de contedo social na lei fundamental de um pas? Quem partir da noo de uma lei fundamental no sentido liberal de simples limite do poder, em proclamar o isolamento do estado de direito da sua ambience social, quem continuar a insistir na ideia de constituio de um estado total, neutro e formal como garantia de uma unidade pressuposta, enfim, quem considerar a questo social apenas como uma realidade natural, no pode ter outra resposta que no seja a de relegar os princpios sociais de uma constituio (...) para o lugar modestssimo de um problema administrativo. (CANOTILHO, 2012, p. 336)

Nota-se nessa passagem que os objetivos do Estado Social so mais amplos do que aqueles ligados ao Estado Liberal. Esses novos valores, para serem concretizados, exigem do Estado prestaes matrias que se relacionam intrinsecamente com a pea oramentria.

Baseada em valores do Estado Social, a Constituio Brasileira consagra um rol de direitos sociais presentes em todo texto constitucional. Esses direitos, quando efetivados, podem promover diretamente a maior incluso social, atravs do acesso dos brasileiros e das brasileiras a prestaes matrias que efetivam o direito sade, educao, lazer, saneamento, trabalho, dentre outros.

Um importante instrumento de gesto e planejamento da atividade financeira do Estado o Oramento Pblico. Uma definio muito usada no Brasil de Oramento Pblico est presente na obra de Regis Fernandes de Oliveira. O autor o conceitua como a lei peridica que contm a previso de receitas e fixao de despesas, programando a vida econmica e financeira do Estado, de cumprimento obrigatrio, vinculativa do comportamento do agente pblico. (2011, p. 366). Na doutrina portuguesa, o oramento definido de maneira sucinta e precisa por Teixeira Ribeiro como documento onde so previstas e computadas as receitas e despesas anuais, competentemente autorizadas. (2011, p. 49)

Esses conceitos, contudo, no dispensam uma anlise histrica da evoluo desse instrumento. Somente a partir de uma compreenso da evoluo do Estado Liberal para o Estado Social possvel verificar quais as funes esperadas do oramento pblico na nova ordem constitucional iniciada em 1988.

O Oramento Pblico nasce vinculado ao Princpio da Legalidade e a ideia de que as contas pblicas estariam vinculadas a uma lei. Desejava-se limitar o poder do soberano num momento em que o Estado Absolutista j se encontrava em crise.

Com o advento do Estado Liberal e o triunfo do Princpio da Legalidade, o oramento torna-se instrumento fundamental de limitao da arbitrariedade do poder executivo. Com o oramento, o executivo no poderia gastar alm do que estava autorizado previamente na lei oramentria. Nesse sentido, h tambm a limitao da arrecadao dos tributos, no podendo o Estado tributar sem que houvesse uma previso legal.

Os Estados Unidos contribuem de maneira decisiva para a uma nova concepo de oramento pblico. No incio do sculo XX, os estadunidenses comeam a associar o oramento pblico a ideias de planejamento e de programao.

Contudo, apenas com o advento do Estado Social que se percebe mais claramente que o oramento adquiriu novas funes e, aos poucos, deixa de ser uma mera previso de gastos pblicos que limita o exerccio do poder pblico para se tornar um programa de Estado.

Gradativamente, o oramento tradicional, organizado como mero demonstrativo de autorizaes legislativas de despesas, cuja funo principal era a de possibilitar aos rgos de representao um controle poltico sobre o Executivo, pois punha frente a frente despesas e receitas, as reformas oramentrias foram levando os oramentos pblicos a constiturem-se em instrumentos de administrao, auxiliando o Executivo na programao, execuo e controle das despesas pblicas, apresentando propsitos para os quais os crditos se fazem necessrios, custos dos programas que devem atingir aqueles fins e meios para mensurar as realizaes. (RIANI, 2005)

No Estado Social os indivduos demandam prestaes materiais do Estado e no apenas o direito de no interferncia na vida privada. Diferente do Estado Liberal em que a interveno estatal na economia deveria existir apenas para garantir a liberdade de mercado, no Estado Social, o poder pblico dever agir positivamente a fim de reduzir desigualdades e garantir maior acesso das pessoas aos direitos sociais.

Para que seja possvel a efetivao dos direitos torna-se necessrio a elaborao de um planejamento estatal a fim de que as polticas pblicas que garantem o acesso s prestaes materiais sejam implementadas. Importante ressaltar que, nesse trabalho, polticas pblicas so entendidas como programas de ao governamental visando a coordenar os meios disposio do Estado e as atividades privadas, para a realizao de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. (BUCCI, 2002, p. 8)

A efetivao das polticas pblicas dever enfrentar o problema dos recursos escassos, uma realidade nos pases em perifricos como o Brasil. So muitas as demandas e muitos os direitos consagrados no direito positivo, mas que no so efetivados na prtica. Portanto, o planejamento se torna fundamental para a implementao de polticas pblicas. na lei oramentria que estaro previstas as prioridades do governo durante a sua gesto. Essas prioridades previstas no oramento, contudo, necessitam de estar em consonncia com as determinaes constitucionais, em especial aquelas que almejam a construo do Estado Social atravs da concretizao dos direitos sociais.

A Constituio Federal de 1988 consagra trs leis oramentrias: o Plano Plurianual(PPA), a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e a Lei Oramentria Anual (LOA). O plano plurianual estabelece as diretrizes, objetivos e metas da Administrao Pblica para a realizao das despesas de capital. Essa definio pode ser encontrada no art. 165, 1 da Constituio Brasileira. A obrigatoriedade do plano plurianual no ordenamento jurdico brasileiro evidencia o carter programtico do Oramento Pblico.

A execuo do oramento pblico poder influenciar ainda na configurao do espao urbano, alm de prever as receitas destinadas a execuo de polticas pblicas de carter social. Os equipamentos urbanos para serem construdos dependero de verba prevista nas leis oramentrias. A concretizao das polticas pblicas previstas ter impacto no arranjo urbanstico das cidades, podendo-se afirmar que o oramento pblico est intrinsecamente ligado ao planejamento urbano. No por acaso que essa relao foi consagrada no art. 44 do Estatuto da Cidade, lei federal 10.257 promulgada em 2001.

As consideraes feitas at agora buscaram evidenciar o carter programtico do Oramento Pblico que, na nova ordem constitucional, deve cumprir um importante papel para a promoo dos direitos sociais. Portanto, no cabe mais considerar o oramento apenas

como uma lei autorizativa dos gastos pblicos. Ele deve ser compreendido como instrumento de planejamento das aes do poder pblico.

O ORAMENTO PBLICO E A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

A Constituio Federal de 1988 foi promulgada consagrando princpios compatveis com o modelo do Estado Social. Apesar da multilao neoliberalista atravs das Emendas Constitucionais da dcada de 90, em especial a EC n 19, no possvel afirmar que os valores do Estado Social deixaram de estar presentes na nossa ordem constitucional seja pela manuteno dos princpios e objetivos que norteiam nossa constituio, seja pela permanncia de inmeros direitos sociais na nossa carta magna.

A dcada de noventa no foi fcil para os pases perifricos. Pressionados pelo Fundo Monetrio Internacional (FMI), vrios pases tiveram que adequar sua ordem normativa s exigncias do mercado, esvaziando direitos e diminuindo cada vez mais os gastos pblicos com a efetivao de direitos sociais a fim de se pagar uma dvida externa at hoje questionada.

Na onda do conservadorismo neoliberalista, promulgada no Brasil a Lei Complementar 101 chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Primeiramente, o objetivo desta lei a responsabilizao do gestor pblico que descumpre o oramento gastando mais do que o previsto. Num pas onde a corrupo um problema estrutural, a lei bem-vinda no sentido de consagrar o princpio do equilbrio fiscal, exigindo-se paridade entre as receitas e as despesas. Contudo, essa lei enquanto exigncia do FMI dificulta ainda mais a promoo dos direitos sociais uma vez que no exige que o poder executivo concretize um patamar mnimo daquilo que foi previsto no Oramento Pblico em relao s polticas pblicas de carter social, apenas limita a execuo ao que foi inicialmente previsto.

(...) com o intuito de regularizar as contas pblicas e restringir os gastos estatais ao efetivamente arrecadado, foi criada, no direito brasileiro, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal Lei Complementar n 101/2000, que visa primordialmente combater o dficit fiscal limitando as despesas de pessoal, dificultando a gerao de novas despesas e induzindo, tambm, obteno de supervits(RIANI, 2005)

Apesar da promulgao da referida emenda bem como da LRF, acredita-se que no houve a ascenso de uma nova ordem jurdica-poltica de cunho liberal sendo que as bases do Estado Social, principalmente no que tange a ampliao do acesso aos direitos sociais, permanecem inalteradas diante das ameaas neoliberais. Esse tambm o entendimento do jurista e ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), Eros Roberto Graus.

A poltica neoliberal tambm nessa matria implementada incompatvel com os fundamentos do Brasil, afirmados no art. 3 da Constituio de 1988, e com a norma veiculada pelo seu art. 170. A Constituio do Brasil de 1988, define, como resultar demonstrado ao final desta minha exposio, um modelo econmico de bem-estar. Esse modelo, desenhado desde o disposto nos seus arts. 1 e 3, at o quanto enunciado no seu art, 170, no pode ser ignorado pelo Poder Executivo, cuja vinculao pelas definies constitucionais de carter conformador e impositiva bvia (...) A substituio do modelo de economia de bem-estar, consagrado na Constituio de 1988, por outro, neoliberal, no poder ser efetivada sem a prvia alterao dos preceitos contidos nos seus artigos 1, 3 e 170. (GRAU, 2012, p. 46)

No apndice intitulado Constituio Dirigente e Vinculao do Legislador da obra A ordem econmica na Constituio de 1988, Eros Grau ainda refuta a chamada morte da constituio dirigente (2012, p. 351) declarada no incio do sculo XXI pelo seu prprio criador, Gomes Canotilho. Diante da questo de qual o papel das Constituies para o Estado e para a sociedade, afirma que

Deveras, a Constituio do Brasil no mero instrumento de governo, enunciador de competncias e regulador de processos; mas, alm disso, enuncia diretrizes, fins e programas a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. No compreende to somente um estatuto jurdico do poltico, mas sim um plano global normativo da sociedade e, por isso mesmo, do Estado Brasileiro. (GRAU, 2012, p. 356)

Insiste, portanto, que A Constituio do Brasil tem sido - uma Constituio Dirigente, e vincula o legislador (2012, p. 358). Para Eros Graus, mesmo aps vrias emendas, as bases do Estado de bem-estar podem ser encontradas nos artigos 1, 3 e 170 da Constituio da Repblica.

Diante da compreenso que a ordem constitucional brasileira permanece a mesma consagrada na Constituio promulgada em 1988, mantendo-se as bases do Estado Social, entende-se que a atuao estatal no que tange ao Oramento Pblico deve ser compatvel com as ideias de planejamento e programao.

Na prtica, o que se assiste a elaborao de oramentos sem a mnima pretenso de execuo conforme a previso. As peas oramentrias so infladas e o gestor pblico, altera a lei oramentria ao longo do exerccio financeiro, no sentido de executar percentual inferior ao que foi previsto. O que deveria ser usado diante de situaes excepcionais utilizado para desfigurar o oramento inicialmente proposto. O planejamento deixado de lado e o oramento continua a ser, apenas, uma mera lei autorizativa e limitadora dos gastos pblicos.

Em pesquisa realizada nos anos de 2012/2013 e apresentada no XIX seminrio de iniciao cientfica da Universidade Federal de Juiz de Fora no ano de 2013, verificou-se que, mesmo com a promulgao da Lei de Responsabilidade Fiscal, o grau de concretizao das previses oramentrias no municpio de Juiz de Fora ainda no corresponde s expectativas constitucionais em relao aos direitos sociais2.A pesquisa pretendeu analisar qual o nvel de vinculao do poder executivo do municpio mineiro s previses contidas nas leis oramentrias no perodo compreendido entre 2002 a 2011 bem como verificar a relao entre o planejamento oramentrio e a sua execuo.

Nessa pesquisa, evidenciou-se, aps anlise da execuo oramentria, que embora no geral se tenha uma melhora com o passar dos anos em termos de concretizao das polticas pblicas previstas no oramento, ainda existem reas sociais que se encontram esquecidas pela Administrao Pblica sendo muito baixo o percentual de efetividade da execuo oramentria em relao previso. Muitas vezes, as previses so inexecutveis.

Quando o Poder Executivo altera a lei oramentria executando percentual inferior daquilo que foi planejado para determinadas reas sociais, h o comprometimento da implementao de polticas pblicas e, consequentemente, a no efetivao dos direitos sociais.

Contudo, importante ressaltar que no uma opo do gestor pblico a concretizao dos valores do Estado Social, mas sim um dever constitucional. Quando o gestor abdica da funo de planejamento estatal do oramento, ele viola a ordem constitucional alm de impedir que inmeros direitos sociais sejam colocados em prtica.

Projeto Provoque/UFJF sob o ttulo de Oramento e Polticas Pblicas em Juiz de Fora: uma anlise da

execuo oramentria do municpio, no que se refere s polticas pblicas sociais, a partir da promulgao da Lei de Responsabilidade Fiscal coordenado pelo Professor Dr. Frederico Augusto dvila Riani e premiado no XIX Seminrio de Iniciao Cientfica da UFJF.

No se pretende ignorar que a efetivao dos valores do Estado Social no ocorre do dia para a noite nem mesmo pretende-se defender o fim da flexibilidade do gestor pblico na hora de executar o oramento atravs de uma aderncia total previso oramentria. Contudo, no se pode abrir mo do planejamento. Quanto melhor o planejamento, menores sero os imprevistos e melhor ser a efetivao dos direitos sociais.

A CONSTITUCIONALIZAO SIMBLICA DOS DIREITOS SOCIAIS E O ORAMENTO PBLICO

Marcelo Neves na obra A Constitucionalizao Simblica (2011), discute a funo simblica dos textos constitucionais carentes de uma concretizao normativo-jurdica. De acordo com essa tese, com a finalidade de passar uma confiana ao eleitorado, o legislador, muitas vezes, cria normas jurdicas para satisfazer as expectativas da populao mesmo sem ter condio de efetivar as respectivas normas (2011, p. 36). Esse tipo de legislao simblica, especificamente, denominado por Neves como legislao libi e teria por objetivo induzir um sentimento de bem estar (2011, p.40) resolvendo uma situao de tenso entre os cidados e seus representantes.

A legislao simblica pode ainda adiar conflitos sociais ao estabelecer compromissos dilatrios que adiam a resoluo dos problemas que sero resolvidos num futuro remoto, ou seja, no h pretenso de resolv-los to cedo. Nesses casos, acordos so feitos entre grupos progressistas e conservadores para a promulgao de leis que no sero efetivadas. Os progressistas ficariam satisfeitos porque agradariam a sua base poltica ao positivar posies de vanguarda. J os reacionrios seriam contemplados pela falta de perspectiva de efetivao da nova ordem criada pela legislao.

Ao analisar essas situaes, Marcelo Neves conclui que a legislao libi descarrega o sistema poltico de presses sociais, constituindo-se respaldo eleitoral para os respectivos polticos - legisladores (2011, p. 54).

Sobre legislaes como formula de compromisso dilatrio, afirma que

o efeito (...) adiar conflitos polticos sem resolver realmente os problemas sociais subjacentes. A conciliao implica a manuteno do status quo e,

perante o pblico espectador, uma representao/encenao coerente dos grupos polticos divergentes. (NEVES, 2011, p.54)

Esse trabalho no possui a pretenso de abordar com a profundidade merecida o tema da constitucionalizao simblica. A obra de Marcelo Neves, contudo, pode ser essencial para compreender a efetividade dos direitos sociais na nova ordem constitucional iniciada em 1988.

Sabe-se que a constituio brasileira vigente foi promulgada num momento de efervescncia poltica. Era o fim da ditadura militar iniciada em 1964. Foram vinte anos de represso, torturas, exlios. Durante o regime militar, muitos problemas sociais se agravaram. Na economia, o bolo que cresceu nunca foi dividido. As mazelas sociais aumentaram com o xodo rural e a urbanizao das cidades brasileira crescia sem planejamento, acentuando os problemas sociais.

A nova constituio foi feita num momento de muita esperana. Com a redemocratizao do pas, os brasileiros e as brasileiras no almejavam apenas maior participao na vida poltica, mas a ampliao dos direitos sociais e a erradicao da misria. S assim seria possvel construir um pas realmente democrtico.

A constituinte foi formada por uma pluralidade de partidos. Conservadores e progressistas, direita e esquerda, reacionrios e vanguarditas participaram desse momento. E, como j apontado por Paulo Bonavides, o Estado Social foi consagrado no sentido de conciliar capital e trabalho e no com o vis de superar o sistema capitalista.

Numa poca em que as manifestaes eram frequentes e que a participao poltica

era intensa, nenhum poltico queria ir contra mo das expectativas da populao que estava empolgada com o novo tempo prometido a partir da redemocratizao. Sendo assim, no foi muito difcil para a esquerda empregar na nova constituio valores historicamente ligados ao socialismo.

Nessa perspectiva conciliatria entre trabalho e capital, foi promulgada a constituio em cinco de outubro de 1988. Passados mais de 25 anos da promulgao da carta magna, faz-se necessrio uma reflexo, principalmente, sobre a efetividade dos direitos sociais consagrados.

Desde o incio do Governo Lula continuado pela presidenta Dilma, acompanha-se inmeros avanos na rea social. Desde 2003, mais brasileiros e brasileiras vm tendo acesso a direitos essncias que dependem da prestao material do Estado. Ainda que tmida diante da estrutura profundamente desigual da sociedade brasileira, as polticas pblicas de redistribuio de renda, como o programa Bolsa Famlia, ajudaram muitos brasileiros a sarem da pobreza extrema. O acesso ao ensino superior vem sendo ampliado e, pela primeira vez, esto sendo inseridas nas universidades pblicas e privadas as camadas sociais historicamente marginalizadas no pas. Os nveis de desemprego caram e o salrio mnimo vem sendo valorizado.

Mesmo com essas conquistas impulsionadas por um governo progressista, embora composto de maneira ambgua (o que no lhe permite avanar em muitos pontos), falta muito para que a maioria dos direito sociais consagrados no texto constitucional seja efetivada de forma plena.

So muitos os empecilhos para que a efetivao dos direitos sociais ocorra de forma a garantir que os objetivos constitucionais sejam alcanados. A concentrao de renda, o desvio de dinheiro pblico, a burocracia so alguns exemplos. Contudo, outro problema que deve ser analisado com ateno a falta de verba. So muitas as demandas, mas poucos recursos. Os cofres pblicos no so capazes de financiarem todas as polticas pblicas necessrias para que se alcance muito dos direitos sociais consagrados.

Portanto, no oramento que se definiro, na prtica, quais so as reas prioritrias para se investirem as poucas receitas. Essa definio no poder ser feita de forma aleatria. Os poderes legislativos e executivos devero observar os valores constitucionais na previso oramentria contemplando, obrigatoriamente, as polticas pblicas que promovem os direitos sociais. Da mesma forma, o chefe do poder executivo no poder executar o oramento de forma a desfigurar todo o planejamento. Nesse sentido,

indubitvel que o oramento, tal qual compreendido hoje pela doutrina, uma pea meramente autorizativa para o Executivo executar gastos. No tem natureza impositiva e no gera direitos subjetivos. A finalidade desse entendimento , na realidade, dar uma ampla margem de discricionariedade ou flexibilidade ao Executivo na execuo oramentria. (...) A elaborao oramentria, ainda que ato poltico, no ato totalmente livre. H diversas vinculaes constitucionais expressas que, independentemente da vontade dos Poderes envolvidos, tm que ser feitas de determinada maneira (como a definio dos recursos para a educao). A isto pode se chamar, pegando emprestada a terminologia de Canotilho, de heterovinculao dos

responsveis pela elaborao do oramento. Pode-se falar tambm na existncia de uma autovinculao destes responsveis. Tendo em vista determinaes constitucionais que demandam recursos financeiros para serem concretizadas e os programas de governo, so feitas escolhas livres pelo Executivo e Legislativo, considerando-se a conjuntura poltico-econmica. Quando se trata de escolhas para a concretizao de determinaes constitucionais, a partir do momento em que se opta pela alocao de recursos para cumprir a vontade do constituinte, passa a existir uma vinculao do Executivo no que diz respeito ao gasto dos recursos destinados a esta concretizao. Ou seja, os gastos oramentrios que buscam efetivar determinaes constitucionais precedem os outros gastos. No h discricionariedade do Executivo para aplicar ou no os recursos previstos para estes casos. (RIANI, 2005)

Diante das dificuldades, principalmente financeiras, de implementao de polticas pblicas que garantem a ampliao do acesso aos direitos sociais, so criadas algumas teorias que propem solues para um problema real: as muitas demandas sociais em face aos escassos recursos.

Dentre essas alternativas existe a teoria do mnimo existencial, defendida pelo professor Ricardo Lobo Torres. Essa teoria prope a existncia de um direito fundamental constitucional s condies mnimas de sobrevivncia. Esse direito, alm de criar uma esfera de liberdade individual intangvel, exige do Estado prestaes materiais. (TORRES, 1990, p. 69)

A efetivao plena dos direitos sociais aquela capaz de promover a reduo das desigualdades sociais. Sendo assim, a teoria do mnimo existencial (TORRES,1990) no uma alternativa diante das dificuldades de efetivao dos direitos sociais uma vez que o mnimo no cumpre a finalidade constitucional de erradicao da pobreza, muito pelo contrrio, as perpetuam por destinar a maioria da populao o mais elementar direito de sobrevivncia que est muito aqum de atingir as finalidades do Estado Social. Dessa forma, no se concorda com o entendimento do professor Ricardo Lobo Torres de que as prestaes positivas para o apoio aos direitos sociais no so obrigatrias e que se afirmam apenas de acordo com a situao econmica conjuntural, sob a reserva do possvel ou na conformidade da autorizao oramentria (TORRES, 1990, p.72)

Refutam-se ainda as tentativas de definio do contedo desse mnimo existencial como proposta pela professora Ana Paula de Barcelos (2002). O contedo do mnimo existencial seria, segundo a supracitada autora, aquele contra o qual o argumento da reserva do possvel no poder ser suscitado casuisticamente por j ter sido levado em conta. Embora

na prtica o poder executivo e o poder judicirio encontrem dificuldades de definir o que os indivduos podem exigir do Estado em relao s prestaes materiais, a definio de um contedo mnimo limita ainda mais a dimenso esperada dos direitos sociais em reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Os direitos sociais, portanto, no devero ser tratados pelo Estado como assistencialismo para proporcionar as pessoas apenas a sobrevivncia. A efetividade dos direitos sociais deve, numa perspectiva que coadune com os valores do Estado Social consagrados na constituio de 1988, estar inserida em um planejamento que almeje implementar polticas pblicas voltadas para a diminuio das desigualdades sociais e regionais bem como proporcionar as pessoas o desenvolvimento pleno das suas personalidades.

Enquanto o oramento pblico no for compreendido pela doutrina e pela Administrao Pblica como um instrumento de planejamento, mas apenas como mera lei autorizativa, no ser possvel a concretizao dos valores do Estado Social no Brasil. Sendo assim, a consagrao dos direitos sociais no Brasil estaria cumprindo a funo de legislao libi, conforme ensinado por Marcelo Neves. A erradicao da pobreza e a diminuio das diferenas sociais e regionais, objetivos da constituio expressos no seu artigo terceiro, seria um compromisso remoto, adiado para um futuro que se espera ansiosamente, mas que nunca chegar enquanto o oramento pblico no cumprir um novo papel.

CONCLUSO

Diante da anlise do papel do oramento no Estado Liberal e do que se espera desse instrumento numa nova ordem jurdico-poltica que consagrou valores do Estado Social, pode-se perceber que, enquanto o oramento pblico no cumprir sua funo junto de planejamento de polticas pblicas, as metas de erradicao da pobreza e de diminuio das desigualdades sociais e regionais no sero alcanadas. Logo, os direitos sociais consagrados na constituio de 1988 no teriam a pretenso de serem efetivados na prtica, uma vez que sem a execuo do oramento no h efetividade das polticas pblicas de carter social.

Tem se a conscincia nesse trabalho que num pas como o Brasil, onde a distribuio de renda feita de maneira dspar e as desigualdades sociais e regionais so estruturais, no

ser a mudana do papel do oramento que ir contribuir decisivamente para transformar a atual realidade de desigualdade. Para muitos, a ideia de planejamento estatal perde seu significado diante das arbitrariedades impostas pelo mercado no sistema de produo capitalista (PAUL SINGER, 1979). Em muitos casos, percebe-se que as necessidades privadas que iro determinar as aes do Estado. Contudo, a mudana de concepo do oramento enquanto mera lei formal para uma concepo que o trate como um programa de Estado ajudaria na implementao de polticas que garantiriam, ao menos, o acesso da maioria da populao aos direitos sociais mais urgentes. Sem a efetivao de direitos como educao, sade, trabalho e previdncia, por exemplo, no possvel falar em igualdade formal, qui em cidadania. Somente atravs da garantia de tais direitos que se tem a possibilidade de exerccio participativo do poder democrtico. Logo, o oramento pblico enquanto instrumento de promoo das polticas pblicas de carter social tambm tem papel fundamental na concretizao da cidadania no Brasil.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficcia jurdica dos princpios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

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TORRES, Ricardo Lobo. O mnimo existencial e os direitos fundamentais. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro. n. 177, p.29-49. jul./set. 1989.