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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO JULIANA DA SILVA ABRANTES PEGO Itajaí, junho de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO

OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO NAS

RELAÇÕES DE TRABALHO

JULIANA DA SILVA ABRANTES PEGO

Itajaí, junho de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO

OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO NAS

RELAÇÕES DE TRABALHO

JULIANA DA SILVA ABRANTES PEGO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor MSc Ricardo José Engel

Itajaí, junho de 2007.

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AGRADECIMENTO

A Deus, pela proteção diária que me concebe.

Aos meus pais, como demonstração de infinita

gratidão por tudo que me proporcionaram.

Aos amigos que compreenderam o motivo da

minha ausência e contribuíram para a

concretização desse trabalho.

Ao Orientador Professor Msc. Ricardo José Engel,

pela atenção, dedicação e colaboração.

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DEDICATÓRIA

Aos meus avós maternos, Paulo e Tereza, com

eterna saudade, por terem sido tão presentes na

minha vida.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2007.

Juliana da Silva Abrantes Pego Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Juliana da Silva Abrantes Pego,

sob o título Os Direitos da Personalidade do Empregado nas Relações de

Trabalho, foi submetida em 13/06/2007 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Ricardo José Engel, Ricardo Córdova Diniz e Marcos Pina

Mugnaini, e aprovada com a nota 9,5 (nove vírgula cinco).

Itajaí, junho de 2007.

Professor Mestre Ricardo José Engel Orientador e Presidente da Banca

Professor Mestre Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ART. Artigo

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CF Constituição da República Federativa do Brasil

CC Código Civil Brasileiro

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Dignidade

“A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta

singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e

que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,

constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve

assegurar”. (Moraes, 2006, p.48)

Direito da Personalidade

“São direitos essenciais do ser humano, imprescindíveis ao desenvolvimento de

suas potencialidades físicas, morais e intelectuais”. (Beltrão, 2005, p.24)

Personalidade

“A personalidade é um atributo jurídico que revela a aptidão de todo ser humano

em desempenhar papéis, ativos, e passivos, no cenário jurídico”. (Lotufo, 2002,

p.80)

Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana

“O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da

pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê

um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação

aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever

fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes”. (Moraes, 2006,

p.48)

Princípios

“São ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [...]

núcleos de condensações, nos quais confluem valores e bens constitucionais”.

(Silva, 1999, p.96)

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ix

SUMÁRIO

SUMÁRIO ............................................................................................................. IX

RESUMO................................................................................................................ X

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 .......................................................................................................... 4

DIREITOS DA PERSONALIDADE: BREVE HISTÓRIA........................................ 4 1.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ........................................................................... 4 1.2 CONCEITOS E NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ................................................................................................ 7 1.3 A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE NA EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO............................................................................ 11 1.4 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE............................................................................................................................. 16 1.5 CLASSIFICAÇÕES DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ....................... 20

CAPÍTULO 2 .........................................................................................................22

OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA............22 2.1 PRIMÓRDIOS DA POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE 22 2.2 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO NOVO CÓDIGO CIVIL............... 25 2.3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE .............................................................................................. 31 2.3.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO CLÁUSULA GERAL DE

PROTEÇÃO DA PERSONALIDADE ............................................................................... 33 2.4 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NAS RELAÇÕES DE TRABALHO.. 36

CAPÍTULO 3 .........................................................................................................39

OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO ..........................................................................................................39 3.1 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE FÍSICA ....................................... 39 3.1.1 DIREITO À VIDA .............................................................................................. 40 3.1.2 DIREITO AO CORPO ........................................................................................ 42 3.2 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE MORAL...................................... 44 3.2.1 DIREITO À HONRA........................................................................................... 44 3.2.2 DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA .......................................................... 45 3.2.3 DIREITO À IMAGEM ......................................................................................... 47 3.2.4 DIREITO AO NOME .......................................................................................... 48 3.3 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE INTELECTUAL .......................... 50 3.3.1 DIREITO À LIBERDADE DE PENSAMENTO E EXPRESSÃO ...................................... 50

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x

3.4 HIPÓTESES FÁTICAS QUE GERAM INFRAÇÕES AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DOS TRABALHADORES.................................................... 51 3.4.1 ASSÉDIO MORAL ............................................................................................ 51 3.4.2 DISCRIMINAÇÕES RACIAIS............................................................................... 53 3.4.3 DISCRIMINAÇÕES EM RAZÃO DA RELIGIÃO ........................................................ 54

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................57

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..............................................................64

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RESUMO

O presente trabalho visa discutir a necessidade de se refletir

acerca do direito da personalidade como um conjunto determinado de direitos a

serem respeitados em todos os ramos do direito, com especial atenção ao Direito

do Trabalho, fundado a partir do princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana. Tal princípio foi legitimado, tanto na condição de norma-princípio

promulgado democraticamente, como pela evolução histórica dos direitos

fundamentais do ser humano. A legislação brasileira tutela os direitos da

personalidade a partir da Magna Carta que se irradia sobre as demais normas

infraconstitucionais, como o Código Civil de 2002. O ordenamento jurídico

brasileiro prevê cláusulas gerais de proteção dos direitos de personalidades, que

são assim interpretadas com base nas disposições dos artigos 1°, III da

Constituição Federal de 1988 e 12 do Código Civil. A Consolidação das Leis do

Trabalho – CLT não versa sobre os direitos em questão. Dispõe, apenas, o

parágrafo único do artigo 8° que é possível a integração de norma do direito

comum, como fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Entende-se assim, como

permissão expressa para tutela dos direitos da personalidade nas relações de

trabalho, atuando sobre essas as cláusulas gerais de proteção imposta pelas

normas acima citadas. No entanto, entende-se necessária a criação pelo

Legislador de normas especiais que venham a tutelar lesão ou ameaça de lesão

aos direitos da personalidade do empregado.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto os direitos da

personalidade do empregado nas relações de trabalho.

O objetivo é aprofundar os conhecimentos sobre os direitos

da personalidade e a incidência no Direito do Trabalho, visando à realização de

uma monografia para conclusão do curso de Direito pela Univali.

Para tanto, no Capítulo 1, serão apresentados os conceitos,

características, classificações e evolução histórica dos direitos da personalidade,

na concepção de vários doutrinadores.

No Capítulo 2, será demonstrado como os direitos da

personalidade são tipificados na legislação brasileira, a partir da estrutura

constitucional, destacando o papel da jurisprudência e doutrina, assim como a

identificação da tutela jurídica na Consolidação das Leis do Trabalho.

No Capítulo 3, serão tratadas hipóteses fáticas de proteção

dos direitos da personalidade, bem como desses direitos em espécie nas relações

de trabalho, no intuito de se verificar a efetiva proteção do empregado quando da

violação dos direitos da pessoa.

Nas Considerações Finais do presente Relatório de

Pesquisa serão apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da

estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre os direitos da

personalidade do empregado nas relações de trabalho.

O estudo dos direitos da personalidade do Empregado nas

Relações de Trabalho, constitui-se no tema central desta pesquisa, que parte dos

seguintes problemas: o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana,

inserido no artigo 1°, inciso III da CF pode ser considerado como fonte primordial

de toda tutela ao direito da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro?

Cláusulas gerais infraconstitucionais de proteção dos direitos da personalidade

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são necessárias ou basta a tutela principiológica constitucional da dignidade da

pessoa humana? Pode-se aplicar o direito civil como fonte subsidiária do direito

do trabalho às violações dos direitos da personalidade? É verificada a tutela

jurídica de direitos essenciais que se incorporam ao direito da personalidade

ambientado nas relações jurídicas de trabalho?

Em face de tais problemas foram levantadas as seguintes

hipóteses:

� Hipótese 1: O princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana, inserido no artigo 1°, inciso III da CF é fonte primordial

de toda tutela ao direito da personalidade no ordenamento

jurídico brasileiro, a tal ponto que a violação desse princípio

acarretaria ofensa à própria Constituição e à existência do

Estado Social e Democrático Brasileiro.

� Hipótese 2: É necessária a existência de cláusulas gerais

infraconstitucionais de proteção dos direitos da personalidade ou

basta a tutela principiológica constitucional da dignidade da

pessoa humana.

� Hipótese 3: É aplicável a tutela subsidiária do direito civil às

violações dos direitos da personalidade nas relações de trabalho.

� Hipótese 4: É possível verificar a tutela jurídica de direitos

essenciais que se incorporam ao direito da personalidade

ambientado nas relações jurídicas do empregado.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo1, na Fase de Tratamento de

1 "Pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral: este é o denominado método indutivo" (grifo no original). PASOLD, César Luiz. Praticada da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. Florianópolis: OAB/SC Editora. 6. ed. p. 87.

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Dados, o Método Cartesiano2, bem como que o Relatório dos Resultados

expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

técnicas do Referente3, da Categoria4, do Conceito Operacional5 e da Pesquisa

Bibliográfica.

2 O método aludido pode ser resumido em quatro preceitos que são: 1. "[...] nunca aceitar, por verdadeira, coisa nenhuma que não conhecesse como evidente [...]”; 2. "[...] dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudessem ser e fossem exigidas para melhor compreende-Ias"; 3. "[...] conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pêlos objeto mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros"; 4. "[...] fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais, que ficasse certo de nada omitir" (grifo no original). PASOLD, César Luiz. Praticada da Pesquisa Jurídica, p. 105-106.

3 "explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa". PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 63.

4 “palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia". PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 37.

5 “definição uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, p. 51.

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CAPÍTULO 1

DIREITOS DA PERSONALIDADE: BREVE HISTÓRIA

1.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

A idéia dos direitos da personalidade está associada ao

reconhecimento dos valores inerentes a pessoa humana. Para a compreensão

desses direitos é fundamental destacar a proteção da dignidade da pessoa

humana, o mais primário dos direitos. Pode-se afirmar que a dignidade é o objeto

que, ao final, será tutelado pelos direitos da personalidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi

considerada pelos doutrinadores a mais evoluída no âmbito dos direitos de

personalidade. Trouxe expressamente diversos direitos e garantias individuais,

bem como princípios constitucionais da personalidade, a exemplo o princípio da

dignidade da pessoa humana, em seu artigo 1°, III.6

Nunes7 entende ser esse o principal princípio codificado na

Constituição Brasileira de 1988.

é ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema

constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos

individuais. A isonomia serve, é verdade, para gerar equilíbrio real,

porém visando concretizar o direito à dignidade. É a dignidade que

dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo

intérprete.

6 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 37.

7 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 45.

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Moraes8 aponta uma dupla concepção para o princípio da

dignidade da pessoa humana:

O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da

dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla

concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo,

seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais

indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever

fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes.

Esse dever configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a

dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige

que lhe respeitem a própria. A concepção dessa noção de dever

fundamental resume-se a três princípios do direito romano:

honestere vivere (viver honestamente), alterum nonlaedere ( não

prejudique ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que

lhe é devido).

A pessoa humana, para quemispõe-se os direitos da

personalidade, constitui o centro da destinação do ordenamento jurídico. “No

sentido jurídico, é para a pessoa que o direito foi feito, conceituando-se pessoa

todo ser humano capaz de direitos e obrigações”.9 O código civil atribuiu à pessoa

a capacidade de direitos e deveres na ordem civil.

Os direitos da personalidade são direitos essenciais do ser

humano, imprescindíveis ao desenvolvimento de suas potencialidades físicas,

morais e intelectuais.10 Beltrão assim conceitua tais espécies de direito:

[...] como categoria especial de direitos subjetivos que, fundados

na dignidade da pessoa humana, garantem o gozo e o respeito ao

seu próprio ser, em todas as suas manifestações espirituais ou

físicas.

8 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos art. 1° a

5° da Constituição da república Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2006, p. 48-49.

9 ASCENSÃO, José de Oliveira. Teoria geral de direito civil apud BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da Personalidade: de acordo com o novo código civil. São Paulo: Atlas, 2005, p.20-21.

10 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da Personalidade: de acordo com o novo código civil, p. 24.

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6

Segundo Bittar11:

Com efeito, esses direitos são dotados de caracteres especiais,

para uma proteção eficaz da pessoa humana, em função de

possuírem, como objeto, os bens mais elevados do homem. Por

isso é que o ordenamento jurídico não pode consentir que deles

se despoje o titular, emprestando-lhes caráter essencial. Daí, de

início, direitos intransmissíveis e indispensáveis, restringindo-se à

pessoa do titular e manifestando-se desde o nascimento.

De Cupis12 nesse sentido diz:

[...] existem certos direitos sem os quais a personalidade restaria

uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o

valor concreto: direitos sem os quais todos os outros direitos

subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo – o que

equivale dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria

como tal. São esses os chamados “direitos essenciais”, com os

quais se identificam precisamente os direitos da personalidade.

Os direitos da personalidade podem ser classificados13 em:

a) relativos à integridade física, entre eles à vida, à saúde e segurança; b) direitos

relativos à integridade moral como o direito à imagem, à honra, à dignidade, à

privacidade entre outros; c) os inerentes à integridade intelectual dentre eles o

direito à liberdade de expressão e de autoria. Esses direitos serão objeto de

investigação específica nos capítulos subseqüentes.

11 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.11.

12 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Trad. De Adriano Vera Jardim e Antônio Miguel Caeeiro: Lisboa: Liv. Morais editora, 1961, p. 24.

13 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: RT. 1971, p. 329.

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1.2 CONCEITOS E NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS DA

PERSONALIDADE

A doutrina apresenta inúmeros conceitos para os direitos da

personalidade, variando conforme a tese adotada pelos autores. Cada

doutrinador, consoante sua formação jurídica, apresenta aspectos e relevâncias

distintas nas suas definições.

Há uma corrente naturalista que reconhece que esses

direitos existem não por força da lei, mas por serem inerentes ao homem. Em

contrapartida, a tese dos positivistas sustenta que esses direitos derivam da

tipificação legal e são operados por força de lei.14

Para Bittar15, naturalista, os direitos da personalidade são:

reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas

projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico

exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a

vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e

outros tanto.

E completa:

cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em um

ou outro plano de direito positivo – a nível constitucional ou a nível

de legislação ordinária – e dotando-os de proteção própria,

conforme o tipo de relacionamento a que se volte, a saber: contra

o arbítrio do poder público ou às incursões de particulares.

Na tese positivista sustentada por Orlando Gomes16, são

esses direitos “bens jurídicos em que se convertem projeções físicas ou psíquicas

14 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a

5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 16. 15 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 7.

16 GOMES, Orlando. Os direitos da personalidade. Coordenadas Fundamentais, p.6. apud VÁLIO, Marcelo Roberto

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da pessoa humana por determinação legal, que os individualiza para lhes

dispensar proteção”.

Segundo o entendimento de Szaniawski17, os bens inerentes

ao homem - a vida, a liberdade, a honra - vêm sendo protegidos tanto pelo direito

subjetivo como pelo direto objetivo. A proteção que se dá a esses bens é

denominada direitos da personalidade.

Como já delineado, a doutrina tem apresentado inúmeras

definições ao longo dos anos. Devido a essas controvérsias, existem diversas

correntes que tentam explicar a natureza dos direitos de personalidade, havendo,

inclusive, resistência por parte de alguns autores a admitir a existência desses

direitos.18

De início, Savigny foi o primeiro a negar os direitos da

personalidade, segundo o magistério de Borges19:

Esse autor não admitia a existência dos direitos de personalidade

por não lhe parecer possível a hipótese de um sujeito de direito

ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de seu próprio direito. No

raciocínio de Savigny, admitir essa possibilidade implicaria a

legitimação do suicídio.

Quanto à natureza, houve significativas discussões no

sentido de os direitos da personalidade pertencerem ou não à categoria dos

direitos subjetivos. Hoje a doutrina entende, de forma predominante, a existência

desses direitos e sua qualidade como direitos subjetivos20.

17 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 70.

18 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 71. 19 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.20. 20 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 72.

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9

Entende Godoy21 que essa tese passou por críticas, desde a

negação completa de Savigny a concepção de que o homem não poderia ser, ao

mesmo tempo, sujeito e objeto de direito. É a teoria segundo a qual os direitos da

personalidade se reduziriam a um jus in se ipsum ou direito sobre a própria

pessoa.22

Beltrão23 defende a corrente dominante quando explica que

apesar de não ser o objeto do direito exterior ao sujeito, isso não significa que os

bens e o sujeito sejam idênticos, “pois o modo de ser da pessoa não é a mesma

coisa que a pessoa em si, como sujeito de direito”. E cita Pontes de Miranda, que

defende a existência dos direitos de personalidade:

O direito à personalidade como tal é direito inato, no sentido de

direito que nasce com o indivíduo; é aquele poder in se ipsum24, a

que juristas do fim do século XV e do século XVI aludiam, sem

ser, propriamente, o direito sobre o corpo, in corpus suum

potestas. Não se diga que o objeto é o próprio sujeito; nem se

pode dizer que, nele, o eu se dirige ao próprio eu.25

De Cupis26 entende não ser o objeto do direito da

personalidade exterior ao sujeito e explica:

Esta “não-exterioridade” não significa, por outro lado, “identidade”,

visto que o “modo de ser da pessoa” não é a mesma coisa que “a

pessoa”. Não pode omitir-se sem risco a distância que separa a

“não-exterioridade”, ou a “interioridade”, da identidade. E nem

sequer pode encurtar-se essa distância opondo ao sujeito, como

objeto do seu direito, o complexo dos seus modos físicos e

morais, em vez de um seu particular modo de ser.

21 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2001, p.30.

22 DE CUPIS. Adriano. Os direitos da personalidade, p. 30. 23 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.5

24 “Direito sobre a própria pessoa”

25 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000, p.38. 26 DE CUPIS. Adriano. Os direitos da personalidade, p. 28.

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10

Borges também, nessa linha de pensamento, considera os

objetos dos direitos de personalidade os “bens e valores considerados essenciais

para o ser humano” 27.

Portanto, não há confusão, nos direitos de personalidade, entre

sujeito e objeto de direito. Embora o sujeito de direito possa ser,

em última instância, a personalidade mesma, são as várias

qualidades ou expressões desta, particularizadas, que são

consideradas bens jurídicos. Não é a personalidade o objeto dos

direitos de personalidade, mas algumas qualidades, expressões

ou projeções dela.28

Além das posições objetivistas e subjetivistas, já definiram

direitos da personalidade com direitos sem sujeito. Visão que foi repudiada

principalmente por doutrinadores jusnaturalistas.

Ver os direitos da personalidade como direitos sem sujeito

significa negar-lhes a condição de direitos subjetivos e

compreendê-los como reflexos, apenas, do direito objetivo,

resumindo-se a bens que juridicamente são protegidos. A

verdade, porém é que, no mínimo quando se titulariza a pretensão

de proteger esses bens, já ao menos então haverá um direito

subjetivo, a um titular cometido. 29

Superada essas classificações dos direitos da

personalidade, resta dividi-los de acordo com a dicotomia direito público e direito

privado. Os direitos de personalidade públicos, segundo Szaniawski30, “seriam

aqueles direitos inerentes à pessoa humana previstos e tutelados pela Declaração

Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão e demais convenções

internacionais”. Reconhecidos para proteger o homem da ação do Estado.

27 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro Borges. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p.20. 28 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro Borges. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p.20

29 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de Godoy. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p.32.

30 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 87-88.

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11

Os direitos de personalidade privados, segundo o autor

acima citado, “seriam os mesmos direitos, porém, tratados sob o ângulo do direito

privado, nas relações dos particulares entre si, visando a proteção do indivíduo

frente às agressões de outro particular”.

Segundo Bittar31, na categoria público, inclui-se,

normalmente, os direitos à vida, à integridade física, às partes do corpo, à

liberdade, o direito de ação. De outro lado, na esfera privada estariam os direitos

à honra, ao nome, à própria imagem, à liberdade de consciência e de religião, à

reserva sobre a própria intimidade, ao segredo e ao direito moral de autor, a par

de outros.

Considerando primordialmente os direitos como essenciais

ao desenvolvimento da pessoa, independente de os direitos da personalidade

terem caráter público ou privado, essa divisão não deve representar mais que

uma opção legislativa.

1.3 A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE NA EVOLUÇÃO

DO PENSAMENTO JURÍDICO

Os direitos da personalidade tiveram a origem na Grécia

antiga e em muitas legislações já era conhecido e aplicado o princípio da

personalidade nas relações entre gregos e estrangeiros.32

Naquela época a proteção da personalidade humana se

assentava sobre três idéias centrais. Szaniawski33 explica essas idéias: a noção

de repúdio à injustiça, a proibição de atos de excesso de uma pessoa contra outra

e a proibição da prática de atos de insolência contra a pessoa humana.

31 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.23. 32 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.23. 33 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.24.

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Por influência da obra de Aristóteles, passou-se a conceber a

existência de igualdade entre as pessoas e as idéias de ter a lei o

dever de buscar a regulamentação das relações humanas em

sociedade, objetivando, sempre, o bem comum. Esta nova visão,

imprimida pelos filósofos gregos, consolidou a proteção jurídica da

personalidade humana, reconhecendo a existência de um único e

geral direito de personalidade em cada ser humano [...].34

Na seqüência evolutiva, foi em Roma a elaboração da teoria

jurídica da personalidade.35

Discorrendo sobre o tema, aduz Szaniawski36 que “para o

direito romano, a expressão personalidade restringia-se aos indivíduos que

reunissem os três status, a saber: o status libertatis, o status civitatis e o status

familiae”. Era preciso reunir todos os elementos para atingir a personalidade

plena, sendo que, ausente algum deles, restaria prejudicado os outros status, por

exemplo, o escravo que possuía liberdade e não era considerado cidadão.

Destaca-se, no Direito Romano, a medida Actio Injuriarum

para tutelar a personalidade humana, uma cláusula protetora da vida e da

integridade física do indivíduo.37

Com o pensamento medieval, o conceito de pessoa humana

encontrou alicerce na dignidade, reconhecendo que sobre o homem recaía o fim

do direito. É o que se extrai de Szaniawski38, para quem “a Idade Média lançou

sementes de um conceito moderno de pessoa humana baseado na dignidade e

na valorização do indivíduo como pessoa”.

Referindo-se a dados históricos afirma Godoy39:

34 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 25. 35 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p.15. 36 SZANIAWSKI, Eliamar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 25-26. 37 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p.17. 38 SZANIAWSKI, Eliamar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.35.

39 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e is direitos da personalidade, p.19.

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13

Contudo, se a hybris grega e a actio injuriarum podem ser

consideradas a origem remota da teoria dos direitos da

personalidade, em verdade foi particularmente na Idade Média

que surgiram, com maior concretude, idéias de valorização do

homem, reconhecendo-se nele intrínseco um componente

espiritual, mais que corpóreo, cuja significação está em sua

dignidade, base da concepção dos direitos da personalidade.

O cristianismo exerceu influência na concepção da pessoa,

que passou a ser compreendida na ótica do princípio da moralidade. Leite40

registra que:

o Cristianismo constitui a base moral indestrutível sobre o que há

de ser reconhecido como os Direitos da Personalidade individual.

Foi através do pensamento cristão que se assentou a idéia de

dignidade do homem.

Em continuação, na linha de evolução dos direitos da

personalidade, destaca-se o renascimento, e principalmente, o humanismo, que

trouxeram, a partir do século XVI, novas idéias para a concretização dos direitos,

afirmando a independência do homem e a proteção dos direitos humanos41,

“conduziram os juristas da época à formulação do direito geral de personalidade,

como um ius in se ipsum, surgindo as primeiras noções de direito subjetivo e a

existência de um poder de vontade individual”.42

Nessa mesma esteira, de reconhecimento do valor intrínseco do

homem, veio depois, já ao final do período da filosofia

renascentista (século XIV a XVI), o Humanismo, caracterizado por

um esforço tendente a realçar aquela dignidade do espírito

humano, inclusive medida de todas as coisas, difundindo-se o

conceito de que, para além da matéria, há no homem esse

elemento espiritual, imaterial.43

40 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e os Direitos da Personalidade. São Paulo: J. de Oliveira, 2000, p.8.

41 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e os Direitos da Personalidade, p.8. 42 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.38. 43 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e is direitos da personalidade, p.20.

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No século XVII, a Escola do Direito Natural, exaltou os

direitos da personalidade e desenvolveu amplamente a doutrina do humanismo

antropocêntrico, considerando os direitos inerentes ao homem, uma vez que

nascem com eles, preexistentes ao seu reconhecimento.44 Idéia combatida pelo

positivismo jurídico onde só eram reconhecidos os direitos tipificados na lei.

Moraes45 ensina que a teoria jusnaturalista fundamenta os

direitos humanos em uma ordem superior universal, imutável e inderrogável.

Segundo essa teoria, os direitos humanos fundamentais não são criações dos

legisladores, tribunais ou juristas, e, consequentemente, não podem desaparecer

da consciência humana.

Outra construção que marca, não o reconhecimento, mas a

exaltação dos direitos de personalidade, é a dos chamados

direitos naturais, que com a escola do Direito natural, no século

XVII, considerava aqueles direitos naturais ao homem, pois

nascem com ele, correspondem a sua natureza, estão

indissoluvelmente unidos à pessoa e são, em suma, preexistentes

ao seu reconhecimento pelo Estado.46

Para Moraes47 a teoria positivista, diferentemente do

jusnaturalismo, fundamenta a existência dos direitos humanos na ordem

normativa, enquanto legítima manifestação da soberania do povo. Dessa forma,

somente seriam direitos humanos fundamentais aqueles expressamente previstos

no ordenamento jurídico positivado.

44 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.38. 45 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1°

a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 16. 46 LEITE, Rita de Cássia curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e direito de personalidade, p.8-9.

47 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 16.

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15

Finalmente, com o Iluminismo e o Liberalismo dos séculos

XVIII e XIX, os direitos da personalidade se consolidaram, considerando o homem

como ser dotado de razão e de dignidade, que se autodetermina.48

É o que também explica Borges49, afirmando que o direito

acerca da personalidade obteve maior importância com o reconhecimento jurídico

da dignidade da pessoa humana, bem mais mediante sucessivas conquistas

históricas que encontram raízes em vários momentos, tais como na doutrina

cristã, no iluminismo, no kantismo e nas reações ao nazismo, do que sua

derivação de uma lei natural ou de um direito natural.

Conforme leciona Szaniawski50:

O Iluminismo condensa o pensamento burguês do século XVIII,

par o qual, os principais valores consistem na liberdade; na

igualdade de todos os homens; na propriedade privada; no

mercantilismo; na tolerância; e liberdades filosóficas e religiosas,

possuindo por base a razão e o cientificismo.

Bittar51 expressa de forma geral a evolução dos direitos de

personalidade:

A construção da teoria dos direitos da personalidade humana

deve-se principalmente: a) ao cristianismo, em que se assentou a

idéia da dignidade do homem; b) à Escola de Direito Natural, que

firmou a noção de direitos naturais ou inatos ao homem,

correspondentes à natureza humana, a ela unidos

indissoluvelmente e preexistentes ao reconhecimento do Estado;

e, c) aos filósofos e pensadores do iluminismo, em que se passou

a valorizar o ser, o indivíduo, frente ao Estado.

48 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e is direitos da personalidade, p.20-21.

49 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. A disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia e autonomia privada, p. 19

50 SZANIAWSKI, Eliamar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.41. 51 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.19.

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Com isso, os direitos humanos começaram a ter

reconhecimento legislativo, inicialmente sob a forma de “Declaração de Direitos”,

a exemplo a declaração francesa de 1789, que inaugurou o processo de

reconhecimento formal dos direitos de personalidade.52

1.4 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Os direitos da personalidade têm características próprias. O

Código Civil define-os como intransmissíveis e irrenunciáveis.53 Os doutrinadores

não apresentam grandes divergências ao caracterizá-los. Os próprios autores da

corrente positivista, no sentido em que defendem, conceituam os direitos como

absolutos.54

Bittar 55 explica:

Com efeito, esses direitos são dotados de caracteres especiais,

para uma proteção eficaz à pessoa humana, em função de

possuírem, como objeto, os bens mais elevados da pessoa

humana. Por isso é que o ordenamento jurídico não pode

consentir que deles se despoje o titular, emprestando-lhes caráter

essencial. Daí, são, de início, direitos intransmissíveis e

indispensáveis, restringindo-se à pessoa do titular e manifestando-

se desde o nascimento ( Código Civil, art.2º)56

52 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.19. 53 Código civil/02, art.11: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

54 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.11. 55 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.11.

56 Código civil/02, art. 2º: “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

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Em relação às características ressalta, Borges57 que, “em

geral, os direitos de personalidade são extrapatrimoniais, inalienáveis,

impenhoráveis, imprescritíveis, irrenunciáveis, indisponíveis”.

Leite58 também caracteriza os direitos da personalidade,

acrescentando as categorias de absolutos, intransmissíveis, vitalícios e

necessários.

Já Bittar59, de forma ampla, agrega aos direitos da

personalidade as seguintes características:

Constituem direitos inatos (originários), absolutos,

extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis,

vitalícios, necessários e oponíveis erga omnes, como tem

assentado a melhor doutrina, como leciona, aliás, o art., 11 do

novo Código.

Os direitos são absolutos no sentido de serem coercitivos,

devendo ser respeitados por todos, oponíveis erga omnes.

O caráter absoluto dos direitos da personalidade os conduz a uma

modalidade de obrigação em que o sujeito passivo (universal)

permanece indeterminado até que haja a ocorrência de um ilícito,

de que decorrerá para o ofensor a responsabilidade de reparar o

dano causado. São absolutos pois estão aparelhados de uma

sanção contra quem quer que os lese.60

57 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 32.

58 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.30.

59 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.11. 60 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.31.

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18

Conforme ensina Borges61, “são inatos, pois, ao nascer, a

pessoa os adquire automaticamente, não sendo exigido qualquer outro requisito,

bastando a vida e a condição humana.”

Extrapatrimoniais visto não serem passíveis de valoração

pecuniária, porém admite-se possibilidade de ressarcimento econômico quando

sofrer lesão. Por serem extrapatrimoniais, são também impenhoráveis.62

Já a intransmissibilidade decorre da impossibilidade de

transmissão a outros sujeitos. “Mesmo após a morte da pessoa, não se

transmitem por sucessão, embora continuem a ser protegidos pelo

ordenamento”.63

O caráter intransmissível dos direitos da personalidade determina

que eles não podem ser objeto de cessão e até mesmo de

sucessão, por ser um direito que expressa a personalidade da

própria pessoa do seu titular e que impede a sua aquisição por um

terceiro por via da transmissão.64

Em regra, são imprescritíveis, pois podem ser discutidos em juízo,

independente de prazos prescricionais e decadenciais, mesmo

havendo grande discussão doutrinária nesse sentido, bem como,

sobre a modalidade de prescrição a ser aplicável, ou a de cunho

civilista, prevista no inciso V, § 3º, do art. 206 do Código Civil, ou

as prescrições bienal e total de cunho celetista.65

Ensina Leite66 que a vitaliciedade e a necessidade são

características que acentuam mais os traços distintivos desse direito. E mais:

61 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p. 33. 62 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.31. 63 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 33.

64 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p. 11.

65 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.24. 66 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.37.

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”trata-se de direitos que permanecem ligados em caráter definitivo à pessoa do

respectivo titular”. São imprescritíveis, não se extinguindo, quer pelo não uso,

quer pela inércia na sua defesa.67

Os direitos da personalidade são também irrenunciáveis.

Segundo Beltrão68:

Nesse sentido, são irrenunciáveis, pois a pessoa não pode

abdicar de seus direitos da personalidade, mesmo que não os

exercite por longo tempo, uma vez que ele é inseparável da

personalidade humana.

Conforme Lotufo, são indisponíveis “porque o titular não

pode privar-se de seus direitos da personalidade, o que é muito mais do que

intransmissibilidade ou inalienabilidade.”69

Em relação à inalienabilidade explica Borges70 que os

direitos da personalidade não podem ser vendidos ou doados a outras pessoas.

Assim, não há aquisição nem extinção de direitos de personalidade por meio de

negócios jurídicos, mas apenas pelo nascimento e, em certos casos, pela morte

do sujeito.

Essas são as principais características dos direitos da

personalidade, que em virtude das suas particularidades se tornam tão essenciais

ao homem, mas não se pode deixar de ressaltar que a titularidade desses direitos

não é inerente apenas à pessoa física. Também a detêm os nascituros, as

pessoas jurídicas e o morto devidamente representado. “Ao terem, portanto,

67 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.35.

68 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.27. 69 LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 49. 70 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p. 33.

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20

aqueles direitos feridos, poderão pleitear em juízo a reparação de danos, bem

como, a cessação à ameaça”.71

1.5 CLASSIFICAÇÕES DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

As formas de classificação dos direitos de personalidade são

divergentes entre os doutrinadores. Mesmo não havendo total uniformidade

doutrinária, uma vez que são muitos os direitos, as categorizações são bastante

aproximadas. Cada doutrinador busca critérios próprios para agrupá-los e

classificá-los.

Bittar72 explica que novos direitos da personalidade são

constantemente criados, principalmente pela jurisprudência e pela doutrina, e em

virtude disso, necessária se faz a adoção de classificações flexíveis que possam

abrigar esses novos direitos.

Destaca-se a classificação feita por Bittar73:

a) direitos físicos; b) direitos psíquicos; c) direitos morais; os

primeiros referentes a componentes materiais da estrutura

humana (a integridade corporal, compreendendo: o corpo, como

um todo; os órgãos; os membros; a imagem, ou efígie); os

segundos, relativos a elementos intrínsecos à personalidade

(integridade psíquica, compreendendo: a liberdade; a intimidade; o

sigilo) e os últimos, respeitantes a atributos valorativos (ou

virtudes) da pessoa na sociedade (o patrimônio moral,

compreendendo: a identidade; a honra; as manifestações do

intelecto).

A classificação apresentada faz referência à pessoa como

ente individual e também como ente social. Ainda, sobre o tema, Bittar74

acrescenta: 71 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p. 24. 72 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. p. 17. 73 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. p. 69.

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21

[...] incluímos, entre os direitos físicos, os seguintes direitos: à

vida, à integridade física (higidez corpórea); ao corpo; a partes do

corpo (próprio e alheio); ao cadáver e a partes; à imagem (efígie)

e a voz (emanação natural). Entre os psíquicos, inserimos os

direitos: à liberdade (de pensamento, de expressão, de culto e

outros); à intimidade (estar só, privacidade, ou reserva); à

integridade psíquica (incolumidade da mente); ao segredo (ao

sigilo, inclusive profissional). Entre os de cunho moral, colocamos

os direitos: à identidade (nome e outros sinais individualizadores);

à honra (reputação, ou consideração social), [...]; ao respeito [...];

às criações intelectuais.

Outra importante classificação é a elaborada por De Cupis75

Direito à vida, direito aos alimentos; direitos a integridade física;

direito sobre partes separadas do corpo, direito sobre o cadáver;

direito à liberdade; direito à honra, direito ao resguardo pessoal,

direito à imagem; direito ao segredo (correspondência,

profissional, documentos, doméstico); direito à identidade pessoal

(ao nome); direito ao título (nome nobiliárquico); direito ao sinal

figurativo (brasão); direito moral do autor.

Gomes76 agrupa esses direitos em duas classes: os relativos

à integridade física, como o direito à vida, ao próprio corpo, no todo ou em partes,

e ao cadáver e os relativos à integridade moral, como o direito à honra, à

liberdade, ao recato, ao segredo, à imagem, ao nome, e o direito moral do autor.

Renan Lotufo77 divide os direitos da personalidade em

direitos à integridade física e à integridade moral. Nos direitos à integridade física

estão inseridos o direito à vida, o direito sobre o próprio corpo e o direito ao

cadáver. Nos direitos à integridade moral estão o direito à honra, à liberdade, à

74 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. p. 69. 75 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. 76 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.141. 77 LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral, p. 50.

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22

privacidade, à intimidade, à imagem, ao nome e os direitos morais sobre criações

pela inteligência.

Fica evidenciado que certos direitos estão inseridos em

todas as classificações apresentadas, representando pontos de concordância

entre os autores e suas teses, possibilitando uma futura estruturação definitiva.

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CAPÍTULO 2

OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA LEGISLAÇÃO

BRASILEIRA

2.1 PRIMÓRDIOS DA POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

O desenvolvimento histórico dos direitos da personalidade

revela que a preocupação de defender a pessoa humana contra as agressões a

esses direitos foi raramente apreendida pelo legislador e, quando o foi, deu-se

com visível lentidão.78

Coube à jurisprudência a consagração formal desses

direitos. Em atenção à contínua invasão da privacidade humana79, formou-se uma

jurisprudência voltada à preocupação no sentido de proteger a intimidade da

pessoa humana, sua imagem, seu nome, seu corpo, proporcionando os meios

adequados de defendê-los.

Apesar de tímida e, de um modo geral, um tanto resistente às

grandes inovações, a jurisprudência brasileira dos últimos anos

caminhou muitos passos em direção ao aprimoramento dos

direitos de personalidade, embora não tenha expressamente

reconhecido até o momento, a existência de uma cláusula geral

de proteção da personalidade humana implícita na Constituição.80

A grande contribuição dos tribunais brasileiros para a tutela

dos direitos da personalidade deu-se em relação ao direito à própria imagem e ao

direito à intimidade. A maior parte da tutela dos tribunais relativa ao direito à

78 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplante de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.38.

79 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.56. 80 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 202.

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23

imagem tem ocorrido através da publicação de fotografias de pessoas para

publicidade e marketing.81

Doutrinadores renomados também tratam dos direitos da

personalidade, sendo o pioneiro no Brasil Teixeira de Freitas.82 Sobre essa

matéria, tem sido admitida na doutrina moderna a existência de uma cláusula

geral e, ao lado, direitos especiais de personalidade que se revelam em forma de

cláusulas gerais menores de tutela da personalidade humana.83

Segundo Bittar84, o passo decisivo entre os doutrinadores,

para a sistematização desses direitos, foi o texto do anteprojeto de Código Civil,

com a dedicação de capítulo especial a esses direitos.

De extraordinária influência a obra de Orlando Gomes, que, além

dos textos doutrinários, como o capítulo especial em sua

Introdução ao Direito Civil, apresentou Anteprojeto de Código

Civil, com a inserção desses direitos.85

Bittar apresenta a opinião de que muitos doutrinadores

brasileiros se mostram deficitários ao escrever sobre direitos da personalidade,

prendendo-se apenas na forma disposta no Código Civil.

Autores existem que, mesmo dentro de nosso século, não cuidam

dos direitos da personalidade. Outros doutrinadores, embora se

refiram a esses direitos, mantêm-se na orientação tradicional de

versar apenas os aspectos dos direitos da pessoa, na forma

consagrada pelo nosso Código Civil.86

Mesmo considerando os dizeres desse doutrinador, não há

como negar os benefícios advindos dos estudos realizados por diversos autores

no âmbito dos Direitos da Personalidade. 81 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.202-203. 82 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.36. 83 SZANIAWSKI, Elimar. Diretos de personalidade e sua tutela, p.179. 84 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.37. 85 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.37. 86 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 37.

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24

A doutrina e a jurisprudência pátria não são restritas apenas

à tutela dos direitos tipificados. Foram extrapolados os direitos previstos no artigo

5° da Constituição Federal e os tipificados entre os artigos 11 e 21 do Código Civil

de 2002, ampliando, felizmente, a lista de direitos a serem protegidos.87

Segundo entendimento de Borges88:

a concepção dos direitos da personalidade como uma série aberta

de direitos encontra fundamento no art. 1°, III, da Constituição,

que estabelece a dignidade humana como princípio fundamental,

e no § 2° do art. 5°, que amplia a proteção da pessoa a todas as

circunstâncias necessárias à garantia de sua dignidade,

independentemente de tais garantias estarem previstas

expressamente. Sempre haverá situações atípicas de risco à

dignidade da pessoa humana. Conceber os direitos da

personalidade como uma lista fechada de tipificações é

insuficiente diante do que foi determinado pelos arts. 1°, III, e 5°, §

2°, da Constituição Federal.

Para a efetiva proteção dos direitos da personalidade é

preciso garantir uma interpretação do direito que o considere um instrumento

versátil e flexível que se adapte às novas circunstâncias que surgem na

sociedade.89 Esse é o papel da doutrina e da jurisprudência, que complementa a

legislação acerca dos direitos da personalidade.

Faz-se necessário aos tribunais consagrar expressamente

como cláusula geral o que a doutrina há muito afirma como direito fundamental do

princípio da dignidade da pessoa humana.90 É no artigo 1°, inciso III, da Magna

Carta que tal cláusula geral sobrevive e, de forma positiva, plasma em nosso

ordenamento como sustentáculo do próprio Estado Democrático de Direito.

87 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p.28. 88 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p.29. 89 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p.19. 90 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.139.

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25

2.2 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO NOVO CÓDIGO CIVIL

Os Direitos da Personalidade não foram abarcados pelo

Código Civil de 1916. Sob a influência da doutrina civilista predominantemente

alemã, que não admitia a existência desses direitos, nesse Código deixou-se de

discipliná-los.91

O Código Civil de 1916, que foi inspirado também na cultura

do individualismo jurídico e do liberalismo econômico, ideologia que se fundava

nos clamores de liberdade e igualdade, de influência da revolução burguesa

francesa, foi centralizado no direito privado.92

A burguesia, que era a classe ascendente, precisava garantir a

continuidade, a segurança e a expansão de suas relações

comerciais, o que a manteria no poder econômico e a

consolidaria também como classe política. Assim, exigiu a

burguesia a elaboração de leis que assegurassem que suas

relações contratuais e suas propriedades poderiam ser

administradas livremente, de forma segura, sem que o Estado

interviesse em seus conteúdos.93

Neste contexto da história, os Direitos da Personalidade não

foram alvo da atenção dos legisladores, inseridos pela primeira vez no sistema

positivado brasileiro no anteprojeto de Orlando Gomes de 1963.

No direito projetado, o Anteprojeto Orlando Gomes (1963) previu a

introdução desses direitos no livro das pessoas (arts. 29 a 44), em

dois capítulos, um sob rubrica de “direitos da personalidade” (arts.

29 a 37) e outro especial sobre o direito ao nome (arts. 38 a 44).

Continha disposições relativas à tutela dos direitos (art.29) e atos

de disposição do corpo e do cadáver; a tratamento médico; à

91 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela, p.135 92 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p.76-77. 93BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p.77.

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imagem; aos direitos autorais e ao nome (incluindo

pseudônimo).94

Em que pese o anteprojeto de Código Civil de Orlando

Gomes constituir prova inegável do avanço na tutela de direitos da personalidade,

nele não está expressa uma teoria geral, mostrando-se insuficiente, dependendo

das jurisprudências para suprir as lacunas.95

Silvio Rodrigues96 refere-se às jurisprudências:

Bem antes de ser inserido no anteprojeto de Código Civil de

Orlando Gomes, 1962, que na primeira vez tentou disciplinar a

matéria entre nós, a jurisprudência brasileira consagrava um

sistema de proteção aos Direitos da Personalidade, segundo trilha

igual à da jurisprudência e da legislação alienígena. Essa proteção

consistia em propiciar à vitima meios de fazer cessar a ameaça ou

a lesão, bem como de dar-lhe direito de exigir reparação do

prejuízo experimentado, se o ato lesivo já houvesse causado

dano.

O anteprojeto de Orlando Gomes não vingou, vindo a

transformar-se em novo Código Civil, o Projeto de Lei 634-B, de 1975, que trata

dos direitos da personalidade na Parte Geral, Livro l, Título I, Capítulo II, artigos

11 a 21.97

Assim, se os direitos da personalidade encontravam disciplina

esparsa e marginal na legislação codificada anterior, o novo

Código trata de maneira objetiva da matéria. No entanto, não

esgota a disciplina da matéria, mas ao menos recolhe princípios e

traços fundamentais para a orientação do intérprete do

ordenamento civil brasileiro, deixando à doutrina e à

94 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e o direito da personalidade, p.41.

95 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.135. 96 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 65. 97 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.136.

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jurisprudência o preenchimento das lacunas restantes no tocante

à matéria.98

A disciplina da personalidade humana pelo Novo Código

Civil pode ser dividida em duas grandes modalidades: tutela geral da

personalidade, consubstanciada no artigo 12, que se constitui na cláusula geral

protetora do direito geral da personalidade e algumas tipificações de direitos da

personalidade, expressas nos artigos 13 a 21.99

A disciplina da matéria inicia com o artigo 11100 que foi

dedicado a enunciar algumas das características do direito da personalidade,

como a irrenunciabilidade e intransmissibilidade, que não podem sofrer limitação

voluntária.101

As hipóteses de transmissibilidade dos direitos da personalidade

ocorrem, sobretudo, quando se trata de transplantes e doações de

órgãos autorizados pelo titular do direito físico da personalidade,

havendo poucas outras hipóteses em que a lei autoriza a renúncia

ou a cessão de direitos personalíssimos.102

No dispositivo seguinte, artigo 12, está pontuado: “Pode-se

exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar

perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”, em cujo

parágrafo único está disposto: ”Em se tratando de morto, terá legitimidade para

requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer

parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”.

98 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.42-43. 99 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.178. 100 Código civil/02, art.11: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

101 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p. 180. 102 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.43.

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Pretende o legislador conferir ampla abrangência à tutela

dos direitos personalíssimos, em face de todo tipo de ameaça ou

constrangimento, abrangindo, inclusive, os direitos do de cujus.103

O Código Civil prevê no artigo 12 o direito de a vítima de

atentado à sua personalidade requerer, independente da indenização de dano, a

cessação imediata do fato lesivo quando a ação do agente se prolongar no

tempo.104

Nos artigos 13, 14 e 15 estão preservados o direito à vida, o

direito ao corpo, o direito à partes do corpo, sendo que o artigo 13105 versa sobre

os atos de disposição do próprio corpo e o parágrafo único dessa artigo versa

sobre o transplante de órgãos na forma de Lei Especial. Este artigo proíbe o ato

de disposição do próprio corpo que importar a diminuição permanente da

integridade física ou contrariar os bons costumes, salvo por exigência médica.106

Tendo em vista a preservação da unidade corpo e alma, os

limites naturais impostos pela dignidade humana determinam o respeito ao direito,

à vida e à integridade física. Por isso, não se permite a disposição do corpo

humano que torne inviável a vida ou a saúde, ou cause deformidade

permanente.107

Seqüência, no artigo 14, com intuito de evitar o comércio

ilícito do corpo, bem como fomentar o espírito altruísta e a contribuição para a

103 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.43. 104 SZANIAWSLI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.181. 105 Código civil/02, art. 13: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. Parágrafo único: “O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial”.

106 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 169.

107 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.109.

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ciência108, está disposto: “É válida, com o objetivo científico, ou altruístico, a

disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte”.

No Novo Código Civil está prevista a possibilidade de a

própria pessoa, em vida, dispor do seu corpo para depois da morte, desde que o

faça com fins não onerosos, com objetivo científico ou altruísta.109

Em se tratando do direito à vida, no artigo 15 está

preceituado que: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de

vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica”. A pessoa tem o direito de

recusar tratamento médico que possa violar a sua integridade física e pôr em

risco a sua vida. Todavia a manifestação de vontade do paciente deve ser

também de forma consciente dos riscos que podem surgir pela não-intervenção

médica.110

Nos artigos 16111, 17112, 18113 e 19114, está prevista a proteção

do nome, nele compreendido o prenome, o patronímico, inclusive o pseudônimo.

O nome constitui-se no primeiro elemento identificador da pessoa e por esta

razão integra a personalidade.115

Sobre o artigo 17 do Código Civil Bittar116 preleciona:

108 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 44. 109 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.111. 110 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.112. 111 Código civil/02, art. 16: “Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.

112 Código civil/02, art. 17: “O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou apresentações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória”.

113 Código civil/02, art. 18: “Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial”.

114 Código civil/02, art. 19: “O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza de proteção que se dá ao nome”.

115 SZANIAWISKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.189. 116 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.44.

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30

Aqui deseja o legislador conferir ampla proteção à pessoa humana

em face dos ataques, comuns e cotidianos, contra a honra

(subjetiva e objetiva), por meio do uso do nome em publicações

ou exposições, mesmo com intenções não difamatórias (animus

jocandi).

No artigo 20 e parágrafo único encontram-se disposições

versando sobre o direito ao segredo, à imagem e à honra:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração

da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de

escritos, a transmissão da palavra ou a publicação, a exposição

ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas,

a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se

lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se

destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são

partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os

ascendentes ou os descendentes.

A intimidade da pessoa humana está amparada pelo artigo

21 do Código Civil brasileiro: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o

juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para

impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

Outra disposição de forte caráter principio lógico e instrumental no

novo Código é aquela contida no art. 21, que reza, acerca do

direito à vida privada, à privacidade, à reserva, ao estar só, à

intimidade e ao recato (direito psíquico da personalidade).117

Em virtude da suma importância dos direitos da

personalidade, o legislador, em especial atenção, dedicou-lhes capítulo exclusivo

no Código Civil de 2002 (Capítulo II).

117 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.45.

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2.3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DOS DIREITOS DA

PERSONALIDADE

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

incluiu no seu artigo 5° longa declaração de direitos individuais, direitos à

intimidade, à vida privada, à imagem, à voz e o direito de resposta já garantidos

no artigo 153 da Constituição de 1967.

Pela Carta Constitucional de 1988, foi assegurada aos

brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade e à segurança. Ainda, no inciso X118 do artigo 5° foi

ratificada a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e a imagem

das pessoas, assegurando a indenização pelo dano material ou moral decorrente

de sua violação.

Com a inserção de novos direitos foi ampliado o rol dos

direitos da personalidade contemplado na Constituição de 1967, centrando-se no

“direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade”.119

Refere-se o novo texto, ao lado das liberdades e do sigilo,

especialmente a: intimidade; vida privada; honra; imagem das

pessoas (assegurando-se o direito a indenização pelo dano

material ou oral decorrente de sua violação: inc. X); direitos

autorais (inc. XXVII); participações individuais em obras coletivas;

e reprodução da imagem e da voz humana (inclusive nas

atividades desportivas: inc. XXVIII).120

118 Constituição Federal/88, art. 5, X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; 119 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 61. 120 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.61.

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No artigo 5° estão arrolados vários direitos especiais da

personalidade, cuja tipificação se encontra no caput e nos incisos desse artigo,

como ensina Szaniawski121:

No inciso III, do mesmo artigo, garante a Carta Magna o direito à

integridade psico-física; inciso V, o direito de resposta e à

imagem; no inciso IV, garante a Constituição o direito à livre

manifestação do pensamento; no inciso IX é garantido o direito à

livre expressão de atividade intelectual, artística, científica e de

comunicação; o inciso X, expressamente garante o direito à

intimidade, o direito à vida privada, o direito à honra e o direto à

própria imagem da pessoa; no inciso XI, está garantido o direito à

inviolabilidade da moradia; no inciso XII, está expresso o direito ao

segredo epistolar, das comunicações telegráficas, telefônicas e de

dados. Os incisos XIII, XV, XVI e XVII explicitam diversas

modalidades de liberdade, tutelada como um todo no caput do art.

5°. Os incisos XXVII, XXVIII, alíneas a e b, e XXIV asseguram

proteção aos direitos do autor e do inventor e o inciso XXXV

contempla o direito de todo indivíduo de acesso à justiça.

De outra forma, a Constituição trouxe expressamente

princípios constitucionais de personalidade.122 O princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana está disciplinado no inciso III do artigo 1°. O caput

do artigo 5° versa sobre o princípio constitucional da igualdade ou isonomia. Já o

inciso III do artigo 5° se destaca por nele estar garantido o direito á integridade

física.

Acerca do princípio da dignidade e da igualdade discorre

Szaniawiski123:

Estes dois princípios fundamentais conjugados constituem a base,

o substrato necessário à constituição dos demais direitos,

tutelando a pessoa humana em toda a sua dimensão, uma vez

que a mesma é portadora de dignidade e de igualdade, sob seu

aspecto formal e material.

121 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.144. 122 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.37. 123 SZANIAWSK, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.137.

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33

No entanto, somente com a incorporação ao quadro

constitucional dos direitos fundamentais do princípio da dignidade da pessoa

humana é que os direitos da personalidade foram elevados na atual Magna Carta.

Na Constituição Federal não está contida expressamente

uma cláusula geral destinada a tutelar a personalidade do homem, contudo não

se pode negar que não tenha sido absorvida a doutrina do direito geral de

personalidade com intuito de proteger a dignidade da pessoa humana e a

prevalência dos direitos fundamentais do homem (Título I).124

2.3.1 O princípio da dignidade da pessoa humana como cláusula geral de

proteção da personalidade

O contido no artigo 1° da atual Constituição Brasileira eleva

de forma positivada à categoria de direito fundamental o direito geral da

personalidade, como já visto alhures. Assim, é essa a principal cláusula geral de

proteção da personalidade em nosso direito pátrio125, ainda que não expressa.

Dispõe o mencionado artigo constitucional:

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,

constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos:

[...]

III – a dignidade da pessoa humana;

[...]

124 SZANIAWISK, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.136. 125 SZANIAWISKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.139.

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34

Silva126 esclarece que a palavra princípio, inserida no Título

Dos Princípios Fundamentais, tem a idéia de “mandamento nuclear de um

sistema”. E afirma que:

As normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de

vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a

pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses

por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por

outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de

submeter-se às exigências de realizar uma prestação ou ação

abstenção em favor de outrem.

Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os

sistemas de normas, são (...) “núcleos de condensações” nos

quais confluem valores e bens constitucionais. Mas, (...) os

princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas,

podem estar positivamente incorporados, transformando-se em

normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização

constitucional.

Do exposto acima, pode-se afirmar que o princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana, como norma-princípio, por si só,

já estrutura todas as tipicidades dispostas nas legislações infraconstitucionais,

reconhecendo, inclusive, a existência de cláusulas específicas do direito da

pessoa.

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral

inerente à pessoa, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto

jurídico deve assegurar, conforme Moraes.127

O direito à vida, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros,

aparece como conseqüência imediata da consagração da

dignidade da pessoa humana como fundamento da República

Federativa do Brasil.

126 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1999, p.95-96.

127 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p.48.

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35

Para um autêntico e social Estado de direito, as normas

constitucionais devem possuir efeitos imediatos no âmbito privado, nas relações

jurídicas entre os indivíduos que são imprescindíveis para uma sociedade livre.

Desse modo, funciona e atua o princípio da dignidade da pessoa como uma

cláusula geral de tutela da personalidade do ser humano.128

Tal norma-princípio, em sua concepção, possui eficácia

vinculante, podendo trazer limitações na autuação do poder público. Assim como

as garantias individuais constitucionais limitam a atuação do Estado sobre o

indivíduo, da mesma maneira, o direito geral da personalidade, construído a partir

da noção de dignidade, poderá trazer limitações às liberdades públicas.129

Entretanto, há apenas uma cláusula geral acerca do direito

da personalidade implícita na Constituição Federal. A necessidade de dispor

expressamente tal cláusula está sendo discutida atualmente pelos doutrinadores.

A grande vantagem da existência de uma cláusula expressa que

garante o livre desenvolvimento da personalidade, ao lado da

salvaguarda da dignidade, reside no fato de que uma cláusula

desta natureza poria fim às discussões em torno da existência ou

não de um direito geral de personalidade no sistema jurídico

brasileiro, dispensando as interpretações e dúvidas quanto a esta

existência.130

Enquanto não suprida essa necessidade, é de fundamental

importância o papel da doutrina e, principalmente, dos tribunais na aplicação do

art. 1°, III, CF como matriz motivada do entendimento e valoração do direito da

personalidade.

128 SZANIAWISKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.143. 129 SZANIAWISKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.143. 130 SZANIAWISKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.136.

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2.4 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

A Consolidação das Leis do Trabalho, na mesma trilha do

antigo Código Civil, não dedicou atenção aos direitos da personalidade, salvo em

raras exceções. Um caso é a rápida e discreta referência, nos artigos 482, alínea

j, e 483, alínea e, à ofensa à honra e à boa fama como hipótese para a rescisão

de trabalho. Caso é a recente proibição de revistas íntimas, constante no artigo

373-A, inciso VI, introduzido pela Lei n. 9.799.131

Existe entre os doutrinadores divergência quanto se as

disposições do Novo Código Civil podem ser aplicadas no direito do trabalho

nacional, diante da lacuna na legislação laborativa brasileira. Acerca do

preenchimento dessa lacuna, Válio132 considera o parágrafo único do artigo 8°133

da CLT:

A apontada lacuna da legislação trabalhista brasileira é

preenchida com a aplicação subsidiária do direito comum,

especialmente com o novo Código Civil, nos termos do parágrafo

único do art. 8° da CLT, o que não deixa de suscitar questões algo

delicadas, seja pelas peculiaridades da relação de emprego, seja

por conta das imperfeições das normas postas, como evidencia a

consideração dos direitos de personalidade com mais direito

reflexo no Direito do Trabalho.

Segundo o disposto no referido artigo, aplica-se os

dispositivos do Código Civil diretamente nas relações trabalhistas quando da

tutela aos direitos da personalidade, conforme exposição a seguir:

131 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.63-64.

132 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.64. 133 Consolidação das Leis do Trabalho, art. 8, § único: “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”.

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Pelo artigo 12 e parágrafo único é possibilitado aos

empregados e trabalhadores a possibilidade de defesa de seus direitos de

personalidade, tanto preventiva quanto repressivamente.134

Aplicando subsidiariamente o artigo 15 do CC, o empregado

poderá se recusar a tratamento imposto por médicos da empresa, mesmo

havendo constatação de enfermidades.135

Da mesma forma, o artigo 17 tem efeitos no ramo juslaboral,

uma vez que, além da proibição de anotação na CTPS do empregado de

informações desabonadoras, agora não poderá o empregador utilizar o nome do

empregado para expô-lo ao desprezo público, ainda que não exista intenção

difamatória.136

A qualidade de direito da personalidade atribuída ao nome

impede que terceiros o usem como prejuízo de seu titular.137 O empregado que

tiver esse direito lesionado poderá pleitear indenização por dano moral devido á

lesão de seu direito da personalidade.

Sobre a mesma temática, os artigos 18 e 19 versam sobre a

proteção do nome e o pseudônimo do trabalhador. O empregador poderá usar o

nome dos seus empregados em propagandas comerciais, desde que não os

exponha ao ridículo e mediante prévia autorização.138

No artigo 21 do CC, está tutelada a vida privada da pessoa

natural, cuja guarida também se encontra na Constituição Federal. Desse modo,

com a utilização subsidiária do Código Civil, a intimidade dos empregados e

trabalhadores está assegurada e é considerada inviolável.

134 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.66. 135 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.68. 136 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.70. 137 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.119. 138 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.70.

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Verifica-se a presença de direitos de personalidade inseridos

na Constituição Federal de 1988, no Código Civil de 2002, bem como na própria

CLT. No que se refere à aplicabilidade dos direitos de personalidade

constitucionais, esses se apresentam como princípios, vetores de interpretação

ou vigas mestras de todo o ordenamento jurídico brasileiro.139

Os diversos doutrinadores, no âmbito do Direito do Trabalho,

divergem sobre a classificação dos princípios juslaboralistas. No entanto, um

princípio é praticamente unânime: o princípio da proteção.140 Conforme explica Plá

Rodriguez141: “O fundamento deste princípio está ligado à própria razão de ser do

Direito do Trabalho”.

Sobre o sistema de proteção do Direito do Trabalho, entende

Válio142:

O Direito do Trabalho busca um sistema de proteção mínima que

preserve a dignidade da pessoa humana trabalhadora; nessa

perspectiva, os direitos da personalidade tentam compensar a

diferença sócio-econômica existente no seio das relações

capitalistas de trabalho. Já em outra perspectiva, essas garantias

mínimas preservam a diferença econômica existente no seio da

sociedade capitalista, embora procure fazer com que a mesma

não aumente.

Ultrapassada a questão dos novos dispositivos, referentes

aos direitos da personalidade, previstos no Novo Código Civil e também na

Constituição Federal, faz-se necessário destacar alguns direitos específicos, que

serão objeto do próximo capítulo.

139 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.61. 140 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.58. 141 PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1996, p.30. 142 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.61.

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CAPÍTULO 3

OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO NAS

RELAÇÕES DE TRABALHO

3.1 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE FÍSICA

De grande expressão para a pessoa é o direito à integridade

física, pelo qual se resguarda a incolumidade do corpo e da mente. Consiste em

manter-se a higidez física e a lucidez mental do homem, opondo-se a qualquer

atentado que venha a atingi-las, como direito oponível a todos.143

A preservação da integridade física da pessoa, segundo a

maioria dos doutrinadores especializados na matéria, é originada na Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, da Revolução Francesa, que

surgiu sob a égide da escola jusnaturalista, contra o absolutismo estatal, cuja

influência remonta às idéias liberais da Inglaterra e da Américas do Norte.144

Falar em integridade física é referir-se ao modo de ser físico

da pessoa, partindo da noção de direito à vida, na qual se constrói a idéia única

da existência, sendo a integridade física parte dessa idéia, concentrada na

manutenção dos atributos e características do corpo.145

Para Bittar a integridade física é um bem ínsito ao

ordenamento constitucional, como um dos pressupostos da realização dos

objetivos da sociedade, encontrando abrigo no artigo 5°, inciso III, sob formas

143 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.76. 144 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.67.

145 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.108.

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tendentes a abolir-se excessos no sistema repressivo, com o repúdio à tortura, às

penas cruéis e ao tratamento desumano.146

O bem da integridade física segue a par, na hierarquia dos

bens mais elevados, do bem da vida. De fato, enquanto este último consiste pura

e simplesmente na existência, a integridade física, pressupondo a existência,

acrescenta à vida a incolumidade física, de importância indubitavelmente inferior

ao seu pressuposto.147

Agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois

esta se realiza naquele. A integridade físico-corporal constitui, por isso, um bem

vital e revela um direito fundamental do homem.148

Sob a denominação de direito à integridade física, encontra-

se diversos outros direitos, como subtipificações dos direitos da personalidade,

como o direito à vida, o direito à integridade corporal e o direito à saúde.149

3.1.1 Direito à vida

Dentre os direitos de ordem física, ocupa posição de

primazia o direito à vida, como bem maior na esfera natural e também na jurídica,

porque ao seu redor e como conseqüência de sua existência estão os demais

direitos da personalidade.150

Para De Cupis151 o direito à vida é um direito essencial entre

os essenciais, inato, deduzível do direito penal. Direito inato, na medida em que

se respeita a pessoa pelo fato de a pessoa ter personalidade. O direito à vida é

146 BITTAR, Carlos Alberto.Os direitos da personalidade, p.77. 147 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade, p.76. 148 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.202. 149 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.467. 150 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.70. 151 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade, p.72.

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deduzível do direito penal, pois é no direito penal que contém as normas das

quais se pode fazer derivar sua existência.

A vida que o direito da personalidade protege é a desde a

concepção, sob condição do nascimento de ser com vida. Garantindo ao

nascituro a sua devida proteção. Esse direito permanece integrado à pessoa até a

morte.152

Bittar153 entende que:

Trata-se de direito que se reveste, em sua plenitude, de todas as

características gerais dos direitos da personalidade, devendo-se

enfatizar o aspecto da indisponibilidade, uma vez que se

caracteriza, nesse campo, um direito à vida e não um direito sobre

a vida. Constitui-se direito de caráter negativo, impondo-se pelo

respeito que a todos os componentes da coletividade se exige.

Com isso, tem-se presente a ineficácia de qualquer declaração de

vontade do titular que importe em cerceamento a esse direito.

Entende-se que o direito à vida é primordial e sublime e

deve ser respeitado por todos e tutelado rigorosamente. O direito à vida é também

um direito natural, pois a vida é um bem maior, anterior ao próprio direito positivo

que apenas reconhece e regula esse direito fundamental.154

Moraes entende que a vida é pré-requisito para os demais

direitos:

A Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei,

sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros

e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O

direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, pois o seu

152 BELTRÃO, Silvio Romeo. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p. 102. 153 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.71. 154 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.54.

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asseguramento impõe-se, já que se constitui em pré-requisito à

existência e exercício de todos os demais direitos.155

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

protege a vida como um direito fundamental, consagrando a inviolabilidade, assim

como vários tratados internacionais preconizam o respeito ao direito à vida, tais

como a Declaração dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos

Políticos retificado pelo Brasil em janeiro de 1992.156

3.1.2 Direito ao corpo

O corpo é considerado um bem da personalidade e, assim,

deve ser tutelado pelo Direito. O corpo ainda, determina o aspecto exterior de

alguém e é essencial, pois sem ele não existiríamos no mundo físico nem no

jurídico.157

Sendo a pessoa a união entre o elemento espiritual e o

elemento material, o corpo exerce a função natural de permitir ao homem a vida

terrena. Nesse sentido é que a integridade do corpo deve ser protegida na órbita

jurídica.158

Segundo Borges159, no texto constitucional, a primeira

menção ao direito do corpo encontra-se no artigo 5°, sob expressão “segurança”.

No inciso III do mesmo artigo estão estabelecidas a ilicitude de tortura e outros

tipos de práticas desumanas ou degradantes. Já no inciso XLVII, está expressa a

155 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais:teoria geral, comentários aos arts. 1°

a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p.79. 156 BELTRÃO, Silvio Romeo. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.102. 157 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.77. 158 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.82. 159 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro Borges. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p. 167.

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proibição da pena de morte e as penas cruéis, e no inciso XLIX está assegurado

aos presos o respeito à integridade física e moral.

No Novo Código Civil está disciplinado o direito ao corpo em

três artigos: do 13 ao 15. Está preceituado nesses artigos, quanto à disposição

que o indivíduo pode ter do seu corpo e quanto à possibilidade dos atos de

disposição para transplantes de órgãos.160

As disposições do corpo ou de partes dele podem ser feitas

sem que haja ofensa à integridade física. Nesse sentido, ensina Leite161:

De qualquer maneira, os eventuais negócios jurídicos que

advenham da disposição do corpo (doações de sangue e de

órgãos, por exemplo) têm como característica fundamental a

impossibilidade de execução forçada de execução forçada. Quem

quer que tenha se obrigado a fazer doação de sangue ou de

órgão, a servir de ama de leite, a se submeter a uma cirurgia ou

exame médico, ou simplesmente a vender os seus cabelos, não

pode ser forçado a fazê-lo, subsistindo no entanto, a sua

responsabilidade por eventuais prejuízos.

Sobre o tema direito ao próprio corpo, observa-se que várias

expressões são relativamente disponíveis e que a autonomia jurídica individual

sobre esse direito da personalidade tem sido ampliada cada vez mais em nosso

ordenamento jurídico e em nossa sociedade, principalmente no que tange à

doação de órgãos.162

160 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.83.

161 LEITE, Rita de Cássia Curvo. Transplantes de órgãos e tecidos e os direitos da personalidade, p.83.

162 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 169.

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3.2 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE MORAL

A vida humana não é apenas um conjunto de elementos

materiais. Integram-na, igualmente, valores imateriais, como os morais.163

A moral individual sintetiza a honra da pessoa, o bom nome,

a boa fama, a reputação, que integram a vida humana como dimensão imaterial.

Ela e seus componentes são atributos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma

condição animal e de pequena significação. Daí por que o respeito à integridade

moral do indivíduo assume feição de direito fundamental.164

3.2.1 Direito à honra

Segundo Bittar165, a honra é elemento de cunho moral

imprescindível à composição da personalidade do homem. “A honra é o conjunto

de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos

concidadãos, o bom nome, a reputação”.166

Nesse sentido, o conceito de honra tem sido dividido em uma

vertente interna (honra subjetiva) e outra externa (honra objetiva).

Pela primeira, seria ela a auto-estima, o amor-próprio, o

sentimento da própria dignidade, a consciência do próprio valor

moral e social [...]. Pela segunda, a honra seria o conceito de que

o indivíduo desfruta perante a sociedade: é o apreço, o respeito

que se lhe devota, a fama e a reputação que ostenta.167

163 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 204. 164 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 204. 165 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 133. 166 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.212. 167 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 39.

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Para De Cupis168, a honra é o direito primário, em ordem de

importância entre os direitos da personalidade que têm por objeto um modo de

ser exclusivamente moral da pessoa.

No direito à honra, o bem jurídico protegido é a reputação,

ou a consideração social devida a cada pessoa, a fim de permitir-se a paz na

coletividade e a própria preservação da dignidade humana.169

3.2.2 Direito à intimidade e à vida privada

Na atual Constituição Federal, artigo 5°, inciso X, estão

declarados invioláveis, além da honra e da imagem, a intimidade e a vida privada

das pessoas.

A intimidade e a vida privada são erigidas na Constituição

como valores humanos e, em defesa deste direito fundamental, houve uma

preocupação no sentido de preservá-las do conhecimento alheio.170 No entanto,

na Magna Carta foi mencionado separadamente a intimidade e a vida privada,

suscitando, então, dúvidas entre os doutrinadores quanto a distinção desse

direitos.171

Para Szaniawski172, na Constituição foram mantidas

corretamente as distinções doutrinárias entre a proteção à vida e a proteção à

intimidade:

A Constituição brasileira, de 5 de outubro de 1988, ao incluir no

seu texto a proteção dos direitos à intimidade e à vida privada,

como dois direitos especiais de personalidade distintos, manteve

corretamente as distinções doutrinárias entre proteção à vida

privada e proteção à intimidade da vida privada,[...], já que, como

sendo dois conceitos diversos, com extensões de tutela diversas, 168 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade, p.121. 169 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.133. 170 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.129. 171 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 48. 172 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela, p. 305.

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permitem a mais ampla proteção do indivíduo frente a qualquer

espécie de atentado.

Silva173, para dirimir as controvérsias quanto à terminologia,

adota a expressão direito à privacidade em sentido genérico e amplo, abarcando

todas as manifestações da esfera íntima e privada das pessoas:

Toma-se, pois, a privacidade como “o conjunto de informação

acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo

controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em

que condições, se a isso pode ser legalmente sujeito”.

Para Godoy174, quando à doutrina, procura diferenciar esses

direitos, estabelece entre os conceitos uma verdadeira relação gênero e espécie

ao afirmar que “a intimidade seria um núcleo mais restrito da vida privada”.

O direito à vida privada considera a autonomia da pessoa

humana, como a liberdade de decidir sobre assuntos íntimos e revela-se como

garantia de independência a inviolabilidade da pessoa, da sua casa e de suas

correspondências.175

Na concepção de Borges176, considera-se violado o direito à

privacidade quando:

a) quando há intromissão não consentida em relação ávida

privada de alguém, b) quando o acesso às informações da vida

privada de uma pessoa for por esta autorizado, mas a divulgação

dessas informações a terceiros não foi consentida, c) quando a

intromissão não foi consentida e, além disso, houve divulgação

das informações obtidas ilicitamente.

173 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 208. 174 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 49. 175 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p. 129.

176 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada, p. 162.

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Quanto ao direito à intimidade, Bittar177 entende ser de

grande relevo no contexto psíquico do indivíduo e se destina a resguardar a

privacidade em múltiplos aspectos: pessoais, familiares e negociais.

Com o direito à intimidade objetiva-se resguardar a vida

íntima e privativa das pessoas.178 Esse direito vem ganhando maior relevo com a

expansão das técnicas de comunicação, como defesa do homem contra a

ampliação de seu círculo relacional e, em conseqüência, sua exposição perante

os públicos mais distintos.179

3.2.3 Direito à imagem

A imagem é a representação física de uma pessoa, por meio

de fotos, filmes, vídeos, pinturas e outros meios que reproduzem o rosto ou corpo

da pessoa que possam servir à identificação dela.180

No artigo 20 do Código civil está regulamentado o direito à

imagem. Além dessa previsão civil, na Constituição, artigo 5°, incisos X e XXVIII,

a, está assegurada a proteção à imagem da pessoa.

A imagem que se protege como direito da personalidade é aquela

que pode ser reproduzida através de representações plásticas,

compreendendo o direito que tem a pessoa de proibir a divulgação

de seu retrato.181

Para Bittar182 a imagem consiste no direito que a pessoa tem

sobre sua forma plástica e componentes (rosto, olhos, perfil, busto) que a

individualizam na sociedade:

177 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.110. 178 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela, p.301. 179 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.111. 180 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p.156. 181 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.123. 182 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.94.

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Incide, pois, sobre a conformação física da pessoa,

compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a

identifica no meio social. Por outras palavras, é o vínculo que une

a pessoa à sua expressão externa, tomada no conjunto, ou em

partes significativas (como a boca, os olhos, as pernas, enquanto

individualizadoras da pessoa).

Godoy183 entende ser a imagem um direito da personalidade

autônomo e independente, principalmente com relação à disponibilidade. “Sabe-

se que a imagem de uma pessoa pode ter seu uso cedido, pra fins econômicos,

por meio de contratos próprios”.

Essa disponibilidade permite ao titular extrair proveito econômico

do uso de sua imagem, ou de seus componentes, mediante

contratos próprios, firmados com os interessados, em que

autorizam a prévia fixação do bem almejado (figura; efígie;

silhueta; rosto; perfil; ou partes: como os olhos, as pernas, os

seios, a cintura, as nádegas).184

A disponibilidade do direito à imagem tem importância cada

vez maior diante da expansão dos veículos de comunicação, como televisão,

jornais, internet, que utilizam a imagem das pessoas como principal instrumento

para chamar a atenção do público em geral.185

3.2.4 Direito ao nome

O homem tem necessidade de se individualizar,

distinguindo-se de outros indivíduos da sociedade como unidade da vida social e

jurídica. O bem que satisfaz essa necessidade e que o distingue das outras

pessoas é o da identidade.186

183 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 46. 184 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 95. 185 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p. 157-158. 186 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade, p. 179.

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Bittar187 considera que o nome e outros sinais identificadores

da pessoa são elementos básicos de associação para um relacionamento normal

nos diversos núcleos: familiar, comercial e outros. E destaca duas funções

essências: “a de permitir a individualização da pessoa e a de evitar confusão com

outra”.

No Código Civil, no seu capítulo sobre os direitos da

personalidade, os artigos 16 a 19 dispõem sobre o direito ao nome. “É um direito

que abrange prenome e sobrenome e, também, o pseudônimo adotado para

atividades lícitas”.188

No plano pessoal, o nome compreende: o patronímico, o apelido

de família, ou, ainda, o sobrenome (que designa o núcleo a que

pertence o ser); o prenome (o nome propriamente dito da pessoa);

o pseudônimo (nome convencional fictício, sob o qual oculta a sua

identidade o interessado, para fins artísticos, literários, políticos,

desportivos); e a alcunha (ou, na linguagem comum, o apelido:

designação dada por terceiro, que compreende algum aspecto ou

faceta especial do ser).189

O direito da personalidade ao nome assumi caráter de

indisponibilidade e intransmissibilidade, porém, há situações em que o uso do

nome pode ser objeto de atividades comerciais. No caso, a pessoa irá dispor

somente do direito de usar o nome e não do próprio direito ao nome.190

O uso indevido do nome da pessoa pode ensejar uma

reparação por danos morais, principalmente quando o uso é de forma difamatória,

com a imputação de fato reprovável socialmente.191

187 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p.128 188 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos de personalidade e

autonomia privada, p.220. 189 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, p. 129. 190 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.120. 191 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil, p.119.

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3.3 DIREITOS RELATIVOS À INTEGRIDADE INTELECTUAL

Outro tipo de violação ao direito da personalidade é o

desrespeito à liberdade de pensamento, crença religiosa ou convicção política.

Perseguições político-partidárias, muitas vezes, são motivos para a rescisão do

contrato de trabalho do empregado, desrespeitando o princípio da liberdade de

expressão.

3.3.1 Direito à liberdade de pensamento e expressão

Segundo Moraes a liberdade de expressão constitui um dos

fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, tanto as informações

inofensivas ou favoráveis, quanto aquelas que possam causar resistência, visto

que a Democracia é a “consagração do pluralismo de idéias e pensamentos, da

tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo”.192

Para José Afonso da Silva193, a liberdade de pensamento se

caracteriza como “exteriorização do pensamento no seu sentido mais

abrangente”, uma vez que no seu sentido interno, como mera opinião, não cria

repercussão maior.

As manifestações intelectuais, artísticas e científicas são formas

de difusão e manifestação do pensamento, tomando esse termo

em sentido abrangente dos sentimentos e dos conhecimentos

intelectuais, conceptuais e intuitivos.

A Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso IV,

resguarda a liberdade de manifestação do pensamento; no inciso VI do mesmo

artigo, garante o livre exercício dos cultos religiosos e ainda protege a liberdade

192 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1°

a 5° da Constituição Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p.113. 193 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 244.

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de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, no

inciso IX do citado artigo.

[...], a Constituição garante, em seu todo, a liberdade de

pensamento, a todos assegurando, mais ainda, e de forma

explícita, o acesso à informação, inclusive preservando o sigilo da

fonte, quando necessário ao exercício profissional (art. 5°, inciso

XIV).194

A Declaração Universal dos Direitos do Homem estatuiu em

seu artigo 19, como garantia da liberdade de opinião, a de, “sem interferências,

ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e idéias por quaisquer

meios e independente de fronteiras”. Nesta senda, com similar disposição, o

Pacto de São José da Costa Rica, ao qual aderiu o Brasil, consagrou em seu

artigo 13.1 a liberdade de expressão e de opinião.195

3.4 HIPÓTESES FÁTICAS QUE GERAM INFRAÇÕES AOS DIREITOS DA

PERSONALIDADE DOS TRABALHADORES

Há situações que ferem frontalmente os direitos de

personalidade dos trabalhadores. Algumas dessas hipóteses serão apresentadas

nos tópicos seguintes, na linha de pensamento de Marcelo Roberto Bruno Válio196.

3.4.1 Assédio moral

O assédio moral no trabalho é uma forma de coação, em

função de tratamentos vexatórios, que silenciosamente, causam uma espécie de

distúrbio psicológico no empregado. “A vítima do assédio moral é violentada no

194 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 57. 195 GODOY, Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, p. 58. 196 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.74-117.

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conjunto de direitos que compõe a personalidade”, e essa violência se dá tanto

por parte do empregador chefe como por colegas de mesma hierarquia

empresarial.197

Encontra-se na doutrina de Márcia Novaes Guedes

ensinamentos sobre o assédio moral:

[...] para que haja assédio moral é necessária a presença de dois

requisitos fundamentais, que são a duração no tempo e o objetivo

de destruir a vítima. [...] Agressões dessa natureza, normalmente,

têm efeito devastador na consciência e auto-estima da

vítima[...]198

O assédio moral não se confunde com a natural pressão

empresarial do mercado, nem com a figura típica penal do assédio sexual. Válio199

aponta algumas situações caracterizadoras dessa violência moral:

a) o empregado sempre é repreendido aos berros, na frente dos

colegas de emprego;

b) o empregado sempre recebe ameaças verbais de seus

superiores;

c) o empregado sempre é desprezado em suas falas e trabalhos;

d) o empregado sempre é sujeito de piadas, apelidos e

desconfortos internos na empresa, sendo considerado o “banana”

da turma;

e) o empregado é isolado na empresa, diante de uma reintegração

judicial decorrente de estabilidade configurada;

f) o empregado é constrangido a elaborar tarefas inúteis, com

metas impossíveis, diante de ordens do empregador ou seus

prepostos;

197 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.77. 198 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 41-42. 199 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.78.

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g) o empregado é perseguido por seus colegas de empresa, pois

possui uma virtude que os demais não tem, sendo considerado

um inimigo capital concorrente a uma ascensão profissional.

Se o autor do assédio for o empregador ou um superior

hierárquico, o empregado poderá postular a rescisão indireta do contrato,

pleiteando também indenização por dano moral, diante da violação do direito à

intimidade, assegurado no artigo 5°, X da Constituição Federal.

Neste sentido destaca-se a decisão do Tribunal Superior do

Trabalho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSÉDIO MORAL. EMPREGADO

GERENTE GERAL DA EMPRESA. REESTRUTURAÇÃO. DANO

MORAL VERIFICADO. MATÉRIA FÁTICA. DESPROVIMENTO. É

de ser mantida a v. decisão recorrida que entendeu, com base na

prova, que restou configurado o dano moral, em face da postura

da empresa que afetou a honra do empregado, que exercia a

função de gerente geral, com boa reputação e que trabalhava há

mais de vinte anos na empresa, e diante da prova de que durante

movimento de reestruturação da empresa foi deixado de lado,

apenas recebendo salário, sem nada fazer, provocando-lhe abalo

psicológico. Incidência da Súmula 126 do c. TST, a inviabilizar a

reforma pretendida.200

Segundo destacou Guedes201, o Tribunal Regional do

Trabalho de Minas Gerais, em decisão, condenou uma empresa por danos morais

a uma empregada que sempre era tratada como loura-burra, pelos companheiros

de trabalho.

3.4.2 Discriminações raciais

A discriminação racial no trabalho encontra suas raízes no

passado escravista e colonista, que não se preocupou em inserir os que foram

200 BRASIL, TST, AI 8652/2005, Acórdão 6° Turma, DJ em 13/04/2007. 201 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 54-55.

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escravizados no mercado de trabalho. Devido à esse passado desigual, a imagem

do trabalhador negro está impregnada de estereótipos, independente do campo

trabalhista que atue.202

Condutas que restringem qualquer direito da pessoa em face

da sua cor, raça ou etnia são previstas como crime. Do mesmo modo, o legislador

estabeleceu como figura típica a injúria consistente na referência da raça, cor,

etnia, religião ou origem.

A presente legislação protetiva também prevê como crime

qualquer conduta que impeça ou obstaculize o livre acesso a

lugares públicos ou de finalidades públicas (restaurantes, bares,

hotéis, etc.), ao ensino, a cargos, funções ou empregos públicos

ou privados, ao uso de transportes públicos, em face tão-somente

da raça, etnia, religião ou procedência da pessoa.203

O empregado que sofrer discriminação racial pelo

empregador poderá requerer a rescisão do seu contrato de trabalho por falta

grave do empregado, bem como pleitear indenização por danos morais com base

no princípio constitucional da igualdade e da dignidade da pessoa humana.204

3.4.3 Discriminações em razão da religião

A conquista constitucional da liberdade religiosa é

verdadeira consagração de maturidade de um povo.205 É ampla a abrangência do

preceito constitucional, nele compreende-se a liberdade de crença, liberdade de

culto e de organização religiosa.206

202 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.87. 203 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 226. 204 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.90. 205 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 121. 206 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 229.

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A Constituição no artigo 5°, inciso VIII, afirma que “ninguém

será privado dos direitos por motivo de crença religiosa [...]”. Para José Afonso da

Silva207, esse preceito constitucional expressa que todos hão de ter igual

tratamento nas condições de igualdade de direitos e obrigações, sem que a

religião possa ser levada em conta, e continua:

E realmente, nesse particular, parece que o povo brasileiro se

revela profundamente democrático, respeitando a religião dos

demais, e não parece que o fator religião venha sendo base de

discriminações privadas ou públicas.

Na concepção de Moraes208, o constrangimento à pessoa de

forma a forçá-lo a renunciar sua fé ou sua crença religiosa, representa o

“desrespeito à diversidade democrática de idéias, filosofias e a própria

diversidade espiritual”.

Dos principais documentos internacionais, que

universalizaram o princípio da liberdade religiosa no século XX, está evidenciado,

a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pelas Nações Unidas em

1948. Esse documento reconhece diversos direitos religiosos, com texto principal

no artigo 18209, com a seguinte redação:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de

consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar

de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar

a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público

como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos

ritos.

Nesse contexto, afirma-se que não poderá, quaisquer tipos

de discriminações quanto à liberdade e convicção religiosa do empregado,

207 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 229. 208 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 121. 209 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.104.

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influenciar na sua contratação ou dispensa, sob pena de indenização por danos

morais em razão da infração aos direitos da personalidade.210

Após a apresentação de algumas hipóteses fáticas que

podem gerar infrações aos direitos da personalidade, cabe ressaltar que graças à

evolução da tutela dos direitos da personalidade no ordenamento jurídico

brasileiro, em especial a atuação da jurisprudência, outras formas de violações

que surgirem encontrarão amparo jurídico.

210 VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos de personalidade nas relações de trabalho, p.106.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É fato que há um complexo de normas elencadas num

contexto jurídico voltadas à proteção personalíssima do ser. Esse conjunto de

disposições positivadas, formando um corpo reconhecido de direito, voltado à

personalidade, detém legitimidade muito mais pela permanente evolução histórica

das relações dicotômicas entre oprimidos e opressores do que pela positivação

dessas próprias normas pelos “fatores de poder”.

Como seria possível legitimar o direito à vida, à liberdade, à

honra, à imagem, ao corpo, entre outros, sem que o grito dos que sofreram (e os

que ainda sofrem) diversas formas de supressão ou negação desses mesmos

direitos subjugasse o poder dominante em determinado momento histórico?

Haveria respeito e valoração da integridade física numa relação entre empregado

e empregador, sem que existissem as lutas de classe a partir da Revolução

Industrial ou sem o motor socialista da Revolução Russa? Seria possível

corporificar em um estatuto constitucional um princípio básico a emanar as

demais produções legislativas e jurídicas (na concepção de poder-dever), como a

dignidade da pessoa humana, sem a explosão da filosofia iluminista que

alimentou a Revolução Francesa?

Como apresentado no primeiro capítulo, foram as evoluções

históricas da humanidade, principalmente a partir do século XVIII, que trouxeram

legitimidade às idéias que formam os direitos da personalidade. E tais evoluções,

resultados de sérios conflitos sociais, sempre com base na relação de opressão

política e social, são tão importantes, ao ponto de concretizar os direitos da

personalidade.

A partir dessa afirmação, construída com apoio da pesquisa

sobre os direitos da personalidade, realizada nos capítulos desse trabalho, foi

possível examinar as hipóteses formuladas na introdução deste estudo.

No primeiro capítulo apresentou-se o conceito dos direitos

da personalidade, características inerentes a esses direitos, a classificação e

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evolução histórica dos direitos da personalidade, seguindo a concepção de vários

doutrinadores.

No segundo capítulo, foi verificada a tipicidade dos direitos

da personalidade na Constituição da República Federativa do Brasil, no Código

Civil de 2002, na Consolidação das Leis do Trabalho e destacou-se o importante

papel da jurisprudência e doutrina na tutela dos direitos da personalidade antes

mesmo da existência da norma expressa.

Algumas espécies dos direitos da personalidade, como o

direito à vida, à honra à liberdade de pensamento e hipóteses fáticas de

desrespeito aos direitos da personalidade do empregado na relação de trabalho,

foram elencadas no terceiro capítulo desta pesquisa.

A primeira hipótese tratou-se de verificar se o princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana, inserido no artigo 1°, inciso III, da

CF, é fonte primordial de toda tutela ao direito da personalidade no ordenamento

jurídico brasileiro, a violação desse princípio acarretaria ofensa à própria

Constituição e à existência do Estado Social e Democrático Brasileiro.

Conforme se pôde ver, as declarações acerca do homem

(1789) e dos direitos humanos (1948) firmaram o principal alicerce do

pensamento de dignidade da pessoa que veio a se assentar como princípio

positivado na Constituição Brasileira atual: o da dignidade da pessoa humana (art.

1°, III, CF/1988). Esse princípio se legitima, por um lado, mediante a própria

história, como já salientado; por outro, por se encontrar inserido num texto

constitucional promulgado, a princípio, pelos representantes outorgados pelo povo

(“todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou

diretamente, nos termos desta Constituição” - parágrafo único do art. 1°).

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana foi

validado não apenas pelo fato de ter sido positivado no ordenamento jurídico

brasileiro, mas também, em razão da idéia de legitimação histórica e

constitucional. É que, sem tal legitimação, não é possível afirmar, nem ao menos,

que seja princípio, nos termos ensinados por José Afonso da Silva, citado alhures.

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Deve-se entendê-lo como princípio legitimado pelas

seguintes condições: história e constituição. Em estando validado, se irradiará

sobre as normas que corporificam os direitos da personalidade, atribuindo-lhes

eficácia e efetividade.

Dessa forma, toda e qualquer relação jurídica, incluídas as

relações advindas do vínculo trabalhista, estarão submetidas imediatamente ao

crivo do direito da personalidade, uma vez que este é conseqüência direta do

reconhecimento da tutela que impõe o princípio da dignidade da pessoa humana.

Sendo assim, ficou claro que o contrário, ou seja, qualquer

manifestação de desrespeito a um direito da personalidade, fere a legitimação

dada ao princípio da dignidade. Se este for ferido, por conseqüência, a própria

Constituição será atacada. E, pior ainda, vem de encontro à existência do Estado

Brasileiro, levando-se em conta que tal princípio constitui um dos pilares que

fundamentam República Federativa do Brasil.

Por conseqüência, a Consolidação das Leis Trabalhistas -

CLT e mesmo as relações jurídicas internas do direito do trabalho não poderão

lesar nenhum dos direitos da personalidade por gerar, em tese,

inconstitucionalidade.

Assim, a primeira hipótese restou confirmada. Noutro falar, o

inciso III do artigo 1° da CF é fonte primordial de toda tutela ao direito da

personalidade no ordenamento jurídico brasileiro e sua violação acarretaria

ofensa à própria Constituição e à Democracia Republicana.

Partiu-se para o exame da segunda hipótese. Tento-se

verificar se é necessária a existência de cláusulas gerais infraconstitucionais de

proteção dos direitos da personalidade ou basta a tutela principiológica

constitucional da dignidade da pessoa humana.

No capítulo segundo deste estudo, ao esboçar-se a

evolução da tipicidade do direito da personalidade na legislação brasileira, ficou

demonstrado, com certo assombro, a fragilidade do ordenamento jurídico

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brasileiro no trato de uma disposição geral de proteção a esses direitos. Essa

fragilidade foi observada pelo fato de que no Código Civil de 1916 não houve

disposições acerca desses direitos, apesar das tentativas de grandes juristas,

como Orlando Gomes. Somente com o Novo Código Civil de 2002 é que se fez

menção a uma cláusula geral de proteção dos direitos da personalidade,

conforme artigo 12.

O assombro foi perceber que, mesmo após os movimentos

históricos que confluíram para uma qualificação desses direitos, no Brasil,

somente no início do século XXI positivou-se, infraconstitucionalmente, uma

norma de aplicação geral de defesa às ameaças ou lesões em abstrato a direito

de personalidade. Considerando o fato de que esse novel diploma que trata das

relações privadas dos indivíduos é um projeto de 1975, com atributo de reforma

do Código de 1916 e, anterior a esse, havia a discussão em torno do anteprojeto

de Orlando Gomes de 1963, o assombro é ainda maior. Esse retardo é prova

suficiente para crer que, realmente, privilegiou-se um direito privado protegedor

de uma classe menor que mantém seu poder excluindo direitos dos demais.

Destarte, volta-se ao início dessas considerações, quando

se afirmou que da versão de realidade dicotômica entre opressores e oprimidos

surgiu a matriz da legitimação dos direitos de proteção da dignidade do ser

humano, a partir do momento em que os direitos dos oprimidos insurgiram-se

contra o privilégio dos direitos dos opressores.

O interregno entre os ideais humanistas surgidos no século

XVI, quando se afirmou a independência do homem e a proteção dos direitos

humanos (explanados no capítulo 2), e o Código Civil instituído em 10 de janeiro

de 2002 é prova substancial do quanto uma tutela infraconstitucional é frágil sem

a existência de uma norma-princípio que ilumine e inspire um ordenamento

jurídico.

Limitando-se a idéia de forma temporal à promulgação da

atual Constituição Federal, verificou-se que o princípio da dignidade da pessoa

humana, do já referido artigo 1°, inciso III, assumiu, pela importância

constitucional, a função, não só como princípio, mas como norma geral de

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proteção dos direitos da personalidade. Isso em razão desse dispositivo ser de

aplicação imediata, conforme classificação das normas constitucionais de José

Afonso da Silva, pois estabelece os fundamentos do próprio Estado chamado

República Federativa do Brasil.

Assim, a defesa dos direitos da personalidade ocorre com a

aplicação do artigo 1° cominado com o inciso XXXV do artigo 5º do mesmo

diploma constitucional, que dispõe que a “lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

É preciso, também, relevar que uma norma-princípio

legitimada pelo povo, mediante seus representantes, afasta o interesse de uma

minoria que tenta se sustentar no poder. É que a discussão constitucional, num

Estado Democrático torna-se mais ampla e participativa, já relevada por outros

fatores históricos, que dão validade à própria norma instituída. Diferentemente de

normas infraconstitucionais, nas quais o processo legislativo tem menor

participação dos representados e a manifestação de interesses escusos é mais

acentuada.

Dessa forma, arrisca-se dizer que, a priori, não necessitaria

especificamente de uma cláusula geral privada, em face da abrangência de uma

cláusula geral constitucional. Tal norma não é ainda considerada pela

jurisprudência como uma cláusula expressa, mas concordou-se com a doutrina

que assim a reconhece.

Entretanto, reconheceu-se a importância de cláusulas gerais

incorporadas nas legislações do direito privado, como no Direito do Trabalho.

Assim como já esta disposto no artigo 12 do Código Civil de 2002.

Nesse sentido é que se entendeu que a segunda hipótese

eleita para a presente investigação restou confirmada, ou seja, bastaria sim uma

norma-princípio de índole constitucional garantidora da tutela dos direitos da

personalidade. No entanto, deve-se considerar também a importância de

cláusulas infraconstitucionais, disciplinando aspectos de proteção mais específica

dos direitos da personalidade.

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Na terceira hipótese, a temática se voltou para a

aplicabilidade da tutela subsidiária do direito civil às violações dos direitos da

personalidade nas relações de trabalho.

No capítulo 2 foi feita uma explanação sobre da aplicação do

parágrafo único do artigo 8° da CLT, que dispõe: “O direito comum será fonte

subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os

princípios fundamentais deste”.

Desse dispositivo pôde-se extrair a ilação de que é permitido

expressamente o uso subsidiário de outras fontes do direito comum,

principalmente, o Novo Código Civil, em razão não estar os direitos da

personalidade tutelados na CLT. Isso possibilitou concluir que as lesões ou

ameaças de lesão aos direitos da personalidade nas relações trabalhistas não

poderiam ficar desamparadas por uma legislação lacunosa.

Ainda que não existisse o artigo 8° da CLT, a tutela

constitucional abrangeria essas lides, cujas soluções amparadas no princípio da

dignidade da pessoa humana, em face da supremacia da Constituição.

A resposta à referida hipótese restou evidente: é obrigatória

a aplicabilidade da tutela subsidiária do direito civil às violações dos direitos da

personalidade nas relações de trabalho na falta de disposição legal trabalhista.

Por fim, em relação a última hipótese: foi possível verificar a

tutela jurídica de direitos essenciais que se incorporam ao direito da

personalidade ambientado nas relações jurídicas de trabalho.

Pelo já exposto, evidenciou-se a importância da tutela dos

direitos da personalidade do empregado nas relações de trabalho.

Isso se confirmou, primeiramente, com a tutela constitucional

do princípio da dignidade da pessoa humana, que é ampla e plena. Consoante as

considerações anteriores, sendo a dignidade da pessoa humana norma-princípio,

as legislações infraconstitucionais dela emanam, não podendo contrariá-la, pois

cairiam em flagrante inconstitucionalidade. Por outro lado, qualquer lesão ou

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ameaça de lesão ao direito da personalidade estaria afrontando diretamente esse

princípio por constituir-se em norma de aplicabilidade imediata.

Notou-se que o Código Civil de 2002 vindo a proteger, ora

de forma geral, ora específica, os bens jurídicos relativos à personalidade,

indiretamente amparou o empregado caso esses mesmos bens sejam lesionados,

em virtude da interpretação integrativa do artigo 8° da CLT.

A CLT foi incompleta quanto à proteção dos direitos da

personalidade. Mas, como já demonstrado, qualquer ofensa a direitos, como os

exemplos de casos fáticos mencionados no capítulo 3, encontrará defesa na Lei,

na doutrina e na Jurisprudência. Teve-se, pois, como ratificada a hipótese de que

há tutela jurídica dos direitos da personalidade ambientados nas relações

jurídicas de trabalho.

Pretendeu-se, com base na pesquisa, lançar algumas

reflexões sobre o tema. A importância dessa discussão está na concretização dos

direitos da personalidade como norte maior do respeito à própria pessoa humana.

Pela abrangência e complexidade, este estudo não teve a

pretensão de esgotar o assunto, ao revés, precisa de novas e mais aprofundadas

investigações.

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