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OS (DES)CAMINHOS DO VOCÊ: uma análise sobre a variação e mudança na forma, na função e na referência do pronome você

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OS (DES)CAMINHOS DO VOCÊ: uma análise sobre a variação e mudança na forma, na

função e na referência do pronome você

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBAPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

ÁREA DE CONCENTRAÇÀO LINGUÍSTICA E LINGUA PORTUGUESA

OS (DES)CAMINHOS DO VOCÊ: uma análise sobre a variação e mudança na forma, na

função e na referência do pronome você

Por

VALÉRIA VIANA SOUSA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras, Área de Concentração: Linguística e Língua Portuguesa, da Universidade Federal da Paraíba, como requisito para a obtenção do Título de Doutor em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Elizabeth Afonso Christiano

Co-orientador: Prof.Dr. Dermeval da Hoa Oliveira

JOÃO PESSOA2008

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VALÉRIA VIANA SOUSA

OS (DES)CAMINHOS DO VOCÊ: uma análise sociofuncional sobre o pronome você

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________Profa. Dra. Maria Elizabeth Afonso Christiano (UFPB)

(Orientadora)

_____________________________________________________Prof. Dr. Dermeval da Hora Oliveira(UFPB)

(Co-orientador)

_____________________________________________________Profa. Dra. Maria Cristina de Assis Fonseca (UFPB)

(Examinadora)

_____________________________________________________Prof. Dr. Camilo Rosa Silva(UFRN)

(Examinador)

_____________________________________________________Prof. Dr. Aloísio de Medeiro Dantas (UFPB)

(Examinador)

_____________________________________________________Prof. Dr. Márcio Martins Leitão(UFPB)

(Suplente)

____________________________________________________Profa. Dra. Maura Regina S. Dourado(UFRN)

(Suplente)

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À minha família, que sempre achei que “fez a pós-graduação comigo”, sendo sacrificada, adiada, embora a todo tempo eu fizesse uma busca vã e tentasse conciliar ser filha, mãe, companheira e, sobretudo, ser bipresente;

Aos meus pais, Tina e Souza, por toda a minha história de vida possibilitada por eles, pela construção do ser que sou;

Às minhas filhas Lua e Mar, duas figurinhas que cresceram junto com as idéias dessa tese, estimulando-me desde o início com perguntas linguisticamente surpreendentes e compreendendo a ausência e a “pseudopresença” da mãe durante esses anos;

Ao meu companheiro Gildelson, que aprendeu a lançar o seu olhar sobre o você e a ser pai / mãe simultaneamente.

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AGRADECIMENTOS

A viagem. É chegada a hora de aportar em um terno canto e realizar os agradecimentos. São muitos e, profundamente, sentidos. Os caminhos. Os descaminhos. Os percursos, por vezes, largos; por vezes, estreitos; por vezes, íngremes; por vezes, dúbios; por vezes, intercruzados; por vezes, com inúmeros caminhos e, por vezes, sem aparentes saídas. Uma longa jornada... de estradas prazerosas, mas também de estradas acidentadas. No meio do caminho, encontrei, contudo, “seres” que aliviaram e contribuíram com essa viagem, tornando-a mais prazerosa e iluminando os meus caminhos.

O meu agradecimento carinhoso aos amigos e colegas do lado de cá, da Paraíba: a Cida, meu anjo; a Cida Lima e a Neide, grandes amigas de longas conversas acadêmicas e pessoais; a Rose, a minha irmã paraibana; a Telminha, um aconchego em tantos momentos; a Leilane, uma companheira de vivências; a Mag, um amigo luz que a vida me presenteou; a Alessandra, a Ana Clarissa, a Sílvia, a André, sempre tão amigos e tão especiais.

O meu agradecimento aos amigos e colegas do lado de lá, sempre colo, sempre ombro, Cida, Gorette, Luzimare, Zoraide e a Paulo, meu irmão, Eliana e Lavínia, sempre presentes em minha vida.

O meu agradecimento também à turma do VALPB e à turma do VARSUL, às professoras Edair Gorski e Izete Lemkull, aos amigos Marco Antônio e Iva;

O meu agradecimento aos que fizeram parte da construção do meu conhecimento: aos professores que me orientaram durante as disciplinas, Lucienne Espíndola, Maura Regina Dourado, Mônica Nóbrega, Cristina Assis; aos professores que me ensinaram em outros espaços informais, como Ana Cristina Aldrigue, Eliana Ferraz; a Dermeval da Hora, pela amizade e incentivo, pelas palavras sábias e pela rapidez das idéias sociolinguísticas. E, em especial, à Beth Christiano, pela compreensão e tolerância quase “sobre-humana” de entender os meus momentos e pela sua contribuição aos meus estudos.

Os meus agradecimentos às instituições que viabilizaram a pesquisa: ao Departamento de Estudos Linguísticos e Literários (DELL) e Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) pela liberação e apoio à pós-graduação; em especial, à Área de Linguística e Língua Portuguesa (ALPL), pela compreensão e respeito ao meu momento de estudo; À FAPESB, pela ajuda financeira que possibilitou a realização dessa pesquisa;

Ao Ser que me iluminou cada dia, me trouxe forças e me mostrou que um longo caminho só é possível a partir dos primeiros passos.

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De coração, a todos que se inscreveram nessa minha vivência, por terem transformado a minha jornada solitária em uma jornada solidária, por terem retirado pedras e colocado flores em tantos momentos, por terem minimizado a extensão desse caminho,

o meu muito obrigada!

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RESUMO

Esta pesquisa consiste em um estudo que teve como objetivo discutir a referencialidade provocada pelo pronome você. Para isso, iniciamos o nosso texto com a história do pronome você, mostrando a origem desse pronome na locução nominal Vossa Mercê e o seu extensivo uso na atualidade, sobretudo em meios midiáticos. Em seguida, apresentamos uma discussão teórica, composta por estudos sociolinguísticos labovianos que nortearam a análise das nossas variáveis sociais; por estudos funcionais norte-americanos sobre a gramaticalização, que nos forneceram subsídios para compreender os motivos linguísticos que provocaram a mudança da forma Vossa Mercê para a forma você; por estudos de referencialidade, que nos permitiram refletir sobre os sentidos e valores provocados pelo você no ato discursivo e, ainda, por um estudo no qual esboçamos um contraste entre a compreensão da gramática tradicional e da gramática funcional sobre as classes gramaticais e as nuances e alterações sofridas pelos itens que a compõem. Examinamos, a partir dessas correntes teóricas, o pronome você no corpus de Variação Linguística da Paraíba (VALPB). Foram analisadas 60 entrevistas, nas quais localizamos 2004 ocorrências, sendo 944 femininas e 1060 masculinas, distribuídas em três faixas etárias (15 a 25 anos, 26 a 50 anos, mais de 50 anos) e em cinco níveis de escolarização (sem nenhuma escolarização, 1 a 4 anos de escolarização, 5 a 8 anos de escolarização, 9 a 11 anos de escolarização e mais de 11 anos de escolarização). Interessou-nos saber se os falantes paraibanos usam outras referencialidades do pronome você, quais são essas e qual é o perfil sociolinguístico do falante que usa uma ou outra forma. A partir desses resultados, propomos a discussão sobre o pronome você no espaço escolar. Os nossos resultados apresentaram que o uso do você com a referencialidade genérica e do você com a referencialidade em P1 ocupou 57, 1% nas entrevistas femininas e 66, 7% nas entrevistas masculinas. A tese defendida, então, é de que, na atualidade, tomando como mostra o corpus do VALPB, o pronome você é mais utilizado com outras referencias do que com a referência canônica, única reconhecida pela tradição gramatical. A presente pesquisa conta com o financiamento da FAPESB e com o apoio da UESB.

Palavras-chave: Sociolinguística. Funcionalismo. Gramaticalização. Referencialização. Pronome Você.

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ABSTRACT

This research consists of a study that had as objective discusses the referencialidade provoked by the pronoun you. For that, we began our text with the history of the pronoun you, showing the origin of that pronoun in the nominal locution Your Favor and his/her extensive one uses at the present time, above all in means midiáticos. Soon afterwards, we presented a theoretical discussion, composed by studies sociolinguísticos labovianos that orientated the analysis of our social variables; for North American functional studies on the gramaticalização, that supplied us subsidies to understand the linguistic reasons that you/they provoked the change of Your form Favor for the form you; for referencialidade studies, that allowed to contemplate on us the senses and values provoked by the you in the discursive action and, still, for a study in which we sketched a contrast among the understanding of the traditional grammar and of the functional grammar about the grammatical classes and the nuances and suffered alterations for the items that compose her. We examined, starting from those theoretical currents, the pronoun you in the corpus of Linguistic Variation of Paraíba (VALPB). 60 interviews were analyzed, in which we located 2004 occurrences, being 944 feminine and 1060 masculine, distributed in three age groups (15 to 25 years, 26 to 50 years, more than 50 years) and in five education levels (without any education, 1 to 4 years of education, 5 to 8 years of education, 9 to 11 years of education and more than 11 years of education). it Interested in the knowledge if the speakers paraibanos use other referencialidades of the pronoun you, which you/they are those and which is the speaker's profile sociolinguístico that uses an or other form. To leave of those results, we propose the discussion on the pronoun you in the school space. Our results presented that the use of the you with the generic referencialidade and of the you with the referencialidade in P1 occupied 57, 1% in the feminine interviews and 66, 7% in the masculine interviews. The protected theory, then, is that, at the present time, taking as display the corpus of VALPB, the pronoun you are more used with other references than with the reference canonical, only recognized by the grammatical tradition. To present he/she researches bill with the financing of FAPESB and with the support of UESB.

Keyword: Sociolinguistic. Funccional. Gramaticalizacion. Referecializacion. Pronoum You.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Número de ocorrência.............................................................................137Figura 2 -.................................................................................................................140Figura 3 –.................................................................................................................141Figura 4 - Referencialidade do pronome você a partir dos sexo/gênero.................152Figura 5 - Referencialidade do pronome você, a partir do grau de escolarização, nas

ocorrências femininas...............................................................................155Figura 6 - Referencialidade do pronome você, a partir do grau de escolarização, nas

ocorrências masculinas.............................................................................156Figura 7 –.................................................................................................................157Figura 8 –.................................................................................................................158Figura 9 –.................................................................................................................159Figura 10 –...............................................................................................................161Figura 11 - Referencialidade do você no sexo/gênero feminino..............................164Figura 12 - Referencialidade do você no sexo/gênero masculino...........................164

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LISTA DE QUADROS

Quadro - Tipos Textuais segundo Werlich (1973). .................................................. 150

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - quantidade de ocorrências dos valores do pronome você.....................137Tabela 2 -.................................................................................................................140Tabela 3 -.................................................................................................................141Tabela 4 -.................................................................................................................144Tabela 5 - Referencialidade do pronome você a partir dos sexo/gênero................152Tabela 6 - Referencialidade do pronome você, a partir do grau de escolarização, nas

ocorrências femininas...............................................................................155Tabela 7 - Referencialidade do pronome você, a partir do grau de escolarização, nas

ocorrências masculinas.............................................................................156Tabela 8 -.................................................................................................................157Tabela 9 -.................................................................................................................159Tabela 10 -...............................................................................................................159Tabela 11 -...............................................................................................................161Tabela 12 -...............................................................................................................163Tabela 13 -...............................................................................................................163

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CARACTERÍSTICAS PESSOAIS DOS FALANTES

Identificação Sexo Anos de escolarização Faixa etáriaAFD M nenhum ano 15 a 25 anosAJM M nenhum ano mais de 50 anosALA M mais de 11 anos 26 a 49 anosASF M 1 a 4 anos mais de 50 anosASS M 5 a 8 anos mais de 50 anosEEL M 9 a 11 anos 26 a 49 anosFP M mais de 11 anos 15 a 25 anosFS M 1 a 4 anos 15 a 25 anosGG M 9 a 11 anos 26 a 49 anosGHS M 5 a 8 anos 15 a 25 anosGLX M 1 a 4 anos mais de 50 anosGSN M 5 a 8 anos 15 a 25 anosHBC M 9 a 11 anos 15 a 25 anosJJS M 9 a 11 anos mais de 50 anosJM M nenhum ano 26 a 49 anosJN M 1 a 4 anos 15 a 25 anosJS M nenhum ano 26 a 49 anosJS M 5 a 8 anos 26 a 49 anosLGP M 5 a 8 anos 26 a 49 anosLGP M mais de 11 anos mais de 50 anosMCC M 9 a 11 anos mais de 50 anosMV M mais de 11 anos 15 a 25 anosNP M 1 a 4 anos 26 a 49 anosNPL M 1 a 4 anos 26 a 49 anosRRB M 5 a 8 anos mais de 50 anosRVA M mais de 11 anos 26 a 49 anosSVS M nenhum ano 15 a 25 anosVLF M 9 a 11 anos 15 a 25 anosWAC M nenhum ano mais de 50 anosWL M mais de 11 anos mais de 50 anosAAM F mais de 11 anos mais de 50 anosAHS F 9 a 11 anos 15 a 25 anosCP F 9 a 11 anos mais de 50 anosDPQ F nenhum ano 15 a 25 anosEBC F 9 a 11 anos mais de 50 anosEFS F 1 a 4 anos 15 a 25 anosGPS F 5 a 8 anos mais de 50 anosGSF F 5 a 8 anos 15 a 25 anosHMG F 1 a 4 anos mais de 50 anosIFS F 5 a 8 anos mais de 50 anosIMS F nenhum ano 26 a 49 anosJAS F 1 a 4 anos 15 a 25 anosJNA F mais de 11 anos 26 a 49 anosJPS F 1 a 4 anos 26 a 49 anosJRM F nenhum ano mais de 50 anos

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LS F 9 a 11 anos 26 a 49 anosMGI F nenhum ano 15 a 25 anosMJC F 5 a 8 anos 26 a 49 anosMJS F nenhum ano mais de 50 anosMLT F 5 a 8 anos 15 a 25 anosPAM F mais de 11 anos 15 a 25 anosRAM F 5 a 8 anos 26 a 49 anosRCR F mais de 11 anos mais de 50 anosRTO F mais de 11 anos 26 a 49 anosSCP F 9 a 11 anos 15 a 25 anosSMS F nenhum ano 26 a 49 anosTCS F 1 a 4 anos 26 a 49 anosTOS F 1 a 4 anos mais de 50 anosVDN F mais de 11 anos 15 a 25 anosVEF F 9 a 11 anos 26 a 49 anos

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................15

CAPÍTULO I - A HISTÓRIA DO VOCÊ...........................................................181.1 A história: via principal ou atalho?.............................................................191.1.1 Você nos tempos de outrora..................................................................212.1.2 Você nos tempos de agora.....................................................................242.1.2.1 Alguns princípios funcionalistas sinalizam o caminho.........................252.1.2.1.1 A trilha da iconicidade......................................................................262.1.2.1.2 A trilha da marcação.........................................................................282.1.2.1.3 Você em outdoors............................................................................302.1.3 Você e a hipótese de perda silábica.......................................................36

CAPÍTULO II - ALGUNS CAMINHOS COM VOCÊErro! Indicador não definido.2.1 Nos caminhos da sociolinguística.............................................................412.1.1 Entendendo a trilha da sociolinguística..................................................412.1.2 Dois caminhos que se unem: a história da língua(ística) e a história da mudança linguística.........................................................................................422.1.3 Um novo caminho: a sociolinguística.....................................................512.1.3.1 No meio do caminho, uma comunidade de fala..................................532.1.3.2 No meio do caminho, o falante de uma comunidade de fala...............542.1.3.3 Princípios e problemas presentes nesse novo caminho.....................542.1.4 Algumas palavras...................................................................................592.2 Nos caminhos da Gramaticalização..........................................................612.2.1 Entendendo a trilha da gramaticalização...............................................612.2.2 Localizando a origem do percurso funcionalista.....................................612.2.3 Situando alguns funcionalistas nesse caminho......................................642.2.4 E por aí vem a gramaticalização............................................................662.2.4.1 Algumas propostas de estágios da gramaticalização..........................702.2.5 Outras palavras......................................................................................802.3 Nos caminhos da referenciação................................................................822.3.1 Entendendo a trilha da referenciação.....................................................822.3.2 Teoria do signo: uma avenida................................................................822.3.3 A questão da referência: uma outra avenida..........................................902.3.4 A referência e a referenciação: caminhos paralelos?.............................942.3.5 As duas vias: objetos do mundo X objetos do discurso.........................962.3.6 Mais algumas palavras...........................................................................972.4 O pronome você nas veredas da gramática tradicional e funcional........1002.4.1 Entendendo essas veredas..................................................................1002.4.2 Classes Gramaticais: via considerada principal...................................1012.4.3 Prototipia: via alternativa......................................................................1022.4.4 Pronomes.............................................................................................1032.4.4.1 Pronomes pessoais...........................................................................1082.4.4.1.1 Pronomes Você..............................................................................1102.4.4.2 Discutindo atributos: caminhos cruzados..........................................1132.4.2.2.1 A pessoalidade...............................................................................113

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2.4.4.2.2 O gênero........................................................................................1152.4.4.2.3 O número.......................................................................................1152.4.5 A gramática tradicional e a gramática funcional em uma mesa redonda1172.4.6 Ainda algumas palavras.......................................................................120

CAPÍTULO III - METODOLOGIA E A ESTRUTURAÇÃO DAS VARIÁVEIS.1223.1 Descrição do corpus................................................................................1223.2 Procedimentos para a análise.................................................................1243.3 Variáveis linguísticas...............................................................................1263.3.1 Variável linguística associada ao estilo e ao discurso..........................1263.3.1.1 Variável referência semântica do sujeito...........................................1273.3.1.1.1 Você se metamorfoseando em P1.................................................1293.3.1.1.2 Você legitimando o p2....................................................................1323.3.1.1.3 Você se pluralizando......................................................................1353.3.2 Variável tipo textual..............................................................................1373.3.3 Tipo de interlocução.............................................................................1423.3.4 Enunciados interessantes surgiram também por esse caminho..........1453.4 Variáveis extralinguísticas.......................................................................1483.4.1 Variável sexo/gênero............................................................................1493.4.2 Variável grau de escolarização............................................................1523.4.3 Variável faixa etária..............................................................................160

CAPÍTULO IV - DEPOIS DE MUITOS CAMINHOS, UMA PONTE...............1664.1 A gramática.............................................................................................1674.2 A norma...................................................................................................1694.3 O livro didático.........................................................................................1704.4 Poucas palavras......................................................................................178

CAPÍTULO V - UNS DESVIOS NO CAMINHO ESTABELECIDO: OCÊ E CÊ1825.1 Um pouco d’ocê pelo caminho................................................................1825.2 Cê por aqui..............................................................................................1845.3 Cê cliticiza ou se cliticiza.........................................................................187

CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................190

REFERÊNCIAS.............................................................................................191

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Primeiro momento...

Fui abordada por minha filha, em uma de muitas perguntas do seu repertório

infantil, e, ao tentar respondê-la ou, minimamente, tentar satisfazer a sua

abordagem, ela interveio, dizendo: - Você fala você, mas eu nunca faço isso!!!

Observei, nessa nesga de instante, que ela tinha apresentado para mim

possibilidades do você que, embora eu realizasse, não me dava conta de tal uso.

Pouco tempo depois, Luís Inácio Lula da Silva é eleito presidente e é

convidado para uma entrevista nos meios televisivos. O repórter o questionou

sobre as mudanças de estratégias na atual campanha e o comportamento de

aceitação ou não dos correligionários diante desse novo formato do candidato.

Lula, ao responder, disse - Sabe quando você é candidato pela quarta vez (...).

Nesse momento, o meu tempo parou. Novamente, o meu olhar tinha sido

lançado para a observação de ampliação do sentido do pronome você. Devorei

gramáticas a fim de verificar o que diziam a respeito. Fui a Câmara Jr., também

nessa tentativa de satisfazer o que, por hora, inquietava-me: Quem é, de fato, você?

Segundo momento...

Não tendo encontrado resposta que saciasse a minha necessidade, recorri às

teorias linguísticas.

Fui absorvendo estudos sociolinguísticos, sobre variação e mudança de

formas linguísticas; idéias funcionais, sobre a gramaticalização que itens lexicais

sofrem; concepções de referenciação, sobre a constituição dos signos

linguísticos. E, assim, fui delineando Alguns caminhos com você...

Terceiro momento...

Feita a abordagem teórica, realizada a análise de dados, percebi a

necessidade de historiar o pronome você e de observá-lo como recurso na

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atualidade. Não me contive e propus essa discussão ao espaço escolar. Nesse

instante, senti que o você perpassa não apenas por caminhos, mas também

existem Os (des) caminhos do você.

E conhecer esses (des) caminhos do você é o meu convite a você, leitor,

nesse momento...

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esse caminho não-linear, irregular e acidentado chamado língua (gem)

sempre foi permeado por fenômenos de variação e mudança. No entanto, nem

sempre essa perspectiva foi consensual nos estudos linguísticos.

Na escola estruturalista, Ferdinand Saussure postulava a língua como um

sistema regido por leis próprias e dotado de homogeneidade. Para esse teórico, a

língua constituía uma instituição supra-individual da qual os indivíduos não

participavam efetivamente. Nesse sentido, toda variação representava um fato

idiossincrático e disfuncional. Na escola gerativista, os estudos chomskyanos

sobre a competência e o desempenho foram enfatizados, e a fala e as suas

variações individuais ou coletivas foram, por sua vez, consideradas como

resultado de misturas dialetais ou variações livres e, dessa forma, novamente,

ocuparam a posição periférica dos estudos linguísticos.

Em algumas escolas, como a dos neogramáticos e a dos funcionalistas,

encontramos nuances que orientam uma suposta credibilidade na variação e

mudança linguística. Mas, apenas com William Labov, na década de 60, é posta

concretamente a impossibilidade de se estudar a língua isentando-a das relações

com o sujeito e, consequentemente, das relações de ordem social. Assim, a

língua passa a ser concebida como heterogênea, tendo em vista que reflete a

variabilidade social e as diferenças no uso das variantes linguísticas que, por sua

vez, correspondem às diversidades dos grupos sociais.

Nessa pesquisa, atentos ao fenômeno de mudança linguística, elegemos

como objeto de estudo: o pronome você.

O você teve a sua origem primeira no item linguístico mercê, que significava

uma solicitação ou uma generosidade concedida pela figura real. Era comum, em

meados dos séculos XIII, os súditos solicitarem a mercê ou agradecerem a mercê

concedida pelo soberano. Com as mudanças sócio-econômicas em Portugal e,

por conseguinte, nas classes sociais, fez-se urgente a necessidade de uma forma

que fosse digna de referência ao Rei. Assim surgiu a locução nominal Vossa

Mercê no século XV substituindo o pronome vós como referência real.

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Amplamente utilizada, logo passou a referir-se também a outras funções na Corte

e foi transformada pela “boca do povo” em vossemecê, vosmecê e, entre outras,

na forma pronominal você.

Na atualidade, o você é amplamente utilizado como pronome pessoal do caso

reto e está totalmente integrado ao sistema de pronomes pessoais, ocupando

reconhecidamente o lugar de segunda pessoa na maior parte do Brasil, embora

seja ainda classificado, na maioria dos compêndios gramaticais e escolares, como

pronome pessoal de tratamento, herança da sua forma primeira, circunscrito ao

tratamento familiar e íntimo.

Nesse estudo, em específico, ressaltamos o emprego do você na interlocução

e, assim, apresentamos este pronome com outros valores além da referência à

segunda pessoa, função P2 (Utilizamos para essa análise a categorização

realizada por Câmara Jr. (2006), na qual são seis as pessoas pronominais: P1 -

primeira pessoa do singular, P2 - segunda pessoa do singular, P3 - terceira

pessoa do singular, P4 - primeira pessoa do plural, P5 - segunda pessoa do

plural, P6 - terceira pessoa do plural). Através de análise de excertos de fala,

constatamos o uso desse pronome, por vezes, como primeira pessoa, quando o

falante, ao usar essa forma, faz referência a si próprio, função P1; e como

genérico, quando o falante refere-se a um grupo maior de pessoas que

compartilham de idênticas condições que as mencionadas por ele.

As hipóteses que nortearam a nossa pesquisa foram que:

O pronome você sofreu um processo de gramaticalização, no qual o item

linguístico mercê transformou-se na locução nominal vossa mercê e esta no

pronome você;

O pronome você, na atualidade, exerce a função de pronome pessoal do caso

reto, embora, nos compêndios gramaticais, continue a ser classificado como

pronome pessoal de tratamento;

O pronome você sofreu um processo de ampliação semântica no evento

discursivo e tem sido utilizado com outras referências além da função P2;

O pronome você como P1 e como genérico são motivados por textos

argumentativos e o pronome você P2 por textos narrativos.

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Para nós, a língua (gem) é um complexo totalitário do ser, que dizendo,

redizendo ou não-dizendo, se constrói-se a partir dela, com e por ela. A língua

(gem), em sua essência, é síntese. É antítese e é tese. É significado, é

significante e é mais, é também referente. É o momento, a sincronia, e o

somatório de momentos, a diacronia. É paradigma e é sintagma. É forma e é

função. Constitui-se na regularidade da língua e na irregularidade da fala também.

Revela-se quando é marcada, mas também quando está na condição de não-

marcada. É presença e, ao mesmo tempo, ausência de traços. É o produto da

gramática e é o processo da gramaticalização. É objeto do mundo, mas é

sobretudo objeto do discurso.

Com esse sentimento de união de valores dialéticos para a melhor apreensão

do todo, o nosso propósito, neste estudo, é discutir a variação e a mudança

linguística do pronome você, observando a construção e transformação,

realizadas pelos falantes, da forma, da função e da referência desse pronome.

Para tanto, estruturamos o nosso trabalho em cinco seções, que são introduzidas

por essas Considerações Iniciais, a saber:

A seção I, A história do você, é o nosso ponto de partida. Consideramos

importante a caracterização do percurso histórico desse pronome, tendo em vista

que, a partir dele, delineamos a origem do pronome você, buscando a sua forma

primeira no item linguístico mercê e, em seguida, na locução nominal Vossa

Mercê. Esboçamos, nessa seção, o você nos tempos de outrora, através de um

corpus de documentos antigos , e o você, nos tempos de agora, através de um

corpus de mensagens veiculadas no suporte outdoor. Foi a nossa intenção, nesse

instante, revelar o você em sincronias distintas e, por esse viés, explicitar o

quanto os aspectos sociais se encontram refletidos nos elementos linguísticos.

Na seção II, Alguns caminhos com você, temos um bloco teórico, formado por

quatro subseções, nas quais realizamos uma revisão de literatura com os

pressupostos teóricos adotados. Sempre que possível, estabelecemos um diálogo

entre a teoria e o nosso objeto de estudo.

Iniciamos esse aporte com Nos caminhos da sociolinguística. Neste,

historiamos sucintamente os primeiros estudos linguísticos e mostramos o

surgimento da sociolinguística. São introduzidas, então, questões que versam

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sobre a variação e a mudança linguística e apresentamos os princípios e

problemas dessa teoria, segundo a ótica da sociolinguística laboviana. Interessou-

nos, em especial, evidenciar que o fenômeno da mudança linguística é inerente

às questões da língua, focalizar a variação e a mudança da forma e compreender

a importância do estabelecimento da correlação entre as variáveis linguísticas e

extralinguísticas. Nesse momento, pretendíamos buscar subsídios que

corroborassem para a resposta sobre qual é o perfil social do falante que utiliza o

você com um ou outro valor.

Em seguida, Nos caminhos da Gramaticalização, situamos os estudos

funcionalistas da língua. Fundamentados nos estudos norte-americanos,

discutimos aspectos sobre a variação e a mudança linguística, agora focalizados

na função que a forma lexical assume no ato discursivo. Expomos a

gramaticalização, algumas propostas de estágios desse percurso e mostramos

como o item linguístico Mercê passou à condição de locução nominal Vossa

Mercê e, depois, à condição de pronome você.

Nos caminhos da Referenciação buscamos a teoria do signo linguístico, bem

como concepções e discussões sobre significado, significante e referente.

Travamos ainda um diálogo entre referência e referenciação e entre objetos do

mundo e objetos do discurso. Utilizamos, entre outras, as contribuições suíças de

Saussure e de Lorenza Mondada. Pretendíamos, nesse momento, colher material

para uma melhor compreensão dos motivos que levam um significante linguístico

com um determinado significado a metamorfosear-se em outros significados,

assim como ocorreu com o pronome você que, sofrendo uma ampliação

semântica, tem o seu uso como a função de interlocutor, mas também com a

função de primeira pessoa e com a função genérica.

Terminamos esse bloco teórico com O pronome você nas veredas das

gramáticas tradicional e funcional, nessa nesga de tempo, situamos o você

morfologicamente e mostramos, por um lado , a rigidez da taxonomia das classes

gramaticais e , por outro, o trato funcional dessa questão, através da teoria dos

protótipos, que traz a noção dos tênues limites que demarcam as categorias

gramaticais. Apresentamos os atributos de pessoalidade, de gênero e de número

dos pronomes pessoais do caso reto e propomos um diálogo entre a gramática

tradicional e a gramática funcional acerca do tema em estudo.

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Na seção III, Metodologia e estruturação das variáveis e análise de dados,

trazemos o corpus do nosso trabalho, sessenta entrevistas que se encontram

transcritas no Projeto de Variação Linguística da Paraíba – VALPB , e

apresentamos a metodologia adotada na análise, a seleção e estruturação das

variáveis. Nas entrevistas, selecionamos os itens você encontrados, um total de

duas mil e quatro (2004) ocorrências. Correlacionamos o fenômeno linguístico do

você como primeira pessoa, como segunda pessoa e como genérico às variáveis

linguísticas associadas ao estilo e ao discurso (variável referência semântica do

sujeito, variável tipo textual, variável tipo de interlocução) e às variáveis

extralinguísticas sexo/gênero (masculino e feminino), faixa etária (15 a 25 anos,

26 a 49 anos e mais de 50 anos) e grau de escolaridade (nenhum ano de

escolarização, 1 a 4 anos de escolarização, 5 a 8 anos de escolarização, 9 a 11

anos de escolarização e mais de 11 anos de escolarização) . Por fim,

apresentamos os dados quantitativos encontrados mensurados e

avaliados/analisados qualitativamente.

Na seção IV, Depois de muitos caminhos, uma ponte, discorremos sobre os

termos gramática, norma e livro didático, a fim de apresentarmos uma discussão

das referencialidades do pronome você no espaço escolar. É nosso desejo, nesse

momento, estabelecer uma linha de comunicação (uma ponte) entre o que foi

evidenciado sobre o pronome você no decorrer da tese e a maneira como esse

pronome é ensinado na escola e, dessa forma, provocar uma reflexão sobre o

ensino da língua.

Na seção V, Uns desvios no caminho estabelecido: ocê e cê, mostramos

sucintamente, algumas ocorrências dessas formas reduzidas do você e uma

possibilidade de clitização do cê, ancorados teoricamente em Kato et al (1996),

em Vitral (1996, 1999) e Vitral e Ramos (1999).

Por fim, as considerações finais, momento no qual, retomando as hipóteses

apresentadas inicialmente, estabelecemos um fio condutor com os resultados

obtidos e ratificamos a tese de que o pronome você com outras referencialidades

tem sido mais usado do que o pronome você como segunda pessoa.

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1 A HISTÓRIA DO VOCÊ

Desejando analisar mais detalhadamente o nosso objeto de estudo, o

pronome você, entendemos que seja necessário, em princípio, tecer algumas

considerações acerca de sua história. Através desse estudo diacrônico,

pretendemos situar a mudança social que implicou a mudança linguística ocorrida

nessa forma antes nominal e agora pronominal.

Propomo-nos, então, observando a evolução da forma de tratamento Vossa

Mercê, entender melhor o nosso ponto de chegada, o pronome você. Para isso,

entrecruzaremos a história social e a história linguística do pronome, mostrando, em

excertos de documentos e cartas, que as repercussões linguísticas foram oriundas

de influências sociais e de desejos refletidos no seio de uma comunidade. Desta

maneira, produzimos a subseção você nos tempos de outrora.

Em seguida, focalizamos o pronome você na atualidade. Observamos, então,

que esse pronome destaca-se como o mais produtivo, sobretudo em meios

midiáticos, e, com essa perspectiva de análise, compomos o subseção você nos

tempos de agora.

Como aponta Faraco (1996, p. 52), “as mudanças nas formas de tratamento

estão correlacionadas com as mudanças nas relações sociais e valores culturais”, o

pronome você não foge a essa regra.

Então, vamos à história!

1.1 A história: via principal ou atalho?

Para o lugar que o vós deixou vago no sistema, apresentou-se o você (...)semelhante pelas origens às referidas fórmulas, mas muito mais evoluído dos pontos de vista semântico e fonético, estava o caminho aberto para a progressiva invasão e expansão (...) (CINTRA, 1986, p. 35).

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Ancorados em Nascentes (1956), Cintra (1986), Faraco (1996), teceremos

um breve escorço histórico-social a fim de estabelecer uma interface entre história,

sociedade e língua.

A economia da Europa Ocidental inaugurou uma nova fase, no século XII,

quando aconteceu um crescimento de suas atividades artesanais e comerciais.

Como consequência desse momento, houve a concentração da organização

econômica nas cidades e a formação de uma nova classe social, a burguesia, que, a

partir de então, seria a classe que competiria com a nobreza na disputa pelo poder

político e econômico.

Em Portugal, essa mudança sócio-econômica era demonstrada em uma vida

de luxo e na penetração da burguesia no espaço da Corte, que, a cada dia, ocupava

mais espaço. Em 1254, em função dessa ascensão, a burguesia se encontrava

dividindo a representação da Corte, ao lado da nobreza e do clero. Em 1415, o

cenário social de Portugal já era outro. Tinha sido transformado em um vasto império

da era moderna, fato que foi responsável pela migração de um significativo número

de proprietários de terra para Lisboa, recebendo em troca uma renda, denominada

moradia, paga pelo governo.

Com esse processo de expansão colonial e o surgimento das novas

demandas sociais, os cargos públicos foram multiplicados e distribuídos entre a

classe que agora ocupava a nova aristocracia. Somente ligados diretamente ao Rei,

como vassalos, existiam duas mil pessoas. Toda essa mudança social não

aconteceu isoladamente, implicou mudanças no cenário global. Por conseguinte,

essa alteração nas funções sociais fez com que as pessoas mudassem também os

seus hábitos na indumentária, na alimentação e, consequentemente, na linguagem.

Portugal vivia um coroado momento histórico. Privilegiado pela riqueza e,

assim ,também pelas mudanças sociais. A nobreza, em decadência, cedia espaço à

alta burguesia, dando início a uma sociedade aristocrática. Como resultado, as

pessoas, em massa, deslocavam-se do campo para a cidade e a estrutura feudal

era deixada de lado. Iniciava-se, dessa forma, um caminho rumo a uma burguesia

urbana e, dessa maneira, os personagens desse espaço deixavam de ser senhores

feudais para serem reis.

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Tal transformação exigiu uma reestruturação social e, como as formas de

tratamento estão diretamente relacionadas ao uso social, a alteração dessas formas

foi inevitável. A desigualdade das classes e dos valores sociais vigentes e a busca

de uma nova estabilidade desencadeavam um desequilíbrio linguístico e um

rearranjo pronominal.

O Rei, considerado nos tempos da Reconquista, como um chefe militar, a

quem cabiam as demandas da corte, assume um outro status, o de ser o detentor do

poder absoluto. Em uma sociedade de valores hierárquicos tão arraigados, na qual

subjaz a idéia de que devam existir formas específicas de tratamento para cada

camada da sociedade, esse novo status reclama uma forma de tratamento

diferenciadora e, com isso, a forma pronominal de tratamento vós1 é substituída por

não ser mais adequada para a referência real.

Até então, a forma pronominal vós era uma forma amplamente usada. Era a

forma eleita pelos reis, rainhas, nobres para o tratamento com os vassalos e,

concomitantemente, também era a forma utilizada pelos vassalos para se dirigirem

as seus superiores. Além disso, o vós era usado entre os pares eclesiásticos,

plebeus e nobres. Mas, como resultado de uma desigualdade social, um

desequilíbrio linguístico foi desencadeado e a forma vós, antes usada para fazer

referência à figura singular do rei, é substituída por Vossa Mercê, forma que, nesse

período, demonstrava ter mais expressividade e dignidade de referência ao Rei.

A utilização de uma ou outra forma de referência nem sempre se deu de

maneira tranquila. Observemos:

(1)Como milhor sabe Vossa Alteza que hua das propriedades do magnânimo he querer ante dar que receber (...). e, como quer que em vossos factos se podessem achar cousas assaz dignas de grande honra, de que bem poderees mandar fazer vellume, Vossa Senhoria, husando como verdadeiro magnânimo, a quis antes dar que receber. E tanto he vossa magnanimidade mais grande quanto a cousa dada he mais nobre e mais excellente. Pollo qual, stando Vossa Mercee o anno passado em esta cidade, me dissestes quanto desejavees veer postos em scripto os feitos do Senhor Iffante dom Henrique vosso tyo... (apud CINTRA, 1986, p. 80)

1 O tu era usado informalmente para referi-se a uma pessoa no singular e o vós era usado formalmente para referi-se a uma pessoa no singular ou, ainda informalmente ou não para referi-se a pessoas no plural. Esse nível de informalidade do tu versus a formalidade do vós e, depois, de outras formas (Vossa+ Nome), persistiu por muito tempo.

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Esse registro, datado em 1453, explicita o convívio de três formas de

tratamento distintas: Vossa Alteza, Vossa Senhoria, Vossa Mercê, usadas para

referência a uma única pessoa, D. Afonso V. Segundo Cintra (1986, p. 20), ancorado

nas atas das Cortes, “Esse momento de convivência de vários tratamentos para a

mesma pessoa foi depressa ultrapassado.” Foram, logo, criadas as “pragmáticas”

conhecidas por “leis das cortesias”, objetivando prescrever o uso adequado das

formas de tratamento, que deveriam ser seguidas por todos que desejavam não

incorrer na deselegância de tratar inadequadamente uma pessoa.

As leis de cortesia indicavam que o tratamento para o rei e a rainha devia ser

Vossa Majestade; Príncipes, princesas, infantes e parentes do rei deveriam ser

tratados por Vossa Alteza; e duques de Bragança, por Vossa Excelência. As formas

compostas por Vossa + Nome2 imperavam nesse período e eram dotadas, na sua

essência, de um elemento diferenciador das classes sociais.

1.1.1 Você nos tempos de outrora

A expressão Vossa + N, Vossa Mercê, formada pelo pronome possessivo

vossa adjungido ao nome mercê, teve a sua origem no item linguístico mercê,

sinônimo de graça, de favor, de merecimento, de generosidade. Era comum as

pessoas dirigirem-se ao rei e solicitarem a ele a “vossa Mercê”. Com esse uso

constante e rotinizado, essa expressão transformou-se na expressão ideal para

referi-se ao Rei.

Segundo Nascentes (1956, p. 114-115), há um caráter dúbio no uso do Vossa

Mercê. i) Ora esta expressão era marcada pela noção de causa, quando

expressava uma estratégia argumentativa utilizada pelos súditos que, ao solicitarem

algo ao Rei, apresentavam os requerimentos utilizando o habitual pronome vós,

pediam uma graça por mercê e, assim, agregavam este vocábulo ao pronome

possessivo em concordância com o pronome utilizado, formando a expressão vossa

mercê. Expressão essa “que afagava a vaidade e o amor próprio” do soberano; ii)

2 Há diversas locuções nominais formadas por Vossa (pronome de tratamento possessivo relativo ao vós)

acrescido ao N ( nome/substantivo), como: Vossa Alteza,Vossa Senhoria , Vossa Excelência etc.

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Ora era marcada pela noção de efeito, quando expressava a recompensa,

denominada de mercê ou mercede, que era dada pelos reinantes aos súditos em

troca dos serviços prestados. Conforme exemplos que seguem:

(2)Outro sy, Senhor, os vossos Fidalgos e vossos naturaes dos vossos Regnos fazem saber a a Vossa Mercee que elles recebem grande agravo dos Vossos Rendeiros das vossas imposições que vos poedes pela guisa que vossa Mercee he (...) e muitos destes, Senhor, acharedes que mais lhe levam e levaram per esta guisa do que elles ham, nem averam da conthia nem das mercees, que lhes vós fazedes, se vossa Mercee nom for de o temperar dóutra guisa: porque senhor, vos pedem por mercee que vos lembreis delle. (Grifos nossos) (artigos requeridos ao Rei D. João I Nascentes , apud NASCENTES,1956, p. 115)

O período de existência do pronome Vossa Mercê é datado de 1331 a

1481/1482 (SANTOS LUZ, 1958) ou, segundo Cintra (1986), entre 1460 a 1490,

quando deixa definitivamente de ser utilizado como forma de referir-se ao Rei. Vossa

Mercê vai perdendo a expressividade e tornando-se opaca, à medida que, por força

da imposição, os criados e subalternos começam a fazer uso dessa forma para se

referirem aos fidalgos. Nascentes (op.cit., p.116) justifica o fato, afirmando que

“Vossa Mercê agradava a todo mundo. A classe humilde não tardou a apoderar-se

da fórmula nova para uso próprio” .

Ao tempo em que Vossa Mercê vai desaparecendo, outras formas concorrem,

neste período, para a ocupação desse lugar, formas como Vossa Alteza e Vossa

Senhoria. No final do século XV e início do século XVI, três formas de tratamento

formais conviviam, em ordem decrescente de hierarquia, a forma Vossa Senhoria, a

forma Vossa Mercê e o vós. A primeira empregada para a aristocracia, a segunda

para os demais casos, uma espécie de tratamento de cortesia para os que não

tinham senhoria e, por fim, o vós3, usado indiscriminadamente.

Isso significa que, entre os séculos XIV e XVIII, a língua portuguesa não

apenas registrou diversas formas de tratamento, mas alterou e muito a sua forma de

tratar o interlocutor, saindo do sistema duo de tu/vós e vós para as formas de V+

3 A forma pronominal vós para o tratamento de mais de um interlocutor foi preservada apenas em estilos mais formais, em textos escritos ou em textos orais de natureza escrita. Embora o vós tenha passado por um processo de arcaização, o vosso sobreviveu com seu antigo valor de tratamento.

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nome qualitativo (Vossa Mercê, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Alteza,

Vossa Excelência, Vossa Majestade).

Essa época de ampliação e generalização do Vossa Mercê e,

consequentemente, simplificação fonética, em Portugal, culmina com a época na

qual os portugueses vieram para o Brasil como colonos, na segunda metade do

século XVI. Nesse século, com a massiva migração dos portugueses para o Brasil,

os seus hábitos linguísticos, como sabemos, também invadiram o repertório

linguístico dos nossos nativos. Tal processo de transformação ocorrido de Vossa

Mercê > você não se deu de forma isolada, mas é perceptível que, ao tempo em que

se configurava a mudança social, ocorriam também mudanças linguísticas. Por essa

razão, esse fenômeno é considerado como o resultado de uma mudança encaixada

linguística e socialmente.

Vejamos, a título de exemplo, a Carta de Pero Vaz de Caminha que se refere

ao Rei através da forma Vossa Alteza.

(3)E neesta maneira Senhor dou aquy avossa alteza doque neesta vossa terra vy ese aalguu pouco alomguey, ela me perdoe, cao desejo que tijnha de vos tudo dizer mo fez asy poer pelo meudo. E pois que Senhor he ceroi substituído to que asy neeste careguo que leuo como em outra qualquer coussa que de vosso seruiço for uosa alteza há de seer de mym mujto bem seruida, a ela peço que por me fazer simgular mercee mãde vijr dajlha de sam thomee jorge dosoiro meu jenrro, o que dela rreceberey em mujta mercee. ( Carta a El Rei D. Manuel.)

É interessante observar que, na Carta de Caminha, a forma Vossa Mercê não

mais é usada como tratamento real, sendo substituída por outra forma Vossa + N ,

nesse caso, Vossa Alteza; o pronome vós continua sendo usado como referência

formal a um indivíduo e a forma pronominal vossa sobrevive com seu antigo valor.

Faraco (1996, p. 32), comentando sobre a ampla expansão do uso da forma

Vossa Mercê, observa que esse fato aconteceu em duas direções: uma, na qual a

forma manteve-se conservada e, a outra, na qual a forma sofreu perda de massa

fônica.

De um lado, ela manteve sua integridade formal e seu valor como uma forma de tratamento relativamente respeitosa num estilo cuidado entre a pequena burguesia urbana, mas foi arcaizando-se durante os séculos XVII e XVIII, ao mesmo tempo em que sua rival abreviada (você) estava se tornando dominante (...) de uso corrente (...) em especial no português brasileiro, no tratamento da segunda pessoa do discurso.

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No século XVI, Vossa Mercê ainda representava uma marca de respeito,

embora não fosse mais honorífica. Servia, por exemplo, e era muito usada no

encerramento do gênero carta, como revela o texto que segue:

(4)DEOS Guarde a VosSa Mer-│cê, muitos annos. Bahia e Cama│ra vinte de Novembro demil sete│centos e onze annos “matheus │de Góes Araújo”João de Barros Ma-│chado”Brás Pereira do Lago. (Documentos históricos do Arquivo Municipal. Cartas do Senado 1710-1730) (Grifo nosso)

No entanto, havia ainda uma notável preocupação das classes superiores de

não serem mais tratadas por Vossa Mercê, que não representava a forma mais

digna, e também (talvez principalmente) a preocupação em serem tratados por suas

formas simplificadas, vítimas de preconceitos linguístico e social. Cintra (op.cit.,

p.27) apresenta uma cena do Auto do Fidalgo Aprendiz, escrito em 1946, no qual,

através do diálogo de D. Gil Cogominho com o criado Afonso é possível perceber

esse sentimento de decadência diante da expressão Vossa Mercê, que demonstra

um falta de cortesia perante o interlocutor.

(5)AFONSO: Que manda Vossa Mercê?

GIL: Que tenhais mais cortesia! (Grifo nosso)

O ápice da história do Vossa Mercê é constituído pelo período em que essa

expressão tem o seu uso marcado como forma de referência real. É uma forma que,

diante de tantas mudanças sócio-econômicas, desbanca o vós e, com o passar do

tempo, como consequência de novas mudanças, é, por sua vez, desbancada por

outras expressões. Segundo Nascentes (1956, p. 114):

[o forma pronominal Vossa Mercê] degradou-se, fonética e semanticamente, a tal ponto que mutilou extraordinariamente a sua forma e, de tratamento real, pronominalizando-se, chegou a tratamento empregado para inferiores. (Grifo nosso)

Se, por um lado, o Vossa Mercê foi substituído por outras locuções e o vós

tornou-se expressão de valor rústico, sendo associada, por vezes, a uma má

formação “(...) ficou-se o vós, e a brandura dele para os amigos e para os mal

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ensinados(...)”(CINTRA, op.cit.,p.14); por outro lado, surge no sistema pronominal

uma forma que se candidata a esse lugar: você.4 Cintra registra que o você já se

encontra em textos do século XVIII como tratamento simétrico entre amigos5, mesmo

de uma classe mais elevada como a alta burguesia.

1.1.2 Você nos tempos de agora

Nos tempos atuais, é facilmente visível que a forma pronominal você ocupa o

lugar do pronome mais produtivo nos eventos discursivos. Os meios de

comunicação demonstram isso como muita precisão.

Essa popularidade do você é estabelecida por ele atuar na língua como uma

espécie de “pronome curinga”. Um pronome que direciona o texto especificamente

para um leitor/ouvinte ao tempo em que também é capaz de direcionar a um grupo

mais particular ou a um grupo mais amplo. Por esses predicativos e facilidades, o

pronome você nos atinge massivamente nos tempos de agora através de panfletos,

de cartas comerciais publicitárias e de mensagens veiculadas em outdoor.

São muito comuns e têm, recentemente, povoado o nosso universo, slogans

que contenham o pronome você. Vejamos alguns: Praia, sol, baladas e espelho. Taí

um monte de motivos pra você ficar em forma. (veiculado por uma academia); Você perde muitas oportunidades quando não sabe inglês e espanhol (veiculado por um

curso de idiomas); Aqui você tem variedade e verdade (veiculado por uma empresa

de informática); No Banco X, seu 13º. chega quando você quiser; Aqui você antecipa seu 13º. e todas as suas realizações;No banco X, você encontra seguros

adequados às necessidades da sua Empresa; Abra e conheça esta oportunidade

exclusiva para você;Você foi escolhido a dedo para receber em mãos esta

oportunidade (veiculados por empresas bancárias); Descubra você também

(veiculado por uma agência de turismo); Uma oferta especial para você (veiculado

4 Em 1789, Morais Silva, define o você como abreviatura de Vossa Mercê usada por familiaridade e amizade.

5 Inicialmente, a marca de intimidade era registrada pelo tu, e não pelo vós referindo-se a alguém no singular. Atualmente, no Brasil, o você avança esse espaço e o tu sinaliza intimidade apenas em algumas regiões do Sul do país.

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por revista). Como um dos slogans encontrados veicula, parece mesmo estarmos O

tempo todo com você.

Observando, em específico, o suporte outdoor6, percebemos que o pronome

você aparece como mais produtivo e, a partir da constatação de que o pronome

você configurava-se como o mais frequente, buscamos apoio nos princípios de

iconicidade e de metaiconicidade para analisar como o você age na atualidade.

1.1.2.1 Alguns princípios funcionalistas sinalizam o caminho

Ao discutirmos sobre o uso do pronome você, em mensagens veiculadas em

outdoor, adotamos o modelo teórico do funcionalismo linguístico de orientação

givoniana, como aporte teórico. Antecipamos para essa análise temas da teoria

funcionalista, que será mais detalhada em Nos Caminhos da Gramaticalização.

De acordo com Givón (1991), dois princípios de abordagem funcionalista se

sobrepõem: o princípio da iconicidade, no qual há uma relação direta e uma

conexão não-arbitrária entre a forma de uma palavra e seu significado, e o princípio da marcação, no qual há a veiculação de uma distinção entre as formas linguísticas

mais e menos usuais.

1.1.2.1.1 A trilha da iconicidade

Apoiados na idéia de que há uma motivação que rege a estrutura sintática e

que a relação entre forma e significado é sempre motivada, Bolinger (1977), Givón

(1979), Hopper e Thompson (1980), entre outros funcionalistas, defendem o

princípio da iconicidade. Essencialmente, acredita-se que um ícone é “traduzido” em

um signo que detém a qualidade do objeto e, assim, representa-o. A representação,

dessa maneira, em um processo cíclico, remete ao objeto e relaciona-o ao signo

instituído.

6 As essas mensagens presentes nesses veículos compõem um gênero intrinsecamente associado a esse suporte (uma superfície física em formato específico, que suporta, fixa e mostra um texto). E, dessa maneira, um se alimenta do outro de tal forma que, não raras vezes, confundem-se, sendo um citado como se fosse outro. Como afirma Marcuschi (2003b, p. 13) “o suporte não é neutro e o gênero não fica indiferente a ele”.

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Hopper e Traugott (1993), por sua vez, assimilam a iconicidade como

propriedade de similaridade entre um item e outro que resulta em uma postura

contrária à arbitrariedade do signo linguístico. Mesmo diante desse arrazoado, a

posição entre os funcionalistas não é unânime. Votre (1996, p. 32-33) assegura que

a motivação forma e significado nem sempre é notória e, assim, que “nem tudo na

língua é icônico”, daí afirma:

(...) todo item ou construção que, num determinado estágio da mudança é icônico e transparente na sua relação com o conteúdo será ou tenderá a ser um dia, opaco e aparentemente arbitrário em termos dessa mesma relação.

Alguns princípios norteiam a iconicidade, entre eles: quantidade, distância ou

proximidade, independência, ordenação.

a. quantidade - a quantidade de informações presentes no texto e,

consequentemente, o tamanho do texto, tem relação diretamente proporcional com a

quantidade de informações que ele veicula. Assim, quanto maior o texto, mais

informações são veiculadas nesse texto.

b. distância ou proximidade - a grande ou reduzida distância linguística entre as

expressões tem relação com a distância conceptual que as separa ou as aproxima.

c. independência - a separação linguística da expressão revela a independência

conceptual de um objeto ou evento que ela representa.

d. ordenação - a ordem das formas está estritamente relacionada ao grau de

importância que o falante atribui a um determinado conteúdo em sua relação com as

demais informações a serem veiculadas. Essa característica reflete-se tanto no nível

da oração quanto na organização do texto como um todo.

Para Bolinger (1977), o princípio da iconicidade pode ser analisado em dois

parâmetros.

A iconicidade forte, na qual a condição natural de uma língua é preservar uma

forma para um significado e um significado para uma forma; e a iconicidade branda,

na qual há a existência de um continuum de transparência que pode evoluir até

atingir níveis extremos de opacidade. 7

7 Nesses níveis, não há mais a possibilidade de depreensão formal pelo papel funcional (BOLINGER, 1977).

36

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Givón (1995) acrescenta que a gramática é construída a partir de princípios

icônicos cognitivamente transparentes. No entanto, a relação de um-para-um entre

forma e função não é categórica, pois as línguas, como temos visto, nos exemplos

citados, estão sujeitas a pressões diacrônicas que provocam desgastes das formas.

Algumas formas de língua, motivadas originalmente, segundo esse funcionalista,

podem tornar-se opacas, fossilizadas. Tal qual aconteceu com a forma Vossa

Mercê.

A iconicidade deve ser compreendida em um continuum e três princípios

corroboram para melhor compreender isso:

a. subprincípio da quantidade, no qual é sustentado que o volume de formas

codificadoras da informação será diretamente proporcional à quantidade de

informação;

b. subprincípio da proximidade, no qual é defendido que a relação entre distância

linear das expressões e os significados denotam uma maior facilidade de

codificação;

c. subprincípio da ordenação linear, no qual há uma correlação entre

sequenciação temporal e ordem de ocorrências em eventos descritos.

Givón (1991) reconhece que a iconicidade do código linguístico é vítima de

pressões corrosivas ora na forma (estrutura), ora na função (mensagem). No que diz

respeito à forma, a título de exemplo, a forma nominal Vossa Mercê, ao longo dos

séculos, sofrendo uma constante erosão, transformou-se, entre outras formas, em

vossemecê, vosmecê, vossuncê, voncêm. Hoje, é enunciada, muitas vezes, na

oralidade, apenas como cê. O que, visivelmente, demonstra uma relevante perda de

massa fônica. No que diz respeito à função, à mensagem a que faz referência, o

pronome você também sofreu alteração a mercê das necessidades vigentes de

comunicação.

É válido ressaltar que essas alterações sofridas pelo pronome você, quer seja

na forma, quer seja na função, surgem a partir da necessidade de uma maior

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expressividade linguística, fenômeno denominado por Hopper (1987) como

Gramática Emergente8.

1.1.2.1.2 A trilha da marcação

A marcação, princípio destacado por Givón (1995) pela relevância para a

análise das tendências de mudança e estabilização da língua em uso, é considerada

como metaiconicidade. Dessa forma, categorias cognitivamente marcadas são, ou

tendem a ser, estruturalmente marcadas. Para o teórico, há três critérios que

caracterizam a marcação:

a. complexidade estrutural

A estrutura linguística complexa ou maior é a considerada como mais

marcada. Nesse sentido, a locução nominal Vossa Mercê, observada sua extensão,

pode ser considerada como uma estrutura mais marcada que a forma pronominal

você. E esta forma, por sua vez, ainda elegendo como foco de observação a

extensão, é mais marcada que a forma cê.

Assim seria um esboço decrescente da complexidade estrutural das formas

citadas: Vossa Mercê < você < cê.

b. distribuição de frequência

A estrutura linguística menos usual é considerada como a forma mais

marcada.

As formas pronominais ocê e cê, em nosso corpus,conforme veremos em Uns

desvios no caminho estabelecido : ocê e cê, são consideradas como formas mais

marcadas do que a forma você, tendo em vista que são formas menos empregadas

8 Ao fazermos referência à Gramática Emergente, postulada por Hopper (1987), ressaltamos que a mesma é

referendada pela fluidez que caracteriza a própria gramática diante da atividade do sujeito que a torna

instável e móvel. Construindo nesse objeto antes fixo e inalterável, um objeto no qual há constantemente a

presença do ato de fazer e refazer-se em um contínuo. O que, de certa forma, nega, ao tempo em que, ameaça

os valores arraigados de manutenção das formas impostas por uma tradição gramatical. Neste espaço, a

fixidez das estruturas lingüísticas é posto em xeque.

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pelos informantes. Todavia, é válido ressaltar que, segundo Givón (1995), a

marcação é um fenômeno dependente do contexto e, assim, uma mesma estrutura

pode ser marcada em um contexto e não-marcada em outro. E, nessa perspectiva,

no século XVI, com a intensa migração dos portugueses para o Brasil e,

consequentemente, com a invasão dos seus hábitos linguísticos, essa mesma forma

era considerada como menos marcada, tendo em vista que foi a época em que seu

uso estendeu-se.

Atualmente, o pronome você é bastante utilizado e, em mensagens de

outdoor, após observações, podemos constatar que é o pronome mais frequente.

Diante disso, apegando-nos ao critério de frequência em outdoor, podemos afirmar

que o pronome você constitui a forma menos marcada em comparação aos outros

pronomes que poderiam ser utilizados nesses contextos.

c. complexidade linguística

A estrutura linguística mais marcada é aquela que exige um tempo maior de

processamento e um grau maior de esforço mental, é mais complexa

cognitivamente.

Atentos a esse critério, observamos que o pronome você também é uma

categoria menos marcada em relação aos outros pronomes pessoais, visto que a

demanda (necessidade) de atenção e tempo de processamento são pequenos.

Os itens ou expressões linguísticas podem ser analisados sob a percepção de

que há uma polaridade cujos extremos assinalam níveis limítrofes de marcação. As

categorias mais marcadas (Grupo A) são menos frequentes, mais complexas

estrutural e cognitivamente em detrimento das categorias menos marcadas (Grupo

B) que são mais frequentes, menos complexas estrutural e cognitivamente.

Esquematizando temos:

Quadro 1: Critérios de marcação

GRUPO A GRUPO B

+ marcado - marcado- frequente + frequente

+ complexidade estrutural - complexidade estrutural

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+ complexidade cognitiva - complexidade cognitiva

Possivelmente, pela junção desses critérios, ou seja, por conseguir reunir

simultaneamente características como a de um vocábulo de pequena extensão,

muito usado e que não exige grande esforço cognitivo, pertencendo, aqui, ao que

denominamos de grupo B, o item linguístico você configura-se como sendo o

pronome mais produtivo em mensagens veiculadas em outdoors. Isso ocorre

porque, nesse tipo de veículo, há uma notória preferência por vocábulos que

permitam, com fluidez, uma rápida leitura, sobretudo, em se tratando de um

pronome, que, embora seja um elemento importante no texto por ser o responsável

maior da focalização do interlocutor, não costuma centralizar o conteúdo principal a

ser divulgado.

Assim, havendo uma certa leveza nesse tipo de vocábulo, tem-se a

permissão para que se possa trazer outros vocábulos para compor a mensagem,

aqueles que, de fato, transmitem a informação, em um nível que exija um maior

esforço cognitivo. Uma espécie de acordo que visa garantir o equilíbrio da

mensagem veiculada.

1.1.2.1.3 Você em outdoors

Selecionamos doze (12) mensagens para observarmos o uso do você na

atualidade, bem como para analisarmos e discutirmos a referência do pronome você

realizada nesses textos9.

Ressaltamos que a categorização que utilizamos para demonstração e

análise das mensagens veiculadas em outdoor, nesse momento, é diferente da

categorização que usamos para a referencialidade do pronome você no decorrer do

trabalho. Uma vez que os corpora trabalhados atendem a distintos gêneros , outdoor

e entrevista, e , assim, a diferentes demandas.

9 O estudo foi realizado em 30 mensagens de outdoor, alguns recolhidos em Vitória da Conquista, outros em João Pessoa e outros no site www. outdoor. com. br. Em 18 mensagens , havia pronomes pessoais do caso reto.

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Nas mensagens selecionadas no suporte outdoor, você foi empregado

sempre como referência à segunda pessoa (P2). Por essa razão, optamos por

categorizar as mensagens veiculadas de forma diferenciada. Propusemos agrupá-

las em três (03) blocos, a saber:

P2a - sujeitos mais específicos;

P2b- sujeitos menos específicos; Um enunciado e dois pronomes você.

O pronome você apareceu, na grande maioria dos exemplos, como P2, ou

seja, ocupando a função canônica de fazer referência ao interlocutor, como

podemos observar nos exemplos que compõem o bloco P2a - sujeitos mais específicos:

Ilustração 1: Outdoor 1

Ilustração 2: Outdoor 2

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Ilustração 3: Outdoor 3

Ilustração 4 : Outdoor 4

Ilustração 5 : Outdoor 5

Ilustração 6: Outdoor 6

No bloco, intitulado P2a - sujeitos mais específicos, elencamos mensagens

veiculadas em outdoors que trazem o pronome você com uma referência mais

específica a um ser. Temos, nas ilustrações 1 e 2, mensagens que apresentam,

como referência ao pronome você, os P2 - pais; na ilustração 3, referência à mãe;

nas ilustrações 4,5 e 6, referências à mulher e ao homem, respectivamente.

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Na mensagem do outdoor 1, embora apareça uma figura de um bebê, a

intenção é de sensibilizar os pais ou responsáveis pela criança para prevenção da

doença, tendo em vista que o bebê mostra-se indefeso, desprotegido, em uma

posição passiva diante da doença que se aproxima. A referência do pronome você é

estabelecida a partir de inferências, uma vez que não está marcada no texto.

Diferentemente, na mensagem do outdoor 2, o vocativo “senhores pais”, preposto ao

pronome vocês, e, na mensagem do outdoor 3, o vocativo “mamãe”, posposto ao

pronome você, explicitam as referências do pronome nas mensagens.

Interessante perceber que se não houvesse a presença do vocativo mamãe

reforçada, obviamente, pela figura que a representa no plano não-verbal, o pronome

você, na mensagem veiculada, poderia atingir outros auditórios10.

Nas mensagens de outdoor 4, 5 e 6, estamos, mais uma vez, diante de uma

articulação entre linguagem, conhecimento de mundo e manobras publicitárias. Na

mensagem do outdoor 4, ao pronome você é realizada uma associação com o

pronome possessivo seu que acompanha o substantivo biquíni. O que nos permitir

inferir, a partir do conhecimento de mundo de que quem usa biquíni são mulheres e

que essa mensagem tem como finalidade atingir ao público feminino. Nas

mensagens 5 e 6, os referentes são a figura masculina. Em 5 é acoplada a figura de

um homem musculoso e os termos Deus grego e Rei Momo ao pronome você; além

da presença da figura masculina, há a exploração de uma relação opositiva

estabelecida entre o pronome você, sujeito do verbo tirar, e o pronome elas, sujeito

do verbo arrancar, que ratificam o você, nesse contexto, como elemento masculino.

Em todos os exemplos que compõem esse primeiro bloco, o você P2 aponta

claramente em direção ao seu público alvo. No segundo bloco, P2b - sujeitos menos específicos, no entanto, elencamos mensagens veiculadas em outdoors

que trazem o pronome você com uma referência menos específica a um ser, uma

referência que se aproxima de um auditório maior.

10 Auditório, acepção semântica, público para o qual a argumentação se desenvolve e para o qual o discurso é dirigido (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2002).

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Ilustração 7 : Outdoor 7

Ilustração 8 : Outdoor 8

Ilustração 9 : Outdoor 9

Ilustração 10 : Outdoor 10

Analisando as mensagens veiculadas nos outdoors desse bloco, notamos que

o pronome você refere-se a um indivíduo, qualquer que seja ele, mas, ao mesmo

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Page 42: OS (DES)CAMINHOS DO VOCÊ: · Web viewNas mensagens 5 e 6, os referentes são a figura masculina. Em 5 é acoplada a figura de um homem musculoso e os termos Deus grego e Rei Momo

tempo e sobretudo, refere-se a um grupo que compartilha daquele anseio. Assim, a

reciclagem, ilustração 7, é responsabilidade, simultaneamente, de um único

indivíduo, e do conjunto de indivíduos, responsáveis pelas futuras gerações; no

ilustração 8, em oposição à poncã, que serve basicamente ou exclusivamente, para

as vias respiratórias, o produto anunciado é recomendado para você, como

representação de todos os indivíduos, diante de qualquer problema.

Em “Coca-cola e você. Juntos na paixão pelo futebol”, temos elementos

singulares, escritos em um coração, que originam um outro elemento plural no

enunciado: juntos. O pronome você, nesse outdoor, ativa o senso comum de que

todos os brasileiros apreciam o futebol.

Na campanha dos outdoors 10, o pronome você veicula o olhar coletivo de

todas as pessoas. Pressupõe que qualquer pessoa que esteja olhando essas

imagens veja as mesmas coisas: um jovem escutando música, um jogo de

computador. Uma oposição é marcada, através do pronome a gente que, nesse

contexto, é ressignificado como um grupo capacitado para perceber e propiciar

conhecimento através dessas ações. Assim, o você, aqui, é plural, está relacionado

a todos. No entanto, o a gente é singular, particulariza um grupo.

Por fim, no terceiro bloco, Um enunciado e dois pronomes você, trazemos

duas (02) mensagens de outdoor que registram duas vezes o pronome você.

Ilustração 11: Outdoor 11

Ilustração 12 : Outdoor 12

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No outdoor 11(Ilustração 11), procuramos perceber, inicialmente, se haveria

diferença no conteúdo da mensagem veiculada se retirássemos um item você ou,

até mesmo, os dois. Vejamos:

a. O celular que você queria por um preço que não esperava.

b. O celular que queria por um preço que você não esperava.

c. O celular que queria por um preço que não esperava.

A essência do conteúdo não é alterada em nenhum dos enunciados

propostos acima, como é possível perceber. Todavia, a orientação com o uso

repetido do pronome você estabelece com o interlocutor uma relação mais

direcionada, tentando aparentar, através do uso enfático, que este celular com tais

características é justamente para ele (no caso você a ser atingido). Um ele que, vale

ressaltar, pode ser qualquer um.

No outdoor 12( Ilustração 12), conforme fizemos com a mensagem anterior,

retiramos o item você para melhor analisarmos a sua importância no enunciado.

Vejamos:

a. Prepare-se: em breve você vai ouvir o som que vai tocar.

b. Prepare-se: em breve vai ouvir o som que vai tocar você.

c. Prepare-se: em breve vai ouvir o som que vai tocar.

Nesses exemplos, como temos o você exercendo as funções de sujeito e

objeto, respectivamente, a retirada do pronome causa efeitos diferenciados.

Percebemos que você, na condição de objeto, é necessário para a especificidade de

um som tocar em um ser e não apenas de um som ser tocado, como pareceria a

partir da sua ausência. O uso do você, como sujeito, é facultativo, mas, aqui, como

no outdoor 11, há a busca por uma particularização do interlocutor.

Ainda que usando um número limitado de mensagens, essa análise permite-

nos constatar, em relação aos gêneros textuais presentes nos suportes outdoors,

que o pronome mais utilizado é o você, por isso este pronome é considerado como

o mais produtivo e também o menos marcado, levando em conta o princípio de

quantidade.

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No gênero textual veiculado em outdoor, o pronome você exerce, na maior

parte das vezes, a função de interlocutor (P2), porém essa função representa, em

algumas vezes, grupos mais restritos de interlocutores e, em outras vezes, grupos

mais ampliados, aproximando-se de uma referência genérica.

A escolha do pronome você para esse tipo de veículo é justificada porque ele

se apresenta como o mais adequado para se atingir aos diversos grupos. É de

pequena extensão, por isso também menos marcado, e, ao tempo em que atinge a

um grupo específico (auditório particular), com ele também se alcança um grupo

maior (auditório mais ampliado). Sendo assim, conseguindo ser o menos marcado

em relação aos demais pronomes pessoais, o você o vocábulo mais funcional para

esse veículo.

Fizemos um percurso que cruzou séculos. Nesse ínterim, em linhas gerais,

foram esboçadas as razões do surgimento e também os motivos da decadência da

locução nominal Vossa Mercê, coisas dos tempos de outrora. Também,

consequentemente, expomos a chegada do você e a sua atuação, coisas dos

tempos de agora. Daqui pra frente, desfilaremos por quatro caminhos teóricos que

irão nos subsidiar na análise do nosso objeto.

Iniciaremos a nossa jornada em alguns caminhos com você. Inicialmente,

pelos caminhos da sociolinguística; em seguida, unidos pelo mote da mudança,

cruzaremos os caminhos da gramaticalização; depois, iremos pelos caminhos da

referenciação e, por fim, aportaremos nas veredas das Gramáticas tradicional e

funcional.

Sigamos em frente buscando viver o você por todos os caminhos!

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2.1 Nos caminhos da Sociolinguística

2.1.1 Entendendo a trilha da sociolinguística

Ainda que reconhecendo a importante contribuição de Ferdinand Saussure

aos estudos linguísticos, discernindo esse nome, entre outros, e atribuindo a ele a

grande responsabilidade pela maneira de pensar e fazer linguística moderna, uma

linguística sincrônica que se opunha aos estudos históricos dos séculos anteriores,

nesta subseção daremos enfoque a um aspecto contrário ao posto por esse teórico:

a heterogeneidade linguística, tendo em vista que compreendemos o traço da

heterogeneidade como uma característica imanente à língua.

Realizamos, então, no decorrer da subseção “Nos caminhos da sociolinguística”, um passeio teórico, no qual serão colhidas contribuições de

alguns estudiosos sobre a ciência da língua. Objetivamos constatar que os

fenômenos linguísticos sempre estiveram sujeitos e sensíveis à variação e à

mudança, embora, a rigor, tais questões não tenham sido o cerne dos estudos que

antecederam a sociolinguística. Com isso, almejamos desmistificar a concepção tão

fortemente arraigada da impossibilidade de estudo e análise de tais fenômenos.

Pretendemos, dessa forma, que esses pensamentos que ora teorizamos,

superficialmente distintos, possibilitem-nos realizar a defesa de que a língua falada

de nenhuma forma pode ser considerada uniforme e homogênea. Somos seres

mutáveis e plurais, e a língua reflete os seres que dela fazem uso enquanto

instrumento de interação.

2.1.2 Dois caminhos que se unem: a história da língua(ística) e a história da mudança linguística

A língua deve ser vista não como uma estrutura estática, mas como um sistema social dinâmico, que está continuamente se movendo, mudando e interagindo (GUY, 1995).

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Saussure11, em 1916, por meio de seus discípulos Bally e Sechehaye,

apresentava à sociedade, através da publicação do Curso de Linguística Geral,

doravante CLG, uma análise linguística com caráter científico, dotada, obviamente,

de objeto de estudo, método, observação dos fatos, hipótese, experimentação e

teoria adequada. A linguística, até então, segundo esse teórico, “jamais se

preocupou em determinar a natureza do seu objeto de estudo” e, para ele, isso era

uma questão sine qua non para que a mesma se legitimasse enquanto ciência, pois

“sem essa operação elementar, uma ciência é incapaz de estabelecer um método

para si própria.” (SAUSSURE, 1995, p. 10).

O estudo da linguística, desde então, com status de ciência, foi proposto, pelo

mestre genebrino, a partir da visão de sistema, pois “(...) o fenômeno linguístico

apresenta perpetuamente duas faces que se correspondem e das quais uma não

vale senão pela outra.” (op.cit., p. 15). E esse sistema, por sua vez, foi apresentado

através das dicotomias12 langue (língua) e parole (fala); diacronia e sincronia;

paradigma e sintagma; significado e significante.

Ao falar sobre a dicotomia langue e parole, Saussure estabelece um corte

metodológico no qual determina que o objeto de estudo da linguística é a língua e

afirma, ainda, que essa constitui um sistema regido por leis próprias e dotado de

homogeneidade. Segundo o próprio estruturalista, “a linguística tem por objetivo

único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma.”

(op.cit., p. 314). Ou ainda, definindo a língua, declara que esta é “a soma de sinais

depositados em cada cérebro dum conjunto de indivíduos” e que constitui “a parte

social da linguagem (...).” (op.cit., p. 22).

Por ser a língua, nessa perspectiva teórica, ao contrário da fala, o objeto

capaz de formar um sistema, tendo em vista que possui natureza homogênea, ela é,

então, a escolhida como prioritária aos estudos linguísticos. A língua, na vertente

saussuriana, é concebida como exterior ao indivíduo e por isso não é possível ao

falante “nem criá-la nem modificá-la”.

11 Faz-se necessário ressaltar que embora Saussure seja, geralmente, apresentado, nos manuais de história da lingüística, como pai da lingüística moderna, somente na década de 20, a partir da realização de três grandes eventos, a saber: Primeiro Congresso Internacional de Lingüística (HAIA,1928), Primeiro Congresso dos Filólogos Eslavos (PRAGA, 1929) e Primeira Reunião Fonológica Internacional (PRAGA,1930), o obra tornou-se, de fato, uma referência.

12 A complexidade desses pivôs epistemológicos da teoria estruturalista, embora convertidos em fontes duais, em termos contrários e disjuntos, são somente entendidos através da síntese dos pólos tomados como tese e antítese.

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Para atribuir à língua o primeiro lugar no estudo da linguagem pode-se, enfim,

fazer valer o argumento de que a faculdade natural ou não de articular palavras não

se exerce senão com a ajuda de instrumentos criados e fornecidos pela coletividade;

não é, então, ilusório dizer que é a língua que faz a unidade da linguagem (op.cit., p.

18).

Lopes (1997, p. 121), ratificando o mestre estruturalista, manifesta que a

linguística, de fato, deva focalizar como objeto primeiro a langue, pois é nesta que as

identidades são estabelecidas e, para esse teórico, a questão das identidades é

prioritária e geral nos estudos da língua, pois é nesta questão que são contemplados

problemas, como a natureza do signo, caracteres das entidades linguísticas.

Talvez, pensando na Sociologia, ciência que na época já gozava de prestígio

e influenciado possivelmente pelos estudos de Durkheim e Tarde, Saussure diz “a

linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um

sem o outro” e ainda acrescenta, tentando minimizar as oposições, que a língua e a

fala são “objetos (...) estreitamente ligados e se implicam mutuamente: a língua é

necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta

é necessária para que a língua se estabeleça”. Mesmo diante desse arrazoado,

Saussure (1995, p. 27-28) afirma, referindo-se à língua, que “Unicamente desta

última é que cuidaremos.”

Encrevé (1977, apud HORA, 1997, p.163) assinala dois aspectos sobre a

concepção de língua na teoria saussuriana. Um aspecto é o de que a língua a que

Saussure faz referência é a língua da massa falante e não a língua do falante em si,

enquanto indivíduo isolado, e o outro aspecto é o de que a língua parece pertencer

ao sentido da audição. Dessa forma, a definição de língua na ótica de Saussure, traz

segundo Encrevé, um considerável equívoco, pois constitui a língua do sujeito

ouvinte e não a do sujeito falante.

Labov (1972) diz sobre essa questão, que se todos os falantes têm um

conhecimento da língua (langue) - sistema virtual existente em cada cérebro, como

proposto por Saussure, será possível obter dados para a descrição da língua a partir

de um único falante. E, em contraposição, a fala - ato individual - só poderá ser

estudada mediante o contexto social. Dessa maneira, a partir de um único indivíduo

é possível analisar o lado social da linguagem e somente a partir da interação entre

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duas ou mais pessoas será possível estudar o aspecto individual da linguagem. Está

posto, dessa forma, o “paradoxo saussuriano”.

Labov (1972) assinala que não é possível estudar a língua isentando-a das

relações com o sujeito e, consequentemente, das relações de ordem social. Para

ele, todo enfoque linguístico deve estar relacionado ao aspecto social, em virtude da

própria natureza do fenômeno da linguagem. A língua, sob essa ótica, não

representa uma entidade homogênea, como pressupõe a visão saussuriana e os

estudos linguísticos realizados até então, mas, sim, uma entidade heterogênea,

tendo em vista que reflete a variabilidade social e as diferenças no uso das variantes

linguísticas que, por sua vez, correspondem às diversidades dos grupos sociais. Sob

a perspectiva social da língua, a variação e mudança linguísticas podem ser

estudadas diacrônica e sincronicamente.

Tarallo (1997) diz que, quando na língua existem variações, há,

aparentemente, o reflexo de um “caos linguístico”, mas que essas variações podem

ser processadas, analisadas e, consequentemente, sistematizadas. Com isso,

Tarallo, leva-nos a entender que, no suposto “caos linguístico”, há uma possibilidade

real de organização, basta que miremos os fatores condicionantes que favorecem a

uma variação e que se perceba a regularidade presente.

Meillet, ainda que comumente classificado como discípulo de Saussure, por

vezes, realizava leituras diferenciadas do mestre em relação à língua e teorizava

outras possibilidades de caminhos. Enquanto o mestre genebrino centralizava a sua

abordagem na forma da língua e situava a língua como “fato social” e, ao mesmo

tempo, “um sistema que tudo contém”, Meillet (1965, p. 17) centralizava sua

abordagem nas funções sociais e dizia que “Por ser a língua um fato social resulta

que a linguística é uma ciência social e o único elemento variável ao qual se pode

recorrer para dar conta da variação linguística é a mudança social”. Por essa via de

associação entre fato social e língua, Meillet muito se aproxima da proposta de

heterogeneidade linguística.

Na tentativa de contribuir com essa discussão, Calvet (2002, p. 12) diz que

“as línguas não existem sem as pessoas que as falam e a história de uma língua é a

história de seus falantes.”

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Em meio a essa gama de intervenções, um fato é certo: essas duas faces da

língua, homogênea e heterogênea, perduraram por todo o século XX.

Falar em línguas como sistema heterogêneo e em variações e mudanças

linguísticas, remete-nos ao termo sociolinguística. Esse termo, segundo Romaine

(1994), surgiu em 1950, quando se buscou fazer referências às relações intrínsecas

existentes entre linguistas e sociólogos e , juntas, essas ciências procuravam

esclarecer as influências da linguagem na sociedade e no contexto social da

diversidade linguística. Segundo Marcuschi (1975), o termo sociolinguística teve a

sua origem no ano de 1952, em um trabalho publicado por H. C. Currie sobre a

relação existente entre o comportamento linguístico e o status social.

Labov (1972) tece um valoroso comentário, ao afirmar que o uso da

nomenclatura sociolinguística parece demonstrar que exista uma teoria ou uma

prática linguística que não seja social. Calvet (2002), retomando essa justificativa,

diz que o termo deveria ser registrado da seguinte forma (sócio) linguística, na

esperança de que o afixo “sócio” um dia viesse a desaparecer e, dessa maneira, o

termo linguística, consequentemente, por si só já passasse a contemplar o estudo

da linguagem em sua relação natural com a sociedade.

Para finalizar a discussão sobre o termo, apresentamos a oportuna

advertência de Coupland e Jaworski

O termo ‘sociolinguística’ significa muita coisa para muitas pessoas, e com certeza ninguém tem uma patente na sua definição. De fato nem todo mundo cujo trabalho é chamado ‘sociolinguística’ está pronto para aceitar o rótulo e aqueles que não usam o termo incluem e enfatizam diferentes. (COUPLAND; JAWORSKI, 1997, p. 01).

Podemos afirmar e, assim, reconhecer que, de certa forma, os primeiros

esforços no que diz respeito à delimitação desse novo campo da linguística, a

disciplina Sociolinguística, deve-se a Bright. Em 1964, esse estudioso realizou, na

Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), um congresso sobre as

dimensões da sociolinguística e, em 1966, publicou, na obra Sociolinguistcs, os

trabalhos apresentados no referido congresso. Neste primeiro momento, Monteiro

(2002) registra que dois motivos contribuíram para que a sociolinguística pouco

avançasse: a desconfiança e, indubitavelmente, a resistência dos linguistas

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seguidores das escolas anteriores e ausência de uma fundamentação teórica mais

precisa e consistente.

Ainda que com a presença dessas dificuldades, Bright (1964), acreditando

que só através da diversidade linguística fosse possível estabelecer a relação entre

variações e a estrutura social, conseguiu delimitar, como objeto de estudo dessa

ciência, a diversidade linguística que, na concepção dele, pode ser vista por três

ângulos ou dimensões: a identidade social do emissor ou falante, quando as

variações são realizadas pelo emissor em função da estratificação social; a

identidade social do receptor ou ouvinte, quando as variações são realizadas em

função do receptor, geralmente, diante de um superior ou indivíduo com uma

condição específica, como crianças, deficientes; e as condições da situação

comunicativa ou contexto social, quando as variações envolvem as identidades dos

indivíduos, bem como os fatores relevantes no ambiente onde a interação realiza-se.

Mesmo diante desses empenhos, é com Labov, que a sociolinguística, de

fato, concretiza-se. A descrição da heterogeneidade linguística avança e consegue

fortalecer-se através dos fenômenos de variação e mudança linguísticas e,

consolida-se, então, a teoria da variação.

Valendo-nos novamente do mestre genebrino, temos, no CLG, a proposição

de que, na linguística, “é o ponto de vista que cria o objeto.” (SAUSSURE, 1995, p.

23). Pensemos, então, que se, a partir de um dado momento, passamos a focalizar

o ângulo da heterogeneidade linguística e não mais da homogeneidade, essa nossa

nova perspectiva nos levará a perceber que a variação esteve presente em muitos

momentos na história da linguística, como tentaremos esboçar, a partir de agora,

nesse texto.

Ainda que voltemos o nosso olhar, por exemplo, para um tempo mais

longínquo, poderemos ver, que seja qual for o nosso recorte, quer seja na dimensão

da profundidade - As variações diacrônicas; quer seja na dimensão da largura - As

variações geográficas; ou na dimensão de altura - As variações sociais

(VANDRESEN, 2006), os fenômenos da variação e mudança linguísticas sempre

estiveram presentes.

Na tradição hebraica, há presença da variação linguística na história bíblica

da torre de Babel; na tradição indiana, há a história do Asuras, considerados pelos

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brâmanes como povos bárbaros, pois não falavam o sânscrito, mas uma língua dita

corrompida, uma língua modificada; ou ainda, na Grécia, onde há a discussão dos

anomalistas e analogistas.

Com a linguística comparativa e histórica, a linguagem passa a refletir a sua

própria imagem. Ousamos dizer isso, uma vez que, antes desse momento, a

linguagem, relacionava-se com outros estudos, como lógica, retórica, poética. Os

comparatistas, através de seus representantes, pretendiam, nas próprias palavras

de Saussure (1995, p. 8), comentando sobre Franz Bopp, “(...) foi êle (sic) quem

compreendeu que as relações entre línguas afins podiam tornar-se matéria duma

ciência autônoma. Esclarecer uma língua por meio de outra, explicar as formas

duma pelas formas de outra, eis o que não fora ainda feito.”

No final do século XVIII13, com a descoberta de que havia traços semelhantes

entre o sânscrito, o grego e o latim, os estudiosos comparatistas procuraram

demonstrar, através de estudos de correspondências sistemáticas entre essas

línguas, que as línguas eram “genealogicamente” aparentadas e descendentes de

uma língua mais antiga: o indo-europeu ou o proto-indo-europeu.14 Com esses

filólogos comparatistas também a variação esteve presente nos trabalhos que

desenvolviam com o subgrupo românico das línguas indo-européias e estudos das

variações geográfica, horizontal ou espacial de uma mesma língua e ainda com

primárias observações sobre variações social, vertical ou estrática, através da

distinção entre o latim vulgar e o latim padrão clássico.

A escola dos neogramáticos, no final do século XIX, destacava-se pela

demonstração da ação e do princípio da regularidade da mudança linguística. Para

estes estudiosos, um pesquisador da língua deveria primar, através do estudo das

línguas vivas atuais, pela compreensão da mudança e não se fixar na reconstrução

de uma protolíngua.

É salutar acrescentar que, em 1878, através de um manifesto, H. Osthoff e K.

Brugmann apresentaram as críticas dessa nova escola à escola comparatista, tendo

em vista que, na linguística comparada, a prioridade era o estudo comparativo das

13 William Jones, um juiz inglês, nos últimos anos do século XVIII, inquietou-se ao conhecer o sânscrito e ao perceber que entre essa língua, o latim e o grego existiam traços comuns.

14 Protolíngua aparece na literatura como sinônimo de um estágio de língua, não necessariamente atestada em textos, que, na verdade, permite resgatar possíveis relações entre grupos de línguas diferenciadas (TARALLO, 1990, p. 29).

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línguas indo-européias através de documentos escritos em detrimento do estudo da

fala e do sujeito falante ou ainda, segundo Tarallo (1990, p. 45), os neogramáticos

consideravam que o equívoco da escola comparatista foi:

ter se fixado única e exclusivamente no aspecto da fala humana, totalmentedesconsiderando a operação de fatores psicológicos que têm atuado (eatuam) em inúmeras mudanças e inovações fonológicas, e em casos deanalogias nos sistemas.

Dois princípios neogramáticos sobressaíram-se no manifesto por eles

apresentado.

O princípio da regularidade das Leis Fonéticas:

(...) há aqueles que dirão que o mesmo som, no mesmo contexto, mudou em algumas palavras de uma forma e, em outras, de outra. Aquele que isso fizer e que ainda vir nessas exceções não motivadas, favorecidas por ele mesmo, algo muito normal que ele acredita decorrer da própria natureza da mudança fonológica mecânica, e aquele que então - como sói acontecer - transformar essas exceções na base de suas conclusões, que devem abolir a consistência da mudança fonológica observada, este necessariamente cairá vítima do subjetivismo e da arbitrariedade. Em tais casos ele pode até levantar conjeturas bastante engenhosas, mas nenhuma que mereça crença, e ele então não deve se queixar quando rejeitado friamente. Que o movimento ‘ neogramático’ não esteja em uma posição de explicar todas as ‘exceções’ às mudanças fonológicas, não constitui, obviamente, uma base de objeção contra o princípio da regularidade (TARALLO, 1990, p. 47).

O princípio da analogia

Muitos acreditam que as formações analógicas principalmente naqueles estágios de uma língua quando o ‘sentimento pela língua’ tenha sido ‘degenerado’ ou, como também se diz, quando ‘a consciência da língua tenha sido enfraquecida’; e assim acredita-se na impossibilidade de se esperar formações analógicas nos períodos mais antigos de uma língua. Uma maneira estranha de se encarar os fatos! (...) Se o movimento ‘neogramático’ com seus princípios metodológicos abandona muitas das formas indo-européias originais que têm circulado há tempos pela ciência e que são provavelmente muito queridas para muitos, e se o movimento não se encontra no momento em posição para acompanhar o “vôo idealista” em direção aos períodos da língua primitiva e pré- primitiva – e esse vôo é agora tão frequentemente alçado -, e se o movimento neogramático com sua atitude cética parece menosprezar todos aqueles que estão sempre à caça da língua primitiva, e se ele parece inferior em eficiência ao movimento mais antigo, certamente ele pode se consolar com o pensamento de que para uma ciência jovem, como a linguística comparada o é apesar de seus sessenta anos, o movimento deve preocupar-se mais com voar tão seguramente a tão longe quanto possível (TARALLO, 1990, p. 47-8).

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Já cientes das oportunas críticas que, certamente, surgiriam, os

neogramáticos afirmavam que toda crítica seria aceita, desde que houvesse a

postura de respeito e compreensão pelas posições analíticas adotadas por esses

estudiosos. E, de fato, os princípios foram alvos de muitas críticas. O primeiro pela

excessiva manipulação da regularidade. Ao afirmar no manifesto que “qualquer

mudança fonológica, por ocorrer mecanicamente, acontece de acordo com leis que

não admitem exceção”, os neogramáticos demonstraram a não-aceitação à

possibilidade de exceções às mudanças. E, o segundo, pelo exagerado uso do

mecanismo de analogia quando havia necessidade de explicar as exceções às

mudanças, no presente ou no passado, como pode ser constatado em “acredita-se

na impossibilidade de se esperar formações analógicas nos períodos mais antigos

de uma língua. Uma maneira estranha de se encarar os fatos!.”

Apesar de todas as críticas, a teoria neogramática também possui seus

méritos, como o de estudar dialetos falados na época para então descrevê-los e o

de perceber a regularidade na mudança de sons. Fato que distingue os

neogramáticos dos linguistas históricos que restringiam os seus estudos aos

documentos escritos em busca de uma protolíngua. Temos, aqui, incipientes

registros de estudos voltados à mudança da língua.

Para o alemão Humboldt (1971), um dos linguistas mais influentes do século

XIX, a língua era dotada de duas fases bem delineadas. A primeira fase é marcada

pela presença da criação de sons da língua e a outra é marcada pela redução desse

impulso físico criador. Esta fase é considerada por ele como a que maior tendência

apresenta ao surgimento de transformações na língua.

Segundo Humboldt ainda, a língua em si constituía uma energeia (atividade) e

não uma ergon (produto de uma atividade). Com isso, o teórico iluminava a

discussão, postulando que a língua, concebida como representação de uma obra

não acabada, era, acima de tudo, o conjunto de regras que possibilitava aos falantes

a produção de um número ilimitado de enunciados e não apenas o conjunto de

enunciado elaborado pelos falantes e, ainda, que a língua era dotada de uma

atividade ininterrupta de mudança, mesmo quando estava posta em texto escrito. A

língua não constituía a representação externa do pensamento, mas o instrumento

que viabilizava o pensamento.

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Dessa maneira, a língua era, em essência, um processo (energeia) com

valores de transitoriedade, devido o continuum do trabalho mental que agia sempre

sobre o produto (ergon) formando, reformando e transformando o mesmo.

Bloomfield (1964), expoente da escola estruturalista americana, considerava

que o processo de mudança linguística deparava com a impossibilidade de

observação e realização de estudos dos mecanismos que a fomentava. Para

Bloomfield (apud HORA, 1997, p. 164), então, a mudança fonética pode ser

explicada “como a mudança no hábito de realizar o movimento que produz sons, um

fenômeno mecânico impossível de ser captado na sua dinâmica” e a explicação para

as mudanças resume-se à imitação por parte do falante dos hábitos de fala de

prestígio de outros falantes.

Jakobson (1973), ainda que centralizando os estudos linguísticos

desenvolvidos no Círculo Linguístico de Praga na função da linguagem, admite

haver um código linguístico de natureza multiforme e dividida em subcódigos

ordenados hierarquicamente pelo falante.

Nos estudos chomskyanos, em meados de 1950, foi focalizada a figura do

falante-ouvinte ideal, membro de uma comunidade linguística completamente

homogênea. Nessa escola gerativista, os conceitos de langue e parole foram, de

certa forma, reditos através dos termos competence (competência) - saber que o

falante possui de sua língua - e performance (desempenho) - execução por meio de

regras da competência em situações concretas, e os estudos sobre a mudança

ocuparam uma posição periférica. A fala, por sua vez, foi considerada como

manifestação agramatical e as variações individuais ou coletivas como resultado de

misturas dialetais ou variações livres. Afinal, a grande preocupação desses

estudiosos era com o dispositivo mental inato que deveria ser explicado pela teoria

da gramática universal. Assim, a variação linguística ocupou, nessa teoria, a posição

marginal dos estudos.

A partir dessa época, então, os linguistas, conforme Labov, puderam agrupar-

se em dois segmentos:

Grupo A, o grupo ‘social’, que presta atenção especial aos fatores sociais na explicação da mudança, vê funções expressivas e diretas da língua intimamente inter-relacionada com a comunicação da informação referencial; estuda a mudança em progresso e vê o prosseguimento da

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mudança refletido em mapas dialetais; e enfatiza a importância da diversidade linguística, línguas em contato e o modelo oscilante da evolução linguística.

(...) Grupo B, o grupo ‘associal’, focalizam puramente os fatores interno- estruturais ou psicológicos – na explicação da mudança; segregam a comunicação afetiva ou social da comunicação das ‘ idéias’; acreditam que a mudança fonética em progresso não pode ser estudada diretamente, e que os estudos da comunidade ou os mapas dialetais mostram nada mais do que os resultados de empréstimo dialetal; eles consideram uma comunidade homogênea, monolíngue como típica (...)15 (LABOV, 1972, p. 264-5).

2.1.3 Um novo caminho: a sociolinguística

Em meio a essa concepção de língua homogênea e no momento auge da

gramática chomskyana, surge a Sociolinguística. Tânia Alckmin (2001) registra que

a constituição dessa ciência parece dar continuidade aos estudos e pesquisas sobre

a Antropologia Linguística, desenvolvidos anteriormente por F. Boas (1911) e seus

discípulos E. Sapir (1921) e B. Whorf (1941).

Embora esses estudos iniciais, voltados, por vezes, à antropologia e à

dialectologia, tenham contribuído para a noção de uma ciência que refletisse os

estudos linguísticos e sociais, a década de 60 é que efetivamente representa o

marco desse saber. Em 1963, Labov publica um trabalho sobre a comunidade da

ilha de Martha’s Vineyard, no litoral de Massachussets (E. U. A.), no qual evidencia a

variação linguística a partir dos fatores sociais, como idade, sexo, ocupação, origem

étnica e atitude ao comportamento linguístico. E, em 1964, Labov fixa o modelo

metodológico da Teoria da Variação ou Sociolinguística Variacionista, no qual a

descrição e a interpretação dos fenômenos linguísticos são observados no contexto

social.

15 Thus linguistics seems to fall into major groups in the matter. Group A, the ‘social’ group, would pay attention to social factors in explain change; see expressive and directive functions of language closely intertwined with the communication of referential information; study change in progress and see on-going change reflected in dialect maps; and emphasize the importance of linguistic diversity, language in contact, and the wave model of linguistic evolution.[…] Group B, the ‘asocial’ group, focus upon purely internal structural or psychological-factors in explaining change; segregate affective or social communication from the communication of ‘ideas’; believe that sound change in progress cannot be studied directly, and that community studies or dialect maps show nothing but the results of dialect borrowing; they would take the homogeneous, monolingual community as typical, working within the Stammbaum model of linguistic evolution. It would be unfair to argue that Group B linguists would disregard social factors entirely in explaining linguistic change […] (LABOV, 1972, p. 264-265).

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Essa ciência também conhecida como Sociolinguística Quantitativa, por

trabalhar com números e dados estatísticos, tem como objeto de estudo a língua

falada, observada, descrita e analisada em situações reais de uso. Examinam,

assim, quais são as variáveis linguísticas e extralinguísticas (variáveis sociais) que

orientam o comportamento verbal dos falantes em situações de interação, tendo em

vista que a língua apresenta-se como “um objeto histórico e cultural que se constitui

a partir da interação social entre os membros de uma determinada coletividade.”

(LUCHESI, 1998, p. 210).

Nessa concepção laboviana, a língua falada em e por qualquer comunidade é

representada por um conjunto de variedades linguísticas. Se, nas escolas que

antecederam a sociolinguística, as formas variantes eram percebidas como partes

constituintes de sistemas diferenciados (formas que existiam junto a outras formas

ou que configuravam alternativas cuja escolha era livre e assistemática), ficando

sempre à margem desses estudos, para os variacionistas, isso não constitui

literalmente um problema, mas uma característica inerente à língua. Assim, cabia à

sociolinguística a tarefa de operacionalizar esses fenômenos através de teoria e

metodologias próprias, acreditando que a heterogeneidade presente na fala é

possível de sistematização.

Os estudos variacionistas, realizados nos anos 60, cumpriram esse objetivo.

Primaram por coletar material na comunidade de fala e, através de análises,

demonstrar a sistematicidade, regularidade e padrão na variação.

Várias são as questões que cercam os fenômenos da variação e mudança,

como:

Como ocorre uma mudança?

Por que ocorre uma mudança?

Por que a mudança é operada em um sentido e não no outro?

Por que a língua muda?

Por que na língua há mudança de determinadas formas e de acordo com

determinadas linhas?

Weinreich, Labov e Herzog (doravante WLH, 1968, p. 188) afirmam que “nem

toda a variabilidade e heterogeneidade na estrutura linguística envolve mudanças,

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mas toda mudança envolve variabilidade e heterogeneidade.” Em Tarallo (1997, p.

64), encontramos o seguinte trocadilho sobre variação e mudança: “Nem tudo o que

varia sofre mudança; toda mudança linguística, no entanto pressupõe variação.

Variação, portanto, não implica mudança; mudança, sim implica variação. Mudança

é variação.” E, para esclarecer essa proposição, o teórico usa uma interessante

metáfora. Diz que há o momento do duelo, no qual convivem diversas formas

linguísticas, e há o momento da consagração do vencedor, no qual uma forma

linguística estabelece-se em um grupo em detrimento de outra (s) forma (s)

linguística (s). No primeiro momento, momento da coexistência das variedades

linguísticas, há a variação; e, no segundo momento, momento da consolidação de

uma forma, há a mudança. A variação, além de predicar um condição essencial na

língua, é também uma condição sine qua non para a mudança linguística.

Observamos, assim, que a variação linguística é perceptível na sincronia, mas

apenas a diacronia é capaz de demonstrar a mudança e, ainda que haja a existência

da variação em um dado momento não há a garantia de uma mudança linguística.

2.1.3.1 No meio do caminho, uma comunidade de fala

A sociolinguística variacionista, de posse do seu objeto, a língua falada, e de

sua finalidade, a de compreender melhor o sistema linguístico como um todo, a partir

das variáveis linguísticas e extralinguísticas, elege como amostra para a realização

do seu estudo o registro das falas de uma comunidade.

Entendendo que a mudança linguística não se dá em um único indivíduo, mas

no conjunto de indivíduos, que interagem em uma relação social e discursiva, a

comunidade de fala mostra-se como o meio mais adequado para retratar a realidade

linguística dos grupos sociais.

Uma comunidade de fala reflete o vernáculo utilizado pelos falantes,

entendidos nessa teoria, como tipos sociais e não indivíduos16, projetados e

estratificados pelas variáveis sociais, de acordo com o as suas características de

sexo/gênero, faixa etária, anos de escolarização, profissão etc. A comunidade de

16 Tendo como fundamento de que a variação e a mudança lingüísticas ocorrem em comunidades e não idioletos.

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fala melhor subsidiará os estudos sociolinguísticos por espelhar, na mostra

individual, a gramática de um grupo de falantes mais amplo do qual o indivíduo faz

parte, e, por assim revelar, segundo Labov (2001), o leque de recursos da língua

disponíveis no repertório linguístico desse agrupamento do qual participa.

Labov (op.cit., p. 34) enfatiza que a investigação em uma comunidade de fala,

embora seja estudada em uma fala de um indivíduo, a gramática que ali emerge não

é fruto de um idioleto, mas de recursos linguísticos presentes nas regras de língua

utilizadas pela comunidade da qual faz parte.

Como a amostra, geralmente, acontece a partir de um número significativo de

falantes, as hipóteses inferidas pelo estudioso são confirmadas a partir da presença

ou ausência do fenômeno em observação e, dessa forma, tem-se a radiografia da

fala de um coletivo estudado com um todo. Quanto mais espontânea for a fala, mais

próxima ao vernáculo espontâneo, usual e real ela se encontrará e mais adequado

será o corpus para a realização de estudos sociolinguísticos.

2.1.3.2 No meio do caminho, o falante de uma comunidade de fala

Na busca pela explicação para o fato dos falantes de uma mesma

comunidade de fala efetuarem em seu repertório linguístico a escolha de uma forma

em detrimento da outra, a teoria variacionista procura desvelar o sujeito falante a

partir da sua estratificação social. Grupo de fatores sociais ou extralinguísticos, as

denominadas variáveis sociais, são estabelecidos para identificar o perfil social dos

falantes que, como diz Tarallo (1985, p. 64), “(...) favorecem ou desfavorecem a

seleção de uma ou outra das formas variantes que disputam determinado emprego.”

Ao se mapear uma variante, em particular, observamos que há uma tendência

de que a frequência da ocorrência dessa variante esteja sendo usada, em um ato

comunicativo, em indivíduos que concentrem certas características sociais, tais

como o pertencimento ao mesmo gênero/sexo, faixa etária, grau de escolaridade,

profissão etc. Isso, no entanto, embora dotado de uma forte probabilidade, a partir

das correlações linguísticas e sociais estabelecidas, não é um pré-requisito.

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A estrutura linguística heterogênea é a tradução legítima da estrutura social

heterogênea. Se a sociedade é dividida em classes, o estudo da estrutura da língua

é estratificado, também, em fatores.

2.1.3.3 Princípios e problemas presentes nesse novo caminho

Ora, se a finalidade da sociolinguística é melhor compreender o sistema da

língua a partir dos aspectos linguísticos e extralinguísticos e a sua evolução ao longo

do tempo, Labov (1972, p. 184) chama a atenção para uma preocupação maior: “as

formas das regras linguísticas (...) as restrições impostas sobre elas, sua

combinação dentro de sistema, e a evolução dessas regras e sistema ao longo do

tempo” e, assim, propõe que, para o entendimento da mudança linguística, seja

fundamental basicamente o esclarecimento de três aspectos:

A origem da mudança, que envolve a compreensão do motivo que levou a

seleção de uma dada variação no uso da fala realizada por um grupo de

pessoas;

A propagação, que reflete o momento no qual um grupo de falante adota

aquela forma de uso e passa a consolidá-la em detrimento a formas já

existentes na língua;

E a realização completa, quando a forma “vencedora” se estabelece.

Podemos compreender esses aspectos supracitados, como o exemplo do

pronome vós. Abriremos, aqui, um rápido momento e, mais adiante, aprofundaremos

as discussões acerca desse tema.

O pronome vós, a título de exemplo, servia como forma digna de tratar todas

as pessoas em Portugal. No entanto, a partir de mudanças sociais e da recém

necessidade de mudanças de tratamento, uma nova forma linguística foi reclamada

para referência à figura real (origem da mudança).

Diante dessa demanda, a forma nominal Vossa Mercê começou a ser

utilizada para um tratamento diferenciado ao Rei, que não devia mais ser tratado

como se tratavam as demais pessoas (propagação).

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E essa forma permaneceu durante o período de 1331 a 1481/1482,

substituindo a forma anterior vós (realização completa).

WLH, em 1966, propuseram em um texto apresentado no simpósio sobre

linguística histórica, realizado na Universidade do Texas (EUA), cinco princípios

empíricos para a teoria de mudança linguística. A saber:

O problema das restrições (constraints problem), no qual são enfocadas as

mudanças linguísticas e os fatores linguísticos e extralinguísticos que favorecem ou

restringem essa mudança.

Se, por um lado, o estudo das questões de restrições tende a clarear o

processo de mudança, por outro lado, conforme Luchesi (2004), pode fornecer uma

orientação genérica dos fenômenos, o que configuraria um equívoco. Por isso, em

Labov, há a seguinte reflexão:

A busca por uma restrição estritamente “universal” é, portanto, uma busca por uma faculdade da linguagem isolada, que não está encaixada na matriz mais ampla da estrutura linguística e social. Nada do que nós descobrimos até agora sobre a linguagem sugere a existência de tais estruturas isoladas Parece-me, portanto, que a formulação do “problema das restrições” em Weinreich, Labov e Herzog (1968) e em 2.1 estava equivocada, e que o problema das restrições deveria ser fundido com o problema do encaixamento (LABOV, 1992).

O problema da transição (transition problem), no qual há o estudo de como

e por quais caminhos existe a mudança na língua, a própria projeção histórica da

variação de uma estrutura A prévia para uma estrutura A’ posterior.

A ênfase do problema de transição é o percurso pelo qual cada mudança

realiza-se e uma questão que cerca tal problema é o de caracterizar o processo pelo

qual a mudança acontece como um estágio discreto ou continuum. Para WLH (1968,

p. 184), “A mudança se dá (1) à medida que um falante aprende uma forma

alternativa, (2) durante o tempo em que as duas formas existem em contato dentro

de sua competência, e (3) quando uma das formas se torna obsoleta.” Esse

processo não se realiza abruptamente, nem simultaneamente para todos os

falantes, é gradativo e contínuo.

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O problema do encaixamento (embedding problem), no qual há a análise do

“encaixamento” das hipóteses linguísticas e extralinguísticas na variável estudada.

Subjaz nesse problema ainda um raciocínio estruturalista quando estabelece,

na mudança, uma relação com o sistema linguístico, notadamente reconhecido

pelos autores, “Haverá pouca discordância entre os linguistas de que as mudanças

linguísticas sob investigação devem ser vistas como encaixadas no sistema

linguístico como um todo.” (op.cit., p. 185). Em contraposição, há um avanço

significativo no que diz respeito à relação existente entre mudança e o encaixamento

na estrutura social.

Há, contudo, uma necessidade, também ponderada pelos autores, de se

dividir esse problema em duas partes distintas: i)Encaixamento da variável na

estrutura linguística, como alternativa para descrever a estrutura linguística na qual

as formas em processo de mudança estão situadas; e ii) Encaixamento da variável

na estrutura social, buscando identificar os grupos sociais aos quais as formas se

vinculam (op.cit., p. 185).

O problema da avaliação (avaluation problem), no qual os membros de uma

comunidade apresentam seu julgamento sobre a variável que está sendo analisada

e como essa avaliação afeta a mudança. Nas palavras de WLH (1968, p. 186), “(...)

o nível de consciência social é uma propriedade importante da mudança linguística.”

É de se notar que esse problema vai de encontro ao postulado saussuriano

de aceitação passiva por parte do indivíduo do processo de estruturação da língua.

Ao tempo, em que também procura perceber em que medida a avaliação subjetiva

do indivíduo interfere no processo de mudança linguística. Nessa perspectiva, a

mudança pode ser detida, congelada, revertida, difundida, facilmente assimilada por

consequência do estigma social que subjaz.

O problema da implementação (actuation problem), no qual há o

esclarecimento do motivo da mudança linguística ter ocorrido naquele determinado

tempo e espaço/lugar.

Nesse problema, a questão posta é: Por que uma dada mudança ocorre em

um dado momento e em um dado lugar e não em outro momento e em outro lugar?

Procura-se, então, descrever os mecanismos de causa e efeito que constituem o

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processo de mudança linguística e, assim, “os estímulos e restrições tanto da

sociedade quanto da estrutura da língua.” (op.cit., p. 186).

O problema da implementação está relacionado aos demais problemas, pois, para se entender as causas da mudança é necessário saber pontuar em que parte da estrutura social e da estrutura linguística a mudança teve origem (problema do encaixamento); é necessário saber como se deu a propagação da mudança para outros grupos sociais (problema da transmissão) e, também, é necessário saber quais são os grupos linguísticos e sociais que demonstraram maior resistência ou aceitação a essa mudança (problema da restrição e problema da avaliação) (LABOV, 1994, p. 3).

Em linhas gerais, podemos delinear a passagem Vossa Mercê > você a partir

desses problemas propostos. Segundo Labov (1972, p. 23), as inovações

linguísticas individuais são constantes, mas a mudança efetivamente só ocorre se

uma dada forma for adotada pela comunidade de fala, se os membros de uma

comunidade de fala aceitarem a mudança como parte de sistema linguístico,

fazendo uso dessa forma, ou minimamente, compreendendo o uso que dela fazem.

A locução nominal Vossa Mercê, em Portugal, ainda no século XV,

popularizou-se, à medida que tinha uma boa aceitação da comunidade de fala e

encontrava um ambiente que favorecia o seu emprego, estendendo o seu uso para

as relações assimétricas (inferior dirigindo-se a superior), em referência aos nobres

e burgueses e não mais apenas para a figura real, como inicialmente, quando coube

a locução pronominal Vossa Mercê a substituição da forma vós.

Concomitantemente, por força desse extensivo uso, a expressão Vossa Mercê,

também passou por um processo de simplificação fonética, transformando-se em

vossemercê, vosmecê, você.

É perceptível que essa mudança não se deu de forma isolada, mas sim, que,

ao tempo em que, configurava-se a mudança social, havia o resultado linguístico.

Podemos afirmar, então, que esse fenômeno representa o resultado de uma

mudança encaixada linguística e socialmente e que razões de natureza linguísticas

e extralinguísticas uniram-se para justificar a variação de uma estrutura A (Vossa

Mercê) para uma estrutura A’ (você). Com esse evento, uma outra proposição

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laboviana é atenuada: a difusão social da mudança não é outra coisa, que não a

mudança em si mesma.

Ainda sobre variação, acrescemos que a variação linguística pode ocorrer em

quatro modalidades especificas: a) histórica ou diacrônica – perceptível em pelo

menos dois estágios sucessivos de uma língua quando uma forma em uso de um

período substitui uma outra forma já existente e oriunda de um período anterior; b)

variação diatópica ou geográfica, observável nas distintas formas de pronúncia dos

sons, construções sintáticas e no uso característico do vocabulário particular dos

falantes de uma região; c) variação diastrática ou social, caracterizada pelas

variáveis de gênero, faixa etária, grau de escolaridade, profissão, nível sócio-

econômico; e d) a variação diafásica, na qual a depender da situação ou contexto,

uma forma de uso é escolhida pelo falante em detrimento de uma outra. Para Preti

(2000), as variações diatópica e diastrática estão associadas aos planos horizontal e

vertical da língua, respectivamente, tendo em vista que aquela está presente nas

regiões e esta acontece na estratificação social das classes.

É fundamental registrar, encerrando temporariamente a discussão sobre

heterogeneidade linguística, que, do ponto de vista exclusivamente linguístico, todas

as variedades linguísticas têm organização gramatical própria, exercem interação

linguística entre os falantes, refletem a comunidade que as usa e, sobretudo, que

todas as variações equivalem-se e que, em um processo de mudança, inter-

relacionam-se.

2.1.4 Algumas palavras...

Feito esse passeio, fica imprimido em nós, entre tantas convicções, duas que

gostaríamos de ressaltar. A primeira de que a variação e a mudança linguísticas

configuram estudos extremamente complexos e, por isso, difíceis de serem

reduzidos a explicações únicas. A segunda é que quem ousar enfrentar esse

caminho deverá estar convencido de que a variação linguística, por vezes

considerada livre por algumas teorias linguísticas, é condicionada sistematicamente

por fatores de ordem social e linguístico , assim “(...) o único elemento variável ao

qual se pode recorrer para dar conta da variação linguística é a mudança social e

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esta não se circunscreve nos limites internos do sistema linguístico.” (MEILLET,

1965, p. 117).

Diante do exposto, o estudo realizado por nós resolveu apontar como um

caminho a sociolinguística. Assumimos, como princípio determinante, o

reconhecimento da heterogeneidade da língua, da importância da interface entre as

variáveis linguísticas e extralinguísticas e o interesse científico focado na estrutura

discursiva, fotografia original da comunidade de fala em estudo, na qual procuramos

evidenciar a variação/mudança linguística pela qual passa o pronome você,

descobrindo padrões de uso realizados pelos falantes, em sua comunidade de fala,

e relacionando estes às variáveis de sexo/gênero, faixa etária e anos de

escolarização. Essa prática possibilita-nos observar as tendências de variabilidade a

partir do cruzamento das informações sobre as características de ordem social dos

falantes.

Reafirmamos, nesse jogo linguístico, onde os contextos sociais são

estratificados e a estrutura linguística também é resultado dessa estratificação

social, que é impossível compreender a língua sem estar com os olhos voltados para

a sociedade.

Sigamos em frente, agora,atentos à variação e à mudança linguística da

função sofrida pelo item linguístico mercê que se transforma na locução pronominal

vossa mercê e, em seguida , no pronome você.

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2.2 Nos caminhos da Gramaticalização

2.2.1 Entendendo a trilha da gramaticalização

Na subseção Nos caminhos da gramaticalização, continuamos a discutir a

variação e a mudança linguísticas. Contudo, agora, focalizamos a mudança a partir

dos holofotes do funcionalismo americano, apresentando algumas reflexões

abrigadas na perspectiva de uma nova reorientação na análise de dados.

Se, na Sociolinguística, a compreensão da mudança linguística perpassa pela

coexistência de duas ou mais formas para uma mesma função, sob essa perspectiva

atual, na mudança linguística, há a concorrência de duas ou mais funções para uma

mesma forma. Os funcionalistas não desprezam as formas, apenas direcionam a

importância em conhecê-las a partir da função que estas exercem no ato discursivo.

Afinal, nessa teoria , a forma é subordinada à função que desempenha.

Concebemos, agora, não apenas o fenômeno da variação e mudança

linguísticas, mas também estabelecemos como seu porto seguro o funcionamento

discursivo - textual. Não queremos, com isso, afirmar que essas duas correntes –

funcionalismo e sociolinguística – sejam contrárias, mas reafirmá-las como teorias

que dialogam sobre o mesmo assunto: a mudança na língua.

Vejamos.

2.2.2 Localizando a origem do percurso funcionalista

O senhor (...) mire e veja: o mais importante e bonito do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou (GUIMARÃES ROSA).

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Historicamente, a teoria funcionalista está enraizada no Círculo Linguístico de

Praga17 que, já em 1920, ainda que sombreada pelo estruturalismo e por estudos

voltados às questões da função da linguagem, desponta inquietações acerca da

mudança no sistema linguístico. Nas palavras de Paveau e Sarfati (2006, p. 118),

funcionalistas são definidos como:

(...) estruturalistas na medida em que seu objeto é de fato a língua como sistema, mas eles acrescentam uma outra dimensão, aquela contida justamente no termo funcional, que as classificações históricas retiveram unicamente. Diante de uma interrogação em termos de sistema e estrutura, eles acrescentam um questionamento em termos de funções e tarefas.

Indagações como a da mudança na língua ser analisada em relação ao

sistema por ela afetado e o reconhecimento da intercomplementariedade dos

estudos sincrônicos e diacrônicos para a compreensão do sistema são

preocupações que emergem aos funcionalistas. Givón (1995), posteriormente,

também, comunga com o questionamento sobre a rígida divisão entre diacronia e

sincronia, denominada por ele de “dogmas centrais da linguística estrutural”, e

argumenta que não é o fator tempo que está liderando a mudança, mas, sim, os

fatores de ordem cognitiva (GIVÓN, 1990, 1995) e os processos de transferência de

domínios (HEINE et al, 1991).

Jakobson , a esse respeito, expõe:

Se uma ruptura do equilíbrio do sistema precede uma certa mudança, e uma supressão do desequilíbrio resulta dessa mudança, não temos nenhuma dificuldade para descobrir a função desta mudança: a sua tarefa é restabelecer o equilíbrio. Todavia, quando uma um mudança restabelece o equilíbrio em um ponto do sistema, ela pode romper o equilíbrio em outros pontos e, em consequência, provocar a necessidade duma nova mudança. Assim se produz, muitas vezes, toda uma cadeia de mudanças estabilizadoras (JAKOBSON, 1973, p. 334, grifo nosso).

Já, aqui, são instauradas/esboçadas idéias como mudanças, rompendo com

um suposto equilíbrio do sistema. Uma noção de mudança cíclica que acarreta,

como “em um efeito dominó” uma outra mudança. Martinet (1978) corrobora com

essa proposição, afirmando que, por mais que o sistema linguístico seja bem

estruturado, não há o equilíbrio perfeito e isso favorece à mudança. Mudanças essas

17 O Círculo Lingüístico de Praga (CLP) é composto por um grupo de estudiosos que concebia a linguagem como instrumento humano de referência à realidade externa e a língua como um “sistema de meios apropriados a um fim” (THÈSES, 1929 apud ILARI, 1992, p.25).

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geradas com uma função bem definida: recuperação de um desequilíbrio no

sistema, por sua vez gerado por uma outra mudança ocorrida anteriormente.

A história do funcionalismo sempre foi pautada a partir da instabilidade entre a

relação de estrutura e função. Os funcionalistas têm, então, como princípio chave da

sua teoria, a noção de que o sistema funcional das línguas é determinado para uma

finalidade e pela natureza das suas funções características. A língua, assim, é um

sistema de meios de expressão apropriados a um objetivo, a um propósito.

O ressurgimento do funcionalismo do século XX, de certa forma, ainda guarda

resquícios do funcionalismo do Círculo Linguístico de Praga. Ambos têm como lume

dos seus estudos a função18 e a idéia de que a construção da teoria ocorre no

interior do próprio sistema. Atualmente, no entanto, o funcionalismo aparece sob

uma nova roupagem, enfatizando do ponto de vista sistêmico e funcional no ato

discursivo.

O olhar do funcionalista, na contemporaneidade, está voltado não apenas

para as funções da linguagem em um eixo comunicativo, mas para o item linguístico

e a sua multifuncionalidade na estrutura discursiva. Os funcionalistas, influenciados

por fatores cognitivos nos atos de fala, direcionam a sua atenção para as situações

concretas das atividades linguísticas. Os componentes sintáticos e semânticos, sob

esse outro ângulo, são como fantoches que ganham vida na apresentação, nesse

caso, na interação verbal, onde ao componente linguístico é acrescido o valor de

componente pragmático e daí é analisada a sua atuação na cena discursiva, o seu

uso real.19

As estruturas linguísticas não são autônomas. Estão imbricadas às

circunstâncias discursivas e entrelaçadas aos aspectos cognitivos da produção,

onde se encontram envolvidas a informação pragmática do falante (crenças, valores,

práticas sociais) e a informação pragmática do destinatário (práticas sociais).

18 Há várias acepções acerca do termo função. Para Martinet (1994) como i) “papel”, “utilidade de um objeto ou de um comportamento; ii) “papel de uma palavra em uma oração; iii) grandeza dependente de um ou de diversas variáveis. Para Dilinger (1991), como “relação” quer seja entre uma forma e outra (função interna), quer seja entre uma forma e seu significado (função semântica), quer seja entre o sistema de formas e seu contexto (função externa). Para Nichols (1984), função se relaciona à interdependência, ao propósito, ao contexto, à relação e ao significado. Para Jakobson (1969), é um fenômeno x que serve como meio para realização de um propósito y. Para Halliday (1973), relaciona-se com o papel que a linguagem desempenha na vida dos indivíduos, servido a demandas variadas (NEVES, 1997).

19 Ao concentrar-se no uso real, o funcionalismo centra as suas discussões no caráter dinâmico da linguagem, admitindo a força das pressões e motivações externas ao discurso.

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Duas tendências, segundo Salomão (1994), emergem no funcionalismo à

procura de justificativas para a estrutura linguística: a externalista, que apóia-se no

contexto de uso discursivo, e a internalista, nos quais os processos mentais é que

são os responsáveis pela origem de tais estruturas. Givón, sabiamente, articula as

duas tendências e afirma que a mente é a razão de ser da língua, mas só é passível

de observação no discurso. Dessa forma, o funcionamento do que é externo é

evidência do funcionamento do que é interno.

Fica compreendido, então, que o crucial em um estudo funcionalista é

verificar como acontece a comunicação em uma língua, reconhecendo que há uma

estrutura pertencente à língua e que essa sofre pressões de uso, de ordem

cognitiva, por parte dos falantes. Essas pressões são pancrônicas, acontecem

atemporalmente, e fazem com que determinados itens usados antes com a função A

passem a ser usados e rotinizados, além dessa, para outras funções, como A’, B’

etc., a exemplo do que ocorreu com mercê >vossa mercê>você. Dessa maneira, as

estruturas das expressões linguísticas tornam-se configurações das funções que

exercem no discurso.

2.2.3 Situando alguns funcionalistas nesse caminho

Na esteira dessa nova forma de pensar a linguagem, podemos apontar alguns

funcionalistas, como:

(i) Halliday, que reflete sobre o uso e as escolhas feitas pelo sujeito como

elementos determinantes de um propósito específico, produtoras de um

significado. Enfim, sobre a função da linguagem na vida dos falantes. Esse teórico

propõe uma tríade formada pelas metafunções20 ideacional e textual (de caráter

extralinguístico) e a interpessoal (de caráter intralinguístico). As metafunções,

segundo a sua ótica, são manifestações no sistema linguístico com os propósitos

de entender o ambiente (ideacional); influir sobre os outros (interpessoal); conferir

relevância (metafuncional). 20 Para Halliday, as metafunções configuram tentativas teóricas de articulação entre as formas

internas da linguagem (formas lingüísticas) e a utilização dessas formas nos contextos sociais. Essas metafunções se manifestam no sistema lingüístico com propósitos diverso.

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A teoria funcional de Halliday é uma teoria sistêmica. Mas, como toda

linguística é, em sua essência sistêmica, o que esse funcionalista propõe é uma

linguística funcional sistêmica em oposição à linguística formal sistêmica

(BEAUGRANDE, 1993, p. 20).

Ser sistêmico implica estabelecer escolhas de termos em um paradigma para

produção do significado. Essa escolha varia de um grau de subconsciência até um

grau de explícita consciência.

(ii)Dik, que desvela como os falantes da língua conseguem estabelecer uma

comunicação adequada usando as expressões linguísticas e, através delas,

avalia a capacidade que os falantes têm de orientar o seu ouvinte a uma dada

argumentação, a determinados efeitos pragmáticos ou suscitá-lo a certas

emoções no discurso. A linguagem, por esse prisma, tendo uma estreita relação

com a comunicação, é dirigida para um significado.

Para Neves (2006, p. 19), “A teoria da gramática [concebida por Dik] constitui

um subcomponente integrado da teoria do ‘usuário da língua natural”, na qual estão

incluídas a referência ao falante, ao ouvinte e a seus papéis e estatuto. Em linhas

gerais, a teoria postulada por Dik tem como princípio a investigação de ‘como os

falantes e os destinatários são bem sucedidos comunicando-se uns com os outros

por meio de expressões linguísticas.’

Esse teórico defende, ainda, que acoplada à capacidade de produzir e

interpretar corretamente expressões da língua independente da sua complexidade

(capacidade linguística), o falante tem a capacidade de construir, manter e explorar

uma base de conhecimento organizado (capacidade epistêmica); tem a habilidade

de realizar inferências por meio do raciocínio lógico (capacidade lógica); tem a

condição de derivar conhecimento a partir de suas condições e usar esse

conhecimento em prol da produção e recepção de expressões linguísticas

(conhecimento perceptual); e também tem a capacidade de saber o que dizer e de

como dizer ao seu interlocutor em uma situação comunicativa a fim de atingir os

objetivos desejados. Essas capacidades supracitadas interagem umas com as

outras o que possibilita a ação de cada uma.

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(iii) Givón que, na sua ótica sobre funcionalismo, caracteriza o sistema linguístico

como não-autônomo e articula as tendências externalista e internalista da língua,

mostrando que o funcionamento do que é assimilado como interno é refletido no

funcionamento do que é externo. Ao analisar, por exemplo, um discurso, defende

que temos um produto concreto oriundo de um processo cognitivo de elaboração

abstrata que não pode ser desconsiderado e, dessa forma, avalia impertinente

conceber esta elaboração sem a vinculação com a materialização no discurso. E

esse processo materializado – que constitui o discurso em si – é o foco das

realizações funcionais da língua.

Givón, ainda, põe pelo caminho algumas relevantes considerações, entre

outras, como:

a linguagem como reflexo de uma atividade sócio-cultural;

a estrutura a serviço de uma função cognitiva ou comunicativa;

a estrutura não sendo arbitrária, mas motivada e icônica;

as categorias não são discretas;

a estrutura é não rígida, maleável;

o significado dependente do contexto.

Com a intenção de descortinar essa correlação existente entre a

estrutura/sistema gramatical e o uso da língua/funcionamento discursivo, ressurgiu,

na década de 70, uma vertente nos estudos sobre a mudança linguística que

encontrou o seu ninho no funcionalismo: a gramaticalização.

2.2.4 E por aí vem a gramaticalização

Ao afirmarmos que a gramaticalização ressurgiu no século XX, o fazemos

porque, na verdade, noções de gramaticalização já tinham sido apresentadas, desde

o século X, na China, quando os escritores registravam a diferença existente entre

símbolos linguísticos plenos e símbolos linguísticos vazios e, na França, quando, no

século XVIII, o filósofo Etienne Bonnot de Condillac afirmava que as unidades

gramaticais vêm de lexemas e que os afixos vêm de formas livres.

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Ainda no século XVIII, em 1746, Condillac explicou as desinências pessoais

do verbo pela aglutinação de pronomes pessoais e afirmou que o tempo verbal vem

da coalescência de um advérbio temporal com o tema verbal e, no século XIX, em

1822, Humboldt já anunciou a idéia de que um estágio evolucionário da língua

precedeu a estrutura gramatical das línguas humanas, quando somente idéias

concretas eram expressas.

No século XX, a gramaticalização , segundo Meillet (1965, p. 131), um

processo no qual há uma “atribuição de um caráter gramatical a um termo palavra

anteriormente autônomo”, constitui um tipo de mudança linguística sujeita a alguns

princípios como reanálise, analogia, reduções fonológicas, alterações semânticas,

unidirecionalidade, transparência metafórica e metonímica.

Para ele, há, inicialmente, três classes de palavras: as palavras principais, as

palavras acessórias e as palavras gramaticais e, entre essas, acontece um processo

de transição – a gramaticalização. Na tentativa de concretizar a transição de uma

construção lexical para outro como um processo continuum, Meillet compara a

gramaticalização à imagem de um espiral, figura que reflete continuamente um

processo cíclico, inacabado, infinito.

Hodge (1970) e Givón (1971) marcaram esse ressurgimento com os slogans

clássicos, respectivamente, “A sintaxe de ontem é a morfologia de hoje” e “A

morfologia de hoje é a sintaxe de ontem.” Givón afirmava com isso, a partir de

estudos sobre línguas africanas, que as formas verbais atuais, radicais com afixos,

derivam da combinação de pronomes com verbos independentes.

Para Hopper e Traugott (1993, p. 15), a gramaticalização é definida como “o

processo pelo qual itens e construções gramaticais passam, em determinados

contextos linguísticos, a servir a funções gramaticais, e, uma vez gramaticalizados,

continuam a desenvolver novas funções gramaticais.” Sob os olhares de Hopper e

Traugott (op.cit., p. 2), a gramaticalização representa a dimensão diacrônica do

processo de que resultam as mudanças de categorias das formas linguísticas e a

gramaticização, por sua vez, constitui o fenômeno de transição entre categorias

linguísticas em uma perspectiva sincrônica.

Castilho (1997) corrobora com essa proposição, afirmando que se, por um

lado, o fenômeno da gramaticização reflete a transição categorial, em um plano

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diacrônico, e é bem perceptível na emergência da gramática conversacional; por

outro lado, o fenômeno da gramaticalização configura o resultado da própria

gramaticização em um plano diacrônico. Com relação a isso, Hopper e Traugott

(1993) observam ainda que o termo gramaticalização tem uma maior inclinação à

perspectiva histórica e o termo gramaticização a uma perspectiva sincrônica. E

essas perspectivas, no processo de gramaticalização, resultaram em uma outra

divergência, embora, atualmente, possamos assegurar que o termo

gramaticalização é usado para abarcar ambos os processos.

Mas, ainda, com relação a essa divergência, observamos que, até 1970, os

estudos sobre gramaticalização focalizavam prioritariamente a diacronia, uma vez

que os linguistas preocupavam-se em apresentar, em seus resultados, análises da

evolução da língua, a reconstrução da história de uma(s) língua(s) ou a comparação

da estrutura linguística de um momento com a estrutura linguística de um outro

momento. Após 1970, o foco deslocou-se para o entendimento da gramática

sincrônica. Começou a ser observada ,então, a variação pela qual os itens lexicais

estavam passando em um determinado recorte temporal. Na ótica sincrônica, o

processo parece ser dotado de um caráter instantâneo e, na ótica diacrônica, por

sua vez, de um caráter gradual.

Do ponto de vista diacrônico, Traugott e Konig (1991) afirmam que a

gramaticalização tem como referência primeira o processo dinâmico, unidirecional e

histórico. Neste, os itens lexicais, ao longo do tempo, vão adquirindo novo status

quer seja como gramatical, quer seja morfossintático. As relações anteriormente não

codificadas passam a ser codificadas ou codificadas de forma diferenciada.

Nessa perspectiva, algumas questões vêm à tona, conforme Traugott e Heine

(1991):

A distinção entre gramaticalização e mudança linguística;

A determinação das condições necessárias para que haja gramaticalização

em uma construção;

A identificação de fatores externos que desencadeiam a gramaticalização;

A determinação do espaço de tempo em que ocorre a gramaticalização.

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Embora, muitas vezes, não encontremos na gramaticalização uma unidade

teórica ( a unilateralidade conceitual21 que ansiamos), pisamos em um terreno sólido

quando afirmamos que podemos assimilar gramaticalização como um processo

através do qual os itens lexicais tornam-se mais gramaticais ou os itens gramaticais

se tornam ainda mais gramaticais. E quando pensamos que essa teoria tem,

fortemente cristalizada, a aceitação à interdependência das dicotomias língua / fala,

(mais) categorial / menos categorial, (mais) fixo / menos fixo na língua, (mais)

marcado / menos marcado, (mais) discreto / menos discreto, sincronia / diacronia e,

assim, sistema linguístico e uso. Essas dicotomias são preocupações/temas

constantes e consensuais nos estudos de gramaticalização.

Parece-nos importante ainda fazer algumas considerações. Estudos têm

evidenciado que essas mudanças apresentam uma inclinação em direção a certas

classes lexicais, mais suscetíveis à gramaticalização, e a certos itens lexicais, mais

suscetíveis ao status de fonte para a gramaticalização.

A gramaticalização surge, em certos itens lexicais, a partir da necessidade de

se obter maior expressividade na língua, tendo em vista que os termos

gramaticalizados, em princípio, concorrem com formas já existentes na língua e, por

essa razão, poderiam ser desnecessários. Contudo, a necessidade discursivo –

pragmática impõe a gramaticalização de outros itens em busca de uma maior

maximização de informação e de um termo que melhor represente o seu

pensamento ou a orientação cognitiva que se pretende conseguir.

Quanto à determinação do espaço temporal em que ocorre a

gramaticalização é uma questão muito subjetiva. Às vezes, a gramaticalização é

processada de forma lenta e, outra vezes, de forma mais acelerada, variáveis de

ordem linguística e extralinguística estão presentes, influenciando esse processo.

As categorias gramaticais aparentemente dotadas de rigidez, na ótica da

gramaticalização, sofrem pressões por uma necessidade de maior informatividade

ou expressividade dos falantes. Temos, de um lado, a língua, como um sistema que

comporta categorias parcialmente acomodadas, e, do outro, a fala (a língua em uso)

que age como se desequilibrasse o sistema, alterando a sua estrutura, de forma

lenta e gradual. A gramática, no entanto, reorganiza no sistema os itens lexicais que

21 Até mesmo a sua designação oscila, muitas vezes, a entre grammaticization, gramatization e rammaticalization

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se tornaram gramaticais ou os itens gramaticais que se tornaram ainda mais

gramaticais.

Pressupostos, como: o caráter não-discreto das categorias; a fluidez

semântica; a unidirecionalidade e gradualidade das mudanças; a coexistência de

etapas; a regularização, idiomatização e convencionalização contínuas, o interesse

dos falantes; as necessidades informativas e retóricas estão sempre presentes

nessas discussões.

Do ponto de vista sincrônico, Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) afirmam

que a gramaticalização fornece um desafio para noções de classes de morfemas ou

constituintes de sentença e acrescentam que a gramaticalização é, na verdade, um

processo pancrônico, pois envolve mudança, numa perspectiva diacrônica, e

variação, numa perspectiva sincrônica.

2.2.4.1 Algumas propostas de estágios da gramaticalização

Algumas propostas de análise das etapas pelas quais passa um item

gramatical em um processo de gramaticalização foram apontadas e discutidas por

diversos funcionalistas. Às vezes, essas propostas divergem em determinados

pontos e, em vezes, convergem muito entre si.

Na tentativa de estabelecer uma comunicação constante com o nosso objeto

de estudo, à medida que formos apresentando algumas propostas, realizaremos

uma sucinta análise do você.

Humboldt (1922) categoriza que a significação das formas gramaticais sofre

uma mudança em quatro estágios, que são:

1. as categorias gramaticais estão completamente escondidas nos lexemas e

nas configurações semântico-sintáticas de expressões idiomáticas;

2. as palavras passam a ter uma ordem fixa, e algumas formas vacilam entre

palavras plenas de conteúdo e palavras esvaziadas, com funções gramaticais;

3. estágio da aglutinação: as “palavras vacilantes” são aglutinadas e sufixos

grudam-se a palavras plenas;

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4. estágio da flexão: palavras gramaticais ligam-se a raízes, com alteração do

esquema acentual, apagamento dos limites entre as palavras e criação de

regras de ligação.

Hodge (1971), estabelecendo um diálogo com esse teórico, simplificou os

estágios em dois. A saber:

1. sintaxe forte e morfologia fraca, que correspondem aos estágios 1 e 2 de

Humbolt;

2. sintaxe e morfologia forte, que correspondem ao estágios 3 e 4 de Humbold.

Segundo Castilho (1997, p. 31), a gramaticalização constitui

o trajeto empreendido por um item lexical, ao longo do qual ele muda de categoria sintática (recategorização), recebe propriedades funcionais na sentença, sofre alterações morfológicas, fonológicas e semânticas, deixa de ser uma forma livre, estágio em que pode até mesmo desaparecer, como consequência de uma cristalização extrema (...) é a codificação de categorias cognitivas em formas linguísticas (...).

Assim, temos no processo da gramaticalização, visivelmente, quatro fases:

Sintaticização; Morfologização; Redução fonológica; Estágio Zero, que foram

organizadas e esboçadas por Lehmann (1982, p. 13) da seguinte forma:

Fases da gramaticalizaçãoNível Discurso > Sintaxe > Morfologia > Morfofonêmica > Zero

Técnica Isolante > Analítico > Sintético-aglutinante > Sintético –flexional

FaseSintaticização (quando uma classe de palavra X passa à classe de palavra Y)

Morfologização (quando há uma criação de formas presas, quer seja afixo

flexional, quer seja afixos derivacional)

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Desmorfemização (quando formas livres fundem-se com outras formas

livres, transformando-se em formas presas.

Processo GRAMATICALIZAÇÃO

Analisando essas fases e o pronome você , teríamos:

(i) A sintatização de um item linguístico é a sua recategorização. A esse despeito,

a expressão nominal Mercê recategorizou-se para a forma nominal Vossa Mercê, e,

posteriormente, para a forma pronominal de segunda pessoa você. Observemos:

Mercê (item lexical) > Vossa Mercê (forma nominal de tratamento).

Vossa Mercê (forma nominal de tratamento) > você (forma pronominal de tratamento).

(ii) A morfologização é o processo de perda de função e produtividade de

morfemas (HOPPER, 1994).Conforme discutiremos em Uns desvios no caminho

estabelecido : ocê e cê, a forma reduzida do você, o pronome cê, é analisado em

estudos atuais com um grande indício de cliticização.(Cf. Seção 5).

(iii) A desmorfemização ou redução fonológica, etapa considerada bastante visível.

É perceptível na perda de massa fônica ocorrida do Vossa Mercê > você. Nesse

processo, houve a redução de dois vocábulos para um vocábulo e,

consequentemente, de quatro sílabas para um vocábulo dissílabo.

(iv) O estágio zero seria o momento no qual a forma de tão utilizada vai deixando

de ser funcional e tornando-se “antifuncional” e, na busca, de uma melhor

representação do pensamento e de uma maior interação, outras formas vão sendo

utilizadas. Como aconteceu com o Vossa Mercê que foi substituído pelo você, ou

com o vós que foi substituído por vocês.

Após apresentar as fases da gramaticalização, Lehmann (1982) lista cinco

tendências que, simultaneamente presentes em um item, retratam o fenômeno da

gramaticalização:

(i) Paradigmatização: tendência das formas em se organizarem em paradigmas.

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As locuções nominais Vossa Mercê, Vossa Senhoria, Vossa Alteza são

exemplos de pronome de tratamento que são substituídos em um eixo

paradigmático, no qual a estrutura formada por Vossa + N permanece e apenas vão

ser alterados os N. Atentemo-nos para a regularidade da construção :

(6)Como milhor sabe Vossa Alteza que hua das propriedades do magnânimo he querer ante dar que receber (...). e, como quer que em vossos factos se

podessem achar cousas assaz dignas de grande honra, de que bem poderees mandar fazer vellume, Vossa Senhoria, husando como

verdadeiro magnânimo, a quis antes dar que receber. E tanto he vossa magnanimidade mais grande quanto a cousa dada he mais nobre e mais excellente. Pollo qual, stando Vossa Mercee o anno passado em esta cidade, me dissestes quanto desejavees veer postos em scripto os feitos do Senhor Iffante dom Henrique vosso tyo (...).

O paradigma encontra-se de tal forma cristalizado que, até mesmo quando a

concordância se faria através da forma pronominal sua, a forma vossa é a primeira a

ser lembrada, como podemos observar no fragmento seguinte, no qual utiliza-se a

forma vossa e, percebendo o equívoco, faz a correção, optando pela forma sua.

(7)(...) Vossa mercê │o constado das Listas que sepagão │emcada hum quartel de trez meszes em cada anno e o da arrema-│taçam dos Contractos que pela bre-│vidade não vai neste nos enten│demos que o governador e Ca-│pitam Geral escreve a Vossa digo│a Sua Magestade sobre esta ma-│teria (...) (apud ANDRADE, 1990,CARTAS DO SENADO, p. 18)

(ii) Condensação: tendência das formas a sofrerem redução.

A locução nominal Vossa Mercê, por força do uso, sofreu redução em sua

forma que passa a ser vossemecê, vosmecê e, posteriormente, você. Observemos a

convivência da formas Vossamercé e Vossa Mercê em um mesmo texto.

(8)Pella Frota recebemos a Carta de Vossamercé de doze de Abril do-pre-│zente anno com as copias │incluzas edellas vemos os │termos emque seachão os │negocios deste Senado que │esperamos do zello eactivi-│dade de Vossa mercê se │concluão com abrevidade │possível, ecomo dezejamos│para devermos a Sua deli-│gencia esta fortuna. Nes-│ta occaziam senos oferese │dizer a Vossa Mercê que │tornamos asuplicar(...) (apud COSTA, 1952,SILVEIRA, 1710-1730, p. 133).

(iii) Obrigatoriedade: tendência das formas a se tornarem obrigatórias.

Você, nessa disputa com os outros pronomes pessoais, torna-se a forma

eleita e mais produtiva na linguagem coloquial. É usado diversas vezes em um

mesmo enunciado, conforme 8, e também é empregado para substituir outros

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pronomes . No exemplo 9, substitui o pronome de primeira pessoa e, no exemplo 10,

é empregado para referir-se à segunda pessoa.

(9)Porque + hoje em dia eu num tenho condição de teø um trabalho bom + porque em todo lugaø que você procura um emprego + tem que ter uma referência, né? (MLS).

(10)E eu tô decepcionado, porque você sabe que dificuldade pra pessoa na [mi] minha idade chagar a um colégio hoje pra ensinar (WL).

(iv) Aglutinação/ coalescência: tendência das formas adjacentes a se aglutinarem

Em um estágio mais avançado do você, o cê, agindo como clítico, aglutina-se

ao verbo. (11)Bom, cê diø se eu, se eu ganhasse, né? (WL).

(v) Fixação: a tendência das formas a se fixarem em uma determinada ordem

linear.

O cê, clítico, penúltimo estágio da gramaticalização, tem o seu uso fixado nas

posições pré-verbais. Enquanto o você ocupa posições pré-verbais e pós-verbais,

como sujeito, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal.

(12)você levanta só uma vez (sujeito) (JAS).

(13)O amigo mesmo não é só aquele que vê você com dinheiro e chega perto de você. (objeto direto e complemento nominal) (JN).

(14)você trabalha pra você (sujeito e objeto indireto) (MLT).

Ao passo que o cê permanece inalteravelmente como sujeito.

(15)você vai, você faz seu pedido, bota lá, cê abraça um amigo, cê ora, você canta (RAM).

Para Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991), o processo de gramaticalização

estabelece-se em uma escala crescente de abstratização - do mais concreto para o

menos concreto - sendo determinada por uma transferência do universo referencial

para o gramatical. Martelotta, Votre e Cezário (1996) concebem também a

gramaticalização como processada em uma gradação de abstraticidade que envolve

quatro diferentes níveis e apontam-nos:

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(i) cognitivo, no qual , através do processo de mudança metafórica, elementos do

mundo concreto (do léxico) migram para um mundo mais abstrato (da gramática);

(ii) pragmático, no qual é manifestada a intenção comunicativa do falante que

visando facilitar a compreensão do ouvinte, utiliza conceitos mais concretos e mais

conhecidos para expressar idéias novas.

(iii) semântico, no qual o falante explicita um sentido novo para o ouvinte,

baseando-se em significados mais velhos.

(iv) sintático, no qual a gramaticalização é estimulada por certos contextos/aspectos

sintáticos que pressionam e justificam por que a mudança tomou um

determinado caminho e não outro.

Com relação à gramaticalização sob o olhar da abstraticidade, podemos

constatar que, em princípio, a forma mercê sai do léxico, cujo sentido é

agradecimento, generosidade, graça, pedido e, adjungida ao pronome possessivo

relativo a P5, vossa, transforma-se na locução Vossa Mercê, forma de referência

usada , inicialmente, à figura real e, posteriormente, aos superiores. Há um

processo de migração da forma que sai do léxico, como mercê, e vai para a

gramática, como Vossa Mercê, conforme previsto no nível cognitivo.

A seguir, exemplos retirados de uma carta de D. João I e de carta datada no

século XVII, nas quais aparecem a forma mercê significando graça,pedido e a forma

Vossa Mercê sendo usada como referência à autoridade.

(16)(...) porque todos recebião dele grandes e aynadas merces, cada huu em seu estado.

(17)(...) porque sempre lhes procurarião dapno e morte deshomrra, que lhe pedião por mercê (...).

(18)(...) outros sy lhe outorguamos e damos as gracças e merces, doações e liberdades e privilegio em capitolos juço escritos contheudos (apud COSTA, 1952,D. JOÃO I, p. 3; 5; 9).

(19)Estimo muito as boas novas que Vossa Mercê me dá de se haver recolhido com saúde a sua casa, onde ficará logrando o descanço que por cá lhe faltava.

V. M., que sempre foi injusto venerador das Côrtes estranjeiras, me diz que se acha muito só na nossa Corte; porém, nela melhor que nas outras viverá V. M., ainda que em menos concurso com menos concorrentes (apud COSTA, 1952,CARTA DE 25 DE AGOSTO DE 1697, COLEÇÃO DE CLÁSSICOS SÁ DA COSTA, p. 2).

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Ou constatemos ainda nas Cartas Históricas da Paraíba (Séc. XVIII e XIX), na

qual há a convivência das formas Merces (mercê), Vossa Mercer (Vossa Mercê) e

Vosse (você).

(20)(...) Que sendo elle presente as duvidas que tem ocorrido na Chancellaria Mor do Imperio, sobre a exacta arrecadaçaõ dos Novos Direitos, que saõ devidos a Fazenda~Naional, pelas Merces, de todos os officios de Justiça, e Fa=zenda: Hey por bem novamente Ordenar=.sendo estas as primeiras, que recebi suas posto Vossa Mercer me assevere já serem duas, apesar deque eu pela minha parte tão bem tem si=do omeu silencio endescupavel.Quero hoje receber de Vosse um favor do qual espero me ofará, por o naõ ser dificultozo (apud FONSECA, 2003,ARQUIVO HISTÓRICO, DOCUMENTOS IMPERIAIS, C. 117; C 97; C 203).

O você, no discurso, comporta-se ora como P2, função canonicamente

reconhecida, mas também como P1 e como genérico, a depender do efeito de

sentido que o falante queira produzir. Ele utiliza uma forma já gramatical e atribui a

essa forma um sentido novo, tal qual propõe os níveis semântico e pragmático. Os

exemplos seguintes retratam um mesmo falante usando o item você com diferentes

sentidos. (21)até se você quisesse filar, ele não tava nem aí. (genérico) (EFS).

(22)você me pegou. (P2) (EFS).

(23)Eu creio que é a coisa: pior que existi você: ser violentado por qualquer que seja a pessoa, qualquer coisa. (P1) (EFS).

Hopper (1991), buscando oferecer suportes que auxiliassem a identificação

de um item gramaticalizado, em um estágio ainda inicial e não em um estágio

adiantando ,como a proposta supracitada de Lehmann, estabelece cinco princípios

básicos que desvelam a gramaticalização de um item relacionando aspectos

sincrônicos e diacrônicos e, esses princípios, é que serão os faróis da nossa análise.

Estratificação (layering) - Compreende o momento no qual, dentro de um

domínio funcional amplo, novos estratos estão continuamente emergindo. Ao

emergir um novo estrato, os antigos não são necessariamente descartados,

podendo, pois, permanecer e co-existir com os mais recentes em uma mesma

sincronia.

Dentro de um domínio funcional, sempre podem coexistir formas novas com

formas já existentes na língua. A título de exemplo, apresentamos dois fragmentos

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de cartas, um do final do século XVIII e outra do início do século XIX, nas quais a

forma nominal Vossa Mercê convive com a forma pronominal você.

No princípio da estratificação, percebemos que há a constatação de que uma

das consequências da gramaticalização é a convivência de soluções gramaticais

distintas em um mesmo corte sincrônico,

(24)(...) fazendo VossaMercê ao mesmo tempo todaz as observaçoenz, que lheforem possiveiz para se haver deformar humMappa domesmo Continente (...) (apud RUMEU, 2004,CARTA OFICIAL MARQUÊS DI LAVRADIO. RJ, 15. 02. 1774).

(25)Você tem sido batido na Câmera pelos Hollandezes (...) (CARTA NÃO- OFICIAL. J. F. DA C. MIRANDA. RJ, 30. 07. 1835).

Divergência - Significa que, quando uma forma lexical gramaticaliza-se, a

forma fonte original pode permanecer como um elemento autônomo e, enquanto tal,

sofrer as mesmas mudanças a que estão submetidos os itens lexicais que integram

sua classe. Assim, há a existência na língua de pares de formas de etimologia

comum, mas de funcionalidade diversa.

Atentamos para o fato de que, embora, na passagem do vocábulo mercê

(substantivo) para Vossa Mercê (pronome), tenha acontecido uma evolução de um

item lexical para um item mais gramatical (pronome), o item original mercê tem a sua

forma e significado preservados, como no fragmento de carta no qual o item mercê,

é usado com o sentido de graça, no início do século XIX, uso que diverge do

exemplo (25), também datado no século XIX.

(26)Havendo Sua Alteza Real o Príncipe Regente feito Merce’a Jozé Francisco de Andrade Almeida (...). (apud COSTA, 1952,CARTA OFICIAL. JOZÊ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA. RJ, 21. 06. 1822).

Especialização - Refere-se ao estreitamento das possibilidades para se

codificar uma determinada categoria (redução de variantes), à medida que uma

destas opções começa a ocupar mais espaço pela sua condição de mais

gramaticalizada. Uma consequência, indício, portanto, desta especialização, é o

aumento na frequência de uso da forma mais adiantada no processo de

gramaticalização e, assim, há a tendência de uma forma tornar-se mais obrigatória,

já que a escolha e uso da outra forma diminuem.

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Temos, como exemplo, o uso do Vossa Mercê que, ao se pronominalizar,

começa a assumir a função de sujeito, função inerente a das formas pronominais,

como em:

(27)MEUS SENHORES = As copias incluzas hé do que tenho escripto a Vossas mercês despois dachegada da frotta eagora o continuo o remetendo as segundas vias (...). (apud COSTA, 1952, CARTA OFICIAL. MANOEL DA SILVEIRA MAGALHAENS. BA, 1727).

Persistência - Diz respeito à manutenção de traços semânticos da forma

fonte, por parte da forma em processo de gramaticalização. A preservação dos

traços perceptível nos estágios iniciais e intermediários da gramaticalização pode se

diluir nas etapas mais avançadas. Todavia, mesmo imperceptível aos olhos leigos

em linguística, é a persistência que, em muitos casos, explica certas restrições

experimentadas por um dos estratos. A função sintática assumida pelo Vossa

Mercê, sujeito pleno permanece na forma pronominal você, como pode ser

contatado em (28) , (29) e (30):

(28)(...) Vossa mercê nos escreve que vinhão respondidas as Cartas passadas digo as cartas que na frota passada (...) esperamos dever a Vossa mercê toda aplicaçam neste particular pela grande utilidade da Sua conceSsão resulta como ellas também escreveam a Vossa merce (...). (apud COSTA, 1952,CARTA OFICIAL. CAMARA DA BAHIA, 22 de março de 1721).

(29)May0 num é p0a da0, no dia que você fo0 (MHS).

(30)Você sabe que tem professores que não tratam o aluno condignamente

(WL).

Decategorização - Remete à perda, por parte da forma em processo de

gramaticalização, dos marcadores opcionais de categorialidade e de autonomia

discursiva. Os nomes deixam de identificar participantes no discurso e, os verbos, de

reportar novos eventos.

As formas, em geral, tendem a perder os traços das categorias mais lexicais

ou plenas e passam a assumir marcas de categorias secundárias. Neste caso, há

um processo de encaixamento das classes gramaticais de categorias maiores em

categorias menores, como no esboço:

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Nome Adjetivo Preposição

Verbo Advérbio Conjunção

Em nosso objeto de estudo, o deslocamento do Vossa Mercê para o você não

alterou a permanência desses itens no sintagma nominal (SN). No entanto, no

primeiro momento, ainda enquanto locução nominal, o Vossa Mercê é um nome (N)

reescrito através de um determinante (det) e de um nome (N) e, no segundo

momento, como você, configura-se apenas como pronome (Pro).

SN SN

Det N Pro

Convencido de que os princípios de Hopper “combinam processos e estágios

aos princípios propriamente ditos”, o que significa dizer que há, nos princípios, uma

fusão entre “os mecanismos que levam uma categoria lexical a transformar-se em

uma categoria gramatical, e de outro lado há os princípios gerais que regem essa

mudança de estatuto”, Castilho (1997, p. 52) propõe quatro princípios que

caracterizam , a nosso ver, melhor os estágios de gramaticalização.

Analogia - Princípio, em um eixo paradigmático, no qual as formas já

existentes na língua passam a desenvolver outras e novas funções. Não há o

surgimento de novas estruturas linguísticas, mas sim de “novas” funções que

passam a ser desempenhadas pelas “velhas” formas (estruturas) já existentes.

Reanálise - Princípio, em um eixo sintagmático, no qual as formas já

existentes, como resultado de reflexos de novas interpretações e inferências, sofrem

alteração semântica. Esse princípio possibilita o surgimento de novas formas, em

oposição ao anterior.

Continuidade e gradualismo - Princípio no qual há a compreensão de que a

gramaticalização é um processo clítico e efetiva-se de forma contínua e gradual.

Assim, a variação não constitui apenas o ponto de partida, mas também o ponto de

chegada da trajetória de uma mudança.

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Unidirecionalidade - Princípio que ocupa lugar central nas discussões sobre

gramaticalização. Defendido por Hopper e Traugott (1993), diz respeito à linearidade

que o processo de gramaticalização acontece, desenvolvendo-se sempre da

esquerda para a direita, havendo invariavelmente um estágio A que deve ser

seguido pelo estágio B, sem a possibilidade do caminho inverso, ou seja, (A B).

Assim, esboçada, temos :

Item lexical pleno>palavra gramatical>clítico>afixo derivacional.

É válido ressalvar que, nesses princípios propostos por Castilho para

compreensão das etapas de gramaticalização, não são colocados os limites da

obrigatoriedade, da simultaneidade e nem do isolamento e não há hierarquia de

precedência entre eles para que o processo de gramaticalização de um item se

efetive.

No item estudado, chamamos a atenção para o você que, inicialmente, surge,

no evento discursivo, ocupando a função de interlocutor e que, na atualidade, amplia

o seu leque de sentidos para a primeira pessoa e como genérico. Esse pronome,

oriundo da forma Vossa Mercê, sofre redução para formas como cê, ocê, tornando

patente a continuidade e gradualismo e, ao elencarmos o mercê, vossa mercê, você

e cê constatamos a trajetória unidirecional vivida por esse item.

Consoante Givón (1979), a unidirecionalidade está estreitamente relacionada

ao processo cíclico e, dessa forma, o esquema processual deve ser assim

compreendido. Para esse teórico, inicialmente, alguns itens lexicais começam a ser

usados em determinados contextos pelos falantes, desempenhando certas funções

gramaticais, ainda não cristalizadas na língua, mas reconhecidas pelos

interlocutores que fazem parte daquela enunciação. Por meio da frequência

repetitiva de uso, o item linguístico, antes com características inovadoras, torna-se

previsível, regular e, como resultado desse novo status atingido por esse item

linguístico , ele sofre (re) construções sintática e morfológica próprias e, ainda, pode

desenvolver-se como um clítico ou afixo, formas menos dependentes.

Posteriormente, a partir de um possível desgaste formal e funcional, certamente, um

novo ciclo será iniciado. Algo que aconteceria na língua, dessa forma:

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Discurso> sintaxe> morfologia> morfofonêmica>zero

Corroborando com isso, Heine et al (1991) asseguram que uma propriedade

intrínseca do processo de gramaticalização é a unidirecionalidade.E, nesse

processo, algumas características emergem: precedência do desvio funcional

(conceptual ou semântico) sobre o formal (morfossintático e fonológico);

descategorização de categorias lexicais prototípicas; possibilidade de

recategorização, com restabelecimento da iconicidade entre forma e significado;

perda da autonomia de um elemento (palavra autônoma > clítico > afixo); erosão e

enfraquecimento formal. Assim, com um grau de abstração crescendo, os itens

lexicais passando da condição de mais concretos para menos concretos, há uma

nítida inclinação destes a perda de transparência semântica em relação ao

significado de origem, podendo ou não mudar de categoria gramatical, mas

obedecendo à escala gradativa proposta. Parte-se, então, da noção de espaço,

podendo ou não passar pela noção de tempo e indo em direção a uma categoria

mais abstrata de texto. O que poderia ser representado da seguinte forma:

Pessoa>objeto>espaço>tempo>qualidade

ou

Espaço> (tempo) > texto

Outras discussões funcionalistas, no entanto, questionam mais do que os

termos utilizados no percurso; questionam o critério da unidirecionalidade da

mudança e, a partir dessa reflexão, sugerem outros possíveis caminhos como a

desgramaticalização, a ressemantização. (CASTILHO, 1997).

Pensamentos contrários à unidirecionalidade, por exemplo, são formulados

por alguns teóricos que, acreditando na condição do sistema de (re) formatar ou (re)

habilitar itens linguísticos, defendem que a direção da gramaticalização possa ser

realizada de forma diferente. 22

É salutar ainda elencar outros temas que são veiculados nessa teoria, como

iconicidade, marcação, prototipia, gramática funcional. Termos que por ora apenas

mencionamos, pois retomaremos com detalhes em outras discussões presentes

nesse estudo.

22 A esse respeito, ver Traugott (1995) e Alves (2004).

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2.2.5 Outras palavras...

Em linhas gerais o percurso da gramaticalização foi realizado. No caminho,

vislumbramos a sua origem, os teóricos funcionalistas e suas propostas,

intercalando ,sempre que possível, a análise do nosso objeto de estudo.

O que se constitui verdade maior, nesse momento, é a idéia de que os itens

linguísticos dispostos no repertório de uma língua não estão terminados, estão em

um constante processo de formulação e reformulação por motivações internas ou

externas ao sistema, “afinando e desafinando”.

Partimos com o personagem mercê, como item linguístico de uma cadeia

linguística, que por força das pressões externas e motivações, em uma cena

discursiva, torna-se uma outra personagem Vossa Mercê, item gramatical, e que, ao

longo dos anos e por força de um uso frequente, metamorfoseia-se em você. Essas

duas formas concorrem para a mesma função e a forma você se estabelece.

Atualmente, também, transformada no afixo cê.

mercêVossa Mercê

você você > cê

Na próxima subseção, veremos questões sobre referenciação, que irão nos

subsidiar para compreender a ampliação semântica ocorrida com o pronome você.

92

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2.3 Nos caminhos da referenciação

2.3.1 Entendendo a trilha da referenciação

Nesta subseção , iniciamos o nosso percurso pela via do signo linguístico.

Apresentamos e revisitamos, então, um caminho que se subdivide em dois pontos

de vista: a definição de signo proposta por Saussure e a definição de signo de

Ogden e Richards, na qual é acrescida ao signo um terceiro elemento, a referência,

não considerado pela teoria estruturalista.

Em seguida, discutimos referência e referenciação e manifestamos os

motivos que nos levam a optar por esta trilha e, ainda, completando esse percurso,

trazemos uma discussão sobre o objeto do discurso e o objeto do mundo,

observando se a correspondência existente entre palavras e coisas é preexistente

ou construída em uma inter-atividade.

Nas discussões realizadas, procuraremos discorrer sobre as convergências e

complementaridades das abordagens teóricas.

Vamos lá!

2.3.2 Teoria do signo: uma avenida

O próprio da linguagem é, antes de tudo, significar. Benveniste

Cronologicamente, na 1ª. metade do século XX, houve a extradição do

referente23 no domínio da ciência linguística, sob a justificativa de que a língua era o

único e legítimo objeto da linguística, período fortemente influenciado pelas idéias

saussurianas que privilegiavam a língua em detrimento da fala. Na segunda metade

do século XX, houve a reabilitação da importância do discurso e da enunciação no

seio da ciência linguística sob a orientação de Benveniste. O sentido, então,

23 Cardoso (2003, p.130) diz que não se pode afirmar categoricamente que Saussure extraditou a referência do quadro da lingüística moderna, por incorrer no erro de defender um ponto de vista demasiadamente radical e ignorar o fato de que a questão da referência trabalha em profundidade o pensamento de Saussure.

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reaparece com “ares” de dependência do contexto, da situação, dos interlocutores e,

no final do século XX, correntes que estudam o discurso erguem a bandeira da

reciprocidade e interdependência da linguagem e da realidade, reconhecendo,

sobretudo, a heterogeneidade discursiva.

É interessante observar que a linguagem, no século XX, perpassa do conceito

inicial e singular de expressar o pensamento ou agir apenas como instrumento de

comunicação para uma atividade que atua interativamente em uma formação

discursiva sobre os interlocutores. É, assim, fortalecido o entendimento de que a

linguagem resulta na ação, ou melhor, na interação. Essa concepção de linguagem

será a estrela que guiará, abrirá novos caminhos e respaldará novas discussões

linguísticas, como veremos adiante.

A realidade é traduzida para o homem através da linguagem, mais

especificamente, através dos signos24 e, dessa forma, é somente o que a nossa

língua nomeia que é percebido por nós no mundo. As palavras criam conceitos e os

conceitos ordenam a realidade, categorizam, organizam e interpretam o mundo e,

dessa maneira, independente do que nomeiem, formam um sistema autônomo e

representam o mundo de forma diversa. Fiorin (2000, p. 57) chama a atenção, no

entanto, de que “a língua não é uma nomenclatura aplicada a uma realidade cuja

categorização preexista à significação.”

Falar em signo linguístico é quase que sinônimo de falar em Saussure. Com

ele, a Linguística avança da condição de ciência de um objeto dado para a condição

de um objeto instituído por ela e é com esse teórico que procede a teoria do Signo

Linguístico.

Ao estabelecer uma crítica aos estudos realizados sobre a língua até aquele

século, a saber, século XX, Saussure (1995, p.22) afirma ser equivocado conceber a

língua como uma “lista de têrmos (sic) que correspondem a outras tantas coisas.”

Para o teórico estruralista, essa concepção é susceptível à crítica por, entre outros

fatores:

supor a existência de idéias feitas antecedendo (preexistentes) às palavras;

supor que a relação existente entre nome e coisa constitua uma operação

simples.

24 Na Idade Média, o signo era definido como aliquid pro aliquo, alguma coisa em lugar de outra..

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Hjelmslev (1973) apresenta uma outra concepção de signo e assegura que o

signo resulta da união de um plano de conteúdo a um plano de expressão e que, em

cada plano há dois níveis: a forma e a substância. Dessa maneira, existem uma

forma do conteúdo e uma substância do conteúdo (conceitos) e uma forma da

expressão e uma substância da expressão (sons), nas quais se articulam as

diferenças fônicas, semânticas e as suas regras combinatórias.

Para Arnauld e Lancelot (2001), no entanto, o alicerce que fundamenta a

linguagem são os signos do pensamento, cuja função é expressar o pensamento do

homem através de som e de caracteres. Dessa forma, os gramáticos reconhecem

que primeiro advém o pensamento e, depois, o signo exterioriza-o, expondo tanto a

concepção de mundo como os valores e julgamentos dos usuários da língua.

A palavra não é necessária ao ato do pensar, mas para significar o

pensamento a palavra é essencial, tendo em vista que é ela que media a relação

entre as coisas e o pensamento. Na concepção estruturalista, o signo linguístico é

uma entidade psíquica de duas faces intercomplementares: um conceito,

convencionalmente estabelecido, a uma imagem acústica, que pode ser pensada (a

palavra) ou falada, relacionados de tal forma que um reclama o outro, e não apenas

se ajustam como mero resultado da associação entre uma coisa e uma palavra.

Esses elementos, nomeados como significado e significante, poderiam ser

representados da seguinte forma:

Ilustração 13 : Signo Linguístico

Neste esboço, as setas unilaterais, em direções inversas, refletem o

movimento do conceito e da imagem acústica pelo qual perpassa o signo. É certo

que um significante unicamente torna-se signo ao manifestar a relação com o

elemento significado, mas essa proposição nem sempre encontrou terreno estável.

Para os clássicos, havia a concepção de representação externa na qual um signo

era sempre signo de alguma coisa, ou seja, tinha a função de representar o

96

Conceito

Imagem acústica

Imagem

acústica

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elemento; ou a representação interna, na qual o signo era a própria coisa, a própria

representação do elemento.

Ao discutimos, posteriormente, a referência do signo você, elegemos a

concepção, ancorados em Foucault (1997), de que o signo representa, ao tempo,

em que também é preciso que essa representação esteja intrínseca nele no ato de

enunciação. Uma espécie de jogo de espelho no qual o signo representa e é

representado simultaneamente. Somente a partir dessa fundamentação é possível

compreender a homologação dos interlocutores diante de significados diferentes

para um mesmo significante. O elemento significante (se) torna-se signo exatamente

porque representa, mas é condição essencial que essa representação ache-se

também representada nesse significante.

Richards e Ogden, em 1923, retomando os estóicos25, propõem, com relação

à teoria do signo linguístico, o acréscimo de um outro elemento: a coisa referida ou

referente. Saussure excluiu o referente do signo como uma tentativa de anular

historicamente o momento contratual de nomeação e de afirmar que recebemos o

pacote língua já pronta, fruto de uma herança de épocas anteriores. Essa

representação do signo linguístico, ora binária, através do significante e do

significado, passaria a ser uma relação triádica26, esboçada, agora, assim:

pensamento ou referência ( significado)

símbolo referente ou coisa referida

(significante) (objeto)

25 Os estóicos apresentaram uma tripartição para definir o signo. A questão da referência encontra-se entre as vértices 2 e 3 do triângulo.

26 Eco (1997 apud CARDOSO, 2003, p.10) apresenta um inventário dessa terminologia:1.Significado: interpretante (Peirce), sentido (Frege), intensão (Carnap), comotação (Mill), imagem mental (Saussure, Peirce), conceito (Saussure), conteúdo (Hjelmeslev).2.Palavra: signo (Peirce), veículo sígnico (Morris), expressão (Hjelmeslev), representamen (Peirce), significante (Saussure), símbolo (Richards), significatum (Morri).3. Referente: objeto (Frege, Peirce), denotatum (Morris), significado (Frege), extensão (Carnapi), denotação (Russell).Às vezes, segundo Cardoso (2003), essas diferenças encerravam apenas divergências terminológicas e, outras vezes, são conceituais.

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------------------ Ilustração 14 : Proposta de Richards e Ogden

A proposta apresentada por Richards e Ogden preserva a relação entre

significante e significado estabelecida por Saussure e, ainda, adiciona o elemento

denominado referente ou coisa referida que, no discurso, representa o elemento

associado à realidade sociocultural. Com essa representação, esses estudiosos

estariam, de certa forma, compensando (reparando) a extradição do referente

realizada no estruturalismo e trazendo a realidade, o elemento, nesse momento,

visto como necessário, para compor a relação entre significante e significado.

A arbitrariedade do signo, “elo que une o significante ao significado é

arbitrário” (SAUSSURE, 1995, p. 103), desloca-se nessa proposta. Assim,

reconhecemos que as formas sofrem variação, quiçá mudança, nos eixos temporal e

espacial motivadas por fatos de ordem social e interativa. Saussure refere-se a isso

como “elemento imposto de fora” e Benveniste (1995, p. 58) associa sabiamente à

referência.

Para nós, essa tríade legitima a própria noção de sistema saussuriano, uma

vez que compreende a língua como um todo e, dessa maneira, fortalece a

impossibilidade de desvencilhar os signos da enunciação e o agir/atuar da realidade

sobre o significado e sobre o significante.

Enquanto Frege (1978) e Russel (1978) postulavam que a referência das

palavras (o que elas designam) devia ser feita abstraindo o fato de sua enunciação,

Benveniste afirma ser impossível, ao usar a palavra, não deslocá-la para o interior

da própria enunciação e, daí, estabelece uma crítica que respinga na concepção

saussuriana de arbitrariedade do signo linguístico, porque embora o estruturalista

advogue a favor disso, não enxerga essa característica como fruto da relação do

signo com a realidade, pois esta é quem determina o significante.

É válido refletir, a nosso ver, sobre a definição de Blikstein (1983) com relação

à realidade. Esta para ele não passa de um produto de nossa percepção cultural.

Dessa forma, a percepção dos objetos pelo falante está estreitamente relacionada

(ou mesmo condicionada) as suas práticas culturais que, por sua vez, têm

sustentação e sentem-se representadas na linguagem. Por conseguinte,

compreender o signo linguístico precede o estabelecimento da relação signo e

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realidade e esta, por sua vez, precede, da relação com a cultura. Pensar em signo

sem fazer essas relações é antifuncional, tendo em vista que a prática social é o

grande acelerador do referente, o ativador de crenças, atitudes e propósitos

comunicativos.

O signo, mesmo diante das resistências impostas, parece conseguir romper o

significado já cristalizado, sobrepor e apropriar-se de um outro significado. Isso se

dá através da configuração do referente em um discurso, pois a presença do signo

no ato discursivo não representa a realidade autônoma e em si mesma, mas a

realidade que passa a ser construída ou mesmo reconstruída no ato discursivo com

a ação dos interlocutores.

A par disso, argumentamos que seja uma verdade a existência de uma

suposta organização dos signos no nosso universo de conhecimento e,

evidentemente, uma correlação de sentido que associamos a esse signo. Mas há

outras verdades que dizem respeito à fluidez semântica do signo, que possibilita o

deslocamento do significado de um mesmo significante. Parece-nos que,

inicialmente, os falantes, arquivam em sua memória o sentido primeiro, literal, em

estado de dicionário, canônico e, com o tempo, tendo esses sentidos de origem, em

seus aparatos psicológico e biológico, passam a ter mecanismos de associação,

compreensão, que os permitam ativar/estabelecer os sentidos outros em um dado

contexto. Uma espécie de sentido “primitivo” armazenado que, diante da

situação/contexto, gera um sentido “derivado”.

Os sentidos, dessa maneira, não são previamente ofertados por uma relação

unívoca significado (so) - significante (se), mas são, antes de tudo,

edificados/consolidados em uma relação de interação /negociação. “A língua não é o

limite da realidade, nem o inverso. Língua é trabalho cognitivo e atividade social que

supõe negociação” ( KOCH; MARCUSCHI, 1998) . Assim, a referência é negociada

em função de contextos e dos interlocutores, da interação e das necessidades

enunciativas, mas afirmar isso não equivale dizer que os signos partem do grau zero

de significância, mas, sim, evidenciam que “não há realidade independente de

posturas, aspectos e pontos de vista.” (SEARLE, 2000, p. 28).

O falante opera o material linguístico que tem a sua disposição, realiza

escolhas adequadas e representa as coisas de modo condizente com o sentido que

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pretende estabelecer. Ao usar o pronome você com distintas representações,

entendemos que o falante faça uso de um significante que carrega em si a

possibilidade de significados distintos e transporte os significados do você para o

que deseja dizer.

Na nossa análise, podemos constatar que, em um eixo paradigmático, há o

estreitamento de significado para o significante você e esse signo, constituído pelo

mesmo significante que ora carrega o significado 1, ora o significado 2 e ora o

significado 3, é sancionado no ato discursivo pelos falantes que participam dessa

enunciação.

significante significado

VOCÊCom valor de primeira pessoa (P1)

Com valor de segunda pessoa (P2)

Com valor genérico

Quadro 2 : Significados do você

O sujeito, na interação verbal, opera com o material linguístico que dispõe no

seu repertório, realizando escolhas significativas que melhor expressem e

concretizem a sua proposta de sentido. Temos um pronome você, bem produtivo,

uma boa forma a ser utilizada e que o falante, no processamento do discurso, vai

metamorfoseando o seu sentido para que ali esse signo obedeça ao seu querer

dizer. No quadro seguinte, há uma interface entre o significante você e o significado

que este assume quando usado plenamente no evento discursivo, através de

fragmentos de fala do corpus do VALPB.

significante Uso no evento discursivo

VOCÊ ( (31)Às vezes você vai com o dinheirinho contadinho. A semana passada eu

levei, deu, aí quando chegar lá já num é, você faz a metade, quer dizer, que

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(P1)você com dinheiro você num vai se preocupar com isso, né? (VEF).

VOCÊ

(P1),(P2) e (P1)(32)Olhe, você quando quer mandar escrever uma carta, por exemplo, eu

não sei ler, aí eu mando você escrever uma carta pra mim: você sabe (IMS).

VOCÊ

(GENÉRICO)

(33)A causa é problema produtivo do Brasil e distributivo de renda, porque

[se você] nós nós tamoø no interior produzindo tivemoø trabalhar (LGP).

Quadro 3 : A realização do você no evento discursivo

Essa é uma atividade de linguagem, na qual o objeto-de-discurso você é

construído e reconstruído com o objetivo de imprimir nos enunciados em que se

inserem orientações argumentativas propostas pelos produtores das falas.

Na fala (31) ,observe que VEF, ao responder a pergunta sobre a importância

do dinheiro, alterna entre o pronome você e o pronome eu. Afirma que levou o

dinheiro contado, mas faz isso a partir do pronome você, muda para o pronome eu e

retorna ao pronome você. Fato que sinaliza, explicitamente, que, ao usar o você, a

falante refere-se a ela e a uma situação vivenciada por ela.

Na fala (32), ao ser perguntado sobre a importância de saber ler, IMS, que

não possui essa habilidade, usou o você, claramente no sentido P1, e, em seguida,

reforçou esse argumento usando o pronome eu. Interessante observar que,

posteriormente, fazendo referência ao interlocutor que sabe ler, novamente, em

duas situações, foi usado o pronome você, curinga na situação, para referir-se ao

interlocutor.

Na fala (33), para comentar sobre o problema produtivo do Brasil, a intenção

é discutir o assunto de forma generalizada, não falando especificamente de uma

pessoa, mas de um coletivo. Dessa forma, LGP utiliza, primeiramente, o você e

depois o pronome nós, confirmando o valor de genérico naquele pronome.

Questionamos, então:

(i) Existirá um significado único e estável para o significante você, conforme

ilustração 16?

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(ii) Ou o significado (pensamento ou referência) para o significante (símbolo) você é

dependente do contexto discursivo e só poderá ser identificado no discurso no qual

está sendo realizado/ou inserido, conforme ilustração 17?

2.3.3 A questão da referência: uma outra avenida

Na teoria gramatical, essa liberdade que o vocábulo encontra na fala é

cerceada. Há uma forte tendência à conservação e, assim, as classes gramaticais

assumem papéis específicos e pontuais. A palavra carro-chefe da vertente da

Gramática Tradicional é estabilidade.

Contrapomo-nos a essa suposta estabilidade com um outro olhar voltado para

a instabilidade da referenciação. Pensemos, agora, não mais em elementos que

parecem ter nomes escritos nos rótulos, elementos etiquetados previamente e que

devem carregar, ao longo de sua existência, esses valores; mas em termos que, no

discurso, perdem, em certos momentos, aqueles seus conhecidos rótulos e

adquirem outros.

A esse respeito, Mondada (2003, p. 19) diz que, no lugar de pressupor uma

estabilidade a priori das entidades do mundo na língua, é possível considerar a

questão partindo da instabilidade constitutiva das categorias por sua vez cognitivas e

linguísticas, assim como de seus processos de estabilização.

Essa instabilidade do signo é considerada como um problema para alguns,

em especial para os gramáticos, tendo em vista que abala a estrutura do que é visto

como universal e único. Mas é importante entendê-la como o resultado de um

processo interacional de uma língua em uso e, sobretudo, reconhecê-la como uma

propriedade inerente a um discurso do qual participam sujeitos sócio-cognitivos27.

O discurso abarca a relação entre linguagem, mundo e pensamento. A partir

dessa proposição, concebemos que os seus referentes não são entidades

apriorísticas e estáveis, com um significado sempre relacionado a um mesmo

significante, mas, sim, entidades construídas, nas quais o significado revela-se no

27 Tomamos aqui a noção de sujeito sócio-cognitivo de Mondada (2003, p. 20). “[...] sujeito [que] constrói o mundo ao curso do cumprimento de suas atividades sociais e o torna estável graças as categorias notadamente às categorias manifestadas no discurso.”

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evento discursivo. Temos, então, em um processo discursivo, referentes que

constituem objetos de discurso - entidades alimentadas e reproduzidas pela

atividade discursiva e não objetos de mundo - entidade extra discurso e extra

mentais.

Para Koch (2002, p. 79),

A referência passa a ser considerada como o resultado da operação que realizamos quando, para designar, representar, ou sugerir algo, usamos um termo ou criamos uma situação discursiva referencial com essa finalidade: as entidade designadas são vista como objetos-de-discurso e não como objetos-do-mundo.

Daí, não nos parece possível afirmar que o pronome você possua apenas um

referente único, estável independente do processamento discursivo-textual do qual

participa. A palavra /signo você, por possui esse caráter de mobilidade, é orientada

em dada situação a uma outra significação.

Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995) postulam que a questão da referência

circunscreve-se nas operações efetuadas pelos sujeitos à medida que o discurso

desenvolve-se. Ao discurso, cabe construir aquilo a que faz remissão, ao tempo que

é tributário dessa construção. Assim, o evento discursivo constrói uma

representação que opera com uma memória partilhada, homologada e fortalecida

pelo próprio discurso.

Koch e Marcuschi (1998, p.167), entendendo que a referenciação ora se

encontre explícita e ora se encontre implícita no texto, propõe a seguinte tipologia.

Referenciação explícita, na qual há uma vinculação textual entre os termos e o

termo antecedente está marcadamente expresso.

O rapaz está procurando por você. Ele perguntou agora.

Paulo, você já chegou?

Referenciação implícita, na qual há uma vinculação textual, há uma

correferenciação e não uma co-significação.

O casal brigou. Ela estava nervosa.

Referenciação implícita, na qual há uma vinculação contextual, há uma

correferenciação e não uma co-significação.

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Lá, os carros são barulhentos e as normas chata;, aqui ,não.

Referenciação implícita, na qual há uma vinculação situacional, não- textual.

Não há correferenciação nem co-significação.

O rapaz caiu. O esperto logo se limpou e saiu disfarçadamente.

Ai, ai... sabe quando você acorda para vida, olha para o seu lado e vê

que está com três filhos e sozinha no mundo? (você = eu)

Marcuschi (2001), discutindo sobre a característica da linguagem de ser uma

atividade colaborativa e isso ter uma estreita relação com a questão referencial,

questiona :é interessante indagar-se como é que alguém sabe, por exemplo, que com uma dada expressão ‘X’ ele refere uma entidade ‘Y’? Mais: como é que um indivíduo A supõe com tanta segurança que um outro indivíduo B saiba o que ele sabe quando usa a expressão ‘X ’para referir ‘Y’? De duas uma: ou ele (s) sabe (m) isso antes ou depois. Se sabe (m) antes, então isso já estava lá e a língua era um espelho; se sabem depois, isso veio de algum lugar ou por algum tipo de esforço produzido por ele (s). No primeiro caso, temos que resolver quem pôs esse ‘Y’ lá e se esse ‘Y’ é invariante para todos os indivíduos (de uma dada comunidade) que usam a expressão ‘X’. No segundo caso, temos que resolver que lugar é esse e que esforço é esse que produz um ‘Y’ interativamente e se esse ‘Y’ assim produzido tem alguma consistência ou se ele se esgota em subjetivismo aleatório.

Neste jogo linguístico, analisamos o pronome você e constatamos que,

embora o signo você possua um único significante, é dotado de um significado

móvel, que fica, de fato, a mercê do ato discursivo e da interação entre os falantes,

podendo ora atuar com um sentido, ora atuar com outro sentido. Tomando assim, no

discurso, o valor que o interlocutor deseja, a fim de atingir aos seus objetivos

comunicativos.

Se fora da unidade texto, o signo você refere-se a um conteúdo determinado,

a referência cristalizada da segunda pessoa, na língua em funcionamento esse

signo está sujeito às coerções de uma escolha. A referência textual está

estreitamente ligada à enunciação e é, nesse espaço e nesse movimento, que

adquire uma referência particular.

É válido ressaltar que, no processo discursivo-interacional, embora os

referentes não estejam lexicalizados nem anterior nem posteriormente ao pronome,

os interlocutores, a rigor, sem maiores problemas, conseguem entender a referência

104

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a que o pronome você em uso está a serviço. Podemos afirmar que os sujeitos,

responsáveis pela existência das referenciações, tendem a “estabilizar a

instabilidade” momentânea. Os interlocutores, portanto, fazem inferências do que se

é tratado referencialmente, o que nos permite considerar que a “flutuação da coisa

referida”, suscitada com o uso do pronome você, não causa descontinuidade, nem

instabilidade ao texto, e, dessa forma, não compromete a coerência discursiva do

mesmo.

Salvo em certas ocasiões, como nos diálogos seguintes, no qual há um

conflito entre diferentes interpretações, de algum lugar ou por algum tipo de esforço

produzido pelo sujeito. Nesses casos, parecem existir etiquetas mais “verdadeiras”,

em termos de adequação à situação discursiva, que outras.

(34) - Olha, pense no momento em que você está andando no shopping, vendo vitrines e... - Eu não vou ao shopping olhar vitrines.

Nesses casos, o falante acredita que possa contar com o conhecimento de

mundo do ouvinte e com a situação interacional para que sua fala seja homologada.

Assim, faz uma hipotética suposição de um conhecimento e uma compreensão

comuns e partilhados por ambos, mas, havendo problemas na interação, o ouvinte

reage por não conseguir estabelecer adequadamente a referência proposta. Diz

Benveniste (1995, p. 56) “o espírito só acolhe a forma sonora que serve de suporte a

uma representação identificável para ele, se não, rejeita-o como desconhecida e

estranha.”

No exemplo (34), o pronome você teria como referência a função P1 e a

função genérica respectivamente, mas esses foram entendidos pelo ouvinte apenas

como P2. Se os enunciados fossem assim: “Imagine (...) eu no shopping, olhando

vitrines”. Provavelmente, este novo excerto seria uma versão que atenderia melhor a

interação entre os falantes.

A “estabilidade”, segundo Mondada (2003, p. 27-29), resulta, de fato, de um

ponto de vista realista que relaciona as categorias às propriedades do mundo –

como se a objetividade do mundo produzisse a estabilidade das categorias e a

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instabilidade estivesse ligada (e está) às ocorrências situadas em práticas

dependentes dos processos de enunciação e das atividades cognitivas.

O sujeito abandona o único status de “encarnado” e passa a ser sócio-

cognitivo, mediador de uma relação entre discurso e mundo. Cabe ao sujeito, nessa

nova ordem, como atividades sociais, construir o mundo e torná-lo categorizável,

dando sentido a ele e constituindo social e individualmente as entidades, propondo,

especificando, convencionalizando os usos categoriais.

Fica evidente para nós, no que foi exposto, que dominar uma língua vai além

do conhecimento de regras gramaticais; também se faz necessário o saber lidar com

as atividades interdiscursivas. É preciso que reconheçamos que, nesse jogo

linguístico, as peças “signo” são vivas, móveis e estão constantemente evoluindo

tendo em vista que a língua é o espaço do movimento e da interação e, sobretudo, é

uma atividade humana, na qual os interlocutores atuam na construção ativa de

sentidos.

A língua não é o limite da realidade, nem o inverso. Língua é trabalho

cognitivo e atividade social que supõe negociação. Não pode ser identificada com

instrumentos prontos para usos diversos (KOCH;MARCUSCHI, 1998).

2.3.4 A referência e a referenciação: caminhos paralelos?

Tradicionalmente, a referência vem sendo compreendida como um problema

que diz respeito à representação do mundo real e, consequentemente, o foco de

observação desse estudo se reduz à correspondência das formas linguísticas

selecionadas na língua à representação dos objetos do mundo.

Contemporaneamente, no entanto, correntes mais modernas 28 desviam-se desse

caminho e, ampliando o foco de visão, relacionam referência ao mundo discursivo, à

construção desse mundo e aos seus participantes.

Nesse processo de deslocamento e de ampliação de visão, a referência

torna-se referenciação, o estudo do significante passa a estudo da significação, a

importância do enunciado é transferida para a enunciação, as relações

28 Fazemos menção, em particular, às correntes sociocognitivas, interacionistas, pragmáticas.

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linguagem/pensamento e língua/representação transfiguram-se em linguagem/

mundo e em discurso/construção.

Adotamos o termo referenciação, enquanto concepção, no lugar de referência

por ser a nossa intenção enfatizar a essência do processo do qual resulta a

construção da referência a algum elemento da língua em uma prática cognitivo-

discursiva e interacional. Referir não é apenas relacionar, associar significante (se) e

significado (so) em uma língua estável, mas é o construto de uma relação entre

significante, significado e referente, uma atividade conjunta, colaborativa e situada

em uma língua instável, heterogênea e intersubjetiva, dependente de falantes, da

relação com o outro, do contexto, de intenções, relacionada ao comportamento do

locutor ou do ouvinte. Conforme afirma Rastier (1994, p. 19), “[a referenciação não

é] uma relação de representação das coisas ou dos estados de coisas, mas a uma

relação entre texto e a parte não-linguística da prática em que ele é produzido e

interpretado.”

A nossa intenção é admitir uma instabilidade constitutiva das categorias por

sua vez cognitivas e linguísticas e os seus processos de estabilizar ao invés de

apenas pressupor uma possível estabilidade das entidades no mundo e na língua.

Cabe ao sujeito, o cumprimento de suas atividades discursivas e, na busca

dessa realização, agir sobre a língua, o mundo, o outro e dar sentido a eles. Nessa

perspectiva, reconhecemos o discurso, além de fundamental, como histórico, o que

corrobora para compreender o motivo que leva um significante (se) a ser retomado

pelo falante, em um ato discursivo, em um outro momento, carregando um outro

significado (so). Uma troca, uma negociação que não ocorre gratuitamente, mas na

qual subjazem intenções e propósitos. Backtin decreta que o signo, assim criado no

meio social, adquire significações ideológicas, pois para ele “tudo que é ideológico é

um signo.” (BACKTIN,2003, p. 31).

O problema, ao passar da referência para a referenciação, desloca-se do

“como a informação é transmitida” e do “como os estados do mundo são

representados” para “como as atividades humanas de natureza cognitiva e

linguística estruturam-se e dão sentido ao mundo.”

A questão da referenciação opera um deslizamento (...) não privilegia a relação entre as palavras e as coisas, mas a relação intersubjetiva e social no seio da qual as versões do mundo são publicamente elaboradas,

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avaliada em termos de adequação às finalidades práticas e às ações em curso dos enunciadores (MONDADA, 2003,p. 35).

Ainda nessa linha de pensamento, podemos afirmar que a alteridade do signo

linguístico é relativizada pelo contexto enunciativo pois, só e somente só, nesse

espaço, que acreditamos que o signo “tome vida”, ou seja, que o significado (so) se

estabeleça naquele significante (se), como algo já estabelecido há muito tempo (por

isso conhecido e facilmente reconhecido, ostentando um status de canônico); há

pouco tempo ou até mesmo naquele momento, como resultado de necessidade de

uma maior expressabilidade em uma interação29. Uma legítima atividade de

construção colaborativa de referentes como objetos, antes objetos do mundo, agora,

objetos de um discurso, “objetos cuja existência é estabelecida discursivamente,

emergindo de práticas simbólicas e intersubjetivas.” (MONDADA, op.cit,p. 35).

2.3.5 As duas vias: objetos do mundo X objetos do discurso

Ao iniciar a fundamentação dessa dicotomia, diríamos que uma questão

emerge: a língua configura um sistema de etiquetas que se ajustam adequadamente

às coisas do mundo ou a língua constitui um sistema no qual os sujeitos atuam e

constroem as etiquetas através da sua prática discursiva?

Na primeira assertiva, a responsabilidade do falante é de escolher a etiqueta

que melhor se relaciona a coisa do mundo representada e dela fazer uso. Na

segunda assertiva, no entanto, o falante, agindo com ator em cena, a par de um

leque de etiquetas existentes na língua, faz a sua escolha e constrói, no ato

discursivo do qual participa, a sua representação para as palavras.

Optando pela primeira proposição, estamos diante de uma visão de língua

estável, no qual os objetos nelas representados são objetos preexistentes e, por

isso, objetos do mundo. Na segunda proposição, a língua é concebida como variável

e flexível, os objetos não são dados previamente, mas elaborados e reelaborados no

curso de atividades discursivas e, portanto, objetos do discurso. Conforme Mondada

(2003), “os referentes passam a ser objetos de discursos e não realidades

29 Interação está sendo usada no sentido proposto por Marcuschi (2001), no qual esta representa um ponto de convergência para a construção de referentes ou de sentidos, mas não a fonte do sentido.

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independentes (...)” os objetos de mundo não preexistem ‘naturalmente’ à atividade

cognitiva interativa dos sujeitos falantes, mas devem ser concebidos como produtos

– fundamentalmente culturais – desta atividade (APOTHÉLOZ; REICHELER-

BÉGUELIN, 1995, p. 228).

Ao finalizar essa discussão, diríamos que o que emerge agora é uma ruptura

com a ilusão de uma descrição única, homogênea e estável do mundo e das coisas

do mundo. Isso não significa o caos, já falado nos caminhos da sociolinguística, mas

o reconhecimento da capacidade dos sujeitos de construírem e de reconstruírem

permanentemente os objetos do discurso e de estabilizarem o aparentemente

instável, através das suas competências linguística e discursiva.

Searle (2000, p. 71) corrobora com essa proposição, argumentando que “de

fato, não há realidade independente de posturas, aspectos e pontos de vista” e,

dessa forma, o que realizamos através do discurso não reflete apenas nomes

etiquetas fixados nos objetos coisa, mas a categorização do mundo é resultado de

um complexo trabalho que envolve percepção e inúmeras estratégias de significar,

mais adequadamente, o mundo e as coisas do mundo.

O objeto de discurso caracteriza-se pelo fato de construir progressivamente

uma configuração, enriquecendo-se com novos aspectos e propriedades, suprimindo

aspectos anteriores ou ignorando outros possíveis, que ele pode associar com

outros objetos ao integrar-se em novas configurações, bem como de articular-se em

partes suscetíveis de autonomizarem-se por sua vez em novos objetos. O objeto

complementa-se discursivamente.

2.3.6 Mais algumas palavras...

Diante do caminho realizado, fica em nós a certeza de que não existe língua

fora dos sujeitos sociais que a usam e fora dos eventos discursivos nos quais eles

participam, ativando os seus saberes linguísticos, sociocognitivos. Língua não é

apenas um código e, por meio de formas nominais, os sujeitos constroem e

reconstroem os objetos-de-discurso.

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Os objetos de discurso, assim, não preexistem “naturalmente” à atividade

cognitiva e interativa dos sujeitos falantes, mas são antes os produtos culturais e

sociais dessas atividades. O falante propõe constantemente nos seus atos de fala

construções de sentido dinâmico àquilo que, na aparência, demonstra ser uma

representação estabilizada.

A nossa maneira de ver o real não coincide exatamente com o real. Por isso,

nós, na condição de sujeitos sociais, reelaboramos o lido ou o ouvido para fins de

apreensão e compreensão não apenas para nomear o mundo, mas, sobretudo, para

interagirmos sobre ele, ou melhor, para nele inter+agirmos.

A linguagem e as suas nuances são as formas encontradas pelo homem de

habitar o seu espaço, de se constituir /legitimar enquanto ser.

Segue adiante a última subseção do aporte teórico, na qual confrontaremos

os valores das gramáticas tradicional e funcional.

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2.4 O pronome você nas veredas das gramáticas tradicional e funcional

2.4.1 Entendendo essas veredas

Na subseção “O pronome você nas veredas da Gramática Tradicional e Funcional”, percorremos uma arriscada trilha, mas, como correr riscos também faz

111

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parte de um caminho de buscas, aceitamos o desafio de por a Gramática Tradicional

(GT) e a Gramática Funcional (GF) em uma mesa redonda.

A nossa discussão tem início com a origem das classes gramaticais –

vertente da GT - e, contrapondo, mostramos a prototipia – vertente da GF -, uma

forma diferenciada de categorizar os elementos da língua.

Verticalizando a discussão, apresentamos pronomes, em seguida, pronome

pessoais e, por fim, o pronome você, sob perspectiva de gramáticos e teóricos da

linguagem. Pretendemos com isso direcionar um olhar atento às zonas de

imprecisão existentes nas categorias gramaticais.

2..4.2 Classes Gramaticais: via considerada principal

(...) o estabelecimento de classes se torna imperativo (PERINI, 1998, p.

308).

O hábito cristalizado pelas gramaticais tradicionais (doravante GT) de agrupar

palavras existentes em um léxico de uma língua em classes gramaticais30 e, assim,

realizar o estudo dessas como paradigmas, conforme as semelhanças presentes

nas formas (eixo paradigmático) que possuem, nas funções (eixo sintagmático) que

desempenham ou podem desempenhar e, por vezes, no sentido (eixos sintagmático

e paradigmático relacionados ao eixo linguístico) que expressam ou podem vir a

expressar, traz, por vezes, vantagens e, inúmeras vezes, desvantagens. Entre as

razões positivas existentes nessa prática, Perini (1998) aponta a economia

descritiva.

Sem dúvida, a taxonomia das classes propicia uma economia ao reunirem,

em grupos, conjuntos numerosos de vocábulos que trazem características e

comportamentos morfológicos e sintáticos semelhantes. Se a economia em reduzir

duas afirmações ou classificações a uma pode parecer pequena por um lado, Perini

ressalta o valor e a grandiosidade dessa economia se pensarmos em descrições

30 Existem outras definições para o termo, como: partes da oração (resgatando a origem da gramática latina, partes orationis); partes do discurso (fundamentada na tradição francesa, parties du discours); classe de vocábulos (Evanildo Bechara); espécie de vocábulos ( Câmara Jr).

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gramaticais que se ocupam de línguas inteiras, e, assim, um repertório bastante

vasto de palavras.

É essa praticidade em simplificar as descrições da língua que compõe a maior

fundamentação/justificativa para a existência das classes gramaticais de palavras.

Dessa forma, o estabelecimento da taxonomia das classes torna-se, de fato,

imperativo.

O problema, então, não está centrado nas classes gramaticais em si, na

seleção e divisão propriamente dita das palavras em agrupamentos, mas no como

essa seleção e divisão são feitas e, principalmente, no ostracismo que encerra a

discussão sobre a classificação das palavras a partir dos objetivos

(pré)estabelecidos. E, dessa maneira, tão fortemente arraigados que se torna difícil

a percepção de que um mesmo conjunto de elementos pode ser (re) classificado se

os objetivos forem alterados.

O problema provém em parte da atitude dos gramáticos, que não se

preocupam em justificar previamente as classificações propostas, contentando-se

em repetir o que a tradição fornece. Em outras palavras, falta consciência dos

objetivos da classificação (PERINI, 1998, p. 311).

Os conceitos gramaticais encontram-se de tal forma cristalizados que, ao

invés, de cumprirem com o objetivo de auxiliar os estudos, estão, a nosso ver,

trazendo prejuízos aos estudos linguísticos, à medida que propõem uma visão

equivocada e, sobretudo, unilateral, por desconsiderar as classes gramaticais como

categorias pertencentes ao discurso, por ignorar as chamadas “zonas de

imprecisão” e por ostentar uma suposta estabilidade que nega a dinamicidade

subjacente no constante desenvolvimento da língua.

2.4.3 Prototipia: via alternativa

(...) processos de categorização têm levado em conta as propriedades distribucionais que os itens possuem, segmentando-os em blocos relativamente estáveis (DUBOIS et al, 1997).

Na ótica da teoria funcional, há o reconhecimento da vaguidade presente nos

limítrofes das categorias gramaticais, o que gera uma discussão em torno da noção

de protótipo.

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Por outro lado, através da teoria dos protótipos, a nosso ver, as categorias

podem ser classificadas com uma maior exatidão. O elemento linguístico que reúne

um maior número de atributos caracteriza uma categoria e é considerado como

protótipo dessa classe. Esse elemento é responsável pela classificação dos demais

membros da categoria, conforme o “grau de semelhança” que possua com os

demais elementos. Em uma espécie de “os iguais se atraem”, as propriedades que

associam os elementos são as justificativas da existência de uma classe comum.

Inicialmente, o protótipo configurava a entidade núcleo em torno do qual a

categoria era organizada. Assim, o espaço central era preenchido por elementos que

possuíam atributos mais semelhantes, que ocupavam o posto de membros centrais

das categorias de nível básico, e os que possuíam menor semelhança

distanciavam-se e ocupavam o espaço marginal. Depois, o protótipo passou a ser

reconhecido como uma entidade construída com bases fundamentadas nas

propriedades intrínsecas da categoria, aquele que detém atributos mais centrais

(mais prototípicos) que outros.

Givón (1995) argumenta que os itens pertencentes a uma dada categoria

compartilham, em uma escala proporcional diferenciada, de traços ou propriedades

dessa categoria.

Duas características sobressaem-se nessa forma de conceber a taxonomia

das classes e, em especial, atraem a nossa atenção.

O reconhecimento de que:

a imprecisão das fronteiras das categorias gramaticais existe e, assim, a

percepção de que se um elemento distanciar-se muito do elemento central –

aquele que possui mais atributos prototípicos – pode estar se aproximando

mais de uma outra categoria.

os elementos integram essas categorias gramaticais em diferentes níveis, de

acordo com a maior ou menor semelhança entre eles.

2.4.4 Pronomes

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O surgimento da classe pronomes31 deu-se com o intento de evitar a

deselegância em função de uma repetição desnecessária de palavras em um

mesmo enunciado. Arnauld e Lancelot (2001, p. 54) dizem, que “Como os homens

foram obrigados a falar muitas vezes das mesmas coisas num mesmo discurso e

fosse monótono repetir sempre as mesmas palavras, inventaram certos vocábulos

para substituir esses nomes, sendo por isso denominado pronomes.” Acrescido a

isso, caberia a essa classe de palavras, substituir os nomes daqueles que atuavam

como falantes, como ouvintes no discurso, bem como daqueles que eram citados

por esses interlocutores. Continuam os autores:

31 Segundo Menon (1989), os pronomes se inserem nas obras de DONATO, MARTIM DE DÁCIA, SANCTIUS, BRACHET; DUSSOCHET, DAMOURETTE; PICHON, entre outros, tradicionalmente, no segmento denominado de partes do discurso, cuja descrição tem uma importância reconhecida na tradição gramatical.

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Antes de tudo, reconheceram que muitas vezes era inútil e de mau gosto nomear-se a si próprios; assim introduziram o pronome da primeira pessoa, para colocá-lo no lugar do nome daquele que fala: Ego, moi, je (“eu”). Para não serem obrigados igualmente a nomear aquele a quem se fala, houveram por bem designá-lo por uma palavra que denominaram pronome da segunda pessoa.: Tu, toi ou vous (“tu”ou “vous”). E, para não serem também obrigados a repetir os nomes das outras pessoas ou das outras coisas de que se fala inventaram os pronomes da terceira pessoa: Ille, illa, illud, il, elle, lui etc. (...)(ARNAULD; LANCELOT, 2001, p. 54).

Essa noção de pronome já remonta muitos séculos. João de Barros, na

Gramática da Língua Portuguesa, em um capítulo dedicado a esse tema, para definir

pronome já compartilha a idéia de que “Uma parte da oração que se põe no lugar do

próprio nome, e por isso dizemos que estava junta a ele por matrimônio e daqui se

formou o nome”32 e para exemplificar tal fenômeno sugere a oração “ Eu escrevo

esta Gramática para ti.”33

Esta parte eu se chama pronome, a qual basta para se entender o que disse, sem acrescentar o meu próprio nome João de Barros, em cujo lugar de Antônio,como se dissesse: Eu, João de Barros, escrevo esta Gramática para tu, Antônio. E, tirando de cada nome destes o seu pronome, dizendo: João de Barros escrevo Gramática para Antônio, fica uma linguagem imperfeita. Assim podemos dizer que foi inventada esta parte de oração para boa ordem e perfeito entendimento/ da linguagem. A qual tem estes seis acidentes: espécie, gênero, número, figura, pessoa e declinação dos casos.34 (BARROS, J., 1971, p. 319-21).

No entanto, os pronomes não se restringem a essa faceta. E, da mesma

forma, não são apenas travestidos de pronomes pessoais, mas há, ainda, as

subclassificações dos pronomes pessoais, como os do caso reto, do caso oblíquo e

de tratamento, além dos demais tipos, como pronomes demonstrativos, possessivos,

relativos, interrogativos, indefinidos.

32 Ûa parte da óraçam que se põe em lugar do próprio nome, e por isso dissemos que era conjunta a ele per matrimmónio e daqui tomou o nome.

33 Eu escrevo ésta Gramática pera ti.34 Ésta parte eu se chama pronome, a qual basta pêra se entender ó que disse, sem acreçentar o

meu próprio nome Joám de Barros, em cujo lugár sérve. Ésta, também é pronome da Gramática; ti está em lugar de António, como se dissésse: Eu, Joám de Barros, escrevo ésta Gramática pera tu, António. E, tirando [a] cada nome destes o seu pronome, dizendo: Joám de Barros escrevo Gramática pêra António, fica ésta linguagem imperfeita. Assi que podemos dizer ser inventáda ésta parte de óraçám pêra boa ordem e perfeito intendimento/da linguagem. A qual tem estes seis acidentes : espécia, gênero, número, figura, pe [s] soa e declinaçám per casos.

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A classe gramatical dos Pronomes, observam Ilari e Basso (2006, p. 114), por

ser uma das mais heterogêneas, reúne “palavras que exercem funções, muito

diferentes, e procuram lidar com o problema assim criado, trabalhando, na prática,

com várias subclasses distintas de pronomes (...).” Benveniste (1995) acrescenta

ainda que devido a essas especificidades umas classificações de pronomes

pertencem à sintaxe da língua e outros às instâncias discursivas.

A classe gramatical pronomes é, comumente, definida como palavras que

“desempenham na oração as funções equivalentes às exercidas pelos elementos

nominais. Servem, pois: a) para representar um substantivo (...)b) para acompanhar

um substantivo determinando-lhe a extensão do significado (...)” (CUNHA; CINTRA,

1985, p. 268) ou por Bechara (2000, p. 162) “como classe de palavras

categoremáticas que reúne unidades em número limitado e que se refere a um

significado léxico pela situação ou por outras palavras do contexto.”

Algumas questões podem, a partir dessas definições, serem suscitadas,

como:

Ao falar em substituição

Apenas os vocábulos rotulados como pronomes substituem outros nomes? E,

dessa forma, devemos classificar outros referenciadores do nome também

como pronome? Como classificar, então, os termos gramática tradicional,

gramática, GT, quando são usados para substituírem o mesmo referente? E

até que limite aceitar essa substituição como adequadamente perfeita em

termos de potenciais semânticos do nome?

Ao falar de acompanhamento

Partindo do princípio de que o adjetivo e os artigos também acompanham o

substantivo, o pronome tem a mesma natureza sintática dessas outras

classes?

Ao falar sobre o papel desempenhado, que os pronomes cumprem funções

semelhantes às funções do nome

Teriam o pronome e o substantivo a mesma função sintática, mas, no

entanto, estão enquadrados em classes distintas?

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Etimologicamente, pronome quer dizer palavra que substitui o nome. Essa

função existe, mas está longe de ser a única e, para alguns linguistas, não é sequer

a função primordial, pois a função de substituir nomes não tipifica por si só a classe

dos pronomes.

Jespersen (1975, p. 83) ressalta que os vocábulos que compõem a classe

gramatical dos pronomes poderiam, por vezes, ser classificados como pro -

adjetivos, pro - advérbios, pro - infinitos, pro - verbos e pro - sentenças. Macambira

(2001, p. 54), ratificando essa afirmação, define pronome como “um tipo de nome

que admite a oposição de pessoas gramaticais”, atribuindo ao nome as classes

gramaticais de substantivo, adjetivo, pronome, infinitivo e particípio. Cita como

exemplos

a) Substantivo: O verdadeiro amor precisa de outro amor que o sustente;

b) Adjetivo: Bela, sempre o foste;

c) Pronome: O amor, como as trepadeiras, morre se não tem o que abraçar;

d) Infinitivo: Amar-te, nunca o prometi.

Said Ali (2001, p. 74) ainda complementa, ao tecer comentários sobre a

faculdade da linguagem em definir pronomes, que “Nada autoriza a crer que o

homem, ao designar pela primeira vez os seres por meio de nomes com que os

distingue uns dos outros, se lembrasse ao mesmo tempo de criar substitutos para

esses nomes.” Reflexão que se contrapõe à proposição de Arnauld e Lancelot,

exposta anteriormente.

Definir a classe gramatical dos pronomes sempre foi uma trilha árdua. A priori,

não é nada fácil estabelecer fronteiras entre o que seria nome, o que seria verbo e o

que seria pronome. Para Apolônio (apud NEVES, 2005, p. 188), o pronome tem uma

natureza dupla, sendo por isso duplamente flexionado: como o nome, tem caso e,

como verbo, tem pessoas. Holtz, analisando o discurso de Donato, apresenta que,

segundo Varrão, na lista das partes do discurso da gramática latina, coloca-se o

pronome na sequência imediata a do nome, porque um e outro mantêm estreitas

relações e não poderiam estar separados. Para Beauzée, nome e pronome, por um

lado, comungam características em comum, pois eles produzem o mesmo efeito no

discurso; mas, por outro lado, ele critica as definições que afirmam que pronomes

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são palavras empregadas no lugar do nome, para ele os pronomes acompanham

pari passu os nomes (MENON, 1989).

Alguns gramáticos apostam que as diferenças residem mais efetivamente nos

modos de significação do que na significação em si. Outros como Jespersen (1975)

defendem que, na classe de pronomes, os pronomes pessoais são os mais

importantes, ainda que flexíveis semanticamente ao contexto, como se fossem os

legítimos. Bloomfield (1964) lê, nessa categoria, que os pronomes são vocábulos

portadores de significado. Hjelmslev (1973), por sua vez, declara que os pronomes

não são dotados de nenhum conteúdo significativo. Lemos (1994) assinala a esse

respeito que há um equívoco em focalizar o significado quando o referente é que

deveria ser focalizado, já que o significado existe e é sempre o mesmo, mas o que

sofre alteração de valor são os referentes. Assim, o pronome eu, por exemplo,

significa sempre o falante em uma dada situação comunicativa como o tu/você

significam sempre o ouvinte, o que sofre alteração, no entanto, são os referentes do

eu e do tu/você em cada situação, que dependem do falante e do ouvinte que

participam daquela interação.

O problema do pronome, então, é alargar a caminho que é apenas semântico

e incorporar a via pragmática, tendo em vista que o referente instala-se no âmbito da

enunciação e, somente observando os fatores situacionais e contextuais presentes

na fala, é que é possível desvendá-los.

Lyons (1981) assegura ainda que inexistem distinções de naturezas sintáticas

e semânticas muito profundas entre artigos e pronomes pessoais. Para Partee

(1976), pronomes não são mais que artigos, e pronomes pessoais são nomes na

estrutura profunda e artigos na estrutura de superfície, embora o pronome distinga-

se do artigo, por coloca-se no lugar do nome e não ao lado do nome, como estes

costumam fazer.

Outros argumentam que os nomes têm caráter de símbolos, representam e

designam seres, enquanto os pronomes são sinais ou índices, indicam em uma

dada situação. Noção que remonta a afirmação realizada por Apolônio de que o

nome expressa qualidade de um sujeito corpóreo e o pronome apenas indica a

existência desse sujeito. O pronome, nessa perspectiva, tem a condição de, através

de um vocábulo, levar a ver a qualidade expressa pelo nome, mas nunca revelá-la.

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Jakobson (1973) vai de encontro ao fato dos pronomes não terem significado

próprio. Para ele, os pronomes têm significado mediante a referência da mensagem

que compõem. Desse modo, os pronomes acumulam funções de símbolo e de

índice.

EU, ao designar o falante, corresponde ao significado

SÍMBOLO

EU, ao designar um determinado interlocutor em uma cena comunicativa,

corresponde à referência.

íNDICE

O ocasional, neste caso, em uma cena discursiva, não é o significado, mas o

referente. E é este o elemento que sofre flutuação ao situar em um determinado

cenário/espaço o referente que atua como falante ou como ouvinte.

2.4.4.1 Pronomes pessoais

Dioniso, o Trácio (apud NEVES, 2005) inaugura o debate sobre as pessoas35

do discurso, indicando as três pessoas: a que fala (“de quem parte o discurso”);

aquela a quem se fala (“a quem se dirige o discurso”) e aquela de quem se fala

(“sobre quem é o discurso”). Apolônio Díscola propõe, diante da insuficiência vista

por ele nessa definição, que deva ser acrescentado à primeira pessoa “a que fala de

si própria”; à segunda pessoa, “a respeito dela é que se fala”; e à terceira pessoa,

definida em termos negativos, “não é a que fala sobre si própria”, conforme a

primeira pessoa, nem “aquela a quem se fala”, conforme a segunda pessoa.

A rigor, os gramáticos perpetuaram a divisão tripartida das pessoas, na qual

há a 1ª. pessoa – eu – correspondente ao falante e a 2ª. pessoa -tu -

correspondente ao ouvinte; e a 3ª. pessoa – ele ou ela que corresponde ao assunto,

aquela que aponta para outra pessoa em relação aos participantes da relação

comunicativa. Estão, dessa forma, representadas as três pessoas do singular (eu,

35 Curioso saber que o nome pessoa é oriundo da metáfora prósopon, uma máscara que os atores usavam em uma representação cênica.

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tu, ele/ela) e as três pessoas do plural36 (nós, vós, eles/elas) que se encontram a

serviço dos falantes da língua para “substituírem os nomes no discurso”.

No entanto, os pronomes, ditos pessoais, deveriam fazer referência

“exclusivamente” às pessoas do discurso e, dessa forma, as pessoas, obviamente,

seriam: a que fala e a que ouve, primeira e segunda pessoas respectivamente.

Considerar a terceira pessoa como fazendo parte dos pronomes pessoais é como

abolir a noção de pessoa. A terceira pessoa deveria fazer parte de um outro sistema,

já que faz referência a um elemento que não está presente no discurso e que possui

função e natureza distintas da primeira e segunda pessoas.

Se pensarmos, por exemplo, que os pronomes pessoais têm atributos como

[+ - humano], [+ - ouvinte], [+ - presente], [+ - presente no discurso] e que, além

disso, o pronome pessoal legítimo não traz marca de gênero e de número, damos

conta e convencemo-nos de que, no pronome pessoal de terceira pessoa, esses

traços não estão contemplados em oposição aos de primeira e segunda pessoas

que, por outro lado, os carregam.

Neves (2000, p. 449), ao discorrer sobre a natureza dos pronomes pessoais,

identifica nos mesmos uma natureza fórica (capacidade de fazer referência pessoal)

e, assim, distingue os pronomes pessoais de primeira e segunda pessoas que fazem

referência a um dos interlocutores pertencentes ao circuito da comunicação da

terceira pessoa que se refere “a uma pessoa ou coisa que foi (...) ou vai ser (...)

referida no texto.”

O interlocutor, ao fazer uso do pronome de primeira pessoa, eu, assume o

pronome como pleno e assume-se como sujeito daquele discurso. De forma

semelhante, ao usar o pronome de segunda pessoa, delega a função de ouvinte ao

outro interlocutor daquela instância discursiva. É óbvio que esses papéis são

trocados ao longo do discurso. Daí, Benveniste (1995) caracterizá-los como signos

únicos, mas móveis.

Ainda recorrendo à Neves (2000, p. 457)

Uma das funções básicas dos pronomes pessoais é a de constituir expressões referenciais que representam, na estrutura formal dos enunciados, os interlocutores que se alternam na enunciação:

36 Bechara (2000, p. 134) registra que “O plural nós indica eu mais outra ou outras pessoas e não eu + eu.”

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a) primeira pessoa: aquela de quem parte o discurso, e que só aparece no enunciado quando o locutor faz referência a si mesmo (auto - referência);

b) segunda pessoa: aquela a quem se dirige o discurso, e que só aparece no enunciado quando o locutor se dirige a ela;

c) aquela sobre a qual é o discurso.

Diante disso, dois eixos, segundo a autora, emergem. O eixo subjetivo, no

qual as pessoas estão envolvidas na interação verbal e têm os seus papéis

discursivos bem definidos, caso da primeira e segunda pessoas, e o eixo não-

subjetivo, que comporta os elementos (pessoas ou coisas) não implicadas na

interação verbal, como é o caso da terceira pessoa. Para Benveniste (1995, p. 282),

a terceira pessoa diferencia-se das duas anteriores por representar “o membro não

marcado da correlação de pessoa” e, assim, realmente constitui o que se pode

denominar de "não-pessoa”.

2.4.4.1.1 Pronome você

O pronome você costuma aparecer em gramáticas37 e livros didáticos como

pronome pessoal de tratamento e, salvo, em algumas exceções, é reconhecido

como pronome pessoal do caso reto, na função de substitutivo do pronome tu38,

ocupando o lugar de 2ª. pessoa/ouvinte e trazendo, consequentemente, para o ato

discursivo as características pertinentes a essa pessoa, com exceção do verbo com

o qual concorda que, como resultado da concordância com a forma original pronome

você, a forma nominal de tratamento Vossa Mercê, continua a ser realizada na

terceira pessoa.

Ao iniciar o estudo sobre pronomes pessoais, Rocha Lima (1998, p. 316)

apresenta o quadro de pronomes que compõem as formas retas (ou subjetivas) e,

neste quadro, traz o você como pronome de 2ª. pessoa. Afirma “O pronome você

pertence realmente à 2ª. pessoa, isto é, aquela com que se fala” e justifica que

“posto que o verbo com ele concorda na 3ª. pessoa”. No entanto, em páginas

anteriores, o citado gramático registra as formas você e vocês como pronomes de

tratamento familiar. Luft (1987,p. 116), classifica o pronome você como 2ª. pessoa

37 Almeida (2005), Bechara (2006), Cunha e Cintra (1985), Rocha Lima (1998), Sacconi (1986)38 Menon e Loremi (2002) ressaltam que trabalhos históricos e/ou sincrônicos vêm demonstrando

que, em muitas regiões do Brasil, provavelmente, o você teria sido o primeiro pronome implantado e não teria nunca substituído o pronome tu, tendo em vista que este pronome não teve existência nessas regiões.

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indireta, por atuar no discurso como 2ª. pessoa e por requerer simultaneamente os

termos da 3ª. pessoa para concordância.

Coutinho (1974) corrobora com essa discussão e apresenta o pronome você

como resultado da possível evolução do vossa mercê> vossemecê > vosmecê >

você, resultado de uma mudança interna e externamente encaixada. Outros

gramáticos, como Cunha e Cintra (1985), Bechara (2000), Said Ali (2001) ainda não

apresentam o pronome você como integrante do quadro das pessoas gramaticais e

Sautchuk (2004, p. 64), ao discutir sujeitos indeterminados, elenca, como pronomes

de 3ª. pessoa, “ele (s), ela (s), você (s)”. Dessa forma, embora a discussão não seja

sobre pronomes, o você é posto em um patamar idêntico aos pronomes de 3ª.

pessoa.

Para Lemos (1994), a criação do pronome você foi um marco para outras

modificações no sistema linguístico, como, a título de exemplo, a obrigatoriedade da

presença do sujeito para distinguir em enunciados, como: Vem. No qual não há

clareza sobre quem, de fato, vem. A intenção do falante, em um enunciado como o

apresentado, pode ser: Ela vem. Ele vem. Você vem. A gente vem. Isso sem

considerar o processo de simplificação verbal acometido pela segunda pessoa do

singular, tu, que costuma aparecer sem a desinência verbal de 2ª. pessoa, como em

Tu vem. Duarte (1995) constata em pesquisa realizada que, por força do

enfraquecimento da flexão (ou redução do quadro pronominal), o português

brasileiro perdeu a propriedade que caracteriza as línguas do sujeito nulo.

É certo que o primeiro a ser extinto do quadro pronominal foi o pronome vós,

adjungido a ele, o pronome oblíquo vos e, mais tarde, o pronome possessivo vosso,

formas todas substituídas por você (s), como podemos verificar nos exemplos:

( 35 ) Vós que estais no hospital, recomendo-vos repouso

Vocês que estão no hospital, (a vocês) recomendo (a vocês) repouso

A complexidade do pronome vós, que era regularmente usado no plural, para

referi-se a mais de uma pessoa, e, como instrumento de formalidade, para referi-se

123

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a uma única pessoa (singular), pode ter sido uma possível causa do seu rápido

desaparecimento.

Um outro instantâneo desequilíbrio veio com o desuso do tu em detrimento de

uma generalização do pronome você. Interessante registrar que, diferentemente do

que houve com o pronome vós, o processo de desvalorização do pronome tu em

relação ao pronome você, não implicou o desaparecimento das formas oblíquas e

possessivas, sendo estas ,inclusive, usadas em um mesmo enunciado em

concordância com o pronome você.

(36)Você pode tá passanøo assim uma e alguém te pegáø (HBC).

(37)no dia que você fo0 da0 ele a ela eu quebro a tua cara na frente dela(MHS).

Assim, diz Lemos (1994, p. 153) “você ocupa não só a lacuna deixada pelo

vós mas ameaça a existência do tu, estabelecendo um molde nas relações de

tratamento que se resume a duas opções formais: você e senhor.”

Em tempos remotos, nas relações entre as classes sociais, havia uma

representação do poder de superioridade nas relações assimétricas. As classes

altas usavam o tu para referência a classe baixa e esta usava o vós para referência

àquela. Tal relação assimétrica estendeu-se a polidez em outras relações, como

empregado/patrão, filho/pais, aluno/professor. Uma marca de relação de “cima para

baixo” do pronome registrado através da 2ª. pessoa do singular e do uso de “baixo

para cima” do pronome de segunda pessoa do plural. Uma escolha pronominal

revestida de valores sócio-linguísticos.

O ato de discutir pronome de tratamento é também uma questão de natureza

sociolinguística, tendo em vista que estes pronomes estão estreita e explicitamente

vinculados ao uso social. Os jovens, em busca da concretização dos seus ideais de

liberdade e igualdade, corroboram demasiadamente para que o tratamento

assimétrico cedesse espaço, junto as suas conquistas, ao tratamento simétrico e,

assim, nas relações pai-filho, professor-aluno, a forma de tratamento senhor foi

sendo substituída pela forma de tratamento você, tratamento que trazia em si a

marca desses valores de igualdade tão defendidos. As relações assimétricas

ascendentes (de inferior para superior) e assimétricas descendentes (de superior

para inferior) foram conduzidas a uma relação simétrica.

124

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Menon (1995) questiona se as relações assimétricas ainda não têm

resquícios em eventos, como por exemplo, ao ligar para uma empresa ou a chegar

em algum lugar e, mesmo se referindo a um única pessoa, fazer uso da forma

vocês, ao perguntar:

(38) - Vocês fazem isso? Ou

- Vocês fornecem o produto x?

Não seria essa ainda uma permanência da forma plural para referência a um

elemento no singular, como marca de polidez? É, sem dúvida, uma questão a ser

pensada, mas não há o descarte da possibilidade de usar o plural, no sentido de

querer saber não exatamente se aquela pessoa ou funcionário faz ou fornece o

produto, mas no propósito de saber se a empresa, como um todo, disponibiliza tal

serviço.

Até aqui, realizamos uma revisão da literatura gramatical, a fim de sustentar a

nossa reflexão e, em alguns momentos, recorremos a estudos linguísticos

realizados. A partir de agora, afastaremo-nos definitivamente dos estudos

linguísticos que não relacionam os itens da língua ao seu real funcionamento

discursivo e colocaremos na mesa redonda a Gramática Tradicional e a Gramática

Funcional, a fim de melhor analisarmos o pronome você em excertos de fala,

desvendando a função ocupada por esse item no discurso, reconhecendo as

nuances desse pronome e estabelecendo uma relação entre forma e função do

pronome você.

2.4.4.2 Discutindo atributos: caminhos cruzados

Baseados na Teoria dos Protótipos e com a explícita pretensão de identificar

traços categoriais que caracterizam as pessoas pronominais, analisaremos os

atributos de 1ª. e 2ª. pessoas em relação à 3ª. pessoa. Os traços apresentados

aproximam a 1ª. e 2ª. pessoas ao centro da prototipia de pronomes pessoais, ao

tempo em que deslocam 3ª. pessoa para a margem dessa prototipia, conforme

veremos:

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2.4.2.2.1 A pessoalidade

O protótipo de pronome (pro) deveria ser um elemento linguístico que

englobasse de forma bem clara a noção de pessoalidade, tendo em vista que esse

atributo heteronímico é o fundamental para distinguir as categorias de pronome e

nome. Contudo, os pronomes, em geral39, distanciam-se desse atributo. Razão

suficiente para considerar a possibilidade de aproximarem-se mais de outra

categoria que não a de pronome. Seria, a nosso ver, ancorados em Jespersen

(1975), uma outra categoria de pro.

A teoria gramatical relaciona os pronomes pessoais a uma tríade: falante,

ouvinte e alguém ou algo que faz referência. Mas, em termos de prototipia,

observando a natureza e a função, essa tríade passaria a díade: falante e ouvinte.

A terceira pessoa rompe a simetria do sistema de atributos relacionados à 1ª.

e à 2ª. pessoas, daí lembrarmos, mais um vez, que Benveniste (1995) qualifica-a

como a não-pessoa. Algumas justificativas podem ser aqui delineadas:

A 1ª. e 2ª. pessoas encontram-se presentes na situação discursiva, enquanto

a 3ª. pessoa encontra-se no eixo externo de interlocução;

A 1ª. e 2ª. pessoas, necessariamente, são definidas na situação discursiva, a

3ª. pessoa pode encontrar-se indefinida;

A 1ª. e 2ª. pessoas, na maioria das situações, referem-se a seres humanos, a

3ª. pessoa, muitas vezes, faz referência a animais e coisas;

A 1ª. e 2ª. pessoas estabelecem-se no discurso com papéis bem definidos;

A 1ª. pessoa – eu – quem fala e a 2ª. pessoa – tu/você – quem ouve, ambos

são inversíveis e, simultaneamente, intercomplementares, pois, no ato

discursivo, o eu (falante) refere-se ao tu/você (ouvinte) e esses papéis são

trocados no discurso. A 3ª. pessoa, por sua vez, pode referir-se a uma

infinidade de seres e não comunga dessa troca de papéis no ato discursivo;39 Fazemos referência aos pronomes indefinidos (quem, tudo, nenhum); pronomes demonstrativos

(aquilo, isto, aquele); pronomes interrogativos (quem, quanto).

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A 1ª. pessoa (eu) carrega a correlação de subjetividade em relação a não-

subjetividade da 2ª. pessoa (tu/você);

Por fim, podemos afirmar que os pronomes de 1ª. e 2ª. pessoas referem-se

sempre às pessoas do discurso e o pronome de 3ª. pessoa (ele, seu, dele)

relaciona-se a nomes dos quais são substitutos. A terceira pessoa, então, é

pronome legítimo, porém não pessoal e as 1ª. e 2ª. pessoas são legítimas

pessoas do discurso, mas, a rigor, não tão legítimos pronomes.

2.4.4.2.2 O gênero

A 1ª. e 2ª. pessoas são desprovidas de gênero. O eu e o tu/você servem,

portanto, para serem utilizados por seres do sexo masculino ou feminino,

tomando a sua forma no discurso.

A 3ª. pessoa é provida de formas que sugestionam o masculino e o feminino.

Esse atributo aproxima a 3ª. pessoa à categoria dos nomes. Tal como ele/ ela

temos também mestre/ mestra, elementos nos quais a formação do feminino

dá-se pelo acréscimo da desinência e elisão da vogal temática.

2.4.4.2.3 O número

De forma idêntica à categoria de nome, o plural da categoria dos pronomes

faz-se pelo simples acréscimo da desinência de plural. Nos pronomes, três pessoas

compõem o quadro do singular e três compõem o quadro do plural segundo a GT.

Se, por um lado, o falante, ao usar a 3ª. pessoa no singular (ele/ela), faz referência a

um ser fora do eixo interlocutório; por outro lado, se desejar, o falante pode utilizar a

3ª. pessoa no plural (eles/elas) para fazer referência a mais de um ser externo ao

eixo interlocutório. O uso do singular ou do plural nesse caso traz, indiscutivelmente,

a compreensão de que se refere a um ser ou a mais de um ser e constitui um uso

plenamente aceitável.

No entanto, ao realizar essa pluralização nas 1ª. e 2ª. pessoas, como em :

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eu nós

tu/você vós/vocês

O sentido existente no singular de uma pessoa falando ou uma pessoa

ouvindo não é automaticamente substituído pelo sentido de várias pessoas falando

ou ouvindo.

O pronome nós deve ser interpretado como eu, somado a uma ou mais

pessoas, nas quais o ouvinte pode ou não estar incluído. O nós não é como o plural

da forma eu. As formas nós, vós e vocês são formas, em essência, plurais, mas que

não se correlacionam morfo-semanticamente com as formas eu, tu/você. Direções

contrárias são tomadas pelas formas ele/ela e eles/elas.

Diante dessas justificativas elencadas, não podemos, então, aceitar que a

terceira pessoa seja vista como partilhando dos mesmos atributos da primeira e

segunda pessoas e que a noção de singular/plural nestas pessoas se realizem da

mesma forma. O esquema de flexão de gênero e de número na terceira pessoa

realiza-se com os mesmos traços da categoria de nome. Com isso, optamos por

adotar em nossa análise a proposta /sugestão de Câmara Jr. (2006) para compor o

sistema de pronome em português, uma relação que para nós é mais ampla do que

a simples oposição das formas do singular e do plural.

Para Câmara Jr., os pronomes estão distribuídos em seis (06) pessoas e não

apenas em três (03) pessoas como estão prescritos na tradição gramatical. Essa

distribuição das pessoas pronominais será por nós adotada no decorrer da análise

do você.

P1 eu / falanteprimeira pessoa do singular

P2 tu / ouvintesegunda pessoa do singular

P3ele ou ela /todos os seres que ficam fora do eixo do

falante/ouvinteterceira pessoa do singular

P4 nós/ falante que pode associar a si uma ou mais pessoasprimeira pessoa do plural

P5 vós/ mais de um ouvintesegunda pessoa do plural

P6eles, elas / todos os seres que ficam fora do eixo

ouvinte/falanteterceira pessoa do plural

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Quadro 4 : Pessoas pronominais

2.4.5 A gramática tradicional e a gramática funcional em uma mesa redonda

Em contraposição à concepção de gramática tradicional (GT), que prescreve,

dita as normas e que tem a intenção de uniformizar e conservar a língua, uma língua

concebida como estática e homogênea, há a gramática funcional (GF) que pensa o

estudo da língua assentado na interação social. Uma gramática que concebe a

língua como algo maleável às pressões do uso e estas, por seu turno, interligadas

aos anseios e intenções do falante, ao contexto e situação de uso, à interpretação

do ouvinte. Enfim, uma concepção de gramática susceptível aos aspectos

discursivo-pragmáticos, sustentada na inter-ação dos falantes.

A competência comunicativa dos falantes, quando discutida nessa

perspectiva teórica, distancia-se do codificar e do decodificar da GT e aproxima-se

dos movimentos do usar e do interpretar expressões, que não são mais objetos

descontextualizados, mas que são instrumentos manipulados pelos falantes em uma

cena comunicativa.

A escolha de uma forma linguística em detrimento de outra forma é, aqui,

interpretada como um esforço do falante em atender com uma maior adequabilidade

e presteza os requisitos necessários àquela cena comunicativa através da forma

escolhida e, parece-nos que, quando essa forma já não consegue contemplar o

sentido desejado, funções novas são realizadas por formas já existentes, a fim de

atingir aos objetivos desejados no processo de construção dos enunciados. A noção

de pragmática integra-se, assim, à gramática.

A GF, iniciando o seu percurso no uso e interpretação das expressões

linguísticas, procura esboçar como tais expressões codificam-se gramaticalmente.

Se, na discussão anterior o pronome você é analisado como uma estrutura fixa,

Pronome Pessoal de Tratamento, e, por vezes, classificado como Pronome Pessoal

do Caso Reto, substituindo o tu, na GF aceita-se uma força dinâmica presente no

ato discursivo no qual essas categorizações sofrem (re)construções e adaptam-se

às necessidades interativas.

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Sustentado na perspectiva de que a gramática nunca está completa, mas está

constantemente e em um processo do fazer-se, Hopper (1987, p. 142) discute a

noção de “gramática emergente” e afirma que “a gramática emerge continuamente

no discurso, não havendo, portanto, gramática, mas gramaticalização, um

movimento em direção à estrutura, que nunca se completa totalmente.”

No uso diário de uma língua, temos por um lado, a regularização dos

vocábulos como resultado de um uso repetido das fórmulas gramaticais. No entanto,

por outro lado, essas fórmulas gramaticais, constantemente utilizadas, são também

frutos de re-arranjos que podem vir a gerar uma forma inovadora. A gramática não

constitui-se como algo em si, isolado, distinta do discurso, mas, essencialmente, é o

repertório das escolhas linguísticas, orientadas por fatores de ordem comunicativa,

argumentativa, estrutural e social40, utilizadas no discurso, em cada cena

comunicativa, que consolida o que denominamos gramática. Esta gramática,

inicialmente, surge com a rotinização das expressões inovadoras que,

posteriormente, tornam-se habituais, por aparecerem com frequência em

determinados contextos, com isso gramaticalizam-se e, em sendo gramaticais,

gramalicalizam-se para outras funções ainda mais gramaticais.

Hopper (1987) assegura a não-existência de uma forma concreta, com

modelos fixos e estáticos, de um enunciado, mas apresenta a constatação de uma

forma linguística que ganha seus contornos no discurso, mediante as experiências

dos falantes em suas trocas comunicativas. Dessa maneira, as formas são modelos

susceptíveis à negociação na cena comunicativa, na qual os interlocutores, legítimos

jogadores, moldando-as, fazem com elas adaptações.

Nessa linha de pensamento, relacionando dois focos intercomplementares,

gramática e discurso, apresentamos o que acontece com o pronome você, no

corpus estudado, ou seja, como a expressão linguística você está, na atualidade,

sendo codificada gramaticalmente na perspectiva da gramática funcional, ao tempo

em que na gramática tradicional tem o uso cristalizado como pronome de tratamento

e, por vezes, pronome pessoal de 2ª. pessoa.

40 Du Bois (1985) afirma que, ao nos comunicarmos, sofremos influências de forças de naturezas diversas, tais como: cognitivas, comunicativas, sociais, estruturais. Estas forças agem no discurso exercendo uma pressão maior ou menor sobre um dado fenômeno lingüístico.

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Ao analisarmos o pronome você nas falas, constatamos que este pronome

tem o seu emprego oscilante, sendo utilizado como pronome pessoal do caso reto,

às vezes, como substituto do tu, uma função reconhecida na GT, como em:

(39)Olhe, aí eu digo: - “Bem feito”! Num mando você i0 p0acima dos outro0.” (MHS).

(40)(...) você perguntou onde eu gostaria de morar. (ALA).

Mas, inegavelmente, o você também é usado, no discurso, como uma

expressão que tem como referente a primeira pessoa. O falante, nesse momento

discursivo, ao utilizar o você não se dirige mais ao seu interlocutor, como feito

anteriormente, mas fala de experiências que são suas e que pertencem ao seu

universo particular, como em:

(41)Quer dizer que, é como num vestibular, você faz um é um minivestibular que tem. Até hoje tem. Você faz a prova tudinho como eu passei. (ALA).

(42)Atendimento ao público em geral. Eu tô num setor de cobrança. É um dos setores mais delicados, né? Você tem que ter uma boa conversa assim É mais a coisa [psi] psicóloga, né? Você é é um verdadeiro atendente, mas um psicólogo. (ALA).

E, ainda, em outros momentos discursivos, o falante traz como referente para

o você um valor genérico, apresentando o pronome em um elevado grau de

indeterminação. A ação exposta pelo falante, agora, não é de pertencimento

exclusivo do ouvinte, como nos excertos de fala a e b; não é de pertencimento

exclusivo do falante, como nos excertos de fala c e d; mas demonstra uma

universalidade que pode ser compartilhada por várias pessoas.

(43)Você pega a carne, corta ela, certo? Bota todos temperoø que for necessário butar numa carne, e bota pra cuzinhar. Quando a carne tá molinha, você pega (hes) creme-de-leite. (JPS).

(44)Mesmo você entrando no curso errado, mas sai, termine, sai entre no outro, que a vida é longa. Então, o estudo pode ser longo também. Até você morrer.(ALA).

Com isso, parece emergir em nosso estudo a convicção de que o falante age

na língua, com certa liberdade, porque busca, nas estruturas fixas, limitadas e já

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existentes da gramática, formas para a construção do discurso. Nesse caso, o

pronome você.

Aflora, a partir do visto, a certeza de que há o deslocamento da referência do

pronome você, orientada a partir da intenção que deseja provocar na informação

pragmática do ouvinte, como que “empacotando” uma dada informação para

apresentá-la ao ouvinte e, sobretudo, emerge a certeza de que há um componente

discursivo que orienta, molda e adapta o componente gramatical ao ato discursivo.

Neves (2006, p. 25) parece precisar toda a essência da GF quando,

remetendo ao discurso de Schriffrin, declara:

A língua ocorre sempre em um contexto (cognitivo, cultural, social), é sensível ao contexto (domínios culturais, sociais, psicológicos e textuais que penetram em todos os níveis da linguagem), é sempre comunicativa (sempre endereçada a um recebedor) e é projetada para a comunicação (a própria redundância é projetada para facilitar o processo de comunicação). Fica assentado que a língua é usada (e, portanto, organiza estruturas) a serviço das metas e intenções do falante (que são tomadas e realizadas em relação aos ouvintes), e é da organização dessas metas que emerge a ação (ou realização de ações) discursivas.

Perguntamo-nos: por quais caminhos as discussões da GT trilhariam diante

do exposto? Agendemos para mais tarde esse assunto.

2.4.6 Ainda algumas palavras...

Diante do arrazoado de que a nossa análise tem como essência a gramática

surgida no seio de uma comunidade em eventos discursivos, estamos convencidos ,

a partir dessa subseção, de que a Gramática Funcional, através da sua concepção,

dos seus objetivos, da teoria dos protótipos, oferece subsídios mais adequados para

a análise a que nos propomos fazer e, assim, optamos por trilhar esse caminho.

Realizados esses quatro caminhos com você e coletadas as contribuições

oferecidas pela teoria da sociolinguística laboviana, pela teoria do funcionalismo

norte-americano e da gramaticalização, pela teoria do signo linguístico e da

referenciação, desatamos, por agora, o nó da faixa de chegada e encerramos a

seção de fundamentação teórica. Estamos prontos para a largada em um outro

percurso : metodologia, estruturação das variáveis e a análise de dados.

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3 METODOLOGIA , ESTRUTURAÇÃO DAS VARIÁVEIS E ANÁLISE DE DADOS

3.1 Descrição do corpus

O corpus analisado é composto por 60 (sessenta) entrevistas, realizadas

entre 1993 e 1994, na cidade de João Pessoa. Esse material compõe o corpus do

Projeto de Variação Linguística da Paraíba (VALPB), que tem como objetivo

apresentar, a partir das transcrições das entrevistas realizadas, a realidade

linguística da comunidade paraibana. Os dados desse corpus encontram-se

disponibilizados em forma impressa (5 volumes) e em forma digital41.

A metodologia utilizada para a obtenção do corpus foi orientada por trabalhos

sociolinguísticos que se fundamentam na perspectiva variacionista laboviana. A

técnica de amostra realizada para as entrevistas foi a aleatória por área.

O gênero entrevista constitui um evento comunicativo primordialmente oral42,

marcado por perguntas e respostas que tendem a variar em conformidade com os

objetivos e a natureza dos atos em propósito. Como em um jogo de papéis, o

entrevistador abre, direciona, avança em alguns aspectos de interesse, recua em

outros, incita a transmissão de informações, em um movimento contínuo de

orientação e reorientação do ato discursivo. Tudo isso em nome de um propósito

pré-estabelecido.

No corpus utilizado, os pesquisadores em geral, tiveram a preocupação em

apresentar perguntas abertas que permitissem que o entrevistado discursasse

livremente sobre o tópico proposto. Quando isso não acontecia de imediato, o

entrevistador insistia, buscando a ampliação das respostas através de explicações,

justificativas e detalhamentos e, quando a resposta da entrevista oferecia uma nova

possibilidade de tópico discursivo, o entrevistador focalizava esse tópico novo.

O questionário sociolinguístico do corpus contém uma variação entre 80 a 100

questões em média, dependendo da espontaneidade do falante. Nessas questões,

com o objetivo de obter a naturalidade interdiscursiva dos informantes e, assim,

41 O corpus em forma digital segue anexo. 42 Ainda que esteja escrita ou transcrita, em geral, primeiramente, a entrevista é realizada oralmente.

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conhecer melhor a realidade linguística dessa comunidade, são abordadas,

geralmente, informações de cunho pessoal, profissional e escolar; situação

econômica; orientação religiosa; atitudes; histórias de vida e avaliações pessoais.

Algumas questões, no entanto, foram elaboradas pelos pesquisadores no momento

da entrevista a partir das possibilidades que o diálogo sugeria.

A linguagem utilizada foi simples, informal e objetiva, permitindo sempre uma

fácil compreensão e uma boa interação entre entrevistador e entrevistado.

Essas entrevistas do corpus VALPB foram utilizadas por nós para elucidar o

fenômeno linguístico em estudo. Focalizaremos apenas as respostas43 fornecidas

pelos informantes, sem, contudo, perder de vista a contextualização que as

perguntas oferecem-nos.

Para a seleção dos informantes, dois critérios foram observados pelos

pesquisadores, a saber: o falante deveria ser natural da cidade de João Pessoa ou

morar nessa cidade desde os cinco anos de idade e nunca deveria ter se ausentado

da cidade por mais de dois anos consecutivos.

Os 60 (sessenta) falantes que compõem esse corpus estão classificados

segundo três variáveis sociais: sexo (masculino e feminino), faixa etária (de 15 a 25

anos, de 26 a 49 anos, mais de 50 anos) e anos de escolarização (nenhum ano de

escolarização, 1 a 4 anos de escolarização, 5 a 8 anos de escolarização, 9 a 11

anos de escolarização e mais de 11 anos de escolarização). Distribuídos da

seguinte forma:

1. Sexo

Masculino 30 informantes

Feminino 30 informantes

2. Faixa Etária

15 a 25 anos 20 informantes

26 a 49 anos 20 informantes

mais de 50 anos 20 informantes

3. Anos de escolarização

Nenhum 12 informantes

43 Ainda que alguns estudos, como o de ANDRADE(2004), utilizem, por escassez de exemplos, as perguntas dos entrevistadores, a focalização desse estudo será restrita ao enunciado dos entrevistados.

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1 a 4 anos 12 informantes

5 a 8 anos 12 informantes

9 a 11 anos 12 informantes

mais de 11 anos 12 informantes

A partir dessas três (3) variáveis extralinguísticas, a equipe de pesquisa

aplicou um ficha social, entrevistou os informantes e, posteriormente, transcreveu e

armazenou eletronicamente os dados.

3.2 Procedimentos para a análise

Inicialmente, selecionamos, no corpus , o fenômeno linguístico em estudo.

Dessa maneira, todas as ocorrências do pronome você presentes nos enunciados

dos entrevistados foram coletadas. Encontramos 2004 ocorrências de você, que

estão estratificadas da seguinte forma:

1. Sexo/Gênero

Masculino : 1060 ocorrências

Feminino : 944 ocorrências

2. Faixa Etária

15 a 25 anos : 631 ocorrências

26 a 49 anos : 672 ocorrências

mais de 50 anos : 701 ocorrências

3. Anos de escolarização

Nenhum : 204 ocorrências

1 a 4 anos : 407 ocorrências

5 a 8 anos : 434 ocorrências

9 a 11 anos : 369 ocorrências

mais de 11 anos : 590 ocorrências

Ainda que o interesse maior fosse focalizar o pronome em estudo,

estabelecemos, posteriormente, recortes nesses enunciados sem causar prejuízo ao

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contexto e, consequentemente, à análise da função que aquela forma estava

desempenhando naquele fragmento textual, que seria validado pela relação perfil do

falante acrescido à resposta e à pergunta.

Por reconhecermos que as variáveis sociais eleitas no corpus do VALPB são

propulsoras da variação da referencialidade do objeto em estudo, correlacionamos

as variáveis sociais (sexo/gênero, faixa etária, grau de escolaridade) às variáveis

linguísticas de referencialidade do pronome (P1, representando a pessoa que fala;

P2, representando a pessoa com quem se fala; e genérico, representando um grupo

social que compartilha de semelhantes características e atitudes), a fim de

percebermos em que medida estas condicionam os usos desse pronome estudado

por nós, de que forma as variáveis agem conjuntamente favorecendo ou não o

fenômeno abordado. Essas investigações serviram como uma tentativa de

sistematizar a “suposta desordem” ou, nas palavras de Tarallo (1999), o “caos

linguístico” provocado por essa variação na língua.

Dessa forma, a análise do pronome você foi realizada a partir do

intercruzamento das variáveis sociais e das variáveis linguísticas, sustentando o

defendido e proposto “Nos caminhos da Sociolinguística”, em que o falante

sociolinguístico não possui uma linguagem absoluta e imutável, mas uma linguagem

constituída e construída a partir dos elementos sociais que o cercam.

Correlacionar as variáveis estruturais e as variáveis sociais para nós

representa uma associação entre o que se diz (condição do enunciado) e o

significado social do que foi dito (representação das variáveis sociais). Em cada

enunciado analisado, observamos de qual sexo/gênero, de qual faixa etária e de

grau de escolarização essa voz ecoava.

Interessa-nos, em princípio, que, a partir da análise quantitativa e qualitativa,

seja possível esclarecer:

a.Os homens ou as mulheres usam mais a forma você com a referencialidade P1?

b.Os homens ou as mulheres usam mais a forma você com a referencialidade P2?

c.Os homens ou as mulheres usam mais a forma você com a referencialidade

genérico?

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d.Esse grupo de homens ou mulheres que mais usa essa forma pertence, em sua

maioria, a qual faixa etária?

e.Esse grupo de homens ou mulheres que mais usa essa forma possui qual grau de

escolaridade?

f.Há um tipo de texto que possibilita mais o uso de uma referencialidade em

detrimento de outro uso?

g.A fala de prestígio, ao ser associada às mulheres, estaria, de alguma forma,

favorecendo ou não a uma determinada referencialidade desse pronome?

3.3 Variáveis linguísticas

A fim de verificar as possíveis variáveis linguísticas que corroboraram para

acentuar a produtividade do item em estudo no discurso, buscamos apresentar

elementos que, substancialmente, contribuíram para o favorecimento de tal

fenômeno.

Esses elementos, ora elencados, estiveram bem representados

quantitativamente nas ocorrências, o que nos permite relacionar a frequência dos

dados linguísticos, a referencialidade do pronome você e a presença das variáveis

linguísticas observadas.

A partir dessa relação, as variáveis linguísticas que apontamos são a variável

linguística associada ao estilo e ao discurso, que se subdivide em variável referência

semântica do sujeito e variável tipo de texto, e variável tipo de interlocução.

3.3.1 Variável linguística associada ao estilo e ao discurso

As variáveis linguísticas são, concomitantemente, ações e reações da

estrutura já existente da língua materna. O falante, na sua condição de sujeito, atua

sobre a língua que, embora sombreada por uma aparente camisa de forças, abre-se

diante das possibilidades de refacção, de atualização, de o melhor dizer44. Dessa

44 Melhor dizer, aqui, no sentido de dizer de forma mais adequada à situação.

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forma, a língua sujeita-se ao funcionamento discursivo, ao propósito estabelecido e

desejado pelo falante e o falante, como que em um jogo, apropria-se do sistema

linguístico e nele inscreve as suas marcas de identidade.

Borges (2004), ao estudar o item a gente, estabelece a variável linguística

associada ao estilo e ao discurso como uma das possíveis variáveis presentes

nesse pronome. Adotamos essa variável, mas a subdividimos de forma diferenciada,

com vistas a atender ,de forma mais adequada, ao propósito da nossa investigação.

3.3.1.1 Variável referência semântica do sujeito

O uso do você vem, a cada dia, especializando-se em outras funções além da

função de referência ao interlocutor. Ressaltamos que, embora esses outros usos

estejam fixando-se na língua, não excluem o uso original do pronome, herdado do

Vossa Mercê, de referência ao interlocutor, o que estabelece uma linha de

comunicação com o Princípio da Persistência proposto por Hopper, no qual há a

previsão de que traços semânticos da forma-fonte (Vossa Mercê) continuem a atuar

na forma gramaticalizada você.

O uso do você como genérico, conforme está sendo demonstrado na análise,

tem sido uma escolha linguística realizada pelo falante em um grande número de

ocorrências. A frequência de uso da forma você com essa referencialidade faz-nos

refletir sobre essa forma estar especializando-se e ocupando o uso mais

gramaticalizado nesse processo.

Se, por um lado, temos no pronome a gente a tendência à redução da

generalização e a especificação do sujeito; no pronome você, a tendência mostra-se

contrária. Classificado como pronome de tratamento, vem ocupando o espaço do

pronome de segunda pessoa, lugar já reconhecido por alguns autores; ocupando

também o lugar de pronome de primeira pessoa e, sobretudo, o lugar de referência

ao genérico. Dessa forma, temos o a gente singularizando-se em uma pessoa e o

você pluralizando-se e representando um coletivo, funções opostas às funções

desempenhadas anteriormente por esses pronomes.

A partir dessas considerações, propomos para a análise

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O você como P1, quando faz referência ao próprio falante

O você como P2, quando faz referência ao interlocutor

O você como genérico, quando faz uma referência genérica, indeterminadora.

3.3.1.1.1 Você se metamorfoseando em P1

Existe no repertório da língua portuguesa um pronome específico para ser

utilizado pela pessoa que fala: o eu. O uso desse item é indicado quando o falante

deseja expressar suas atitudes e seus sentimentos . No entanto, o falante, de posse

do conhecimento linguístico que possui, utiliza o pronome você também para essa

finalidade. Classificamos esse uso do você como P1.

Embora reconheçamos que exista uma tênue linha imaginária estabelecida,

em muitos casos, entre uma classificação de você (P1) e você (genérico), os

exemplos em que constatamos o P1 são fortemente justificados a partir de um

contexto de características pessoais que sustentam, naquele excerto de fala, que o

informante está se referindo a ele próprio.

Observemos alguns exemplos.

O primeiro esboça a condição da informante EFS, que possui a característica

de ter sido mãe precocemente e, ao ser indagada, pelo entrevistador sobre a sua

gravidez na adolescência, afirma:

(45)Ser mãe jovem eu acho que num: num é muito bom, não, porque você perde: um poøco da sua juventude. Você: tem que se voltar pra aquela gravidez, tem que se voltaø pra sua casa, pra marido, cuidaø em [fa], aí meu Deus!, fazeø o enxoval, aí vem: tudo isso pela frente, né? Você perde um poøco da sua liberdade.(EFS)

Embora a gravidez na adolescência não seja exclusividade dessa falante, ao

contrário disso, seja um fato comum, a pergunta foi dirigida para ela na entrevista

por ela ter passado por isso. EFS começa a responder com uma expressão que

marca explicitamente a sua forma de pensar “eu acho que”. Depois, ao falar sobre o

período de sua gravidez, enumera ações como estar mais reclusa à casa, ter que se

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dedicar mais ao marido, arrumar enxoval e, sobretudo, a perda da liberdade, a partir

do pronome você.

Observemos que nem toda gravidez na adolescência implica

necessariamente casamento e, em suas enumerações, EFS cita isso “voltaø pra sua

casa, pra marido” como algo tão óbvio à gravidez como a necessidade de fazer um

enxoval. A referência, então, é ao que ela vivenciou e, assim, podemos afirmar que,

certamente, o você faz referência ao P1.

A falante VDN, ao ser questionada sobre a importância do dinheiro,

argumenta que:

(46)Se você queø participaø de um congresso, você precisa teø dinheiro pra pagaø sua inscrição, pra viajaø; se você queø lê um livro, se você queø iø a um cinema, se você se você se você... é inegável, né? e aí você você realmente vê assim, é é muito explícito que quem tem mais dinheiro, quem pode mais financeiramente (...) (VDN)

Interessante que VDN é estudante de psicologia e, assim, os elementos de

consumo enumerados por ela refletem diretamente essa realidade. A associação do

ter dinheiro para ela é feita a partir da condição que esse lhe possibilita de participar

de congresso, pagar inscrição, adquirir livros “você queø participaø de um

congresso, você precisa teø dinheiro (...) você queø lê um livro”. Desejos próprios

de quem é estudante e interessa-se pela vida acadêmica, como ela demonstrou ao

longo da entrevista.

O entrevistador, ciente de que a informante LTO é adepta ao espiritismo,

pergunta a mesma como isso teve início em sua vida. Inicialmente, ela remonta ao

tempo e, em seguida, fala sucintamente do que sentia naquela época: a presença

dos “espírito obicessores que tão ali com você.” Como a crença na existência de um

espírito obsessor é algo mais restrito a um grupo da sociedade e a certeza de que

isso esteja acontecendo com uma pessoa em específico é ainda mais peculiar, o

uso do você, na fala de LTO, sinaliza que a informante está referindo-se a um fato

vivenciado por ela, algo que confirma depois ao afirmar “eu comecei sentir esse

negócio dentøo de casa.”, substituindo o pronome você pelo pronome eu.

(47)Foi há muito tempo, muita gente queria que eu fosse, poøque esse caso que eu tenho já faz, já fazem uns quatro anos que eu sinto + esse esse negócio que eu sentia. + Eu sei lá, parece manifestada, é uma palavra tão tão chata mays, + que num é manifestada; é eles usa obicedada, são os

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espírito obicessores que tão ali com você. + E: isso faz uns quatro anos que começou eu comecei sentir esse negócio dentøo de casa.(LTO)

MJC, em sua entrevista, deixa bem marcada o seu estilo em usar o você

fazendo referência ao P1. Diversas vezes, ao longo da sua interlocução, expressa

peculiaridades suas como a rotina de limpar a casa “Você limpa a casa hoje”;o fato

de ter um neto de 2 anos que considera como filho “você fica preocupada” e apego

emocional que estabeleceu com a família com a qual trabalha na casa “você passa

a semana, todos os dias”.

(48)Você limpa a casa hoje, ontem passei o pano ontem, passei hoje, amanhã... você- você seu filho sai daqui ali, você fica preocupada; por pequeno que ele seja, porque eu tenho esse de dois anos, esse neto de dois anos, quando eu penso qu’ele tá aqui, ele tá lá distante, <o pe-> os meninos saia carregando (...)Sente falta, sente falta, é como fosse uma família, porque você passa a semana, todos os dias, <na-> trabalhando, convivendo com aquele pessoal; é uma ôutra família, é uma familia que a gente constrói lá fora. (...)(MJC)

Também NPL, ao opinar sobre casamento e família, começa usando ,para a

primeira pessoa, o eu e continua usando o você com valor de P1

(49)Bom, eu, simplesmente só apareceu <proble-> me casei, começou aparecer familia; não ligava muito pra o o estudo, lavarei a minha vida mais em brincadeira, em trabalho. Desda idade de dez, onze anos que eu trabalho pra ajudar meus pais; tempo que é bom nunh tinha praticamente naquela épuca pra estudar. Até chegô o ponto de me casar e ficô puraí; cumeço aparicer familha; trabalhano a noite, trabalhano o dia pra subriviver, purque naquela épuca se ganhava muito pouco por mais que você ganhasse, não tinha condições de manter o lar da su- seu lar de jeito ninhum; e familha e mais familha vem apariceno; (inint) você fica sem ter a como fazer aquilo que realmente vai lhe prejudicar no futuro(...) (NPL)

Ainda ao falar sobre o trabalho, alterna para referir-se a ele mesmo o eu e o

você. (50)Quer dizer, (hes) s’eu fossi usar um carru <da-> particular, eu num tinha

condições, a repartição num dá. (est) Você (“fayh”)- trabalhar vinti i trêys anus na repartição, entrar im setenta, sofrer qui neym u diabu sofreu na cruy, para hoji ganhar cinquenta e seti mil. Pensi direitjinhu. É mehmu quandu você hoji entrar <nu-> ganha u saláriu mínimu, cê <gan-> entrô- entrô muitu beym, cê entrô muitu beym; ora s’eu entrei hoji, tô ganhanu u saláru mínimu iguá a quem tá cum trinta i seti (hes), cum quasi <trin-> trinta i cincu anu ali, omi, falta só (gaguejo) um meys pra si apusentar, tá intendenu agora? (est) Você num sofreu nada.(NPL)

A quem o pronome você, de fato, faz referência se não aos próprios

informantes, tendo em vista que a realidade exposta e os fatos e ações

mencionados em suas respectivas falas são seus, pertencem ao seu universo ?

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Para ratificar, trazemos um outro exemplo no qual, explicitamente, há a substituição

do pronome você pelo pronome eu, mostrando ainda mais a exclusividade de

pessoa sugerida pelo você.

A falante JPS, ao ser perguntada sobre a campanha da fome, diz que:

(51)Olhe, a campanha da fome foi a coisa mais importante que tem acontecido no mundo. Se todos os mundo se todo mundo se interessasse pela campanha da fome, num ixistia fome no mundo. + Muita gente passa fome onde você <ve-> eu vejo assim ótimo exemplo tanta gente cum tanta coisa na mesa, tanta gente cum pratos deliciosos na mesa (MJC).

Questionada sobre a violência, MJC exemplifica que:

(52)violência gera violência, é você ó porque - ó, já aconteceu comigo, não- uma vez eu vinha do mercado central tinha feito a fêira aí vinha do mercado central. *Eu subi no ônibus, coloquei as duas sacolas no ônibus e fui subir quando eu coloquei a- a sacola no primêiro degrau do ônibus, coloquei a ôutra mais em cima, fui pe- de cá- assim de lado mesmo eu peguei a ôutra sacola pra colocar, eu senti aquilo puxando a minha mão, sabe? (JPS).

Ou ainda,

(53)Mas eu quero dizer que o ambiente, o meio, a história de vida pode levar uma pessoa (...) por exemplo: Se você agora, eu gostaria de ser mai, mais naquela época, eu num: num [gost]. Agora eu {inint} porque agora? (AAM).

No exemplo (53), AAM, argumentando sobre o desejo de ser mãe, usa

inicialmente o pronome você “ Se você agora”, assim como JPS e MJC e,

cuidadosamente, com receio de que esse pronome não seja homologado como P1,

que parece ser a intenção dessas falantes nesse momento, substitui o mesmo pelo

o pronome “legitimamente” reconhecido como de primeira pessoa “eu gostaria de

ser mai”

3.3.1.1.2 Você legitimando o P2

143

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A função mais reconhecida do pronome você nos meios oficiais e conversas

formais e informais, ainda que posta, muitas vezes, nos compêndios, apenas

ocupando as notas de rodapé ou como meras observações, é a função de referência

ao interlocutor. O você é homologado como um pronome que substitui o pronome tu

em algumas regiões e que convive com esse pronome em outras tantas regiões do

país.

No corpus analisado, o pronome você aparece nas ocorrências com o valor

P2, a rigor, utilizado pelo informante para dirigir-se ao interlocutor ou ao historiar

fatos acontecidos.

Os falantes, em geral, marcam no seu discurso as três referências do

pronome você propostas. Evidentemente, há, em cada entrevista, usos de

referências do você que se sobressaem mais em detrimento de outros usos. No

entanto, ao analisar o você como P2, despertaram a nossa atenção os falantes que,

na entrevista, fizeram uso exclusivo do pronome você na segunda pessoa.

Isso aconteceu com 07 informantes: MHS, que utilizou 38 vezes o pronome

você; JRM, que usou 29 vezes; GPS, que usou 12 vezes; JS, que usou 7 vezes;

JAS, que usou 04 vezes; SVS e JM, que usaram 02 vezes. Em todas essas

ocorrências, a referência exclusiva do você foi a de segunda pessoa. Em linhas

gerais, podemos afirmar que, para esse grupo, o você possui unicamente essa

referência ou que essa é a referência mais utilizada e mais necessária para esses

falantes.

A referência à segunda pessoa em nossa pesquisa ocorreu de duas formas.

a. Com o informante dirigindo-se ao entrevistador, que ocupava a função de

interlocutor, conforme os exemplos (44-49):

(54)Ah {inint} você me pegou (EFS).

(55)Por exemplo, um exemplo muito aqui que você vai ver se num era da dessa forma (JS).

(56)Você quéø sabêø sobre cinema em geral ôø vídeo também <tá> pode tá incluído? (MV).

(57)Mays, de repente eunum sei onde eu encontrei forças e tô aqui conversan0o com você. Não foi a minha hora não (SCP).

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(58)Que eu mais gosto? Você acredita que eu num tenho?(IMS).

(59)A novela que ela ela feyz, qu’eu gostei muito, foi essa novela qu’eu digo a

você: é Antonio e Maria o nome da novela (JPS).

b. Com o informante fazendo referência à fala de outros interlocutores ou a dele

mesmo, conforme exemplos (60-62):

(60)Olhe, aí eu digo: - “Bem feito! Num mando você i0 p0a cima dos outro0. ” Você se afaste desse + dessas menina0, porque se você não se afastar, nesses dias a gente se deixa (JAS).

(61)Aí eu peguei fui limpa0, e depois eu fui chora0 lá no banhêro, cum raiva, aí mãinha disse: “pra que você tá choran0o”? (MLT).

(62)Quando a gente chegou lá aí mãe disse. “É: já que num tem jeito mais mesmo, eu vou deixar você casar” (RAM).

Interessante registrar ainda que, por vezes, nessas falas, nas quais o você se

refere à 2ª. pessoa, o falante faz uso indiscriminado também de outras formas como

cê e tu, nos mesmos enunciados, também para reportar-se ao interlocutor.

(63)Eu disse: “Nove meses, nove dias.” Ele disse, aí mandou sentar lá fez o toque tudinho, aí depois, ele disse: “Cê tá, dar pra você vim de tarde?” (RAM).

(64)“*Se você quiser, Caidi, [cê-] vai passar um ano na casa sem pagar.” *Eu mesma eu tinha feito isso, sabe? Eu tinha feito isso, mas Mineiro é muito acertadinho, num sabe? (IFS).

(65) “por que tu não investe teu dinhêro numa mercadoria ? Tu num já trabalhasse cum bijoteria quando era criança, por que você num investe?” (MLT).

(66)ficou o homem sem teø campo nenhum, que a máquina, tu vai vê, se a gente for vivo daqui uns anoø, chegaø num comprebem desse você compra, e você sozinha lá e a máquina registra e nem, você vê pela Americana, aquelas meninaø ali as bichinhaø fica ali, uma pessoa pra empacotar, e: pra registrar (RTO).

O valor P2 é uma referência de fácil constatação. Se, por um lado, admitimos

as nuances que cercam os valores P1 e genérico, provocando dúvidas que precisam

ser sanadas no contexto e nas pistas que a entrevista nos oferece; por outro lado,

afirmamos a convicção que nos permite classificar uma referência do você como P2.

Conforme exposto acima, os exemplos circundam diálogos ou entre o entrevistado e

o entrevistador, ou diálogos contados pelos entrevistados. No entanto, em algumas

ocorrências, o valor do P2, a nosso ver, transita da referência realizada para um

145

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interlocutor para uma referência genérica. Nesse momento, o P2 deixa de lado a

suposta unidirecionalidade da referência.

Um convite a observação de alguns exemplos:

(67)Minha irmã foi morar na Bahia, aí deu a casa pra elas, aí, você sabe, se acomoda, né? Agora Aí meu Deu do céu! + fico você tá vendo aí já a seca, a caristia que nós estamos é a seca é porque num tem nada, plantaram e num deu nada + e e vai ser mais (RTO).

(68)Ah, naquele tempo era, pra você vê, brincava de roda, brincava de adivinhações, brincava de de anel, aquela estorinha do anel, né? Botava o o anel na mão pra o outro colega saber. Onde é que está o anel? E tal. [na] Naquela época era assim (CP).

(69)Por sinal, era era uma inocência tão grande que a gente num ligava pra isso e hoje você vê as meninas adolescentes têm toda a liberdade de falar de sexo e e, num é? Fala de sexo até com rapazes mesmo, fala de sexo. E eu acho que isso é muito bom, hoje, num é? (...)O rádio: deixa as pessoas bem informadas, né? É um veículo muito importante de comunicação, o rádio. E que você queø veø a importância é se você for numa cidadezinha do interior, lá dos confins, do Cariri, do Sertão, aí você vê aquele pessoal que mora em sítio, assistir as missas pelo rádio (CP).

(70)Você sabe que é meio genérico: porque: tem: as mães, quer dizer, hoje, quando a criança nasce, a partir do primeiro dia, ela tem aquele amoø (EFS).

Os exemplos nos quais os pronomes você adjungem-se aos verbos saber e

ver dão-nos a impressão de que supostamente os falantes podem estar se referindo

ao entrevistador em específico, como também podem estar generalizando as ações.

Essas expressões, então, estariam substituindo formas indeterminantes, como:

sabe-se, vê-se. Se o uso fosse realizado através do cê, essa proximidade semântica

de indeterminação e sintática de clítico estaria ainda mais acentuada.

(71)Pode ir uma favela dessa não, pode ir uma favela dessa, cê vê, cê passa a rua assim, pelo buraco da parede cê vê um tv (LGP).

(72)Tá acabando cum esporte [brasi] o esporte no Brasil são os calendários. pode ir uma favela dessa não, pode ir uma favela dessa, cê vê, cê passa a rua assim, pelo buraco da parede cê vê um tv,, esse times têm jogo em cima de jogo, um time disputando três (...) (LGP).

3.3.1.1.3 Você se pluralizando

146

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Há, na língua portuguesa, inúmeras formas de indeterminar. Substantivos,

como pessoa, multidão, povo, têm sido amplamente utilizados para tais fins, mas

também esse propósito tem sido alcançado através do uso de pronomes como nós,

a gente, alguém e você. A esse uso do você classificamos como genérico.

Em nossa análise, essa referência do você é a que tem mais se

especializado. Segundo Hopper (1991), uma forma vai se especializando à medida

que vem se configurando como a forma que vai sendo mais escolhida pelos falantes

dentro do leque de opções que a língua oferece. Os exemplos ( 73-75) ilustram bem

a generalização ativada com o uso do pronome você, tendo em vista que essa forma

pronominal divide o enunciado com formas como o a gente e o alguém.

(73)A gente pode ajudaø: contribuinøo com alguma coisa, um quilo de feijão, arroiz, tudo aquilo que a gente deø é útil, tudo ajuda, uma roupa que você num num tiveø mais: usanøo, você dá, doa. O que você pudeø fazer: é bem aceito, né?(...)O rádio é uma coisa muito importante, porque de repente você: tem gente que num tem um tevê pra sabeø duma noticia, mas de repente, tem aquele radinho de pilha, já serve (AHS).

(74)Você alguém poderia até dize0, “Simone, você tá vendendo o seu voto”, e eu digo, “quando eles chegam lá em cima eles nos vendem: a qualque0 preço. Eu pediria e na maio0 cara de pau (SMPS).

(75)+ Vai ser muito difícil porque: é muitas + e não só é aqui que a gente vê esse essa essa violência, porque que você assistinøo televisão (SMPS).

Exemplos tradicionais de generalização também ocorrem em casos, como o

seguinte, nos quais, utiliza-se o você para determinar uma pessoa, que, nesse caso,

simboliza um coletivo, a praticar ações. Geralmente, essas ações expressam

elementos consensuais, como uma execução de uma receita, a crença em Deus.

(76)Você pega a carne, corta ela, certo? Bota todos temperoø que for necessário butar numa carne, e bota pra cuzinhar. Quando a carne tá molinha, você pega (hes) creme-de- leite, bota inci-> dentro, bota milho, bota muitas coisaø. Então, fica um prato muito gostoso. Eu sei fazer isso (JPS).

(77)I* Deus é a pessoa mais importante na vida da gente. (risos). É uma pessoa maravilhosa que: se: tudo o que você fizeø, primeiramente, tem que pensaø em Deus, porque se: se você num pensaø em Deus, ói, nada dá certo. Tudo:, ói, o que você pretendeø fazeø na sua vida, pode butaø, ói, [le] levaø o pensamento a ele na certeza você conseguirá (JPS).

147

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Outras vezes, fatos na vida que também são, de alguma forma, tidos como

universais, como lutas com uma doença, lutas na vida,

(78)*Pra você lutar com doença, você lutar com casa você lutar com trabalho e com criança; nem que você quêira, nem que você tenha- mesmo que você tenha tempo de estudar, mai você não vai conseguir:: como você quer, o estudo como você quer, purque, você já pensôu ter que fazer <uma pro-> uma prova daqui a dois ou três dias aí tem uma matéria, duas pra estudar onde é que’eu vou pegar tempo (MJC).

(79)Eu acho que é certo, cada um tem a sua religião, como você tem a sua, eu tenho a minha, eu acho isso certo. A católica também, minha mãe já foi católica, mays acho que o mais certo que eu acho é a assembléia, é a religião de crente, né? apesa0 que muita gente num gosta de quem usa saia cumprida, não vai á praia, num vai à festa, num vai a canto nenhum. Mays + a católica é não) a católica já é diferente, você usa short, você usa tudo; a assembléia não, é um pouco rígida (TCS).

(80)No ônibuø você vem todo mundo quer lhe mataø pisado (TCS).

Um outro exemplo interessante foi trazido por JN, ao argumentar sobre as

vantagens e desvantagens da televisão, ele afirma “ Então, existeø esses marginais

que eles já começa até olháø é como assim a rôøbáø, forma de você atacáø o ser

humano”. Certamente, ao falar que a televisão ensina você a atacar o ser humano

para que seja facilitado o assalto, JN não se refere nem a si próprio, nem ao seu

interlocutor.

Esse uso do você foi amplamente realizado em nosso corpus e superou o uso

das demais formas, como pode ser observado na figura 1. Nas quais, em média, o

valor P1 teve 20%, o P2 teve 38% e o genérico 42% das realizações do você.

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Número de ocorrências

38%

20%

42%

P1 P2 genérico

Figura 1 - Número de ocorrências do pronome você.

3.3.2 Variável tipo textual

Tipos textuais constituem, segundo Marcuschi (2006), uma espécie de

sequência de enunciados que ocupam o interior de um gênero, teoricamente

definida pela natureza linguística de sua composição, através de um conjunto de

aspectos lexicais e sintáticos, tempos verbais e relações lógicas predominantes em

sua estrutura.

São cinco as designações teóricas das bases temáticas típicas que originam

os tipos textuais.

BASES TEMÁTICAS TRAÇOS LINGUÍSTICOS1. Descritiva Esse tipo de enunciado textual tem

uma estrutura simples com um verbo estático no presente ou imperfeito, um complemento e uma indicação circunstancial de lugar.

2. Narrativa Este tipo de enunciado textual tem um verbo de mudança no passado, um circunstancial de tempo e lugar. Por sua referência temporal e local, este enunciado é designado como enunciado indicativo de ação.

3. Expositiva (...) temos uma base textual denominada de exposição sintética pelo processo de composição. Aparece um sujeito, um predicado (no presente) e um complemento com um grupo

149

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nominal. Trata-se de um enunciado de identificação de fenômenos. (...) temos uma base textual denominada de exposição analítica pelo processo de decomposição. Também é uma estrutura com um sujeito, um verbo da família do verbo ter (ou verbos como: “contém”, “consiste”, “compreende”) e um complemento que estabelece com o sujeito uma relação parte-todo. Trata-se de um enunciado de ligação de fenômenos.

4. Argumentativa Tem-se aqui uma forma verbal com o verbo ser no presente e um complemento (que no caso é um adjetivo). Trata-se de um enunciado de atribuição de qualidade.

5. Injuntiva Vem representado por um verbo no imperativo. Estes são os enunciados incitadores à ação. Estes textos podem sofrer certas modificações significativas na forma e assumir por exemplo a configuração mais longa onde o imperativo é substituído por um “deve”. Por exemplo, “Todos os brasileiros na idade de 18 anos do sexo masculino devem comparecer ao exército para alistarem-se.”

Quadro 5 - Tipos Textuais segundo Werlich (1973)45

Van Dick (2000), ao discutir texto, avalia que os esquemas são usados para

descrever a forma global de um discurso, possuem natureza fixa e convencional

para cada tipo de texto. As superestruturas textuais ressignificam esses esquemas

e, assim, cabe a elas organização a macroestrutura temática.

Dessa forma, temos três superestruturas que dão suporte às categorias

esquemáticas: a descritiva, na qual há o tema, os subtemas e as expressões que

caracterizam tais elementos; a narrativa, na qual há um esquema de resumo,

orientação, complicação, solução, avaliação e coda (LABOV, 1967) e argumentação,

na qual há tese, argumentos e nova tese.

O corpus do nosso trabalho, como descrito anteriormente, é composto pelo

gênero entrevista. Observamos, nesse gênero, qual tipologia textual está presente e

45 Fonte : Marcuschi (2006,p.18)

150

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de que forma esses tipos textuais favorecem a uma determinada referencialidade do

pronome você.

Constatamos, nas 2004 ocorrências do pronome você, que houve registro de

1551 ocorrências argumentativas e 453 ocorrências narrativas. Dessas ocorrências,

o gênero/sexo masculino realizou 861/1060 ocorrências argumentativas e 199/1060

narrativas e o sexo/gênero feminino , 690/944 ocorrências argumentativas e

254/944 narrativas . Ressaltamos que, em nenhum enunciado, houve o texto

descritivo.

Dessas ocorrências, estratificadas, inicialmente, em idade e, em seguida,

realizando o cruzamento da variável faixa etária com a variável sexo/gênero, temos:

No primeiro grupo, 15 a 25 anos, foram realizadas 505 ocorrências

argumentativas e 126 ocorrências narrativas. Sendo, no perfil feminino,

registradas 170/256 ocorrências argumentativas e 86/256 ocorrências

narrativas; e, no perfil masculino, 335/375 argumentativas e 40/375

narrativas;

No segundo grupo, 26 a 50 anos, foram realizadas 500 ocorrências

argumentativas e 172 ocorrências narrativas. Sendo que as mulheres

realizaram 259/349 ocorrências argumentativas e 90/349 ocorrências

narrativas; e os homens, 241/323 argumentativas e 82/323 narrativas;

No terceiro grupo, mais de 50 anos, foram realizadas 546 ocorrências

argumentativas e 155 ocorrências narrativas.Sendo 261/339 ocorrências

argumentativas e 78/339 ocorrências narrativas no sexo/gênero feminino e,

no sexo/gênero masculino 285/362 ocorrências argumentativas e 77/362

narrativas.

Vejamos a figura 2.

151

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Figura 2 – Tipologia textual e o uso do você segundo a faixa etária.

Conforme dados expostos, a utilização do você em textos argumentativos,

nos dois sexos e nas três faixas etárias, é superior à utilização do você em textos

narrativos. A diferença entre o feminino e o masculino limita-se, em linhas gerais, na

primeira faixa etária, pois, na idade de 15 a 25 anos, as mulheres produzem menos

e os homens produzem mais textos argumentativos, usando o você.

Em contraposição, os resultados são inversos nos textos narrativos. As

mulheres usam uma quantidade maior em relação aos homens. O que sinaliza que

os homens estão mais voltados à argumentação do que as mulheres na 1ª. faixa

etária. Estas , por sua vez, estão mais inclinadas aos textos narrativos nessa

camada.

Nas demais faixas etárias, ainda que em proporções distintas, há uma

semelhança no uso do você por parte dos homens e das mulheres.

Estratificados em grau de escolarização, verificamos o você nos textos

argumentativos e narrativos e depois, correlacionamos a essa variável o

sexo/gênero. Observamos que o sexo/gênero feminino, excetuando a camada sem

nenhum ano de escolarização, tende a usar o você em textos argumentativos em um

número maior de vezes e o sexo/gênero masculino, por sua vez, começa a fazer uso

do você em termos argumentativos a partir do ensino fundamental I.

Assim temos:

Masc.

0

50

100

150

200

250

300

350

FFem. Masc. Fem. Masc.

argumentativo narrativo

15 a 25 anos 26 a 49 anos mais de 50 anos

152

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Nenhum grau de escolarização, houve 66 ocorrências argumentativas e 138

ocorrências narrativas. Sendo 30/131 ocorrências femininas e 36/73

ocorrências masculinas argumentativas e 101/131 e 37/73 ocorrências

narrativas femininas e masculinas, respectivamente;

1 a 4 anos de escolarização, houve o registro total de 358 ocorrências

argumentativas e 49 ocorrências narrativas. Dessas, 170/200 femininas e

188/207 masculinas para o tipo textual argumentativo e de 30/200 enunciados

femininos e 19/207 masculinos em textos narrativos;

5 a 8 anos de escolarização, foram 231 ocorrências argumentativas e 293

narrativas. Sendo 92/167 ocorrências femininas e 139/267 ocorrências

masculinas argumentativas e 75/167 e 128/267 ocorrências narrativas

femininas e masculinas;

9 a 11 anos de escolarização, os falantes dessa camada totalizaram 347

ocorrências argumentativas e apenas 22 ocorrências narrativas. Em 129/147

realizações femininas e em 218/222 masculinas encontramos ocorrências

argumentativas e em apenas 18/147 femininas e 4/222 masculinas

localizamos ocorrências narrativas;

Mais de 11 anos de escolarização, tivemos 549 ocorrências argumentativas,

distribuídas em 269/299 ocorrências femininas e em 280/291 ocorrências

masculinas, e 41 ocorrências narrativas, distribuídas em 30/299 femininas e

11/291 masculinas .

A realização de narrativas femininas por falantes sem nenhuma

escolarização, usando o pronome você, é bastante elevado e destaca-se frente

aos usos argumentativos masculinos e narrativos femininos e masculinos.

Entretanto, nos graus de 1 a 4 e 5 a 8 anos de escolarização, a realização

narrativa feminina destaca-se por ser a forma menos produtiva. A partir de 9 anos

de escolarização , evidenciamos uma tendência ao uso do pronome você para

fins argumentativos em ambos os sexos, conforme ilustra a figura 3.

É nosso interesse afirmar que , nas variáveis sexo/gênero, grau de

escolaridade e faixa etária, o uso do você como elemento que subsidia o texto

argumentativo foi bastante produtivo.

153

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0

50

100

150

200

250

300

nenhuma 1 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos mais de 11 anos

argumentativo Fargumentativo Mnarrativo Fnarrativo M

Figura 3 - Tipologia textual e o uso do você segundo a escolarização

É válido acrescentar que, em alguns textos narrativos, há fragmentos de

textos injuntivos, quando os enunciados, diálogos diretos inseridos, provocam

atitude, como em:

(81)eu tô danøo a ele o que ele nunca, o que eu, a chance que eu nunca tive, eu as veyz ele “Mainha, num quero ir pro colégio. ” Digo: “Não, você tem que ir meu filho, olhe, você: veja sua mãe e seu pai se num se tivesse estudado, agora não vivia que nem: a gente veve.” (SMPS).

(82)Primeiro, eu dava uma casinha a cada um pra morar, depois procurava empregar todos eles, mays (hes.) eu daria uma casa assim: “Dava uma casa, papel passado”. Se você vendeø essa daí, você vai preso. Tinha que pressionar, porque a maioria faz assim, ganha uma casinha, aí o que faz? (TCS).

3.3.3 Tipo de interlocução

A depender dos anseios do falante na interação, tendo como foco, sobretudo,

o possível interlocutor e a sua forma de redizer o acontecido, o falante marca mais o

seu discurso com uma forma ou com outra de referencialidade do você.

Observando isso, optamos por analisar a variável tipo de interlocução que

corrobora para o condicionamento desse uso e a subdividimos em:

1. Discurso para o entrevistador – é o discurso no qual o entrevistado dirige

diretamente ao entrevistador, almejando sanar dúvidas, esclarecer algo que não

154

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foi compreendido na pergunta, ou, apenas, interagir com ele resgatando algumas

informações.

(83)Tinha um cara, eu já lhe falei já; num sei se você se lembra, que me pediu em casamento. Eu num falei? (MLS).

(84)Num vê aquele respeito de tio pra sobrinho, de sobrinho pra tio. Num tem. E as criança é::, criança mesmo, né? Laura, que você conhece (ASF).

(85)I* Eu adoro cinema. Você quéø sabêø sobre cinema em geral ôø vídeo também <tá> pode tá incluído?(...) Então são filmes que têm uma cultura, mostra o sofrimento. Esse filme, (inint) não seø se você assistiu (MV).

(86)tô aqui conversan0o com você (SCP).

(87)Em que sentido você diz? (JPNA).

(88)Como, você diz como, sobre o que? (GPS).

Ou ainda, desejando que o entrevistador compartilhe algumas informações e

que adira ao que o informante diz: (89)Por exemplo, um exemplo muito aqui que você vai ver se num era da dessa

forma (JS).

(90)I* (risos I*) É, você sai cunh cada uma, né? (falando rindo). Mays como assim? Sonhu, im palestra cunh os colegas? (NPL).

O enunciado seguinte desperta interesse por serem a entrevistadora e a

entrevistada do mesmo sexo, ao ser questionada sobre os jogadores, a informante,

dividindo uma suposta intimidade relacionada ao sexo/gênero comum, diz:

(91)Sobre os jogadores da seleção (hes) como homens que você feyz essa pergunta, são tão são todos bonitos, não pela pela sua [bun-] mays ele se tornaram tão famosos pelo pelo que pela sua técnica, pelo seu conhecimento, pela sua garra, que eles são tão [bon-] são bonitos não pela pela pelas coxaø, pela bunda, sabe? (PAM).

Ou ainda como resultado de uma cumplicidade muito maior, como em:

(92)I* Infância? Eu comecei logo quan0o eu, parece que eu tinha uns + sete ano0. Eu comecei logo lavan0 carro, é: vô0 dize0 logo p0á você aqui, que isso vai fica0 só prá gente me0mo + rô0bei um pô0quinho, ali no Centro Administrativo, ali sabe? E agora tô nisso. Comecei a trabalhá0 (SVS).

No próximo segmento de fala, a entrevistada , como em um jogo de

idéias,devolve a pergunta ao entrevistador, ao ser questionada sobre o seu sotaque. (93)Num sei nem dizer. *Você nota alguma coisa? (PAM).

155

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2. Discurso relatado – é o discurso para o entrevistador, ao discorrer sobre fatos,

relata ao entrevistador, além de ações, as falas das pessoas envolvidas.

O discurso relatado, por sua vez, pode ser dividido em:

a. discurso relatado de primeira pessoa, quando as ações e falas mencionadas são

mais peculiares ao entrevistado, como se esse assumisse a postura de um

narrador personagem e estivesse envolvido na história, apresentando a sua fala

ou apresentando a fala dos outros para ele em um dado momento.

(94)Digo: “E esse pessoa que você fala, falano de tal, assim e assim.” (ERG).

(95)Eu disse “Olhe o seguinte é esse, se você tem sua mulhéø, eu nunca se meti na sua vida, no dia que você bateu na cara dela na frente de todo mundo, certo? de seus amigoø, quando você tava bebo, eu nunca se meti na sua vida não, então por favôø num se meta na minha não.” (GSN).

(96)I* Ah, nesse quando a gente se separou ela avisou. Ela disse: “Eu num naquela época eu num avisei você que num ia dar certo o casamento. Eu num lhe avisei que isso ia acontecer? Que essa mulher depoiø, sempre ela ia ela num da num era mulher pra você. Porque você num num escutou.” (JS).

(97)eu sou honesto, sou, tem que ser decente mesmo; o resultado, ela dizia: “Qualquer falta de você, pode botar um bilhete no bolso dele, ou dá um recado que ele me dar.”(RRB).

b. discurso relatado de terceira pessoa, quando as ações e falas de outra

pessoa são mencionadas pelo entrevistado, como se estivesse assumindo a postura

de um narrador observador.

(98)ele lá deu aula à professora: “Mas rapaz [lá você] e ensinaram tudo isso lá?”. “Tudo isso! Sei de tudo isso”. Quando o professor vinha com aquela matéria no quadro: “Professor! isso aí num é assim não!”. “Mas como é não é o quê? Você nunca estudou isso!” Eu digo: “Eu já sei disso tudim!”. “Mas num é possível! Venha, demonstre!”. E ele fazia! + Era assim. Hoje é engenheiro no Rio de Janeiro +(ERG).

(99)“Olha, Célia”. Ela dizia a mulhéø de meu irmão “Olha, Célia. Dona Terezinha pela frente de tu é uma pessoa e por trás é ôøtra. Fala mal de você, certo? Diz que você num presta, diz tanta da coisa <qui você> só você imaginanøo, e eu provo isso.” (GSN).

c. discurso composto por falas hipotéticas, quando o informante cria supostas falas

para compor a sua argumentação.

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(100)Mays mays a pessoa com estudo sempre é melhor. Já pensou a gente, a gente chega num cartório, aí diz assim: “-Você assina?” A gente responde: “-Não, num assino não”. E só dizer o não, isso já é uma palavra muito triste, né? Então é é muito triste pra quem num tem seu estudo (JS).

Em nossa análise, o você teve um maior uso feminino como discurso relatado de

1ª. pessoa para o narrador. São textos narrativos nos quais o entrevistado narra os fatos e

relata as falas que foram direcionadas a ele de forma direta. No sexo/gênero masculino, o uso

mais evidenciado foi o dirigido para o entrevistador, refletindo a estratégia argumentativa

utilizada de envolver o interlocutor a fim de que compartilhe as suas histórias e opiniões. Os

resultados podem ser conferidos na quadro 6.

Tipo de interlocuçãoOcorrências

feminina % masculina %Discurso relatado de 1ª. pessoa pelo narrador 76 22 75 23, 8

Discurso relatado de 1ª. pessoa para o narrador 155 45 99 31, 4

Discurso relatado de 3ª. pessoa por outras pessoas 24 7 11 3, 5

Discurso para entrevistador 86 25 115 36, 5Discurso composto por falas hipotéticas 4 1 15 4, 8

Quadro 6 - Tipo de interlocução segundo sexo/gênero

Constatamos que a relação tipo de texto e referencialidade do você, a rigor

funciona assim:

1. quando se trata de uma narrativa de fatos, buscando contar fatos pessoais,

cotidianos da vida, geralmente o uso do você P2 é supremo. Nesses excertos de

fala, o narrador insere a fala dele para outra pessoa, ou de outra pessoa para ele.

Por vezes, também, traz falas de outros, em eventos nos quais ele esteve

presente como observador, para contar ações;

2. quando se trata de um texto argumentativo, buscando defender o seu ponto de

vista sobre determinado tema, o entrevistado usa o P2, para referir-se ao repórter,

sobretudo com os verbos ver e saber, objetivando a sua adesão, ou usa o P2,

para colocar falas hipotéticas que venham corroborar com a sua proposta.

3. quando se trata de textos argumentativos, o uso categórico do você é realizado

com a referência do genérico e do P1. Alternativas encontradas pelo falante

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como estratégias para defesa de uma tese proposta.

3.3.4 Enunciados interessantes surgiram também por esse caminho

Alguns informantes forneceram enunciados que evidenciaram interessantes

elementos para a análise. A informante MHS, por exemplo, realizou 38 ocorrências

do você, todas com valor de P2 e estas são geradas a partir de textos narrativos,

nos quais:

ora a interlocutora usa o você como componente da sua própria fala:

(101)Olhe, aí eu digo: - “Bem feito! Num mando você i0 p0a cima dos outro0.”Eu digo: - “Eu tô dizen0o a você que é verdade.” (MHS).

ora a interlocutora usa o você como componente da fala de outra pessoa para

ela: (102) Mas aí hoje em dia ela briga comigo por causa dele. - “Que você é safada que tá com ele, num sei o que. Ele: -“ Arrume mesmo. Agora se você arruma0 você nem vem nem praqui pra dentro.”(MHS).

ora a interlocutora usa o você como componente de conversas entre outras

pessoas:

(103)Pronto que nem hoje, hoje é o dia das mãe0, hoje ele chorou po0que num deu um presente a minha mãe. Minha mãe foi e disse: “Você todo ano da0, esse ano como você num pode: deixe pra lá meu filho, eu num vou faze0 (MHS).

A informante JPS realizou, também em sua entrevista, curiosas construções

com o você. Sobretudo, usando–o de forma recorrente para dirigir-se ao

entrevistador, como em:

(104)Você vê + que a maioria dos crimeø (...)você viu, a chacina daquelas criançaø pobreø (...)Eu num sei se você se lembra (...)você sabe quem é. (...) qu’eu digo a você (...)Ela num sabe chamar você (JPS).

Além disso, ela traz, em sua entrevista, um outro gênero textual, a receita

culinária, e usa o você como indeterminador para indicar as ações que devem ser

realizadas.

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(105)Você pega a carne, corta ela, certo? Bota todos temperoø que for necessário butar numa carne, e bota pra cuzinhar. Quando a carne tá molinha, você pega (hes) creme-de- leite, bota <inci-> dentro, bota milho, bota muitas coisaø. Então, fica um prato muito gostoso. Eu sei fazer isso.

Há uma alternância entre o preenchimento do sujeito como em orações “você pega a carne (...) você pega (hes) creme-de leite” e a presença do sujeito nulo como

em “corta ela (...) bota todos temperos que for necessário (...).” Tal qual acontece

com LS, ao ensinar uma outra receita:

(106)Você pega a carne + você pega a carne, aí pega o bife, né? aí lava, pega a verdura + tomate, cebola, pimentão e coentro, né? bota no liquidificador; bota alho, cominho, + vinagre, e colorau, e sal; passa tudinho no liquidificador, depois despeja em cima da do bife, passa de um lado pa o outro, bota no fogo, quando ferver bastante, aí você tira, aí bota pa fritar, bota numa bandeja. Menina, é (falando rindo) delicioso. (...)Numa bandeja. + Tem <pe-> tem + Você pode botar, também, queijo ralado, ne? por cima uma rodelinha de tomate, de cebola pra enfeitar. Fica delicioso. (LS)

Em IMS, percebemos claramente a simetria linguística entre empregador e

empregado a partir do pronome você que é usada tanto por uma, quanto por outro

em seus diálogos46, embora socialmente haja uma assimetria.

(107)Empregadora: “Ô Isaura, por que você não veio ontem? ”Empregada: “Ô Francisca, eu num vim onte0 porque você me pagou, aí eu só tenho o dia de domingo de folga e no dia de domingo, lá em baixo, o comércio é fechado. Aí eu fui comprar umas coisaO pra mim, tava precisando, aí fui comprar. ”Empregadora “Mas você não sabe que você não pode passar assim um dia sem vir?” Empregada: “Por quê? Se eu num trabalho de carteira assinada, mesmo se eu trabalhasse de carteira assinada, eu ainda podia passar um dia, eu ainda perdia um dia, quanto mais que eu trabalho clandestina! Você não me paga nem direito, você não me paga!” (IMS)

Em contraposição, na fala de HMG, há a simetria linguística como resultado

de uma simetria social.

(108)Ah! só assim: “Como vai? Tudo bem? Tudo em ordeø”?. Disse: “Tá”. Ele disse: “A mais tarde posso falar com você?”, eu disse: “Você num tá falando comigo?” (HMG)

46 A fala de IMS foi convertida em diálogo para melhor esboçar o nosso propósito.

159

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A informante VEF usa muito do genérico. Ao discutir sobre temas que variam

de regras de jogo ou dinheiro, entre outros, utiliza-se do você como forma de

indeterminar. Conforme exemplos seguintes.

(109)Regra do jogo: você não pode pisar na área, você pra bater lateral, tem

que pisar naquela linha da lateral, né?. Você pode passar três segundos com a bola na mão, não pode andar com a bola e:: faz muito tempo que eu parei de jogar também, mudou algumas coisa. Se você, você num leva mais advertência, leva logo dois minutos e assim mudou um bocado, né, desde:: depois que parei de jogar, é mudou um bocado. Também nunca mais fui assistir jogo nenhum. Se você num tem dinheiro, como é que você vai comprar uma roupa, um, numa doença como é que você:: você vai, olhe, hoje em dia é assim: a pessoa adoece vai pra um hospital, assim, municipal, ou mesmo hospital que vai, chega lá num é atendido da maneira que você vai pra um particular, quer dizer, que você vai pra um particular com quê? Ou vai se você paga Golden Cross, ou vai Unimed, tudo isso aumenta todo mês, e é bastante caro, é bastante cara a mensalidade desses convênio e você você com esses né, de de Golden Cross, pois é, né? E dinheiro tem outras vantagem também. Se você vai a uma feira toda semana, quando você chega pra fazer feira já é outros preços. Às vezes você vai com o dinheirinho contadinho. A semana passada eu levei, deu, aí quando chegar lá já num é, você faz a metade, quer dizer, que você com dinheiro você num vai se preocupar com isso, né? O dinheiro é muito importante na vida. (VEF)

Essas sentenças poderiam ser ditas também com estruturas do tipo: “não se

pode pisar na área” ou “quando não se tem dinheiro, como é que se compra roupa”.

No entanto, ao fazer a escolha lexical para elaboração do seu discurso, a falante

opta pela forma você genérico.

O falante JN também nos fornece interessantes exemplos em sua entrevista.

Usa o pronome você com valor de P1 e mostra a peculiaridade da fala na cidade de

Recife , exemplo (100) . Entretanto, ainda nessa entrevista, no exemplo (101) usa o

você com o valor genérico e afirma que a televisão ensina as pessoas a roubarem,

nesse momento, evidentemente, ele não estaria usando o você como P1 ou como

P2.

(110)Em Recife o pessoal tem um sotaco de de todo munøo dizêø “é ruim” Você fala uma coisa “É ruim eu fazêø isso”. Vá fazêø aquilo “é røim eu fazêø aquilo ôøtro \ Já João Pessoa não.(JN)

(111)Então, existeø esses marginais que eles já começa até olháø é como assim a rôøbáø, forma de você atacáø o ser humano. Então, isso <num> são coisas que não traiø nem um a validade”.(JN)

160

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Em outro momento, exemplo (102), usa indiscriminadamente o P2 através das formas você e cê:

(112)Eu quero cê” E eu falei assim pra ela “Eu quero você com namorado, menina, você deste tamanho “(JN)

3.4 Variáveis extralinguísticas

Eckert (1997, p. 215) demonstra a importância das variáveis extralinguísticas

e a equidade entre essas e as demais variáveis, afirmando que “O gênero, como a

etnia, a classe social e a idade, é uma construção social e pode entrar em qualquer

variedade de interações, como outro fenômeno qualquer.” Embora o estudo seja

linguístico, a compreensão de que a língua é intrinsecamente heterogênea faz-nos

eleger ambas as variáveis para a composição de um estudo que reflita melhor o

fenômeno.

Roberts (1999, p. 134), por sua vez, realça a flexibilidade existente nessas

variáveis, argumentando que “gênero, etnia e idade, na construção da fala da

comunidade não é fixa, mas socialmente negociável e continuamente modificável”.

O movimento dos falantes, a subjetividade presente nas classificações das variáveis

e, por vezes, a falta de um ponto corte claro e preciso entre o que seja o limite de

uma faixa etária e outra, por exemplo, fazem-nos compreender a maleabilidade

dessas variáveis e a necessidade que se impõe de estudá-las de forma inter-

relacionada, evitando o perigo que incorremos em camuflar a tendência do

fenômeno linguístico de uma dada comunidade ao estudá-las isoladamente.

Apresentamos, no entanto, inicialmente, essas variáveis separadas por

questões didáticas, mas, ao final, buscando uma análise “multivariacional”,

intercruzaremos as mesmas.

3.4.1 Variável sexo/gênero

Muito se ouve dizer sobre diferenças lexicais entre homens e mulheres, como

se a estas coubesse o uso de determinadas palavras e àqueles o uso de outras.

Cientificamente, podemos afirmar que os estudos que correlacionam a variação

161

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linguística à variável social sexo tiveram seu início quando foram analisadas

diferentes realizações do sufixo ing (gerúndio da língua inglesa) entre homens e

mulheres, estudo realizado por Fischer (1958). Outros estudos realizados

posteriormente corroboraram em sustentar que há, na fala feminina, uma preferência

pelas formas linguísticas de valor mais prestigiado socialmente.

Um interessante elemento de caráter flexível é o fato de a mulher ser, na

maior parte das vezes, a pessoa que prima pela conservação das formas linguísticas

e, simultaneamente, ser também tida como o sexo que lidera muitas vezes a

mudança linguística. Devemos levar em conta, nesses casos, o valor da variante

inovadora: se ela for considerada como uma variante de elevado fator social,

possivelmente o grupo feminino estará à frente da mudança de formas.Mas se, por

outro lado, a forma inovadora tiver um prestígio social menor que a forma existente,

provavelmente o grupo feminino mostrará a sua natureza conservadora.

Ao tempo em que registramos uma maior tendência, ou mesmo sensibilidade

do segmento feminino às formas que estejam mais prestigiadas socialmente,

reiteramos que por ser a língua um fenômeno estritamente social nem sempre essa

bipolaridade entre variante de maior e de menor prestígio está presente em todas as

mudanças linguísticas.

É evidente que, ao relacionarmos uso de maior prestígio às mulheres, não

fazemos isso isolado-a da situação social, tendo em vista que essa questão para

nós está intrinsecamente/visceralmente relacionada à sociedade na qual a mulher

está inserida e, obviamente, na função que exerce em tal contexto, função esta

determinada por razões socioculturais. Daí há de se perceber que, no Ocidente, a

mulher está relacionada à manutenção/conservação do padrão culto da língua e, no

Oriente, onde os valores socioculturais são outros, essa função de manutenção da

forma de prestígio está mais relacionada ao homem.

Por essas considerações é salutar associar o gênero, então, às questões de

atuação na sociedade e, assim, relacioná-lo à variável sexo, conforme fizemos em

nossa análise. Se, antigamente, tínhamos o registro de mulheres que ocupavam

prioritariamente o espaço privado, como dirigentes familiares, voltadas à

coordenação das atividades domésticas; hoje, temos mulheres que, além desse

espaço, ocupam também espaços públicos, como estudantes ou como profissionais.

162

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Cada avaliação nesse sentido, no entanto, deve primar por reconhecer a

peculiaridade da organização social de cada comunidade linguística.

Propomos, portanto, para a análise, a utilização da variável gênero acoplada

à terminologia sexo, oriunda do corpus utilizado, por acreditarmos que as diferenças

entre homens e mulheres não se limitem à natureza biológica, mas sejam também

sociais e culturais. O termo sexo/gênero, utilizado na presente pesquisa, a nosso

ver, reflete de forma mais adequada o caráter dinâmico da sociedade e a função que

os indivíduos ocupam na sociedade.

Mollica e Braga (2003, p. 35) assinalam que essas diferenças extrapolam

questões de ordem fonética-fonológica, morfossintática e avançam para o campo do

interacionismo, pois a análise de conversações espontâneas tem permitido mostrar

diferenças significativas na forma como homens e mulheres conduzem a interação

verbal. Enquanto os homens tendem a manifestar um estilo mais independente e

uma postura que garanta seu prestígio, as mulheres orientam sua conversação de

uma forma mais solidária, que busca o envolvimento do interlocutor.

No corpus analisado, foram encontradas 2004 ocorrências do pronome você

nas falas dos informantes entrevistados. Essas ocorrências do pronome você

distribuem-se na variável sexo/gênero da seguinte forma:

SEXO/GÊNERO FEMININO: 944 ocorrências

SEXO/GÊNERO MASCULINO: 1060 ocorrências

No sexo/gênero feminino, constatamos um número de 944 ocorrências. Após

análise destas, verificamos que em 405/944 ocorrências, que equivale ao percentual

de 42, 8%, a referência do pronome você realizada pelos falantes é de P2,

correspondendo ao uso canônico da forma, estabelecido pela gramática tradicional e

“legitimamente” reconhecido; em 410/944 ocorrências, 43, 4 %, os falantes utilizam o

pronome você com um uso genérico, ao tecer comentários sobre ações, atitudes

que se assemelham a um grupo de pessoas; por fim, em 129/944 ocorrências, 13,

7%, o falante menciona o pronome você fazendo referência a sua própria pessoa

e/ou a uma realidade vivenciada por ele.

163

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No sexo/gênero masculino, a tendência , apresentada no sexo/gênero

feminino , com relação ao uso da referencialidade do você se manteve. Dessa

forma, o você genérico foi utilizado em 445/1060 ocorrências, 42%; o você P2, em

seguida, foi registrado em 353/1060 ocorrências, 33, 3%; e, por último, o você P1

que surgiu em 262/1060 das ocorrências, representando 24, 7 %.

Em nosso corpus de análise, embora o pronome você tenha sido mais

frequente na fala masculina, 52, 8%, do que na fala feminina, 47, 2%, podemos

asseverar que não houve discrepância em termos de uso, como também não houve

em termos de referencialidade.

Em ambos, o você genérico foi o mais utilizado, seguido pelo você P2 e pelo

você P1. Diferentemente, da função única estabelecida para o pronome você nos

compêndios gramaticais de pronome de tratamento e, no máximo, de segunda

pessoa, o que a figura 4 revela é que o você com outras referencialidades foi

plenamente utilizado pelos falantes do VALPB.

24,7%

13,7%

33,3%

42,9% 42,0% 43,4%

P1 P2 Genérico

Masculino (%) Feminino (%)

Figura 4 - Referencialidade do pronome você segundo sexo/gênero.

É válido ressaltar que o produtivo uso do você genérico na fala feminina

demonstra que a forma inovadora é bem aceita, tendo em vista que , no perfil

feminino, há uma maior preocupação com o uso de formas de prestígio.

164

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3.4.2 Variável grau de escolarização

Há uma forte tendência à associação da instituição escolar a um sistema de

valores arraigados, cujo objetivo maior é a preservação de formas de prestígio da

língua. Dessa maneira, a compreensão que se tem é a de que os indivíduos que a

frequentam tendem a mudar a sua forma de falar e de escrever diante dos valores

que lhes são passados.

Assim, se tivéssemos a intenção de elencar os adjetivos que costumam

caracterizar os falantes que frequentam a escola, teríamos a escola associada ao

prestígio social e econômico, ao contexto mais formal e elitizado, ao convívio com

modelos e exemplos das formas do bem falar e escrever, à língua padrão, à

literatura oficial, às gramáticas normativas em detrimento de uma outra camada que

não tem acesso à escola e é colocada à margem desses valores.

No corpus apresentado, a variável grau de escolaridade avança em uma

escala crescente que inicia no indivíduo sem nenhuma escolarização e finaliza no

indivíduo que está no ensino superior. Essa escala, na sociedade, corresponde

inversamente ao estigma que o indivíduo carrega. Assim, o indivíduo sem nenhuma

escolarização é o mais estigmatizado, enquanto o estudante do nível superior tem

um menor estigma social, por se compreender que esse tem a posse do

conhecimento legitimado.

É preciso atentarmos, no entanto, que, embora seja da escola o mérito de ser

responsável por uma parcela relevante de conhecimento socializado, em geral, o

conhecimento tido como de prestígio social, é o uso efetivo de uma forma linguística

que cristaliza, fixa e gramaticaliza as expressões preferidas pelos membros de uma

comunidade e, dessa forma, continuamente, os mecanismos de regularização vão

criando e abrindo espaço para as novas formas surgirem. Essa criação, essa

propagação e essa cristalização de um item linguístico, então, independem da

instituição escolar.

Na nossa análise, a escolarização foi verificada, inicialmente, de forma

separada. Observamos o número de ocorrências do você por grau de escolaridade e

analisamos essa ocorrência segundo a referencialidade do você em cada grau.

Os resultados obtidos foram:

165

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O grupo sem nenhum ano de escolarização produziu 204 ocorrências. Sendo:

10 com valor P1; 174 com valor P2 e 20 com valor genérico.

O cruzamento dessa variável com o sexo/ gênero feminino apresentou os

seguintes resultados :131/944 ocorrências do você. O você como P2 foi utilizado

destacadamente em 122/131 ocorrências, em 93, 1%; o você como genérico em

06/131 ocorrências, em 4, 6 %; e o você como P1 em apenas 03/131 ocorrências,

representando uma pequena parcela de 2, 3%.

O grupo masculino com essa condição de escolaridade realizou apenas 73/

1060 ocorrências do você, sendo que 71,2% dessas ocorrências, 52, foram com a

referencialidade do P2. Esse valor foi completado com o valor de P1 em 7/73

ocorrências, em 9, 6%, e com o valor genérico em 14 ocorrências, representando

19,25%.

O grupo de 1 a 4 anos de escolarização produziu 407 ocorrências. Sendo :

113 com valor P1; 129 com valor P2 e 165 com valor genérico.

Os resultados apresentados com o cruzamento dessa variável com o sexo/

gênero foi uma produção de 200/944 ocorrências. Neste grupo, 44 ocorrências,

22%, do você como primeira pessoa; 68 ocorrências, 34%, foi com o pronome você

como segunda pessoa; e, com o uso mais alargado, o você genérico com 88

ocorrências (44%).

No sexo/gênero masculino, a produção foi de 207/1060 ocorrências. Dessas,

o genérico obteve um maior número de realizações, 77 vezes (37, 2%); seguida do

P1 com 69 ocorrências, (33, 3 %) e, curiosamente, o menor uso foi da representação

P2, com 61 ocorrências ( 29, 5 %).

O grupo de 5 a 8 anos de escolarização, que corresponde ao fundamental II,

realizou 434 ocorrências. Sendo : 86 com valor P1; 245 com valor P2 e 103

com valor genérico.

Correlacionando ao sexo/gênero, tivemos 167/944 ocorrências femininas do

você. A maior realização voltou a ser do você /P2 com 55, 1%, 92/167 ocorrências;

em seguida, o genérico com 57/167 ocorrências ( 34, 1 %); e, por fim, o você P1

com 18/167, representando 10, 8% dessas realizações.

166

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No perfil masculino, houve a realização de 267/1060 ocorrências. O P2

também destaca-se como mais produtivo, 153/267 ocorrências do você ( 57, 3%); o

P1 aparece com 25, 5%, em 68 ocorrências e o genérico, que estava no grau de

escolarização anterior com maior uso, surge agora em apenas 17, 2%, em 46 /267

ocorrências.

No quarto grupo de escolaridade, formado pelos estudantes do ensino médio,

houve 369 ocorrências do você. Sendo : 70 com valor de P1; 58 com valor de

P2 e 241 com valor genérico.

Ao associarmos essa variável ao sexo/gênero, tivemos :147/944 ocorrências

femininas e 222/1060 ocorrências masculinas do pronome você. Com mais de dois

terços, o você genérico volta a liderar na ala feminina. Foram registradas, como

genérico, 113 ocorrências, 76, 9%; com 20, 4%, 30 ocorrências o você como P2 e

com apenas 2, 7% o você na função de P1, em 04 ocorrências.

Nos homens, o genérico sobressai ocupando mais da metade das ocorrências,

com 57, 6%, em 128/222 itens; valores que são seguidos por você P1 em 66/222

ocorrências, 29, 7% e, por você P2, que novamente aparece em último lugar de uso,

com apenas 12, 6%, em 28/222 registros.

O quinto grupo de escolaridade realizou 590 ocorrências. Sendo : 112 como

P1; 152 como P2 e 326 como genérico.

O você com esse valor foi registrado em 146/299 realizações femininas e em

180/291 realizações masculinas, perfazendo 48, 8% e 61, 8% respectivamente;

seguido por você P2 com 93/299 (31, 1%)das ocorrências femininas e por 59 (20,

3%) das ocorrências masculinas; e, em último, o você como P1, no perfil feminino,

com 60 ocorrências, representando 20, 1%, e, no perfil masculino, com 52

ocorrências, representando 17, 9%.

Observemos os resultados obtidos demonstrados através das figuras 5 e 6:

167

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0

20

40

60

80

100

120

140

160O

corr

ênci

as fe

min

ino

nenhuma 1 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos mais de 11 anos

Escolaridade

P1P2Genérico

Figura 5 - Referencialidade feminina do você segundo escolarização

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

Oco

rrên

cia

mas

culin

o

nenhuma 1 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos mais de 11 anos

Escolaridade

P1P2Genérico

Figura 6 – Referencialidade masculina do você segundo escolarização

Realizando, agora, uma outra leitura, correlacionando as variáveis

sexo/gênero e grau de escolaridade e focalizando os valores do você, constatamos

que :

168

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Com relação ao P1

O P1 teve o seu uso restrito a 129/944 (13, 6%) ocorrências no perfil feminino

e a 262/1060 (24, 7%) no perfil masculino. No sexo/gênero feminino, o P1 atingiu os

seus maiores índices de uso, considerando o ponto corte em 20%, nos falantes que

estão entre 1 a 4 anos de escolarização e com mais de 11 anos de escolarização,

22% e 20, 1% respectivamente. No sexo/gênero masculino, o P1 teve um uso

frequente no grupo de 1 a 4 (33, 3%), de 5 a 8 (25, 5%) e de 9 a 11 (29, 7%).

0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% 35,0%

nenhuma

1 a 4 anos

5 a 8 anos

9 a 11 anos

mais de 11 anos

Esco

larid

ade

P1 - Feminino P1 - Masculino

Figura 7 – Referencialidade do você P1 segundo sexo/gênero e escolarização.

Há exemplos interessantes nos quais o entrevistador pergunta ao

entrevistado o que ele (sujeito) pensa a respeito de alguma coisa, solicitando a sua

opinião pessoal a respeito do tema. Ao responder, o falante usa o você, embora

deseje evidenciar notoriamente uma opinião pessoal a respeito do assunto. No

primeiro excerto de fala, o entrevistador pergunta sobre a opinião a respeito do

sotaque pessoense ( 101) e, no segundo, o entrevistador questiona sobre a

superação do rádio pela tv (102), o falante, ao responder, inicia com você e, depois,

usa o eu, reafirmando o pronome você como primeira pessoa,

(113)I* Bom, se se eu acho que falo diferente das pessoas de João Pessoa? Bom, é como eu acabei de dizêø agora. Existeø pessoa em João Pessoa olhanøo sotaco da palavra? Não, porque nóys pessoenseø falamoø tudo num sotaco só. Tudo é, como diz a história, tudo fala nordestino mehmo, quéøenøo ôø não mas tudo é nordestino. Então, existe só a diferença em termo de de de de pronúncia de palavras, mas em termo de sotaco tudo se baseia numa só. É como se chegáø em Recife é existe coisa diferente

169

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daqui. Em Recife o pessoal tem um sotaco de de todo munøo dizêø “é ruim” Você fala uma coisa “É ruim eu fazêø isso”. Vá fazêø aquilo “é røim eu fazêø aquilo ôøtro”. Já João Pessoa não. João Pessoa é tudo um sotaco só. Só existe diferença de pronúncia de palavra, mas o <sotaco> é o mesmo (JN).

(114)I * Rapayz, em cem por cento eu acho que não. Mays uns noventa por cento, sim. Que hoje você chega em casa, a prime0ra coisa que você fayz eu acho que é ligá0 a televisão. Eu mesmo faço assim, quan0o eu ent0o ligo logo a televisão (VLB).

Com relação ao P2

O P2 ocupou o segundo lugar de uso no percentual geral masculino e

feminino, 405/944 e 353/1060 respectivamente. Esses números foram elevados

entre os falantes de nenhum grau de escolarização feminino (93, 1%) e masculino

(71, 2%) e reduzidos nos falantes de 9 a 11 anos de escolarização 20, 4%

ocorrências femininas e 12, 6% masculinas. Deve ser registrado, no entanto, que

excetuando o grupo masculino de 9 a 11 anos de escolarização, em todos os

grupos, o uso de você com valor de P2 foi acima de 20%, o que demonstra um

efetivo uso dessa forma como segunda pessoa. Conforme evidenciam os dados

demonstrados na figura 8 :

0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0%

nenhuma

1 a 4 anos

5 a 8 anos

9 a 11 anos

mais de 11 anos

Esco

larid

ade

P2 - Feminino P2 - Masculino

Figura 8 – Referencialidade do você P2 segundo sexo/gênero e escolarização.

Com relação ao genérico

A escolha do item você como forma de indeterminar demonstrou, em nosso

corpus, ser a forma mais usada desse pronome, principalmente, nos grupos de 1 a 4

anos, de 9 a 11 anos e de mais de 11 anos masculinos e femininos. Entre as

170

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mulheres, em 410/944 ocorrências (43.4%), e entre os homens, em 445/1060

ocorrências (42%), houve a tentativa de utilizar esse item linguístico como forma de

generalizar um sentimento, uma ação. Confiramos os resultados na figura 9 :

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0%

nenhuma

1 a 4 anos

5 a 8 anos

9 a 11 anos

mais de 11 anos

Esco

larid

ade

Genérico Fem. Genérico Mas.

Figura 9 –O uso do você genérico segundo sexo/gênero e escolarização

Analisando o primeiro grau de escolaridade, sem nenhuma escolarização, em

relação ao último, como mais de 11 anos, constatamos que à medida em que os

indivíduos passam a ter maior contato com ambiente escolar , ampliam o seu leque

de opções linguísticas e , assim, há um crescimento do emprego do você como P1 e

como genérico .

3.4.3 Variável faixa etária

Pretti (1982) comenta que a variável faixa etária, por vezes, limita-se ao

vocábulo e que nem sempre isso é facilmente perceptível. Em outros estudos, no

entanto, a variável faixa etária é valorizada por possibilitar a percepção, através da

análise do tempo aparente, de que está acontecendo uma implementação de uma

dada forma linguística, quando o uso da variante é significativamente mais alto nos

falantes jovens que na faixa etária mais avançada.

171

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Há uma hipótese clássica na qual é postulada que o comportamento

linguístico de cada geração reflete um estágio da língua. Os falantes mais velhos, a

terceira faixa etária, apresentam uma inclinação às formas conservadoras e os

falantes mais jovens preferem as formas inovadoras. Dessa forma, as primeiras

faixas etárias seriam responsáveis pela introdução de novas alternativas linguísticas

na língua e que, por sua vez, substituiriam gradativamente outras presentes e

caracterizadoras da fala de indivíduos nas faixas etárias mais avançadas.

Com essa variável, em específico, a nossa pretensão é conseguir

correlacionar a referencialidade do você a um determinado estágio da vida,

observando como está acontecendo essa variação na língua.

Inicialmente, no corpus do VALPB, observamos o comportamento dos grupos

etários . Encontramos:

na 1ª. faixa etária, a realização de 631ocorrências do pronome você.Sendo :

189 com valor de P1; 196 com valor de P2 e 246 com valor genérico;

na 2ª. faixa etária, a realização de 672 ocorrências do pronome você. Sendo

129 com valor de P1; 257 com valor de P2 e 286 com valor genérico;

na 3ª. faixa etária, a realização de 701 ocorrências do pronome você. Sendo

73 com valor P1; 305 com valor de P2 e 323 com valor genérico.

Em seguida, cruzamos as variáveis faixa etária e sexo/gênero e constatamos

que :

no grupo 1, formado por pessoas de 15 a 25 anos, o sexo/gênero

feminino tem preferência, em escala crescente, por você P2 (42, 2%),

você genérico (33, 9%) e você P1(23, 8%) em contrapartida ao

sexo/gênero masculino que prefere o você genérico (42, 4%), você

P1(34, 1%) e o você P2(23, 5%);

no grupo 2, formado por pessoas de 16 a 50 anos, as mulheres

passam a usar mais o você genérico (51%), seguido pelo você P2(36,

4%) e o você P1(12, 6%) e os homens passam a usar mais o você P2

(40, 2%), seguido do você genérico (33, 4%) e do você P1 (26, 3%);

no grupo 3, formado por pessoas com mais de 50 anos, a ala feminina

usa mais o P2 (50, 1%), o genérico(42, 8%) e o P1(7, 1%), tal qual o

172

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grupo 1 feminino, e a ala masculina, utiliza o genérico (49, 2%), o P2

(37, 3%) e o P1(13, 5%).

Vejamos esses resultados na figura 10:

Fem MasFem

Mas

Fem Mas

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Faixa Etária

15 a 25 anos 26 a 49 anos mais de 50 anos

P1 P2 Genérico

Figura 10 – O uso do você segundo faixa etária e sexo/gênero.

A análise da figura 10 expõe peculiaridades bem interessantes. Embora os

três grupos etários façam uso das três formas de referencialidade do pronome você,

temos um comportamento diferente de cada faixa etária para a variante em questão.

O você, como P1, forma que obteve um menor índice de realização no perfil

feminino e nas faixas etárias a partir de 25 no perfil masculino, apresenta uma

preferência de uso na primeira faixa etária, sinalizando para uma possibilidade de

mudança em progresso. Já que os índices percentuais decrescem em relação ao

avanço da faixa etária.

Assim, entre 15 a 25 anos, temos 23, 8% das ocorrências femininas e 34, 1%

das ocorrências masculinas em contraposição aos grupos de entre 26 a 49 anos, 12,

6% das ocorrências femininas e 26, 3 % das ocorrências masculinas e, entre os

173

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mais de 50 anos, um número reduzido de 7, 1% para as mulheres e de 13, 5% para

os homens. Números que sinalizam para nós que a utilização do você com valor de

P1 tem sido trazido para a língua através dos jovens e que, embora a sua utilização

seja feita também nas demais faixas etárias, tem um decréscimo considerável no

perfil dos falantes acima de 50 anos.

O você P2, nos grupos masculino e feminino, teve a sua maior presença nas

últimas faixas etárias e a menor presença nas primeiras faixas etárias. A forma

canônica está sendo mais utilizada pelos falantes acima de 50 anos é compreensível

por esse grupo manter valores arraigados e explorar mais a forma legitimamente

reconhecida, forma que provavelmente foi mais usada durante toda a história de

vida desses falantes, seja na escola ou fora dela.

O você genérico foi mais utilizado pelas mulheres no grupo 2. Há a hipótese

de que a maior utilização dessa forma demonstre a necessidade que esse grupo tem

de envolver o interlocutor no ato discursivo a fim de melhor atingir aos seus

propósitos. Afinal, é uma faixa etária que possui uma maior preocupação com a

defesa dos seus interesses, com a inserção no mercado de trabalho e com a

ascensão profissional. Nos homens, no entanto, o grupo 2 foi o que menos utilizou o

genérico (33, 4%) em detrimento do grupo 1, (42, 4%) e do grupo 2 (33, 4%).

O uso do item linguístico você é elevado. Como afirmamos, nesse texto, o

você é um pronome curinga que serve para provocar alguns efeitos de sentido em

eventos discursivos e, por isso, tem sido amplamente utilizado.

Ambos os sexo/gênero, no corpus em análise, usam mais o você com a

referencialidade de genérico. O perfil feminino faz esse uso com maior frequência na

faixa etária de 26 a 49 anos, ao passo que, no perfil masculino, os nossos registros

apontaram para um maior uso a partir dos 50 anos. Elas, frequentando o ensino

médio (9 a 11 anos de escolarização) e, eles, cursando o ensino superior (+ de 11

anos de escolarização).

Isso pode ser melhor visualizado a partir das figuras 11 e 12 :

174

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Figura 11 - Referencialidade do você no sexo/gênero feminino

Figura 12 - Referencialidade do você no sexo/gênero masculino.

Se comprovamos em nosso texto, a partir dos estudos quantitativos

realizados nas variáveis isoladas e no cruzamento das variáveis, que há um uso

maior do você com outras referencialidades, ou seja, genérico e P1( em 57, 1% nas

entrevistas femininas e em 66, 7% nas entrevistas masculinas) do que com a

referencialidade apontada pela tradição gramatical, ocupando a segunda

pessoa(P2), acreditamos que esteja na hora de levarmos essa discussão para o

espaço escolar e é sobre essa questão que discutiremos na próxima seção .

Referencialidade do você no sexo/gênero feminino

57,1%42,42,9%

P1 e genérico P2

Referencialidade do você no sexo/gênero masculino

6666,7%3333,3

P1 e genérico

P2

175

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4 DEPOIS DE MUITOS CAMINHOS, UMA PONTE

A nossa pretensão nesse momento é estabelecer um diálogo entre o que

absorvemos pelo caminho, através das veredas teóricas e dos textos analisados, e o

desafio que nos aparece de como ensinar o pronome você, no espaço escolar,

diante desse novo olhar.

Mais uma vez, enfrentamos a palavra ordem. Por uma vertente, estamos

cientes de que seja impossível sair imune diante do que vimos, o que, de certa

forma, abala as estruturas do que a instituição escolar insiste em conservar. Não se

trata, no entanto, de desordem, de caos. Há um aparente desequilíbrio no sistema

gerado pela força das necessidades expressivas de uma comunicabilidade mais

adequada.

Os valores greco-latinos de língua correta, homogênea, modelo de imitação,

exemplo a ser seguido, demonstração de uma suposta perfeição, de superioridade

intelectual e cognitiva são imperativos e perpassam entre as gerações. Uma visão

que se distancia da científica, pois, embora sedimentada historicamente, não tem

como objeto de estudo o fenômeno linguístico, mas, sim, valores arraigados. É

preciso perceber que esse não é um caminho de mão única.

Na estrutura escolar, a manutenção dos valores da gramática tradicional

continua a ser repassado. O livro didático, fiel escudeiro da Gramática Tradicional na

escola, permanece com a função de orientar práticas e, nestas, o pronome você é

posto, geralmente, como pronome pessoal de tratamento e continua a não ser

analisado e percebido com outros valores. O uso que dele fazem os falantes,

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verdadeiros donos, não é observado em detrimento da ordem dos vigilantes de

plantão de salvaguardar a língua.

Não desejamos, no entanto, atiçar um confronto. Entendemos que a

gramática deva ser o ponto inicial dos estudos e reconhecemos o seu processo de

construção que remonta aos estudos greco-latinos. Apenas, não conseguindo mais

lançar o mesmo olhar sobre esse pronome depois do anunciado e fundamentado,

propomo-nos a oferecer, nesse momento, um olhar diferenciado, respaldado em

uma investigação realizada sobre um fenômeno linguístico.

É essa uma das nossas mais ambiciosas pretensões. A maior talvez seja que

esse e outros objetos estudados consigam ocupar espaços fora da tese, fora da

academia, “consigam efetivamente ganhar e disputar espaço nas ruas”.

Com esse propósito, no nosso texto, seguem algumas considerações sobre

a(s) gramática(s), a(s) normas(s) e o livro didático.

4.1 A gramática

A gramática tradicional teve sua origem com reflexões filosóficas dos gregos

antigos que intencionavam, segundo Azeredo (1997, p. 16),

explicar a natureza da linguagem;

descrever a estrutura e funcionamento das línguas; e

regulamentar seu uso consoante padrões quer lógicos quer literários de

expressão.

No século III a.C. em Alexandria, centro cultural de referência na época,

Dionísio Trácio elaborou a primeira gramática da Língua Grega, fruto de anseios dos

intelectuais da época que se reuniam preocupados em preservar e divulgar as obras

literárias helênicas. Com a publicação da gramática ,seria possível explicar a língua

dos autores helênicos e conservá-la distante das corrupções dos falares populares.

Os estudos gramaticais romanos absorveram exatamente esse tom. No final

da Idade Média, um novo sentimento de auto-afirmação nacional surge e divide a

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atenção dada à valorização da cultura clássica. Como consequência dessa defesa

das línguas vernáculas, são publicadas as primeiras gramáticas da Língua

Espanhola (A gramática de la lengua castellana, Antonio Nebrija, 1492) e da Língua

Portuguesa (Gramática da linguagem portuguesa, João de Barros, 1540). Esse

antagonismo entre a valorização das línguas vernáculas e a valorização das línguas

clássicas persistiu ao longo do século XVI.

Desses momentos,deveríamos ter herdado apenas os estudos investigativos

sobre a linguagem realizados pelos filólogos. No entanto, trouxemos também os

resquícios da não-distinção entre a língua falada e a língua escrita; a valorização da

modalidade escrita, especialmente a dos clássicos; a idéia fixa de que a língua deva

ser homogênea e de que qualquer desvio desse padrão corrobore para a corrupção

do idioma nacional.

A gramática normativa (GN)47 surge como resultado dessa ideologia

cristalizada e, embora, por vezes, variações entre si costumem ser apresentadas

nesse gênero literário , a GN continua a ser um instrumento de consolidação da

ordem, da ideologia de manutenção do discurso político e administrativo presentes

desde o surgimento da Gramática Tradicional (GT).

Reconhecemos a importância da GT, como valorosa ferramenta de

investigação dos processos cognitivos que possibilitam ao ser humano fazer uso da

linguagem, mas recusamo-nos a aceitar a falsa ideologia de que através da GT se

possa/deva controlar a língua. A dinamicidade dos falantes provoca mudanças no

sistema e essas mudanças devem ser objetos de descrição, análise e reflexão.

A GT surgiu com o intuito de cuidar da língua escrita literária e a GN segue

como um código de leis que deve orientar o uso oral ou escrito de uma língua. Na

verdade, é preciso que haja o resgate na GN da necessidade de investigar o

fenômeno da linguagem, objetivo primeiro da GT, e quem faz isso na atualidade não

é o gramático, mas, sim, o linguista.

Luft (2007, p.31) apresenta curiosamente como subtítulo de um capítulo “AS

DUAS GRAMÁTICAS: GRAMÁTICA E GRAMÁTICA” e afirma que duas acepções 47 Usamos as palavras de Bagno (2001a, p. 15) para apresentar a distinção entre Gramática

Tradicional (GT) e Gramática Normativa (GN): “a GT é o ‘espírito’, a ‘mentalidade’, a ‘doutrina’(a ideologia) que dá alento, vigor e ex-sistentia ao ‘ser’, ao ‘objeto’, à ‘coisa material’que podemos adquirir, manusear e submeter aos nossos sentidos,chamada gramática normativa [...] A GT [...] estaria no mundo numênico, no ‘plano das idéias’ de Platão, mundus intelligibilis, metafísico, enquanto as GN estariam no mundo fenomênico, mundus sensibilis, físico.”

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cobrem esse termo. Uma relacionada ao conjunto de regras que “gera” frases em

uma língua, o saber linguístico, e a outra relacionada à disciplina ou ao livro que

comporta esse conjunto de regras, por isso grafada com letra maiúscula. A partir

disso, é categórico em dizer: “a Gramática disciplina ou livro só vale, obviamente,

como registro exato ou cópia fiel da gramática competência ou saber linguístico.”

(op.cit., p. 32).

A gramática é colocada em um pedestal no papel do onipotente e, assim, a

grande e única referência da língua passou a ser ela, como se mais nada fosse

necessário para buscar o primor e a interação nas atividades da linguagem. Os

manuais passaram não apenas a prescrever a língua, mas serem reconhecidos

legitimamente como a língua em si ou como um representante exclusivo da língua.

Como diante dessa visão unilateral discutir a língua em uso? As questões que

a cercam e que não estão previstas nos compêndios? Nenhum manual consegue

cobrir a totalidade da língua. A língua é geral e móvel e os manuais são peculiares e

estáveis e, nesse sentido, a língua é maior. Para Bagno (2000, p. 27), a língua não

precisa do gramático, este é que precisa da língua.

Na nossa compreensão, é como se precisássemos de uma gramática para

cada situação e de uma gramática que nos servisse em cada situação desejada.

Desta forma, teríamos o controle sobre a mesma e mostraríamos, então, como

propõe Veríssimo (apud LUFT, 1985, p.12),quem é que manda na língua.

A língua, além da gramática, tem o léxico e ele está à disposição dos falantes

para a construção de enunciados, recobrindo, revelando diferentes funções, unidade

de sentidos que vão se materializando, mediando a intenção do falante e, assim,

expondo não apenas o seu significado, mas ressignificando também. Por isso

reafirmamos: a língua é gramática, mas não apenas gramática. Há entre eles, uma

interdependência, mas nunca uma relação hierárquica de superioridade.

Martelotta (2008, p.63) estabelece melhor essa relação quando diz que o

discurso e a gramática possuem uma relação de simbiose, na qual “o discurso

precisa dos padrões da gramática para se processar, mas a gramática alimenta-se

do discurso, renovando-se para adaptar-se às novas situações de interação”

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4.2 A norma

Norma, no sentido lato, corresponderia ao que é, efetivamente, regular e

usual no diálogo entre os falantes, ao que é tradicional dentro de uma comunidade.

E, no sentido estrito, seria relacionada à normatividade, à prescrição de como o uso

deva acontecer. Nos compêndios gramaticais, a segunda acepção é a legitimada e,

assim, a norma é associada aos conceitos de correto e de errado.

Outras visões são trazidas por Cunha (1985) que distingue norma objetiva,

aquela que diz respeito aos padrões que são observados na atividade linguística

realizada por um grupo, e norma subjetiva, aquela que toma como norte um sistema

de valores e que propicia o julgamento de forma subjetiva do desempenho

linguístico dos falantes . Ou ainda por Lucchesi (1998) que afirma que há norma-

padrão, aquela que reúne as formas prescritas pelas gramáticas normativas, e a

norma culta, que retrata as formas linguísticas utilizadas pelos segmentos

escolarizados.

No entanto, a norma culta, em geral, é esboçada como a forma de falar

exemplar, aquela que possui o “selo de qualidade e excelência”, sinônimo de forma

de falar de quem tem o maior prestígio social e, assim, consequentemente, a norma

culta reveste-se do escudo da “ norma prestigiada”. Em contraposição a essa norma,

em um outro ponto, as formas de falar que se afastem desse modelo são

consideradas como inferiores e menos qualificadas e são normalmente associadas a

pessoas que possuem uma condição social inferior. Não precisamos de lentes de

aumento para visualizar com a clareza necessária que a questão que por aqui

perpassa é muito mais de cunho social que linguístico.

Ademais, uma questão: as normas, como os falantes, não vivem

encapsuladas. Elas se movem, convivem entre si, interpenetram-se, entrecruzam-

se, exercem influência umas sobre as outras e, assim, modificam-se mútua e

constantemente.

Há de se reconhecer, então, a presença de normas cultas e não apenas de

uma única e exclusiva norma culta “normas que são uma mistura de diferentes

tendências; normas mescladas, difusas, cujos contornos de diferenciação são

bastante fluidos.” (ANTUNES, 2007, p. 91). Ainda sobre isso, a autora menciona a

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norma culta ideal e a norma culta real. Aquela correspondendo à norma concebida,

pensada, prevista e proposta como norma representativa dos usos da língua tidos

como cultos e esta, aos usos efetivamente realizados.

4.3 O livro didático

Há uma sombra irreal de que nós, professores, ao ensinarmos a Gramática

Tradicional com todas as suas regras e nomenclaturas, estamos, verdadeiramente,

ensinando a língua, mantendo a norma culta. Essa sombra parece levantar os

ânimos dos pais, diretores e alunos com uma falsa idéia de que conseguirão, dessa

forma, a partir da apreensão do que julgam ser a língua, fazer com que os

educandos sejam bem sucedidos na vida profissional.

Há uma espécie de fala consensual que lateja assim “A gramática da língua é

difícil, mas como alento é ela que proporcionará uma melhor condição profissional

para todos. Portanto, ela é fundamental, necessária.”

Professores que ousem mostrar outras vias de ensino, através do texto e,

quando falamos em textos, referimo-nos aos mais diversos gêneros textuais que nos

cercam, estarão sujeito a inúmeras críticas, pois nem todos compreendem essas

atividades como fórmulas válidas para o conhecimento da língua. Existe uma

associação de que os usos da língua devem estar imbricados ou submetidos à

aplicação das regras gramaticais e de que, em um texto, isso não existe.

Devemos pensar que as regras que “regulam, dirigem, regem e governam”

uma língua estão vivas e em seu pleno exercício no espaço do texto, seja ele escrito

ou falado. No texto, no entanto, diferente de fragmentos isolados, há o

reconhecimento de que essas regras não são rígidas, imutáveis, inflexíveis,

intocáveis e indiscutíveis, pois, com o propósito de serem funcionais, sofrem

relativizações e são maleáveis à ação dos falantes em busca de seus propósitos e

escolhas.

Não é comum os autores dos Livros Didáticos proporem inovações através de

textos e exercícios nos quais seja provocada nos alunos a percepção dessas

variações e relativizações. E, dessa forma, a escola fixa-se nos valores de padrão

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ideal, um ideal estabelecido em tempos remotos, em detrimento do padrão real.

Uma prática que tenta controlar a língua, como se fosse possível, apenas através do

não-reconhecimento das mudanças, mumificar a língua, reter as águas que insistem

em correr rio abaixo.

Pensamos que seja preciso explicitar para os alunos a condição de sujeitos

atuantes que podem deliberar por uma ou outra forma lexical, por determinada

construção sintática ou não. É preciso atenuar para os alunos a flexibilidade

existente na língua, pois a inflexibilidade é, por vezes, o único adjetivo conhecido e

reconhecido na língua que está sobre o seu comando. É preciso apontar os

caminhos para que ele domine o que precisa realmente ser dominado: a interação

no processo comunicativo. Ao invés de fazermos isso, caminhamos em um rumo

contrário aos fatos.

Conforme percebemos no decorrer do trabalho, o pronome você está

registrado nas gramáticas como pronome pessoal de tratamento, excetuando-se

algumas nas quais este é apresentado como substitutivo do tu. Vimos, no entanto,

que, na oralidade e nos textos publicitários, o você ocupa reconhecidamente o

espaço de pronome pessoal do caso reto e, dessa forma, age, por vezes, como

substitutivo do tu48, mas, também, aparece como referência à primeira pessoa e

como genérico.

Embora cientes de que se restringir a gramática é limitar-se a um dos seus

componentes, nos livros didáticos (LD), os autores continuam a perpetuar a GT, a

GN e a norma culta, reescrevendo e parafraseando-os sem maiores análises e

reflexões. Percorremos oito (08) coleções de livros didáticos nos capítulos ou partes

em que os autores propunham-se a discutir pronomes. Verificamos que os autores,

a rigor, expõem a associação do pronome pessoal à pessoa do discurso a que se

referem e, em seguida, apresentam o quadro dos pronomes pessoais, tal qual

constatamos no Manual de Português, compêndio da década de 60, elaborado por

Cunha.

48 É válido ressaltar que, em algumas regiões e comunidades de fala, o você é a única referência de segunda

pessoa conhecida, utilizada e legitimada. Dessa forma, o pronome você, para esses falantes, nunca estaria

substituindo o tu.

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Apresentamos a seguir o quadro com os nomes das obras, todas da 5ª. série

do ensino fundamental (6º. ano). Nesses compêndios, no capítulo dedicado ao

estudo dos pronomes, elegemos os itens que nos interessam, como: conceito, você

como pronome pessoal do caso reto e você como pronome de tratamento e assinalamos

os itens que estão presentes em cada obra. Em seguida, discorremos sobre a forma como o

assunto é proposto no livro didático e sugerimos algumas reflexões.

Livros didáticos conceitovocê – pronome pessoal do caso

retovocê – pronome de tratamento

Português: linguagem e realidade (Roberto Melo Mesquita e Cloder Rivas Martos)

X X X

Toda linguagem: língua portuguesa(Hermínio Sargentim, Ma. Délia Fernandez Sargentim)

X X

Tudo é linguagem (Ana Borgatto, Terezinha Bertin, Vera Marchezi) X

Registrado em apenas uma observação

Português: leitura, produção e gramática (Leila Lauar Sarmento) X X

Linguagem: criação e interação (Cássia Leslie Garcia de Souza e Márcia Paganini Cavéquia)

X

Descobrindo a gramática: nova proposta (Gílio Giacomozzi, Gildete Valério, Cláudia Molinari Redá)

X

Linguagem Nova (Carlos Emílio Faraco, Francisco Marto Moura) X

Novo diálogo: língua portuguesa (Eliana Santos Beltrão, Tereza Gordilho)

X X X

Quadro 7 : Livros didáticos e o ensino do pronome você

Mesquita e Martos (1995, p. 58) asseguram que o pronome você “é hoje o

pronome mais empregado em lugar da pessoa com quem se fala, substituindo o tu.

É pronome pessoal de tratamento (...).” É oportuno observar que os autores

reconheceram o você como mais usado como referência ao interlocutor, mas, ainda

assim, mantiveram paradoxalmente a classificação do você como pronome de

tratamento. Apresentado isso, os autores trazem um exercício para que as lacunas

nos enunciados sejam preenchidas com o pronome tu ou com o pronome você.

A nosso ver, por mais que os autores desse livro tenham procurado explicitar

que o você é mais usado e mais funcional no contexto atual, ainda estão presos aos

valores da GT quando fazem questão de manter o tu no mesmo nível do você nos

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exercícios propostos e quando optam por manter o você no quadro dos pronomes

de tratamento.

Sargentim e Fernandez Sargentim (2006, p. 113) definem pronomes pessoais

como “aqueles empregados no lugar de um substantivo.” Seguindo essa

conceituação, há a apresentação dos quadros de pronomes pessoais. Neste quadro,

o você e sua forma plural vocês estão colocados como pronomes pessoais de

terceira pessoa.

Interessante que, inicialmente, o você e o vocês são classificados como

pronomes de terceira pessoa e, em seguida, ao falar que os pronomes pessoais

substituem os elementos que entram em um processo de comunicação e, por isso,

têm a função de indicar a pessoa que fala (eu/ nós), a pessoa de que se fala (ele

(s)/ela(s)), os autores colocam o você e o vocês como pessoas com quem se fala

junto ao tu e ao vós. Ou seja, em uma mesma página, há o registro dos pronomes

você e vocês como pronomes de segunda e terceira pessoas do singular e do plural.

Borgatto, Bertim e Marchezi (2006) seguem o estabelecido: definem o

pronome pessoal associando-o à pessoa do discurso. O pronome você não é

incluído nessas pessoas, mas, em uma observação, as autoras registram que, no

Português do Brasil, na maioria das regiões, os pronomes de tratamento você e

vocês têm substituído os pronomes pessoais tu e vós e, assim, esclarecem o motivo

pelo qual estes pronomes são considerados como pronomes de segunda pessoa,

pois fazem referência à pessoa com quem se fala.

Assinalam ainda, sem maiores detalhes, que o tu em muitos lugares do Norte,

Nordeste e Sul do país é o pronome de segunda pessoa mais usado.

Sarmento (2006, p.82) conceitua pronomes e, em seguida, pronomes

pessoais; associa as pessoas do discurso e, ampliando as informações que

geralmente estão presentes nos outros LD, traz:

eu/ nós – a pessoa que fala, o emissor (1ª. pessoa, o narrador na prosa

ou eu lírico na poesia);

tu/ vós – a pessoa com quem se fala, o receptor ou interlocutor (2ª.

pessoa, o leitor ou algum personagem);

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ele(a)/ele(as) – o assunto, a pessoa ou a coisa da qual se fala (3ª.

pessoa).

Embora a autora forneça um número maior de informações sobre cada

pessoa, o você é excluído do quadro de pronomes pessoais do caso reto e posto no

quadro de pronomes de tratamento, empregado no trato familiar.

Souza e Cavéguia (2006, p.35) não discutem questões gramaticais ao longo

do livro e remetem os leitores ao suplemento no final da obra. Neste, o pronome

você está indicado, no quadro de tratamento, para pessoas íntimas.

Giacomozzi, Valério e Redá (2004) abrem a discussão sobre pronomes com o

gênero textual charge. Nesta charge, a partir da fala de uma personagem, “A Helga

parece ser louca por você”, os autores propõem-se a discutir pronomes. Solicitam

que o leitor observe a palavra você e informe qual o substantivo que ela representa.

Apesar desse bom anúncio de discussão, o você continua a ocupar o quadro dos

pronomes de tratamento para referência familiar nesse livro.

Faraco e Moura (2007, p.84) também elegem uma charge para iniciar a

discussão sobre pronomes. Nesse texto, Mafalda, dirigindo-se a Miguelinho, diz

“Foram umas férias maravilhosas, Miguelinho! Tu não achas?” E o pronome tu é o

mote para a discussão. Os autores questionam aos leitores se há outro pronome

equivalente ao tu e qual é o mais usado nas conversas cotidianas.

Apesar desse questionamento, no quadro de pronomes pessoais, a tradição é

mantida. Interessante perceber que há uma insinuação de que o pronome você é, na

atualidade, mais usado apenas em conversas cotidianas, como se estivessem a

sugerir que o pronome tu pudesse ocupar outros espaços mais formais.

Por fim, trazemos Beltrão e Gordilho (2007, p. 136) que descortinam o estudo

a partir de um diálogo entre dois personagens:

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Ilustração 15 : O uso do você em charge

Em seguida, as autoras questionam os leitores acerca do uso adequado ou

não das falas empregadas pelos personagens e solicitam que eles informem nas

falas das personagens a pessoa que fala, a pessoa com quem se fala e a pessoa de

quem se fala.

Somente, após essa introdução, definem pronomes pessoais e mostram o

quadro desses pronomes. O pronome você não aparece apresentado na quadro de

pronome pessoais. No entanto, ao classificá-los, o você é exposto junto ao tu nos

pronomes de caso reto e também ocupa lugar no quadro dos pessoais de

tratamento.

Uma ressalva aparece no início da discussão: “Em algumas regiões do Brasil,

o falante emprega o tu, 2ª. pessoa do singular, como forma de tratamento, e em

outras regiões emprega-se o você.”

Entendemos que o tu e o vós devam ser ensinados aos alunos, afinal

compõem o quadro de pronomes reconhecido pela GT e, talvez, se os alunos não

tiverem acesso a essas formas no LD, nem se deparem com essas formas

pronominais em outros gêneros. No entanto, não é necessário nos estágios iniciais

um trabalho rigoroso com tais formas, tendo em vista que são vocábulos que estão

distantes do uso dos alunos em suas produções textuais.

Com uma postura diferenciada, Abaurre e Pontara (2006)49 assinalam que

você e vocês são pronomes “considerados” de tratamento, empregados

49 Esse livro didático não está incluso no quadro 6 por não pertencer a 5ª. série.

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frequentemente na linguagem cotidiana e que são formas usadas em muitas

variedades brasileiras, substituindo o tu e o vós. As autoras resgatam a origem do

pronome na forma Vossa Mercê e mencionam as reduções fonológicas sofridas por

essa forma. Ainda, nessa discussão, expõem o você no quadro como 2ª. pessoa do

discurso empregada com a forma verbal de 3ª. pessoa.

É necessário, a nosso ver, que, ao estudarmos os pronomes pessoais , além

dessas questões expostas por Abaurre e Pontara, as discussões sobre as diferentes

referências do você estejam presentes. No ensino do pronome pessoal, o você deve

estar elencado como segunda pessoa, embora a sua concordância seja feita , por

questões de natureza histórica, com o verbo em terceira pessoa, e outros textos

devem ser apresentados para que os alunos percebam o uso que os falantes fazem

e reflitam sobre o que é prescrito e o que pode ser descrito no uso, no qual subjaz

um rol de intenções que devem ser analisadas.

De posse da noção de que a língua dispõe do pronome você, o falante usa-o

para substituir o tu, ocupando a segunda pessoa com a concordância de terceira

pessoa. O uso dessa forma para referência ao interlocutor é validado pela forma

original do você, Vossa Mercê, que os súditos utilizavam como referência ao rei,

primeiro interlocutor.

Ousando mais, o falante experimenta e usa o você para falar de algo que

acontece com o próprio falante e não com o seu ouvinte. Assim, diz:

(115)Eu chego tarde em casa e como e é aquela coisa... se você come tarde ... ... então, eu engordo.

Tendo conseguido que o seu discurso seja compreendido pelo seu

interlocutor, passa a usar o você como referência à primeira pessoa.

Ou, ainda, conforme vimos, usa o você genérico, ativando um sentimento

coletivo, como em:

(116)Sabe quando você não acorda de bem com a vida.

O estudioso da linguagem não deve apenas preocupar-se com o “como” o

enunciado foi estruturado, mas deve dar conta também do “por que” foi estruturado

assim e não de outra forma. Dessa maneira, a análise não estaria circunscrita

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apenas à construção sintática, à observação morfológica, mas realizaríamos um

trabalho no qual a busca seria por determinar as estruturas argumentativas e

textuais e por compreender a língua como um todo.

O famoso “falar e escrever bem” estaria assim mais próximo ao “falar e

escrever adequadamente” para melhor atingir aos propósitos almejados. O falante

deixaria de ser “homem (...) escravo e prisioneiro de estruturas” para ser o “homem

(...) criador e transformador de estruturas.” (LUFT, 2007, p. 46).

Estaríamos mais próximos a uma gramática que procurasse compreender a

dinâmica da língua, o movimento dos enunciados gerados e mais distantes da

gramática que concebemos estática, que apenas prescreve a partir de enunciados

que efetivamente já não refletem as nossas falas.

Dessa forma, teríamos um sistema que está com a porta entreaberta, a

serviço do lado criador, do potencial expressivo do falante. Em outras palavras, a

serviço da gramática que cada ser possui. Uma gramática diferente como são

diferentes as nossas identidades, porque, entre outros, a nossa história e o nosso

nível sócio-econômico-cultural são diferenciados também.

Infelizmente, a intervenção da linguística, como ciência, pouco conseguiu

mexer com as estruturas arraigadas do ensino da língua. Estamos muitas vezes em

um processo que se assemelha a um revés de um parto, ensinamos para que

nasçam nos alunos textos orais e/ou escritos adequados às suas necessidades e,

ao contrário disso, temos a impressão de que o que conseguimos foi provocar a

inibição /castração no falar e no escrever desses sujeitos.

Ainda que a Gramática (acepção 2 de LUFT,2007) não prescreva tal

condição, os falantes de posse do “saber linguístico” que possuem, da noção de

formação de frases com base no código gerador que domina, usam e abusam da

sensibilidade e intuição que detêm, geram novas frases e produzem novos sentidos

a partir das possibilidades que a língua oferece.

É um jogo. Se der certo a tentativa, é provável que vire uma estratégia. Se der

errado, intuitivamente, o falante perceberá que necessita de uma reformulação.

Aceitar isso significa respeitar a atuação linguística do falante que vem com o

domínio sobre a língua e significa, sobretudo, para o gramático descrever essas

possibilidades e para o professor da língua materna apresentá-las e discuti-las.

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Os usos, então, do pronome você em outras situações seria inadmissível,

quando, na verdade, não há nada de complicado e, pelos exemplos que coletamos e

analisamos, todos sabem dizer o que querem dizer, como querem dizer, como

precisam dizer e são compreendidos em suas falas e propósitos.

Há uma idéia simplista e ingênua de que apenas a norma culta segue uma

gramática. E, dessa forma, alguns que se intitulam estudiosos da linguagem,

sobretudo na mídia, costumam afirmar que você é um vício, uma mania, um

cacoete.

Cipro Neto (2001, p. 173) destina um capítulo ao emprego do você e, embora

seja notório perceber, tanto nos textos usados por ele quanto nas afirmações que

ele faz, que reconheça os usos múltiplos do você, categoricamente sugere “(...) é

bastante desejável a eliminação desse cacoete. É cansativo, pobre e enfadonho o

uso da palavra você com indicador de algo genérico (...).” E, no final do capítulo,

imperativamente afirma: “pare com esse cacoete de usar ‘você’ que não é

você.”(op.cit, p. 176)

Assim, comportam-se os vigilantes de plantão. Entendem que estão

preservando a língua, embora percebam que um universo de falantes aja sobre a

mesma, modificando-a e interagindo e sendo compreendido pelos pares. Ainda

assim, esses estudiosos da língua apenas desejam atenuar o que acontece,

etiquetar como errado e eliminar tal alternativa do rol de opções plausíveis de

produção.

Perguntamo-nos, então, o que é legítimo fazer enquanto estudioso da língua?

Parece-nos que o caminho não seria o da negação do que acontece, mas o da

descrição, da análise e da reflexão.

Observemos o enunciado seguinte:

(117) Interlocutor A: Fale-me o que você está sentindo?Interlocutor B: Sabe, amiga, quando você percebe que precisa mudar a sua vida. Precisa dar novos rumos, fechar ciclos, romper com relacionamentos que não a levam a nada? Sabe, nesse momento, você descobre que está grávida... tudo se torna um complexo território.

É um enunciado no qual o você é usado pelo interlocutor B para referir-se a

uma situação vivida pela própria falante. A primeira ocorrência do você nesse

190

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enunciado ativa um sentimento mais genérico de mudança de vida e, na segunda

ocorrência, o você é bem específico ao falante, que, no instante da fala, encontra-se

grávida. Esse enunciado é tão legítimo quanto o primeiro no qual o interlocutor A usa

o você com valor de segunda pessoa.

A utilização do você com outros fins não existe por si só, existe em função do

uso que fazem do mesmo, um uso coletivo, homologado entre os interlocutores,

aceito como natural no contexto discursivo.

Uma única pessoa é capaz de usar o mesmo pronome com diferentes

referencialidades em apenas um enunciado. Ou, como aconteceu acima, usar um

sentido do você para interagir com uma questão no qual havia um outro você. Uma

atitude espontânea de uso da língua na qual o falante percebe, ainda que em uma

gramática implícita50, a força argumentativa de tal pronome.

Se o objetivo maior do ensino escolar é a inclusão social dos alunos,

entendemos que essa se dê pela articulação das vias da competência na leitura, na

escrita, na oralidade, pelas vias da análise, da reflexão, da crítica dos componentes

da língua. Diante da exposição dessas reflexões para o aluno, acreditamos que ele,

na condição de produtor, torne-se mais consciente e competente na escolha de

palavras (recurso da língua) para a construção dos seus textos, bem como para

compreender e interagir com diversos textos.

O que é uma GN impondo o valor “correto” de uso de uma determinada forma

diante do uso que é realizado pelos falantes? O que significa conhecer uma língua?

E quem é que pode afirmar que conhece ou usa melhor a língua?

São inquietações que provocamos e deixamos como pedras no meio do

caminho.

4.4 Poucas palavras

50 Gramática implícita “[...] é a competência lingüística internalizada do falante (incluindo os elementos – unidades, regras e princípios – de todos os níveis de constituição e funcionamento da língua: fonológico, morfológico, sintático, pragmático e textual-discursivo) e que seria implícita, porque o falante não tem consciência dela, apesar de ela estar em sua ‘mente’ e permitir que ele utilize a língua automaticamente, quando dela necessita para qualquer fim, em situações específicas de interação comunicativa.” (TRAVAGLIA, 2000, p. 33).

191

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Vivemos sub judice de um ensino que insiste em impor os conteúdos oriundos

das gramáticas greco-latinas e, assim, convivemos há tempos com usos

metalinguísticos dos estudos da língua, falhos e inconsistentes, mas que

permanecem sem alterações nas Gramáticas Normativas/compêndios gramaticais e,

por sua vez, nos livros didáticos.

Por que, em específico, no caso do você, haveria uma forma de uso mais

recomendada que outra? Discutimos isso e mostramos que a escola que

concebemos é aquela que se debruce sobre as descobertas e aceite de peito aberto

a amplitude e relevância da linguagem sob a ação dos falantes. Para nós, está na

hora de publicar o anúncio (e não denúncia) de que precisamos refazer certas

veredas.

Ousemos imaginar que, ao invés, de propor uma visão unilateral e

reducionista dos compêndios, apresentássemos aos alunos o que é proposto nas

gramáticas e como, na prática, isso é realizado de outras formas. Propuséssemos

uma discussão sobre o propósito do falante a usar uma determinada forma e outra

para que os alunos percebessem nos exemplos (excertos de fala e/ou linguagem

cotidiana) os sentidos do você realizados e a referencialidade no seu uso.

Dessa forma, ressaltaríamos discussões e análises sobre as intenções que se

fazem presente no falante ao usar o você (P1) para referir-se a ele mesmo, quando

poderia ser utilizado o pronome convencional de 1ª. pessoa – o eu - ou quando o

falante usa o você para falar de um grupo quando poderia escolher uma outra forma

lexical.

Com isso, além de trabalharmos a língua portuguesa, através de

morfossintaxe, da argumentação, da textualidade, trabalharíamos a língua como

instrumento social de inserção do sujeito, na condição de ser político, cidadão e

usuário capaz de agir, reagir de abordar e transbordar a partir dos elementos

linguísticos de que dispõe. Sairíamos do foco reducionista do ensino da língua em si

mesma para o foco ampliado do ensino da língua para a formação de um ser.

A escola que desejamos é aquela que se liberte dessas grades que insistem

em separar os mundos. Um espaço que propicie a discussão, a pesquisa em torno

das palavras e dos seus efeitos de sentido das palavras em função do que se deseja

extrair das mesmas. Um espaço que concretize um mo(vi)mento de pesquisa em

192

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torno dos itens linguísticos e no qual os alunos não apenas se acomodassem em

suas carteiras para receber informações sobre uma língua da qual ele participa da

construção, da criação e da recriação, da significação e da ressignificação.

Será que assim não teríamos ,um dia, alunos mais questionadores e capazes

de assumirem uma atuação/situação discursiva de forma mais relevante, mais

fundamentada, crítica e como maior nível de adequabilidade?

Entendemos que deva ser explicitado para o aluno que a língua é um

caminho que é feito, de certa forma, por ele, ao caminhar.

Por fim, esperamos que o exposto possa vir a contribuir para uma maior

participação da sociedade na condução do estudo da gramática e na condução do

ensino como um todo.

A seguir, sairemos da via principal e observaremos os desvios que sugiram

em nosso caminho: a presença do ocê e do cê em nosso corpus.

193

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5 UNS DESVIOS NO CAMINHO ESTABELECIDO: OCÊ E CÊ

Ainda que o nosso objeto de estudo seja o pronome você e tenhamos, ao

longo do texto, fixado-nos basicamente nele, por vezes, buscando a sua origem e o

sua atuação na atualidade e, por vezes, procurando teorias que fundamentassem o

seu uso no discurso, estabeleceremos, por ora, um caminho desvio, mostrando

como ficam as formas ocê e cê, nesse processo de gramaticalização.

Realizaremos essa trilha, por entendermos que essas formas também fazem

parte do processo de gramaticalização do você , embora tenham se mostrado pouco

produtivas em nosso corpus.

As formas ocê e cê, oriundas também da forma lexical Vossa Mercê,

aparecem no nosso corpus com 06 ocorrências femininas e 193 ocorrências

masculinas.

5.1 Um pouco d’ocê pelo caminho

Pelo número reduzido de ocorrências da forma ocê, em apenas 4/60

informantes, foi possível constatar que o seu uso não é categórico na região

paraibana, diferentemente, por exemplo, do estado de Minas Gerais, onde essa

forma é bastante recorrente.

A forma ocê foi registrada em falas nas quais também eram usados, no

mesmo enunciado, os itens você e cê, sem que houvesse distinção semântica e/ou

sintática entre os pronomes.

Verifiquemos alguns usos :

(118)Mays eu achu ocê pudia precisar mays di ôtra manêra, né? Im parti di financêramenti você istaria mais tranquilu (...)mays qui dê pr’ocê isperar até

meiu-dia, issu é munhitu bom, {exessu} na casa da genti (est) (NPL).

(119)você escolha dos esportes que você gosta. É caçar, pescar ou jogar futebol. Um <ocê> fica, aí eu fiquei caçando e pescando e o futebol eu abandonei. (risos F) (GLX)

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(120)Cê pode tá salvo daquilo que ocê, ocê praticar (gaguejo) [ma] mas lá em cima você num tá salvo não (ASC).

(121)São os momento que ocê tiver com uma pessoa é um amor, uma amizade é uma coisa boa mesmo (TOS).

O uso do ocê pode ser favorecido pela presença de uma preposição, exemplo

do pr’ocê em (106), mas a sua realização não é condicionada por essa categoria

gramatical. O falante utiliza-se de uma forma ou outra indiscriminadamente.

Em todas as ocorrências do ocê, o comportamento dele se assemelha ao

comportamento sintático do você e esta forma poderia ter sido também usada sem

que houvesse nenhum prejuízo de ordem gramatical ou semântica. Observemos:

1. ocê pudia precisar

você pudia precisa

2. qui dê pr’ocê isperar

qui dê pra você isperar

3. um <ocê> fica

um você fica

4. daquilo que ocê, ocê praticar

daquilo que você, você praticar

5. que ocê tiver com uma pessoa

que você tiver com uma pessoa

196

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5.2 Cê por aqui

A forma pronominal mais reduzida cê teve um uso maior. Foi utilizada em

33/60 informantes. Sendo 26 ocorrências femininas em 9/30 informantes e 167

ocorrências masculinas, sendo 24/30 informantes. Pelo o expressivo número, esse

fato leva-nos a refletir sobre a ordem proposta, por Hopper e Traugott, no processo

de gramaticalização de um item :

Item lexical > item gramatical > clítico > afixo

Observando o nosso objeto de estudo, a ordem poderia ser assim delineada:

Item lexical MERCÊ

Item gramatical forma nominal VOSSA MERCÊ

Variante VOSMECÊ

Item gramatical forma pronominal VOCÊ

Variante OCÊ

Clítico CÊ

Afixo flexional Ê51

Ilustração 16 : Percurso do item lexical ao afixo flexional

O item linguístico Mercê adjungido ao pronome possessivo vossa gera o item

gramatical (forma nominal) Vossa Mercê, período no qual convive com a variante

vosmecê. Essa forma nominal, por sua vez, gera o item gramatical (forma

pronominal) você, que tem como variante a forma ocê. Em seguida, no penúltimo

estágio de gramaticalização, aparece o clítico cê, forma mais atualizada e mais

avançada da gramaticalização do você, segundo Vitral (1996), Vitral (1999) e Vitral e

Ramos (1999), considerado como clítico.

51 Vitral (1996) registra que, em Goiás, ocorre a seguinte expressão: “ê é besta sô!”. Expressão que significa dizer “Você é besta sô! E, assim, o autor aponta esse ê como uma possível etapa da afixação flexional.

197

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Os clíticos no português brasileiro falado apresentam-se sempre antepostos

ao verbo, fato contrário ao que ocorre no português europeu. O cê, assim como o

você e o ocê, pode ocupar no sintagma oracional, tranquilamente, a posição pré-

verbal, como em :

(122)Isso aí: é o <-cê> sabe, né? (IMS).

(123)[cê-] vai passar um ano na casa sem pagar (IFS).

(124)Cê tem que tá no canto, sozinho, quieto (GSN).

(125)cê veja uma mexicana no SBT(risos), não teim quem aguente, não é isso? Os atores são legais, são bacanas (MCC).

Em todos esses exemplos, o lugar de cê, anteposto ao verbo, poderia ser

ocupado pela forma você ou ocê sem que isso acarretasse problemas de

agramaticalidade nas sentenças. No entanto, o uso de cê em outras posições faz

com que a frase deixe de ser gramatical. Comportamento diferenciado do que

acontece com o você e com o ocê, que poderiam ser utilizados nas hipotéticas

frases elaboradas a partir dos enunciados anteriores.

A forma cê não pode receber estruturas com foco ou ênfase. (126)* Foi cê quem tinha que tá no canto, sozinho, quieto.

Foi você (ocê) quem tinha que tá no canto, sozinho, quieto.

(127)* Aí chega cê que tinha que ficar no canto, sozinho, quieto. Aí chega você (ocê) que tinha que ficar no canto, sozinho, quieto.

A forma cê não pode ser modificada por advérbio (128)* Só [cê-] vai passar um ano na casa sem pagar.

Só você (ocê) vai passar um ano na casa sem pagar.

(129)* Até [cê-] vai passar um ano na casa sem pagar. Até você (ocê) vai passar um ano na casa sem pagar.

A forma cê não pode receber o acento que caracteriza a entoação de uma

construção de topicalização (130)* Cê, ele já viu passar em casa. Você (ocê), ele já viu passar em casa.

198

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Também não há o uso do cê na função de item topicalizado, como elemento

que atua como resposta sozinha, pois a atonicidade impede a realização do

clítico com essa atuação52.

(131)- Quem passou em casa? * - Cê? - Você (ocê)?

E ainda não pode ser usado após preposição ou como elemento coordenado

com outro pronome, pois esse é um ambiente propício para as formas

tônicas. (132)*Eu passei pra cê.

Eu passei pra você (ocê)

As frases mostram a existência de uma distribuição complementar: a forma cê

não pode ocorrer em todos os ambientes em que você e ocê ocorrem. Embora todos

sejam pronomes e oriundos de uma mesma forma lexical, não possuem os mesmos

traços e nem os mesmos comportamentos sintáticos. Você e ocê são itens da

gramática, podendo estar posicionados antes e após o verbo, e a forma cê caminha

rumo a um processo de clitização , estando o seu uso restrito a determinadas

posições.

Em todos esses casos (126-132), percebemos que o comportamento da

forma cê equivale ao comportamento de um clítico e, assim, há a justificativa de que

é pré-requisito para um clítico ser hospedeiro de um outro elemento; por isso o cê,

naqueles contextos, sem elementos em que pudesse se escorar (condição natural

de um clítico) é agramatical.

Roberts; Kato (1996, p. 262) estabelecem uma distinção entre os pronomes

fortes, como você e ocê, que podem ocupar a posição de tópico, pois carregam a

ênfase, e os pronome fracos, como cê, que apenas podem se ligar a um elemento

anterior em posição de tópico. Nossos exemplos sinalizam isso, ou seja, que a forma

reduzida cê constitui um item que se posiciona sempre em adjacência ao verbo.

52 O acento presente na forma cê não sinaliza a tonicidade, mas sim o fechamento da vogal.

199

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5.3 Cê cliticiza ou se cliticiza

O processo de gramaticalização, além dos estágios Item lexical > item

gramatical > clítico > afixo, implica a perda de conteúdo semântico e a perda de

substância fônica “evolução pela qual as unidades linguísticas perdem em

complexidade semântica e substancia fonética”53 (HEINE; REH, 1984 apud

TRAUGOTT; HEINE, 1991). É visível tanto na evolução do Vossa Mercê > você,

como na evolução do você > cê, essa perda de substância fônica e, como resultado,

a permanência da sílaba tônica final como herança da forma primeira. Interessa-nos

mostrar ainda que o cê clítico, assim como o pronome você, perde conteúdo

semântico e passa a trilhar (além de referência a um interlocutor) por um caminho de

indeterminação. Nesse estágio, aproxima-se bastante de um outro clítico : o se.54

Ancorando em Kato, Vitral (1996) argumenta que a ênclise não é um

fenômeno naturalmente do português brasileiro, mas que surge como resultado do

contato com a escrita e/ou com a escola. Corrêa (1998), comparando a fala e a

escrita de estudantes paulistas da 1ª. a 8ª. séries e universitários, indica que para o

primeiro grupo a ênclise aparece em 9, 3 % e, para o segundo grupo, 86, 7 %. Tais

resultados confirmam a posição de Kato de que os clíticos só são adquiridos no

processo de escolarização e Pagotto (1992) ratifica que a próclise é a posição

natural do clítico, impera como tendência generalizada, e a ênclise é resultado de

um movimento suplementar do verbo. Em exemplos, como:

(133)você pega num caibo assim, cê pindura assim (AJM).

(134)Cê [pe] pega os livros, o problema é cê ler muito (LGP).

Assim como o clítico se tem o seu uso indeterminador, como em: “então se

entra nos mínimos detalhes” e “parte-se um ovo e serve-se“55, o cê nas ocorrências

supracitadas aponta em uma direção de indeterminação, tal qual é realizado pelo se.

53 evolution whereby linguistic units lose in semântica complexity … and phonetic substance … 54 Apesar dessa proximidade vale ressaltar que não se deva falar em homogeneização absoluta em

relação ao comportamento dos clíticos. 55 Exemplos retirados de Galves, Charlotte e Abaurre, Maria Bernadete Marques. Os clíticos no

português brasileiro: elementos para uma abordagem sintático-fonológica.

200

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Essa função de indeterminação são processos mais recentes dessa forma. Mais

uma vez, o nosso convite à observação.

(135)você pega num caibo assim, cê pindura assim

pendura-se (136)Cê [pe] pega os livros,

pega-se

(137)O problema é cê ler muito (MLT)

lê-se

A falante MLT ainda oferece-nos, para convalidação das nossas hipóteses, o

seguinte enunciado: ” se você- <se’u-> se deixa. No qual percebemos que “se você deixa ” foi substituído por “se deixa”. Ambas estão refletindo formas de

indeterminação.

A utilização do cê pode, então, ser pensada como uma das alternativas de

que o falante dispõe na língua para a indeterminação. A perda de conteúdo

semântico pode ser interpretada como perda de traços semânticos que caracterizam

a referência virtual, ou seja, traços semânticos que permitem ao item selecionar

diretamente um referente no universo do discurso, caminhando para uma tendência

à significação geral e passando de um item referencial para um item não referencial

(tendência também sugerida por HOPPER; TRAUGOTT, 1993, p. 157).

As ocorrências da forma cê em nosso corpus, evidenciaram-nos que:

1.Há uma tendência do sexo/gênero masculino de usar mais a forma que o

sexo/gênero feminino;

2.Há uma tendência gradativa e proporcional do uso do cê e da faixa etária,

aumentando sempre o uso à medida que a faixa etária também avança.

Na primeira faixa etária (15 a 25 anos), houve 40 ocorrências do cê.

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Na segunda faixa etária (26 a 49 anos), houve 56 ocorrências do cê.

Na terceira faixa etária (mais de 50 anos), houve 97 ocorrências do cê.

3.Há uma tendência diferenciada entre o sexo/gênero feminino e o sexo/gênero

masculino. Naquela camada, o uso do cê é mais acentuado entre os informantes

que tem de 5 a 8 anos de escolaridade, 11/26, e nessa camada, entre os

informantes que tem mais de 11 anos de escolaridade, 74/167 ocorrências.

Embora o nosso passeio pelo cê, tenha sido en passant, em função de não

ser o nosso foco de análise, o discutido permite-nos inferir que está acontecendo

uma especialização no uso do cê no sexo/gênero masculino, com mais de 50 anos

de idade e com escolaridade superior a 11 anos. Essa tendência à especialização,

no entanto, não impede de se identificar um processo de gramaticalização em

andamento da forma mais avançada da locução nominal Vossa Mercê, uma forma

fonologicamente reduzida e sintaticamente dependente.

202

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CONSIDERAÇÕES FINAISTenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto

( Fernando Pessoa)

Hora da chegada.

Após todo esse percurso, todos esses caminhos, aportamos por aqui com

algumas idéias sobre o pronome você que emergem e nos levam à reflexão.

O pronome você entrou na língua como pronome de tratamento e teve o seu

uso generalizado no Brasil, quer seja nas relações simétricas, entre os pares;

quer seja nas relações assimétricas, sendo usado por superiores para referir-se a

inferiores. Segundo Biderman (1972/1973) os critérios de idade, como ser mais

velho, e os de posição social, como pertencer a uma classe superior a do outro,

marcavam de forma determinante estas relações.

A inserção do você na língua portuguesa foi agente de uma série de

repercussões gramaticais/linguísticas. Focalizando o seu encaixamento no

subsistema dos pronomes pessoais, podemos, seguramente, afirmar que ele

causou um aparente desequilíbrio no sistema que logo foi se ajustando às

necessidades comunicativas.

É própria das formas de tratamento, segundo Monteiro (1994), conseguir

ultrapassar os limites e desfazer as restrições das regras de combinações

impostas pela língua, é o você foi exemplo disso através do seu processo de

variação e mudança na forma, na função e na referência.

Quanto à forma, conforme vimos em A história do você, havia um pronome

vós que foi substituído por Vossa Mercê, por razões que refletem questões de

ordem política, econômica e linguística. Essa forma fonte teve o seu uso alargado

e sofreu, consequentemente, um processo de simplificação fonética, tendo a sua

massa fônica reduzida a vossemecê, vosmecê, entre outros, e, finalmente, a

forma você. Nos dias atuais, o você é um pronome chave, de pequena extensão,

203

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que exige pouco esforço cognitivo e serve para dirigir-se a um grupo menor ou

maior de pessoas, ao tempo em que se refere apenas a um único indivíduo. É

comum também encontrarmos a forma ocê, em determinadas regiões, e a forma

cê, em todo o território nacional. Às vezes, essas formas são usadas

indistintamente em diálogos.

No espaço cibernético, a redução dessa forma, atinge outras esferas, sendo

escrito, nessa modalidade de gênero, por vezes, como vc ou, até mesmo, apenas

como c. Há ainda estudos, como Vitral (1996), que sinalizam a realização da

forma reduzida ê, em determinada região brasileira. Podemos assegurar, apenas,

que o percurso da forma teve como ponto de partida o Vossa Mercê e que há

uma tendência explícita de redução. O que confirma a nossa hipótese do percurso

sofrido do mercê > vossa mercê > você e da significativa perda de massa fônica

por parte da locução nominal.

Dessa forma, a hipótese de que o pronome você tenha sofrido um processo

de gramaticalização

Quanto à função, a locução nominal Vossa Mercê gramaticaliza-se como

pronome você. Este passa a ocupar, segundo a tradição gramatical, a posição de

pronome de tratamento, herdado da forma fonte. No entanto, no paradigma

pronominal, o você apropria-se do lugar de segunda pessoa, distanciando-se,

nesse aspecto, do valor da forma original.

Como segunda pessoa, concorre com o pronome já existente na língua para

essa função e, assim, convive com o tu em algumas regiões e suplanta o uso do

tu em outras.

Age na concordância, provocando a “mistura entre pronomes”, tendo em vista

que, na condição de pronome de segunda pessoa, deveria trazer rigorosamente

as marcas de concordância dessa pessoa, assim como ocorre com as demais

pessoas pronominais. No entanto, traz cristalizadas características de

concordância da sua forma fonte, marcas de terceira pessoa. Assim, é comum

termos contato com estruturas nas quais o falante coloca o você em concordância

com os pronomes oblíquos te, contigo ou com os pronomes possessivos teu, tua,

204

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relativos à segunda pessoa, embora o você, na condição de pronome vindo da

terceira pessoa, devesse estar organizado sintaticamente com pronomes do P3.

Além de agir na língua, provocando essa flutuação entre pessoa e elementos

que concordam com ela, provoca uma alteração na marca verbal de segunda

pessoa, razão pela qual, em diversas regiões, o pronome tu é acompanhado de

verbos sem a marca de desinência número pessoal equivalente a essa pessoa,

havendo uma uniformização da forma empregada para o tu e para o você. Dessa

maneira, teríamos as seis pessoas pronominais e suas respectivas realizações

contempladas em basicamente quatro formas: eu estudo/tu, ele/ela/você estuda/nós, a gente estudamos/eles, elas, vocês estudam.

Por essa razão, mais um rearranjo surge. O traço de realização do sujeito

nulo em nossa língua foi alterado e passou a ser preciso a realização do sujeito

pleno (Cf. Duarte, 1995) para que se pudesse especificar claramente o sujeito

utilizado no enunciado, já que cada forma verbal exposta acima, excetuando P1,

pode ser utilizada para mais de uma pessoa. Monteiro (1994, p.153) diz a esse

respeito que:

(...) a criação do pronome você foi um passo decisivo para outras modificações. É possível imaginar-se até que a tendência para a obrigatoriedade da presença do sujeito, confirmada para os dados da norma culta, tenha começado a acentuar-se a partir daí.

O você ocupa, assim, a categoria dos pronomes pessoais do caso reto, com

características bem peculiares. Pertence à segunda pessoa, mas tem a

concordância verbal de terceira pessoa, fato que, conforme vimos, influenciou até

a ausência da marca de realização da segunda pessoa.

Traz o número de 3ª. pessoa. Assim como o ele/ela pluralizam-se em

eles/elas, a partir do acréscimo da marca de plural s, o você se opõe, em número,

ao vocês, de forma similar; diferentemente da realidade da segunda pessoa, na

qual temos tu em oposição a vós.

Com relação ao gênero, há uma neutralidade na forma que se desfaz

mediante o contexto discursivo. O você pode referir-se a um homem ou a uma

205

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mulher. Traço comum ao que ocorre com o tu, mas não ao que ocorre com ela e

ele.

Em linhas gerais, podemos afirmar que, com relação ao número e à

concordância, estão arraigados os valores da forma fonte e com relação à pessoa

pronominal e às características de gênero tem semelhanças com o tu.

Quanto à referência, temos, no pronome você, o reconhecimento nas

gramáticas e livros didáticos de que é um pronome de tratamento e, por vezes,

em anotações e observações periféricas, identificam-no como pronome pessoal

de caso reto com valor de segunda pessoa.

Com uma ampla disseminação desse pronome, era de se esperar que a sua

referência também sofresse alteração, assim como a sua forma e a sua função.

Nos nossos dados, o você revelou-se como um pronome que se

metamorfoseia em três referências: P1, em exemplos como: “+ Quer dizer eu num

achei rim ter tido meu filho não. Pelo contrarøo a emoção é tão forte quando a

gente ta isperando o filho que você tá sofrendo pur’ele você num sente tanta dor

assim, sente mais aquela emoção, e pra mim (JPS) ; P2, em referências ao do

tipo : “Bem feito! Num mando você i0 p0a cima dos outro0.”(MHS); e como

genérico, “Se você fizéø um bom segunøo grau, você com certeza vai se dáø

muito bem na univeøsidade e: vai sabêø se expressáø, principalmente,

né?”(HBC)

Dessa forma, afora o já discutido em Metodologia, estruturação das variáveis

e análise dos dados, acrescentamos que, a análise das variáveis linguísticas e

extralinguísticas possibilitou-nos afirmar que o pronome você com valor de

genérico tem sido efetivamente a referência mais utilizada dessa forma

pronominal, atingindo um índice de 43,4% das ocorrências femininas e de 42 %

nas ocorrências masculinas.

Na variável sexo/gênero, o você genérico foi bem menos produtivo que os

outros usos. Na variável faixa etária, houve um crescimento proporcional do você

P2 e genérico à medida em que se avançava na idade e inversamente

proporcional ao uso do P1 que foi mais produtivo na primeira fase e teve menor

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realização na terceira fase; e , em ambos os sexos, os informantes com mais de

11 anos de escolarização realizaram um extensivo uso do você , sobretudo,em

textos argumentativos em detrimento dos textos narrativos;

Observamos assim que a escola, ainda que com sua atitude normativa e

conservadora, não conseguiu inibir o uso do você com outras referências. Esse

uso tem se alastrado na língua, sofrendo um processo de ampliação semântica,

conforme anunciado na hipótese do trabalho.

Podemos assegurar que o falante paraibano, como reflexo do falar brasileiro,

no momento atual, encontra-se seduzido pelo você com outras referências além

da segunda pessoa, e esses outros valores do você configuram a variante

inovadora.

Por fim, fica em nós a certeza de que trilhamos vários caminhos, entretanto

muitos ainda faltam ser percorridos. Nessa pesquisa, não tivemos a pretensão de

exaurir a discussão acerca do tema, mas de propor vias que pudessem contribuir

para melhor compreender o fenômeno linguístico de mudança e variação na

forma, na função e na referência do pronome você.

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