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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

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1- Professor PDE, lotado Colégio Estadual Francisco Neves Filho – São João do Triunfo Pr. 2- Professor Orientador, vinculado a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)- Ponta Grossa Pr.

AS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA COMO ZONA AUTÔNOMA TEMPORÁRIA (TAZ) DENTRO DA ESCOLA

PÚBLICA: VIVENDO A LIBERDADE

Marco Aurélio Gaspar¹ Moacir Ávila de Matos Junior²

RESUMO

Pensando a Educação Física em uma abordagem que possibilite a todos os sujeitos envolvidos a conquista de sua autonomia, encontramos respaldo no movimento anarquista e sua pedagogia libertária, a qual visa contribuir para que as pessoas assimilem valores e comportamentos que venham a reger o funcionamento da sociedade, tendo por fundamento básico “se queremos liberdade, devemos dar liberdade” (BAKUNIN, 2011; GALLO,2007; THOREAU, 2012; TOLSTOI, 2012). Para tal, nos valemos de uma estratégia também vinculada ao anarquismo, chamada “Zona Autônoma Temporária (TAZ)” (BEY, 2001), que sugere construir espaços que possibilitem viver a liberdade, mesmo que tais espaços sejam temporários, eles inspiram o surgimento de outros espaços com o mesmo fim, conectados entre si em redes. Nesse sentido, nossa proposta é fazer da aula de Educação Física uma TAZ, dentro da escola, orientada em maior ou menor medida pelos princípios: liberdade individual, mas coletiva que significa levar em conta aos demais a responsabilidade de viver em grupo. Contra a autoridade ninguém manda em ninguém, tudo se faz por compromissos assumidos e a partir de decisão coletiva aberta e sincera. Autonomia do indivíduo contra as dependências hierarquizadas e assumidas. Coeducação voltada para as relações de gênero, etnia e diversidade sexual. Autodidatismo, o fundamental deste ponto é permitir total acesso às informações que permitam proporcionar a educanda e ao educando apreenderem por eles mesmos, por elas mesmas, aquilo que querem aprender. O jogo como acesso ao saber. Partindo do princípio de que através do jogo e do lúdico é mais fácil desenvolver a solidariedade e o trabalho coletivo, a socialização e o ambiente positivo, alegre e sincero. PALAVRAS CHAVE: Liberdade, autonomia, pedagogia libertária, anarquismo, Educação Física, Zona Autônoma Temporária.

1 INTRODUÇÃO

Desde o primeiro momento, de nossa primeira aula, como professor na disciplina de Educação Física, um determinado fenômeno nos desafia, e sobre o qual, ao longo de nossos, até aqui, vinte anos como educador físico, na Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná, nos dedicamos a compreender. Eis que, tal fenômeno, é a liberdade manifestada na chamada aula livre.

Ao assumirmos, nossas primeiras turmas, como professor substituto, embora ainda acadêmico e com o ano letivo em andamento, tanto para mim, quanto para os

estudantes ora sob minha tutela. Chegamos para ministrar nossas aulas, com aquele, por assim dizer, furor acadêmico, munido de um bem elaborado plano de aula, a ser fielmente aplicado.

Entretanto, nos deparamos, com estudantes eufóricos, porque era terça-feira e conforme o combinado era dia de aula livre. Então de protagonista passamos, a mero expectadores, mais em momento algum encaramos de forma negativa tal recepção, ao contrário, nos sentimos provocados em buscar significância pedagógica, a tal formato de aula.

E em tal busca, visitamos muitos autores, além muitas correntes e tendências pedagógicas, como a Crítico-social dos conteúdos e a Libertadora, bem como, pedagogos e pensadores renomados dentre os quais citamos José Carlos Libâneo, Demerval Saviani e Paulo Freire, o qual aproxima-se bastante, de nossa proposta, porém, demasiadamente referenciado, em trabalhos acadêmicos.

Pois bem, em nossa busca por uma abordagem para nossas aulas de educação física, que possibilite a todos os sujeitos, nelas envolvidos, a conquista de sua liberdade e autonomia, encontramos respaldo no movimento anarquista e sua pedagogia libertária, a qual visa contribuir para que as pessoas assimilem valores e comportamentos que possam vir a reger o funcionamento de uma nova sociedade, alicerçada pela liberdade, tendo por fundamento básico “se queremos liberdade, devemos dar liberdade”(BAKUNIN,2011; GALLO,2007; THOREAU, 2012; TOLSTOI, 2012). Para tal, nos valemos de uma estratégia também vinculada ao anarquismo, chamada “Zona Autônoma Temporária (TAZ)” (BEY, 2001), onde, durante nossas aulas, construímos espaços que nos, possibilitaram, tanto a nós, quanto aos e as estudantes, vivenciarmos a liberdade.

Mesmo os referidos espaços sendo temporários, em alguns casos, eles inspiram o surgimento de outros espaços com o mesmo fim, estando estes, em determinados aspectos, conectados entre si em redes de colaboração, ajuda mútua e autogestão.

Nesse sentido, propusemo-nos em fazer da aula de Educação Física uma TAZ, dentro da escola, orientada em maior ou menor medida pelos princípios: liberdade individual, mas coletiva que significou levar em conta cada um, cada uma, a responsabilidade de viver em grupo. Contra a autoridade ninguém mandava em ninguém, tudo se fazia por compromissos assumidos e a partir de decisão coletiva aberta e sincera. Autonomia do indivíduo, contra as dependências hierarquizadas e assumidas. E a coeducação voltada para as relações de gênero, etnia e diversidade sexual. Autodidatismo, o fundamental deste ponto foi permitir total acesso às informações que permitam proporcionar a educanda e ao educando apreenderem por eles mesmos, por elas mesmas, aquilo que querem aprender. O jogo como acesso ao saber. Partindo do princípio de que através do jogo e do lúdico é mais fácil desenvolver a solidariedade e o trabalho coletivo, a socialização e o ambiente positivo, alegre e sincero.

2 PEDAGOGIA LIBERTÁRIA

Para que compreendamos esta intervenção pedagógica, recorremos a Carlos Díaz, para fazermos uma breve explanação em termos gerais sobre os princípios que sustentam a educação libertária bem como alguns problemas inerentes a tal abordagem.

A pedagogia libertária encontra-se basicamente entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. Eis que entendemos que na vida humana constam estes dois princípios, paz, felicidade, jogo, gozo entre outros, enquanto que da realidade temos o trabalho, o sofrimento, a organização, o estudo, normas, horários, a autoridade o currículo e etc.

A pedagogia libertária, por sua vez é uma reação contra a autoridade, entendida dogmaticamente, porque a autoridade coerciva e compulsória, segundo os pedagogos libertários, como: Carlos Díaz, Josefa Martin Luengo, Silvio Gallo, ao sujeitar Educação a esta autoridade, anula a capacidade individual, inibe a criatividade, desconsidera a diferença, gerando uma certa e confortável acomodação e assim anulando também a ousadia e o risco.

Para Díaz (1977, p. 189), a educação autoritária é uma educação a serviço do Estado, é um instrumento do Estado, “não é uma educação voltada para as pessoas é sim para o poder centralizador, despersonalizador”

Em geral a tendência libertária, posicionasse em favor do princípio do prazer e contra o princípio da realidade, convertendo-se assim em um movimento antiautoritário.

Trazendo em seu bojo, o germe da revolta, posicionando-se por exemplo contra práticas arraigadas como, do porque, aprender o que me manda um professor, o qual por sua vez, é mandado, ordenado, mecanicamente direcionado, por uma direção e equipe pedagógica, os quais obedecem a Núcleo Regional de Educação, estes subordinados a uma Secretaria Estadual, sendo esta subalterna ao Ministério da Educação, que representa um Governo, o qual serve as grandes corporações.

Diante de tais questões, e com a intenção de superá-las, a Pedagogia Libertária sugere resgatar a autonomia, a independência, a crítica e a criatividade.

Pois bem, o movimento libertário, ou anarquista, é um movimento muito amplo, onde cabe inúmeras tendências e correntes, que podemos situar entre dois extremos, o do pensamento de Max Stiner1, o qual defende um individualismo radical, formando pessoas absolutamente individualistas, chegando ao ponto de Stiner, propor como alternativa a este atual modelo de sociedade, uma associação de egoístas irredutíveis. O outro extremo, oposto, ao de Max Stiner, é o do geógrafo russo Pior Kropotkin, partidário da ajuda mútua e da complementaridade.

De forma que, Stiner é individualista e Kropotkin é personalista comunitário. E entre estes situam-se inúmeras escolas racionalistas, isso no interior do anarquismo. Como por exemplo, o Orfanato de Cempius de Paoul Robin, a Escola Moderna na Espanha, de Ferrer e Gardia, ou a Escola Iasnaia Polyana, na Rússia criada por Leon Tolstoy.

Cabe destacar que existe uma enorme pluralidade de escolas dentro do anarquismo. Sendo assim, o libertário, seria aquele que estaria, em linhas gerais no centro, no meio, entre Stiner e Kropotkin. O anarquista, em sentido estrito, é o que se enquadra no pensamento comunitário de Kropotkin. Enquanto que o acrata é quem se identifica com o pensamento individualista de Stiner.

Porém de um modo geral, todos compartilham a mesma lógica, a lógica da diferença. Não a lógica da identidade, defendida pelo Estado, sim a lógica da diferença e da pluralidade. Isso significa o cultivo do risco, do conviver com o risco. É dizer atrever-se a pensar por conta própria.

1 Autores que falam sobre os personagens: Edson Passetti e Acácio Augusto, Silvio Gallo e Clóvis

Nicanor Kassick.

3 AUTORIDADE x AUTORITARISMO E O PAPEL DO PROFESSOR

Enquanto professores, em nossas tentativas de desenvolver a autonomia, através da liberdade de ações, corremos o risco de valorizar em demasia a diferença, ou as heterogenias, em detrimento das identidades (professor, estudante). Podendo acontecer de surgir dogmatismos. Eis aqui um dos problemas mais latentes da pedagogia libertária.

Se o estudante, rechaça toda norma, toda autoridade, e rejeita as lições do mestre, e mostra-se totalmente contrário ao ensino regular, pode acontecer que ao final, o(a) estudante, que não quer estudar, se considere autossuficiente e acredite-se superior.

Então a grande dificuldade, nesta abordagem, vem a ser, que nós professores, ao nos recusarmos, a sermos autoritários, negando o autoritarismo, poderemos incorrer no “paidocentrismo”2, onde a criança é o centro, o que é uma inversão epistemológica, assim como o autoritarismo também o é.

Outrora o professor era o centro. Tudo sabia, todos e todas, tinham que obedecer a ele. Agora, a criança é o “deus”, é quem conduz o processo, a criança sabe tudo, veio ao mundo com as ideias inatas. Isso se dá na chamada pedagogia roussoniana*, pueril e infantil, que em nossa opinião não nos serve, porque a pedagogia libertária assim entendida, a desacredita. Quando se enfatiza o princípio do “paidocentrismo”, generalizando-se a anomia, ou ainda quando o relativismo impera. Fica evidente que assim sendo, estamos contribuindo para a manutenção do sistema político vigente, porque não tem contra si, nada bem formado.

Pois bem, a pedagogia libertária exige do professor, que este estude as relações de poder, que nada mais são que os conflitos de vontades e interesses, inevitáveis, nas relações entre as pessoas bem como todas relações sociais geradas, no âmbito das disputas de poder, tendo em vista que este se expande em grande escala, e que cada indivíduo dele quer usufruir. Por isso, não basta ao professor só dominar os conteúdos de sua área, mas ir além. Conhecer o instituído, é insuficiente, deve ir além. Deve viver de um outro modo, viver com liberdade, com crítica e autocrítica e com solidariedade.

Cabe lembrar, que, o anarquismo, aqui, entendido como uma filosofia política, constituída numa atitude de negação de toda e qualquer autoridade, imposta autoritariamente, ou seja, sem o devido reconhecimento dos(as) envolvidos(as) e também como afirmação da liberdade, sempre destacou a importância que tem o magistério. Os melhores anarquistas clássicos, não são, nem nunca foram contra o magistério, muito pelo contrário sempre foram, e ainda são pró magistério. Têm defendido veementemente o magistério. Diante disso, faz-se necessário entender que, magistério vem do latim “magis” e significa mais. E é mais mestre aquele que se

2 Para aprofundar os conhecimentos ler DÍAZ, Carlos. Profesores verdaderos y profesores falsos. Madrid:

Ed. San Pío X, 1983. Ver também: Francisco José Cuevas Noa (Pedagogo, Universidad de Sevilla) - A

PROPOSTA SOCIOPOLÍTICA DA PEDAGOGIA LIBERTÁRIA disponível em: <http://www.paideiaes

cuelalibre.org/Version%20portuguesa/Textos%20en%20portugues/Portugues/apropostadasociopedag

ogialibertaria.pdf>.

faz menor, para que os demais cresçam. Portanto “o “magister” libertário tem que ser “minister”. Ser “minus” para fazer mais ao outro” (Díaz, 1977 p. 26).

O que significa tomar sobre seus próprios ombros ao outro, à criança, e ao estudante, para que este, estas cresçam por sua própria conta. Eis aqui a dialética “magistério – ministério”. Portanto, tal dialética não se manifesta, quando o professor sobe em cima da mesa, e grita, ou ameaça e golpeia, ou ainda usa de artifícios institucionais pressionando seus alunos, alunas com as famigeradas notas. Manifesta-se sim quando o professor se coloca no lugar de seu aluno, sua aluna.

Eis que, a matriz do professor na pedagogia libertária, não é somente helenista, é também uma matriz rabínica, sapiencial, uma matriz de corte muito aproximada da dedicação religiosa, sendo que são tais características, que lhes conferem o reconhecimento de sua autoridade.

Bem os anarquistas não são contra a autoridade, são contra o autoritarismo. Porque consideram a autoridade, também em sua origem etimológica, onde o prefixo “autoritas”, somado ao verbo “actum”, que por sua vez deriva do verbo “auveo” e este deriva de “auge”, o que quer dizer “elevar”, então autoridade é quem eleva o outro, que o faz crescer. Ai está a autoridade reconhecida pelo libertário.

O mestre anarquista é um “magister auctoritas”, exerce sua autoridade não pela via do mando e da imposição e sim pela via de estar a serviço para fazer crescer o outro.

4 EDUCAÇÃO FÍSICA COMO ZONA AUTÔNOMA TEMPORÁRIA

Ao pensarmos a Educação Física em uma abordagem que possibilite a todos os sujeitos envolvidos subsídios para buscarem a conquista de sua autonomia e liberdade, com vistas à emancipação humana, pelo livre pensar e agir. Encontramos respaldo no movimento anarquista e suas variadas experiências pedagógicas, as chamadas pedagogias libertárias, as quais trazem em comum a intenção de subsidiar e estimular a partir da singularidade de cada sujeito a sua atuação no coletivo, primando por uma Educação Integral, alicerçada em três pilares fundamentais a educação moral, a educação física e a educação intelectual, sendo esses abordados com a coerência que o processo educativo exige, partindo de uma prática cotidiana que demanda a sistematização de uma teoria, atribuindo-lhe significância por conseguinte se efetiva na prática diária, visando contribuir para que as pessoas, vivenciem e critiquem os valores e comportamentos que regem nossa sociedade, compreendendo assim, de forma dialética, o seu movimento, sua necessária e consequente transformação.

Na atual sociedade de controle, o inventor de liberdades atualiza a educação anarquista como espaço de experimentação que sacode o imobilismo, subvertendo a docilidade, a disciplina e a obediência escolares. (Prefácio Libertário in Edson Passetti e Acácio Augusto, Anarquismos & Educação, p. 10)

O princípio básico anarquista é a liberdade, e se queremos liberdade, devemos dar liberdade, nas suas escolas, a liberdade é o meio e o fim, ou seja, educar pela liberdade para a liberdade. E nossa intervenção parte deste mesmo fundamento básico para tal, nos valemos de uma estratégia também vinculada ao anarquismo, chamada “Zona Autônoma Temporária (TAZ)” (BEY, 2001), que sugere construir espaços que possibilitem viver a liberdade, mesmo que tais espaços sejam temporários, eles inspiram o surgimento de outros espaços com o mesmo fim, conectados entre si em redes. Nesse sentido, fizemos da aula de Educação Física

uma “TAZ” dentro da escola orientada em maior ou menor medida pelos princípios: liberdade individual, mas coletiva; contra a autoridade convertida em autoritarismo; autonomia do indivíduo; coeducação; o autodidatismo e a ajuda mútua.

Temos plena consciência de que, o pleno exercício da liberdade e da autonomia por todos os homens, todas as mulheres ainda é uma luta bastante árdua e longínqua, porém necessária já que almejamos uma sociedade mais justa e igualitária, o que vem de encontro ao pensamento, práticas e tentativas de muitas correntes pedagógicas, as ditas pedagogias progressistas, nas quais também podemos situar as propostas educacionais libertárias.

Pois em tal luta a educação exerce um papel fundamental, no sentido de cristalizar em cada sujeito a vontade de querer mudar, vontade esta, que nos parece estar adormecida nas pessoas de nosso tempo, diante disso comungamos das mesmas angustias expressadas por Hakim Bey (2001, p.13), em seu livro TAZ (Zona Autônoma Temporária), onde ele manifesta os seguintes questionamentos:

Estamos nós, que vivemos no presente, condenados a nunca experimentar a autonomia, nunca pisarmos, nem que seja por um momento sequer, num pedaço de terra governado apenas pela liberdade? Devemos esperar que até que o mundo inteiro esteja livre do controle político que pelo menos um de nós possa afirmar que sabe o que é ser livre?

Embora a autonomia e a liberdade, dos sujeitos, façam-se presentes, como metas a serem alcançadas, nos discursos pedagógicos, dentre as mais variadas tendências e correntes pedagógicas, em todas as épocas e períodos históricos, desde a origem deste modelo de Escola, o qual, hoje concebemos. Porém sua efetivação na prática, ainda é inviável, se considerarmos que o sistema escolar, faz parte de um contexto social alicerçado, desenvolvido e ainda regido pelo princípio da “exploração do homem pelo homem”. E que tal modelo de sociedade gera muitas desigualdades, dividindo-a em duas classes sociais antagônicas, formadas por exploradores e explorados, ou opressores e oprimidos, sendo que este quadro social legitima-se pela força da autoridade e do controle social, tendo como consequência a hierarquização da sociedade e, estando a escola inserida neste contexto social, tende a reproduzi-lo.

Considerando, tal quadro social e pensando o papel que a Educação cumpre ao reproduzi-lo, quando adaptada a este modo de organização social vigente. Sendo que este exige e mantém um sistema educacional também autoritário, hierarquizado, que só faz, enquadrar as pessoas a esta lógica perversa, onde a classe dominante, se utiliza não só, mas também do sistema educacional visando perpetuar-se no controle social porque para tal carece de seres subservientes.

Instaura-se assim, ao longo dos últimos séculos, uma grande contradição, entre teoria pedagógica e prática pedagógica. Diante disto, dentro dos sistemas escolares públicos, seria possível um sistema educacional, ou uma abordagem pedagógica que viesse a possibilitar aos seus sujeitos uma total autonomia? E que ainda fosse capaz de subsidiar a todos e todas a possibilidade de engajarem-se em lutas para conquistarem sua liberdade?

Outras questões, que a nós colocam-se, enquanto professores de educação física são: como poderíamos, em nossas aulas, proporcionar o exercício efetivo da liberdade e da autonomia? E como também subsidiar aos estudantes, e até mesmo a nós educadores, a possibilidade de conhecer e viver de fato nossa autonomia?

Acreditamos que, ao valermo-nos do jogo, da ginástica, das lutas, da dança e do desporto, para além de uma atividade meramente física, mas também como acesso ao saber e a valores morais, configurando-se em manifestações da cultura corporal. E partindo da premissa de que através destes(as) é mais fácil desenvolver a solidariedade e o trabalho coletivo, a socialização e o ambiente positivo, alegre e

sincero, superando o individualismo e a competitividade, podemos não solucionar as questões acima colocadas, dada sua estruturação e complexidade.

Porém, exercitamos a autonomia, através de livres escolhas, visando questionar as dependências de autoridades hierarquizadas. E a partir da participação individual contribuir para o crescimento pessoal e do coletivo estimulando a solidariedade e ajuda mútua, coisa que, com certeza indica um caminho para tal solução. 5 VIVENDO A LIBERDADE

Levando em conta que historicamente nossa sociedade, em seu atual modelo de funcionamento, valeu-se e ainda usa o sistema educacional primeiro para alicerçar-se em suas bases, depois para fomentar seu desenvolvimento e ainda perpetuar-se como modelo único de pensamento e organização social. Onde,

O carácter secular e público da instituição escolar ao evoluir para uma crescente dependência do Estado e do mercado, obrigou a uma reestruturação dos fenómenos educacionais e pedagógicos de características autoritárias. A partir de então tratava-se não de instruir e socializar a criança de forma a transformá-la num adulto e de a identificar com a ordem social vigente. (LIPIANSKY, 2007 p.372)

Nesse sentido a atual configuração de sociedade mantém estruturas e formas de poder, que consideramos injustas porque não permite o desenvolvimento igualitário, construindo e fomentando desigualdades entre homens e homens, entre homens e mulheres e também entre mulheres e mulheres, e dentre as muitas consequências negativas desse modelo de sociedade, destacamos o seu autoritarismo e a sua hierarquização, onde a exploração do homem, da mulher pelo homem, pela mulher se justifica e se estrutura em classes dominantes e classes exploradas, eis que as classes dominantes são formadas por um pequeno número de pessoas, enquanto que as classes exploradas representam a grande massa da população mundial.

É público e notório que a dominação se dá de forma autoritária manifestando-se na sociedade desde a educação para produzir seres dependentes, autoritários, individualistas, além de competitivos que assumem as injustiças do sistema como algo natural e inerente à humanidade, pois para Passetti e Augusto (2008, p. 25) “a escola ainda é o meio mais eficaz para se obter obediência de uma criança”. Integrando-nos, desde a infância a um sistema hierarquizado, autoritário, machista, preconceituoso e por sua vez, instável, porque mantém desigualdades, violência, enfrentamentos e explorações, e em consequência desse sistema autoritário, onde os valores morais, as normas e as regras de conduta são impostos de forma vertical (de cima para baixo), o que inviabiliza toda e qualquer possibilidade de liberdade e autonomia, mesmo que muitas vezes isto se apresente velado por um discurso liberal, e até mesmo progressista, e quando falamos em discurso, cumpre lembrar que a Educação é um dos principais meios pelo qual os discursos são propagados e se afirmam como verdades.

Neste contexto a Educação Física, que defendemos vai para além do estudo e da execução dos movimentos corporais, ela questiona as relações do corpo com a sociedade porque “o corpo não está dissociado das relações estabelecidas no cotidiano, ao contrário, está intimamente comprometido do ponto de vista funcional e

postural com o meio que o cerca”( MATA, 2001,p.107), observamos aqui o necessário rompimento com a dualidade corpo e mente, voltando-se para a educação integral, que abrange simultaneamente, ou, de forma unificada o intelectual, o físico e o moral, cabendo tanto ao professor(a) quanto ao e a estudante, compreenderem que é essencial compreenderem que a experiência do corpo é sempre transformada pela experiência da vida, pois, ninguém pensa ou age fora do corpo, bem como é no corpo que sente os efeitos do poder que a sociedade exerce sobre ele(a). Em mais uma contribuição sobre esta tema, João da Mata destaca que “Não basta trabalhar o aspecto físico, atuando na couraça do caráter e liberando a energia presas nos músculos; é preciso reconhecer os mecanismos de poder” (2001, p 107 e 108). Bem, hoje, quando falamos em poder não podemos deixar de recorrer ao filósofo Michel Foulcault (2003), que nos oferecesse uma contribuição bastante original a respeito do poder, onde aponta que tal questão, na contemporaneidade, não pode mais estar concentrada em uma teoria de Estado, ou reduzida a uma teoria de lutas de classe como vemos no marxismo, o qual fundamenta muitas das teorias e correntes pedagógicas progressistas. Ele constata que não há apenas um poder, mas relações de poder que coexistem dentro de uma mesma sociedade. Conclui ele que a expressão poder nomeia uma relação que se multiplica infinitamente e da qual cada indivíduo tenta usufruir.

Eis que encontra-se, ai, o ponto que destacamos como crucial, e que a partir do qual justifica-se nossa opção pelas pedagogias libertárias, porque em todas as suas variantes, que são diversas, encontramos comum a todas a opção por uma formação integral do indivíduo e principalmente por serem todas elas voltadas para uma educação que busca atingir a singularidade, para além do desejável, para o conquistável, por serem voltadas para cada indivíduo. E isso somado a educadores socialmente comprometidos com a liberdade e a transformação vislumbram-se resultados bastante positivos no sentido de construirmos novas relações além de novas possibilidades.

Se nossa busca, enquanto educadores físicos libertários, é contribuir para a transformação do atual modelo de sociedade e a consequente superação das desigualdades por ela produzidas, através de práticas cotidianas que estimulem o exercício da liberdade e da autonomia, nosso trabalho converge com Hakim Bey (2001) e sua Zona Autônoma Temporária coincidindo com o que sugere o psicanalista ucraniano Wilhelm Reich (1970), que propõe criar espaços onde a autonomia individual seja exercida, e que esta reforce e amplie a liberdade social com o propósito de subsidiar a cada sujeito a conquista de sua liberdade e autonomia em virtude destas não poderem ser e nunca serão concessões, serão conquistas individuais.

Entendendo, que é também função da Educação Física abordar todas as relações sociais geradas em todo seu âmbito de atuação como um produto de tais relações sociais, porque a Educação Física “é funcional no conjunto das relações sociais dominantes e assim somente serão – os objetivos e conteúdos da Educação Física – radicalmente questionados quando as próprias relações vigente o forem” (BRACHAT,1992, p. 24), e tal crítica instiga a muitos pesquisadores a questionarem o papel da educação física no interior da escola, sob a ótica de uma pedagogia crítica. Sendo que em geral essas discussões apontam para uma compreensão, na qual a educação física escolar leve em consideração critérios emancipatórios. Porem

...não se pode impor liberdade a um sistema bioenergético destruído. Desde crianças, as crianças são destruídas em seu querer emocional em sua expressão emocional de vida. Não acredito que haja qualquer solução de

qualquer problema social enquanto crianças e adolescentes se desenvolverem mutilados em sua autonomia, (REICH, apud MATA, p. 42)

Diante disso entendemos que os princípios e as intenções da pedagogia libertária são bastante pertinentes, claro que tais intenções também são reivindicadas por outras teorias e correntes pedagógicas, as quais deram e/ou vem dando sua parcela de contribuição para tal. Entretanto o que distingue a abordagem libertária das demais, é sua incessante luta visando mudar os valores da sociedade atual convertendo-os em apoio mútuo, liberdade, solidariedade, igualdade ético coletivo, dignidade e responsabilidade, desenvolvendo no indivíduo o que Tolstoi (2012, p. 13) chama de “convicção razoada” fundamental na caminhada para a emancipação humana, e consequente felicidade e bem estar. Em outras palavras, a partir da singularidade de cada indivíduo consciente, gerar dissidências do institucionalizado, porque acreditamos que na dissidência é que as revoluções acontecem.

Ao considerarmos que estrutura societária, ao mesmo tempo em que influi na educação, com o claro propósito de se perpetuar como modelo único de sociedade, devemos então concentrar nossos esforços na transformação da Escola, já que é ela o foco principal da educação. Pois bem, nosso projeto vai de encontro ao que constata Maurício Murad quando diz que em algumas situações as “redes desportivas e a educação física atuam em uma espécie, digamos assim, de resistência e mesmo de contra espaço ideológico diante daquilo que está institucionalizado, enquanto normas e valores, enquanto hierarquia e poder” (MURAD, 2009, p. 170), Porém não devemos nos esquecer que a sociedade, a família, o poder e os meios de comunicação influenciam negativamente, todos os sujeitos. No que se refere a mudanças e transformações sociais, por serem instituições, em sua grande maioria, conservadoras.

Então a “convicção razoável” (TOLSTOI, 2012, p.49) desses valores de resistência devem reger a educação continuamente a fim de que se torne prática constante em nossas vidas. Neste sentido, se buscamos uma educação e por conseguinte uma educação física que contribua para uma transformação social, que aponte para um modelo societal3 mais justo e solidário, com uma efetiva participação de cada sujeito social.

Se a educação contemporânea cumpre reproduzir as relações sociais e culturais geradas pelo sistema capitalista. Baseando-se nos princípios da disciplina e autoridade fazendo com que as pessoas, desde crianças, se habituem a pensar e atuar de forma conveniente a este sistema já estruturado e estabelecido indo de encontro a como o grande poeta português Fernando Pessoa (2001, p. 413), define o ser humano, a partir de um conceito que tinha sobre ele próprio, o que se não fosse trágico seria lindo, quando diz “Sou um intervalo entre o meu desejo e aquilo que o desejo dos outros fizeram de mim” (Pessoa, 2001 p. 413). Nos parece que, isso se efetiva na prática cotidiana, porque somos pessoas formadas dentro de um processo educativo, ainda conceituado como a ação que os adultos exercem sobre as gerações mais jovens, ou seja visa atingir efeitos desejados sobre os grupos humanos, em detrimento da individualidade de cada sujeito, para superar tais efeitos evocamos Max Stiner (2001 p. 85), que já em meados do século XIX, precisamente em 1842, afirmava:

Só o homem livre e tendo uma personalidade é um bom cidadão (eis para os realistas!) e, mesmo na ausência de cultura especializada, científica, artísticas ou outra, ele pode julgar com bom gosto (eis para os humanistas!)

3 Referente a sociedade humana.

Há aqui também uma crítica à dualidade, que já se fazia presente na educação, onde os realistas eram os que defendiam uma educação para a classe trabalhadora e os humanistas os conhecimentos clássicos para os filhos das elites. Como alternativa para superação destas questões Stiner (2001, p. 85) defende:

a necessidade de declínio do Saber sem Vontade e a ascensão da Vontade consciente de si mesma cujo destino realiza-se ao sol resplandecente da livre personalidade: o Saber deve morrer para ressuscitar como Vontade de recriar-se a cada dia como livre personalidade.

Eis que, partimos para a execução prática, onde começamos nossas ações, por adequar o espaço destinado as aulas práticas de educação física, a fim de possibilitar a todas e todas várias opções de atividades, oportunizando a cada um, a cada uma, poder escolher a atividade que realizou durante cada aula prática, mais que ampliar as possibilidades, com tal ação viabilizamos através da livre escolha, uma certa autonomia, bem como a responsabilidade da execução prática de sua escolha.

Fez-se necessário contemplar mais turmas ao mesmo tempo, durante algumas aulas, independente de faixa etária ou série, e ainda se atendidas ou não pelo mesmo professor e mais se estão ou não no horário de educação física, como por exemplo turmas de aulas vagas, por quais quer que sejam os motivos, com isso estimular e ampliar a cada aula as mais variadas manifestações oriundas das diversas e heterogenias relações sociais geradas dentro do contexto criado por tal abordagem.

A partir de tais manifestações, buscamos soluções conjuntas, em forma de assembleia, para os conflitos e divergências gerados, no âmbito de tal abordagem, sejam eles de cunho organizativos, de relações sociais, geracionais, de gênero, etnia, entre outras. Responsabilizando todos e todas pelas soluções e manutenção dos consensos e acordos construídos pelo coletivo, bem como as adequações que se fizerem necessárias ao longo da aplicação desta intervenção, isto tudo sem perder o foco principal que vai para além de uma mera a sujeição as normas vigentes, corriqueiras e naturalizadas tidas como verdades, ou seja, buscar subsidiar cada um e cada uma a buscarem as transformações que desejam na sociedade.

A assembleia, então se converteu-se, no instrumento de tomada de decisões pelo grupo sem autoritarismo buscando a melhor solução para os problemas, e onde se assumem compromissos e se auto comprova seu cumprimento, onde nos comunicamos sinceramente com as demais pessoas do coletivo e onde geramos nossa participação, nossa relação com os outros, nossa crítica, nosso auto avaliação. Falando com liberdade de nossas dúvidas, sentimentos e propostas. Sendo ela um referencial para a tomada de decisões tornou-se desnecessário um registro escrito de seus pareceres e decisões, por configurar-se num sistema transparente de tomada de decisões coletivas, por consenso se possível e se não por votação. Tornando-se, a assembleia, a pedra angular de nossa implementação, já que, a partir dela surge a espontaneidade, a liberdade e a comunicação livre entre as pessoas. Podendo ela, inclusive ser realizada em grupos menores para temas pontuais que afetam um pequeno número de pessoas ou gerais nas quais toda a coletividade participa.

Os princípios, nos quais, em maior ou menor medida, orientamos nosso trabalho foram, inspirados pelo COLECTIVO PAIDEIA. Tentativa antiautoritária Educação Pré-Escolar e psicomotora (Luengo, 1978, p. 71, tradução livre).

Liberdade: liberdade do indivíduo mas coletiva significa levar em conta

aos demais desde a responsabilidade de viver em grupo.

Contra a autoridade: Ninguém manda em ninguém, tudo se faz por compromissos assumidos e a partir de decisão coletiva aberta e sincera.

Autonomia do indivíduo, contra as dependências hierarquizadas e assumidas, cada indivíduo tem direitos e obrigações assumidas voluntariamente, responsabilidade coletiva e respeito. As pessoas enfrentam seus próprios problemas criam suas convicções e razões.

Coeducação voltada para as relações de gênero, etnia, diversidade sexual, ou seja, todo e qualquer tipo de relação social, imposta por esta sociedade que está aí, e que faz-se necessário transformá-la. Neste sentido a educação é igual e conjunta, sem discriminação de nenhum tipo, buscando superar desigualdades de gênero, étnicas, orientação sexual, intrínsecas às relações sociais. Porém tais ideias exigem uma estrutura bastante específica, para um funcionamento concreto e conseguir, que a partir de algumas situações cotidianas aconteçam pequenas ações a serem abordadas, questionadas e transformadas em algo concreto e estável assumido por todas as pessoas envolvidas no processo educativo, isto a partir de situações do dia a dia.

Autodidatismo o fundamental deste ponto é permitir total acesso a informações que permitam proporcionar a educanda ao educando aprenderem por eles mesmos, por elas mesmas, aquilo que querem aprender promovendo, além de tudo a cooperação didática ao solicitar auxilio de outras pessoas. Criando dinâmicas de trabalho coletivo e igualitário, permitindo o acesso aos cadernos de trabalho, livros e outros materiais impressos ou audiovisuais, que são escolhidos por cada um. Além disso se conta com o apoio de outros companheiros, outras companheiras ou dos educadores, das educadoras que são iguais porém com mais conhecimentos e experiências educativas, mas atuando como meros informadores e conselheiros sem nenhum poder sobre ninguém. Cada pessoa decide quais são seus compromissos didáticos pessoais e do grupo. Esses compromissos incluem não somente elementos intelectuais mas também afetivos e de relação aos demais.

Auto avaliação com registros de observação e como prova de maturidade comprova as atitudes internas e com o grupo, além de interesses, necessidades e relações tanto intelectuais como afetivas e sociais. Rompendo com os exames como formas repressivas e competitivas de saber como está sendo o processo educativo. Além de tudo, se dividem entre todas as pessoas as tarefas cotidianas como limpar, recolher ou administrar materiais e dinheiro do coletivo, mantendo responsabilidades coerentes às suas Certamente essas são algumas ideias para por em prática formas libertárias de educação, e especificamente aqui práticas libertárias em Educação Física. O caminho é largo e contínuo, sendo muitos os problemas que tenderemos a enfrentar se quisermos criar práticas pedagógicas libertárias. Cada assembleia, cada decisão, cada discussão, e cada tentativa são um passo a mais para contar positivamente. Se não tentarmos não conseguiremos.

Se pretendemos através deste trabalho contribuir para desenvolver em nossos

educandos e nossas educandas a liberdade e autogestão, faz-se necessário que cada indivíduo decida, escolha e trate aquilo interessa sem necessitar das ordens de ninguém, sendo consciente de suas próprias limitações, que cada um, cada uma, eleja o que, como e onde quer trabalhar os conceitos, atividades e atitudes necessárias para sua educação.

Podemos pensar, portanto que, se as propostas educativas hegemônicas instituídas constituem-se em um processo de subjetivação que fornece aos indivíduos um panorama social e os acomoda nesse padrão, fazendo-os aquilo que se espera deles. Sendo um mecanismo de construção heterônoma, a pedagogia libertária se quer como um processo de singularização, na qual o indivíduo constrói-se a si mesmo em diálogo ativo com os outros e com o meio, em um mecanismo autônomo que o mobiliza, na construção de territórios sempre novos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em pedagogia, na educação física, bem como em outros campos, tanto a liberdade, quanto a autonomia, encontram muitos obstáculos para expressar-se. Nossa capacidade de oposição ao institucionalizado não pode ser manifestada, a única exigência, e o que se aceita é apenas a submissão. Objetivando além de adestrar, também adaptar, ou ainda subjugar a um modelo preconcebido. Donde, saem letrados, ou talvez atletas, ao considerarmos nossa área de atuação, porém cidadãos utilizáveis e, em ambos os casos, nada além de indivíduos submissos.

Nossa, saudável tendência à indisciplina é sufocada e como consequência a inibição de nossa criatividade, valorizando demasiadamente o conquistável, desconsiderando o que se é, além do que possa-se vir a ser, mas em uma excessiva perspectiva do vir a ter, e assim sendo impedindo o saber de desenvolver-se em vontade livre, onde vida escolar só engendra um materialismo desumanizador.

Adquirimos o hábito, em nossa infância, de resignarmo-nos a tudo o que nos é imposto: do mesmo modo, mais tarde, resignamo-nos e adaptamo-nos à vida positiva, convertendo-nos em pessoas de nosso tempo, tornamo-nos seus servidores, o que se convencionou chamar de cidadão de bem, um exemplo a ser seguido, principalmente em se tratando de esportistas de alto nível, meta a ser alcançada por muitos(as) de nossos(as) educandos(as), sonhando atingir o status de herói nacional.

No entanto, ao encorajarmos o espírito de oposição em vez do espírito de submissão, em voga, até o presente momento, visando desenvolver indivíduos que criam e não indivíduos que aprendem, ou treinam. Em que o mestre se transforma em companheiro de trabalho e reconhece que o saber deve tornar-se vontade.

Negar o que está posto, é oferecer, um espaço, para além do rotineiro, é romper com o conforto do institucionalizado, converte-se em uma proposta de libertar o homem, a mulher, e não limitar-se a cultivá-lo. Lamentavelmente, ainda são poucos esses lugares, mas que podem e devem ser ampliados.

É obvio, que este breve estudo, não teve a pretensão de solucionar problemas tão complexos e até aqui perenes, mas de uma forma bastante modesta e simples, visou durante sua execução oferecer a cada sujeito envolvido uma oportunidade de conhecer e experimentar a autonomia, para que pudessem cada um, cada uma, por si mesmo, por si mesma tomarem consciência da importância bem como das dificuldades e do embate que a luta pela autonomia e liberdade demanda, porque entendemos que ninguém luta por aquilo que não conhece.

Porém, pôde proporcionar aos estudantes e também a professores e professoras da disciplina de educação física do Colégio Estadual Francisco Neves Filho, ações que possibilitaram, a eles, a elas vivenciarem a liberdade e a autonomia, propondo novos parâmetros, oferecendo-lhes subsídios, para que todos e todas, pudessem e ainda, possam tomar consciência por eles próprios, por elas próprias, da necessidade de superação do atual modelo de sociedade. REFERÊNCIAS BACH, Arnold Monteiro. Colônia Cecília. Ponta Grossa: Estúdio, 2011.

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