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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

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PROVA EM FASES E RECUPERAÇÃO DE ESTUDOS

Autora: Jane Cesconeto Caires1 Orientadora: Regina Luzia Corio de Buriasco2

Resumo Este artigo apresenta o relato de uma experiência desenvolvida em duas turmas do 9º ano do Ensino Fundamental como meio para repensar a recuperação de estudos. O objetivo foi trabalhar com uma prova escrita em fases na perspectiva da avaliação como oportunidade de aprendizagem e da Educação Matemática Realística. Este trabalho possibilita, por meio de uma ação investigativa, que cada estudante retome as próprias resoluções como estratégia para a recuperação de estudos.

Palavras-chave: Educação Matemática. Avaliação da Aprendizagem Escolar. Recuperação

de Estudos.

Introdução

Na prática pedagógica do professor de matemática, a avaliação,

tradicionalmente, centra-se na contagem de erros. É uma avaliação que

compara os alunos entre si e, além disso, com um aluno ideal que só existe na

imaginação do professor. A escola nesse molde não avalia a aprendizagem do

aluno, mas seu rendimento em momentos estanques.

De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica a

avaliação

visa contribuir para a compreensão das dificuldades de aprendizagem dos alunos, com vistas às mudanças necessárias para que essa aprendizagem se concretize e a escola se faça mais próxima da comunidade, da sociedade como um todo, no atual contexto histórico e no espaço onde os alunos estão inseridos (PARANÁ, 2008, p.31).

Também a Deliberação n.º 007/99 do Conselho Estadual de Educação

estabelece:

Art. 1° A avaliação deve ser entendida como um dos aspectos do ensino pelo qual o professor estuda e interpreta os dados da aprendizagem e de seu próprio trabalho, com as finalidades de acompanhar e aperfeiçoar o processo de aprendizagem dos alunos, bem como diagnosticar seus resultados e atribuir-lhes valor. ... Art. 12 O estabelecimento de ensino deverá proporcionar recuperação de estudos, preferencialmente concomitante ao período letivo, assegurando as condições pedagógicas definidas no Artigo 1º desta Deliberação.

1 Docente da Rede Estadual de Educação do Paraná. 2 Docente da Universidade Estadual de Londrina – Paraná.

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Art. 13 A recuperação de estudos deverá constituir um conjunto integrado ao processo de ensino, além de se adequar às dificuldades dos alunos. ...

Na prática escolar, porém, não é isso o que acontece. O professor de

matemática, ao encontrar um erro em uma questão, costuma ou considerar a

questão toda errada ou descontar uma parte da nota. Se ele corrige a questão,

o usual é apresentar a resolução no quadro para os alunos.

Atender o que reza o Art.13 da Del. CEE n.º 007/99 é o que dá

relevância a este estudo: apresentar a utilização de uma Prova em Fases para

desenvolver uma recuperação de estudos concomitante ao período letivo. No

decorrer dessa prova, questionamentos serão apresentados aos alunos para

que eles possam repensar as estratégias e procedimentos utilizados, assim

como as respostas dadas. Em vez de o professor perguntar em voz alta para

todos os alunos, as perguntas serão feitas por escrito na própria prova do

aluno.

Caso haja comunicação entre os alunos, entre uma fase e outra, ela

poderá ser benéfica, pois pode provocar novas aprendizagens entre uma e

outra fase. O fato de comentarem ou até mesmo discutirem suas produções,

pode fazer com que aprendam a solucionar as questões que não conseguiram

resolver nas primeiras fases, uma vez que “o ato educativo se situa num

contexto de trocas e de comunicação” (HADJI, 2001, p.126).

Para ser um acto de comunicação útil, a avaliação deve retomar a ligação com o produtor, e dizer-lhe alguma coisa acerca da sua produção que lhe permita progredir com vista a melhores produções (HADJI,1994, p. 108).

Este artigo tem, portanto, a intenção de expor o relato de uma

experiência na qual se tomou a avaliação escolar como parte do processo de

ensino e aprendizagem que contempla também a recuperação de estudos. O

instrumento utilizado foi uma prova escrita em fases como possível fio condutor

da recuperação de estudos em aulas de matemática.

Alguma fundamentação

De acordo com Buriasco (2002, p.1), nos últimos anos, a

[...] avaliação tem sido usada apenas para dar nota ao aluno e como tal, parece ter se transformado em instrumento para disciplinar a turma. É o braço autoritário do professor que mais atinge o aluno [...] volta-se, quase que exclusivamente, para a

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função classificatória, que é incentivada no modo de vida de uma sociedade que valoriza a competição.

A mesma autora ainda defende que o importante “não é fazer de conta

que todos aprenderam, mas criar espaços de modo a permitir que cada um

aprenda de fato”, e um dos caminhos para isso pode ser o de adotar a

avaliação como prática de investigação (BURIASCO, 2002).

Tanto o acerto quanto o erro podem fornecer indícios do conhecimento

do aluno, e, a partir deles, o professor pode identificar possíveis caminhos a

serem seguidos para agir pedagogicamente, favorecendo a reflexão a respeito

das ações docente e discente. Nessa perspectiva, considera-se a avaliação

como uma atividade partilhada de análise do trabalho do professor e do aluno,

um meio para realimentar a prática pedagógica e envolver alunos e professor

buscando superar as dificuldades encontradas.

Segundo Buriasco (2004), é possível ir além das respostas encontradas

pelos alunos nas questões de uma prova escrita, se for considerado, entre

outras coisas, como o aluno interpretou o problema proposto, quais recursos

matemáticos ele utilizou, se os conteúdos discutidos em aula foram utilizados.

Ao fazer isso, o professor pode ajudar os alunos a fazerem conexões entre

suas representações particulares e aquelas mais convencionais (SANTOS;

BURIASCO; CIANI, 2008).

À medida que o professor possibilita que os alunos compreendam seus

erros e, a partir disso, busquem superá-los, contribui para o desenvolvimento,

deles, assim como, possibilita a ele mesmo, professor, refletir a respeito do

planejamento, do desenvolvimento e da avaliação da sua prática pedagógica

(NAGY-SILVA e BURIASCO, 2005).

Um dos pontos a ser modificado para se promover uma visão

contemporânea da avaliação é a forma de encarar o erro. No contexto escolar,

o erro tem sido visto como sentença do fracasso do aluno, não sendo objeto

nem de análise nem de discussão por parte de professores e alunos.

Há tempos tem-se chamado a atenção para o papel constitutivo que os

erros desempenham no processo de aprendizagem, para a ajuda que podem

dar aos professores na compreensão da atividade matemática dos alunos.

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Uma Prova em Fases propicia aos estudantes resolvê-la em etapas (daí

o nome prova em fases), alterando suas resoluções sempre que julguem

necessário, por vezes mediante uma prática de investigação.

Na visão de Santos e Buriasco (2010, p.105), ao analisar e interpretar a

produção escrita dos estudantes na resolução de um problema, o professor

pode identificar possíveis dificuldades, analisar os erros encontrados, obter

indícios das causas dos erros para, a partir dessas informações, de conversas

com eles, planejar novas ações de modo que estas possam contribuir para a

aprendizagem dos envolvidos.

O conhecimento das dificuldades, erros e estratégias encontrados ao

analisar a produção dos alunos, se bem utilizado, pode ser um valioso material

para a investigação. Sob essa perspectiva, os acertos e erros podem fornecer

uma gama de informações a respeito do trabalho do aluno e do professor

(BURIASCO, 2004).

O planejamento As dezoito questões que compuseram a prova escrita em fases foram

retiradas de aferições do PISA3 (14), do banco de questões do SARESP4(01),

da Prova Brasil (2) e do Manual para Correção de Provas com Questões

Abertas de Matemática AVA (01)5. A folha de rosto da prova continha as

instruções para o aluno e um quadro que ele deveria preencher com nome,

data de nascimento, endereço, telefone, e-mail, ano e turno.

Segundo a classificação de Butts (1997), foram doze problemas de

aplicação, quatro exercícios de reconhecimento e, dois problemas em aberto.

Foram selecionados problemas que abordavam diversos conteúdos estudados

em anos anteriores ao 9º ano.

Este trabalho consistiu, portanto, na elaboração, na aplicação e no

estudo de uma prova escrita em fases. Essa prova foi implementada no

decorrer do primeiro semestre de 2014, com o título de “Prova em Fases e

recuperação de estudos”, na disciplina de matemática, como instrumento de

3 Maiores informações sobre o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes)

podem ser encontradas emhttp://portal.inep.gov.br/pisa-programa-internacional-de-avaliacao-de-alunos 4 SARESP - Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo–

http://www.educacao.sp.gov.br/saresp 5 BURIASCO, R. L. C de; CYRINO, M. C. T. C.; SOARES, M. T. C.; 2003.

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avaliação. Foi realizada no âmbito do PDE1; no Colégio Estadual Idália Rocha -

Ensino Fundamental e Médio, localizado na área central da cidade de Ivaiporã,

interior do estado do Paraná. Participaram 71 alunos de duas turmas de 9º ano

do período matutino, com idade entre 13 e15 anos. Ela foi escolhida como meio

para repensar a recuperação de estudos e como proposta de avaliação, em

que os alunos puderam analisar as resoluções das questões das próprias

provas escritas de matemática no primeiro semestre. De acordo com o sistema

de avaliação do colégio, foi acordado que as provas escritas valeriam 4,0

pontos e as pesquisas, trabalhos em grupo, produções em sala e debates

valeriam 6,0 pontos ao todo. Considerou-se como média final a somatória das

notas juntamente com suas respectivas recuperações, observando-se sempre

a maior nota.

Por conta do tempo, a partir da segunda fase, foram trabalhadas 07

questões das 18. As outras 11 questões foram exploradas de forma

diferenciada, sendo realizadas individualmente, em duplas e em grupos, tanto

na sala de aula como também em casa, no segundo semestre.

Conteúdos priorizados nas sete questões finais selecionadas

CONTEÚDOS ESTRUTURANTES

(Ideias Estruturadoras)

INTENÇÃO/ O ESPERADO

CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO

BUTTS (1997) QUESTÕES

Espaço e Forma

Operar com múltiplos e submúltiplos do quilograma.

Espera-se que o aluno entenda que, para se ter 2 (dois) quilogramas de margarina, serão necessárias 10 (dez) caixinhas de

200 (duzentos) gramas.

Problema de aplicação

Q01

Compreender e utilizar o metro cúbico como padrão de medida de capacidade.

Problema de aplicação

Q09

Quantidade

Resolver problemas envolvendo cálculo proporcional.

Resolver problema envolvendo porcentagem.

Problema de aplicação

Q10

Resolver problema envolvendo as operações numéricas.

Problema de aplicação

Q12

Identificar e calcular uma taxa média. Problema de

aplicação Q14

Mudanças e Relações

Expressar numérica ou algebricamente um problema e apresentar a resolução do

problema.

Problema de aplicação

Q13

Incerteza Resolver problemas envolvendo variação

proporcional direta entre informações apresentadas em quadro.

Problema de aplicação

Q11

Fonte: autora

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Relatos

Ações desenvolvidas

A implementação ocorreu nos meses de fevereiro a junho, com 68 h/a

aproximadamente, não sendo computadas as horas de preparação, de análise

de cada resolução e de discussões quanto aos questionamentos devolvidos em

forma de feedback aos alunos.

Apresentação do projeto aos alunos das turmas “A” e “B” do 9 ano

No dia 11/02/2014, a professora utilizou uma dinâmica conhecida como

“Teia com o rolo de barbante” para que cada um se apresentasse dizendo o

nome, suas expectativas para o ano letivo. Logo em seguida foi proposto aos

alunos um contrato de trabalho no qual se negociou como as aulas iriam

acontecer. Para que as suas regras se efetivassem, todos poderiam sugerir

tópicos tidos como importantes, de modo que cada um pudesse se envolver

mais com os seus estudos, e se responsabilizasse mais por sua própria

aprendizagem.

Explicação sobre a Prova em Fases *

No dia 17/02/2014, depois da acolhida e das boas vindas, a professora

apresentou o projeto do PDE aos alunos. O trabalho a ser desenvolvido no

decorrer do primeiro semestre, sua importância e suas características, a

utilização de uma prova escrita em fases, bem como a estratégia metodológica

da Resolução de Problemas foram explicadas minuciosamente. O projeto foi

aceito com certo receio pelos alunos, por ser uma experiência diferente, mas

foi aceito. Alguns ficaram curiosos e fizeram perguntas, outros apenas ouviram

sem demonstrar interesse.

Algumas das perguntas feitas foram:

_ “E se a gente errar você vai ajudar?”

_“E se não der certo, o que você vai fazer?”

_“Professora, se a gente tirar nota baixa, você também perde nota?”

_“A sua professora é muito brava? Ela vai brigar com você?”

_“E se tiver reprova, você também vai reprovar?”

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Diante das interrogações, para tranquilizar os alunos foi colocado que o

importante seria o processo de construção e não o resultado final, a

aprendizagem e não a nota aferida a cada um no boletim, mas ficou visível que

não acreditaram. Alguns não se manifestaram, apenas ficaram em silêncio,

observando.

Logo em seguida, eles tiveram o primeiro contato com a prova, que

continha uma folha de rosto com as instruções e um quadro a ser preenchido

com dados: nome, data de nascimento, endereço, telefone, e-mail, ano, turno,

etc., e 18 questões. A folha de rosto foi preenchida, porém a maioria dos

alunos não sabia o próprio endereço, outros nem o número do telefone,

pouquíssimos tinham endereço eletrônico. Diante disso, a professora sugeriu

que perguntassem aos seus pais ou familiares e que anotassem em seus

cadernos, para posteriormente preencher o documento que lhes fora

apresentado.

Enquanto eles conheciam a prova muitos suspiros aconteceram, e não

eram de felicidade, eram de desespero. Isso foi nítido nos entreolhares, nos

comentários murmurados, nas indagações proferidas.

_ “Professora, a senhora tem certeza que a gente vai fazer isso tudo?”

_ “Não, a senhora está de brincadeira!”

_“Meu DEUS, ela falou no outro dia que ia ser diferente, mas isso?”

_“Professora você olhou o tamanho dessa prova?”

_“Pronto! Reprovei! Quero mudar pra tarde! Aqui eu não fico de jeito

nenhum!”

A professora ouviu as reclamações, tentou acalmá-los e solicitou que

tivessem paciência e lessem as questões com mais atenção, tentando

entender. Talvez por educação, os alunos se aquietaram, e o silêncio chegou a

causar dor e pânico na professora, que assumiu “ser avessa ao silêncio” e ao

“excesso de obediência”. Ela afirmou que, enquanto os alunos falam durante as

aulas, pode perceber o que ela deve mudar, quais estratégias devem ser

alteradas, mas em relação ao silêncio, nada pode fazer, sente-se impotente.

Durante o recreio, alguns alunos procuraram a direção para pedir o

remanejamento para o turno vespertino, por causa do primeiro contato com a

prova. A professora foi avisada e explicou que o primeiro contato realmente

poderia ter causado estranheza, mas que os conteúdos dela estavam

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relacionados às anos iniciais do Ensino Fundamental dos anos finais (6º, 7º e

8º anos) e que não havia motivo para os remanejamentos se efetivarem.

O primeiro dia de aplicação da prova

No dia 10/03/2014, os alunos das duas turmas estavam muito agitados e

até a presença da professora ser percebida demorou entre três e cinco minutos

em cada sala, aproximadamente. Ela ficou em pé, olhando-os em silêncio,

como é do seu costume. Alguns deles perceberam, foram se aquietando e o

barulho foi sumindo de mansinho, até que todos estavam em silêncio, com a

atenção voltada para a professora, que releu as normas expostas na folha de

rosto da prova com os passos a serem seguidos. Informou também que uma

das regras a serem observadas com cuidado seria a de identificar as suas

respostas com a letra “R”. Depois alertou que poderiam escolher qual questão

fazer primeiro, mas deveriam ter o compromisso de anotar em uma ficha à

parte ( criada pela professora, com o intuito de fazer um levantamento de

dados com a opinião deles, de acordo com o primeiro contato com a prova)

quais questões julgassem mais fáceis. O acordo foi feito, mas um burburinho

começou até que a aluna AJ28 do 9º ano “A” disse:

_“Professora, você não acha que está inventando moda? Você acha

mesmo que vai dar certo esse negócio de cada aluno resolver a pergunta que

quiser, sem obedecer a uma ordem sua? Como é que você vai corrigir? Porque

você tem que corrigir, é sua obrigação, né?”

A professora respondeu que a aluna ficasse tranquila quanto à correção,

que não se preocupasse e que tudo daria certo, mas que seria necessário que

existisse confiança da sua parte em relação ao trabalho que estava sendo

realizado. e disse:

_“Na vida existem situações que lembram um avião passando por uma

forte tempestade. E você pode ficar com a sensação de que está sem apoio,

sem segurança. Se você sentir que está passando por uma situação parecida,

por causa da prova em fases, lembre-se de que não há porque ter medo, você

pode confiar com certeza neste projeto, na minha orientadora e em mim. Nada

de ruim vai acontecer, mas será preciso confiança e trabalho!”

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A aluna AJ28 sorriu e se aquietou, juntamente com os alunos que

estavam inquietos ou até mesmo alvoroçados. Na outra sala não houve

nenhuma situação semelhante à relatada.

Como as salas já estavam organizadas em seis filas, a professora

solicitou ao quinto aluno de cada fila, de cada turma, que fosse até a sua mesa,

pegassem as provas e as distribuísse aos alunos das suas respectivas filas.

Foi solicitado também a todos os alunos que conferissem as provas e ao último

aluno de cada fila que distribuísse as canetas azuis que seriam utilizadas

naquele momento. Quando a primeira aula (de duas) terminou, a professora

estava exausta, tensa, ansiosa, porque os alunos ficaram quietos demais. O

silêncio realmente foi estarrecedor! A dúvida se fez presente e a professora

pensou:

_“Ou eles estão lendo e entendendo tudo ou vão devolver todas as

questões em branco e todo o trabalho será perdido.”

De repente o silêncio foi rompido e a aluna AJ 02, do 9º ano “A”, falou:

-“Nossa professora! Zedlópolis é realmente uma cidade! Que legal, eu

acertei!” E deu um sorriso largo, de orelha a orelha!

A professora declarou que aquele sorriso foi um alívio para ela. É um

sinal que o esforço prévio foi válido.

Na outra turma, do 9º ano “B”, uns quinze minutos após o início, BJ 28,

chamou a professora em sua carteira. Quando ela se aproximou, ele disse

baixinho, sorrindo e mostrando na prova:

_“Olha, o nome da senhora está aqui! E eu achei! Tá importante, hein?”

E em seguida pediu:

_“Professora, um dia você coloca o meu nome também? É que nenhuma

professora coloca o meu nome em nada. Daí eu vou ser importante.” Foi um

comentário ingênuo, mas, para a aquela criança, foi uma tentativa de

aproximação com o texto e com a professora.

Alguns murmurinhos e sorrisos aconteceram, cochichos velados com

relação às palavras e expressões pesquisadas anteriormente nos dicionários,

seguidos, de olhares à professora e aos colegas mais próximos.

O ritual de recolhimento das provas ocorreu em meio a um tumulto já

esperado e muito trabalhoso. As provas foram organizadas em pacotes

plásticos por ordem da chamada, a partir do último aluno, seguindo a ordem

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decrescente. Também foi feito o recolhimento das canetas utilizadas e a

organização delas nas caixas. Para isso houve a ajuda de dois alunos por

turma, intitulados como Presidente e Vice- Presidente de sala. Um lia o nome

dos colegas na ordem citada e o outro recolhia o pacote com as provas e

entregava para a professora, que organizou essa sequência apenas nas

primeiras aplicações. Depois, sua função foi auxiliar os alunos e orientá-los,

conferindo se todo o material fora organizado conforme as listas de chamada.

Na ausência destes alunos, os suplentes assumiriam os postos.

A partir da primeira fase, a professora pontuou cada resolução com

comentários e questões e o estudante retomou sua resolução tentando

completá-la a partir da intervenção da professora.

O segundo dia de aplicação da prova

No dia 17/03/2014, o ritual da Prova em Fases se repetiu: cada sala

estava organizada com seis filas e com seis carteiras em cada uma delas; o

primeiro aluno de cada fila se dirigiu até a mesa da professora, pegou a

quantidade de canetas azuis necessárias para os colegas e as distribuiu em

silêncio; o segundo aluno buscou e entregou as provas que estavam

organizadas pelo número da chamada.

Após esse momento, cada sala teve um comportamento diferente.

Enquanto os alunos do 9º ano “A” fizeram a prova sem questionamentos, em

silêncio, a outra turma, o 9º ano “B” reclamou do início ao fim das duas aulas.

As frases ouvidas que mais causaram inquietação à professora foram

BJ21_“Mas professora, você nem olhou a minha prova?”

BJ32_“Professora, se você não ia corrigir nada, por que entregou a

prova de novo pra gente?”

BJ19_“Professora, você acha que alguém aqui vai esquentar a cabeça

pra você não corrigir e não dizer se é de mais ou de menos?”

BJ05_“Aqui tem coisa que não existe! E que não vai dar certo nunca!”

BJ35_“Professora, eu só decoro pra tirar nota. Você acha que eu vou me

lembrar dessas matérias mesmo?”

BJ01_“Professora, como representante de sala e boa aluna que eu sou,

eu tenho que falar que essa prova não tá certa não!”

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Após ouvir tais queixas, a professora explicou novamente as etapas da

prova em fases. Alguns alunos ouviram e começaram a resolver os problemas,

outros continuaram murmurando e fazendo comentários variados:

BJ04_“Vixi, o tal do Monte Fuji apareceu pra complicar a minha vida, só

falta ter que saber onde que ele fica!”

BJ03_“Meu! E agora essa tal dessa Marli é muito inteligente mesmo,

aqui no colégio a média é 100 e ela tirou 320, será que os outros alunos de lá

também são?”

BJ26_“Professora! Zed é dinheiro, né?”

BJ10_“Por que eu vou querer saber quanto que cabe no caminhão? Se

ainda tivesse sapato lá dentro!”

BJ15_“Professora, é de mais ou de menos? Você não fala nada, as

outras sempre diziam que conta que era pra fazer! Desse jeito tá difícil!”

A professora foi firme nesse momento porque as regras não estavam

sendo cumpridas pelos alunos. Pediu a eles que relessem as normas contidas

na capa das provas em silêncio e que tentassem registrar o que soubessem.

Alertou-os também que, caso ocorresse alguma palavra ou resolução que

quisessem alterar, não haveria problema algum, desde que fosse feito um traço

horizontal sobre a resolução.

Com as perguntas feitas pelos alunos, a professora chegou à conclusão

de que estavam mais preocupados com a nota que propriamente com a

aprendizagem, embora a intenção ao selecionar as questões para essa prova

fosse a utilidade delas na vida dos alunos. Conforme afirma Freudenthal

(1968), o objetivo principal do ensino é que os alunos aprendam a fazer

matemática como uma atividade.

Terceira aplicação da prova

No dia 24/03/2014, houve paralisação de hora atividade forçada no

estado do Paraná! Os alunos do 9º A estavam eufóricos porque era o dia do

aniversário do aluno AJ 08 e, ao mesmo tempo, estavam preparando a festa de

despedida para o professor de Ciências que se aposentou. Mesmo estando

eufóricos, organizaram-se sem que fosse pedido. O combinado no contrato

didático foi mantido e obedeceram ao rodízio proposto nas aulas anteriores

para a entrega das provas. O quinto aluno de cada fila foi até a mesa da

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professora, onde estavam todas as provas, e as distribuiu aos alunos das

respectivas filas na ordem da chamada escolar em que foram arquivadas na

última aula, e o segundo aluno de cada fila distribuiu as canetas azuis que

seriam utilizadas no naquele momento.

Os alunos do 9º B estavam inquietos e agitados, pois tinham acabado de

sair do recreio. Quando se acalmaram, o diretor auxiliar utilizou meia hora para

dar recados sobre a Trilha Ecológica marcada para o dia 27/03. Nessa turma,

portanto, os alunos só trabalharam uma aula e vinte minutos com a prova.

Uma aplicação extra da prova

No dia 30/03/2014, foram retomadas as resoluções devido aos

imprevistos das últimas aulas. Essa data não consta no calendário e foi pouco

proveitosa. O resultado foi uma chuva de perguntas e muito burburinho, que

mal pode ser ouvido, porque foi falado entre dentes:

BJ02“_Você viu, ela não escreveu nada de novo! Será que a prova é só

isso?”

BJ18“_Pior! Sabe o que ela fez comigo? Ela me mandou pesquisar.

Achei um desaforo! Achei que ela é uma folgada.”

A professora não suportou a pressão e os olhares do 9º ano B, pediu

silêncio e retirou de uma pasta um caderno grande e dois “Mapas com a

resolução dos itens da Prova em Fases por aluno e por questão” das dezoito

atividades realizadas por eles nos dias 10 e 24 de março. A legenda a seguir

foi utilizada para explicar a eles o significado das cores atribuídas em cada

mapa.

Legenda

Resolveu corretamente e deu resposta correta. (completa) R:......... Resolveu corretamente e não deu resposta. Não resolveu e apenas deu a resposta. Apenas começou a resolver. Não apresentou resolução (deixou em branco ou fez apenas alguma anotação)

Fonte: autora Quando ela abriu o caderno e começou a explicar a que se referiam as

anotações e os “Mapas”, eles se aquietaram e prestaram atenção. Eram

dezoito questões, que foram minuciosamente conferidas uma a uma e

registradas no caderno a cada aplicação e logo depois organizadas em

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quadros coloridos para melhor compreensão visual, de acordo com a resolução

de cada aluno. A professora detalhou cada cor da legenda como se fosse uma

confissão, ou melhor, uma justificativa de que as questões estavam sendo

acompanhadas por ela, que tudo estava sendo considerado e que podiam

confiar no trabalho proposto. Ela mal acabou de falar e a aluna BJ12 pediu a

palavra, ficou em pé em frente aos colegas e disse:

_“A professora teve todo esse trabalho, vocês acreditam agora? Eu já

tinha visto aquelas folhinhas, mas não tinha entendido nada. Ah! Outra coisa,

ninguém reparou que ela escrevia o tempo todo enquanto a gente fazia a

prova? Vocês imaginam o quanto ela trabalhou pra fazer isso? Quem sabe

agora sossegam!”

Se isso foi correto ou não, também não vem ao caso, porque foi o que

aconteceu e os alunos naquele dia realizaram a prova sem criar maior alvoroço

De acordo com uma reflexão feita durante as aulas do Curso de

Especialização em Educação Matemática, em 2014, na UEL, a professora

Buriasco disse que “a avaliação escolar precisaria ser vista como um dos fios

condutores da busca do conhecimento”; dar pistas para o professor do caminho

que ele fez, onde o aluno se encontra e o que deve ser mantido para que

professor e alunos, possam obter um bom resultado. Quiçá tenha sido essa

reflexão que tenha ocorrido e tenha satisfeito a curiosidade dos alunos naquele

instante, pois eles continuaram a responder os questionamentos e, conforme

combinado, utilizaram a caneta de cor azul.

Quarta aplicação da prova e o terceiro feedback aos alunos

No dia 07/04/2014, tudo ocorreu de maneira amena nas duas turmas.

Como de costume, os alunos do 9º ano A estavam mais tranquilos e confiantes

que os do 9º ano B, que estavam menos arredios e desconfiados do que nos

outros dias.

A rotina de entrega de provas e materiais permaneceu, não havendo

alterações. Durante a resolução das provas nesse dia, a professora relatou ter

tido a impressão de que os alunos tiveram maior cuidado e concentração que

nos demais. A curiosidade e a concorrência entre os alunos das duas turmas

foram inevitáveis, e a conversa sobre os mapas das questões ultrapassou os

corredores do colégio. Enfim, tentando olhar por outro ângulo, serviu para que

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todos se dedicassem mais à leitura das questões, pois todos desejavam a cor

verde-escuro do “mapa”. Já em casa, o quarto mapa, com a resolução dos

itens da Prova em Fases, por aluno e por questão, foi feito referente às 18

questões realizadas por eles, assim como um estudo de observação quanto ao

progresso dos alunos das duas turmas nos dias 10, 24 e 31 de março e do

próprio dia 07 de abril. No primeiro dia de aplicação, mesmo em meio a

conversa e murmurinhos, os alunos do 9º ano “B” realizaram um número maior

de questões, respeitando os critérios pré-estabelecidos. Do segundo ao quarto

dia, a concentração do 9º ano “A” prevaleceu, mas houve aprendizagem e

crescimento nas duas turmas.

O trabalho individual de leitura não é comum na disciplina de

matemática. Os alunos estão acostumados a receber muitas informações sobre

como resolver determinadas situações problemas e se atêm apenas aos

conteúdos em estudo, como se o que já aprenderam não fosse mais

importante, e findada a prova tudo pudesse ser ignorado, esquecido. Como a

proposta deste trabalho envolvia conteúdos dos anos anteriores, alguns alunos

se sentiram inseguros. Depois, porém, perceberam que eram capazes de ler e

resolver as questões selecionadas e que a primeira impressão que causou

estranheza era só o medo falando mais alto. Logo a seguir, os mapas de

resolução podem ser visualizados, e o progresso individual, bem como o de

cada turma, observado.

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Com esse trabalho, encerrou-se a primeira fase do Projeto do PDE que

envolvia as dezoito questões. A professora acreditava, na época, que os alunos

da turma do 9º Ano “A” tinham apresentado melhor aproveitamento em relação

à outra turma, devido ao acompanhamento das cores dos mapas

apresentados, em que a cor verde-escuro predominou. Considerando também

o cuidado e a dedicação diferenciados de cada turma.

Quinta aplicação da prova e primeiro feedback aos alunos

No dia 14/04/2014, teve início a segunda etapa da Prova em Fases.

Nesse dia algo aconteceu nas duas turmas: todos os alunos demonstraram

satisfação, inquietação, curiosidade ou ainda surpresa ao ler, em suas provas,

questionamentos referentes ao que eles tinham resolvido.

Novos murmurinhos ocorreram e, nesse momento, a curiosidade tomou

conta deles, porque, como cada um resolveu as questões que escolheu, eles

queriam saber quais perguntas foram feitas nas demais provas e se eram

iguais. A professora chamou a atenção de todos e explicou a importância da

concentração de cada um na realização da sua prova. Explicou também não

haver necessidade de que soubessem, naquele momento, o que tinha sido

escrito na prova de cada colega de turma, pois o processo de matematizar de

cada estudante é diferente. Cada um tem o seu próprio tempo pra ler, reler,

pensar, repensar e refazer a questão que quisesse ou tivesse necessidade. Foi

em vão! Eles pareciam estar em um formigueiro. Estavam alvoroçados,

curiosos e devoraram as perguntas, não se atendo muito ao que tinham feito,

nem a como tinham feito. Naquele momento, um misto de surpresa pairou no

ar, pois em todas as folhas das provas havia feedback.

A professora assumiu ter consciência de que as perguntas poderiam ser

elaboradas com mais criatividade e que lhe faltou experiência. A preocupação

em dar um retorno aos alunos era tanta que, mesmo para aqueles que tinham

chegado ao resultado correto, foi colocado um feedback. É como se ela

estivesse “cumprindo com a sua obrigação” ao dar um retorno por escrito aos

seus alunos, (que estavam acostumados a serem respondidos com

imediatismo a qualquer questionamento durante as aulas). Peso de

consciência de tradicionalista, pois durante as aplicações da prova que ela se

limitara a pedir aos alunos que lessem e fizessem o que fosse possível.

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Como docente das duas turmas em seu dia a dia, sempre os

questionava, incentivando-os, e aquela situação de silêncio e observação,

segundo ela, dos dias anteriores era torturante e inquietante. Ou seja, era o

velho dando lugar ao novo, o tradicional dando lugar à mudança, os ranços

insistindo em ficar impregnados na prática docente, o imediatismo forçado a se

calar. Só depois, bem depois, ela relata que percebeu como os educandos

precisavam ter um tempo maior para pensar, para revisar suas resoluções e se

concentrar no que lhes tinha sido proposto em cada situação problema, seja

ela do PISA ou de outra avaliação selecionada.

Sexta aplicação da prova e o segundo feedback aos alunos

No dia 23/04/2014, como era continuação do primeiro feedback foram

feitos novos questionamentos apenas nas questões que foram respondidas nas

aulas anteriores, pois os alunos não tinham respondido todos os problemas e

houve uma aparente frustração de alguns.

BJ13 “_É! Ela fica olhando a gente e não fala nada, só responde o

mínimo e quer que a gente faça tudo sozinho, tenho vontade de rasgar essa

prova!”

BJ01 “_Eu respondi muito mais dessa vez, prestei atenção, perguntei

pros alunos da outra turma na hora do recreio e ela não escreveu nada de

elogio, eu não gostei nada disso!”

Nesse momento do trabalho, os alunos já se organizavam sem que

fosse necessário lhes pedir nada. A cada nova aplicação, o rodízio de funções

era obedecido como sendo parte da rotina de cada turma. A ordem de entrega

de materiais e o recolhimento, a contagem de canetas e as cores utilizadas, a

organização das provas e a conferência da ordem, tudo ajudou os alunos a

serem mais organizados, responsáveis e caprichosos com os seus materiais.

Para o primeiro questionamento, foi utilizada a cor azul e, na sequência,

vermelho e preto, sempre nessa ordem, indiferente do dia, mas levando-se em

consideração o desempenho individual e a opção de cada aluno para

responder os questionamentos que julgasse preparado para responder naquele

dia.

Posteriormente, a professora refletiu sobre o que havia acontecido

durante a aplicação das provas, analisou as resoluções, fez anotações

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individuais e novos questionamentos para os alunos, com mais cuidado; mas

ciente de que tinham que melhorar muito. Esse momento da pesquisa foi

crucial, gerando muitas dúvidas e insegurança, pois, depois de inúmeras

pesquisas, constatou-se que os sites pesquisados não ofereciam um

direcionamento quanto a que tipo de pergunta poderia ser feita. Outra

inquietação, foi como conduzir, desafiar, inquietar os alunos e convencê-los de

que é possível encontrar a solução para um mesmo problema seguindo

caminhos diferentes! Como convencê-los de que têm capacidade para escolher

quais caminhos percorrer sem ter que seguir um modelo pré-estabelecido.

Algumas considerações a guisa de encerramento

É, pois, tarefa do professor fazer com que o erro, aos poucos se torne observável pelo aluno para que este tome consciência daquele. Essa é uma das contribuições pessoais que o professor pode fazer na busca de diminuir o fracasso escolar (BURIASCO, 2000, p.172).

Percebe-se, ao longo do desenvolvimento, que a recuperação pode ser

vista com outro olhar se a real prática pedagógica percorrer outros caminhos.

Todos os pensamentos até aqui construídos foram desconstruídos, refletidos e

debatidos, conduzindo esse pequeno grupo a repensar inúmeros desafios que

foram expostos, dentre eles, se o professor do Século XXI realmente está

preparado para melhorar sua prática e se sacudir da mesmice pedagógica

praticada no automático da vida. Vivencia-se um momento na história em que

não há razão para “avaliar” pelo fracasso. A palavra de ordem é a condução

dos estudantes para o sucesso, para a luta, para a descoberta, ou seja, para a

real democracia da aprendizagem!

A proposta é clara e se faz urgente: parar de passar certo ou errado em

situações problema ou até mesmo em exercícios em provas e acreditar que,

por corrigi-los, a tarefa do professor foi cumprida, sem se preocupar com a

estratégia usada pelos alunos! Vê-se a importância em orientá-los (os alunos) a

utilizar o conhecimento adquirido durante as aulas para exercerem a sua

cidadania plena, associando os conhecimentos adquiridos com a realidade e

não como se fosse algo estanque, sem sentido. É necessário deixar de ver a

disciplina de Matemática como ainda é vista pela grande maioria nas escolas e

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fora delas, como uma disciplina morta, que causa asco nas pessoas e não o

encantamento e a segurança que deveria causar.

Outro item a ser pontuado é o de não decepcionar ou frustrar, acabar

com os alunos com dificuldades, mas conduzi-los a acreditar em si

próprios, como também de não tolher os alunos com facilidade, mas deixá-los

alçar voo na Prova em Fases como Recuperação, não desmotivando ninguém.

É preciso ter cuidado ao devolver as provas com perguntas que os levem a

pensar de acordo com suas possibilidades, sem que percebam ou descubram

quais são as reais intenções, que voem livres, sem medo do erro ou de

recriminações. Toda essa mudança de atitude é mais complexa do que se

pensa. É desafiador deixar o que está enraizado nas entranhas pedagógicas

(ou seja, “em nossas tripas”, como diz a professora e orientadora Regina) e

seguir por um novo caminho, cheio de curvas, de idas e vindas e de incertezas,

mas em busca de algo melhor para a aprendizagem dos alunos e para as

novas gerações e que realmente faça a diferença.

É um desafio para todo educador pensar em Educação, pois exige uma

atitude diferenciada, e a “Prova em Fases e Recuperação de Estudos” é uma

proposta que aprimora as ações pedagógicas. Segundo Buriasco (2004), é

possível ir além das respostas encontradas pelos alunos nas questões de uma

prova escrita, se for considerado, entre outras coisas, como o aluno interpretou

o problema proposto, quais foram os recursos matemáticos que utilizou, se os

conteúdos discutidos em aula foram utilizados, ou seja, se for feita uma análise

de sua produção escrita. Ao fazer isso, o professor pode ajudar os alunos a

fazer conexões entre suas representações idiossincráticas e aquelas mais

convencionais (SANTOS; BURIASCO; CIANI, 2008).

Um dos pontos a ser modificado para se promover uma visão

contemporânea da avaliação é a forma de encarar o erro. No contexto escolar,

o erro tem sido visto como uma forma de sentença do fracasso do aluno, não

sendo objeto nem de análise nem de discussão por parte de professores e

alunos. A Prova em Fases propicia aos estudantes resolvê-la em etapas,

alterando suas resoluções sempre que julgar necessário, em uma prática de

investigação.

A partir da primeira fase, o professor pontua cada resolução com

comentários e questões, e, o estudante retoma sua resolução tentando

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completá-la a partir dessa intervenção do professor. O conhecimento das

dificuldades, erros e estratégias encontrados ao analisar a produção dos

alunos, se bem utilizados, pode ser um valioso material para a investigação.

Sob essa perspectiva, os acertos e erros se transformam em uma gama de

informações sobre o processo ensino e aprendizagem, no qual se pretende ver

o erro para além dele mesmo. É preciso tentar determinar por que ele ocorreu

e verificar que variáveis ele revela (BURIASCO, 2004).

Como foi fazer o trabalho com a Prova em Fases

No início do PDE em 2013, fui desafiada pela minha orientadora a

estudar um instrumento de avaliação chamado Prova em Fases, que eu não

conhecia. Tal desafio causou-me estranheza, pois uma das minhas maiores

preocupações era responder aos questionamentos dos meus alunos, a cada

nova aferição. Após várias leituras, ousei falar, em um dos encontros de

orientação, que aquelas indagações feitas por escrito na Prova em Fases eram

semelhantes ao que eu já realizava em sala de aula, quando ia ao quadro de

giz corrigir tarefas. Eu tentava, assim descobrir a maneira com que os alunos

resolviam cada tarefa. Em minha simplicidade e até mesmo por ignorância,

acreditei naquele momento que estava fazendo “a coisa certa”. Minha

orientadora sorriu e perguntou se realmente eu tinha certeza de que todos os

meus alunos respondiam e compreendiam o que eu explicava ou mesmo

propunha. Passou então uma lista de textos que estudei com persistência.

Depois do estudo ficou mais clara a proposta de utilizar uma prova em fases

como fio condutor da recuperação de estudos. De acordo com Paraná (2008, p.

32 e 33),

a recuperação de estudos deve acontecer a partir de uma lógica simples: os conteúdos selecionados para o ensino são importantes para a formação do aluno, então, é preciso investir em todas as estratégias e recursos possíveis para que ele aprenda. A recuperação é justamente isso: o esforço de retomar, de voltar ao conteúdo, de modificar os encaminhamentos metodológicos, para assegurar a possibilidade de aprendizagem. Nesse sentido, a recuperação da nota é simples decorrência da recuperação de conteúdo.

Aplicar a Prova em Fases como Recuperação de Estudos aos

meus alunos não foi tarefa fácil. Muito pelo contrário, foi uma sensação de total

impotência e de incapacidade, que me fez muitas vezes acreditar que não daria

certo, pelo imediatismo que corria em minhas veias. A seleção das tarefas foi

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realizada ainda em 2013, bem como a escolha das duas turmas do 9º ano.

Cada detalhe foi discutido e cuidadosamente estudado, a clareza de cada

enunciado, as adaptações necessárias, a formatação, enfim um trabalho de

bastidores demorado e meticuloso. Tive que me calar muitas vezes, mesmo

querendo responder aos olhares famintos e aos pedidos de socorro deles,

durante a implementação. Foi muito difícil não responder.

Outro ponto importante foi o acompanhamento da interpretação dos

alunos quanto aos enunciados propostos. Muitas vezes eles se inquietavam,

pois não tinham costume ou até mesmo paciência para ler. Estavam

acostumados ao imediatismo, tanto deles, como dos professores de maneira

geral, nesse caso mais especificamente meu. Como professora, a vontade era

a de falar. Como aplicadora, a necessidade, para que o trabalho fluísse, era de

observação e de muitas anotações. A cada etapa finalizada, uma lição era

aprendida e, com cada uma delas, a necessidade de ler mais e de tentar

entender como os alunos compreendem os enunciados. Necessidade para a

qual eu não tinha dado a devida atenção ao longo da minha vida profissional. A

minha preocupação era se o conteúdo com o qual eu estava trabalhando era

abordado. Hoje posso afirmar que meu olhar é outro, mas tenho ainda uma

longa jornada pela frente.

Segundo De Lange (1999), o principal propósito da avaliação escolar é o

de promover a aprendizagem. Com este trabalho pude perceber que as

perguntas, os desafios que eu fazia oralmente para todos ganharam maior

importância quando feitos por escrito na Prova em Fases como Recuperação

de Estudos. Isso porque, ao desenvolver um diálogo com cada aluno, de

maneira individualizada e por escrito, pude perceber o caminho de cada um ao

lidar com as tarefas. E isso foi incrível, pois quanto mais leio mais percebo o

quanto tenho que melhorar minha prática.

Cada aluno teve a oportunidade de receber feedback a respeito das

suas resoluções que instigasse ou aguçasse a curiosidade. Nem tudo porém,

foram flores. Houve muitos espinhos. Perdi-me muitas vezes nas anotações a

respeito do que os alunos comentavam baixinho durante as aferições e como

não segui o conselho da minha orientadora em gravar as aulas para depois

transcrevê-las, minhas anotações tiveram lacunas. No entanto, apesar da

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minha inexperiência, aprendi muito a cada nova leitura e a cada feedback dado

aos alunos.

Antes da realização desse projeto, eu era mais imediatista do que hoje.

Agora, posso afirmar que aprendi a compreender o tempo dos meus alunos, e

a minha ansiedade cedeu lugar a paciência de esperar que eles pensem e

argumentem a respeito de suas estratégias e procedimentos com seus pares,

com suas equipes. Posso afirmar que o relacionamento deles mudou. No início

do ano, estavam arredios entre si e comigo. Com a realização das fases, eles

se aproximaram, ora por necessidade, ora por afeição. A confiança foi

resgatada com as duas turmas envolvidas.

Foi uma experiência ímpar poder observar o entrosamento deles e a

cumplicidade com relação à realização da recuperação com a troca de

estratégias, discussões, que eu nunca havia presenciado. Em outras palavras,

alguns alunos, motivados, chegaram a decorar os enunciados das questões

para descobrir como resolvê-las com auxílio dos colegas, familiares e até

mesmo da internet. Alguns relataram a dificuldade inicial de se lembrar do

enunciado completo e depois a facilidade em decorar enunciados inteiros. O

relacionamento e a autoestima deles melhoraram, bem como o interesse pela

disciplina de Matemática. Vê-los unidos, com brilho nos olhos, entusiasmados

em saber que a resolução de uma tarefa pode ser alcançada por caminhos tão

diferentes, puderam obter o mesmo resultado, levá-los a curiosidade, a desafiá-

los, instigá-los a aprender, dando-lhes a oportunidade de acreditar que é

possível obter o sucesso esperado mesmo trilhando caminhos diferentes. Isso

tudo, motivou-me deixar os ranços e a buscar novos olhares, com o uso de

óculos adequados para cada nova situação, como diz minha orientadora. Isso

não é fácil, mas se faz necessário para que a aprendizagem se efetive.

O trabalho continuará a ser realizado, porque uma vez experimentado,

não quero voltar a ser a mesma professora de antes. Posso ainda, cometer

outros erros, no entanto estou consciente de que algumas práticas mudaram a

minha visão a respeito da aprendizagem. Acredito piamente que vou valorizar

muito mais as estratégias e os procedimentos de cada aluno; selecionar tarefas

que realmente tenham objetivos claros, com tal importância que valham o

tempo dispensado a elas; ouvir o “como” cada aluno pensou, por que escolheu

uma determinada estratégia. Aprender a conhecer os alunos, como pensam ou

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escrevem e que estratégias são capazes de utilizar, enriquece a jornada diária

e a recuperação de estudos realmente se efetiva na prática pedagógica. Fazer

a diferença na sala de aula, como a minha orientadora o faz, é um sonho

almejado e que requer outros projetos, outras oportunidades, “outros mares

nunca dantes navegados”, outros olhares.

É isso! E é isso que eu quero! Ser uma profissional melhor, mais

humana, mais justa e ter uma visão mais política dos meus atos em sala de

aula, porque uma educação de qualidade mudará a atitude das pessoas e em

consequência o mundo terá pessoas mais esclarecidas, com poder de decisão

sobre si mesmas e sobre a sua realidade.

REFERÊNCIAS

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BURIASCO, R. L. C. de. Análise da Produção Escrita: a busca do conhecimento escondido. IN: ROMANOWSKI, J. P.; MARTINS, P. L. O.; JUNQUEIRA, S. A. (orgs). Conhecimento Local e Conhecimento Universal: a aula e os campos do conhecimento. Curitiba: Champagnat, 2004, p. 243-251.

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NAGY-SILVA, M. C. Do Observável ao Oculto: um estudo da produção escrita de alunos da 4ª série em questões de matemática. 2005. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) – Centro de Ciências Exatas. Universidade Estadual de Londrina, 2005.

SANTOS, E. R.; BURIASCO, R. L. C. Estudo da Produção Escrita de Alunos do Ensino Médio em uma Questão Não Rotineira de Matemática. Unión: Revista Iberoamericana de Educação Matemática, nº 24, p. 103-115, 2010.