os desafios da escola pÚblica paranaense na … · inserção de conceitos e discussões relativos...
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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO - ARTIGO FINAL
PROFESSOR PDE / 2014
Título A ÉTICA COMO PRÁTICA NA EDUCAÇÃO FÍSICA
ESCOLAR: TRANSCENDENDO CONTEÚDOS.
Autor MARCELO NASCIMENTO GUÉBER.
Colégio de atuação COLÉGIO ESTADUAL PROFº DANIEL ROCHA.
Município do colégio PINHAIS / PR.
Núcleo Regional de
Educação
ÁREA METROPOLINA NORTE.
Orientador FÁBIO MÚCIO STINGHEN
Instituição de Ensino
Superior
UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ /
UTFPR.
Disciplina / Área EDUCAÇÃO FÍSICA
Produção Didático-
pedagógica
CADERNO PEDAGÓGICO
Público Alvo ENSINO FUNDAMENTAL II - 6º ANO
Apresentação O presente artigo relata a experiência pedagógica que incluiu a Solidariedade, Justiça, Respeito Mútuo e Diálogo - que são valores morais universais - nos conteúdos Jogos e Brincadeiras da disciplina de Educação Física. Também estão destacadas algumas das atividades que permitiram a abordagem reflexiva da temática Ética, para alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, do Colégio Estadual Profº Daniel Rocha em Pinhais/Paraná. Essa proposta constatou que a Educação Física pode contribuir ainda mais para o desenvolvimento da autonomia socialmente responsável de seus alunos, por meio de ações intencionais e planejadas pelo professor, que figurou como mediador dos processos de ação e reflexão durante as aulas. Percebeu-se também, que essas ações estimularam as reflexões e as discussões sobre a importância de atitudes positivas e conscientes, nas relações sociais dos estudantes participantes, especialmente no ambiente escolar. As reações e atitudes demonstradas durante e após a aplicação das atividades pelos alunos envolvidos no Projeto de Intervenção, comprovaram a importância da inserção de conceitos e discussões relativos à Ética, associados aos conteúdos da disciplina de Educação Física, para a construção e o desenvolvimento de indivíduos socialmente equilibrados.
Palavras-chave Educação Física; Ética; Moral; Valores; Jogos;
Brincadeiras.
A ÉTICA COMO PRÁTICA NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR:
TRANSCENCENDO CONTEÚDOS
MARCELO NASCIMENTO GUÉBER 1
FÁBIO MÚCIO STINGHEN 2
RESUMO
No presente artigo relata-se a experiência pedagógica que incluiu a Solidariedade, Justiça, Respeito Mútuo e Diálogo - que são valores morais universais - nos conteúdos Jogos e Brincadeiras da disciplina de Educação Física. Também estão destacadas algumas das atividades que permitiram a abordagem reflexiva da temática Ética, para alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, do Colégio Estadual Profº Daniel Rocha em Pinhais/Paraná. Essa proposta constatou que a Educação Física pode contribuir ainda mais para o desenvolvimento da autonomia socialmente responsável de seus alunos, por meio de ações intencionais e planejadas pelo professor, que figurou como mediador dos processos de ação e reflexão durante as aulas. Percebeu-se também, que essas ações estimularam as reflexões e as discussões sobre a importância de atitudes positivas e conscientes, nas relações sociais dos estudantes participantes, especialmente no ambiente escolar. As reações e atitudes demonstradas durante e após a aplicação das atividades pelos alunos envolvidos no Projeto de Intervenção, comprovaram a importância da inserção de conceitos e discussões relativos à Ética, associados aos conteúdos da disciplina de Educação Física, para a construção e o desenvolvimento de indivíduos socialmente equilibrados.
Palavras-chave: Educação Física; Ética; Moral; Valores; Jogos e Brincadeiras.
INTRODUÇÃO
Observando as potencialidades da disciplina de Educação Física para o
desenvolvimento das capacidades sociais dos indivíduos, e utilizando-se do tema
Jogos e Brincadeiras populares, foi elaborado um Caderno Pedagógico para
subsidiar professores na mediação de atividades que permitem o contato com a
reflexão da Ética e a discussão da Moral no cotidiano de todos. A implementação
desse projeto ocorreu principalmente durante as aulas práticas de Educação Física,
nas dependências do Colégio Estadual Profº Daniel Rocha (Pinhais / Paraná), com
alunos de 6º ano do ensino fundamental. A escolha desse grupo deu-se levando em
consideração características ímpares, como faixa etária com alto grau de
afetividade, predisposição ao novo, curiosidade aguçada, entre outras, que
1 Professor Especialista da disciplina de Educação Física da Rede Estadual de Ensino do Paraná,
participante do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) – 2014 ([email protected]). 2 Orientador do PDE, professor/Mestre da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPr),
Curitiba, Paraná, Brasil ([email protected])
possibilitaram a potencialização dos resultados da aplicação desse projeto, e a
posterior continuidade e multiplicação dos conceitos aprendidos e experimentados.
Percebendo também a possibilidade de desenvolver uma nova abordagem
para as aulas de Educação Física, de forma a transcender os conteúdos tradicionais,
objetivou-se a inclusão de discussões e reflexões acerca da Justiça, Solidariedade,
Respeito Mútuo e Diálogo - quatro valores morais universais – estimulando a
autonomia socialmente responsável dos alunos, por meio de desafios e reflexões
práticas sobre as relações humanas.
Justifica-se essa proposta, pela análise de que com o advento das facilidades
tecnológicas atuais e de um significativo crescimento populacional, vivemos um
consequente aumento das relações interpessoais em nosso tempo, que exige
indivíduos capazes de compreenderem e assimilarem determinados costumes e
valores morais estabelecidos socialmente para um bom convívio. Esses fatores
permitem uma evolução ordenada e produtiva, ao mesmo tempo em que garantem
às pessoas a preservação de seus direitos e liberdades essenciais dentro e fora do
seu grupo relacional.
Nessa perspectiva o ambiente escolar é de fundamental importância, pois
figura como uma das primeiras experiências sociais vivenciadas pelos seres
humanos, após o núcleo familiar. Essa experiência é carregada de significados e
exprime a essência do desejo humano em evoluir nas suas mais diferentes
dimensões.
Dos muitos componentes curriculares oferecidos aos estudantes, a Educação
Física permite uma atuação direta, num processo contínuo de reforço dos valores
morais essenciais ao convívio social, por meio das dinâmicas de seus conteúdos
que apresentam aos participantes, incontáveis situações geradoras de dilemas
éticos, ou seja, vivências que permitem a experimentação dos resultados de suas
atitudes em relação ao outro.
Ao observarmos tais considerações podemos questionar como e, em quais
momentos, é possível a inserção dos complexos conceitos da Ética e da Moral nas
práticas pedagógicas da Educação Física Escolar, para se obter alunos realmente
cidadãos?
Para se contemplar essa questão, alguns conteúdos específicos dos Jogos e
Brincadeiras Populares foram selecionados, partindo-se da potencialidade e
abrangência das atividades que melhor contemplassem a inserções intencionadas,
com os resultados esperados. Em seguida, houve a necessidade de se combinar o
conteúdo elencado com o valor moral que mais se aproximasse da temática, ficando
distribuídos da seguinte forma: Jogos Competitivos e Justiça, Jogos Cooperativos e
Solidariedade, Jogos de Oposição e Respeito Mútuo, Brincadeiras Populares e
Diálogo.
Visando uma melhor compreensão dos leitores, o desenvolvimento das ações
contidas no projeto de intervenção será apresentado em duas grandes fases, no
presente artigo. Na primeira fase estão expostas as ações que serviram de suporte
para a aplicação das atividades planejadas. A segunda fase apresenta as
estratégias metodológicas que foram utilizadas, para o desenvolvimento dos
conteúdos de Ética e Moral associados aos Jogos e Brincadeiras Populares.
1 PRIMEIRA FASE DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA: PREPARANDO E
ORGANIZANDO OS GRUPOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA.
O desenvolvimento desse projeto deu-se por meio de uma pesquisa-ação
que, segundo ENGEL3 (2000):
“[...] procura unir a pesquisa à ação ou prática, isto é, desenvolver o conhecimento e a compreensão como parte da prática. É, portanto, uma maneira de se fazer pesquisa em situações em que também se é uma pessoa da prática e se deseja melhorar a compreensão desta.”
O formato dessa pesquisa foi escolhido com o objetivo de potencializar as
relações entre o embasamento teórico, relativos à Ética e Educação, e a prática
cotidiana dos professores de Educação Física. Para efeitos de controle de
resultados, duas turmas de 6º ano foram escolhidas de forma aleatória no início dos
trabalhos.
Uma das turmas, que foi denominada GRUPO A (grupo controle), recebeu os
conteúdos propostos pela disciplina de forma puramente objetiva e tradicional,
focando numa abordagem conteudista, com pouco estímulo a criticidade dos
educandos e tratando dos distúrbios de ordem nas aulas por meio das aplicações
das sanções previstas no regimento escolar do estabelecimento, sem prévias ou
posteriores discussões a respeito dos fatos ocorridos.
3 Disponível em http://www.educaremrevista.ufpr.br/arquivos_16/irineu_engel.pdf. Acessado em 15/07/14.
Em paralelo, na turma que foi denominada GRUPO B (grupo de aplicação), a
abordagem metodológica dos conteúdos foi em forma de um projeto de estudos. Os
assuntos abordados durante as aulas estavam sempre vinculados aos valores
morais de Justiça, Solidariedade, Respeito Mútuo e Diálogo, onde foi estimulada a
participação ativa e crítica de todos durante os diferentes momentos do processo
ensino-aprendizagem. Os alunos foram constantemente incentivados a perceber as
relações entre atos e consequências, de modo a desenvolver autonomia
responsável dentro do ambiente escolar.
O elemento inicial e de fundamental importância, utilizado para o
desenvolvimento organizado e fluido de todas as atividades propostas ao longo da
implementação do projeto de intervenção para o GRUPO B, foi o contrato
pedagógico entre o professor e seus alunos, construído na forma de combinados
(atitudes, relações sociais e regras) e discutido logo nos primeiros encontros.
Esses acordos gerais nortearam os trabalhos, proporcionando um sentimento
de segurança e ordem para o docente e os alunos durante as aulas, colaborando
para que os objetivos propostos fossem, quase todos, alcançados.
Uma vez definido, o contrato foi devidamente registrado em uma folha, sendo
assinado tanto pelo professor como por todos os alunos, selando esse acordo, e
dessa forma confirmando o zelo coletivo pelo respeito e cumprimento dos
combinados, valorizando e significando esse instrumento como base para a solução
da maioria dos conflitos relacionais. Lembrando que as regras devem refletir os
princípios morais das instituições, pois neles estão as ideias centrais da boa
convivência social.
A segunda ação efetiva destinada ao grupo de aplicação foi explicar em linhas
gerais, o envolvimento de todos com a experimentação que estava sendo iniciada e
seus objetivos propostos. Mesmo com a complexidade das ideias a serem
desenvolvidas no projeto, foi possível situar os alunos da importância dos trabalhos
que seriam realizados, bem como dos efeitos positivos que poderiam ser percebidos
por todos durante e ao final da aplicação.
É importante lembrarmos que para se desenvolver uma educação voltada à
cidadania, é necessária que se inclua na escola, segundo os PCN's (BRASIL, 1998),
questões sociais que colaborem com a formação e o desenvolvimento dos
processos reflexivos por parte dos alunos, bem como da percepção da realidade da
qual fazem parte afim de que possam se posicionar frente às mais diferentes
questões que afetam a si e a coletividade.
A ação inicial e final do processo foi a aplicação de uma atividade teórica para
os dois grupos (“A – controle” e “B – aplicação”) que consistia na apresentação de
onze frases curtas, mas de impacto, que enfatizavam situações de diferentes
valorações individuais, como por exemplo, “ter boa saúde”, “ser muito rico” e “estar
bem com quem me cuida”. Todas as frases utilizaram de linguagem simples e
representavam eventos comuns a todos. Individualmente os alunos utilizaram de
suas experiências e do seu senso moral já desenvolvido até aquele momento, para
classificar e colar numa folha as frases numa ordem decrescente de valor.
Ao longo dos trabalhos de desenvolvimento do projeto, o GRUPO A (controle)
participou materialmente, apenas do preenchimento da atividade teórica citada
acima. Também para efeitos de comparação final dos resultados entre os grupos, foi
desenvolvido um perfil básico inicial – e posteriormente final - de ambas as turmas
na forma de um diagnóstico predominantemente subjetivo das características das
duas turmas.
2 SEGUNDA FASE DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA: DESENVOLVIMENTO
DAS UNIDADES TEMÁTICAS DA PROPOSTA.
Dentre as inúmeras possibilidades teóricas possíveis para se alavancar a
compreensão e estimular resultados dentro dessa temática de autonomia
socialmente responsável, a reflexão ética figura como um eixo norteador, pois
envolve ideias e posicionamentos a respeito de diferentes perspectivas do cotidiano
social, como a liberdade de escolha, causas e efeitos das atitudes pessoais e
valores efetivados pelas tradições e costumes culturais. Enfim, trata de discutir a
ética das relações humanas com as diferentes dimensões da vida social (BRASIL,
1998).
Com o intuito de respaldar os leitores, com um embasamento teórico,
entende-se que é necessária a apresentação de alguns conceitos fundamentais que
nortearam o planejamento e a execução desse projeto, antes de focar nas ações do
desenvolvimento das atividades propostas.
Em definição, Ética é uma disciplina que estuda a moral; uma reflexão teórica
que busca esclarecer ou investigar uma determinada realidade, pois seu valor está
naquilo que explica, e não na prescrição ou recomendação às ações concretas
(VAZQUEZ, 2002).
Como o comportamento humano é extremamente dinâmico, sofrendo
variações ao longo do tempo, a Ética se fundamenta na concepção filosófica do
homem, compreendendo este como um ser histórico, social e criador.
Por sua vez, o surgimento da Moral ocorre quando o homem percebe-se
enquanto ser social, membro de uma coletividade, onde se faz necessário que haja
e comporte-se de modo a preservar a si e aos outros.
A Moral, com seu caráter histórico e social, configura-se como uma série de
normas não escritas, aceitas livre e conscientemente, que beneficiam uma
comunidade e relaciona o comportamento individual com os interesses coletivos
(VAZQUEZ, 2002).
Com o objetivo de complementar a ideia acima, HEEMANN (2001, p. 20) em
sua obra aponta que a Moral “comporta dois planos: o normativo e o fatual. O
normativo é o plano dos juízos de valor e das normas. O fatual, por sua vez, é o
plano da conduta, dos atos avaliáveis sob o ponto de vista do bem e do mal”.
Por fim, a ideia de Valor pode ser incorporada a objetos naturais, ou
produzidos pelos homens, bem como pode ser relativa às condutas humanas, em
especial a conduta moral. O Valor é uma propriedade adquirida pelo objeto, em face
da sua relação com o homem enquanto ser social (CANDIOTTO, 2011).
O homem qualifica os produtos humanos ou as coisas, sob muitos pontos de
vista. Num ato humano, por exemplo, muitos valores estarão presentes: ético,
econômico, estético, religioso, entre outros. Importante considerar que é arriscado
reduzir um Valor frente a outro, pois os significados atribuídos a cada um pode variar
entre indivíduos (HEEMANN, 2001).
Para efeitos práticos, nesse estudo, as ideias de valores morais estão
presentes somente em atos ou produtos humanos realizados de modo consciente e
voluntário.
Formalizar a inserção das reflexões sobre Ética e Valores no ambiente
escolar é uma questão ainda bastante polêmica, devido aos diferentes pontos de
vista daqueles que acreditam que a escola deva se concentrar apenas nos
conteúdos ou que as abordagens anteriores foram malfadadas e serviram para
propósitos manipulatórios.
Independente das divergências é obrigação da sociedade estimular o
desenvolvimento de valores morais para que se legitime constantemente o exercício
da cidadania. Como a escola está inserida nesse contexto social, seu envolvimento
nesse processo também é indicado, mesmo que suas ações sejam limitadas, pois se
sabe que são muitas as instituições sociais que participam, ou deveriam participar,
da educação moral dos indivíduos.
Pensar em excluir o papel da escola desse processo pode levar a ideia de
negação, opondo-se às considerações dos PCNs (1997, p.73) que indicam que
“valores e regras são transmitidos pelos professores, pelos livros didáticos, pela
organização institucional, pelas formas de avaliação, pelos comportamentos dos
próprios alunos e assim por diante.”
É importante compreender que, segundo GALLARDO, OLIVEIRA e
ARAVENA (1998, p.25):
“A criança deve aprender a viver em sociedade e para isso é necessário que ela internalize os elementos da cultura corporal ou motora que são relevantes para seu grupo social, como também as normas de convívio presentes no diferentes grupos sociais dos quais participa. Não podemos perder de vista que as organizações sociais são dinâmicas propiciando formas mais (ou menos) adequadas para satisfazer as diferentes demandas – como, por exemplo, o brincar.”
Nesse sentido a Educação Física possui um valor inestimável por poder
oportunizar aos seus alunos a vivência de diferentes formas de organização,
produção e vivência de normas e regras para a realização de atividades e tarefas
além de explorar formas cooperativas de participação, permitindo a transformação
dos indivíduos e também do meio em que vivem.
Nas DCEs (PARANÁ, 2008), caderno de Educação Física, estão
apresentados os Conteúdos Estruturantes da disciplina que são: os Esportes, os
Jogos e Brincadeiras populares, a Ginástica, as Lutas e a Dança. Os conteúdos
básicos e específicos desses conhecimentos também estão descritos nesse
documento.
Em todos os cinco Conteúdos Estruturantes é possível promover discussões
e reflexões sobre o uso de valores morais nas situações que acabam surgindo
espontaneamente, fruto da própria convivência entre os alunos ou das exigências
dos movimentos por eles realizados.
Como já é sabido, o foco de desenvolvimento desse projeto baseou-se no
conteúdo Jogos e Brincadeiras Populares, pois possui a vantagem da versatilidade
na criação e aplicação de regras e combinados. Diferentemente dos Esportes, esse
conteúdo possibilita um maior envolvimento de todos, uma vez que as diferenças de
personalidades, capacidades físicas e motoras, além das intelectuais não
representam limitações de rendimento individual ou do grupo, mas se firmam como
elementos da realidade e autenticidade humana. Cabe ao professor atentar-se para
que as situações de discriminação de gênero, por exemplo, sejam retomadas e
discutidas à luz dos conhecimentos e da lógica cooperativa atual.
2.1 JOGOS COMPETITIVOS E JUSTIÇA
Inicialmente o conteúdo específico desenvolvido com os dois grupos foi o dos
Jogos Competitivos (Populares). Nesse tema, a tradicional flexibilização das regras
ou combinados, geralmente é usada a favor dos interesses daqueles que possuem
aspectos de dominância ou poder, reforçando consideravelmente essas posições
dentro de um grupo. Outra característica relevante desse conteúdo é o fato de que
necessariamente haja um elemento, ou grupo, perdedor e outro vencedor.
As características presentes nos Jogos Competitivos, aliadas ao ambiente
escolar que pressupõe uma regulação externa orientada, permitiram ao professor
aplicador inserir reflexões acerca do valor moral Justiça, com o objetivo de produzir
um equilíbrio em todas as etapas de construção do conteúdo, sem que este
perdesse sua essência, apresentando aos praticantes uma realidade de igualdade
de oportunidades e direitos para todos.
Nesse módulo de trabalho do Caderno Pedagógico, foram elencadas algumas
atividades, com objetivos e estratégias distintas, mas que possuíam em comum, o
foco nas discussões acerca do valor moral Justiça.
Abaixo, uma breve exposição das atividades e intervenções que mereceram
destaque pelo impacto positivo que proporcionaram:
- “Estafeta em Cruz”: após esse desafio, o professor realizou alguns
questionamentos que geraram uma breve discussão, que culminou com a
apresentação de um conceito formal de justiça que serviu para reforçar a
importância desse valor como princípio básico para a manutenção de uma ordem
social por meio do respeito à igualdade de todos os cidadãos.
- Passe Logo: esse outro exercício de estafetas permitiu novos questionamentos ao
grupo. Durante essas discussões, foi possível e necessário, justamente pela
complexidade do tema, que o professor apresentasse o conceito formal de Regras.
Nessa atividade houve intensa participação dos alunos, que apresentaram um
domínio de algumas ideias relativas ao tema, bastante acima do esperado para as
idades.
- Omelete de tênis: nesse Jogo Competitivo, durante a intervenção, ficou nítido que
a maioria dos alunos compreendeu a necessidade da aplicação de punições para
aqueles que desrespeitaram as regras e que foi muito importante a clareza dos
combinados prévios.
- “Guerra estrelar”: para esse jogo clássico de pega-pega, a intervenção do
professor ocorreu no intervalo entre as rodadas, por meio de alguns
questionamentos reflexivos. Das atividades desenvolvidas no conteúdo Jogos
Competitivos, essa foi a que mais sensibilizou os grupos e permitiu uma discussão
extremamente produtiva, que se alongou para a aula seguinte. O impacto visual da
“crueldade” dos perseguidores sobre os “diferentes”, rendeu um debate bastante
interessante e enriquecedor sobre as muitas formas de preconceitos.
- “Agora é a nossa vez”: a devolutiva dessa atividade foi bastante gratificante,
mesmo que com algumas limitações organizacionais esperadas para essa idade,
sendo apresentadas ideias de atividades criativas pautadas nos requisitos
solicitados.
2.2 JOGOS COOPERATIVOS E SOLIDARIEDADE
A escolha do tema Jogos Cooperativos e Solidariedade como sendo o
segundo módulo do Caderno Pedagógico desse projeto de intervenção, deu-se
intencionalmente para a experimentação antagônica dos conceitos vivenciados
pelos Jogos Competitivos, nas aulas anteriores. Essa estratégia foi importante e
serviu para reforçar as características de cada um dos tipos de jogos vivenciados até
então.
Os Jogos cooperativos são realizados essencialmente em grupo, onde as
qualidades individuais dos seus componentes são usadas para alcançar diferentes
objetivos, que devem culminar na satisfação de todos os participantes. Além disso,
as novas formas de agir, propostas nos Jogos Cooperativos, estimulam atitudes de
sensibilidade, alegria, comunicação e solidariedade.
Dentro do ambiente escolar é possível observar que muitos comportamentos
sociais acabam sendo reproduzidos, entre eles, o individualismo que cega o sujeito
na busca de seus objetivos.
Por outro lado, deve-se destacar que esse espaço social é essencialmente
colaborativo, pois é ali que a cultura e o conhecimento são (ou deveriam ser)
compartilhados num ato de profunda comunhão.
O conteúdo Jogos Cooperativos, abre a possibilidade de discussão acerca do
valor moral Solidariedade, fundamental para uma sociedade equilibrada e mais
humana.
Serão relatadas abaixo, algumas das atividades que melhor permitiram o
desenvolvimento do tema proposto, bem como suas estratégias de intervenção:
- “No escuro”: após a primeira rodada desse Jogo Cooperativo, o professor
apresentou alguns questionamentos reflexivos que permitiram a participação intensa
dos alunos nessa discussão, por meio de exemplos de seus cotidianos.
- “Os quatro mosqueteiros”: após algumas experimentações, essa atividade foi
novamente apresentada, com aumento do grau de dificuldade que exigiu
associações entre colegas que não costumam interagir frequentemente, superando
as barreiras de comunicação criadas por eles mesmos.
- “Ilha deserta”: dessa atividade é interessante ressaltar que devido ao fator tempo
de execução, imposto pelo professor, os garotos dessa faixa etária que
culturalmente apresentam-se mais resistentes ao contato físico (toque) com colegas,
participaram ativamente sem perceber que estavam próximos ou abraçados aos
outros.
2.3 JOGOS DE OPOSIÇÃO E RESPEITO MÚTUO
Os Jogos de Oposição trazem características dos esportes de combate a
tempos praticados pelo homem. Os elementos principais dos Jogos de Oposição
estão no confronto entre duplas, trios ou grupos, objetivando a vitória sobre o
adversário, pautada no respeito às regras e na segurança do companheiro de
atividade.
As particularidades contidas no desenvolvimento dos Jogos de Oposição
permitem explorar questões fundamentais presentes no cotidiano de nossa
sociedade, como a violência, o desrespeito às regras de convivência social, o medo
da convivência coletiva, entre outros.
A possibilidade de discussão dessas temáticas encontra um suporte
significativo quando tratada sob a ótica do valor moral Respeito Mútuo, permitindo o
desenvolvimento de reflexões baseadas nas vivências decorridas das atividades.
Relacionadas abaixo, estão as atividades que produziram bons resultados
para o desenvolvimento e assimilação dos conceitos relativos ao tema:
- “Vou ficar, vou sair”: antes de iniciar a proposta, o professor realizou uma
intervenção com todos os alunos, lançando alguns questionamentos a respeito da
diferença entre luta e briga, e sobre a consequência das ações físicas contra outras
pessoas. Como essa foi a primeira atividade dos Jogos de Oposição, ficou nítido o
interesse, principalmente pelos garotos, que ouviram atentamente as regras de
segurança previamente combinadas, além de demonstrarem um cuidado com a
integridade do colega, principalmente na questão do controle da força aplicada.
- “Ataque e defenda”: à medida que o jogo aconteceu, e novas proposições foram
sendo inseridas de forma a elevar o grau de dificuldade com a ampliação dos
recursos corporais nesse jogo, alguns excessos foram identificados. Nesse
momento o professor aplicador retomou os limites daquela luta e também os
comandos para a sua interrupção imediata. Essa atividade foi uma das mais
intensas se comparadas a todas as demais, exigindo um alto grau de mediação por
parte do professor para que se mantivesse o nível de organização e ordem durante
a aula.
- “Guarda-costas”: esse jogo extremamente dinâmico foi desenvolvido em duas
aulas, devido à grande aceitação por parte dos alunos e também pela qualidade das
estratégias que focaram na busca de falhas nos bloqueios, do que necessariamente
o uso da força, para se atingir os objetivos.
2.4 BRINCADEIRAS POPULARES E DIÁLOGO
As Brincadeiras Populares em geral são atividades reproduzidas de geração
em geração, preservando a originalidade de seus objetivos e regras elementares.
Brincar é experimentar num mundo fantasioso, a possibilidade de reorganizar
a realidade, contestá-la e experienciá-la de maneira variada, segura e confortável.
Para isso, o Diálogo é a base para a articulação entre a fantasia e a realidade
do indivíduo e do grupo, além de tornar possível que muitas dessas práticas lúdicas
sejam reproduzidas e transmitidas ao longo dos tempos.
Por se tratar de uma atividade essencial para o desenvolvimento humano,
carregada de significados, as brincadeiras são extremamente atraentes devido sua
baixa complexidade de organização e execução, bem como pelo seu alto potencial
lúdico para seus praticantes.
Utilizar dessas atividades para estimular o diálogo eficiente e resolutivo,
permite que os alunos possam compreender o valor desse recurso para melhorar
suas relações com o mundo a sua volta.
Abaixo estão descritas duas atividades que se destacaram pela praticidade de
aplicação e qualidade dos resultados apresentados:
-“Quente ou frio”: essa brincadeira teve grande aceitação de todos os alunos, que
agregaram diferentes modificações, a ponto de estendermos a aplicação para a aula
seguinte. Entre um desafio e outro, foi possível destacar a importância de cada
elemento do processo de comunicação, vivenciado pelos próprios alunos ao longo
dos desafios.
- “Vivo, morto”: essa atividade promoveu uma participação extremamente positiva na
turma, evidenciando o poder e a importância das Brincadeiras Populares na vida dos
alunos dessa faixa etária referente ao 6º ano do Ensino Fundamental. Ao final da
brincadeira foi possível conduzir algumas reflexões que questionaram a qualidade
da comunicação experimentada pelos alunos nos diferentes ambientes que vivem.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente projeto de intervenção apresentou bons resultados ao estabelecer
relações possíveis e pertinentes entre a Ética e a Educação Física, inseridas de
forma direta aos conteúdos curriculares.
Também foi possível comprovar a eficiência do Conteúdo Estruturante Jogos
e Brincadeiras Populares, por meio de seus conteúdos específicos (Jogos
Competitivos, Jogos Cooperativos, Jogos de Oposição e Brincadeiras Populares),
para fomentar as discussões relativas aos Valores Morais da Justiça, Diálogo,
Solidariedade e Respeito Mútuo, essências para o desenvolvimento de um aluno-
cidadão.
As atividades práticas escolhidas foram de baixa complexidade de aplicação e
execução, e se mostraram bastante atraentes e eficientes para o desenvolvimento
das reflexões planejadas para a discussão dos valores morais a que estavam
relacionadas.
Em relação ao instrumento de verificação teórico, foi realizada uma
comparação quanto à disposição das frases no pré-teste e no pós-teste. Observou-
se no GRUPO B (grupo de aplicação das intervenções), uma maior readequação da
ordem das frases, apontando para uma busca mais lógica dos conceitos. Já o
GRUPO A (grupo controle), apresentou pouca variação na ordem das frases, que
pode ser interpretado como uma baixa evolução dos processos de sensibilização e
incorporação de novas ideias em relação à temática dos valores.
Baseado no relato de alguns professores de outras disciplinas do GRUPO B
(aplicação) percebeu-se um aumento significativo na integração positiva e produtiva
entre os estudantes, e também a Equipe Pedagógica apontou para um decréscimo
nos encaminhamento dos casos de indisciplina e desrespeito daquela turma.
A carga horária de 2 horas semanais da disciplina de Educação Física,
estabeleceu alguns limites negativos para o desenvolvimento com maior eficiência
de resultados desse projeto, pois o distanciamento temporal entre as aulas
dificultaram a conexão dos conteúdos e o reforço positivo das propostas.
A inclusão mais efetiva dos grupos familiares dos alunos envolvidos em ações
paralelas ao projeto, fora do ambiente escolar, poderia ter agregado maior qualidade
e evidência nos resultados.
Os processos observatórios foram mais eficientes na comprovação dos
resultados, do que a verificação teórica empregada, propriamente dita.
Também ficou evidente a necessidade de continuidade e aprofundamento dos
estudos relativos a essa temática, para a verificação das possibilidades de
articulação com outros conteúdos específicos da disciplina de Educação Física.
Por fim, conclui-se que as reações e atitudes demonstradas durante e após a
aplicação das atividades pelos alunos envolvidos nesse Projeto de Intervenção,
comprovaram a importância da inserção de conceitos e discussões relativos à Ética,
associados aos conteúdos da disciplina de Educação Física, para a construção e o
desenvolvimento de indivíduos socialmente equilibrados.
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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